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Dissertação de Mestrado PERSPECTIVAS DE FORMAÇÃO NO CURSO DE LICENCIATURA EM QUÍMICA DO IFSC: DA TRADIÇÃO TÉCNICA AO DISCURSO EMANCIPATÓRIO Maria Leda Costa Silveira Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Pós-Graduação em Educação

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Page 1: Dissertação de Mestrado · dissertação de mestrado perspectivas de formaÇÃo no curso de licenciatura em quÍmica do ifsc: da tradiÇÃo tÉcnica ao discurso emancipatÓrio

Dissertação de Mestrado

PERSPECTIVAS DE FORMAÇÃO NO CURSO

DE LICENCIATURA EM QUÍMICA DO IFSC:

DA TRADIÇÃO TÉCNICA AO DISCURSO

EMANCIPATÓRIO

Maria Leda Costa Silveira

Universidade Federal de Santa Catarina

Programa de Pós-Graduação em Educação

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Maria Leda Costa Silveira

PERSPECTIVAS DE FORMAÇÃO NO CURSO DE

LICENCIATURA EM QUÍMICA DO IFSC: DA TRADIÇÃO

TÉCNICA AO DISCURSO EMANCIPATÓRIO

Dissertação submetida ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade

Federal de Santa Catarina para obtenção do

Grau de Mestre em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Juares da Silva Thiesen.

Florianópolis

2013

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Ao meu esposo Lino, e as nossas filhas: Lílian,

Liele e Laís pelo apoio e solidariedade

sempre.

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AGRADECIMENTOS

A Deus.

Ao professor Juares Thiesen.

À amiga Adriane Stroisch.

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Talvez não tenhamos conseguido fazer o

melhor, mas lutamos para que o melhor fosse

feito. Não somos o que deveríamos ser, não

somos o que iremos ser. Mas Graças a Deus,

não somos o que éramos.

Martin Luther King

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RESUMO

A presente Dissertação, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), tem como

objeto de estudo a concepção curricular presente no curso de Licenciatura

em Química do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de

Santa Catarina (IFSC). O objetivo é, portanto, identificar a perspectiva de

formação que orienta o referido curso, considerando-se como referência

para análise as abordagens: técnico-instrumental e político-

emancipatória. Do ponto de vista metodológico, o trabalho tem por base

a concepção histórico-dialética, com uso de procedimentos que incluem

estudo histórico do fenômeno, análise documental e das diretrizes

curriculares do curso. A pesquisa apresenta-se estruturada da seguinte

forma: uma introdução que contempla a problemática, os objetivos e a

metodologia; um capítulo dedicado à discussão da relação entre capital,

trabalho, educação e educação profissional; um capítulo no qual se

discute o lugar do currículo e seu papel político na formação de

professores; um capítulo dedicado ao estudo histórico que constitui a

trajetória dos Institutos Federais de Educação; e, finalmente, um texto que

analisa as perspectivas de formação no curso de Licenciatura em Química

do IFSC. Dentre os principais resultados do trabalho de investigação

destacam-se: a) as orientações que definem os processos formativos no

IFSC acompanham, em geral, as diretrizes emanadas dos organismos

internacionais e as políticas educacionais em nível nacional; b) o currículo

do curso de Licenciatura em Química do IFSC constitui um território que

expressa o caráter das relações de força, seja em âmbito político, cultural,

seja em âmbito social e pedagógico, tão bem marcado pelos

pesquisadores do campo com os quais a pesquisa dialoga; c) o curso de

Licenciatura em Química do IFSC assenta-se em perspectivas

eminentemente técnico-instrumentais, orientação esta revelada no

trabalho empírico a partir da análise do corpus documental e, inclusive,

de sua matriz curricular; e e) embora as diretrizes oficiais apontem uma

formação de caráter emancipador, o estudo revela que, no âmbito do

curso, a instituição segue desenvolvendo a formação mediada por sua

tradição, qual seja, a de perspectiva para o modelo de sociedade vigente.

Esse movimento revela que há fragilidades teóricas no âmbito do projeto

formativo da licenciatura no IFSC. Cabe destacar que os resultados

obtidos inscrevem-se no limite para os quais os objetivos foram definidos.

Palavras-chave: Formação de professores. Projeto de currículo.

Tecnicismo. Educação emancipatória.

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ABSTRACT

This dissertation, submitted to the Graduate Program in Education at the

Federal University of Santa Catarina (UFSC), examines the curriculum

design present in the course of Bachelor of Arts in Chemistry at the

Federal Institute of Education, Science and Technology of Santa Catarina

(IFSC). The study aims, therefore, to identify the educational perspective

that guides that course, considering as a reference for analysis the

technical-instrumental and political-emancipatory approaches. From a

methodological point of view, this work is based on the historical-

dialectical conception, adopting procedures that include historical study

of the phenomenon, and documental analysis of the curricular guidelines

of the course. The research is organized as follows: an introduction that

addresses the problem, the objectives and the methodology; a chapter

devoted to the discussion of the relationships between capital, labor,

education and professional education; a chapter in which we discuss the

place of the curriculum and its political role in teacher training; a chapter

devoted to a historical study of the trajectory of the Federal Institutes of

Education and, finally, a text that analyzes the perspectives for education

in the course of Bachelor of Arts in Chemistry at IFSC. The main results

of this research include: a) the guidelines that define the educational

processes at IFSC usually follow the guidelines issued by the international

organizations and educational policies at the national level; b) the

curriculum of the course of Bachelor of Arts in Chemistry at IFSC is a

territory that expresses the character of power relationships, both in the

political, cultural scope and in the social and educational scope, so

strongly marked by researchers of the area with which this research comes

into dialogue; c) the course of Bachelor of Arts in Chemistry at IFSC is

based on essentially technical-instrumental perspectives, and this

orientation is revealed in this empirical work, in the analysis of the

documental corpus and also of the course’s curriculum; e) although the

official guidelines point to an emancipatory pedagogy, this study reveals

that, within the course, the institution continues to develop an education

mediated by its tradition, namely, within the perspective of the current

model of society. This reveals some theoretical weakness in the

educational project of the course of Bachelor of Arts at IFSC. It should

be noted that the results fall within the limits for which the objectives

were defined.

Keywords: Teacher training. Curriculum design. Technicism.

Emancipatory education.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1 – Formação do corpo docente ........................................ 100

Gráfico 2 – Gráfico comparativo de porcentagem das bibliografias

emancipatórias e instrumentais ..................................................

105

Quadro 1 – Matriz Curricular Licenciatura em Química IFSC –

Campus São José .............................................................................

108

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BM – Banco Mundial

CEB – Câmara de Educação Básica

CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica

CENAFOR – Centro Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal para a

Formação Profissional

CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe

CES – Câmara de Educação Superior

CFE – Conselho Federal de Educação

CNE – Conselho Nacional de Educação

COAGRI – Coordenação Nacional do Ensino Agrícola

CP – Conselho Pleno

DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais

EAD – Educação à Distância

EFA – Educação para Todos (Education for All)

EPT – Educação Profissional e Tecnológica

FIC – Formação Inicial e Continuada

GT – Grupo de Trabalho

IES – Instituição de Ensino Superior

IF – Instituto Federal

IFSC – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa

Catarina

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira

ISE – Institutos Superiores de Educação

ISO – Organização Internacional para Padronização (International

Organization for Standardization)

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

LDBN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC – Ministério da Educação

NSE – Nova Sociologia da Educação

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

PAEVS – Programa de Assistência ao Estudante em Vulnerabilidade

Social

PDI – Plano de Desenvolvimento Institucional

PI – Projeto Integrador

PNE – Plano Nacional de Educação

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PPC – Projeto Pedagógico do Curso

PPI – Projeto Pedagógico Institucional

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PROEJA – Programa Nacional de Integração da Educação Profissional

com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos

RCN – Referencial Curricular Nacional

SESG – Secretaria de Ensino de Segundo Grau

SESU – Secretaria de Ensino Superior

SETEC – Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

TIC – Tecnologias da Informação e da Comunicação

UTRAMIG – Universidade do Trabalho de Minas Gerais

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência

e a Cultura

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................ 17

1.1 CAMINHOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA ..................... 26

2 RELAÇÃO CAPITAL TRABALHO NA EDUCAÇÃO E NA

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL ......................................................... 29

2.1 BREVE PANORAMA SOBRE ELEMENTOS DA RELAÇÃO

CAPITAL, TRABALHO E EDUCAÇÃO ............................................ 29

2.2 O CAPITAL, NA RELAÇÃO ENTRE TRABALHO E EDUCAÇÃO

E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NA ATUALIDADE ...................... 36

3 O LUGAR DO CURRÍCULO E SEU PAPEL POLÍTICO NO

ÂMBITO DA FORMAÇÃO DE PROFESSOR ............................... 43

3.1 O PAPEL POLÍTICO DO CURRÍCULO ....................................... 44

3.2 PERSPECTIVAS DE FORMAÇÃO CONTEMPORÂNEA EM

CONTEXTO DE CURRÍCULOS TECNICISTAS E

NEOTECNICISTAS ............................................................................. 56

3.3 PERSPECTIVAS DE FORMAÇÃO EM CONTEXTO DE

CURRÍCULO CRÍTICO/EMANCIPADOR......................................... 62

4 CONSTITUIÇÃO HISTÓRICO/POLÍTICA DO IFSC E SUA

TRADIÇÃO DE FORMAÇÃO TÉCNICA NOS RECENTES

DIÁLOGOS COM A FORMAÇÃO DE PROFESSORES .............. 69

5 ANÁLISE DA PERSPECTIVA DE FORMAÇÃO NO CURSO DE

LICENCIATURA EM QUÍMICA DO IFSC.................................... 79

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................ 111

REFERÊNCIAS ........................................................................... 117

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17 1 INTRODUÇÃO

A transição do século XX para o século XXI, como toda transição

secular, foi marcada por grandes transformações paradigmáticas. A

fragilização do modelo socialista, a partir da dissolução da União

Soviética, as mudanças no mundo do trabalho e a consolidação do

neoliberalismo são exemplos de alterações sociais que têm gerado crises

identitárias nas mais diversas áreas. O ideário neoliberal e a submissão

aos ditames dos organismos financeiros, representantes dos interesses do

capital estrangeiro, constituíram a base de um processo de sucateamento

e privatização de grande parte do patrimônio nacional, provocando a

vulnerabilização da economia e da educação brasileira cuja organização

tem sido baseada no individualismo e na competitividade que

fundamentaram o teor ideológico do modelo neoliberal. Nesse processo,

as universidades públicas e as instituições federais de educação

profissional e tecnológica tiveram seu funcionamento quase inviabilizado

pela degradação devido, entre outros fatores, à falta de investimento

público (PACHECO, 2010). Concebendo a educação como política social

capaz de emancipar, O Governo Federal tem implementado, na área

educacional, políticas que se contrapõem às

concepções neoliberais e abrem oportunidades para

milhões de jovens e adultos da classe trabalhadora.

Na busca de ampliação do acesso à educação e de

permanência e aprendizagem nos sistemas de

ensino, diversas medidas estão em andamento

(PACHECO, 2010, p.3)

Nesse contexto é que nascem, pela Lei nº 11.892/2008, os

Institutos Federais, os quais passam a atuar em todos os níveis e em todas

as modalidades da educação profissional, ofertando, inclusive, cursos de

licenciatura. Um dos fundamentos dessa organização pedagógica

verticalizada permite que os educandos compartilhem espaços de

aprendizagem, delineando, assim, trajetórias ou itinerários formativos

que vão desde os cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC), o

Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a

Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos

(PROEJA), até os cursos técnicos de nível médio, de graduação e de pós-

graduação. Em sua nova configuração, os Institutos Federais também

devem atuar em favor do desenvolvimento local e regional na perspectiva

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da construção da cidadania e em sua intervenção. Devem ainda explorar

as potencialidades de desenvolvimento, a vocação produtiva local, a

geração e transferência de tecnologias e conhecimentos e a inserção,

nesse espaço, da mão de obra qualificada.

Os Institutos Federais, após a promulgação da lei de sua criação,

estabelecem a ampliação da oferta de vagas. Os percentuais previstos são

de, no mínimo, 50% de oferta em cursos técnicos de nível médio –

integrado, subsequente ou concomitante (preferencialmente integrado) e

no PROEJA, sendo que este último deve atingir, no mínimo, 10% da

oferta, conforme estabelecido no Decreto nº 5.840/2006. Para a formação

de educadores, a referida lei estabelece 20% da oferta em Licenciatura na

Área de Ciências da Natureza e Matemática, Licenciatura em Educação

Profissional Tecnológica (EPT) e em programas especiais de formação

pedagógica. Nos cursos superiores de tecnologia e no bacharelado, em

áreas nas quais a ciência e a tecnologia são componentes determinantes,

bem como nos programas de pós-graduação lato e stricto sensu, a Lei

estabelece 30% da oferta (BRASIL, 2008). Ainda em 2006, teve início o

Programa de Expansão da Rede Federal de Educação Tecnológica.

Originalmente, os Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET)

ofereciam educação técnica e tecnológica numa perspectiva de mercado

e adotavam um currículo que apontava para uma educação baseada na

formação acadêmica diferenciada entre classes sociais. Assim, a educação

técnica, cujo objetivo era o de “amparar os órfãos” e os supostos

“desvalidos da sorte” (BRASIL, 2007), era oferecida a uma determinada

classe social, refletindo uma dualidade, ou seja, uma educação para os

mais pobres diferente da educação para as classes dominantes. No

entanto, quando transformados em Institutos Federais, as finalidades e os

objetivos para a formação profissional mudaram. Os incisos dos artigos

6º e 7º da Lei 11.892/2008 propõem o seguinte:

O inciso I do art. 6º[...] traz também a questão da

formação do cidadão, sujeito político de direitos e

deveres, na perspectiva de uma atuação

profissional qualificada. O inciso II traz a

concepção da pesquisa enquanto princípio

educativo, entendendo-a como o trabalho de

produção do conhecimento, como atividade

instigadora do educando no sentido de procurar

respostas às questões postas pelo mundo que o

cerca, como estímulo a criatividade. Ao mesmo

tempo coloca como eixo orientador dos processos

investigativos as questões suscitadas pelas

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necessidades sociais considerando as

singularidades econômicas, sociais e culturais de

cada região. O inciso III aborda, sob a ótica da

otimização de recursos, a questão da integração

curricular da educação básica com a profissional.

O art. 7º esclarece pontualmente cada um das

ofertas de ensino e campos de atuação dessas

instituições, retomando a concepção de uma

instituição que contribua para o alcance de

transformações sociais por meio da formação de

profissionais críticos e comprometidos com o bem

coletivo (SILVA, 2009).

A perspectiva de mudança, apontada pela lei de criação dos

Institutos Federais, além de ampliar a presença da educação profissional

técnica e tecnológica e a oferta das licenciaturas, através da expansão em

todos os estados brasileiros, traz a possibilidade da construção de um

currículo emancipador para, “assim, derrubar as barreiras entre o ensino

técnico e o científico, articulando trabalho, ciência e cultura na

perspectiva da emancipação humana” (PACHECO, 2010, p.10). Segundo

o autor, este é um dos objetivos basilares dos Institutos Federais. Sua

orientação pedagógica deve recusar o conhecimento exclusivamente

enciclopédico, assentando-se no pensamento analítico, buscando uma

formação profissional mais abrangente e flexível, com menos ênfase na

formação para ofícios e mais na compreensão do mundo do trabalho e

numa participação qualitativamente superior. Um profissionalizar-se

mais amplo, que abra infinitas possibilidades de se reinventar no mundo

e para o mundo, princípios estes válidos, inclusive, para as engenharias e

licenciaturas.

Para o Ministério da Educação (MEC), as licenciaturas são

importantes, dentre outros fatores, para suprir a demanda por professores

que atendam a Educação Básica, principalmente nas áreas de Ciências da

Natureza e Matemática, além de estabelecer outra perspectiva de

educação, conforme podemos verificar no texto que segue:

Formar um professor destinado a atuar na

Educação Básica e/ou Profissional, garantindo a

construção de sólidas bases profissionais para uma

formação docente sintonizada com a flexibilidade

exigida pela sociedade atual, numa perspectiva

integradora, dialógica e emancipatória,

comprometida com a inclusão social. (BRASIL,

s.d., p.3)

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Esse conjunto de mudanças instigou-nos a pesquisar a perspectiva

de formação presente no currículo do curso de licenciatura oferecido pelo

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina

(IFSC). A escolha pelo currículo do curso de licenciatura em Ciências da

Natureza com habilitação em Química do Campus São José do IFSC

deveu-se, sobretudo, à mudança de perspectiva de formação oferecida

pela Instituição. O IFSC, até então, atuava fundamentado numa

concepção tecnicista e formava técnicos, tecnólogos e engenheiros, mas

agora, passa a formar professores e, segundo o discurso do MEC, numa

perspectiva emancipatória.

Outro motivo que também se tornou decisivo para a escolha dessa

problemática tem a ver com minha trajetória profissional no IFSC. Atuei

como pedagoga no Campus São José e coordenei, nos anos de 2008 e

2009, um grupo de trabalho formado por professores de diferentes áreas.

Buscávamos compreender o conceito de educação colocado naquele

momento para os Institutos Federais, mais especificamente, para os

cursos técnicos de nível médio de Telecomunicações, Refrigeração e

Climatização do Campus São José do IFSC. A intenção era construir um

aporte teórico-metodológico que proporcionasse sustentação ao currículo

dos cursos integrados ao ensino médio. Bem no início dos trabalhos, um

dos professores apresentou uma matriz curricular para dar origem à

construção de um currículo integrado; além das disciplinas estarem todas

ali colocadas, surpreendeu-nos o fato de que as maiores cargas horárias

estavam concentradas nas disciplinas Matemática e Física. Sugerimos ao

grupo outro caminho: que partíssemos das leituras dos conceitos

colocados pelo MEC e compreendêssemos os seus pressupostos. O

processo de construção do currículo integrado foi difícil, pois havia vários

tipos de divergências conceituais e metodológicas, mas apesar disso,

conseguimos construí-lo.

A partir dos indicativos dessa nova política educacional proposta

pelo Governo Federal, passamos a questionar uma série de elementos que

nos pareciam, a princípio, contraditórios. Sendo assim, nos

perguntávamos: o que realmente mudou no IFSC e em seu currículo? Por

que tão rapidamente o Instituto passa a ofertar formação de professores?

Por quais razões, explicitas e/ou implícitas, a ideia de formação

emancipatória aparece nos discursos oficiais?

Tendo em vista a trajetória histórica dos atuais Institutos Federais

(antes com diferentes denominações: Escola Técnica Federal - ETF;

Centro Federal de Educação Tecnológica – CEFET, etc), em termos de

formação profissional, partimos do pressuposto de que eles não possuem

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21 referenciais que lhes permitam fazer formação docente emancipatória. É,

pois, focalizando esse pressuposto que analisaremos o caráter da

formação presente nos atuais cursos de licenciatura do IFSC,

particularmente no curso de Química. Com base nesse pressuposto

empírico, definimos o problema de pesquisa que assume a seguinte

questão orientadora: qual perspectiva de formação sustenta o

currículo do curso de Licenciatura em Ciências da Natureza com habilitação em Química do Campus São José do IFSC? O trabalho

centra-se, pois, na análise da perspectiva de formação apresentados nos

textos oficiais e na matriz curricular do curso sob duas possíveis

concepções: a instrumental ou a emancipatória e nessa direção, buscamos

compreender o caráter da formação de professores de Química presente

na Instituição.

Na tentativa de compreendermos se a mudança proposta pelo MEC

é viável nos Institutos Federais (IFs) nesse momento histórico, cabe-nos,

inicialmente, apontar em qual contexto social, econômico e político os

IFs estão inseridos. Vivemos no Estado Democrático de Direito que,

segundo a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), embora

submetido ao modelo de sociedade baseada no modo de produção

capitalista, é destinado a assegurar aos brasileiros o exercício dos direitos

sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o

desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma

sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Levando em conta a trajetória do IFSC, a mudança de perspectiva

para a educação nos institutos federais colocados pelo MEC e o contexto

brasileiro, esta pesquisa busca também apontar e problematizar o papel

do currículo na formação inicial de professores em uma instituição federal

de educação profissional. Entendemos ser este mais um aspecto relevante

do trabalho, especialmente porque buscamos a compreensão

epistemológica do currículo e, nesse âmbito, a formação de docentes do

IFSC.

A questão que nos parece expressar a problemática na qual se

inscreve a pesquisa é a seguinte: em que medida torna-se possível, ao

IFSC, efetivar formação de docentes numa perspectiva emancipatória, se

sua tradição1 (considerando-se suas denominações anteriores) tem sido a

1 Tradição do IF baseia-se na sua trajetória histórica, com suas diferentes

denominações, que advém antes de 2008, mais precisamente de 1909. Mais

recentemente a maioria dos Cefets foram transformados em Institutos Federais,

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de formação técnica e tecnológica em concepções tendencialmente

instrumentais?

Discorrendo sobre educação emancipatória, Giroux assim se

manifesta: Para que a educação para a cidadania se torne

emancipatória, deve começar com o pressuposto de

que seu principal objetivo não é ajustar os alunos à

sociedade existente; ao invés disso, sua finalidade

primária deve ser estimular suas paixões,

imaginação e intelecto, de forma que eles sejam

compelidos a desafiar as forças sociais, políticas e

econômicas que oprimem tão pesadamente suas

vidas. Em outras palavras, os alunos devem ser

educados para demonstrar coragem cívica, isto é,

uma disposição para agir, como se de fato vivessem

em uma sociedade democrática. (GIROUX, 1986,

p.262)

Do ponto de vista da chamada teoria da resistência, Giroux (1986)

discute uma construção epistemológica e ideológica que indica outra

maneira para analisar as relações entre escola e sociedade. Ele parte de

um pressuposto que muda a análise do comportamento, afastando-se da

linha funcionalista e da psicologia educacional para adotar a da análise

política. É, pois, com Henry Giroux e com outros curriculistas desta

mesma linha teórica que dialogaremos buscando entender a problemática

que propusemos investigar.

As mudanças que ocorrem, tanto nos documentos oficiais como

nos discursos do IFSC, paradoxalmente, parecem naturais, ou seja, nada

parece ser intencional. Porém, há uma dificuldade, de modo geral, de

percepção dessas mudanças, assim como rapidamente se naturalizam os

processos de (re) acomodação. E essas (re) acomodações na ordem social

vigente se mostram falsamente intransponíveis, na perspectiva de o ser

vir a tornar-se mais importante do que o capital. E a educação, do modo

como foi constituída em sua estrutura e função, é uma expressão dessa

sociedade, em que as transformações são naturalizadas. O processo de formação docente é um espaço de preparação para

o exercício da docência, compreendendo o significado e a relação do que

fazem os sujeitos em sala de aula e os reflexos deste fazer dentro e fora da instituição escolar, ou seja, na sociedade. Conforme Gadotti (2005), o

mas os professores são os mesmos, ou seja, mesmo que tenham sido criados em

2008 os IFs têm um legado de cem anos.

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23 problema central continua a ser a relação da Educação com a Sociedade.

É necessário colocar a problemática política, o que significa também

apontar graves questões: “para que serve o que aprendemos? Para quem

é e contra quem é? Para que serve a escola?” Segundo o mesmo autor, “a

formação do novo educador se dará a partir de uma sólida formação

política2 e social” (GADOTTI, 2005, p.78 e 79). Porque, caso contrário,

a atuação docente continuará fortemente marcada por uma noção de

educação baseada na racionalidade técnico/instrumental, como defende

Schön:

Na perspectiva da racionalidade técnica [...] um

profissional competente está sempre preocupado

com problemas instrumentais [...]. Nesta visão a

competência profissional consiste na aplicação de

teorias e técnicas derivadas da pesquisa

sistemática, preferencialmente científica, à solução

de problemas instrumentais da prática (SCHÖN,

2000, p. 37).

O projeto da modernidade, na lógica da racionalidade técnica, foi

incapaz de cumprir sua promessa de solução dos problemas do mundo,

tampouco de responder às novas demandas da contemporaneidade.

Contra essa lógica, Mészáros (2008, p. 45) adverte que a educação formal

pode não ser “a força ideologicamente primária que consolida o sistema

do capital”, mas ela tem o papel de conformar e de consensuar dentro dos

seus limites institucionalizados. Para a formação em nível de educação

superior, há um discurso humanista que reproduz a mesma lógica,

inclusive, assumida por organismos internacionais. Senão vejamos:

[...] levam BM3-UNESCO a se definir por uma

educação humanista ou geral na estruturação

curricular do novo modelo de educação superior.

[...] Essa educação humanística ou geral,

estratificada, deverá ser ministrada em três níveis

distintos: a) um nível básico para todos os alunos

2 A palavra política pode ser compreendida por nós, hoje, como o resultado

de um longo processo sócio-histórico que se inicia com a criação da polis

(cidade-estado) grega. O termo “política” foi cunhado a partir da atividade

social desenvolvida pelos gregos em sua polis, e “remete à cidade, ao

coletivo, ao discurso, à cidadania, à soberania, à lei”. (MAAR, 2004, p.30). 3 Banco Mundial

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da educação superior; b) um nível intermediário,

destinado àqueles que realizam estudos

especializados, profissionais ou técnicos; c) um

nível intensivo, para os alunos excepcionalmente

promissores e com orientação claramente

intelectual, a fim de dar uma base sólida às suas

carreiras ou estudos altamente especializados

(UNESCO apud NEVES; PRONKO, 2008

p.132/133).

Essa educação, apontada pelos organismos internacionais como

pretensamente humanista, deverá estar a serviço do novo perfil de

trabalhador requerido pelo mercado de trabalho. Além disso, a educação

tem outros papéis para o capital, dentre eles, o de formar consumidor para

os seus produtos. Com relação a esse aspecto, destaca Romanelli (2001,

p. 59) “O capitalismo, notadamente o capitalismo industrial, engendra a

necessidade de fornecer conhecimentos a camadas cada vez mais

numerosas, seja pela exigência da própria produção, seja pelas

necessidades do consumo que essa produção acarreta”. Em outras

palavras, à medida que a tecnologia avança, há necessidade de

consumidores capazes de usar esses novos produtos tecnológicos. Para Neves e Pronko (2008), a produção cada vez mais complexa

de conhecimento científico tecnológico está, hoje, sob a tutela do capital.

Disso decorre, segundo Romanelli (2001), uma adequação do sistema

escolar, em que são enfatizados dois aspectos: uma formação livresca e

acadêmica voltada à formação das elites, para realização do trabalho

intelectual, e outra especializada, voltada mais diretamente para a

produção, reproduzindo o sistema taylorista, em que há distinção entre a

educação dos que planejam e a dos que executam, ou seja, há uma

dualidade.

É, pois, no contexto da problemática sobre o caráter técnico e

político da formação inicial de professores desenvolvida atualmente no

IFSC e da questão específica de pesquisa anteriormente apresentada que

definimos o objetivo geral deste trabalho científico, que é o de identificar

qual perspectiva de formação sustenta o currículo do Curso de

Licenciatura em Ciências da Natureza com Habilitação em Química

do IFSC.

Como objetivos específicos, buscamos: i) compreender os vínculos

da relação capital-trabalho com a educação e com a educação

profissional; ii) compreender as concepções técnicas e políticas na

formação de professores; iii) entender o lugar do currículo nas propostas

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25 de formação de educadores e particularmente na licenciatura do IFSC; iv)

compreender a mudança dos Institutos no âmbito da formação e as razões

pelas quais a Instituição adere à política de formação de professores; v)

analisar a proposta de formação presente no currículo do Curso de

Licenciatura em Ciências da Natureza com Habilitação em Química do

IFSC; vi) identificar os elementos metodológicos e pedagógicos que

revelam a tendência de formação.

Para fazer o diálogo com a empiria recorremos a autores, como:

Ricardo Luis Coltro Antunes; Michael With Apple; Basil Bernstein; John

Franklin Bobbitt; Maria Ciavatta; Peter Fer Drucker; Paulo Freire;

Gaudêncio Frigotto; Moacir Gadotti; Antônio Gramsci; Henry Giroux;

Acácia Kuenzer; Tomaz Tadeu da Silva; Lucília Machado; Karl Marx;

Mario Alighiero Manacorda; Istívan Mészáros; Antônio Flávio Moreira;

Lúcia Neves; Marcela Pronko; João Paraskeva; Donald Schön, entre

outros.

No intuito de responder às questões da pesquisa, no capítulo I,

“Introdução”, apresentamos os elementos constitutivos da investigação

bem como sua estrutura em termos de opção teórica e metodológica. No

texto, destacamos: a problemática da pesquisa, o recorte que identifica

seu objeto, seus objetivos, além de um conjunto de argumentos que

justificam sua relevância epistemológica e social. No capítulo II,

“Relação capital, trabalho na educação e na educação profissional”,

discutimos, com alguma densidade, as transformações ocorridas no modo

de produção capitalista e como estas influenciaram e ainda influenciam a

educação em geral e, particularmente, a educação profissional. No

capítulo III, intitulado “O lugar do currículo e seu papel político no

âmbito da formação de professor”, fazemos, a exemplo dos textos

anteriores, um estudo de natureza teórica, que mostra as tendências e

possibilidades colocadas no campo curricular, para então destacar

aspectos sobre as duas grandes perspectivas de currículo que orientam a

formação de professores, quais sejam, a técnico-instrumental e a crítico-

emancipatória. No capítulo IV, “Constituição histórica dos Institutos

Federais e a tradição de formação nos diálogos recentes com formação de

educadores”, efetuamos um breve estudo da legislação brasileira que

constituiu e ainda constitui a educação profissional em geral e dos

Institutos Federais em particular. No capítulo V intitulado “Análise da

perspectiva de formação no curso de Licenciatura em Química do IFSC”,

identificamos, por meio de um trabalho empírico, as perspectivas de

formação que sustentam a proposta curricular da licenciatura ofertada no

IFSC Campus São José.

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1.1 CAMINHOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Para a dialética, as coisas não são analisadas na

qualidade de objetos fixos, mas em movimento:

nenhuma coisa está acabada, encontrando-se

sempre em vias de se transformar, desenvolver; o

fim de um processo é sempre o começo de outro

(ENGELS apud LAKATOS; MARCONI, 2003, p.

101).

Iniciamos o presente texto, dedicado à explicitação dos caminhos

metodológicos que compõem a pesquisa, assumindo que qualquer

investigação científica exige a adoção de método(s) e procedimentos,

sejam estes constituídos em função de escolhas técnico-instrumentais ou

políticas. Apoiados em Marconi e Lakatos, entendemos que método

[...] é o conjunto das atividades sistemáticas e

racionais que, com maior segurança e economia,

permite alcançar o objetivo – conhecimentos

válidos e verdadeiros –, traçando o caminho a ser

seguido, detectando erros e auxiliando as decisões

do cientista (MARCONI; LAKATOS, 2003, p.

83).

Nesse sentido, tanto o método quanto os instrumentos a serem

utilizados na pesquisa não estão desconectados do objetivo, portanto, não

são neutros. Assim, diferentes métodos podem levar o pesquisador a

diferentes resultados, dado que neles estão implicadas as opções em

termos de perspectiva ou abordagem teórica.

Foi, pois, com a finalidade de compreendermos as contradições

decorrentes das mudanças ocorridas no IFSC – instituição que

tradicionalmente desenvolve formação nas áreas técnica e tecnológica e

que, a partir de 2009, passa a ofertar também cursos de graduação para

formação inicial de professores, as chamadas licenciaturas – que optamos

por uma abordagem e por procedimentos que incluem

predominantemente a concepção do método histórico-dialético associado

a estudos de natureza histórica e documental.

A opção de assumir este arcabouço metodológico se deve ao fato

de entendermos que tal abordagem tem o potencial teórico de sustentar as

análises definidas como objetivos e revelar as contradições presentes no

movimento que se opera no campo da formação de professores do IFSC.

Sob a orientação dessa perspectiva teórico-metodológica,

procedemos à análise do objeto da pesquisa, elegendo os procedimentos

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27 que passamos a detalhar.

Para cumprir o primeiro objetivo específico, qual seja: identificar

os vínculos da relação capital/trabalho com a educação profissional –

lançamos mão daquilo que Jacobsen (2011, p. 33) chama de estudo

histórico do fenômeno. Para este pesquisador, as formas atuais de vida

social têm origem no passado e assim, ele coloca o fenômeno no contexto

histórico-social, logo, a compreensão do movimento da materialidade só

pode ser construída se voltarmos ao passado e revelarmos seus

movimentos internos.

Esse enfoque metodológico foi, portanto, o que sustentou a

tessitura do Capítulo dois, “Relação capital, trabalho na educação e na

educação profissional”, texto que mostra as transformações ocorridas no

modo de produção e como esse processo influenciou na relação educação

e trabalho, num contexto de uma sociedade capitalista. Esse mesmo

procedimento, que valoriza os elementos da constituição histórica dos

fenômenos, também foi utilizado para responder aos demais objetivos

específicos e para orientar a construção dos textos que constituíram os

capítulos três e quatro que analisam, respectivamente, “O lugar do

currículo e seu papel político no âmbito da formação de professor” e a

“Constituição histórica/política do Instituto Federal e a tradição de

formação nos diálogos recentes com a formação de professores”.

Associado ao enfoque histórico que permitiu compreender o objeto

da pesquisa em seu movimento de constituição, lançamos mão do

procedimento denominado “análise documental”. Por meio desse

recurso, levantamos o corpus normativo que integra a política de

formação dos Institutos Federais e identificamos os elementos que

apontam a perspectiva de formação no curso de Licenciatura em Ciências

da Natureza – Habilitação em Química, verificando, particularmente, se

a formação tem caráter técnico-instrumental ou político-emancipatória.

Para o trabalho de análise documental, assumimos o pressuposto

inicial de que a formação de professores no Brasil orienta-se por duas

perspectivas distintas: uma que se fundamenta e se organiza em conceitos

de filiação tecnicista, portanto, uma formação baseada nos referenciais do

modelo liberal que sustentou e sustenta a formação técnica e tecnológica,

e outra que se fundamenta e se organiza em conceitos de filiação político-

emancipatória baseada nos referenciais da filosofia materialismo

histórico dialético que significa: materialismo dialético, no seu método de

abordar, estudar e conceber os fenômenos da natureza é dialético, e sua

interpretação dos fenômenos da natureza, seu modo de focalizá-los, sua

teoria, é materialista. O materialismo histórico é a aplicação dos

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princípios do materialismo dialético ao estudo da vida social, aos

fenômenos da vida da sociedade, ao estudo desta e de sua história

(STÁLIN, 1945).

Assim, a análise dos documentos foi conduzida por essa

classificação, de modo que extraíssemos deles os elementos que revelam

uma ou outra perspectiva formativa em seu currículo. Dentre os

documentos oficiais analisados estão os seguintes:

Legislação Nacional de Formação de Professores, documentos de

organismos internacionais que influenciaram a formação docente;

particularmente, analisamos a concepção de formação explicitada nesses

documentos.

Institutos Federais em Educação, Ciência e Tecnologia – Um

novo modelo em educação profissional e tecnológica: concepção e

diretrizes (2010). Analisamos, particularmente, qual entendimento dos

Institutos sobre educação, trabalho, ciência e tecnologia.

Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) e Projeto

Pedagógico Institucional (PPI) do IFSC; princípios filosóficos e teórico-

metodológicos gerais que norteiam a construção do Projeto Pedagógico.

Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de Licenciatura em Ciências

da Natureza – Habilitação em Química: nomenclatura, justificativa,

objetivos, perfil do egresso, concepção de currículo, avaliação, pré-

licenciatura, pró-licenciatura, formação acadêmica dos professores da

licenciatura, diretrizes do curso, e bibliografias utilizadas.

Matriz Curricular: as disciplinas que a compõem.

Esse mesmo procedimento foi adotado para a análise da Matriz

Curricular do Curso de Licenciatura em Química, quando dele extraímos

os elementos que revelam uma formação mais técnico-instrumental ou

mais político-emancipatória. Nesse particular trabalho, tomamos todas as

disciplinas que compõem o curso, suas ementas e suas bibliografias e as

associamos com os referenciais das duas perspectivas, identificando, por

essa via, a concepção predominante.

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29 2 RELAÇÃO CAPITAL TRABALHO NA EDUCAÇÃO E NA

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

No texto a seguir apresentamos um breve panorama sobre

elementos da relação capital, trabalho e educação e mais especificamente

a influência do capital nesta relação. O propósito é compreender como

esse movimento repercute nos processos de constituição dos Institutos

Federais de Educação e particularmente na proposta de formação do curso

de licenciatura em Química do IFSC.

2.1 BREVE PANORAMA SOBRE ELEMENTOS DA RELAÇÃO

CAPITAL, TRABALHO E EDUCAÇÃO

No intuito de melhor entendermos sob qual perspectiva o IFSC

realiza a formação dos professores, buscamos inicialmente o conceito de

Capital em Marx. Para este autor, capital é a relação de produção e

acumulação de mercadorias, isto é, de riqueza abstrata. Essa riqueza é

alcançada mediante a compra da força de trabalho, única mercadoria

capaz de produzir um valor superior ao seu próprio valor. É um valor que

se valoriza por meio da apropriação do trabalho não pago. O capital é

definido por duas coisas: o que ele é e como atua. Ele é uma acumulação

de mais-valia produzida pelo trabalho e essa acumulação pode tomar a

forma de dinheiro, mercadoria ou meios de produção – usualmente é uma

combinação dos três. E ele atua para assegurar acumulação posterior.

Marx descreveu isso como "a auto-expansão de valor" (MARX, 1996,

p.189). Encontramos ainda em Marx a seguinte ideia:

Ao converter o dinheiro em mercadorias que

servem de elementos materiais de novo produto ou

de fatores do processo de trabalho e ao incorporar

a força de trabalho viva à materialidade morta

desses elementos, transforma valor, trabalho

pretérito, materializado, morto, em capital, em

valor que se amplia (MARX, 1996, p.219).

Isto significa dizer que a força de trabalho é uma mercadoria cujo

valor é determinado pelos meios de vida necessários à subsistência do

trabalhador (alimentos, roupas, moradia, transporte, etc.). Se este

trabalhador trabalhar além de um determinado número de horas, estará

gerando não apenas valor correspondente ao de sua força de trabalho (que

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lhe é pago pelo capitalista na forma de salário), mas também um valor a

mais, um valor excedente sem contrapartida, denominado por Marx de

mais-valia. Em um movimento histórico dialético, a satisfação das

primeiras necessidades com o trabalho gera novas necessidades. Em

movimento complementar, o trabalho executado na satisfação destas

primeiras necessidades transforma o homem.

No entendimento de Marx, a concepção de trabalho é fundamental

para compreensão das relações de produção e é a partir do trabalho (ou da

sua divisão) que surge a propriedade privada. Ao longo da história, o

trabalho se dividiu. Conforme Marx e Engels (1999), a divisão do

trabalho, originalmente sexual, torna-se posteriormente uma divisão em

virtude de disposições naturais, isto é, de acordo com o vigor físico, os

acasos, as capacidades. Mas a divisão mais marcante é a divisão entre

trabalho material e espiritual, ou seja, entre trabalho manual e intelectual.

É esta divisão que engendra a propriedade privada. Para Marx (1996, p.

46), são “expressões idênticas: a primeira enuncia em relação à atividade,

aquilo que se enuncia na segunda em relação ao produto da atividade”.

A escola reproduz, nos processos de formação, a lógica de duas

formações: uma para o trabalho manual e outra para o trabalho intelectual.

Além do conceito de capital, buscamos também em Marx os

conceitos de trabalho, tanto de trabalho ontológico como de trabalho

assalariado. Marx assim define trabalho ontológico:

[...] Antes de tudo o trabalho é um processo de que

participam o homem e a natureza, processo em que

o ser humano com sua própria ação, impulsiona,

regula e controla o seu intercambio material com a

natureza. [...] atuando assim sobre a natureza

externa e modificando-a, ao mesmo tempo

modifica sua própria natureza. (Marx, 1996, p.

202)

Em outras palavras, o homem transforma a natureza e se

transforma na mesma medida. Isso porque o homem pode refletir acerca

da sua forma de agir e porque se comunica e sistematiza a sua experiência

social na forma de cultura, o que o diferencia dos animais.

Quanto ao trabalho assalariado, Marx (1996, p. 190) sustenta que

só aparece o capital quando o possuidor dos meios de produção e de

subsistência encontra o trabalhador livre no mercado vendendo sua força

de trabalho, e essa única condição histórica determina um período da

história da humanidade. Significa dizer que o trabalho assalariado é a

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31 forma de relação mercantilizada em que o homem produz e reproduz sua

existência numa sociedade capitalista. O trabalho não apenas permite a

sobrevivência do homem como também o transforma constantemente,

historicamente, dialeticamente. O homem é, portanto, fruto de seu

trabalho. Mais que isso, as relações de produção e as relações sociais entre

os homens são resultado da conformação do trabalho em dado momento

histórico.

Outro conceito importante para entender a relação capital, trabalho

e educação é o neoliberalismo:

O neoliberalismo é um movimento político e

teórico, predominantemente no pós-II Guerra, de

contraposição à concepção política e econômica

baseada no keynesianismo e na intervenção do

Estado. É uma corrente de pensamento cujos

princípios embasam uma concepção política em

que o fundamento da sociedade se assenta na

liberdade dos indivíduos e no funcionamento dos

mercados. É também um movimento político que

se desdobrou na formulação de um conjunto de

políticas e de redefinição do papel do Estado, na

perspectiva de construir uma sociedade

autoregulável pelo mercado. Especificamente em

relaçõ ao trabalho, o neoliberalismo apresenta duas

dimensões complementares: a) a compreensão do

trabalho como expressão do exercício da liberdade

dos indivíduos, que inclui aa sua estratégia de

sobrevivência e/ou de sua realização humana por

meio do trabalho, baseado na meritocracia; b) em

contraposição à regulação social do trabalho

construída nas sociedades ocidentais e consolidada

especialmente pós-II Guerra, propõe um conjunto

de políticas de desregulamentação do mercado de

trabalho, de diminuição da proteção social, de

flexibilização de direitos trabalhistas e de

redefinição do papel dos sindicatos (KREIN, 2011,

p. 245, grifo do autor).

Na formação dos trabalhadores de modo geral e especificamente

na formação docente há impactos do pensamento neoliberal os quais, de

algum modo, veremos ao longo deste trabalho.

Objetivando compreender a íntima relação entre capital, trabalho e

educação, e situar este complexo movimento nas atividades de formação

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profissional, particularmente na formação de professores, apresentamos

um breve panorama histórico sobre essa relação. Verificaremos algumas

das transformações ocorridas no mundo do trabalho desde a Revolução

Industrial, iniciada na Inglaterra, a partir da segunda metade do século

XVIII.

Até a Idade Média, a educação dava-se, na vida, pelo trabalho. A

escola não passava de uma instância de educação complementar,

secundária, acessível apenas para uma minoria privilegiada pela condição

de sua origem de classe. À medida que a sociedade mudava, mudavam os

processos produtivos, apareciam novas necessidades e, para atendê-las,

popularizou-se a escola. De acordo com Saviani:

[...] a partir da época moderna, o conhecimento

sistemático – a expressão letrada, a expressão

escrita – generaliza-se, dadas as condições da vida

na cidade. Eis porque é na sociedade burguesa que

se vai colocar a exigência de universalização da

escola básica. Há um conjunto de conhecimentos

básicos que envolvem o domínio dos códigos

escritos, que se tornam importantes para todos.

Com o advento desse tipo de sociedade, vamos

constatar que a forma escolar de educação se

generaliza e se torna dominante. Assim, se até o

final da Idade Média a forma escolar era parcial,

secundária, não generalizada, quer dizer, era

determinada pela forma não escolar, a partir da

época moderna ela generaliza-se e passa a ser a

forma dominante (SAVIANI, 2003, p. 96).

As características desse novo modo de produção eram a produção

industrial em massa, o uso de novas tecnologias e a propriedade dos meios

de produção. Esse modelo de sociedade que surgia impactava diretamente

no modo como as pessoas viviam. Referindo-se a tal impacto, Rolland

escreve: Tempo é dinheiro

O mundo alcança um estágio técnico novo, que

marcará, de maneira duradoura, a mentalidade dos

homens. Eles haviam conquistado o tempo. Até

então, à exceção do nascer e do pôr-do-sol, nenhum

outro ritmo alterava a vida do homem. Entretanto,

aos poucos, os sinos dos mosteiros foram

convocando às orações, em horas certas, e depois,

no século XIII, os relógios mecânicos passaram a

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interpretar a marcha do tempo. As cidades

começaram a levar uma vida regulada e, em

consequência disso, implantaram-se hábitos de

ordem e organização. O tempo era contado,

passava a ser importante, tinha valor. O mundo era

mensurável. Desta precisão, deste ritmo, nasceriam

a ciência e a máquina, que viriam aumentar de

maneira extraordinária o poderio dos homens.

Logo todos se compenetrariam de que o tempo vale

dinheiro (ROLLAND, 1972, p.112).

Com a Revolução Industrial, desenvolve-se e estrutura-se a escola

que traz implícita a superação do aprendizado artesanal e a adequação da

prática artesanal às exigências burguesas. O latim deixa de ser referência

para o estudo da língua e da lógica e o Humanismo entra em crise sob a

influência do Iluminismo. Cada vez mais rapidamente há substituição de

tecnologias e, como consequência, mudanças nos processos produtivos.

Com isso, principalmente os industriais tinham a preocupação com a

formação dos trabalhadores como massa operária para atender às

necessidades da produção da fábrica. Manacorda (2010) destaca que os

industriais, preocupados com a relação instrução-trabalho ou instrução

técnico-profissional, buscaram maneiras diferentes de resolver esse

problema: reproduzir, na fábrica, os métodos de aprendizagem artesanal,

pela observação e imitação ou criando várias escolas científicas, técnicas

e profissionais.

À medida que muda o modo de produção da vida, através do

trabalho, também muda o modo como a educação acontece, ou seja, se

antes a formação era para uma parcela da sociedade, agora, com o advento

do sistema fabril, torna-se necessário formar operários para exercer

funções nas indústrias. No século XVIII, a educação era alicerçada na

moral cristã e praticada por clérigos que ensinavam os nobres, intelectuais

e os candidatos à carreira religiosa. Defendida pela Revolução Francesa,

a luta por uma educação laica e universal, opondo-se à educação dada

pela Igreja, avança nos séculos seguinte.

No século XIX, depois da derrota de Napoleão Bonaparte, em

1815, houve uma reação conservadora que defendia o absolutismo, a

tradição, a ordem e a religião, e que tinha como objetivo proteger a Europa

Ocidental das influências da Revolução Francesa. Essa Revolução

defendia, entre outras coisas, uma educação laica.

Nesse período, conforme afirmação de Manacorda (2010), a

relação educação e sociedade contemplava dois aspectos fundamentais,

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tanto na prática como na reflexão pedagógica: o trabalho no processo da

instrução técnico-profissional que se realiza na escola e a descoberta da

psicologia infantil ativa. Esses dois aspectos impactaram profundamente

a educação e o currículo do século seguinte.

No século XX, o mundo conheceu a força da organização

produtiva do taylorismo-fordismo4. Segundo Antunes (2010, p. 12), o

homem era apenas mais uma peça que trabalhava em “ritmo seriado,

rígido e parcelar”, na linha de montagem das máquinas de produção em

série. Taylor (1960) entendia que os trabalhadores deveriam executar o

trabalho prescrito sob o rígido controle dos tempos e movimentos e

deveria existir uma camada de gestores responsáveis pela elaboração e

pelo controle da produção. O homem era alienado do seu trabalho, pois já

não dominava a totalidade do processo de fabricação, fazendo somente

partes do produto.

Como bem aponta Mészáros (2008, p. 80), essa é uma concepção

utilitarista que articula “sem reservas também no campo educacional as

concepções mais estreitas de racionalidade instrumental” (grifo do

autor).

Conforme a organização produtiva taylorista-fordista se

cristalizava nas indústrias, essa lógica também avançava para a área da

educação. Sobre o assunto, Manacorda assim se manifesta:

Saint-Simon [...] sua escola se constituiu como uma

igreja [...] Todas, de fato, partem da divisão do

trabalho na fábrica, da condição dos operários, da

oposição entre trabalho intelectual e trabalho

manual, orientando-se com argumentações

4 O taylorismo define-se como conjunto de técnicas e princípios referentes à

organização do processo de trabalho, as relações sociais de produção e a um

sistema de remuneração que associa rendimento à produção, concebidos pó

Frederick W. Taylor (1856-1915); Fordismo pode ser entendido como um

conjunto de inovações introduzidas por Henry Ford (1863-1947), na sua fábrica

de automóveis, nos Estados Unidos, nas primeiras décadas do século XX. Em

sentido mais amplo, fordismo é o paradigma organizacional, econômico e político

hegemônico na economia mundial, particularmente desde o final da II Guerra

Mundial até os anos 1970. Sendo assim, fordismo pode ser abordado em duas

instâncias distintas: no chão da fábrica e nas dimensões macroeconômica e social.

(CATTANI & HOLZMANN, 2011)

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diversas, para um ideal de perfeição humana ou

pelo menos para um bom desenvolvimento das

individualidades (MANACORDA, 2010, p.329).

Sem dúvida, esse processo de desenvolvimento moderno envolveu

também a estrutura escolar tradicional, incluindo progressivamente seus

conteúdos científicos e impondo a estes um caráter não somente

cognitivo, mas também operativo. Foi no nível metodológico-histórico

que se produziu a separação entre a escola do doutor e a escola do

trabalhador, sendo a primeira livresca e desinteressada e a segunda

profissional e prática. O processo em andamento estava caracterizado pela

destruição do aprendizado e pela criação de instituições para a formação

do trabalhador, as quais reforçavam o tipo de organização, as tradições e

os métodos da educação das elites, de maneira degradada, em direção às

classes subalternas. A trajetória dos Institutos Federais revela bem esse

movimento.

Nesse contexto, a formação para o trabalho, cada vez mais

generalizada, se dá especificamente na escola, que é dividida em níveis e

modalidades de forma hierarquizada. Para Kuenzer (1998), a concepção

determinante do projeto pedagógico da educação escolar com base

taylorista/fordista originou as tendências pedagógicas conservadoras em

todas as suas modalidades, que ora utilizavam a racionalidade formal, ora

a racionalidade técnica, mas que se fundavam na divisão entre

pensamento e ação. Essa pedagogia escolar é centrada em

conteúdos/atividades, pautada numa concepção positivista5 de ciência.

Significa que os conteúdos organizados no currículo são trabalhados de

maneira linear e fragmentados, privilegiando-se o método expositivo e o

da memorização. No Brasil, a educação profissional nasceu dentro desse

5 Para Comte, o Positivismo é uma doutrina filosófica, sociológica e política.

Surgiu como desenvolvimento sociológico do Iluminismo, das crises social e

moral do fim da Idade Média e do nascimento da sociedade industrial. O método

geral do positivismo consiste na observação dos fenômenos, opondo-se ao

racionalismo e ao idealismo, por meio da promoção do primado da experiência

sensível, única capaz de produzir a partir dos dados concretos (positivos) a

verdadeira ciência (na concepção positivista), sem qualquer atributo teológico ou

metafísico, subordinando a imaginação à observação, tomando como base apenas

o mundo físico ou material. O Positivismo nega à ciência qualquer possibilidade

de investigar a causa dos fenômenos naturais e sociais, considerando este tipo de

pesquisa inútil e inacessível, voltando-se para a descoberta e o estudo das leis

(relações constantes entre os fenômenos observáveis). (RIBEIRO JUNIOR,

1994)

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modelo de educação, que originou na atualidade os Institutos Federais de

Educação, Ciência e Tecnologia.

2.2 O CAPITAL, NA RELAÇÃO ENTRE TRABALHO E EDUCAÇÃO

E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NA ATUALIDADE

Ao mesmo tempo em que o modo de produção capitalista se

consolida se transforma. De acordo com Antunes (2010), o taylorismo-

fordismo dominou o modelo de produção industrial até início da década

de 1970, quando o sistema produtivo entrou em crise, sendo necessários

novos mecanismos para acumulação de capital. Com o advento do

neoliberalismo6, a produção reestrutura-se em todo o mundo, exigindo

uma organização econômica mais enxuta – a substituição do trabalho

vivo/humano, por aquilo que Marx (1996, p. 219) chama de “trabalho

morto”, ou seja, busca-se todo aparato tecnocientífico para minimizar a

força de produção humana e aumentar substancialmente a produtividade.

Trata-se de um novo modelo de acumulação do capital,

genericamente denominado de toyotismo. Para Cattani e Holzmann

(2011), é o modelo japonês de produção, criado por Taiichi Ohno e

implantado nas fábricas de automóveis Toyota após o fim da Segunda

Guerra Mundial.

Na década de 1970, em meio a mais uma crise do capital, esse

modelo espalhou-se pelo mundo. A ideia principal era produzir somente

o necessário, em pequenos lotes, reduzindo os estoques (flexibilização da

produção), com a máxima qualidade, trocando-se a padronização pela

diversificação e pela produtividade.

Mesmo dentro do sistema capitalista as relações de trabalho foram

modificadas, pois o trabalhador deveria ser mais qualificado, participativo

e polivalente, ou seja, deveria estar apto a trabalhar em mais de uma

função. As principais características desse modelo, como já frisamos:

flexibilização da produção – produção apenas do necessário, reduzindo

6 O neoliberalismo é um movimento político e teórico, predominante no pós-II

Guerra, de contraposição à concepção política e econômica baseada no

keynesianismo e na intervenção do Estado. É uma corrente de pensamento cujos

princípios embasam uma concepção política em que o fundamento da sociedade

se assenta na liberdade dos indivíduos e no funcionamento dos mercados. É

também um movimento político que se desdobrou na formulação de um conjunto

de políticas e de redefinição do papel do Estado, na perspectiva de constituir uma

sociedade auto regulável pelo mercado. (CATTANI & HOLZMANN, 2011)

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37 os estoques ao mínimo; automatização – utilização de máquinas que

desligavam automaticamente caso ocorresse qualquer problema, assim,

um funcionário poderia manusear várias máquinas ao mesmo tempo,

diminuindo-se os gastos com pessoal. A produção passou a ser just in

time (na hora certa) – sem espaço para armazenar matéria-prima e nem a

produção.

Além disso, criou-se um sistema para detecção da demanda e

produção de bens que somente eram produzidos após a venda; kanban

(etiqueta ou cartão). Trata-se de um método para programar a produção,

de modo que o just in time se efetivasse; e pela produção team work

(trabalho em equipe) – os trabalhadores passassem a trabalhar em células,

orientados por uma líder. O objetivo é: ganhar tempo ou eliminar os

“tempos mortos”; o controle de qualidade total – todos os trabalhadores,

em todas as etapas da produção, são responsáveis pela qualidade do

produto e a mercadoria só é liberada para o mercado após uma inspeção

minuciosa de qualidade. A ideia de qualidade total também atinge

diretamente os trabalhadores, que devem ser “qualificados” para serem

contratados. Dessa lógica nascem os certificados de qualidade ou ISO.

Esse novo modelo de organização na indústria trouxe impactos na

educação em geral e no currículo em particular. Discorrendo sobre esse

aspecto, Kuenzer (2002) afirma que, no âmbito da pedagogia toyotista, as

capacidades mudam e passam a ser chamadas de competências. Para a

autora, competência se define como

A capacidade de agir, em situações previstas e não

previstas, com rapidez e eficiência, articulando

conhecimentos tácitos e científicos a experiências

de vida e laborais vivenciadas ao longo das

histórias de vida [...] vinculada à ideia de

solucionar problemas, mobilizando conhecimentos

de forma transdisciplinar a comportamentos e

habilidades psicofísicas, e transferindo-os para

novas situações; supõe, portanto, a capacidade de

atuar mobilizando conhecimentos (KUENZER,

2002, p.8)

Além disso, esse modelo de educação e, por consequência, de

currículo pressupõe uma ruptura entre teoria e prática, mobiliza conhecimentos científicos com práticas para resolução de problemas e

tem como meta a busca da “qualidade total”. No entender de Saviani:

O conceito de “qualidade total” está ligado à

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38

reconversão produtiva promovida pelo toyotismo,

ao introduzir, em lugar da produção em série e em

grande escala visando atender a necessidades do

consumo em massa, a produção em pequena escala

dirigida ao atendimento de determinados nichos de

mercado altamente exigentes. Nesse quadro, o

conceito de “qualidade total” se expressa em dois

vetores, um externo e outro interno. Pelo primeiro

vetor essa expressão pode ser traduzida na frase

“satisfação total do cliente”. Pelo segundo vetor

aplica-se uma característica inerente ao modelo

toyotista que o diferencia do fordismo: capturar,

para o capital, a subjetividade dos trabalhadores.

Nessa dimensão, “qualidade total” significa

conduzir os trabalhadores a “vestir a camisa da

empresa”. A busca da qualidade implica, então, a

exacerbação da competição entre os trabalhadores

que se empenham pessoalmente no objetivo de

atingir o grau máximo de eficiência e

produtividade dentro da empresa. (SAVIANI,

2010, p. 439)

Para esse modelo, já não é suficiente a força de trabalho do

trabalhador, ele busca a conquista de mentes e corações e insere no

próprio trabalhador uma auto vigilância. Antunes (2010, p. 14), sustenta

que, ao contrário do que era preconizado no taylorismo-fordismo, agora

o trabalhador precisa ser “polivalente” e “multifuncional”, portanto,

desespecializado.

Na pirâmide social do trabalho, o topo é caracterizado por muita

qualificação referente às tecnologias de informação; o meio contém

aqueles que um dia já foram muito bem qualificados, mas que estão sem

trabalho porque a empresa foi fechada/transferida/incorporada.

Finalmente, tem-se na base uma força de trabalho excedente, sem

possibilidade de ser incorporada pelo capital.

Concomitantemente a esse perfil de trabalhador exige-se maior

controle emocional. Essa pedagogia é determinada pelas transformações

ocorridas no mundo do trabalho na atual fase do capitalismo neoliberal e

provoca profundo impacto sobre a vida social. A construção desse novo

perfil profissional está essencialmente baseada na educação por

competências, que é estratificada e excludente.

O discurso presente neste âmbito refere-se a um novo tipo de

trabalhador exigido no mercado, cujas capacidades intelectuais lhe

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39 permitam adaptar-se à produção flexível. Nesse sentido, a educação

escolarizada é exigida como formação dessa força de trabalho, que

necessita cada vez mais de qualificação e cujo perfil inclui a capacidade

de comunicação, o domínio de vários códigos de linguagem como

também de, pelo menos, uma língua estrangeira, além da capacidade para

lidar com a incerteza.

A escola tem função importante nesse processo, pois, conforme

Neves e Pronko,

A escola detém uma dupla e concomitante

finalidade – formação técnica e a conformação

ético-política para o trabalho/vida em sociedade –,

que vai se metamorfoseando de acordo com o

desenvolvimento das forças produtivas e com as

mudanças nas relações de produção, nas relações

de poder e relações sociais gerais, para que possa

garantir ao mesmo tempo a reprodução material da

existência e a coesão social (NEVES; PRONKO,

2008, p. 24).

Particularmente no Brasil, essas redefinições político-pedagógicas

referentes à formação para o trabalho iniciam-se em meados dos anos

1990, acatando as definições postuladas pela Conferência Mundial sobre

Educação para Todos, patrocinada pelo Banco Mundial, pela Organização

das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO),

pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pelo

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Empresários da indústria, por intermédio de seus representantes no poder

executivo e legislativo, visando lucros e consenso, propõem aos governos

as novas diretrizes para a educação (NEVES; PRONKO, 2008).

Os empresários educacionais obtiveram êxito na sua proposta de o

governo subsidiar técnica e financeiramente a expansão de suas redes

escolares – abrindo caminho para o empresariamento do ensino.

Seguem-se as transformações na educação escolar, nos conteúdos

curriculares e na gestão do sistema educacional, essencialmente voltadas

à formação para o trabalho. Essas mudanças e concepções decorrem da

forma como o Brasil está inserido na divisão internacional do trabalho.

Organizações internacionais ligadas às Nações Unidas gerenciam

políticas públicas internacionais, com suas determinações e metas de

desenvolvimento, assumindo o papel central na manutenção e

consolidação do capitalismo em escala global (NEVES; PRONKO,

2008).

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40

Numa sociedade chamada de pós-capitalista ou sociedade do

conhecimento, concepção defendida por Drucker,

o recurso econômico básico – os ‘meios de

produção’, para usar uma expressão dos

economistas – não é o capital, nem os recursos

naturais (a ‘terra’ dos economistas), nem a mão-de-

obra. Ele é e será o conhecimento. As atividades

centrais de criação de riqueza não serão nem a

alocação de capital para usos produtivos nem a

mão-de-obra – os dois da teoria econômica dos

séculos dezenove e vinte, quer ela seja clássica,

marxista, keynesiana, ou neoclássica. Hoje o valor

criado pela ‘produtividade’ e pela ‘inovação’, que

são aplicações do conhecimento ao trabalho. Os

principais grupos sociais da sociedade do

conhecimento serão ‘os trabalhadores do

conhecimento’ – executivos que sabem como

alocar conhecimento para usos produtivos, assim

como os capitalistas sabiam como alocar capital

para isso, profissionais do conhecimento e

empregados do conhecimento (DRUCKER, 1999,

p. xvi-xvii, grifo do autor).

Conforme Drucker (1999), a Sociedade do Conhecimento passa a

contar com os chamados “trabalhadores do conhecimento”, indivíduos

especializados, que possuem o conhecimento ou sabem como dispor

conhecimento para fins produtivos, como grupo social dominante. Para o

autor, existem dois grandes desafios nesse modelo: i) desafio social – que

consiste em trazer dignidade ao segundo e maior grupo social desta

sociedade: os trabalhadores que não possuem condições de serem

“trabalhadores do conhecimento”; ii) desafio econômico – que consiste

em melhorar tanto a produtividade do trabalhador do conhecimento

quanto do próprio trabalho com o conhecimento. Este desafio exigirá

mudanças drásticas na estrutura da sociedade e das organizações.

Ainda conforme Drucker (1999) nessa nova sociedade, o ritmo do

trabalho não é mais determinado pelas máquinas. As máquinas servem o

trabalhador, que estabelece o ritmo do trabalho. Para a produtividade

nesse trabalho “com” e “do” conhecimento, é necessário aprendizado

contínuo, porque o conhecimento muda constantemente. O sucesso da

economia baseada no conhecimento depende de novas habilidades, novos

tipos de organizações e novas formas de gerenciamento. A sociedade do

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41 conhecimento não lida com a pessoa e sim com o meio ambiente no qual

os seres humanos vivem, trabalham e aprendem. No entanto, os

indivíduos são fundamentais, pois o conhecimento não é impessoal. Com

efeito, como afirma Drucker:

O conhecimento está sempre incorporado a uma

pessoa, é transportado por uma pessoa, e criado,

ampliado ou aperfeiçoado por uma pessoa, é

aplicado, ensinado, transmitido por uma pessoa e é

usado, bem ou mal, por uma pessoa. Portanto, a

passagem para a sociedade do conhecimento

coloca a pessoa no centro. Ao fazê-lo, ela levanta

novos desafios, novas questões e novas perguntas,

sem precedentes, a respeito do representante da

sociedade do conhecimento: a pessoa instruída

(DRUCKER, 1999, p. 165).

O mesmo autor ainda sustenta que o ensino não será mais aquilo

que as escolas costumam fazer. O ensino será, cada vez mais, um

empreendimento conjunto no qual as escolas serão parceiras do setor

produtivo. Em várias áreas, a escola também será apenas uma de tantas

outras instituições de ensino e aprendizagem disponíveis.

Tradicionalmente, a escola tem sido o lugar onde se aprende, e o emprego

o lugar onde se trabalha, mas essa linha fica cada vez mais tênue,

aproximando a aprendizagem na escola da aprendizagem no emprego.

Nesse novo paradigma há um desafio imposto à escola:

desenvolver nos estudantes competências para participarem e interagirem

num mundo global, altamente competitivo, que valoriza a flexibilidade, a

criatividade e a capacidade de encontrar soluções inovadoras para os

problemas de amanhã. Ou seja, desenvolver nos educandos a capacidade

de compreenderem que a aprendizagem não é um processo estático, mas

algo que deve acontecer ao longo de toda a vida. (KUENZER, 2000)

Outra característica desse modelo, segundo Fernandes e Araújo

(s.d.), é a utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação

(TICs), que garantem a difusão de novas estratégias de veiculação da

informação, bem como novos modelos de comunicação, abrindo um

leque de possibilidades de mudanças comportamentais e atitudinais do ser

humano em relação aos processos educacionais. Entre essas

possibilidades está a Educação a Distância (EAD), uma modalidade que

produz reflexos diretos na formação geral e no currículo em particular.

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43 3 O LUGAR DO CURRÍCULO E SEU PAPEL POLÍTICO NO

ÂMBITO DA FORMAÇÃO DE PROFESSOR

As escolas estão organizadas não apenas para

ensinar o conhecimento referente a quê, como e

para quê, exigido pela nossa sociedade, mas estão

organizadas também de forma tal que elas, afinal

das contas, auxiliam na produção do conhecimento

técnico/administrativo necessário, entre outras

coisas, para expandir mercados, controlar

produção, o trabalho e as pessoas, produzir

pesquisa básica e aplicada pela indústria e criar

necessidades artificiais generalizadas entre a

população (APPLE, 2002, p. 37).

Neste capítulo, analisamos o papel político, portanto, de não

neutralidade, desempenhado pelo currículo na formação de professores.

No âmbito desse pressuposto discutimos as perspectivas de formação sob

duas concepções distintas, essa divisão deve-se às concepções que

predominantemente aparecem nos documentos oficiais do curso de

Licenciatura do IFSC, quais sejam: a da matriz técnico-instrumental,

caracterizada por currículos tecnicistas e neotecnicistas, e a da matriz

emancipatória, sustentada por currículos de base crítica e de resistência.

O objetivo é, pois, situarmos os referenciais teóricos com vistas à análise

da concepção de formação do curso de licenciatura em Química do IFSC

Apple (2002) afirma, de modo enfático, que a escola está

organizada para fazer muito mais do que apenas ensinar os conhecimentos

historicamente produzidos. Ela cumpre a função de produzir

consumidores, tem intencionalidade também ideológica, por isso, sua não

neutralidade. A partir das mudanças históricas na relação entre trabalho

e modo de produção, os modelos de sociedade advindos dessas

transformações, estruturam novos cenários políticos e ideológicos,

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44

exigindo (re) arranjos curriculares que atendam às demandas procedentes

dessas alterações.

3.1 O PAPEL POLÍTICO DO CURRÍCULO

Conforme aponta Manacorda (2010), a produção artesanal

individual, no final do sistema feudalista, passou das oficinas associadas

às suas corporações de artes e ofícios para o controle do mercador

capitalista, que destinava tanto a matéria prima quanto o processo

produtivo a indivíduos que não estivessem associados. No estágio de

cooperação simples, são estabelecidas novas relações de propriedade.

Esses indivíduos, antes dispersos, concentram seu trabalho em uma só

oficina; segue-se então a manufatura, momento em que ocorre uma

primeira divisão do trabalho, e em que trabalhador opera somente uma

parte do processo de produção. Tem-se o fortalecimento do comércio, o

nascimento e a ascensão da burguesia. O significado da ideologia

burguesa é apontado no Manifesto Comunista, escrito por Marx e Engels:

Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e

cristalizadas, com seu cortejo de concepções e de

ideias secularmente veneradas; as relações que as

substituem tornam-se antiquadas antes de se

ossificar. Tudo que era sólido e estável se esfuma,

tudo o que era sagrado é profanado, e os homens

são obrigados finalmente a encarar com serenidade

suas condições de existência e suas relações

recíprocas. Impelida pela necessidade de mercados

sempre novos, a burguesia invade todo o globo.

Necessita estabelecer-se em toda parte, explorar

em toda parte, criar vínculos em toda parte

(MARX; ENGELS, 1999, p.5).

Com o avanço científico, passa-se aos sistemas fabris e industriais,

cuja força produtiva não é mais fornecida pelo homem, mas pelas

máquinas, sendo o homem um acessório destas. Manacorda (2010, p. 328)

explica que nesse processo de expropriação do trabalhador, ele tornou-se

“livre”, ou seja, perdeu os laços corporativos, “mas simultaneamente, foi libertado de toda a sua propriedade e transformado em um moderno

proletário”.

As transformações no modo de produção, desde o sistema feudal –

em que os servos trabalhavam nas terras dos senhores em troca de

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45 moradia e proteção, além de serem obrigados a dar parte de sua produção

aos donos dos feudos – até os dias atuais, possibilitaram a consolidação

do sistema capitalista.

No capitalismo, as relações no mundo do trabalho foram

adquirindo complexidade à medida que o trabalho deixou de ser produtor

somente de valor de uso e se transformou em produtor de valores de troca,

com objetivo de gerar mais lucros para os capitalistas (FRIGOTTO,

2005). Com isso, o trabalho se reduz à mercadoria, uma vez que os

trabalhadores não possuem os meios de produção – propriedade privada

que gera lucro – possuem somente sua força de trabalho que vendem ao

mercado, e o empregador quer pagar o menor valor possível pelo tempo

trabalhado, apropriando-se do excedente das horas trabalhadas.

Nessa dinâmica, surgem novas tecnologias colocadas a serviço do

capital, tanto para a livre concorrência quanto para a expropriação da

classe operária. Essas mudanças políticas, econômicas e sociais incidem

diretamente sobre as exigências e condições da formação humana.

Na Idade Média, a educação predominante foi a Escolástica, cujo

currículo contemplava a racionalização do pensamento teológico cristão

em detrimento do estudo da cultura clássica helênico-romana. Esta cultura

somente era tolerada quando a serviço de um maior conhecimento das

escrituras sagradas. As matérias ensinadas nas escolas e universidades

medievais eram representadas pelas chamadas artes liberais, divididas

num trívio – gramática, retórica, dialética – e num quadrívio – aritmética,

geometria, astronomia e música.

No final da Idade Média e início da Moderna, as disciplinas do

trívio e do quadrívio ganharam outras utilidades, ou seja, a ênfase não era

mais teológica, mas comercial: a gramática para as correspondências, o

ábaco e a aritmética para a contabilidade, configurando um modelo de

currículo apropriado às necessidades da época. Na Idade Moderna, a

estatização e a laicização do ensino, iniciadas no século XVIII e

defendidas na Revolução Francesa, avançaram no século seguinte com

sua universalização, contrapondo-se à educação dada pela Igreja.

Havia, como escreve Manacorda (2010, p. 335), uma concorrência

entre Igreja e Estado para formação das classes populares, nobres e

intelectuais. No que se refere a essa estruturação do ensino estatal e laico,

a Prússia estava na vanguarda da organização escolar pública na Europa.

Em 1861, “um sexto da população completava nessas escolas a

obrigatoriedade escolar”.

Pensadores do século XIX, como Saint-Simon (1760-1825),

Comte (1798-1857) e Durkheim (1858-1917) propuseram um ideal de

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formação humana, mas a referência permanecia a divisão do trabalho na

fábrica, a oposição entre trabalho manual e trabalho intelectual. Foi

Robert Owen (1771-1858), um industrial e filantropo, quem propôs um

sistema diferente de instrução e organização do trabalho. Ele fez a crítica

e rejeitou a divisão industrial do trabalho; considerou a classe operária ou

trabalhadora como um todo; valorizou as exigências gerais humanas que

só a educação poderia estimular em cada um; não considerou a divisão do

trabalho, como nos diz Manacorda (2010, p.331-332), “uma via pacífica

para o desenvolvimento das diferentes individualidades”, mas como lugar

de contradições a serem superadas.

Com o intuito de restituir a dignidade e a cultura aos operários e

suas famílias, Owen defendia a formação integral, sob o aspecto físico e

moral, dos homens e das mulheres, para que aprendessem a pensar e agir

sempre racionalmente, ou seja, toda formação tem valores implícitos,

ideologias, métodos e objetivos, por isso, discutir currículo é pensar

formação, escola e relações de poder. Já nessa perspectiva, o currículo

assume papel central na formação para o mundo do trabalho de homens e

mulheres, imprimindo, nesse processo formal de escolarização, uma

marca ideológica. Se por um lado o currículo torna-se um instrumento

político de formação de sujeitos para um modelo de sociedade

determinante, por outro traz a possibilidade de ser um espaço de

resistência, porque constitui um território de contradições, de lutas, de

transgressão dos modelos vigentes.

Ainda que o currículo tenha sido objeto/campo de estudos somente

nas primeiras décadas do século XX, ele sempre esteve presente,

constituindo o caráter da formação dos trabalhadores. Se durante os

séculos anteriores ao XX o currículo, mesmo sem constituir-se campo

científico, cumpriu função importante na formação humana, neste século,

ele assume-se como território político explicitando o caráter de sua

intencionalidade, aspecto que antes parecia não existir. É, pois, nos

Estados Unidos, que o currículo ganha status de campo de estudos, de

disciplina científica e de território explicitamente político e, em

consequência, foi lá que se iniciaram as primeiras produções do que mais

tarde chamaríamos de teorias curriculares.

Um dos trabalhos que mais se destacaram neste campo, no início

do século XX, foi o de John Franklin Bobbitt (1876-1956), acadêmico

que viveu num período de grande desenvolvimento industrial, quando os

Estados Unidos tornaram-se o principal fornecedor de suplementos para

a guerra iniciada em 1914.

No clássico livro intitulado The curriculum, o autor explica que:

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A palavra curriculum significa em latim curso de

corrida ou uma corrida propriamente dita – um

lugar de feitos ou série de feitos. Aplicada à

educação, consiste numa série de coisas que as

crianças e jovens devem fazer e experimentar para

desenvolverem capacidades para fazerem as coisas

bem feitas, que preencham os afazeres da vida

adulta, e para serem, em todos os aspectos, o que

os adultos devem ser (BOBBITT, 2004, p. 74, grifo

do autor).

Bobbitt para desenvolver esse conceito de currículo, defendia que

ele fosse fundamentalmente técnico, concebendo a educação como

processo de moldagem, como espaço de aplicação da administração

científica concebida por Frederick Taylor (1856-1915) e como

racionalização e rigorosa avaliação dos resultados educacionais. Esse

modelo de currículo, com ênfase voltada para a eficiência, produtividade,

organização e o desenvolvimento, foi utilizado no Brasil, principalmente

pelas Escolas Técnicas. Sobre o trabalho de Bobbitt e demais curriculistas

dessa vertente, abordaremos mais adiante.

A contraposição a essa concepção dominante de currículo surge na

segunda metade do século XX, mais precisamente na década de 1960, em

vários trabalhos filiados às teorias críticas de educação, principalmente

nos estudos vinculados à chamada sociologia crítica do currículo. São

trabalhos produzidos num contexto de efervescência política, em meio a

grandes acontecimentos, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos e na

América Latina.

Na França, em 1968, o movimento estudantil exigia mudanças

contra um sistema repressor e antiquado de ensino, tomando grande

proporção e levando o país a uma greve geral. Nesse movimento, Louis

Althusser (1918-1990), ainda que indiretamente, deu sua contribuição

para o campo curricular com a obra “A ideologia e os aparelhos

ideológicos de estado”. Trata-se de uma obra universalmente conhecida,

que denuncia a escola, concebendo-a como um aparelho ideológico do

Estado, que reproduz a ideologia dominante principalmente por meio dos

conteúdos, inclusive, na formação de educadores. É um dos primeiros

trabalhos que evidenciam de forma explícita o papel político do currículo.

Nessa mesma direção, Pierre Bourdieu (1930-2002) e Jean-Claude Passeron, em 1970, escreveram “A reprodução”. Nesse texto, não menos

conhecido que o de Althusser, esses autores desenvolvem os conceitos de

“reprodução” e “capital cultural”, mostrando que a ideologia e a cultura

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dominantes impõem valores que lhes interessam que sejam

internalizados, e utilizam, para isso, o currículo escolar.

Com esse mesmo tom de denúncia, mas discutindo principalmente

a dualidade na educação, Christian Baudelot e Roger Establet, em 1971,

com o livro “L’école capitaliste en France”, desenvolvem em detalhes a

tese althusseriana. Nele, demonstram que o currículo é ideológico e que

algumas disciplinas, como a História, a Geografia e os Estudos Sociais

são meios diretos, enquanto a Matemática e as Ciências Naturais são

meios indiretos de incutir crenças de subalternidade nos filhos dos

trabalhadores, mantendo os valores de liderança e controle para os filhos

da elite.

Na Inglaterra, em 1971, Basil Bernstein (1924-2000) publicou o

livro “Class Codes and Control”, no qual dá ênfase à forma como o

currículo está estruturalmente organizado e ao modo como essa

organização está ligada a princípios diferentes de poder e controle. Para

Bernstein (1996, p.143), “um código é um princípio regulativo,

tacitamente adquirido, que seleciona e integra significados relevantes,

formas de realização e contextos evocadores”. Segundo o autor, existem

diferenças, devido à classe social, nos códigos de comunicação dos filhos

da classe trabalhadora e dos filhos da classe média, diferenças que

refletem nas relações de classe e de poder, na divisão social do trabalho,

na família e nas escolas. Para ele, é o conceito de gramática, sendo

diferentemente adquirido por pessoas das diferentes classes, segundo a

posição que ocupam na divisão social do trabalho, e é a estrutura

curricular ou pedagógica que determinam quais modalidades do código

serão aprendidas.

Também em 1971, Michael Young, um dos principais nomes da

Nova Sociologia da Educação (primeira corrente fundamentada na

fenomenologia e no neomarxismo voltada para o estudo do currículo),

juntamente outros autores, como P. Bourdieu, B. Bernstein, G. Esland e

N. Keddie, na clássica obra “Knowledge and control: new directions for the sociology of education”, conceitua o currículo como não natural, mas

dotado de caráter histórico, social, contingente e arbitrário. Para Young,

o conhecimento escolar e o currículo são concebidos como invenções

sociais, ou seja, há um processo envolvendo conflitos e disputas a respeito

de quais conhecimentos devem fazer parte do currículo. Young ressalta

que é fundamental analisar os pressupostos que comandam a seleção e

organização do conhecimento escolar, pois estes estão intimamente

relacionados ao processo de estratificação social. Em sua análise, recorre

a questões políticas que considera centrais na constituição curricular,

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49 dentre elas: i) as formas de organização do currículo – os princípios de

estratificação e de integração que governam a organização do currículo;

ii) o que conta como conhecimento escolar – porque se atribui mais

prestígio a certas disciplinas do que a outras; quais são as relações entre

esses princípios de organização e princípios de poder. A principal

contribuição de Young neste campo foi criticar sociologicamente a

história dos currículos escolares e, nesse sentido, consolidar uma

‘sociologia do currículo’.

Em 1973, o curriculista norte-americano William Pinar liderou um

importante movimento que foi denominado de ‘reconceptualização’,

trabalho este que faz a crítica ao currículo concebido como artefato

meramente técnico. O que as teorias tradicionais eficientistas entendiam

como currículo era o foco da crítica e do questionamento dos

reconceptualistas, que utilizavam teorias críticos-sociais na compreensão

do currículo, particularmente a fenomenologia, a hermenêutica, o

marxismo e a teoria crítica da Escola de Frankfurt. Convém destacar que

este movimento não foi consensual, tendo em vista que se desdobrou em

várias frentes teóricas que assumiram categorias de análise distintas.

Para os reconceptualistas da fenomenologia, por exemplo, se

entrelaçam, no conhecimento escolar, as histórias de vida com o

desenvolvimento intelectual e profissional, permitindo a transformação

da pessoa. Nesse sentido, o currículo é visto como autobiografia. Para os

neomarxistas, como Michael Apple, por exemplo, o currículo é ideologia,

é poder, é território de luta e contestação. Na obra “Ideologia e currículo”,

de 1979, Apple afirma que há uma relação estrutural entre economia e

educação. Assim, não há neutralidade no currículo, nem desinteresse de

classe. Importa saber qual conhecimento é considerado verdadeiro.

No mesmo sentido da crítica sociológica e política, mas com

concepção propositiva, Henry Giroux, em 1981, escreve “Ideologia,

cultura e os processos de escolarização”. Na obra, Giroux propõe uma

concepção emancipatória de currículo e da pedagogia com base nesses

três conceitos: escola entendida como esfera pública e democrática,

professor como intelectual transformador e comunidade com

possibilidade de voz. Giroux compreende o currículo como política

cultural, ou seja, um movimento que constrói significados, valores sociais

e culturais. O autor vê o currículo como lugar de resistência. Nesse

sentido, entende que, em tempos de hegemonia do capital, convém aos

trabalhadores buscar referenciais teóricos que apontem possibilidades de

superação do status quo. Sobre o trabalho de Giroux no campo do

currículo, voltaremos a discorrer mais adiante.

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50

O Brasil da década de 1970 viveu um processo de modernização

econômica à base de concessões às multinacionais, gerando um enorme

endividamento externo, e a inflação cada vez mais alta provocou uma

crise no país. Foi neste mesmo período que Paulo Freire (1987) publicou

“A pedagogia do oprimido”. Com essa obra, ele estabeleceu um marco

importante para a educação quando a considerou como um processo

político e o ato pedagógico como um processo dialógico. Freire opôs-se

ao que considerou educação bancária – em que o conhecimento se

confunde com um ato de depósito. Para este pensador, a educação formal

dá-se a partir da vida real dos educandos e de suas experiências. Assim,

escola deve considerar no currículo os temas mais significativos para os

sujeitos individuais e coletivos. Estes devem compor o conteúdo

programático da escola.

Pelos autores e contextos apresentados, percebemos que o

currículo exerce papel central na educação formal, estando intimamente

ligado ao modelo político, social e econômico de determinado período

histórico. É um movimento que atua também ideologicamente através das

relações sociais, uma vez que

[...] há uma conexão estreita entre o código

dominante do currículo e a reprodução de formas

de consciência de acordo com a classe social. A

formação da consciência – dominante ou dominada

– é determinada pela gramática social do currículo

(SILVA, 2002, p.148).

É nos currículos que as disciplinas aparecem hierarquizadas, pelas

formas de seleção dos conhecimentos que são considerados válidos,

relevantes, necessários e universais por grupos de interesse, quase sempre

hegemônicos. Por isso, analisar o papel político do currículo remete

diretamente a pensar a escola não apenas como aparelho ideológico de

reprodução a serviço do Estado, mas como possibilidade estratégica para

os trabalhadores no processo de formação e de superação da sua condição

social. Com esse entendimento, a análise afasta-se da vertente da

denúncia e do imobilismo para assumir a condição de resistência e

transformação. É com esse conceito que entendemos o papel socialmente

propositivo do currículo e encontramos em Giroux um dos mais

expressivos expoentes dessa perspectiva.

Por sua vez, Mészáros fala sobre a função da educação num sentido

mais amplo. Para ele, O papel da educação é soberano, tanto para

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51

elaboração de estratégias apropriadas e adequadas

para mudar as condições objetivas de reprodução,

como para a automudança consciente dos

indivíduos chamados a concretizar a criação de

uma ordem social metabólica radicalmente

diferente (MÉSZÁROS, 2008, p. 65, grifo do

autor).

Nesse sentido, é importante termos a compreensão sobre a

possibilidade de abrangência do currículo na relação trabalho e educação.

Por isso, recorremos a Giroux, que defende o currículo escolar como lugar

para a oposição e a resistência, para a rebelião e a subversão. Para ele,

isso somente será possível quando estudantes e professores

desenvolverem uma pedagogia e um currículo que tenham um conteúdo

claramente político e que seja crítico das crenças e dos arranjos sociais

dominantes. É por meio de um processo de conscientização, que enxergue

o papel de controle e de poder exercido pelas instituições e estruturas

sociais, que as pessoas podem se tornar emancipadas e livres do poder e

do controle social e institucional. A pedagogia e o currículo precisam ser

encarados como política cultural. Pronunciando-se a esse respeito, Silva

destaca:

Giroux vê a pedagogia e currículo através da noção

de “política cultural”. O envolve a construção de

significados e valores culturais. O currículo não

está simplesmente envolvido com a transmissão de

“fatos” e conhecimentos “objetivos”. O currículo é

um local onde, ativamente, se produzem e se criam

significados oficiais. Esses significados,

entretanto, não são simplesmente significados que

se situam no nível da consciência pessoal ou

individual. Eles estão estreitamente ligados a

relações sociais de poder e desigualdade. Trata-se

de significados em disputa, de significados que são

impostos, mas também contestados (SILVA, 2002,

p. 55, grifo do autor).

De fato, a pedagogia e o currículo são espaços de lutas, em que as

disputas se dão entre as ideologias de dominação e de resistência: a

cultura da não subalternidade aos padrões dominantes torna-se a

inspiração na busca de uma pedagogia e de um currículo que apontem

para a emancipação. A naturalização de construções ideológicas no

currículo faz passar despercebida a intencionalidade de conformar ao

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sistema capitalista.

Como bem aponta Apple, as escolas desempenham

[...] papéis importantes na criação das condições

necessárias para acumulação do capital (elas

ordenam, selecionam e certificam um corpo

discente hierarquicamente organizado) e para a

legitimação (elas mantêm uma ideologia

meritocrática imprecisa) (APPLE, 2002, p. 31).

Para realizar a formação dos trabalhadores dentro da lógica de

mercado, são necessários professores formados na mesma perspectiva.

Essas demandas impostas às escolas vêm do deslocamento da educação

dos eixos políticos e sociais para o eixo econômico e utilizam os mesmos

modelos gerenciais de mercado.

A interferência ideologicamente hegemônica que ocorre na

formação docente está diretamente ligada às transformações que ocorrem

no mundo do trabalho e às políticas educacionais que legitimam o

currículo oficial. É preciso que vejamos a proposta do IFSC nesse

contexto. O Estado, por meio das Diretrizes Curriculares Nacionais e das

Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, não apenas define

prioridades, mas também desenha o currículo das licenciaturas, inclusive

o do IFSC, a partir de referenciais importados, conforme aponta Chapani:

O governo brasileiro busca meios diversos para que

suas políticas sejam implantadas de maneira

semelhante aos propósitos de sua formulação,

contando, inclusive, com os recursos financeiros e

a força chanceladora de agências transnacionais, as

quais acabam por exercer grande influência nas

políticas nacionais. Cabe destacar o papel do Banco

Mundial que, além de financiador, é também

importante agência de assistência técnica e fonte de

referência de pesquisa educacional em todo

mundo. Cabe notar que seus estudos e

recomendações caracterizam-se por uma

abordagem economicista, sendo que, com relação à

formação docente, tem recomendado que se

enfatize o conhecimento da matéria a ser ensinada,

em programas curtos de formação em serviço,

preferencialmente, a distância (EaD) (CHAPANI,

2010, p. 70).

Na opinião de Neves e Pronko (2008), a recomendação da agência

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53 internacional (Banco Mundial) aponta para uma formação aligeirada do

docente, não permitindo uma qualificação mais ampla desse profissional,

que chega ao mercado de trabalho com uma preparação

técnica/operacional, condicionado à reprodução dos manuais prescritivos

das secretarias de educação. Além disso, a dinâmica das próprias

instituições com suas várias demandas, carga horária apertada e pouca

condição de trabalho faz frequentemente desse docente um tarefeiro.

Para Giroux (1997), o atual movimento de reforma educacional

negligencia os professores como formadores de cidadãos ativos e críticos,

e ignora seus atributos na contribuição para esse debate, enxergando-os

como técnicos que operacionalizam decisões tomadas distantes do

cotidiano da sala de aula. Não é possível avançar numa direção

emancipatória de educação sem a participação efetiva dos docentes na

formulação dos currículos. São eles os construtores, no dia-a-dia da

relação com o estudante, que reafirmam, ou não, um currículo prescrito

ou de resistência.

Se por um lado os educadores ficaram expropriados da

participação na tessitura dos currículos, por outro, o momento histórico-

político traz também a oportunidade dos professores reverem o papel de

sua formação e das formas de escolarização, de unirem-se em busca de

melhorias nas condições de trabalho e de fazer conhecido o papel

fundamental que devem exercer nas reformas educacionais.

Segundo Giroux (1997, p.158), o que tem ocorrido é a

“proletarização do trabalho docente”, reduzindo os professores a técnicos

cuja atividade é implantar e administrar programas escolares. Sua

formação, via de regra, enfatiza a aplicação e reprodução de técnicas de

ensino, além de metodologias que contrariam a própria necessidade do

pensamento crítico, sem espaço nem perspectiva para que o professor

participe na determinação do conteúdo e da direção desses programas

preparativos.

É ainda Giroux (1997) quem denuncia a “pedagogia do

gerenciamento”, ou seja, a divisão e a padronização do conhecimento para

ser gerenciado, medido e avaliado de forma predeterminada. O professor

tem pouca influência sobre os aspectos ideológicos do seu trabalho e sua

autonomia para desenvolver, planejar e implantar um currículo em sala

de aula fica minimizada. Essa pedagogia está nos manuais, nas diretrizes,

nos referenciais pedagógicos, que partem do pressuposto de que é

possível todos os indivíduos aprenderem a partir dos mesmos materiais,

técnicas e modelos.

Aos especialistas cabe a tarefa de concepção – que compreende a

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conceituação, o planejamento e a organização curricular, e aos

professores resta tão somente a tarefa de executar, extinguindo-se o

envolvimento destes na produção de currículos adequados ao contexto

social e cultural no qual ensinam.

Para repensar a natureza da atividade docente, Giroux (1997)

propõe que os professores sejam concebidos como intelectuais, o que os

ajudaria a compreender seu papel ao legitimar interesses políticos, sociais

e econômicos por meio das pedagogias que utilizam. A concepção de

intelectuais transformadores permitiria aos professores reconhecerem que

podem promover mudanças e assumirem seu potencial de estudiosos e de

profissionais ativos e reflexivos, o que é essencial para o desenvolvimento

de uma sociedade livre e democrática. Seguindo essa linha de concepção,

Gramsci adverte: O modo de ser do novo intelectual não pode mais

consistir na eloquência, motor exterior

momentâneo dos afetos e das paixões, mas num

imiscuir-se ativamente na vida prática, como

instrutor, organizador, persuasor permanente

(GRAMSCI, 1991, p. 8).

Ou seja, o intelectual transformador tem uma ação no dia-a-dia. Ao

mesmo tempo, evoca sua responsabilidade sobre como ensina, o que

ensina e quais os objetivos mais amplos que o guiam, assim como sobre

a formação de propósitos e condições de escolarização.

Nessa mesma direção, Giroux (1997, p. 163) afirma que é

fundamental que a categoria de intelectual transformador torne “o

pedagógico mais político e o político mais pedagógico”, ou seja isto é,

que inclua a escolarização no âmbito político, visto que a escola – que

não é um campo neutro – abriga disputas de relações de poder; e que

utilize pedagogias que tragam no bojo políticas de natureza

emancipatória, que concebam os estudantes como agentes críticos,

problematizem o conhecimento, dialoguem/argumentem crítica e

ativamente em busca de melhoras qualitativas na sociedade.

Perguntamos, então: estariam as atuais Licenciaturas do IFSC

comprometidas com essa concepção de formação?

O mercado não quer um trabalhador apenas com formação técnica,

mas com um perfil que envolve aspectos subjetivos, ocorrendo, assim, a

adequação do sistema educacional às suas demandas. Sobre esse aspecto

assevera Moreira: O trabalhador é visto, então, como membro

eficiente de uma equipe, como capaz de bem

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enfrentar dificuldades que surjam no decorrer de

sua prática. [...] Daí a exigência de características

como autoconfiança, autodisciplina, habilidade

para identificar e resolver problemas, capacidade e

vontade de aprender (MOREIRA, 2001, p.48).

Sob as influências das demandas do modelo vigente, o IFSC, que

mesmo antes de possui essa denominação realiza formação técnica e

tecnológica para atuação no mercado, imediatamente passa, na condição

de Instituto Federal, a assumir em suas finalidades a obrigatoriedade de

ofertar 20% de formação pedagógica e Licenciaturas. Afinal, o que

significa essa mudança em sua área de atuação, uma vez que tão

abruptamente assume-se como instituição que forma professores? Em

qual perspectiva teórica e política assenta-se essa formação?

Em seus estudos, Frigotto (2005, p.73, grifo do autor) assim se

manifesta: “A educação como prática mediadora nos processos políticos,

ideológicos e culturais tem servido, para formar um trabalhador cidadão

produtivo, adaptado, adestrado, treinado, mesmo que sob uma ótica

polivalente”. Não somente a divisão social, mas também a divisão

internacional do trabalho impacta drasticamente sobre a educação, que

incide sobre a formação que prepara uns para atividades cerebrais e outros

para atividades neuromusculares (ARRIGHI, apud FRIGOTTO, 2005).

Referindo-nos ainda à afirmação de Moreira, para além de

conteúdos programáticos, são exigidos nos currículos valores, como ética,

solidariedade, responsabilidade, numa perspectiva de alienação, na lógica

de um controle maior do mercado sobre o homem. A íntima relação entre

capital, trabalho e educação permeia a formação e, nessa sociedade, o

conhecimento que é considerado mercadoria, busca agora agregar

sentimentos e valores numa perspectiva de subordinação do homem ao

capital.

A imposição do capital sobre a escola e sobre o currículo exige a

possibilidade concreta da resistência, ou seja, o currículo como lugar de

oposição ao pensamento dominante. Da mesma forma que o sistema

vigente procura apropriar-se da subjetividade dos trabalhadores, é

estratégico, para o processo de resistência, dar voz aos estudantes. Por

isso Giroux afirma: [...] atentem seriamente para a necessidade de dar

aos alunos voz ativa em suas experiências de

aprendizagem; significa desenvolver um vernáculo

crítico que seja adequado aos problemas

experienciados ao nível da vida diária,

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especialmente quando estes são relacionados com

experiências pedagógicas desenvolvidas por

práticas de sala de aula (GIROUX, 1988, p. 33).

O currículo, para além de transmissão de conhecimento, é lugar de

significação social e construção de identidade. Se na Educação Básica

torna-se necessário dar voz aos estudantes, na formação superior essa

prerrogativa apresenta-se ainda mais vital.

Dessa forma, a política cultural proposta por Giroux (1997, p. 167)

é fundamental na construção da possibilidade de superação do currículo

vigente, pois a “experiência escolar dos estudantes está entrelaçada com

suas vidas em casa e na rua”. Eles vêm para a escola com saberes e

conhecimentos não reconhecidos e, por vezes marginalizados, mas fazem

um processo de mediação com o conhecimento institucionalmente

legitimado, em que há possibilidades de resistência e de subversão do

currículo dominante. Nesse sentido, poderíamos pensar sobre a força da

participação dos estudantes na elaboração e no desenvolvimento dos

currículos dos cursos de licenciatura em instituições como o Instituto

Federal de Santa Catarina.

Após termos apresentado elementos sobre o papel político do

currículo e aspectos sobre as duas principais perspectivas curriculares da

contemporaneidade, que são a tecnicista e a crítico-emancipatória, a

seguir, um detalhamento destas perspectivas, tendo em vista que a partir

delas analisamos o caráter da formação no curso de Licenciatura em

Química do IFSC, Campus São José/SC.

3.2 PERSPECTIVAS DE FORMAÇÃO CONTEMPORÂNEA EM

CONTEXTO DE CURRÍCULOS TECNICISTAS E

NEOTECNICISTAS

No início do século XX, nos Estados Unidos, a educação assume

o modelo burocrático e eficientista, num cenário de transformações

econômicas, sociais e políticas que tiveram início no século XIX,

motivadas por uma expansão cada vez maior da industrialização. Como

já fizemos referência, os fundamentos para esse modelo educacional

estavam pautados nas técnicas de administração utilizadas pela indústria, cuja ênfase era a prática eficiente e a consequente produtividade.

A influência dessas ideias na vida escolar encontra sua máxima

expressão no pensamento de John Franklin Bobbitt que, em 1912, tomou

como modelo de eficiência a inovação nas escolas de Gary, em Indiana.

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57 Esse modelo utilizava os quatro princípios da administração científica de

Tylor (KLIEBARD, 2011): i) usar toda a área escolar durante todo o

tempo disponível; ii) reduzir o número de trabalhadores ao mínimo,

obtendo de cada um o máximo de sua eficiência no trabalho; iii) eliminar

gastos supérfluos e; iv) o salto a partir da área física da escola e da

eficiência do trabalhador para o campo da própria teoria educacional. Em

particular, significava educar os “indivíduos de acordo com as suas

capacidades” (PARASKEVA, 2005, p. 11). Encontramos em Bobbit a

seguinte orientação:

Trabalhe o material bruto de forma que se torne o

produto final para o qual é mais adequado.

Aplicado à educação, isso significa: educar o

indivíduo segundo suas potencialidades. Isso exige

que o conteúdo do currículo seja suficientemente

variado para satisfazer as necessidades de todos os

tipos de indivíduos na comunidade; e que o ritmo

de treinamento e de estudo seja suficientemente

flexível de modo que só se dê ao indivíduo aquilo

de que ele necessita (BOBBIT apud KLIEBARD,

2011, p 10).

Em certa medida, a transferência desses princípios da

administração científica para a área do currículo transformou o estudante

no objeto de trabalho da máquina burocrática da escola. Ele passou a ser

a matéria prima a partir do qual a escola-fábrica deveria modelar um

produto de acordo com as especificações da sociedade. O que de início

era simplesmente uma aplicação direta dos princípios de administração

geral à administração das escolas tornou-se o paradigma em que se

fundamentaria a teoria moderna do currículo (KLIEBARD, 2011).

A organização curricular propõe uma padronização das ações tal

qual nas indústrias. Essa organização feita por especialistas tinha como

incumbência penetrar no mundo dos negócios e descobrir “habilidades,

atitudes, estimativas e formas de conhecimento” (KLIEBARD, 2011,

p.12), específicos que os seres humanos necessitam. Considerando tais

aspectos, Bobbit enunciou seu princípio básico: “O currículo do

treinamento direto deve ser elaborado a partir das deficiências

apresentadas pelos indivíduos depois que tiverem tido tudo o que pode

ser oferecido pelo treinamento indireto”. O currículo seria a solução para

alcançar o produto padrão (KLIEBARD, 2011, p.12).

Segundo Kliebard, esse modelo que saiu da indústria e foi para a

educação, mais tarde, transformou-se em padrão e

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Um dos efeitos paralelos de tal concepção de

currículo foi a ampliação de seus objetivos que

passaram a incluir o domínio ilimitado da atividade

humana. Em vez de ser apenas o repositório da

herança intelectual do homem, o currículo passava

agora a abarcar a gama da experiência humana, a

totalidade dos hábitos, habilidades, capacidades,

formas de pensamento, valorações, ambições etc.,

que seus membros necessitam para o desempenho

de suas atividades vocacionais; da mesma forma, a

totalidade do que é necessário para suas atividades

cívicas, suas atividades relativas à saúde, suas

atividades de recreação; sua linguagem; suas

atividades sociais relativas à família e à religião,

bem como atividades sociais gerais. O produto

padrão deveria ser descrito e especificado em cada

detalhe (KLIEBARD, 2011, p.12).

Como consequência desse modelo, o currículo tomou uma

dimensão ampla. Por meio dele era possível predeterminar o produto

final, ou seja, qual tipo de aluno seria formado. E havia objetivos

específicos na formação das pessoas para cada função a ser

desempenhada na sociedade Desse modo, a educação estabelecia

hierarquias através dos currículos. Em virtude de suas ideias, Bobbitt

ganhou mais espaço e em 1920 influenciou profundamente a

reformulação da proposta para o currículo norte-americano através da

padronização e predeterminação do produto. No texto The Objectives of

Secondary Education II Bobbit afirma:

No mundo da produção econômica, um dos

grandes segredos para o sucesso é a

predeterminação. A administração predetermina

com grande exatidão a natureza dos produtos a

serem elaborados e, em relação aos outros fatores,

a qualidade do produto. Os administradores

padronizam e, portanto, predeterminam os

processos a serem utilizados, a quantidade e a

qualidade do material bruto a ser empregado em

cada tipo e unidade do produto, o tipo e quantidade

de trabalho a ser feito e o tipo de condições sob as

quais o trabalho deve ser feito […] (BOBBIT apud

KLIEBARD, 2011, p.13).

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Cabe destacar que há uma percepção cada vez mais forte na

profissão educacional de que devemos especificar os objetivos nela

contidos. Devemos também institucionalizar a predeterminação e

estabelecer até onde as condições de nosso trabalho permitem

desenvolver uma técnica de predeterminação dos resultados específicos a

serem obtidos.

A racionalidade, a eficiência e a produtividade, princípios

estabelecidos na administração da indústria, são inteiramente transferidas

para a educação. Esses princípios vêm com o tom da pseudoneutralidade

científica e promovem um reordenamento no processo educativo. Então,

no currículo, a análise das atividades do homem em unidades de

comportamento específicas e especializadas passa a ser concebida como

análise de atividade que, por sua vez, é usada para eliminar o que não se

mostra funcional. Além disso, esse planejamento e essa organização

buscam minimizar interferências subjetivas que coloquem em risco a

eficiência. Nessa perspectiva, tanto o professor como o aluno têm papel

secundário, é a organização racional que garante o bom resultado.

Na percepção de Saviani (2010) no âmbito da pedagogia de

formação tecnicista: [...] cabe à educação proporcionar um eficiente

treinamento para a execução das múltiplas tarefas

demandadas continuamente pelo sistema social.

Nos termos indicados, a educação será concebida

como um subsistema cujo funcionamento eficaz é

essencial ao equilíbrio ao sistema social que faz

parte. Sua base de sustentação teórica desloca-se

para a psicologia behaviorista, a engenharia

comportamental, a ergonomia, a informática,

cibernética, que têm em comum a inspiração

filosófica neopositivista e o método funcionalista.

Do ponto de vista pedagógico, conclui-se que [...],

para a pedagogia tecnicista o que importa é

aprender a fazer (SAVIANI, 2010, p.383).

Significa segundo Saviani (2010), uma reorganização das escolas

que tiveram um crescente processo de burocratização. Essa formação

tecnicista que transpôs para a escola a forma de funcionamento do sistema

fabril trouxe uma visão equivocada, não considerou a especificidade da educação e a complexa relação entre escola e processo produtivo.

Outro norte americano que postulou princípios importantes para

construção de currículos foi Ralph Tyler em 1950. Eram princípios que

orientavam a elaborar racionalmente um currículo e que se tornaram fonte

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de inspiração para muitos países ocidentais, inclusive o Brasil. Tais

princípios orientadores giravam em torno de quatro perguntas que

deveriam ser respondidas na formulação de um desenho curricular:

1. Que objetivos educacionais deve a escola

procurar atingir?

2. Que experiências educacionais podem ser

oferecidas que possibilitem a consecução desses

objetivos?

3. Como podem essas experiências educacionais

ser organizadas de modo eficiente?

4. Como podemos determinar se esses objetivos

estão sendo alcançados? (TYLER, 1977, p. 1-2).

Isto quer dizer que na tessitura de um desenho curricular faz-se

necessário dar conta desses quatro princípios estruturantes: objetivos,

conteúdos, organização de conteúdos e avaliação.

Quanto aos objetivos educacionais, Tyler aponta três fontes que

deveriam ser consideradas na construção de um currículo: estudos sobre

o aluno, estudos sobre a vida contemporânea e sugestões oferecidas pelos

especialistas para a definição dos conteúdos. No entanto, esses dados

deveriam passar pelo crivo dos filósofos e psicólogos.

Quando faz referência aos conteúdos e a sua organização, Tyler

reconhece a dificuldade do conceito de experiências de aprendizagem que

já havia sido proposto no início do século XX por Dewy. O problema,

segundo ele, está em saber como as experiências de aprendizagem podem

ser selecionadas por um professor ou por um especialista de currículo, já

que são interações entre o aluno e seu ambiente, ou seja, as experiências

de aprendizagem são, em certa medida, funções das percepções,

interesses e experiência prévia do aluno. Para Tyler (1977, p. 42), embora

o professor não selecione as experiências de aprendizagem, ele “pode

controlar as experiências de aprendizagem através da ― manipulação do

ambiente de tal forma que crie situações estimulantes — situações que

irão suscitar a espécie de comportamento desejado”. Nesse sentido, o

conteúdo serve como instrumento para a conquista dos objetivos.

Em relação à avaliação, Tyler (1977, p. 69) assim conceitua: “é

essencialmente o processo de determinar até onde os objetivos

educacionais estão sendo realmente alcançados pelo programa de currículo e ensino”. Significa dizer que os objetivos não servem apenas

para a seleção e organização das experiências de aprendizagem, mas

como padrão para avaliação do próprio programa. Para Tyler (1977, p.

Page 61: Dissertação de Mestrado · dissertação de mestrado perspectivas de formaÇÃo no curso de licenciatura em quÍmica do ifsc: da tradiÇÃo tÉcnica ao discurso emancipatÓrio

61 69), “a avaliação é um processo pelo qual o indivíduo compara as

expectativas iniciais, sob forma de objetivos comportamentais, com os

resultados”.

O modelo de administração utilizado nas indústrias serviria de

exemplo para o campo do currículo. Tanto Bobbitt como Tyler deram

grande contribuição para esse campo e tornaram-se referências,

influenciando, ainda nos dias atuais, a organização curricular da educação

e principalmente da educação profissional.

No Brasil, esse modelo de educação começa, segundo Saviani

(2010), com a reforma do ensino superior, a partir de estudos

desenvolvidos no então Conselho Federal de Educação (CFE). Assim é

que, com base em parecer elaborado por Valnir Chagas sobre a

“Reestruturação das universidades brasileiras”, baixou-se o Decreto-Lei

nº 53, de 18 de novembro de 1966, que foi complementado por um novo

Decreto-Lei nº 252, de 28 de fevereiro de 1967. Ambos dispunham sobre

princípios de organização e reestruturação das universidades federais e

davam outras providências.

Em 1968, no Brasil, houve uma crise estudantil e as principais

universidades foram tomadas pelos estudantes. O governo, pressionado,

criou, em 02 de julho, por decreto, um grupo de trabalho (GT) para

elaborar a reforma universitária. Valnir Chagas integrou esse GT, tendo

importante atuação. O projeto veio a converter-se na Lei nº 5.540, em

novembro de 1968. O projeto precisava responder essencialmente a duas

demandas: i) a demanda dos jovens estudantes ou postulantes a estudantes

universitários e dos professores que reivindicavam a abolição da cátedra,

a autonomia universitária, mais verbas para desenvolver pesquisas e mais

vagas para ampliar o raio de ação da universidade; ii) a demanda dos

grupos ligados ao regime instalado com o golpe militar de 1964, que

buscavam vincular mais fortemente o ensino superior aos mecanismos de

mercado e ao projeto político de modernização em consonância com os

requerimentos do capitalismo internacional (SAVIANI, 2010).

O GT da Reforma Universitária procurou atender à primeira

demanda proclamando a indissociabilidade entre ensino e pesquisa,

abolindo a cátedra, instituindo o regime universitário como forma

preferencial de organização do ensino superior e consagrando a

autonomia universitária, cujas características e atribuições foram

definidas e especificadas. Em contrapartida, procurou atender à segunda

demanda instituindo o regime de créditos, a matrícula por disciplina, os

cursos de curta duração, a organização fundacional e a racionalização da

estrutura e do funcionamento (SAVIANI, 2010).

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62

O cenário apresentado no texto nos permite afirmar que esta é uma

tendência presente no âmbito da educação profissional no Brasil desde a

constituição das escolas profissionais até a atual estruturação dos

Institutos Federais. A racionalidade que dá vida à formação profissional,

sobretudo nas áreas chamadas ‘duras’, é a da produtividade, da

competência técnica e da busca por resultados imediatos. Por isso, a

questão central desta pesquisa permanece colocada: de que forma e com

quais referenciais os Institutos Federais se disponibilizam a formar

educadores assumindo rótulos de matrizes que não possuem vínculo com

sua tradição em termos epistemológicos e políticos?

3.3 PERSPECTIVAS DE FORMAÇÃO EM CONTEXTO DE

CURRÍCULO CRÍTICO/EMANCIPADOR

Herdeiros de análises críticas formuladas pela Escola de Frankfurt,

nos anos trinta do século XX, pensadores críticos, como Max Horkheimer

(1895 – 1973); Theodor W. Adorno (1903 – 1969); Herbert Marcuse

(1898 – 1979); Friedrich Pollock (1894 – 1970); Erich Fromm (1900 –

1980); Otto Kirchheimer (1905 – 1965); Leo Löwenthal (1900 – 1993),

dentre outros de uma segunda geração da Escola, contribuíram fortemente

para uma determinada concepção de mundo, de sociedade e de educação.

Contudo, somente trinta anos depois, na década de 1960,

ocorreram várias publicações que, no âmbito da educação, se

contrapunham aos modelos liberais-conservadores, particularmente o

tradicional e o tecnicista tradicional. O contexto no qual aconteceram as

publicações derivadas da Escola de Frankfurt era de agitação, de muita

efervescência política e de transformações na ordem econômica e social.

Os movimentos de independência das antigas colônias europeias; os

protestos estudantis na França e em outros países; a continuação do

movimento dos direitos civis nos Estados Unidos; os protestos contra a

guerra no Vietnã; os movimentos de contracultura; o movimento

feminista; a liberação sexual; as lutas contra a ditadura militar no Brasil e

nos demais países da América Latina; a juventude embalada pelo rock

and roll dos Beatles e dos The Rolling Stones questionavam tanto a forma

quanto o conteúdo da educação tradicional (SILVA, 2002).

Concomitantemente, surge, na Inglaterra, com Michael Young, em

1971, o movimento da Nova Sociologia da Educação e nela o currículo

ganha espaço de debate sociológico e político, dado que passa a ser

concebido como construção social e como território de muitas lutas. A

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63 Nova Sociologia da Educação (NSE) questiona, dentre outras coisas, a

“naturalidade e a neutralidade” das categorias curriculares, pedagógicas e

avaliativas.

A NSE tomou como ponto de partida para sua análise e proposição

o desenvolvimento de uma sociologia do conhecimento. Para Forquin

(1993), a NSE apontava para uma descentralização das decisões em

matéria de conteúdos escolares, acrescida de maior autonomia

pedagógica dos próprios professores e educandos, os quais passariam a

exercer o controle mais efetivo sobre o conhecimento a ser considerado e

a maneira de ensinar.

Para a NSE, é fundamentalmente necessário saber o que importa

como conhecimento e porque uns são mais importantes que outros.

Embora neste movimento ressaltem-se as conexões entre os princípios de

distribuição de poder e as várias fases de construção curricular, seus

teóricos concentram-se nas formas organizacionais do currículo,

questionando quais os princípios de estratificação e de integração que os

governam. Considerando esse cenário de transformações, recorremos a Silva,

que traz elementos característicos do currículo numa perspectiva coerente

como o ideário da NSE, ou seja, uma concepção de base crítica:

Os modelos tradicionais de currículo restringiam-

se à atividade técnica de como fazer o currículo. As

teorias críticas sobre o currículo, em contraste,

começam por colocar em questão precisamente os

pressupostos dos presentes arranjos sociais e

educacionais. As teorias críticas desconfiam do

status quo, responsabilizando-o pelas

desigualdades e injustiças sociais. As teorias

tradicionais eram teorias de aceitação, ajuste e

adaptação. As teorias críticas são teorias de

desconfiança, questionamento e transformação

radical. Para as teorias críticas o importante não é

desenvolver técnicas de como fazer o currículo,

mas desenvolver conceitos que nos permitam

compreender o que o currículo faz (SILVA, 2002,

p. 30, grifo do autor).

Os trabalhos filiados às teorias críticas ocuparam-se em

desenvolver conceitos que permitissem compreender, com base em uma

análise marxista, o que o currículo faz. Nesta concepção, o currículo não

pode ser neutro e desinteressado. O conhecimento selecionado no

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64

currículo representa os interesses particulares das classes dominantes, isto

é, o currículo tem estreitas relações com estruturas econômicas e sociais.

O currículo só pode ser analisado dentro da sua constituição social e

histórica. Como afirmam Moreira e Silva (2002, p.30): “Ideologia, cultura

e poder, em suas relações com o currículo, são assim conceitos centrais e

que sintetizam as preocupações e problemáticas da teorização

educacional crítica”. Apple também contribui quando, no âmbito da

discussão curricular, conceitua ideologia dizendo:

[...] as ideologias estão cheias de contradições. Elas

não são um conjunto coerente de crenças. [...] Elas

são, ao invés, conjuntos de significados vividos,

práticas e relações sociais que são muitas vezes

internamente inconsistentes. Elas têm um

componente no seu interior que conseguem

penetrar no âmago das causas dos benefícios

desiguais da sociedade e no mesmo momento

tendem a reproduzir os significados e as relações

ideológicas que mantêm a hegemonia das classes

dominantes (APPLE, 2002, p. 32).

Para os curriculistas desta matriz teórica, a ideologia,

conhecimento, cultura e poder perpassa a constituição do currículo e

contribui para a reprodução das desigualdades sociais. Se numa primeira

fase da crítica aos modelos tradicionais o debate foi de denúncia sobre o

que o currículo reproduz e faz, na segunda, os autores passam a conceber

o currículo como lugar de possibilidades, de resistência e de emancipação.

Nesse âmbito, Giroux e Freire são nomes que se destacam.

A etimologia do termo emancipação é algo como “soltar a mão

de”, ou ainda, emancipação significa o processo de deixar o outro ou

deixar a si mesmo caminhar de forma autônoma. Para Paulo Freire

emancipação é a libertação da opressão tanto externa que limita a sua

liberdade, como a internalizada que restringe o movimento desse

indivíduo em direção a sua autolibertação. A emancipação e a liberdade

seriam alcançadas, na visão desse autor, a partir da conscientização sobre

a relação de opressão vivida em um contexto de lutas entre classes sociais,

dos que possuem e os são privados de bens materiais (FREIRE, 1981). A

efetivação da autonomia, da liberdade e da igualdade dos indivíduos é o

que define uma sociedade emancipada para Freire.

Henry Giroux defende claramente, em seus trabalhos sobre

currículo, a possibilidade de resistência e emancipação. O autor

desenvolve o conceito de resistência como uma construção teórica e

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65 ideológica. Significa que muda o eixo de análise: antes eram usados

pressupostos funcionalistas e psicológicos e, no entendimento de Giroux,

o pressuposto é político. Ele utiliza a dialética, sobretudo quando defende

que o processo não é estático e que os oprimidos não são simplesmente

passivos diante do processo de dominação. O autor aponta ainda que uma

pedagogia crítica da resistência

[...] deve estabelecer a relatividade de todas as

formas de representações, situando-as nas

construções históricas e sociais que tanto informam

seu conteúdo quanto estruturam seus parâmetros

ideológicos. [...] deve trazer à luz as estratégias que

são usadas para estruturar a forma como os textos

são interpretados, [...] [evidenciando] não apenas

como o poder está inscrito em uma pedagogia da

representação, mas também como essa pedagogia

pode ser usada para destruir os sistemas

ideológicos, culturais e políticos [...] Isso sugere

que a prática de interpretar as ideologias está

conectada à produção de estratégias políticas

informadas pelas ideologias transformadoras. [...]

deve estar fundamentada em projetos que

proporcionem uma conexão entre representações

que operam em locais educacionais particulares e

representações que operam em outros locais

culturais [...] deve ser assumida como uma forma

ética de lidar, que fundamenta o relacionamento

entre o ‘self’ e os outros em práticas que promovem

o cuidado e a solidariedade, em vez de opressão e

sofrimento humano. [...] não pode ser desarticulada

da responsabilidade radical da política e da ética

(GIROUX, 1999, p.257 e 258).

Essa concepção de resistência mostra o quanto é necessário

compreender a complexidade que são as relações estabelecidas entre as

pessoas, com suas experiências de vida e as estruturas de coerção e poder.

Na percepção de Giroux, [...] o poder nunca é unidimensional; ele é exercido

não apenas como um modo de dominação, mas

também como um modo de resistência ou mesmo

como uma expressão de um modo criativo de

produção cultural e social fora da força imediata de

dominação (GIROUX, 1986, p.147).

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66

Apreendemos, em Giroux, que a coexistência de mecanismos de

resistência e de dominação dentro do espaço escolar configura um

ambiente contraditório. Por isso, ele entende que seja possível que a

escola se constitua como uma esfera pública privilegiada regida pelos

princípios de “autodeterminação e de práxis transformadora” (GIROUX,

1986, p.158).

No nível filosófico, Giroux enfatiza a resistência como um

construto teórico e rejeita a noção positivista de que a categorização e o

significado do comportamento são sinônimos de uma observação, de uma

leitura literal, baseada no imediatismo da expressão. O autor questiona a

ideia de que as escolas são simplesmente locais de instrução e, ao fazer

isso, mostra a necessidade de se analisar a cultura da escola como um

espaço de luta e contestação.

Continuando a expor seu pensamento, Giroux argumenta que a

resistência deve ter a função de mostrar criticamente o processo de

dominação e construir possibilidades teóricas para autorreflexão e para a

luta no interesse da autoemancipação e da emancipação social. Para

Giroux (1986), a resistência deve ser entendida como um novo discurso

capaz de superar os discursos tradicionais sobre o fracasso escolar e o

comportamento de oposição. O fracasso escolar não deve ser explicado

pela lógica do comportamento desviante, patológico ou pela genética.

A resistência existe como mecanismo que supera as formas de

dominação e leva à emancipação. Giroux, embasado nos teóricos da

Escola de Frankfurt, tais como Adorno, Horkheimer e Marcuse, sustenta

a defesa de uma pedagogia radical, uma pedagogia constituída por uma

racionalidade que estabelece um nexo entre pensamento e ação, voltada

tanto para a liberdade individual quanto social. Isso significa, dentro

dessa perspectiva, que a denúncia por si só não cumpre o papel de

resistência para uma emancipação, mas a mediação dialética entre crítica

e ação aponta para a possibilidade de mudanças tanto nas relações

econômicas como nas relações de conhecimento e poder. Ele utiliza à

dialética, sobretudo quando defende que o processo não é estático e que

os oprimidos não são simplesmente passivos diante do processo de

dominação.

Freire (1980) acentua que os oprimidos vivem sob os ideais

humanos dos opressores e a práxis da libertação é um dos exercícios para

esta superação. O conceito de “homens novos” se aplica, pois há que se

superar os modelos autoritários e individualistas. São palavras do autor:

Somente os oprimidos podem libertar os seus

opressores, libertando-se a si mesmos. (...) É, pois

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67

essencial que os oprimidos levem a termo um

combate que resolva a contradição em que estão

presos, e a contradição não será resolvida senão

pela aparição de um “homem novo” e nem o

opressor nem o oprimido, mas um homem em fase

de libertação (FREIRE, 1980, p. 59).

A emancipação perpassa a busca pela superação da contradição

oprimido/opressor e a constituição de “homens novos”, em relações de

liberdade, igualdade e emancipação. Freire (1979) destaca a necessidade

de uma educação humanizante, restrita às sociedades e aos homens

concretos, que supere à alienação e potencialize a mudança e a libertação

social.

Embora não se tenha dedicado à pesquisa no campo do currículo,

Paulo Freire também trouxe contribuições para a área em diversos textos.

No livro Pedagogia do Oprimido ele teoriza a partir da contraposição

entre opressores e oprimidos para analisar a “educação bancária”. Para o

educador, essa concepção se caracteriza pelo ato de depositar, de

transferir, de transmitir valores e conhecimentos, refletindo, numa

sociedade opressora, a dimensão da “cultura do silêncio”, a “educação

bancária” que mantém e estimula a contradição (FREIRE, 1981, p. 67).

Na educação bancária, os saberes dos estudantes não são

valorizados, por não serem reconhecidos como científicos. Freire aponta

para uma educação emancipatória (problematizadora) e propõe uma

educação de diálogo, em que a experiência dos estudantes é a base do

conteúdo programático, isto é, “não é uma doação ou imposição, mas a

devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles

elementos que este lhe entregou em forma desestruturada” (SILVA, 2002,

p. 61). Freire analisa as teorias existentes, mas vai além de apontar como

são a educação e a pedagogia, sugerindo uma teoria que explica como

elas devem ser. O entendimento desses conceitos é fundamental para

analisarmos e compreendermos quais pressupostos norteiam a

organização curricular e a concepção educacional do Curso de

Licenciatura em Ciências da Natureza com Habilitação em Química do

IFSC.

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69 4 CONSTITUIÇÃO HISTÓRICO/POLÍTICA DO IFSC E SUA

TRADIÇÃO DE FORMAÇÃO TÉCNICA NOS RECENTES

DIÁLOGOS COM A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Neste capítulo, analisamos a constituição histórico/política de

formação do Instituto Federal e como se configurou o processo que

culminou com a oferta de formação de professores, desde a fundação das

antigas Escolas de Aprendizes de Artífices até a atualidade.

No processo de consolidação do regime republicano brasileiro, no

início do século XX, os dirigentes políticos fomentaram, por meio de

ações na educação, conceitos, como igualdade política, nação

republicana, democracia. Para o desenvolvimento da República

Federativa Brasileira, segundo os políticos da época, era imprescindível

legitimação da sua independência política, emancipação econômica,

industrialização, urbanização planejada e educação universalizada, entre

outros aspectos.

Nesse período, a economia nacional já sinalizava a exaustão do

modelo agrário-exportador e começava a sentir as pressões do capitalismo

impondo uma adequação ao modelo de produção industrial. Se bem que

a atividade industrial se apresentasse embrionária, os incentivos ao

trabalho e o início de uma formação profissional dos trabalhadores fabris

começavam a ser gestados nos planos governamentais, especialmente no

projeto de concepção da rede federal das escolas profissionais. Esse novo

modelo econômico exigia um tipo de trabalhador que dominasse um

determinado tipo de conhecimento. Essa necessidade a partir da indústria,

por formação de trabalhador, impôs à educação uma demanda.

Os trabalhadores a serem formados nessa modalidade de educação

eram oriundos do êxodo rural, do processo de abolição da escravatura, do

crescimento do número de trabalhadores livres, da urbanização

desordenada, da crença no acesso às melhores condições de vida, aos

benefícios e ao conforto da cidade e da industrialização.

Esses trabalhadores eram tidos como ociosos, como

desfavorecidos da fortuna, improdutivos, suscetíveis à criminalidade,

causadores do medo e da desordem social. Por isso, tornaram-se alvos de

políticas públicas na perspectiva de transformá-los em um segmento útil

à sociedade. Nesse contexto, a educação era entendida como a peça

fundamental no processo de transformação desses chamados desocupados

em futuros cidadãos republicanos úteis e contribuidores da ordem social

e do desenvolvimento do país. E no âmbito da educação profissional, a

rede federal exerceu o papel de difundir os valores e preceitos do novo

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regime governamental, os hábitos do trabalho e da obediência às regras,

oferecendo a esses trabalhadores uma formação profissional que os

transformasse em operários frutíferos à nação, ordeiros e qualificados

para atuarem nas futuras indústrias brasileiras. Outros objetivos estavam

implícitos na constituição das Escolas, tais como, desenvolver uma nova

cultura de trabalho e integrar as novas gerações no ideário de sociedade

moderna e industrial (KUNZE, 2009).

Foi nesse contexto socioeconômico, sociocultural e político que

nasceram as Escolas de Aprendizes de Artífices, com o Decreto nº 7566

de 23 de setembro de 1909. Neste, o presidente Nilo Peçanha decreta:

Considerando: que o aumento constante da

população das cidades exige que se facilite às

classes proletárias os meios de vencer as

dificuldades sempre crescentes na luta pela

existência; que para isso se torna necessário, não só

habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna

com o indispensável preparo técnico e intelectual,

como fazê-lo adquirir hábitos de trabalho profícuo,

que os afastará da ociosidade ignorante, escola do

vício e do crime. Decreta: [...] Art. 2º Nas Escolas

de Aprendizes de Artífices, custeadas pela União,

se procurará formar operários e contra-mestres,

ministrando-se o ensino prático e os conhecimentos

técnicos necessários aos menores que pretenderem

aprender um ofício, havendo para isso o número de

cinco oficinas de trabalho manual ou mecânico que

forem mais convinientes e necessárias no Estado

em que funcionar a escola, consultadas, quando

possível, as especialidades das industrias locais.

(BRASIL, 1909, p. 1)

As considerações do Decreto trazem explícita a concepção de

homem e de mundo defendida pelo governo, que parte do pressuposto da

divisão social do trabalho, defende que alguns servem para o trabalho

operacional e outros para o trabalho intelectual, especialmente quando

propõe uma escola somente para os mais pobres ou “desfavorecidos da

fortuna” cuja formação proposta é técnica. Uma formação pensada nesses

termos aponta para uma educação pragmática, instrumental, restrita à

demanda de mercado. Além disso, educa para um determinado tipo de

sociedade pensada pelas classes dirigentes. Frigotto cita Desttut de Tracy

para explicar a diferença que existe entre a formação dos trabalhadores e

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71 a formação da elite:

Os homens de classe operária têm desde cedo a

necessidade do trabalho de seus filhos. Essas

crianças precisam adquirir desde cedo o

conhecimento e, sobretudo o hábito e a tradição do

trabalho penoso a que se destinam. Não podem,

portanto, perder tempo nas escolas (…). Os filhos

da classe erudita, ao contrário, podem dedicar-se a

estudar durante muito tempo; têm muitas coisas

para aprender para alcançar o que se espera deles

no futuro (TRACY apud FRIGOTTO, 1987, p. 15).

Essa diferença entre a formação profissional e acadêmica expressa

uma dualidade na educação brasileira que aconteceu em escolas de

formação profissional e escolas acadêmicas ou propedêuticas. Além das

diferenças de currículo entre uma e outra formação, havia nítido limite

das funções operacionais, técnicas, de gestão e de desenvolvimento de

ciência e tecnologia, típicas das formas tayloristas/fordistas de organizar

o trabalho. Assim, definiam-se as trajetórias educativas que atendessem

às necessidades de disciplinamento dos trabalhadores e dirigentes

(KUENZER, 2007).

Para compreendermos e situarmos as mudanças ocorridas de modo

geral nos processos de formação de docentes e particularmente na

educação profissional, convém que a historicizemos, a fim de podermos

compreender melhor como elas acontecem no contexto atual tal

formação.

Nas palavras de Machado (2008), a história da formação de

docentes no Brasil, principalmente a educação profissional, é marcada

pela falta de concepções teóricas consistentes e de políticas públicas

amplas e contínuas. Exemplo disso é a criação, em 1917, da Escola

Normal de Artes e Ofícios Wenceslau Brás, fechada em 1937 e que

habilitou somente 381 professores (sendo a maior parte destes para

atividades de Trabalhos Manuais em escolas primárias e poucos para as

escolas profissionais), mesmo já tendo 5.301 matriculados.

Em 1942, foi assinada a Lei Orgânica do Ensino Industrial, que

ofertou o primeiro Curso de Aperfeiçoamento de Professores do Ensino

Industrial, em 1947, no Rio de Janeiro. Esse curso foi uma iniciativa da

Comissão Brasileiro-Americana do Ensino Industrial (CBAI), que

patrocinou a formação de gestores de escolas técnicas, enviando-os para

o Curso de Administração de Escolas Técnicas do State College da

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Pensilvânia, nos Estados Unidos.

Na década de 1960, mais precisamente em 1961, a LDB nº

4.024/1961, em seu artigo 59, estabeleceu dois caminhos distintos para a

formação de professores: para os que lecionariam no magistério e ensino

médio, havia as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras; para o ensino

técnico, os Cursos Especiais de Educação Técnica. No entanto, a

regulamentação desse artigo ocorreu somente em 1967 e 1968.

Também em 1961, o MEC estabeleceu normas para o registro de

professores do ensino industrial e o Conselho Federal de Educação

aprovou o Curso Especial de Educação Técnica em Cultura Feminina,

para a formação do magistério de Economia Doméstica e Trabalhos

Manuais. Em 1965, foi criada a Universidade do Trabalho de Minas

Gerais (UTRAMIG), que formava instrutores e professores para o ensino

técnico industrial.

O Parecer CFE nº 12/1967 foi o primeiro dispositivo de

regulamentação dos Cursos Especiais de Educação Técnica, previsto pela

Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1961. Esse Parecer serviu de base para

a Portaria Ministerial nº 111/68, que esclareceu que os cursos deveriam

ser destinados aos diplomados em nível superior ou em nível técnico,

desde que nos currículos figurassem disciplinas escolhidas para lecionar,

e definiu o mínimo de 720 horas-aula. Os cursos para formar instrutores

teriam, pelo menos, 200 horas-aula. O Art. 59 foi também regulamentado

pelo Parecer CFE nº 479/68, que estabeleceu a obrigatoriedade de um

currículo mínimo para estes cursos. Nessa mesma orientação, o Parecer

nº 262/62 fixou a duração da formação dos professores do ensino médio

geral (MACHADO, 2008).

Em sua análise sobre a Reforma Universitária (Lei nº 5.540/68),

Machado (2008) esclarece alguns aspectos sobre as exigências dessa lei.

Segundo ela, a formação de todos os professores do ensino de segundo

grau, tanto para disciplinas gerais quanto para as técnicas, deveria se dar

em nível superior, no entanto, essa exigência não foi considerada. Nas

normas complementares (Art. 16 do Decreto-Lei nº 464/69), o argumento

era o de que, não havendo professores e especialistas formados em nível

superior, exames de suficiência realizados em instituições oficiais de

ensino superior, indicadas pelo CFE, poderiam conferir esta habilitação.

O referido Decreto-Lei estabelecia um prazo de cinco anos para a

regularização da situação dos não diplomados em nível superior e que, na

data da publicação da Lei nº 5.540/68, ministravam disciplinas específicas

no ensino técnico ou exerciam funções de administração e de especialistas

no ensino primário. A exigência da Lei nº 5.540/68 e a carência de

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73 professores de ensino técnico habilitados em nível superior levou o MEC

a organizar e coordenar, em 1969, cursos superiores de formação de

professores para o ensino técnico agrícola, comercial e industrial.

Criou-se, para isso, uma agência executiva do Departamento de

Ensino Médio do MEC (Fundação CENAFOR ou Centro Nacional de

Aperfeiçoamento de Pessoal para a Formação Profissional) e o CFE

emitiu pareceres de orientação sobre essa pauta. Foram desenhados cursos

emergenciais, denominados Esquema I e Esquema II. O primeiro para

complementação pedagógica de portadores de diploma de nível superior.

O segundo era para técnicos diplomados e incluía disciplinas pedagógicas

do Esquema I e as de conteúdo técnico específico. Em 1971, foi elaborado

outro plano de formação de professores para disciplinas especializadas,

mas agora voltado para o ensino médio em geral, para atender a Lei

5.692/71.

Em 1977, o CFE instituiu, com a Resolução nº 3, a licenciatura

plena, estabelecendo para ela um currículo mínimo. Além disso,

determinou que as instituições de ensino que ofertassem os Esquemas I e

II os transformassem em licenciaturas. Foi estabelecido um prazo máximo

de três anos para a adequação, mas somente o Esquema I foi admitido

para as regiões com falta de recursos materiais e humanos para implantar

esta licenciatura (MACHADO, 2008).

Ainda segundo Machado (2008), a Lei nº 6.545/78 transformou as

Escolas Técnicas Federais de Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro em

CEFETs (os primeiros). A mudança tinha como um de seus objetivos a

oferta de um ensino superior de licenciatura plena e curta, tendo em vista

a formação de professores e especialistas para as disciplinas

especializadas do ensino de 2º grau e dos cursos de formação de

tecnólogos. Entre 1979 e 1982, o CFE emitiu diversos pareceres a respeito

de registro de professores oriundos dos Esquemas I e II; de autorização

para a oferta de cursos emergenciais; de adaptação destes cursos aos

termos da Resolução CFE nº 3/77 (licenciatura).

Mas em vez das licenciaturas, os Esquemas se impuseram, o que

levou a SESU/MEC a aprovar, em 1979, um plano para cursos

emergenciais. Houve, assim, um relaxamento da Resolução CFE nº 3/77,

assim como no disposto na exigência da Lei 5.540/68, confirmando-se

com a publicação da Resolução CFE nº 7/82, que alterou os artigos 1º e

9º da Resolução CFE nº 3 e tornou opcional a Formação de Professores

da Parte de Formação Especial do Currículo de Ensino de 2º Grau, por

meio dos Esquemas I e II ou por meio da Licenciatura Plena.

O CFE publicou, então, a Indicação nº 2/82, e o MEC, a Portaria

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299/82, para tratar das questões relacionadas a esses cursos, de sua

organização e seu funcionamento.

A Resolução CFE nº 7/82 alterou os artigos 1º e 9º da Resolução

nº 3/77 para tornar opcional a Formação de Professores da Parte de

Formação Especial do Currículo de Ensino de 2º Grau, por via dos

Esquemas I e II ou por via da Licenciatura Plena. Essa Resolução surgiu

no mesmo ano em que foi promulgada a Lei n° 7044/82, que alterou

dispositivos da Lei n° 5692/71, referentes à obrigatoriedade da

profissionalização do educando no ensino de 2° grau. Nesse nível de

ensino, a habilitação profissional foi considerada opcional e sua oferta

ficou a critério do estabelecimento de ensino.

Em 1986, houve a extinção da Coordenação Nacional do Ensino

Agrícola (COAGRI) e do Centro Nacional de Aperfeiçoamento de

Pessoal para a Formação Profissional (CENAFOR), que eram órgãos

dedicados à formação docente para o ensino técnico, vinculados ao MEC.

Suas responsabilidades foram transferidas para a Secretaria de Ensino de

Segundo Grau (SESG) do MEC, que criou um Grupo de Trabalho cujo

objetivo era elaborar proposta de cursos regulares de licenciatura plena

em matérias específicas do ensino técnico industrial de segundo grau. A

formação de docentes para as disciplinas específicas do 2º grau

permaneceu em pauta, sendo objeto, em 1989, de parecer da Comissão

Especial Interconselhos (CFE e Conselho de Mão-de-Obra).

Passada essa fase de verdadeiros ‘arranjos’ no âmbito da

organização da educação profissional, o Plano Nacional de Educação

(PNE), regulamentado pela Lei 10.172 de 09 de janeiro de 2001, no que

se refere à Educação Tecnológica e Formação Profissional, propôs os

seguintes Objetivos e Metas:

Estabelecer, com a colaboração entre o Ministério

da Educação, o Ministério do Trabalho, as

universidades, os CEFETs, as escolas técnicas de

nível superior, os serviços nacionais de

aprendizagem e a iniciativa privada, programas de

formação de formadores para a educação

tecnológica e formação profissional (BRASIL,

2001).

Havia, desde o final dos anos 1990, o entendimento, por parte da

Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), do

Ministério da Educação, da necessidade de formação de formadores para

a educação tecnológica e de formação profissional, por isso, esta

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75 secretaria, durante os anos 2000, promoveu estudos e discussões sobre

uma política mais ampla de formação de docentes para esta área da

educação que contemplasse a oferta de formação inicial por meio de

licenciaturas.

Para ampliar o debate, setores interessados participaram de um

Grupo de Trabalho (GT) formado por várias representações de entidades

de classe, da iniciativa privada, de universidades públicas, do governo. A

formação do GT Formação de Professores para a Educação Profissional

e Tecnológica expressou o compromisso assumido pela SETEC quando

da realização do evento “Simpósio Educação Superior em Debate:

Formação de Professores para a Educação Profissional e Tecnológica”,

realizado em setembro de 2006 pela SETEC e pelo INEP (MACHADO,

2008, p.2).

Portanto, o movimento que marca o fortalecimento das ações do

Estado em torno da estruturação da educação profissional, nos anos 1990,

tem na LDB de 1996 e no Decreto 2.208/97 suas mais importantes

expressões. A LDB nº 9.394/96 (BRASIL, 1996) trouxe referências

gerais para a formação de professores, extensivas aos de disciplinas

específicas. Ela estabeleceu formação mediante relação teoria e prática,

aproveitamento de estudos e experiências anteriores dos educandos

desenvolvidas em instituições de ensino e em outros contextos, e prática

de ensino de, no mínimo, 300 horas.

Já o Decreto 2.208/97, que regulamentou os artigos da LDB

referentes à educação profissional, definiu, no seu artigo 9º, que as

disciplinas do ensino técnico poderiam ser ministradas não apenas por

professores, mas por instrutores e monitores, caracterizando um

afrouxamento das exigências de habilitação docente. (BRASIL, 1997). O

mesmo decreto ainda previu que estes últimos deveriam ser selecionados,

principalmente, pela experiência profissional; que a preparação para o

magistério não precisaria ser prévia, pois poderia dar-se em serviço; e

manteve a admissão de programas especiais de formação pedagógica.

Nessa mesma direção, o CNE, mediante a Resolução nº 2/97,

dispôs sobre os programas especiais de formação pedagógica de docentes

para as disciplinas do currículo do ensino fundamental e do ensino médio.

Nessa Resolução foi incluída a formação de professores para esta

modalidade, sem, no entanto, promover a discussão sobre a alternativa

das Licenciaturas. Destinados aos diplomados em cursos superiores, tais

cursos especiais devem se relacionar à habilitação pretendida, enfatizar a

metodologia de ensino específica a ela, concedendo direitos a certificado

e registro profissional equivalente à licenciatura plena, essa formação

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tinha pelo menos 540 horas, incluindo a parte teórica e prática, esta última

com duração mínima de 300 horas. Significa que a parte teórica se reduziu

ao mínimo de 240 horas, podendo ser ainda oferecida na modalidade a

distância. Em 4/4/2006, foi aprovado pelo CNE o Parecer CNE/CP nº

5/06, que aprecia a Indicação CNE/CP nº 2/02 sobre Diretrizes

Curriculares Nacionais para Cursos de Formação de Professores para a

Educação Básica (MACHADO, 2008). O Parecer CNE/CP nº 5/06 prevê:

Os cursos de Licenciatura destinados à Formação

de Professores para os anos finais do ensino

fundamental, o ensino médio e a educação

profissional de nível médio serão organizados em

habilitações especializadas por componente

curricular ou abrangentes por campo de

conhecimento, conforme indicado nas Diretrizes

Curriculares pertinentes (BRASIL, 2006, p.3).

Manifestando-se sobre o tema, Machado (2008) defende que haja

concepção consistente nas diretrizes curriculares e uma política nacional

ampla e contínua para a formação de professores da educação profissional

e tecnológica. A autora entende que essa modalidade educacional

contempla processos educativos e investigativos de geração e adaptação

de soluções técnicas e tecnológicas fundamentais para o desenvolvimento

nacional, atendendo as demandas sociais e regionais.

Esse processo demanda professores com padrões de qualificação

adequados à atual complexidade do mundo do trabalho. Os docentes da

educação profissional têm novos desafios a vencer, quais sejam:

compreender as mudanças organizacionais que afetam as relações

profissionais; compreender os efeitos das inovações tecnológicas sobre as

atividades de trabalho e culturas profissionais; compreender o novo papel

que os sistemas simbólicos desempenham na estruturação do mundo do

trabalho; acompanhar o aumento das exigências de qualidade na produção

e nos serviços; atender a exigência de maior atenção à justiça social, às

questões éticas e de sustentabilidade ambiental.

Estes novos papéis e compromissos colocados para o professor

requerem a construção e reestruturação dos saberes e conhecimentos

fundamentais à análise, reflexão e às intervenções críticas e criativas na

atividade de trabalho. Para a força de trabalho exigida pela dinâmica

tecnológica que se difunde mundialmente, é preciso outro perfil de

professor capaz de desenvolver pedagogias do trabalho independente e

criativo, construir a autonomia progressiva dos educandos e participar de

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77 projetos interdisciplinares. Nesse âmbito, cabe-nos novamente

questionar: qual o projeto de formação de professores que está sendo

proposto e implementado pelo IFSC, particularmente no curso de

Química?

Com a transformação dos Centros Federais de Educação

Tecnológica (CEFETs) em Institutos Federais de Educação, Ciência e

Tecnologia (IFs) o Governo Federal busca consolidar como política

pública a educação profissional na perspectiva defendida por Machado,

notadamente um desafio, dada a trajetória histórica construída nesta

modalidade.

Segundo informa Pacheco (2010, p.9), são 38 Institutos, com 314

campi espalhados por todo o país, além de várias unidades avançadas,

operando em cursos técnicos (50% das vagas), em sua maioria, na forma

integrada com o ensino médio, as licenciaturas (20% das vagas) e as

graduações tecnológicas, com possibilidades de disponibilizar

especializações, mestrados profissionais e doutorados voltados

principalmente para a pesquisa aplicada de inovação tecnológica.

Na visão de Pacheco, essa nova institucionalidade, que se propõe

Derrubar as barreiras entre o ensino técnico e o

científico, articulando trabalho, ciência e cultura na

perspectiva da emancipação humana, é um dos

objetivos basilares dos Institutos. Sua orientação

pedagógica deve recusar o conhecimento

exclusivamente enciclopédico, assentando-se no

pensamento analítico, buscando uma formação

profissional mais abrangente e flexível, com menos

ênfase na formação para ofícios e mais na

compreensão do mundo do trabalho e em uma

participação qualitativamente superior neste. Um

profissionalizar-se mais amplo, que abra infinitas

possibilidades de reinventar-se no mundo e para o

mundo, princípios estes válidos, inclusive, para as

engenharias e licenciaturas. [...] Com os Institutos

Federais iniciamos uma nova fase, abandonando o

hábito de reproduzir modelos externos e ousando a

inovar a partir de nossas próprias características,

experiências e necessidades (PACHECO, 2010, p.

15).

É a partir dessa concepção de formação que os Institutos Federais

passam a ser considerados estratégicos para o desenvolvimento

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econômico e tecnológico nacional e para o fortalecimento do processo de

inclusão cidadã de milhões de brasileiros. E é sob esta visão que a

Licenciatura em Ciências da Natureza com Habilitação em Química do

IFSC está estabelecida. Entendemos que essa mudança acontece,

paradoxalmente, para a continuidade do mesmo modelo de educação.

Podemos fazer essa afirmação quando comparamos o Decreto n° 7.566

de 1909, assinado pelo Presidente Nilo Peçanha, que criou as Escolas de

Aprendizes de Artífices, com a Lei nº 11.892/2008, assinada pelo

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que criou os Institutos Federais.

Nelas verificamos elementos semelhantes em seus enunciados. O Decreto

de Peçanha, no seu Art. 2º [...], define: “Estado em que funcionar a escola,

consultadas, quando possível, as especialidades das indústrias locais”

(BRASIL, 1909). Este enunciado é atualizado na Lei nº 11.892/2008, no

Art. 6º, inciso IV, que assim estabelece:

Orientar sua oferta formativa em benefício da

consolidação e fortalecimento dos arranjos

produtivos, sociais e culturais locais, identificados

com base no mapeamento das potencialidades de

desenvolvimento socioeconômico e cultural no

âmbito de atuação do Instituto Federal (BRASIL,

2008).

O que houve, a nosso ver, foi somente uma atualização do discurso,

porque em ambos a formação deve estar de acordo com a demanda dos

arranjos produtivos locais.

Outra semelhança com a educação ofertada pelas antigas Escolas

de Aprendizes Artífices está no fato de que elas eram, prioritariamente,

para os “desvalidos da sorte” e atualmente os Institutos Federais buscam

incluir milhões de trabalhadores nos diferentes níveis e modalidades,

pagando bolsa estudantil para os educandos, por meio do Programa de

Assistência ao Estudante em Vulnerabilidade Social (PAEVS). Logo,

recebem a bolsa aqueles que estão em “vulnerabilidade social”.

Ao longo desses 100 anos, o capitalismo se expandiu e consolidou

uma relação de subordinação da educação aos seus propósitos. E à medida

que o capitalismo se reelabora, se transmuta para permanecer lucrando, a

educação sofre impacto direto dessas mudanças. Nessa direção, os

Institutos reelaboram seus discursos, seus currículos e passam a ofertar as Licenciaturas para a educação básica e profissional.

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79 5 ANÁLISE DA PERSPECTIVA DE FORMAÇÃO NO CURSO DE

LICENCIATURA EM QUÍMICA DO IFSC

Neste capítulo, analisamos os dados empíricos coletados na

pesquisa documental tomando-se como base os referenciais teóricos

apontados ao longo dos capítulos anteriores. Ao término da análise,

pretendemos alcançar as respostas colocadas como objeto desta

dissertação. Para este trabalho, assumimos o pressuposto inicial de que a

formação de professores no Brasil orienta-se predominantemente por

duas perspectivas distintas: uma que se fundamenta e se organiza em

conceitos de filiação tecnicista, portanto, uma formação baseada nos

referenciais do modelo liberal que sustentou e sustenta a formação técnica

e tecnológica; e outra que se fundamenta e se organiza em conceitos de

filiação político-emancipatória, e que é baseada nos referenciais da

filosofia materialista-histórico-dialético,

Assim, a análise dos documentos foi conduzida por esta

classificação, de modo que extraíssemos deles os elementos que revelam

uma ou outra perspectiva formativa no currículo da licenciatura do IFSC.

Dentre os documentos oficiais analisados estão: As Diretrizes Nacionais

para a Formação de Professores, documentos de organismos

internacionais que influenciaram e ainda influenciam a formação docente,

o documento: Institutos Federais em Educação, Ciência e Tecnologia – Um novo modelo em educação profissional e tecnológica: concepção e

diretrizes (ano); o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) e

Projeto Pedagógico Institucional (PPI) do IFSC-SC; o Projeto

Pedagógico do Curso (PPC) com atenção especial à Matriz Curricular.

Quanto às Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a

Formação de Professores da Educação Básica (BRASIL, 2001):

No documento há uma proposta de referencial teórico e um

modelo curricular correspondente à uma nova perspectiva de formação.

As DCNs propõem enfrentar algumas questões históricas que perpassam

a discussão sobre a qualidade da formação e da prática docente. Dentre

estas questões está a indissociabilidade entre teoria e prática. Essa

iniciativa atendeu à orientação das agências multilaterais por uma

formação inicial mais rápida e flexível, com ênfase na formação pela

prática. Como consequência, abstraiu a pesquisa e a extensão do processo

de formação do professor.

Para Shiroma e Evangelista (2003, p.5-6), os documentos

nacionais apresentam uma leitura peculiar da reforma educacional, na

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qual se distinguem dois polos: “um relativo à prática escolar e seus

correlatos (livro didático, sistema de avaliação, gestão escolar, material

pedagógico, currículo, relação professor-aluno) e outro relativo à

formação docente”. Para as autoras, nessa primeira etapa da reforma,

difundiram-se os princípios da gestão baseada na qualidade total

tentando-se adequar o sistema educacional e as administrações escolares

por meio de cobranças de resultados.

Na outra etapa houve intervenção na lógica da organização escolar

e das práticas educativas, sugerindo-se mudanças no sistema de formação

docente. A primeira mudança concreta na formação docente no Brasil foi

proposta com a promulgação da LDBEN nº 9.394/96, nos artigos 61, 62,

63. (BRASIL, 1996). Dentre outras coisas, essa mudança projetou a

formação do professor da Educação Básica para o ensino superior, cujo

lócus preferencial de formação foi atribuído aos Institutos Superiores de

Educação (ISEs).

Nesse contexto, se insere a prescrição para a formação dos

professores, temática que esteve na pauta dos organismos internacionais,

como Banco Mundial (BM), UNESCO, UNICEF, Comissão Econômica

para a América latina e o Caribe (CEPAL) e PNUD. Segundo Moraes

(2003), esses organismos elaboraram documentos de diagnóstico, análise

e prescrição de procedimentos reformistas com bases econômicas para os

países da América Latina e do Caribe. As propostas formuladas pelos

organismos multilaterais vão ao encontro de uma reforma educacional

que preconiza a preparação de recursos humanos adequados às exigências

do mercado de trabalho e à cultura da empregabilidade, com o objetivo

de diminuir a defasagem entre as necessidades do sistema produtivo e as

respostas do sistema educacional.

A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe elaborou

em 1990, um documento chamado Transformación productiva con

equidad, que tratou da importância de um sistema educacional. Nele, a

finalidade colocada foi a de que se promovesse a adequação da oferta de

conhecimentos e habilidades de acordo com as especificidades do sistema

produtivo, tais como versatilidade capacidade de inovação, comunicação,

motivação, destrezas básicas, flexibilidade para adaptação às novas

tarefas e habilidades como cálculo, ordenamento de prioridades e clareza

na exposição – tudo isso para atender a reestruturação das economias

locais.

Segundo Torres (1996), a vinculação entre os investimentos na

Educação Básica e o crescimento econômico aparece no discurso do BM

quando este determina que uma de suas principais finalidades é formar

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81 indivíduos funcionais, adaptáveis às demandas do mercado de trabalho e

da economia. Por isso, este organismo internacional decide investir nos

considerados insumos da educação: textos escolares, capacitação docente,

tempo de instrução, avaliação da aprendizagem. Além disso, atua em

atividades de pesquisa, assistência técnica e assessoria aos governos na

elaboração e implementação de políticas e reformas educacionais.

Para a formação docente, o BM propõe investimentos na melhoria

do conhecimento do professor, considerando que a capacitação em

serviço oferece melhores resultados, seja para o desempenho escolar, em

comparação com a formação inicial, seja pelas vantagens do

financiamento. Também recomenda que a formação inicial do professor

deva ser realizada em tempo menor e centrada em aspectos pedagógicos.

Outra indicação é que seja utilizada, tanto para formação inicial quanto

para a capacitação em serviço, a modalidade de educação à distância.

Essas proposições estão baseadas numa otimização da aplicação de

recursos financeiros com a formação profissional, ou seja, menos

investimento com maximização de resultados.

A prescrição dos organismos internacionais para a educação na

América Latina é colocada em prática no Brasil na década de 1990.

Associada à política de ajuste e exigências da reestruturação econômica

em âmbito global, teve início na era Collor, ganhando força no governo

Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

Conforme Shiroma, Moraes e Evangelista (2004), o primeiro

documento que sinalizou a adesão das orientações dos organismos

multilaterais foi o Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003),

elaborado no governo Itamar Franco e, com esse plano, o Brasil traçou as

metas locais a partir do acordo firmado em Jomtien7. Assim, demonstrou

7 Conferência de Jomtien, em 1990, na Tailândia, Conferência Mundial de

Educação para Todos, na qual 155 governos assumiram o compromisso de

assegurar educação básica de qualidade para crianças, jovens e adultos. Ao final

da conferência foi aprovada a Declaração Mundial de Educação para Todos –

Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem. A carta de Jomtien, com

dez artigos defendeu enfaticamente o direito de todos à educação básica e os

deveres das Nações quanto ao cumprimento das “necessidades básicas de

aprendizagem”. Definiu que num prazo de dez anos os países que possuíssem

altas taxas de analfabetismo cumprissem o dever de universalizar a educação

básica8. Evangelista, Shiroma e Moraes assinalam que esse evento foi o marco a

partir do qual os nove países com maior taxa de analfabetismo do mundo

(Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e

Paquistão), conhecidos como “E9”, foram levados a desencadear ações para a

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aos organismos multilaterais que o projeto educacional por eles prescrito

seria aqui implementado. Os documentos subsequentes ao Plano Decenal

expressam, portanto, as diretrizes traçadas por esses organismos. Na

Licenciatura em Ciências da Natureza com Habilitação em Química do

IFSC, esse modelo se faz presente através de suas diretrizes

teórico/metodológicas, conforme veremos mais adiante.

Com relação ao documento: Institutos Federais em Educação, Ciência e Tecnologia – Um novo modelo em educação profissional e

tecnológica: concepção e diretrizes, analisamos particularmente qual o

entendimento dos Institutos sobre educação, trabalho, ciência e

tecnologia. O documento inicia mencionando o histórico do Brasil frente

à inserção tecnológica, e destaca que no século XIX o Brasil era colônia

de Portugal e que no início do século XX, “[...] na passagem do Império

para a República, estava, grosso modo, prisioneiro do trabalho escravo”

(BRASIL, 2010, p. 31), por isso, o país estava fora do processo de

inclusão tecnológica.

O texto informa que o Brasil participa do período de revolução

tecnológica com acentuado grau de conhecimento no processo de

transformação da base científica e tecnológica. Que diante dessa nova

realidade, a educação profissional e tecnológica passa a exercer papel

fundamental para o crescimento que o país vivencia. O documento

também aponta que o modelo de produção taylorista/fordista ainda

coexiste com o novo paradigma, e que esse novo modelo é consequência

das mudanças na base técnica, com ênfase na microeletrônica, que

provoca novas demandas para a formação dos trabalhadores e, nesse

sentido, há carência de trabalhadores qualificados. No documento

apresentam-se as concepções de educação, trabalho, ciência e tecnologias

defendidas para os Institutos Federais.

Sobre a Educação Profissional o documento traz o seguinte texto:

A educação para o trabalho nessa perspectiva

entende-se como potencializadora do ser humano,

consolidação dos princípios acordados na Declaração de Jomtien. Seus governos

comprometeram-se a impulsionar políticas educativas articuladas a partir do

Fórum Consultivo Internacional para a “Educação para Todos” (Education for

All – EFA), coordenado pela Unesco que, ao longo da década de 1990, realizou

reuniões regionais e globais de natureza avaliativa. (SHIROMA; MORAES;

EVANGELISTA, 2004).

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enquanto integralidade, no desenvolvimento de sua

capacidade de gerar conhecimentos a partir de uma

prática interativa com a realidade, na perspectiva

de sua emancipação. Na extensão desse preceito,

trata-se de uma educação voltada para a construção

de uma sociedade mais democrática, inclusiva e

equilibrada social e ambientalmente (BRASIL,

2010, p. 34).

Vemos, portanto, que o MEC/SETEC defende que a educação

profissional é capaz de, pela “prática interativa com a realidade”, gerar

conhecimentos e potencializar o homem integral numa perspectiva de

emancipação. Não é qualquer prática interativa com a realidade que faz

dessa educação, uma educação emancipatória, necessariamente ela tem

de garantir, através do currículo, um conjunto de teorias e práticas que,

juntas, possibilitem o processo emancipatório dessa formação. Além

disso, o MEC/SETEC afirma que essa educação é “voltada para a

construção de uma sociedade mais democrática, inclusiva e equilibrada

social e ambientalmente”, o que significa que há uma expectativa enorme

na educação promovida pelos Institutos, como se fosse possível à

educação formal/escolar construir sozinha um conjunto de valores éticos,

morais e ambientais para uma sociedade. A escola sozinha não consegue

mudar a sociedade, embora sem ela, seja impossível (MÉSZÁROS,

2008).

O documento expressa o seguinte conceito de trabalho:

O trabalho constitui, por definição, um fenômeno

total da sociedade, revelando-a em todos os

aspectos. Pelo trabalho, visando à produção em si,

o conjunto social apresenta-se formando a

verdadeira totalidade humana, e logo se desenham

as relações dialéticas de implicações mútuas que

ligam todas as fases (BRASIL, 2010, p.33).

O conceito apresentado é um tanto ambíguo quando se afirma que

o trabalho estabelece um fenômeno total e revela todos os aspectos dessa

sociedade. Na perspectiva de Marx, o trabalho é uma condição de

existência do homem de transformar a natureza para satisfazer suas

necessidades, por meio de uma forma específica, historicamente

determinada, de organização social. Nessa direção, fica evidente que o

enunciado contendo expressões, como “totalidade humana” e “relações

dialéticas”, não aponta com clareza o conceito.

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Relativamente à ciência e tecnologia, encontramos

A ciência deve estar a serviço do homem e a

comunicação da produção do seu conhecimento é

premissa básica para o progresso. [...] Entende-se,

portanto, que as tecnologias são produtos da ação

humana, historicamente construídos, expressando

relações sociais das quais dependem, mas que

também são influenciadas por eles (BRASIL, 2010,

p.35).

A produção cientifica e tecnológica, no capitalismo, é

condicionada pela sociedade na qual se desenvolve. Concomitantemente,

colabora para sua reprodução, já que atua como força produtiva,

formando a base técnica e institucional necessária à acumulação e,

respectivamente, legitima o sistema de dominação (BAUMGARTEN,

2011). Nesse sentido, a ciência está a serviço de quem pode pagar por ela.

Ainda segundo o documento, “a comunicação da produção do seu

conhecimento é premissa básica para o progresso”. Parece que a

perspectiva colocada nessa segunda parte do enunciado é a de um

consumidor e não a de um produtor de conhecimento, quando se fala da

“comunicação da produção”. Significa que a produção cientifica e

tecnológica de ponta é para poucos, ou seja, para os países

economicamente dominantes.

Quanto ao Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e ao Projeto

de Desenvolvimento Institucional (PDI):

O PPI é o documento que delineia os aspectos teóricos, políticos

e metodológicos para a realização da missão institucional do IFSC-SC e

é construído coletivamente. Já, o Plano de Desenvolvimento Institucional

(PDI) é um documento de gestão também construído coletivamente e que

contém o PPI. Nesses documentos estão os referenciais teórico-

metodológicos utilizados para a construção do Projeto Pedagógico, os

quais norteiam as práticas acadêmicas da instituição. O texto do PPI

contempla os referenciais, apontando que:

[...] Ter direito à liberdade, à justiça e à dignidade

é condição indispensável para a construção de uma

nova ordem social. Nessa perspectiva, a educação,

é um espaço fundamental para a formação integral

do cidadão, sujeito consciente, com visão crítica e,

sobretudo, atuante na sociedade. Mobilizar-se

nessa direção significa condenar toda e qualquer

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ação que repercuta em exploração e submissão do

Ser Humano e atuar para humanizar o globo e não

globalizar o homem. Implica defender, nas práticas

cotidianas, a solidariedade, a ética, a igualdade

social, o reconhecimento das diferenças, a

liberdade e o respeito à natureza. [...] Uma

instituição educacional deve garantir aos egressos

condições de exercício de cidadania responsável,

capacitação para o trabalho, socialização do

conhecimento e da tecnologia, colocando-os a

serviço da construção de uma sociedade mais ética,

justa e igualitária. Para tal, faz-se necessário um

projeto educacional em que a história da

construção do coletivo integre-se à história

individual de cada vida - que não pode e nem deve

ser esquecida, pois a construção coletiva de

sociedade é inerente à educação de seres humanos

autônomos, com capacidade de entender e cumprir

seus deveres e reivindicar seus direitos. Nesse

sentido, o IF-SC deve preservar e fortalecer sua

condição de instituição pública, gratuita, inclusiva,

democrática, com educação de qualidade. O

processo ensino-aprendizagem deve ser baseado no

diálogo professor-aluno, ser contextualizado de

forma a desenvolver a capacidade de análise das

situações e a tomada de posições quanto ao social

em qualquer nível (nacional e/ou mundial), ser

engajado nos movimentos sociais de inclusão da

população marginalizada, ter compromisso com a

produção cultural nacional e mundial. (IFSC,

2009b, p.23-24).

Aparecem, no PPI e no PDI do IFSC, conceitos como: a formação

integral; a defesa de princípios como a solidariedade, a ética e a igualdade

social; o reconhecimento das diferenças; a liberdade e o respeito à

natureza. O processo de ensino aprendizagem deve ser baseado no

diálogo professor-aluno e contextualizado de forma a desenvolver a

capacidade de análise das situações e a tomada de posições. Esse conjunto

de conceitos e princípios norteadores da prática pedagógica do IFSC

pressupõe um compromisso de emancipação.

Existe, portanto, uma contradição entre a história de formação dos

trabalhadores feita pelo IFSC e aquela que o Instituto atualmente aponta.

Dentre os vários conceitos e princípios colocados nesses documentos, um

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em especial salta aos olhos justamente porque reflete a contradição: o da

formação integral. Este conceito pressupõe uma educação sob uma

perspectiva emancipatória, que compreende o homem em sua totalidade,

que é relativamente diferente da educação tecnicista supostamente

adotada pelo atual IFSC. Pelo ponto de vista de Frigotto, Ciavatta e

Ramos (2005), um projeto de educação integral dos trabalhadores se

constitui como síntese do diverso e tem o trabalho como primeiro

fundamento da educação enquanto prática social, que é diferente de

educar para o mercado de trabalho. Romper com o modelo vigente,

cristalizado, assumido, de formação tecnicista que ocorre no IFSC, para

outro modelo antagônico, de formação emancipatória, requer mudanças

profundas, inclusive, de concepção de homem e mundo.

O PPC traz informações que nos ajudam a compreender em qual

concepção a formação na Licenciatura está embasada. Para isso,

analisamos: nomenclatura, justificativa, objetivos, perfil do egresso,

concepção de currículo, avaliação, pré-licenciatura, pró-licenciatura,

formação acadêmica dos professores da licenciatura, diretrizes do curso,

bibliografias utilizadas e também a matriz curricular do Curso de

Licenciatura Ciências da Natureza habilitação em Química do IFSC.

Quanto à nomenclatura do curso oferecido no IFSC –

Licenciatura Ciências da Natureza com habilitação em Química: Ela segue a lógica da reforma curricular ocorrida no Ensino Médio,

que estabelece a divisão do conhecimento escolar em três áreas:

Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (Língua Portuguesa, Língua

Estrangeira Moderna, Educação Física, Conhecimentos de Arte e

Informática); Ciências da Natureza (Química, Biologia e Física);

Matemática e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e suas Tecnologias

(Filosofia, Geografia, História e Sociologia) – tendo como base a reunião

daqueles conhecimentos que compartilham objetos de estudo e, portanto,

se comunicam mais facilmente, criando condições para que a prática

escolar se desenvolva numa perspectiva de interdisciplinaridade

(BRASIL, 2000).

Essa formação a partir das áreas de conhecimentos é abrangente e

pode significar precarização, aligeiramento na formação dos professores,

ainda que o Ministério da Educação afirme que a perspectiva de formação

docente praticada pelos Institutos Federais é a de

[...] contemplar simultaneamente as demandas

sociais, econômicas e culturais diversificadas e a de

formar um professor destinado a atuar na Educação

Básica e/ou Profissional, garantindo a construção

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de sólidas bases profissionais para uma formação

docente sintonizada com a flexibilidade exigida

pela sociedade atual, numa perspectiva

integradora, dialógica e emancipatória,

comprometida com a inclusão social

(BRASIL, s.d).

No entanto, isso não significa necessariamente que a referida

formação de professores aponte para uma educação emancipatória, haja

vista a afirmação contida no enunciado “formação docente sintonizada

com a flexibilidade exigida pela sociedade atual”, que pode ser entendida

como formação para o novo modelo adotado pelas indústrias. Com base

nesses conceitos, podemos questionar se essa pretensa formação

abrangente poderá precarizar ainda mais o trabalho docente, uma vez que

há uma carência de professores habilitados. Então, quem possuir essa

ampla formação, terá possibilidades de trabalhar tanto no ensino

fundamental como no ensino médio e poderá ser requerido para atuar nas

duas etapas.

Já a justificativa para a oferta de licenciatura baseia-se em dois

pontos:

a) na legislação – particularmente no artigo do Decreto 2.406, de

27 de novembro de 1997 e, posteriormente, no artigo do Decreto 3.462,

de 17 de maio de 2000. Em abril de 2008, o Ministério da Educação,

representado pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica,

conclamou os CEFETs para fortalecerem sua atuação no campo de

formação de professores, considerando esta uma questão estratégica

nacional, face ao déficit de professores licenciados. Além disso, apontava

como sendo um diferencial da oferta da licenciatura no Instituto o fato de

atuar na Educação Básica com o ensino médio, na educação de jovens e

adultos, na modalidade educação a distância, na educação de surdos e,

especialmente, a sua experiência na relação entre educação, ciência e

tecnologia (IFSC, 2009a);

b) na demanda por professores – pois há necessidade de

professores habilitados em Química especificamente. Conforme os dados

apontados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP), “há

uma carência de cerca de 235 mil professores para o Ensino Médio no

país, particularmente nas disciplinas de Física, Química, Matemática e Biologia.” (IFSC, 2009a).

Mesmo que a proposta seja a da verticalização do percurso

formativo, não significa que esse tipo de formação tenha uma perspectiva

emancipatória. Essa antiga possibilidade colocada na Legislação para os

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CEFETs, atuais Institutos Federais, de ofertar licenciatura, é

contraditória, porque historicamente os CEFETs/Institutos Federais não

têm experiência na formação de professores, eles formavam e formam

profissionais técnicos para atuar nas diferentes áreas do mercado de

trabalho. Ora, professores não são profissionais que aprendem uma

técnica e estão preparados para o trabalho. A formação de um docente

passa pela compreensão do seu papel político, seja de reprodução ou de

resistência ao modelo estabelecido. Quer dizer, ser professor é ser

formador de formadores, e formar professores é mais do que ensinar

técnicas de como ministrar aula, é ensinar a pensar o mundo criticamente.

Quanto aos objetivos do curso Licenciatura em Ciências da

Natureza com Habilitação em Química, os documentos oficiais

expressam os seguintes conceitos:

O curso tem como finalidade preparar o futuro

profissional para a docência no Ensino

Fundamental, na área de ciências da natureza, e no

Ensino Médio, especificamente em Química. Com

este curso, pretende-se atingir os seguintes

objetivos específicos: Contribuir para a superação

do déficit de docentes habilitados na Área de

Ciências da Natureza e em Química para a

Educação Básica, especialmente para compor os

quadros das redes públicas de ensino; Fortalecer a

formação de professores, em nível superior, para as

diversas modalidades da Educação Básica, tendo

no princípio da unidade entre teoria e prática a base

para a atuação do educador em espaços escolares e

não escolares; Desenvolver práticas pedagógicas

que articulem a ciência pedagógica às questões

emergentes nos contextos da educação básica;

Oferecer uma consistente base de conhecimentos

ao aluno, de maneira a capacitá-lo para resolver

problemas no contexto do ensino de Ciências da

Natureza, especialmente de Química;

Conscientizar o aluno sobre as relações entre

ciência, tecnologia e sociedade, de modo a

desenvolver espírito crítico, científico, reflexivo e

ético e a compreender a importância da educação

para preservação da vida e do meio ambiente;

Desenvolver a capacidade de elaborar e disseminar

conhecimentos desenvolvidos na área de Ciências

da Natureza, em particular da Química, visando à

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leitura da realidade e o exercício da cidadania;

Estimular o aluno a desenvolver projetos,

acadêmicos e sociais, voltados às necessidades e

peculiaridades do contexto das escolas das redes

públicas de ensino; Construir bases teórico-

metodológicas voltadas à organização e gestão

educacional efetivamente democrática;

Desenvolver ações que articulem ensino, pesquisa

e extensão na perspectiva de fortalecer a função

social do IFSC (IFSC, 2009a).

A finalidade apontada no PPC da Licenciatura em Ciências da

Natureza com Habilitação em Química contempla vários conceitos que

pressupõem uma determinada concepção de educação. Desse conjunto de

conceitos destacamos dois que apresentam diferenciais: um que

pressupõe uma formação que rompe com a divisão entre teoria e prática;

outro que traz a possibilidade de avanço quando faz a relação entre

práticas pedagógicas articuladas com a ciência pedagógica nas questões

emergentes nos contextos da Educação Básica. Esses dois destaques

remetem ao mesmo princípio: a práxis.

Embora o princípio da unidade entre teoria e prática esteja

colocado no documento da Licenciatura do IFSC, não é simples sua

efetivação, porque esses elementos, teoria e prática, apesar de serem

diferentes, numa relação de complementaridade trazem uma mudança de

concepção. Ou seja, a mudança na perspectiva da educação remete para

uma relação não hierárquica entre teoria e prática e aponta para a quebra

da perspectiva de dualidade.

Apesar de esta dualidade estar relacionada com o capitalismo, a

superação da dicotomia teoria e prática que está proposta no PPC do

IFSC não é neutra e nem romântica, ela tem um papel importante dentro

da atual fase da acumulação do capital que Kuenzer chama de dualidade

negada. Em consonância com a autora,

As mudanças ocorridas no mundo do trabalho a

partir da substituição da base rígida pela base

flexível, por meio da mediação da microeletrônica,

trouxeram um novo discurso sobre a dualidade,

orientado para a sua superação. Este discurso se

justifica apontando os sinais de esgotamento do

fordismo e do keinesianismo na contenção das

contradições inerentes ao capitalismo, resultantes

da rigidez nos investimentos, nos mercados, na

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alocação e nos contratos de trabalho, nas posições

dos sindicatos, nas relações entre Estado, capital e

trabalho expressas nas políticas públicas, nas

formas de organizar e gerir o processo de trabalho,

nas tecnologias de base física, e assim por diante

(KUENZER, 2007, p. 1158).

A possibilidade de romper com uma educação dual não se efetiva

por discursos oficiais e tampouco por prescrição de princípios

emancipatórios em documentos. É improvável que aconteça de forma

isolada numa instituição de ensino, uma vez que se vive numa sociedade

de classes, e como afirma Kuenzer,

[...] a separação entre teoria e prática tem origem

na separação entre propriedade dos meios de

produção e força de trabalho. Desse modo, não são

as formas de organização e gestão do trabalho, que

respondem a diferentes regimes de acumulação, as

responsáveis pela dualidade estrutural, senão a

própria natureza do capitalismo. [...] A origem da

fragmentação do trabalho, portanto, não é a divisão

técnica, mas sim a necessidade de valorização do

capital, a partir da propriedade privada dos meios

de produção; ou seja, a divisão técnica, que separa

teoria e prática, é consequência do processo de

valorização do capital. O que vale dizer que, se a

divisão entre teoria e prática expressa a divisão

entre trabalho intelectual e manual como estratégia

de dominação, tendo em vista a valorização do

capital, esta ruptura só será efetivamente superada

em outro modo de produção (KUENZER, 2007,

p.1160-1162).

A superação da dualidade tem sido proposta para resolver as

demandas impostas pelo capital que requer um trabalhador que tenha

conhecimentos teóricos e práticos para a resolução de problemas. A

autora citada assim explica:

O que há de novo nesta concepção é que a produção

e o consumo na acumulação flexível passam a

demandar uma relação com o conhecimento

sistematizado, ou seja, de natureza teórica,

mediada pelo domínio de competências cognitivas

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complexas, com destaque para as competências

comunicativas e para o domínio da lógica formal,

que não era demandada pelo taylorismo/fordismo,

cuja concepção de conhecimento fundava-se na

dimensão tácita: resolver situações pouco

complexas por meio de ações aprendidas através da

experiência (KUENZER, 2007, p.1160).

Esse novo perfil de trabalhador, exigido pelo mercado e apontado

por Kuenzer, está presente no perfil do egresso do PPC da Licenciatura

de Química do IFSC, o qual deve apresentar as seguintes características e

habilidades:

Capacidade de inserção e atuação crítica na

realidade social; Domínio de abordagens

científicas sobre o conhecimento produzido na

área; Capacidade de atuar interdisciplinarmente;

Espera-se uma formação generalista em Ciências

da Natureza, uma consistente e abrangente

formação em conteúdos dos diversos campos da

Química, além de competências específicas em

relação à formação pessoal, à compreensão e ao

ensino das Ciências da Natureza e da Química;

Uma preparação adequada à aplicação pedagógica

do conhecimento e experiências - de Ciências da

Natureza, de Química e de áreas afins - na atuação

profissional como educador na Educação Básica,

assim como em diferentes modalidades de ensino

(IFSC, 2009a).

Dos conceitos contidos no perfil do egresso da Licenciatura em

Ciências da Natureza com Habilitação em Química do IFSC, destacamos

alguns que mostram a dimensão da contradição entre o histórico da

instituição na formação, que é tecnicista, e a possibilidade de ruptura com

esse modelo de educação. Assim, as palavras “interdisciplinarmente8,

8 Interdisciplinaridade – correspondendo a uma nova etapa do

desenvolvimento do conhecimento científico e de sua divisão epistemológica, e

exigindo que as disciplinas científicas, em seu processo constante e desejável de

interpenetração, fecundem-se cada vez mais reciprocamente, a

interdisciplinaridade é um método de pesquisa e de ensino suscetível de fazer

com que duas ou mais disciplinas interajam entre si. Esta interação pode ir da

simples comunicação de ideias até a integração mútua dos conceitos, da

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formação generalista9 e competência”, juntas, no enunciado do perfil, dão

para educação um sentido diferente daquele que se pretende formar numa

perspectiva emancipatória, exatamente porque exibem um conceito de

formação demandado pelo mercado, que é o de formar professores

generalistas, com base na epistemologia da prática, professores que

saibam mobilizar conhecimento científico e tenham competência de usar

esse conhecimento na resolução de problemas diários.

Formar um professor com esse perfil, com esse leque de

competências e habilidades significa formar um professor, de certo modo,

polivalente. Entretanto, parece-nos contraditório falar numa formação

generalista e ao mesmo tempo dizer que o professor tem que ter uma

“consistente e abrangente formação em Química”. É possível uma

licenciatura oferecer toda essa pretendida formação?

No perfil também está listado um conjunto de competências que o

educando deve alcançar ao final do curso e que estão divididas em

categorias: formação pessoal; compreensão das Ciências da Natureza e da

Química; busca de informação; comunicação e expressão; ensino de

Ciências da Natureza e da Química; relação à profissão; e áreas de

atuação. O conjunto de competências reúne, portanto, os componentes

conhecidos como CHAVE (conhecimentos, habilidades, atitudes, valores

e emoções), expressão esta cujo significado é esclarecido no texto que

segue: Contemporaneamente, o termo "chave" também

forma um substantivo composto com competência:

as competências-chave, sinônimo de competências

básicas ou fundamentais. Um marco internacional

dessa formulação é o Programa Internacional de

Avaliação de Estudantes (PISA), projeto de

epistemologia, da terminologia, dos procedimentos, dos dados e da organização

da pesquisa. Ela torna possível a complementaridade dos métodos, dos conceitos,

das estruturas e dos axiomas sobre os quais se fundam as diversas práticas

científicas. O objetivo utópico do método interdisciplinar, diante do

desenvolvimento da especialização sem limite das ciências, é a unidade do saber.

Unidade problemática, sem dúvida, mas que parece constituir a meta ideal de todo

saber que pretende corresponder às exigências do progresso humano. Não

confundir a interdisciplinaridade com a multi – ou pluridisciplinaridade:

justaposição de duas ou mais disciplinas, com objetivos múltiplos, sem relação

entre si, com certa cooperação, mas sem coordenação num nível superior.

(JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006, p. 150) 9 Generalização – operação pela qual passamos de preposições especiais a

preposições mais universais. (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006, p.120)

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avaliação comparativa da Organização para

Cooperação e Desenvolvimento Econômico

(OCDE), destinado à avaliação de estudantes de 15

anos de idade, fase, em média, de conclusão da

escolaridade básica (CIAVATTA; RAMOS, 2012,

p. 10)

Ainda com relação à mesma expressão, Ciavatta e Ramos

asseveram: […] assim, clarificou-se a "CHAVE" que abre a

porta para o entendimento do conceito de

competência profissional, como sendo o

desenvolvimento da capacidade de mobilizar,

articular e colocar em ação, "Conhecimentos,

Habilidades, Atitudes, Valores e Emoções" (sigla

"CHAVE"), para responder, de forma criativa, aos

novos desafios da vida cidadã do trabalhador

(CIAVATTA; RAMOS 2012, p. 10, grifo das

autoras).

Com os esclarecimentos de Ciavatta e Ramos, podemos afirmar

que o perfil do egresso desenhado pelo curso de Licenciatura Ciências da

Natureza com Habilitação em Química do IFSC está dentro da concepção

de formação requerida pelo mercado e distante de uma educação

emancipatória. Essa afirmação torna-se possível, sobretudo, se

considerarmos a prescrição desse modelo pela OCDE.

Quanto à concepção de currículo, o PPC expressa a noção de

competência como elemento articulador na construção e no

desenvolvimento do currículo e cita a Resolução CNE/CP 1, de 18 de

fevereiro de 2002, Artigo 4°:

Na concepção, no desenvolvimento e na

abrangência dos cursos de formação é fundamental

que se busque: I – Considerar o conjunto das

competências necessárias à atuação profissional; II

– Adotar essas competências como norteadoras,

tanto da proposta pedagógica, em especial do

currículo e da avaliação, quanto da organização

institucional e da gestão da escola de formação

(BRASIL, 2002).

A concepção de currículo por competência é defendido no

documento porque se pressupõe que esse modelo de currículo levará o

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educando a desenvolver a capacidade de identificar e mobilizar saberes

diante de um problema real e concreto a ser solucionado. Sobre este

aspecto, assim preconiza o PPC:

Entretanto, a competência não é uma simples

aplicação de conhecimentos ou teorias. O

professor, no exercício da docência, lida com

situações que não se repetem nem são passíveis de

predeterminação. Por isso, não lhe basta um

conjunto de conhecimentos estanques, pois

precisará, permanentemente, fazer ajustes entre o

que planeja ou prevê e aquilo que acontece na

interação com os alunos. Ao se deparar com uma

situação que foge à rotina, será exigida a condição

de estabelecer relações, de fazer interpretações,

interpolações, inferências, invenções, em suma,

funções inerentes à profissão, que serão possíveis

conforme competências adquiridas durante a

formação. [...] as competências esperadas para um

docente não consistem simplesmente em pôr em

ação conhecimentos, modelos de ação e

procedimentos previamente aprendidos. É

necessário reelaborar os conhecimentos, julgando

sua pertinência em relação a cada situação concreta

e mobilizá-los com discernimento. Este processo é

muito mais complexo do que a simples aplicação

de uma regra ou conhecimento que se obteve.

Assim, o domínio de saberes relativos ao campo

pedagógico tanto quanto dos saberes específicos de

sua área de atuação constituem parte das condições

para a docência, porém além de saber, o sujeito

precisará saber fazer e saber ser, para ter

constituídas suas competências para a docência

(IFSC, 2009a, p.16, grifo original).

As afirmações contidas no enunciado apresentado induzem o leitor

a conclusões equivocadas, porque partem do pressuposto de que

professores que não foram formados no modelo de competência são

meros técnicos que só sabem lidar com o trivial, que não estabelecem

relações, não fazem interpretações, interpelações, inferências, invenções, reelaboração de conhecimentos, não resolvem problemas no dia-a-dia do

seu trabalho, ou seja, indicam que somente os professores formados por

competência estão qualificados para atuarem na formação de formadores.

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95 Com esse discurso fica explícita a concepção de currículo e,

consequentemente, da formação de professor. O documento do IFSC

ainda cita Perrenoud que traz sua explicação do saber fazer e do saber ser:

[...] a competência do especialista baseia-se, além

da inteligência operatória, em esquemas

heurísticos ou analógicos próprios de seu campo,

em processos intuitivos, procedimentos de

identificação e resolução de um certo tipo de

problemas, que aceleram a mobilização dos

conhecimentos pertinentes e subentendem a

procura e elaboração de estratégias de ação

apropriadas. [...] A construção de competências,

pois, é inseparável da formação de esquemas de

mobilização dos conhecimentos com

discernimento, em tempo real, ao serviço de uma

ação eficaz (PERRENOUD apud IFSC, 2009a, p.

16-17).

Sãos prescrições para a formação de professores, que não apontam

para ‘qualquer tipo de formação’, mas para um tipo específico, que

constitui competências para apropriação de saberes, sejam eles de ordem

conceitual – conceitos, princípios, leis, regras e normas concernentes a

determinados objetos de estudo; procedimental – aplicação do

aprendizado na resolução de situações-problemas, o fazer propriamente

dito; ou atitudinal – apropriação e aplicação de valores e princípios morais

e éticos no tratamento dos conteúdos de ordem conceitual ou

procedimental (IFSC, 2009a).

Na concepção de currículo da Licenciatura do IFSC, há dois eixos:

um eixo condutor do curso, que concebe o professor como sujeito de

reflexão e pesquisa e um eixo de formação, que tem a pesquisa como

princípio educativo. (IFSC, 2009a). Para viabilizar este currículo, o

IFSC adotou princípios, como:

docência como foco do curso; Concepção de

professor com compromisso social; Concepção de

ciência e tecnologia como processos históricos e

sua relação com a sociedade; Compromisso com a

educação pública de qualidade; Pesquisa como

princípio educativo (IFSC, 2009a, p. 18).

Considerando-se o que está escrito nos documentos oficiais, tais

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princípios, vistos fora do contexto, parecem apontar para uma educação

emancipatória, mas quando vistos no conjunto, mostram um discurso que

reafirma a necessidade de adaptação ao novo modelo de formação

requerido pelo modelo vigente.

O documento traz ainda os desafios a superar para consolidar o

currículo emancipatório, dentre eles: construção do trabalho integrado por

meio da ação coletiva; compreensão sobre o que seja currículo; superação

da visão fragmentada disciplinar por processos de construção integrativa

do conhecimento. Para enfrentar esses desafios, o documento estabelece

algumas diretrizes, como: compreender a educação como processo de

humanização; compreender a relação entre o lógico e o histórico na

concepção de docência; compreender que relação o professor estabelece

com o conhecimento e como se dá a tradução desse conhecimento no

trabalho educativo escolar e na integração curricular.

Cada um desses desafios requer um conjunto de conhecimentos,

mas principalmente, uma posição política, uma visão crítica de homem e

de mundo. Paradoxalmente, tanto os desafios como as diretrizes

estabelecidas para superação do modelo atual buscam a mudança para

humanização, mas, os conceitos colocados apontam para a submissão ao

modelo atual exigido pelo mercado.

Quanto à avaliação, o documento enfatiza que ela deve ser

formativa e processual, e que será utilizada para diagnosticar lacunas no

processo ensino-aprendizagem, no desenvolvimento das competências

previstas no perfil do egresso. Ela tem como perspectiva subsidiar

decisões na condução do trabalho pedagógico.

Essa avaliação é expressa através de conceitos, conforme o Art. 37

e o Art. 38 da Organização Didática 2008 – documento institucional que

regulamenta e organiza as relações administrativas, didáticas e

pedagógicas para os educandos, como, por exemplo, deveres e direitos

dos educandos. Os artigos dessa norma interna trazem o seguinte:

Art. 37 Ao longo do período letivo, o professor

deverá fornecer ao aluno informações que

permitam visualizar seus avanços e dificuldades na

constituição das competências.§ 1º Os resultados

das avaliações realizadas deverão ser registrados

no Diário de Classe.§ 2º Para registro das

avaliações das competências, durante o período

letivo, adotar-se-á seguinte escala de conceitos e

respectivas equivalências: I - Conceito A:

competência atingida plenamente; II - Conceito B:

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competência atingida satisfatoriamente; III -

Conceito C: competência atingida minimamente;

IV - Conceito D: competência não atingida.

Art.38 Para fins de documentos escolares, para

cada componente curricular, será efetivado, ao

final de cada módulo/fase, um registro único para

cada aluno, apontando sua situação no que se refere

à constituição de competências, utilizando a

seguinte escala de conceitos: I - Conceito final A:

Aproveitamento pleno; II - Conceito final B:

Aproveitamento satisfatório; III - Conceito final C:

Aproveitamento minimamente suficiente; IV -

Conceito final D: Aproveitamento insuficiente.

§ Único O conceito final D implica reprovação no

componente curricular considerado, devendo o

aluno cursá-lo novamente, integralmente, em

turma regular. (CEFET-SC, 2008, p. 11)

Pelo enunciado, o professor deve situar o educando sobre seu

progresso ou suas dificuldades na constituição da competência,

provavelmente para avaliar se houve ou não avanço nesse processo de

formação, portanto, é necessário acompanhar ou estabelecer uma relação

mais individualizada com cada educando. Essa avaliação por

competência utiliza conceitos: competência atingida plenamente,

satisfatoriamente, minimamente e não atingida. Com a adoção de

conceitos não há média matemática para progressão, há a possibilidade

de recuperar o conteúdo e assim melhorar o conceito.

O documento citado aponta várias possibilidades de métodos e

instrumentos avaliativos, como: auto-avaliação, testes e provas, mapas

conceituais, método epistemológico de Gowin (um método que ajuda a

entender a estrutura do conhecimento e os modos pelos quais os humanos

o produzem), trabalhos individuais e coletivos e atividades de

culminância (projetos, monografias, seminários, exposições).

Mesmo com essa diversidade de métodos e instrumentos para

avaliação, questionamos se é possível o professor avaliar cada educando

nas diferentes competências estabelecidas nas ementas, pois elas são

amplas e, por vezes, subjetivas. Tanto os métodos como os instrumentos

de avaliação implicam diretamente na concepção de educação adotada.

No modelo de educação por competência a avaliação é formativa, que vem a ser, segundo Perrenoud (1999, p.22), “toda avaliação que auxilia o

aluno a aprender e a se desenvolver, ou seja, que colabora para a regulação

das aprendizagens e do desenvolvimento no sentido de um projeto

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educativo.” Em suma, avaliar por competência significa fornecer

elementos para que o educando compreenda o seu processo de

aprendizagem e desenvolva sua capacidade para a resolução de

problemas. Avaliar por competência pode tornar-se ambíguo quando se

propõe a avaliar tanto questões técnicas específicas quanto habilidades,

atitudes e valores na resolução de problemas.

A Pré-Licenciatura é um programa que tem como objetivo

preparar os candidatos para o processo seletivo; estimular e orientar

jovens na escolha profissional; e para os trabalhadores da área, apontar

novas perspectivas de formação através do curso de licenciatura. O

programa consiste em um conjunto de atividades distribuídas em oitenta

horas de trabalho, a serem realizadas no semestre anterior ao início do

curso de licenciatura, sob a mediação dos professores do próprio curso. O

público alvo é formado de estudantes, preferencialmente aqueles que

estejam cursando o último ano do ensino médio; trabalhadores da

educação que não tenham habilitação específica para a área; licenciados

que atuam na área e que queiram socializar suas experiências no

magistério, a título de formação continuada, além de incluir qualquer

interessado em participar do processo seletivo.

A estratégia de aproximar o público com a Licenciatura através da

Pré-Licenciatura busca, entre outras coisas, manter o educando no curso,

ou seja, diminuir o índice de desistências.

Todo esse empenho para a permanência do educando no curso é

válido, mas precisa ser permanente, sob o risco de se transformar apenas

num chamariz. É no dia-a-dia que se constrói e se consolida a inclusão ou

exclusão do educando, num projeto formativo que atende estudantes

oriundos do ensino médio e professores buscando qualificação. Nesse

sentido, constitui um grande desafio atender públicos com interesses e

formações diferentes na consolidação da permanência desses pretensos

educandos da Licenciatura em Ciências da Natureza com Habilitação em

Química do IFSC.

O PPC traz outra novidade – o Pró-Licenciatura, um espaço de

formação destinado aos profissionais envolvidos no curso (professores,

laboratoristas e profissionais dos setores pedagógicos). O programa é

desenvolvido por meio de um cronograma estruturado, de forma

colaborativa, respeitando e aproveitando os diversos olhares e saberes

construídos no percurso da formação. O programa tem como objetivos:

realizar a formação continuada dos profissionais

que atuarão nos cursos de licenciatura do IFSC;

Construir o referencial teórico-metodológico dos

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cursos de licenciatura com vistas à integração

curricular e à consolidação da pesquisa como

princípio educativo; Sistematizar a concepção de

ciência e de docência, tendo em vista a unidade

didático-pedagógica no desenvolvimento dos

cursos; Estruturar e elaborar o material didático-

pedagógico para o desenvolvimento do Programa

Pré-licenciatura, tendo em vista a preparação dos

candidatos aos cursos; Conhecer o perfil

socioeconômico dos alunos para subsidiar as

escolhas pedagógicas; Conhecer o perfil sócio

educacional das redes públicas de educação básica

das regiões em que os Campi do IFSC atuam, para

promover a sintonia do currículo com as

necessidades e características destes contextos;

Criar atividades pedagógicas alternativas para

favorecer a permanência e o êxito dos alunos no

percurso formativo; Desenvolver material

didático-pedagógico para aplicar nos cursos de

licenciatura, utilizando Tecnologias da Informação

e da Comunicação (TIC) (IFSC, 2009a, p. 35).

Essa possibilidade de preparar os profissionais do curso de

Licenciatura é muito interessante por tratar-se de um espaço para

formação em que é possível realizar o debate e construir consensos. Ter

e manter uma agenda que permita esses encontros de maneira regular e

sistemática requer convicção e compromisso político. Apesar de

fundamental para a Licenciatura, o Pró-Licenciatura do IFSC-SC só

aconteceu duas vezes: a primeira em 2009 e a segunda em 2010. Essa

falta do espaço legítimo para a construção coletiva indica que não se

efetivou o espaço/momento de formação dos profissionais envolvidos na

Licenciatura, ou seja, não houve efetividade.

Quanto à formação acadêmica dos professores do curso de

Licenciatura em Ciências da Natureza com Habilitação em Química do

IFSC, o Gráfico 1 apresentado a seguir mostra que mais de 75% dos

docentes concluíram mestrado, doutorado ou pós-doutorado. Mais

adiante, verificaremos o impacto dessa formação no currículo.

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100

Gráfico 1 – Formação do corpo docente

Fonte: PPC da Licenciatura do IFSC São José. Elaboração própria.

Constam das Diretrizes do Projeto Pedagógico:

A noção de competência como nuclear; a

flexibilização curricular; a interdisciplinaridade

como princípio integrador; a metodologia

orientada pelo princípio da ação-reflexão-ação; a

pesquisa como conteúdo de ensino e instrumento

de aprendizagem; as atividades complementares

enquanto componente curricular; os conteúdos da

Educação Básica como conteúdos de formação; a

prática como componente curricular desde o início

da formação; a articulação entre a formação

comum e a formação específica (IFSC, 2009a, p.

15-16).

As diretrizes do projeto pedagógico do curso de licenciatura

contemplam alguns desses elementos que destacamos e, nesse sentido,

não deixam dúvidas para qual perspectiva essa formação foi pensada: a)

noção de competência; b) flexibilização curricular; c)

interdisciplinaridade como princípio integrador; d) metodologia orientada

pelo princípio da ação-reflexão-ação; e) prática como componente

curricular desde o início da formação. Para Ramos (2002), a noção de competência é abordada pelas

Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), de maneira relacionada à

autonomia do trabalhador na atualidade, diante da instabilidade do mundo

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101 do trabalho e das mudanças nas relações de produção. Ser competente,

nessa lógica, é ter “capacidade de mobilizar, articular e colocar em ação

valores, conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho

eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho”

(Brasil, 1999). Um currículo com base na noção de competência parte da

análise do processo de trabalho, com a qual se constrói uma matriz

referencial a ser remanejada pedagogicamente para uma organização

modular, adotando-se uma abordagem metodológica baseada em projetos

ou na resolução de problemas. A competência caracteriza-se, então, pela

exigência de dispor esses saberes, como recursos ou insumos, por meio

de esquemas mentais adaptados e flexíveis, tais como: análises, sínteses,

inferências, generalizações, analogias, associações, transferências, entre

outros, em ações próprias de um contexto profissional específico, gerando

desempenhos eficazes (BRASIL, 2000).

Por sua vez, a flexibilização curricular para a graduação é uma

proposta do MEC, como podemos constatar no próximo texto:

Com o advento da Lei 9.131, de 24/11/95, - dando

nova redação aos arts. 5º a 9º da LDB 4.024/61, - o

art. 9º. § 2º, alínea “c”, conferiu à Câmara de

Educação Superior do Conselho Nacional de

Educação a competência para “deliberar sobre as

diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da

Educação e do Desporto, para os cursos de

graduação”. No exercício daquela competência, a

CNE/CES, em 3/12/97, aprovou o Parecer 776/97,

com o propósito de servir de orientação para as

Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação,

definindo ali que as referidas diretrizes devem “se

constituir em orientações para a elaboração dos

currículos; ser respeitadas por todas as IES; e

assegurar a flexibilidade e a qualidade da formação

oferecida aos estudantes” (BRASI, 2003, p. 2-3).

Na percepção de Machado (2008), o currículo flexível possibilita

o diálogo com diferentes campos de conhecimentos e, consequentemente,

é permeável às atualizações, às discussões contemporâneas e contempla

o debate sobre as diferenças. Já no entendimento de Catani, Oliveira e

Dourado (2001), as Diretrizes Curriculares podem indicar processos de autonomização na composição curricular e também ser compreendidas

como mecanismos de ajuste e aligeiramento da formação. Há ainda a

possibilidade de outro entendimento, o de que é preciso flexibilizar os

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currículos dos cursos de graduação, devido à necessidade de viabilizar a

vida dos educandos, tendo em vista o elevado número de evadidos,

especialmente aqueles que trabalham. O MEC, por sua vez, vê a rigidez

curricular como a principal causa desses índices de evasão e dos baixos

percentuais de diplomados. Para Catani, Oliveira e Dourado,

Todo esse ideário da flexibilização curricular,

assimilado pelos documentos das instâncias

executivas responsáveis pela formulação de

políticas para a graduação no país, parece decorrer

da compreensão de que estão ocorrendo mudanças

no mundo do trabalho e, consequentemente, nos

perfis profissionais, o que ocasiona a necessidade

de ajustes curriculares nos diferentes cursos de

formação profissional (CATANI; OLIVEIRA;

DOURADO, 2001, p. 75, grifo dos autores).

As diretrizes curriculares para os cursos de graduação do IFSC

prescrevem a flexibilização curricular. Esse modelo de currículo está

associado intimamente à atual reestruturação produtiva, isto é, à

acumulação flexível e à flexibilização do trabalho. A reestruturação

produtiva exige a formação de profissionais dinâmicos e adaptáveis às

rápidas mudanças no mundo do trabalho e às demandas do mercado de

trabalho. E formar professores de Química do IFSC nessa perspectiva é

formar de acordo com o novo modelo requerido atualmente pelo capital.

A interdisciplinaridade como categoria foi solicitada pelo mundo

da produção por meio da Organização para a Cooperação e o

Desenvolvimento Econômico (OCDE). Antunes (2005) e Mueller (2006)

afirmam que o conceito de interdisciplinaridade serviu para fundamentar

a formação na transição do modelo taylorista/fordista para o modelo

toyotista de acumulação flexível. Esses autores consideram que cada

modelo de produção requer pessoas com determinadas capacidades,

conhecimentos, habilidades e valores. O modelo de produção

taylorismo/fordismo aplicado à educação consiste na fragmentação dos

processos de produção e difusão do conhecimento, acentuando a divisão

de conteúdos.

Nessa perspectiva, a formação do trabalhador é especializada para

exercer uma função específica de acordo com a separação entre concepção e execução. Nesse novo modelo, os trabalhadores são

estimulados a aumentar a produtividade, participando e interagindo com

a empresa individualmente e/ou em equipes, contribuindo para um alto

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103 grau de competitividade entre os membros da equipe. No PPC do curso

de Licenciatura em Ciências da Natureza com Habilitação em Química

do IFSC, essa interdisciplinaridade aparece fortemente nos Projetos

Integradores (PI) que estão no currículo do curso.

Na lógica toyotista, os trabalhadores são polivalentes e

multifuncionais, participam em diferentes níveis de concepção e

execução. Nesse modelo, não se exerce o controle somente sobre o corpo

e a força física do trabalhador, é preciso dominar a subjetividade, como

gostos, preferências, emoções, inteligência e criatividade. A intenção é

cooptar o trabalhador para que ele se identifique como parte integrante da

empresa, como colaborador. Por isso, na filosofia do modelo toyotista de

acumulação flexível existe a redescoberta da pessoa trabalhadora como

elemento-chave da rentabilidade e da competitividade da empresa. Existe

um maior aproveitamento do saber e da experiência do trabalhador

(ANTUNES, 2005; SANTOMÉ, 1998).

A Metodologia orientada pelo princípio da ação-reflexão-ação,

também presente no texto do PPC, impactou na formação dos

trabalhadores em geral e também impôs uma nova formação para os

professores. Diante dessas novas exigências postas para a atuação

docente, em uma realidade caracterizada como complexa, surge a

demanda por soluções práticas, imediatas e criativas. Como alternativa à

formação tradicional dos professores, o discurso oficial do governo

propõe o modelo de profissionalização que toma o desenvolvimento de

competências profissionais como princípio, a reflexão sobre a prática e o

desenvolvimento profissional permanente como eixos articuladores. A

ação e a competência são consideradas categorias fundantes dos

processos formativos em torno dos quais são definidos os objetivos, os

conteúdos, as concepções de aprendizagem e as metodologias implicadas

na formação docente.

As DCNs para a Formação de Professores da Educação Básica

defendem que a formação do professor tenha como orientação central

uma determinada concepção de competência que possibilite ao

profissional da educação mobilizar os conhecimentos construídos com o

propósito de transformá-los em ação. A reflexão sobre a reflexão na ação

é uma etapa mais aprofundada da reflexão em que o professor busca

compreender as razões para a tomada de decisões.

A formação profissional nessa perspectiva pode ser entendida se

considerarmos que os conceitos da prática reflexiva firmam-se no

conhecimento sobre a prática profissional que abrange, além da

subjetividade do sujeito que pratica a ação, toda a complexidade da

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104

realidade na qual a mesma acontece. Tal dinâmica possibilitaria a

construção de soluções para problemas distintos em uma realidade

situada. A reflexão sobre a reflexão na ação tornaria possível verificar a

validade das soluções construídas, também em uma dimensão prática,

uma vez que “refletir sobre a reflexão-na-ação é uma ação, uma observação e uma descrição, que exige o uso de palavras” (SCHÖN,

1995, p. 83, grifo do autor). A formação reflexiva deve ser incorporada à

formação do professor de modo a potencializar a ação e a reflexão, tidas

como necessárias ao desenvolvimento de uma prática educativa

competente e problematizadora. Desse modo, a construção de

competências deve perpassar os conteúdos e a abordagem metodológica

a fim de organizar um percurso de aprendizagem que articule teoria e

prática (SHIROMA; EVANGELISTA, 2003).

Tal articulação pressupõe o “[...] exercício das práticas

profissionais e da reflexão sistemática sobre elas” (BRASIL, 2001, p. 30).

Desse modo, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de

Professores da Educação Básica fornecem as bases epistemológicas, os

objetivos e as competências profissionais exigidas para a atuação do

professor da Educação Básica.

A Prática como componente curricular desde o início da

formação na Licenciatura do IFSC:

Essa perspectiva de formação adotada no Brasil, através das DCNs,

tem como um de seus fundamentos a epistemologia da prática, resultante

dos estudos realizados por Donald Schön (2000). As ideias deste autor

começaram a ser discutidas no meio acadêmico, no início da década de

1990, e serviram como contribuição para a formação de professores.

Schön defende uma epistemologia da prática pautada na reflexão

profissional sobre a sua prática, de maneira a nortear uma possível

mudança para a formação de professores, que deverão ser capazes de

encontrar respostas para resolução de problemas do cotidiano. A reflexão

sobre a prática, segundo Pimenta (2005), tem produzido a

supervalorização do professor como indivíduo, divulgando a ideia de que

basta a prática para a construção docente, além da compreensão da

reflexão como sendo capaz, por si só, de resolver os problemas do

cotidiano profissional.

Outra característica dessa concepção é o conhecimento como um

dado subjetivo e o pouco valor dado ao saber científico, com

consequências para a formação do professor.

Segundo os Referenciais Curriculares Nacionais, a reflexão na

ação tem papel fundamental na formação e na atividade diária do

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105 professor, porque permite o confronto de ideias, teorias e crenças que

compõem seu repertório de saberes com a prática pedagógica. Entretanto,

como adverte o próprio documento, essa reflexão se faz “sem o rigor, a

sistematização e o distanciamento requeridos pela análise racional, mas

com a riqueza da totalidade do momento” (BRASIL, 2002, p. 60).

O referencial bibliográfico listado no PPC para as disciplinas

também revela uma concepção de formação do curso de Licenciatura em

Ciências da Natureza com Habilitação em Química do IFSC. Da lista de

livros indicados no PPC, a maioria é de títulos da área técnica, conforme

mostra o Gráfico 2 a seguir.

Gráfico 2 – Gráfico comparativo de porcentagem das bibliografias

emancipatórias e instrumentais

Fonte: PPC da Licenciatura do IFSC São José. Elaboração própria.

Estão listados 271 títulos, dos quais 83 são considerados de caráter

emancipatório devido seu conteúdo conter assuntos das áreas da Filosofia,

História, Sociologia dentre outras, o que corresponde a 28%, e 188 são

consideradas de caráter instrumental, devido seu conteúdo notadamente

específico da área de Química, de Matemática, de Física ou ainda das áreas que instrumentalizam a formação técnica, o que corresponde a 72%

do total de títulos utilizados nas disciplinas do curso. Esses dados

evidenciam que a perspectiva de formação no curso de Licenciatura de

Química do IFSC tende para uma formação técnica/instrumental.

0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

50,0%

60,0%

70,0%

Bibliografia emancipatória Bibliografia instrumental

Classificação das referências bibliográficas

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106

Se os títulos expressam a concepção de formação, é na Matriz

Curricular que ela se efetiva. A Matriz Curricular do curso de

Licenciatura em Ciências da Natureza com Habilitação em Química

do IFSC está assim organizada:

O Núcleo Comum se constitui de Núcleo Básico,

Núcleo Instrumental e Núcleo Pedagógico. Núcleo

Básico compreende as unidades curriculares

voltadas ao desenvolvimento das competências

relativas à docência na área das Ciências da

Natureza, englobando saberes de Biologia, Física e

Química, articulados na perspectiva de construir

uma visão integradora das ciências. Este núcleo

tanto constituirá o conjunto de saberes necessários

para a atuação no Ensino Fundamental, quanto será

a base fundamental para a habilitação específica

em Química. Núcleo Instrumental se propõe a

tratar os saberes de áreas correlatas, tais como

Linguagens e suas Tecnologias, e Ciências

Humanas e suas Tecnologias, visando ao

desenvolvimento de competências indispensáveis

para o exercício da docência e para a compreensão

da área de Ciências da Natureza. Núcleo

Pedagógico compreende os saberes diretamente

relacionados à dimensão pedagógica da docência,

ao conjunto de conceitos, princípios, métodos,

atitudes, valores e outros elementos relativos ao

fazer pedagógico propriamente dito. Neste núcleo

estão as unidades curriculares que formarão o

referencial teórico-metodológico orientado para o

contexto social, ao contexto escolar e ao contexto

da aula, inter-relacionado à área de Ciências da

Natureza. O Núcleo Específico, por sua vez,

abordará os saberes específicos da Química. Neste

núcleo serão tratados os saberes considerados

estruturantes para o desenvolvimento de

competências para a docência, conforme o perfil

desejado para o egresso. Conforme a

especificidade cada unidade curricular abordará os

saberes no sentido de sistematizar: as bases

científicas e tecnológicas; as bases

epistemológicas; a relação ciência, tecnologia e

sociedade; a dimensão histórica da ciência; a

articulação dos conhecimentos com a realidade e os

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processos de transposição didática. O Núcleo de

Prática Profissional, a Prática Profissional se

apresenta, no curso, na forma de Prática

Pedagógica como Componente Curricular, Estágio

Curricular Supervisionado e Atividades

Acadêmico-científico-Culturais, constituindo-se

por um conjunto de atividades voltadas à

articulação entre o saber, o saber fazer e o saber ser

em espaços e situações reais da docência. Por meio

da Prática Profissional serão asseguradas aos

alunos condições para: gradativa apropriação dos

saberes articulados aos contextos reais da docência;

o exercício da pesquisa; a iniciação profissional

mediante intervenções pedagógicas planejadas e

acompanhadas junto às escolas e outras espaços

educativos; o planejamento e desenvolvimento

progressivo do Trabalho de Conclusão do Curso –

TCC (IFSC, 2009a, p. 24-25, grifo nosso)

Conquanto haja subdivisões no núcleo comum, ainda assim, essa

organização curricular traz implícito o modelo de currículo que divide

formação geral de formação específica. Na formação geral ou núcleo

comum estão colocados aspectos mais gerais, como também a

possibilidade de integração entre os saberes específicos e pedagógicos

numa perspectiva de superação entre teoria e prática. Mas o Núcleo de

Prática Profissional reafirma um modelo de formação em que a prática

docente tem papel central. Além disso, essas atividades são voltadas à

articulação entre o saber, o saber fazer e o saber ser, o que remete a uma

determinada concepção de educação requerida pelo mercado. Outra

contradição está na própria matriz, que reforça o modelo de dualidade

quando propõe o núcleo específico.

Para visualizar a disposição das disciplinas e seu encadeamento,

trazemos, no Quadro 1, a matriz curricular para análise:

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Quadro 1- Matriz Curricular Licenciatura em Química IFSC –

Campus São José

Fonte: PPC da Licenciatura em Ciências da Natureza – Habilitação em Química.

Elaboração própria.

A carga horária de cada disciplina evidencia o valor dado, e quanto

maior é a carga horária, maior é seu valor na hierarquia. Numa pretensa

formação emancipatória é contraditório ter uma carga horária enorme

para as disciplinas “mais duras”, em detrimento das humanas. Embora se

considere que as disciplinas, por si só, não garantem uma prática

emancipatória ou instrumental.

A análise dos dados trazidos nos documentos oficiais revelam, a

contradição do discurso assumido pelo IFSC, que é o de oferecer uma

formação capaz de propiciar uma inserção e atuação crítica na realidade

social, segundo o perfil do egresso que está no PPC. Com uma elevada

capacitação instrumental e poucas horas para a capacitação

emancipatória, essa formação de professores aponta para uma

instrumentalidade, ou seja, para a formação do professor como um técnico

que precisa dar aulas e seguir o cronograma e os conteúdos prescritos.

Defendemos outra perspectiva de formação em que, segundo

Saviani (2007), a educação abrange um processo organizado dotado de

intencionalidade para que os sujeitos passem de experiências

espontâneas, sincréticas, desorganizadas, fragmentadas de conhecimento

para uma experiência sintética, organizada, proporcionada pela

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109 incorporação de saberes científicos. Nesse contexto, o professor se

destaca como aquele profissional que ensina não porque sabe, mas porque

sabe ensinar. Essa abordagem assenta-se nos preceitos do materialismo

histórico e dialético. Por isso, entende o homem como sujeito histórico no

seu tempo e ressalta o papel ativo do professor no seu processo

permanente de formação.

Nessa abordagem de formação, a finalidade é a de que o professor

possa constituir-se por meio de sólida fundamentação teórica. Conseguida

mediante a pesquisa, essa fundamentação favorece a compreensão dos

diversos pontos de vista, na perspectiva de análise, para que os docentes

entendam os contextos sociais histórico-culturais, organizacionais e a si

próprios como profissionais. É a teoria que sustentará a possibilidade do

professor se movimentar na sua realidade material, diferente da formação

em que a prática tem um grande peso. Conforme já foi apontado, a

formação no curso de Licenciatura em Química do IFSC tem como um

dos seus princípios a ação-reflexão-ação, que é exatamente o inverso da

formação que Saviani defende.

Na mesma direção do pensamento de Saviani, a perspectiva de

formação concebida por Henry Giroux (1997) critica as teorias e

ideologias tecnocráticas e os instrumentos subjacentes à teoria

educacional que separam a conceitualização e o planejamento curricular

dos processos de implementação e execução. O autor argumenta que uma

forma de repensar e reestruturar a natureza da atividade docente é encarar

os professores como intelectuais transformadores. Usando a categoria

intelectual, o autor aponta as utilidades que ela tem: ela oferece uma base

teórica para examinar-se a atividade docente como forma trabalho

intelectual, em contraste com sua definição em termos puramente

instrumentais ou técnicos; ela esclarece os tipos de condições ideológicas

e práticas necessárias para que os professores funcionem como

intelectuais; e ela ajuda a esclarecer o papel que os professores

desempenham na produção e legitimação de interesses políticos,

econômicos e sociais variados através das pedagogias por eles endossadas

e utilizadas. Na perspectiva colocada por Giroux, de professores como

intelectuais, perguntamos: é possível formar um egresso na Licenciatura

em Química do IFSC com esse perfil, com o atual currículo?

O autor citado enfatiza que os professores precisam assumir

responsabilidade ativa pelo levantamento de questões sérias sobre o que

ensinam, como ensinam e sobre as metas mais amplas pelas quais estão

lutando.

Continuando suas reflexões, Giroux (1997) questiona o papel do

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ensino, que não pode ser reduzido ao simples treinamento de habilidades

práticas, mas que, em vez disso, envolve a educação de uma classe de

intelectuais, vital para o desenvolvimento de uma sociedade livre. Assim,

a categoria de intelectual torna-se uma maneira de unir a finalidade da

educação de professores, escolarização pública e treinamento profissional

aos próprios princípios necessários para o desenvolvimento de uma

ordem e sociedade democráticas.

O mesmo autor comenta que a função social dos professores, como

intelectuais, é ver as escolas como locais econômicos, culturais e sociais

que estão intimamente atrelados às questões de poder e controle. Significa

que as escolas passam mais do que um conjunto comum de valores e

conhecimentos. Elas são lugares que representam formas de

conhecimento, práticas de linguagem, relações e valores sociais que são

seleções e exclusões particulares da cultura mais ampla. Mais do que

instituições objetivas separadas da dinâmica da política e do poder, as

escolas são, de fato, esferas controversas que incorporam e expressam

uma disputa acerca de formas de autoridade, tipos de conhecimento,

formas de regulação moral e versões do passado e futuro que devem ser

legitimadas e transmitidas aos estudantes. Em resumo, as escolas não são

locais neutros e os professores tampouco podem assumir a postura de

neutralidade.

Ainda dentro dessa matriz curricular existe uma disciplina

chamada Projeto Integrador (PI), que é ofertada nas primeiras quatro

fases. O PPC determina que este Projeto seja “destinado à prática como

componente curricular, um espaço /tempo de sistematização do processo

de pesquisa e de aproximações com o campo empírico” (IFSC, 2009a, p.

24).

Embora o PI seja considerado um espaço de formação, também

desenvolve habilidades e competências de trabalho coletivo, de

interdisciplinaridade, de formação generalista. Esses elementos estão

presentes no perfil do egresso, mas não aparecem nas ementas. Essas

habilidades e competências podem remeter à formação requerida na

atualidade pelo modelo toyotista, como já destacado.

O resultado da análise dos documentos relacionados no início deste

texto evidencia que existem contradições tanto nos discursos quanto nas

ações que efetivam o currículo da licenciatura. Os documentos dizem que

a Licenciatura do IFSC veio para formar professores críticos, mas os

dados mostram que a perspectiva é outra: formar professores técnicos

generalistas para a resolução de problemas no dia-a-dia.

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111 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim

decidir entre rir e chorar, ir ou ficar, desistir ou

lutar; porque descobrir, no caminho incerto da

vida, que o mais importante é o decidir. (Cora

Coralina)

O propósito deste texto consiste em apresentar, em forma de

síntese, os achados da pesquisa, especialmente as respostas ao problema

e aos objetivos que orientaram a investigação. Nesse sentido,

destacaremos os elementos que consideramos mais relevantes em relação

às problemáticas discutidas e adensadas nos capítulos da dissertação.

A organização do trabalho, em termos de sua estrutura, teve o

objetivo de garantir certa unidade à pesquisa. Desse modo, buscamos

articular a temática por um fio condutor – qual seja – a formação do

professor no IFSC. Para tanto, construímos algumas interfaces entre uma

discussão mais ampla, envolvendo a relação capital – trabalho e educação,

com a educação profissional, o papel político do currículo na formação

de professores e a própria constituição dos IFs como agências formadoras,

inicialmente, nas áreas técnicas e tecnológicas e, mais recentemente, nas

humanidades, com formação de professores. No esforço da construção

dessa unidade no processo de pesquisa, realizamos a análise empírica do

curso para identificar sua concepção e perspectiva, trabalho este feito no

diálogo com os elementos teóricos dos capítulos anteriores.

Sem a pretensão de apresentar todos os elementos que resultam do

processo de pesquisa, passamos a destacar, a seguir, alguns dos aspectos

que julgamos importantes como avanços em termos de produção de

conhecimento no âmbito do objeto investigado.

Situamos a problemática deste trabalho no contexto mais amplo no

qual a pesquisa foi realizada e partimos do pressuposto de que vivemos

numa sociedade de classes, portanto, excludente. A educação tem

refletido esse modelo pela dualidade, que também é expressa por meio do

currículo. O trabalho, especialmente no texto do primeiro capítulo, onde

se apresenta a problemática, evidencia que essas mudanças não nascem

aqui no Brasil, mas são construídas por organismos internacionais que

levam em conta a divisão internacional do trabalho. Destacamos que

existe uma política de educação prescrita para a América Latina e o

Caribe e que é nesse contexto social, econômico, político e cultural que

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nascem os Institutos Federais, no formato atual, pela Lei nº 11.892/2008.

Na discussão sobre a relação capital, trabalho, educação e

educação profissional, é possível destacar que os sistemas educativos

estão, em geral, a serviço do modelo de sociedade vigente. Prova disso é

que no modelo feudal de sociedade, a educação desenvolvida, chamada

de Escolástica, estava eminentemente a serviço da Igreja. No modelo

capitalista taylorista/fordista, que predominou até o início da década de

1970, a educação era baseada no modelo do trabalho realizado na

indústria. Foi nesse modelo de educação que as instituições de educação

profissional, hoje denominadas de Institutos Federais, atuaram desde

1909. Quando o chamado modelo de educação por competência surge, na

década de 1960, no contexto do toyotismo, e é colocado a serviço das

transformações também ocorridas nas indústrias, as ETF-SC que agora

são os Institutos Federais logo aderem a essa perspectiva de educação.

Significa que, historicamente, o IFSC foi se adequando à medida que a

sociedade demandava por trabalhadores qualificados para atuarem num

mercado de trabalho cada vez mais exigente.

No que se refere ao estudo sobre o papel político do currículo na

formação de professores, particularmente no IFSC, podemos afirmar que

esse movimento do currículo vai além de uma função técnica, e assume

também um caráter político. A pesquisa, sob este aspecto, possibilitou,

inclusive, compreender a distinção entre formação emancipatória e

formação tecnicista e perceber que há certa negação, por parte da

instituição, da concepção tecnicista presente nos documentos analisados,

já que pretensamente quer assumir uma concepção emancipadora.

O adensamento dessa problemática revela que, ao negar o

tecnicismo, constrói-se condição para reafirmá-lo mais adiante, com

outros enunciados, em novos contextos de constituição do perfil do novo

trabalhador requerido no mercado de trabalho. Os discursos mudam para

dizerem mais do mesmo, criam a ilusão de que agora é diferente, mas

adota-se o modelo de competência, concepção que requer mais do que um

saber técnico, um perfil de trabalhador multifuncional, inteligente,

competitivo, flexível e submisso às necessidades do mercado. Por

consequência, quem não se identifica com o perfil tende a ser excluído.

No que tange à Constituição histórico/política do IFSC e sua

tradição de formação nos recentes diálogos com a formação de

professores, aspecto este discutido no capítulo III, podemos afirmar que,

historicamente, a educação profissional técnica e tecnológica ofertada nos

antigos Cefets foram de filiação tecnicista, mas quando transformados em

Institutos Federais, o seu discurso muda, conforme está escrito na

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113 concepção e nas diretrizes para os Institutos Federais: “Assume, portanto,

o ideário da educação como direito e da afirmação de um projeto societário que corrobore uma inclusão social emancipatória” (BRASIL,

2010, p.14). Esse discurso, embora progressista, contrasta com o de

outros documentos oficiais da instituição que apontam em outra direção,

qual seja, uma formação generalista e por competência.

Existem várias contradições nos enunciados, ou seja, coexistem

concepções antagônicas nos diversos documentos, como o PPC do curso

Licenciatura em Química e a própria Lei que cria os Institutos, quando

esta obriga a instituição a ofertar 20% das vagas para a licenciatura.

Dizemos que é contraditória porque fazer formação de professores é

diferente de fazer formação técnica e tecnológica para atender a indústria

e a prestação de serviço demandada pelo mercado de trabalho. A

formação de docentes que assumimos é a do professor como intelectual

transformador, perspectiva esta defendida por Giroux, que, obviamente,

é diferente daquela que visa um professor “técnico”, que seja formado

apenas para a prática de sala de aula ou para o cotidiano.

Esse perfil de professor requerido na atualidade está ancorado na

demanda pela resolução de problemas, isto é, na demanda por um

professor prático. Essa vivência profissional está intimamente ligada a

uma educação de resultados. É dentro dessa lógica que, ao analisarmos

os vários documentos, ficou evidenciada a tentativa de unir teoria e

prática através da educação por competência, o que significa que a teoria,

nesse caso, seria apenas para a resolução de problemas.

Se nos primeiros quatro capítulos foi possível avançar na

compreensão das questões macro que influenciam e até determinam um

modelo de educação e de formação, no capítulo cinco ficou evidenciado,

no âmbito de sua particularidade, em qual perspectiva de educação o

curso de Licenciatura em Química do IFSC se assenta. E foi nesse estudo

empírico da problemática que percebemos a efetivação do modelo de

formação por meio do currículo.

Com relação à análise da perspectiva de formação no curso de

Licenciatura em Química do IFSC, as evidências apontadas nos

documentos: Concepções e Diretrizes dos Institutos Federais PPI, PDI e

PPC, trazem alguns conceitos e princípios que se contradizem, mas que

estão conjuntamente prescritos para o processo de formação dos

educandos da Licenciatura em Química, dentre os quais destacamos: i)

formação integral e generalista - este conceito pressupõe uma educação

sob uma perspectiva emancipatória que compreende o homem em sua

totalidade, todavia, propõe-se, no mesmo texto uma educação generalista

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114

que sugere uma formação mais ampla, porém sem a devida profundidade,

ou seja, uma formação rasa; ii) tradição de formação tecnicista e

proposta de educação emancipatória - as Concepções e Diretrizes dos

Institutos Federais afirmam a tradição de formação técnica e ao mesmo

tempo prometem formação emancipatória; iii) formação dual e

integração teoria e pratica - tanto o PPI quanto o PDI estabelecem

formação técnica na mesma lógica da tradição que identifica

historicamente a instituição ao mesmo tempo em que afirmam a

necessidade de uma práxis.

Outros elementos presentes nos documentos referidos, como

flexibilização curricular, interdisciplinaridade, princípio da relação ação-

reflexão-ação e prática como componente curricular desde o início da

formação, dentre outros, revelam certo escamoteamento da pretensa

concepção. Segundo Catani, Oliveira e Dourado (2001), a flexibilização

limita-se ao ajuste dos perfis profissionais, o que ocasiona a necessidade

de ajustes curriculares nos diferentes cursos de formação profissional.

Esse movimento fica evidente no desenvolvimento do curso de

licenciatura do IFSC. Por sua vez, a interdisciplinaridade como princípio

integrador, na forma como está posto nos documentos, parece também

atender esse pseudo-discurso presente no IFSC. Sobre esse aspecto,

Antunes (2005) e Mueller (2006) afirmam que o conceito de

interdisciplinaridade serviu para fundamentar a formação na transição do

modelo taylorista/fordista para o modelo toyotista de acumulação

flexível. Não se trata, portanto, de um conceito cunhado na ótica das

teorias críticas.

Já a metodologia orientada pelo princípio da ação-reflexão-ação

toma o desenvolvimento de competências profissionais como princípio, a

reflexão sobre a prática e o desenvolvimento profissional permanente

como eixos articuladores, o que no IFSC aparece revelado nos

documentos, porém, articula-se bem mais com a ação da prática do que

com a garantia de uma formação, de fato, integral. Este aspecto aparece

com evidência quando analisamos os elementos da matriz curricular.

Como mais um dos elementos da prescrição dos documentos que

orientam a formação na licenciatura do IFSC está a prática como

componente curricular desde o início da formação. A reflexão sobre a

prática, segundo Pimenta (2005), tem produzido a supervalorização do

professor como indivíduo, divulgando a ideia de que basta a prática para

a construção do fazer docente. Mesmo que os documentos prescrevam

essa orientação, observamos que, na matriz curricular, a prática como

componente curricular se inicia apenas na 5ª fase, o que revela certa

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115 discrepância na própria diretriz, aspecto que indica fragilidades neste

âmbito.

O trabalho de análise da matriz curricular do curso foi, dentre

todos, o que mais revelou evidências para afirmarmos que a formação

desenvolvida na licenciatura em Química do IFSC assenta-se numa

perspectiva essencialmente instrumental-tecnicista. Esta afirmação pode

ser sustentada quando analisamos detalhadamente os vários aspectos que

a compõem, em especial, a formação dos professores, a carga horária das

disciplinas e o caráter formativo das próprias disciplinas.

No que se refere à formação dos professores, observamos que o

quadro docente tem qualificação suficiente em nível stricto sensu e que

os mesmos possuem significativa produção científica, todavia, esse

elevado nível de formação não garante a efetivação de uma proposta

emancipadora formalmente pretendida pela instituição. Nesse aspecto, a

análise sobre as bibliografias listadas nas ementas revelou que os

professores utilizam referências e produzem essencialmente em suas

próprias áreas especificas de formação, em geral, áreas técnicas.

Esclarecemos que nossa posição não é contrária à técnica ou a tecnologia.

O que não concordamos é com o modo como elas são apropriadas pelo

capital e na educação como são utilizadas quando cumprem a função de

ferramenta para a reprodução da lógica capitalista.

É nesse contexto que questionamos o caráter da formação impresso

no curso de Licenciatura em Ciências da Natureza com Habilitação em

Química do IFSC, uma vez que o Instituto não possui experiência e

tradição na formação de professores, sobretudo quando anuncia optar por

perspectivas emancipatórias.

A nosso ver, o que está sendo requisitado é um colaborador para a

efetiva realização dos padrões estandardizados de um currículo necessário

para adequação ao modelo neoliberal, no atual contexto de globalização,

com disfarçados discursos democrático-emancipatórios. Esse “novo”

profissionalismo inclui práticas de colaboração, trabalhos integrados,

formação de equipes e parcerias, busca de desenvolvimento profissional,

mas deve ter o foco nos resultados, nos índices e nas metas (GARCIA;

HYPOLITO; VIEIRA, 2005).

Em síntese, o que podemos afirmar como achado de pesquisa é que

o resultado dessa composição curricular que prescreve uma concepção

emancipatória, mas que mescla conceitos de outras perspectivas teóricas,

tanto nos documentos quanto no próprio desenho da matriz curricular,

expressa o enfraquecimento no perfil técnico, mas ao mesmo tempo não

consegue romper com o modelo tecnicista, o que, de certo modo,

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116

descaracteriza a formação na licenciatura em Química do IFSC.

Apesar de não realizar uma formação somente técnica, também

não efetiva uma formação emancipatória, ou seja, faz rasamente um

pouco de uma e muito de outra. Essa tentativa de atender ambas as

concepções pode implicar na fragilização da formação, pois a

coexistência, nesse caso, não ajuda para a superação de uma educação

tecnicista.

Assumimos que a pesquisa tem limitações, mas é o resultado de

um esforço individual e coletivo, e busca colaborar com o IFSC, a UFSC

e o Programa de Pós-Graduação (PPGE).

Aldous Huxley, no seu livro Admirável Mundo Novo (1932), diz

que clones, conforme a classe a que pertençam, recebem bastante

oxigênio e viram “alfas”, outros recebem menos oxigênio e viram “betas”

e outros recebem menos oxigênio ainda e viram “ípsilones” - assim é a

educação e a formação. Alguns são educados para serem dirigentes,

outros para desempenharem tarefas de médias complexidades e outros

para apenas executar tarefas primárias.

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