dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

102
“Transferência de tecnologia para produção pública de medicamentos: elementos para discussão do caso Moçambique” por Marcos Targino Siqueira Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre Modalidade Profissional em Saúde Pública. Orientadora principal: Prof.ª Dr.ª Célia Maria de Almeida Segundo orientador: Prof. Dr. José Luiz Telles de Almeida Rio de Janeiro, novembro de 2014.

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Page 1: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

“Transferência de tecnologia para produção pública de medicamentos: elementos

para discussão do caso Moçambique”

por

Marcos Targino Siqueira

Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre Modalidade

Profissional em Saúde Pública.

Orientadora principal: Prof.ª Dr.ª Célia Maria de Almeida

Segundo orientador: Prof. Dr. José Luiz Telles de Almeida

Rio de Janeiro, novembro de 2014.

Page 2: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

Esta dissertação, intitulada

“Transferência de tecnologia para produção pública de medicamentos: elementos

para discussão do caso Moçambique”

apresentada por

Marcos Targino Siqueira

foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Dr. Jorge Carlos Santos da Costa

Prof.ª Dr.ª Luciene Ferreira Gaspar Amaral

Prof.ª Dr.ª Celia Maria de Almeida – Orientadora principal

Dissertação defendida e aprovada em 06 de novembro de 2014.

Page 3: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

Catalogação na fonte

Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica

Biblioteca de Saúde Pública

S618t Siqueira, Marcos Targino

Transferência de tecnologia para a produção pública de

medicamentos: elementos para discussão do caso de

Moçambique./Marcos Targino Siqueira. -- 2014.

101 f. : il. color.

Orientador: Célia Almeida

José Luiz Telles

Dissertação (Mestrado) – Escola Nacional de Saúde Pública

Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2014.

1. Produção de Produtos. 2. Preparações Farmacêuticas.

3. Transferência de Tecnologia. 4. Cooperação Internacional.

5. Propriedade Intelectual. 6. Moçambique.

I. Título.

CDD – 22.ed. – 615.1909679

Page 4: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

3

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à Coordenadora de

Cooperação Internacional de Farmanguinhos

Lícia de Oliveira pelo apoio que

me foi dado para conclusão deste mestrado.

Page 5: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

4

AGRADECIMENTOS

Participar de um Mestrado Profissional ao mesmo tempo em que precisamos nos

dedicar ao trabalho é um grande desafio, o qual só pode ser vencido se pudermos ter pessoas com

quem contar.

Sendo assim, gostaria de começar agradecendo a Escola Nacional de Saúde Pública

Sérgio Arouca pela brilhante iniciativa de promover este mestrado que é pioneiro no Brasil no

campo da Saúde Global e Diplomacia da Saúde. Meus agradecimentos à coordenação do curso, aos

professores e a todos aqueles que apoiaram a organização e estruturação deste curso.

Essencial também é encontrar orientadores que não só conheçam a temática, mas que,

principalmente, acreditem e estimulem o desenvolvimento do trabalho, compreendendo, também,

que há momentos em que outras prioridades pedem nossa atenção e nosso tempo. À Professora

Célia Almeida e a José Luiz Telles, meus sinceros agradecimentos.

Devo estender também, meus agradecimentos a vários colegas do Centro de Relações

Internacionais em Saúde da Fiocruz que apontaram importantes caminhos para a minha pesquisa.

Aos colegas de turma do curso, agradeço pela amizade, pela parceria, pelo incentivo e

pela dose de bom humor que nunca faltou nas aulas.

Foi importante contar com o apoio de chefes e colegas de trabalho. É por essa razão que

agradeço muito ao Diretor de Farmanguinhos, Hayne Felipe da Silva, por ter me dado a

oportunidade de participar do curso e aos meus colegas da Coordenação de Cooperação

Internacional, principalmente Vitória Iva dos Santos, por terem tolerado as minhas ausências ao

longo dessa jornada.

Deixo meus agradecimentos especiais a Roberto Camilo com o qual pude nas viagens

de trabalho a Moçambique conhecer toda a realidade e cultura de um povo maravilhoso e poder

participar de um projeto importantíssimo na história da cooperação brasileira com países africanos e

a minha namorada Marcia Albernaz de Miranda pela parceria e paciência comigo durante o período

desta pesquisa. Agradeço ainda ao Dr. Jorge Costa Santos da Silva e à Dra. Luciene Ferreira Gaspar

Amaral, que como meus examinadores muito contribuíram com suas sugestões para a revisão final

deste trabalho.

Por fim agradeço a Deus, esse Grande Arquiteto do Universo por ter me dado força para

prosseguir neste desafio mesmo quando este parecia longe de ser superado.

Page 6: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

5

EPÍGRAFES

A responsabilidade pelo desenvolvimento do Sul

compete ao Sul, e está nas mãos das pessoas e

instituições do Sul.

Julius Nyerere (1990)

(Ex-presidente da Tanzânia)

Lack of Access to antiretroviral is a global

health emergency... to deliver antiretroviral

treatment to the millions who need it, we must

change the way we think and change the way we act

Jong-Wook Lee (2003)

(Diretor-Geral da Organização Mundial da Saúde).

Page 7: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

6

ÍNDICE

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................12

CAPÍTULO I – ESTRATÉGIA METODOLÓGICA, TEÓRICA E CONCEITUAL .... 19

O Estudo de Caso .............................................................................................................. 19

A análise bibliográfica ...................................................................................................... 19

A análise documental ........................................................................................................ 20

A observação social ........................................................................................................... 21

CAPÍTULO II – ASPECTOS GERAIS DA PRODUÇÃO DE MEDICAMENTOS ...... 23

Breve Relato dos Antecedentes Remotos da Produção de Medicamentos, da Propriedade

Intelectual e Patentes ................................................................................................. 23

O Cenário Internacional em relação à produção de medicamentos ............................. 25

Produção de Medicamentos e Propriedade Intelectual (Brasil e Moçambique) ......... 31

Insumos de Medicamentos e Patentes ............................................................................. 34

CAPÍTULO III – ESPECIFICIDADES DA PRODUÇÃO PÚBLICA DE

MEDICAMENTOS ................................................................................................................ 37

Desafios para produção pública de medicamentos ........................................................ 37

Produção Pública de Medicamentos no Brasil: Breve Panorama ................................ 39

Produção de Genéricos em Farmanguinhos e a Formulação de uma Política de

Medicamentos no Brasil ............................................................................................ 40

A Licença Compulsória do Efavirenz .............................................................................. 45

As Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDPs) ..................................................... 50

A produção pública de medicamentos na África ............................................................ 50

CAPÍTULO IV – TRANSFERÊNCIA TECNOLÓGICA E COOPERAÇÃO

INTERNACIONAL ............................................................................................................... 53

A Cooperação Internacional e a Transferência de Tecnologia ..................................... 53

A Transferência de Tecnologia na Produção de Medicamentos ................................... 56

Países em Desenvolvimento e Produção Farmacêutica: a realidade atual .................. 59

Produção local de fármacos nos países em desenvolvimento ........................................ 60

Pré-requisitos para o investimento no setor farmacêutico ............................................ 61

Casos de transferência de tecnologia para produção farmacêutica local em países em

desenvolvimento. ........................................................................................................ 65

Argentina .............................................................................................................................65

Bangladesh ......................................................................................................................... 66

Colômbia ............................................................................................................................. 66

Page 8: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

7

Etiópia ................................................................................................................................. 67

Indonésia ............................................................................................................................ 68

Jordânia .............................................................................................................................. 68

Tailândia ............................................................................................................................. 69

Uganda ................................................................................................................................ 69

CAPÍTULO V - O PROJETO DE COOPERAÇÃO BRASIL-MOÇAMBIQUE:

INSTALAÇÃO DA FÁBRICA DE ANTIRRETROVIRAIS E OUTROS

MEDICAMENTOS (SMM) EM MOÇAMBIQUE. ........................................................... 71

Negociações Iniciais (2003 a 2007) ................................................................................... 71

Desenvolvimento do projeto (2008 – 2013) ..................................................................... 72

A Liberação de Recursos para o Financiamento da Iniciativa ..................................... 74

O Projeto Executivo e a Compra dos Equipamentos ..................................................... 77

As Obras de Adequação e Infraestrutura e a Entrega dos Equipamentos .................. 79

Os primeiros Lotes de Produção e o início da Transferência de Tecnologia ............... 81

A Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM) .................................................. 82

CAPÍTULO VI – RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................ 84

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 89

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 92

LEGISLAÇÃO CITADA ................................................................................................. 95

LISTA DE DOCUMENTOS ANALISADOS ................................................................. 95

ANEXO I − Produção local de fármacos e transferência de tecnologia nos países em

desenvolvimento ......................................................................................................... 97

ANEXO II – Visão geral da Sociedade Moçambicana de Medicamentos S/A .......... 100

LISTA DE QUADROS

QUADRO I Critérios de seleção de patentes/pedidos de patente brasileiras candidatas ao

licenciamento e de informação contida em documentos de patente.

QUADRO II Recursos previstos, utilizados e saldos do projeto.

QUADRO III Medicamentos a serem produzidos pela SMM no âmbito da transferência de

tecnologia.

Page 9: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

8

LISTA DE SIGLAS

ABC Agência Brasileira de Cooperação

AIDS Adquired Imunity Deficient Syndrom

ALFOB Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil

ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária

ARIPO African Regional Intellectual Property Organization

ARVs Antirretrovirais

BPF Boas Práticas de Fabricação

CEME Central de Medicamentos

CPLP Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

CSS Cooperação Sul-Sul

CUP Convenção da União de Paris

GPO Government Pharmaceutical Organization

GSPA – PHI Estratégia Global/Plano de Ação Saúde Pública, Inovação e Prop.Intelectual

IBAS Fórum entre Índia, Brasil e África do Sul

ICTSD Centro Internacional para o Comércio e o Desenvolvimento Sustentável

IFA Insumos Farmacêuticos Ativos

IGEPE Instituto de Gestão de Participação do Estado de Moçambique

LPI Lei da Propriedade Industrial

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

MISAU Ministério da Saúde de Moçambique

MRE Ministério das Relações Exteriores

MS Ministério da Saúde

OMC Organização Mundial do Comércio

OMPI Organização Mundial da Propriedade Intelectual

OMS Organização Mundial da Saúde

ONU Organização das Nações Unidas

P&D Pesquisa & Desenvolvimento

PNM Política Nacional de Medicamentos

PNUD Política das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PTEI PT Eisai Indonesia

RENAME Relação Nacional de Medicamentos Essenciais

RMB Relação de Medicamentos Básicos

SEAA Sino-Ethiop (Africa) Associates Private Limited Company SIDA

Page 10: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

9

SMM S/A Sociedade Moçambicana de Medicamentos

SUS Sistema Único de Saúde

TPI Tanzania Pharmaceutical Industries Limited

TRIPS Trade Related Aspects of Intelectual Property Rights

UNAIDS Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS

UNASUL União de Nações Sul-americanas

UNCTAD United Nations Conference on Trade and Development

Page 11: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

10

RESUMO

Esta dissertação tem por objetivo analisar a interface entre transferência de tecnologia e

produção pública de medicamentos, utilizando como exemplo o projeto de cooperação entre os

governos brasileiro e moçambicano para a implantação de uma fábrica de medicamentos em

Maputo, capital do país, no período de 2003 a 2013. Traz elementos para a sua discussão,

principalmente no que diz respeito às condições nas quais esse tipo de cooperação pode contribuir

para a melhoria do acesso a medicamentos, principalmente em países em desenvolvimento. O

estudo faz uma revisão das principais questões que envolvem um processo de transferência de

tecnologia (direitos de propriedade intelectual e de propriedade industrial) e aponta elementos que

podem auxiliar uma análise crítica mais aprofundada sobre esses processos, sobretudo quando

envolvem países em desenvolvimento. A estratégia metodológica foi de estudo de caso, enfatizando

mecanismos qualitativos de coleta de dados – levantamento e análise bibliográfica e documental; e

observação social (do próprio autor, uma vez que integra a equipe da Fiocruz que desenvolve esse

projeto). Descreve-se a relação entre produção de medicamentos e propriedade industrial,

destacando a tensão existente entre a necessidade dos países de oferecer medicamentos essenciais

para suas populações, a preços acessíveis, e o lucro inerente das empresas transnacionais produtoras

de medicamentos. Discutem-se também os principais desafios para a produção pública de

medicamentos no Brasil, tendo por referência a política brasileira para produção de genéricos, que

conta com Farmanguinhos, da Fiocruz, como um dos principais laboratórios públicos produtores de

antirretrovirais no país. Aborda-se ainda a importância da cooperação internacional Sul-Sul como

instrumento relevante para o enfrentamento das questões relativas às dificuldades inerentes à

produção, distribuição e acesso a medicamentos, em nível nacional e internacional. Repassa-se

brevemente o desenvolvimento do projeto de instalação da fábrica de antirretrovirais e outros

medicamentos em Moçambique – a Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM). Por fim,

apresentam-se alguns resultados e elementos estruturais que se constituem como desafios a serem

superados nesses processos de transferência de tecnologia entre países em desenvolvimento. Nas

considerações finais, alinham-se alguns elementos que se configuram como importantes desafios a

serem superados, utilizando-se como exemplo a cooperação Brasil-Moçambique na área de

produção de medicamentos.

Palavras-chave: Produção pública de medicamentos, Transferência de tecnologia, Cooperação Sul-

Sul, Propriedade Industrial, Moçambique.

Page 12: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

11

ABSTRACT

This study examines the interface between technology transfer and public drug production,

taking as its example the cooperation project between the governments of Brazil and Mozambique

to set up a drug production plant in the latter’s capital city, Maputo, between 2003 and 2013. It

offers input to the discussion primarily as regards the conditions in which cooperation of this kind

can contribute to improving access to drugs, particularly in developing countries. The study reviews

the chief issues involved in the technology transfer process (intellectual properties rights and

industrial property rights) and points up information that can assist more in-depth critical analysis of

these processes, especially when they involve developing countries. The methodological strategy

was case-study based, with the emphasis on qualitative data collection mechanisms (literature and

documentary survey and analysis) and social observation (by the author, who forms part of the

Fiocruz team that conducted this cooperation project). The relationship between drug production

and industrial property is described, highlighting the tension that exists between countries’ need to

offer essential drugs to their populations at accessible prices and the profit motive inherent to

transnational drug producer corporations. Also discussed are the main challenges facing public drug

production in Brazil, with reference to Brazil’s policy of producing generics, which involves

Farmanguinhos, at Fiocruz, as one of its leading public laboratories producing antiretroviral drugs.

The study also considers the importance of South-South international cooperation as an important

instrument for addressing issues relating to the difficulties inherent to drug production, distribution

and access nationally and internationally. A brief account is given of the development of the project

of cooperation to install the plant for producing antiretrovirals and other drugs in Mozambique, the

Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM). Lastly, some results and structural components

are presented that pose challenges to be met in the process of technology transfer between

developing countries. The final remarks bring together concerns that constitute substantial

challenges to be met, as exemplified by drug production cooperation between Brazil and

Mozambique.

Keywords: public drug production, technology transfer, South-South cooperation, industrial

property, Mozambique.

Page 13: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

12

INTRODUÇÃO

Várias epidemias com enorme potencial de disseminação em escala global têm ameaçado as

populações dos mais variados países exigindo ações coordenadas de governos e instituições em

matéria de recursos e medidas de combate e de controle. Nesse sentido, a cooperação internacional

nas últimas décadas tornou-se um elemento marcante nas relações internacionais, possibilitando a

construção de relações cada vez mais globalizadas onde o conhecimento compartilhado nas muitas

atividades técnicas desempenha um papel central na política externa dos países (SATO, 2010).

Alguns países em desenvolvimento avançaram de forma significativa na modernização de

suas indústrias e de seus recursos institucionais, propiciando a retomada da chamada “Cooperação

Sul–Sul” (CSS) ou “Cooperação Horizontal” ou “Cooperação Técnica entre Países em

Desenvolvimento”, que surgiu nas esferas política e econômica durante os anos de 1960, mas teve

um retrocesso nas décadas de 1970 e 1980 (ALMEIDA et al, 2010; LEITE, 2012).

No fim dos anos 90 e início dos anos 2000, houve um ressurgimento e ampliação da CSS,

principalmente devido à insatisfação com os impactos sociais dos programas de ajuste estrutural e a

emergência de governos considerados progressistas em vários países (LEITE, 2012). Nesse mesmo

período também surgiram alianças e coalizões entre os países do Sul geopolítico, as chamadas

potências emergentes (tais como Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul), assim como de novos

arranjos de blocos regionais (como a União das Nações Sul-americanas − UNASUL), na busca de

modelos alternativos de desenvolvimento, incentivando a CSS, numa perspectiva de atuação

diferenciada da tradicional cooperação Norte-Sul (ALMEIDA et al, 2010).

A maioria dos países considerados pobres tem enfrentado dificuldades para atender às

necessidades de suas populações, principalmente no campo da saúde, devido entre outros fatores, à

precariedade de suas instalações, às péssimas condições de vida de seus habitantes e o baixo nível

de desenvolvimento. Tal situação faz com que estes países fiquem dependentes de ajuda

internacional, em geral organizada verticalmente para controle de determinadas doenças mais

prevalentes o que, por sua vez, não contribui para o fortalecimento dos seus respectivos sistemas de

saúde.

O impacto econômico da AIDS atinge dimensões significativas no mundo, sobretudo nas

regiões e grupos sociais mais pobres de países africanos, fazendo com que a doença seja vista não

apenas como uma questão de saúde pública, mas também de desenvolvimento humano nestas

regiões.

Page 14: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

13

A cooperação internacional entre os países do Hemisfério Sul pode contribuir para instituir

outra dinâmica de relação no sentido do fortalecimento dos sistemas nacionais de saúde a partir do

aprendizado mútuo e de maior horizontalidade na construção de projetos comuns. A transferência

tecnológica em áreas estratégicas de desenvolvimento na saúde acaba por assumir relevância

quando se intenta diminuir dependência externa, muitas das vezes, ao sabor das variações de

mercado.

Países em desenvolvimento como o Brasil podem auxiliar outros países em condições

similares a estabelecer bases tecnológicas consideradas sensíveis para a saúde de suas populações.

As experiências de países emergentes fornecem lições de aprendizado para outros países em

desenvolvimento, com destaque especial para as políticas industriais, tecnológicas e comerciais. O

domínio da tecnologia de produção de medicamentos foi um caminho buscado pelo Brasil, por

exemplo, que culminou na garantia de acesso à terapia de antirretrovirais para pacientes portadores

do vírus HIV. A política de enfrentamento da epidemia de HIV/AIDS no Brasil, por conseguinte, é

considerada modelo de sucesso na saúde pública internacional.

Com efeito, o gasto com medicamentos revela uma enorme desigualdade existente no acesso

aos serviços e insumos de saúde entre as populações dos países desenvolvidos e o resto do mundo,

pois enquanto nos países de alta renda esse gasto é majoritariamente coberto por sistemas de

seguridade social públicos e, em alguns casos, por seguros privados, nos países de renda média e

baixa, boa parte da população é obrigada a usar recursos próprios para a compra de medicamentos

(BERMUDEZ, 2012).

O lançamento da terapia antirretroviral no mercado internacional melhorou o tratamento

contra HIV/AIDS, e teve por consequência excelentes resultados na redução da mortalidade e

morbidade dos pacientes tratados. Entretanto, o alto preço desses medicamentos constituiu uma das

principais razões para que milhões de indivíduos ainda hoje permaneçam à margem da

possibilidade de tratamento.

Nesse sentido, a maior participação do Estado no financiamento e produção dos

medicamentos tem se mostrado como possível caminho para melhorar tal situação, pois embora o

acesso a medicamentos seja considerado direito fundamental, existem evidências de que boa parte

da população mundial ainda não tem acesso regular a estes.

No entanto, a complexidade do processo de produção farmacêutica e a atenção necessária ao

controle de qualidade para adquirir padrões de segurança adequados fazem da área farmacêutica um

setor que exige um número considerável de pré-requisitos para qualquer investimento em capital e

Page 15: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

14

tecnologia, tais como, disponibilidade de recursos humanos, infraestrutura básica, controle

regulatório, propriedade intelectual e acesso a mercados.

No caso de cooperação entre dois países visando à transferência de tecnologia para produção

de medicamentos, esses pré-requisitos devem estar presentes em ambos os países ou serem

construídos. Ademais, outros fatores devem ser levados em consideração: i) suporte governamental

bilateral; ii) bases e incentivos institucionais necessários para a produção local; iii) definição dos

medicamentos a serem produzidos conforme as necessidades do país; iv) financiamento dos custos

da produção; e v) formas de promoção interna da transferência de tecnologia.

Nesse cenário o Brasil tem fortalecido e articulado os laços Sul-Sul como um dos eixos

prioritários de sua política externa. Além de co-liderar a criação do G-20 em 1999, o país participa

de coalizões políticas regionais: o MERCOSUL, desde 1991; a Comunidade de Países de Língua

Portuguesa (CPLP), constituído por oito nações distribuídas em quatro continentes, desde 19961; o

IBAS, que inclui Índia, Brasil e África do Sul, desde 2003; os BRICs, formados por Brasil, Rússia,

China, Índia e África do Sul, desde 2009; e a UNASUL, criada em 2008 e integrada por 12 países

da América do Sul2.

Durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003–10), uma das diretrizes da

Política Externa Brasileira (PEB) priorizaram o fortalecimento da CSS, sobretudo com os países da

América do Sul e da África, principalmente os de língua portuguesa (integrantes da CPLP), mas não

exclusivamente. Esta diretriz foi uma das estratégias para aumentar o protagonismo internacional do

país, sobretudo por meio de acordos com países até então “não tradicionais” nas relações

internacionais brasileiras (VIGEVANI & CEPALUNI, 2007), como forma de reposicionar sua

situação no sistema mundial.

A cooperação internacional brasileira passou a ser considerada como um instrumento

propulsor do desenvolvimento dos países mais pobres, ou com nível de desenvolvimento similar. A

conjugação de elementos motivacionais (vizinhança, entorno geográfico, fatores decorrentes de

vínculos históricos e culturais, entre outros) impulsionou essa dinâmica, embalada também por

componentes éticos e humanitários, baseados na solidariedade entre as nações em desenvolvimento,

e na ênfase nos aspectos sociais (PUENTE, 2010).

1Os 8 países que integram a CPLP são: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, Timor Leste

e São Tomé e Príncipe. 2Os países na UNASUL são: Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Chile, Guiana,

Suriname e Venezuela. Panamá e México participam como membros observadores e poderão, futuramente, integrar a

comunidade.

Page 16: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

15

No campo das políticas sociais, a experiência brasileira em políticas públicas de combate à

epidemia de HIV/AIDS e de tratamento dos doentes e portadores do vírus por meio de medidas de

prevenção, atenção médica e assistência farmacêutica gratuita, promovidas pelo Ministério da

Saúde, tem sido considerada bem sucedida mundialmente, com efetivo controle e acompanhamento

da epidemia. Por outro lado, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e seu desenvolvimento nas

últimas décadas e programas de assistência social vinculados a ações nas áreas de educação,

combate à fome e redução da pobreza têm credenciado o Brasil positivamente na cooperação Sul-

Sul. Como resultado, o Ministério da Saúde e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) têm recebido

grande quantidade de demandas de cooperação em saúde, incluindo a área de produção de

medicamentos.

A efetiva produção desses medicamentos no Brasil está relacionada também ao advento do

combate à AIDS, mais precisamente a uma política que mobilizou mecanismos de enfrentamento

tanto da atuação das multinacionais no país, principalmente em relação a patentes, quanto da

extrema dependência da compra de medicamentos dessas empresas.

A política brasileira de produção de antirretrovirais tem apresentado aspectos inovadores,

não somente por garantir a distribuição gratuita e universal de medicamentos aos pacientes que dele

necessitem – doentes ou portadores de HIV/AIDS −, mas também por estimular a produção

nacional de medicamentos genéricos utilizados nesses tratamentos, assim como por adotar posições

firmes no tocante à possibilidade de uso dos licenciamentos compulsórios de alguns medicamentos

e de produzir outros com patentes já expiradas.

Nesse sentido, diante das oportunidades de parceria entre África e Brasil e da problemática

da epidemia de HIV/AIDS em populações africanas é que os governos de Moçambique e Brasil, em

2003, firmaram parceria para estudar a viabilidade de implantação de uma unidade produtora de

medicamentos antirretrovirais nesse país.

A iniciativa do projeto de instalação da fábrica de antirretrovirais e outros medicamentos em

Moçambique se insere neste contexto, sendo resultado do compromisso político estabelecido em

2003 entre os dois governos para a produção de alguns medicamentos em solo moçambicano, de

forma a consolidar o apoio brasileiro às iniciativas locais para o enfrentamento do HIV/AIDS em

Moçambique e, se possível, na região.

O governo Brasileiro, a partir do Ministério da Saúde e do Ministério das Relações

Exteriores, por meio de sua Agência Brasileira de Cooperação (ABC/MRE), envolveu diretamente

nessa iniciativa o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos), unidade técnico-científica

Page 17: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

16

da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição vinculada ao Ministério da Saúde. Farmanguinhos

detém conhecimento e experiência na área da produção pública de medicamentos no Brasil, tendo

participado da implementação de genéricos no final da década de 1990 e contribuído para a criação

e funcionamento da rede de laboratórios públicos brasileiros, bem como para a formulação dos

programas públicos de assistência farmacêutica (COSTA, E. et al, 2008).

Esta pesquisa tem por objetivo analisar a interface entre transferência de tecnologia e

produção pública de medicamentos, utilizando como exemplo o projeto de cooperação entre os

governos brasileiro e moçambicano para a implantação de uma fábrica de medicamentos em

Maputo, capital do país, no período de 2003 a 2013. Traz elementos para a sua discussão,

principalmente no que diz respeito às condições nas quais esse tipo de cooperação pode contribuir

para a melhoria do acesso a medicamentos. Pretendeu-se discutir e analisar em que medida as

questões legais (propriedade industrial) e estruturais presentes em ambos os países, podem facilitar

ou restringir a dinâmica cooperativa. Para tal, foram considerados: a) os contextos nos quais se

desenvolve esse projeto de cooperação; b) as discussões relacionadas à propriedade industrial,

transferência de tecnologia e produção pública de medicamentos; e c) uma breve descrição das

etapas do repasse da tecnologia de Farmanguinhos/Fiocruz, para a SMM em Moçambique e as

principais características de cada uma dessas etapas.

O período de análise (2003−2013) foi definido porque o acordo para o desenvolvimento

dessa iniciativa foi assinado em 2003 e, em 2013, foi inaugurada a primeira etapa do projeto – o

envaze local de medicamentos produzidos no Brasil, mas já com o selo moçambicano de produção

farmacêutica.

Trata-se de um estudo de caso sobre como a tecnologia de um país em desenvolvimento

como o Brasil pode ser transferida com o objetivo de fortalecer a produção local de medicamentos

em outro país em desenvolvimento, assim como sobre o esforço que Moçambique está fazendo para

alcançar o nível de desenvolvimento tecnológico necessário para adquirir menor dependência

externa para o fornecimento de medicamentos à sua população.

As importantes questões norteadoras deste trabalho foram: a) quais fatores legais e

estruturais impedem ou facilitam a transferência e absorção da tecnologia no projeto de instalação

da fábrica de antirretrovirais e outros medicamentos, tendo como referência o exemplo da SMM em

Moçambique? e b) em que medida os cenários brasileiro e moçambicano relativos ao Acordo

TRIPS e a propriedades intelectual e industrial favorecem a produção pública de medicamentos em

países em desenvolvimento?

Page 18: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

17

Parte-se do pressuposto que a produção local de medicamentos em um determinado país em

desenvolvimento contribui para a diminuição da sua dependência externa em relação ao acesso aos

antirretrovirais e outros medicamentos essenciais. A aquisição de tecnologia por parte de um país

para produzir medicamentos também contribui para que seu governo adquira maior poder de

barganha na hora de negociar preços na compra de antirretrovirais junto às empresas

multinacionais.

Ademais, um projeto de cooperação técnica internacional como a iniciativa de instalação da

fábrica de antirretrovirais e outros medicamentos em Moçambique pode representar um instrumento

de desenvolvimento para o país, uma vez que auxiliaria na promoção de mudanças de caráter

estrutural que, por exemplo, podem impactar positivamente no avanço de processos produtivos ou

ainda gerar as condições propícias para saltos tecnológicos em setores estratégicos como o

farmacêutico entre países em diferentes níveis de desenvolvimento tecnológico.

No primeiro capítulo, foi apresentada a estratégia metodológica utilizada nesta pesquisa, que

se baseou no estudo de caso, enfatizando mecanismos qualitativos de coleta de dados –

levantamento e análise bibliográfica e documental, além de observação social direta, aproveitando a

experiência do autor, adquirida como membro da Coordenação de Cooperação Internacional de

Farmanguinhos e da equipe que está acompanhando o projeto desde 2008.

O segundo capítulo descreve a relação entre a produção de medicamentos no cenário

internacional e a propriedade industrial, destacando a tensão existente entre a necessidade dos

países em oferecer medicamentos essenciais para suas populações, a preços acessíveis, e o inerente

lucro das empresas transnacionais produtoras, que argumentam com a necessidade de cobrir seus

investimentos em pesquisa, desenvolvimento e produção de novos medicamentos.

Em seguida foram discutidos no terceiro capítulo, os principais desafios para a produção

pública de medicamentos no Brasil, tendo por referência a política brasileira para produção de

genéricos (sendo que Farmanguinhos é um dos principais laboratórios públicos produtores de

antirretrovirais no país), levando em consideração a licença compulsória do medicamento Efavirenz

e outros procedimentos utilizados pela instituição para a sua produção, tais como a engenharia

reversa e as parcerias de desenvolvimento produtivo (PDPs).

O quarto capítulo aborda a forma como a cooperação internacional Sul-Sul se tornou um

importante instrumento para o enfrentamento das questões relativas à propriedade industrial e ao

acesso a medicamentos, principalmente após a assinatura do acordo TRIPs. Nesse capítulo discute-

se também a correlação entre transferência de tecnologia e produção de medicamentos, destacando

Page 19: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

18

as dificuldades encontradas pelos países em desenvolvimento para produzir medicamentos, em

condições ainda precárias, principalmente levando em conta as exigências e pré-requisitos legais e

estruturais exigidos pela indústria farmacêutica. Utilizou-se como referência os estudos de caso

realizados pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD),

em conjunto com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Centro Internacional para o

Comércio e o Desenvolvimento Sustentável (ICTSD), para a discussão de questões específicas

enfrentadas na cooperação Brasil-Moçambique, sobretudo no que diz respeito às diferentes

estratégias, relacionadas à transferência de tecnologia em países em desenvolvimento, para

viabilizar a produção local de medicamentos e atender ao interesse público.

Em seguida, no quinto capítulo apresenta-se um breve histórico do projeto de instalação da

fábrica de antirretrovirais e outros medicamentos em Moçambique (Sociedade Moçambicana de

medicamentos/SMM), com ênfase na parte relacionada às negociações iniciais que ocorreram no

período entre 2003 a 2007. Em seguida, são descritas as etapas de desenvolvimento do projeto, no

período 2008- 2013, com destaque para as articulações relacionadas à liberação dos recursos para o

financiamento da iniciativa, a compra dos equipamentos e a entrega do projeto executivo da fábrica,

com as obras de adequação e infraestrutura. O início da transferência de tecnologia entre

Farmanguinhos e a SMM também foi abordado neste capítulo, assim como as principais

características da fábrica moçambicana.

No sexto capítulo apresentam-se alguns resultados e elementos para a discussão dos

principais problemas estruturais identificados durante o processo de transferência de tecnologia do

projeto, com ênfase na questão da propriedade intelectual e seus desdobramentos na legislação

moçambicana.

Por fim, nas considerações finais, apresenta-se uma síntese dos principais desafios que essa

cooperação Brasil-Moçambique na área de produção de medicamentos tem enfrentado, assim como

os possíveis caminhos a seguir para atingir seus objetivos.

Page 20: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

19

CAPÍTULO I – ESTRATÉGIA METODOLÓGICA, TEÓRICA E CONCEITUAL

Foi utilizada a estratégia metodológica de estudo de caso utilizando-se técnicas qualitativas

para o levantamento de dados, pesquisa e análise bibliográfica e documental, bem como observação

direta.

O Estudo de Caso

Esta opção se justifica pelo próprio objeto da investigação, uma vez que o estudo de caso

contribui para a compreensão de fenômenos individuais, coletivos, organizacionais, sociais e

políticos que envolvem a cooperação em geral e este projeto em particular, permitindo a

preservação das características holísticas de todo o processo, ainda que focado em recorte específico

(YIN, 2001). Este autor explica que o estudo de caso permite o exame detalhado de processos

organizacionais ou relacionais para esclarecer fatores que interferem em determinados

procedimentos, apresentando modelos de análise replicáveis em situações semelhantes e até

possibilitando comparações.

Howard Becker (1997) destaca que diferente do experimento de um laboratório, no qual é

concebido para testar uma ou poucas proposições intimamente relacionadas tão rigorosa e

precisamente quanto possível, o estudo de caso tem que ser preparado para lidar com uma grande

variedade de problemas teóricos e descritivos. O mesmo autor acrescenta ainda que um estudo de

caso quase sempre fornece fatos para guiar pressuposições, enquanto os estudos com procedimentos

de coleta de dados mais limitados são obrigados a pressupor o que o observador pode verificar. Os

objetivos do estudo de caso e os tipos de problemas que geralmente aparecem sugerem técnicas

específicas de coleta e análise de dados. Todo estudo de caso permite que se façam generalizações

sobre as relações entre os vários fenômenos estudados, no entanto cada caso e um caso (BECKER,

1997).

A análise bibliográfica

A análise bibliográfica foi baseada na contribuição de diversos autores, nacionais e

internacionais, sobretudo no que se refere ao tema da transferência de tecnologia na área da

produção farmacêutica. A pesquisa bibliográfica também foi utilizada como técnica para apoiar o

levantamento de dados e o exercício descritivo e interpretativo dos fenômenos estudados,

ressaltando a contextualização histórica e fatores relevantes que contribuíram para a análise de

Page 21: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

20

algumas intervenções propostas para a área de saúde e produção pública de medicamentos

(FONSECA, 2011).

Um dos primeiros passos do pesquisador é definir alguns conceitos fundamentais para a

construção do quadro teórico da pesquisa. A construção teórica se baseia num sistema cujos eixos

são os conceitos, unidades de significação que definem a forma e o conteúdo de uma teoria.

Ademais, as categorias também podem ser definidas como os conceitos mais importantes dentro de

uma teoria. Qualquer pesquisa está situada dentro de um quadro de preocupações teóricas, uma vez

que a leitura bibliográfica deve ser um exercício de crítica, na qual devem ser destacadas as

categorias centrais usadas pelos diferentes autores (GOLDENBERG, 2004).

As teorias são definidas pelos autores como os conhecimentos que foram construídos

cientificamente sobre determinado assunto por outros estudiosos que o abordaram, lançando luz

sobre a análise do objeto da pesquisa. A teoria é construída para explicar ou para compreender um

fenômeno, um processo ou um conjunto de fenômenos e processos. A teoria propriamente dita

sempre será um conjunto de proposições, um discurso abstrato sobre a realidade (DESLANDES,

GOMES e MINAYO, 2012).

Em geral, os autores mencionados defendem que teorias são instrumentos que ajudam a

explicar a realidade, que, por sua vez, é uma construção abstrata (pois não existe uma única

realidade) e cumprem funções muito importantes como: a) colaborar para esclarecer melhor o

objeto de uma investigação; b) ajudar a levantar questões, focalizar o problema e elaborar as

perguntas, assim como estabelecer hipóteses com mais propriedade; c) permitir maior clareza na

organização dos dados; d) iluminar a análise dos dados. Afirmam também que uma teoria é um

discurso sistemático que orienta o olhar sobre determinado problema, a observação de dados e a

análise dos mesmos. O domínio de teorias fundamenta o caminho do pensamento e da prática

teórica, além de constituir o plano interpretativo para indagações de pesquisa, seja para desenvolvê-

las, respondê-las, ou para, a partir delas, propor um novo discurso teórico (DESLANDES, GOMES

e MINAYO, 2012).

A análise documental

A análise documental apoiou o exercício de interpretação e análise do objeto de estudo, uma

vez que os documentos analisados são textos administrativos e publicações, tanto dos governos do

Brasil quanto de Moçambique, como das organizações nacionais e internacionais, assim como

relatórios institucionais publicados, diretamente relacionados ao projeto no período em estudo.

Page 22: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

21

O uso de documentos em pesquisa deve ser apreciado e valorizado, pois a riqueza de

informações que deles podem ser extraídas e resgatadas justifica o uso em várias áreas das Ciências

Humanas e Sociais, porque auxilia no entendimento de objetos cuja compreensão necessita de

contextualização histórica e sociocultural (SÁ-SILVA, DE ALMEIDA e GUINDANI, 2009).

Numa análise documental busca-se identificar informações factuais a partir de questões e

hipóteses de interesse, enquanto na pesquisa documental busca-se esgotar todas as pistas capazes de

lhe fornecer informações interessantes. Os documentos originais são fontes primárias de dados, pois

ainda não receberam tratamento analítico por nenhum autor, sendo esta uma das técnicas decisivas

para a pesquisa em ciências sociais e humanas (SÁ-SILVA, DE ALMEIDA e GUINDANI, 2009).

Os documentos podem ser variados – relatórios institucionais, acordos, cartas e memorandos

oficiais, reportagens de jornais, revistas, filmes, gravações, fotografias, entre outros.

Embora muito próxima da pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental tem como

elemento diferenciador a natureza das fontes, pois as bibliografias pesquisadas e estudadas

constituem-se em fontes secundárias, pois já receberam tratamento cientifico (analítico). (SÁ-

SILVA, DE ALMEIDA e GUINDANI, 2009).

A observação social

A técnica de coleta de dados baseada na observação social traz os dados coletados pelo

próprio autor no seu envolvimento direto com o próprio objeto de análise nesta pesquisa, uma vez

que integra a equipe de Farmanguinhos que acompanha o desenvolvimento e a execução do projeto

de cooperação, desde 2008. Pode-se considerar que a observação direta, tal como definida por Yin

(2001), se aplicaria neste caso, pois segundo este autor, ocorre quando os fenômenos de interesse, e

que não são de caráter histórico, encontram-se disponíveis para observação com relação a alguns

comportamentos ou condições ambientais relevantes, fazendo com que tais observações sirvam

como fonte de evidências em um estudo de caso.

Segundo Yin (2001), as observações podem variar de atividades formais a informais, como

observações de reuniões, de atividades de passeio, de trabalho de fábrica, de salas de aula e outras

atividades semelhantes. Esse autor ainda explica que, de maneira mais informal, as observações

diretas podem ser feitas ao longo da visita de campo, incluindo aquelas ocasiões durante as quais

estão sendo coletadas outras evidências como as provenientes de entrevistas.

O estudo observacional de uma instituição (como por exemplo, a SMM) pode ser, e sempre

é usado por várias pessoas de várias maneiras, dependendo da sua posição no grupo ou em relação a

Page 23: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

22

ele, e de seu interesse no funcionamento deste grupo. O estudo observacional é útil na identificação

e especificação de problemas e na descoberta de suas origens e consequências, em vários níveis

(BECKER, 1997).

O estudo observacional também torna possível ir além do problema conforme originalmente

concebido, a partir da identificação de outros pontos de vista de diferentes de atores envolvidos,

fornecendo informações adicionais que são úteis para o objeto que está sendo estudado (BECKER,

1997). A observação, neste caso, se baseou nas anotações de campo, notas técnicas e atas de

reuniões elaboradas pelo autor, como memória de seu trabalho nas missões do projeto, no período

de análise da pesquisa.

O trabalho de campo permite a aproximação do pesquisador da realidade sobre a qual

formulou perguntas, bem como estabelece uma interação com os atores que conformam a realidade

e, assim, possibilita a construção de um conhecimento empírico importantíssimo para quem faz

pesquisa social (DESLANDES, GOMES e MINAYO, 2012).

Os autores referidos entendem “campo” na pesquisa qualitativa como o “recorte espacial

que diz respeito à abrangência, em termos empíricos, do recorte teórico correspondente ao objeto da

investigação”. Nesse sentido, cabe enfatizar que “a pesquisa social trabalha com pessoas e com suas

realizações, compreendendo-os como atores sociais em relação a grupos específicos ou

perspectivas, produtos e exposições de ações” (DESLANDES, GOMES e MINAYO, 2012, p. 62).

Por outro lado, a participação do autor no projeto de cooperação em pauta constituiu-se

numa dificuldade adicional, pois foi fundamental o exercício de “distanciamento analítico”, onde as

percepções individuais devem ser matizadas e trianguladas com as constatações observadas no

processo de desenvolvimento da pesquisa.

Page 24: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

23

CAPÍTULO II – ASPECTOS GERAIS DA PRODUÇÃO DE MEDICAMENTOS

Breve Relato dos Antecedentes Remotos da Produção de Medicamentos, da proteção da

Propriedade Intelectual e de Patentes

A propriedade intelectual é o direito exclusivo de propriedade sobre formas intangíveis de

criação e sobre os resultados concretos de suas aplicações. A expressão propriedade intelectual

reúne diferentes conceitos de criatividade privada, tais como ideias e invenções com o intuito de

regular a proteção pública dos frutos dessa criatividade. E o Estado garante, jurídica e

institucionalmente, o direito de propriedade sobre a expressão criativa, envolvendo, de forma

ampla, a propriedade industrial e o direito autoral. Neste contexto, a propriedade intelectual é o

gênero do qual a propriedade industrial é espécie; logo, no que tange exclusivamente às invenções

que originam as patentes diz-se que o direito é temporário e tem o poder de impedir que terceiros

produzam, usem ou vendam produtos originados a partir do objeto da patente descrito no

documento oficial através do qual o direito foi conferido (FROTA, 1993).

O sistema internacional de propriedade intelectual é constituído por uma complexa estrutura

de leis, costumes nacionais, acordos, práticas internacionais, bem como convenções e tratados

intergovernamentais, como o Congresso de Viena, as Conferências de Paris (de 1878 e 1880), e as

Convenções − de Paris, Internacionais sobre Direitos do Autor, de Berna −, o Acordo Geral sobre

Tarifas e Comércio (GATT), o acordo de Marrakesh e o TRIPS – Trade Related Aspects of

Intellectual Property Rights, ambos negociados na Rodada Uruguai finalizada em 1994, que criou a

Organização Mundial do Comércio (OMC).

Ao longo da história, como membro da Convenção de Paris e da Convenção de Berna, o

Brasil baseou a sua legislação sobre o tema nos preceitos dessas convenções, sendo o quarto país do

mundo a legislar sobre propriedade intelectual. Maria Stela Pompeu Brasil Frota explica que

“O primeiro texto legal sobre a matéria no país foi promulgado em 28 de abril de

1809, através de Alvará Régio baixado pelo Príncipe Regente Dom João no qual

afirmava a conveniência de que os inventores e introdutores de alguma nova

máquina e invenção nas artes gozassem de privilégio exclusivo por um prazo de 14

anos” (FROTA, 1993, p. 34).

A mesma autora ainda relata que a primeira lei especifica sobre patentes foi editada em 28

de agosto de 1830 pelo imperador Dom Pedro I. Contudo em 27 de agosto de 1945, Getúlio Vargas

promulgou o Decreto-Lei 7.903, sendo este o primeiro Código de Propriedade Industrial brasileiro

(FROTA, 1993, p. 35).

Page 25: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

24

Levando em consideração que neste período o Brasil iniciava a sua industrialização, o

referido decreto excluía de proteção patentária os produtos farmacêuticos e alimentícios. Ademais,

o modelo de substituição de importações procurava dar à recente indústria nacional de

medicamentos condições para, por meio da cópia de produtos patenteados, produzir localmente

medicamentos a custo inferior ao que seria de se esperar caso vigorasse o direito de patentes para

produtos farmacêuticos. Neste período a maioria dos países que se encontravam em estágio de

desenvolvimento mais avançados que o Brasil, proibia que certos produtos, como os farmacêuticos,

fossem patenteados. As constituições brasileiras de 1946, 1967, 1969 e 1988 passaram a ter

dispositivos que asseguravam aos inventores o privilégio legal de utilização de suas criações

(FROTA, 1993, p. 35).

No entanto, com a publicação do Decreto-Lei Nº 1.005 de 21 de outubro de 1969, que

instituiu o então Código de Propriedade Industrial, excluiu-se processos químico-farmacêuticos do

direito de patente, além de manter a exclusão, já existente, para medicamentos e alimentos. Em 21

de dezembro de 1971 foi promulgada a Lei Nº 5772, instituindo um novo Código de Propriedade

Industrial e mantendo a exclusão de processos e produtos farmacêuticos da proteção de patentes. Na

época, o governo brasileiro sustentou sua decisão de não incluir produtos farmacêuticos da proteção

de patentes, com argumentos de ordem econômica e social, apresentando a necessidade de produzir

medicamentos a preços baixos a partir de tecnologias desenvolvidas localmente com a cópia de

processos e produtos pesquisados no exterior (FROTA, 1993, p. 36).

A produção de medicamentos e a indústria farmacêutica são essenciais a qualquer país, pois

produzem produtos fundamentais para as populações, muitas vezes conflitando com princípios e

prioridades empresariais, tais como o lucro e o direito de produzir, ou não, determinado

medicamento em função do retorno financeiro que dele se pode auferir, bem como o direito de

monopolizar a apropriação do resultado de uma descoberta e dela obter lucro. A indústria

farmacêutica é dependente do setor farmoquímico, como um dos principais componentes da cadeia

produtiva. Por sua vez, o setor farmoquímico é o responsável pela produção das matérias primas

ativas, ou seja, os princípios ativos ou fármacos, que podem ser de origem sintética, biotecnológica

ou vegetal, animal ou mineral. Fármacos são substancias terapêuticas ativas que processados e

misturados, através de operações físicas, transformam-se em especialidades farmacêuticas (FROTA,

1993, p. 67).

A história da indústria farmacêutica no Brasil pode ser dividida em três períodos,

caracterizados pela tecnologia dominante em cada um deles: o primeiro se deu no início do século

XX, quando a produção farmacêutica brasileira originava-se em estabelecimento de cunho familiar,

Page 26: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

25

a partir da manipulação de substâncias naturais de origem vegetal, animal ou mineral, com

predominância da primeira; o segundo período de avanço do setor foi caracterizado pelo

desenvolvimento da tecnologia de produtos biológicos, devido à necessidade de combater surtos

endêmicos, como a epidemia de peste em Santos, no ano de 1889, que motivou a criação, por parte

do Governo Federal, de laboratórios capacitados para a pesquisa e produção de vacinas e soros

essenciais no controle das epidemias; e o terceiro e atual período teve início após a Segunda Guerra

Mundial, sendo marcado pela defasagem tecnológica entre a indústria farmacêutica brasileira e a

dos países mais avançados, no que concerne à pesquisa e desenvolvimento tecnológico (FROTA,

1993, p. 74).

Frota (1993) ainda menciona que a falta de capacidade de alocação de recursos para

pesquisa e desenvolvimento, por parte das indústrias brasileiras, e a estrutura essencialmente

familiar com gerenciamento centralizado e a inexistência de vínculo entre as indústrias nacionais e

as universidades e institutos de pesquisa, impedia, no passado, que o Brasil desenvolvesse novos

medicamentos. A produção brasileira na época era quase que exclusivamente de medicamentos

tradicionais e populares.

O Cenário Internacional em relação à produção de medicamentos

O momento de intensificação da proteção da propriedade intelectual em escala mundial

coincidiu com a disseminação da epidemia de HIV/AIDS no mundo. Tendo em vista o impacto

sócio demográfico e econômico dessa doença, capaz de atingir grandes dimensões nas regiões mais

pobres, o tema da AIDS não tardou a ser inserido na agenda internacional, não apenas como uma

questão de saúde pública, mas também de desenvolvimento humano. Apesar dos progressos

alcançados nas últimas décadas, o controle da epidemia de HIV/AIDS continua sendo um dos

grandes desafios no mundo atual (VITORIA, 2009).

A falta de infraestrutura do setor saúde no Brasil, no início da epidemia, também devida à

ausência de laboratórios com capacidade para diagnosticar os doentes e produzir medicamentos

para o combate e controle da infecção, apareceu como um dos grandes obstáculos no combate à

doença. Face ao custo elevado dos medicamentos utilizados no tratamento dos doentes e,

consequentemente, o seu acesso limitado à medicação, em curto espaço de tempo o regime da

propriedade industrial e o movimento de luta contra o HIV/AIDS entraram em colisão.

No entanto, a partir dos anos 1970, teve lugar uma série de mudanças no cenário

internacional que contribuiu para deslanchar um processo de reestruturação do regime da

Page 27: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

26

propriedade industrial. O crescimento da economia mundial e o desenvolvimento de bens e serviços

intensivos em informação possibilitaram a abertura de mercados competitivos com a presença de

novos atores. Nesse sentido, beneficiando-se de legislações mais flexíveis em matéria de

propriedade industrial, alguns países de industrialização recente, passaram a realizar investimentos

massivos em engenharia reversa para copiar e adaptar tecnologias que alcançaram posições de

destaque no mercado mundial. No entanto, empresas originárias de países desenvolvidos, em

especial dos Estados Unidos, alarmadas com as quedas em suas vendas, associaram as suas perdas

relativas de competitividade à observância dos direitos de propriedade industrial (ORSI, 2003).

Como consequência, os países produtores de fármacos passaram a considerar a defesa dos

direitos de propriedade industrial como estratégica nas relações de comércio, em vista da

necessidade de proteger pesados investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), conter a

expansão da indústria da “pirataria” e assegurar o prestígio de suas empresas. Nos anos 1980,

iniciou-se um movimento internacional pela mudança dos fóruns que regulam o regime da

propriedade intelectual. Diante de impasses no seio da Organização Mundial de Propriedade

Intelectual (OMPI) durante discussões visando o fortalecimento desses regimes, assim como da

ausência de um mecanismo capaz de, efetivamente, obrigar o respeito aos direitos de propriedade

industrial, os Estados Unidos, seguidos dos países europeus e do Japão, passaram a imputar sanções

bilaterais no comércio aos países considerados infratores (ORSI, 2003).

Atendendo ao forte lobby das indústrias químicas, farmacêutica e de informática, esses

países se mobilizaram em prol da inclusão do tema de propriedade industrial na agenda da Rodada

Uruguai (1986-1994) de discussão do Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas (GATT). Utilizando

como moeda de troca, concessões tarifárias nos outros setores de particular interesse dos países em

desenvolvimento, o grupo de países desenvolvidos colocou em marcha a negociação de um novo

tratado multilateral em matéria de propriedade intelectual, logrando impor regras mais rígidas

consoante ao padrão que já vigorava em suas leis internas. O TRIPS – Trade Related Aspects of

Intellectual Property Rights constituiu assim um dos acordos que integrou a Ata Final da Rodada

Uruguai, assinada em 1994, a partir da qual foi criada a OMC, como já mencionado.

O Acordo TRIPS institui padrões mínimos de proteção aos direitos de propriedade

intelectual que deveriam ser obrigatoriamente internalizados pelos países membros da OMC.

Ademais, ao adotar o vínculo entre propriedade intelectual e comércio, o TRIPS permitiu fazer uso

do mecanismo de solução de controvérsias da OMC, como meio de assegurar a observância às suas

normas, sob a ameaça de sanções contra os infratores em qualquer área de comércio. Estabeleceu-

se, portanto, a base para um regime rígido, amplo e uniforme. Neste contexto, as patentes, mais

Page 28: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

27

especificamente, estenderam-se a todos os setores tecnológicos, sem possibilidade de discriminação

quanto ao fato de os produtos serem importados ou produzidos localmente, por um período mínimo

de vinte anos a contar da data de depósito como disposto no art. 27 do Acordo TRIPS.

A única concessão feita foi no estabelecimento de períodos de transição diferenciados, de

acordo com os diferentes níveis de desenvolvimento socioeconômico dos países membros. O

Acordo TRIPS entrou em vigor em janeiro de 1995, tornando-se obrigatório para os países

desenvolvidos um ano depois. Os países em desenvolvimento e países de economia centralizada

tiveram até o início de 2000 para adaptar o Acordo às suas leis nacionais. Adicionalmente, para

países em desenvolvimento que, antes da assinatura do TRIPS, vedavam direitos de propriedade a

setores tecnológicos específicos, foi concedido um período de adequação às determinações do

acordo até 2005 para estenderem a proteção a esses setores. Os países menos desenvolvidos tiveram

até 2006 para internalizar o Acordo TRIPS, porém, para os produtos farmacêuticos, o prazo foi

estendido até 2016. Contudo, em agosto de 2013 este prazo foi estendido mais uma vez, até 2021,

de acordo com o Conselho do TRIPS, em um ato de reconhecimento em relação às necessidades

especiais e às limitações econômicas e financeiras dos países em questão, com intuito de fortalecer

suas bases tecnológicas 3 (MUSUNGU e OH, 2005).

Os países desenvolvidos seguiram pressionando pela adesão imediata dos demais países à

integralidade do TRIPS. No caso do Brasil, antes mesmo da assinatura do acordo, o país vinha

sofrendo sanções comerciais dos Estados Unidos, em virtude da não-patenteabilidade de produtos e

processos farmacêuticos expressa no Código da Propriedade Industrial de 1971. Em 1996, antes de

encerrar o período de transição, o Brasil acabou por ceder à investida norte-americana e aprovou

uma nova Lei da Propriedade Industrial (LPI), que antecipou, para 15 de maio de 1997, a

concessão de patentes no setor farmacêutico. Além disso, a LPI estabeleceu em caráter transitório,

disposto nos Arts. 230-231, um sistema denominado pipeline, permitindo o depósito de pedidos de

patentes cujo objeto não tivesse sido colocado em nenhum mercado, ou que terceiros não tivessem

realizado esforços para sua exploração no Brasil, com privilégios válidos pelo período

remanescente da patente concedida no país de origem, não excedendo vinte anos. Assim, não

apenas o Brasil abriu mão do período de transição previsto no Acordo TRIPS, como o sistema

pipeline possibilitou a proteção de conhecimentos que já se encontravam no domínio público

(ORSI, 2003).

3 Respuesta a las necesidades especiales de los países menos adelantados en materia de propiedad intelectual.

Disponível em: https://www.wto.org/english/tratop_e/trips_e/ldc_e.htm. (Acesso em 25/01/2015).

Page 29: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

28

Ainda que os países não estivessem obrigados a conceder um nível de proteção além do

preconizado pelo acordo, discussões visando o incremento dos direitos de propriedade intelectual

avançaram nos planos regionais e bilaterais, com a inclusão da matéria em acordos de comércio.

Esse movimento favoreceu a expansão desses direitos a novos campos, bem como a extensão do

período de proteção. As denominadas cláusulas TRIPS-plus, adotadas a partir de 2003, presentes

em acordos regionais e bilaterais de comércio, restringiram, ainda mais, o espaço de manobra para

que os países em desenvolvimento respondessem às demandas políticas internas. À medida que um

número maior de países aderiu às cláusulas, maior foi a tendência de sua incorporação ao regime

internacional, cujos impactos para a área de saúde pública mereceram cuidados especiais (ORSI,

2003).

Inicia-se neste mesmo período, a discussão da cobrança do compromisso dos países

desenvolvidos de incentivar a transferência de tecnologia aos países menos desenvolvidos, uma vez

que o fortalecimento do regime da propriedade industrial, em detrimento de flexibilidades

anteriormente previstas, ameaça colocar em cheque políticas públicas voltadas para o acesso a

tratamentos de saúde, sobretudo no caso de países em desenvolvimento e menos desenvolvidos.

A relação entre a produção de medicamentos e as patentes foi considerada uma batalha,

principalmente em países em desenvolvimento como o Brasil, envolvendo, de um lado, os grandes

laboratórios farmacêuticos internacionais e, de outro, o governo brasileiro, sendo deflagrada mais

explicitamente a partir de 2001, em torno dos custos dos antirretrovirais gratuitamente distribuídos

pelo Ministério da Saúde brasileiro aos portadores do HIV/AIDS, bem como da política de

medicamentos adotada pelo país em 1999. A importância da redução dos preços dos medicamentos,

no orçamento governamental e para os cidadãos, já se apresentava como objeto de controvérsias

envolvendo governo e indústrias nacionais e internacionais do setor farmacêutico desde então.

Surgiram tensões inerentes à propriedade industrial no que tange às tecnologias voltadas

para a produção de medicamentos que, invariavelmente, referiam-se à busca de um regime que

encorajasse investimentos em P&D e, ao mesmo tempo, não ameaçasse a sustentabilidade dos

programas públicos de saúde. A abertura do painel de arbitragem dos Estados Unidos contra a lei de

propriedade industrial brasileira junto à OMC e a ameaça, explicitamente colocada pelo então

Ministro da Saúde José Serra, em 2001, cuja intenção era declarar o interesse público de

medicamentos, como o Nelfinavir, com o intuito de provocar o licenciamento compulsório das

patentes de alguns outros medicamentos, foi um dos principais acontecimentos que favoreceram a

intensificação dessas discussões.

Page 30: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

29

O contexto da época desta ameaça, no ano de 2001, foi ainda reforçado com o argumento de

que tal questão não era comercial, mas sim humanitária, envolvendo uma epidemia mundial em que

grande parte dos doentes não tinha acesso a medicamentos. A preocupação com a sustentabilidade

futura do programa brasileiro de combate à AIDS também reforçou a questão, pois surgia a dúvida

se o governo poderia adquirir os novos ARVs que surgiriam a preço de mercado, reforçando a

discussão em torno de objetivos comerciais contra a política de intervenção regulatória.

Surgiu então a ideia de que, no longo prazo, a sustentabilidade do Programa Nacional de

DST/AIDS dependia da produção local de versões genéricas dos medicamentos distribuídos no SUS,

a fim de que o sistema não ficasse à mercê das flutuações cambiais ou da tecnologia estrangeira.

Um dos mais críticos eventos de 2001 foi a Conferência Ministerial da Organização Mundial

do Comércio, ao fim da qual foram definidos acordos nas mais variadas áreas de comércio, com

destaque para a Declaração de Doha sobre o Acordo TRIPS de 1994 que constituiu um marco

simbólico e legal de extrema importância, pois, a partir dela, os painéis e instâncias de apelação da

OMC deveriam interpretar os preceitos do Acordo de acordo com as necessidades públicas de saúde

de cada um dos países signatários. Ademais, a conferência também possibilitou um amplo debate

sobre o papel dos medicamentos genéricos e a questão das patentes na promoção do acesso à saúde

e na garantia da vida como direito humano fundamental.

Em relatório divulgado no dia 20 de fevereiro de 2001, o secretário-geral da ONU, Kofi

Annan, e o Programa das Nações Unidas de Combate à AIDS (UNAIDS), coordenado na época por

Peter Piot , elogiavam a política brasileira de luta contra a epidemia, ressaltando a produção local de

ARVs genéricos como um dos principais fatores de sucesso e a possibilidade legal de licenciamento

compulsório como um instrumento fundamental para a ampliação do acesso a medicamentos

(LOYOLA, VILLELA e GUIMARÃES, 2010).

No final de 2001, com as negociações em torno da Rodada de Doha, as controvérsias

envolvendo a propriedade intelectual de medicamentos e o acesso à saúde tomou novos contornos,

com a clara divisão de interesses internacionais, de um lado, por meio de países desenvolvidos

como Estados Unidos, Japão, Suíça e outros que eram contrários à revisão do TRIPS; e, de outro, os

países em desenvolvimento, liderados por Índia e Brasil, que buscavam negociar uma declaração

final que defendesse a incorporação de salvaguardas jurídicas com vistas a proteger a saúde pública

de seus cidadãos.

Em abril desse mesmo ano, em reunião da Comissão de Direitos Humanos da ONU, o Brasil,

representado pelo então ministro da saúde José Serra, conseguiu importante vitória na inclusão do

Page 31: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

30

acesso a medicamentos como direito inalienável da humanidade, com a aprovação de 98% dos

países presentes, fazendo com que tal conquista reforçasse a posição brasileira internacionalmente,

sobretudo na recomendação de que os países deveriam garantir o direito de dispor da capacidade

técnica e intelectual que lhes permitisse a produção nacional de medicamentos para a AIDS

(LOYOLA, VILLELA e GUIMARÃES, 2010).

Ainda em 2001, em sessão extraordinária da OMC, o documento final 4 incorporou as

principais ideias da proposta brasileira, tais como: 1) importância igual à prevenção e ao tratamento

da AIDS; 2) preços diferenciados dos medicamentos de acordo com o poder aquisitivo de cada país;

3) proteção e estímulo à produção local de medicamentos; 4) criação de um fundo mundial de

combate à AIDS, sendo que nesse fundo o Brasil não solicitaria nem forneceria recursos,

contribuindo apenas com know-how e suporte técnico.

Em suma, para Villela (2010), a denominada “economia dos medicamentos” foi

condicionada e alterada pela reformulação internacional das regras de propriedade intelectual

quando da criação da OMC em 1995. Nesse sentido, países que historicamente podiam copiar

medicamentos (a exemplo do Brasil) passaram a ter de se ajustar às imposições de patenteabilidade

na área farmacêutica, principalmente no que diz respeito à exportação e importação de genéricos e

na chamada “divisão de trabalho internacional” para a produção de medicamentos, que leva em

consideração os fluxos transnacionais de insumos farmacêuticos que foram afetados e enquadrados

pelo TRIPS.

O cenário foi favorável para que as organizações da sociedade civil, representantes do

governo e especialistas do Brasil e de outros países discutissem propostas para evitar que as

patentes continuassem a ser uma das principais barreiras para o acesso a medicamentos. Nesse

sentido, ativistas, advogados, estudantes, parlamentares e representantes de agências reguladoras

foram incitados a debater como proteger a saúde pública, sem necessariamente desrespeitar as

regras do TRIPS, buscando interpretações possíveis do acordo, bem como explorando suas

flexibilidades previstas pela Declaração de Doha, de modo a prevalecer às questões humanitárias e

não o lucro e a encontrar um equilíbrio entre os direitos de propriedade industrial e os direitos dos

pacientes com HIV/AIDS.

4O documento se refere a Declaração Ministerial de Doha relativa ao Acordo sobre os TRIPS e a Saúde Pública de 14

de novembro de 2001.

Page 32: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

31

Produção de Medicamentos e Propriedade Intelectual (Brasil e Moçambique)

A produção local de genéricos é considerada estratégica pelos países de renda média e baixa,

contudo existem poucos investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos

nesses países. Apesar dos genéricos estarem livres da proteção patentária, continuam dependentes

da matéria prima e de insumos não disponíveis localmente.

As indústrias farmacêuticas públicas de alguns países em desenvolvimento, como o Brasil,

possuem limitações para a produção de medicamentos, uma vez que dependem da utilização de

flexibilidades em torno do uso de patentes expiradas, o que significa também dependência de

inovações produzidas no exterior e, portanto, questões que envolvem os direitos de propriedade

intelectual, que abrangem diferentes etapas do processo produtivo (PINHEIRO, 2010; ROSINA;

SHAVER, 2012).

Com a globalização, grande parte dos países do mundo tornou-se mais ou menos dependente

do capital e dos interesses dos países dominantes. No Brasil, como em outros países da América do

Sul que se industrializaram mais tardiamente, essa dependência tornou-se estrutural no que diz

respeito à maior parte dos setores industriais, entre eles o da produção de fármacos. Ao final da

década de 1980, cerca de 80% do mercado brasileiro de especialidades farmacêuticas era controlado

por subsidiarias de empresas multinacionais (LOYOLA, 2010).

Ao dificultar o investimento na instalação de laboratórios locais para a pesquisa e

desenvolvimento (P&D) de novos produtos, algumas empresas impedem a evolução tecnológica

dos países onde suas filiais estão instaladas os quais se tornam consumidores cativos dos fármacos

produzidos nas matrizes, situadas nos países centrais, em geral no denominado “Norte geopolítico”

do mundo, criando assim uma situação de perpetuação da dependência tecnológica para países

periféricos (ou do Sul geopolítico), principalmente nas regiões mais carentes, como a África e a

América do Sul.

Nesse contexto, as negociações com empresas multinacionais e transnacionais nessa área

ocorrem num espaço particularmente conflitivo no qual interagem argumentos legais, sociais,

políticos, econômicos e tecnológicos, constantemente invocados em função dos interesses dos

diversos atores envolvidos no processo (laboratórios transacionais e nacionais, governantes,

burocratas, técnicos, médicos, farmacêuticos, parlamentares, entre outros) dificultando às vezes a

formulação e principalmente a implementação de uma política coerente e eficaz para atender as

demandas locais por medicamentos (LOYOLA, 2010).

Page 33: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

32

Dessa forma, a questão do acesso a medicamentos ultrapassou fronteiras nacionais,

tornando-se objeto de amplo debate na agenda internacional, enfatizando-se a necessidade do

investimento na produção pública de medicamentos.

Sendo assim, a questão da proteção dos direitos de propriedade intelectual dos produtos

farmacêuticos reveste-se de caráter especial, pois grandes empresas multinacionais consideram as

patentes no setor farmacêutico como instrumento central de sua estratégia. Identifica-se o choque de

interesse no momento em que as grandes empresas multinacionais buscam assegurar que produtos

farmacêuticos sejam protegidos em todos os países, principalmente aqueles com mercado

consumidor expressivo, através da criação de padrões de proteção mundial rígidos e uniformes

(FROTA, 1993, p. 82). O mesmo autor ainda informa que alguns países preferem manter a

soberania de suas decisões quanto a conceder ou não patentes para produtos farmacêuticos e,

quando a concedem aplicam padrões específicos de proteção em suas legislações nacionais.

Torna-se importante ressaltar que as patentes podem ser concedidas tanto para o processo de

fabricação, quanto para o produto final. As empresas multinacionais consideram que ambas as

proteções são importantes, uma vez que, com uma pequena modificação em processo patenteado, é

possível chegar ao produto final, caso este não esteja também protegido pelas patentes.

A indústria farmacêutica é um setor em que é possível observar a correlação entre grau de

desenvolvimento e o de patenteabilidade, uma vez que o primeiro se define pela existência de uma

indústria farmacêutica local, de uma indústria farmoquímica, real ou potencial, e pela capacidade

local de pesquisa e desenvolvimento (FROTA, 1993).

No Brasil, a Constituição Federal, promulgada em outubro de 1988, manteve o princípio de

proteção à propriedade intelectual no seu artigo 5º, inciso XXVIII, que assegura nos termos da lei:

a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e às participações da imagem e voz

humanas, inclusive nas atividades desportivas; b) o direito de fiscalização do aproveitamento

econômico das obras que criarem, ou de que participarem, aos criadores, aos intérpretes e às

respectivas representações sindicais e associativas e, no inciso XXIX, que a lei assegurará aos

autores de inventos industriais privilégio temporário para a sua utilização, bem como proteção às

criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e de outros signos

distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país

(FROTA, 1993, p. 36).

A mesma autora explica que o Código de Propriedade Industrial brasileiro de 1971 já definia

que para ser concedida a patente, é preciso que sejam preenchidos os seguintes requisitos: “a) a

Page 34: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

33

patente deve ser “nova”, isto é, não estar compreendida no estado da técnica na data do depósito do

pedido, ou seja, não ter sido dada a conhecer publicamente por qualquer forma de comunicação; e

b) deve ser “útil”, isto é, ter aplicação industrial, e representar um “avanço inventivo”, ou seja, uma

criação original de algo que, para um conhecedor da matéria, não seja uma decorrência do estado da

técnica” (FROTA, 1993, p. 38).

O mesmo texto legal considerava como matéria não patenteável produtos químico-

farmacêuticos e medicamentos e seus processos de obtenção e modificação, no entanto, com a

promulgação da Lei nº 9279/96 (Lei da Propriedade Industrial – LPI), formulada para incorporar

resoluções contidas no TRIPS, revogaram-se tais proibições, com base no parágrafo 1º do artigo 27

do dito Acordo, o qual estabelece que a proteção patentária deve abranger qualquer invenção em

todos os setores tecnológicos, com usufruto dos direitos patentários, sem discriminação quanto ao

local de invenção e ao fato dos bens serem importados ou produzidos localmente.

Contudo, instrumentos jurídicos nesta mesma lei tentam amenizar essa situação como

licenciamento compulsório em casos de abuso do poder econômico, falta de exploração comercial,

emergência nacional ou interesse público (JANNUZZI, VANCONCELLOS e SOUZA, 2008).

No caso de Moçambique, o país é signatário da OMC desde 1994 e vem se adequando

gradativamente às regras do TRIPS, sendo que estas estavam previstas para vigorar em relação a

produtos farmacêuticos em 2016, embora decisão do Conselho do TRIPS na OMC tenha facultado

aos países em desenvolvimento a extensão do período de adequação para 2021, como já

mencionado.

Ademais, o referido país africano vem praticando atos de ratificação de Tratados, Acordos e

Convenções vigentes, como a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e o Acordo

e Protocolo de Madrid, em 1996, a Organização Regional de Propriedade Intelectual de Países da

África (ARIPO), em 1999, a Convenção da União de Paris (CUP), em 1997 – Revisão de

Estocolmo em 1967 e o Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT) em 1999

(AMARAL, 2014).

Com a aprovação do Código da Propriedade Industrial – Decreto nº 18/99 de 4 de maio – foi

criado o primeiro instrumento jurídico de proteção dos direitos da propriedade intelectual pós-

TRIPS no território moçambicano. No entanto, tal decreto foi revogado pelo Decreto nº 4/2006 de

12 de abril adequando a legislação interna moçambicana às transformações impostas ao setor no

âmbito nacional, regional e internacional (AMARAL, 2014).

Page 35: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

34

Por outro lado, com a adesão de Moçambique ao Acordo de Harare em 2000, tornando-se

membro da Organização Regional de Propriedade Intelectual de Países da África (ARIPO), o

trâmite de depósito das patentes no país se dá a partir do depósito realizado no escritório da

organização, diretamente ou através do depósito internacional, utilizando o Acordo de Cooperação

em Matérias de Patentes (PCT), ou ainda no próprio Instituto de Propriedade Intelectual

moçambicano.

Desta forma, Moçambique encontra-se inserido no Sistema de Propriedade Industrial

Internacional do TRIPS, concedendo proteção por patente para produtos e processos farmacêuticos

de acordo com a alínea g do Artigo 30 do Código de Propriedade Industrial moçambicano,

promulgado em 2006. Ademais, a fabricação de medicamentos no país é prevista no artigo 85 da

mesma lei, no caso das Licenças Obrigatórias utilizadas para invenções de primordial importância

para a Saúde Pública, defesa nacional e desenvolvimento econômico e tecnológico.

Insumos de Medicamentos e Patentes

A produção dos laboratórios públicos em geral, assim como de Farmanguinhos, limita-se a

medicamentos genéricos acabados. No Brasil não há uma produção pública de farmoquímicos,

fazendo com que os laboratórios oficiais tenham que adquirir todas as matérias primas

(especificamente os princípios ativos) de que necessitam para produzir seus medicamentos em

indústrias farmoquímicas privadas.

No caso do Brasil, um dos maiores problemas para a maior eficiência da rede pública de

medicamentos está na fragilidade da indústria farmoquímica nacional. O Brasil dispõe de um

segmento industrial farmacêutico, compostos por laboratórios públicos e privados, que na sua

maioria depende de importações de insumos. Nesse sentido, a produção dos laboratórios oficiais

brasileiros necessita de apoios e parcerias com o setor farmoquímico privado, nacional e

internacional, para a produção local de produtos de alto valor agregado e grande impacto sanitário e

social (COSTA, 2008).

O enfraquecimento da maior parte do parque farmoquímico brasileiro nas últimas décadas

resultou, em boa parte, da aprovação da Lei de Propriedade Industrial (em 1996), em especial no

Page 36: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

35

que se refere ao instituto do pipeline5 e liberalização comercial, trazendo desvantagens competitivas

para a indústria brasileira pública e privada (COSTA, 2008).

Diante disso, a proteção patentária de insumos no campo da saúde também surge como tema

na agenda nacional e internacional (desde a Declaração de Doha, em 2001), tendo em vista o

interesse governamental dos países em desenvolvimento de que a inovação no campo farmacêutico

possa promover melhorias terapêuticas, sanitárias e o maior acesso da população a essas novas

tecnologias (PINHEIRO, 2010).

Segundo Pinheiro (2010, p. 10),

“O uso de tecnologia que estiver sob patente vigente no território nacional está

condicionado à autorização pelo proprietário da patente ou ao uso de disposições

legais que permitam a utilização de tal tecnologia sem a referida autorização, como

nos casos de concessão de licença compulsória e do uso dos ensinamentos

patenteados em pesquisa para a produção de informações e dados visando à

solicitação de registro para comercialização de produtos. Contudo a tecnologia que

não estiver patenteada no país está disponível para uso, fazendo com que os

insumos de vários medicamentos antirretrovirais produzidos por laboratórios como

Farmanguinhos já estejam em domínio público no Brasil.

A abrangência da proteção patentária obedece a uma escala hierárquica. Nesse

sentido, a mais ampla é aquela propiciada pela patente de um novo produto, na

medida em que qualquer que seja o uso e qualquer que seja o processo de

fabricação do produto, a exploração do produto estará impedida por outro que não

seja o proprietário da patente. A segunda maior abrangência é proporcionada pelo

processo de obtenção do produto, porque o produto obtido diretamente do processo

patenteado também estará protegido pela patente. A proteção conferida ao uso

patenteado de um produto é considerada de menor abrangência, mas é importante

ressaltar que muitas decisões judiciais beneficiam os proprietários de patentes

dessa categoria.”

Segundo a mesma autora, o uso de patentes pode se aplicar às novas formulações, processos

de produção de novas formulações e similares no processo produtivo de medicamentos

antirretrovirais, segundo determinados critérios (Quadro I).

5O Pipeline era um instituto que objetivava trazer ao sistema jurídico brasileiro os pedidos de patente depositados no

exterior ou no Brasil que não poderiam ser concedidos devido às proibições do Código de Propriedade Intelectual

brasileiro - Lei Nº 5772/71.

Page 37: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

36

QUADRO I – Critérios de seleção de patentes/pedidos de patente brasileiras

candidatas a licenciamento e de informação contida em documentos de patente

ABRANGÊNCIA DA

PATENTE

CRITÉRIOS

Composto Cabem patentes e pedidos de patentes referentes ao composto em si, como

Efavirenz, por exemplo.

Processo de obtenção

do composto

Cabem patentes e pedidos de patentes referentes ao processo de obtenção do

composto em si ou aos processos aperfeiçoados de obtenção do composto em

si. Cabem também no processo ou aperfeiçoamento de processo para obtenção

de família de compostos como ARVs, por exemplo, desde que mencionando

especificamente os princípios ativos.

Intermediários na

obtenção de

compostos

Cabem patentes e pedidos de patentes referentes a intermediários para a

obtenção de famílias de compostos como ARVs, desde que estejam

mencionados especificamente os princípios ativos.

Formulações Cabem patentes e pedidos de patentes referentes a composições baseadas nos

princípios ativos.

Fonte: Retirado de Pinheiro (2010, p. 11).

A proteção patentária é uma das dimensões a serem enfrentadas para a produção pública

de medicamentos. A seguir, serão abordadas as questões implicadas na aquisição e na produção

de medicamentos na esfera pública.

Page 38: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

37

CAPÍTULO III – ESPECIFICIDADES DA PRODUÇÃO PÚBLICA DE MEDICAMENTOS

Desafios para produção pública de medicamentos

A busca de soluções para o problema da produção local de medicamentos e da implantação

da tecnologia apropriada para tal nos países em desenvolvimento exige o detalhamento de diversos

aspectos que envolvem diferentes setores governamentais. Sendo assim, não é possível tornar o

medicamento acessível às populações desses países pela aplicação de políticas isoladas, pois a

atuação do governo deve ser coordenada com outras estratégias complementares que incluem,

inclusive, o fortalecimento dos sistemas de saúde.

Para que sejam criadas as condições favoráveis ao acesso a medicamentos em países em

desenvolvimento, torna-se preciso estabelecer uma regulação de preços adequada ao atendimento da

demanda que pode ser obtido a partir de alguns procedimentos (FAR-MANGUINHOS, 2002, p.38):

• Processo de compras governamentais;

• Estabelecimento de preços de referência (preço máximo) para cada medicamento;

• Produção de genéricos (medicamentos não patenteados);

• Leis para reduzir o poder de estruturas oligopolizadas ou monopolizadas, como lei antitruste

por exemplo;

• Negociação com produtores de medicamentos patenteados para a redução dos preços;

• Negociação com proprietários de patentes para a produção local (licença voluntária);

• Concessão de licença compulsória para produção local na ausência de entendimento com o

proprietário da patente.

A Produção pública de medicamentos exige também o cumprimento de “Boas Práticas de

Fabricação”, e para atingi-las é preciso esforços técnicos e investimentos em: 1) reformas fiscais; 2)

aquisição de equipamentos; 3) capacitação de recursos humanos em áreas técnicas específicas,

como o desenvolvimento farmacotécnico; 4) qualificação e validação de processos e de limpeza, de

equipamentos, de metodologias analíticas; 5) avaliação da qualidade de todos os lotes de matérias-

primas, por meio de sistemas estatísticos apropriados dentre outros (GOMES, CHAVES e

NINOMYA, 2008).

No entanto, o cumprimento dessas exigências, juntamente com outras requeridas para o

registro (ou manutenção do registro já existente), tanto dos medicamentos genéricos quanto dos

Page 39: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

38

similares, tem sido cada vez mais rigorosa. Na medida em que aumenta a exigência de qualidade do

medicamento, aumenta também o rigor no controle do processo produtivo, o que requer

equipamentos mais modernos, mais sensíveis e, consequentemente, a demanda por insumos de

qualidade que se ajustem às especificações desses equipamentos (RDC 17/2010).

No que diz respeito ao processo produtivo, os principais desafios são enumerados pelos

autores: espaços físicos limitados para ampliação e adequação da área produtiva às normas

sanitárias; gestão do conhecimento desestruturada ou mesmo inexistente; ausência de um sistema de

gestão integrado; e dificuldade de retenção de recursos humanos devido à defasagem salarial em

relação ao mercado e a vínculos institucionais frágeis, principalmente nos quadros relacionados

com pesquisa e desenvolvimento (GOMES, CHAVES e NINOMYA, 2008).

Ademais, autores como Paulo Bastos Tigre (2006) defendem que a capacidade para

aperfeiçoar e adaptar um novo produto ou processo às condições específicas de um setor ou país é

fundamental para o sucesso da difusão tecnológica de um projeto. A difusão de novas tecnologias

está diretamente associada ao desenvolvimento de novas capacidades cognitivas para solucionar

problemas na introdução, otimização e adaptação de tecnologias específicas a seu ambiente de

trabalho e depende de fatores condicionantes que atuam tanto de forma positiva, no sentido de

estimular a adoção, quanto negativa, restringindo seu uso (TIGRE, 2006).

Tais fatores condicionantes podem ser (TIGRE, 2006, p. 82-85):

• Técnicos, uma vez que quanto mais complexa a tecnologia, maior será a necessidade de

suporte técnico para a solução de problemas, pois na medida em que uma tecnologia se

difunde, surge a necessidade de desenvolvimento de um conjunto de outras tecnologias

complementares para apoiá-las incluindo a incorporação de novas rotinas, procedimentos e

informações técnicas que para serem efetivamente adotadas, dependem da capacidade dos

recursos humanos de transformar informações em conhecimento.

• Econômicos, levando em conta que o ritmo de difusão depende dos custos de aquisição e

implantação da nova tecnologia, assim como das expectativas de retorno do investimento.

• Institucionais, que podem condicionar a difusão tecnológica em questões como

disponibilidade de financiamentos e incentivos fiscais, sistemas de propriedade intelectual e

existência de capital humano e instituições de apoio, estratificação social, cultural, de

religião. Marco regulatório e regime jurídico do setor ou do país como um todo.

Ademais, a difusão de novas tecnologias traz em seu bojo consequências positivas e

negativas para diferentes setores da economia e da sociedade, com impactos de diversas ordens: a)

Page 40: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

39

econômicos, levando em conta que a difusão de novas tecnologias pode afetar a estrutura industrial,

destruir e criar empresas e setores afetando o ritmo de crescimento econômico e a competitividade

de empresas e países; b) sociais, relacionados com o volume de empregos perdidos ou ganhos com

a difusão de inovações, mas também em mudanças nas qualificações requeridas dos trabalhadores; e

c) ambientais, influenciando a difusão de novas tecnologias diante das preocupações da sociedade

com a preservação do ar, da água, dos recursos naturais, da poluição ambiente, entre outros fatores.

Nesse sentido, para uma boa incorporação de tecnologia visando à produção pública de

medicamentos se fazem necessários vários fatores.

Com base na experiência de Farmanguinhos, para uma produção pública de genéricos é

fundamental: i) banco de dados com listas de instituições capacitadas para realizar estudos de

bioequivalência e de biodisponibilidade e de análises de qualidade; fornecedores de matéria-prima e

procedimentos de Boas Práticas de Fabricação; ii) política de favorecimento da importação de

princípio ativo em vez do produto final; iii) ambiente favorável ao desenvolvimento da indústria

farmoquímica, incluindo incentivos para a sua implantação, concessão de financiamentos,

estabelecimento de parcerias com organizações do setor público para a realização da engenharia

reversa e estudos de bioequivalência e de biodisponibilidade (FAR-MANGUINHOS, 2002; RDC

57/2009).

Produção Pública de Medicamentos no Brasil: Breve Panorama

Desde a década de 1960 o Brasil vem elaborando e tentando colocar em prática uma política

de medicamentos que, num mercado predominantemente oligopolizado e dominado pelas empresas

farmacêuticas multinacionais, garanta o acesso da população aos medicamentos essenciais, pois

grande parte dela está excluída desse acesso.

No entanto, a criação da Central de Medicamentos (CEME) em 1971 foi decisiva para que o

governo brasileiro realizasse atividades relacionadas à assistência farmacêutica e ao abastecimento

de medicamentos essenciais à população de forma planejada e organizada, pois a sua atuação se

dava de forma coordenada nos campos da pesquisa e incentivo do desenvolvimento de fármacos,

produção, padronização, aquisição e distribuição de medicamentos.

Em 1976, foi criada a Relação Nacional de Medicamentos Básicos (RMB) que no ano

seguinte foi atualizada e denominada Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME).

Em 1987, a CEME lançou o Programa de Farmácia Básica que constava de uma seleção de vários

itens de medicamentos integrantes da RENAME destinados ao uso ambulatorial. No entanto neste

Page 41: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

40

mesmo ano, o Governo Federal desativou a CEME e suas competências, planos e programas foram

sendo aos poucos assumidos por várias instâncias do Ministério da Saúde também pelos estados e

municípios.

Em 1998, foi promulgada a Política Nacional de Medicamentos (PNM) e por meio desta o

Ministério da Saúde fazia a articulação de um conjunto de atividades que envolviam desde o

desenvolvimento de recursos humanos e tecnológicos até a promoção do acesso da população aos

medicamentos essenciais. Nesse mesmo período é ressaltada a responsabilidade dos laboratórios

públicos de se constituírem como produtores de medicamentos essenciais e como referência de

preços, custos e qualidade de produção.

Em seguida foi criada a Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil

(ALFOB) que atualmente conta com 18 laboratórios de portes variados com características técnicas,

administrativas e financeiras distintas vinculadas aos governos federal, estaduais e universidades.

No entanto, a produção pública de medicamentos adquiriu uma maior visibilidade em

consequência da atividade regulatória desenvolvida no estabelecimento de limites aos preços de

medicamentos no combate a AIDS (OLIVEIRA, LABRA e BERMUDEZ, 2006). A partir de 1997

o MS adotou uma estratégia de produção local de medicamentos não patenteados com vistas ao

abastecimento do Programa de Distribuição Universal de Tratamento contra a AIDS, que incluía

Farmanguinhos.

Produção de Genéricos em Farmanguinhos e a Formulação de uma Política de Medicamentos

no Brasil

A década de 1980 foi marcada pela maior visibilidade e entrada em cena do movimento pela

reforma sanitária, durante a transição democrática, cujas ações, por um lado, influenciaram

formulação de novas políticas públicas na área de saúde e, por outro, contribuíram para aprofundar

os conflitos entre os interesses nacionais e os das multinacionais (LOYOLA, 2010). Esse

movimento conduziu à criação do Sistema Único de Saúde (SUS), incluído na nova Constituição de

1988 como “direito do cidadão e dever do Estado” e implantado por meio da Lei Orgânica

8.080/1990, devendo se constituir numa rede nacional de serviços de atenção à saúde

regionalizados, hierarquizados e descentralizados.

Outros movimentos sociais se articularam e convergiram nesse processo de reforma setorial

no Brasil, destacando-se entre eles o movimento feminista e o dos portadores de HIV/AIDS e

grupos de risco, que englobava também Organizações Não-governamentais articuladas

Page 42: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

41

internacionalmente. Cabe destacar que as principais mudanças políticas e econômicas ocorridas nos

anos 1990, como a abertura da economia, a lei de patentes, a lei sobre a distribuição gratuita de

medicamentos para os portadores de HIV/AIDS, e outras, levaram o Ministério da Saúde do Brasil

a estabelecer uma política em que a fabricação de genéricos nacionais se tornou fundamental,

sobretudo no período entre 1998 e 2002 (LOYOLA, 2010).

A introdução dos medicamentos genéricos no Brasil por meio da Lei 9787/1999 ocorreu em

paralelo ao desenvolvimento de uma política pública de combate à AIDS, que se caracterizou por

abordar não apenas os aspectos preventivos da transmissão da doença, mas também aqueles

referentes ao seu tratamento. Nesse sentido foram desenvolvidas, por parte do Estado, algumas

estratégias com o objetivo de estabelecer certo controle sobre o setor de medicamentos,

principalmente em relação às pressões vindas dos laboratórios farmacêuticos multinacionais

(LOYOLA, 2010).

A luta contra a AIDS no Brasil se desenvolveu em diversas frentes: no aspecto legal, com as

batalhas travadas em torno dos direitos de propriedade na área farmacêutica (licenças voluntárias e

compulsórias de medicamentos antirretrovirais), iniciadas em 2001, e que prosseguem até os dias

atuais, bem como nos aspectos industriais, científicos e governamentais, por meio de políticas e

programas de saúde pública (CORRÊA e CASSIER, 2010). O Programa Nacional de Doenças

Sexualmente Transmissíveis e AIDS (DST/AIDS) foi criado em 1986 e, a partir de 1996 institui a

distribuição gratuita de medicamentos para os portadores da doença.

Nesse contexto, diante da necessidade de organizar a distribuição gratuita de medicamentos

contra o HIV/AIDS, o Ministério da Saúde (MS) mobilizou o Instituto de Tecnologia em Fármacos

– Farmanguinhos (unidade fabril da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz) para o lançamento da

produção de medicamentos antirretrovirais (ARVs), conferindo ao Estado o papel não apenas de

distribuidor, mas também de produtor de insumos para a saúde e de indutor de iniciativas

industriais, atuando na economia política na área farmacêutica no país.

Farmanguinhos desenvolveu a tecnologia de síntese e formulação da maioria dos ARVs por

meio da duplicação por engenharia reversa, sendo este um processo de aprendizado tecnológico

(learning by doing) originado dos programas de cópia que vieram a reforçar a capacidade de P&D

de alguns laboratórios públicos e privados brasileiros. Estes, por sua vez, também foram

beneficiários neste processo e receberam subsídios do Estado, que promoveu a articulações entre

eles, visando a troca de informações técnicas entre atores industriais e do campo científico. A cópia

de medicamentos representa um caminho de aquisição de conhecimentos e tecnologia, uma vez que

Page 43: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

42

a necessária “reinvenção”, ainda que parcial das moléculas e dos modos de fabricação do

medicamento exige um processo de aprendizado tecnológico (CORRÊA e CASSIER, 2010).

A química Eloan Pinheiro, então diretora-executiva de Farmanguinhos, já vinha desde 1993

reativando o laboratório para a produção de “medicamentos essenciais” e explicava que cerca de

80% a 90% das somas investidas em P&D de um medicamento destinavam-se à publicidade,

defendendo, portanto que o preço de um medicamento poderia ser reduzido de forma significativa

(LOYOLA; VILLELA; GUIMARÃES, 2010).

Farmanguinhos foi incumbido do desenvolvimento tecnológico de produtos pelos quais o

Ministério da Saúde pagava preços muito elevados, porque eram de fabricação exclusiva de alguns

laboratórios internacionais, principalmente os ARVs, passando a abastecer destes a demanda dos

estados, como começou também a trabalhar no desenvolvimento tecnológico de alguns fármacos

que tiveram, em função disso, seus preços de mercado significativamente reduzidos.

No período entre 1997 a 2002, a produção local em Farmanguinhos possibilitou ao

Ministério da Saúde economizar cerca de R$ 492 milhões no gasto com medicamentos, às custas da

redução dos preços dos ARVs, tornando-se o laboratório estratégico para a execução da Política

Nacional de medicamentos, passando a ter papel importante na troca e difusão de tecnologia entre

laboratórios oficiais e apoiando o monitoramento de preços pelo Ministério de Saúde (LOYOLA,

2010).

Ressalta-se que a associação entre as ações dos serviços de saúde (prevenção, diagnóstico e

tratamento) e a produção local de ARVs, com distribuição gratuita e garantia de acesso aos

medicamentos pelos pacientes foi uma inovação política brasileira no combate à epidemia de

HIV/AIDS, agregando diversos fatores nas áreas de conhecimentos relacionados ao aprendizado

tecnológico advindo dos programas industriais de cópia de fármacos e fabricação de medicamentos

por laboratórios nacionais como Farmanguinhos.

O PN-DST/AIDS teve papel fundamental não só na redução da mortalidade por AIDS, mas

também na liderança, coordenação e formulação de uma política de medicamentos que alterou a

relação entre o governo e as multinacionais e tornou possível, mais tarde, a promulgação da lei de

genéricos no país.

A participação da sociedade civil organizada no combate à epidemia da AIDS foi outro

destaque importante da resposta brasileira compreendendo tanto a participação, ainda que complexa

e contraditória, das igrejas de diferentes credos, principalmente a Igreja Católica, bem como

Page 44: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

43

associações profissionais e filantrópicas, de intelectuais, juristas e jornalistas entre outros

(LOYOLA, 2010).

Além disso, ao contrário das doenças mais comuns que atingem grande parte da população

brasileira, o combate à epidemia teve como base um forte e ativo movimento da sociedade civil,

fortalecido pelo ativismo de representantes dos estão chamados “grupos de risco”. Ademais, muitos

portadores de HIV/AIDS eram pessoas de classe média e alta ou com maior visibilidade, como

artistas, costureiros, cabeleireiros e outros indivíduos com maior acesso aos meios de comunicação

de massa, tais como rádio, televisão, jornais e revistas, capazes de despertar o interesse, formar

opinião e contribuir para tornar a doença mais conhecida, contribuindo também para divulgar as

ações de ONGs e movimentos sociais defensores dos direitos à saúde dos portadores de HIV/AIDS.

O Brasil aos poucos se consolidou como referência internacional no combate a AIDS, sendo

considerado exemplo de sucesso por sua política de distribuição universal e produção local de

ARVs genéricos, forçando a queda de seus preços e ampliando o acesso a eles como base concreta e

logística para o fornecimento de medicamentos.

No entanto, para manter o fornecimento universal aos pacientes contaminados pelo vírus da

AIDS, o governo brasileiro, por meio de Farmanguinhos, enfrentou como principais desafios: I)

proceder à engenharia reversa dos medicamentos antirretrovirais, bem como desenvolver a

metodologia para a obtenção dos dados e realização dos testes para aprovação de produtos para a

comercialização e para produzir os medicamentos não patenteados no país; II) negociar licenças

voluntárias de exploração para usar patentes em vigor no Brasil; III) criar ambiente internacional

favorável à aplicação de licença compulsória nos casos em que a negociação de licença voluntária

não for bem sucedida (FAR-MANGUINHOS, 2002).

Tais ações levaram a forte reação da indústria farmacêutica por meio de ações na justiça e

das representações diplomáticas dos países detentores do monopólio dos medicamentos Efavirenz

da Merck e Nelfinavir da Roche (LOYOLA, VILLELA e GUIMARÃES, 2010). As fragilidades do

então Sistema Nacional de Vigilância Sanitária como órgão recém criado e a divulgação

insuficiente junto à população da equivalência entre os medicamentos genéricos e os de marca, bem

como conflitos entre o Programa Nacional/MS de um lado e as firmas farmacêuticas internacionais

de outros relacionados às negociações de preços que ocorriam de forma constante no período

também se mostraram como desafios.

Na medida em que a produção local de medicamentos contra AIDS aumentou, os gastos

reduziram significativamente, porém tal processo foi freado e invertido com a introdução do

Page 45: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

44

chamado coquetel de drogas de novos ARVs patenteados que não puderam ser produzidos no país,

salvo sob licença compulsória.

A entrada dos medicamentos genéricos no mercado brasileiro, apoiada por uma política

industrial adequada, foi uma oportunidade para diminuir a dependência da importação de fármacos

e medicamentos e reduzir o grau de concentração econômica nos mercados relevantes. Na época o

então Ministro da Saúde José Serra enfrentou ainda os laboratórios multinacionais no que ficou

conhecido na mídia, como a guerra das patentes, na verdade, uma ameaça de licença compulsória

que se tornou credível graças à capacidade demonstrada por Farmanguinhos de realizar a

engenharia reversa de medicamentos patenteados (LOYOLA, 2008).

Para o estabelecimento de uma política de genéricos foram necessários três parâmetros: a) as

maiores demandas de medicamentos em nível geral; b) os programas que o Ministério, secretarias

estaduais e municipais financiam e; c) os gargalos que tecnologicamente colocam o Brasil na

dependência do mercado externo. Após isso foram traçadas as linhas básicas de um reforço

tecnológico que permitiu alavancar a indústria brasileira a começar pelas questões das patentes, tais

como: a) fortalecimento dos dispositivos legais e econômicos que assegurem a aplicação de licenças

compulsórias, caso se faça necessária; b) incentivo e estabelecimento de parcerias público/privado,

a fim de que se alcance uma capacitação tecnológica de excelência em P&D de modo a estimular a

obtenção crescente de novas patentes nacionais; c) fortalecimento do mercado interno e estímulo à

produção e pesquisa locais (FAR-MANGUINHOS, 2002).

Por fim, não se pode relegar a questão tarifária, dentro da política de estímulo à produção

interna, levando em consideração que impostos e taxas não se prendem somente aos aspectos

econômicos, mas também à consolidação de um setor, cuja relevância social é inquestionável, existe

a necessidade de se induzir um tratamento de incentivos para pelo menos: a) a produção de

fármacos no país; b) regulação dos preços dos medicamentos onde esses insumos são utilizados; c)

garantia da qualidade dos insumos terapeuticamente ativos, através do registro e fiscalização pela

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) (FARMANGUINHOS, 2002).

Em comparação com outros países, a lei brasileira de patentes é considerada bastante rígida,

pois dentre vários dispositivos, ela antecipou em dez anos o período de transição previsto pelo

Acordo TRIPS para a inclusão de medicamentos no rol de bens patenteáveis, do qual a Índia, por

exemplo, ao contrário do Brasil, soube aproveitar. Ademais, a LPI ainda reconheceu as patentes

retroativas requeridas no exterior antes da vigência da lei brasileira – através do dispositivo

conhecido como pipeline – embora exista a previsão da possibilidade de licenciamento compulsório

Page 46: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

45

de uma patente concedida no Brasil, dentre outros motivos, nos casos de abuso do poder econômico

quando o produto não é fabricado em território brasileiro após três anos de concessão da patente ou

interesse público (Art. 68, LPI).

Os recursos orçamentários para a compra de ARVs e as normas para a sua aquisição e

distribuição foram asseguradas pelo Decreto n. 9.313 de 1996, conhecido como Lei Sarney que

garantiu a todos os pacientes infectados pelo HIV o direito ao acesso gratuito a toda medicação

necessária a seu tratamento e determinou que os critérios para tal tratamento fossem estabelecidos

pelo Ministério da Saúde.

Pouco depois, foi aprovada na Assembleia Mundial de Saúde promovida pela OMS contra a

vontade dos Estados Unidos, a Declaração de Doha que era defendida pela delegação brasileira e

preconizava o acesso a medicamentos para pacientes de AIDS como uma questão de saúde pública

e como um direito fundamental contribuindo para projetar ainda mais o chamado modelo brasileiro

de luta contra a epidemia de AIDS aliando prevenção e tratamento.

A produção pública de medicamentos em um país como o Brasil é fundamental, pois é

importante que o setor público de produção domine a tecnologia, ainda que às vezes não seja

preciso produzir. No entanto o fato de se ter o domínio de tal tecnologia pode ser decisivo em fazer

com que a indústria privada abaixe o preço de seus produtos sob a ameaça de que laboratórios como

Farmanguinhos possa produzi-los.

A produção local de medicamentos, ainda, permite focar as chamadas doenças

negligenciadas como leishmaniose, chagas, malária e tuberculose que não recebem investimento em

novas formulações, pois nenhum grande laboratório do mundo globalizado que prioriza o lucro

investe na cura dessas doenças.

A Licença Compulsória do Efavirenz

No intuito de combater a tendência desfavorável de investimentos nas doenças endêmicas,

Farmanguinhos a partir de 1997 contribuiu para mudar as bases da política de medicamentos

adotada pelo Ministério da Saúde com a produção da maioria dos antirretrovirais de preços mais

elevados e tornando-os acessíveis à população brasileira afetada sem discriminar sua condição

econômica ou social, bem como com a implantação dos genéricos, perpassando pela Lei das

Patentes que não pode ser usada de forma que fosse de encontro ao interesse público.

Com o surgimento de novos medicamentos e sua consequente inclusão na lista de ARVs

distribuídos pelo PN-DST/AIDS e as limitações impostas à cópia de novas drogas pela redefinição

Page 47: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

46

da lei de propriedade intelectual brasileira, chegou-se, em meados dos anos 2000, a uma situação

em que os laboratórios públicos do país produziam apenas sete dos 15 medicamentos distribuídos.

Diante disso, a produção de 100% dos tipos de ARVs distribuídos caiu para menos de 50% e

os novos medicamentos adquiridos pelo MS custavam bem mais do que a produção local dos

genéricos, pois estes eram protegidos por patentes e dessa forma ficavam à mercê de práticas

mercadológicas monopolísticas dos grandes laboratórios multinacionais (VILLELA, 2010).

Nesse sentido, surgiram expectativas de que o Brasil como exemplo internacional na luta

contra a AIDS emitisse licença compulsória de ARVs a fim de produzi-los localmente e baixando

seus preços no objetivo de garantir a sustentabilidade de seu programa, levando em consideração

que os laboratórios públicos brasileiros disponibilizariam no mercado versões genéricas dos mais

caros ARVs.

A defesa da licença compulsória tornou-se uma bandeira entre ativistas da AIDS, no entanto

tal bandeira pressupõe a aquisição de conhecimentos específicos sobre patentes e concessão de um

sentido político ao debate que era a promoção da saúde pública em detrimento de todos os outros

interesses que as patentes possam promover. Levando em conta o exemplo dos anos anteriores,

laboratórios como Farmanguinhos tinham experiência com ARVs e recebeu por parte do MS a

solicitação de que iniciasse estudos de engenharia reversa de medicamentos como o Efavirenz.

O Brasil usou da ameaça de emissão de licença compulsória como principal instrumento de

pressão utilizado durante os processos de negociação de preços dos medicamentos ARVs, pois

Farmanguinhos foi capaz de subsidiar o Ministério da Saúde com as referências de preços aceitáveis

e capacidade para produzir em situação de impasse e emissão da licença compulsória (CHAVES;

VIEIRA; REIS, 2008). Ademais, o licenciamento compulsório revelou um compromisso

governamental com a sustentabilidade do acesso ao tratamento do HIV/AIDS, em um cenário em

que os medicamentos sujeitos à proteção patentária apresentavam preços exorbitantes e inacessíveis

para a grande maioria dos países em desenvolvimento.

Vários ativistas da época afirmaram em entrevista que o Acordo TRIPS embora tenha

disposições que visem à promoção do desenvolvimento tecnológico tem sido muito mais restritivo

do que promotor da transferência de tecnologia e aumentado o fosso entre os países desenvolvidos e

aqueles em desenvolvimento, sendo necessário pensar em estratégias que fomentem a pesquisa e o

desenvolvimento e que não se limitem simplesmente à defesa dos direitos de propriedade

intelectual. O referido ativista ainda destacou a importância que os países em desenvolvimento se

utilizem imediatamente das salvaguardas previstas no TRIPS como o licenciamento compulsório e a

Page 48: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

47

importação paralela a fim de criar mecanismos legais que permitam no futuro o desenvolvimento de

uma tecnologia nacional ou a compra de produtos que o Brasil não produz a preços razoáveis

(VILLELA, 2010).

Após a assinatura do TRIPS, os próprios Estados-Membros da OMC aprovaram a chamada

Declaração de Doha sobre TRIPS e Saúde Púbica que reafirmou um ponto importante do Acordo

que concedia o direito dos países de proteger a saúde pública por meio da utilização de licenças

compulsórias principalmente quando se trata de garantir o acesso a medicamentos.

Alguns autores como William C. V. Rodrigues e Orenzio Soler destacam que “Nos países

desenvolvidos, a licença compulsória é regularmente utilizada para combater práticas

anticompetitivas em vários campos tecnológicos, inclusive o dos medicamentos.” Em algumas

situações, a ameaça de licença compulsória foi utilizada como instrumento de pressão, ocasionando

a redução dos preços dos medicamentos (RODRIGUES; SOLER, 2009, p. 554).

O laboratório Farmanguinhos forneceu ao Ministério da Saúde a referência de estudos para o

estabelecimento de preços aceitáveis na área de medicamentos, levando em consideração que não é

preciso aguardar a expiração da patente para iniciar o processo de pesquisa e registro de um

medicamento. A indústria nacional pode valer-se do instrumento denominado “exceção bolar” 6.

Nesse sentido, no dia 4 de maio de 2007 – uma semana após a declaração de interesse

público do medicamento – o Presidente da República assinou o decreto 6.108/2007 que oficializou

o licenciamento compulsório do efavirenz para uso público não comercial com validade de cinco

anos sendo renovável por mais cinco anos.

William C. V. Rodrigues e Orenzio Soler ainda explicam que,

“O licenciamento compulsório permite que o Ministério da Saúde importe versões

genéricas de laboratórios pré-qualificados pela Organização Mundial da Saúde. A

concessão de licença compulsória do efavirenz previu a importação do

medicamento atrelada ao compromisso de que o laboratório exportador repassasse

ao Brasil toda a tecnologia para produção nacional pelo laboratório oficial

Farmanguinhos (Fundação Oswaldo Cruz).” (RODRIGUES; SOLER, 2009, p.

555).”

Desta forma, a produção do Efavirenz no Brasil foi iniciada em 2009 por Farmanguinhos.

6 Prevista no Artigo 30 do Acordo TRIPS, a exceção bolar estabelece os limites que permitem aos fabricantes de

medicamentos genéricos utilizar uma invenção patenteada, para estudo, visando a realização dos testes necessários para

registro do medicamento, sem a permissão do titular da patente e antes que a proteção patentária expire.

Page 49: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

48

Os autores mencionados ainda apresentam os fundamentos usados para a decisão em favor

da concessão de licença compulsória para uso público não comercial do Efavirenz com os seguintes

pontos:

• A saúde é um direito humano fundamental, nos termos do artigo 25 da Declaração Universal

de Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948 e do artigo 12 do Pacto Internacional de

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 16 de dezembro de 1966;

• A prevenção e o tratamento das doenças endêmicas, profissionais e de outra natureza é um

direito humano previsto no artigo 10 do Protocolo de San Salvador;

• A saúde é, nos termos do artigo 196 da Constituição Brasileira, um dever do Estado e um

direito de todos, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do

risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços

para sua promoção, proteção e recuperação;

• A propriedade deve atender à sua função social, e a proteção à propriedade intelectual deve

ter em vista o interesse social, de acordo com os incisos XXIII e XXIX do artigo 5º da

Constituição Brasileira;

• O Estado deve garantir o acesso universal e gratuito às ações e serviços em saúde, com a

obrigatoriedade determinada pela lei 9313 de 13 de novembro de 1996, de assegurar a

continuidade da distribuição dos medicamentos necessários no tratamento das pessoas que

vivem com o vírus da AIDS;

• O Efavirenz é indispensável no tratamento de portadores de HIV/AIDS.

• O Programa Nacional de DST/AIDS é mundialmente reconhecido por sua qualidade, em

razão da universalidade, integralidade e gratuidade do acesso;

• Em função do crescimento do número de pessoas que vivem com HIV/AIDS no Brasil, o

preço do Efavirenz comprometia a viabilidade do programa;

• O Ministério da Saúde empreendeu, sem êxito, todos os esforços para alcançar acordo com o

fabricante do Efavirenz sobre os preços praticados no Brasil, em termos e condições

razoáveis para atender o interesse público;

• Havia usos previstos do objeto da patente sem autorização do seu titular, entre os quais o

uso público não comercial, conforme o disposto nos artigos 7, 8, 30 e 31 do TRIPS,

incorporado ao ordenamento jurídico nacional pelo decreto 1355 de 30 de dezembro de

1994.

Page 50: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

49

Ademais, a Declaração Ministerial da OMC sobre o Acordo TRIPS e saúde Pública adotada

em Doha, Catar, em 14 de novembro de 2001, resolveu, dentre outros:

• Reconhecer a gravidade dos problemas de saúde pública que afligem muitos países em

desenvolvimento e países menos desenvolvidos, em especial no que diz respeito àqueles

decorrentes do HIV/AIDS;

• Reconhecer que a proteção à propriedade industrial é importante para a produção de novos

medicamentos e reconhecer, ainda, as preocupações com seus efeitos sobre os preços;

• Concordar que o TRIPS não impede e não deve impedir que os países-membros adotem

medidas de proteção à saúde pública;

• Reiterar o compromisso com o Acordo TRIPS e afirmar que esse instrumento internacional

pode e deve ser interpretado e implementado de modo a implicar apoio ao direito dos países

membros da OMC de proteger a saúde pública e, em particular, de promover o acesso de

todos aos medicamentos;

• Reafirmar o direito dos países membros da OMC de fazer uso, em toda a sua plenitude, dos

dispositivos do Acordo TRIPS que preveem flexibilidades para tal fim;

• Reconhecer que cada país membro da OMC tem o direito de conceder licenças

compulsórias, bem como liberdade para determinar as bases em que tais licenças são

concedidas.

Com tais medidas a produção do Efavirenz foi declarada de interesse público, para fins de

concessão de licença compulsória para uso público não comercial, de modo a garantir a

sustentabilidade do Programa Nacional de DST/AIDS, assegurando a continuidade do acesso

universal e gratuito a toda medicação necessária ao tratamento para portadores de HIV/AIDS.

A decisão do governo brasileiro em relação à licença compulsória do Efavirenz será sempre

um bom exemplo, pois esta foi julgada acertada e justificada pela sua Constituição Federal e pela

Lei Orgânica da Saúde, que asseguram o acesso aos serviços de saúde e aos medicamentos,

compreendidos como um direito de todos e um dever do Estado: universal, equânime e com

controle social.

Por fim, torna-se importante destacar que os ganhos para o Brasil e para o fortalecimento da

política nacional de acesso a medicamentos vão muito além da economia de recursos, ampliando

também a credibilidade do governo para negociar preços de outros medicamentos e estimulando o

Page 51: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

50

fortalecimento da produção nacional de medicamentos e de transferência de tecnologia

(RODRIGUES; SOLER, 2009).

As Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDPs)

Levando-se em conta a necessidade de melhorar o acesso a medicamentos e os fatores que

impedem a utilização e o desenvolvimento de intervenções eficazes contra doenças que afetam os

países em desenvolvimento, o Ministério da Saúde se utilizou de um mecanismo mais recente para

promover o desenvolvimento de novos medicamentos para uso em doenças negligenciadas baseada

nas Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) (BUSS; MOREL; ALCÁZAR, 2008).

Nesse sentido, Farmanguinhos juntamente com outros laboratórios públicos oficiais se

beneficiaram da Portaria de Nº 837/2012 que tinha como uma das diretrizes o foco em inovação e

no crescimento produtivo do parque industrial brasileiro, bem como na ampliação da assistência

farmacêutica no país por meio das PDPs (FARMANGUINHOS, 2013).

Desde então, no âmbito das parcerias de desenvolvimento produtivo, o Ministério da Saúde

vem firmando acordos com laboratórios privados para que os mesmos se comprometam a transferir,

aos laboratórios públicos brasileiros, a tecnologia para a produção de determinado medicamento

dentro do prazo de cinco anos.

No entanto, durante tais acordos o governo brasileiro garante aos laboratórios privados a

exclusividade na compra desse medicamento durante o mesmo período. Após o fim do prazo

acordado, laboratórios públicos iniciam de forma autônoma, a produção completa do medicamento

visando atender à demanda nacional.

Nesse sentido, Farmanguinhos ao produzir por meio das PDPs contribui para a redução da

dependência de importação e produção de medicamentos de qualidade ampliando sua

competitividade e capacitação tecnológica. Atualmente dentro da lista de medicamentos a serem

produzidos pela instituição encontram-se pelo menos 5 (cinco) antirretrovirais

(FARMANGUINHOS, 2013).

A produção pública de medicamentos na África

Sendo os mais afetados pela epidemia em todo o mundo, é essencial para os países da África

dispor de medicamentos para o tratamento de combate da AIDS a preços acessíveis, como forma de

manter a sustentabilidade da implementação e manutenção de seus programas nacionais. Nesse

sentido, a produção local de medicamentos genéricos é componente importante para o sucesso das

Page 52: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

51

estratégias de longo prazo de combate à doença na região. Contudo, poucos países da região

possuem capacidade instalada para a produção de antirretrovirais genéricos como África do Sul,

Zâmbia, Zimbábue, Tanzânia, Nigéria e Quênia (LUZ, 2006).

Em 2006, o Embaixador Francisco Carlos Soares Luz realizou trabalho para o 50o Curso de

Altos Estudos do Instituto Rio Branco sobre a cooperação brasileira na África. Segundo este autor,

a África do Sul possui a maior e melhor infraestrutura de produção de medicamentos genéricos no

continente. Apesar disso, somente após a Declaração de Doha, o governo sul-africano passou a

considerar seriamente a utilização dos medicamentos genéricos, especialmente no combate a AIDS,

Tuberculose e Malária. Contudo, relutou em emitir licenças compulsórias, procurando apenas

desenvolver remédios cuja patente já estivesse expirada.

No Zimbábue, a produção de antirretrovirais genéricos foi estimulada pelo governo que, em

2002, declarou “Período de Emergência” e emitiu licenças compulsórias para o laboratório

VARICHEM, a maior empresa nacional do setor farmacêutico, inclusive com exportações regulares

para a África do Sul, Botsuana e Malaui. Esse laboratório começou a produzir combinações de

alguns antirretrovirais como Nevirapina, Estavudina e Lamivudina, de Lamivudina e Zidovudina e

o Indinavir. Contudo, a produção de ARVs foi suspensa, desde fins de 2005, por falta de divisas

para poder comprar insumos. O PNUD vem estudando maneira de auxiliar a empresa a superar este

problema, comprando os APIs e revendendo-as à empresa em moeda local. Além disso, sua unidade

de produção de antirretrovirais deverá permanecer parada, por pelo menos 4 meses, para se adequar

às exigências técnicas de produção da OMS (LUZ, 2006).

Na Zâmbia, o governo para procurar cumprir a meta de tratar 100 mil pacientes até o final

de 2005, concedeu em 2004 licenças compulsórias ao laboratório Pharco, joint venture entre o

Estado (20% do capital) e o grupo italiano Kedrion (80%), para a produção do Normavir

(combinação de Nevirapina, Estavudina e Lamivudina). A empresa chegou a produzir cerca de 500

mil comprimidos por mês, em caráter experimental, mas teve de interromper a produção, quando

seus medicamentos não obtiveram a bioequivalência da OMS e os técnicos cubanos responsáveis

pela implantação da fábrica e pelo treinamento dos técnicos locais abandonaram o projeto.

A Tanzânia também estimulou à produção local de antirretrovirais beneficiada por iniciativa

da cooperação alemã reativando em parceria público-privada o laboratório farmacêutico Tanzânia

Pharmaceutical Industries Limited (TPI), que utilizou matéria prima chinesa e tecnologia de

produção tailandesa, especialmente para a produção de antimaláricos. Com uma demanda potencial

de US$ 165 milhões, cabendo 70% desse valor aos hospitais da rede pública tanzaniana, o TPI vem

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52

estudando a possibilidade de produzir no médio prazo 3 ou 4 dos antirretrovirais mais utilizados

(LUZ, 2006).

A Nigéria vem desenvolvendo uma capacidade produtiva razoável, pois o laboratório

nigeriano Evans Medical Plc, por exemplo, vem produzindo nove tipos de antirretrovirais, sendo

três de uso pediátrico, com o objetivo de procurar atender parte das 520 mil pessoas que necessitam

de tratamento imediato. Até dezembro de 2005, apenas 17 mil vinham recebendo tratamento

naquele país (LUZ, 2006).

No Quênia, o laboratório local Cosmos iniciou a produção de antirretrovirais após assinar

contrato de licenciamento voluntário com a Empresa Glaxo Smith Kline em 2005. O mercado de

ARVs no país está estimado em US$ 167 milhões, mas deve dobrar uma vez que o governo

anunciou que pretende ampliar seu programa de tratamento dos atuais 60 mil para 150 mil pessoas

(LUZ, 2006).

Os dados e informações mencionados por Luz (2006) são importantes no que se refere ao

conhecimento das condições que fizeram a produção farmacêutica das mencionadas fábricas

avançarem ou não nos países analisados. Nesse sentido, importante também se faz para uma

iniciativa como o projeto de instalação da fábrica de antirretrovirais e outros medicamentos em

Moçambique conhecer em que medidas tais requisitos da indústria farmacêutica foram cumpridos

ou não por tais fábricas no objetivo de garantir a manutenção de uma produção farmacêutica viável

e de qualidade no continente africano.

Page 54: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

53

CAPÍTULO IV – TRANSFERÊNCIA TECNOLÓGICA E COOPERAÇÃO

INTERNACIONAL

A Cooperação Internacional e a Transferência de Tecnologia

Outra ideia que amadurece em âmbito internacional, principalmente depois da assinatura do

Acordo TRIPS em 1994, é a de que a Cooperação Sul-Sul é fundamental para o enfrentamento das

questões relativas à Propriedade Intelectual e ao Acesso a Medicamentos. A alteração do marco

legal no campo da propriedade intelectual teve um impacto mais profundo nos países do Sul

geopolítico. Em verdade, havia, e ainda há, uma grande assimetria entre os países desenvolvidos e

em desenvolvimento no que tange ao desenvolvimento tecnológico, à capacidade de lidar com o

intrincado ferramental técnico das recém incluídas patentes farmacêuticas em seus escritórios

nacionais de patentes e, principalmente, à capacidade aquisitiva de suas populações para ter acesso

aos medicamentos patenteados. Nesse sentido, a cooperação entre países do Sul, tanto no âmbito da

sociedade civil organizada, quanto no âmbito dos governos seria, para Maskus (2004), fator

essencial para o sucesso na produção e distribuição de medicamentos.

Ainda segundo o autor, esse tipo de cooperação visaria o estabelecimento de novas parcerias

com o propósito teórico de ampliar a colaboração e a troca de informações, metodologias e

tecnologias de trabalho, além de possibilitar a promoção da participação efetiva da sociedade civil

nacional e internacionalmente no estabelecimento dos acordos entre os governos dos seus países.

Apregoa-se, também, que as trocas de experiência contribuem para o alcance de resultados efetivos

em cada país, respeitadas as especificidades de cada um (MASKUS, 2004).

No entanto, vários desafios aparecem na realidade concreta de cada país, tanto na procura

por alternativas dentro do atual sistema de patentes, forçando a implementação das flexibilidades ao

TRIPS, como também no monitoramento das discussões internacionais sobre o tema, especialmente

sobre a inovação tecnológica e o acesso aos medicamentos, o que implica na discussão de novos

modelos de proteção à propriedade industrial.

Acredita-se que é muito importante o fortalecimento da cooperação entre países em

desenvolvimento, uma vez que eles provavelmente enfrentarão os mesmos problemas para os

mesmos medicamentos. O mais desafiante de todos os aspectos é refletir sobre uma forma

alternativa de estímulo ao desenvolvimento de novos medicamentos sem passar, necessariamente,

pela apropriação intelectual, notadamente o sistema de patentes, que vem demonstrando seu caráter

impeditivo ao acesso das populações mais vulneráveis (MASKUS, 2004).

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54

Nesse cenário, a transferência de tecnologia pode ser uma boa estratégia para a produção

local de medicamentos. Levando em consideração a experiência de Farmanguinhos/Fiocruz, torna-

se imprescindível que o adquirente da tecnologia tenha capacidade para lidar com as técnicas

envolvidas, incluindo recursos humanos especializados, modernos equipamentos de produção e

instrumentos de análise, bem como metodologias analíticas necessárias ao controle de qualidade

dos produtos/medicamentos, instalações apropriadas, conhecimento das técnicas usadas em estudos

pré-clínicos e clínicos ou possibilidade de contratar tais serviços especializados (FAR-

MANGUINHOS, 2002).

Embora sejam frequentes os licenciamentos de patente entre empresas farmacêuticas e

farmoquímicas privadas que dividem entre si o mercado mundial, os proprietários de patentes

mostram grande resistência em licenciá-las a laboratórios nacionais, principalmente públicos, para

produção local de medicamentos em países em desenvolvimento.

Independente de proteção patentária, vale enfatizar que o adquirente da tecnologia necessita

de instalações adequadas para atender às exigências típicas da produção de medicamentos, bem

como de recursos humanos com suficiente nível de conhecimento na fabricação e garantia da

qualidade desses produtos para possibilitar a absorção da tecnologia. Ademais, o atendimento à

saúde da população pelo poder público, como é o caso do Brasil, segue o modelo de acesso

universal, uma vez que os cadastrados em Programas Estratégicos do Ministério da Saúde recebem

gratuitamente os medicamentos de que precisam. Tal política, no entanto, requer uma ação

governamental articulada com a área específica de produção, a de Ciência, Tecnologia e Inovação e

a de Economia.

A importância da licença compulsória no equilíbrio do poder no monopólio das patentes,

ainda que na simples forma de ameaça, permite que os governos possam manter programas de

fornecimento de medicamentos tão importantes quanto o brasileiro na área de AIDS, contudo,

torna-se importante frisar que a capacitação adequada da indústria local (pública e privada) para

produzir tais medicamentos é fundamental para a eficácia da estratégia.

O sinal mais evidente de qualidade tecnológica que Farmanguinhos alcançou a partir de

1998, verificou-se quando o laboratório aumentou a produção de ARVs para abastecer o Programa

Nacional de DST/AIDS, produzindo 7 dos 12 medicamentos adotados no protocolo brasileiro de

tratamento dos pacientes com HIV/AIDS, bem como construiu a reserva estratégica que lhe

Page 56: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

55

possibilitaria propor a licença compulsória de dois medicamentos (Nelfinavir e Efavirenz), caso

seus preços não baixassem no mercado interno (FAR-MANGUINHOS, 2002).

Nesse sentido, a ONU resolveu apoiar a política brasileira tornando-a um “modelo” para

outros países. Em novembro de 2001 a Organização Mundial do Comércio (OMC) decidiu que

nenhum de seus países membro poderia impedir que um Estado utilizasse, em nome da saúde

pública, os mecanismos de importação paralela ou licença compulsória para tratar dos seus doentes.

Esse reconhecimento serviu de estímulo para que o Brasil assumisse o desafio de transferir

tecnologia para a produção pública de ARVs para países em desenvolvimento, seja na África, mais

especificamente em Moçambique, seja na América Latina, apostando que outras nações possam se

apropriar de um know-how que as tornem, a médio e longo prazo, autossuficientes em relação às

multinacionais farmacêuticas (FAR-MANGUINHOS, 2002).

O acesso aos medicamentos e outras tecnologias relacionadas à saúde nos países em

desenvolvimento é, portanto, um dos maiores desafios da saúde global. Este desafio consiste em

assegurar que produtos e insumos importantes para a saúde das populações, já existentes no mundo,

sejam fornecidos e estejam disponíveis a preços acessíveis e que as inovações e novas descobertas

atendam às necessidades de saúde dos países em desenvolvimento (ROTTINGEN, 2012).

Autores como Claudia Chamas e John Arne Rottingen defendem que, no cenário atual,

países em desenvolvimento acabam se valendo de seus limitados recursos humanos e financeiros

para desenvolver a tecnologia que precisam ou passam a depender de ajuda humanitária e

transferência de tecnologia baseada em caridade ou decisões políticas.

“Atualmente, os países em desenvolvimento contam com seus próprios e limitados

recursos humanos e financeiros para desenvolver tecnologias que necessitam, ou

dependem de ajuda humanitária ou transferência de tecnologia baseadas em

filantropia ou decisões políticas.” (ROTTINGEN & CHAMAS, 2012, p. 1).

(Tradução Livre)7.

É importante destacar o fato de que, por um lado, as empresas farmacêuticas argumentam

que regimes rigorosos de proteção patentária aumentariam a garantia de que os fluxos de

rendimento permitiriam os necessários e custosos investimentos em pesquisa e desenvolvimento

(P&D), enquanto que os regimes pouco rigorosos, ao contrário, reduziriam a expectativa de fluxos

de rendimentos e, consequentemente, os incentivos para esse investimento. Na visão das grandes

7 No original em inglês: Today, developing countries must rely on their own limited financial and human resources to

develop technologies they need, or they must depend on aid or technology transfer based on charity or political

decisions.

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56

companhias farmacêuticas, preços elevados e resultados lucrativos são os instrumentos que

garantiriam os incentivos e investimentos em P&D, que resultariam na criação de novos

medicamentos (RODRIGUES e SOLER, 2009). Entretanto, nem sempre isso acontece na realidade.

Por outro lado, os países em desenvolvimento alegam que um número pequeno de pessoas

possui recursos financeiros suficientes para pagar por medicamentos patenteados, enquanto que a

grande maioria da população desses países não possui acesso a esses produtos, a exemplo do que

ocorre com os portadores de HIV/AIDS, que afeta milhões de pessoas no mundo inteiro

(RODRIGUES e SOLER, 2009).

William C. V. Rodrigues e Orenzio Soler (2009) trazem como reflexão que

“A questão do acesso da população aos medicamentos é um dos principais

problemas enfrentados pelos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos,

principalmente pela falta de medicamentos a preços acessíveis no mercado. Dessa

forma, na medida em que os países em desenvolvimento foram obrigados a garantir

proteção a patentes farmacêuticas, surgiram várias preocupações relacionadas à

saúde pública, visto que os medicamentos patenteados, uma vez explorados de

forma exclusiva pelo titular da patente, resultam em preços mais elevados do que

suas versões genéricas, que são fabricadas após o término do prazo da patente, sem

direitos de exclusividade.” (RODRIGUES; SOLER, 2009, p. 558).

Os mesmos autores argumentam ainda:

“[...] devemos pensar também em novas possibilidades para desvincular dos preços

de bens essenciais o chamado “custo de pesquisa e desenvolvimento”. Ou seja, é

preciso encontrar alternativas que permitam financiar e incentivar a pesquisa

orientada para os problemas que afetam principalmente os países em

desenvolvimento, e que possam gerar preços acessíveis para as populações que

precisam de novas ferramentas de saúde. Os preços altos e os monopólios

concedidos pelo TRIPS são justificados para os investimentos em P & D de bens

essenciais. No entanto, esse sistema já está mostrando seus limites.”

(RODRIGUES; SOLER, 2009, p.558).

Nesse sentido, as condições de acesso a medicamentos afetam toda a comunidade

internacional, sendo que essa questão é considerada matéria sujeita à proteção humanitária e faz

com que o alcance deste objetivo seja um dos mais importantes desafios nesse novo milênio. Para a

resolução deste problema, é extremamente importante a participação das instituições internacionais,

uma vez que as questões de saúde púbica deixaram de ser um problema local para tornar-se global,

com reconhecimento da ONU, OMC e OMS.

A Transferência de Tecnologia na Produção de Medicamentos

Com países em diferentes níveis de desenvolvimento tecnológico, a cooperação

internacional surge como alternativa para aumentar a transferência de tecnologia em áreas de

Page 58: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

57

interesse comum entre estes países. Nesse sentido, alguns países em desenvolvimento estão se

tornando em pouco tempo líderes em determinadas tecnologias e devem se colocar em posição de

oferecer assistência a outros países em desenvolvimento no intuito de estabelecer boa base

tecnológica entre regiões (UNCTAD, 2004).

De acordo com o Relatório elaborado pela UNCTAD (2001)8, desde 1970 a produção local

de medicamentos vem sendo objeto de intensas discussões em fóruns nacionais, regionais e

internacionais. Vários interesses econômicos, políticos e legais vêm definindo o que constitui uma

produção local farmacêutica e em que medida a mesma deve ou não ser fomentada. As últimas

décadas presenciaram grande aumento das questões relacionadas à produção local, transferência de

tecnologia e acesso a medicamentos.

A Resolução da OMS (WHA 61.21) denominada “Estratégia Global para Inovação,

Propriedade Intelectual e Saúde Pública”, adotada em 2008, atribuiu à produção local de

medicamentos o novo papel de contribuir para os objetivos gerais de promoção da inovação,

capacitações e melhoria do acesso a medicamentos. A premissa fundamental é aprofundar e

destacar a complexa interface entre transferência de tecnologia e produção local de medicamentos

nos países em desenvolvimento, com o objetivo de entender as condições sob as quais estas podem

contribuir para o acesso a medicamentos.

O referido relatório da UNCTAD (2011) destaca que os países em desenvolvimento

procuram tirar vantagem de benefícios legais obtidos como o fato de que alguns não são obrigados a

oferecer a proteção de patentes sobre produtos farmacêuticos, conforme exigido pelo Acordo

TRIPS até 2016, e, portanto, seriam capazes de ter uma base para a fabricação de versões genéricas

de medicamentos que são patenteados em certos países desenvolvidos. Segundo esse relatório, , a

transferência de tecnologia tem sido um fator importante na tomada de decisões pela produção local

de medicamentos de forma viável e competitiva. O acesso à tecnologia tem desempenhado um

papel fundamental na produção local de países que demonstraram ter os níveis mínimos necessários

para produzir e a capacidade de absorção tecnológica (habilidades humanas e de infra-estrutura

científica) que, geralmente, é reforçada de forma consistente através do processo de transferência de

tecnologia ao longo de sua implementação.

8 Esse relatório, denominado Local Production of Pharmaceuticals and Related Technology Transfer in Developing

Countries – A series of studies by the UNCTAD Secretariat, foi elaborado em 2011 e foi fruto de uma parceria entre a

OMS e a UNCTAD. Aborda vários estudos de casos envolvendo a melhora no acesso a medicamentos por meio da

transferência de tecnologia destinada a produção local farmacêutica, em vários países em desenvolvimento.

Page 59: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

58

Embora a produção local possa promover o acesso a medicamentos, o relatório apresenta

vários estudos de casos onde se discutem as maneiras pelas quais a produção local pode ocorrer em

países em desenvolvimento e menos desenvolvidos e como ela afeta o acesso aos medicamentos

(UNCTAD, 2011).

De acordo com essa análise, em primeiro lugar, a produção local pode contribuir para a

garantia de preços mais baixos de medicamentos e maior acessibilidade à sua população. Em

segundo, pode, no futuro, preencher uma lacuna importante para o desenvolvimento tecnológico do

país adquirente. E, em terceiro, os laboratórios que recebem a tecnologia nos países em

desenvolvimento mais avançados não se limitam à inovação incremental, mas também à produção

de novos produtos que atendam tanto as necessidades locais quanto internacionais.

Por fim, a formação de redes de distribuição de medicamentos e de cadeias farmacêuticas de

fornecimento também é um ponto importante para o desenvolvimento de capacidades nestes países

e a sua expansão para outras áreas. Ainda que o acesso aos medicamentos reforce a produção, existe

o entendimento de que a produção nos países em desenvolvimento seja direcionada para aproveitar

todo o potencial local em capacidades específicas.

A melhoria do acesso a medicamentos no contexto de produção local não deve ser

incidental, mas um objetivo explícito. Os resultados de alguns estudos de casos apresentados no

relatório mostram que tal política institucional deve conter, mas não se restringir a: Avaliação

sistemática da saúde em nível nacional e regional, com referência à produção local, com o objetivo

de gerar informações sobre a viabilidade de mercado e considerações de saúde pública;

• Capacidade dos países para a criação inicial de capacidades de absorção da

tecnologia (em termos de disponibilizar competências humanas para se envolver na

produção, bem como gestão, marketing, infraestrutura científica e física relevantes);

• Cenário político favorável que promova, interna e externamente, possíveis

investimentos ou financiamentos locais em produção de medicamentos e na

transferência de tecnologia;

• Regime de Direitos de Propriedade Intelectual que explore as flexibilidades que

possam existir; e

• Políticas e mecanismos que possam promover o acesso a medicamentos produzidos

localmente.

Page 60: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

59

Países em Desenvolvimento e Produção Farmacêutica: a realidade atual

De acordo com o guia elaborado pelas Organizações das Nações Unidas denominado

Investment in Pharmaceutical Production in the Least Developed Countries – A Guide for Policy

Makers and Investment Promotion Agencies, de 2011 (UNITED NATIONS, 2011), os recentes

avanços para proporcionar maior acesso a certos tratamentos, como os utilizados no combate ao

vírus do HIV/AIDS nos países em desenvolvimento, têm sido significativos.

Apesar dos avanços registrados, calcula-se que quase 2 bilhões de pessoas no mundo não

têm acesso a medicamentos quando necessários, muitos das quais vivem em países menos

desenvolvidos. Os países mais pobres ou dependem de doações filantropicas e/ou de importações

com preços de versões genéricas de medicamentos mais acessíveis. Estas são estratégias que

minimizam o problema do acesso mas não o resolvem (UNITED NATIONS, 2011).

O referido guia explica que a indústria farmacêutica local pode contribuir para o

cumprimento da meta de um maior acesso aos medicamentos, no entanto, poucos países em

desenvolvimento foram capazes de desenvolver a capacidade de fabricação de produtos

farmacêuticos sem o apoio de, entre outros, empresas estrangeiras e da transferência de tecnologia.

A pesquisa e desenvolvimento no setor farmacêutico não precisa se concentrar

exclusivamente em novos medicamentos podendo, por exemplo, também combinar medicamentos

existentes em uma forma de dosagem única, tal como em combinações utilizando antirretrovirais

para o tratamento de HIV e AIDS que poderia envolver a adaptação de medicamentos existentes

para as condições climáticas locais, através de inovação incremental (como exemplo fazer um

medicamento mais resistente ao calor e a úmidade); encontrar novos modos de entrega de

medicamentos (injeção, tópicos ou orais); ou envolver a engenharia reversa de um medicamento

original que, ao mesmo tempo que foi patenteado num determinado lugar, está fora da patente no

país que está em busca de fabricar o seu equivalente genérico (UNITED NATIONS, 2011).

Em termos gerais, existem dois tipos de mercados para produtos farmacêuticos: um para os

de patente – medicamentos originais – e outro para genéricos – medicamentos sem patentes. O que

torna a questão mais complexa, no entanto, é o fato de que o que está com patente num país pode

não estar patenteado em outro.

Muitos dos medicamentos mais vendidos durante a década passada estão com as patentes

expirando, com poucas perspectivas de substituição, criando oportunidades significativas para os

Page 61: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

60

laboratórios em países que têm alguma experiência em engenharia reversa e capacidade de

produção de produtos farmacêuticos, ou estão envolvidos na fabricação de medicamentos genéricos.

O guia enfatiza ainda que um grande número de países ainda depende das importações de

matérias-primas para a produção farmacêutica, em particular ingredientes farmacêuticos ativos.

Entre os países em desenvolvimento, os maiores, como Brasil, China e Índia, ainda dominam o

cenário de produção, devido às suas capacidades para produzir medicamentos genéricos em larga

escala e a baixo custo. Os dois últimos também possuem a vantagem de ser grandes produtores de

ingredientes farmacêuticos ativos, o que naõ ocorre em todos os países, o que significa que a

indústria envolvida na produção continua a importar. Por último, mas não menos importante, um

grande número de pessoas mais pobres continua sem o acesso necessário aos medicamentos.

Produção local de fármacos nos países em desenvolvimento

Em maio de 2008, a Assembléia Mundial da Saúde, através da Resolução 61.21, aprovou a

Estratégia Global e Plano de Ação sobre Saúde Pública, Inovação e Propriedade Intelectual

(GSPA-PHI). Esta, assentada nas conclusões do relatório de 2006 da Comissão sobre Direitos de

Propriedade Intelectual, Inovação e Saúde Pública, o GSPA-PHI, reconheceu a necessidade de

desenvolver novos produtos contra doenças que afetam o desenvolvimento dos países e aumentar o

acesso a insumos existentes nos países em desenvolvimento (UNITED NATIONS, 2011).

A contribuição potencial da produção local de produtos farmacêuticos, vacinas e kits

diagnósticos, como parte da solução para aumentar o acesso à medicamentos essenciais nos países

menos desenvolvidos, é destacada no documento das ONU supra citado. É ressaltada também a

necessidade de construir e melhorar a capacidade de inovação nesses países, com o objetivo de

facilitar a transferência de tecnologias relacionadas à saúde.

Em 2001, a Conferência Ministerial da OMC adotou a Declaração de Doha sobre o Acordo

sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual e Saúde Pública Relacionados com o

Comércio. A Declaração de Doha afirmou que o Acordo TRIPS não impede e não deve impedir que

membros tomem medidas para proteger a saúde pública. Um compromisso para implementar o

parágrafo 6 da Declaração de Doha foi adotado pelos países membros da OMC em 30 de agosto de

2003, em que um sistema de notificações foi criado para permitir que os países fabriquem ou

exportem sob licença compulsória para outros países com pouca ou nenhuma produção e/ou

capacidade no setor farmacêutico. Com relação aos tratados internacionais de direitos humanos,

embora não tenha havido nenhum específico referente à produção local de produtos farmacêuticos

Page 62: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

61

ou o acesso a estes, o Artigo 12.1 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais expõe que é “Direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde

física e mental”. (UNITED NATIONS, 2011).

O guia destaca que poucos países do mundo, incluindo os desenvolvidos, são capazes de

fornecer à sua população toda a oferta de medicamentos necessários através da sua produção local.

Assim, a maioria dos países tem de importar medicamentos, mas o grau em que os países são

capazes de depender das importações para satisfazer as suas necessidades de saúde costuma variar.

Alguns países em desenvolvimento são capazes, por exemplo, de combinar importações e produção

local para atender às suas populações.

No entanto, os países menos desenvolvidos são especialmente vulneráveis nesse sentido,

uma vez que em geral não constituem um mercado atraente para as empresas farmacêuticas

privadas internacionais, principalmente por causa de seu limitado poder de compra. Diante disso, os

países menos desenvolvidos, sem capacidade de produção, muitas vezes são induzidos a depender

de doações e iniciativas filantrópicas para o fornecimento de medicamentos de qualidade a sua

população que, por sua vez, beneficiam as empresas transnacionais, em geral dos países doadores..

Em última análise, o aumento do acesso a medicamentos depende de outros fatores que vão

além do aumento da produção local. Nesse sentido, o fortalecimento dos sistemaa de saúde e de

autoridades reguladoras de medicamentos são essenciais para garantir a sua qualidade, seja em

termos de segurança e eficácia, seja como redes de distribuição e compras governamentais, pois são

fatores relevantes que também influenciam o acesso a medicamentos (UNITED NATIONS, 2011).

Pré-requisitos para o investimento no setor farmacêutico

O guia (UNITED NATIONS , 2011) enfatiza que a complexidade científica do processo de

produção farmacêutica e a atenção exigida para a higiene e o controle de qualidade para fins de

cumprimento das normas de saúde e segurança fazem do setor farmacêutico um campo onde

inúmeros pré-requisitos devem ser cumpridos e estabelecidos para que qualquer empresa ou

instituição considere viável investir seu capital e/ou tecnologia em uma instituição ou fábrica em

outro país para a produção de medicamentos.

Necessário se faz rever esses pré-requisitos, pois tão importante quanto incentivar a

produção local para o interesse nacional da saúde pública, os países precisam avaliar o quanto eles

serão capazes de produzir medicamentos de qualidade satisfatória e de custos razoáveis para a sua

população.

Page 63: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

62

De acordo com o guia da ONU, alguns pré-requisitos são fundamentais para a produção

farmacêutica nos países menos desenvolvidos: recursos humanos, infraestrutura básica, autoridade

reguladora nacional, acesso oportuno aos principais insumos (Ingredientes Farmacêuticos Ativos-

IFA), possibilidade de investimento e cooperação no setor farmacêutico, requisitos de registro de

medicamentos, fatores humanitários e morais. A seguir, serão descritos cada um deles.

Recursos Humanos

Talvez mais do que qualquer outro fator, é importante para um país que está tentando manter

e expandir a sua capacidade de produção farmacêutica ter uma massa de trabalhadores qualificados

por meio de recursos humanos. Estes incluem tanto farmacêuticos, quanto graduados em Química e

Bioquímica, bem como técnicos que serão especializados na uso de equipamentos de precisão

científica e engenheiros que serão familiarizados com a maquinaria usada para a fabricação de

medicamentos, controle de qualidade e processos de garantia de qualidade.

Os indicadores-chave neste sentido incluem saber se o país possui o curso de Faculdade de

Farmácia em suas universidades e a quantidade de licenciados nas ciências pertinentes como

farmacologia. A qualidade da educação científica no país, portanto, é muito importante e países

cooperantes irão verificar se existe uma massa crítica de recursos humanos, com a adequada

formação científica para serem identificados como pontos focais. Não é por acaso que os países

menos desenvolvidos que têm sido capazes de atrair investidores no setor farmacêutico têm uma

faculdade de farmácia relativamente forte em suas universidades locais (UNITED NATIONS,

2011).

Ademais, tão importante quanto ter uma massa crítica de recursos humanos em

determinadas aréas científicas é também dispor de recursos humanos com um bom nível em

negócios e habilidades gerenciais. A capacidade de desenvolvimento da empresa farmacêutica de

um país poder gerar receita sustentável para cobrir seus custos depende de uma ampla gama de

habilidades gerenciais, incluindo a gestão de fábrica, distribuição, bem como vendas e até mesmo

marketing.

Infra-Estrutura Básica - Energia Confiável e Água Potável

Os países no momento de estabelecer uma cooperação examinarão atentamente para saber se

outras fábricas no país receptor possuem uma fonte confiável de energia elétrica e acesso a água

limpa. Eletricidade e água limpa podem ser problemáticos no contexto dos países em

Page 64: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

63

desenvolvimento, e, especialmente, nos países menos desenvolvidos. Uma maneira de resolver esse

problema é a criação de zonas industriais especiais que têm acesso a fontes independentes de

energia elétrica e água potável, pois se a rede elétrica local é confiável, bem como se as instalações

de purificação de água são consideradas de confiança, a credibilidade em torno da cooperação

aumenta. Em alternativa, ou além disso, as empresas locais podem também criar as suas próprias

instalações de purificação de água e geradores de eletricidade em locais de fábricação.

Autoridade Reguladora Nacional de Medicamentos

Cada país costuma ter a sua própria autoridade reguladora de medicamentos, o que é

geralmente uma agência sob ou afiliada ao Ministério da Saúde local. A reputação da indústria

farmacêutica doméstica pode ser ajudada ou dificultada pela capacidade da referida autoridade

reguladora de medicamentos. Uma autoridade reguladora fraca torna mais provável que os

medicamentos disponibilizados no mercado tenham menor credibilidade, enquanto uma autoridade

reguladora com bom funcionamento garante que os medicamentos produzidos localmente estejam

em conformidade com as boas práticas de fabricação e consequentemente tenham uma maior

aceitação.

A reputação coletiva da indústria farmaceutica local depende da existência de instituições

que tenham sido sujeitas a uma análise rigorosa de uma agência reguladora e para os quais a

população doméstica possa ter a certeza de que os medicamentos no mercado atendem a um nível

aceitável de segurança e qualidade.

Por último, uma autoridade reguladora de medicamentos que funcione bem também constrói

a confiança entre os países exportadores, o que é fundamental para o acesso aos mercados

estrangeiros em que os fabricantes do país de exportação deve cumprir os requisitos regulamentares

não apenas para a sua autoridade reguladora nacional de medicamentos, mas também os requisitos

estabelecidos pela autoridade reguladora de medicamentos de uma possível país importador. As

autoridades reguladoras de medicamentos nos países desenvolvidos geralmente têm padrões de

qualidade muito superiores aos exigidos por aqueles em países menos desenvolvidos.

Acesso oportuno aos principais insumos (Ingredientes Farmacêuticos Ativos-IFA)

Com exceção de empresas localizadas na China e Índia, as empresas farmacêuticas dos

países em desenvolvimento geralmente dependem da importação de matérias-primas necessárias à

produção farmacêutica. A maioria dos países em desenvolvimento envolvidos na produção de

Page 65: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

64

genéricos utilizam como fonte para sua produção, os ingredientes farmacêuticos ativos da China e

Índia. Tal fato pode significar que se torna cada vez mais difícil a fabricação de medicamentos a um

custo mais baixo em relação ao dos países mencionados, devido a várias outras vantagens

provenientes de custos trabalhistas e de infra-estrutura que incentivam a fabricação de

medicamentos a um custo mais baixo em outros países em desenvolvimento.

Possibilidade de investimento e cooperação no setor farmacêutico

O cenário farmacêutico global vem mudando rapidamente nos últimos anos. Enquanto as

empresas farmacêuticas parecem ser menos afetadas pela crise financeira global, que começou em

2008, as maiores empresas multinacionas de P & D foram colocadas sob pressão significativa,

devido à expiração de patentes de uma série de seus medicamentos, diminuindo as suas margens de

lucro, geradas pela concorrência em relação aos medicamentos genéricos estabelecida após o prazo

de expiração da patente (UNITED NATIONS, 2011).

Requisitos de registro de medicamentos

O registo de medicamentos também deve satisfazer determinados requisitos, incluindo

dispor de laboratório, testes clínicos e de bioequivalência para a segurança, consistência, qualidade

e outros. As Boas Práticas de Fabricação devem atender aos requisitos técnicos em relação ao

manuseio de matérias-primas, processos de fabricação e embalagens, bem como tratamento de água

para utilizar no processo de produção, qualidade do ar e de controle de qualidade de equipamentos e

sistemas.

Fatores Humanitários e Morais

Além dos motivos econômicos, preocupações humanitárias também podem, potencialmente,

influenciar a decisão de investir na produção de fármacos localmente. Os poucos países em

desenvolvimento que estão produzindo medicamentos também são capazes de transferi-los e estão

abertos a desenvolver novas versões de medicamentos genéricos, que são patenteados em outros

lugares como resultado das flexibilidades possibilitadas pelo Acordo TRIPS. No entanto, uma

transferência de tecnologia precisa de garantias, por parte do governo que a recebe, de que os pré-

requisitos básicos para o fabrico de medicamentos de alta qualidade a um custo razoável são

possíveis no país em questão.

Page 66: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

65

Na perspectiva da saúde pública, na medida em que um país em desenvolvimento pretende

levar a cabo a produção local, a intervenção do governo é necessária para garantir que os esforços

para o sucesso da cooperação internacional no setor atenda às reais necessidades de saúde do país

e/ou região.

Em muitos casos, a transferência de tecnologia também faz parte de um conjunto de

políticas que fazem interface com os sistemas de ciência, tecnologia e inovação, pois tais sistemas

incentivam ativamente parcerias com universidades locais e instituições de pesquisa. No que diz

respeito às doenças negligenciadas que afetam os países em desenvolvimento, essas instituições são

muito importantes como ativos estratégicos que precisam ser promovidos em conjunto com os

esforços para atrair investimentos e financiamentos na produção local.

Casos de transferência de tecnologia para produção farmacêutica local em países em

desenvolvimento.

De acordo com o relatório elaborado pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e

Desenvolvimento (UNCTAD), em conjunto com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o

Centro Internacional para o Comércio e o Desenvolvimento Sustentável (ICTSD), foram realizados

alguns estudos de casos sobre a produção local farmacêutica e a transferência de tecnologia para tal,

algumas patenteadas, nos seguintes países em desenvolvimento – Argentina, Bangladesh,

Colômbia, Etiópia, Indonésia, Jordânia, Tailândia e Uganda. Uma breve síntese dessas experiências

é apresentada a seguir. E o Anexo I apresenta um quadro com a síntese das principais características

de cada caso.

Argentina

Este estudo de caso examina a inovação tecnológica adquirida por uma empresa

farmacêutica pública argentina – o laboratório ELEA – através da pesquisa, esforços de

desenvolvimento (P & D) e transferência de tecnologia advinda de empresas multinacionais e outras

empresas argentinas com base em alianças estratégicas junto a universidades e instituições públicas,

incluindo a cooperação sul-sul.

O referido laboratório que serviu de referência para este estudo de caso, tem contribuído

para a melhoria do acesso aos medicamentos na Argentina, bem como a disponibilização de novos

tratamentos disponíveis na área de biotecnologia, produzindo, dentre outros, kits de diagnóstico

para diagnosticar precocemente casos de diabetes e de outras doenças.

Page 67: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

66

Ademais, o ELEA está desenvolvendo vacinas no objetivo de exportar e encontrar um nicho

de mercado para produtos químicos genéricos a preços acessíveis e se tornar um produtor de

insumos, no entanto um dos fatores observados durante este caso foi que a capacidade tecnológica

da indústria farmacêutica local não é suficiente para estabelecer um setor farmacêutico

autossuficiente em ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs).

Bangladesh

Este estudo de caso examina como Bangladesh, país considerado em desenvolvimento,

conseguiu construir uma base tecnológica para a produção farmacêutica e enfrentou os desafios

necessários para produzir a baixo custo ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs).

Nesse sentido as empresas Square Pharmaceuticals Lda. e Beximco Pharmaceuticals, sendo

as mais antigas do setor farmacêutico no país, contribuíram para promover um maior acesso de

medicamentos em Bangladesh concentrando-se na produção mais barata de medicamentos

essenciais para o uso de sua população e criação de uma ampla área de cobertura terapêutica. Tais

medidas, embora promovidas por uma Política Nacional de Medicamentos que o país adotou desde

1982, têm sido sustentadas por uma série de transferências de tecnologia provenientes de alianças

entre as empresas mencionadas e empresas multinacionais presentes na região.

A transferência de tecnologia de empresas estrangeiras para as empresas mencionadas em

Bangladesh tem sido extremamente importante devido aos seguintes fatos: (i) estabelecimento de

capacidade de produção no país; (ii) expansão do portfólio de produtos para incluir várias categorias

de novos produtos e (iii) modernização tecnológica necessária para a produção de medicamentos

com qualidade a um custo razoável. Ademais, as duas empresas mencionadas neste estudo de caso,

apesar de possuírem características bastante típicas das grandes empresas do setor farmacêutico de

Bangladesh, apresentam limitações tecnológicas que foram melhoradas com a transferência de

tecnologia.

Colômbia

Este estudo de caso examina a estratégia de inovação tecnológica da maior farmacêutica

colombiana denominada Tecnoquímicas S.A. que por meio dos esforços de sua pesquisa e

desenvolvimento aumentou a produção de medicamentos no país. Nesse sentido, o referido estudo

de caso também foi desenvolvido para investigar as tendências relacionadas à transferência de

Page 68: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

67

tecnologia na área farmacêutica na Colômbia, a fonte de sua tecnologia, os fatores que explicam a

sua sustentabilidade e as questões que as empresas locais e multinacionais enfrentam na região.

Ademais, o papel que os ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs) e fornecedores de

equipamentos desempenham na transferência de tecnologia, assim como a contratação de

profissionais ou técnicos qualificados, bem como o lugar que as universidades e instituições de

pesquisa e desenvolvimento possuem num país em desenvolvimento também merece destaque.

Existem outros pontos importantes no caso como a preocupação com as atividades de pesquisa e

desenvolvimento no que diz respeito às doenças negligenciadas e outras atividades relacionadas às

doenças tropicais como a leishmaniose servem como importante contribuição.

O papel que a Tecnoquímicas S.A. desempenha no fornecimento de medicamentos, não só

na Colômbia, mas também na América Central com um bem estabelecido sistema de distribuição de

medicamentos devido à sua familiaridade com a língua e a cultura da região também merece

destaque.

O problema do acesso aos medicamentos na Colômbia devido aos altos preços cobrados

para certos medicamentos essenciais, que são em muitos casos fornecidos através de importações

por empresas estrangeiras e com proteção de patentes também surge, no entanto a Tecnoquímicas

S.A. contribuiu para uma produção de medicamentos com preços mais acessíveis na Colômbia,

fazendo com que a maioria da população pudesse ter acesso aos medicamentos com preços muito

mais acessíveis do que antigamente.

Etiópia

Este estudo de caso foi concebido para analisar a produção farmacêutica de um país menos

desenvolvido como a Etiópia examinando como uma Empresa Joint Venture Sino-Ethiop Private

Limited Empresa (SEAA) em um país deste perfil socioeconômico conseguiu construir uma base

tecnológica contribuindo para o fortalecimento da indústria farmacêutica local, destacando a

relevância dos investimentos de outros países do sul geopolítico e o papel desta joint venture como

um veículo para a transferência de tecnologia.

O referido estudo destaca também o fato de que a oferta por medicamentos na África

Subsaariana não consegue acompanhar a demanda na região indicando um mercado deficiente no

que diz respeito à produção local de medicamentos na região.

O estudo foi importante em analisar que a contribuição da SEAA torna-se mais visível

quando o investimento se expande na produção de IFAs e outros insumos na África ajudando a

Page 69: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

68

indústria farmacêutica local a melhorar a sua competitividade e o fato de que o governo etíope

considera que um bom sistema de saúde também pode melhorar o acesso aos medicamentos.

Ademais, o governo da Etiópia tem empreendido esforços facilitadores e positivos, visando

direcionar estrategicamente o investimento estrangeiro no setor farmacêutico.

Indonésia

O referido estudo de caso destaca a influência de empresas japonesas farmacêuticas que

atuam na Indonésia desde os anos 1970 e a sua tecnologia. Especificamente, o referido estudo de

caso examina a transferência de tecnologia repassada no contexto de uma relação entre uma

empresa farmacêutica de pesquisa e desenvolvimento (P & D) com sede em um país desenvolvido

(Japão) a uma de suas fábricas subsidiárias em um país em desenvolvimento como a Indonésia – PT

Eisai (PTEI).

A escolha da Empresa Eisai para servir de fábrica na Indonésia parece ter sido impulsionada

por vários fatores, incluindo o tamanho do mercado e da sua história. Ademais, o referido caso

apresenta um modelo típico de produção local e transferência de tecnologia entre a multinacional

controladora e sua controlada, onde o principal fator da produção local neste caso não é apenas o

acesso aos medicamentos, mas também o mercado da região. Nesse sentido, a gama de produtos

fabricados pela empresa não apenas tem correlação com a lista dos medicamentos essenciais da

indonésia.

Jordânia

Este estudo de caso foi útil em analisar uma empresa farmacêutica jordaniana denominada

Jordanian Pharmaceutical Manufacturing como uma empresa privada que contribuiu para algumas

transformações na indústria farmacêutica jordaniana. A referida empresa na Jordânia tornou-se

exportadora de produtos farmacêuticos de alta qualidade, bem como importante fornecedor de

medicamentos genéricos para o Oriente Médio.

O referido estudo analisa as fontes de tecnologia utilizadas na indústria farmacêutica

jordaniana, além da transferência de tecnologia que ocorreu entre a Jordânia e outros países,

sobretudo no que diz respeito à inovação. Ademais, a empresa jordaniana produziu grande

variedade de genéricos e se beneficiou significativamente do elevado patamar da educação na

Jordânia, se permitindo construir uma base técnica sólida com capacidade para absorver tecnologias

e produzir produtos de alta qualidade para atender tanto ao mercado interno quanto ao externo.

Page 70: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

69

Tailândia

Este estudo de caso destaca a iniciativa para a produção nacional de vacinas no combate à

gripe na Tailândia, com o objetivo de identificar as oportunidades e desafios aplicáveis e relevantes

para o desenvolvimento da produção de vacinas na Tailândia.

O estudo de caso analisa as características da empresa pública tailandesa Government

Pharmaceutical Organization (GPO) no que diz respeito ao desenvolvimento da capacidade

tecnológica para desenvolvimento de uma vacina de combate à gripe na Tailândia e o ambiente

legal e político para pesquisa e desenvolvimento (P & D) e inovação na Tailândia contribuindo para

uma melhor compreensão do papel do setor farmacêutico patrocinada pelo Estado no contexto do

desenvolvimento de vacinas na Tailândia.

Ademais, outro importante objetivo foi apresentar lições relevantes para a promoção da

inovação e produção sustentável farmacêutica na Tailândia, através da análise da dinâmica de

desenvolvimento de vacinas e de transferência de tecnologia. A garantia do acesso a vacinas foi o

objetivo político do governo tailandês para o projeto de desenvolvimento e produção de vacinas por

meio da empresa GPO contra a gripe.

Uganda

Este estudo de caso analisa como a tecnologia farmacêutica foi transferida de uma grande

fábrica privada indiana de medicamentos genéricos (CIPLA) a uma fábrica local pública em

Uganda (Quality Chemicals), a partir de um acordo de joint venture. O referido estudo Identifica

também como Uganda pôde produzir e inovar na produção de medicamentos antiretrovirais e

antimaláricos, de boa qualidade e com preços mais acessíveis, e quais os fatores que impediram ou

facilitaram a transferência e absorção de tecnologia com esse objetivo.

A exemplo de outros países menos desenvolvidos, Uganda pode tirar proveito do fato de que

o país não é obrigados a oferecer a proteção de patentes sobre produtos farmacêuticos, conforme

exigido pelo Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao

Comércio (Acordo TRIPS) até 2016, sendo, portanto, capaz de oferecer uma base para fabricação

de versões genéricas de medicamentos que são protegidos por patentes em outros países.

De acordo com o estudo de caso, a transferência de tecnologia foi analisada com todos os

componentes presentes na tecnologia, tanto codificada (em termos de projetos, hardware, peças de

máquinas e tecnologias de plantas de produção) como tácita (know-how e competências), que são

Page 71: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

70

essenciais para aumentar a capacidade do país receptor a produzir produtos farmacêuticos. Em

linhas gerais, a fábrica de Uganda (Quality Chemicals–Cipla) tem sido implementada de acordo

com as orientações da Cipla e com características que se assemelham à unidade de produção de

genéricos na Índia.

A característica mais marcante desse caso é que na fábrica em Uganda o foco está no “know-

how tácito” e o treinamento de habilidades locais é realizado pela Cipla indiana. O projeto prevê

não só a capacitação de técnicos e outros profissionais de gestão, mas também a formação de

técnicos em questões organizacionais da indústria farmacêutica. Em particular, as competências e

know-how a serem transferidos referem-se a: (i) projeto de planta e instalação, (ii) produtos e

processos com know-how, (iii) as boas práticas de fabricação, (iv) engenharia para manutenção da

planta e (v) qualificação na identificação de fornecedores de matéria prima, bem como em

capacitações oferecidas ao longo do projeto.

O Acordo foi motivado para que o Governo de Uganda criasse capacidade produtiva para

garantir um fornecimento sustentável de medicamentos de importância para a saúde pública como

os antirretrovirais. Tal perspectiva de saúde foi motivada pela necessidade cada vez maior de

reivindicar com mais propriedade sobre a questão do HIV/SIDA, a fim de aumentar a confiança dos

cidadãos na capacidade do país de responder à crescente necessidade de medicamentos que a

epidemia está exigindo na região.

Page 72: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

71

CAPÍTULO V - O PROJETO DE COOPERAÇÃO BRASIL-MOÇAMBIQUE:

INSTALAÇÃO DA FÁBRICA DE ANTIRRETROVIRAIS E OUTROS MEDICAMENTOS

(SMM) EM MOÇAMBIQUE.

Negociações Iniciais (2003 a 2007)

A cooperação técnica Brasil – Moçambique para a instalação de uma fábrica produtora de

medicamentos antirretrovirais e outros foi orientada e consolidada a partir de acordos entre os dois

governos. O Acordo Geral de Cooperação entre Brasil e Moçambique foi assinado em 15 de

setembro de 1981 e o Protocolo de Intenções entre Brasil e Moçambique sobre Cooperação Técnica

na Área de Saúde, em 21 de junho de 2001. Tais atos reforçaram o interesse comum para atividades

de cooperação entre as duas nações, ao mesmo tempo em que definiram como prioridade a

cooperação nos campos econômico, científico, técnico, tecnológico, cultural e de formação de

pessoal e saúde, a serem detalhados por acordos complementares.

A consolidação legal da iniciativa da fábrica deu-se a partir das assinaturas do Protocolo de

Intenções entre o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva por parte do Brasil e do então Presidente

Joaquim Chissano por parte de Moçambique sobre Cooperação Científica e Tecnológica na Área da

Saúde, em 5 de novembro de 2003, e do Ajuste Complementar ao Acordo – Geral de Cooperação

entre Brasil e Moçambique para a Implementação do Projeto “Estudo de Viabilidade Técnico –

Econômico para a Instalação de Fábrica de Medicamentos Antirretrovirais e Outros”, assinado em

15 de julho de 2005.

É no Protocolo assinado em 2003 que se identifica a primeira referência expressa à

instalação e gerenciamento de laboratório farmacêutico público para atender predominantemente as

necessidades de saúde de Moçambique, com ênfase na produção de medicamentos antirretrovirais

genéricos. E, para tanto, foram previstas responsabilidades compartilhadas e complementares entre

os dois governos, tais como:

• MOÇAMBIQUE: Identificar local e disponibilizar infraestrutura física para instalação

do laboratório, bem como facilitar a multiplicação da capacitação dos técnicos nacionais;

• BRASIL: Prover o laboratório dos equipamentos necessários e da transferência de

tecnologia para ao seu funcionamento e a produção dos medicamentos;

O Ajuste Complementar de 2005 foi consequência do Protocolo de 2003, pois tratava

especificamente da execução de um estudo de viabilidade técnico-financeiro que teve por objetivos:

verificar a viabilidade para a implantação de uma fábrica de antirretrovirais e outros medicamentos

em Moçambique; e propor estudos complementares e opções alternativas, caso necessário.

Page 73: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

72

Para a realização desse estudo preliminar, os recursos financeiros foram integralmente

disponibilizados pelo governo do Brasil, tendo a Agência Brasileira de Cooperação (ABC/MRE)

como instituição financiadora e o Ministério da Saúde do Brasil como instituição executora do

estudo

Esse estudo foi concluído em 2007, e o relatório lançado em 2008. Com base nele e em

conjunto com a equipe moçambicana decidiu-se pela viabilidade da cooperação técnica

considerando duas alternativas: o local e a estrutura básica poderiam ser em alguma fábrica já

existente, com a realização de obras de adequação necessárias para a transferência de tecnologia

para a produção de antirretrovirais; ou poderia ser providenciado um terreno para construção das

instalações. O governo moçambicano decidiu pela aquisição da única indústria farmacêutica em

operação no país (denominada Final Farmacêutica) que estava falida e à venda, e era produtora de

soluções parenterais de grandes volumes (soros fisiológicos de 500 e 1000 ml, glicose e cloreto de

sódio) (FARMANGUINHOS, 2010).

Desenvolvimento do projeto (2008 – 2013)

Uma vez considerada viável a instalação da fábrica de medicamentos, a partir de um cenário

técnico e político muito específico em Moçambique, no ano de 2008 o Instituto de Tecnologia em

Fármacos (Farmanguinhos) foi chamado a colaborar no projeto, uma vez que esta unidade técnico-

científica dispunha do know-how e experiência na produção de medicamentos antirretrovirais –

situação necessária à execução da iniciativa em Maputo.

Para tal, Farmanguinhos inicia, ainda em 2008, um programa de missões a Moçambique

com o objetivo de realizar os estudos técnicos iniciais necessários à execução do projeto. Durante

aquele ano foram realizadas 5 (cinco) missões e dentre os principais temas abordados em cada uma

delas, destacaram-se:

• Definição em favor do uso da fábrica de soros localizada em Moçambique (Final

Farmacêutica) como base para a adequação e construção da futura fábrica produtora de

antirretrovirais;

• Consenso sobre a necessidade de elaboração de Plano de Negócios para a iniciativa;

• Início da discussão sobre o arcabouço jurídico da futura fábrica moçambicana;

• Discussão sobre a lista de medicamentos a ser produzida;

• Identificação da necessidade de Moçambique quanto à regulação de medicamentos;

Page 74: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

73

• Inserção oficial da Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA/MS) para tratar da regulação

de medicamentos;

• Definição do desenho da Iniciativa, bem como da capacitação via ABC/MRE a ser realizada

e o formato da participação da ANVISA/MS no projeto;

• Construção de consenso sobre a necessidade de elaboração do Projeto Executivo para a

iniciativa;

• Consenso sobre o modelo de gestão da fábrica (100% de capital público);

• Decisão pela manutenção da linha de soros (Glicose e Cloreto de Sódio 0,5%).

Em paralelo a isso em outubro de 2008, foi submetido ao Congresso Nacional Brasileiro o

Projeto de Lei nº 4.145/2008 para autorização da doação de recursos por parte do Governo do Brasil

para a Primeira Fase do projeto no montante de R$ 13.600.000,00 (treze milhões e seiscentos mil

reais), sendo que uma parte seria destinada às obras para instalação da fábrica, outra para

equipamentos e utensílios e o restante aos Insumos para Medicamentos.

Ademais, foi assinado em 4 de setembro de 2008, o Ajuste Complementar ao Acordo Geral

de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de

Moçambique Para Implementação do Projeto "Fortalecimento Institucional do Órgão Regulador de

Medicamentos de Moçambique como Agente Regulador do Setor Farmacêutico".

Outro importante ato que também foi assinado no dia 4 de setembro de 2008, foi o Ajuste

Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil

e o Governo da República de Moçambique para Implementação por meio da Agência Brasileira de

Cooperação do Ministério das Relações Exteriores (ABC/MRE) do Projeto BRA/04/044

“Capacitação em Produção de Medicamentos Antirretrovirais e outros Medicamentos”.

Em seguida no período entre 17 de novembro a 17 de dezembro desse mesmo ano, foi

realizado o primeiro módulo deste projeto que foi na área de Garantia e Controle de Qualidade e

contou com a participação de dois técnicos moçambicanos que visitaram as instalações de

Farmanguinhos para participar da referida capacitação.

Ainda neste ano, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou Maputo e inaugurou as

instalações do Escritório Regional da Fiocruz em África localizadas nas dependências do Centro

Cultural Brasil-Moçambique. A iniciativa da Fiocruz em instalar uma representação permanente no

continente teve por objetivo ampliar e consolidar os projetos de cooperação em curso nos países de

Page 75: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

74

África buscando alinhar a prioridade da política externa do Governo Federal aos princípios

norteadores da cooperação sul-sul no campo da saúde.

Por fim, o Governo de Moçambique procedeu com a aquisição da planta industrial de soros

Final Farmacêutica que foi destinada à futura fábrica que se chamaria Sociedade Moçambicana de

Medicamentos S/A (SMM S/A) realizando os últimos atos necessários na aquisição da mencionada

fábrica de soros com o objetivo de adaptar a mesma para produção de medicamentos antirretrovirais

e outros de uso comum.

Ademais foi decidido após algumas análises, que a nova fábrica moçambicana contaria com

o apoio dos técnicos de Farmanguinhos/Fiocruz, para auxiliar na continuidade da produção que a

mesma possuía anteriormente. Desse modo, a Sociedade Moçambicana de Medicamentos S/A

também passaria a produzir soluções parenterais de grande volume – cloreto de sódio injetável

(0,9%) e glicose injetável (5%) ambos com a apresentação de 1000 ml – de tal modo a garantir o

fornecimento desses itens para a população moçambicana (FARMANGUINHOS, 2010).

Considerando que a obtenção de certificação internacional era mais um elemento da pauta

de sustentabilidade econômico-financeira da fábrica moçambicana, Farmanguinhos/Fiocruz realizou

uma inspeção nas dependências da unidade fabril que, por consequência demandou a elaboração de

um plano de ações corretivas.

Nesse sentido foi concluído um estudo sobre a planificação do recebimento da fábrica Final

Farmacêutica. Na conclusão deste processo foi designada uma Comissão Interministerial dentro do

governo moçambicano, contendo representantes do Instituto de Gestão das Participações do Estado

(IGEPE), do Ministério das Finanças, da Indústria e Comércio e da Saúde para planificar a

instalação da nova fábrica.

A Liberação de Recursos para o Financiamento da Iniciativa

Como a doação de equipamentos pelo Brasil a outro país não é permitida pelas leis

brasileiras, em 2009 o Congresso Nacional brasileiro aprovou a Lei 12.117/2009, após um ano de

tramitação, que autorizou a União a comprar e doar recursos à República de Moçambique,

necessários para a primeira fase do projeto. De acordo com o texto da lei, o Poder Executivo estaria

autorizado a efetuar a doação de recursos que seriam investidos nas obras para adequação da fábrica

moçambicana, em equipamentos e utensílios e insumos para medicamentos à República de

Moçambique no montante total de até R$ 13.600.000,00 (treze milhões e seiscentos mil reais) para

a primeira fase do projeto, com base nas dotações orçamentárias consignadas ao Ministério da

Page 76: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

75

Saúde no orçamento geral da União, com responsabilidade prevista para este Ministério e efetivada

mediante termo lavrado por autoridade competente deste mesmo órgão.

Porém, em razão da complexidade do projeto e da necessidade de recursos expressivos para

sua execução, o Governo Brasileiro optou por negociar outros recursos financeiros com alguns

parceiros para a realização de atividades do projeto, considerando os prazos para a disponibilização

das verbas (FARMANGUINHOS, 2010). Os parceiros financiadores brasileiros (Agência Brasileira

de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores – ABC/MRE e Ministério da Saúde do Brasil)

passaram a ter um papel crucial para o desenvolvimento da iniciativa (Quadro II).

QUADRO II – Recursos previstos, utilizados e saldos do projeto

Macro atividade Financiador Principal /

Tipo de Atividade

Recursos

Previstos

Recursos

efetivamente

liberados e

utilizados

Saldos em Dez/2013

Estudos Prévios

Agência Brasileira de Cooperação

(ABC/MRE)

Estudo de Viabilidade técnico-econômico

para a instalação da fábrica

US$ 455.400,0

0 (15/07/2005)

Recurso inteiramente

utilizado.

Capacitação

Técnica

Agência Brasileira de Cooperação

(ABC/MRE)

Projeto de Capacitação em Produção de

Medicamentos na época de sua assinatura

US$

776.241,00

(28/10/2008) 9

Estima-se que tenha

sido utilizado

US$ 200.000,00

Aporte de

Tecnologias e

Equipamento

Ministério da Saúde do Brasil mediante

aprovação do Congresso Nacional

Compra e Doação de Equipamentos,

Utensílios e Insumos para medicamentos10

R$

13.600.000,00

(14/12/2009)

Recurso inteiramente

utilizado.

Aporte para o

desenvolvimento

estrutural

Governo Federal (Mais Saúde)

Investimento a ser disponibilizado

especificamente para ações internacionais

na área de saúde no âmbito do Programa

Mais Saúde 2008 – 2011

R$

20.000.000,00

(dezembro de

2009)

Em execução

Fonte: Retirado da nota técnica Iniciativa de Instalação de Fábrica de Medicamentos Antirretrovirais e

Outros em Moçambique, elaborada em 2010 pela equipe técnica de Farmanguinhos responsável pela

execução do projeto, p.10, complementação própria sobre recursos utilizados, a partir das fontes

especificadas.

9 Refere-se ao Projeto de Capacitação elaborado pela ABC. 10 Refere-se ao montante a ser disponibilizado em recursos para Governo de Moçambique por meio da Lei nº 12.117, de

14 de dezembro de 2009.

Page 77: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

76

Durante este período, os recursos foram efetivamente liberados em suas origens e utilizados

segundo cronogramas específicos de execução, cabendo ao Instituto de Tecnologia em Fármacos

(Farmanguinhos/Fiocruz) a responsabilidade de proceder com a sua gestão à devida prestação de

contas, segundo os procedimentos legais junto de cada agente financiador.

Com a inserção oficial de Farmanguinhos na iniciativa, foi possível identificar, durante este

período no trabalho executado pela unidade, a aplicação dos recursos financeiros do projeto que

teve por objetivo a aquisição de passagens e diárias, a preparação de subsídios técnicos, a

elaboração do Projeto Executivo para obras de infraestrutura, o pagamento de pessoal, bem como

outros itens relevantes para a plena execução da iniciativa considerando cada umas das fontes dos

recursos descriminadas naquela época.

Após a liberação dos Recursos financeiros previstos na Lei 12.117/2009, Farmanguinhos

iniciou o processo de aquisição dos equipamentos para Moçambique, levando em consideração a

disponibilização orçamentária, entrega instalação, qualificação e validação dos mesmos.

Ademais, a partir de 2009, a equipe técnica de Farmanguinhos responsável pelo

desenvolvimento da cooperação inicia o processo de discussões em torno do Projeto Executivo para

as obras de adequação da já denominada Sociedade Moçambicana de Medicamentos que ao

contrário da antiga Final Farmacêutica já foi definida como sociedade anônima apresentando 100%

(cem por cento) de suas ações pertencentes ao Governo de Moçambique, sendo administrada pelo

Instituto de Gestão das Participações do Estado (IGEPE) vinculado ao Ministério das Finanças e

tutelado pelo Ministério da Saúde (MISAU). Também foram iniciadas as discussões para a

elaboração do Plano de Negócios da Sociedade Moçambicana de Medicamentos.

Durante o ano de 2009 foram realizadas 4 (quatro) missões de Farmanguinhos a

Moçambique e dentre os principais temas abordados em cada uma delas, destacaram-se:

1) Realização do levantamento das necessidades de insumos farmacêuticos e material de

embalagem (custos) para os antirretrovirais que serão fabricados pela Sociedade

Moçambicana de Medicamentos S.A.;

2) Realização de Treinamento para os funcionários da Sociedade Moçambicana de

Medicamentos no I Módulo de Boas Práticas de Fabricação;

3) Realização de inspeção na linha de produção de soros na Sociedade Moçambicana de

Medicamentos S.A. de acordo com as recomendações da OMS e ANVISA;

Page 78: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

77

4) Realização de Treinamento para os funcionários da Sociedade Moçambicana de

Medicamentos no II Módulo de Boas Práticas de Fabricação.

O Projeto Executivo e a Compra dos Equipamentos

Em janeiro de 2010 foi concluído e entregue ao governo de Moçambique o Projeto Executivo

para as obras de infraestrutura necessárias na já então denominada Sociedade Moçambicana de

Medicamentos S.A. (SMM). A proposta acordada internamente era que este projeto possibilitasse o

cumprimento de obras de adequação em fases independentes, sendo que, ao final, se tivesse uma

fábrica completa e capaz de produzir os medicamentos definidos de comum acordo.

Pela parte moçambicana, o Instituto de Gestão das Participações do Estado (IGEPE), órgão

vinculado ao Ministério das Finanças e detentor de 100% das ações da fábrica, publicou localmente

edital específico visando à contratação de empresa para realizar as obras, porém não foi possível

concluir o processo licitatório em razão do valor orçado (USD 15 milhões) pela única empresa que

apresentou proposta na época, considerado acima daqueles praticados no mercado e dos recursos

disponíveis pelo IGEPE na ocasião.

Diante deste fato, naquele momento, a alternativa encontrada pela equipe de

Farmanguinhos/Fiocruz foi a de assessorar o Governo de Moçambique a localizar e avaliar outras

empresas que pudessem realizar o empreendimento de adequação com custos menores do que

aquele apresentado pela única empresa mencionada. Como resultado, foi identificada a empresa

Pro-Air Lda (empresa sul-africana com experiência no segmento industrial farmacêutico) com

capacidade para atender todos os requisitos técnicos e de viabilidade econômica para dar

prosseguimento ao empreendimento. Tal avaliação foi realizada por uma equipe moçambicana e

subsidiada pelo corpo técnico de Farmanguinhos. A modalidade utilizada para contratação da

empresa foi a carta convite e contou com o posicionamento do IGEPE para as devidas providências

contratuais.

No entanto, o Governo de Moçambique alegou incapacidade financeira em arcar com o

pagamento do valor total previsto para a obra, fazendo com que o Governo brasileiro,

principalmente com a visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dos Ministros de Estado

Celso Amorim e José Gomes Temporão à Sociedade Moçambicana de Medicamentos neste ano,

negociassem com a empresa VALE de Moçambique a doação de USD 4,5 milhões ao governo

moçambicano para que o país cumprisse com o financiamento da obra, o que era equivalente a 80%

dos custos totais.

Page 79: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

78

Enquanto isso, os representantes de Farmanguinhos continuaram a executar durante as

Missões realizadas a Moçambique neste período, atividades de Capacitação Técnico-Gerencial in

locu na Sociedade Moçambicana de Medicamentos S/A (SMM S/A), principalmente no tema das

Boas Práticas de Fabricação (BPF). A realização da capacitação in locu para os técnicos da SMM

S/A durante estas missões foi identificada como elemento necessário para a linha produtiva da

fábrica e, por consequência, representou uma ação complementar ao Projeto “Capacitação em

Produção de Medicamentos Antirretrovirais e Outros Medicamentos” que estava sob a

responsabilidade da Agência Brasileira de Cooperação (ABC/MRE). Ademais existiu por parte de

Farmanguinhos iniciativas no objetivo de oferecer suporte técnico para manutenção da linha de

soros e realização de inspeção e elaboração de planos de ações corretivas para a fábrica.

Foi concluído neste período, a elaboração da documentação necessária para o registro dos

medicamentos Nevirapina 200 mg comprimidos, Ribavirina 250 mg cápsulas11, da Lamivudina 250

mg comprimidos e da Amoxicilina 500 mg cápsulas que seriam alvos da transferência de tecnologia

para Moçambique. Esses dossiês foram entregues à contraparte moçambicana durante missões

organizadas por Farmanguinhos àquele país em 2010. Ademais, neste período também foram

estruturadas as bases documentais para a transferência de tecnologia dos medicamentos que seriam

produzidos em Moçambique.

Iniciou-se o processo de Aquisição dos equipamentos pelo governo brasileiro a serem doados

para Moçambique. Neste sentido, concluiu-se que parte dos equipamentos que integrariam as linhas

de produção de antirretrovirais, de produção de outros sólidos orais, de embalagens, do Controle da

Qualidade e Almoxarifado da fábrica seriam adquiridos em Farmanguinhos (importação) com

entrega direta em Moçambique, enquanto a outra parte seria adquirida nacionalmente, guardada em

Farmanguinhos e posteriormente enviadas a Moçambique. A equipe técnica de Farmanguinhos

solicitou ao governo moçambicano, na época, a indicação de despachante e trâmites necessários

para o desembaraço alfandegário incluindo a isenção de impostos e taxas.

Durante o ano de 2010 foram realizadas 7 (sete) missões a Moçambique e dentre os principais

temas abordados em cada uma delas, destacaram-se:

Entrega do Projeto Executivo para as obras de adequação da Sociedade Moçambicana de

Medicamentos;

11 O Medicamento Ribavirina 250 mg no início do projeto estava previsto para ser produzido na SMM, no entanto a

produção do mesmo foi repensada de acordo com as necessidades moçambicanas.

Page 80: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

79

Aquisição de informações técnicas relacionadas à certificação internacional tanto da

Organização Mundial da Saúde como da Food and Drug Administration junto à empresa

farmacêutica sul-africana ASPEN PHARMACARE;

Prestação de apoio técnico ao Governo de Moçambique no processo de elaboração da

Licitação das Obras para a Sociedade Moçambicana de Medicamentos S/A;

Realização de reuniões técnicas com o Departamento Farmacêutico e Ministério da Saúde

moçambicanos para avaliar a situação da contratação da Empresa Pro-Air Lda que foi

responsável pelas obras de adequação da SMM S.A;

Realização dos preparativos necessários para a visita oficial do Presidente Luiz Inácio Lula

da Silva às instalações da SMM S.A.;

As Obras de Adequação e Infraestrutura e a Entrega dos Equipamentos

As obras de adequação de infraestrutura só foram iniciadas, entretanto, em 2011, financiadas

pela empresa mineradora brasileira Vale do Rio Doce, após intensas negociações, pois Moçambique

não conseguiu disponibilizar recursos para tal, conforme acordado anteriormente. A execução

contou com o acompanhamento e assistência técnica de Farmanguinhos.

Em abril de 2011, foram iniciadas as obras de adequação da SMM para produção de

Antirretrovirais e contou com o acompanhamento e a assistência técnica de Farmanguinhos. Nessa

primeira fase, as obras enfatizaram os seguintes pontos:

Tratamento de Efluentes;

Construção das paredes do Laboratório de Controle de Qualidade;

Montagem das salas com a instalação dos painéis;

Pintura da maior parte das salas bem como a conclusão da alvenaria nas mesmas.

Neste mesmo ano foram registrados os primeiros quatro medicamentos de titularidade de

Farmanguinhos/Fiocruz (Nevirapina 200 mg comprimidos, Ribavirina 250 mg cápsulas,

Lamivudina 250 mg comprimidos e Amoxicilina 500 mg cápsulas) junto à Autoridade Regulatória

de Moçambique.

Ademais, houve a contratação de empresa para auditoria internacional (chamada Austral

Cowi Lda) que operava em Moçambique para adequar e finalizar o Plano de Negócios à legislação,

linguagem e cultura local. Nesse sentido, houve intenso trabalho da parte brasileira para que o Plano

Page 81: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

80

de Negócios da fábrica conferisse especial atenção à questão da sustentabilidade econômica do

negócio farmacêutico em Moçambique.

No período entre 16 de novembro a 9 de dezembro do corrente ano, foi realizado o módulo

de Garantia e Controle de Qualidade e contou com a participação de três técnicos moçambicanos

que visitaram as instalações de Farmanguinhos para participar da referida capacitação que foi

financiada no âmbito do Projeto denominado Capacitação em Produção de Medicamentos

Antirretrovirais e Outros Medicamentos que estava sob a responsabilidade da Agência Brasileira de

Cooperação do Ministério das Relações Exteriores (ABC/MRE). Este foi o segundo módulo de

capacitação realizado no âmbito deste projeto.

No decorrer deste ano, o procedimento de compra dos equipamentos foi feito pelo Governo

Brasileiro, mais precisamente por Farmanguinhos, compreendendo uma complexa logística desde a

aquisição até a efetiva entrega destes em Maputo, além dos procedimentos para registro como

doação ao governo moçambicano.

Todos os equipamentos e materiais envolvidos nesse processo se destinaram à instalação e

ao uso na Sociedade Moçambicana de Medicamentos S.A, sendo estes utilizados para a fabricação e

controle da qualidade de medicamentos.

Este procedimento de compra e entrega, que foi de responsabilidade de

Farmanguinhos/Fiocruz, conforme já mencionado contou com dois tipos de compras a serem feitas

da seguinte forma: as compras nacionais foram concluídas no Brasil, com os equipamentos e

materiais entregues em Farmanguinhos e posteriormente exportados para Moçambique enquanto as

compras internacionais com os equipamentos e materiais entregues diretamente pelos fabricantes

e/ou fornecedores para o Governo de Moçambique.

Ademais, também foi feito um planejamento para a instalação destes equipamentos devido

às diferentes configurações, sensibilidade, área destinada para uso e necessidades para sua

instalação durante o período das obras da fábrica, bem como medidas preventivas que foram

tomadas levando em consideração o transporte, tempo, condições de estocagem destes

equipamentos e procedimentos de manutenção até que a instalação e operação fossem realizadas.

Durante o ano de 2011 foram realizadas 9 (nove) missões a Moçambique e dentre os

principais temas abordados em cada uma delas, destacaram-se:

Realização de Avaliação Técnica do Projeto Executivo das Obras da Sociedade

Moçambicana de Medicamentos;

Page 82: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

81

Verificação da situação dos equipamentos que estavam sendo entregues em Maputo;

Acompanhamento das atividades de adequação das obras civil da Sociedade Moçambicana

de Medicamentos;

Verificação da situação da Estação de Tratamento de Esgoto para a Sociedade Moçambicana

de Medicamentos e detalhes do Projeto Executivo;

Realização de reuniões técnicas com a empresa Pro Air Lda para a confirmação das

especificações técnicas das áreas de produção e do controle de qualidade;

Verificação da situação dos equipamentos importados que estivessem sendo entregues na

Central de Abastecimento do Ministério da Saúde de Moçambique.

Os primeiros Lotes de Produção e o início da Transferência de Tecnologia

Em fevereiro de 2012 as obras de adequação da fábrica moçambicana foram concluídas,

bem como realizado todo o procedimento de compra dos equipamentos de grande porte, o que

exigiu uma complexa logística, desde a aquisição até a efetiva entrega na capital moçambicana

destes. A contraparte brasileira prestou assistência técnica a todas as atividades relativas à produção

da fábrica, bem como na finalização do seu Plano de Negócios.

Em 21 de julho de 2012, o Vice-Presidente da República Federativa do Brasil, Michel

Temer visitou a Sociedade Moçambicana de Medicamentos e participou do início das operações

fabris com a inauguração da linha de embalagem do medicamento antirretroviral Nevirapina 200

mg que foi o primeiro produto a ter o seu processo de tecnologia transferido para a fábrica

moçambicana com a marca SMM S/A.

Ademais, houve o registro dos primeiros quatro medicamentos já mencionados em nome da

SMM S/A e a conclusão da capacitação de 5 (cinco) funcionários moçambicanos treinados em

Farmanguinhos no módulo de Produção Farmacêutica.

Durante o ano de 2012 foram realizadas 9 (nove) missões a Moçambique e dentre os

principais temas abordados em cada uma delas, destacaram-se:

• Levantamento final dos pedidos dos equipamentos da fábrica;

• Inspeção das instalações físicas da fábrica;

• Acompanhamento das instalações dos equipamentos na planta da fábrica;

• Preparativos para a visita do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Page 83: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

82

Em 2013, a fábrica foi preparada para iniciar o seu processo produtivo e as operações

relacionadas ao seu controle de qualidade. O plano de negócios também foi concluído e aprovado

pela respectiva contraparte moçambicana trazendo diretrizes importantes como o desenho do

modelo de gestão e o aporte financeiro anual da SMM S/A. O acompanhamento da gestão fabril por

parte dos técnicos brasileiros, a continuidade dos módulos de capacitação e a orientação na

qualificação de fornecedores também foram atividades realizadas neste período. Ademais, a

solicitação do certificado de Boas Práticas de Fabricação em Moçambique também foi feita.

Durante o ano de 2013 foram realizadas 10 (dez) missões a Moçambique e dentre os

principais temas abordados em cada uma delas, destacaram-se:

Verificação do status das instalações dos equipamentos produtivos;

Realização de reuniões de apoio junto a Embaixada do Brasil em Moçambique.

A Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM)12

A instituição definida por parte do governo moçambicano como responsável pela produção

destes medicamentos foi denominada Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM S/A). A

fábrica tem por objetivo criar as condições para que exista em Moçambique uma unidade produtora

de medicamentos com capital 100% público e sustentável. Fundamentalmente um empreendimento

social de apoio às vítimas do HIV/SIDA em Moçambique.

Por meio desta fábrica, Moçambique poderá ter novas condições de reduzir os indicadores

de mortalidade decorrentes da incidência da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA)

ocasionada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), além de produzir medicamentos para

outros agravos à saúde no país associados à possibilidade de disponibilização desses insumos aos

países vizinhos que apresentarem demandas.

Esta Cooperação Técnica Internacional com o Governo moçambicano tem três principais

objetivos centrais: a) Transferência de técnicas e tecnologias para a produção de medicamentos e

para o controle de qualidade; b) Capacitação de recursos humanos moçambicanos, em nível técnico

e gerencial, para atuar na produção farmacêutica da SMM; e c) Assessoria especializada ao governo

de Moçambique para o gerenciamento administrativo e estratégico do negócio farmacêutico e a

consequente busca pela certificação internacional (FARMANGUINHOS, 2011).

12 A missão e uma breve visão da SMM S/A pode ser consultada no Anexo II.

Page 84: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

83

Levando em consideração as linhas produtivas instaladas, a SMM S.A. teria condições de

produzir os medicamentos que constam do Quadro III a seguir, conforme acordado com o

Ministério da Saúde de Moçambique (MISAU) e segundo as necessidades da população do país.

Além de dar continuidade com a produção de soros, esta linha de produção será modernizada para

responder às exigências regulatórias e, posteriormente, poderá também produzir outros

medicamentos, de acordo com a demanda do mercado moçambicano.

QUADRO III – Medicamentos a serem produzidos pela SMM no âmbito da

Transferência de tecnologia.

Nº PRINCÍPIO ATIVO APRESENTAÇÃO INDICAÇÃO

1 Ácido Fólico 5 mg comprimido Antianêmico

2 Captopril 25 mg comprimido Anti-hipertensivo

3 Hidroclotiazilda 25 mg comprimido Diurético

4 Lamivudina 150 mg comprimido revestido Antiviral

5 Nevirapina 200 mg comprimido Antirretroviral

6 Propanolol 40 mg comprimido Anti-hipertensivo

7 Haloperidol 5 mg comprimido Neuroléptico

8 Lamivudina + Zidovudina (130 + 300) mg comprimido Antirretroviral

9 Diazepam 10 mg comprimido Ansiolítico

10 Glibenclamida 5 mg comprimido Antidiabético

11 Metronidazol 250 mg comprimido Anti-infeccioso

12 Zidovudina 300 mg comprimido Antirretroviral

13 Lamivudina + Zidovudina +

Nevirapina

(150+300+200) mg comprimido

revestido

Antirretroviral

14 Lamivudina + Zidovudina +

Nevirapina

(30+60+50) mg comprimido

revestido

Antirretroviral

15 Cetoconazol 200 mg comprimido Antimicótico

16 Fluconazol 100 mg cápsula Antimicótico

Fonte: Farmanguinhos, 2011.

Além dos produtos que constam da lista acima, a linha de produção de antirretrovirais e

outros medicamentos poderá, durante a vigência do acordo de transferência de tecnologia, passar a

produzir outros medicamentos que fazem parte do portfólio de Farmanguinhos e que podem ser

fabricados pelos equipamentos instalados na SMM. Após o término da Cooperação,

Farmanguinhos/Fiocruz poderá disponibilizar os novos produtos para futuras transferências de

tecnologia para SMM S/A, desde que haja compatibilidade com os equipamentos instalados e

interesse do Governo de Moçambique.

Page 85: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

84

Essa produção poderá aumentar com o tempo, na medida em que forem sendo assimilados

os processos produtivos e que haja demanda, seja do MISAU, seja de outros potenciais clientes na

região.

CAPÍTULO VI – RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dentre os principais problemas na transferência de tecnologia e operacionalização da SMM

S/A, destacam-se os seguintes:

Insumos (Ingredientes Farmacêuticos Ativos)

Conforme já mencionado no guia da OMS, as empresas farmacêuticas dos países em

desenvolvimento na maioria das vezes dependem da importação de matérias-primas da China e

Índia. Nesse sentido, existe grande dependência em relação a empresas estrangeiras fornecedoras de

toda matéria-prima e da maior parte dos insumos a serem usados no processo produtivo da

Sociedade Moçambicana de Medicamentos, principalmente em empresas chinesas e indianas.

Ademais, a importação de matéria-prima é sujeita ao pagamento de taxas aduaneiras em

Moçambique, enquanto o produto acabado não paga impostos, fato que promove uma concorrência

desleal entre a indústria local e os importadores de medicamentos.

Equipamentos

Existe dependência em relação a empresas estrangeiras para serviços de manutenção de boa

parte dos equipamentos que serão utilizados na fábrica moçambicana, pois foram comprados junto a

fornecedores europeus, que dominam melhor as técnicas de operação dos equipamentos instalados.

Financiamento

Há insuficiência no que diz respeito ao financiamento da manutenção institucional da

Sociedade Moçambicana de Medicamentos, tanto no período pré-operacional quanto no período de

produção. Ademais existem dificuldades financeiras por parte da contraparte moçambicana como

atraso de salários dos trabalhadores da fábrica e o não cumprimento de alguns compromissos

financeiros firmados pela parte moçambicana no financiamento do projeto, principalmente em

disponibilizar instalações e infraestrutura adequadas à execução de algumas atividades, conforme

acordado no último ajuste complementar assinado entre os dois países em 2011.

Page 86: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

85

Recursos Humanos

Conforme já mencionado no guia da OMS, é de extrema importância para que um país

mantenha ou crie capacidade de produção farmacêutica, ter uma massa de trabalhadores

qualificados, principalmente no uso de equipamentos de precisão científica usados na produção de

medicamentos, controle de qualidade e processos de garantia de qualidade.

Contudo, surgem dificuldades de retenção dos recursos humanos moçambicanos treinados

no Brasil para o projeto, principalmente por falta de incentivos na fase pré-operacional da fábrica

moçambicana. Ademais também pode ser identificado o despreparo técnico de vários funcionários

moçambicanos responsáveis pela absorção da tecnologia (ausência de capacidade técnica e às vezes

falta de identificação com os objetivos do projeto) e pequenas diferenças culturais no repasse da

tecnologia entre brasileiros e moçambicanos como resistência às eventuais mudanças sugeridas na

rotina de trabalho.

Assuntos Regulatórios

O guia da OMS aponta a importância de que cada país tenha uma autoridade reguladora de

medicamentos, uma vez que a reputação da indústria farmacêutica de uma região pode ser

mensurada por meio de sua autoridade reguladora de medicamentos. No entanto, identifica-se uma

fraca regulamentação do setor farmacêutico industrial de Moçambique bem como uma fiscalização

deficiente deste setor no que diz respeito a entrada de medicamentos de baixa qualidade e

procedência duvidosa no país, prejudicando toda população e o desenvolvimento de uma indústria

eficiente e de qualidade, apesar do suporte da Agência Nacional de Vigilância em Saúde –

ANVISA, do Brasil, ter dado suporte por meio de capacitações de profissionais no setor regulatório

moçambicano.

A falta de capacidade de inspeção e normatização dos órgãos moçambicanos também

contribuem para uma autoridade regulatória deficiente e faz com que a qualidade de seus serviços

seja exercida pelos organismos internacionais de regulamentação farmacêutica. Tal fato contribui

para que as entidades internacionais confiem cada vez menos na capacidade de monitoramento da

autoridade regulatória local em Moçambique e nas diretrizes por ela publicadas, uma vez que

conforme já mencionado, uma autoridade reguladora fraca faz com que os medicamentos

disponibilizados no mercado por este país tenham menor credibilidade. Ademais, também existe a

ausência de legislação regulatória para o uso e produção de medicamentos no país.

Page 87: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

86

Políticas Públicas

A dependência de vários setores (saúde, finanças, meio ambiente, indústria e comércio) para

a regulamentação da atividade farmacêutica, gera lacunas de difícil solução para o segmento em

Moçambique.

O risco de privatização da Sociedade Moçambicana de Medicamentos, que poderá ocorrer

por mudanças de pensamento político dos dirigentes moçambicanos pode comprometer o alcance

dos objetivos que norteiam a cooperação entre Moçambique e Brasil, de melhorar a disponibilidade

e o acesso aos medicamentos na região, tendo como foco uma visão social e não apenas econômica.

Possíveis mudanças na lista de medicamentos adotadas pelo Ministério da Saúde de Moçambique

podem dificultar o fornecimento dos medicamentos produzidos pela fábrica moçambicana para o

governo de Moçambique.

Ademais, torna-se importante a exemplo do Brasil que teve a formulação de políticas

públicas no que diz respeito à produção de medicamentos genéricos e no campo da propriedade

intelectual (licença compulsória), que o governo de Moçambique também formule políticas públicas

semelhantes nestas áreas que possam juntamente com a fábrica moçambicana estimular a produção

e o acesso a medicamentos no país.

Governança

No que diz respeito ao papel do governo de Moçambique, identifica-se em algumas

situações a falta de vontade política deste devido a mudanças no cenário político no país e em

outras instituições moçambicanas, bem como eventuais mudanças nas políticas públicas dos dois

países envolvidos na cooperação gerando uma governança desfavorável em torno do projeto com

atores moçambicanos apresentando em algumas situações pouco interesse na instalação da fábrica

no país.

Conforme entendimento da OMS, uma transferência de tecnologia precisa de garantias por

parte do governo que a recebe de que os pré-requisitos básicos para a fabricação de medicamentos

com qualidade e com custo razoável possam ser possíveis.

Outro ponto a ser destacado em relação à governança é a dependência de Moçambique em

relação a doadores internacionais, pois o país mobiliza vários setores e segmentos de sua sociedade

em prol de administrar a ajuda proveniente desses doadores e seus interesses no país.

Page 88: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

87

Logística

Existem dificuldades de origem técnica relacionadas à localização de fornecedores para a

fábrica moçambicana, principalmente relativos à compra de máquinas e equipamentos e suas

respectivas instruções de operação e manutenção. Nesse sentido, a logística interna e os controles de

estoques para a fábrica no país estão em formação, enquanto a logística externa se mostra

burocrática e deficiente.

Infraestrutura

A OMS enfatiza a importância de que os países no momento de estabelecerem cooperação

internacional na área farmacêutica examinem outras fábricas na região que receberam a tecnologia a

fim de identificar se estas possuem fontes confiáveis de energia elétrica e acesso a água limpa, pois

a ausência desta infraestrutura básica costuma ser problemática na produção de medicamentos.

Assim, encontra-se precariedade no suprimento energético em torno da fábrica, principalmente no

que diz respeito à luz e água em determinas situações.

Propriedade Intelectual

A Propriedade Intelectual em torno da tecnologia transferida é um ponto fundamental, pois a

partir das negociações no âmbito da Declaração de Doha, os países considerados menos

desenvolvidos, a exemplo de Moçambique, obtiveram a extensão do prazo de adesão ao tratado no

que tange à concessão de patentes farmacêuticas até 2016, com a possibilidade de se adequar até

2021.

Nesse sentido, Moçambique sendo signatário da Organização Mundial do Comércio (OMC)

desde 1994, através da ratificação à Ata final que Incorporou os Resultados das Negociações

Comerciais Multilaterais da Rodada do Uruguai, vem se adequando gradativamente às regras do

Acordo sobre os Aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio

(TRIPS), às quais estavam previstas para passar a vigorar integralmente em 2016, embora uma

decisão recente do Conselho do TRIPS na OMC tenha facultando aos países menos desenvolvidos a

extensão do período de adequação para 2021.

No que se refere à adesão ao TRIPS, conforme mencionado, o país vem ratificando

Tratados, Acordos e Convenções vigentes, com intuito de proceder à adequação internacional

imposta à plena integração ao sistema. Na década de 1990, outras adesões por parte de Moçambique

Page 89: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

88

ocorreram como a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) em 1996; o Acordo e

Protocolo de Madrid, ambos em 1996; a Organização Regional de Propriedade Intelectual de Países

da África (ARIPO) em 1999; a Convenção da União de Paris (CUP), em 1997 e o Tratado de

Cooperação em Matéria de Patentes (PCT), em 1999.

O trâmite do depósito das patentes no país se dá a partir do depósito realizado no escritório

da ARIPO diretamente ou através do depósito internacional utilizando o Acordo de Cooperação em

Matéria de Patentes (PCT) do qual Moçambique também é signatário desde 1999, ou ainda no seu

próprio Instituto de Propriedade Industrial a ser encaminhado ao escritório da ARIPO.

Atualmente Moçambique concede proteção por patente para produtos e processos

farmacêuticos a partir da promulgação do seu código de propriedade industrial em 2006. Importante

destacar que Moçambique permite como é facultado pelo Acordo TRIPS, a fabricação de

medicamentos em seu território conforme descrito em seu código de propriedade industrial que

prevê a aplicação das denominadas Licenças Obrigatórias que podem ser utilizadas nos casos de

invenções de primordial importância para a saúde pública, defesa nacional e desenvolvimento

econômico e tecnológico ou nos casos de patentes que já expiraram e estão em domínio público.

Dessa forma, a SMM somente poderá produzir em território moçambicano os medicamentos

que estiverem com suas patentes expiradas e em domínio público, tornando a sua produção limitada

no país do ponto de vista legal.

Page 90: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

89

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A luta contra a epidemia de HIV/AIDS na África já acontece há décadas, mas os resultados

ainda são insuficientes, principalmente no que diz respeito à deficiência dos mais variados recursos

do sistema de saúde e ao acesso aos insumos necessários para diagnóstico da doença e tratamento

dos pacientes. O reconhecimento de que a epidemia não é apenas uma questão de saúde, mas um

tema que pode afetar o desenvolvimento, tem mobilizado a comunidade internacional a sensibilizar

os ativistas internacionais na busca de melhores meios para enfrentar esse desafio.

O acesso a medicamentos antirretrovirais na África é um dos grandes obstáculos para o

enfrentamento da doença, pois nos países africanos geralmente se prioriza a compra de

medicamentos provenientes das transnacionais, ou as doações ou ajuda humanitária de países e

organismos internacionais, uma vez que existem poucas fábricas de medicamentos no continente

em condições de produzir dentro dos padrões de qualidade e com preços competitivos no mercado

(RUSSO et al, 2014). Nesse cenário, a cooperação Sul-Sul surge como um dos meios para melhorar

a resposta no combate à epidemia no continente africano.

A experiência brasileira no combate à AIDS é reconhecida internacionalmente e respeitada

nos principais foros multilaterais que tratam do tema, principalmente no que diz respeito à produção

de medicamentos genéricos e no enfrentamento de alguns dispositivos relacionados à propriedade

intelectual para a manutenção do seu programa de acesso universal aos medicamentos

antirretrovirais (LUZ, 2006).

Nesse sentido, o projeto de instalação da SMM é um exemplo da denominada “cooperação

estruturante em saúde” (ALMEIDA et al, 2010), uma forma de cooperação internacional que busca

a construção de capacidades locais para o desenvolvimento, com a integração entre formação de

recursos humanos, fortalecimento organizacional e desenvolvimento institucional, buscando romper

com a tradicional transferência passiva de tecnologia e de recursos humanos que em geral

caracterizam os modelos de cooperação Norte-Sul (p. 28)

A expectativa é de que a Sociedade Moçambicana de Medicamentos possa assegurar o

fornecimento dos medicamentos antirretrovirais aos pacientes que estão em tratamento no país,

estabelecer bases para o inicio da produção de genéricos em Moçambique, reduzir a dependência

moçambicana de doadores internacionais, de importações de medicamentos e da ajuda humanitária,

criando capacidade local na produção farmacêutica e gerenciamento industrial.

Contudo, além das limitações de recursos de ambos os lados, e de outros fatores que os dois

países enfrentam nesta cooperação, muitos problemas devem ser minimizados para o alcance desses

Page 91: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

90

objetivos. Esta pesquisa identificou alguns dos principais obstáculos para que a produção

farmacêutica moçambicana atenda os padrões de qualidade aceitos internacionalmente e que

precisam ser abordados por meio de políticas e ações a fim de garantir uma produção sustentável.

A fábrica moçambicana não pode ser vista apenas na perspectiva econômica, relegando a um

segundo plano sua dimensão social na atenção à saúde. Entretanto, ao longo de sua implantação

observa-se pouca coordenação entre os órgãos mais estratégicos do governo para essa cooperação,

uma vez que o Ministério da Saúde, que inicialmente negociou e conduziu o projeto, foi alijado do

empreendimento, que passou a ser gerenciado pelo IGEPE – Instituto de Gestão das Participações

do Estado, vinculado ao Ministério das Finanças.

Em síntese, a autoridade máxima do setor não esteve diretamente envolvida em decisões

estratégicas posteriores e essenciais para o futuro da fábrica. Esta questão do maior envolvimento

das autoridades setoriais nesse processo deve ser resolvida pelos atores diretamente envolvidos, de

ambos os países, a fim de garantir a sustentabilidade da iniciativa, por um lado, e a expansão do

setor farmacêutico local por outro. Mas papel crucial cabe ao governo de Moçambique, que deve

garantir a sustentabilidade da fábrica, uma vez terminada a cooperação. A transferência de

tecnologia para a produção pública de medicamentos deve ser acompanhada, portanto, da

formulação e implementação local de outras políticas relacionadas, como por exemplo. uma política

nacional de assistência farmacêutica, entre outras, e os produtos da fábrica não devem ser vistos

apenas como possibilidade de algum retorno financeiro para o Estado. Aparentemente, essa

percepção ainda não é clara em Moçambique.

A qualidade e o aumento da produção da SMM dependerão, em última instância, do

compromisso do governo de Moçambique com a fábrica, seja na sua manutenção cotidiana, seja na

sua articulação com o setor saúde como um todo.

Há, ainda, a possibilidade de ampliar o escopo de atuação da SMM, disponibilizando seus

produtos nos mercados locais e regionais. Entretanto, a confiança dos países e dos consumidores na

qualidade dos medicamentos produzidos localmente ainda deve ser conquistada, e isso precisa ser

promovido pelo governo moçambicano, intervindo e reforçando a capacidade da autoridade

reguladora de medicamentos no país.

A redução do preço final dos produtos da SMM, tornando-a uma empresa competitiva no

mercado, irá depender da capacidade de produzir com qualidade os medicamentos propostos,

levando-se em conta os insumos necessários para atender o mercado regional. Contudo novos

investimentos ou financiamentos podem também depender da efetiva implementação das

Page 92: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

91

flexibilidades do Acordo TRIPS no âmbito dos direitos de patentes em Moçambique, que poderão

contribuir diretamente para a melhoria do acesso aos medicamentos no país.

No que se refere aos aspectos estruturais, faz-se necessário: a identificação de bons

fornecedores de insumos, a retenção dos recursos humanos capacitados, o fortalecimento da

autoridade reguladora de medicamentos no país, a manutenção do financiamento dos custos e

despesas da fábrica, a garantia de uma boa manutenção para os equipamentos adquiridos e uma boa

governança, mantendo-se a vontade política para a consolidação da Sociedade Moçambicana de

Medicamentos. Ademais, o referido projeto pode ser considerado uma referência regional no que

diz respeito ao modelo de cooperação Sul-Sul para o continente africano, que é prioridade na

agenda da política externa brasileira.

Por fim, a transferência de tecnologia surge como uma alternativa para preencher a lacuna

entre a produção de medicamentos para o mercado local e a produção de medicamentos para o

mercado internacional no continente africano, e o governo de Moçambique tem um papel relevante

a desempenhar nesse processo, principalmente na garantia do acesso aos medicamentos por sua

população, assegurando a articulação entre o sistema de saúde e a produção pública de

medicamentos, que pode ser um dos fatores-chave para o desenvolvimento do país.

Page 93: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

92

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LEGISLAÇÃO CITADA

Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual (TRIPS);

Artigos 5º e 196 da Constituição da República Federativa do Brasil;

Código de Propriedade Industrial de Moçambique;

Código de Propriedade Intelectual brasileiro (Lei 5772/71);

Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948;

Decreto 6108/2007;

Lei 9313 de 13 de novembro de 1996 (Lei Sarney);

Lei 9787/1999 (Lei de Genéricos);

Lei de Propriedade Industrial do Brasil (Lei 9279/96);

Lei Orgânica 8.080/1990;

Protocolo de San Salvador;

Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA Nº 17/2010;

Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA Nº 57/2009;

LISTA DE DOCUMENTOS ANALISADOS

Acordo Geral de Cooperação entre a República Popular de Moçambique e a República

Federativa do Brasil, assinado em Brasília, em 15 de setembro de 1981;

Protocolo de Intenções entre Brasil e Moçambique sobre Cooperação Técnica na Área de Saúde,

assinado em 21 de junho de 2001;

Protocolo de Intenções entre Brasil e Moçambique sobre Cooperação Científica e Tecnológica

na área de Saúde, assinado em 05 de novembro de 2003;

Ajuste complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre Brasil e Moçambique para a

Implementação do Projeto “Estudo de Viabilidade Técnico e Econômico para a Instalação da

Fábrica de Medicamentos em Moçambique para Produção de Medicamentos Anti-retrovirais e

Outros”, assinado em 15 de julho de 2005;

Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa

do Brasil e o Governo da República de Moçambique Para Implementação do Projeto

"Fortalecimento Institucional do Órgão Regulador de Medicamentos de Moçambique como

Agente Regulador do Setor Farmacêutico", assinado em 4 de setembro de 2008;

Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa

do Brasil e o Governo da República de Moçambique para Implementação do Projeto

“Capacitação em Produção de Medicamentos Anti-Retrovirais e outros Medicamentos”,

assinado em 4 de setembro de 2008;

Lei nº. 12.117, de 14 de dezembro de 2009, que autoriza a União a doar recursos à República de

Moçambique para a instalação da fábrica de antirretrovirais e outros medicamentos; e

Page 97: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

96

Ajuste complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre Brasil e Moçambique para o

Projeto de Instalação da Fábrica de Antirretrovirais e Outros Medicamentos de Moçambique,

assinado em 22 de dezembro de 2011.

Plano de Negócios da SMM: Situação do Mercado Farmacêutico em Moçambique e na Região

da SADC – Análise Econômica e Financeira – março de 2014.

Page 98: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

97

ANEXO I − Produção local de fármacos e transferência de tecnologia nos países em desenvolvimento

País / Região /

Posição em relação

ao TRIPS

Laboratório que

absorveu a

Transferência de

Tecnologia /

Natureza Jurídica

Tipo de tecnologia

transferida

Forma de

transferência /

Parcerias

Atividades que facilitaram a transferência Resultados

ARGENTINA –

América do Sul -

signatário do TRIPS

desde 1995

Laboratório público

argentino ELEA

Parceria para a produção

de produtos biológicos

Fusão com o laboratório

Warner Lambert

Company que repassou

a tecnologia

Assuntos Regulatórios, autorização de

comercialização, ensaios clínicos, prescrição de

medicamentos por denominação comum

internacional, transferência de tecnologia e

investimentos estrangeiros diretos, políticas

industriais e de ciência e tecnologia

Abastecimento de

produtos biológicos ao

governo argentino

BANGLADESH –

Ásia – signatário do

TRIPS desde 1995

(classificado como país

em desenvolvimento)

Empresas de privadas

Beximco

Pharmaceuticals Ltd e

Square Pharmaceuticals

Ltd.

Parcerias para produção

de medicamentos

essenciais

Parcerias com outras

empresas

multinacionais no país.

Políticas e regulamentações específicas sobre

medicamentos, propriedade intelectual, políticas

industriais e de investimentos, políticas de ciência,

tecnologia e inovação, educação e boa governança.

Fornecimento de

medicamentos

essenciais ao governo

de Bangladesh

COLÔMBIA –

América do Sul -

signatário do TRIPS

desde 1995

Empresa privada

Tecnoquímicas S.A.

Parcerias para pesquisa,

desenvolvimento e

produção de

medicamentos no

combate a doenças

tropicais.

Parceria com outra

empresa multinacional

no país

Estruturação do sistema de saúde, assuntos

regulatórios, autorização de comercialização de

produtos, banco de dados específicos, ensaios

clínicos, controle de preços, propriedade

intelectual, transferência de tecnologia,

investimentos estrangeiros diretos e políticas

industriais.

Fornecimento de

medicamentos de

combate a doenças

tropicais ao governo

da Colômbia.

Page 99: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

98

ETIÓPIA –

África – membro

observador do TRIPS

Empresa Joint Venture

Sino-Ethiop Associate

Private Limited

Company

Parceria para produção de

insumos farmacêuticos

Parceria com empresas

chinesas na região.

Políticas e regulamentações específicas sobre

medicamentos, propriedade intelectual,

transferência de tecnologia, políticas industriais e

investimentos, educação, boa governança e

políticas de ciência, tecnologia e inovação.

Produção de insumos

no país.

INDONÉSIA –

Ásia - signatário do

TRIPS desde 1995

Empresa privada

PT Eisai Indonesia

Parceria para produção de

genéricos

Parceria com empresa

subsidiária japonesa na

região denominada

Eisan Ltd.

Assuntos regulatórios, propriedade intelectual,

investimentos estrangeiros, políticas industriais,

educação, boa governança, políticas de

concorrência e políticas de ciência e tecnologia.

Fornecimento de

medicamentos

genéricos ao governo

da Indonésia.

JORDÂNIA –

Ásia - signatário do

TRIPS desde 2000

Empresa privada

Jordanian

Pharmaceutical

Manufacturing

Parceria para produção de

genéricos

Parceria com empresas

da região que

auxiliaram em alguns

aspectos da

transferência da

tecnologia.

Regulação de medicamentos, ensaios clínicos,

propriedade intelectual, investimentos e políticas

industriais, políticas de ciência e tecnologia,

educação e recursos humanos

Fornecimento de

medicamentos

genéricos ao governo

da Jordânia.

TAILÂNDIA –

Ásia - signatário do

TRIPS desde 1995

Laboratório público

denominado

Government

Pharmaceutical

Organization

Parceria para produção de

vacinas no combate a

gripe

Parceria com

organismos

internacionais como a

UNCTAD.

Transferência de tecnologia, propriedade

intelectual, política nacional de vacinação,

investimentos em pesquisa & desenvolvimento e

infraestrutura e assuntos regulatórios.

Abastecimento de

vacinas de combate a

gripe ao governo da

Tailândia

Page 100: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

99

UGANDA –

África - signatário do

TRIPS desde 1995

(classificado como país

em desenvolvimento)

Empresa Joint Venture

Quality Chemicals

Industries Limited

Parceria para produção de

medicamentos

antirretrovirais e

antimaláricos

Parceria com empresa

indiana CIPLA para

transferir tal tecnologia.

Políticas de ciência, tecnologia e inovação,

propriedade intelectual, investimento em

infraestrutura, pesquisa & desenvolvimento,

melhorias na aprendizagem organizacional do

setor farmacêutico, investimentos nas agências

públicas e convênios entre universidades e

institutos de pesquisas públicos e financiamento

para empresas locais.

Fornecimento de

medicamentos

antirretrovirais e

antimaláricos ao

governo de Uganda.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do relatório da UNCTAD (2011)

Page 101: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

100

ANEXO II – Visão geral da Sociedade Moçambicana de Medicamentos S/A

Missão

Contribuir para o fortalecimento da soberania nacional e para a promoção da equidade social de

Moçambique por meio da produção pública de medicamentos com qualidade de padrão

internacional, de segurança e de sustentabilidade.

Visão

Ser um Centro de Excelência no desenvolvimento tecnológico e na produção farmacêutica.

Valores

Atuar com Ética, Liderança, Qualidade, Motivação, Pioneirismo, Transparência, Busca pela

excelência, Responsabilidade Socioambiental e Boas Práticas de Fabricação (BPF).

Objetivos Estratégicos

• Reduzir a dependência moçambicana de medicamentos importados;

• Fabricar medicamentos essenciais para a população moçambicana;

• Disponibilizar medicamentos para o mercado africano;

• Aperfeiçoar a produção local de soros;

• Comercializar produtos de terceiros;

• Colocar em operação a linha de fabrico de terceiros;

• Impulsionar o surgimento de massa crítica moçambicana no ramo de indústria

farmacêutica.

Gestão de Investimentos

A gestão dos recursos aplicados como investimentos na execução do projeto é suportada

pelo Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), assim como na seleção dos

técnicos de Farmanguinhos participantes no projeto, equipamentos, capacitação, lista de produtos,

transferência de tecnologia e lançamentos de novos produtos.

Page 102: Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de

101

Governança e Gestão Financeira

O funcionamento da SMM S.A. e a alocação de recursos financeiros para sua manutenção e

continuidade serão executados pelo IGEPE, entidade do Governo de Moçambique com

responsabilidade para garantir a boa governança das empresas em que o estado moçambicano

possui participação e realizar o controle da gestão financeira e sustentabilidade deste tipo de

empreendimento.

Ao Ministério da Saúde de Moçambique (MISAU) cabe a responsabilidade pela tutela

técnica e pela compra dos medicamentos produzidos na SMM S.A. assim como na orientação para

introdução de novos produtos no portfólio da fábrica moçambicana.

Ao Conselho de Administração indicados pelo IGEPE em coordenação com o MISAU, para

representar o Estado no empreendimento e garantir o cumprimento das diretrizes e da transparência

na gestão do negócio e na distribuição de dividendos resultantes da atividade comercial da SMM.

As imagens abaixo ilustram a situação atual da SMM S.A. em termos de equipamentos existentes e

em funcionamento.

Foto da Área externa – Instalações Concluídas − realizada pela equipe de Farmanguinhos

que acompanha o projeto (arquivos de Farmanguinhos).