dissertação jusiany

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – UNIR NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO JUSIANY PEREIRA DA CUNHA DOS SANTOS OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO DOCENTE NA APRENDIZAGEM DOS ALUNOS COM SURDEZ DA REDE MUNICIPAL DE JI-PARANÁ/RO Porto Velho – RO 2014

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  • 1

    FUNDAO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDNIA UNIR

    NCLEO DE CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE CINCIAS DA EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU EM EDUCAO

    MESTRADO ACADMICO EM EDUCAO

    JUSIANY PEREIRA DA CUNHA DOS SANTOS

    OS DESAFIOS DA FORMAO DOCENTE NA APRENDIZAGEM DOS ALUNOS

    COM SURDEZ DA REDE MUNICIPAL DE JI-PARAN/RO

    Porto Velho RO

    2014

  • 2

    JUSIANY PEREIRA DA CUNHA DOS SANTOS

    OS DESAFIOS DA FORMAO DOCENTE NA APRENDIZAGEM DOS ALUNOS

    COM SURDEZ DA REDE MUNICIPAL DE JI-PARAN/RO

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps- Graduao Strictu Sensu em Educao Mestrado Acadmico em Educao, da Fundao Universidade Federal de Rondnia UNIR, campus de Porto Velho, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Educao, sob a Orientao da Professora Dr Carmen Tereza Velanga.

    Porto Velho RO

    2014

  • 3

    Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa desde que citada a fonte.

    Ficha catalogrfica

    Elaborada pela bibliotecria Cleuza Diogo Antunes CRB 11/864

    Elaborada pela bibliotecria Cleuza Diogo Antunes CRB 11/864

    S237d Santos, Jusiany Pereira da Cunha dos Os desafios da formao docente na aprendizagem dos alunos

    com surdez da rede municipal de Ji-Paran-RO / Jusiany Pereira da Cunha dos Santos 2014.

    164 p. : il.

    Orientadora: Prof Dr Carmen Tereza Velanga.

    Dissertao (mestrado) Universidade Federal de Rondnia, rea de Cincias da Educao, 2014.

    1. Educao - Brasil. 2. Formao de professores Educao especial. 3. Incluso escolar Surdos. I. Velanga, Carmen Tereza. II. Os desafios da formao docente na aprendizagem dos alunos com surdez da rede municipal de Ji-Paran-RO.

    CDD 371.9046

    CDU 37-057.8

  • DEDICATRIA

    Aos meus familiares, que, de maneira especial,

    compreenderam meus momentos de ausncia; ao meu

    pai, meus irmos, minha sogra e cunhadas, por serem a

    prova de que, com persistncia e luta, alcanamos nossos

    ideais; minha me, Hilca Pereira da Cunha (in

    memorian), por seu amor to puro que me fez ser quem

    sou, pelo seu exemplo de honestidade e sinceridade.

    Ao meu grande amor, Marcos Antonio dos Santos, que

    representa minha segurana, por ter pacientemente

    trilhado comigo cada degrau e por todo estmulo que me

    deu para enfrentar os desafios.

    Ao meu filho,Markus Vincius Pereira dos Santos, que

    minha jia preciosa, meu primognito, por nunca se fazer

    ausente, por rir e chorar comigo.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo primeiramente a Deus, por ter me concedido o dom da vida,

    dando-me fora para vencer todos os obstculos e continuar estudando, por me

    guiar, abenoar e proteger.

    Aos meus colegas do mestrado, em especial s minhas amigas Sonia Carla

    e Andria Castro, que estiveram ao meu lado durante o curso, cuja convivncia

    tornou-se para mim uma oportunidade de crescimento, de relao saudvel com as

    diferenas, por oferecerem sua amizade e incentivo.

    Aos professores do Programa de Ps-Graduao Strictu Sensu em

    Educao da Fundao Universidade Federal do Estado de Rondnia, em especial

    aos docentes: Dr. Antnio Carlos Maciel e Dr. Jos Lucas Bueno, por terem me

    acompanhado, pelas contribuies que deram para essa pesquisa.

    professora Dra Rosangela Aparecida Frana, por todas as sugestes to

    preciosas, pela sua dedicao formao docente, suas aulas e sugestes de

    leitura enriqueceram significativamente minha trajetria no mestrado.

    Ao Dr. Clarides Henrich de Barba, sempre mostrou compreenso, ofertando

    seu apoio que diversas vezes senti ser o divisor de guas e pensamentos, ou seja,

    desconstruindo juntos diversas situaes, dando sugestes importantes que

    contriburam sobremaneira nesta caminhada.

    Ao Dr. Jos Juliano Cedaro, que ao receber o convite para participar deste

    desafio aceitou prontamente, por suas contribuies preciosas e pela maneira to

    gentil de mostrar que poderia ser melhor, que valeria a pena cada mudana.

    professora Dra Margarida Arcari, pessoa maravilhosa que tive o prazer e

    privilgio de conhecer, por ter me orientado em diversas situaes, por todos os

    ensinamentos e encorajamentos, pelo auxlio nos momentos mais difceis, mesmo

    sendo uma pessoa to ocupada, esteve sempre disposta. Por todos os conselhos

    nos momentos mais turbulentos, pelo carinho e por ser essa pessoa to presente em

    minha vida.

    Ao meu grande amigo Paulo Dutra, por todo estmulo em cada encontro que

    contribuiu para minha formao. Pelos incentivos que me levaram a ter confiana

    nesta trajetria. Por ter me feito acreditar que o Mestrado no era um sonho

    impossvel, enfim por acreditar em mim, muito obrigada.

  • 6

    professora Dra Sandra Patrcia Faria do Nascimento, pela sensibilidade e

    humildade, pessoa essa que atendeu s minhas expectativas e contribuiu

    significativamente com meus estudos.

    Aos meus colegas de trabalho da Secretaria Municipal de Educao e aos

    professores das Escolas Municipais Jandinei Cella e Ruth Rocha, por acreditarem

    que a escola local privilegiado e, muitas vezes, nico, onde a pessoa com

    deficincia exerce sua cidadania. Juntos lutamos e rompemos barreiras para garantir

    que esse direito seja reconhecido.

    Secretria Municipal de Educao Leiva Custdio Pereira e Gerente da

    Educao Especial Maria Ceclia C. Ribeiro, por terem me apoiado, pela

    sensibilidade de compreenderem esse momento de minha vida nesses dois anos de

    pesquisa.

    Aos Gestores das Escolas pesquisadas, pelo acolhimento e prontido. Aos

    professores de AEE e das salas regulares, aos instrutores surdos pela gentileza em

    colaborarem com esta pesquisa. Aos pais dos alunos surdos que prontamente

    estiveram nas escolas quando foram solicitados, pelas informaes e contribuies.

    Camila Camargo, por ter me ouvido e sempre disse que tudo iria dar

    certo, nos momentos de dificuldades esteve ao meu lado, nos encontros do grupo de

    estudo (GEIPEI), nos finais de semana, por termos compartilhado tantas

    aprendizagens nos seminrios e encontros.

    Uma imensa gratido minha orientadora, que me acompanha h alguns

    anos nessa caminhada de formao, Professora Dra Carmen Tereza Velanga,por ter

    me recebido com carinho neste desafio, pelas contribuies com tanta dedicao,

    pacincia e compreenso durante a construo e reconstruo desta dissertao.

    Ajudando a transformar o sonho em realidade, ser sempre minha inspirao de

    orientadora.

  • Quando eu aceito a lngua de outra pessoa, eu

    aceito a pessoa.

    Quando eu rejeito a lngua, eu rejeitei a pessoa

    porque a lngua parte de ns mesmos.

    Quando eu aceito a lngua de sinais, eu aceito

    o surdo, e importante ter sempre em mente

    que o surdo tem o direito de ser surdo. Ns no

    devemos mud-los, devemos ensin-los, ajud-

    los, mas temos que permitir-lhes ser surdo

    Terje Basilier (psiquiatra Surdo- Noruegus).

  • SANTOS, Jusiany P. da Cunha dos. Os Desafios da Formao Docente na Aprendizagem dos Alunos com Surdez da Rede Municipal de Ji-Paran/RO, 2014, Dissertao de Mestrado. Programa de Ps- Graduao Strictu Sensu em Educao. Fundao Universidade Federal de Rondnia UNIR, Porto Velho (RO), 2014, p.164.

    RESUMO

    O objetivo da pesquisa identificar a formao inicial e continuada dos docentes no perodo de 2009 a 2012, que atuam junto a alunos surdos na rede pblica municipal de Ji-Paran-RO, do ponto de vista de seus atores: Gerente da Educao Especial, dez professores das Salas Regulares; trs professores das Salas de Recursos Multifuncional (SRM) e dois instrutores surdos. Para a construo deste estudo utilizou-se de tericos como: Damzio (2007), Lopes (2007), Lacerda e Lodi (2010), Lacerda (2010), Mazzotta (2001), Mendes (2010) e Strobel (2008), entre outros, bem como a legislao pertinente em vigor. A pesquisa tem uma abordagem qualitativa, do tipo descritivo e exploratrio, baseado nos estudos de Minayo (2012) e Ludke (1986). Os instrumentos de coleta de dados foram: leitura analtica e fichamentos, anlise de documentos na Secretaria de Educao, aplicao de questionrios junto aos participantes e observao do espao escolar. Os resultados se pautaram nas observaes e entrevistas semiestruturadas realizadas com os profissionais responsveis pelos educandos surdos e demonstram que, no perodo indicado, os docentes participaram de diversas capacitaes em servio na rea de educao inclusiva, dentre outras. Os dados apontam que: a) h falta de profissionais nas escolas e nas salas de recursos para atuarem com alunos surdos; b) h necessidade de capacitaes continuadas aos profissionais das salas regulares e do professor da sala do AEE, de encontros dinmicos e peridicos com os familiares, para avano na aquisio de conhecimento, bem como ateno ao campo afetivo e social do surdo que oportunize a incluso destes no espao escolar. Estes dois contextos formativos, a sala regular e a SRM, apresentam diversas dificuldades em termos pedaggicos e metodolgicos, o que sugere a necessidade de ampliar a reflexo sobre o atendimento escolar, considerando a precariedade da formao inicial e continuada, das polticas pblicas direcionadas formao docente e necessidade de envolvimento da famlia e esclarecimento, sociedade, quanto promoo da incluso no contexto educacional das pessoas surdas.

    Palavras- chave: Formao Docente. Incluso de Alunos Surdos. Adequaes Curriculares.

  • Santos, Jusiany P. da Cunha dos. The Challenge in Teachers Training. Students with Deafness Learning in Ji-Parana City Rondnia, 2014. Masters Thesis Graduate Program in Education Strictu Sensu Rondonias Federal University Institution (UNIR), Porto Velho (RO), 2014, p.164.

    ABSTRACT

    The goal of this search is identify the teachers initial and continuing education in the period from 2009 to 2012, teachers who works with deaf students in Public schools in Ji-Parana city from the authors point of view: The Special Educations Manager, ten teachers of regular classes; three teachers from Multifunctional Resources Room (MRR), and two Deaf instructors. To construct this study was used as base theoreticians like: Damzio (2007), Lopes (2007), Lacerda and Lodi (2010), Lacerda (2010), Mazzotta (2001), Mendes (2010), and Strobel (2008), among others, as well as a relevant legislation. The study has a qualitative approach, in a descriptive and exploratory way, based on Minayos (2012) and Ludke (1986) studies. The tools for data collection were: analytical reading and book report, analysis of documents in the Secretary Education, questionnaires with the participants and school space observation. The results were based in observations and semi-structured interviews conducted by the professionals responsible for the deaf students and show that in the indicated period the teachers participated in a lot of capacities in an inclusive education services area, among others. The data indicated that: a) there is a lack of professionals in the schools and in the rooms resources to assist this deaf students; b) there is a necessity of continuing training for professionals in regular classrooms and teachers in the Specialized Educational Service room, dynamic and regular meetings with the family, for advancement in knowledge acquisition, as well as attention to the Deafs emotional and social field that favor the inclusion in the school space. These two training contexts, the regular room and the Multifunctional Resources Room (MRR) show a lot of difficulties in pedagogical and methodological terms, which suggests the necessity to increase the debate about the school assistance considering the precariousness in theinitial and continuing education, the public policies directed to the teachers education and the necessity of the families engagement and the explanation to the society to promote inclusion in the educational context of deaf people.

    Key-words: Teachers education. Deaf Students Inclusion. Curriculum Adjustments.

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AACD- Associao de Assistncia Criana Defeituosa

    AEE- Atendimento Educacional Especializado;

    ANFOPE- Associao Nacional pela Formao dos Profissionais da Educao

    APAE- Associao de Pais e Amigos dos Excepcionais

    BM- Banco Mundial

    CADEME- Campanha Nacional de Educao e Reabilitao de Deficientes Mentais

    CEB- Cmara de Educao Bsica

    CEEJA- Centro Estadual de Educao de Jovens e Adultos

    CEF- Centro de Ensino Fundamental

    CENESP- Centro Nacional de Educao Especial

    CESB- Campanha para a Educao do Surdo Brasileiro

    CEULJI- Centro Universitrio Luterano de Ji-Paran

    CNE- Conselho Nacional de Educao

    CNEC- Campanha Nacional de Educao de Cegos

    CONAE- Conferncia Nacional de Educao

    CRE- Coordenao Regional de Ensino

    DMU- Deficincia Mltipla

    EAD- Educao a Distncia

    ECA- Estatuto da Criana e do Adolescente

    EDUFBA- Editora da Universidade Federal da Bahia

    EDUFSCAR- Editora da Universidade Federal de So Carlos

    EDUFRN- Editora da Universidade Federal de Rio Grande do Norte

    FACEVV- Faculdade Cenecista de Vila Velha

    FASA- Faculdade Santo Andr

    FENEIS- Federao Nacional de Educao e Integrao de Surdos

    GEIPEI- Grupo de Estudo Interativo e Pesquisa em Educao Inclusiva

    IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    ILS- Intrprete de Lngua de Sinais

    INES- Instituto Nacional de Educao de Surdos

    JK- Juscelino Kubitschek

    LDBEN- Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    LIBRAS-Lngua Brasileira de Sinais

  • MEC- Ministrio de Educao

    NUPPES- Ncleo de Pesquisas em Polticas Educacionais para Surdos

    OMMES- Observatrio Municipal de Educao Especial

    ONU- Organizao das Naes Unidas

    PDE- Plano de Desenvolvimento da Educao

    PNE- Plano Nacional de Educao

    PNEE- Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais

    PNUD- Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

    POPS- Projeto de Portugus para Surdos

    PPGE- Programa de Ps-Graduao em Educao

    RO- Rondnia

    SECADI- Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao, Diversidade e Incluso

    SEESP- Secretaria de Educao Especial

    SEDUC- Secretaria Estadual de Educao

    SEMED- Secretaria Municipal de Educao

    SRM- Sala de Recursos Multifuncional

    TGD- Transtornos Globais do Desenvolvimento

    UFC- Universidade Federal do Cear

    UFCG- Universidade Federal de Campina Grande

    UFPR- Universidade Federal do Paran

    UFRGS- Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    UFSC- Universidade Federal de Santa Catarina

    UFSM- Universidade Federal de Santa Maria

    ULBRA- Universidade Luterana do Brasil

    UNB- Universidade de Braslia

    UNESP- Universidade Estadual Paulista

    UNESCO- Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura

    UNICEF- Fundo das Naes Unidas para a Infncia

    UNIR- Universidade Federal de Rondnia

    UNIRON- Unio das Escolas Superiores de Rondnia

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Descrio dos participantes .............................................................................. 72

    Quadro 2-Caracterizao dos Professores de Sala Regular (P) e professores de SRM (PR) e Professora Itinerante (PI) .......................................................................... 72

    Quadro 3- Caracterizao dos Instrutores de LIBRAS (I) ................................................. 74

    Quadro 4 - Cursos Ofertados pela SEMED em 2009 ....................................................... 90

    Quadro 5 - Cursos Ofertados pela SEMED em 2010 ....................................................... 91

    Quadro 6 - Cursos Ofertados pela SEMED em 2011 ....................................................... 91

    Quadro 7 - Cursos Ofertados pela SEMED em 2012 ....................................................... 92

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 - Formao continuada das professoras das salas regulares e professoras das SRM........................................................................................................................ 74 Grfico 2 - Evoluo das Matrculas dos Alunos com Deficincia nas Escolas da Rede Municipal de Ji-Paran RO ............................................................................... 89

    Grfico 3- Necessidades das Escolas ........................................................................... 115

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1- Localizao Geogrfica de Rondnia e do Municpio de Ji-Paran.......71

  • SUMRIO

    1 INTRODUO .......................................................................................................... 14

    2 PARADIGMAS SOBRE A DEFICINCIA: DA SEGREGAO INCLUSO ........... 22

    2.1 Marcos Histricos da Deficincia ............................................................................ 25

    2.2 Os Caminhos da Incluso no Brasil ........................................................................ 31

    3 INCLUSO ESCOLAR DA PESSOA SURDA ............................................................ 39 3.1 Uma Viso Cultural sobre a Surdez ........................................................................ 39

    3.2 Filosofias Educacionais para Surdos: da Oralidade ao Bilinguismo ........................ 44

    3.3 A Incluso dos Surdos nas Escolas ........................................................................ 51

    4 FORMAO DOCENTE E O ATENDIMENTO VOLTADO PESSOA SURDA ....... 57 4.1 Formao Docente e a Educao Inclusiva ............................................................ 62

    5 DELINEAMENTO DA PESQUISA .............................................................................. 69

    5.1 Enfoque Metodolgico ............................................................................................. 69

    5.2 Lcus e Sujeitos da Pesquisa ................................................................................. 70

    5.3 Os Procedimentos Metodolgicos da Pesquisa ..................................................... 74

    6 A FORMAO DOCENTE NO CONTEXTO DA INCLUSO DO SURDO NO MUNICPIO DE JI-PARAN ......................................................................................... 78 6.1 A Educao Especial no Municpio de Ji-Paran .................................................... 78

    6.2 Atendimentos na Sala de Recursos Multifuncional de Ji-Paran ............................ 80

    6.3 A Formao Docente em Ji-Paran ........................................................................ 88

    6.4 A Fala dos Professores sobre a Formao Docente e a Incluso ........................... 94

    6.5 O Olhar dos Instrutores Surdos ............................................................................... 117

    7 CONSIDERAES FINAIS ....................................................................................... 124 REFERNCIAS ............................................................................................................. 130 APNDICES .................................................................................................................. 142 ANEXOS ....................................................................................................................... 150

  • 14

    1 INTRODUO

    A educao brasileira tem o grande desafio de incluir e possibilitar a

    permanncia dos alunos com deficincia nas escolas pblicas, contudo torna-se

    fundamental conhecer a formao dos docentes que atuam nestas escolas, bem

    como a trajetria dos alunos com deficincia ao longo da histria. Assim, observando

    as lutas polticas dos alunos com deficincia, em especial dos alunos com surdez,

    percebe-se que seus resultados so evidenciados principalmente a partir da dcada

    de 1970,por ocasio da promulgao da Lei n 5.692/1971, que reformulou o ensino

    do 1 e 2 graus e, neste momento, contemplou com tratamento especial em um

    artigo, o que deveria ser disponibilizado aos alunos com deficincias fsicas, mentais

    bem como os que estivessem com atraso considervel como distoro idade/srie e

    ainda aos superdotados.

    Trata-se; pois, de ver que a incluso seria ou um desafio, contudo ao

    valorizar a diversidade, promover-se- mudanas positivas no mbito educacional

    por implicar em mudanas pedaggicas e por diversas situaes especificas, a fim

    de atender aos alunos com deficincia, conforme afirmam Miralha e Schulnzen

    (2007,p.87):

    Perceber o desafio lanado pela incluso em especial, na escola: valorizar a diversidade implica numa mudana de paradigma educacional, em primeiro lugar, que passe a considerar o direito de todos a ocuparem este espao, independente de suas limitaes. Implica numa mudana pedaggica que no se encerra com as orientaes especficas para os casos de deficincia, nem tampouco com atendimentos clnicos.

    Com relao aos alunos surdos desde o sculo XVII, havia apenas uma viso

    fortemente clnica da surdez e os surdos eram conceituados exclusivamente como

    deficientes auditivos. O principal propsito seria que eles pudessem desenvolver

    seus pensamentos e express-los atravs da fala, negando a surdez, enxergando-

    os como seres anatomicamente incorretos que, por sua vez, necessitavam

    comunicar-se com o mundo ouvinte.

    A Lngua de Sinais foi proibida no Congresso de Milo em 1880,conforme

    ser explanada mais adiante, nesta poca, ela era considerada apenas como

    mmicas e gestos.Hoje, com base na Lei Federal n 10.436/2002 e posteriormente

  • 15

    regulamentada pelo Decreto n 5.626/2005, que a oficializou, a Lngua de Sinais

    passou a ter status e reconhecimento legal no Brasil, com gramtica e estruturas

    lexicais prprias.

    A Lngua Brasileira de Sinais (LIBRAS) teve, finalmente, o reconhecimento

    legal.E, neste momento histrico, assume a posio de primeira lngua para os

    surdos, para que tenham condies lingusticas de aprender a Lngua Portuguesa

    como segunda lngua na modalidade escrita,com base nessa articulao, os surdos

    possam desenvolver os demais aprendizados que, segundo S (2010, p.131):

    No h como negar que o uso da lngua de sinais seja um dos principais elementos aglutinantes das comunidades surdas, sendo, assim um dos elementos importantssimos nos processos de desenvolvimento da identidade surda/de surdo e nos de identificao dos surdos entre si.

    A lngua utilizada pela populao ouvinte a lngua majoritria do pas, sendo

    que na modalidade oral, enquanto que os surdos se comunicam atravs da LIBRAS,

    so considerados um grupo minoritrio com direitos lingusticos que precisam ser

    respeitados.

    Esta pesquisa focaliza os docentes de alunos surdos em contextos de

    formao, assim como os professores das Salas de Recursos Multifuncional (SRM).

    Estes dois contextos formativos, a sala regular e a SRM apresentam dificuldades

    diversas em termos pedaggicos e metodolgicos, o que provocou a necessidade

    de refletir sobre a formao dos docentes nestes contextos, e verificar se de fato

    houve avanos na aprendizagem dos alunos, cujos professores participaram das

    formaes propiciadas pela SEMED, em Ji-Paran.

    A incluso das pessoas com deficincia percorre caminhos cheios de desafios

    para atender s diferenas na educao, dentre estes caminhos, foi possvel

    averiguar que em Ji-Paran existem 28 escolas da rede municipal, contando com

    485 professores atuando, e nelas foram recebidos, no ano de 2013, um total de 147

    alunos com deficincias. Estes alunos foram atendidos em 13 salas de AEE

    disponibilizadas em diferentes escolas.Quanto aos alunos surdos, foram

    encontrados nove alunos matriculados em cinco escolas.

    Diante desse levantamento preliminar, importante para a definio da

    pesquisa, surgiu ento a inteno de investigar como a formao docente reflete na

  • 16

    aprendizagem dos alunos com surdez que frequentam as salas regulares, bem como

    as SRM das escolas municipais de Ji-Paran/RO.

    Desta forma, acredita-se na necessidade de problematizar o papel dos

    docentes na educao de surdos, diante da realidade escolar da incluso, para

    melhor atender aos educandos surdos inseridos nas salas regulares e atendidos nas

    SRM, levando em considerao que a necessidade de visualizar o desenvolvimento

    lingustico das crianas surdas e possibilitar a elas a aquisio da Lngua de Sinais

    condio fundamental para que no se tornem segregadas no processo

    educacional.

    Tendo em vista a ocorrncia de atrasos no desenvolvimento dos surdos,

    gerados pela falta de acesso a uma lngua, as parcerias com fonoaudilogos,

    psiclogos entre outros profissionais se fazem necessrias para que essas crianas

    tenham condies de acompanharem o ensino regular da maneira mais adequada

    possvel.

    Ressalta-se que de extrema importncia que esses profissionais, ao

    trabalharem com surdos, aprendam a Lngua de Sinais e mantenham contato com a

    comunidade surda, a fim de conhecerem sua cultura e,

    impreterivelmente,estabelecerem uma comunicao com esses sujeitos, quer sejam

    surdos ou deficientes auditivos.

    Frente a esse entendimento da surdez, coloca-se como inadivel a

    necessidade da escola regular embasar-se no bilinguismo para pensar a educao

    de surdos. Por meio deste ambiente bilngue que, de fato, os alunos tero

    possibilidades de realizar suas construes, partilhar saberes, sentimentos e de

    utilizar a LIBRAS como primeira lngua e a Lngua Portuguesa como segunda lngua.

    Mesmo havendo questionamentos sobre as modalidades de ensino, enfatiza-

    se que o mtodo mais adequado para o ensino dos surdos o bilngue, pois alm de

    oferecer aos alunos surdos condies de aprendizado e desenvolvimento efetivos

    por priorizar a LIBRAS, est regulamentado no Decreto n. 5.626/2005. A legislao

    vigente prev a organizao de turmas bilngues, orienta para a formao inicial e

    continuada de professores e de intrpretes de Lngua Brasileira de Sinais. por

    esse territrio poltico, lingustico e cultural que essa pesquisa esta transitando.

    Diante do contexto destacado, questiona-se:De que modo as formaes

    continuadas proporcionadas aos docentes em servio, no perodo de 2009 a 2012,

    que trabalham com os alunos surdos da rede municipal de ensino de Ji-Paran,

  • 17

    incidem sobre o trabalho docente no desenvolvimento do processo de ensino e

    aprendizagem desses alunos?

    Neste sentido, as questes de pesquisa originadas do problema so as

    seguintes:

    a) Quais foram e como ocorreram as formaes continuadas dos docentes em

    servio, que atuam junto aos alunos surdos matriculados na rede municipal de Ji-

    Paran no perodo de 2009 a 2012?

    b) Qual o papel dos docentes junto educao inclusiva dos alunos surdos

    nas escolas municipais de Ji-Paran?

    c) Em quais contextos as polticas nacionais de incluso contribuem para a

    formao continuada dos professores de alunos surdos no municpio de Ji-Paran?

    Diante da formulao do problema e das questes de estudo, aponta-se a

    relevncia da pesquisa.

    Ao ouvir os professores dos alunos surdos percebe-se, em suas falas, a

    dificuldade destes educandos em aprender e assimilar os cdigos convencionais da

    Lngua Portuguesa. Contudo, na Formao destes docentes evidencia-se que

    faltavam experimentos e/ou iniciativas sobre o ensino/aprendizagem dos educandos

    surdos, faltava-lhes o conhecimento sobre os recursos pedaggicos visuais e

    questes didticas ou metodolgicas para atuar com estes sujeitos.

    O propsito de explorar as experincias, junto aos docentes engajados, e

    ainda perceber o reflexo nas aprendizagens dos alunos surdos tornou-se parte desta

    pesquisa, almejando conhecer melhores estratgias em prticas inclusivas, que se

    adaptem realidade dos educandos facilitando a ao dos professores e, por

    consequncia,orientando para que eles respeitem os ideais e cultura dos surdos

    como cidados conscientes, autnticos sujeitos que pensam e agem.

    Nos ltimos dez anos, a pesquisadora dedicou-se ao estudo voltado para a

    educao de surdos, desde o incio do AEE junto aos surdos nas escolas municipais

    de Ji-Paran, cujo inicio ocorreu em maio de 2004. Nesse perodo, foi propiciada a

    ela a oportunidade de trabalhar como professora de Sala de Recursos.

    O primeiro contato com a Lngua de Sinais aconteceu por meio dos estudos

    com um grupo de professores, a cada encontro estes profissionais estudavam temas

    de LIBRAS com o auxlio de um CD, que foi enviado pelo Ministrio da Educao

    (MEC) em parceria com a Secretaria de Educao Especial (SEESP),

    posteriormente participou de encontros na Secretaria Municipal da Educao

  • 18

    (SEMED) e na Secretaria Estadual da Educao (SEDUC), para estudar LIBRAS.

    Dessa forma, ela colocou o aprendizado da Lngua de Sinais como meta

    profissional, com a inteno de melhorar a comunicao, bem como as estratgias

    de ensino aos trs educandos surdos que eram atendidos na poca.

    Tambm participou de diversas formaes continuadas que aconteceram por

    intermdio da SEMED, SEDUC, Centro Universitrio Luterano de Ji-Paran

    (CEULJI/ULBRA) e Fundao Universidade Federal de Rondnia (UNIR) em

    parceria com o MEC. Assim, o interesse inicial por focar o tema aprendizagem dos

    alunos surdos matriculados na rede municipal de Ji-Paran decorreu de uma

    Especializao: Dficit Cognitivo e Educao de Surdos em parceria da SEMED/

    MEC/Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),no perodo de 2008 a 2010,

    sendo que nessa especializao surgiu a necessidade de pesquisar sobre a incluso

    dos alunos surdos matriculados na rede municipal. Em seguida, concluiu outro curso

    de especializao: Atendimento Educacional Especializadoem parceira com a

    SEMED/MEC/Universidade Federal do Cear (UFC)2010/2011, e novamente tratou-

    se do tema atendimento aos alunos com surdez, sendo que nessa ocasio focalizou-

    se a Sala de Recursos, gerando maior e especfico interesse nesta temtica de

    pesquisa, que acabou por se confirmar diante do contexto de atuao profissional,

    cujos temas de Trabalhos de Concluso de Curso foram: Experincias e

    descobertas com Alunos Surdos do Ensino Fundamental em Ji-Paran e: O direito

    de ser Bilngue para alunos com Surdez.

    A pesquisadora finalizou mais duas especializaes em nvel Lato Sensu:

    LIBRAS pela Unio das Escolas Superiores de Rondnia (UNIRON), em 2008, e

    Traduo e Interpretao da LIBRAS pela Faculdade Santo Andr

    (FASA),2012/2013, cujo tema de Trabalho de Concluso de Curso foi: O Aluno

    Surdo e a Importncia do Atendimento Especializado para sua Aprendizagem.

    Desta forma,percebeu, ao longo desses anos, a necessidade de

    aprofundamento na rea da Educao Especial, com a importncia dos

    conhecimentos concernentes educao dos surdos includos.O ingresso no

    Mestrado Acadmico em Educao da UNIR representou esta possibilidade.

    Nos anos de 2009 a 2013,atuou como formadora de docentes da rede pblica

    municipal nos cursos de LIBRAS ofertados pela SEMED, alm de participar como

    pesquisadora e membro do Grupo de Estudo Interativo e Pesquisa em Educao

    Inclusiva (GEIPEI) de 2011 a 2013, colaboradora das pesquisas do Observatrio

  • 19

    Municipal de Educao Especial de Ji-Paran (OMMES) de 2011 at 2013.

    Por intermdio da FASA desde 2011, organizou diversos Seminrios de

    Capacitao para os profissionais da Educao que atuam com alunos surdos. Os

    Seminrios foram: LIBRAS em Contextos I e II, Tcnicas de Traduo e

    Interpretao da LIBRAS, Introduo Traduo e Interpretao, Tcnicas

    Corporais Aplicadas Lngua de Sinais, cujos docentes que ministraram os

    encontros so pessoas militantes da causa surda, engajadas no movimento que luta

    por melhores condies de ensino aos surdos.

    Em 2012, a SEMED proporcionou aos Instrutores Surdos e pesquisadora

    uma visita s escolas do Distrito Federal no intuito de conhecer as prticas

    pedaggicas do local. Neste mesmo perodo, teve a oportunidade de participar do

    movimento dos surdos de todo o pas, culminando numa passeata em Braslia (onde

    ocasionalmente tinha ido para conhecer o atendimento educacional especializado

    para alunos com surdez), solicitando polticas pblicas que contemplassem a

    educao dos surdos com escolas bilngues, como se observa no relato abaixo:

    No dia 24 de abril, os trs professores participaram ativamente, durante todo o dia, das atividades que aconteceram na Esplanada dos Ministrios, em comemorao aos 10 anos da Lei de Libras, dirigida pela Federao Nacional de Educao e Integrao dos Surdos FENEIS, lder do Movimento Nacional em Favor da Educao e Cultura Surda, na luta da implantao de Escolas Bilngues Libras e Lngua Portuguesa, em todo o Brasil (NASCIMENTO1, 2012, p.1).

    Diante dos fatos expostos, esta pesquisa nasceu da necessidade de

    compreender como a formao dos docentes que trabalham com os alunos surdos,

    tanto em sala regular quanto aos que atendem nas salas de atendimento

    educacional especializado, pode contribuir para proporcionar situaes de

    aprendizagem prazerosas e significativas aos alunos matriculados na rede municipal

    de ensino de Ji-Paran, uma vez que a formao poder proporcionar situaes na

    qual os docentes podem aprender reflexivamente para melhor acolher aos surdos,

    estando evidenciadas as dificuldades de alfabetizao e letramento dos mesmos.

    Considera-se que no h limites para um trabalho comprometido com o ideal

    1Dra. Sandra Patrcia Faria do Nascimento, colaboradora na UNB e professora da primeira escola

    bilngue de Taguatinga, escreveu o relatrio da visita em Braslia, para que fosse entregue na SEMED, com a finalidade de comprovar as atividades realizadas naquela semana, tendo nos encaminhado por e-mail este relato, sendo que o relatrio da visita se encontra nos anexos.

  • 20

    de fazer e refazer prticas pedaggicas, e que ainda h muito por fazer e repensar

    na formao dos docentes e educao dos surdos do Municpio em questo. A

    postura que se assume a de estar em constante procura, frente necessidade de

    auxiliar esses alunos, mesmo com dificuldades.

    A relevncia desta pesquisa est na possibilidade de vislumbrar as

    aprendizagens dos docentes em cada uma das formaes, que ocorreram de 2009 a

    2012, nos encontros de formao, por meio das trocas de experincias, que por sua

    vez indicam que se torna de suma importncia que tais formaes oportunizem

    condies de comunicao e aprendizado, incluindo-os nos contextos escolares.

    Quanto aos alunos surdos, por meio de uma melhor formao docente

    repassadas em seu atendimento pedaggico, hipoteticamente tero melhores

    condies para se comunicarem com seus professores, sendo que, com o

    atendimento nas SRM, partilharo um momento de construo de suas identidades

    com os instrutores surdos.

    Assim, em relao comunidade Surda e Escolar, esta pesquisa servir para

    a anlise de uma conscincia crtica, para manifestar o respeito concepo

    culturalista da surdez, para alm de uma viso tradicional em seu vis clnico,

    concebendo a pessoa surda como cidado de direito e com uma cultura prpria do

    seu grupo, constituda por meio de lutas nos movimentos sociais esvaziando a

    concepo de surdez entrelaada deficincia Prope-se, ainda, construo da

    narrativa a partir dos estudos sobre os surdos, inspirada na base culturalista,

    conforme Skliar (2005), Lopes(2007) e S (2010).

    Esta pesquisa tem como Objetivo Geral o seguinte: Identificar a formao

    inicial e continuada dos docentes no perodo de 2009 a 2012, que atuam junto a

    alunos surdos na rede pblica municipal de Ji-Paran do ponto de vista de seus

    atores: professores, instrutores e gestores e como estas incidem sobre o processo

    de ensino e aprendizagem desses alunos.

    Os Objetivos Especficos so:

    - Descrever o contexto histrico da abordagem s pessoas com deficincia no

    Brasil e seus paradigmas;

    - Analisar as polticas nacionais de incluso para a educao de surdos, as

    leis, decretos, portarias, bem como os programas e projetos de formao continuada

    para os docentes ofertados pelo governo federal e em parceria com a Prefeitura de

    Ji-Paran.

  • 21

    - Identificar e problematizar a formao docente, inicial e continuada e seus

    reflexos no atendimento a pessoa surda, tanto na sala regular como no AEE no

    municpio de Ji-Paran.

    Dessa forma, o trabalho de pesquisa assim subdivide-se:

    A Seo 1, referente Introduo, apresenta a formulao do problema, a

    relevncia da pesquisa, seus objetivos e uma exposio breve sobre a trajetria

    profissional junto ao objeto da pesquisa.

    Na Seo 2, intitulada Paradigmas sobre a deficincia: da segregao

    Incluso, inicia-se o referencial terico, apontando os paradigmas sobre as

    deficincias. Aborda os marcos histricos da Deficincia, bem como os caminhos da

    incluso no Brasil, apresentando a viso de diversos autores.

    Na Seo 3, intitulada A Incluso Escolar da pessoa Surda, aponta-se as

    filosofias educacionais diante da Surdez: da oralidade ao bilinguismo, bem como a

    incluso dos surdos nas escolas.

    A Seo 4 aborda a Formao docente e o atendimento voltado pessoa

    surda, problematizando a Formao Docente diante da Educao Inclusiva.

    Na Seo 5, intitulada Delineamento da Pesquisa, aborda-se o enfoque

    metodolgico, o lcus, os sujeitos da pesquisa e os seus procedimentos

    metodolgicos.

    A seo 6, A Formao Docente no Contexto da Incluso do Surdo no

    Municpio de Ji-Paran, apresenta a educao especial no municpio, os

    atendimentos na SRM e a Formao Docente oferecida neste municpio. A

    seguir,apresenta-se os resultados e a anlise dos mesmos luz dos estudos

    tericos realizados nas primeiras sees, apresentando a fala dos professores e o

    olhar dos instrutores surdos acerca da formao docente e da incluso escolar.

    Nesse contexto, busca-se problematizar, analisar e refletir sobre o preparo

    dos docentes,tanto de sala regular quanto professores do AEE e Instrutores surdos

    e, tambm, sua aceitao diversidade, a contribuio da LIBRAS para melhorar a

    comunicao e o entendimento da incluso como um processo social, num ambiente

    escolar adequado e com uma prtica pedaggica diferenciada, em cinco escolas da

    rede pblica municipal de ensino de Ji-Paran/RO, onde esto includos os alunos

    surdos.

  • 22

    2 PARADIGMAS SOBRE A DEFICINCIA: DA SEGREGAO INCLUSO

    Diversos autores, pesquisadores e educadores utilizaram paradigmas para

    descrever a situao das pessoas com deficincia desde a antiguidade at os dias

    atuais, Sassaki (2012) dividiu esses perodos histricos em quatro paradigmas: a)

    Excluso (rejeio social), b) Institucionalizao (segregao), c) Integrao (modelo

    mdico da deficincia) e d) Incluso.

    A excluso, caracterizada desde a antiguidade at o sculo XVIII, em que as

    pessoas ficavam abandonadas, em algumas culturas foram levadas morte,

    tinhanoes de invalidade e inutilidade;

    Neste perodo, predominou o modelo da rejeio, as crianas eram

    abandonadas prpria sorte, em outras culturas eram levadas morte, como

    descrevem Botur e Manzoli (2007, p. 66):

    Em Esparta crianas portadoras de deficincias fsica ou mental eram consideradas sub-humanas, o que legitimava sua eliminao ou abandono, prtica perfeitamente coerente com os ideais atlticos e clssicos, alm de classistas, que serviam de base organizao scio cultural de Esparta e da Antiga Grcia. Porm o fato mais marcante na sociedade grega em relao s pessoas com deficincia, foi a prtica da eliminao. Desde o arremesso at a exposio proposital h uma situao de abandono que conduzia na grande maioria das vezes a morte, assim fica evidente que fatores tais como a preservao da fora e da sade fsica determinava o destino das crianas, futuros guerreiro.

    A excluso das pessoas com deficincia foi uma prtica aceita na antiguidade

    e a eliminao legitimada pela sociedade, pois a inteno seria formar futuros

    guerreiros, logo os corpos dos deficientes no eram aceitos.

    De acordo com Rodrigues (2008), os estudos sobre a deficincia e suas

    implicaes surgem no sculo XIII. Posteriormente dois intelectuais Paracelso

    (mdico) e Cardano (filsofo) escreveram sobre a deficincia como um problema

    mdico. No sculo XVIII,Franois Emmanuel Foder, um mdico botnico francs

    escreveu o tratado do bcio e do cretinismo, segundo ele havia a ideia da deficincia

    ser hereditria, sendo que a degradao poderia ser maior ou menor conforme a

    doena, estabelecendo diferentes graus de retardo associados a diversos nveis.

    Nesse perodo no havia uma distino clara entre doena e deficincia, tanto que a

  • 23

    forma de tratamento tornou-se similar para ambos no paradigma da

    institucionalizao como se pode observar a seguir.

    A Institucionalizao (segregao) esteve presente no sculo XIX at incio do

    sculo XX. Nesse contexto, ela estava associada enfermidade. Nas prises, asilos

    ou hospitais psiquitricos ficavam enclausurados os sujeitos marginalizados, doentes

    e deficientes, confinados a terem apenas ateno bsica de abrigo, vesturio e

    alimentao.

    Devido autoridade e influncia dos mdicos, surge no Brasil o movimento

    higienista com o objetivo de modificar o comportamento da populao brasileira.

    Rodrigues (2008) aponta para a preocupao dos mdicos como sendo a

    preservao da infncia, pois estavam alarmados com a elevada taxa de

    mortalidade infantil. Os mdicos higienistas concluram que precisavam apoiar a

    populao para enfrentar tais problemas, com a finalidade de produzir um maior

    nmero de pessoas sadias no futuro. Procuravam detectar as causas da

    mortalidade, mostrando as intenes do movimento higienista, tais como: manter e

    melhorar a vida da coletividade, assim, eles buscavam a disciplina individual para

    que o sujeito de forma consciente se tornasse um fiscal da higiene, na tentativa de

    melhorar a sade da populao.

    Segundo Fernandes e Oliveira (2012), as classes representadas pelos pobres

    eram consideradas perigosas, devido aos problemas com emprego, educao e

    sade. Alegavam que as famlias pobres no sabiam cuidar dos bebs, por isso

    havia grande preocupao com a higiene, apontavam ainda que os hbitos de

    moradia coletiva eram perniciosos, devido s residncias coletivas que geravam

    epidemias e a proliferao de vcios.

    De acordo com Mazzotta (2001), a viso assistencialista proporcionava a

    postura profissional e integrativa dos deficientes, cujo modelo adotado foi o da

    institucionalizao dessas pessoas com deficincia. Desta forma, no final do sculo

    XIX e incio do sculo XX, foram criadas diversas escolas especiais. Esse

    movimento comeou na Europa, foi levado aos Estados Unidos, Canad e depois

    chegou ao Brasil.

    Com a Integrao (modelo mdico da deficincia) surgem, no incio dos anos

    1940, os servios pblicos de reabilitao fsica e profissional. Inspiradas na

    Declarao Universal dos Direitos Humanos (1948), aparecem as associaes

    voltadas ao assistencialismo. Neste perodo, nasce o paradigma de servios, um

  • 24

    modelo citado por Sassaki (2012), marcado pela luta contra a no segregao total

    por parte dos pais e familiares das pessoas com necessidades especiais. Dessa

    maneira, passou-se a buscar a integrao das pessoas com deficincia, depois de

    capacitadas, habilitadas ou reabilitadas nas instituies especializadas, elas eram

    encaminhadas para as escolas regulares:

    Nesta h um processo de educar/ensinar crianas ditas normais junto com crianas portadoras de deficincia, em que alunos com deficincias devem se adaptar realidade das escolas, enquanto estas permanecem com suas condies inalteradas para receberem quelas crianas (MARTINS et al. 2007, p.110).

    Os movimentos em prol da integrao das crianas surgem quando se

    questionava as prticas segregadoras. Sua noo era a normalizao, ou seja, a

    insero dos deficientes no ambiente regular de ensino sendo elas escolas

    especiais, classes especiais em escolas comuns, ensino itinerante, classes

    hospitalares, ensino domiciliar e outros (MANTOAN, 2006).

    Esse paradigma caracterizou-se pela oferta de servios organizados em trs

    etapas: avaliao, interveno e encaminhamento ou reencaminhamento (Brasil,

    2000, p. 15).

    Contudo, o grande problema desse modelo integrao era que o indivduo

    que teria de adaptar-se nova realidade, estaria inserido nas salas, mas no havia

    preparo ou formao dos profissionais da educao para receb-los e muito menos

    para mediar a educao dos alunos integrados:

    Nas situaes de integrao escolar nem todos os alunos com deficincia cabem nas turmas de ensino regular, pois h uma seleo prvia dos que esto aptos insero. Para estes casos, so indicados a individualizao dos programas escolares, os currculos adaptados e a reduo dos objetivos educacionais para compensar as dificuldades de aprender. Em suma: a escola no muda como um todo, mas os alunos tm de mudar para se adaptar s suas exigncias (MANTOAN, 2006, p.18).

    O processo da integrao escolar envolve a realidade dos programas

    escolares ao currculo escolar.

    A partir de 1990, a Incluso no Brasil surge com a luta dos prprios

    deficientes, que pediam a equiparao de oportunidades, adequao dos sistemas

    sociais no intuito de que possam participar em todos os ambientes.

  • 25

    Esses movimentos representam um avano da responsabilidade social ao se

    preocuparem com as pessoas com deficincia. Matos e Mendes (2014) consideram

    que o movimento pela incluso surgiu nos Estados Unidos, partindo da reflexo

    sobre a necessidade de se questionar o atendimento s pessoas com deficincia, na

    inteno de defender um sistema nico de qualidade para todos.

    Mantoan (2006) descreve que a evoluo dos atendimentos nas escolas

    regulares, por meio das polticas pblicas foi crescendo e hoje todos tm direito a

    escolarizao:

    A Incluso questiona no somente as polticas pblicas e a organizao da educao especial e da regular, mas tambm o prprio conceito de integrao. Ela incompatvel com a integrao, j que prev a insero escolar de forma radical, completa e sistemtica. Todos os alunos, sem exceo, devem frequentar as salas de aula do ensino regular (p.19).

    A construo de uma sociedade inclusiva passou a ser defendida

    mundialmente, e as teorias e praticas educacionais, bem como modificaes nos

    currculos escolares, as formaes dos professores so mudanas que precisam ser

    articuladas, a proposta inclusiva representa a insero destes sujeitos que at o

    sculo XIX foram excludos e rejeitados, essa uma dvida da atual sociedade

    diminuir o preconceito e hostilidade diante das diferenas.

    2.1 Marcos Histricos da Deficincia

    A histria da excluso dos deficientes muito antiga, o simples fato de

    seremcrianas j as deixava desfavorecidas, o trato com estas pessoas deficientes

    foi mudando no transcorrer da histria da sociedade mundial e de igual forma em

    nvel nacional, na antiguidade era visto como normal o infanticdio quando bebes

    nasciam com qualquer anormalidade:

    Em 384 a.C. Aristteles defendeu arduamente que o homem expressava seus conhecimentos e inteligncia atravs da fala, se um indivduo no tem linguagem, logo, to pouco possuir inteligncia. Isso tornava os surdos incapazes de receber educao (LOURENO, BARANI, 2012, p.2).

  • 26

    Havia uma cultura de que no poderiam admitir pessoas com imperfeies,

    por exemplo, em Atenas os Surdos eram deixados em praas pblicas e em Esparta

    jogados nos rochedos e em Roma atirados no Rio Tiger, logo os surdos no tinham

    dignidade e lugar na prpria sociedade.

    Os gregos no reconheciam nas crianas suas capacidades. Segundo Castro

    (2013), Plato sugeria que a virtude das crianas era o fcil amoldamento, ou seja,

    seriam submetidas s vontades dos adultos, se estes decidissem que elas no

    teriam o direito de sobreviver por alguma anomalia ou deformidade, elas seriam

    extintas ou abandonadas:

    Apesar do pensamento de Plato em relao aos princpios da educao estar frente de seu tempo, ele tinha uma concepo excludente em relao aos deficientes, na verdade, um sentimento comum sua poca, Plato em seu livro Repblica prope a morte das crianas de corpo mal organizado e o cuidado dos que receberam da natureza corpo so e alma formosa. Aristteles no livro Poltica sugere a proibio de alimentar toda criana disforme. Tambm, segundo ele, era intil o Estado investir na educao da pessoa surda, pois o pensamento impossvel sem a palavra. Posteriormente, criou-se a ideia de que os deficientes eram endemoniados (CASTRO, 2013, p.2).

    As crianas que nasciam com deficincias estavam fadadas morte,

    considerando o agravante que eram abandonadas por seus familiares.Nos

    primrdios as pessoas deficientes eram entendidas como seres desqualificados e

    inferiores, portanto no tinham o direito de viver, tendo em vista que naquele perodo

    somente os indivduos saudveis eram considerados dignos. De acordo com Castro

    (2013, p.1):

    Os bebs nascidos disformes deveriam ser expostos, a deformidade da criana ou a pobreza da famlia bastavam para que a justia domstica decretasse sua morte ou se abandono. Na Roma antiga os bebs malformados eram enjeitados ou afogados. Estes podiam ser perfeitamente mortos, atirados ao mar ou queimados. Acreditava-se que as deformidades traziam mau agouro para comunidade e para a famlia.

    Aps o nascimento de Jesus Cristo, e por meio dos seus ensinamentos

    apontados como Cristianismo, a postura sobre a deficincia mudou, a sociedade

    comea a aceit-los como criaturas de Deus. A partir de ento, todos so

    considerados filhos de Deus, as pessoas com deficincia passam a ter alma.

  • 27

    Dessa forma, comearam a ser assistidas com alimentao e abrigo, e logo, a Igreja

    Catlica comea a combater a eliminao das crianas que nasciam deficientes.

    Na idade mdia, a supremacia da Igreja Catlica fez com que as pessoas

    aceitassem a ideia de que as pessoas com deficincia seriam consideradas como

    doentes, a ausncia de condies de higiene e ainda a presena de diversas

    doenas endmicas, fez com que surgissem instituies para que essas pandemias

    fossem minimizadas, conforme podemos observar na afirmao de Botur e Manzoli

    (2007, p.67):

    As pessoas com deficincias so entendidas como doentes precisam de cuidados dos mdicos e tm direitos a procedimentos de reabilitao fsica adequados, desta maneira a medicina comea a ganhar forte espao, e as pessoas com deficincia passam a ser vistas como objeto e clientela de estudo, sendo, portanto o modelo mdico utilizado para uma melhor compreenso das deficincias.

    Segundo Fernandes, Schlesener e Mosquera (2011) no sculo VI comearam

    a surgir os hospitais e instituies de caridade, que por sua vez abrigavam pessoas

    deficientes e indigentes. Nestas instituies eram proporcionados alimentao,

    educao e os cuidados que precisavam.

    Os hospitais e asilos de caridade, com objetivos de abrigar, proteger e educar, acabavam excluindo-os da convivncia social. Cabe ressaltar que, dentro desse contexto histrico, alguns paradigmas surgiram em relao ao movimento das ideologias e organizao social das sociedades frente aos indivduos com deficincia. (FERNANDES, SCHLESENER e MOSQUERA, 2011, p.4)

    No fim da idade mdia, a marca o reencontro do homem consigo mesmo. A

    crena em supersties, misticismo e ocultismo, bem como explicaes onde tudo

    a vontade divina,se modifica.

    No Renascimento, sculo XIV, e posteriormente no incio da idade moderna

    (sculo XV em diante), a deficincia passa a ser analisada sob o vis mdico e

    cientfico.Esta concepo pode ser analisada e entendida que a deficincia deve ser

    analisada diante do contexto geral das deficincias.

    Segundo Mazzotta(2001), em 1770 cria-se, em Paris, com o abade Charles

    Michel LEpee, a primeira instituio especializada para a educao de surdos, ele

    criou tambm o chamado mtodo dos sinais. Em 1776, sua obra foi publicada com o

    ttulo: A Verdadeira Maneira de Instruir os Surdos Mudos.

  • 28

    Em 1784, sobre o atendimento dos cegos, Valentin Hauy, fundou em Paris, o

    Instituto Nacional dos Jovens Cegos, que no se caracterizava apenas como um

    asilo, mas Hauy ficou conhecido por sua metodologia (letras em relevo) de ensinar

    aos jovens:

    Em 1829, um jovem cego francs, Louis Braille (1809-1852), estudante daquele Instituto, fez uma adaptao do cdigo militar de comunicao noturna, criado por Barbier. [...] De inicio, tal adaptao foi denominada de sonografia, e mais tarde, de braile. At hoje no foi encontrado outro meio, de leitura e de escrita, mais eficiente e til para o uso das pessoas cegas (MAZZOTTA, 2001, p.19).

    O jovem Louis Braille queria conhecer o mundo atravs da leitura, quando

    conheceu o mtodo de comunicao noturna de Barbier, posteriormente fez

    modificaes na acentuao, pontuao e sinais matemticos (CANEJO, 2005). No

    ano de 1929 publicou seu mtodo, mas somente em 1937 sua proposta foi finalizada

    e conhecida mundialmente com seu nome.

    Em relao deficincia fsica, Mazzotta (2001) considera que os registros

    so da Alemanha, em Munique, que havia uma instituio encarregada de educar os

    coxos, os manetas e os paralticos. Tambm neste mesmo perodo inicia-se o

    atendimento aos deficientes intelectuais, o mdico Jean Marc Itard mostrou a

    educabilidade de um menino chamado de selvagem de Aveyron:

    Reconhecido como a primeira pessoa a utilizar mtodos sistematizados para o ensino de deficientes ou retardados mentais, Itard trabalhou durante cinco anos com Vtor, uma criana de doze anos, menino selvagem capturado na floresta de Aveyron, no sul da Frana, por volta de 1800 (MAZZOTTA, 2001, p.20).

    O mdico considerou o comportamento do menino semelhante ao de um

    animal, por conta da socializao precria, desta forma, Itard empregou uma regra

    considerada por ele como bsica, que era repetir a experincia de sucesso, mais

    tarde desenvolvendo amplos materiais didticos pedindo aos professores que

    seguissem seus processos, como foi apontado por Mazzotta (2001).

    Sobre a educabilidade de Itard com Victor2, Tezzari (2009) afirma que:

    2 O nome foi escolhido pelo prprio menino, pois de acordo com a governanta de Itard, o selvagem tinha uma sensibilidade ao som da letra o, e aps a pronncia de vrios nomes masculinos, Victor foi o nome que fez com que o garoto olhasse para a Mme.Gurin(TEZZARI, 2009).

  • 29

    Ao se deparar com um menino que foi privado durante anos do convvio com a civilizao, acreditou que suas caractersticas eram consequncia do prprio isolamento e no de um quadro de idiotia. Props-se ento a educ-lo e baseou-se, ao elaborar seu plano de desenvolvimento, nas teorias em que acreditava [...] E assim ele iniciou sua empreitada. Ao ler seus relatrios percebe-se que sua interveno junto ao menino foi a de um professor, e no aquela de um mdico. Incontveis atividades foram propostas, assim como a criao de materiais para o desenvolvimento das mesmas. Todavia, nem todos os objetivos foram alcanados, ou talvez, alguns deles no tinham sido alcanados de forma plena, mas em parte, dentro das possibilidades que Victor apresentava naquele momento e em acordo com a metodologia empregada. Ao desenvolver seu experimento com Victor, o mdico-pedagogo foi extremamente fiel e rgido na aplicao dos princpios tericos nos quais acreditava (p.80).

    A privao deste menino significa que ele necessitava de um maior convvio

    com pessoas que pudessem entend-lo. Dessa maneira, o mdico, ao trat-lo como

    uma criana com dificuldades, repetia as experincias de sucesso, levando-o a

    desenvolver materiais didticos que depois repassou aos professores para que

    pudessem trabalhar com outras crianas com as mesmas deficincias.

    De acordo com Fernandes, Schlesener e Mosquera (2011), Philippe Pinel

    props que os indivduos com deficincias fossem tratados e reabilitados, do mesmo

    modo como foi feito com o menino selvagem. A partir de ento, inicia-se o

    atendimento s pessoas com deficincia e o crescimento das instituies

    especializadas, observando-se o interesse pela limitao das deficincias.

    A respeito do modelo de Institucionalizao, Tezzari (2009) destaca que foi

    ento delimitado pelos profissionais quais, entre os atrasados, iriam para as

    instituies e quais seriam aptos para o ensino nas escolas regulares.

    Como consequncia da adoo desse modelo, a nfase era colocada no tratamento das crianas e no na sua educao, tendo os testes de inteligncia, nesta poca, papel relevante, os quais rotulavam as crianas consideradas com dficit intelectual, aumentando assim a discriminao das mesmas.

    Aps esse modelo de Institucionalizao,Tezzari (2009) considera que houve

    uma ampliao dos processos de escolarizao, expressivamente entre os sculos

    XVIII e XIX na Europa, e no Brasil no sculo XX:

  • 30

    Esse movimento de identificao e classificao das crianas com rendimento aqum daquele considerado o ideal acontece, no por acaso, simultaneamente ao processo de democratizao do acesso escolarizao. A educao escolar, que antes era privilgio de pequena parcela da populao, na maioria dos pases, comea a ser ampliada (p.29).

    O fato de classificarem os sujeitos com deficincia no se constitua uma

    preocupao com a educao das mesmas, mas havia uma preocupao em rotular

    os indivduos e reabilit-los, conforme destaca Serpa (2011, p.21):

    Inspiradas no modelo mdico da deficincia, no qual as diferenas eram vistas como patologias individuais, sendo necessria a mobilizao de estratgias individuais de adaptao sociedade, atravs de mudanas operacionalizadas por profissionais, que trariam, a esses sujeitos sociais, a reabilitao ou a cura, intentando o modelo mdico melhorar as pessoas com deficincias, para adequ-las aos padres da sociedade. Como consequncia da adoo desse modelo, a nfase era colocada no tratamento das crianas e no na sua educao, tendo os testes de inteligncia, nesta poca, papel relevante, os quais rotulavam as crianas consideradas com dficit intelectual, aumentando assim a discriminao das mesmas.

    Os testes de inteligncia funcionavam para que fosse justificado o fracasso

    escolar, logo a culpa da no aprendizagem ficaria com o individuo fracassado, esse

    modelo clnico serviu para aliviar a responsabilidade da sociedade e o sofrimento

    das famlias. As pessoas com deficincia eram encaminhadas para os asilos,para

    que fossem vigiados e o contato com a sociedade ficava mais restrito. A esse

    respeito,Botur e Manzoli (2007, p.67) destacam:

    Assim no Sculo XIX criavam-se escolas especiais para o atendimento da pessoa com deficincia, desta maneira tranquilizava-se a conscincia coletiva proporcionando cuidado e assistncia a quem necessitava, protegendo o deficiente da sociedade, sem que esta tivesse que suportar o seu contato.

    Aps a institucionalizao, foram criadas as escolas especiais, o objetivo foi

    manter os indesejveis longe dos ditos normais. Contudo, no sculo XX, surge a

    necessidade da expanso no setor educacional.

    Segundo Botur e Manzoli (2007), inmeros alunos destacaram-se como

    aqueles que no conseguiam acompanhar o ritmo normal, comeou ento, com

    Binet, o teste de inteligncia, que justificaria a retirada da escola regular daqueles

  • 31

    que no acompanhavam o ritmo, e os demais, considerados normais, no teriam

    de suportar a convivncia com os no educveis no mesmo ambiente:

    ento que se aplica a diviso do trabalho educao e nascem espaos diferentes para educar. Binet, em 1905, cria o instrumento para poder retirar da escola regular os mais fracos, os atrasados. Por meio desses testes era possvel determinar o grau de inteligncia de uma criana e classific-la, com relativa preciso, em normal ou anormal, observa-se com isso uma proliferao das classes especiais e a rotulao das crianas seguindo diversas etiquetas (p.67).

    Com esses testes, os alunos eram encaminhados s escolas especiais, que

    se multiplicaram e diferenciavam-se em diferentes funes e etiologias, como

    centros especializados para o atendimento de surdos, cegos, deficientes mentais,

    distrbios de aprendizagem, da fala, paralisia cerebral, dentre outras. Nesta poca,

    observa-se que havia uma preocupao em rotular a criana que no aprendia para

    justificar o fracasso escolar, colocando na deficincia a culpa pela falta de certas

    habilidades acadmicas.

    2.2 Os caminhos da Incluso no Brasil

    No Brasil,a incluso dos deficientes iniciou de forma concreta quando D.

    Pedro II determinou que, em 12 de setembro de 1854, fosse edificado o Imperial

    Instituto dos Meninos Cegos:

    A instituio foi instalada no Rio de Janeiro e tinha como modelo o Instituto de Meninos cegos de Paris, cujos mtodos de ensino eram considerados os mais avanados de seu tempo. Foi o discurso eloquente do jovem cego e ex-aluno do Instituto de Paris Jos lvares de Azevedo que convenceu o imperador a institu-lo, durante a audincia intermediada pelo mdico da corte, ao Dr. Jos Francisco Xavier Siga e pelo Baro do Rio Bonito, o ento presidente da Provncia do Rio de Janeiro ( LANNA JUNIOR, 2013, p.1).

    Em 26 de setembro de 1857, pela Lei n 939, de autoria de D. Pedro II, foi

    criado o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos3, com a vinda do Professor Surdo

    3Surdos-Mudos,denominao antiga atribuda ao indivduo Surdo.

  • 32

    Ernest Huet da Frana. Em 1957, por meio da Lei n 3.198, passou a denominar-se

    Instituto Nacional de Educao de Surdos (INES).

    De acordo com Galindo, a criao dessas duas instituies no Brasil, mostra

    o modelo Europeu para lidar com as pessoas com deficincia, ou seja, eram

    confinadas em asilos, conventos e hospitais psiquitricos. Estes lugares eram

    similares s prises, conhecidos como instituies totais,onde as pessoas com

    deficincias eram enviadas. Constituam-se; pois, de espaos de moradia e trabalho

    para instruo de indivduos cegos e surdos, significando que eram excludos de

    seus ambientes familiares durante um longo perodo de tempo:

    Desse modo a institucionalizao (segregao) perdurou at a metade da dcada de 50 do sculo XX; pois nesse perodo, o mundo ocidental vivia grandes transformaes com relao aos movimentos sociais. Na dcada de 60, em consequncia das guerras mundiais, surgiu um movimento e foram feitas a institucionalizao de pessoas com doena mental e outras deficincias. Nesta perspectiva, iniciou-se, ento, um modelo de atendimento implantao de servios de habilitao profissional, com o intuito de preparar o indivduo para a integrao ou reintegrao na vida da comunidade. (2012, p. 15)

    Com a Proclamao da Repblica em 1889,diversos profissionais, que

    estudavam na Europa, voltaram ao Brasil entusiasmados e com desejo de

    modernizar o pas, caracterizando, na medicina,um interesse por crianas com

    deficincia:

    Os mdicos foram os primeiros a estudar os casos das crianas com prejuzos mais graves e criaram instituies para crianas junto a sanatrios psiquitricos. (...) Esse interesse dos mdicos pelas pessoas com deficincias teria maior repercusso aps a criao dos servios de higiene mental e sade publica que em alguns estados deu origem ao servio de Inspeo mdico - escolar e a preocupao com a identificao e educao dos estados anormais de inteligncia (MENDES, 2010, p.95).

    Neste perodo, a deficincia era concebida como doena, logo o indivduo

    deficiente precisava de tratamento. Observa-se uma preocupao em identificar os

    casos leves de anormalidade da inteligncia, uma vez que os casos mais graves

    eram rejeitados nas escolas pblicas e encaminhados para as Instituies. Essa

    concepo clnica ganhou foras do Brasil at o ano de 1930:

  • 33

    Aos poucos esse atendimento foi substitudo pela psicologia, na qual se destacou Helena Antipoff. Antipoff realizou diversos cursos de formao de professores, principalmente na regio de Betim, Minas Gerais. Por meio da atuao de Helena foram fundadas no Brasil as Sociedades Pestalozzi. A partir de ento a sociedade comea a ampliar sua preocupao com o atendimento s pessoas com deficincia e sua insero no mercado de trabalho. Em 1950 surgem no Brasil as chamadas APAES e em 1960, so criadas Campanhas para educao das pessoas com deficincia visual, auditiva e mental (SILVEIRA, DRAGO, 2010, p.82):

    Mendes (2010, p.98-99) descreve que a caracterstica do Estado Novo (1945-

    1964) seria a expanso dos estabelecimentos de ensino especial.Cerca de 190

    estabelecimentos foram criados no final da dcada de 50 no pas, dos quais a

    grande maioria (cerca de 77%) eram pblicos e em escolas regulares.

    Mazzotta (2001) relata que, do perodo de 1854 a 1956, foram iniciativas

    oficiais e particulares isoladas, a criao do Instituto dos Meninos Cegos, O Instituto

    Nacional dos Surdos, depois em 1874 o Hospital Estadual de Salvador na Bahia

    para atender pessoas com deficincias mentais, at 1950 havia 40 estabelecimentos

    mantidos pelo poder pblico.

    Em 1926, em Porto Alegre, criado o Instituto Pestalozzi, depois em Minas

    Gerais. Por sua vez, em 1948, Helena Antipoff funda, no Rio de Janeiro a Sociedade

    Pestalozzi do Brasil, assim tambm em outros estados foram criadas as Pestalozzi.

    Em 1950, a Associao de Assistncia Criana Defeituosa (AACD) mantinha

    convnio com a prefeitura de So Paulo. Em 1954, no Rio de Janeiro, foi criada a

    primeira Associao de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE).

    O segundo perodo descrito por Mazzotta (2001), de 1957 a 1993, chamou de

    iniciativas oficiais de mbito nacional e eram campanhas nacionais assumidas pelo

    governo federal.

    A primeira campanha, denominada de Campanha para a Educao do Surdo

    Brasileiro (CESB), foi realizada em 1957. Aps a realizao desta, em 1958, houve

    a segunda Campanha Nacional de Educao de Cegos (CNEC). Em 1960, uma

    campanha foi instituda por influncia dos movimentos liderados pela sociedade

    Pestalozzi e APAE, a Campanha Nacional de Educao e Reabilitao de

    Deficientes Mentais (CADEME).

    Em 1961, promulga-se a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educao

    Nacional (LDBEN), a Lei n 4.024/61 e, em seus artigos 88 e 89, afirma que:

  • 34

    Art. 88. A educao de excepcionais,deve, no que for possvel, enquadrar-se no sistema geral de educao, a fim de integr-los na comunidade. Art. 89. Toda iniciativa privada considerada eficiente pelos conselhos estaduais de educao, e relativa educao de excepcionais, receber dos poderes pblicos tratamento especial mediante bolsas de estudo, emprstimos e subvenes (BRASIL, 1961, p. 15).

    Com relao deficincia, no perodo da ditadura militar, Mendes (2010,

    p.100) assinala que houve fomentao ao assistencialismo, ou seja, as classes

    especiais nas escolas regulares representavam 74% dos servios, foram

    evidenciadas abordagens mais teraputicas do que Educacionais.

    Antes de 1970, as aes voltadas para as pessoas com deficincia eram

    assistencialistas e caritativas, conforme aponta Lanna Junior (2010, p.12):

    A opresso contra as pessoas com deficincia tanto se manifestava em relao restrio de seus direitos civis quanto, especificamente, que era imposta pela tutela da famlia e de instituies. Havia pouco ou nenhum espao para que eles participassem das decises em assuntos que lhes diziam respeito. Embora durante todo o sculo XX surgissem iniciativas voltadas para as pessoas com deficincia, foi a partir do final de 1970 que o movimento das pessoas com deficincia surgiu, tendo em vista que, pela primeira vez, elas mesmas protagonizaram suas lutas e buscaram ser agentes da sua prpria histria. O lema Nada sobre Ns sem Ns, expresso difundida internacionalmente, sintetiza com fidelidade a histria do movimento (p.12).

    O movimento das pessoas com deficincia foi fundamental para se perceber

    as necessidades de atendimento com relao aos aspectos sociais, polticos,

    econmicos e culturais. A frase Nada sobre Ns sem Ns comeou a ser utilizada

    h mais de 20 anos, em sntese mostra que no basta inseri-los na sociedade, pois

    esta no est baseada em igualdade se todos no participam ativamente.

    At a dcada de 1970, muitos pases, tendo como princpio norteador a

    Declarao Universal dos Direitos Humanos, passaram a buscar um novo modelo

    para atender as pessoas com deficincia. Segundo o princpio da normalizao, as

    pessoas diferentes poderiam habilitadas a viver em espaos de sociedade:

    Na tentativa de eliminar os preconceitos e de integrar os alunos portadores de deficincias nas escolas comuns do ensino regular, criou-se o movimento de integrao escolar.Esse movimento caracterizou-se, de incio, pela utilizao das classes especiais (integrao parcial) na preparao do aluno para a integrao total na classe comum (BRASIL, 2001, p. 21).

  • 35

    A Resoluo aprovada pela Assembleia Geral da Organizao das Naes

    Unidas (ONU) foi um passo importante para o reconhecimento dos direitos das

    pessoas deficientes, pois assume que todas as pessoas tm direitos de desfrutar

    uma vida to normal quanto plena, inclusive com direitos iguais concernentes

    educao.

    Em 1973, o MEC criou o Centro Nacional de Educao Especial (CENESP),

    por meio do Decreto n 72.425, que se constituiu o primeiro rgo educacional do

    governo federal com a finalidade de promover em todo o territrio nacional, a

    expanso e melhoria do atendimento aos excepcionais (MAZZOTTA, 2001).

    A partir da dcada de 1980, surgem os movimentos a favor da incluso

    escolar que, por sua vez, criou propostas de estruturao da educao brasileira. A

    Constituio Brasileira, de 1988, no Captulo III, Da Educao, da Cultura e do

    Desporto, Artigo 205 prescreve: "A educao direito de todos e dever do Estado e

    da famlia". Em seu Artigo 208, prev: o dever do Estado com a educao ser

    efetivado mediante a garantia de: "atendimento educacional especializado aos

    portadores de deficincia, preferencialmente na rede regular de ensino".

    Em 1990, vrias aes concernentes s polticas pblicas tratam da educao

    das pessoas com deficincia, na qual se destaca o Estatuto da Criana e do

    Adolescente, Lei n 8.069/90, em seu Art. 54, inciso III, institui: Atendimento

    Educacional Especializado aos portadores de deficincia, preferencialmente na rede

    regular de ensino (BRASIL, 1990, p.13).

    Na dcada de 1990, Carvalho (2007, p.77) descreve que outras iniciativas

    tm destaque como a Declarao Mundial de Educao para Todosrealizada na

    Tailndia, com cerca de 1.500 participantes de 155 pases, incluindo autoridades

    nacionais e especialistas em educao. Essa Conferncia o resultado da

    colaborao conjunta do Fundo das Naes Unidas para a Infncia (UNICEF),

    Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura

    (UNESCO),Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Banco

    Mundial.

    Ao analisar o documento impossvel no perceber que o Brasil no atingiu

    todas as metas, embora haja vrios avanos que vo desde o acesso ao ensino

    fundamental matrcula dos jovens na idade prpria no Ensino Mdio. As

    necessidades bsicas de aprendizagem para todos com a inteno de atingir metas

    estabelecidas no documento foram ampliadas e, embora o documento no tenha

  • 36

    sido elaborado visando educao especial, os objetivos acabaram contemplando

    as pessoas com deficincia, tendo em vista que os objetivos, estabelecendo

    princpios, diretrizes e normas, pressionaram reformas em diversos pases.

    Conforme Carvalho (2007),se reuniram, na Espanha, mais de 300

    representantes de 88 governos e 25 organizaes internacionais. A Declarao de

    Salamanca (1994) composta de princpios, polticas e prticas para a educao

    especial e,por meio deste documento, foi ampliado o conceito de necessidades

    educacionais especiais, sugerindo a incluso de todas as crianas nas escolas

    regulares, este documento trata das orientaes sobre a incluso:

    Princpio fundamental da escola inclusiva o de que todas as crianas devem aprender juntas, sempre que possvel, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenas que elas possam ter. Escolas inclusivas devem reconhecer e responder s necessidades diversas de seus alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educao de qualidade a todos, atravs de um currculo apropriado, arranjos organizacionais, estratgias de ensino, uso de recurso e parceria com as comunidades. Na verdade, deveria existir uma continuidade de servios e apoio proporcional ao contnuo de necessidades especiais encontradas dentro da escola (BRASIL, 1994, p.5).

    Pode-se dizer que a declarao acima alm de contribuir para o

    fortalecimento da educao inclusiva, reestrutura instituies educacionais, prope

    que nestas instituies os servios precisam estar adequados para atender s

    necessidades educacionais, bem como diversidade, que sejam contempladas as

    especificidades de cada educando includo e que as diferenas sejam respeitadas.

    Barreta e Canan (2012, p.11) entendem que o Brasil, ao aderir Declarao

    de Salamanca, assumiu um compromisso internacional com a ONU, UNESCO e

    Banco Mundial (BM) de melhorar os indicadores nacionais da educao bsica.

    A atual LDBEN, Lei n 9.394/96 de 1996 destaca, no Captulo V,- Art. 58 e 59,

    a respeito dos deficientes:

    Art. 58. Entende-se por educao especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educao escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais. 1 Haver, quando necessrio, servios de apoio especializado, na escola regular, para atender s peculiaridades da clientela de educao especial. 2 O atendimento educacional ser feito em classes, escolas ou servios especializados, sempre que, em funo das condies

  • 37

    especficas dos alunos, no for possvel a sua integrao nas classes comuns de ensino regular.[...] Art. 59. Os sistemas de ensino asseguraro aos educandos com necessidades especiais: I - currculos, mtodos, tcnicas, recursos educativos e organizao especficos, para atender s suas necessidades; II - terminalidade especfica para aqueles que no puderem atingir o nvel exigido para a concluso do ensino fundamental, em virtude de suas deficincias, e acelerao para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; III - professores com especializao adequada em nvel mdio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integrao desses educandos nas classes comuns (BRASIL, 1996, p. 25).

    Dentre os pontos positivos desta Lei, cita-se a obrigao do Estado em prover

    a oferta da educao especial, a insero desses alunos nas salas regulares,

    capacitao dos docentes para a oferta de apoio especializado e os recursos que

    so utilizados no AEE.

    No Brasil, tambm nessa mesma poca, comea um longo caminho pela

    incluso. O Conselho Nacional de Educao aprovou a Resoluo n 02/2001, que

    institui as Diretrizes Nacionais para a incluso das crianas com necessidades

    educacionais especiais e instituiu diretrizes para a Educao Especial na Educao

    Bsica, incluindo os alunos surdos no grupo daqueles com dificuldade de

    comunicao e sinalizao, diferenciando dos demais alunos, e que demandam a

    utilizao de linguagens e cdigos aplicveis. Conforme o pargrafo 2, do Art. 12,

    desta Resoluo:

    Deve ser assegurada, no processo educativo de alunos que apresentam dificuldades de sinalizao diferenciada dos demais educandos, a acessibilidade aos contedos curriculares mediante a utilizao de linguagens e cdigos aplicveis, como o sistema BRAILLE e a Lngua de Sinais, sem prejuzo no aprendizado de Lngua Portuguesa, facultando-lhes s suas famlias a opo pela abordagem pedaggica que julgarem adequadas, ouvindo os profissionais especializados em cada caso (BRASIL, 2001, p. 6).

    Em 2001, o Conselho Nacional da Educao, acompanhando o processo de

    mudana e as Diretrizes Nacionais para a Educao Especial na Educao Bsica,

    lana a Resoluo CNE/CEB n 2/2001, que, no artigo 2, determina:

    Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo s escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condies

  • 38

    necessrias para uma educao de qualidade para todos (BRASIL, 2001, p. 1).

    Partindo da anlise destes documentos, resolues e diretrizes nacionais

    percebe-se que no basta apenas matricular esses educandos no ensino regular e

    permitir que tenham acesso s escolas, percebe-se tambm que estes alunos com

    deficincia tm direito ao atendimento especializado, que a educao deve ser de

    qualidade, e inegvel que diversos documentos, leis e regulamentaes precisam

    ser articulados para que sejam cumpridas as determinaes, considerando-se que

    urgente a qualidade na educao.

    notrio que a educao inclusiva tornou-se um movimento universal e por

    meio dos seminrios internacionais e convnios firmados entre os pases mobilizou

    aes polticas,sociais e pedaggicas no intuito de contemplar indiscriminadamente

    a todos os alunos, para que todos venham a participar e aprender, compreendendo

    que cabe aos gestores e profissionais da educao visualizarem as diferenas e

    especificidades de cada aluno, garantindo no s a incluso destes no ensino

    regular, mas tambm a sua permanncia na escola,com qualidade.

  • 39

    3 A INCLUSO ESCOLAR DA PESSOA SURDA

    3.1 Uma Viso Cultural sobre a Surdez

    Atualmente existem diversos autores que buscam compreender quem so os

    surdos e a diferena da sua cultura, dentre eles esto Skliar (2005), Lopes (2007),

    Strobel (2008a, 2008b), Chiella (2007), S (2010) e Costa (2010), bem como as

    particularidades das identidades que se constroem por conta dessa diferena da

    lngua.

    As mudanas que esto acontecendo, com relao educao dos surdos e

    suas lutas, evidenciam-se questes relevantes quando se pretende conhecer as

    concepes sobre a surdez e discutir sobre a concepo clnica e a cultural.

    Strobel (2008a) descreve que, no modelo clnico aplicado no perodo da

    institucionalizao,prevalecia o modelo de adaptao por meio de terapias da fala,

    excluindo-se a diferena; a sociedade de maneira geral os percebia como aqueles

    cujos ouvidos so defeituosos, que precisavam de reparao:

    As crianas surdas no podiam participar nas comunidades surdas e, inicialmente, os espaos compartilhados eram os dormitrios das instituies e asilos, onde os sujeitos surdos eram entregues pelas famlias em regime de internato, at que estivessem aptos para retornar ao convvio familiar, o que, invariavelmente acontecia no incio da idade adulta (p. 25).

    Costa (2010, p.17) escreve sobre a posio do surdo como patolgico, ou

    seja, aquele que precisa ser diagnosticado; o surdo como anormal, que no est

    enquadrado dentro dos padres do que se diz normal, se encaixa nos padres da

    anormalidade, sendo, pois sujeito a ser corrigido.

    Nos dados histricos da institucionalizao, encontra-se a marca da

    concepo clnica, arraigada ao princpio da normalizao, ou seja, a filosofia da

    integrao est permeada pelo modelo mdico, conforme assinala Lopes(2007, p.8):

    A cincia, no desejo de produzir conhecimentos capazes de explicar o desconhecido, inventou a surdez atravs dos nveis de perdas auditivas, das leses no tmpano, dos fatores hereditrios e adquiridos. [...] Foram criados distintos modos de trabalhar com sujeitos acometidos pela surdez. Na clnica, terapias de fala,

  • 40

    aparelhos auditivos, tcnicas diversas de oralidade foram desenvolvidas com a finalidade de normalizao.

    O modelo mdico procurou explicar a surdez, enumerando graus e perdas,

    porm a autora assinala que a inteno retirar a anormalidade, curar atravs das

    terapias da fala e das tcnicas orais, o que se pretende, de fato, negar a surdez e

    esconder a deficincia.

    Segundo S (2010), a concepo clnica trata da surdez como deficincia que

    precisa ser abolida, e que por sua vez, deve ser concertada:

    Alheias a essas questes, a sociedade v a surdez como uma deficincia que futuramente h de ser abolida por meio de concertos neurocirrgicos prometidos pela pesquisa mdica, ou pela engenharia, ou pela gentica, ou pela preveno de doenas. [...] O aparecimento da surdez, muitas vezes visto como um mal, um contgio, resultante de ms condies sanitrias da classe desfavorecida ou da falta de cuidados familiares ou mdicos. Ou mesmo uma fatalidade, como um castigo, punio ou situao a que se estaria exposto por purgao de culpas, da prpria pessoa ou dos que a cercam (p.68-69).

    A este respeito, compreende-se que a viso clnico-teraputica considera a

    surdez como deficincia que precisa se concertada, o surdo visto como anormal ou

    algum que precisa ser mudado, curado. Wrigley (1996) apud Strobel (2008a)

    explica que o modelo e poltica ouvintista prevaleceu e consideraram-se tticas

    reparadoras, onde a surdez era tida como doena ou defeito que precisava de

    correo:

    [...] surdos so pessoas que ouvem com ouvidos defeituosos. Se pudssemos consertar os ouvidos, eles estariam ouvindo. Esta lgica comum na verdade comum, mas no necessariamente lgica. Os negros so pessoas brancas que possuem pele escura. Se pudssemos consertar a pele, eles seriam brancos. As mulheres so homens com genitlia errada (2008a, p.22).

    Reis (2013) entende, ao falar dos surdos, que precisa falar em diferena de

    cultura, considerando que os surdos no se sentem deficientes, preciso estudar as

    diferenas de cultura e identidade pelo vis antropolgico, e essa viso

    antropolgica fica sobreposta viso clnica por considerar os surdos como

    deficientes, conforme argumenta a seguir:

  • 41

    Na contramo da viso meramente clnica da surdez, surgem alguns estudos que, por no se contentarem com tal conceituao e por entender que o que vem primeiro o ser humano, o ser surdo, o surdo, buscou explicar a surdez pelo vis antropolgico, nos quais a cultura e identidade so mais relevantes do que a perda auditiva, exames audiomtricos e nveis de decibis. E, neste caso, o surdo considerado Diferente. No considera sua condio de no ouvir uma deficincia, apenas uma diferena (p.66).

    A inteno est em ampliar o entendimento e ultrapassar a viso mdico

    clnica, deixando de entender a surdez como patologia e reconhecendo-a enquanto

    diferena lingustica.

    Reis (2013, p.67) aponta que reconhecer que existem pessoas diferentes

    um passo importante para a incluso de qualquer cultura, traduzindo esse

    reconhecimento em aes que considerem os surdos como cidados que tm o

    direito de aprender em sua lngua de instruo que a LIBRAS.

    Lopes (2007) considera que nos dias atuais,h dedicao de diversos grupos

    de estudos, por exemplo, citou o Ncleo de Pesquisas em Polticas Educacionais

    para Surdos(NUPPES), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por

    apresentar contribuies quanto ao respeito aos estudos surdos, cultura e

    identidades prprias dessa comunidade. Para ela, os fatores que mais contriburam

    para a participao da comunidade surda foram a realizao de pesquisas e

    publicaes cientficas em peridicos nacionais, realizao de congressos, fruns de

    discusses e ainda a participao dos surdos na construo de polticas

    educacionais para surdos.

    Desta maneira, observa-se a imagem do sujeito surdo no humanizado, pois

    se analisar sob o ponto de vista clnico no lhes retirado o peso da anormalidade,

    conforme afirma Costa(2010, p.27-28):

    Na expresso de to variadas posies-sujeito ocupadas pelo surdo, atravs dos tempos, h algo que se impe como caracterstico nos textos pelos quais passamos: a imagem do surdo no humanizado ou a figura humana de natureza inferior, no aceita e no compreendida pela sociedade que busca figuras para representar esse sujeito. [...] essas imagens no se organizam temporalmente, elas se confundem, no reconhecem na educao do sujeito surdo um lugar de mudana marcante do imaginrio, pois continuam a aparecer declaraes e comparaes que tiram do surdo o estatuto de humanidade, a posio-sujeito humanizada.

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    O sujeito surdo foi marcado por representaes que sugeriam a falta ou

    anormalidade, sempre foi visto pelo vis e marca do preconceito, durante muito

    tempo no foi considerado humano por conta da sua diferena cultural.

    De acordo com Strobel (2008a), desde o final do sculo passado que diversos

    pesquisadores vm elaborando inmeros conceitos sobre cultura, a concluso que

    se chegou que a cultura no deve ser vista de forma unitria, padronizada, pelo

    princpio de normalizao. Argumenta-se o fato quando a cultura vista de maneira

    nica e perfeita e a diferena comea a ser percebida como mancha para a

    sociedade.

    Strobel (2008a) compreende que a cultura, ao longo do tempo, deve ser

    entendida como um processo dinmico:

    A cultura uma ferramenta de transformao, de percepo da forma de ser diferente, no mais na homogeneidade, mas de vida social constitutiva de jeitos de ser, de fazer, de compreender e de explicar. Essa nova marca cultural transporta para uma sensao a cultura grupal, ou seja, como ela diferencia os grupos, no que nos faz emergir a diferena (p.18).

    Ao considerar a questo da cultura no plural, admite-se as multiplicidades de

    grupos que se manifestam de diversas formas, logo dentre eles esto os que se

    constituem ou se destacam por meio da lngua, dascrenas, doshbitos e dos

    costumes transmitidos aos grupos que tm contato, ou seja, existem formas de

    mergulhar nesta ou naquela manifestao de cultura.