dissertação de rafael sbarai: jornalismo digital e colaboração

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  • 7/22/2019 Dissertao de Rafael Sbarai: Jornalismo Digital e Colaborao

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    FACULDADE CSPER LBERO

    COORDENADORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO

    PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAO

    RAFAEL SBARAI SANTOS ALVES

    Compreenso da construo do cidado-reprter por intermdio dos

    modelos de colaborao em ambientes jornalsticos estruturados por

    tecnologias digitais conectadas

    Orientador: Prof. Dr. Walter Teixeira Lima Junior

    SO PAULO

    2010

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    RAFAEL SBARAI SANTOS ALVES

    Compreenso da construo do cidado-reprter por intermdio dos modelos decolaborao em ambientes jornalsticos estruturados por tecnologias digitais conectadas

    Dissertao de Mestrado apresentada para oPrograma de Ps-Graduao Stricto Sensu,mestrado em Comunicao na linha ProcessosMiditicos: Tecnologia e Mercado, daFaculdade Csper Lbero, como requisito parcial obteno do ttulo de mestre sob a orientaodo Prof. Dr. Walter Teixeira Lima Junior.

    SO PAULO

    2010

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    Alves, Rafael Sbarai Santos

    Compreenso da construo do cidado-reprter por intermdio dosmodelos de colaborao em ambientes jornalsticos estruturados em tec-nologias digitais conectadas / Rafael Sbarai Santos Alves --- So Paulo,2010

    142 f. : il. ; 30 cm.

    Orientador: Prof. Dr. Walter Teixeira Lima JniorDissertao (mestrado) Faculdade Csper Lbero, Programa de

    Mestrado em Comunicao

    1. Jornalismo digital. 2. Jornalismo colaborativo. 3. Cidado-reprter.I. Lima Jnior, Walter Teixeira. II. Faculdade Csper Lbero, Programa deMestrado em Comunicao. III. Ttulo.

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    AGRADECIMENTOS

    Primeiramente agradeo a pacincia familiar (Angela, Washington e Thiago) e

    da namorada (Tat) pelos imprescindveis dias exaustivos para a tentativa de concluso

    da dissertao nos ltimos dois anos.

    Agradeo ao corpo de funcionrios da Secretria Geral da Ps-Graduao da

    Fundao Csper Lbero, que me conduziu e transmitiu todos os esclarecimentos para as

    etapas da pesquisa.

    Tambm devo a construo e finalizao de uma etapa acadmica a profissionais

    da rea como Ana Brambilla, ao Diretor de Contedo do iG, Roberto Gerosa, e aos

    responsveis pelo canal Minha Notcia, do Portal iG Marcela Tavares e Daniel

    Hassegawa, alm de parte da redao de VEJA, que contribuiu e confiou nas propostas

    participativas que apliquei ao Jornalismo.

    E um agradecimento especial aos professores Dr. Srgio Amadeu da Silveira e

    ao Dr. Walter Lima Jr, personagens indispensveis na trajetria do curso. A pesquisa s

    foi executada graas ao corpo docente que me auxiliou no incio da pesquisa. Portanto,

    os conceitos, as teorias e as problematizaes da pesquisa fizeram parte de um trabalho

    rduo, porm colaborativo de intromisses entre estes dois acadmicos que, em todos os

    momentos, se mostraram solcitos e disponveis para ajudar a formatar as idias

    propostas. Em pouco mais de 24 meses e com menos de 23 anos acredito que

    alcano um amadurecimento acadmico envolvendo um tema to alardeado - a web -

    graas a Srgio e Walter. Obrigado.

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    "Parto do pressuposto que meus leitores sabem mais doque eu: eles so em maior nmero eu sou um s"

    Dan Gillmor

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    Resumo

    A Comunicao Mediada pelo Computador (CMC) demanda uma adaptao ereconstruo do que Jornalismo. Profissionais da rea encontraram um ambienteestruturado por tecnologias digitais conectadas com espaos ilimitados, facilidade deampliar contedos e conhecimento, elasticidade no momento de informar e, claro, umaforte interao entre o antigo consumidor de informao e um reprter. Para tanto, apresente dissertao avaliou os diversos formatos da insero do cidado no processoinformacional da colaborao e compreender a motivao da prtica do que se consideracomo cidado-reprter em trs vertentes distintas do que defendido como JornalismoColaborativo: o iReport, da CNN, o OhmyNews, projeto participativo da Coria do Sul,alm do Minha Notcia, do portal iG. As diretrizes propostas so aplicadas aos objetosde pesquisa por meio de uma anlise interpretativa dos questionrios enviados aosmaiores produtores de contedo de cada site para avaliar o que move uma populao

    conectada rede coletar dados, produzir fotos, textos ou vdeos e disponibiliz-los emrede.

    Palavras-chave: Jornalismo Digital. Jornalismo Colaborativo. Cidado-reprter.Motivao.

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    Abstract

    The computer mediated communication (CMC) requires an adaptation andreconstruction of what journalism is. Professionals found a structured environment for

    digital technologies connected with unlimited space, easy to expand content andknowledge, give the time to inform and of course, a strong interaction between theformer consumer information and a reporter. To that end, this dissertation seeks toassess the various formats of the insertion of the citizen in the information process ofcollaboration and understanding the motivation of the practice of what is considered asa citizen-reporter in three distinct strands of what is advocated as CollaborativeJournalism: iReport, the CNN, OhmyNews, participatory project in South Korea, as wellas Minha Notcia, from iG. The proposed guidelines are applied to objects of researchthrough an interpretative analysis of questionnaires sent to major producers of contentfor each site to assess what makes a population connected to the network to collect data,produce pictures, texts or videos and make them available in network.

    Keywords: Digital Journalism. Citizen Journalism. Citizen-reporter. Motivation.

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Incio do processo para produzir contedo no Minha Notcia, do iG.............85

    Figura 2 - O contedo no Minha Notcia licenciado sob o Creative Commons...........86

    Figura 3 - Categorizao do contedo gerado pelo interagente......................................87

    Figura 4 - A rea conhecida como Reporters Desk serve como centralizador deinformaes armazenadas pelo cidado-reprter no OhmyNews...................................91

    Figura 5 - Processo de cadastro para participar do iReport, da CNN..............................97

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    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Comparativo entre colaborao, open collaboration e cooperao............52

    Quadro 2 - Denominaes utilizadas na Web para a prtica colaborativa jornalstica...63

    Quadro 3 - Denominaes utilizadas na Web envolvendo a participao do cidado....72

    Quadro 4 - Caractersticas dos sites Minha Notcia (iG), iReport (CNN) eOhmyNews......................................................................................................................99

    Quadro 5 - Motivos para a produo de contedo no Minha Notcia (iG)....................109

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Motivos para a produo de contedo em Minha Notcia (iG), iReport (CNN)e OhmyNews.................................................................................................................106

    Tabela 2 - Motivos para a produo de contedo no Minha Notcia(iG).................................................................................................................................109

    Tabela 3 - Motivos para a produo de contedo no iReport(CNN)............................................................................................................................110

    Tabela 4 - Tabela 4. Motivos para a produo de contedo no

    OhmyNews....................................................................................................................111

    Tabela 5 - Coleta final dos entrevistados para buscar compreender o que move aproduo de contedo no Minha Notcia (iG), iReport (CNN) e OhmyNews..............111

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    SUMRIO

    INTRODUO.............................................................................................................13

    CAPTULO 1 - A trilha do Jornalismo.......................................................................231.1 Jornalismo..................................................................................................................231.1.1 Jornalismo Tradicional........................................................................................26

    1.2 Notcia.......................................................................................................................32

    1.3 Jornalismo digital......................................................................................................371.3.1 O rumo do Jornalismo digital.................................................................................39

    CAPTULO 2 - Colaborar: processos, conceitos e contextualizao........................50

    2.1 Participar, interagir e ajudar: processos de colaborao ou cooperao?..................50

    2.2 Processos de colaborao..........................................................................................532.2.1 Colaborao: prtica antiga nos meios de comunicao........................................56

    CAPTULO 3 - A colaborao no Jornalismo............................................................59

    3.1 Jornalismo Colaborativo na rede mundial de computadores.....................................59

    3.1.1 O princpio da objetividade na Colaborao..........................................................65

    3.2 Gatekeeping e Gatewatching.....................................................................................66

    3.3 Jornalista como curador de contedo?...................................................................68

    3.4 A construo do cidado-reprter..............................................................................70

    CAPTULO 4 - Motivao na Web..............................................................................74

    4.1 Motivao do cidado-reprter: incentivo, recompensa e reconhecimento..............74

    4.2 O estmulo e incentivo na Web..................................................................................79

    CAPTULO 5 Anlise dos objetos............................................................................84

    5.1 Apresentao dos canais Minha Notcia, OhmyNews e iReport...............................845.1.1 Internet Group iG Minha Notcia.....................................................................845.1.2 OhmyNews.............................................................................................................895.1.3 CNN iReport........................................................................................................95

    5.2 Descrio da anlise de pesquisa.............................................................................101

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    5.3 Resultados prvios...................................................................................................104

    5.4 Coleta dos dados.....................................................................................................107

    5.5 Anlise Final............................................................................................................110

    CONSIDERAES FINAIS......................................................................................113

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS......................................................................120

    ANEXOS.......................................................................................................................131

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    INTRODUO

    A unio entre computadores e redes de comunicao transforma e facilita,

    paulatinamente, grande parte das atividades corporativas e hbitos de consumo de cada

    indivduo. Na fronteira digital, h propostas de reformulaes com seus atores sociais,

    comunicaes dinmicas propagadas sob diversas perspectivas e regras estabelecidas a

    partir da sociabilizao on-line. Os contedos, agora, so desenvolvidos em vrios

    formatos - udio, impresso e em vdeo -, criados e distribudos como bits, unidade de

    informao armazenada em um computador. O bit o menor elemento atmico do

    DNA da informao, explica Negroponte (1995, p. 19). A tecnologia, portanto,

    modifica dimenses da relao pessoal com o mundo, da percepo do que se considera

    como realidade real ou virtual e da interao com o espao e tempo. O homem

    obteve uma capacidade mpar de armazenar informao e utiliz-la para seu progresso e

    bem-estar.

    Designada como uma transmisso de um saber, a informao resumida em bits

    tornou-se um elemento incontrolvel da vida digital que promove mudanas no modo de

    distribuir produtos de mdia e, conseqentemente, provoca adaptaes atividade que

    consiste lidar com o factual: o Jornalismo. Em uma Sociedade em rede interconectada

    (CASTELLS, 2000), o aparecimento vertiginoso de novas tecnologias, aliado ao

    aperfeioamento das telecomunicaes que permitem acessar a rede mundial de

    computadores por dispositivos mveis, provoca um questionamento: pela primeira vez,

    a considerada mdia tradicional (formatos impresso, rdio e TV) encontra um

    competidor altura e que promete derrubar o nmero reduzido de empresas que

    controlam os meios de comunicao, definido como oligopolizao. O acesso

    vertiginoso s tecnologias de informao coloca, nos dedos, instrumentos necessrios

    para dialogar, colaborar, criar valores e, principalmente, competir. O palco, destinado

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    apenas aos jornalistas, agora dividido com amadores, espectadores que

    desempenhavam at ento um nico papel a passividade de consumir contedo.

    Portanto, a ateno est redobrada, pois o interagente1, antigo refm das mdias, no tem

    mais a premissa de obter informao j, h algum tempo, obteve uma estrutura

    flexvel complementar para ajudar a promover uma informao plural, consistente.

    As teorias de Comunicao apresentadas at o momento relatam uma ligao

    intrnseca entre as mudanas no ato de comunicar e as evolues estruturais e visuais

    nos suportes miditicos expostos. Na internet, recente ferramenta de construo de

    conhecimento, este pensamento torna-se evidente. As facilidades e flexibilidades

    proporcionadas pelo avano da tecnologia provocaram reformulaes de pensamentos e

    conceitos. O formato plural de comunicar na rede mundial de computadores um para

    um, um para muitos e muitos para muitos permite um processo de participao intenso

    e ativo.

    Mudanas profundas na natureza social e, principalmente, na economia global,

    fazem emergir poderosos modelos de produo baseados em comunidade, em

    cooperao, em colaborao (CASTELFRANCHI, HENRICH, HENRICH,

    TUMMOLINI, 2006; MATUSOV, WHITE, 1996; BAIR, 1989). Mdia on-line e de

    nascimento na internet reconfiguram redaes e pensamentos de jornais, redes de

    televiso e publicaes impressas, como revistas. Tudo para competir nos novos tempos.

    Chegou poca da discutvel Web 2.0(OREILLY, 2006), a segunda gerao da World

    Wide Web (BERNERS-LEE, 1996). Esta tendncia 2 , considerada ultrapassada por

    crticos da internet (WAUTERS, 2009), caracterizada pela troca de dados e

    colaborao dos internautas em sites e servios.

    1Segundo PRIMO (2003), interagente o termo mais adequado para configurar o desempenho participativo de umapessoa na Web. Usurio, definio comum j propagada, pressupe relao hierrquica.

    2Tim Berners-Lee, inventor do WWW, observa que a Web 2.0 no oferece nenhuma novidade o potencial para umalto nvel de participao e colaborao em massa tem sido inerente web desde a sua criao.

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    A Comunicao Mediada pelo Computador (CMC) demanda uma adaptao e

    reconstruo do que Jornalismo. Profissionais da rea encontraram um ambiente

    virtual com espaos ilimitados, facilidade de ampliar contedos e conhecimento,

    elasticidade no momento de informar e, claro, uma interao forte entre o antigo

    consumidor de informao e um reprter. O novo lao existente, por sua vez, permitiu

    unir antigos emissores e receptores na produo de contedo jornalstico na web, um

    processo de agrupar indivduos com um sentimento cooperativo ou colaborativo. Um

    celular com cmera e acesso internet, caractersticas cada vez mais comuns no

    cotidiano das pessoas, potencializa um cidado como um dos principais produtores de

    informao.

    Todo este esprito tecnolgico reforou e ampliou conceitos na Comunicao e

    levantou a hiptese de questionar ou no o jornalista como um especialista da

    informao. Que pretenso seria essa? Por que atribuir informao um domnio

    reservado? Por que tal exclusividade? Assim, o ato de informar, o ato de escrever,

    encontra-se na mira da crtica social, obrigando seus atores a se explicar, obrigando a

    mdia produzir um discurso que justifique sua razo de ser. Sua resposta simples.

    Simplesmente oferecer espao ao leitor3.

    O Jornalismo Colaborativo, Jornalismo Cidado, Jornalismo Participativo, sem

    alarde, ganhou maior amplitude s grandes mdias. A expresso caracterizada pela

    produo da informao realizada por cidados conectados web, por meio de textos,

    fotos e vdeos distribudos pela rede - foi debatida de diversas formas no espao

    acadmico - como mostrar o estudo - ganhou espao de discusso e elimina fronteiras

    que existiam entre empresas de comunicao e consumidores de informao.

    3 Segundo SANTAELLA (2004), leitor utilizado tambm em espaos virtuais de informao, j que socaracterizados por contedos multimdia: texto, imagem e vdeo. Portanto, o termo pode ser empregado desde oslivros ilustrados e, depois, com os jornais e revistas, o ato de ler passou a no se restringir apenas decifrao de

    letras, mas veio tambm incorporando, cada vez mais, as relaes entre palavra e imagem, desenho e tamanho detipos grficos, texto e diagramao.

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    Apesar do desenvolvimento paulatino e recente notoriedade na Web, o

    Jornalismo Colaborativo, termo que ser definido como padro nesta dissertao, passa

    por um processo de reconhecimento, seja por parte da prpria imprensa tradicional, que

    encontra resistncia de alguns profissionais que no consideram compatveis as prticas

    participativas e jornalsticas, ou at mesmo pela credibilidade que ainda no foi lhe

    conferida devido aos descuidos de finalizao de apurao e checagem de jornalistas em

    ocasies especficas de colaborao do interagente.

    Ainda assim, o cenrio no faz parte da maioria da populao brasileira - a

    incluso digital em territrio nacional lenta. Os brasileiros a partir de 16 anos que tm

    acesso internet representaram 67,9 milhes de pessoas no quarto trimestre de 20094-

    tmido crescimento de 8,2% sobre o primeiro trimestre de 2008. O registro representa

    41,7% da populao do Brasil5. No mundo, mais de um bilho e 800 milhes de pessoas

    tm acesso rede mundial de computadores6(26,6% da populao mundial).

    Apesar da pequena parcela da populao inserida digitalmente rede mundial de

    computadores, o projeto avaliou os diversos formatos da insero do cidado no

    processo informacional da colaborao e compreender a motivao da prtica do que se

    considera como cidado-reprter em trs vertentes distintas do Jornalismo: o iReport,

    canal colaborativo da rede de televiso norte-americana CNN, o OhmyNews, experincia

    participativa com nascimento na internet e considerada uma das mais relevantes na rea,

    alm do cenrio brasileiro encontrado no Minha Notcia, ambiente virtual colaborativo

    do portal iG. Para coletar informaes pertinentes para produzir a anlise, h o objetivo

    4Pesquisa Ibope de 31 de maro de 2010. O estudo considera o acesso web em qualquer ambiente residncias,trabalho, escolas, lan-houses, bibliotecas e telecentros. O nmero total de pessoas com acesso internet no trabalho eem domiclios alcanou a marca de 47 milhes, representando uma alta de 0,4%. Do total de pessoas com acesso,36,7 milhes foram usurios ativos em fevereiro de 2010.

    5As informaes fazem parte da Pnad (Pesquisa Nacional Por Amostra de Domiclios), divulgada em setembro de2010. Disponvel em: http://noticias.uol.com.br/especiais/pnad/2010/ultimas-noticias/2010/09/08/regiao-sudeste-

    concentra-metade-dos-internautas-do-brasil-diz-pnad.jhtm. Data do acesso: set. 2010.

    6Relatrio do Internet World Stats de 31 de dezembro de 2009.

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    de encontrar elementos empricos no estudo, pois apenas pela experincia sensvel que

    possvel recolher informaes bsicas a respeito de um universo no caso, do

    Jornalismo em ambientes estruturados por tecnologias digitais conectadas. Logo, houve

    a inteno de desenvolver uma pesquisa bibliogrfica do material j elaborado,

    constitudo principalmente por livros e artigos cientficos que contriburam a

    determinar os objetivos e execuo do plano de trabalho alm de produzir uma

    pesquisa documental, determinando o objetivo do estudo da colaborao no Jornalismo

    e acessando aos documentos relatados durante o estudo. Para compreender o universo

    de pesquisa, houve a necessidade de entrevistar os dez maiores produtores de contedo

    de cada nicho virtual escolhido para entender o que move uma populao conectada

    rede coletar dados, produzir fotos, textos e vdeos e disponibiliz-los em um destes trs

    casos em destaque. Para determinar os maiores produtores de contedo, foi estabelecido

    uma conversa com os responsveis pelos canais do Minha Notcia, do portal iG, e o

    OhmyNews. Os editores enviaram os nomes dos cidados-reprteres com e-mail para

    buscar contato. No caso do iReport, da CNN, a escolha foi feita a partir da etiqueta

    superstars, concedida aos maiores produtores de contedo no ambiente virtual.

    O critrio de escolha dos canais on-line se d pela possibilidade de conhecer

    respostas distintas dos interagentes em trs canais com princpios distintos de origem. O

    Minha Notcia provm de um dos trs maiores portais de audincia no pas7, o iReport

    possui sua base e vnculo em um veculo de comunicao considerado tradicional no

    caso, televiso (CNN) e o OhmyNews um ambiente virtual exclusivamente de cunho

    colaborativo.

    Segundo Charaudeau (2006, p. 50), o discurso da informao traz pressupostos,

    razes, pelas quais uma informao transmitida (por que informar?), quem o autor

    7Segundo dados Ibope/Netratings de fevereiro de 2009, iG possui mais de 13 milhes de visitantes nicos por ms,garantindo-o como o segundo maior portal do pas. O UOL aparece em primeiro na lista entre os portais brasileiros,com 15,3 milhes de visitantes nicos.

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    do relato de um acontecimento (quem informa?) e segundo os meios que o informador

    aciona para provar sua veracidade (quais so as provas?). Todas essas perguntas

    envolvem o cidado e a prtica do exerccio jornalstico. Por qual motivo uma pessoa,

    que tenha uma profisso totalmente desvinculada ao Jornalismo (ou at mesmo um

    estudante) escreve uma matria, um acontecimento decorrente do local onde vive para

    enviar a um site noticioso? Uma pessoa transmite uma informao por iniciativa prpria?

    Falar por iniciativa prpria: o informado fica na posio de perguntarqual o motivo que anima o informador. O informador procura avisaro outro sobre uma ameaa que pode atingi-lo ou dizer simplesmentealguma coisa que poderia ajud-lo. Nesse caso, a informao considerada benfica. O informado pode tambm fazer uma outra

    hiptese: o informador age por interesse pessoal. Nesse caso, ainformao pode despertar suspeita (CHARAUDEAU, 2006, p. 51).

    Para tal, realiza-se um questionrio com uma nica pergunta aos dez maiores

    cidados-reprteres de cada site. Para buscar a resposta do problema de pesquisa, o

    estudo foi dividido em duas fases - uma pesquisa piloto com cinco maiores produtores

    de contedo foi descrita com foco apenas nas variveis apresentadas por Kollock (1999),

    com a meta de perceber a aplicabilidade desses conceitos anlise das entrevistas. Em

    um segundo momento da pesquisa, houve a opo por ampliar as variveis, j que as

    categorias pr-estabelecidas levantaram novos aspectos que no foram contemplados

    inicialmente. O objetivo conhecer o estmulo que envolve uma pessoa conectada em

    rede e descobrir se as respostas coletadas adaptam-se s quatro caractersticas de

    Kollock (1999) (prestgio, reciprocidade, incentivo moral e incentivo social), alm da

    contribuio da ddiva, segundo Mauss (1974) e a prtica de reconhecimento

    caracterizada por Caill (1998). promissor utilizar os conceitos destes autores como

    ponto de partida para organizar os motivos fornecidos pelos entrevistados. Alm disso,

    buscou-se compreender se a escolha do site ligado a um grupo jornalstico de princpios

    distintos provoca diferentes respostas sobre o que move um cidado a produzir

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    informao. A inteno conhecer o universo da pesquisa e ver como poderia ser

    aplicada em sua fase final. Ergue-se como premissa que o prestgio um dos conceitos

    destacados por Kollock (1999) - seja o principal combustvel que mova pessoas

    conectadas a produzirem contedos nos trs sites estabelecidos. Acredita-se que a

    satisfao em contribuir com um contedo a principal fora que regula e sustenta a

    concretizao e construo de uma informao.

    A dificuldade em estabelecer dez produtores de contedo se d pela falta de

    comunicao ou disponibilidade dos entrevistados. Dois dos trs sites escolhidos tm

    sua sede no exterior (Estados Unidos e Coria do Sul), o que permite apenas uma

    comunicao por mensagens eletrnicas (e-mail). O uso de um nico nmero permite

    testar proposies e estabelecer discusses de efeito comparativo, o que acarreta em

    uma possvel soluo de problemas em um nicho contestado e sem um critrio de

    credibilidade.

    Conforme explica Lakatos e Marconi (2006), para possibilitar o controle e

    avaliao, utiliza-se o princpio de amostragem, baseado no pressuposto de que tudo o

    que foi observado e considerado como caracterstica de dados da amostra tambm

    caracterstico de dados que no possvel observar. A tcnica do tipo intencional

    (LAKATOS, MARCONI, 2006) com a finalidade de garantir que uma amostra tenha

    uma distribuio semelhante no caso, dez entrevistados em cada site colaborativo.

    O tema servir para aperfeioar, indicar temas idias e sugestes para uma

    construo mais prxima do canal de participao entre interagente e jornalista,

    destacando o motivo especfico pela produo informacional trata-se de um espao

    para apontar, verificar e discutir possveis pontos de divergncias entre canais on-line

    destinados colaborao do interagente. O que corrobora a seguinte reflexo: a Web

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    no foi criada para conectar mquinas tem uma premissa maior e mais simples:

    conectar pessoas.

    O modelo que ser apresentado como principal fator de motivao para a

    produo de contedo jornalstico na web no deve ser encarado como o mais correto

    compreendido apenas como uma demonstrao para obter novos caminhos nos

    espaos comunicacionais da contemporaneidade.

    Para formatar o discurso da colaborao em ambientes jornalsticos estruturados

    por tecnologias digitais conectadas, necessrio percorrer um caminho linear e que

    configure e direcione a evoluo do Jornalismo com os avanos da tecnologia e o

    impacto que as mudanas proporcionadas afetam o ser humano. Para tal, a presente

    dissertao estrutura-se em introduo, cinco captulos, concluses, bibliografia e

    anexos.

    O primeiro captulo dedicado a discutir a histria e caracterizaes do

    Jornalismo, com explanaes sobre formatos e mudanas que ocorreram na profisso

    com o impacto da tecnologia e discutir se, realmente, a internet um suporte

    tecnolgico que favorece a colaborao, j que a contribuio entre seres humanos no

    uma prtica recente.

    Para compreender se houve o desenvolvimento da participao do cidado na

    construo de informaes estruturadas por tecnologias digitais conectadas, h o

    objetivo de expor no segundo captulo - caractersticas e definies de colaborao.

    Antes restrito como um ato de pequena escala entre amigos e parentes, o processo

    amplia seu cenrio com o ingresso cada vez maior da populao rede mundial de

    computadores o que provoca maior participao entre conectados. Para compreender

    as aes humanas, necessrio abordar como acontece a interao alm de estudar

    possveis diferenas entre os termos colaborao e cooperao.

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    As diversas nomenclaturas utilizadas nos ltimos 12 anos, segundo Alves (2006),

    para designar uma prtica jornalstica em ambientes estruturados por tecnologias

    digitais conectadas sero expostas no terceiro captulo. Exemplos como Jornalismo

    eletrnico, Jornalismo digital, Jornalismo on-line, ciberjornalismo, Jornalismo

    hipertextual e Webjornalismo on-line mostram que a definio de uma atividade

    profissional no Jornalismo ainda no foi estabelecida ou adequada. No cenrio

    envolvendo colaborao e informao, a situao semelhante a impreciso de termos

    tcnicos uma constante. Portanto, o objetivo conhecer as definies j descritas e, se

    necessrio, buscar um novo conceito com um nico fim - que a discusso permanea

    para encontrar o melhor termo relacionado s prticas colaborativas.

    Na tentativa de promover conexes sobre motivao, o quarto captulo aborda

    implicaes e discusses envolvendo estmulos pessoais em diversos segmentos. O que

    faz o ser humano escolher uma opo entre as diferentes preferncias que lhe

    oferecida ainda uma questo intrigante e feita sob diversas perspectivas. Uma simples

    regra geral estabelecida no suficiente para explicar o estmulo individual em produzir

    uma informao em ambientes jornalsticos estruturados por tecnologias digitais

    conectadas. Para buscar desvendar o que move uma pessoa a determinar tal ao, foi

    necessrio encontrar dilogos de autores de linhas de pesquisa distintas com o objetivo

    de traz-los ao campo do Jornalismo.

    O quinto captulo reserva construo da adequao metodolgica conforme as

    caractersticas da dissertao, mostrando os passos de qualquer tipo de trabalho

    cientfico, como o uso da pesquisa bibliogrfica, execuo da pesquisa de campo

    lembrando da descrio da populao a ser estudada e a maneira de realizar a

    amostragem alm de indicar o instrumento de pesquisa (no caso, entrevista). O

    captulo tambm dedicado aos objetos escolhidos, que so apresentados em detalhes.

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    A concluso sistematiza as problemticas analisadas e relata a validade e

    adequao das hipteses e objetivos da dissertao, alm de conhecer a resposta ao

    problema de pesquisa, lembrando que no h a pretenso de garantir que a ocupao

    jornalstica foi e est sendo ameaada pela insero contnua dos veculos de

    comunicao na construo de uma informao. O objetivo mostrar que o fim da

    passividade do leitor pode contribuir para a criao de um leque maior de perspectivas

    sobre um acontecimento.

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    CAPTULO 1

    1. A trilha do Jornalismo

    Neste captulo, sero desdobrados conceitos e abordagens em relao ao

    Jornalismo, alm de explicaes sobre os formatos e mudanas que aconteceram com o

    impacto da tecnologia na profisso. De fato, a histria mostra que o Jornalismo no

    mudou. Sua finalidade permanece constante desde que a noo de imprensa surgiu. E,

    apesar das adaptaes, a principal finalidade do Jornalismo permanece fornecer

    verses e informaes para que possam construir sua opinio diante de um leque mais

    amplo de perspectivas.

    1.1. Jornalismo

    O Jornalismo considerado um dos setores profissionais mais influentes da

    histria da humanidade, conforme aponta Pavlik (1997). Caracterizado como o quarto

    poder de uma sociedade (PAILLET, 2005), designado como uma carreira com

    capacidade de reorganizar estruturas sociais e com certo status de poder (TRAQUINA,

    2005).

    Uma das primeiras tentativas de exemplificar e conceituar Jornalismo aconteceu

    no sculo XVII (CASASS; LADEVZE, 1991, p. 52). Em 1629, o acadmico alemo

    Christophorus Besoldus buscou caracterizar a tcnica como um peridico de notcias8,

    associando-o s gazetas peridicas - sinnimos de relatos de acontecimentos pblicos -

    que j existiam desde o fim do sculo XVI.

    O filsofo e escritor francs Denis Diderot, primeiro editor da Encyclopdie,

    descreveu no sculo XVII o Jornalismo como produes de reportagens de eventos em

    8Traduo de 'Neue Zeitungen'.

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    formato impresso disponibilizado por jornais. A coleo, preparao e distribuio de

    informao foram propagadas por panfletos e jornais (MATTELART, 1985).

    Em 1940, Robert Ezra Park discutia a notcia como forma de conhecimento e o

    Jornalismo como forma singular de narrar histrias do cotidiano.Para Meditsch (1997,

    p. 6), h pendncias discutveis sobre esta caracterizao a notcia apresentada ao

    cidado como um fato autntico e indiscutvel, sem ter acesso aos critrios e hierarquias

    de deciso que orientam os profissionais a produzir um fato.

    Embora nesta perspectiva se considere que o Jornalismo produz ereproduz conhecimento, no apenas de forma vlida mas tambm tilpara as sociedades e seus indivduos, no se pode deixar de considerarque esse conhecimento por ele produzido tem os seus prprios limiteslgicos e, quando observado na prtica, apresenta tambm uma sriede problemas estruturais. Como toda outra forma de conhecimento,aquela que produzida pelo Jornalismo ser sempre condicionadahistrica e culturalmente por seu contexto e subjetivamente poraqueles que participam desta produo. Estar tambm condicionadapela maneira particular como produzida.

    Sem buscar uma definio da expresso Jornalismo, Park (1976) sustenta seuargumento a partir do termo notcia. A palavra aparece 67 vezes em seu artigo de 18

    pginas contra nenhum aparecimento da idia de jornalismo (ANCHIETA, p. 49). O

    socilogo e jornalista norte-americano acredita que a prtica jornalstica uma maneira

    diferenciada de apurar e produzir fatos de interesse comum.

    Para Bond (1959, p.1), a profisso envolve todas as formas nas quais e pelas

    quais as notcias e seus comentrios chegam ao pblico. Segundo o autor, a imprensa

    tem a obrigao de prestar contas sociedade com o princpio de informar, orientar e

    entreter, buscando sempre uma viso de mundo considerada 'isenta e honesta'.

    H quem diga tambm que a profisso, independente de qualquer definio

    acadmica, uma fascinante batalha pela conquista das mentes e coraes de seus alvos:

    9Documento eletrnico sem data. Disponvel em . Acesso em: 25 jul. 2009.

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    leitores, telespectadores ou ouvintes. Uma batalha geralmente sutil e que usa um rumo

    de aparncia extremamente inofensiva: a palavra (ROSSI, 1994, p.1).

    Segundo Traquina (2005, p. 23), o Jornalismo s existe em pases que

    prevaleam a democracia e determinante para hierarquizar o que de interesse para a

    sociedade com o objetivo de comunicar fatos interpretativos que alteram o cotidiano de

    cada cidado.

    Basta um olhar distrado aos diversos produtos jornalsticos paraconfirmar que uma atividade criativa, plenamente demonstrada, deforma peridica, pela inveno de novas palavras e pela construodo mundo em notcias, embora seja uma criatividade restringida pelatirania do tempo (...). Os pais fundadores da teoria democrtica tminsistido, desde o filsofo Milton, na liberdade como sendo essencialpara a troca de idias e opinies, e reservaram ao jornalismo noapenas o papel de informar os cidados, mas tambm, num quadro dechecks and balances (a diviso do poder entre poderes), aresponsabilidade de ser o guardio (watchdog) do governo. Tal comoa democracia sem uma imprensa livre impensvel, o jornalismo semliberdade ou farsa ou tragdia.

    Para Zelizer (2004), definir Jornalismo emerge um conhecimento tcito e de

    estratgias interpretativas compartilhadas por pessoas de diversas maneiras. A profisso

    est associada diretamente ao trabalho de produzir notcias. J Schudson (2002, p. 14)

    conceitua Jornalismo como uma tcnica autoral subjetiva com a simples inteno de

    comunicar a sociedade. A prtica profissional envolve qualquer texto, udio ou vdeo

    produzido de forma autoral que busca reivindicaes da populao de um registro do

    mundo atual. Trata-se, acima de tudo, de responsabilidades e compromisso com a

    sociedade. O professor de comunicao da Universidade da Califrnia um dos

    tericos a empregar o termo negcio s prticas do jornalista.

    Jornalismo um negcio ou prtica de produo e disseminao deinformao sobre assuntos contemporneas de relevncia e com umainteno de gerar interesse pblico. Trata-se de um modelo denegcio de um jogo de instituies de publicao com periodicidadefixa e informaes e comentrios do cotidiano, normalmente

    apresentados como verdadeiros e sinceros, para ser distribudo a umaaudincia annima (SCHUDSON, 2002, p.11).

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    1.1.1 Jornalismo Tradicional

    O desenvolvimento e evoluo das tecnologias, que aceleram vertiginosamente

    mudanas na sociedade, foram a humanidade a adaptar-se s novas questes

    envolvendo o encurtamento de espao e tempo. Por mais de um sculo, veculos de

    comunicao escravizaram a informao e toda e qualquer linguagem para narrar fatos.

    A criao de novos suportes tecnolgicos, a digitalizao e facilidade para consumir e

    produzir informao em rede, agora, provocaram mudanas de pensamento, como a

    criao de um termo na comunicao questionvel, j propagado e sem, at o momento,

    um proprietrio da inveno do conceito o Jornalismo Tradicional. Segundo

    Charadeau (2006, p.15), o discurso da Modernidade aplica-se a trs palavras

    facilmente designado tambm ao Jornalismo Tradicional.

    Informao, comunicao e mdias, que acabam a funcionar comoemblema, criando a iluso de que tm um grande poder explicativo,quando, na verdade, o que domina muitas vezes a confuso, isto , a

    ausncia de discriminao dos fenmenos, a falta de distino entreos termos empregados, o dficit na explicao.

    Esta definio poderia ser adaptada tambm ao que se considera como

    Jornalismo Tradicional, conceito que busca diferenciar os novos modelos de produo

    de contedo mais interativos do que foi considerado, at o momento, como prtica

    profissional de um jornalista. O nico fato ou peculiaridade que no mudou, desde o

    tempo das gazetas, que a histria do Jornalismo nunca foi auto-explicativa esteve

    sempre atrelada a interesses alheios, sejam econmicos ou polticos. De carter de

    prestao de servio, a profisso, s vezes, torna-se um comrcio de informao. Mas,

    diante de um conceito como Jornalismo Tradicional, necessrio conhecer e

    esclarecer quais so suas caractersticas.

    Constitudo com pressupostos mercadolgicos e industriais, o modelo de

    imprensa comercial comeou a ser desenvolvido a partir da segunda metade do sculo

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    XIX, perodo de consolidao das caractersticas empresariais no meio, do crescimento

    do nmero de tiragens e interesse do cidado pela informao. Nos Estados Unidos,

    jornais que at 1830 eram dedicados aos partidos polticos passam a veicular notcias a

    um pblico e vend-las a anunciantes interessados de seus prprios produtos

    (MARQUES DE MELO; SILVA, 1991, p.61). Na poca, as publicaes impressas eram

    essencialmente opinativas.

    As reportagens no escondiam a carga panfletria, defendendoexplicitamente as posies dos jornais (e de seus donos) sobre osmais variados temas. As narrativas eram mais retricas do queinformativas. Antes de ir ao verdadeiro assunto da matria os textosfaziam longas digresses relacionando-a com linha de pensamento doveculo, o que, hoje, os jornalistas chamam de nariz de cera. Eramuito comum que um jornal oposicionista, por exemplo, utilizasse osprimeiros pargrafos da narrativa sobre um assassinato para criticar apoltica de segurana do governo. S na metade do texto que o leitordescobriria quem foi assassinado e qual o local do crime. No haviaobjetividade ou imparcialidade (o que no significa que existam nosdias de hoje) (PENA, 2005, p.41).

    A escassez cada vez mais constante de um tempo disponvel de leitura, o

    imediatismo e a possibilidade de condensar fatos aos leitores provocaram a criao decritrios para desenvolver um discurso jornalstico. Como explica Benjamim (1983, p.

    63), o homem de hoje no trabalha mais no que no pode ser abreviado. Na verdade ele

    conseguiu abreviar at a narrativa.

    A possibilidade de resumir o relato de um acontecimento principal, conhecido

    como lead, veio substituir o nariz de cera, texto introdutrio longo e rebuscado,

    normalmente opinativo, que antecedia a narrativa dos acontecimentos e que visava a

    ambientar o leitor (RIBEIRO, 2003, p. 3).

    O lead tornou-se um ingrediente imprescindvel para a construo da informao.

    Trata-se do trecho que d introduo a um contedo jornalstico e corresponde,

    geralmente, a seu primeiro pargrafo, e tem o princpio de fornecer ao leitor

    informaes bsicas sobre o assunto em destaque na reportagem.

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    No entanto, Karam (2007, p. 2) explica que a origem do lead no provm das

    caractersticas iniciais desenvolvidas no Jornalismo norte-americano ou britnico. Para

    o autor, a tradio greco-romana, 80 anos antes da era Crist, j desenvolvia discursos

    que definiam o lead.

    Em Roma, filsofos retomam a tradio grega da Retrica, entre eleso exmio orador Marco Tlio Ccero. Os reitores, entre os quaisPlato, Aristteles e Protgoras (cerca de 400 anos antes da era crist),na Grcia Antiga, j haviam consolidado a idia de que o discursodeveria ser bem articulado e acessvel s massas. A tcnica (techniks)

    j representava a habilidade em fazer, a arte de fazer e, hoje, situa-secomo o "conjunto de regras prticas ou procedimentos adotados em

    um ofcio de modo a se obter os resultados visados". A persuaso, queintegra o processo de argumentao retrica, j envolvia um modelode organizao do discurso que expunha os fatos, os demonstrava econclua. No discurso, para os filsofos gregos e, posteriormente,para os filsofos, oradores e juristas romanos antigos, havia j trsqualidades essenciais: a brevidade, a clareza e a verossimilhana(brevis, dilucida e verisimilis ou probabilis). Para que a exposiofosse completa exigia-se, no entanto, alguns elementos essenciais.Ccero, em De Inventione, relacionou os aspectos essenciais para queo texto se tornasse completo. Para o famoso orador romano, erapreciso responder as perguntas quem? (quis / persona) o qu (quid /factum) onde? (ubi / locus) como? (quemadmodum / modus)quando?(quando / tempus) com que meios ou instrumentos (quibus

    adminiculis / facultas) e por qu (cur / causa).

    Segundo PENA (2005), a estrutura do lead no definida por seis perguntas

    mas nove questionamentos que so apresentados no primeiro pargrafo.

    Quem fez? O qu? A quem? Quando? Por qu? Para qu? Onde?Como? Com que desdobramentos? natural que se estranhe a

    incluso, depois de dcadas, do quem passivo (a quem), como natural perceber que cada vez se cobra mais preciso e informaocompleta dos jornalistas. Assim, quem comete um crime contra oprefeito, ou um atentado contra o papa, o quem ativo (quem faz oqu); j a vtima do crime , naturalmente, o quem passivo,tradicionalmente includo nos lides e quase sempre omitido nasexplicaes sobre o contedo dos prprios lides. O mesmo esistemtico esquecimento ocorreu com o elemento essencial paraqu, desde Aristteles, condio de entendimento do essencial dealguma informao. E os desdobramentos? certo que compemmais frequentemente as reportagens, mas com uma notcia bemapurada os contm (PENA, 2005, p. 42).

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    No Brasil, a introduo do lead acontece na dcada de 50, com o jornalista

    Pompeu de Sousa, chefe de redao do impresso fluminense Dirio Carioca. Na poca,

    os jornais do pas passavam por reformulaes de carter comercial, com inovaes

    grficas, tcnicas e, principalmente, editorias para alcanar um novo formato e,

    consequentemente, um pblico maior. Pompeu de Sousa recorreu s prticas

    desempenhadas em publicaes norte-americanas e, assim como Alberto Dines e

    Samuel Wainer, importaram caractersticas de produo de informao para se adequar

    ao contexto global do que era Jornalismo. Sousa foi o pioneiro a aderir s tcnicas,

    introduzindo caractersticas hoje reconhecidas pelo Jornalismo Tradicional. Lustosa

    (1994) explicam que, ao padronizar o modelo de informao no pas, comea a surgir

    pginas especializadas em opinio, como os editoriais e textos de articulistas e

    colunistas, que tm um espao dedicado a manifestao de pontos de vista. Muda-se,

    ento, a forma de fazer notcia no Brasil.

    A mensagem jornalstica comea a ganhar novos formatos e multiplica-se em

    vrias manifestaes, segundo Medina (1988, p. 66). O relato noticioso, a reportagem,

    a entrevista, o editorial e outros comentrios opinativos, a pesquisa de reconstituio

    histrica (biogrfica) dos focos do dia, a crnica, a crtica de espetculos de arte.

    Marques de Melo (2003) sintetiza as categorias jornalsticas destacadas em informativo,

    interpretativo ou investigativo, diversional e opinativo ou de entretenimento. Ao

    Jornalismo Tradicional, segundo Marques de Melo (2003), cabe a seo informativo

    assumir o papel de observador do cotidiano da realidade com os registros, coleta e

    produo de contedo por um jornalista.

    A lgica mercantil da informao tambm provocou na estrutura narrativa a

    criao da pirmide invertida, tcnica que prioriza a ordem de importncia dos

    acontecimentos descritos, produzindo um formato hierrquico dos dados em destaque

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    em um contedo. O conceito refere-se pirmide por associao s pirmides egpcias,

    edificaes construdas inicialmente h quatro mil e 500 anos, como um monumento

    memria dos faras mortos. No campo profissional jornalstico, houve a insero da

    caracterstica invertida para corroborar a ordem decrescente da importncia dos fatos

    que permeiam uma notcia. Lage (1999, p. 20) explica que a origem deste formato

    discutvel. Se considerarmos a tradio oral, mais antiga e mais corrente, veremos que

    a ordenao dos eventos por ordem decrescente de importncia ou interesse bem mais

    comum do que a temporalidade da seqncia.

    Na prtica jornalstica, o recurso surge com destaque em abril de 1861

    (WARREN, 1975), em um jornal de Nova York e remete-se dificuldade que

    jornalistas tinham em produzir textos por meio do telgrafo durante a Guerra de

    Secesso norte-americana, batalha que ocorreu por diferenas econmicas entre o norte

    e o sul do pas. Na poca, criou-se um modelo de organizao de que cada profissional

    produzisse um pargrafo por vez, em sistema de rodzio. Desta maneira, a propagao

    de informao torna-se fracionada, obrigando reprteres a produzir critrios de

    relevncia e hierarquizao dos acontecimentos.

    A partir dos argumentos j explicitados, fica evidente a presena da objetividade

    como caracterstica pr-estabelecida ao que se considera como Jornalismo

    Tradicional. O simples ato de transmisso que deixa um cidado ao estado do saber

    suscita, pelo menos, questes considerveis: quais so os motivos do ato de informao?

    Qual a procedncia dos fatos relatados? Qual o efeito, seja social ou individual, do ato

    de informar-se?

    O conceito de objetividade foi criado nos Estados Unidos durante o sculo XIX

    e, em pouco tempo, tornou-se modelo obrigatrio universal em grande parte das

    redaes do mundo. O recurso tem origem na possibilidade de estabelecer um limite

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    tico com jornais sensacionalistas dos Estados Unidos conhecidos como imprensa

    amarela (no Brasil, houve uma transferncia de cores imprensa marrom), o que

    descrito por Lage (1999). A idia de imparcialidade parte dessa postura, que se

    contraps ao modelo sensacionalista nos grandes jornais da Amrica. Para Pena (2005,

    p. 50) o conceito se desenvolve por trs motivos:

    A partir do ceticismo da sociedade americana no comeo do sculoXX, influenciada pelo crescimento da psicanlise, que faz durascrticas razo, pelo nascimento da profisso de relaes pblicas,capaz de produzir fatos para beneficiar determinadas empresas e,principalmente, pela influncia da propaganda, cuja eficcia ficouprovada ao levar a opinio pblica americana a favor da entrada dos

    Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial.

    Segundo Barros Filho (2001, p. 21), a objetividade jornalstica surgiu, em um

    determinado momento (histrico) da evoluo do espao ideolgico, como uma

    reproduo, entre outras, do jornalismo ideal, em um campo jornalstico social e

    geograficamente delimitado. Para Pena (2005, p. 50), existiu um problema de

    interpretao na objetividade.

    A objetividade definida em oposio subjetividade, o que umgrande erro, pois ela surge no para neg-la, mas sim por reconhecera sua inevitabilidade. Seu verdadeiro significado est ligado a idia deque os fatos so construdos de forma to complexa que no se podecultu-los como a expresso absoluta da realidade. Pelo contrrio, preciso desconfiar desses fatos e criar um mtodo que assegure algumrigor cientfico ao report-los.

    A objetividade tem vrias direes e, por enquanto, nenhum consenso. Trata-se

    de um estilo direto que requer distncia de valores e ideologia, mas prximos aos

    conceitos de imparcialidade, neutralidade e iseno atributos descritos por Beltro

    (1992, p. 150).

    Tudo deriva da: a informao do fato; a formao pelo fato; aatualidade do fato; o estilo determinado pelo fato. O fato, oacontecimento, a medida do jornalista... A veracidade, o realismo

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    a sua grande fora. O mau jornalista o sofisticado ou o fantico, ouo mal informado, ou o divagante ou o vernaculista. Todos elesperdem de vista o objeto, o fato, a realidade para se prenderem apenasno modo de o retratarem ou nas suas segundas intenes mais oumenos ocultas... por isso que um jornalista-polemista tem menosfora, embora mais violncia, que o jornalista sereno e objetivo. A

    fora do jornalista est na verdade e na honestidade, a coincidnciados seus atos com o seu dever, como a verdade a coincidncia desua apreciao com o acontecimento em si. Um polemista um beloespetculo, mas est mais na linha da poesia, da stira, do quepropriamente do jornalismo, precisamente porque, nele polemista, asubjetividade prima a objetividade, contrariando uma exigncianatural do gnero.

    1.2 Notcia

    A anlise da mensagem jornalstica um dos desafios mais complexos aos

    tericos da comunicao. A dificuldade em estabelecer um formato de definio

    evidente. Com uma srie de estudos publicados sobre o tema (MELO, 2003; LAGE,

    2001; CHAPARRO, 1998; TRAQUINA, 2005; TENGARRINHA, 1999; ASSIS, 1997),

    a notcia recebeu diversas conotaes culturais, com destaque s publicaes ocidentais.

    Porm, observa-se uma adoo do termo s caractersticas norte-americanas que se

    referem constituio de um impresso composto por noticirio e distribudo em forma

    de notcias, reportagens, entrevistas, perfis e pginas editoriais, com contedos

    opinativos como artigos e colunas.

    Conforme explica Melo (2003), as diferenas entre notcia e opinio so

    evidentes a partir da construo entre Jornalismo Informativo e Opinativo. O primeiro

    cresce a uma nova dinmica social, faz parte de um gnero supostamente no

    contaminado pela opinio e ideologia, de modo imparcial, neutro e objetivo e

    composto por entrevistas, notcias e reportagens. Lage (2001, p. 54) resume que notcia

    o relato de uma srie de fatos a partir de um fato mais importante, e este, de seu

    aspecto mais importante. O Jornalismo Opinativo, por sua vez, conta com editoriais,

    anlises, comentrios, colunas e crticas. Segundo Chaparro (1998, p. 100), o fato de

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    estabelecer diferenas entre informao e opinio um falso paradigma, porque o

    jornalismo no se divide, mas constri-se com informaes e opinies.

    Traquina (2005, p. 123) lembra tambm o ethos jornalstico para compreender a

    padronizao da notcia e cita caractersticas de produo de contedo como

    objetividade para desempenhar a representao de um bom profissional na rea.

    Com a profissionalizao dos jornalistas ao longo dos sculos XIX eXX, foram estabelecidos valores como a objetividade, aindependncia, a verdade, bem como a elaborao de normas queconstroem os contornos de representaes profissionais bemdefinidos do bom ou mau jornalista. A ideologia jornalstica e asociedade fornecem igualmente um ethos que define para os membrosda comunidade jornalstica que o seu papel social de informar os

    cidados e proteger a sociedade de eventuais abusos do poder, ouseja, toda a concepo do jornalismo enquanto contrapoder. O ethosjornalstico tem sido determinante na elaborao de toda umamitologia que encobre a atividade jornalstica e que no s marca osprprios profissionais do campo jornalstico como tambm tem sidoprojectado no imaginrio coletivo da prpria sociedade.

    Durante o percurso de quase 500 anos, o que se considera como notcia ganhou

    dimenso e consistncia. Traquina (2005, p. 55) lembra que, durante o Imprio Romano,

    Ccero pedia ao seu amigo Caelius que lhe mandasse notcias sob a forma de cartas

    sobre os acontecimentos de Roma. Numa carta Caelius escreveu a Ccero: No

    aconteceu absolutamente nada de novo a no ser que queiras que as ninharias que se

    seguem e tenho a certeza que queres te sejam descritas numa carta.

    Durante o Renascimento, entre fins do sculo XIII e meados do sculo XVII, as

    folhas volantes (folhas noticiosas) eram um dos principais dispositivos pr-

    jornalsticos. Criada em 1537 em Veneza e Genova, na Itlia, uma das formas pr-

    industriais do jornal moderno era vendida em feiras e lugares de grande acesso da

    populao local. As folhas volantes eram constitudas por uma pgina com destaque a

    uma nica notcia, caracterizada por detalhes extensos, mas nem sempre de

    credibilidade (TENGARRINHA, 1989, p. 29). Em casos especficos, eram anexadas de

    duas a trs folhas de complemento que mesclavam mais de uma notcia: desde as mais

    populares e sensacionalistas, aos fatos que eram de interesse pblico.

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    No final do sculo XIX, Assis (1997, p. 205) j destacava a importncia da

    notcia. Houve uma cousa que fez tremer as aristocracias, mais do que os movimentos

    populares; foi o jornal. Devia ser curioso v-las quando um sculo despertou ao claro

    deste fiat humano; era a cpula do seu edifcio que desmoronava.

    Fenmeno humano e social dependente da linguagem e comunicao, a notcia

    tornou-se paulatinamente a transmisso de um saber por algum que tem a algum que

    se presume no possu-lo, premissa que Bond (1959, p. 59) aponta para designar o ato

    narrativo. Com uma estratgia definida para atingir o maior pblico possvel, o conceito

    de mensagem jornalstica defendido sob a tica de mercado e com dimenses relativas

    (peso). uma reportagem oportuna de interesse para a humanidade e a melhor notcia

    a que interessa ao maior nmero de leitores. O que o autor norte-americano no

    prope, por sua vez, determinar qual o gnero jornalstico da notcia .

    As buscas por respostas sobre como acontecimentos se transformam em

    verdadeiras histrias produzidas no campo do Jornalismo so intensas. H quem diga

    que notcia a busca do novo e que a surpresa a alma do modelo de negcio da

    imprensa. Para Serva (2001, p. 55), tudo que o pblico necessita e, posteriormente, falar,

    transcende o carter de espanto, de novidade. A notcia a busca do paradoxo.

    Ao mesmo tempo em que tira do caos a sua matria-prima, aimprensa procura organiz-lo, orden-lo, dispor as notcias que

    emergem do acaso em um plano organizado, hierarquizado,categorizado. O caos se harmoniza, se civiliza nas pginas de jornalou no noticirio do rdio, da TV, da Internet ou de qualquer meio quese preste informao.

    Sobre a questo da natureza das notcias, Park (1976) considera-as como a

    construo da coeso social, com a inteno de propagar informaes teis s pessoas.

    Estas, por sua vez, tomam atitudes a partir da contextualizao do fato, e atravs de

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    aes pessoais, constroem identidades. A funo da notcia orientar o homem e a

    sociedade em um mundo real. Na medida em que o consegue, tende a preservar a

    sanidade do indivduo e a permanncia na sociedade (PARK, 1976, p.183). Schudson

    (2002) prope que a ao pessoal tambm seja um dos fatores da construo da notcia.

    Sem entrar no critrio de relevncia da informao, os autores acreditam que esta

    caracterstica, aliada s aes culturais e sociais, possa explicar o conceito de uma

    mensagem jornalstica. Para Schudson (2002, p. 51), a a criao das notcias sempre

    uma interao de reprter, diretor, editor, constrangimentos da organizao da sala de

    redao, necessidade de manter os laos com as fontes, os desejos da audincia, as

    poderosas convenes culturais e literrias dentro das quais os jornalistas

    freqentemente operam se as pensar.

    Todo discurso, depende, da construo e do seu interesse social resulta da

    combinao das circunstncias em que se fala ou escreve e daquele a quem se dirige.

    Para transformar a informao em produto que ser consumido posteriormente por

    leitores, o Jornalismo capta, organiza e seleciona os fatos que so considerados mais

    importantes, nveis verificados por uma questo de interpretao, segundo Gomis

    (2003).

    A notcia interpretao porque resultado de um processo deproduo, resulta de um processo produtivo que possui regras prpriasde coleta, pesquisa, seleo, verificao, redao, edio e exposio.De modo que podemos inferir que o Jornalismo se constitui em um

    modo de interpretar o mundo (GOMIS, 2003, p.12).

    Para Rodrigues (1993, p. 27), o acontecimento que se torna uma notcia deve ter

    um carter de imprevisibilidade: [...] tudo aquilo que irrompe na superfcie lisa da

    histria de entre uma multiplicidade aleatria de fatos virtuais. Segundo Hall et. al

    (1993, p. 226), a imprensa constri acontecimentos por meio de processos de

    identificao e contextualizao resultante da cultura profissional e valores

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    conhecidos como mapas culturais que jornalistas produzem informaes bsicas,

    como fatos inesperados e imprevisveis. Wolf (2003, p. 200) explica a estratgia e os

    meandros que consolidam um fato como informao que ser veiculada por um

    jornalista.

    Sendo assim, o produto informativo parece ser resultado de uma sriede negociaes, orientadas pragmaticamente, que tm por objeto o quedever ser inserido e de que modo dever ser inserido no jornal, nonoticirio ou no telejornal. Essas negociaes so realizadas pelos

    jornalistas em funo de fatores com diferentes graus de importncia erigidez, e ocorrem em momentos diversos do processo de produo.

    A importncia de produzir estratgias e categorizar a relevncia de uma

    informao surge diante da falta de espao impresso das publicaes. Frente ao volume

    intenso de contedos que so propagados durante um dia, h a necessidade da criao

    de filtros para estabelecer o que importante ou relevante aos leitores. Para o alemo

    Peucer (2004, p. 13), autor da primeira tese10 em jornalismo, em 1690, os fatos que

    merecem ser ressaltados so assuntos categorizados.

    Os prodgios, as monstruosidades, as obras ou os feitos maravilhosos einslitos da natureza, da arte, as inundaes ou as tempestadeshorrendas, os terremotos, os fenmenos descobertos ou detectadosultimamente, nfatos que tm sido mais abundantes do que nunca nestesculo. Depois as diferentes formas de imprios, as mudanas, osmovimentos, os afazeres da guerra e da paz, as estratgias, as novasleis, os julgamentos, os cargos polticos, os dignatrios, osnascimentos e mortes dos prncipes, as sucesses de um reino, asinauguraes e cerimnias pblicas (...), as obras novas dos homenseruditos, as instituies, as desgraas, as mortes e centenas de coisasmais que faam referncia histria natural, histria da sociedade,da Igreja, da literatura: tudo isto costuma ser narrado de formaembaralhada nos peridicos.

    Na Web, este argumento adaptado as dvidas que pairam sobre os sites

    noticiosos a questo de relevncia e visibilidade do contedo. Saad (2003, p. 62) cr

    em cinco critrios de noticiabilidade na internet: credibilidade (autoridade da fonte da

    informao), inovao (exclusividade do produto), relevncia (traduzindo o impacto da

    10A tese de Peucer, De Relationibus Novellis, refere-se ao conjunto de notcias que era reunida nos peridicos dapoca, sendo que o tema abordava quais eram os relatos e novidades dos contedos produzidos.

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    informao numa deciso), imeadiatismo (o tempo fator decisrio) e utilidade (dia-a-

    dia do usurio).

    1.3 Jornalismo digital

    Atribui-se ao Jornalismo digital toda a produo dos eventos cotidianos

    estruturada segundo princpios especficos ao ambiente das redes telemticas por onde

    circularo os contedos veiculados a partir de diferentes formatos e com atualizao

    contnua, atravs da WWW, das intranets (as redes internas das empresas), das

    aplicaes baseadas em WAP (Wireless Application Protocol) e de outros dispositivos

    tecnolgicos integrantes do chamado ciberespao (BARBOSA, 2002, p. 11). Tanto o

    contexto de Jornalismo on-line, ciberjornalismo, quanto Webjornalismo no envolvem

    esferas fora da rede Jornalismo digital j engloba processos da mobilidade, como no

    caso o WAP. Os termos em destaque no abordam quais dispositivos o jornalismo

    apresentado e desenvolvido. Salaverria (2005, p.21) defende, por exemplo, o termo

    ciberjornalismo como a especialidade do jornalismo que usa o ciberespao para

    investigar, produzir e difundir contedos jornalsticos. Mielniczuk (2003, p. 27)

    destaca o Jornalismo on-line uma prtica que envolva tecnologias de transmisso de

    dados em rede e em tempo real, enquanto WebJornalismo diz respeito utilizao de

    uma parte especfica da internet.

    A histria do Jornalismo Digital recente. No entanto, se trata de um processo

    tecnolgico que se iniciou na dcada de 70. Antes da inveno da World Wide Web

    (WWW ou Web) e seu conceito de integrao de informaes, propagada por Tim

    Berners Lee em 1989, os meios de comunicao hoje caracterizados por tradicionais

    j possuam em 1970 (LIMA JR, 2007) departamentos para realizar uma comunicao

    interpessoal com tecnologias computacionais para transmisso e armazenamento de

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    informao, conhecida como Comunicao Mediada por Computador (CMC). Projetos

    de teletexto, videotexto e BBS (Bulletin Board Systems) permitiam realizar interaes e

    distribuio de contedos.

    A histria do acesso a fontes de informao (notcias eletrnicas)localizadas numa rede comea h mais de 30 anos, portanto, antes dosurgimento da Web. A primeira experincia que se tem notcia foirealizada em 1971, na Europa, quando o Correio Central Britnicoiniciou operaes no que veio depois a se tornar o servio Prestel(LIMA JR, 2007, p.1).

    O desenvolvimento tecnolgico e o aumento do uso pessoal de computadores

    proporcionam que a Web atingisse finalidades jornalsticas em 1993, perodo que o

    Jornal norte-americano Jose Mercury News lanou sua verso on-line, tornando-se o

    primeiro jornal a criar seu espao. Pioneiro, o site noticioso j realizava testes desde

    1985, porm expandiu as notcias locais e mural eletrnico para que leitores se

    comunicassem entre si e com a equipe apenas nos primeiros anos da dcada de 90

    (LIMA JR, 2007, p. 4).

    A propagao dos espaos virtuais foi um marco para a evoluo do Jornalismo,

    pois com o alcance da rede mundial de computadores, as empresas de comunicao

    quebraram barreiras de tempo e espao. Segundo Ramadan (2006, p. 47) foi neste

    momento que surgiu um suporte multimdia em construo permanente, e em tese, de

    dimenses infinitas, no qual os conceitos de espao e tempo ganham novas dimenses.Para Palcios (2002, p. 7), a internet, acima de um novo meio, um ambiente de

    informao.

    A internet, no contexto do ciberspao, melhor caracterizada nocomo um novo mdium, mas sim como um sistema que funcionacomo ambiente de informao, comunicao e ao mltiplo eheterogneo para outros sistemas. Sua especificidade sistmica seria ade constituir-se, para alm de sua existncia enquanto artefactotcnico ou suporte, pela juno e/ou justaposio de diversos (sub)

    sistemas, no conjunto do ciberespao enquanto rede hbrida.

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    Para McLuhan (1964), por meio da humanidade que comea a produzir uma

    conexo de idias e conceitos entre tecnologia e cultura. O socilogo canadense,

    influenciado pelo trabalho do filsofo Pierre Teilhar de Chardin (EBERSOLE, 1995),

    defendeu a hiptese na poca de que um meio eletrnico prolonga, intensifica e

    externaliza o sistema nervoso central do ser humano, transformando todos os aspectos

    da existncia social e psquica (WOLF, 2003). O homem necessita e est imerso a um

    mundo dinmico, de mudanas sociais permeadas por informaes propagadas de

    diversas direes, capacitando-o a incorporar sua totalidade.

    E a mdia, baseada no poder da eletricidade, reconfigura o pensamento humano

    (MCLUHAN, 1964). Como tecnologias dominantes, meios de comunicao como o

    rdio, televiso, telefone conectam pessoas de lugares distintos e em tempo real. O

    resultado a transformao do mundo em uma Aldeia Global, conceito criado na

    dcada de 60 que extingue virtualmente separaes geogrficas entre centros de deciso,

    distribuio e produo escala mundial estimula a participao de dilogos distintos

    e celebra a diversidade de contextos.

    Uma vez que as novas mdias so disponibilizadas sociedade, elas se espalham

    como um vrus e provocam danos irrestritos, j que so invisveis. Segundo o autor, a

    invisibilidade, agora, s foi intensificada com o advento da internet, "uma rede mundial

    de ordenadores tornar acessvel, em alguns minutos, todo o tipo de informao aos

    estudantes do mundo inteiro" (MCLUHAN, 1995, p. 26).

    1.3.1 O rumo do Jornalismo Digital

    Embora a Web possusse caractersticas de outros meios, porm com

    peculiaridades prprias, as empresas de comunicao encararam, a priori, um ambiente

    virtual como uma extenso de uma ferramenta para a distribuio livre de contedos,

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    um complemento a um produto, seja ele jornal impresso, revista, canal de TV ou

    emissora de rdio. A no-formatao do contedo evidenciava o carter de

    amadorismo nas redaes jornalsticas. A atitude, na poca, recebeu at uma definio

    shovelware11 termo que conceitua a transferncia de contedo de um espao para o

    outro sem nenhuma adaptao. Para Pavlik (1997), o modelo transpositivo faz parte de

    trs estgios, processos adaptativos do Jornalismo Digital:

    integrante dos trs estgios do desenvolvimento de contedos paraWeb, a saber: (1) transpositivo - transposio do contedo analgicopara o digital com pequenas ou nenhuma modificao; (2)adaptativo, que tem como caracterstica a integrao das linguagens

    dos meios tradicionais com as novas possibilidades da rede e (3) ondeum original contedo noticiosa, desenhado especificamente para aWeb como um novo meio de comunicao vai fluir. Esse terceiroestgio seria caracterizado tambm pela aceitao de repensar anatureza de uma comunidade online, mais, aceitao de experimentarnovas formas de contar uma histria.

    A pgina principal de um site de notcias possua as mesmas caractersticas das

    tradicionais pginas impressas de publicaes como jornais e revistas. Os websites de

    jornais impressos tradicionais primam por apresentarem tmidas propostas

    hipermiditicas (ALZAMORA, p. 6, 2003). As camadas interiores notcias, artigos,

    resenhas eram reprodues da edio em papel da marca, registro de transposio do

    contedo para outro meio, mas com um mesmo carter. Faltou criatividade, inovao;

    sobrou conservadorismo.

    Os bits misturam-se sem qualquer esforo. Comeam a mesclar-se epodem ser utilizados e reutilizados em seu conjunto ouseparadamente. A mistura de udio, vdeo e dados chamada demultimdia; soa complicado, mas a palavra no quer dizer nada almde bits misturados (NEGROPONTE, 1995, p. 41).

    11 Discusso jornalstica presente nos ltimos anos da dcada de 90 e que virou tema para abordar assuntos em

    relao construo de um espao virtual. Disponvel em .Acesso em 08 set. 2009.

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    O desenvolvimento, a evoluo da estrutura tcnica da internet e o crescimento

    vertiginoso de pessoas conectadas a rede provocaram reconfiguraes no modelo de

    fazer Jornalismo em ambientes jornalsticos estruturados por tecnologias digitais

    conectadas (PAVLIK, 1997). Os contedos, paulatinamente, comeam a ser produzidos

    unicamente para a Web, buscando explorar caractersticas oferecidas pelo suporte.

    Neste perodo, comeam a surgir as primeiras trocas de referncias virtuais por meio de

    ligaes links - com chamadas para notcias, fotos ou vdeos relacionados. A troca de

    mensagens eletrnicas (e-mails) tambm aparece como um novo espao de

    comunicao entre jornalistas e leitores.

    A utilizao das hiperligaes permite ao usurio construir o seuprprio percurso da leitura. Dessa forma, a abordagem, uma dasmaiores preocupaes do jornalista e tambm uma das reas maistreinadas nas escolas de jornalismo, deixa de ter importnciafundamental. (CANAVILHAS, 2004, p. 5)

    O cenrio jornalstico na Web ganha novos modelos de negcio e produo de

    contedo a partir de iniciativas macias empresariais e editoriais para dar maior

    relevncia ao contedo disponvel em rede. A informao passa a ser exclusivamente

    produzida para a internet (PAVLIK, 1997).

    Todos os processos percorridos pelo Jornalismo foram de carter de

    amadurecimento em rede. Conforme Trasel (2007, p. 63) explica, a partir de uma

    pesquisa feita por Quandt (2006) com oito sites noticiosos da Alemanha, Frana, ReinoUnido e Frana, a revoluo do Jornalismo no ocorreu.

    A revoluo no aconteceu. (...) O que une os Websites pela Europa uma estrutura formal semelhante, a ausncia de contedo multimdia,a falta de opes para interao direta com os jornalistas, umrepertrio bastante padronizado de tipos de artigos, falhas naatribuio de fontes e autores, uma tendncia geral cobertura deeventos polticos nacionais e um escopo limitado das notcias. (...)No encontramos nem um jornalismo internacional (nem mesmo umEuropeu), nem testemunhamos um jornalismo totalmente novo.

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    Revoluo pressupe transformaes radicais. Mudanas drsticas no

    ocorreram. O Jornalismo Digital processo de uma adaptao, de potencializao em

    relao aos meios de comunicao j conhecidos.

    Entendido o movimento de constituio de novos formatosmediticos no como um processo evolucionrio linear de superaode suportes anteriores por suportes novos, mas como uma articulaocomplexa e dinmica de diversos formatos jornalsticos, em diversossuportes, em convivncia e complementao no espao meditico,as caractersticas do Jornalismo na Web aparecem, majoritariamente,como continuidades e potencializaes e no, necessariamente, comoRupturas em relao ao jornalismo praticado em suportes anteriores(PALCIOS, 2003, p.12).

    Bardoel e Deuze (2001) apontam quatro caractersticas fundamentais para a

    construo do Jornalismo Digital: hipertextualidade, multimidialidade, interatividade e,

    por fim, customizao de contedo. Palcios (1999) cr em seis particularidades

    convergncia/multimidialidade, hipertextualidade, personalizao, e memria. Cabe

    ainda acrescentar a Instantaneidade do Acesso, possibilitando a Atualizao Contnua

    do material informativo como mais uma caracterstica do Webjornalismo. (PALACIOS,

    2003, p. 2). Para Ribas (2004), a utilizao de Banco de Dados tambm um novo

    artifcio para melhorar e garantir o armazenamento de contedo, uma condicionante de

    qualquer ser humano.

    A hipertextualidade segue como um dos recursos mais importantes da natureza

    do Jornalismo Digital. Apesar da propagao de produzir conexes de textos, fotos ouvdeos por meio de links, o conceito fora desenvolvido h mais de 70 anos. Tanto os

    projetos Memex, de Vannevar Bush, em 1945, Xanadu, de Theodor Nelson, em 1960,

    quanto a World Wide Web de Tim Berners-Lee, tm como princpio unificar

    composies intelectuais de forma hipertextual.

    Em 1945, o engenheiro e inventor norte-americano Vannevar Bush, em As We

    May Think, discute uma das questes mais interessantes s comunidades cientficas: a

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    possibilidade e modo de armazenar e recuperar o conhecimento que desenvolvemos em

    pesquisas. O artigo, publicado na revista The Atlantic e produzido antes da Segunda

    Guerra Mundial, se adequa s questes da poca. Durante seu discurso, Bush sugere a

    criao de um aparato tecnolgico conhecido como memex, aparelho fixo em uma mesa,

    com telas de projeo e teclado aos moldes de um computador que armazenasse em

    um nico ambiente ou espao fsico as publicaes, livros e todas as anotaes para

    servir de complemento a memria humana. O conceito que concernia relao com o

    crebro humano era de seleo por associao, o que provocou a criao, na dcada de

    40, de um paradigma na rea tecnolgica e, conseqentemente, do hipertexto. Sem ao

    menos conceitu-lo, Bush deu os primeiros passos da hipertextualidade, definio que

    surge apenas nos anos 60 (NELSON, 1992).

    Nelson (1992) explica que a escolha por hipertexto teve como princpio que o

    prefixo hiper tem condies e definies de extenso e generalidade, como no

    hiperespao matemtico (NELSON, 1992, p. 92). O hipertexto representa a estrutura

    no-seqencial do pensamento humano. "As idias no precisam ser separadas nunca

    mais (...). Assim, eu defino hipertexto simplesmente como escritas associadas no-

    seqenciais, conexes possveis de se seguir, oportunidades de leitura em diferentes

    regies."

    A leitura hipertextual faz parte de uma quantidade exorbitante de informaes,

    em rede e acessvel em tempo real. O sistema, que conta com todos os textos

    armazenados em um nico espao, tornar-se-ia aos poucos uma biblioteca universal

    defendida por Nelson como Xanadu.

    Milhes de pessoas poderiam utilizar Xanadu, para escrever, seinterconectar, interagir, comentar os textos, filmes e gravaessonoras disponveis na rede, anotar os comentrios, etc. Xanadu,enquanto horizonte ideal e absoluto do hipertexto, seria uma espciede materializao do dilogo incessante e mltiplo que a humanidade

    mantm consigo mesma e com seu passado. (LEVY, 1993, p. 29)

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    Em 1989, quando o engenheiro de sistemas Tim Berners-Lee concebeu a World

    Wide Web, uma de suas maiores preocupaes era de criar um formato simples de

    organizao e troca de informaes sobre as pesquisas que eram desenvolvidas na poca.

    O ponto de partida para o desenvolvimento de uma ferramenta que potencializasse a

    troca de contedos pela internet foi o hipertexto.

    A atual incompatibilidade entre plataformas e ferramentas tornouimpossvel acessar as informaes atravs de uma interface comum,gerando perda de tempo, frustrao e respostas obsoletas a simplesprocura de dados. H um potencial benefcio a ser retirado daintegrao de sistemas variados, onde o usurio pode seguir links, queapontam de um pedao de informao para outra. Esta formao em

    rede, ao invs de rvores hierrquicas ou listas ordenadas, oconceito bsico por trs do hipertexto (BERNERS-LEE, CAILLIAU,1990, s.p.).

    Berners-Lee e Cailliau (1990, s.p.) explicam que as conexes distribudas em

    rede no possuem hierarquia e desenvolvem argumentos a partir de ndulos e teias

    sociais para explicar o processo da construo de ligaes entre contedos.

    Os textos so ligados de maneira que se pode ir de um conceito paraoutro e descobrir as informaes que se deseja. Uma rede de links chamada teia (Web). A teia no precisa ser hierrquica, mas umpequeno nmero de links suficiente para ir de um lugar para outrosem grandes saltos. Os textos so conhecidos como ndulos. Oprocesso de seguir de um ndulo para outro chamado navegao. Osndulos no precisam estar na mesma mquina: os links podemapontar para outras mquinas. Uma teia de alcance mundial implicaque devem ser descobertas algumas solues para problemas comodiferentes protocolos de acesso e formatos diferentes no contedo dosndulos.

    Com a consolidao do hipertexto, houve maior possibilidade de gerar

    convergncias entre meios de comunicao e produtos jornalsticos. A internet tem a

    capacidade de armazenamento, em um mesmo ambiente, de diversos formatos de

    apresentao de informaes a multimidialidade.

    A novidade introduzida pela informtica est justamente napossibilidade que ela abre de fundir num nico meio e numnico suporte todos os outros meios e de invocar todos os sentidos

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    (ou, por enquanto pelo menos, os mais desenvolvidos do homem).Mas ela o faz de uma forma integrada, de modo que textos escritos eoralizados, imagens fixas e em movimento, sons musicais ou rudos,gestos, toques e toda sorte de respostas corporais se combinam paraconstruir uma modalidade discursiva nica e holstica. Ainformtica nos impe, portanto, o desafio de aprender a construir o

    pensamento e expressa-lo socialmente atravs de um conjuntointegrado de meios, atravs de um discurso udio-ttil-verbo-moto-visual, sem hierarquias e sem a hegemonia de um cdigo sobre osdemais (MACHADO, 1997, p. 109).

    Outra caracterstica predominante verificada por tericos a interatividade

    presente em rede. Holtz (1999, p.62) alerta que, diante da tela de um computador, o

    interagente busca promover dilogos, conversas e discusses para manter laos sociais.

    Para Manovich (2001), a internet essencialmente interativa. Vittadini (1995, p. 151)

    explica que, para manter interaes, toda e qualquer ao deve envolver pessoas: ...

    estar em um espao-tempo cujo mbito se estabelece por meio de um campo de ao

    comum em que sujeitos envolvidos estejam em contato uns aos outros (...). A interao

    se realiza sobre uma base de regras e pode estabelecer trocas dependendo do contexto.

    A ao de entrar em contato por meio de um dilogo interpessoal provocaquestionamentos e estabelece diferenas entre o que interatividade e interao.

    Segundo Vittadini (1995), para compreender a interatividade, necessrio faz-la por

    meio da identificao de relaes com outras formas de comunicao criada por ns.

    Para a autora, a interatividade viabilizada por uma configurao tecnolgica com o

    objetivo de promover a interao entre pessoas. J Lemos (1997, p. 1) defende a

    interatividade como mediao.

    Hoje tudo se vende como interativo; da publicidade aos fornos demicroondas. Temos agora, ao nosso alcance, redes interativas comoInternet, jogos eletrnicos interativos, televises interativas, cinemainterativo. A noo de interatividade est diretamente ligada aosnovos media digitais. O que compreendemos hoje por interatividade,nada mais que uma nova forma de interao tcnica, de cunhoeletrnico-digital, diferente da interao analgica quecaracterizou os media tradicionais. (LEMOS, 1997, p. 1)

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    As notcias produzidas e propagadas na Web provocam a criao de uma

    interao pessoal em diversos nveis com o produto tecnolgico no qual voc acessa a

    rede mundial de computadores, com a prpria publicao noticiosa, com a possibilidade

    de acrescentar informaes ao fato, alm de promover um dilogo sem laos fortes ou

    fracos construdos a respeito de uma notcia que compartilhada. Um ponto de

    interseo entre interatividade e colaborao ocorre no Digg, site norte-americano

    criado em 2004 por Kevin Rose que funciona como um agregador de informaes

    alimentado por seus participantes, com a possibilidade de submeter, votar, denunciar e

    comentar os contedos publicados. O nmero de votos recebidos por um contedo

    utilizado para definir a hierarquizao das informaes distribudas no site. Lerman

    (2006) expe a idia de que esse sistema de rankeamento de informao configura um

    mecanismo de filtragem social interativo e colaborativo de contedo.

    A personalizao da informao, outra particularidade presente no Jornalismo

    Digital, um dos recursos que provoca a configurao de leitura a partir do interesse

    pessoal. Ambientes jornalsticos estruturados por tecnologias digitais conectadas

    dedicados a produo diria de informao j permitem a customizao de leitura.

    Palacios (1999, p. 2) discute a facilidade com que o interagente tem ao buscar

    uma informao mais antiga: memria. O que diferencia a construo de informao na

    internet de outro suporte que a notcia no morre sempre est acessvel por meio de

    mecanismos de buscas.

    A elas, podemos acrescentar ainda a possibilidade de formao decomunidades, a contribuio para a criao de uma memria coletiva- levando-se em conta que o jornalismo um dos produtores doconhecimento na contemporaneidade - e a atualizao constante, jque o jornalismo online pressupe atualizao instantnea dos bits naforma de textos, de imagens, de grficos, de animaes, de udio e devdeo - os recursos da hipermdia. (PALACIOS, 1999)

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    Palacios (1999) tambm recorre atualizao contnua para descrever o

    Jornalismo Digital. O autor cita o fato da construo de informaes em tempo real para

    descrever o processo. A rapidez do acesso, combinada com a facilidade de produo e

    de disponibilizao, propiciadas pela digitalizao da informao e pelas tecnologias

    telemticas, permitem uma extrema agilidade de actualizao do material nos jornais da

    Web (PALACIOS, 1999, p. 4).

    Por fim, Ribas (2004) acrescenta o uso de Banco de Dados para gerenciar,

    armazenar e centralizar informaes de um mesmo contexto caractersticas j

    descritas no processo de hipertextualidade.

    O usurio de uma narrativa est atravessando uma base de dados,seguindo links entre os registros estabelecidos pelo criador da base dedados. Uma narrativa interativa pode ser entendida como a soma demltiplas trajetrias atravs de uma base de dados (MANOVICH,2001, p. 227).

    A capacidade e facilidade em reunir e armazenar informaes em um Banco de

    Dados, assim como sua utilizao, cresce a cada dia e na mesma proporo que as novas

    tecnologias desenvolvidas e propagadas para facilitar o trabalho do consumidor. Com a

    popularizao da rede mundial de computadores, quase todo e qualquer contedo

    produzido passa a ser colocado em um espao considerado at ento infinito, reflexo e

    atualizao tambm de produtos comunicacionais palpveis, como revistas, jornais e

    principalmente livros. Todos, quase sem exceo, esto migrando aos discos rgidos de

    computadores pessoais ou permanecendo em nuvens. Logo, a atividade em reunir a

    maior quantidade de informaes e disponibilizar de forma organizada, simples e

    objetiva, comea a se tornar uma tarefa obrigatria ao mundo da comunicao, mas

    concomitantemente rdua e repleta de rudos.

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    Este processo, uma espcie de garimpagem informacional, tem nome.

    Knowledge Discovery in Databases(Descoberta de Conhecimento em Bases de Dados)

    refere-se ao mtodo minucioso de descobrir e conhecer em dados fases ou tarefas de um

    sistema. Segundo Frawley, Piatetsky-Shapiro e Matheus (1992, p. 2), trata-se de um

    campo especfico no-trivial de identificao de novos padres vlidos, potencialmente

    til e compreensvel em conjunto de dados. Os participantes deste novo campo da

    tecnologia da informao buscam elaborar e construir metodologia