dissertação de mestrado - daniela rezende

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA MESTRADO EM MSICA

A VOZ E O CHORO: ASPECTOS TCNICOS VOCAIS E O REPERTRIO DE CHORO CANTADO COMO FERRAMENTA DE ESTUDO NO CANTO POPULAR

DANIELA SILVA DE REZENDE FERRAZ

RIO DE JANEIRO, 2010

A VOZ E O CHORO: ASPECTOS TCNICOS VOCAIS E O REPERTRIO DE CHORO CANTADO COMO FERRAMENTA DE ESTUDO NO CANTO POPULAR

por

DANIELA SILVA DE REZENDE FERRAZ

Dissertao submetida ao Programa de PsGraduao em Msica do Centro de Letras e Artes da UNIRIO, como requisito parcial para a obteno do grau de Mestre, sob a orientao da Professora Dra. Mirna Rubim de Moura.

RIO DE JANEIRO, 2010

Rezende-Ferraz, Daniela Silva de.F381 A voz e o choro: aspectos tcnicos vocais e o repertrio de choro cantado como ferramenta de estudo no canto popular / Daniela Silva de Rezende Ferraz, 2010. xiv, 208f. + 2 CDs-ROM Orientador: Mirna Rubim de Moura. Dissertao (Mestrado em Msica) Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. 1. Miller, Richard. 2. Choro (Msica). 3. Voz Tcnica. 4. Canto popular. 5. Choro cantado. I. Ferraz, Daniela Silva de Rezende. II. Moura, Mirna Rubim de. III. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2003-). Centro de Letras e Artes. Curso de Mestrado em Msica. IV. Ttulo. CDD 780.420981

minha av Tereza Aos meu pais Joaquim e Marly e (in memoriam) aos meus avs Roque, Laurindo e Joana por me ensinarem a amar a vida, a msica e a poesia! "!

AGRADECIMENTOS Deus por me conceder o privilgio da vida ao lado da msica. Aos meus pais Joaquim e Marly pela vida, pelo exemplo e pela presena amorosa todos os dias. Aos meus irmos Gustavo e Renato pelo amor e confiana. Ao meu marido Rafael, por seu amor, companheirismo, dedicao e pacincia. Cynthia Borgani por me apresentar novas abordagens para o estudo do canto popular e pelo incentivo aos primeiros rascunhos deste projeto. minha orientadora Mirna Rubim, por acreditar neste trabalho, pelo apoio durante o processo e por me ensinar, na prtica, como chegar mais perto de uma emisso vocal livre. Ao Departamento de Msica da UNIRIO, por aceitar o meu projeto de pesquisa e por todo o auxlio prestado durante a realizao deste mestrado. Aos professores Lcia Barrenechea e Silvio Merhy pelas observaes valiosas em meu exame de qualificao. s professoras Adriana Kayama e Salomea Gandelman pela leitura atenta e s ricas contribuies prestadas no exame de defesa. E ao professor Leonardo Fuks (suplente), por seus comentrios precisos sobre meu texto. Ao programa de Bolsas Capes/REUNI por viabilizar a realizao desta pesquisa e por ampliar as dimenses do meu trabalho ao promover maior integrao na universidade. Aos alunos da disciplina Canto Complementar do 2o semestre de 2008 e 1o semestre de 2009, pelas contribuies inestimveis ao meu aprendizado e aos resultados desta pesquisa. Luciana Oliveira, minha fonoaudiloga, pelo cuidado eficaz que teve com a minha voz. Ao violonista e compositor Marco Pereira pela partitura de Sambadalu e pelas dicas valiosas durante curso de Harmonia na UFRJ, o qual assisti como aluna ouvinte em 2009. Aos queridos msicos: Fernando Corra, por me acompanhar no exame de seleo em 2007; Thiago Trajano, Glauber Seixas, Marcus Thadeu e Gabriel Menezes por me acompanharem nos concertos de 2008; e Vitor Gonalves por me acompanhar nos registros de 2009. Escola Porttil de Msica, em nome das professoras de canto Amlia Rabello e Anna Paes, por permitirem o estgio de observao durante suas aulas nos anos 2008 e 2009; e por me apresentarem a obra indita Costura de Choro. Aos meus familiares representados por tia Maria ngela, primas Mariana e Ftima; e aos amigos queridos representados por Ana Paula, Paulets e Jan, muito obrigada pelas oraes, pelos esforos de ordem prtica, e pela presena amiga durante esta trajetria.

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REZENDE-FERRAZ, Daniela Silva de. A VOZ E O CHORO: Aspectos tcnicos vocais e o repertrio de choro cantado como ferramenta de estudo no canto popular. 2010. Dissertao (Mestrado em Msica) Programa de Ps- Graduao em Msica, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado Rio de Janeiro.

RESUMO

O objetivo desta dissertao apresentar resultados do processo de estudo tcnico vocal de 8 choros nos quais foram analisados aspectos vocais com base na literatura e constatados elementos relevantes para o ensino-aprendizagem do canto popular em um contexto acadmico de ensino de msica. Sob fundamentao terica centrada nos trabalhos do pedagogo vocal Richard Miller procedeu-se a trs etapas. A primeira etapa descrita no Captulo 1 e corresponde a reviso bibliogrfica na qual foram selecionados os aspectos vocais considerados relevantes para o estudo do choro com base nos conceitos de Miller (1996) e de outros autores citados em nosso referencial terico. A segunda etapa corresponde a experincia de estgio docente realizada na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) com 20 alunos de graduao em msica matriculados na disciplina Canto Complementar nos quais foram aplicados os conceitos tericos obtidos na literatura e os resultados so explicitados ao longo dos Captulos 1 e 2. No Captulo 3 os achados da literatura somados experincia de estgio docente constituram a base do meu prprio estudo vocal do repertrio de 8 choros. Nos anexos I, II, III e IV so apresentados respectivamente: CD de udio com o registro de trs etapas diferentes do estudo da pea Choro pro Z; CD de udio com a gravao em estdio da performance vocal de 3 dos 8 choros estudados; cpia de artigo sobre a experincia de estgio docente publicado na revista acadmica Fio da Ao Srie Monogrfica da UNIRIO; partituras dos 8 choros estudados e tabelas atualizadas do Alfabeto Fontico Internacional.

Palavras-chave: canto popular; tcnica vocal; pedagogia vocal; choro cantado; repertrio de choro.

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REZENDE-FERRAZ, Daniela Silva de. THE VOICE AND THE CHORO Vocal technique aspects and the sung choro repertoire as a tool to study vocal Brazilian jazz. 2010. Master Thesis (Mestrado em Musica) - Programa de Ps- Graduao em Msica, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado Rio de Janeiro.

ABSTRACT

The objective of this dissertation is to present results of the technical study of 8 choros that were analyzed through vocal technique aspects based on specific literature and found relevant evidences to the teaching-learning processes of Brazilian jazz vocal studies in an academic context of music teaching. Based on theoretical work of the vocal pedagogue Richard Miller we proceeded with three steps. The first step is described in Chapter 1 and corresponds to the literature review from where we selected the vocal aspects considered relevant to the study of choros based on concepts of Miller (1996) and other authors mentioned in our theoretical framework. The second stage corresponds to the teaching assistantship experience held at the Federal University of Rio de Janeiro State (UNIRIO) with 20 undergraduate music students enrolled in the class Complementary Singing. The theoretical concepts were applied from the literature and the results are explained in Chapters 1 and 2. In Chapter 3 findings from the literature, along with the teaching assistantship experience formed the basis of my own study of the 8 choros vocal repertoire. Supplements I, II, III and IV are presented respectively: audio CD with records of three different stages of the study of the song Choro pro Z; audio CD with studio recordings of vocal performances of 3 of the 8 choros here selected; copy of an article on teaching assistantship experience published in the journal Fio da Ao Monographic Series of UNIRIO, scores of the 8 choros selected and updated tables of the International Phonetic Alphabet.

Keywords: 1. popular singing; 2. vocal technique; 3. vocal pedagogy; 4. sung choro; 5. choro repertoire.

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SUMRIO LISTA DE EXEMPLOS.........................................................................................................xi LISTA DE FIGURAS............................................................................................................xiii LISTADE QUADROS...........................................................................................................xiv INTRODUO.........................................................................................................................1 Formulao do problema.......................................................................................................1 Objetivo, delimitao e relevncia.........................................................................................2 Referencial terico..................................................................................................................8 Metodologia..........................................................................................................................10 Organizao da dissertao.................................................................................................12 CAPTULO 1 - FUNDAMENTAO TERICA E APLICAO PRTICA.........15 1.1 ATAQUE E FINALIZAO DO SOM................................................................17 1.1.1 Questes estticas do ataque e finalizao....................................................20 1.1.2 Fisiologia do ataque e finalizao..................................................................22 1.1.3 Estudo sistematizado para ataque e finalizao...........................................23 1.2 CONTROLE RESPIRATRIO E APOIO...........................................................25 1.2.1 Fisiologia da respirao, fonao e apoio......................................................25 1.2.2 Polmicas sobre respirao e apoio................................................................31 1.2.3 Estudo sistematizado para respirao e apoio .............................................33 1.3 RESSONNCIA VOCAL.......................................................................................38 1.3.1 Ressonadores....................................................................................................40 1.3.2 Timbre e ressonncia.......................................................................................41 1.3.3 Abertura da cavidade oral durante o canto..................................................45 1.3.4 Impostao vocal.............................................................................................48 1.3.5 Estudo sistematizado de ressonncia vocal...................................................49 1.4 ESTUDO DAS VOGAIS E CONSOANTES.........................................................51 1.4.1 Alfabeto Fontico Internacional (AFI) .........................................................51 1.4.2 Formao das vogais.......................................................................................52 1.4.3 Estudo sistematizado para emisso equilibrada das vogais........................56 1.4.4 Consoantes nasais e no-nasais......................................................................58 1.4.5 Funo das consoantes nasais e no-nasais...................................................60 1.4.6 Estudo sistematizado a partir das consoantes...............................................67 1.5 AGILIDADE E SUSTENTAO NO CANTO....................................................71 1.5.1 Agilidade ou sustentao? ..............................................................................71 1.5.2 Agilidade e sustentao...................................................................................76 1.5.3 Estudo sistematizado de agilidade e sustentao..........................................77 1.6 UNIFICAO DOS REGISTROS........................................................................82 1.6.1 Estudo sistematizado para unificao de registros.......................................85 CAPTULO 2 - METODOLOGIA E FERRAMENTAS INTERPRETATIVAS........90 2.1 METODOLOGIA....................................................................................................90 2.1.1 Estgio docente e outras vivncias.................................................................90 2.1.2 Critrios para escolha do repertrio.............................................................95 2.1.3 Instrumentos de coleta de dados....................................................................97 2.2 FERRAMENTAS INTERPRETATIVAS.............................................................98 2.2.1 O uso do microfone e outras tecnologias.......................................................98 2.2.2 Controle de dinmica vocal..........................................................................100 2.2.3 Vibrato no canto popular.............................................................................101 2.2.4 Canto saudvel..............................................................................................105! 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2.2.5 Tcnica x arte................................................................................................106 CAPTULO 3 - ESTUDO PRTICO DO CHORO CANTADO...............................110 3.1 PROCEDIMENTOS PARA EDIO DAS PARTITURAS...........................112 3.1.1 Tico-tico no fub............................................................................................112 3.1.2 Apanhei-te Cavaquinho.................................................................................116 3.1.3 Um a Zero.......................................................................................................118 3.1.4 Ingnuo...........................................................................................................120 3.1.5 Rosa.................................................................................................................122 3.1.6 Costura de choro.............................................................................................123 3.2 LEVANTAMENTO DAS DIFICULDADES TCNICAS NOS CHOROS...123 3.2.1 Primeira anlise.............................................................................................124 3.2.2 Segunda anlise..............................................................................................125 3.3 ESTUDO DETALHADO DE TRS CHOROS................................................133 3.3.1 Apanhei-te cavaquinho..................................................................................136 3.3.2 Choro pro Z..................................................................................................139 3.2.3 Sambadal......................................................................................................142 CONCLUSO................................................................................................................146 REFERNCIAS....................................########################################################################150 Material da Internet...............................................................................................153 Discos.......................................................................................................................153 ANEXOS.........................................................................................................................155 I - CD de udio com 3 exemplos diferentes do estudo de Choro Pro Z...................155 II - CD de udio com gravao resultante de 3 choros estudados pela autora.........155 III - Artigo publicado na Revista Fio da Ao sobre experincia de estgio docente e Bolsa-REUNI........................................................................................................156 IV - Partituras dos 8 choros estudados e Tabelas atualizadas do AFI.......................170

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LISTA DE EXEMPLOS EXEMPLO 1.1 Exerccios 1.1 e 1.2 traduzidos de Miller (1996, p. 5) ...........................18 EXEMPLO 1.2 Exerccio 1.3 traduzido de Miller (1996, p. 5) e texto transcrito de Behlau (2008, vol.I, p. 107)...................................................................................................19 EXEMPLO 1.3 Exerccios 1.9, 1.12 e 1.25 traduzidos de Miller (1996, p. 12, 13 e 17)..24 EXEMPLO 1.4 Exerccios 2.9, 2.10 e 2.11 traduzidos de Miller (1996, p. 35)................27 EXEMPLO 1.5 Exerccios 2.1 e 2.2 traduzidos de Miller (1996, p. 29 e 30)...................33 EXEMPLO 1.6 Exerccio 2.3 traduzido e adaptado de Miller (1996, p. 31).....................35 EXEMPLO 1.7 Exerccio 4 por 4.................................................................................. 36 EXEMPLO 1.8 Exerccios 4.2 e 4.6 traduzidos de Miller (1996, p. 62 e 63) e exerccio de fonoterapia.......................................................................................................50 EXEMPLO 1.9 Exerccio de Kayama (1998) para emisso equilibrada das vogais e exerccio 5.1 traduzido de Miller (1996, p. 76).....................................................................57 EXEMPLO 1.10 Exerccios a partir das peas Com que roupa e Choro por Z e exerccios 5.5, 5.7 e 5.9 traduzidos de Miller (1996, p. 77 e 78)............................................58 EXEMPLO 1.11 Exerccios 6.2 e 6.5 traduzidos de Miller (1996, p. 82 e 84)..................68 EXEMPLO 1.12 Exerccio 6.7 traduzido de Miller (1996, p. 86) e exerccio 1 de Rubim (2008)................................................................................................68 EXEMPLO 1.13 Exerccio 6.9 traduzido e adaptado de Miller (1996, p. 87) e exerccio 2 de Rubim (2008)...................................................................................................69 EXEMPLO 1.14 Exerccios 3 de Rubim (2008).................................................................69 EXEMPLO 1.15 Exerccio de reteno do [b] (Pinho; Pontes, 2008, p. 61)......................70 EXEMPLO 1.16 Exerccios 7.30 e 7.32 traduzidos de Miller (1996, p. 104)....................70 EXEMPLO 1.17 Exerccios 4 e 5 de Rubim (2008)...........................................................71 EXEMPLO 1.18 Exerccios 7.12 e 7.14 traduzidos de Miller (1996, p. 96 e 97)..............71 EXEMPLO 1.19 Comparao entre os exerccios propostos por Warenskojold (2004, p. 165) e Brand (2004, p. 51).......................................................................................74 EXEMPLO 1.20 Comparao de trechos dos choros com os exerccios de agilidade 3.14, 3.18, 3.22, 3.23 traduzidos de Miller (1996, p. 45 e 47).................................81 EXEMPLO 1.21 Comparao do exerccio 8.5 traduzido de Miller (1996, p. 110) com frase longa da valsa Rosa........................................................................................................82 EXEMPLO 1.22 Exerccios 9.4, 9.5 e 9.8 traduzidos de Miller (1996, p. 127 e 128).......86 EXEMPLO 1.23 Exerccios 9.19 e 9.20 traduzidos de Miller (1996, p. 131)....................86

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EXEMPLO 1.24 Exerccio 10.29 traduzido de Miller (1996, p. 146) e exerccio 6 de Rubim (2007)..................................................................................................87 EXEMPLO 1.25 Vocal fry proposto por (Boone & Mcfarlane, 1988 apud Behlau, 2008, vol II, p.463)...........................................................................................88 EXEMPLO 2.1 Exerccio 14.2 traduzido de Miller (1996, p. 191).................................105 EXEMPLO 3.1 Edies feitas nas partituras de Ingnuo e verso resultante..................122 EXEMPLO 3.2 Vocalizes de aquecimento em aula com Rubim em (30/03/2009).........135 EXEMPLO 3.3 Adaptao do exerccio 4 de Rubim!(Ver ex. 1.17, p. 69) para treinamento da dificuldade tcnica no compasso 27 em Choro pro Z........................140 EXEMPLO 3.4 Mudana de acentuao sugerida por Rubim como possibilidade de soluo para a dificuldade tcnica identificada no compasso 27 de Choro pro Z..............141 EXEMPLO 3.5 Exerccio 13.3 traduzido de Miller (1996, p. 176) e trecho com nota longa em Sambadalu..................................................................................144

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LISTA DE FIGURAS FIGURA 1.1 Diafragma......................................................................................................30 FIGURA 1.2 Vogais............................................................................................................53 FIGURA 1.3 Nveis de projeo vocal................................................................................61

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LISTA DE QUADROS QUADRO 1.1 QUALIDADE DE SONS E ESPAOS DO TRATO VOCAL ASSOCIADOS traduzido de Titze (2005, p. 500)..................................................................45 QUADRO 1.2 Quociente de Contato (QC%) obtido por EGG (eletroglotografia) para freqncia e intensidades constantes (Pinho; Pontes, 2008, p. 54).................................63 QUADRO 3.1 RESULTADOS DA PRIMEIRA ANLISE DOS CHOROS..................125 QUADRO 3.2 INTERVALOS ENTRE PASSAGENS DE REGISTROS OU NO LIMITE DA EXTENSO VOCAL...............................................................................126 QUADRO 3.3 SEQUENCIAS DE INTERVALOS QUE EXIGEM EMISSO VOCAL EQUILIBRADA PARA ARTICULAO DAS VOGAIS E CONSOANTES..................128 QUADRO 3.4 PASSAGENS COM ESCALAS LONGAS E DE TONS INTEIROS.....130 QUADRO 3.5 ARPEJOS TIDOS COMO TRECHOS DE DIFICULDADE...................132 QUADRO 3.6 TRECHOS QUE EXIGEM SUSTENO DE NOTAS OU FRASES LONGAS...............................................................................................................133

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INTRODUO Formulao do problema O ensino de canto popular na universidade brasileira bastante recente tanto que o primeiro curso de msica popular com a opo de instrumento voz surgiu na UNICAMP em 1989. Como aluna da 9a turma deste curso tive a oportunidade de participar de um ambiente acadmico em formao. As frequentes alteraes da grade curricular durante a minha graduao demonstravam a preocupao dos docentes em adequar o curso para um melhor aproveitamento dos alunos. No entanto, a falta de profissionais qualificados em tcnica vocal popular, devido escassez de graduao nesta rea no Brasil, fez com que eu buscasse outras fontes de estudo na literatura internacional aps a concluso da minha graduao. A partir do contato com metodologias norte-americanas para o ensino do canto clssico e no-clssico, tais como o jazz, encontrei novas ferramentas para realizar um estudo mais aprofundado sobre o canto popular brasileiro. No incio do levantamento bibliogrfico para esta pesquisa, foi possvel perceber que a pedagogia vocal no Brasil, at mesmo a orientada para o canto erudito, ainda sofre com a escassez de publicaes em portugus, razo que nos levou a adotar como referencial terico principal os trabalhos publicados pelo conceituado pedagogo vocal professor Richard Miller (1996). Tendo como base o seu livro The Structure of Singing1 selecionamos oito aspectos vocais mais relevantes para este estudo e as solues tcnicas propostas por Miller a fim de validar o uso do repertrio de choro cantado como uma ferramenta auxiliar e eficaz no estudo tcnico vocal. Os demais autores consultados em nossa pesquisa so includos no item referencial terico mais adiante neste trabalho.1

A Estrutura do Canto traduo nossa.

1

O interesse em selecionar choros2 como material de estudo para esta pesquisa se deu aps o contato que tivemos com alguns fonogramas realizados por Ademilde Fonseca, cantora brasileira do Rio Grande do Norte, que com suas interpretaes consagrou-se como a Rainha do Choro. Encontramos no material de Ademilde Fonseca a inspirao primeira e as hipteses de estudo necessrias para comear esta investigao. A primeira hiptese que lanamos que para se cantar choros preciso um grande domnio do instrumento vocal e a segunda hiptese que o estudo sistemtico do choro cantado uma opo para aquisio de domnio tcnico vocal aplicado ao repertrio de msica brasileira. Acreditamos que as duas hipteses sejam complementares entre si e evidenciamos essa complementaridade com a aplicao de nosso referencial terico a um estudo sistemtico do repertrio de 8 choros pr-selecionados, cujos critrios de incluso sero esclarecido na seo Metodologia desta Introduo. Objetivo, delimitao e relevncia O objetivo desta dissertao apresentar o resultado do processo de estudo vocal de 8 choros nos quais foram analisados aspectos vocais com base na literatura e constatados elementos relevantes para o ensino-aprendizagem do canto popular em um contexto acadmico de ensino de msica. Sob fundamentao terica centrada nos trabalhos do pedagogo vocal Richard Miller procedeu-se a trs etapas: (1) na reviso bibliogrfica selecionou-se os parmetros vocais considerados relevantes para o estudo do choro com base nos conceitos de Miller (1996) e de outros autores como Behlau (2008), Pinho e Pontes (2008); (2) os conceitos tericos obtidos na literatura foram explorados durante estgio docente por 2 semestres com um grupo de 20 alunos da disciplina Canto Complementar da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO); e (3) os achados da literatura2

O termo choro ser definido no item Delimitao a seguir

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somados experincia de estgio docente constituram a base do meu prprio estudo vocal do repertrio de 8 choros. Por se tratar de uma pesquisa na rea de Prticas Interpretativas, ao longo do quadro terico levantado para fundamentao deste estudo tivemos a preocupao constante em apresentar, pontualmente, a aplicao didtica dos aspectos tcnicos vocais estudados, a fim de contribuir para o enriquecimento da escassa literatura em portugus sobre o ensino do canto popular na universidade brasileira. Quando optamos por realizar um estudo tcnico vocal orientado para o canto popular, deparamo-nos com uma questo inicial que era apresentar uma definio clara do que compreendemos como canto popular brasileiro. Neste sentido, a dissertao de mestrado da pesquisadora Regina Machado (2007) A voz na cano popular brasileira: um estudo sobre a Vanguarda Paulista foi uma excelente referncia para apontar a discusso de canto popular que atendia s nossas expectativas. Sua pesquisa apresenta uma tima reviso da histria do canto midiatizado; referenciais de diferentes momentos estticos do canto popular no Brasil bem como relata uma srie de possibilidades do uso vocal.Ao realizarmos esse levantamento pontual sobre a voz no Brasil, pretendemos apontar os elementos que fundamentam uma tradio para o canto popular (...) Com a sedimentao do samba como gnero musical, fato que ocorreu entre os anos 20 e 30 do sculo passado, pudemos verificar que a referncia esttica para a realizao vocal passou a utilizar mais acentuadamente os parmetros da fala, produzindo uma emisso vocal mais coloquial e com menos utilizao de vibrato, valorizando a articulao rtmica e a execuo do fraseado musical em detrimento da potncia e da dramaticidade, caractersticas da seresta e em que se observavam mais claramente as influncias do belcanto sobre a cano popular. (Machado, 2007, p. 21, grifos nossos).

As transformaes da execuo vocal do cantor popular dos anos 20 e 30 so bem pontuadas por Machado (2007), mas outras mudanas estilsticas ocorreram at os dias atuais. Hoje, o universo da cano popular brasileira engloba uma grande variedade de timbres, qualidades de sons e estticas mltiplas; e apesar dessa diversidade, Machado (2007) menciona a existncia de uma tradio que define elementos fundamentais do canto popular 3

como o uso acentuado de parmetros da fala gerando uma emisso vocal mais coloquial e quase sem vibrato (p. 21). atravs desse olhar histrico para a tradio que iniciamos nossa pesquisa. Ao assumir esses elementos fundamentais da cano popular brasileira como ponto de partida, no pretenso deste trabalho, de forma alguma, atrelar o processo de ensinoaprendizagem discutido aqui a uma nica corrente esttica do canto popular brasileiro. Considerando a existncia de uma multiplicidade de estilos no que se compreende como cano popular brasileira, a primeira preocupao desta pesquisa apontar caminhos que viabilizem a capacitao do estudante universitrio de canto popular para o uso saudvel de sua voz em qualquer corrente esttica musical em que ele pretenda atuar. No recorte necessrio para o desenvolvimento desta pesquisa, optou-se por observar a voz do cantor sob dois enfoques principais: (1) o da fisiologia vocal, apoiado no referencial terico j citado, e (2) a partir deste primeiro, tomou-se a voz como um instrumento possuidor de sonoridades mltiplas que foram exploradas atravs da anlise crtica dos conceitos fisiolgicos aplicados prtica. Desta maneira, durante o trabalho no sero adotados termos como certo e errado mas sim termos como adequado e inadequado quando se tratar das caractersticas fundamentais do estilo; e saudvel e no saudvel levando em conta o funcionamento fisiolgico do aparelho fonador. Para melhor entendimento das escolhas e procedimentos utilizados nesta pesquisa, faz-se necessrio justificar o choro e sua coerncia com o recorte adotado. O leitor pode, por exemplo, se perguntar: Como que o choro, um gnero de msica brasileira tradicionalmente instrumental e que possui sua origem do final do sculo XIX, pode ser uma ferramenta de estudo vocal que auxilie o desenvolvimento tcnico do cantor que pretende fazer um uso livre de sua voz no sculo XXI?

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Em 1936, o primeiro livro de registro da histria do choro, escrito por Alexandre Gonalves Pinto3, j colocava em discusso a diferena entre o verdadeiro choro dos primrdios e aquele feito em sua poca: apesar de os choros de hoje no serem como os de antigamente, pois os verdadeiros choros eram constitudos de flauta, violes e cavaquinhos (Pinto, 1978, p.11). Na referida obra tambm possvel encontrar vrios significados diferentes para a palavra choro num mesmo perodo histrico, o que dificulta definir exatamente o que choro. Marlia T. Barboza da Silva (1986) em seu artigo Pelos Caminhos do Choro, dentre vrias fontes, analisa tambm o livro de Pinto em busca de significados para o termo. Neste pequeno trecho selecionado de seu artigo, Silva apresenta trs possibilidades diferentes para a definio da palavra choro.1) A acepo de conjunto est bem documentada por Alexandre: Indo daqui da Capital, o competente choro, que eram: Henriquinho de flautim; Lica de bombardo; Galdino de Cavaquinho; Luiz Brando, Neco, Alfredo de cavaquinho; Felisberto da flauta, etc. 2) Est documentado, tambm, o fato de que a palavra no designava um gnero musical definido: tocava os choros fceis como fosse: polka, valsa, quadrilha, chotes, mazurka, etc. 3) H ainda no livro de Alexandre o emprego da palavra choro no sentido de baile popular, festa familiar com msica. Nos choros da Cidade Nova, sempre apareciam os poetas, que variavam as festas com os recitativos (Silva, 1986, p.22).

Ary Vasconcelos (1999), jornalista, crtico e musiclogo relata ainda uma quarta definio para o termo choro, que segundo ele, ocorre durante seu desenvolvimento histrico:Nascido por volta de 1870, ainda como um jeito brasileiro dos conjuntos base de violes e cavaquinhos tocarem os gneros danantes europeus em voga na poca (valsas, polcas, schottisch e mazurcas), o choro acabaria por se impor como um fascinante gnero musical...(Vasconcelos, 1988 apud Sve, 1999, p.6).

Henrique Cazes (1998), em acordo com Vasconcelos, diz: Choro foi primeiro uma maneira de tocar. Na dcada de 1910, pelas mos geniais de Pixinguinha, passou a significar tambm um gnero musical de forma definida (Cazes, 1998, p.19). No entanto, ao retomar o artigo de Silva (1986), foi verificada a segunda definio de choro apontada por ela, como a mais adequada ao desenvolvimento dessa pesquisa:3

O livro O Choro de Alexandre Gonalves Pinto foi escrito em 1936, mas a edio que tivemos acesso foi publicada em 1978. Isso explica a contradies de datas citadas no texto e nas referncias.

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Tambm est vivo ainda o emprego da palavra choro para designar, no um gnero musical definido, mas um repertrio de msicas de choro que inclui vrios ritmos. Quem vai hoje a um recital de choro ouvir uma polca de Calado, uma valsa de Nazareth, uma chtis de Anacleto ou at mesmo um... choro de Pixinguinha. (Silva, 1986, p.23).

Como no pretenso deste trabalho aprofundar a discusso sobre o que realmente o choro, essa polmica fica destinada aos musiclogos e para este trabalho ser adotada a definio de choro proposta por Silva como sendo um repertrio consagrado, o que neste caso inclui vrios gneros musicais tradicionalmente executados nas rodas de choro4 at os dias de hoje. Embora essa definio de choro adotada amplie o leque de possibilidades quanto aos gneros da msica brasileira que, eventualmente, sero abordados neste trabalho, ela no responde ocorrncia de outras questes possveis como, por exemplo, o fato do choro ser tradicionalmente considerado msica instrumental. Esta caracterstica predominante poderia tornar contraditria a escolha de um repertrio de choro para um trabalho com enfoque em prtica vocal. Entretanto, mesmo se o choro fosse considerado somente como msica instrumental, ele, ainda assim, seria um material de pesquisa relevante, posto que neste trabalho pretende-se observar e estudar a voz como um instrumento, atravs da compreenso clara de seu funcionamento e sua utilizao prtica. Atravs de uma leitura cuidadosa do clssico j citado, O Choro de Alexandre Gonalves Pinto (1978), nota-se que a voz sempre esteve presente no ambiente onde se faziam os choros5 como confirma o trecho a seguir: Aqui neste livro vou tentar descrever uma modinha, que alm de muitas outras, era bastante apreciada nos sales daquele tempo, onde houvesse um chro (sic). (Pinto, 1978, p.106). A ocorrncia da msica cantada, principalmente a modinha, era recorrente nos sales onde se davam as festas:Nos choros da Cidade Nova, sempre apareciam os poetas, que variavam as festas com os recitativos (...) Isso era uma brecha, para os cantadores de modinhas, que manhosamente,4

Encontros de msicos amadores e profissionais que, com instrumentos acsticos, passeiam por vasto repertrio de polcas, valsas, maxixes, sambas etc. 5 Tenha aqui como definio de choro: baile popular, festa familiar com msica.

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recolhidos (sic) sua modstia, instigavam os amigos para que insistissem que cantassem (Pinto, 1978, p.118).

Na obra de Pinto que, direta ou indiretamente, registra a identificao das habilidades de pelo menos 285 chores6 atuantes, compreendidos entre o perodo de 1870 a 1935, possvel destacar dentre os instrumentistas citados, aproximadamente 115 cantores de modinhas e lundus, os quais em sua maioria, eram tambm tocadores de violo. Um outro fato que refora a presena da voz no choro que, no decorrer da histria, muitos choros passaram a possuir letras originais ou pstumas. E embora as letras para famosos choros instrumentais tenham gerado polmica entre msicos e musiclogos, elas possibilitaram a carreira de alguns intrpretes que optaram por cantar este repertrio, como foi o caso de Ademilde Fonseca, Orlando Silva, Aracy de Almeida, Carmem Miranda, dentre outros. O fato da voz estar presente na histria do choro muito interessante para este trabalho porque, sendo o choro um dos movimentos mais antigos da msica popular brasileira, temos no tratamento do repertrio cantado resqucios dos primeiros gneros nacionais como as modinhas e os lundus. Junto ao fato do choro carregar consigo a herana histrica das origens de nossa msica, soma-se o carter instrumental e virtuosstico que ele possui e isso resulta na combinao perfeita de uma ferramenta rica em recursos para auxiliar a investigao proposta aqui.Antes de Ademilde, cantoras como Camem Miranda e Aracy de Almeida j tinham cantado Choro e samba-choro. A meu ver, o que deu a Ademilde o ttulo de Rainha do Chorinho foi o fato de ter se projetado a partir de gravaes com letra de sucessos chorsticos instrumentais. Isso, fora o domnio tcnico para cantar em alta velocidade. (Cazes, 1998, p.184, grifo nosso).

No fez parte deste estudo a investigao de como Ademilde Fonseca solucionou as dificuldades tcnicas encontradas nas melodias dos choros que interpretou. O foco principal deste trabalho foi buscar um caminho de estudo com base no conhecimento aprofundado da6

Chores: msico de choro, aquele que vivia para compor, tocar e cantar (Neves, 1977, p.18).

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pedagogia vocal proposta por Richard Miller (1996). A partir do referencial terico foi levantada a sua aplicabilidade aos diferentes desafios trazidos pelo repertrio de choro. Referencial terico Na reviso da literatura foi encontrada a dissertao de mestrado da pesquisadora Adriana Piccolo (2006) que realiza em seu trabalho uma anlise acstica e interpretativa do canto popular brasileiro. Alm das pesquisas citadas por Piccolo, foram acrescentadas s referncias trabalhos que apontaram lacunas para grande parte dessa pesquisa: (1) a dissertao de mestrado da pesquisadora Regina Machado (2007), cujo trabalho apresenta um estudo analtico das vozes na Vanguarda Paulista dos anos 1980; (2) a dissertao de mestrado da pesquisadora Maria Consiglia Latorre (2002) que, ao traar um histrico da voz na cano brasileira, formata uma proposta de ensino do canto popular a partir da escuta de pocas e da vivncia dessas condutas vocais, alm da incorporao de elementos do canto Werbeck (escola do desvendar da voz)7; e (3) a dissertao de mestrado do pesquisador Guilherme Hollanda Azevedo (2008), que consiste em um trabalho hbrido na medida em que realiza um estudo comparativo entre objetivos estticos da voz no universo do canto erudito e popular. A dissertao de mestrado da pesquisadora Mirna Rubim, apesar de j ter sido citada na reviso da literatura realizada por Piccolo, merece destaque uma vez que se apresenta como um trabalho pioneiro no campo da pedagogia vocal no Brasil. A pesquisa de Rubim (2000), assim como os trabalhos de Richard Miller, fundamentada em conceitos concretos da fisiologia vocal e por esta razo, apesar de ser direcionada ao desenvolvimento do cantor7

Pedagogia vocal desenvolvida por Valborg Werbeck-Svrdstrm que entende o estudo do canto como libertao e no formao da voz, e associa o processo ao desenvolvimento espiritual, encontrando elementos comuns na Cincia Espiritual Antroposfica (Rudolf Steiner). O Canto Weberck no se preocupa apenas com o resultado final artstico, mas sobretudo com o processo pelo qual se chega a esse resultado, abrindo assim um espectro de possibilidades na esfera pedaggica, teraputica e artstica. Ele no submete o cantor a um modelo externo mas faz com que descubra suas possibilidades fisiolgicas, sensveis, mentais e espirituais, levantando os vus que podem encobrir a voz de cada um.(idem)

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erudito, atende essa pesquisa como uma referncia essencial de uma proposta de abordagem emancipatria para o ensino-aprendizagem do canto. A pesquisa de Rubim (2000), foi embasada no trabalho de Blades-Zeller (1993) que entrevistou nove pedagogos vocais norte-americanos, inclusive Richard Miller, e, a partir da anlise dessas entrevistas identificou conceitos vocais que foram agrupados em categorias que nos serviram de sugesto para a organizao do Captulo 1. Para o desenvolvimento deste trabalho partiu-se da premissa que os fundamentos do estudo de tcnica vocal so semelhantes para cantores populares e eruditos. Entretanto, no momento em que a tcnica aplicada ao repertrio, a utilizao dos recursos vocais deve variar de acordo com o carter esttico da pea e a inteno dos intrpretes. Por causa da ausncia de um discurso uniforme entre os professores de canto o embasamento terico desta pesquisa foi concentrado no pensamento do professor Richard Miller (1996) levando em conta a relevncia de seus trabalhos na rea do canto e o reconhecimento internacional de sua carreira. Miller foi professor de performance vocal durante 42 anos no conservatrio de Oberlin nos Estados Unidos; concomitantemente, por 28 anos ensinou canto na Academia Internacional de vero da universidade Mozarteum em Salzburg, na ustria; publicou 8 livros sobre a voz cantada; e apresentou palestras e deu aulas na Austrlia, Canad, Inglaterra, Frana, Alemanha, Nova Zelndia, Noruega, Portugal, Sucia, Sua, e em 38 estados dos Estados Unidos. A proposta de estudo tcnico vocal apresentada por Miller, por ser baseada em conceitos concretos e fundamentada cientificamente na fisiologia vocal, em primeiro lugar diminui as inconsistncias encontradas nos discursos divergentes at o momento e alm disso, contribui para a formao de uma metodologia direcionada tambm ao canto popular

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brasileiro na medida em que para Miller o objetivo da tcnica vocal estabilizar e coordenar o mecanismo do canto8 (Miller, 1986, p.xvi). Outros autores e publicaes que complementam os conceitos propostos por Miller so: (1) Mara Behlau (2008), fonoaudiloga brasileira pioneira em estudos da voz, diretora do Centro de Estudos da Voz de So Paulo (CEV) com extenso currculo reconhecido e o maior nmero de publicaes de estudos em sua rea; (2) Pinho e Pontes (2008) respectivamente fonoaudiloga Doutora em Cincias dos Distrbios da Comunicao Humana pela Universidade Federal de So Paulo (UNIFESP) e mdico otorrinolaringologista professor titular da UNIFESP; (3) Jeannette LoVetri (2009), professora de canto norte americana, reconhecida nos Estados Unidos e em outros pases como especialista no treinamento de cantores de msica comercial contempornea (CCM)9; e (4) uma seleo de publicaes do Journal of Singing10 compreendidas entres os anos 2004 a 2009. Metodologia Esse trabalho apresenta uma abordagem qualitativa na medida em que analisa os fenmenos observados e utiliza-se do mtodo comparativo quando relaciona a literatura (enfoque bibliogrfico) duas atividades prticas distintas. Dentro dessa linha de raciocnio, a partir do (1) material levantado na reviso da literatura e em nosso referencial terico confrontamos os dados coletados em duas prticas, a saber, (2) a experincia de estgio docente durante 2 semestres nos anos 2008 e 2009 e (3) meu estudo individual como intrprete de choros. As vivncias do estgio docente foram associadas aos exerccios vocais coletados de Miller e aos exerccios vocais realizados em minhas aulas individuais de canto com Rubim. O8 9

Technique represents the stabilization of desirable coordination during singing. Contemporary Commercial Music (CCM) - termo criado por LoVetri para denominar cantores de todos os estilos no clssicos como rock, pop, jazz. 10 Revista do Canto - publicada em Nova York pela Associao Nacional dos Professores de Canto dos Estados Unidos. (NATS National Association of Teachers of Singing)

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conjunto desses saberes foram as bases da minha prtica individual, enquanto intrpretealuna-professora, no estudo sistemtico de 8 choros pr-selecionados para realizao desta pesquisa. O relato de experincia sobre meu estudo individual, detalhado no Captulo 3, consiste em anlises para identificao de trechos de dificuldades nas peas e nos procedimentos didticos aplicados seleo de 8 choros de carter variado sendo eles: 1) Tico-tico no fub de Zequinha de Abreu e letra de Alosio de Oliveira; 2) Apanhei-te cavaquinho de Ernesto Nazareth e letra de Joo de Barro; 3) Um a Zero de Pixinguinha e Benedito Lacerda e letra de Nlson ngelo; 4) Rosa de Pixinguinha e letra de Otvio de Souza; 5) Ingnuo de Pixinguinha e Benedito Lacerda e letra de Paulo Csar Pinheiro; 6) Costura de choro de Maurcio Carrilho e letra de Paulo Csar Pinheiro; 7) Choro pro Z de Guinga e letra de Aldir Blanc e 8) Sambadalu de Marco Pereira. Os critrios de seleo dos choros foram baseados nos seguintes fatos: (1) o trs primeiros, Tico-tico no fub, Apanhei-te cavaquinho e Um a Zero, so de choros rpidos que possibilitam abordar principalmente aspectos relacionados ao ataque e finalizao do som, agilidade no canto, articulao e emisso equilibrada das vogais; (2) os quatro subsequntes, Rosa, Ingnuo, Costura de choro e Choro pro Z, so choros de andamento mais lento que viabilizam a abordagem principalmente de aspectos como apoio e controle respiratrio, extenso e estabilizao da voz, unificao dos registros, sustentao do som e controle de dinmica; e (3) o oitavo choro, Sambadalu, apresenta trechos de agilidade e trechos de melodias com notas longas de forma que pude reunir em uma nica pea todos os aspectos estudados nos choros anteriores. A partitura de Sambadalu possui quatorze pginas de um arranjo para violo e voz composto por Marco Pereira para a cantora brasileira Luciana Souza, radicada nos Estados Unidos. Sambadalu, embora tenha sido composto para voz, no possui letra e o enfoque vocal

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da pea completamente instrumental. O alto grau de dificuldade tcnica identificado neste samba-choro11 junto ao fato dele ter sido composto especialmente para a execuo vocal justifica sua presena no repertrio de uma pesquisa direcionada a estudar e observar a voz como um instrumento. O estudo sistemtico de alguns dos choros selecionados para esta pesquisa teve incio anterior ao meu ingresso no Programa de Ps-Graduao em Msica (PPGM) da UNIRIO. Com incio em agosto de 2007, fui orientada por Mirna Rubim em aulas particulares de canto semanais durante o perodo de 28 meses. Todas as aulas foram gravadas em udio ou vdeo e a disponibilidade dessa tecnologia viabilizou o registro de grande parte do meu processo de estudo com o repertrio de choro. A exemplo desta experincia e com o intuito de registrar as transformaes ocorridas na voz, as gravaes em udio de trs estgios do estudo de Choro pro Z esto disponveis no Anexo I. Os aspectos vocais elencados nas questes de estudo desta pesquisa devem ser observados e cuidados na performance vocal de qualquer pea musical. No entanto, aps realizar a anlise interpretativa dos choros selecionados para a esta pesquisa, conforme os quadros apresentados no captulo 3, so apontadas passagens especficas em cada um deles que facilitam ou exigem mais o estudo de uns aspectos vocais do que outros. Organizao da dissertao Este estudo foi organizado em trs captulos. O Captulo 1 trata da FUNDAMENTAO TERICA E APLICAO PRTICA em que se apresenta a reviso da literatura e descreve a abordagem pedaggica de Richard Miller (1996). Com base em 8 aspectos tcnicos vocais (ver p. 16) considerados mais relevantes para o estudo dos choros,11

...samba-choro que, como o prprio nome j sugere, o resultado da fuso dos aspectos rtmicos do samba com a linguagem do choro tradicional. (PEREIRA, 2007, p.41)

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procedeu-se a uma discusso dos exerccios propostos por Miller e sua aplicabilidade prtica ao repertrio selecionado para esta pesquisa. O Captulo 2 trata da METODOLOGIA E FERRAMENTAS INTERPRETATIVAS, em que so descritos a metodologia adotada para o desenvolvimento desta pesquisa e 4 aspectos interpretativos considerados relevantes durante este estudo sendo eles: o uso de microfone, o uso do vibrato, o controle de dinmica e cuidados com a sade vocal. Ainda no captulo 2 apresentado, brevemente, a experincia da bolsa Capes/REUNI durante estgio docente, cujos detalhes so encontrados no Anexo III, que traz a cpia do artigo produzido sobre essa vivncia e que foi publicado recentemente na edio especial de lanamento da revista Fio da Ao Srie Monogrfica da UNIRIO com o ttulo: Experincia Inovadora no Ensino do Canto. O Captulo 3, ESTUDO PRTICO DO CHORO CANTADO, dividido em trs partes: (1) apresentao do procedimento utilizado para a edio das partituras dos choros que no possuam letra inicialmente; (2) anlise interpretativa dos choros na partitura; e (3) o estudo detalhado de trs choros: Apanhei-te cavaquinho como exemplo dos choros de agilidade, Choro pro Z como exemplo dos choros de andamento lento, e Sambadalu exemplificando choros de carter hbrido apresentando tanto trechos de agilidade e como trechos de sustentao. Como mostra final dos resultados obtidos neste estudo de Prticas Interpretativas, encontra-se em anexo dois CDs de udio: (I) contm exemplos de trs momentos diferentes do meu estudo individual de Choro pro Z, e (II) contm gravao da minha interpretao de 3 dos 8 choros estudados ao longo da pesquisa. A gravao do Anexo II foi feita em estdio em outubro de 2009 com o intuito de registrar os resultados obtidos e fornecer dados concretos para a anlise crtica quanto a eficcia do estudo realizado no perodo de dois anos.

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Fecham este trabalho as CONSIDERAES FINAIS, as REFERNCIAS, e os ANEXOS I, II, III e IV.

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CAPTULO 1

FUNDAMENTAO TERICA E APLICAO PRTICA Uma vez que o ensino do canto popular nas universidades brasileiras bastante recente, a literatura em portugus sobre este tema, consequentemente, escassa. As dissertaes de mestrado consultadas tratam principalmente de questes estticas, interpretativas ou histricas da cano popular brasileira de forma que a parte destinada prtica vocal propriamente dita , geralmente, apenas um tpico complementar. Na maioria dos trabalhos acadmicos disponveis, assuntos como fisiologia vocal e exerccios tcnicos vocais fundamentados na fisiologia so raramente mencionados. Na dissertao de Latorre (2002), alm de orientaes interpretativas a partir da escuta e imitao de referenciais histricos do canto popular brasileiro, e a partir da anlise das letras das canes estudadas, so feitas algumas indicaes de exerccios para o treino da respirao embasadas no canto Werberck12. Semelhante abordagem de Latorre, no trabalho de Piccolo (2006) as orientaes para a prtica vocal limitam-se a sugestes de estudo atravs da escuta e imitao. Piccolo realizou um estudo analtico de 10 gravaes selecionadas entre trs intrpretes consagrados da Msica Popular Brasileira (MPB) e a partir dessa anlise catalogou um grupo de caractersticas observadas nas emisses vocais de suas performances que ela classificou como gestos vocais, nomeando cada um deles. Machado (2007), atravs da anlise de fonogramas selecionados de produes da Vanguarda Paulista do incio dos anos 1980, apresenta transformaes tcnicas e estticas ocorridas na voz de alguns intrpretes deste perodo. Os parmetros de anlise vocal utilizados por ela fundamentam-se principalmente em sua experincia pessoal como12

Ver nota de rodap no7, p.10 desta dissertao.

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professora e aluna de canto e em informaes sobre o funcionamento fisiolgico da voz extradas de trabalhos da rea de Fonoaudiologia. No desenvolvimento deste primeiro captulo so discutidos oito aspectos vocais que foram mencionados na introduo (ver p. 12): (1) ataque e finalizao, (2) controle respiratrio e apoio, (3) ressonncia vocal, (4) emisso das vogais, (5) usos das consoantes nasais e no-nasais, (6) agilidade vocal, (7) sustentao do som e (8) unificao dos registros. A partir de Miller (1996); Behlau (2008); e de trabalhos de outros autores citados em nosso referencial terico organizamos a apresentao destes oito aspectos selecionados em seis subitens com objetivo didtico explicativo. Os itens 1.1, 1.2 e 1.3 correspondem respectivamente a (1) ataque e finalizao; (2) controle respiratrio e apoio; e (3) ressonncia vocal. No item 1.4 foram compilados os aspectos (4) emisso das vogais e (5) usos das consoantes nasais e no-nasais uma vez que ambos esto relacionados articulao e pronncia do portugus brasileiro com base na tabela do Alfabeto Fontico Internacional (AFI)13. Miller, entretanto, organiza as vogais, consoantes nasais e consoantes no-nasais em trs captulos independentes. No item 1.5, em razo da complementaridade verificada entre eles, compilamos dois aspectos que tambm correspondem a captulos independentes no livro de Miller, so eles (6) agilidade vocal e (7) sustentao do som. Por fim, o item 1.6 corresponde ao ltimo aspecto selecionado - (8) unificao dos registros - que em Miller est divido em dois captulos, um para a unificao de registro das vozes masculinas e outro para a unificao de registros das vozes femininas. Embora os estudos de Miller (1996) sejam, em princpio, destinados ao cantor lrico, a profundidade com que ele abordou a fisiologia vocal e o funcionamento do aparelho fonador, fez de seu trabalho uma referncia fundamental para qualquer estudo srio sobre a voz que tenha sido realizado posterior a sua publicao.13

AFI corresponde ao IPA, ou seja, International Phonetic Alphabet.

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Com base na experincia de estgio docente realizado durante 2 semestres na UNIRIO com os 20 alunos da disciplina Canto Complementar e em minha prtica individual como aluna de canto, para cada aspecto selecionado foi includa uma discusso, correlacionando cada um deles sua prtica e apresentando correspondncias entre as abordagens de Miller, Behlau e o contexto do canto popular. 1.1 ATAQUE E FINALIZAO DO SOM Ataque e finalizao so as palavras adotadas para traduzir os termos attack/onset e release encontrados na literatura norte-americana sobre tcnica vocal para descrever o incio e a finalizao de um determinado som cantado. Embora existam outras tradues para os trs tipos possveis de onset e release apresentados por Miller (1996), optou-se neste trabalho pelos termos correspondentes utilizados na fonoaudiologia brasileira encontrados em Behlau (2008): hard attack = ataque brusco; soft onset = ataque soproso; balanced onset = ataque isocrnico; hard release = finalizao brusca; soft release = finalizao soprosa; balanced release = finalizao isocrnica. Tanto Behlau (2008) quanto Miller (1996), defendem o ataque isocrnico como sendo o mais saudvel para a fala e o ideal para o canto respectivamente.Espera-se que um falante utilize na maior parte do tempo o ataque vocal isocrnico (iso = mesmo, cronos = tempo), tambm chamado de ataque suave, equilibrado ou normal, no qual a fase expiratria da respirao coincide com o incio da vibrao da mucosa das pregas vocais, o que representa um mecanismo econmico, sem perda de ar ou excesso de tenso e fisiologicamente equilibrado. (Behlau, 2008 vol. II, p. 106)

Apesar do ataque isocrnico ser considerado a maneira ideal de iniciar a fonao, Behlau afirma que estudos recentes revelam que este no o modo mais habitual entre os indivduos normais. Por exemplo, principalmente entre as crianas, predomina a ocorrncia do ataque brusco na fala (Behlau, 2008 vol. II, p. 107). Nesta direo, Miller apresenta benefcios didtico-pedaggicos que podem ser adquiridos atravs de exerccios com os ataques bruscos e soprosos:

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Embora, dentre os trs tipos de ataque um seja o mais eficiente em termos fisiolgicos (o ataque balanceado) e esteticamente seja o mais agradvel para a maioria dos ouvintes, timos benefcios pedaggicos podem ser obtidos atravs dos outros dois tipos de ataque14 (Miller, 1996, p. 7).

Para exemplificar esses benefcios pedaggicos Miller (1996) sugere queles que normalmente realizam o ataque brusco que pratiquem o exerccio 1.1 de seu livro The Structure of Singing cujo objetivo estimular ataques levemente soprosos a fim de atingir o equilbrio desejado do ataque isocrnico (ver Ex. 1.1, nesta pgina). Da mesma maneira, aos indivduos que apresentam ataque soproso, Miller indica o exerccio 1.2 no qual solicitado uma sucesso de ataques levemente bruscos tambm como meio de se encontrar o equilbrio (ver Ex. 1.1). importante ressaltar no exerccio 1.2 que a indicao do uh corresponde ao fonema [!] que o som da vogal /u/ na palavra hut em ingls.EXERCCIO 1.1 Repita a seqncia falada [ha, ha, ha, ha, ha] vrias vezes, lentamente e deliberadamente como uma unidade fraseolgica, demorando no [h] aspirado inicial de cada slaba. possvel perceber quando o sopro, ao passar pelas pregas vocais, seguido pelo som que resulta da aproximao das pregas vocais (isto , quando o verdadeiro som comea). EXERCCIO 1.2 Repita a seqncia falada [uh, uh, uh, uh, uh] vrias vezes, lentamente e deliberadamente como uma unidade fraseolgica, demorando no som gltico inicial [!]. possvel perceber o momento exato no qual a glote liberada para produzir a fonao.EXEMPLO 1.1: Exerccios 1.1 e 1.2 traduzidos de The Structure of Singing (Miller, 1996, p. 5).15

Alm da correo de desvios ou desequilbrios de ataque e finalizao, os estudantes de canto podem se beneficiar muito ao experimentarem exerccios que incluem as trs possibilidades de ataques (brusco, soproso e isocrnico). Na busca por conquistar o domnio do ataque isocrnico, essa experincia de reconhecer, no prprio corpo, os diferentes tipos de incio da fonao pode ampliar a percepo do cantor sobre a sua prpria prtica vocal.14

Although one of the three forms of onset is physiologically most efficient (the balanced onset) and aesthetically pleasing to most, but not all, listeners, pedagogical benefits may derive from the other two. 15 Exercise 1.1 Repeat the spoken sequence HA, HA, HA, HA, HA several times, slowly and deliberately as a phrase unit, lingering over the initial aspirated [h] of each syllable. It is possible to sense when breath passing over the vocal folds is followed by sound that results from vocal-fold approximation (that is, when actual tone commences). Exercise 1.2 - Repeat the spoken sequence UH, UH, UH, UH, UH several times, slowly and deliberately as a phrase unit, lingering over the initial glottal plosive [!]. One can sense the moment at which the glottis has been sufficiently released to produce phonation.

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Segundo Miller (1996) o incio do som um momento de grande importncia pois poder definir a qualidade da emisso e finalizao. Neste ataque controlado est a origem de toda boa vocalizao 16 (Miller, 1996, p. 5). Durante o primeiro semestre de 2009, em sesses individuais de fonoterapia, realizei exerccios prticos para alcanar o ataque isocrnico em minha voz falada. O exerccio 1.3, do livro de Miller, relativamente semelhante ao exerccio que pratiquei em minhas primeiras sesses como paciente. Entretanto, enquanto o exerccio 1.3 de Miller sugere apenas a prtica do ataque isocrnico com o uso da vogal [a], o estudo de ataque nas sesses de fonoterapia foi realizado com apoio de um texto elaborado pelo Centro de Estudos da Voz (CEV) contendo 110 palavras iniciadas por vogais variadas. Originalmente o texto do CEV foi desenvolvido para avaliao do ndice do ataque vocal em pacientes (Behlau, 2008 vol. I, p. 107). No entanto, o treinamento prtico da leitura atenta e pausada deste texto se mostrou um excelente exerccio de conscientizao do ataque isocrnico.EXERCCIO 1.3 Repita a seqncia falada [a, a, a, a, a] vrias vezes, lentamente e deliberadamente como uma unidade fraseolgica, imaginando um curto [h] aspirado antes de cada slaba mas no permitindo que este seja audvel. Esforce-se por perceber uma sensao subjetiva de que com o comeo da frase o processo de inalao no tenha sido alterado; no deve ocorrer a sensao de expulso do ar (embora, obviamente, o fluxo de ar esteja comeando), e nenhuma sensao de ar em movimento antes da emisso (Miller, 1996, p. 5). Trecho do texto para avaliao do ndice de ataque vocal - Este ano eu adoraria fazer uma viagem para algum lugar extico e interessante, onde eu possa estar exposto a novas experincias. Lugares como a Austrlia ou a Indonsia me interessam pelos seus aspectos culturais e humanos, alm de suas paisagens atpicas. Outras opes seriam a frica do Sul, a sia ou ainda uma Ilha no Oceano Indico. Na America do Sul, alm dos Andes tenho muita vontade de ir a Amaznia (Behlau, 2008 vol. I, p. 107 grifos nossos).EXEMPLO 1.2: Exerccio 1.3 traduzido de (Miller, 1996, p. 5)17 e texto transcrito de (Behlau, 2008 vol. I, p. 107)

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In this regulated onset lies the germ of all good vocalism. Exercise 1.3 Repeat the spoken sequence AH, AH, AH, AH, AH several times, slowly and deliberately as a phrase unit, imagining a brief [h] before each syllable but not allowing it to take on audibility. Strive for the subjective felling that with the beginning of the phrase the process of inhalation has not been altered; there

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Verificamos em nossa prtica pedaggica que o estudo isolado da vogal [a] proposto por Miller foi tambm de alta eficcia, principalmente considerando o desenvolvimento da percepo de alunos iniciantes em estudo vocal. O exerccio com uma nica vogal diminui a complexidade de estmulos e permite que o estudante se concentre, mais facilmente, em compreender o que vem a ser um ataque isocrnico. Quando ele adquire domnio em realizar ataques isocrnicos sucessivos, ainda que com uma nica vogal, poder ento, transpor esta conquista para realizao de ataques isocrnicos em outras vogais e consoantes. 1.1.1 Questes estticas do ataque e finalizao Miller tende esteticamente Escola Italiana, na qual nem o som do ataque brusco nem o som do ataque soproso so adotados. No entanto, quando se trata de canto popular brasileiro, tanto o som do grunhido originado no ataque brusco quanto o som do sussurro originado do ataque soproso, podem ter um uso esttico interpretativo aceitvel ou at desejvel dependendo da cano. Behlau (2008) observa ainda que os ataques bruscos e soprosos podem ocorrer em diferentes graus de desvio: discreto, moderado e severo. Considerando a esttica do canto popular brasileiro, e muitas de suas referncias histricas consagradas, acredita-se que o uso de desvios discretos tanto do ataque brusco como opo para imprimir agressividade quanto do ataque soproso para expressar sensualidade, por exemplo, seja um recurso interpretativo que no causa grandes danos a sade vocal. Entretanto, vlido destacar que o mau uso vocal recorrente e em exagero pode conduzir um indivduo do desvio discreto ao desvio severo. Do mesmo modo que o ataque brusco favorece a hiperfuno de certos msculos participantes da ao, o ataque soproso pode resultar na hipofuno deste mesmo grupo muscular18 (Miller, 1996, p. 3).should be no sensation of breath expulsion (although, of course, airflow commences), and no sensation of breath moving before tone. 18 Just as the hard attack produces conditions favorable to hyperfunction on the part of certain muscles, so the soft onset may result in hypofunction in the same muscle group.

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Em acordo com Miller, Behlau confirma a presena do ataque brusco como sinal de uma fonao com tnus excessivo comumente observada entre pessoas disfnicas. J o ataque soproso sugere normalmente baixo tnus dos msculos da laringe e pode, at mesmo ser resultado de alguma paralisia nas pregas vocais (Behlau, 2008 vol. II, p. 106). Consciente destes dados, em nossa prtica pedaggica temos nos preocupado, primeiramente, em fazer com que os alunos consigam desenvolver a habilidade de realizar o ataque isocrnico como ponto de partida para o uso saudvel da voz. Posteriormente, este aluno mais consciente de seu aparelho fonador pode aventurar-se em experimentaes interpretativas utilizando diversas sonoridades. Em artigo recente do Journal of Singing19 o pedagogo Stephen F. Austin apresenta uma discusso esclarecedora sobre golpe de glote que era adotado por Garcia ainda no sculo XIX. Ao apresentar a polmica em torno do tema, Austin (2005) faz uma reviso de suas condutas pedaggicas, questionando o que seus alunos teriam perdido at aquele momento por ele ter escolhido ensinar somente o ataque equilibrado como o mais adequado. Este artigo concentra-se principalmente em discusses pedaggicas dos professores de canto lrico que tendem a escolher padres estticos mais precisos e delimitados. Embora a discusso a favor ou contra o golpe de glote no seja um objetivo deste trabalho, valido destacar a observao de Vennard (1967) que Austin utiliza para concluir seu artigo.[Vennard...] disse que sempre esperou at que houvesse uma liberdade fundamental na tcnica antes de introduzir a qualidade agressiva que necessria para dar o passo ao mundo profissional. Esta uma observao profunda. O golpe de glote deve ser utilizado dentro da estrutura de uma tcnica que est livre das tenses externas20 (Austin, 2005, p. 528).

Assim como Vennard (1967), ns defendemos o pressuposto de que o aluno deve primeiro conquistar uma tcnica livre e estvel para depois aventurar-se em experimentaes19

Revista do Canto - publicada em Nova York pela Associao Nacional dos Professores de Canto dos Estados Unidos. (NATS National Association of Teachers of Singing) 20 [Vennard...] said that he always waited until there was a fundamental freedom in the technique before he introduced the aggressive quality that is necessary to take the step into the professional world. This is a profound

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arriscadas, pois o domnio adquirido em uma tcnica livre de tenses ajudar o aluno a ser mais cauteloso, mais auto-consciente do seu instrumento e capaz de fazer escolhas interpretativas seguras para sua voz. 1.1.2 Fisiologia do ataque e finalizao Vrios termos j foram utilizados para descrever o ataque brusco, como por exemplo, ataque gltico, ataque duro e at grunhido. Fisiologicamente, o ataque brusco acontece quando as pregas vocais so aduzidas com muita fora desde a regio anterior at as cartilagens aritenideas. Esse fechamento firme da glote provoca um aumento na presso infragltica e quando o ar consegue vencer a ocluso das pregas vocais, elas so afastadas bruscamente e ouve-se um rudo de soco, que antecede a emisso sustentada do som (Behlau, 2008 vol. II, p. 106). O ataque soproso ou aspirado acontece quando a coaptao das pregas vocais insuficiente gerando um tringulo aberto com a base na comissura posterior da laringe. Este tringulo intercartilaginoso tambm conhecido como o tringulo do sussurro21 (Luchsinger e Arnold, 1965, apud Miller, 1996, p. 3). Segundo Behlau, a ocorrncia tanto do ataque brusco quanto do ataque soproso comum em indivduos normais quando passam por situaes adversas de comportamento. Por exemplo, o ataque brusco comum em situaes de desespero, ansiedade, agressividade ou no grito (Behlau, 2008 vol. II, p. 106); e o ataque soproso comum em situaes de susto ou medo, ou ainda, nas situaes de afetividade ou sensualidade. (Behlau, 2008 vol. II, p. 106). Quando se trata de msica popular ou teatro musical, comum que os ataques bruscos e soprosos descritos sejam utilizados como efeito dramtico interpretativo para expressar asobservation. The coup de la glotte must be used within the structure of a technique that is free from extraneous tensions. 21 whispering triangle

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diversas emoes recorrentes do texto da cano e, de certa forma, esta caracterstica interpretativa inclusive esperada pelo pblico. O professor de canto carioca Felipe Abreu, em seu artigo O papel do preparador vocal no estdio de ensaio e de gravao, fala sobre os riscos que alguns gneros musicais populares trazem para a voz do cantor. Segundo Abreu, o heavy metal, o rock mais pesado, o ax, o flamenco, o belting, esto entre os estilos mais importantes que exigem um desempenho de grande resistncia vocal (Abreu, 2008, p.124). Aos cantores que optam por atuar neste grupo que Abreu classificou como canto de risco, ele recomenda o auxlio de um preparador vocal, de um fonoaudilogo e de um otorrinolaringologista como medidas preventivas altamente benficas. 1.1.3 Estudo sistematizado para ataque e finalizao No que concerne ao estudo prtico de ataque e finalizao Miller (1996) sugere trs grupos de exerccios (ver Ex. 1.3, p. 24), em staccato (sons destacados, no ligados) que so apresentados de maneira didtica e progressiva. Os exerccios do grupo 1 so monofnicos e adquirem complexidade progressivamente de acordo com a variao das figuras rtmicas utilizadas. Os exerccios do grupo 2, os quais Miller recomenda fortemente que sejam praticados antes dos exerccios do grupo 3, apresentam pela primeira vez alguma variao meldica. A primeira variao meldica observada descendente. No grupo 3 a variao meldica aparece de forma ascendente e descendente, sempre nesta ordem, o que compreensvel para um ltimo estgio de estudo vocal, uma vez que, frequentemente, as linhas meldicas ascendentes apresentam maior grau de dificuldade tcnica para o cantor.

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EXEMPLO 1.3: Exerccios 1.9, 1.12 e 1.25 transcritos de The Structure of Singing (Miller, 1996, p. 12, 13 e 17) seguidos de justificativas nossas.

Sobre a finalizao do som, aps a descrio dos trs tipos existentes, Miller sugere apenas um exerccio para observao do que ocorre numa finalizao isocrnica. Segundo ele, Exerccios exclusivos para a finalizao so desnecessrios porque, como tem sido observado, a preparao para o ataque seguinte requer a mesma ateno exigida para a finalizao anterior22 (Miller, 1996, p. 19). Miller afirma ainda que o tipo de ataque no determina necessariamente a finalizao do som, entretanto, um ataque instvel tende a uma finalizao tambm instvel. Na medida em que Miller adota a finalizao isocrnica como a nica adequada ao canto artstico, ele sugere como exerccio a observao da gargalhada como forma de perceber ataques e finalizaes sucessivamente isocrnicos. Brown (1996) defende o uso da gargalhada e tambm do choro, o que ele chama de sons primais, para o desenvolvimento inicial da voz (Brown, 1996, p. 1 e 2).22

Separate exercises for the release are unnecessary because, as has been seen, preparation for succeeding onset requires giving equal attention to the release.

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1.2 CONTROLE RESPIRATRIO E APOIO O tema controle respiratrio e apoio um dos mais polmicos na literatura sobre ensino do canto e consequentemente o que possui maior quantidade de publicaes. Felizmente, muitas contradies sobre o funcionamento do sistema respiratrio tm sido solucionadas, ou pelo menos minimizadas luz da fisiologia vocal, principalmente atravs de pesquisas mdicas e da fonoaudiologia. No entanto, aspectos que no podem ser completamente mensurados por aparelhos ainda continuam dando margem a discusses. 1.2.1 Fisiologia da respirao, fonao e apoio O ciclo respiratrio formado basicamente pela inspirao e expirao, e durante a fonao, ele sofre diversas alteraes adquirindo maior complexidade. Entende-se como fonao a combinao da expirao com o movimento de vibrao das pregas vocais gerando a chamada freqncia fundamental. [A fonao um...] ato fsico de produo do som por meio da interao das pregas vocais com a corrente de ar exalada. Os puffs23 de ar so liberados em freqncia audvel (fonte gltica), ressoando nas cavidades supraglticas do trato vocal (filtro) (Aronson, 198524 apud Pinho e Pontes, 2008, p. 8). Durante a inspirao de um ciclo respiratrio normal ocorre um movimento de expanso corporal que provoca a entrada do ar (presso intratorcica negativa). Essa expanso formada por uma cadeia de reaes musculares que inclui diversos msculos torcicos e abdominais, sendo o diafragma e os intercostais os mais importantes. Na inspirao para o canto importante observar principalmente a expanso das costelas como ponto de partida para o desenvolvimento do controle respiratrio eficiente. Segundo Miller (1996), alm do movimento expansivo bem controlado, a inspirao mais adequada ao canto deve ser23 24

Puffs Jatos Aronson A. E. Clinical voice disorders: an interdisciplinary approach, 2 ed. New York: Thieme Verlag, 1985.

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deliberadamente silenciosa: O rudo [...] resulta de uma resistncia na garganta ao se inspirar o ar. Acima de tudo, a respirao para o canto deve ser inaudvel25 (Miller, 1996, p. 29). Alguns princpios e efeitos da fsica so fundamentais para a compreenso do processo fonatrio como, por exemplo, o efeito Bernoulli: o aumento da velocidade das partculas de ar, quando passam pela laringe, reduz a presso entre as pregas vocais, desencadeando o efeito de suco, que aproxima as pregas vocais entre si, seguidas por um retrocesso elstico. (Behlau, 2008 vol. I, p.35). No incio da fonao, quando as pregas vocais so aduzidas (aproximadas), a ao dos msculos respiratrios provoca um aumento da presso de ar abaixo delas. Uma vez que essa presso de ar excede a tenso muscular que as mantm aproximadas, uma brecha de ar escapa atravs das pregas vocais. Este primeiro jato que escapa adquire uma velocidade tal que provoca a diminuio de sua presso interna na glote e ento, pelo princpio de Bernoulli em associao com a ao muscular da laringe, ocorre uma nova aproximao das pregas vocais, reiniciando todo o processo. Esta aduo intercalada pela passagem de ar produz a vibrao das pregas vocais. A variao de velocidade deste ciclo vibratrio um dos fatores principais que ir definir a freqncia sonora da fonao (Behlau, 2008 vol. I, p.28). Miller (1996) confirma a importncia do princpio de Bernoulli para a compreenso do processo fonatrio:Este princpio da maior importncia para se entender o mecanismo da fonao. Na expirao a velocidade do fluxo de ar aumenta na medida em que ele passa atravs da constrio da fenda gltica e as pregas vocais so sugadas uma em direo a outra. A sada de ar implica em uma sbita queda de presso, e a elasticidade do tecido das pregas vocais mais o efeito Bernoulli, causam o novo encontro das pregas vocais numa postura de aduo26 (Zemlin, 1981, apud Miller, 1996, p. 23).

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Noise [] results from resistance of the throat to inspired air Above all, the breath for singing must be inaudible 26 This principle is of major importance in understanding the mechanics of phonation. In exhalation, the velocity of the air stream increases as it passes through the constriction of the glottal chink, results in a sudden decrease in pressure, and the elasticity of the vocal-fold tissue, plus the Bernoulli effect, causes the vocal folds to snap back again into an adducted posture.

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Uma vez compreendido o mecanismo da inspirao-fonao, entende-se que o desenvolvimento tcnico de um cantor depende principalmente da sua capacidade de adquirir uma boa coordenao entre a administrao do fluxo de ar e a fonao, conhecida como coordenao fono-respiratria. Outro aspecto relevante a ser discutido a diferena dos tempos respiratrios entre fala e canto. O comprimento de uma frase durante a fala varia de acordo com as emoes, refletindo na respirao, que apresenta diversas inspiraes e expiraes curtas. Em contrapartida, no canto, a inspirao curta com fases expiratrias longas de acordo com a frase musical e o controle expiratrio que ser treinado (Behlau, 2008 vol. II, p. 301). Tal treinamento, associado colocao de Miller sobre a importncia da inspirao silenciosa no canto, justifica a relevncia dos exerccios 2.9 a 2.11 extrados de seu livro e apresentados no Exemplo 1.4 que segue.

EXEMPLO 1.4: Exerccios 2.9, 2.10 e 2.11 traduzidos de The Structure of Singing (Miller, 1996, p.35).

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Esta seqncia de vocalizes, embora parea muito simples, visa o controle da inspirao lenta e inaudvel at a conquista de uma inspirao rpida e ainda silenciosa em coordenao com a fonao. Os exerccios do Exemplo 1.4 propostos por Miller foram aplicados ao grupo de alunos da disciplina Canto Complementar durante estgio docente no primeiro semestre de 2009 e foi verificado nesta prtica que, alm de possibilitar ao aluno direcionar uma ampla ateno ao processo de inspirao, os exerccios tambm tiveram a funo de trabalhar o ataque equilibrado. Verificou-se ainda que esta prtica de observao sistemtica do processo de fonao melhorou a auto-percepo do aluno e permitiu seu aprimoramento como cantor. comum a praticamente todos os mtodos de tcnica vocal mencionar a necessidade do uso do apoio durante o canto. Ao mesmo tempo, verifica-se a ocorrncia de grandes polmicas, dvidas e discursos contraditrios sobre o que vem a ser o apoio ou appoggio. Como ele deve ser feito ou onde ele deve ser sentido no corpo? Richard Miller adota o conceito de appoggio originado na Escola de Canto Antigo Italiano como modelo para realizar uma emisso vocal livre de tenses desnecessrias e plena de ressonncia:Appoggio no pode nem de longe ser definido como apoio de ar, como pensado algumas vezes, porque appoggio inclui fatores de ressonncia assim como o controle de ar... A histrica Escola Italiana no separou os aspectos motores e ressonantais da fonao como outras pedagogias o fizeram. Appoggio um sistema para combinar e equilibrar os msculos e rgos do tronco e do pescoo, controlando sua relao com os ressonadores supraglticos, para que assim nenhuma funo exagerada de nenhum deles comprometa o todo27 (Miller, 1996, p. 23).

Embora a tcnica do appoggio defendida por Miller seja muitas vezes associada tcnica de apoio chamada belly in (barriga pra dentro), este pedagogo explica, ao ensinar sua tcnica do appoggio, que no se deve orientar o aluno a contrair a rea pubiana e muito27

Appoggio cannot narrowly be defined as breath support, as is sometimes thought, because appoggio includes resonance factors as well as breath management The historic Italian School did not separate the motor and resonance facets of phonation as have some other pedagogies. Appoggio is a system for combining and balancing muscles and organs of the trunk and neck, controlling their relationships to supraglottal resonators, so that no exaggerated function of any one of them upsets the whole.

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menos a distender a barriga durante a inspirao ou fonao. O que se busca uma sensao de equilbrio atravs da tentativa de manter as costelas expandidas durante a expirao. O principal msculo da inspirao o diafragma, responsvel por diminuir ainda mais a presso intrapleural (dentro dos pulmes) viabilizando a entrada do ar. O diafragma, como pode ser observado na Figura 1.1 a seguir, tem formato de cpula quando est em repouso. Durante a inspirao ele sofre uma retificao de sua abbada, as costelas se expandem e a caixa torcica aumenta para que o ar entre em conseqncia da presso intrapleural negativa. Pode-se induzir o abaixamento do diafragma a um extremo atravs da inspirao forada. No entanto, durante a expirao, o diafragma est relaxado e retornando de forma elstica e gradual a sua postura cncava inicial.Em oposio viso de muitos professores de canto profissionais... o diafragma est relaxado durante todo o processo fonatrio associado ao canto... exceto durante cada inspirao entre frases, e assim, em nada contribui para o assim chamado apoio da voz 28 [grifo do autor] (Wyke 1974, apud Miller, 1996 p. 262).

Behlau tambm confirma o relaxamento do diafragma durante a expirao: ...a expirao um processo passivo, resultante do relaxamento do diafragma e da elasticidade das paredes musculares da caixa torcica, o que provoca a expulso do ar armazenado(Behlau, 2008 vol. I, p.32). Esta observao sobre a passividade do diafragma durante a expirao uma questo polmica entre professores de canto. Segundo Miller, a discusso sobre a quantidade de controle que se pode imprimir no msculo do diafragma est ainda sem resposta. Ele descreve que em 1985, pesquisas radiogrficas mostraram que o movimento do diafragma durante o canto tende a variar de uma tcnica de respirao para outra. Ele ainda relata que A subida diafragmtica consideravelmente mais lenta (e, logo, mais desejvel) durante as fases28

Contrary to the views of many professional teachers of singing the diaphragm is relaxed during the whole of the phonatory process associated with singing except during each interphrase inspiration, and therefore makes no contribution to the so-called support of the voice [Emphasis added].

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expiratrias do ciclo respiratrio quando a tcnica do appoggio utilizada 29 (Miller, 1996, p.265).

FIGURA 1.1 - Diafragma (http://singingvoicetraining.com/wp-content/uploads/2008/11/diaphragm.jpg)

Durante o processo fonatrio a tcnica do appoggio orienta o cantor a manter as costelas expandidas como se ainda estivesse inspirando. claro que no possvel impedir completamente o fechamento das costelas, mas atravs desta prtica aponta-se um caminho para atingir um equilbrio sem tenses exageradas.Na tcnica do appoggio, o esterno deve inicialmente encontrar-se numa posio moderadamente alta, ento esta posio sustentada do comeo ao fim do ciclo inspiraoexpirao... Ainda que o abdome inferior (regio hipogstrica ou pubiana) no distenda, h uma sensao de conexo muscular do esterno plvis. Entretanto, mover o abdome para fora tanto durante a inspirao quanto durante a execuo de uma frase, como alguns cantores so ensinados a fazer, algo estranho tcnica do appoggio. Igualmente estranha a prtica de contrair a rea pubiana como um meio de apoiar a voz30 (Miller, 1986, p. 24 e 25).

1.2.2 Polmicas sobre respirao e apoio As maiores polmicas no ensino do controle respiratrio so observadas na fase expiratria da respirao, que o momento em que o cantor deve fazer uso do apoio para sustentar a sada do ar de forma que a emisso seja a mais estvel e contnua possvel.29

Diaphragmatic ascent is considerably slower (and therefore more desirable) during the expiratory phases of the breath cycle when the appoggio technique is used. 30 In appoggio technique, the sternum must initially find a moderately high position; this position is then retained throughout the inspiration-expiration cycle Although the lower abdomen (hypogastric, or pubic, region) does not distend, there is a feeling of muscular connection from sternum to pelvis. However, to move out the lower abdomen either during inspiration or during the execution of a phrase, as some singers are taught to do, is foreign to appoggio technique. Equally alien is the practice of pulling inward on the pubic area as a means of supporting the voice.

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Segundo Behlau (2008), existem duas correntes principais no ensino da tcnica da respirao que so resumidas nas expresses norte-americanas belly in (barriga pra dentro) e belly out (barriga pra fora) que significam respectivamente contrair e expandir a cintura abdominal durante a expirao. Apesar das orientaes especficas de Miller para o estudo do appoggio buscando um equilbrio livre de tenses, a tcnica da escola italiana normalmente associada tcnica da barriga pra dentro enquanto que a tcnica da barriga pra fora comumente associada a escola alem. Mais importante que o posicionamento a favor ou contra uma delas, o relato encontrado em Behlau (2008) sobre um estudo que investigou possveis diferenas entre as duas tcnicas:Sundberg (1987) relata um estudo realizado com cantores treinados que executam tarefas com as duas tcnicas, cujos resultados mostram efeitos similares na produo do som, sugerindo que no a tcnica respiratria utilizada que determina a qualidade do som, mas sim a influencia de outros fatores [...] (Behlau, 2008 vol. II, p.302)

Neste sentido, uma questo sem resposta exata, comumente trazida pelo aluno logo nas primeiras aulas : Qual o jeito certo de respirar para o canto?. Segundo LoVetri, se o aluno j passou por vrios professores de canto essa dvida pode ser ainda maior. LoVetri (2009), professora americana se que dedica principalmente ao ensino de canto para intrpretes de msica comercial contempornea (CCM), como ela mesma denomina seu trabalho, defende quatro tpicos principais e desconstri a importncia dada aos conceitos belly in e belly out para o apoio. Para LoVetri, o fundamental : (1) Manter o alinhamento postural; (2) Expandir a parte inferior das costelas e do abdome na inspirao, ao mesmo tempo que a parte alta do trax no deve apresentar movimentao; (3) Manter as costelas expandidas durante a expirao e o abdome pode mexer para fora, para dentro, pra cima, pra baixo ou ainda qualquer combinao dessas; 4) Adquirir uma boa coordenao para fazer a fase expiratria mais longa e desenvolver controle da presso e volume de ar expirado de acordo com o som desejado (LoVetri, 2009, p. 21).

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Rubim (2009), sugeriu durante estgio docente que o apoio apresenta uma dinmica relacionada ao timbre que se quer obter. Vozes agudas e leves em geral utilizam apoio com tendncia para belly in enquanto vozes graves e pesadas tendem ao belly out. Isso se d por questes acsticas; (a) para que a laringe suba e o trato vocal se encurte para produzir sons agudos e/ou estridentes o apoio deve tender para dentro; (b) nos casos de sons pesados e escuros, o apoio para fora tender a abaixar a laringe aumentando o espao farngeo. Resumidamente, os sons agudos e estridentes se comportam como um flautim, delgado e curto, enquanto sons pesados e escuros se comportam como uma tuba, larga e longa. O apoio serve para estabelecer essa conexo acstica e obter-se o som desejado, preservando-se a natureza vocal de cada cantor. 1.2.3 Estudo sistematizado para respirao e apoio O controle respiratrio eficiente para o canto pode ser treinado a partir de exerccios com e sem fonao. Os exerccios silenciosos tem a funo de preparar o cantor para a posio pr-fonatria mais adequada e podem ser repetidos muitas vezes sem causar fadiga vocal. Na srie de exerccios apresentada por Miller no captulo 2 de seu livro The Structure of Singing, oito dos quinze exerccios propostos no possuem fonao. Os exerccios 2.1 e 2.2 (ver Ex. 1.5, p. 33) evidenciam diferenas do processo respiratrio quando o indivduo est em p ou deitado e a partir desta conscientizao corporal proposto o treinamento da posio alta do esterno, desejvel tcnica do appoggio como ponto de partida no estudo de respirao.

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EXERCCIO 2.1 - Levante os braos acima da cabea. Retorne os braos ao longo do corpo enquanto mantm-se uma postura relativamente alta do esterno e da caixa torcica. Se o peito no puder ser erguido nesse ponto a uma posio mais elevada com um impulso do esterno, ento a posio torcica bsica est muito alta; se o peito afundar durante a inspirao ou expirao, a postura torcica inicial no estava alta o suficiente. - Inspire e expire, facilmente e silenciosamente, garantindo que o esterno no caia e que a caixa torcica no entre em colapso. A regio epigstrica e umbilical, assim como a caixa torcica, movemse para fora durante a inspirao. No incio da expirao, um leve movimento para dentro sentido na regio umbilical, mas nem o esterno e nem as costelas devem mudar de posio. O exerccio deve ser feito com a respirao pelo nariz. Depois de fazer vrios ciclos de inspirao-expirao pelo nariz, o mesmo ciclo deve ento ser praticado com a respirao feita pela boca. essencial que o suporte estrutural (postura) e um trato vocal tranqilo e silencioso permaneam estveis, quer a respirao seja feita pelo nariz quer seja feita pela boca. Deve haver completo silncio durante a inspirao e a expirao. EXERCICIO 2.2 - Deite sobre uma superfcie plana. Certifique-se de que a cabea no est inclinada para trs e o queixo elevado (a cabea e os ombros devem estar alinhados). Normalmente, dependendo de como a cabea se posiciona sobre os ombros, necessrio colocar um livro sob a cabea para evitar que ela incline para trs. Respire silenciosamente com os lbios entreabertos, a palma da mo faz uma ponte entre a regio epigstrica e umbilical (a rea entre o umbigo e o esterno); observe que a rea epigstrico-umbilical se move para fora, mas que a regio do abdmen inferior (rea pbica, hipogstrica) no, a no ser que o movimento para fora seja proposital. (por um momento, mova a parede abdominal inferior para fora; observe o colapso da caixa torcica para dentro quando se tenta empurrar o abdmen inferior para fora. A falsa impresso de que a distenso do abdmen inferior faz parte da inspirao se torna evidente de uma vez.) A regio peitoral no se eleva nem cai durante o ciclo respiratrio (ou apenas sutilmente), por causa do alinhamento postural do corpo nesta posio deitada. A entrada do ar totalmente silenciosa, assim como a sada. Mantendo esta relao cabea, pescoo, e ombros levante-se e assuma uma posio nobre. Embora o diafragma no fique exatamente na mesma posio quando se est em p e deitado, o alinhamento axial do corpo semelhante em ambas as posies.EXEMPLO 1.5: Exerccios 2.1 e 2.2 traduzidos de The Structure of Singing (Miller, 1996, p. 29 e 30)31.

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Exercise 2.1 Raise the arms above the head. Return the arms to the sides while retaining the moderately high posture of the sternum and rib cage. If the chest, at this point, cannot be raised somewhat higher with an upward thrust of the sternum, the basic thoracic posture is too high; if the chest sinks during either inspiration or expiration, the initial thoracic posture was not sufficiently high. Breath in and out, easily, making certain that the sternum does not fall and that the rib cage does not collapse. The epigastrium and the umbilical region, as well as the rib cage move outward with inspiration. At commencement of expiration, a slight inward movement is experienced in the umbilical area, but neither the sternum nor the ribs should change position. The exercise should be accomplished by breathing through the nose. Following several inspiration-expiration cycles of nose breathing, the same cycle should then be practiced by breathing through the mouth. It is essential that the structural support (posture) and the quiescent vocal tract remain unchanged, whether breath is taken through the nose or through the mouth. There should be complete silence during both inhalation and exhalation. Exercise 2.2 Recline on a flat surface. Be certain the head is not tilted backward with elevated chin (head and shoulders should be in line). Usually, depending on how the head sits naturally on the shoulders, it will be necessary to place a book under the head to avoid backward tilting. Breath quietly through parted lips, the flat hand bridging the epigastric and umbilical regions (the area between the navel and the sternum). Observe that the epigastricumbilical area moves outward but that the lower abdomen (hypogastric, or pubic area) does not, unless purposely pushed outward. (For a moment, move out the lower abdominal wall; notice the inward collapse of the rib cage when one thrusts out the lower abdomen. The falseness of low abdominal distention as a part of inhalation will be apparent at once.) The chest neither rises nor falls during the breath cycle (or only slightly), because of the postural alignment of the body in this recumbent position. Bre