dissertação de janaina dias cunha unisinos

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  • 1. UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS CENTRO DE CINCIAS HUMANASPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAOJanana Dias CunhaA REFORMA UNIVERSITRIA DE 1968E O PROCESSO DE REESTRUTURAO DA UFRGS (1964-1972):uma anlise da poltica educacional para o ensino superiordurante a ditadura civil-militar brasileiraSo Leopoldo, RS 2009

2. JANANA DIAS CUNHAA REFORMA UNIVERSITRIA DE 1968E O PROCESSO DE REESTRUTURAO DA UFRGS (1964-1972):uma anlise da poltica educacional para o ensino superiordurante a ditadura civil-militar brasileira Dissertao apresentada como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre, pelo Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.Orientadora: Prof Dr Berenice CorsettiSo Leopoldo, RS 2009 3. Ficha catalogrfica: C972rCunha, Janana DiasA reforma universitria de 1968 e o processo dereestruturao da UFRGS (1964-1972): uma anlise da polticaeducacional para o ensino superior durante a ditadura civil-militarbrasileira / por Janana Dias Cunha. -- 2009.213 f. ; 30 cm.Dissertao (mestrado) -- Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Ps-Graduao em Educao, 2009. Orientao: Prof. Dr. Berenice Corsetti, Cincias Humanas. 1. Reforma universitria - Reestruturao - UFRGS. 2. Poltica educacional. 3. Ditadura civil-militar - Ensino superior Rio Grande do Sul. I. Ttulo.CDU 378.014.3(816.5)Catalogao na Publicao: Bibliotecria Eliete Mari Doncato Brasil - CRB 10/1184 4. JANANA DIAS CUNHA A REFORMA UNIVERSITRIA DE 1968E O PROCESSO DE REESTRUTURAO DA UFRGS (1964-1972):uma anlise da poltica educacional para o ensino superiordurante a ditadura civil-militar brasileira Dissertao apresentada como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre, pelo Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.Aprovada em: _____/_____/_________Banca examinadora:______________________________________________ Prof Dr Berenice Corsetti (orientadora) UNISINOS______________________________________________Prof. Dr. Ricardo Rossato UNIFRA______________________________________________ Prof Dr Beatriz Teresinha Daudt Fischer UNISINOS 5. Aos que sonhampela transformao da nossa sociedade, Aos que lutam pela concretizao desse sonho, Aos que resistem e no desistemdiante dos obstculos encontrados. 6. AGRADECIMENTOSA realizao deste trabalho no teria sido possvel se eu no tivesse contado com o apoio devrias pessoas. A todas elas sou imensamente grata. minha orientadora, professora Berenice Corsetti, por ter aceitado orientar este trabalho, pelacalorosa acolhida no curso, pela confiana depositada em mim, pela pacincia, pelosincentivos, pela valiosa orientao e por todo o aprendizado que me proporcionou.Aos professores da banca, Ricardo Rossato e Beatriz Daudt Fischer, pela avaliao cuidadosadeste trabalho e pelas pertinentes crticas e contribuies.Aos professores do Programa de Ps-Graduao em Educao da UNISINOS, quecontriburam para meu amadurecimento intelectual e profissional.Aos professores do curso de graduao em Histria da UFRGS, que me proporcionaram umarica formao inicial e forneceram as bases para minha atuao profissional.Aos colegas da UNISINOS, Edna Oliveira, Leci Paier, Carla Mantay, Susiane Wink, VeraEscobar, Cristvo Almeida, Mrcia Gerhardt, Cassiane Paixo, Andr Siqueira e AlineCunha, companheiros de jornada e de estudos, que me proporcionaram momentos agradveisdentro e fora dos perodos das aulas, e cujas solidrias trocas de experincias me auxiliaram acontornar os percalos no caminho da pesquisa.Ao pessoal de Novo Hamburgo, Cheron Moretti, Ralfe Cardoso, Daniel Henz e FelipeOliveira, pelas experincias maravilhosas das nossas jornadas na Cmara, pela oportunidadede aprendizado que aquelas atividades me proporcionaram e pelos muitos causos...Aos amigos de longa data e colegas de profisso, Carine Bajerski, Zeli Company, Ricardo deLorenzo, Marcione Nunes, Elvio Rossi e Elias Prado, pelos momentos de descontrao ecompanheirismo, pelas conversas e risadas nos bares da Cidade Baixa e na Zona Norte. AZeli, Carine e Ricardo, em especial, que acompanharam o processo de pesquisa mais de perto,agradeo pelo apoio e pelos incentivos nos momentos de hesitaes e dificuldades. 7. minha famlia, minha irm Inaiara, minha v Luclia, a Sandra, Derek, Ewerton eBruna, por todo o carinho e apoio que me deram, e pela compreenso do tempo s vezeslimitado de convvio que a vida acadmica nos exige.Aos meus pais, Neusa e Jorge, pessoas fundamentais na minha vida, por tudo o que meensinaram, pelos valores que me passaram, por todo o incentivo, carinho, amor e confianaque depositaram em mim, por serem quem so e servirem de exemplo para mim. Amo vocs!Ao meu companheiro, pelo incentivo inicial, pelo apoio constante, por todo o amor,companheirismo e amizade, por estar sempre presente e me dar coragem para enfrentar osdesafios, e por acreditar em mim, mesmo naqueles momentos em que nem eu mesmaacredito. Eu te amo, Jaime!Ao Jaime, ainda, devo meus agradecimentos por ter-me ajudado em aspectos prticos dapesquisa. Agradeo, em especial, pelas dicas sobre bibliografia, acervos e fontes primrias,que trocamos durante estes dois anos e meio de pesquisa, e tambm por ter-me gentilmentecedido parte do material por ele pesquisado no Museu da UFRGS e no Centro deDocumentao da Universidade de Caxias do Sul.Aos meus sogros, Luzia e Jaime, pela calorosa acolhida na sua famlia, pela confiana quetm em mim e por todo o carinho que me deram ao longo desses seis anos de convivncia.s secretrias do Programa de Ps-Graduao em Educao da UNISINOS, Loinir eSaionara, pela presteza, solicitude e gentileza de sempre.Ao CNPq e ao Programa de Ps-Graduao em Educao da UNISINOS, que me concederama bolsa de estudos integral, a qual viabilizou o ingresso e a permanncia no curso e arealizao desta pesquisa. 8. Ou os estudantes se identificam com o destino do seu povo,com ele sofrendo a mesma luta,ou se dissociam dele,e neste caso sero aliados daqueles que exploram o povoFlorestan Fernandes 9. RESUMOA dissertao analisa o processo de reestruturao da Universidade Federal do Rio Grande doSul (UFRGS), entre os anos 1964 e 1972, com o objetivo de observar como a polticaeducacional para a educao superior adotada durante a ditadura civil-militar brasileiraimpactou nesse processo. Percebeu-se que os debates acerca do tema da reestruturao dauniversidade foram iniciados antes de 1964, ainda durante o perodo do governo Joo Goulart,e contaram, inicialmente, com a participao de estudantes e professores da instituio. Aspropostas dos estudantes da UFRGS apresentadas antes de 1964 se assemelhavam sreivindicaes do movimento estudantil nacional. Entre os professores da UFRGS, haviainfluncia dos estudos sobre reforma universitria elaborados por especialistas de outrasuniversidades no mesmo perodo. Apesar de j haverem sido iniciados os debates sobre areforma universitria na UFRGS, no existia, contudo, ainda um plano definido para areestruturao da instituio. A conjuntura autoritria aps o golpe de 1964 modificou esseprocesso. As medidas repressivas e modernizadoras adotadas com a instalao da ditaduraagregaram uma srie de fatores que interferiram diretamente na reformulao da universidadeno perodo subseqente. Os fatores repressivos adotados pelos governos autoritriosconsistiam na restrio participao estudantil aos diretrios acadmicos, na coero aosprotestos e manifestaes do corpo discente e na represso a alguns professores dauniversidade (inclusive o afastamento de vrios deles). Dentro os aspectos modernizadores,estavam a definio, por parte do governo federal, dos principais pontos da reformauniversitria, e o acompanhamento, por parte do Conselho Federal de Educao, da aplicaodessas modificaes nas universidades. Foram essas medidas, repressivas e modernizadoras,adotadas pelo governo autoritrio, que deram a tnica do processo de reestruturao daUFRGS, a partir de 1964, e contriburam para viabilizar um consenso entre aqueles queparticiparam da elaborao da reforma da universidade. A pesquisa adotou como referencialterico os estudos de Alves (1989), Cunha (1989) e Germano (1993), e utilizou como fontesprimrias: a documentao institucional da Universidade (atas do Conselho Universitrio,Estatutos, planos e projetos de reestruturao); as publicaes produzidas pelos estudantes dainstituio; a documentao oficial publicada pelo governo poca (estudos, planos erelatrios); e a documentao oficial do Ministrio da Educao e Cultura no perodo. Ametodologia adotada para o tratamento das fontes foi a metodologia da anlise documental,conforme Bardin (1977).PALAVRAS-CHAVE: ditadura civil-militar brasileira. poltica educacional. reformauniversitria. reestruturao da UFRGS. 10. ABSTRACTThe dissertation analyses the restructure process at Universidade Federal do Rio Grande doSul (UFRGS), from 1964 through 1972, with the purpose of observing how the educationpolicy for higher education adopted during the civil-military dictatorship impacted on thisprocess. It has been found that the debates about the subject of the university reform startedbefore 1964, during the Joo Goulart government, and mobilized members of both studentand professor groups. The proposal presented by the students at UFRGS before 1964 weresimilar to the demands presented by the national student movement. Among the professors atUFRGS, there was an influence of researches on university reforms prepared by experts fromother institutions in the same period. Although the debates about the university reform atUFRGS had already been started, there was not any concluded plan for the restructure of theinstitution yet. The authoritarian context after the coup in 1964 changed this process. Therepressive and modernizing measures adopted after the establishment of the dictatorshipadded a new series of aspects the interfered directly in the reformulation of the university inthe following period. The repressive aspects adopted by the authoritarian government were:restriction against student participation in student associations, coercion to student protestsand repression towards some professors (including retirement for several of them). Amongthe modernizing aspects were the definition, by the government, of the most important pointsof the university reform, and the observation, by the Federal Council of Education, of theapplication of these changes at the universities. Those were the repressive and modernizingmeasures adopted by the authoritarian government, which made the influence on therestructure process at UFRGS, from 1964, and contributed to make possible a consensusamong those people who participated in the planning of the university reform at UFRGS. Theresearch is theoretically based on the studies by Alves (1989), Cunha (1982) and Germano(1990). The primary sources used on the research were: the university institutionaldocuments, the documents written by the students at UFRGS, the government official reports,and the government official documents. The methodology adopted to analyse the data was thedocumental analysis, according to Bardin (1977).KEYWORDS: Brazilian civil-military dictatorship. education policy. university reform.UFRGS restructure. 11. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLASAESI:Assessoria Especial de Segurana e InformaesAHRS:Arquivo Histrico do Rio Grande do SulAI:Ato InstitucionalALCD:Acervo da Luta Contra a DitaduraALPRO: Aliana para o ProgressoAP:Ao PopularAPTD:Acervo Particular Tarso DutraARENA: Aliana Renovadora NacionalASI: Assessoria de Segurana e InformaesASPLAN/SA: Assessoria e Planejamento S/ABC:Biblioteca Central (UFRGS)BID: Banco Interamericano de DesenvolvimentoCAAR:Centro Acadmico Andr da RochaCAFDR: Centro Acadmico Franklin Delano RooseveltCAPES: Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel SuperiorCASL:Centro Acadmico Sarmento LeiteCEDOC: Centro de Documentao (UCS)CEIS:Comisso Especial de Investigao SumriaCER: Comisso de Ensino e RecursosCENIMAR: Centro de Informaes da Marinha 12. CEPAL:Comisso Econmica para a Amrica Latina e CaribeCEUE: Centro de Estudantes Universitrios de EngenhariaCFE:Conselho Federal de EducaoCGT:Comando Geral dos TrabalhadoresCIE:Centro de Informaes do ExrcitoCISA: Centro de Informaes de Segurana da AeronuticaCISMEC: Comisso de Investigao Sumria Ministrio da Educao e CulturaCLR:Comisso de Legislao e RegimentoCNE:Conselho Nacional de EducaoCOCEP:Conselho de Coordenao do Ensino e da PesquisaCODI-DOI: Centro de Operaes de Defesa Interna Destacamento de OperaesInformaesConsun: Conselho UniversitrioCOPLAD: Conselho de Planejamento e DesenvolvimentoCORP: Comisso de Oramento e Regncia PatrimonialCPC:Centro Popular de CulturaCR: Comisso de RedaoCRUB: Conselho de Reitores das Universidades BrasileirasCSN:Conselho de Segurana NacionalDA: Diretrio AcadmicoDCE:Diretrio Central dos EstudantesDEE:Diretrio Estadual dos Estudantes 13. DEOPS: Departamento de Ordem Poltica e SocialDESu:Diretoria do Ensino SuperiorDNE: Diretrio Nacional dos EstudantesDOPS/RS: Departamento de Ordem Poltica e Social (seo Rio Grande do Sul)DSI: Diviso de Segurana e InformaesDSN: Doutrina de Segurana NacionalEAPES: Equipe de Assessoria ao Planejamento do Ensino SuperiorEPES:Equipe de Planejamento do Ensino SuperiorESG: Escola Superior de GuerraFEUB:Federao dos Estudantes Universitrios de BrasliaFEUPA: Federao dos Estudantes da Universidade de Porto AlegreFEURGS:Federao dos Estudantes da Universidade do Rio Grande do SulGTRU:Grupo de Trabalho para a Reforma UniversitriaIBAD:Instituto Brasileiro de Ao DemocrticaIEPE:Instituto de Estudos e Pesquisas EconmicasIFCH:Instituto de Filosofia e Cincias HumanasINDA:Instituto Nacional de Desenvolvimento AgrrioINEP:Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio TeixeiraIPEA:Instituto de Pesquisa Econmica AplicadaIPES:Instituto de Pesquisa e Estudos SociaisIPM: Inqurito Policial-Militar 14. ISEB: Instituto Superior de Estudos BrasileirosITA:Instituto Tecnolgico da AeronuticaLDB:Lei de Diretrizes e Bases da Educao NacionalMCP:Movimento de Cultura PopularMDB:Movimento Democrtico BrasileiroMEB:Movimento de Educao de BaseMEC:Ministrio da Educao e CulturaMUC:Movimento Universidade CrticaNPH:Ncleo de Pesquisa em Histria (IFCH/UFRGS)OEA:Organizao dos Estados AmericanosPAEG: Programa de Ao Econmica do GovernoPCB:Partido Comunista BrasileiroPREMEN: Programa de Expanso e Melhoria do Ensino MdioPRR:Partido Republicano Rio-GrandensePSD:Partido Social DemocrticoPTB:Partido Trabalhista BrasileiroRBEP: Revista Brasileira de Estudos PedaggicosRU: Restaurante UniversitrioSISNI:Sistema Nacional de InformaesSOPS: Superviso de Ordem Poltica e SocialSNI:Servio Nacional de Informaes 15. SUDESUL: Superintendncia do Desenvolvimento do Sul do PasSUSIEM:Subsistema de Informaes Estratgicas MilitaresUCS: Universidade de Caxias do SulUDN: Unio Democrtica NacionalUEE: Unio Estadual dos Estudantes (seo Rio Grande do Sul)UFMG:Universidade Federal de Minas GeraisUFPB:Universidade Federal da ParabaUFPel: Universidade Federal de PelotasUFPI:Universidade Federal do PiauUFRGS: Universidade Federal do Rio Grande do SulUFRJ:Universidade Federal do Rio de JaneiroUFSCar:Universidade Federal de So CarlosUFSM:Universidade Federal de Santa MariaUnB: Universidade de BrasliaUNE: Unio Nacional dos EstudantesUNESCO:Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a CulturaUNIFRA:Centro Universitrio FranciscanoUPA: Universidade de Porto AlegreURGS:Universidade do Rio Grande do SulUSAID: United States Agency for International DevelopmentUSP: Universidade de So Paulo 16. SUMRIOINTRODUO141. DITADURA DE SEGURANA NACIONAL, CAPITALISMO E EDUCAO SUPERIOR271.1. Caractersticas do capitalismo brasileiro281.2. A ditadura de segurana nacional no Brasil 311.3. As funes da educao durante a ditadura no Brasil372. A FORMAO DO ENSINO SUPERIOR NO RIO GRANDE DO SUL 442.1. Da UPA UFRGS 442.2. A educao superior no Brasil durante o governo Joo Goulart 493. AS PRIMEIRAS PROPOSTAS DE REESTRUTURAO DA UFRGS ANTES DE 1964673.1. A expanso da Universidade e o novo Estatuto da UFRGS673.2. A FEURGS e os Seminrios de Reforma na UFRGS 743.2.1. A FEURGS no I Seminrio Nacional de Reforma Universitria783.2.2. O I Seminrio de Reforma da URGS 823.2.3. O I Encontro Universitrio de Reforma do Currculo 923.3. A Greve do 1/3 na UFRGS973.4. A Comisso de Planejamento do Consun e as Diretrizes para a Reforma1024. A POLTICA EDUCACIONAL PARA O ENSINO SUPERIOR NOS ANOS INICIAIS DA DITADURAE A REFORMA UNIVERSITRIA DE 1968 1094.1. As mudanas na estrutura administrativa do Estado a partir de 1964 1104.2. A educao a servio do desenvolvimento ou a que(m) deveria servir a educao1174.2.1. Educao e desenvolvimento econmico 1184.2.2. Educao e segurana nacional1234.3. A dupla face da poltica educacional para o ensino superior: reforma e represso 1284.3.1. A represso na esfera educacional1294.3.2. O planejamento da reforma do ensino superior 1314.3.3. A legislao da reforma universitria146 17. 5. A REESTRUTURAO NA UFRGS150 5.1. O golpe na Universidade 151 5.2. A retomada do Plano de Reestruturao 1575.2.1. A reestruturao debatida no Consun1575.2.2. A aprovao do Plano de Reestruturao e o novo Estatuto 175 5.3. A Reforma Universitria na perspectiva dos estudantes da UFRGS184 5.4. A reestruturao da UFRGS: consideraes a respeito do processo 193CONSIDERAES FINAIS196REFERNCIAS 202 A) Acervos consultados 202 B) Referncias bibliogrficas203 18. 14 INTRODUO objetivo desta dissertao analisar o impacto da poltica educacional, adotada para oensino superior nos anos iniciais da ditadura civil-militar brasileira, entre os anos 1964 e1972, no processo de reestruturao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),considerando o contexto de ruptura poltica e de regime autoritrio caracterstico do perodo. A definio, elaborao e aplicao das polticas governamentais sofrem influnciasde diversos fatores polticos, econmicos e culturais inerentes s sociedades s quais taispolticas so dirigidas e implantadas. Os fatores que influenciam a formulao e aplicao daspolticas pblicas por parte dos governos, sejam eles internos ou externos s sociedades, estorelacionados com a disputa de interesses e a correlao de foras existentes entre as diversasclasses e fraes de classes dessas sociedades.1 Sendo a sociedade capitalista dividida emclasses sociais com interesses antagnicos e sendo o Estado uma das esferas onde as classesdominantes atuam, as polticas pblicas so, na sua maior parte, formuladas e aplicadas paraatenderem aos interesses do bloco no poder, no sentido de garantir a manuteno de suahegemonia. No campo educacional, a formulao e implantao das polticas direcionadas para aeducao adquirem caractersticas semelhantes elaborao das demais polticas pblicas,sofrendo as disputas de grupos sociais que defendem interesses antagnicos. Apesar de seremdebatidas por diversos setores sociais, as polticas pblicas para a educao enquadram-se nasplataformas de aes determinadas pelos governos que as adotam, nem sempre, contudo,condizendo com as aspiraes da maioria da populao. A busca e a defesa de determinadosmodelos educacionais por alguns setores da sociedade e o no atendimento dessasreivindicaes por parte dos governos eventualmente geram manifestaes de contrariedade eprotestos, tornando a educao um campo social de disputas e interesses permanentes.2 Historicamente, no Brasil, a educao tem constitudo um fator de mobilizao dediversos setores sociais. No incio da dcada de 1960, o debate acerca da reformulao dossistemas de ensino nacionais estava bastante ativo conseqncia das transformaes scio-econmicas sofridas no Brasil nas duas dcadas anteriores, como o aumento populacional e aintensificao da urbanizao e da industrializao. A luta pela reforma educacional estava1O conceito de correlao de foras utilizado nesta pesquisa corresponde definio proposta por Gramsci.GRAMSCI, Antonio. Cadernos do crcere v. 3: Maquiavel, notas sobre o Estado e a poltica. 3 ed. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 2007. p. 36-46.2FRIGOTTO, Gaudncio. Educao e crise do capitalismo real. So Paulo: Cortez, 1995. p. 25. 19. 15inserida no contexto das demais reivindicaes sociais, possibilitadas pela democratizao epela radicalizao poltica de determinados grupos sociais, na primeira metade da dcada de1960. Enquanto se ampliavam os projetos de educao popular, reivindicava-se umareformulao do sistema de ensino como um todo, e do ensino superior em particular,incluindo a democratizao e a ampliao do acesso s universidades, atravs de uma reformauniversitria. No existia, no entanto, um projeto nico e uniforme de reforma universitria sendoproposto naquele perodo. Ao contrrio, o debate era enriquecido por inmeras propostas dereformulao do ensino superior e vrios modelos de universidade. Governo, professores eestudantes apresentavam diversas alternativas para a reestruturao da universidade brasileira.Esses projetos que estavam sendo debatidos e defendidos pelos diferentes grupos sociaisestavam relacionados com a concepo de educao e de sociedade que cada um dessesgrupos defendia. O modelo de universidade tornava-se, assim, um reflexo da concepo deeducao e de sociedade defendida por cada grupo social. Na UFRGS, nesse mesmo perodo, acompanhando a conjuntura nacional, professorese estudantes comearam a debater o tema da reestruturao da universidade. Encontros eseminrios, organizados por estudantes, foram promovidos para tratar do tema. Entre osprofessores, criaram-se grupos de trabalho destinados a formular um plano para reestruturaoda instituio. Junto a isso, antes mesmo de 1964, foram adotadas as primeiras medidas emdireo a um processo de reformulao da universidade, atravs da discusso, entre osprofessores, de novos estatutos e da apresentao de planos e metas de ampliao e reformapara a instituio. A ditadura civil-militar brasileira, instaurada a partir do golpe de 1964, veio ainterromper esse processo e os debates sobre a reestruturao da instituio. As polticaseducacionais adotadas pelos governos autoritrios que tomaram o poder aps o golpepassaram a sofrer a influncia da ideologia que orientava o bloco no poder. Os projetos dereformas dos sistemas de ensino nacionais, discutidos pelos diversos setores sociais durante operodo do governo Goulart, passaram a ser adaptados e adequados aos preceitos ideolgicosdefendidos pelos governos autoritrios. Alm disso, a conjuntura autoritria do novo regime aportou ainda mais antagonismospara o debate sobre a questo educacional e a reforma do ensino superior. s polticaseducacionais adotadas a partir de 1964, somaram-se prticas repressivas e de conteno domovimento estudantil secundarista e universitrio, que consistiam no apenas no cerceamento 20. 16das atividades discentes e impedimento de manifestaes e protestos de cunho poltico, comotambm na represso fsica de grupos estudantis mais ativos e politicamente engajados. Tais prticas repressivas, somadas aos novos direcionamentos para as polticaseducacionais adotados pelo governo autoritrio, tiveram influncia direta no modo como aquesto universitria passou a ser tratada aps o golpe de 1964. Adotando uma concepo deeducao e de universidade alinhadas com a ideologia que orientava o novo regime, ogoverno autoritrio interrompeu os processos em andamento no interior das universidades eredirecionou a reestruturao das instituies de ensino superior, conforme os interesses dosgrupos sociais a ele alinhados. Contudo, a maioria das determinaes impostas pelo Ministrio da Educao e Cultura(MEC), durante os governos autoritrios ps-1964, fossem elas medidas repressivas oureformadoras, com exceo dos casos de interveno direta pelo Exrcito, deveria ser aplicadanas universidades pelos professores das prprias instituies. Nesse sentido, grande parte dasaes coercitivas, como o afastamento de professores e estudantes, foi praticada dentro dasuniversidades pelos prprios professores, acatando a ordens dos governos autoritrios. Domesmo modo, coube tambm aos professores das universidades a aplicao das medidasimpostas pelos governos autoritrios para as reformas nas instituies universitrias. Examinado o modo como foram realizadas as reformas nas universidades, no entanto,percebe-se que, embora estabelecidas de forma autoritria, sem o amplo debate reivindicadopelos setores mais interessados da sociedade os estudantes e os professores nem todas asmedidas formuladas pelo MEC foram aplicadas na sua totalidade nas instituies. Coube,portanto, indagar como as medidas impostas de forma autoritria pelo governo federal eramrecebidas e aplicadas nas instituies de ensino superior. Em que medida estariam osprofessores obedecendo s determinaes impostas pelo Ministrio e qual era o grau deinterferncia do governo autoritrio nesse processo? A proposta deste estudo foi justamente investigar os embates travados por estesdiferentes grupos sociais acerca do tema da reforma universitria, verificando o impacto dapoltica educacional para o ensino superior adotada durante a ditadura civil-militar brasileirano processo de reestruturao da UFRGS, entre os anos 1964 e 1972. A questo central queorientou essa pesquisa foi: de que forma a poltica educacional para o ensino superior adotadadurante a ditadura civil-militar brasileira impactou no processo de reestruturao da UFRGS?A essa questo central foram agregadas as seguintes questes auxiliares: em que medida asaes reformadoras impostas pelo governo autoritrio convergiam com os interessesmanifestados pelos professores integrantes do Conselho Universitrio (Consun) da 21. 17instituio? As prticas repressivas aplicadas na universidade tiveram alguma relevncia paraa formulao e implantao da reestruturao da instituio?Escolheu-se o ano de 1964 como marco inicial de investigao por ser o ano em queocorreu o golpe de Estado e a instalao da ditadura. Foi a partir do golpe que a universidadepassou a sofrer as modificaes impostas pelo governo autoritrio e foi quando se iniciou aadoo da poltica educacional da ditadura. Escolheu-se o ano de 1972 como marco final deanlise por ser o ano em que termina a gesto do reitor Eduardo Zcaro Faraco, tendo o planode reestruturao j sido aprovado pelo corpo docente da universidade e pelos rgos federaisde educao e sua aplicao j ter sido iniciada. A pesquisa no se restringiu, porm, a esseintervalo temporal (1964-1972), tendo sido analisado tambm o perodo imediatamenteanterior ao golpe de modo a tornar possvel a comparao com os projetos de reestruturaoda universidade que vinham sendo desenvolvidos ento.Buscou-se, portanto, investigar quais foram as propostas de reforma universitria e osmodelos de universidade que estavam sendo debatidos pelos diferentes segmentosuniversitrios da UFRGS, no perodo pr-golpe de 1964; quais foram as primeiras medidastomadas internamente para encaminhar a ampliao e reestruturao da UFRGS antes de1964; quais foram as modificaes sofridas pela universidade e impostas pelo governoautoritrio a partir de 1964; de que forma a universidade passou a relacionar-se com ogoverno federal aps o golpe; e quais foram as formas de oposio e resistncia buscadaspelos grupos prejudicados pelas prticas repressivas do novo governo a partir do golpe.A escolha da UFRGS como objeto de investigao deu-se por duas razes. A primeirafoi a compreenso de que se trata da universidade mais antiga no estado do Rio Grande doSul, a qual passou de fato por um processo de reestruturao nas dcadas de 1960 e 1970. Osegundo motivo deve-se ao fato que se trata de uma instituio pblica e que, portanto, asfontes para pesquisa a documentao institucional , encontram-se disponveis e acessveis.3Contribuiu ainda para a escolha desse objeto de anlise o fato de no terem sido encontradostrabalhos que versassem sobre a reestruturao da UFRGS, partindo-se da perspectiva dossujeitos do processo e da anlise da poltica educacional do perodo.A bibliografia sobre o tema da reforma universitria de 1968 bastante vasta. Dentreos trabalhos que abordam o assunto a partir da anlise da poltica educacional no mbitonacional, podemos citar: a pesquisa de Otaza Romanelli, sobre a histria da educao no3As fontes sobre a universidade utilizadas nesta pesquisa foram coletadas nos arquivos disponveis paraconsulta externa, sobretudo nos acervos do Conselho Universitrio, da Biblioteca Central e do Museu daUFRGS. 22. 18Brasil;4 os trabalhos de Jos Willington Germano e de Luiz Antnio Cunha, o primeiro sobrea poltica educacional para a educao bsica e superior e o segundo especfico para aeducao superior;5 os estudos de Sofia Lerche Vieira e de Maria de Lourdes Fvero, sobre osrelatrios elaborados pelos grupos de reforma universitria;6 e os trabalhos de Jos CarlosRothen e May Guimares Ferreira, sobre a atuao do Conselho Federal de Educao (CFE)na formulao das reformas educacionais (universitria e da educao bsica).7 Algumas pesquisas encontradas centraram as investigaes em casos especficos daaplicao da reforma universitria em determinadas instituies ou regies. Utilizaram comomaterial de anlise, alm da legislao e dos relatrios oficiais publicados pelo governo noperodo, os documentos institucionais das universidades, como atas do ConselhoUniversitrio, os estatutos e regimentos, bem como entrevistas com testemunhas do processode reestruturao das instituies, como professores, estudantes e funcionrios. Dentre ostrabalhos que adotam como campo de estudo o estado de So Paulo ou as universidadespaulistas, podemos citar as pesquisas de Macioniro Celeste Filho, Jos Roberto Gnecco,Carlos Alberto Giannazzi e Maria Cristina Thom sobre a reforma universitria naUniversidade de So Paulo (USP);8 os trabalhos de Leny Leito e Cristina Carvalho sobre oprocesso de configurao e expanso do ensino superior em So Paulo;9 a pesquisa de Lalo4ROMANELLI, Otaza. Histria da educao no Brasil (1930-1973). 5. ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 1984.5GERMANO, Jos Willington. Estado Militar e Educao no Brasil (1964-1985). So Paulo: Cortez, 1993;CUNHA, Luiz Antnio. A universidade reformanda: o golpe de 1964 e a modernizao do ensino superior.Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.6VIEIRA, Sofia Lerche. O (dis)curso da reforma universitria. Fortaleza: Edies UFC, 1982; FVERO,Maria de Lourdes de Albuquerque. Da universidade modernizada universidade disciplinada: Atcon eMeira Mattos. So Paulo: Cortez/Autores Associados, 1990.7ROTHEN, Jos Carlos. Funcionrio intelectual do Estado: um estudo da epistemologia poltica doConselho Federal de Educao. 2004. Tese (Doutorado em Educao) Faculdade de Educao,Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba/SP, 1994.; FERREIRA, May Guimares. ConselhoFederal de Educao: o corao da reforma. 1990. Tese (Doutorado em Educao) Faculdade deEducao, Universidade Estadual de Campinas, Campinas/SP, 1990.8CELESTE FILHO, Macioniro. A reforma universitria e a Universidade de So Paulo: dcada de 1960.2006. Tese (Doutorado em Educao) Centro de Cincias da Educao, Pontifcia Universidade Catlica deSo Paulo, So Paulo, 2006.; GNECCO, Jos Roberto. A Reforma Universitria na USP: a Integrao daEscola de Educao Fsica do Estado de So Paulo. 2005. Tese (Doutorado em Educao) Faculdade deEducao, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2005.; GIANNAZZI, Carlos Alberto. A Faculdade deFilosofia da Universidade de So Paulo e o Golpe Militar de 1964: as dificuldades para a manuteno daliberdade de ctedra antes e depois do Ato Institucional n 5 (1964-1985). 2 v. 1995. Dissertao (Mestradoem Educao) Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo, 1995.; THOM, MariaCristina. A universidade dos professores e alunos: o projeto de reestruturao da universidade pelascomisses paritrias da USP em 1968. 2004. Dissertao (Mestrado em Histria Social) Faculdade deFilosofia Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2004.9LEITO, Leny. A poltica educacional do ensino superior e o regime autoritrio: a configurao doensino superior em So Paulo. 1994. Dissertao (Mestrado em Educao) Faculdade de Educao,Universidade Estadual de Campinas, Campinas/SP, 1994.; CARVALHO, Cristina. Reforma universitria eos mecanismos de incentivo expanso do ensino superior privado no Brasil (1964-1984). 2002.Dissertao (Mestrado em Economia) Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas,Campinas/SP, 2002. 23. 19Minto sobre a expanso das instituies pblicas e privadas de ensino superior;10 e os estudosde Valdemar Sguissardi e Cleber Vieira, sobre a Universidade Federal de So Carlos(UFScar) e a Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Franca, respectivamente.11Outras pesquisas utilizaram uma perspectiva comparativa para abordar a temtica doensino superior. Dentre elas cabe mencionar o trabalho de Leda Roehe sobre os sistemasuniversitrios brasileiro e argentino, assim como a anlise de Maria de Ftima Costa de Paula,sobre a reforma universitria na USP e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).12Tambm vale lembrar os estudos que privilegiam outros estados, como a anlise de AdairDalarosa sobre a poltica educacional em Santa Catarina;13 a pesquisa de Rosemary Sheensobre as universidades no Paran;14 a anlise de Jorge Oliveira sobre a reforma universitriana Universidade Federal da Paraba (UFPB);15 a pesquisa de Guiomar de Passos sobre acriao da Universidade Federal do Piau (UFPI);16 e o trabalho de Arabela Oliven sobre aexpanso do ensino superior no Rio Grande do Sul.17Especificamente entre as pesquisas que tem a UFRGS como objeto de anlise,podemos citar: os trabalhos de Luiz Alberto Grij, sobre a Faculdade de Direito, de LorenaMadruga Monteiro, sobre o curso de Sociologia, e os de Maria Estela Dal Pai Franco eMarlia Morosini sobre a Universidade de Porto Alegre (UPA) e a Universidade Tcnica;1810MINTO, Lalo Watanabe. O pblico e o privado nas reformas do ensino superior brasileiro: do golpe de 1964 aos anos 90. 2005. Dissertao (Mestrado em Educao) Faculdade de Educao, Universidade Estadual de Campinas, Campinas/SP, 2005.11 SGUISSARDI, Valdemar. Universidade, Fundao e Autoritarismo: o caso da UFSCar. So Carlos: Ed. UFSCar, 1993; VIEIRA, Cleber Santos. Ensino Superior e Regime Militar no Brasil: a Trajetria da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Franca (1963-1976). 2001. Dissertao (Mestrado em Histria) Faculdade de Histria, Direito e Servio Social, Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, Franca/SP, 2001.12 ROEHE, Leda Vaz. Brasil e Argentina: Estado Militar e Ensino Superior (1964-1970). 1999. Dissertao (Mestrado em Histria) Centro de Cincias Humanas, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, So Leopoldo/RS, 1999.; PAULA, Maria de Ftima Costa de. A modernizao da universidade e a transformao da intelligentzia universitria: casos USP e UFRJ. 1998. Tese (Doutorado em Sociologia) Faculdade de Filosofia Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 1998.13 DALAROSA, Adair. Anlise da Poltica Educacional do Estado de Santa Catarina Durante a Ditadura Civil-Militar (1964-1985): um estudo do ciclo bsico. 2005. Tese (Doutorado em Educao) Faculdade de Educao, Universidade Estadual de Campinas, Campinas/SP, 2005.14 SHEEN, Maria Rosemary. Poltica educacional e hegemonia: a criao das primeiras universidades estaduais do Paran na dcada de 1960. 2000. Tese (Doutorado em Educao) Faculdade de Educao, Universidade Estadual de Campinas, Campinas/SP, 2000.15 OLIVEIRA, Jorge Eduardo de. A reforma chega na UFPB: a racionalizao acadmica e a viabilizao do projeto de universidade do Regime Militar entre 1964 e 1971. 1999. Dissertao (Mestrado em Educao) Centro de Educao, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1999.16 PASSOS, Guiomar de Oliveira. A Universidade Federal do Piau e suas marcas de nascena: conformao da Reforma Universitria de 1968 sociedade piauiense. 2003. Tese (Doutorado em Sociologia) Instituto de Cincias Sociais, Universidade de Braslia, Braslia, 2003.17 OLIVEN, Arabela Campos. A paroquializao do Ensino Superior: Classe Mdia e Sistema Educacional no Brasil. Petrpolis, RJ: Vozes, 1990.18 GRIJ, Luiz Alberto. Ensino Jurdico e Poltica Partidria no Brasil: a Faculdade de Direito de Porto Alegre (1900-1937). 2005. Tese (Doutorado em Histria Social) Departamento de Histria, Universidade 24. 20tambm as pesquisas de Marlia Morosini e Maria Estela Dal Pai Franco sobre a estrutura,organizao e funcionamento da universidade;19 e ainda o estudo de Camila Campos Jacobs,sobre a relao entre a United States Agency for International Development (USAID) e oscursos de Economia e Agronomia da UFRGS.20 Cabe destacar tambm trs trabalhos queanalisam a estrutura da universidade a partir das modificaes estruturais implantadas com areforma de 1968: os estudos de Luiz Vianna, sobre a estrutura acadmica da universidade, ede Marlia Morosini e Beatriz Guimares, sobre o impacto da reforma no curso de Economia;e ainda a anlise do processo de expanso da educao superior no estado do Rio Grande doSul e na UFRGS.21 Apesar da bibliografia sobre o tema da reforma universitria de 1968 serbastante extensa, no foram encontrados, no entanto, estudos que abordassem o processo dereestruturao da UFRGS na perspectiva proposta pela presente pesquisa.Embora o objeto de anlise seja a UFRGS, a pesquisa no pretendeu realizar umahistria da instituio em si, mas, sim, um estudo das aes e das prticas de determinadossujeitos, compreendidas dentro de um contexto autoritrio e inseridas em uma instituiopblica de ensino superior. Para tanto, a universidade foi considerada como locus de interaosocial, onde as relaes sociais entre os diversos segmentos que integravam o ambienteuniversitrio eram estabelecidas. Alm disso, a universidade no foi investigada de formaisolada, desprendida da realidade em que estava inserida. Pelo contrrio, buscou-se considerara instituio luz do contexto histrico ao qual ela pertencia. Procurou-se, nesse sentido,realizar uma investigao da aplicao em nvel local, pelos diversos segmentos universitrios(professores, estudantes, funcionrios), do que estava sendo imposto no plano nacional. Federal Fluminense, Niteri/RJ, 2005.; MONTEIRO, Lorena Madruga. A estratgia dos catlicos na conquista da Sociologia na UFRGS (1940-1970). 2006. Dissertao (Mestrado em Cincia Poltica) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.; FRANCO, Maria Estela Dal Pai. A Universidade de Porto Alegre: tenses e culturas no processo de formao. 1995. Relatrio de Pesquisa, Faculdade de Educao, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1995.; FRANCO, Maria Estela Dal Pai; MOROSINI, Marilia. A Universidade Tcnica: cultura antecipativa na Escola de Engenharia de Porto Alegre (1922-1934). 1993. Relatrio de Pesquisa, Faculdade de Educao, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1993.19 FRANCO, Maria Estela Dal Pai. Identidade e Poder: uma anlise dos objetivos e dimenses organizacionais da universidade. Porto Alegre, 1984. Tese (Doutorado em Educao) Faculdade de Educao, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; MOROSINI, Marlia. Seara de desencontros: a produo do ensino na universidade. Porto Alegre, 1990. Tese (Doutorado em Educao) Faculdade de Educao, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.20 JACOBS, Camila Campos. A Participao da United States Agency for International Development (USAID) na Reforma da Universidade Brasileira na Dcada de 1960. Porto Alegre, 2004. Dissertao (Mestrado em Relaes Internacionais) Universidade Federal do Rio Grande do Sul.21 VIANNA, Luiz Duarte. A nova estrutura acadmica da UFRGS: primeiro ensaio de dimensionamento. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1971; GUIMARES, Beatriz; MOROSINI, Marlia. Avaliao da Reforma Universitria: Faculdade de Cincias Econmicas da UFRGS. Porto Alegre: UFRGS/FEPLAM, 1980; UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Pr-Reitoria de Planejamento. Expanso do Ensino Superior: estudo do fenmeno no RGS e na UFRGS. Porto Alegre: Grfica da UFRGS, 1977. 25. 21Pretendeu-se ainda analisar a aceitao ou no, por parte desses segmentos, do que estavasendo estabelecido em nvel federal para o ensino superior no pas. Para atender aos objetivos da pesquisa, optou-se, inicialmente, por analisar, a partir deuma perspectiva crtica, trs tipos de documentos: a documentao institucional da UFRGS,para verificar a receptividade e aplicao da poltica educacional estabelecida no planonacional; a documentao oficial do governo federal, para analisar as formulaes edeliberaes, as prticas e as justificativas apresentadas para a implantao de tais polticas; eos jornais locais do perodo, para tentar identificar a repercusso, na sociedade civil emmbito local, das polticas estabelecidas para o ensino superior no pas. Contudo, devido ao grande volume de documentos coletados relativos aos doisprimeiros tipos (universidade e governo) e, igualmente, devido diversidade encontrada nomaterial coletado relativo aos documentos da UFRGS, em especial, o contraste percebidoentre o material produzido pelo corpo docente e o material produzido pelo estudantado dauniversidade, decidiu-se por no introduzir os peridicos locais e por re-dividir a tipologiainicial na seguinte forma: a documentao da universidade ficaria separada em dois grupos(materiais produzidos pelo corpo discente e materiais produzidos pelo corpo docente dainstituio) e documentao oficial do governo federal. Essa nova distribuio do materialcoletado permitiria a anlise do processo a partir dos trs grandes grupos envolvidos(governo, professores e estudantes). importante observar, porm, para fins metodolgicos,que nenhum desses trs grupos foi considerado como um bloco homogneo. No se descartoua possibilidade de que houvesse divergncias no interior de cada um desses segmentos. E taisdivergncias, quando encontradas manifestadas na documentao analisada, foram apontadasao longo do estudo. A documentao institucional da UFRGS, utilizada nesta pesquisa, foi composta porum conjunto de documentos diversos, tais como as atas das reunies do Consun; os estatutos eregimentos, bem como seus projetos, pr-projetos e anteprojetos; os relatrios elaboradospelas comisses formadas por professores da instituio para elaborar planos dereestruturao da universidade; os boletins e informativos da universidade; os relatrios degesto de reitorado; publicaes discentes; e materiais elaborados por empresas privadas,contratadas pela universidade para planejar e executar a reestruturao. Como a UFRGS nodispe de um acervo histrico geral e centralizado, o conjunto documental descrito acima foicoletado em diferentes setores da universidade, estando concentrados, principalmente, naBiblioteca Central (Coleo U); no acervo do Conselho Universitrio (Consun); no Museu daUFRGS (Acervo CEUE); e no acervo do Ncleo de Pesquisa em Histria do Instituto de 26. 22Filosofia e Cincias Humanas (NPH/IFCH). Toda a documentao descrita acima estdisponvel para consulta, e seu acesso irrestrito.A documentao oficial do governo tambm foi composta por um conjuntodocumental diversificado, coletado em diferentes locais. Nas bibliotecas universitrias, foipossvel recolher as publicaes oficiais elaboradas pelos funcionrios e tcnicos do MEC,tais como os planos decenais e os diversos relatrios e pareceres elaborados pelas equipes egrupos de trabalho, formados pelo governo para planejar a reforma universitria. O corpodocumental oficial tambm foi composto pela legislao educacional referente ao ensinosuperior, disponvel na Internet, no stio do Instituto Nacional de Estudos e PesquisasEducacionais Ansio Teixeira (INEP).22 Um terceiro conjunto de documentos oficiais foiformado pelo Acervo Particular Tarso Dutra (APTD), coletado no Acervo da Luta Contra aDitadura (ALCD), Arquivo Histrico do Rio Grande do Sul (AHRS).23 Se os dois primeirosconjuntos de documentos so, em sua maioria, de natureza tcnica (relatrios) e deliberativa(legislao), a documentao do ex-Ministro Tarso Dutra poderia ser classificada em doistipos: documentos administrativos/deliberativos e documentos poltico-repressivos. Estaclassificao corresponde ao setor onde os documentos foram produzidos.24Pesquisar perodos recentes e/ou autoritrios implica em enfrentar algumasdificuldades prticas na atividade da pesquisa. Uma delas est relacionada acessibilidade sfontes primrias. Vrios dos documentos sigilosos produzidos por agentes ou rgos doEstado, naquele perodo, recebiam classificaes relativas ao seu grau de circulao e seunvel de sigilo. Os documentos poderiam ser classificados como reservado, confidencial,secreto e ultra-secreto. Quanto maior a classificao do documento, mais restrita era suacirculao. A legislao brasileira atual para arquivos e documentos oficiais tambm obedecea essa ordem de classificao para a disponibilizao desses materiais para consulta epesquisa. Dessa forma, os reservados seriam liberados para consulta aps 5 anos; os22 A legislao educacional do perodo est disponvel no endereo eletrnico .23 Este ltimo conjunto de documentos ainda encontrava-se em fase de catalogao, quando coletado para a pesquisa, entre os meses de agosto de 2007 e abril de 2008. Ao contrrio de todos os demais acervos consultados, o acesso ao APTD estava parcialmente restrito, no perodo em que esta pesquisa foi realizada, e foi possibilitado mediante autorizao obtida com a direo do Arquivo Histrico do Rio Grande do Sul.24 Cabe lembrar que, aps o golpe de 1964, a estrutura organizacional do governo federal sofreu algumas alteraes, dentre elas estaria a criao, dentro de cada Ministrio, de setores de espionagem e informao, as Divises de Segurana e Informao (DSI). As DSIs estavam vinculadas ao Servio Nacional de Informaes (SNI) e eram responsveis pela investigao e o fornecimento de informaes. Na documentao produzida pela DSI-MEC possvel verificar a articulao entre o Ministrio e os demais rgos de segurana do governo, como o SNI, o Conselho de Segurana Nacional (CSN), o Centro de Informaes da Marinha (CENIMAR), o Centro de Informaes do Exrcito (CIE), o Centro de Informaes da Aeronutica (CISA) e as setoriais do Departamento de Ordem Poltica e Social (DOPS). 27. 23confidenciais, aps 10 anos; os secretos, aps 20 anos; e os ultra-secretos, aps 30anos; todos podendo ter seus prazos renovados por igual perodo.25Uma segunda dificuldade encontrada por pesquisadores que investigam perodosautoritrios est relacionada conservao dos documentos. Muitos materiais produzidospelos agentes e rgos do Estado, naquele perodo, especialmente os documentos emitidospelos organismos de informao e segurana, foram destrudos ou continuam guardados nasgavetas e depsitos das instituies.26 Alm disso, tambm h o problema da manuteno econservao de documentos oficiais em propriedades privadas ou por particulares.Principalmente, pessoas que ocuparam cargos pblicos naquela poca e que, ao desocupar ocargo, mantiveram a documentao sob seu poder particular. Trabalhamos, portanto, no coma totalidade de materiais produzidos no perodo, mas apenas com aqueles que perduram e queso disponibilizados para pesquisa.Da mesma forma que a coleta de material para a pesquisa, tambm o momento deanlise dos dados exigiu algumas consideraes. No caso desta investigao, os documentosutilizados foram produzidos em uma conjuntura autoritria. As prticas repressivas, osafastamentos e as intervenes do Exrcito nos rgos de representao estudantil, porexemplo, podem ter provocado mudanas nas atitudes e prticas dos sujeitos dentro dauniversidade. Tais prticas repressivas significaram, no meio universitrio, no apenas aconteno progressiva da mobilizao estudantil, atravs da regulamentao da representaodiscente, como tambm intervenes militares em algumas instituies (USP, UFMG, UnB) eo afastamento de alguns estudantes, professores e funcionrios. Essas prticas poderiam gerarmedo, fazendo com que as pessoas se auto-policiassem no falar e no agir, para evitar quefossem punidas.Portanto, considerar o contexto em que o material foi produzido fundamental. Issoporque os documentos no so neutros ou objetivos. So produtos de uma sociedade,25 Em dezembro de 2002, o presidente Fernando Henrique Cardoso, ao final de seu mandato, atravs do Decreto n 4.553, duplicou o prazo para liberao dos documentos sigilosos. Quando assumiu em janeiro de 2003, esperava-se que o presidente Lus Incio Lula da Silva revogasse tal decreto, o que acabou no ocorrendo. Apesar do Decreto n 5.301, de 9 de dezembro de 2004, determinar o retorno aos prazos originais, a Lei n 11.111, de 5 de maio de 2005, manteve a ressalva de permitir a classificao por tempo indeterminado.26 Dois fatos significativos disso so o encontro por jornalistas, em dezembro de 2004, de documentos rasgados e queimados do perodo da ditadura em uma Base Area prxima a Salvador, no Estado da Bahia; e a famosa queima dos documentos do Departamento de Ordem Poltica e Social do Rio Grande do Sul (DOPS/RS) no fim do governo Joo Baptista de Figueiredo, em maio de 1982. Em 1991, descobriu-se que o material produzido pelo DOPS/RS havia sido microfilmado antes de ser incinerado e, atualmente a documentao encontra-se sob custdia do Acervo da Luta Contra a Ditadura. Ver em: BAUER, Caroline Silveira. Arquivo- morto ou arquivos vivos? Os arquivos da represso das ditaduras civil-militares de segurana nacional do Cone Sul. In: PADRS, Enrique Serra (org.) As ditaduras de segurana nacional: Brasil e Cone Sul. Porto Alegre: CORAG / Comisso do Acervo da Luta Contra a Ditadura, 2006. p. 128. 28. 24elaborados em uma determinada conjuntura e imbudos de uma finalidade. Trazem, portanto,informaes no apenas do contedo em si, mas igualmente do contexto em que os mesmosso produzidos. Esto, dessa forma, carregados de uma intencionalidade prpria do momentoem que foram elaborados. Por isso, necessrio ter cuidado ao lidar com a documentao doperodo, a fim de que interpretaes equivocadas sejam evitadas. O silncio de umdeterminado sujeito, que, em uma anlise mais superficial, poderia ser consideradoconivncia, tambm pode ser considerado prudncia, dependendo do contexto. Alm disso, necessrio considerar tambm que os documentos utilizados foram produzidos por diferentessujeitos, que ocuparam funes e cargos diversos, em instituies igualmente diversas(tcnicos e especialistas do MEC, professores e estudantes da universidade). Considerar aconjuntura do perodo em questo e os sujeitos que produziram os documentos foi, portanto,fundamental para compreender o contedo dos documentos.A tcnica para o tratamento dos dados utilizada nessa pesquisa foi a anlise decontedo.27 Seguindo esse conjunto de orientaes metodolgicas, para interpretar oscontedos dos materiais coletados, primeiro parte-se da premissa de que toda a comunicao composta por cinco elementos: uma fonte ou emisso; um processo codificador que resultaem uma mensagem e se utiliza de um canal de transmisso; um receptor, ou detector damensagem, e seu respectivo processo decodificador.28 Em um segundo momento, parte-separa a definio das unidades de anlise. Estas podem variar em unidades de registro(determinadas pela freqncia com que aparecem nos textos) ou unidades de contexto (onde oque importa o contexto em que esto inseridas).No caso desta pesquisa, os documentos coletados foram, primeiramente, classificadosem trs tipos, conforme sua origem: os documentos institucionais da universidade; aspublicaes discentes; e os documentos oficiais elaborados pelo MEC e agncias do governo.A partir desta classificao inicial, os documentos oficiais foram divididos ainda em outrasquatro subcategorias: legislao; estudos e relatrios; os documentos administrativos; e osdocumentos poltico-repressivos.Na segunda fase da anlise dos dados, aps a classificao inicial do material coletado,partiu-se para a segunda classificao, onde foram estabelecidas as unidades de registrossegundo o tema (como, por exemplo, poltica educacional e reforma universitria) e ospersonagens (sujeitos que produzem as mensagens, por exemplo, estudantes, professores,funcionrios do governo, polticos ou jornalistas). Para as unidades de contexto, foram27 BARDIN, Laurence. Anlise de contedo. Lisboa: Edies 70, 1977.28 FRANCO, Maria Laura P. B. Anlise de contedo. 2. ed. Braslia: Lber Livro, 2007. (Pesquisa; 6). p. 24. 29. 25registradas, alm da classificao prvia do documento conforme sua origem, tambm ocontexto de sua produo e circulao. Por exemplo, nos documentos oficiais do governo,foram registrados de forma diferenciada: os discursos pblicos (dos ministros, oficiais egenerais-presidentes), os relatrios e pareceres remetidos e recebidos das universidades edemais rgos do governo, e os documentos de circulao restrita (como os produzidos pelosrgos de segurana e informaes). Da mesma forma, os documentos institucionais dauniversidade puderam ser registrados de forma separada, os debates registrados nas atas dassesses do Conselho Universitrio, os estudos e relatrios elaborados por equipe deprofessores ou especialistas, e o material remetido aos rgos federais de educao e demaisinstituies. E, igualmente, as publicaes produzidas pelos rgos de representao discentepuderam ser registradas conforme sua produo e circulao, se destinadas aos demaisestudantes ou se destinadas aos professores ou universidade.Essa segunda classificao do material permitiu a definio das categorias de anlise,as quais, no caso desta pesquisa, ficaram constitudas centralmente como estudantes,professores, governo, sociedade civil e agentes estrangeiros, e ainda polticaeducacional, reforma/reestruturao e coero/represso. A definio dessas categoriaspermitiu a organizao e o agrupamento dos dados, fornecendo os instrumentos quealiceraram a estrutura da pesquisa.Esta dissertao est dividida em cinco captulos. O primeiro captulo, Ditadura desegurana nacional, capitalismo e educao superior, fundamentalmente terico, no qualso apresentados os pressupostos e o embasamento tericos que orientaram esta pesquisa.Inicialmente, descrito o conceito de poltica educacional utilizado neste trabalho. Emseguida, so analisadas as caractersticas gerais da educao e do capitalismo brasileiros. Naseqncia, so apresentados os principais aspectos da ditadura de segurana nacional noBrasil. E, finalmente, so apresentadas algumas funes atribudas educao durante aditadura civil-militar brasileira.No segundo captulo, A formao do ensino superior no Rio Grande do Sul, apresentada uma contextualizao do objeto de anlise, atravs de uma breve descrio doprocesso de formao da educao superior no estado do Rio Grande do Sul, incluindo osurgimento das primeiras faculdades e escolas de ensino superior que deram origem sprimeiras universidades. Tambm analisada a situao da educao superior no pas noperodo que antecede ao golpe de 1964, durante o governo Goulart, abrangendo inclusive asmobilizaes sociais que reivindicavam a reformulao do sistema de ensino universitrionacional e as primeiras propostas de reforma universitria. 30. 26 No terceiro captulo, As primeiras propostas de reestruturao da UFRGS antes de1964, analisado o mesmo processo na UFRGS, ou seja, a situao da universidade duranteo governo Goulart e as primeiras mobilizaes entre os corpos docente e discente, bem comoas primeiras medidas adotadas pelos professores em direo a uma reforma da instituio. No quarto captulo, A poltica educacional para o ensino superior nos anos iniciais daditadura e a Reforma Universitria de 1968, com o objetivo de oferecer instrumentos para ocaptulo seguinte, so estudados os principais aspectos que caracterizaram a polticaeducacional nos primeiros anos da ditadura, inclusive os pressupostos tericos que serviramde orientao para a formulao de polticas educacionais, as modificaes na estrutura doEstado a partir do golpe e suas implicaes na definio das polticas pblicas para aeducao, e ainda o processo que culminou na elaborao da Reforma Universitria de 1968. No ltimo captulo, A reestruturao na UFRGS, analisado o processo dereestruturao da universidade em si. Parte-se da anlise das medidas repressivas aplicadas nauniversidade em conseqncia do golpe de 1964. Em seguida, analisa-se a retomada dosestudos sobre a reestruturao da UFRGS e as influncias da poltica educacional adotada apartir de 1964 nesse processo, e por fim, estuda-se a aplicao da reforma universitria nainstituio, na perspectiva dos principais sujeitos do processo os professores e o corpoestudantil da universidade. 31. 271. DITADURADESEGURANA NACIONAL, CAPITALISMOEEDUCAOSUPERIORNenhuma sociedade pode perdurar sem o seu sistemaprprio de educao. (...) alm da reproduo, numaescala ampliada, das mltiplas habilidades sem as quaisa atividade produtiva no poderia ser levada a cabo, ocomplexo sistema educacional da sociedade tambmresponsvel pela produo e reproduo da estruturade valores no interior da qual os indivduos definemseus prprios objetivos e fins especficos.Istvn Mszros29 Para estudar o objeto de pesquisa proposto a influncia da poltica educacionaladotada durante a primeira fase da ditadura civil-militar brasileira no processo de reformaestrutural da UFRGS a partir de 1964 devemos considerar as especificidades ecaractersticas do contexto nacional em que foi realizada a reestruturao na universidade.Tratava-se de uma sociedade capitalista, inserida de forma perifrica no mercado mundial, eque, por motivos conjunturais, implantou, atravs de um golpe de Estado, um regimeautoritrio. Pensamos que tanto o modelo econmico como a conjuntura autoritria tiveraminfluncia no direcionamento e na forma como foi imposta a poltica educacional a partir de1964 e, conseqentemente, a reforma universitria na UFRGS. necessrio analisar,portanto, as caractersticas do regime em questo, a ditadura de segurana nacional, a funoque a educao exerce nas sociedades capitalistas, e o papel e a influncia das teorias vigentesna poca, defendidas e adotadas pelos agentes do governo, na formulao e aplicao depolticas pblicas para o ensino superior no pas. A poltica educacional, para fins desta pesquisa, compreendida como o conjunto dediretrizes, decises e aes, sob controle estatal, visando a promover a educao formal, que aquela obtida nas instituies reconhecidas pela sociedade.30 Comporta no apenas asdiretrizes e normas, como tambm a definio e criao de condies de acesso ao ensino,obrigatoriedade em certos nveis, mecanismos de controle, avaliao e certificao. Em umsentido amplo, a poltica educacional deve ser considerada, ao mesmo tempo, uma poltica29 MSZROS, Istvn. A teoria da alienao em Marx. So Paulo: Boitempo, 2006. p. 263.30 PIRES, Valdemir. Economia da educao: para alm do capital humano. So Paulo: Cortez, 2005. p. 45. 32. 28pblica, pois traada e implementada pelo governo, podendo contar tambm com aparticipao controlada de entidades e organizaes da sociedade civil; uma poltica social,uma vez que visa a conceder a uma parcela da sociedade os bens e servios por ela oferecidos;e uma poltica econmica, na medida em que seus resultados podem afetar as condies detrabalho e produo nas sociedades.31Em funo de portar as caractersticas acima descritas, a anlise da polticaeducacional deve compreender as condies concretas da qual emerge e com a qual irinteragir, o contexto em que formulada e aplicada, e as instituies e sujeitos envolvidos noprocesso.32 No caso desta pesquisa, o contexto do objeto de anlise compreende a realidadeuniversitria brasileira e sul-rio-grandense da dcada de 1960. Cabe, portanto, analisar osprincipais aspectos dessa sociedade, dos seus regimes polticos, e das funes centraisatribudas educao no perodo em questo.1.1. Caractersticas do capitalismo brasileiroConforme mencionado na introduo deste trabalho, existiam no incio da dcada de1960, diversas compreenses acerca da reforma universitria e da funo que a universidadedeveria exercer para a sociedade. As crticas e as propostas de reforma, apresentadas pelosdiferentes grupos sociais do perodo analisado correspondiam s concepes e s aspiraesque cada um desses grupos tinha em relao ao sistema de ensino superior brasileiro. Algunsgrupos, mais progressistas, defendiam a necessidade de democratizar o acesso educaosuperior e de colocar as universidades a servio da sociedade. Outros grupos, no entanto, maisconservadores, o principal papel da universidade deveria ser de atuar como instrumento para odesenvolvimento econmico do pas. Os primeiros demandavam uma reforma para ademocratizao da educao (e da sociedade), os segundos defendiam a reforma para amodernizao do ensino (e do pas).As divergncias de concepes e compreenses da questo educacional demonstravamas contradies e as disputas polticas e ideolgicas existentes no perodo. Cabe lembrar que operodo imediatamente anterior ao golpe de 1964 um momento de acirramento das lutaspolticas e sociais e de ampla mobilizao popular. Esses movimentos populares haviam31 Idem, ibidem. p. 46-47.32 Idem, ibidem. p. 51. 33. 29surgido no bojo da contradio que se acentua no pas entre o modelo econmico e aideologia poltica, em fins da dcada de 1950 e incio da dcada de 1960. A industrializao e modelo de desenvolvimento adotado a partir da Revoluo de 30,que se convencionou chamar de substituio de importaes, surgiram como uma bandeiraem torno da qual se uniram as diferentes foras sociais. Industrializao e afirmao nacionalse confundiam, e o industrialismo se tornou, praticamente, sinnimo de nacionalismo. A partir de 1945, os ideais liberais passaram a constituir o pano de fundo donacionalismo. Apesar do aumento dos interesses externos no processo de industrializao dopas, tais interesses no chegaram a se contrapor de modo antagnico aos interesses nacionais.Nessas condies, segundo Saviani, o liberalismo se revela uma ideologia suficientementeelstica para aglutinar as diferentes foras empenhadas na industrializao atravs do modelode substituio de importaes.33 O xito desse modelo de industrializao deveu-se a uma conjugao de fatoresfavorveis. A crise do caf combinada com a crise mundial da economia capitalista (crise de1929) permitiu que as diferentes foras sociais se unissem em torno da bandeira daindustrializao. Os empresrios nacionais (burguesia nacional), com exceo das oligarquiasrurais, estavam interessados na industrializao, uma vez que, como condutores do processo,seriam os seus beneficirios diretos e imediatos. As classes mdias se interessavam pelaindustrializao, pois viam nela a ampliao das possibilidades de concretizao de suasaspiraes de ascenso social. O operariado apoiava a industrializao porque a consideravauma condio necessria libertao nacional. Essas diferentes foras, conforme afirma oautor, lutaram no pr ou contra a industrializao, mas pelo controle do processo deindustrializao.34 Quando, em fins da dcada de 1950, o modelo de substituio de importaes seesgotou e a bandeira da industrializao perdeu sentido, as contradies vieram tona,rompendo as alianas e forando redefinies. O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) logrou relativa calmaria poltica graas ao equilbrio que repousava na seguintecontradio: ao mesmo tempo em que estimulava uma ideologia poltica nacionalistadesenvolvimentista, no plano econmico levava a cabo a industrializao do pas atravs deuma progressiva desnacionalizao da economia. A entrada do capital estrangeiro acarretaria,porm, a predominncia deste no setor econmico, absorvendo ou falindo boa parte das33 SAVIANI, Dermeval. Anlise crtica da organizao escolar brasileira atravs das leis n 5.540/68 e 5.692/71. In: Educao: do senso comum conscincia filosfica. 11. ed. So Paulo: Cortez/Autores Associados, 1993. p. 197.34 Idem, ibidem, p. 200-201. 34. 30empresas nacionais. Tal tendncia, no entanto, era incompatvel com a ideologia poltica donacionalismo desenvolvimentista. O pas se viu, ento, diante da seguinte opo: oucompatibilizar o modelo econmico com a ideologia poltica nacionalizando a economia, ourenunciar ao nacionalismo desenvolvimentista ajustando a ideologia poltica tendncia quese manifestava no plano econmico.35 Alm disso, o Estado, at o final da dcada de 1950, teve ativa participao noprocesso de industrializao, quer diretamente gerindo infra-estrutura e grandes empresasdestinadas produo de bens de capital , quer indiretamente atravs do financiamentopblico s empresas privadas. Contudo, por adotar uma poltica fiscal conservadora, noampliando suas receitas, teve que recorrer com maior freqncia ao capital estrangeiro paramanter seus investimentos nas indstrias. O bloqueio poltico imposto concesso derecursos externos, a partir de 1962, e a conseqente reduo das inverses do Estado naeconomia deflagraram a crise econmica do incio dos anos 1960.36 No plano social, o frgil equilbrio estabelecido entre as foras capital e trabalho, nasdcadas de 1940 e 1950, atravs do populismo (modelo poltico de conciliao das duasclasses), mostrava sinais de esgotamento. O processo de urbanizao, intensificado a partir dadcada de 1950, acelerou a expulso da populao rural. O contingente deslocado para asreas urbanas no foi imediatamente absorvido pelos setores da economia j estabelecidos(indstria e comrcio). Encontrou ocupao nos empregos informais, nas ocupaesdomsticas, nos biscates e subempregos. Essa situao favorecia duplamente a expansocapitalista, na medida em que formava um exrcito industrial de reserva e, ao mesmo tempo,exercia funes de suporte da rede industrial atravs da economia informal, aliviando asgrandes empresas de custos para estabelecimento de pontos de reparo e venda.37 Concomitantemente, com o agravamento da situao da classe operria urbana emrazo da crise econmica, o movimento sindical intensificou-se e passou a reivindicartambm, alm das questes salariais, maior participao nas questes nacionais. No campo, ostrabalhadores rurais que no contavam com a legislao trabalhista, as Ligas Camponesas eoutras organizaes de trabalhadores passaram a ocupar o lugar dos sindicatos rurais,pressionando o governo para atender suas reivindicaes de reforma agrria e melhoriassalariais e infra-estruturais.3835 Idem, ibidem, p. 203-204.36 MENDONA, Snia Regina de; FONTES, Virgnia Maria. Histria do Brasil Recente: 1964-1980. So Paulo: tica, 1988. p. 9-10.37 Idem, ibidem, p. 16.38 Idem, ibidem, p. 17-19. 35. 31Para os setores empresarial e industrial, o governo Goulart, associado ao trabalhismogetulista, desagradava duplamente os interesses do bloco hegemnico. Por um lado, mostrava-se adepto da ideologia nacional desenvolvimentista estabelecendo limites remessa delucros e defendendo uma poltica externa independente , constitua-se, dessa forma, em umobstculo para o livre crescimento das foras produtivas associadas ao capital internacional; e,por outro lado, sinalizava a possibilidade de execuo das reformas sociais reivindicadasapresentando ao Congresso o projeto de Reformas de Base, em maro de 1964.O aumento da mobilizao popular e a sinalizao do governo Goulart em atenderparte das reivindicaes apresentadas provocaram uma crise de hegemonia.39 As classesdominantes no chegaram a perder sua hegemonia. Contudo, a combinao de fatores daconjuntura poltica e econmica do governo Goulart provocou, no bloco hegemnico, o receiode que o governo pudesse atuar no mais em favor destes setores da sociedade, mas em favordos trabalhadores, levando adiante os projetos de reforma social por esses reivindicados.Diante de tal ameaa, o bloco hegemnico aliou-se s Foras Armadas e apoiou a intervenomilitar para interromper o governo constitucional de Joo Goulart. O golpe foi, portanto,preventivo, no reativo, uma vez que operou no sentido de garantir a manuteno do statusquo, os interesses polticos e econmicos e a hegemonia do bloco dominante.1.2. A ditadura de segurana nacional no BrasilA interveno civil-militar de 31 de maro de 1964 implantou uma ditadura desegurana nacional que perdurou no pas durante 21 anos.40 Em aspectos gerais, podemos39 Na anlise gramsciana do Estado capitalista, a hegemonia o processo pelo qual a classe dominante usa sua liderana poltica, intelectual e moral para impor seus valores e sua viso de mundo como inteiramente abrangente e universal, e para moldar os interesses e as necessidades dos grupos subordinados. CARNOY, Martin. Estado e teoria poltica. 2. ed. Campinas: Papirus, 1988, p. 95. Para tanto, emprega no apenas a fora (coero) como tambm o consenso, atravs dos aparelhos repressivos de Estado e dos aparelhos privados de hegemonia, correspondente s duas esferas que formam o Estado (a sociedade poltica e a sociedade civil, respectivamente). Quando, contudo, a classe dominante no consegue mais impor sua hegemonia s classes subordinadas, quer porque elas no mais se vem representadas pelo grupo dominante, ou quer porque j adquiriram autonomia e passam da passividade atividade poltica, tem-se o que Gramsci denomina de crise de autoridade, ou crise de hegemonia. Nesses casos, a classe dominante, por ter maior domnio dos aparelhos repressivos de Estado e aparelhos privados de hegemonia, consegue, atravs da alterao de sua atuao, se rearticular e readquirir a hegemonia sobre os grupos subalternos. Ver em: GRAMSCI, Antonio. Cadernos do crcere v. 3. op. cit. p. 60-61.40 H diferentes classificaes para a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985). Alguns autores a caracterizaram como autoritarismo burocrtico, cf.: ODONNELL, Guillermo. Anlise do autoritarismo burocrtico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990; CARDOSO, Fernando Henrique. Da caracterizao dos 36. 32caracterizar o autoritarismo pela concentrao do poder poltico nas mos de uma s pessoaou de um s rgo, onde a autoridade governamental adquire um papel central e as demaisformas de consenso so reduzidas a um grau menor. Nos regimes autoritrios, as instituiesrepresentativas so colocadas em posio secundria, sendo a oposio e a autonomia dossubsistemas polticos reduzidas expresso mnima e as instituies destinadas a representara autoridade de baixo para cima ou so aniquiladas ou substancialmente esvaziadas.41 Almdisso, os regimes autoritrios tambm se caracterizam pela ausncia do parlamento e deeleies populares, ou, quando as instituies existem, pelo seu carter meramentecerimonial, e ainda pelo indiscutvel predomnio do poder executivo.42 A oposio poltica suprimida ou obstruda; o pluralismo partidrio proibido ou reduzido a um simulacro seminstncia real; e a autonomia dos grupos politicamente relevantes destruda ou toleradaenquanto no perturba a posio do poder do chefe ou da elite governante.43Na Amrica Latina, os regimes autoritrios das dcadas de 1960 e 1970 adquiriram aforma de ditaduras de segurana nacional. A teoria que serviu de amparo ideolgico a essasditaduras foi a Doutrina de Segurana Nacional (DSN), disseminada intencionalmente peloNational War College, dos Estados Unidos, aps a Segunda Guerra Mundial, no contexto daGuerra Fria. Inspirada e influenciada pela cincia militar estadunidense, a DSN estabeleciacomo metas principais a defesa e manuteno da segurana nacional e o combate ameaacomunista, a qual poderia ser tanto externa quanto interna s sociedades.44A doutrina estava amparada por quatro conceitos principais: primeiro, os objetivosnacionais, que podiam ser a preservao da integridade territorial e nacional, a defesa da regimes autoritrios na Amrica Latina. In: COLLIER, David (org.). O novo autoritarismo na Amrica Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. Outros autores classificaram as ditaduras latino-americanas das dcadas de 1960 e 1970 como fascismo latino-americano, cf.: CUEVA, Agustn. Teoria social y procesos polticos em Amrica Latina. Mxico: Edicol, 1979. O conceito Estado militar foi igualmente utilizado para a definio das ditaduras latino-americanas, cf.: ROUQUI, Alain. O Estado militar na Amrica Latina. So Paulo: Alfa-mega, 1984. Pesquisas mais recentes utilizam o conceito terrorismo de Estado para caracterizar as ditaduras latino-americanas de segurana nacional, cf.: DUHALDE, Eduardo Lus. El Estado terrorista argentino: quince aos despus, una mirada crtica. Buenos Aires: EUDEBA, 1999; FRONTALINI, Daniel; CAIATI, Mara Cristina. El mito de la guerra sucia. Buenos Aires: CELS, 1984.; BAUER, Caroline Silveira. Avenida Joo Pessoa, 2050 3 andar: Terrorismo de Estado e ao de polcia poltica do Departamento de Ordem Pblico e Social do Rio Grande do Sul (1964-1982). 2006. Dissertao (Mestrado em Histria) Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.; PADRS, Enrique Serra. Como el Uruguay no hay: Terror de Estado e Segurana Nacional. Uruguai (1968-1985): do Pachecato Ditadura Civil-Militar. 2005. Tese (Doutorado em Histria) Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.41 STOPPINO, Mario. Autoritarismo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (org.). Dicionrio de Poltica. Braslia: Ed. UnB, 1986. p. 94.42 Idem, ibidem, p. 100.43 Idem, ibidem, p. 100.44 COMBLIN, Joseph. A Ideologia da Segurana Nacional: o poder militar na Amrica Latina. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1978. p. 50-64. 37. 33democracia, o incentivo ao progresso, o estabelecimento da paz social e a manuteno dasoberania da nao; segundo, a segurana nacional, conceito central, em torno do qualagrupavam-se os demais princpios, constitua-se na fora do Estado, capaz de derrotar todasas foras adversas e de fazer triunfar os objetivos nacionais;45 terceiro, o poder nacional,compondo o conjunto de meios de ao dos quais o Estado poderia dispor para impor suavontade;46 e, quarto, a estratgia nacional, responsvel pela articulao do poder nacionalcom vistas a atingir os objetivos nacionais e a segurana nacional.47Em aspectos gerais, as ditaduras de segurana nacional latino-americanas, orientadaspela DSN, foram instaladas em nome da defesa da democracia, que sob seu julgamento,encontrava-se ameaada. Tais governos defendiam o carter transitrio da sua interveno,imposta apenas para garantir o retorno da democracia. Contudo, o receio de que o regimedemocrtico vindouro pudesse adquirir, na avaliao dos militares, as caractersticasanteriores ao golpe de Estado (desordem, anarquia e subverso), o transitrio acabava sendoprolongado indefinidamente, transformando-se permanente.48O Estado passava a atuar como agente da estratgia de ao. A oposio era permitidasomente quando organizada e controlada pelo prprio Estado. Qualquer outra forma deoposio adquiriria o carter de subverso, anarquia ou comunismo, e passava a sercombatida pelo governo. A nova democracia, defendida pelo Estado de SeguranaNacional, deveria integrar todos os mecanismos de combate ao comunismo e subverso.Alm disso, as Foras Armadas, por acreditarem no pertencer a nenhuma classe, anenhum partido, e por acreditarem estar a servio da nao, assumiam a liderana do processoe passavam a executar as estratgias para alcanar os objetivos nacionais. A participaopopular no governo passava a ser severamente limitada e o Estado reforava seu carter45 Idem, ibidem, p. 54.46 O poder nacional poderia ser classificado ainda em quatro subcategorias: o poder poltico, constituindo-se no componente do poder nacional que abrangeria os rgos e as funes de direo da sociedade poltica (poder executivo, poder legislativo, poder judicirio e poder dos partidos) e representaria a capacidade do Estado de impor sua vontade a todos os cidados; o poder militar, exercido pelas foras armadas; o poder econmico, compreendendo os recursos humanos, os recursos naturais, e as instituies econmicas, com o objetivo de controlar a economia de maneira suficiente para integr-la; e o poder psicossocial, cujos fundamentos especficos seriam a populao, o meio e as instituies sociais, compostos, principalmente, pelo Poder da Moral Nacional, o Poder da Comunicao Social, o Poder da Opinio Pblica, o Poder Sindical, o Poder Religioso, e manifestando-se nos campos da educao, demografia, sade, trabalho, previdncia social, tica, religio, ideologia, habitao, participao na riqueza nacional, comunicao social, carter nacional, politizao, organizao, e eficincia das estruturas sociais. Todos esses fatores (campos) poderiam influenciar a moral do povo e poderiam ser atingidos pela propaganda comunista, havendo, portanto, a necessidade de serem monitorados. Idem, ibidem, p. 58-62.47 A idia bsica da estratgia nacional, segundo os preceitos da DSN, de que no haveria diferena entre o civil e o militar. A concepo de guerra total, permanente, de combate ao comunismo, fazia com que tudo se tornasse militar, e, portanto, objeto de estratgia do grupo no poder. Idem, ibidem, p. 63-64.48 Idem, ibidem, p. 73-74. 38. 34fortemente elitista.49O novo Estado autoritrio no destrua toda a estrutura institucional anterior, masintroduzia mudanas radicais; criava instituies novas; reduzia, suprimia ou desenvolviainstituies antigas. Por se tratar de uma situao transitria, as instituies criadas pelosistema de segurana nacional, assim como as leis, tambm adquiriam o carter deprovisrias. Os militares passavam a governar atravs de leis de exceo e atosinstitucionais e o governo militar passava a constituir-se como o nico autor da novaconstitucionalidade.50No novo sistema criado, o poder passava a ser concentrado na Presidncia daRepblica. O presidente passava a dispor da totalidade do poder executivo e a exercer seuspoderes atravs de dois sistemas paralelos. Um deles era pblico e constitua-se no governo ena administrao; o outro era secreto, formado pelo conjunto dos Servios de Informao,responsveis no apenas por gerar informao, como tambm pelos servios de ao. Dessaforma, segundo Comblin: graas ao dos servios de Inteligncia, o presidente garantiria afidelidade e a obedincia incondicionais das foras armadas, do governo e da administrao,assim como a de todas as associaes particulares e a dos indivduos.51Esta teoria foi adotada pelas foras armadas de vrios Estados latino-americanos(Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Bolvia, Paraguai, Peru e Equador), amparandoideologicamente as ditaduras instaladas nesses pases no perodo em questo.52 Nesse sentido,a ditadura brasileira implantada pelo golpe civil-militar de 1964 diferia-se dos regimesautoritrios instalados anteriormente no pas, como, por exemplo, a ditadura implantada porVargas (Estado Novo, 1937-1945), e se assemelhava s ditaduras latino-americanas dos anos1960 e 1970, porque compartilhava da mesma ideologia das demais, a DSN.53 Contudo, em49 Idem, ibidem, p. 75-77.50 Idem, ibidem, p. 79.51 Idem, ibidem, p. 82.52 instalao da ditadura de segurana nacional no Brasil, em 1964, seguiram-se as ditaduras de segurana nacional da Bolvia, em 1971, do Chile e do Uruguai, em 1973, da Argentina, do Peru e do Equador, em 1976. cf. COMBLIN, Joseph. op. cit., p. 19-20. Em 1980, dois teros da populao total da Amrica Latina viviam em pases de regimes militares ou sob domnio militar. cf.: ROUQUI, Alain. op. cit., p. 15.53 O conceito de ideologia empregado nesta pesquisa constitui-se na forma de uma conscincia social, materialmente ancorada e sustentada. Como conscincia social, relacionada realidade material que de cada grupo ou parcela da sociedade, a ideologia constitui-se tambm como conscincia prtica inevitvel das sociedades de classe, definindo o conjunto de valores e estratgias rivais que visam ao controle do metabolismo social sob todos os seus principais aspectos. Sendo a sociedade dividida em classes, as ideologias nela existentes devem corresponder s suas respectivas posies sociais, de um lado como totalizadoras em suas explicaes e, de outro, como alternativas estratgicas umas s outras. A existncia de ideologias conflitantes, em qualquer perodo histrico, constitui-se na conscincia prtica atravs da qual as principais classes da sociedade se relacionam e at, de certa forma, se confrontam abertamente, articulando sua viso da ordem social correta e apropriada como um todo abrangente. Dessa forma, o que determina a natureza da ideologia o imperativo de se tornar praticamente consciente do conflito social fundamental a 39. 35razo das particularidades regionais, os regimes adquiriram caractersticas especficas,adaptadas conforme a realidade social, poltica e econmica de cada pas, embora sempreobedecendo aos princpios norteadores da segurana nacional.No Brasil, primeiro pas da Amrica Latina a implantar uma ditadura de segurananacional, a DSN foi adotada e adaptada pela Escola Superior de Guerra (ESG).54 A ditaduracivil-militar brasileira colocava nfase no binmio segurana e desenvolvimento; ressaltava aimportncia da manuteno da segurana interna; e alertava para a constante ameaa dainfiltrao e disseminao do comunismo, atravs da figura do inimigo interno. O conceitode guerra passava a incluir tambm as guerras insurrecional e revolucionria. Estas,diferentemente da guerra clssica, seriam caracterizadas por conflitos internos que, com ousem ajuda externa, buscariam a deposio de um governo, a conquista do poder e o controleprogressivo da nao. A ameaa deixava de ser apenas externa para se tornar tambminterna.55A estratgia de segurana, conforme a ESG, teve que ser orientada, no apenas nadefesa do pas no cenrio internacional, como tambm no mbito nacional. O planejamento dasegurana da nao, atravs de um sistema de coleta de informaes sobre as atividades dosdiversos setores da sociedade civil, tornou-se indispensvel para a defesa do Brasil. O carteroculto da ameaa interna ocasionou o aumento das atividades repressivas do Governo, odesrespeito pelos direitos formais dos cidados e pelo Estado de Direito. Era o prprio Estadoque definia quem era o inimigo interno. As estratgias de segurana adotadas tornaram-setcnicas que visaram a neutralizar ou eliminar toda e qualquer oposio ao Governo.56Ainda de acordo com a teoria da ESG, a segurana nacional deveria estar integrada aocrescimento econmico. O desenvolvimento da indstria, o aperfeioamento da infra-estrutura(redes de comunicaes, rodovias, ferrovias e matriz energtica) e a conquista da integraonacional eram considerados necessrios para compensar a vulnerabilidade de um passubdesenvolvido. A poltica econmica no estava formulada para obter o apoio dapopulao, mas para integrar o territrio nacional. Para aumentar a produo industrial seria partir dos pontos de vista mutuamente excludentes das alternativas hegemnicas que se defrontam em determinada ordem social com o propsito de resolv-lo atravs da luta. Ver em: MSZROS, Istvn. O poder da ideologia. So Paulo: Ensaio, 1996. p. 22-23.54 O principal terico e defensor da Doutrina de Segurana Nacional, no Brasil, foi Golbery do Couto e Silva, membro da ESG, idealizador e chefe do Servio Nacional de Informaes (SNI), entre os anos 1964 e 1967, e autor de livros que buscavam aplicar, para a realidade nacional, os preceitos da teoria norte-americana: COUTO E SILVA, Golbery. Planejamento estratgico. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exrcito, 1955; COUTO E SILVA, Golbery. Geopoltica do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1967.55 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposio no Brasil (1964-1984). 5. ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 1989. p. 33-38.56 Idem, ibidem, p. 40-41. 40. 36necessria a interferncia do Estado no planejamento econmico nacional, na produodireta e no investimento infra-estrutural. O modelo de desenvolvimento econmico adotadoestava baseado numa economia quase toda centralmente planejada. Em resumo, odesenvolvimento com segurana implicava a necessidade de controlar o meio poltico esocial, de modo a garantir um clima atraente para o investimento multinacional.57Na prtica, o regime caracterizou-se pela ausncia de eleies presidenciais, pelacassao dos direitos polticos dos indivduos considerados vinculados ao governo deposto, epela restrio ao funcionamento do Congresso. Este, apesar de ter sido mantido emfuncionamento, na maior parte do perodo, sofreu srias intervenes por parte do Executivo,suspendendo suas atividades vrias vezes por imposio deste. O sistema partidrio reduziu-se a dois partidos polticos, a Aliana Renovadora Nacional (ARENA) e o MovimentoDemocrtico Brasileiro (MDB), este ltimo consistia em uma espcie de oposio consentidapelo governo.No campo da segurana, foram criados diversos rgos de informao, subordinadosao Conselho de Segurana Nacional. Tais rgos como o Servio Nacional de Informaes(SNI), o Departamento de Ordem Poltica e Social (DOPS), as Sees de Ordem Poltica eSocial (SOPS) e os Destacamentos de Operaes de Informaes e Centro de Operaes DeDefesa Interna (DOI-CODI), atuavam em dois sentidos: ficavam responsveis pela obtenode informaes, atravs da investigao e acompanhamento das atividades dos indivduosconsiderados suspeitos pelo governo e, ao mesmo tempo, tambm eram responsveis pelasprticas repressivas a tais grupos.No plano econmico, o governo deu continuidade poltica econmica adotada desde1955, caracterizada pela associao com o capital internacional. O Estado passou a intervirfortemente na economia, atravs do investimento em infra-estrutura e empresas estatais. Ocontrole da inflao, o retorno dos investimentos estrangeiros e a rgida poltica salarial,adotada a partir de 1964, possibilitaram um significativo crescimento da economia, entre osanos 1968 e 1973, fenmeno que ficou conhecido como milagre econmico. No entanto, ocrescimento econmico teve durao limitada e caracterizou-se pelo aumento da concentraode capital, pelo agravamento da distribuio de renda e pela ampliao do endividamentoexterno do pas.Como poltica de governo, seguindo os preceitos da Doutrina de Segurana Nacional,a aplicao dos objetivos do Estado de Segurana Nacional dependeria de quatro estratgias: a57 Idem, ibidem, p. 48-51. 41. 37estratgia poltica, a estratgia econmica, a estratgia militar e a estratgia psicossocial.Todas elas faziam parte da grande estratgia, a estratgia que deveria orientar o Estado eproporcionaria as diretrizes governamentais para a atuao do governo nos respectivoscampos de atuao. Nesse sentido, a estratgia poltica definiria as metas e diretrizes doEstado para a neutralizao de bices, antagonismos e presses na esfera poltica (poderesExecutivo, Legislativo e Judicirio e partidos polticos). A estratgia econmica estariarelacionada com os setores pblico e privado da economia, incluindo os setores primrio,secundrio e tercirio, e deveria extrair as informaes bsicas necessrias a uma polticacoerente de desenvolvimento econmico, integrado poltica de Segurana Nacional. Aestratgia militar atuaria no controle da Marinha, Exrcito e Aeronutica e das demaisestruturas paramilitares que integravam a estrutura militar brasileira. Por fim, a estratgiapsicossocial dizia respeito s instituies da sociedade civil: a famlia, escolas euniversidades, os meios de comunicao de massa, sindicatos, empresas privadas, Igreja.58A educao, o sistema escolar e as universidades faziam, portanto, parte de uma dasestratgias de ao do governo a estratgia psicossocial. Nos meses que se seguiram aogolpe, o governo atuou de forma a eliminar as oposies em todas as instituies queintegravam as reas da grande estratgia. Nas escolas e universidades tal movimento tevecomo conseqncia, por exemplo, a ocupao ou interveno militar direta em algumasinstituies, a criao de Comisses Especiais de Investigao Sumria (CEIS) e oafastamento de professores, estudantes e servidores, identificados como possveis opositoresao regime autoritrio ou simpticos ao governo deposto.591.3. As funes da educao durante a ditadura no BrasilAlm da incluso na estratgia nacional, podemos afirmar que foram atribudas outrasduas funes para a educao durante a ditadura civil-militar brasileira. A primeira funo, decarter pedaggico, era de atuar na disseminao da ideologia que orientava a ditadura,legitimando e justificando as aes do regime.A transmisso de ideologias atravs do ensino no , contudo, uma caractersticaexclusiva de regimes autoritrios. Ela est presente tambm nas sociedades democrticas.58 Idem, ibidem, p. 44-45.59 Idem, ibidem, p. 66-67. 42. 38Sendo a sociedade dividida em classes que apresentam interesses antagnicos, o Estado, porrepresentar os interesses das classes dominantes, atua como mediador do conflito destas comas demais classes da sociedade. As classes dominantes, por sua vez, fazem uso dasinstituies existentes na sociedade para garantir seu domnio sobre as demais classes. Nessesentido, alm das organizaes de carter estatal/governamental, responsveis por deter omonoplio legal da represso e da violncia os aparelhos de coero sob controle do poderExecutivo e das foras policial-militar , que compreendem a sociedade poltica; tambmorganizaes particulares, como o sistema escolar, a Igreja, os partidos polticos, os meios decomunicao de massa, os sindicatos, as organizaes profissionais que compem asociedade civil , operam no sentido de garantir a hegemonia do bloco dominante por meio doconsenso.60 As primeiras representam os aparelhos coercitivos do Estado; as segundas, osaparelhos privados de hegemonia. Apesar de atuarem de forma distinta, as instituies dasduas esferas que compem o Estado (sociedade poltica e sociedade civil) operam no sentidode garantir a manuteno e a reproduo do sistema econmico e a hegemonia do blocodominante. Assim, o consenso construdo pela classe dominante atravs de instituies quecompem a sociedade poltica, reforado pelo domnio legal obtido atravs das forascoercitivas do Estado (leis e foras policial-militar). Nesse sentido, Gramsci afirma:Todo Estado tico na medida em que uma das suas funes mais importantes elevar a grande massa da populao a um determinado nvel cultural e moral, nvel(ou tipo) que corresponde s necessidades de desenvolvimento das foras produtivase, portanto, aos interesses das classes dominantes. Neste sentido, a escola comofuno educativa positiva e os tribunais como funo educativa repressiva e negativaso as atividades estatais mais importantes: mas, na realidade, para este fim tendeuma multiplicidade de outras iniciativas e atividades privadas, que formam oaparelho da hegemonia poltica e cultural das classes dominantes.61 Portanto, uma vez que as polticas pblicas as polticas educacionais, inclusive sodefinidas na esfera do Estado, elas refletem os anseios e interesses das camadas dominantes.A educao, nesse sentido, longe de ser um campo neutro nas sociedades, pode cumprir, naverdade, uma importante funo, um papel pedaggico, qual seja o de transmisso einculcao da ideologia do bloco dominante. Com efeito, um dos objetivos nacionais defendidos na DSN era a preparao para umasociedade democrtica e segura dos perigos da anarquia, da subverso e do comunismo razes que motivaram o golpe e deram origem implantao da ditadura de segurana60 COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsc