dissertação 4-s

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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM HISTÓRIA TRADIÇÃO X MODERNIZAÇÃO NO PROCESSO PRODUTIVO RURAL: OS CLUBES 4-S EM PASSO FUNDO (1950-1980) SIRLEI DE FÁTIMA DE SOUZA Dissertação de Mestrado na área de História Regional, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em História sob a orientação do Prof. Dr. João Carlos Tedesco. Passo Fundo, março 2003

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Page 1: Dissertação 4-S

UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM HISTÓRIA

TRADIÇÃO X MODERNIZAÇÃO NO PROCESSO PRODUTIVO RURAL: OS CLUBES 4-S EM PASSO FUNDO

(1950-1980)

SIRLEI DE FÁTIMA DE SOUZA

Dissertação de Mestrado na área de História Regional, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em História sob a orientação do Prof. Dr. João Carlos

Tedesco.

Passo Fundo, março 2003

Page 2: Dissertação 4-S

__________________________________________________________________ S729t Souza, Sirlei de Fátima Tradição x modernização no processo produtivo rural : os Clubes 4-S em Passo Fundo (1950-1980) / Sirlei de Fátima Souza. - 2003. 236 p. Dissertação (mestrado) – Universidade de Passo Fundo, 2003. 1. História do Rio Grande do Sul 2. Modernização agrícola 3. Pequena propriedade 4. Clubes 4-S I. Título CDU: 981.65 ___________________________________________________________________ Catalogação na fonte: bibliotecária Sandra M. Milbrath Vieira CRB 10/1278

Page 3: Dissertação 4-S

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que contribuíram para a realização deste trabalho, em especial, a

atenção e carinho recebidos das pessoas entrevistadas, pela disposição de fornecerem

informações e pela confiança depositada quando do empréstimo de documentos pessoais.

À Universidade de Passo Fundo, aos professores do curso de Pós-Graduação em

História, meu agradecimento pelo zelo profissional, sabedoria e apoio, que me desafiaram a

realizar esta pesquisa. Especialmente ao professor dr. João Carlos Tedesco, orientador, por

sua dedicação e segurança demonstrada nas apreciações, pelas palavras de incentivo e a

amizade compartilhada.

Aos colegas do mestrado, que compartilharam alegrias e angústias.

À professora Maria Emilse Lucatelli, pela revisão do texto.

À Capes, pelo auxílio financeiro que tornou possível a conclusão do trabalho.

Sou grata, também aos familiares e amigos, pela compreensão e estímulo para a

realização de meus objetivos.

Ao companheiro Souza, pelo incentivo e auxílio, diversas vezes solicitado diante das

dificuldades com o computador e pela elaboração das tabelas e composição das fotos.

Finalmente, ao filho Renan, pelas palavras doces nas horas difíceis e que ficarão na

minha memória: “Mãe! Vai bem no trabalho amanhã, tá”. E com um sorriso e abraço me

encorajava a continuar.

Page 4: Dissertação 4-S

RESUMO

Esta dissertação mostra que, no meio rural de Passo Fundo, nas áreas de mata, especialmente

no distrito de São Roque, os pequenos agricultores seguiam os métodos agrícolas tradicionais

em meio ao processo de modernização que estava revolucionando a produção agrícola nas

áreas de campo com o cultivo do trigo e, posteriormente, da soja. Os pequenos agricultores

foram introduzidos nesse processo somente no final de 1960, orientados pelo serviço de

extensão rural através dos Clubes 4-S. Esses clubes eram grupos de jovens com idade em

torno de 10 a 21 anos, organizados no meio rural com uma ação educativa que objetivava a

difusão e adoção das novas técnicas agrícolas e com incentivos ao associativismo. A

pesquisa mostra como ocorreu a introdução dos pequenos agricultores do distrito de São

Roque no processo de modernização agrícola e as influências que os clubes tiveram nesse

processo. Para a realização dessa pesquisa foram utilizadas várias fontes, como artigos dos

periódicos regionais e locais, a Revista dos Clubes 4/S, a Revista Extensão Rural,

documentos da Emater-RS, documentos pessoais, fotos e entrevistas com moradores e ex-

moradores do distrito de São Roque, ou que de alguma forma estiveram relacionados aos

Clubes 4-S, bem como bibliografia sobre ao assuntos abordados. O estudo conclui que a

juventude rural tornou-se o elo de ligação para levar os novos conhecimentos aos agricultores

e que esse trabalho foi indutor de mudanças no modo de viver e trabalhar no meio rural.

Dessa forma, o trabalho desenvolvido nos Clubes 4-S foi essencial para a introdução dos

pequenos agricultores no processo de modernização agrícola, pois, a partir dele, eles passaram

a adotar novas técnicas agrícolas, fertilizantes, calcário, adubos, sementes híbridas;

compraram máquinas agrícolas, fizeram financiamentos, associaram-se a sindicatos e

cooperativas, entre outras mudanças que ocorreram na área econômica e social.

Palavras-chaves: Modernização agrícola – pequena propriedade – Clubes 4-S – juventude

rural

Page 5: Dissertação 4-S

ABSTRACT

This dissertation shows that small land farmers who live in wood places of the country area of

Passo Fundo, specially in the São Roque district, followed the traditional agricultural methods

in the middle of a modernization process that was revolutionizing the agricultural production

in farms with the growing of wheat and, posteriorly, soy-bean. Small land farmers entered

such process only at the end of 1960, oriented by the rural extension service in the 4-S Clubs.

Those clubs were groups of youth aged from 10 to 21, organized in country as an educative

action that aimed at the adoption and diffusion of new agricultural technics, with incentives to

the associativism. The research shows how the introduction of the small land farmers of São

Roque district in the process of agricultural modernization took place and the influences of

the clubs in such process. In the accomplishment of the research many sources were utilized,

such as articles from local and regional periodicals, the Revista dos Clubes 4-S (4-S Clubs'

Magazine), the Revista Extensão Rural (Rural Extension Magazine), documents of Emater-

RS, personal documents, photos, interviews with inhabitants and ex- inhabitants of the district

and with people who in some way were related to the 4-S Clubs, as well as bibliography about

the themes involved. The study shows that the rural youth became the link for taking the new

knowledge to the farmers, inducing changes in the way of living and working in country. In

this way, the work developed in 4-S Clubs was essential to the introduction of the small land

farmers in the agricultural modernization process because, since then, new agricultural

technics, fertilizers, lime, manure, and hybrid seeds were adopted, agricultural machines were

bought, financial borrowings were taken, association to syndicates and mutual companies

were performed, among other changes happened in the economic and social areas.

Key words: Agricultural modernization, small farm, 4-S Clubs, rural youth.

Page 6: Dissertação 4-S

LISTA DE ABREVIAÇÕES

Abcar – Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural

Acar – Associação de Crédito e Assistência Rural de Minas Gerais

Acaresc – Associação de Crédito e Assistência Rural do Paraná

AIA – American Internacional Association for Economic and Social Development

Ancar – Associação Nordestina de Crédito e Assistência Rural

Ascar – Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural

Aster – Associação Territorial de Assistência Técnica e Extensão Rural

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

Emater – Empresa Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural

Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa agropecuária

Embrater – Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural

ETA – Escritório Técnico de Agricultura

FAG – Frente Agrária Gaúcha

Fetag – Federação dos Trabalhadores na Agricultura

Inda - Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário

Master – Movimento dos Trabalhadores sem Terra

Page 7: Dissertação 4-S

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Relação de comerciantes em algumas colônias no Rio Grande do Sul,

1899-1950........................................................................................................... 32

Tabela 2: Participação no valor bruto da produção primária - % 1948-1975..................... 35

Tabela 3: Produção da lavoura de trigo no Rio Grande do Sul – 1940-1958..................... 36

Tabela 4: Municípios de maior produção de trigo do Rio Grande do Sul, safra 1927-

1928...................................................................................................................... 47

Tabela 5: Produção total, tonelagem e área cultivada na região de Passo Fundo em

1950 e 1960.......................................................................................................... 53

Tabela 6 – Crescimento da população total, urbana e rural da região de Passo Fundo,

1950-1991......................................................................................................... 67

Tabela 7 – População do distrito de São Roque 1960-2000............................................... 72

Tabela 8 – Evolução do trabalho com Clubes 4-S no Rio Grande do Sul, 1956-1977......129

Tabela 9 – Evolução estadual do Projeto de Melhoramento da Fertilidade dos Solos.......154

Page 8: Dissertação 4-S

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mapa do município de Passo Fundo – 1990........................................................71

Figura 2: Primeiros moradores do distrito de São Roque. Família Strello e Escobar ........73

Figura 3: Colheita manual do trigo no distrito de São Roque.............................................78

Figura 4: Mutirão para a colheita manual do trigo..............................................................79

Figura 5: Trilhadeira utilizada na colheita do trigo.............................................................79

Figura 6: Carta de Condutor de tração animal.....................................................................81

Figura 7: Certificato di matrimônio.....................................................................................91

Figura 8: Certidão de registro de estrangeiro...................................................................... 92

Figura 9: Moinho colonial de São Valentim, construído em 1939......................................95

Figura 10: Moinho colonial de Ernesto Ferron....................................................................95

Figura 11: Moinho a cilindro – Pierdoná & Cia..................................................................95

Figura 12: Emblema Clube 4’Hs dos EUA..........................................................................119

Figura 13: Emblemas de clubes agrícolas de alguns países da América Latina.................120

Figura 14: Emblema dos Clubes 4-S do Brasil....................................................................127

Figura 15: Reunião dos Clubes 4-S em Santa Gema...........................................................138

Figura 16: Colheita referente ao Projeto Trigo ( 1970)....................................................... 143

Figura 17: Visita às lavouras demonstrativas de Ibirubá.....................................................156

Figura 18: Jovens do Clube 4-S de São Roque espalhando calcário...................................159

Figura 19: Máquina de espalhar calcário construída por Oscar Penz..................................160

Figura 20: Excursão do Clube 4-S de São José a Caxias do Sul......................................... 164

Figura 21: Carlos Maffi, sócio do Clube 4-S de São José, sendo cumprimentado pelo

Presidente Médici em Brasília (1970)................................................................165

Figura 22: Carlos Maffi recebendo Norman Borlaug no aeroporto de Passo Fundo...........166

Figura 23: Encontro de Clube 4-S em Marau......................................................................168

Figura 24: Encontro de Clube 4-S em Serafina Correa (1973)............................................168

Page 9: Dissertação 4-S

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS..................................................................................................5 RESUMO..........................................................................................................................6 ABSTRACT.....................................................................................................................7 LISTA DE FIGURAS................................................................................................... 8 LISTA DE TABELAS.................................................................................................. 9 LISTA DE ABREVIAÇÕES ..................................................................................... 10 INTRODUÇÃO.............................................................................................................14

I PARTE

O CONTEXTO SOCIOECONÔMICO DE PASSO FUNDO NO

PERÍODO DE 1950 A 1980

CAPÍTULO 1

PROCESSO DE OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO DO RIO GRANDE DO SUL (1900-1940): ANTECEDENTES HISTÓRICOS E ECONÔMICOS

1.1 A estância, a pecuária e a indústria da carne................................................................ 26 1.1.1 A terra, a produção de alimentos e o colono....................................................... 29 1.1.2 Da agricultura tradicional à moderna.................................................................. 33 1.1.3 O avanço do setor industrial no Rio Grande do Sul e sua ligação com a agricultura............................................................................................................38

CAPÍTULO 2

O MUNICÍPIO DE PASSO FUNDO E SEU DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (1950-1980)

2.1 Breve histórico da ocupação do município................................................................. 44

Page 10: Dissertação 4-S

2.1.2 A agricultura....................................................................................................... 46 2.1.3 A inserção do município de Passo Fundo no processo de modernização

agrícola: 1950-1980............................................................................................ 51 2.1.4 Os granjeiros e a concentração fundiária.............................................................54 2.1.5 Crise na produção tritícola e as novas medidas de comercialização................... 56 2.2 A consolidação da modernização agrícola em Passo Fundo........................................ 62 2.3 O crescimento urbano de Passo Fundo........................................................................ 65 2.4 Aspectos socioeconômicos do distrito de São Roque.................................................. 70 2.4.1 Aspectos do cotidiano econômico e social no meio rural................................... 72 2.4.2 Os estabelecimentos comerciais e industriais do distrito de São Roque............. 85

II PARTE

JUVENTUDE RURAL X MODERNIZAÇÃO: O DIFUSIONISMO E O EXTENSIONISMO TÉCNICO E

CULTURA TRANSNACIONAL (1950-1980)

CAPÍTULO 3

NOÇÕES, CONCEITUAÇÕES, OBJETIVOS E OS FOCOS DO TRABALHO DE EXTENSÃO RURAL

3.1 A juventude como foco central.....................................................................................109 3.2 Extensão rural no Brasil – modelo norte-americano.................................................... 115 3.2.1 A implantação da Extensão rural no Brasil......................................................... 121 3.2.2 O início dos Clubes 4-S no Brasil e a expansão para outros Estados..................126

CAPÍTULO 4

OS CLUBES 4-S NO MEIO RURAL DE PASSO FUNDO 4.1 A introdução e metodologia de trabalho dos Clubes 4-S em Passo Fundo................. 132 4.2 As primeiras experiências: projetos individuais e comunitários................................. 142

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4.3 A adoção das inovações tecnológicas pelos agricultores............................................ 148 4.4 Os Clubes 4-S e a Operação Tatu................................................................................152 4.5 A introdução do plantio da soja na pequena propriedade............................................160 4.6 As realizações dos Clubes 4-S.....................................................................................162 4.7 Alterações socioeconômicas no meio rural a partir dos Clubes 4-S .......................... 172 4.8 Incentivos ao associativismo e sua institucionalização.............................................. 176 4.9 As redefinições do trabalho de extensão em Passo Fundo.......................................... 194

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Análise crítica do processo em questão a) A correspondência com a lógica do capital voltado para a agricultura........................... 204 b) O papel dos extensionistas: a lógica do saber técnico.....................................................210 c) Um novo perfil de agricultor e a seletivização no meio rural ........................................ 214 d) Educação ou invasão cultural?........................................................................................ 217 e) O rural como espaço de demandas técnico-químicas......................................................221 f) O que significou o trabalho dos Clubes 4-S para os agricultores do distrito de São Roque?............................................................................................................................. 223 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 227

Page 12: Dissertação 4-S

INTRODUÇÃO

Uma cidade, um campo, de longe são uma cidade e um

campo, mas à medida que nos aproximamos, são casas, árvores,

telhas, folhas, capins, formigas, pernas de formigas, até o infinito.

Tudo isso está envolto no nome campo.1

A partir do movimento dos Annales,2 as fronteiras interdisciplinares passaram a ser

inexistentes e ocorre uma forte tendência à observação do particular, do específico e do

regional. Abre-se, então, espaço para a geografia, a demografia, a antropologia. A partir de

1960, a antropologia foi tomando espaços importantes dentro dos Annales. Novas áreas

temáticas surgiram, como a família, mulheres, história do cotidiano e novas abordagens, entre

elas a micro-história, bem como a renovação das fontes, com o reconhecimento da tradição

oral, da arqueologia e da iconografia. Segundo Diehl:

O olhar historiográfico move-se não mais focalizando os sistemas econômicos, a sociedade e a política. É movido, agora para as pessoas concretas e por suas relações de vida em um subjetivo horizonte de experiências. Encaminha-se, dessa forma, uma “nova” historiografia brasileira no cenário do debate, onde são discutidas a (des)substancialização do sujeito, a elisão e a intertextualidade do próprio sujeito como ponto de referência do conhecimento, rumando muitas vezes para a simulação do discurso da realidade objetiva.3

No presente trabalho, o olhar volta-se para o local, para o micro, abrindo-se espaço

para a história dos homens comuns e para o estudo das racionalidades e estratégias que fazem

parte da historicidade de um lugar. Para Viscardi, a história regional não se constitui em um

método nem possui um corpo teórico próprio; é, sim, uma opção de recorte espacial do objeto

1 LEPETIT, Bernard. Sobre a escala na história. In: REVEL, Jacques (Org.). Jogos de escala: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1988, p.102. 2 Ver LE GOFF. A história nova . São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.29. 3 DIEHL, Astor. A cultura historiográfica nos anos 80 . Porto Alegre: Evangraf, 1993, p.8.

Page 13: Dissertação 4-S

estudado,4 e o que definirá este objeto serão as especificidades que o diferenciam do seu

entorno. No entender de Westphalen, cada região possui a sua própria história:

O instrumento de estudo para o conhecimento da História Regional é aquele das comunidades, haja vista que a formação da sociedade brasileira não foi a formação de uma sociedade unitária, indiferenciada, monolítica, monogenética, mas foi um conjunto de conformações regionais que nasceram e se desenvolveram quase auto-suficientemente, isoladas, com motivações diversas, e criaram estilos de vida diversos em regiões geográficas diversas. Cada uma dessas formações regionais que se constituíram pelo seu modo de povoamento tem a sua própria história. 5

Assim, o estudo regional permite seguir a evolução de um grupo social em diferentes

níveis estruturais geográficos, demográficos, econômicos, sociais, ideológicos e mentais,

percebendo as continuidades e descontinuidades nos processos de mudança econômica e

social. Para Levi, a continuidade dos processos históricos atua no presente de cada contexto.

Cada forma é, por definição, diferente em cada lugar e em cada instante.6 Para perceber essas

diferenças e entender como ocorreu a continuidade dos processos históricos no período

delimitado, optou-se pela micro-história.

A micro-história surgiu como uma nova abordagem, ressaltando o individual, o

excepcional, aquilo que ainda não foi observado, o imprevisível, em contraposição à macro-

história, que é determinada, antes de tudo, por mudanças estruturais globais. Os níveis de

prova sempre remetem, em última análise, ao modelo geral e os dados empíricos tornam-se

ilustrativos; dificilmente a macro-história mostra o excepcional, impossibilitada pela

incapacidade da exaustão das fontes.

Para a micro-história, a redução de escala é um procedimento analítico, que pode ser

aplicado em qualquer lugar, independentemente das dimensões do objeto analisado.7 Não é o

objeto que é micro, mas a análise que exige um estudo intensivo dos documentos. Segundo

Geertz, “os historiadores não estudam as aldeias, eles estudam em aldeias”. 8 Na micro-

história, ocorre um envolvimento maior do historiador com o objeto de estudo, todavia, por

ser um estudo local, não significa que esteja desvinculado do global, pois a história

4 VISCARDI, Claudia Maria Ribeiro. História, região e poder: a busca de interfaces metodológicas. Locus-Revista de História. Juiz de Fora, 3v , n.1., p. 84. 5 WESTPHALEN, C. M. História Nacional, História Regional. Estudos Brasileiros, Curitiba, jun. 1977, p. 30. 6GRIBAUDI, Maurizio. Escala, pertinência, configuração. In: REVEL, Jacques (Org.) Jogos de escala : a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 131. 7 LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história : novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992, p. 137. 8 LEVI, Giovanni. op. cit., p. 135.

Page 14: Dissertação 4-S

desencadeada em um distrito tem vinculação com o que acontece no restante do país, estado

ou município.

O interesse e a preocupação com o distrito de São Roque, foco deste estudo, surgiram

a partir dos relatos sobre como era a localidade antigamente, o número significativo de

estabelecimentos comerciais que nela havia, a organização produtiva que a caracterizava, a

população numerosa, a existência dos Clubes 4-S; das observações feitas no próprio local

onde se encontram vestígios materiais, fotos, que mostram as mudanças ocorridas e, também,

da grande participação das pessoas do bairro São Cristóvão e da vila Planaltina nas festas

realizadas no distrito, o que chamou nossa atenção sobre o êxodo rural e a formação do

espaço urbano do município de Passo Fundo. Tudo isso despertou a curiosidade de

compreendermos o que teria provocado essas alterações no meio rural e como essas teriam

ocorrido.

Foi longo, angustiante e desafiador, mas, ao mesmo tempo, gratificante o período em

que procurávamos encontrar o fio condutor que levasse à compreensão das transformações

ocorridas no meio rural. A construção foi acontecendo aos poucos, a cada dia, conforme

surgia uma nova peça, como se fosse um quebra-cabeça, até termos a certeza de que

estávamos no caminho certo. A reflexão sobre o modo de desenvolver a pesquisa, o trabalho

com as fontes, a busca de bibliografia em outras bibliotecas (UFGRS, UFSM, UCS, Emater-

RS, Embrapa), as dificuldades para vencer tantas leituras e, ainda, a batalha da escrita

constituíram-se num desafio e numa conquista.

O objeto de investigação deste estudo são os Clubes 4-S, trabalho que envolveu a

juventude rural sob a orientação dos extensionistas da Associação Sulina de Assistência e

Crédito Rural (Ascar), com o objetivo de introduzir os agr icultores no processo de

modernização agrícola. A delimitação temporal deste estudo compreende os anos de 1950-

1980, pois este período permite compreender como ocorreu a introdução da modernização

agrícola na pequena propriedade e a influência dos Clubes 4-S nesse processo, focalizando

especialmente os clubes que se concentraram no meio rural de Passo Fundo, sobretudo no

distrito de São Roque.

Os objetivos que embasaram o trabalho dos Clubes 4-S estavam inseridos num

contexto global e seguiam o modelo e orientações dos Estados Unidos, que visava à

introdução de pacotes tecnológicos no Brasil e à difusão das novas técnicas agrícolas e

Page 15: Dissertação 4-S

produtos que estavam sendo desenvolvidos nos seus centros de pesquisa e nas indústrias, em

grande parte multinaciona is.

Foi na década de 1950 que os Clubes 4-S foram organizados no Brasil, os quais

tiveram grande expansão a partir desse período. Seu objetivo era mudar a mentalidade dos

agricultores para que abandonassem as práticas tradicionais e adotassem as modernas, sob o

argumento de que o aumento da produção e da produtividade seria alcançado através da

mecanização e da tecnificação agrícola. Na fase inicial do serviço de extensão rural,

priorizava-se o desenvolvimento tanto econômico como social das comunidades rurais.

Porém, à medida que o trabalho se consolidava, a prioridade passou a ser o econômico. A

partir de então, foi percebida uma mudança na filosofia, bem como no público que passou a

ser atingido pelos programas da extensão.

Barros define bem o contexto em que se enquadraram os investimentos agrícolas no

período de 1960:

Com o estancamento do processo de substituições das importações, que foi levado a efeito com baixos recursos de capital, foi necessário depois ingressar num processo mais amplo de industrialização e, para isso, lhes faltavam os meios necessários. O único caminho seria transferir recursos da agricultura para a indústria, mas a agricultura achava-se ainda presa a um regime de baixa evasão de divisas e de baixa produtividade.9

Assim, para reverter essa situação, era preciso mudar a mentalidade dos agricultores,

os quais deveriam abandonar os métodos tradicionais de lidar com a agricultura e adotar os

métodos modernos que estavam sendo difundidos no período.

A partir da década de 1970, o interesse do governo voltou-se para o aumento da

produção e da produtividade dos produtos de exportação, principalmente trigo e soja na região

do Planalto, incentivando a pesquisa, o associativismo, a assistência técnica e creditícia, ou

seja, adotou medidas que lhe permitiam um controle maior sobre os produtores e a produção.

Assim, os extensionistas passaram a ser os intermediários do governo na difusão das

inovações junto aos agricultores, e a juventude rural tornou-se o principal alvo para a

introdução e transmissão desses novos conhecimentos aos produtores rurais.

A literatura referente à história local menciona que a economia nas áreas de campo e

de mata desenvolveu-se de forma diferenciada, o que permaneceu após o início do processo

9 BARROS, Edgard de Vasconcelos. Princípios de ciências sociais para a extensão rural. Viçosa: UFV, 1994, p. 670.

Page 16: Dissertação 4-S

de modernização agrícola na região. As obras de Rückert, Brum, Grzybowski e Tedesco,

apontam para o pioneirismo dos granjeiros no processo de modernização agrícola nas áreas de

campo em meio às barbas-de-bode, em contraponto aos pequenos agricultores, que

continuavam praticando a agricultura tradicional até o final de 1950, quando passaram a

produzir utilizando-se das práticas modernas.

No contato que fizemos com pessoas do meio rural em estudo, várias menções foram

feitas ao envolvimento dos moradores do distrito de São Roque nos Clubes 4-S, nos quais se

instruíam os jovens filhos de agricultores. Assim, aos poucos, eles foram adotando as

inovações tecnológicas que estavam sendo difundidas no período, foram repassando os novos

conhecimentos aos pais, que, assim, introduziram-se no processo de modernização agrícola

deixando as práticas tradicionais de lado. Essa constatação levou-nos a elaborar a seguinte

problemática: como ocorreu a introdução dos pequenos agricultores do distrito de São Roque

no processo de modernização agrícola e quais foram as influências dos Clubes 4-S nesse

processo? Para desenvolver o tema, levantamos alguns questionamentos:

a) Qual era o contexto econômico em nível regional e local no período delimitado?

b) Como se estruturavam o local, o meio rural, a família nos âmbitos produtivos,

sociais e comunitários no período que antecedeu os Clubes 4-S?

c) O que é e como estava estruturado o sistema de extensão rural no Brasil? Qual foi a

origem dos Clubes 4-S no Brasil e sua expansão para outros estados? Por que

o trabalho era desenvolvido com os jovens? Qual era a metodologia utilizada?

d) Como ocorreram a introdução, a aceitação e a participação dos jovens e

agricultores? Porque o distrito de São Roque apresentou tanto dinamismo referente

a essa questão? Que horizontes mercantis, sociais, político culturais eram

dinamizados pelos Clubes 4-S? Qual foi a relação da Igreja com o trabalho dos

Clubes 4-S? Como terminou o trabalho dos clubes em Passo Fundo?

e) Que críticas surgiram sobre o trabalho dos clubes e o que eles significaram para os

agricultores?

Pretendemos responder aos questionamentos fazendo relações com um contexto mais

abrangente, utilizando-nos de várias fontes, como a bibliografia relacionada aos assuntos

estudados, documentos da Emater/RS, da Prefeitura Municipal de Passo Fundo, do Arquivo

Regional de Passo Fundo e do Arquivo Histórico de Caxias do Sul, da agência regional do

Page 17: Dissertação 4-S

IBGE, do Banco do Brasil, da Embrapa, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Passo

Fundo, de artigos dos periódicos regionais e locais, além de revistas, fotos, documentos

pessoais e fontes orais.

Quanto a essas últimas, a experiência com a fonte oral em outras disciplinas, como a

sociologia e a antropologia, revelou que a história também poderia enriquecer seu discurso

com a renovação metodológica,permitindo que os seres humanos fizessem parte das reflexões

sociais. No entender de Meihy, “a descaracterização da ‘grande história’, dos sistemas

externos e determinantes do microcosmos contrastou os critérios de leitura do mundo. Um

impacto imediato disso foi notado na melhoria da auto-estima das comunidades que passaram

a se ver também como parte da história”. 10 Dessa forma, utilizamos a fonte oral por

entendermos que contribuiria para uma interpretação histórica mais completa e mais rica,

permitindo um conhecimento dos fatos, em especial, do grupo que os vivenciou e percebeu.

Para Tedesco, “a seiva da memória é retirada de lugares. A comunidade é um lugar

privilegiado na produção desse alimento, é uma totalidade estruturada que ganha sentido,

mesmo em meio a conflitos e tensão, de uma identidade”. 11 De acordo com essa idéia,

consideramos o distrito de São Roque um lugar de memória. Nessa localidade, as famílias

estavam ligadas por um sentimento de pertencimento, que vem passando por transformações

socioeconômicas e culturais as quais abalaram sua identidade. Contudo, parale lamente a

essas transformações, os moradores continuaram buscando novas alternativas, com o que vão

ocorrendo redefinições no seu modo de viver e produzir.

Os entrevistados contribuíram para esta pesquisa através do relato das

experiências que ficaram registradas em suas memórias, como a arte de trabalhar na

agricultura, nos moinhos, nas olarias e a participação nos Clubes 4-S. Conforme Tedesco, a

família é uma grande instância mediadora da memória; nela se cristalizam memórias afetivas

e sociais, constroem-se personagens centrais, responsáveis por guardar a memória e transmiti-

la no tempo. Há, pois, museus de família e há museus na família.12

Assim, na primeira parte do trabalho, as entrevistas foram feitas sob a forma de

histórias de vida, utilizando-se como estratégia a entrevista aberta, a qual permite que o

10 MEIHY, José Carlos Bebe Bom. Manual de história oral . São Paulo: Loyola, 1996, p. 39. 11 TEDESCO, Memória e cultura : o coletivo, o individual, a oralidade e fragmentos de memórias de nonos, p. 39. 12 Idem., p. 32.

Page 18: Dissertação 4-S

entrevistado fique à vontade para que os assuntos venham à tona e propiciem uma melhor

compreensão sobre a história local.

Segundo Montenegro, “a postura de um entrevistador deve ser de um parteiro que não

conhece a pressa e a impaciência e está disponível a ouvir as histórias do entrevistado com o

mesmo cuidado, atenção, respeito, tenham estas significado ou não para a pesquisa em tela”.13

Na segunda parte do trabalho, as entrevistas foram centralizadas nas pessoas que

poderiam fornecer mais dados sobre os Clubes 4-S ( extensionista, líderes, sócios, padres que

atuaram junto ao distrito no período) utilizando-se a estratégia de entrevista dirigida com

questionamentos específicos sobre o assunto.

As entrevistas foram realizadas no decorrer de 2001/2002 pela pesquisadora, assim

como a sua transcrição. Acreditando que a memória auxilia na construção da história, o

contato mais direto com o local ou objeto de estudo leva a perceber detalhes e dar

significados às informações, para que sejam entendidas em um contexto maior. Para alguns

autores, como Janaína Amado e Marieta de Morais Ferreira, a história oral é entendida como

metodologia, servindo de ponte entre a teoria e a prática, sendo apenas capaz de suscitar,

formular perguntas, mas não oferece respostas ou soluciona algo.14 Dessa forma, cabe ao

historiador organizar as idéias, fazer as relações, confrontar outras fontes.

Os dados obtidos nas entrevistas foram se interligando, apontando para novas

perspectivas, que serviram de indicativo para outras entrevistas e documentos, bem como

para a articulação com a teoria. Muitos dos entrevistados guardam documentos, fotos,

recortes de jornais que circulavam no meio rural e foram utilizados na pesquisa.

O presente trabalho está constituído em duas partes: Na primeira, tratamos de alguns

aspectos do contexto da economia do município no âmbito regional e local, ressaltando a

ocupação do espaço em áreas de campo e áreas de mata, a modernização agrícola, a

industrialização e a urbanização. Procuramos mostrar que, no período anterior a 1960, os

pequenos agricultores praticavam a agricultura tradicional diversificada e dedicavam-se ao

artesanato. Era intensa a atividade de carroceiros, moleiros, comerciantes, oleiros, porém a

partir do processo de modernização agrícola, essas atividades sofreram alterações.

13 MONTENEGRO, Antônio Torres. História oral: caminhos e descaminhos. Revista Brasileira de História, 25/26. São Paulo: Anpuh. Marco Zero, 1992. p.57.

Page 19: Dissertação 4-S

Na segunda parte do trabalho, mostramos algumas noções, conceituações, objetivos

da extensão rural, contextualizando a implantação e a expansão do trabalho no Brasil. Após,

analisamos a introdução e expansão da participação dos jovens agricultores nos Clubes 4-S,

bem como os resultados e alterações que desencadearam no meio rural, a política de

incentivo ao associativismo e o encerramento das atividades dos clubes em Passo Fundo.

Nas considerações finais, mencionamos algumas críticas que foram feitas ao trabalho

desenvolvido pelo serviço de extensão rural no período e também a forma como foi visto

pelos agricultores.

Este estudo contribuirá, certamente, para suprir uma das lacunas da história

socioeconômica local, visto que há escassez de dados nos arquivos ou na literatura a respeito

do modo como iniciou o processo de modernização agrícola na pequena propriedade e sobre

os Clubes 4-S em Passo Fundo. Também permitirá a compreensão do modo como ocorreu a

reestruturação do meio rural e das famílias nos âmbitos produtivos, sociais e comunitários, a

partir dos vínculos de trabalho, e a ligação profunda com a dinâmica econômica desencadeada

no distrito de São Roque a partir do trabalho dos Clubes 4-S.

14 Ver AMADO, J.; FERREIRA, M. de M. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1998, p.15.

Page 20: Dissertação 4-S

I PARTE

O CONTEXTO SOCIOECONÔMICO DE

PASSO FUNDO NO PERÍODO DE 1950-1980

Page 21: Dissertação 4-S

Nesta parte, abordamos alguns aspectos referentes ao contexto socioeconômico do

estado do Rio Grande do Sul, do município de Passo Fundo, bem como do distrito de São

Roque, no período compreendido entre 1950 e 1980, mostrando que, a partir da ocupação do

Planalto, ocorreu na região uma diferenciação étnica e econômica entre as áreas de campo e

as de mata e que os pequenos agricultores não foram os pioneiros no processo de

modernização agrícola. A sua introdução nesse processo, na verdade aconteceu mais tarde,

na década de 1960, a partir do trabalho desenvolvido pelos Clubes 4-S, que será estudado

especificamente na segunda parte deste trabalho.

No período que antecedeu a modernização agrícola na região as áreas de campo eram

ocupadas por fazendeiros que praticavam a pecuária, principal atividade econômica do

estado, e as áreas de mata, onde predominava a pequena propriedade, eram ocupadas por

imigrantes ou descendentes, especialmente alemães e italianos, que nelas praticavam

agricultura familiar e o artesanato. Entretanto, por volta de 1950, intensificou-se o processo

de modernização agrícola na região, com o que as formas tradicionais de praticar a agricultura

foram substituídas pelas modernas, que consistiam no uso de adubos, de fertilizantes, de

equipamentos e máquinas agrícolas.

Os granjeiros15 foram os pioneiros na adoção das novas técnicas agrícolas nas áreas

de campo, consideradas até então impróprias para o plantio e passaram a investir na produção

do trigo e, posteriormente da soja, produtos que ocuparam lugar de destaque na região.

Tratamos, aqui, também, da expansão urbano-industrial, pois, no período delimitado,

a indústria passou por reestruturações nas bases produtivas e desenvolveu-se em função dos

produtos de exportação, que exigiam uma tecnologia mais avançada.

Nesse processo de reestruturação produtiva no meio rural nas décadas de 1960 e 1970

a região de Passo Fundo tornou-se pioneira e constituiu-se no mercado consumidor para a

agroindústria a montante e a jusante que ali se instalaram. A urbanização também aumentou

nesse período em decorrência do êxodo rural, provocado pela reestruturação da propriedade

da terra e das técnicas produtivas ocorridas a partir da modernização agrícola.

A contextualização feita nesta parte servirá de suporte para a compreensão das

alterações que ocorreram na região, especialmente no meio rural, a partir do desenvolvimento

dos Clubes 4-S, quando foi introduzida a modernização agrícola na pequena propriedade.

Page 22: Dissertação 4-S

Nossa hipótese é de que a influência dessas entidades foi fundamental para o progressismo

técnico agrícola de Passo Fundo.

15 Ainda no decorrer deste estudo, detalharemos essa categoria de produtores.

Page 23: Dissertação 4-S

CAPÍTULO 1

PROCESSOS DE OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO DO RIO GRANDE DO

SUL (1900-1940): ANTECEDENTES HISTÓRICOS E ECONÔMICOS

Os antecedentes históricos da ocupação do estado podem ser esclarecedores no

decorrer deste trabalho, em que tratamos do distrito de São Roque, no município de Passo

Fundo, que se localiza numa área de matas e foi ocupado por (i)migrantes, que praticavam a

agricultura diversificada e que ali instalaram pequenos estabelecimentos de base artesanal.

Esses, quando do processo de modernização agrícola que se desencadeou na região, sofreram

profundas alterações.

Neste capítulo, tratamos das particularidades que determinaram a diferenciação e o

desenvolvimento da produção em áreas de campo e áreas de mata, bem como da integração

da economia regional e de sua articulação com a nacional. No entender de Brum, as

formações geográficas, como a localização e a vegetação, influenciaram na ocupação e na

economia do estado do Rio Grande do Sul:

Situado no Extremo Sul do Brasil, o Rio Grande do Sul, a par da distância que o separa da Capital do país, agravada pela precariedade dos transportes e das comunicações, que forçava um relativo isolamento, acresce-se a extensa costa desolada do litoral gaúcho, sem baías e reentrâncias, e com um único local – a barra e canal de Rio Grande – em condições de permitir o acesso e ancoragem de embarbarcações. Por sua vez, o território do atual Rio Grande do Sul apresentava-se predominantemente coberto por duas formações vegetais distintas – uma área de campo e outra de mata – que condicionaram fortemente a ocupação e a economia do estado.16

Como observamos pela transcrição, as condições naturais do território rio-grandense

determinaram a forma de sua ocupação e a sua economia. A pecuária, desenvolvida na área de

campo, foi dinamizada a partir do século XVIII, passando a ser atividade da grande

propriedade, consolidando-se, assim, o latifúndio pastoril.

16 BRUM, Argemiro Jacob. Rio Grande do Sul: crise e perspectivas. Ijuí: Unijuí, 1998, p. 12.

Page 24: Dissertação 4-S

1.1 A estância, a pecuária e a indústria da carne

O couro, o sebo e a crina extraídos do gado xucro, caçado e abatido por castelhanos e

portugueses, foram os primeiros produtos da pecuária sulinos a serem aproveitados com fins

de exportação para a Europa. Posteriormente, os tropeiros paulistas passaram a comercializar

gado em pé ( bovinos, eqüinos e muares), destinado à alimentação e ao transporte na região

das Minas Gerais e nas fazendas paulistas de café.17

Quando da concessão de sesmarias e “datas”, favoreceu-se a formação das estâncias

de criação de gado,18 cuja importância cresceu significativamente com a exportação do

charque para o Rio de Janeiro, São Paulo e outros centros consumidores.19 Assim, as estâncias

tornaram-se fornecedoras de matéria-prima para as charqueadas, que se expandiram pelo

território a partir de 1780, dando origem às primeiras indústrias de transformação de matéria-

prima de corte no Rio Grande do Sul.

A pecuária foi a principal atividade econômica do Rio Grande do Sul até o início do

século XX, período em que as estâncias de criação e as charqueadas complementavam-se

como fornecedores e mercado, respectivamente, para a elaboração do charque. A articulação

econômica do estado com o centro do país foi dinamizada pela concentração de um grande

número de charqueadas no Rio Grande do Sul, as quais sofreram grande concorrência das

uruguaias e argentinas, que utilizavam métodos mais avançados. Mesmo depois da instalação

de frigoríficos, o charque, apesar das dificuldades de comercialização, continuou sendo o

principal produto de exportação do estado sulino até meados da década de 1930, quando foi

superado pela carne processada.

17 Idem, p.22-25. 18 As sesmarias foram distribuídas com o objetivo de consolidar a posse do território do Rio Grande do Sul. Eram propriedades extensas em forma de quadrado, variando de 3 a 6 léguas de lado, mas podendo atingir até mais de 13.000 hectares, cujos limites quase nunca eram fixados com exatidão. Essas estâncias de criação de gado deram origem ao latifúndio pastoril em toda a área de campo, à medida que foi se processsando a ocupação do território. Algumas “datas” propriedades de tamanho menor, de um quarto de légua em quadro, aproximadamente 900 hectares foram doadas aos açorianos, que viveram por mais de dez anos na penúria e no descaso. Ver Brum, op.cit., p.24. 19 O charque era um produto alimentício elaborado de forma a evitar a deteriorização da carne in natura , com evidentes desvantagens em relação a esta. Era utilizado basicamente na alimentação dos escravos e das camadas de renda mais baixa da população, contribuindo para manter baixos os custos de vida e de produção.

Page 25: Dissertação 4-S

Durante a Primeira Guerra Mundial, com a ampliação do mercado para a exportação

de carne, muitos frigoríficos foram instalados nos locais onde a pecuária era mais

desenvolvida, como no sul do estado. Em 1917, as empresas estrangeiras Armour e

Wilson (Santana do Livramento) e Swift (Rio Grande), produziam além da carne

industrializada, também o charque. Conforme Pesavento, alguns frigoríficos de capital

estrangeiro que já atuavam no Prata fizeram sua entrada no Brasil a partir das mudanças que

haviam ocorrido no consumo mundial:

Em especial, o capitalismo interessava-se em operar naquelas zonas onde o custo de produção fosse mais baixo, tal como no Prata, zona pecuária por excelência e já campo de operações das empresas frigoríficas. O período da guerra, contudo, determinou alterações no consumo mundial, que incidiram sobre o tipo de produto fabricado pelos frigoríficos. Decaiu a fabricação de carnes resfriadas, que exigia gado de superior qualidade, e incrementou-se a industrialização de matéria-prima de mais baixo grau de refinamento. Dentro deste quadro, as grandes empresas frigoríficas internacionais fizeram sua entrada no Brasil. 20

Nesse contexto, o gado brasileiro, de qualidade inferior ao do Prata, passou a ser

matéria-prima para a fabricação de produtos industrializados, fazendo aumentar a procura

pelo produto.

Em nível regional, os pecuaristas viram como caminho para o desenvolvimento de

sua atividade a implantação de um frigorífico nacional, o que se concretizou em 1917, quando

se instalou em Pelotas o Frigorífico Rio-Grandense, constituído com capital local. A partir

daí, frigoríficos utilizando processos mais modernos de industrialização e conservação da

carne foram instalados no Rio Grande do Sul, contribuindo para a extinção das tradicionais

charqueadas. De 1940 a 1950, grande parte desses frigoríficos transformou-se em

cooperativas, procurando se enquadrar em processos mais modernos de transformação da

carne;21 posteriormente, passaram a abater suínos para o processamento da banha, que era

um dos principais produtos de exportação.

Não havia, portanto, até quase meados do século XIX, uma estruturação econômica

entre a região e o país, pois a atividade principal restringia-se à criação dispersa de gado e à

sua comercialização, quando então, passou-se a desenvolver a atividade das charqueadas.22O

20 PESAVENTO, Sandra Jatahy. República Velha gaúcha: charqueadas, frigoríficos, criadores. Porto Alegre: Movimento/IEL, 1980. p. 292. 21 Ver PESAVENTO, República Velha gaúcha : charqueadas, frigoríficos, criadores, p. 116. 22 Ver CARRION Jr., Francisco M . O Rio Grande em busca de novos caminhos – por um projeto regional. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986, p.14.

Page 26: Dissertação 4-S

Quadro 1 mostra dados demonstrativos de que a articulação da economia local com a

nacional foi aprofundada somente a partir do século XX, através da lavoura, cada vez mais

desenvolvida e interligada, em oposição ao período antecedente, em que a pecuária era a

atividade de maior relevância no estado.

Quadro 1 - Síntese esquemática da evolução da economia do Rio Grande do Sul em relação ao Brasil Período Região

1550 1600

1600 1650

1650 1700

1700 1750

1750 1800

1800 1850

1850 1900

1900 1950

1930 1980

Economia Brasileira

Açúcar Açúcar Açúcar Açúcar Mineração

Açúcar Mineração

Açúcar Café

Borracha Açúcar Café

Indústria Café

Indústria

Economia Do RS

-

Subsistência

Couros Subsistência

Pecuária

Pecuária

Charque Pecuária Lavoura

Charque Pecuária Lavoura

Lavoura Pecuária Indústria

Lavoura Indústria Pecuária

Fonte: Carrion Jr., Francisco M. O Rio Grande em busca de novos caminhos – por um projeto regional. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986, p. 14.

A dinamização da lavoura no estado iniciou-se com a vinda dos casais açorianos a

partir de 1740, os quais praticavam a agricultura de subsistência e também a agricultura de

exportação, dessas se destacando a cultura do trigo. Todavia, alguns fatores prejudicaram a

produção desse cereal, entre os quais a ocorrência da praga da ferrugem, o que levou os

açorianos a abandonarem o cultivo do trigo, passando a se dedicar a uma atividade mais

lucrativa: a criação de gado. 23

Nas áreas de mata, que posteriormente seriam ocupadas por imigrantes europeus,

alemães (1824) e italianos (1875), a atividade econômica destinava-se à produção

diversificada em pequenas e médias propriedades, com a utilização da mão-de-obra familiar.

Nesses núcleos, surgiram o comércio, o artesanato, pequenas manufaturas e indústrias, essas

contrastando com a atividade desenvolvida nas áreas de campo.

23 Os casais açorianos foram destinados ao povoamento da Região das Missões, que, pelo Tratado de Madri, passou a fazer parte do império português. Em razão da resistência dos índios dos Sete Povos das Missões, tiveram de mudar os planos de colonização. Foi assim que se estabeleceram no Porto dos Casais e deram origem a quatro núcleos: Capela Grande de Viamão, Porto do Viamão ( Porto Alegre), Rio Grande de São Pedro e Santo Antônio da Patrulha. Ver SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo: USP, 1968, p. 145-153.

Page 27: Dissertação 4-S

1.1.1 A terra, a produção de alimentos e o colono

Com a escassez de terras nas Colônias Velhas, iniciou-se o processo de migração e a

formação das Colônias Novas.24 Foi assim que o norte do estado teve aumentada a sua

densidade demográfica, tornando-se um centro mais dinâmico economicamente. Nesse

processo contribuíram o incentivo à produção de alimentos, a aquisição de terras, os solos

de mata muito férteis e a possibilidade, ainda que precária, de escoamento através da rede

fluvial existente no nordeste do estado, que facilitava o abastecimento dos centros atacadistas

de produtos de origem agropecuária.

O processo de migração interna, especialmente do deslocamento de descendentes dos

primeiros imigrantes em busca de novas terras, fez do norte e do nordeste do estado, após as

primeiras décadas do século XX, uma região de terras completamente ocupadas. Segundo

Brum, após a primeira etapa de colonização, em que se deu a formação das Colônias Velhas,

no centro-nordeste do estado, ocorreu a etapa de ocupação do norte do estado:

Na segunda etapa procedeu-se à ocupação das terras cobertas de mata no norte do Estado, são as chamadas “Colônias Novas”. Foram formadas por imigrantes de diversas nacionalidades, com o objetivo de acelerar a integração. Nessa etapa, embora continuassem a chegar imigrantes diretamente vindos da Europa, predominou a colonização por antigos imigrantes procedentes das “Colônias Velhas”, ou descendentes destes, à medida que nelas se agravava a escassez de terras e aumentavam os excedentes populacionais. 25

O território do Rio Grande do Sul, por volta de 1940, encontrava-se praticamente

povoado e os descendentes de imigrantes que migravam das Colônias Velhas contribuíam

para preencher as áreas ainda vazias no estado. Assim, as novas áreas de colonização

passaram a ocupar um espaço que havia sido desprezado pelo setor pecuarista. O fato de as

vias de comunicação entre essas áreas serem precárias favoreceu o surgimento de uma série

de pequenas indústrias, como moinhos, serrarias, ferrarias, selarias, olarias, etc., destinadas ao

consumo interno. Vania Herédia ressalta a importância da produção nos núcleos coloniais

para a formação do mercado interno:

24 Ver DE BONI, Alberto; COSTA, Rovílio. Os italianos do Rio Grande do Sul . Caxias do Sul/Porto Alegre: UCS/EST, 1985.

Page 28: Dissertação 4-S

A produção dos núcleos coloniais no Rio Grande do Sul desempenhou um papel fundamental na formação do mercado interno gaúcho. A diversificação inicial da produção agrícola colonial garantia a manutenção dos núcleos e a exportação do excedente para o mercado de Porto Alegre, estabelecendo laços comerciais definidos. O poder aquisitivo do imigrante favoreceu os laços comerciais já que era bem mais elevado do que o dos operários e o das demais classes subalternas. 26

Os produtos coloniais, como milho, feijão, batata, mandioca, trigo, além da banha e do

toucinho, passavam do mercado local para o regional, estimulando o setor secundário. Nesse

contexto, Porto Alegre conquistou a condição de principal centro econômico do estado em

virtude de sua localização. Alonzo relata sobre essa cidade:

A capital, localizada às margens de um estuário para onde converge a rede fluvial que banha o nordeste do território rio-grandense, onde se situavam os primeiros assentamentos mais importantes, beneficiou-se da sua posição para servir como ponto de expedição das exportações coloniais para os mercados do centro do País e como centro atacadista, onde as áreas coloniais se abasteciam de produtos manufaturados importados de consumo corrente. As exportações coloniais eram constituídas por uma gama diversificada de produtos de origem agropecuária, entre os quais se destacavam a banha, os cereais e os vinhos. 27

Pelo exposto, observamos que os pequenos agricultores forneciam gêneros de

subsistência cultivados nas colônias ou artigos beneficiados artesanalmente aproveitando a

matéria-prima local. Segundo Pesavento, o artesanato, ou a “pequena indústria”, pressupõe a

posse pelo trabalhador de seus meios de produção, com os quais ele assegura seus meios de

subsistência.28 Contudo, com a expansão da agricultura comercial, grande parte do artesanato

praticado nas colônias foi desaparecendo. Relata Singer a respeito:

O escambo cede lugar à compra e venda e a economia das colônias se monetariza, na medida que ela se liga ao mercado nacional. A mais importante conseqüência disto, do ponto de vista que nos interessa aqui, é que o colono pode, a partir deste momento, adquirir produtos manufaturados do exterior. Estes produtos penetraram prontamente nas colônias e, em curto período aniquilaram o artesanato local. Constituiu-se desta maneira um mercado uno e amplo para produtos industriais na zona colonial.29

25 BRUM, Rio Grande do Sul: crise e perspectivas, p. 27. 26 HERÉDIA, Vania Beatriz Merlotti. Processo de industrialização da zona italiana: estudo de caso da primeira indústria têxtil do nordeste do Rio Grande do Sul. Caxias do Sul: UCS, 1997, p. 91. 27 ALONZO, J. Antônio Fialho.Crescimento inter-regional no Rio Grande do Sul nos anos 80. In: A Economia Gaúcha e os anos 80 : uma trajetória regional no contexto da crise brasileira. Porto Alegre, 1990, p.73. (Ensaios FEE) 28 Ver PESAVENTO, Sandra Jatahy. RS: agropecuária colonial & industrialização. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983, p.15. 29 SINGER, Desenvolvimento econômico e evolução urbana, p. 167.

Page 29: Dissertação 4-S

Muitas são as discussões em torno do tema artesanato. Para Singer, foram as

importações, e não a indústria, que destruíram o artesanato no Rio Grande do Sul, pois a

indústria surgiria depois do comércio dos produtos importados.30 Já, de acordo com Roche,

“nem todas as oficinas se transformaram em fábricas, como também nem todas as fábricas

tiveram origem nas primitivas oficinas”. 31 O autor ressalva que alguns artesãos instalados nas

cidades estiveram na base do desenvolvimento de pequenas oficinas em manufaturas ou em

fábricas, porém, isso não ocorreu com os artesãos rurais. Para Roche: “Na maioria dos casos,

não foi a oficina da picada que se desenvolveu até tornar-se fábrica; somente em algumas

cidades, pequenas chaminés se ergueram no local de edifícios mais modestos, outrora

ocupados por artesãos”. 32 A respeito do desaparecimento do artesanato ou do surgimento das

indústrias, acreditamos que não se devem fazer generalizações uma vez que são necessários

estudos mais aprofundados a respeito do assunto.

Alguns produtos, como o vinho, a banha, e outros, de base artesanal, conquistaram o

mercado regional e nacional por intermédio dos comerciantes. Em razão de boa aceitação no

mercado, passaram a ser industrializados, concorrendo com as indústrias domésticas das

colônias, que, em desvantagem, passaram a ser apenas fornecedoras de matéria-prima à

indústria. Também algumas indústrias situadas em Porto Alegre e na região colonial

conseguiram se expandir a partir do capital acumulado no comércio das áreas coloniais, entre

as quais citamos, Costi, Ritter, Renner, Oderich. Para Tedesco:

É impossível falar da região colonial italiana ou alemã, em nível de Brasil, sem mencionar o comerciante. Ao redor desse ator socioeconômico surgem explicações sobre a origem da industrialização da região colonial e de outros espaços de maior amplitude. Ele é o elo de ligação de inúmeros processos econômicos, culturais, maximizadores de fatores locacionais na sua relação com o mundo externo à colônia.33

Diante disso, constatamos a relevância do papel dos comerciantes nas colônias. Em

Passo Fundo, havia um número significativo deles, conforme podemos observar na Tabela 1.

30 Idem, p. 168. 31 ROCHE, J. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1969. 2 v, p. 479. 32 Idem, p. 503. 33 TEDESCO, João. C. Colonos, carreteiros e comerciantes: a região do Alto Taquari no início do século XX. Porto Alegre: EST, 2000, p.90.

Page 30: Dissertação 4-S

Tabela 1 - Relação de comerciantes em algumas colônias no Rio Grande do Sul, 1899 – 1950

COLÔNIAS

NÚMERO DE COMERCIANTES NAS

NOVAS COLÔNIAS EM 1899 1912 1920 1940 1950

Ijuí 31 89 174 161 311

Passo Fundo 82 318 974 1977

Erechim 80 235 555

Marcelino Ramos 32 93

Santa Rosa 243 449

Três Passos 113 288

Sarandi 77 188

Fonte: Roche, J. A. Colonização Alemã no Rio Grande do Sul . Porto Alegre: Globo, l969, 2 v, p.426.

O comerciante, primeiro o alemão e, depois, o italiano, era uma figura importante na intermediação do comércio local com o regional. Ele

lucrava mais com a apropriação do excedente econômico produzido pela agricultura colonial do que o pequeno agricult or, que não era

favorecido pelos estímulos do mercado. Brum corrobora o exposto:

O comerciante lucra na diferença entre o preço que paga pelos produtos que adquire dos colonos e o preço pelo qual os vende em Porto Alegre;

lucra na diferença do preço dos artigos que adquire na capital e fornece aos agricultores; lucra no transporte das mercadorias em ambos os

sentidos; lucra nos financiamentos que concede aos colonos para pagamento por ocasião das colheitas, e ainda como depositário de confiança das

pequenas sobras de dinheiro dos agricultores, que lhe oportunizam um capital de giro praticamente sem custos financeiros.34

Assim, com a ampliação do mercado interno nas colônias, o comércio tornou-se mais

intenso e abrangente, permitindo a vinculação local/regional, intermediada por alguns

comerciantes. Esses possibilitaram a entrada de novos produtos nas colônias, os quais antes

eram fabricados artesanalmente; por conseqüência, reduziu-se a produção do artesanato

desenvolvido na zona rural. Mas o comerciante também divulgou alguns produtos da colônia,

que passaram a ser industrializados, como, por exemplo, o vinho.

No Rio Grande do Sul, o eixo Porto Alegre-Caxias dinamizou-se como centro

econômico concentrando algumas indústrias que se expandiram e adquiriram importância até

mesmo em nível nacional. Müller contribui para esse entendimento:

Durante os anos compreendidos entre 1930 e 1945, a economia política gaúcha caracteriza -se pelo fato de atingir o apogeu de seu modelo histórico de desenvolvimento constituído no

34 BRUM, Rio Grande do Sul: crise e perspectivas, p. 29.

Page 31: Dissertação 4-S

transcurso de um século. A zona rural da pecuária e seus produtos históricos, o comércio, as cidades e as charqueadas e os frigoríficos; a zona rural marcada pela pequena produção agropecuária e seus produtos históricos, seu comércio, cidades, artesanatos e manufaturas, e a zona rural marcada pelas explorações relativamente grandes de arroz, trigo e gado e seus produtos históricos, fusionam-se por inteiro nesses anos, compondo a estrutura produtiva e de intermediação denominada de mercado sul-rio-grandense.35

Portanto, a formação do mercado do Rio Grande do Sul deu-se no contexto

apresentado, o qual passaria a se caracterizar como o celeiro do país; sua economia

subsidiária, de base agropecuária, era voltada para o abastecimento do mercado interno

brasileiro.

1.1.2 Da agricultura tradicional à moderna

Em 1940 o Rio Grande do Sul era um estado predominantemente agropecuário e

contava com uma ampla quantidade de produtos primários provenientes da agricultura,

desenvolvida com base no trabalho familiar. Essa atividade primária era fundamental para

gerar matérias-primas para a atividade industrial visando substituir alguns produtos de

importação.

Conforme o que foi exposto anteriormente, foi a partir da lavoura que se reforçaram os

vínculos econômicos do estado com o restante do país, aprofundando, assim, a articulação da

economia local com a economia nacional. Na época, o Rio Grande do Sul era visto como

fornecedor de gêneros de subsistência para o mercado nacional; logo, mostrava-se

interessante que o governo mantivesse a estrutura agropecuária do estado.

No governo de Vargas, o plano econômico posto em prática objetivava incrementar a

industrialização e a diversificar a economia, pois todos estavam cientes da vulnerabilidade da

monocultura e da falência do desenvolvimento capitalista baseado na agroexportação. Essa

intenção é visível no discurso de Vargas:

35 MÜLLER, Geraldo. A economia política gaúcha dos anos 30 aos 60. In: DACANAL, J. Hildebrando. RS: economia & política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979, p. 363.

Page 32: Dissertação 4-S

Não podemos nos conformar com sermos apenas um país exportador de matérias-primas, porquanto essa condição é própria de países semicoloniais. Temos que tratar das nossas indústrias de transformação, da exportação de produtos manufaturados e da sua colocação nos mercados externos, de maneira a adaptar o nosso comércio às suas exigências, ás suas peculiaridades e aos rumos seguidos pela sua economia. Não nos devemos vincular à doutrina uniforme, mas nos adaptarmos às condições e às necessidades de cada país no plano das relações comerciais. 36

Portanto, objetivava-se uma reordenação do sistema produtivo nacional, que levasse à

redução da dependência da economia do país de um só produto de exportação e que

dinamizasse o setor industrial.

Até 1940, a agricultura do Rio Grande do Sul era bastante diversificada, pois

produziam-se arroz, trigo, cebola, frutas e milho, este necessário à suinocultura como ração.

Entretanto, não havia um acompanhamento técnico para essa produção, que ficava sujeita às

intempéries. Os pequenos agricultores utilizavam intensivamente os recursos naturais, faziam

“queimadas” e a rotação de terras para o cultivo na lavoura, praticavam fertilização natural

do solo e realizavam o trabalho com mão-de-obra familiar, conjunto de procedimentos que é

considerado por Brum como caracterizador da agricultura “tradicional”. 37

Entretanto, a agricultura tradicional estagnava-se por volta de 1960 em razão do

tamanho limitado dos lotes, que foram sendo subdivididos por causa das partilhas por

herança em famílias numerosas. Além disso, a intensa exploração do solo, que acarretava a

redução da fertilidade ou a exaustão dos terrenos, entre outros fatores, como os preços

baixos pagos pelos produtos coloniais e a transferência da renda dos agricultores para os

comerciantes, provocaram a estagnação da agricultura. Nesse contexto, a alternativa que se

apresentava para mudar a situação era a modernização da agricultura, que passou a ser

introduzida no Brasil com a participação de fundações e instituições norte-americanas.

O Brasil passou, então, a participar dos projetos de pesquisas e experiências

realizados com alguns produtos, que eram avaliados quanto à infra-estrutura de produção, ao

uso de sementes selecionadas, adubos e equipamentos. Aos poucos, foi se estruturando e se

expandindo o sistema de extensão rural no Brasil, em conjunto com instituições e

organizações norte-americanas, que orientavam e estimulavam os agricultores para a adoção

das inovações técnicas e utilização do crédito rural.

36Discurso pronunciado por Getúlio Vargas no dia 8 de maio de 1939. In: IANNI, Otávio. Estado e planejamento econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996, p.39. 37 BRUM, Jacob Argemiro. A modernização da agricultura : trigo e soja. Petrópolis: Vozes, 1988, p.56.

Page 33: Dissertação 4-S

Diante disso, nota-se que o processo de modernização agrícola38 no Brasil ocorreu de

fora para dentro e seguiu a estratégia de modernização conservadora, que, sem alteração

estrutural na forma de propriedade, de posse e uso da terra, tinha por objetivo aumentar a

produtividade agropecuária mediante a renovação tecnológica. Portanto, aqueles que se

estruturavam de forma empresarial foram os mais favorecidos, ao passo que os pequenos

proprietários rurais eram progressivamente marginalizados no processo. A partir da década de

1950, essa estratégia de modernização conservadora intensificou-se no Rio Grande do Sul

com a implantação da lavoura empresarial.

A lavoura empresarial teve início no estado com o cultivo do arroz. Todavia, nesse

período de modernização agrícola, as atenções voltaram-se para a produção do trigo e,

posteriormente, da soja. Pode-se observar na Tabela 2 o avanço da lavoura empresarial no

estado.

Tabela 2 - Participação no valor bruto da produção primária - % 1948-75

Ano

Lavoura empresarial

Agropecuária colonial

Pecuária tradicional

1948 27 60 13 1955 38 46 16 1965 29 52 19 1975 51 41 8

Fonte: Governo do Estado. FEE – 25 anos de agricultura. Porto Alegre, 1978, p. 99

A partir de 1975, a lavoura empresarial superou a agropecuária colonial, que até então

se destacara na economia do Rio Grande do Sul, promovendo a modernização da atividade

primária e a integração entre a agricultura e as atividades industriais. Assim, o trigo, que

havia sido introduzido pelos açorianos na região próxima a Porto Alegre e que teve sua

produção desarticulada por problemas em nível de produção, sendo mais tarde retomado

pelos imigrantes alemães e italianos como produto de consumo da família nas pequenas

propriedades, passou a fazer frente no processo de reestruturação da agricultura que visava à

diminuição das importações.

38 A agricultura moderna intensificou o uso de máquinas, de implementos, de equipamentos e insumos modernos, bem como de técnicas mais sofisticadas, buscando maior racionalização do empreendimento. Podemos relacionar a modernização da agricultura ao processo de tecnificação da lavoura, processo de relações sociais de produção , tendência à monocultura. Ver Brum, op.cit., p.33, 60,71.

Page 34: Dissertação 4-S

Na época, as importações de trigo, inicialmente em forma de farinha e, depois, em

forma de grão, eram feitas em grande quantidade da Argentina e dos Estados Unidos, o

que dificultava o comércio do produto nacional. Segundo Grzybowski:

As características da estrutura de produção de trigo, os poucos excedentes que gerava, a forma de comercialização a que estes estavam sujeitos, o pequeno porte dos moinhos, somados ao isolamento e dificuldades de escoamento até os principais centros urbanos consumidores ( Rio de Janeiro e São Paulo), tornavam a produção nacional de trigo sem condições de concorrência com a importação, constituída em mais de 90% por farinha de trigo. 39

Visando reduzir as dificuldades relacionadas à produção do trigo a partir de 1940, a

política governamental adotou medidas de incentivo à produção e à comercialização, como a

fixação de preços elevados para o produto, a isenção de tarifas alfandegárias na importação de

máquinas e adubos, os financiamentos via Banco do Brasil, que contribuíram para a expansão

da produção do trigo no Rio Grande do Sul. Assim, entre 1941 e 1945, o trigo nacional

cultivado nas lavouras coloniais, especialmente no Rio Grande do Sul, teve aumentada a área

cultivada em virtude tanto da integração no mercado ampliado quanto das crescentes

dificuldades de importação e da política de fomento adotada pelo governo, que desenvolveu o

setor industrial de moagem de trigo.40 Pela Tabela 3 confirma-se o crescimento da produção

de trigo no estado de 1940 a 1950.

Tabela 3 - Produção da lavoura de trigo no Rio Grande do Sul – 1940 - 1958

Anos Toneladas

1940 73.764

1942 159.860

1944 122.740

1946 168.088

1950 375.757

1952 503.689

1954 699.024

1956 992.000

1958 286.728

39 GRZYBOWSKI, C. O trigo no Brasil. Notes du Gerei, Paris , (2), p. 15 – 42, 1972, p.20. 40 RÜCKERT, A. A produção capitalista do espaço: construção, destruição e reconstrução do território no planalto rio-grandense. Dissertação (Mestrado) – Unesp, Rio Claro, 1991.

Page 35: Dissertação 4-S

Fonte: BAYMA, Cunha. Trigo. Estudos técnicos. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, 1960, p. 121.

A expansão da produção de trigo levou a que as áreas de campo, antes consideradas

improdutivas, passassem a serem preparadas para o cultivo desse cereal com o auxílio de

máquinas e fertilizantes. Assim, a área cultivada de trigo passou de 301 mil ha em 1946 para

1196 mil ha em 1955.41

Entretanto, as importações do trigo, voltaram a subir rapidamente quando o Brasil

assinou os Acordos do Trigo com o governo dos Estados Unidos da América sob a forma de

ajuda alimentar. O primeiro desses acordos foi firmado em 1954; logo, a partir de 1955,

ampliou-se a importação. Na época (1954-1955), o trigo era utilizado pelo governo norte-

americano como uma arma política, sendo oferecido a preços baixos, com empréstimos a

longo prazo para pagamento e com juros baixos.42

A partir de 1956, a produção tritícola passou por uma crise que acarretou a diminuição

da produção nacional do cereal. E a grande crise de 1957, além dos problemas climáticos e

técnicos na produção de trigo, caracterizou-se pelos problemas político-econômicos, pois o

governo atendia aos interesses norte-americanos, das mutinacionais que se instalavam no país,

mas deixava a descoberto as aspirações dos triticultores no Rio Grande do Sul, onde se

produziam na época 80% do trigo nacional.43

Os dois primeiros governos autoritários pós-64, adotando diretrizes econômicas do

mesmo gênero, interferiram em todos os setores do sistema econômico nacional. Na fase

conhecida como “Milagre Brasileiro”, que se estendeu de 1968 a 1973/1974, procurou-se

incentivar a exportação de produtos agrícolas, criar condições e estímulos à entrada de capital

e de tecnologia estrangeira. O Brasil, então, experimentou um rápido crescimento econômico

com os incentivos à modernização da agricultura, à exportação e à implantação de um parque

industrial sofisticado. Segundo Brum, a soja foi a principal cultura a receber estímulos

oficiais e em torno desse cereal se ampliou e se consolidou, definitivamente, o processo de

modernização da agricultura na região e no país.44

41 GRZYBOWSKI, O trigo no Brasil, p.23. 42 BRUM, A modernização da agricultura : trigo e soja, p.38. 43 RÜCKERT, .A produção capitalista do espaço: construção, destruição e reconstrução do território no planalto rio-grandense. 44 BRUM, A modernização da agricultura : trigo e soja, p.78.

Page 36: Dissertação 4-S

O boom da soja aconteceu em decorrência do crescente consumo mundial do produto a

partir da mudança nos hábitos alimentares nos Estados Unidos da América: o óleo de soja e

de outros vegetais substituiu a gordura animal; o farelo, rico em proteínas, passou a ser

utilizado na alimentação do gado e das aves. Esse novo padrão de produção e consumo foi

estendido aos países da Europa, que se tornaram grandes importadores dos Estados Unidos

até 1973, quando este parou de fornecer o produto devido a redução de seus estoques. Com a

escassez do produto na Europa, ocorreu a elevação dos preços da soja. Nesse contexto, o

Brasil aproveitou para aumentar suas exportações e, conseqüentemente, suas divisas, o que,

contudo, durou até fins da década de 1970, quando houve sucessivas frustrações de safras.

No Rio Grande do Sul, o processo de modernização agrícola com base no binômio

trigo/soja teve início na região do Planalto. No entender de Brum, com a modernização, a

agricultura internacionalizou-se integrando-se ao projeto de desenvolvimento do complexo

agroindustrial, sob o comando das corporações transnacionais e dos países centrais, sobretudo

dos Estados Unidos. Esse processo de modernização da agricultura desencadeou a

reestruturação territorial do estado, especialmente na região do Planalto, reduzindo as

diferenças entre as áreas de campo e as áreas de mata, pois, com a mecanização e utilização

de fertilizantes, a agricultura invadiu o campo, ampliando-se o número de arrendamentos e a

aquisição de terras. Na esteira desse processo de modernização, a indústria, vinculada à

agricultura, foi ocupando uma posição de destaque no estado.

1.1.3 O avanço do setor industrial no Rio Grande do Sul e sua ligação com a

agricultura (1940-1980)

Na década de 1940, as indústrias do Rio Grande do Sul voltaram-se para a

transformação dos produtos agropecuários. Eram as chamadas “indústrias de bens de

consumo” ou “naturais”, que beneficiavam matéria-prima local, como vinho, banha, frutas,

óleos vegetais, moagem de trigo. Também uma linha de produtos alimentícios mais

sofisticados essa monopolizada pelas empresas frigoríficas. O estado ainda se destacava no

Page 37: Dissertação 4-S

ramo têxtil, de calçados, do fumo e de produtos químicos simples, além de contar com a

expressiva produção metalúrgica da Eberle.45

Até o final da Segunda Guerra, houve um surto econômico no país e no Rio Grande do

Sul, pois o bloqueio sofrido no comércio internacional durante quase todo o período,

facilitou a expansão das indústrias gaúchas, sobretudo no setor da metalurgia. À medida que

se produzia internamente aquilo que antes era importado e que se importavam mercadorias de

consumo industrial, surgiu uma excelente oportunidade para algumas empresas gaúchas

conquistarem mercado, até mesmo em âmbito nacional. Foi o caso da Eberle, em Caxias; da

Gerdau, em Porto Alegre; da Mernak, em Cachoeira do Sul, e da Renner, em Porto Alegre.

Conforme alguns autores, como Brum, Lagemann, Pesavento46, a indústria do Rio

Grande do Sul ampliou-se vinculada ao comércio, voltado para o mercado interno do país,

comercializando os produtos da agropecuária colonial. Esse comércio permitiu um acúmulo

de capital comercial, que funcionou muitas vezes como investimento inicial para o surgimento

das indústrias gaúchas, transformando-se em capital industrial. Pesavento ressalva que não se

quer, com isso, negar outras formas de acumulação presentes no processo em curso.47 No caso

de São Paulo, a indústria emergiu vinculada ao acúmulo de capital decorrente do grande

comércio de exportação.

A instalação da Companhia Siderúrgica de Volta Redonda, que começou a funcionar

em 1946, também foi expressiva no desenvolvimento industrial, dando início à indústria de

base no país e produzindo ferramentas, pregos, parafusos, utensílios de cozinha, motores, etc.

No entender de Brum:

Na década de 50, ocorre uma mudança profunda no padrão de industrialização e desenvolvimento do Brasil. Interrompe-se o processo evolutivo histórico, endógeno, baseado na empresa de capital nacional, respaldada pela ação crescente do Estado na economia, como regulador, orientador e agente econômico direto, particularmente nos setores básicos e de infra -estrutura. Esse processo evolutivo endógeno vai ser truncado, e substituído por um novo padrão de desenvolvimento, no qual a liderança do processo de industrialização do país vai ser assumida pelas empresas multinacionais, passando a empresa nacional a uma posição subordinada, enquanto o Estado continua a ser o agente principal nos setores básicos e de infra -estrutura.48

45 PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982, p.125. 46 Obras já citadas. 47 PESAVENTO, História do Rio Grande do Sul, p. 32. 48 BRUM, Rio Grande do Sul: crise e perspectivas, p.36.

Page 38: Dissertação 4-S

Assim, muitas das fábricas do Centro-Sul foram construídas com capital estrangeiro

ou com a associação entre capital nacional e estrangeiro, constituindo-se em

empreendimentos de grande porte e produção em escala. O governo também, investiu

realizando obras de infra-estrutura indispensáveis para a expansão industrial.

No Rio Grande do Sul, a maioria das indústrias instaladas era de pequeno e médio

porte, já consolidadas e algumas mantidas por capital estrangeiro, embora em escala bem

menor que as do Centro do país. Entre essas estavam as frigoríficas (Armour, Wilson, Swift,

Anglo) e as de moagem de trigo e beneficiamento de arroz (Bunge y Born, americana). Na

década de 1950 a Bunge y Born ampliou a sua participação no Brasil e assegurou a posição

privilegiada que se mantém até hoje no setor industrial de farinhas.49

O período de 1948/1950 é caracterizado por Carlos Lessa como sendo “não

intencional” no tocante aos interesses relacionados à indústria brasileira, visto que “a política

econômica esteve basicamente condicionada a comportamentos externos que definiram seu

perfil”.50 Em nível regional, até 1950, no entender de Müller, a economia “caracterizava-se

por seu ‘modelo histórico gaúcho’ devido ao fato de compor uma economia regional com

linhas próprias, voltada basicamente à elaboração de matérias-primas geradas pela

agropecuária e ao fornecimento de algum equipamento e insumo para essa mesma

agropecuária e para as outras indústrias”. 51

Até 1955, a expansão industrial era financiada com recursos gerados pelo setor

agrícola, porém, a partir do Plano de Metas 1956/61, todos os esforços foram

intencionalmente dirigidos à construção dos estágios superiores da pirâmide industrial

verticalmente integrada e do capital básico de apoio a essa estrutura.52 Nesse período, grandes

projetos industriais foram implantados no Sudeste: ocorreu a abertura do país ao capital

estrangeiro; teve início a fabricação de tratores no Brasil; foram feitos investimentos na infra-

estrutura (energia, transportes, etc.); incentivou-se a instalação de empresas multinacionais.

No Rio Grande do Sul foram implantados apenas dois projetos industriais de médio/grande

porte nessa fase: a Refinaria Alberto Pasqualini e a Aços Finos Piratini.53 Dessa forma, o setor

49 GRZYBOWSKI, O trigo no Brasil, p. 24. 50 LESSA, Carlos. 15 anos de política econômica. São Paulo: Brasiliense, 1983, p.11. 51 MÜLLER, A economia política gaúcha nos anos 30 aos 60. In: DACANAL, RS: economia & política, p. 33. 52 Idem, p.27. 53 Ver BRUM, Rio Grande do Sul: crise e perspectivas, p. 44.

Page 39: Dissertação 4-S

industrial, que desde 1950 vinha expandindo sua produção através da transformação produtiva

ocorrida no período, passou a fabricar bens de produção e de capital.

A partir da década de 1970, a agricultura, voltada para a exportação da soja, passou a

depender cada vez mais da indústria, estimulando, assim, a implantação de indústrias de

máquinas e de implementos agrícolas, de fertilizantes, inseticidas e herbicidas. Segundo

Alonzo:

Um exemplo de indústria de maior grau de sofisticação em que o interior conseguiu ser bem-sucedido é o da produção de máquinas e implementos agrícolas. A explosiva expansão das culturas de trigo e soja, ao final da década de 60 e início dos anos 70, favoreceu o crescimento rápido, nas regiões agrícolas do Planalto, de empresas que atuavam na produção de implementos agrícolas simples. Estimuladas pelo aumento de demanda representado pela expansão dessas culturas, essas empresas aumentaram suas escalas e diversificaram acentuadamente as linhas de produtos. Muitas foram capazes de sobreviver às dificuldades causadas no Estado, sendo que algumas conseguiram até mesmo penetrar nos mercados de outras regiões agrícolas do país. 54

Portanto, as indústrias expandiram-se pela necessidade de utilizar tecnologia moderna

visando ao aumento da produção dos produtos de exportação. A partir da década de 1960, as

indústrias gaúchas ganharam um novo perfil, destacando-se as mais modernas e sofisticadas,

as quais tiveram um crescimento significativo, tais como as de bens de capital, de bens

intermediários e de transformação. Os produtos mais competitivos da indústria estadual

conquistaram mercados em outros estados e tiveram um salto qualitativo. Esse bom

desempenho industrial esteve relacionado, em grande parte, à expansão agrícola do estado

voltada para a exportação. A melhoria da infra-estrutura de transporte rodoviário, energia e

comunicações, ocorrida especialmente no decorrer da década de 1960 e início da década

1970, também favoreceu a implantação de novos empreendimentos.

Como já foi abordado, no período de 1950 a 1980, tanto o setor agrícola do Rio

Grande do Sul quanto o industrial sofreram uma reestruturação no modelo produtivo,

passando a empregar uma tecnologia mais avançada e a investir em produtos que até então

eram cultivados nas pequenas lavouras, como o trigo e, posteriormente, a soja. Já as

indústrias, que praticamente se destinavam à produção de bens não-duráveis, investiram na

fabricação de bens duráveis e de capital, na década de 1950, e de insumos, na de 1970.

54 ALONZO, J. Antônio Fialho. Crescimento inter-regional no Rio Grande do Sul, nos anos 80. A economia gaúcha e os anos 80: uma trajetória regional no contexto da crise brasileira. Porto Alegre: FEE, 1990, p.82.

Page 40: Dissertação 4-S

Além disso, a diferenciação entre áreas de campo e áreas de mata diminuiu

consideravelmente com a expansão do processo de modernização agrícola iniciado no norte

do estado, do qual faz parte o município de Passo Fundo. Em seqüência, relatamos o

processo de expansão agrícola neste município, com o intuito de verificar como ocorreu a

modernização agrícola na pequena propriedade, mais especificamente no distrito de São

Roque, que constitui o espaço delimitado para este estudo, bem como as transformações que

ocorreram no meio rural em decorrência desse processo.

Page 41: Dissertação 4-S

CAPÍTULO 2

O MUNICÍPIO DE PASSO FUNDO E SEU DESENVOLVIMENTO

ECONÔMICO (1950-1980)

O estudo do regional permite a percepção das particularidades em articulação com o

global, pois cada lugar tem características universais e particulares, podendo confirmar ou

refutar as grandes sínteses até agora impostas como válidas para todas as realidades

históricas.55

Assim, o município de Passo Fundo, que se situa no norte do Rio Grande do Sul,

inserido no contexto econômico do estado apresentado anteriormente, obteve um bom

desempenho no processo de modernização agrícola e apresentou algumas particularidades,

como, por exemplo, o surgimento dos granjeiros, que é uma especificidade da região.

Tentamos mostrar que esse processo exigiu e também desencadeou uma reestruturação da

propriedade da terra, envolvendo concentração/desapropriação/êxodo rural, o surgimento de

novos atores e a expansão da industrialização/urbanização.

Pretendemos também mostrar que os pequenos produtores, conhecedores e praticantes

das técnicas agrícolas tradicionais nas áreas de mata de Passo Fundo, não foram os pioneiros

no processo de modernização da agricultura, pois até o final dos anos 1960 dedicavam-se a

produção diversificada de produtos agrícolas e artesanais comercializando o excedente na

zona urbana e negociando com comerciantes rurais. A introdução desses no processo de

modernização agrícola deu-se por iniciativa do trabalho de extensão rural através dos Clubes

4-S.

2.1 Breve histórico da ocupação do município

55 Ver RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti. História regional: dimensões teórico-conceituais. História: Debates e Tendências, Passo Fundo: UPF, v.1, n.1, jun. 1999.

Page 42: Dissertação 4-S

A ocupação do município de Passo Fundo caracterizou-se pela especificidade da

população, composta pelos birivas e imigrantes, bem como pelo uso diferenciado da terra

em áreas de campo e em áreas de mata.

Os campos, conhecidos como “campos serranos”, foram ocupados,

primeiramente, pelos bandeirantes paulistas, identificados localmente como “birivas”,56

os quais adquiriam concessões de terra com facilidade e formaram grandes fazendas no

município no início do século XIX. Foram eles os responsáveis pela introdução de

escravos na região. A respeito da apropriação da terra no Planalto gaúcho Zarth

ressalta:

Na primeira fase da apropriação efetiva da terra na região, iniciada na década de 1820, ocorreu a ocupação dos campos nativos e a formação das estâncias pastoris. Nessa fase, que marcou o início do latifúndio regional, as principais vítimas foram os indígenas locais, aos poucos encurralados nas densas florestas que demandam as margens do rio Uruguai [...]. Apenas as áreas cobertas com pastagens naturais foram apropriadas de forma efetiva pelos fazendeiros, que deixaram de lado as áreas cobertas de mato entremeadas com os campos. Na segunda fase, que não sucedeu-se, rigorosamente, à primeira, mas, em parte, transcorreu concomitante a ela, houve uma frente extrativista que avançou sobre as áreas florestais em busca de erva -mate. Esses contingentes de coletores de mate eram ao mesmo tempo pequenos agricultores de subsistência que, por forças circunstanciais, não se tornaram proprietários das terras que ocupavam e nem dos ervais.57

O processo de ocupação de terras excluía os índios, os negros e os caboclos. A

partir de 1834, a população de Passo Fundo ampliou-se com a chegada de imigrantes

portugueses, alemães, austríacos, italianos e de outras nacionalidades. Todavia, foi

somente a partir de 1895 que o município recebeu colonos organizados pelo poder

público ou por empresas particulares e com o fim de produzirem excedentes.58

Com a Lei de Terras, a partir de 1850 foi cessando o regime de apropriação de

áreas de terra via apossamento e abriu-se o mercado da terra para projetos de

colonização, surgindo, assim, os pequenos proprietários. No entender de Parizzi:

O incremento da ocupação e colonização de Passo Fundo só vem a se desenvolver, após a construção da estrada de ferro vinda da cidade de Santa Maria, ligando o norte do Estado a Porto Alegre, atingindo Cruz Alta, Carazinho e Passo Fundo, chegando os trilhos, no início do século XX, na região de Marcelino Ramos, no rio Uruguai. Esse fato, permite a chegada de muitas levas de col onizadores estrangeiros, porque o potencial de

56 GEHM, Delma Rosendo. Passo Fundo através do tempo. Passo Fundo : Academia Passo-Fundense de Letras, 2v, p.1. 57 ZARTH, Paulo Afonso. História agrária do Planalto gaúcho 1850-1920 .Ijuí: Unijuí, 1997, p.39. 58 Ver OLIVEIRA, Francisco Antonino Xavier e. Annaes do município de Passo Fundo : aspecto histórico. Passo Fundo: UPF, 1990. 2 v. p. 253-285.

Page 43: Dissertação 4-S

terras de mato para vender, pelas empresas colonizadoras, aos futuros pequenos proprietários, era muito grande. Com isso, o imenso território de Passo Fundo ia sendo, aos poucos, fracionado, até se dividir em várias localidades e futuros municípios.59

Na época, várias colônias foram fundadas no território de Passo Fundo, entre as

quais a de Erechim, Colorado e Selbach, Ernestina, Quatro Irmãos, Dona Júlia, Marau,

Sarandi.60

No início do século XIX, segundo Rückert, em Passo Fundo conformava-se um

território formado por fazendeiros, que subordinavam camponeses através de relações

de trabalho não assalariadas, e por grande número de pequenos proprietários, que

obtinham sua produção de uma agricultura praticada pelo trabalho familiar. Dessa

forma, encontram-se presentes nessa instância da história o proprietário fundiário

(fazendeiro), que administrava uma pecuária decadente; camponeses caboclos não

proprietários, que trabalhavam nas fazendas sob relações de trabalho não capitalistas;

camponeses colonos, pequenos proprietários, que praticavam uma policultura alimentar

com base no trabalho familiar, visando ao mercado e à sua reprodução simples. 61

No período que antecedeu a chegada dos imigrantes, a presença dos pecuaristas

foi marcante no município de Passo Fundo pelas atividades que desenvolviam, fazendo o

transporte de muares para a feira de Sorocaba, vendendo erva-mate para o Uruguai e

para o Rio da Prata, bem como exportando pedra ágata para fábricas na Alemanha.62

Com a entrada dos imigrantes compôs-se um novo quadro social e econômico: mulas,

erva, pedras passaram a constituir o comércio de exportação de Passo Fundo, que se

desenvolveu pelo tempo adiante, fortalecendo-se com novos produtos, tais como a

madeira para construção, aguardente, açúcar, farinhas, fumo e grãos.63

A seguir detalhamos o modo como se desenvolveram as bases primárias da

economia agrícola do município e da sua inserção no processo de modernização.

2.1.2 A agricultura

A pecuária, a agricultura e a indústria extrativa centrada na erva-mate e na

madeira constituíram as bases primárias da economia do município. Neste estudo,

tratamos mais especificamente da agricultura, a fim de compreendermos quando esta

59 PARIZZI, Marilda Kirst. Passo Fundo sua história e evolução. Passo Fundo: Berthier, 1983, p.21. 60 Id. ibid. 61 RÜCKERT, A produção capitalista do espaço: construção, destruição e reconstrução do território no planalto rio-grandense. 62 Ver OLIVEIRA, Annaes do município de Passo Fundo : aspecto histórico, p.123-127. 63 GEHM, Passo Fundo através do tempo, p. 27.

Page 44: Dissertação 4-S

passou a ocupar um lugar de destaque na região, superando a pecuária, que, até então

era a atividade principal no estado e também no município de Passo Fundo.

No século XIX, a produção agrícola do município encontrava-se praticamente

estagnada; as colheitas feitas não eram suficientes nem para o consumo e pouco se

exportava. Para mudar essa situação, reivindicavam-se melhorias nas estradas,

facilidades de transporte, fretes mais baratos, pois a distância dos centros consumidores e

do litoral dificultava o transporte e encarecia os fretes. Defendia-se também que a

colonização impulsionasse o plantio de excedentes agrícolas, 64 como bem ilustra Oliveira:

“A colonização do Alto Uruguai trará muitas esperanças ao cultivo. As mãos calejadas

dos colonos inteligentes revolvendo a face das terras banhadas pelas águas do majestoso

rio, desvendarão tesouros que já não são mistérios para ninguém.”65

Sobre o promissor desenvolvimento agrícola previsto para o município, Oliveira, em

seu relatório de propaganda agrícola, ressaltava: “Lembramos as palavras do naturalista dr.

Reinaldo Hensel que disse, quando aqui esteve, no ano de 1865, que os municípios de Passo

Fundo e Vacaria podiam fornecer de trigo, centeio e cevada a todo o Império."66

As primeiras lavouras de trigo foram plantadas na região de Passo Fundo por

volta de 1858, período em que os produtores de trigo já recebiam estímulos para

desenvolver a cultura através de prêmios67. Relata-se que agricultor, João Kus, do

Primeiro Distrito, colhera mais de cem alqueires de trigo, razão pela qual fora premiado;

foi esse produtor que iniciou a moagem e fabricação de farinha de trigo no município.68

Até meados do século XX, a agricultura denominada “lavoura” era desenvolvida nas

áreas de mata do município de Passo Fundo, que contava com grandes núcleos de

colonização. Nas lavouras cultivavam-se feijão, milho, trigo, arroz, fumo, cana-de-açúcar,

vinha e a mandioca, e, em pequena escala, cevada, centeio, algodão, linho, alfafa, fumo,

amendoim e outras plantas. Na fruticultura, destacava-se o cultivo de pêssego, de laranja,

maçã, pêra, ameixas, caqui, figo, cereja e mandioca. Entre os produtos que eram produzidos

em larga escala para exportação estavam feijão, milho, arroz e trigo. 69 A Tabela 4 mostra

que Passo Fundo ocupava o segundo lugar no estado na produção de trigo.

Tabela 4 – Municípios de maior produção de trigo do Rio Grande do Sul – Safra 1927-28

64 Idem, p. 123, 142. 65 Idem, p, 123. 66 Idem, p. 156. 67 A premiação aos agricultores visava estimular a cultura e foi instituída pela Assembléia Legislativa. 68 Idem, p. 155. 69 Ver, OLIVEIRA, Annaes do município de Passo Fundo: aspecto histórico, p. 98.

Page 45: Dissertação 4-S

(em toneladas)

Municípios Produção % Erechim 12.000 10,1 Passo Fundo 9.300 7,8 Vacaria 9.200 7,8 Guaporé 8.400 7,1 Bento Gonçalves 6.340 5,4 Alfredo Chaves 5.100 4,3 Lagoa Vermelha 5.000 4,2 Caxias 4.000 3,4 Garibaldi 3.900 3,3 Santo Ângelo 3.800 3,2 Total 67.040 56,6 Total do estado 118.510 100,0 Fonte: Rio Grande do Sul. Secretaria do Estado dos Negócios do Interior e Exterior. Anuário Estatístico do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Oficinas Gráficas d’A Federação, 1928. p. 760-2.

Nas décadas de 1920 e 1930, era grande o entusiasmo pelo cultivo do trigo, que

rendia mesmo sem muitos cuidados técnicos, mostrando que a cultura adaptava-se às

condições naturais da região. Segundo Oliveira, a cultura era feita ainda em sua maior

parte sem a observância das recomendações específicas para o trigo.70 Em muitos casos,

inclusive, nem mesmo a escolha da semente era feita, sendo lançada à terra como saía do

celeiro ou vinha do armazém.71

A preocupação com o desenvolvimento agrícola de Passo Fundo nesse período era

demonstrada através de propagandas, de conferências para os produtores rurais e de

excursões feitas aos distritos, meios utilizados para difundir a idéia da importância do cultivo

do trigo. Entretanto, as técnicas simples de cultivo do solo, a falta de sementes ou a má

qualidade dessas, a falta de imunização acabavam por prejudicar a produção. Segundo

Oliveira, uma parte da terra era preparada num processo que consistia em roçar, derrubar e

queimar as matas para depois fazer a plantação, uma vez que o arado ainda não fora

introduzido no trabalho agrícola do município.72 Em relatório sobre a produção agrícola,

Oliveira já apontava para a necessidade de um acompanhamento mais rigoroso no cultivo do

trigo:

70 Idem, p. 154. 71 Id. ibid. 72 Idem, p. 156.

Page 46: Dissertação 4-S

Se fosse possível a criação de um serviço permanente em favor da cultura, dirigido por profissional que auxiliasse os lavradores com o seu conselho benéfico, removendo as imperfeições notadas e ministrando as informações necessárias ao assunto, estou certo de que o resultado imediato seria um desdobramento extraordinário da produção.73

As lavouras não apresentavam o rendimento desejado e demandavam impulsos

decisivos visando à uniformização da cultura. Entre essas medidas destacava-se a

implantação de postos técnicos, experimentais e distribuidores de sementes, cuja função

seria aumentar a produção e diminuir as importações. Segundo Oliveira, se não

precisássemos exportar tão fabulosa soma para termos o pão-nosso-de-cada-dia, toda essa

“dinheirama” poderia ser incorporada ao organismo nacional, contribuindo, assim, para nossa

riqueza e poderio.74 Dizia ainda o autor: “O precioso grão, pela sua insuficiente lavoura no

país, tanto ouro desvia anualmente para o estrangeiro”.75

Além disso, as altas importações do produto, que provinham da Argentina e eram

constituídas, basicamente, por farinha de trigo, também eram alvo das preocupações do

município de Passo Fundo. O trigo importado destinava-se ao consumo nos centros urbanos

em expansão, especialmente do Centro do Brasil, e para adquiri- lo o país exportava para

aquele país.76

Com a crise nas exportações do café, a capacidade de importação diminuiu e, durante

o Estado Novo (1937), o governo estimulou a diversificação da produção na área do café e a

industrialização; diminuíram-se as importações dos bens de consumo e deu-se prioridade à

importação de máquinas e material de transporte. Segundo Grzybowski:

Essa estratégia comercial que visava interiorizar e dinamizar o desenvolvimento da economia brasileira, atingiu diretamente o setor agrícola. Estimulou-se a diversificação da produção na região do café, capaz de atender a evolução do mercado externo e interno, e ampliou-se a integração de outras regiões e produtos com vistas à expansão deste mercado interno.77

Dessa forma, era necessário organizar o mercado, aumentar a produção e diminuir a

importação, que era constituída em mais de 90% por farinha de trigo. As lavouras do Rio

Grande do Sul, apesar do pouco excedente que geravam, destacavam-se na produção e no

73 Idem, p.154. 74 Idem, p 158. 75 Id. ibid. 76 GRZYBOWSKI, O trigo no Brasil, p. 19.

Page 47: Dissertação 4-S

suprimento do mercado interno. Então, visando aumentar a produção, foram instaladas

estações experimentais e postos de multiplicação de sementes; fixaram-se preços para o trigo

nacional, quotas mínimas de trigo nacional para serem adquiridas nos moinhos e crédito

agrícola para a compra de máquinas.

A preocupação governamental com o aumento da produção do trigo refletiu-se em

Passo Fundo quando, em outubro de 1938, inaugurou-se a Estação Experimental de Passo

Fundo, serviço federal destinado a realizar o cultivo científico do trigo, situada no Desvio

Englert, hoje município de Sertão.78 A estação experimental do trigo fazia parte de uma das

36 repartições do Ministério da Agricultura, sob a supervisão de Álvaro Barcelos Fagundes;

era a maior em extensão, possuindo em torno de 1 706 acres de terra e uma termoelétrica

própria, sendo dirigida por Moacir Pedro Lopes Sampaio.79 Como perspectiva promissora para a agricultura, observa-se o número de indústrias de processamento de transformação de produtos

agropecuários a partir de 1930. Passo Fundo contava, então, com moinhos coloniais para a fabricação de farinha de trigo, de milho e de

mandioca, além de outros estabelecimentos que atuavam na fabricação de vinho, de aguardente, rapaduras, fumo, artefatos de palha e de

vime e arroz beneficiado, com a matéria-prima fornecida pela agricultura.

Quanto aos moinhos coloniais, foram esses estabelecimentos indispensáveis na zona

rural, os quais funcionaram até que as restrições governamentais relacionadas à política do

trigo, a pressão dos moinhos maiores, a concorrência, a mecanização da agricultura, que

diminuiu a cultura do trigo dando lugar à da soja, os afetassem sobremaneira, levando a que

muitos encerrassem suas atividades ou permanecessem apenas moendo milho, conforme será

abordado no decorrer do trabalho. Alguns moinhos de maior porte foram instalados no

município e destacaram-se pelo volume das instalações, pelo aperfeiçoamento do trabalho e

capacidade de produção. Entre esses se destacam o Moinho São Luiz, da empresa Busato

Lângaro & Cia., e o Moinho Passo-Fundense. Oliveira ratifica o apresentado:

O primeiro, com a denominação de “Moinhos São Luiz”, foi inaugurado em 1926 e produz as marcas “Excelsa”, “Primazia”, “Satélite” e “Oliva”, cuja produção em 1933 foi de 60.990 sacas pesando 2.683.560 quilogramas. No corrente ano, já elaborou 57.500 sacas pesando 2.530.000 quilogramas, mas espera elevar a produção a mais de 100.000 sacas até o fim do mesmo. O segundo, denominado “Moinho Passo-Fundense”, é de construção recente, pois que só veio a entrar em trabalho em fins do ano passado, e produz as marcas “Sulina”, “Plus Ultra”, “Polar” e “Colonial”, cuja produção, no corrente ano, ascende já a 3.750.000 quilogramas, devendo,

77 Idem, p.19. 78 PARIZZI, Passo Fundo sua história e evolução, p. 50. 79 DIEHL, Astor Antônio (Org.). Passo Fundo: uma história, várias questões. Passo Fundo: UPF, 1998.

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porém, elevar-se consideravelmente até a terminação do mesmo. As farinhas de primeira classe, produzidas por ambos, rivalizavam com as melhores que se consomem no país e são exportadas tanto para este como para outros estados da União.80

A imprensa de Passo Fundo, por meio do jornal O Nacional, registrou a expectativa

desencadeada em torno da instalação do Moinho Rio-Grandense:

Em companhia do sr. Pedro Vargas, representante da firma Vva. Albino Cunha & Cia. esteve ante-hontem, em visita á nossa redacção o sr. Gustavo Kauffmam, gerente geral da “S. A. Moinhos Rio-Grandenses” que, por parte desta, veio ultimar os estudos para a installação aqui, de um moinho idêntico aos que a companhia possue em Porto Alegre e Pelotas, sob as denominações de “Rio-Grandense”, “Porto-Alegrense”e “Pelotense”. Em palestra que comnosco manteve-se, o sr. Kauffmam informou-nos que o estabelecimente industrial em vias de execução, terá capacidade para moer cincoenta toneladas de grãos por dia, satisfazendo, assim, as previsões do aumento da cultura do trigo nesta zona que, de anno a anno, é intensificada consideravelmente. Será elle construído em terrenos da firma Vva. Albino Cunha & Cia. à Avenida Progresso e onde ora se encontra o armazém da referida firma, que é a principal accionista da “S. A. Moinhos Rio-Grandenses”, e a cuja influência originar-se-á a realização do emprehendimento com o qual muito terá a lucrar Passo Fundo. O sr. Gustavo Kauffmann que regressou hoje para a Capital do Estado, segundo informou-nos, colheu os dados que necessitava e que, submetidos ao apreço dos accionistas da Companhia, são de ordem a determinar a imediata execução das obras do novo estabelecimento.81

Diante disso, fica evidente o destaque que a cultura do trigo vinha recebendo no

município, mesmo que fosse realizada com técnicas bastante rudimentares, o que era um

motivo de preocupação para a Inspetoria do Trigo da Secretaria da Agricultura, Indústria e

Comércio. Essa entidade, desde 1940 procurava chamar a atenção dos agricultores para a

necessidade de melhoria dos métodos utilizados para trabalhar o solo, visando a um melhor

aproveitamento das áreas abandonadas e a um melhor rendimento e qualidade dos produtos.

Vejamos a respeito ilustrativo texto publicado no jornal local:

Vivemos na velha rotina de nossos avós, esquecidos de que os tempos mudaram e que com eles a evolução se processa paralelamente em todos os outros ramos de nossa atividade. Mas nós, os agricultores, nos deixamos negligentemente atrás. É hora de despertarmos. É necessário que melhoremos os métodos antiquados de cultivar o solo, assim como a qualidade dos produtos. A maioria de nossos agricultores não vai além do cabo da enxada. Fogem da rabiça do arado, desculpando-se com o preço deste instrumento indispensável, ou com os tocos, ou com as pedras existentes no terreno. Não querem eles compreender que o trabalho do arado eqüivale ao de 5 homens e que o mesmo afrouxa e revolve convenientemente a camada superior do solo, até 18 centímetros de profundidade. Paralelamente ao uso do arado, devemos empregar sementes de plantas de boa qualidade e de maior rendimento. O agricultor que

80 OLIVEIRA, Annaes do município de Passo Fundo. aspecto histórico, p. 247. 81 O trigo em Passo Fundo. O Nacional, Passo Fundo, 15 maio 1930, p. 2.

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lavra as suas terras e emprega sempre as melhores sementes, lucra mais, pois o rendimento de suas colheitas será maior. 82

A passagem transcrita demonstra o esforço realizado pela Inspetoria no sentido de

estimular o aumento da produção de trigo, que se mantivera estagnada no estado até 1940,

sendo cultivado sem maiores conhecimentos técnicos; por conseqüência, houve a necessidade

de aumento das importações do produto para suprir o mercado nacional em expansão.

Para modernizar o processo, conferências e exposições tratavam do trigo, além de

serem feitas reivindicações quanto a melhores estradas, transporte, orientações técnicas.

Também se solicitava a instalação de postos técnicos experimentais e distribuidores de

sementes, para atender os agricultores. Essas reivindicações passaram a ser atendidas no

governo de Vargas, que estimulou a produção do trigo visando reduzir a importação do

produto. A expectativa então gerada levou ao aumento do número de moinhos em Passo

Fundo.

2.1.3 A inserção do município de Passo Fundo no processo de modernização

agrícola: 1950-1980

A produção tritícola foi impulsionada através de vários incentivos governamentais,

visando à recuperação da agricultura do Rio Grande do Sul, ao aumento de produção do

cereal básico na alimentação e à redução do volume das importações de bens de consumo.

Para isso, foram criados postos de multiplicação de sementes, estações experimentais; foi

determinada a garantia de preços mínimos, de crédito e subsídios; expandiu-se a indústria

moageira; investiu-se na infra-estrutura de comercialização e também em melhorias

tecnológicas, objetivando expandir o mercado interno.

Com esse intuito, em 1944, o governo federal criou o Serviço de Expansão do Trigo

(SET) junto ao Ministério da Agricultura, cuja função era centralizar e coordenar a política do

setor; distribuir gratuitamente sementes; promover a criação de cooperativas e fiscalizar o

comércio e a industrialização do cereal. A partir de 1951, transferiu ao SET a

82 A agricultura serrana deve aumentar e melhorar a sua produção. O Nacional, Passo Fundo, 19 jun. 1940,

Page 50: Dissertação 4-S

responsabilidade de estabelecer as quotas de compra do trigo nacional para a indústria

moageira, bem como de estabelecer os preços mínimos para o trigo.83 Realmente, o estímulo

por parte do governo contribuiu para a expansão das lavouras de trigo, aumentando a

produção nacional, desenvolvendo o setor de moagem de trigo com a ampliação das

importações em forma de grão e com a diminuição das importações de trigo em forma de

farinha.

Em Passo Fundo, a preocupação com a produção do trigo sempre foi motivo de

discussão em encontros, mesas-redondas, debates de associações, que se tornaram momentos

de reivindicações, de contatos com políticos e representantes do setor em nível nacional.84

Nesses encontros também se discutia sobre a superação das técnicas de cultivo, a falta de

estradas para escoamento, o desenvolvimento do comércio e da industrialização, além de se

pressionar o governo na tentativa de impedir que fizesse importações de trigo.

Nas pequenas propriedades, os produtos coloniais eram cultivados com base na

agricultura tradicional, caracterizada pela utilização intensiva dos recursos naturais, da mão-

de-obra familiar e de instrumentos simples de trabalho. A terra era preparada com a enxada,

num processo que consistia em roçar, derrubar e queimar as matas, objetivando produzir para

a alimentação da família e destinar o excedente à comercialização. Nessa fase, a economia

apresentava elevado grau de integração local; o setor agrícola não dependia da indústria no

seu processo produtivo, pois a agricultura não havia sido mecanizada ainda e os produtores

não utilizavam fertilizantes.

As dificuldades, entretanto, tornavam-se cada vez mais visíveis, com o

esgotamento do solo, a redução do tamanho das propriedades rurais em decorrência das

partilhas por herança e os baixos preços pagos pelos produtos coloniais. A alternativa

encontrada, então, para melhorar esse quadro foi a modernização da agricultura, que consistia

no processo de mecanização e tecnificação da lavoura. Conforme Brum: “Na região do

Planalto gaúcho existiam condições para a implantação de grandes lavouras mecanizadas,

quer em termos de terreno adequado, quer de pessoas capazes de aceitar o desafio de levar

p.12. 83 Ver RÜCKERT, A.; DAL MORO, S., M. A agricultura no processo de desenvolvimento no Planalto rio-grandense. Revista de Filosofia e Ciências Humanas, Passo Fundo: UPF, ano 1, n. 3, out. 1986. 84 Ver TEDESCO, João Carlos; SANDER, Roberto. Madeireiros, comerciantes e granjeiros: lógicas e contradições no processo de desenvolvimento socioeconômico de Passo Fundo ( 1900-1960). Passo Fundo UPF, 2002.

Page 51: Dissertação 4-S

avante os empreendimentos.” 85 Assim, “ a triticultura mecanizada no campo iniciou em 1946,

em Passo Fundo e Carazinho, e, alguns anos depois, em Ijuí e Santo Ângelo, estendendo-se

rapidamente a outros municípios na década de 50 [...].”86

O período de 1950 a 1960 caracterizou-se, de um lado, pelo cultivo de produtos

típicos da pequena propriedade familiar, prática conhecida como “policultura”, cujos

produtos principais eram milho, uva, feijão, batata e outros; por outro, pelo cultivo

progressivo do trigo, que ocupou o segundo lugar na produção total em tonelagem e área

cultivada, conforme a Tabela 5.

Tabela 5 - Produção total, tonelagem e área cultivada na região de Passo Fundo em 1950 e 1960

1950 1960 PRODUTO TON ÁREA (HA) TON ÁREA (HA)

Milho 382.057 290.713 566.015 413.495

Trigo 127.267 176.291 171.783 283.836 Uva 30.662 4.962 64.361 8.844 Feijão 25.913 39.890 33.413 61.399 Batata 9.380 3.416 12.795 - Cevada 6.783 9.274 3.430 - Fumo 1.749 802 4.802 - Aveia 987 1.637 371 - Soja 52 - 22.033 32.841 Fonte: IBGE, Censos Agrícolas de 1950 e 1960 Dados inexistente na fonte

Em primeiro lugar entre as culturas na região estava o milho, plantado especialmente

na pequena propriedade, cuja grande produção e importância eram atribuídas, sobretudo, à

associação da pecuária com a suinocultura. O milho fornecia insumos e matéria-prima para

os armazéns, os moinhos, os matadouros e os frigoríficos.

No decorrer da década de 1950 e na de 1960, a agricultura tradicional, que vinha

sendo praticada até então, não estava conseguindo corresponder às necessidades dos

agricultores, razão pela qual muitos desses, desestimulados, empobrecidos, migraram para

outras regiões, como o Paraná e Oeste de Santa Catarina, explorando novas áreas de mata.

Pesavento descreve bem a situação do pequeno agricultor:

85 BRUM, A modernização da agricultura : trigo e soja , p. 72 86 Idem, p. 74.

Page 52: Dissertação 4-S

Quanto à lavoura colonial, o baixo nível técnico dos minifúndios, que limitava a produtividade, vinha associar-se a uma política de baixos preços para os produtos agrícolas, imposta pelo capital comercial/industrial. As máquinas se apresentavam muito caras para os pequenos proprietários, que não tinham condições de obter crédito fácil para poder adquiri-las. Além de tais problemas, a crescente concentração da propriedade das terras no estado limitava-se as chances de expansão da área agrícola policultora. O Rio Grande, nos anos 50, apresentava-se como o estado que mais população emigrante fornecia para outros estados, enquanto que era também a unidade da federação que menos brasileiros recebia.87

Diante disso, podemos entender que esses pequenos agricultores, passando por tantas

dificuldades, não fossem os pioneiros do processo de modernização da agricultura, o qual

levou à concentração da propriedade da terra. Eles viram com descrédito o cultivo do trigo

nas áreas de campo e, inicialmente, ficaram receosos quanto a solicitar crédito bancário,

o que implicava a hipoteca da terra. Assim, o pioneirismo da modernização agrícola ficou

com os granjeiros, conforme mostramos em seqüência.

2.1.4 Os granjeiros e a concentração fundiária

As terras foram arrendadas por novos empresários, os granjeiros, em sua maioria

descendentes de colonos e profissionais liberais, que passaram a ver no plantio do trigo um

negócio promissor. Segundo Rückert:

Os "granjeiros", além de descendentes de colonos, num determinado momento de suas vidas, já haviam desenvolvido uma atividade não agrícola, como serrarias, transportes, pequenas indústrias locais e comércio nas colônias. Isto os havia colocado em contato com o exterior “extra-comunidade”, o que lhes proporcionou um certo “ senso para os negócios”. A adesão à agricultura empresarial proporcionou-lhes uma ocasião de enriquecimento. Também aqueles profissionais liberais ( como advogados e médicos, então denominados de "poetas da agricultura"), com raízes no mundo rural colonial, puderam ultrapassar a condição de colonos de seus pais e/ou avôs, criando novas formas produtivas em meio a setores conservadores da pecuária tradicional no Planalto, introduzindo, pela primeira vez, a agricultura mecanizada em terras de campo.88

Com o estímulo do governo para desenvolver a produção agrícola, os granjeiros

passaram a investir no plantio do trigo, arrendando terras, comprando máquinas e cobrindo as

áreas de campo com o cereal. A partir de 1949, com a liberação das importações de

máquinas e adubos necessários para a agricultura, essas lavouras foram intensificadas,

87 PESAVENTO, História do Rio Grande do Sul, 124. 88 RÜCKERT, A agricultura no processo de desenvolvimento no Planalto rio-grandense. Revista de Filosofia e Ciências Humanas, p.53.

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incorporando áreas que antes eram destinadas à pecuária extensiva. Conforme Tedesco e

Sander:

A agricultura regional, na década de 1940, ainda se caracterizava pela presença maciça da mão-de-obra familiar; as estâncias continuavam relutando em alterar seu ramo básico de atividade. A partir da década de 1950, no entanto, com a maior intensidade da cultura do trigo, manifestou-se na região a figura do empregado rural, do meeiro/parceiro e do arrendatário. Então a cultura do trigo passou a ganhar correspondência, saindo do pequeno agricultor familiar, de quase-subsistência, para uma agricultura moderna e de total conotação mercantil [..]. O capitalista proprietário/pecuarista, em grande parte, tornou-se capitalista rentista e começou a arrendar parte de suas terras para a produção de trigo.89

Nesse primeiro período (1940/1950), os granjeiros, passaram a investir o capital

acumulado com o comércio ou a indústria na propriedade rural. Com isso, as terras de

campo, consideradas impróprias para o cultivo do trigo em razão da menor fertilidade em

relação às terras de mato, passaram a ser utilizadas, dando início à agricultura mecanizada.

Ilustrando, encontramos na pesquisa que, em Passo Fundo, Mario Goelzer, industrial e

vereador passo-fundense, foi homenageado durante a Semana da Triticultura, realizada em

1950, que teve a participação de várias autoridades, por ter sido pioneiro na cultura intensiva

do trigo por processo mecanizado, em meio às “barbas-de-bode”. Conforme a imprensa local,

Mario Goelzer deitara abaixo a velha crença de que “só nas terras de mato é que o trigo dá”.

Essa inovação do benemérito pioneiro abrira novas perspectivas à triticultura no município de

Passo Fundo e em todo o estado do Rio Grande do Sul. 90

Então, os fazendeiros passaram a arrendar as terras, monopolizando-as e obtendo

renda sem nada produzir. Nesse momento, aqueles que eram excluídos das terras

(camponeses caboclos, colonos sem terra) deslocaram-se para a zona urbana ou empregaram-

se na zona rural, buscando uma alternativa de sobrevivência. Segundo Rückert, “milhares de

famílias de camponeses sem terra, os quais haviam transformado-se em marginais, retornam

ao campo na condição de assalariados. Uma das mais importantes conseqüências da expansão

da triticultura é o extraordinário encarecimento das terras que ela provocou.”91

89 TEDESCO, Madereiros, comerciantes e granjeiros: lógicas e contradições no processo de desenvolvimento socioeconômico de Passo Fundo (1900-1960), p. 108. 90 Semana da Triticultura. O Nacional, Passo Fundo, 23 maio 1950, p. 1. Objetivo da Semana da Triticultura era expor a região de Passo Fundo no cenário econômico brasileiro, centralizar a cultura do trigo, estimular os agricultores e mostrar ao Brasil o acerto das políticas públicas para o setor. 91 RÜCKERT, A produção capitalista do espaço: construção, destruição e reconstrução do território no Planalto rio-grandense.

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Com a grande valorização do arrendamento de terras, ser proprietário ou concentrar

terras passou a ser um ótimo negócio. Nas décadas de 1950 e 1960, as “fazendas Sarandi,

Arvoredo, Bugre Morto, Macali, Brilhante e outras foram os espaços de intensa atividade de

arrendatários provenientes, em grande parte, de espaços urbanos da região principalmente de

Passo Fundo e de Carazinho”. 92 Já, na década de 1970, diminuíram os arrendamentos e

aumentou a procura de terra para compra. Conforme análise de Rückert, dentre as principais

transformações do território agrário, enfoca-se “o movimento da gênese dos capitalistas

arrendatários de terras de campo no planalto rio-grandense, transformados em capitalistas

proprietários fundiários (o que configura sua territorialização), bem como a destruição da

parte do território camponês”. 93

Assim, a produção de trigo expandiu-se nas áreas de campo com a tecnificação e a

mecanização implementada pelos granjeiros; os preços externos mantiveram-se elevados;

cresceu a importância da indústria de moagem; as relações entre arrendatários, proprietários

fundiários, empregados rurais e meeiros intensificaram-se e o cultivo do trigo adquiriu

conotação mercantil, enquadrando-se no processo de modernização agrícola.

2.1.5 Crise na produção tritícola e as novas medidas de comercialização

A partir da segunda metade da década de 1950, a fase expansiva da produção tritícola

entrou em crise, acarretada por vários fatores, entre os quais estavam o incentivo à

monocultura, que provocou o esgotamento do solo; as condições climáticas desfavoráveis e

doenças; a falta de recursos e de conhecimentos técnicos dos pequenos agricultores que

cultivavam o produto; problemas de transporte e de frete. Além desses, havia outros, como a

alta produção de 1955, que ocasionou problemas de armazenamento e comercialização, e os

incentivos para os moinhos adquirirem o trigo importado através da assinatura dos Acordos

do Trigo com os Estados Unidos (1954).

92 Idem. 93 Idem.

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Além dos problemas citados, muitos comerciantes recusavam-se a comprar o trigo

nacional, que acabava se deteriorando nos galpões improvisados pelos colonos. Eram

evidentes, portanto, as dificuldades enfrentadas pelos triticultores de Passo Fundo para

comercializarem e armazenarem o trigo, o que constatamos analisando as proposições que

transitaram na Câmara Municipal de Vereadores de Passo Fundo.

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES

PASSO FUNDO

Exmº. Sr. Presidente. Todos os que vivem, como nós, na zona tritícola, sabem o que os triticultores, chegada a época de colheita, têm pela frente, os aflitivos e graves problemas da venda e do transporte do trigo, já que não estão em condições técnicas e financeiras para armazenarem o produto e aguardarem que os moinhos iniciem sua compra, que, na forma da portaria vigorante, está fixada para 1º de Janeiro até 30 de Abril. O nosso objetivo não é desfiar, agora, o doloroso rosário de entraves, percalços, dificuldades, bandalheiras e prejuízos verificados todos os anos nas operações de trigo. O que nos preocupa, nêste momento, secundando o que já fizeram o ilustre Sr, Mario Menegaz, digno Prefeito Municipal, e a Cooperativa Tritícola do Planalto Limitada, pelo seu digno Presidente Sr. Alvaro Lucas, e propor, como efetivamente propomos, que esta colenda Câmara, por intermédio da venerada Presidência, dirija um veemente, diremos mesmo, um vibrante apêlo aos Exms.Presidente da República, Ministro da Agricultura e Diretor do Serviço de Expansão do Trigo, no sentido de que seja urgentemente fixado o preço mínimo, bem como determinar aos moinhos a compra imediata do trigo da presente safra, salvaguardando-se os sagrados interesses dos triticultores nacionais.

Sala das Sessões, 18 de Novembro de 1955.94

No texto transcrito podemos observar a urgência com que os assuntos relacionados à

fixação de preços mínimos e prazos para a comercialização e armazenagem deveriam ser

tratados, pois, sendo um produto perecível, o trigo podia se estragar, comprometendo-se, por

conseqüência, toda a produção e prejudicando-se o produtor.

A situação do trigo nacional tornava-se, entretanto, cada vez mais grave com o

aumento das importações, que atingiram 75% do trigo cereal consumido no país em 1956 e

1957. Na época, para assegurar a colocação do trigo nacional no mercado, o governo obrigou

os moinhos a adquirirem uma cota desse, ou seja, os moinhos somente recebiam cotas de trigo

importado mediante a apresentação de comprovante de compra de determinada e proporcional

quantidade de trigo nacional. Então, as indústrias ampliavam suas instalações, objetivando a

94 Conforme pesquisa realizada no arquivo da Câmara Municipal de Vereadores de Passo Fundo. Proposições 1954/55.

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obtenção de maiores cotas e também simulavam a compra de trigo nacional para adquirir o

trigo importado, mediante adulteração de documentação e embalagem do produto. Como

conseqüência, ocorria o chamado “passeio do trigo”, que consistia em fazer o produto

estrangeiro destinado a abastecer a região Sul do país retornar para o Leste e Norte, rotulado

como se fosse de produção nacional.

Portanto, havia fraudes na comercialização do trigo, entre as quais o “passeio do

trigo”, a nacionalização do trigo, o trigo-papel e outras, que envolviam a indústria moageira,

os triticultores e o governo. Diante disso, exigiam-se medidas drásticas do governo, que, em

1962, passou a ser o único comprador de trigo, via Banco do Brasil. Segundo Grzybowski:

Os interesses em jogo eram muitos. Os diferentes governos procuraram aliviar o balanço comercial de um dos itens mais onerosos, estimulando a produção interna. Ao mesmo tempo, procuraram manter estáveis os preços do pão ao nível do consumidor. Por isto, as medidas anteriores foram complementadas e ampliadas, procurando desvincular os preços de importação. O Serviço de Expansão do Trigo passou a controlar tanto a absorção obrigatória da produção nacional pelos moinhos instalados no país, como a distribuição das quotas de trigo estrangeiro, cujas compras passaram a ser efetuadas exclusivamente pelo Banco do Brasil, a partir de 1962. Para os moinhos, o custo do trigo passou a ser assim a média entre o preço elevado do trigo nacional e o preço baixo do importado. Uma taxa cambial especial, mantendo baixo o custo do trigo importado, permitiu o funcionamento do mecanismo e, assim, assegurou o objetivo de não aumentar o custo de farinha e pão.95

Como a política do trigo envolvia vários interesses, o governo buscava equilibrar a

situação, controlando os preços. De um lado, estavam os interesses dos produtores de trigo

nacional; de outro, os do setor moageiro; mas havia, ainda, os interesses da população, que

esperava consumir o pão a preços baixos. Os moinhos preocuparam-se em ampliar seus

investimentos para aumentar a capacidade instalada e, posteriormente, passaram a reivindicar

a proibição de instalação de novos moinhos ou a ampliação da capacidade instalada dos

existentes.

Com o decreto- lei, nº 210, de 27 de fevereiro de 1967, deu-se a oficialização do

monopólio estatal, que buscava sanear o parque moage iro nacional, então constituído de 489

moinhos. As medidas do governo repercutiram sobre a indústria moageira, conforme se

relata na revista Agricultura e Cooperativismo:

95 GRZYBOWSKI, O trigo no Brasil, p. 24.

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Só o governo federal podia adquirir o trigo do produtor. Nenhum moinho poderia mais comprar o trigo do agricultor, transformá-lo em farinha e vender ao consumidor. Só os moinhos registrados na Superintendência Nacional de Abastecimento (SUNAB) e que tivessem direitos a cotas de trigo para moer é que podiam comercializar o produto e vender farinha. Se a lei conseguiu seu objetivo de moralizar o mercado comercial do trigo, ao mesmo tempo incentivou a briga pelas cotas de produto. Antigos proprietários de moinhos coloniais foram pressionados para vender seus registros. Outros tentavam negociar por fora para ter cotas maiores de moagem. E a maior parte dos grandes moinhos, controlados por empresas de capital estrangeiro, começaram a pressionar para que fossem fechados os moinhos coloniais. Com o fechamento dos moinhos coloniais, sobrava mais trigo para os grandes moinhos.96

Os moinhos coloniais saíram em desvantagem com a criação do decreto-lei 210. As

leis decretadas pelo governo eram aplicadas a todos os moinhos sem observar as condições

em que desenvolviam o seu trabalho; no caso, os moinhos coloniais tinham pouca capacidade

de moagem, ao passo que aqueles de porte maior processavam toneladas de trigo. Assim, os

moinhos coloniais, instalados especialmente nas regiões de colonização italiana, deveriam

cumprir as determinações legais. De acordo com Lavinas: “Nos anos 60, existiam

aproximadamente, 2.000 moinhos coloniais nesse Estado, participando ativamente da

moagem das lavouras de subsistência. Com o Decreto-Lei 210, a SUNAB proibiu os

moinhos coloniais de comprar, moer e vender derivados de trigo, o que levou a uma retração

do seu número para 750”. 97

Os decretos relacionados anteriormente não foram os únicos responsáveis pelo

fechamento dos moinhos coloniais, pois, a partir de 1973, no governo de Médici, foram

introduzidos os subsídios ao consumo de farinhas com o objetivo de reduzir a inflação; com

isso as empresas multinacionais do setor de moagem de cereais praticamente monopolizaram

a produção de farinha de trigo. O subsídio à farinha favorecia os agricultores em prejuízo dos

moleiros, que perdiam a sua freguesia. Em 1974, foi liberado o funcionamento dos moinhos

de mó de pedra conforme traz este registro:

No dia 5 de fevereiro de 1974 surgiu a temida Portaria 20 complicando ainda mais a situação dos moinhos coloniais. Essa portaria limitava o funcionamento dos moinhos coloniais. Essa portaria limitava o funcionamento dos moinhos dizendo ”que apenas aqueles que empregassem meios rudimentares, usando a moagem com pedra de mó, é que podiam trabalhar”. Isso significava que 80% dos moinhos coloniais existentes, que já usavam o cilindro elétrico em lugar da roda movida a água, não poderiam mais funcionar. Mas na verdade não eram só esses

96 Uma lei tenta salvar os moinhos da colônia. Agricultura & Cooperativismo, Porto Alegre, ano 1, n. 9, jan. 1977. 97 LAVINAS, Lena; MAGINA Manoel. Desregularização e globalização na reestrutração da cadeia do trigo. Análise Econômica, ano 15, n. 28, set. 1997, p. 112.

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os moinhos prejudicados. Os agricultores não iam entregar seu trigo ou seu milho para a moagem a pedra, que leva uma hora para triturar 60 quilos, quando havia moinhos mais modernos que no mesmo tempo moíam 600 quilos. Assim, a portaria 20 da SUNAB decretava a morte dos moinhos coloniais. 98

O período de 1967 a 1976 foi bastante longo para aqueles que tiveram de fechar seus

estabelecimentos. O fechamento dos moinhos coloniais teve repercussão em âmbito estadual,

pois os moleiros solicitaram a ajuda dos deputados, de órgãos como a Fetag, a Frente Agrária,

o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, reclamando da regulamentação imposta aos moinhos

que os impedia de funcionar normalmente. Assim, fundaram uma Associação de

Proprietários de Moinhos Coloniais, conforme mostra a matéria jornalística a seguir:

FETAG defende moinhos coloniais

Após assinarem a ata de fundação da Associação de Proprietários de Moinhos os srs. Gentil Bonato e Ciro Munaro, da Frente Agrária e da FETAG, remeteram minuncioso ofício ao Sr. governador, varado nos seguintes termos: O Rio Grande do Sul tem encontrado no cultivo do binômio trigo-soja uma perspectiva de melhoria das condições de vida dos pequenos proprietários rurais. No mês passado, o Ministério da Agricultura, no município de Cruz Alta lançou campanha patriótica para que o Brasil se torne auto suficiente na produção de trigo, medida que aplaudimos ardentemente. Entretanto, a meta dificilmente será alcançada se perdurar a ameaça da execução de fechamento dos MOINHOS COLONIAIS. A Federação dos Trabalhadores da Agricultura no Rio Grande do Sul, com seus 229 sindicatos e 500 000 associados já entregou ao Ministro Paulinelli documentos onde relata a preocupação, com relação a extinção dos moinhos coloniais, através do Decreto Lei nª 210, de 27/02/67 e Portaria de fevereiro de 1974. A concretizar-se tal medida, na região minifundiária do Rio Grande do Sul, além da diminuição da produção de trigo em mais de 300.000 tonelada os colonos deixarão de plantar o produto – não será alcançado o objetivo do atual Governo, que é a distribuição mais equitativa da renda. Sentimos no meio rural ambiente de intranquilidade e desconfiança, entre os proprietários de pequenos moinhos, que somam mais de 1000, e dos que se utilizam de seus serviços. Uma vez paralizados, ocasionarão consideráveis prejuízos aos seus proprietários, bem como aos que irão perder seu emprego. Mobilizando os interessados e contando com a colaboração da Frente Agrária gaúcha, fundamos, em 9/4/74, a Associação de Proprietários de moinhos coloniais “APRONCOL”, contando com a presença de 700 moageiros e 200 dirigentes sindicais e 200 dirigentes sindicais que subscreveram a ata de fundação. É preocupação da nova entidade defender os interesses da classe e buscar solução dos problemas ligados ao setor. Existe uma situação de fato e deve merecer estudo minuncioso antes que medidas radicais venham a ser tomadas, recaindo pesado ônus sobre parcela ponderável de agricultores gaúchos. Entre as várias sugestões encaminhadas pelo ofício, destacamos: adaptar à realidade atual o Decreto 210, que os Moinhos Coloniais possam adquirir trigo nacional sem o regime de cotas; que as cooperativas agrícolas sejam mais assistidas na industria da farinha para melhor atendimento aos seus associados, que em lugar de fechamento haja fiscalização saneadora. 99

98 Uma lei tenta salvar os moinhos da colônia. Agricultura & Cooperativismo , p. 9. 99 Fetag defende moinhos Coloniais. Correio Rio-Grandense, Caxias do Sul, 1º maio 1974, p.16.

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Através da Associação dos Proprietários de Moinhos Coloniais facilitou-se a

realização de encontros para reivindicar junto ao governo o funcionamento desses

estabelecimentos, como registrou o jornal Correio Rio-Grandense:

Questão dos moinhos coloniais será levada a Sinval Guazelli

Empenhados em longa batalha de que depende até sua própria existência, os representantes dos moinhos coloniais manterão encontro, no próximo dia 27 com o futuro governador do Estado Sinval Guazelli. Na oportunidade os Associados da APRONCOL – Associação dos Proprietários Moinhos Coloniais – estarão acompanhados dos dirigentes dos Sindicados dos Trabalhadores Rurais. O encontro terá lugar no Salão de Atos do colégio do Rosário – antiga PUC – na capital do Estado -, no horário das 15 horas. Determinados grupos pretendem o fechamento dos moinhos coloniais, que alcançam número superior com 1000 somente no Estado e representam emprego para mais de 8000 pessoas. O fechamento de tais moinhos, além de um duro golpe a seus proprietários, entregaria a moagem a um pequeno grupo de moinhos com registro na SUNAB. Os moinhos coloniais chegaram a ser considerados “clandestinos”, classificação que não se enquadra de modo algum na realidade pois possuem Alvará de localização e pagam impostos. O Decreto 210/67 teve uma importante função na época em que foi decretado, com o objetivo de fiscalizar a distribuição do trigo importado, já que muitas realizavam compras fictícias, no chamado escândalo do trigo – papel. Certamente não foram os moinhos coloniais os que aproveitaram a compra fictícia. Os dirigentes da APRONCOL e dos sindicatos estão otimistas em relação aos moinhos coloniais já que o atual governo do Estado, reiteradas vezes mostrou-se favorável às suas metas. Fechados os pequenos moinhos, os agricultores seriam obrigados a enviar aos grandes a pequena quantidade do cereal por eles consumidas.100

Entretanto, somente em 1976 foi sancionada a lei regulamentando o funcionamento

dos moinhos coloniais,101 quando então muitos já estavam desativados, o que implicaria altos

investimentos, para retornar as atividades; além disso permaneciam os subsídios à farinha, o

que reduzia a necessidade e a procura pelos serviços oferecidos pelos moinhos coloniais.

Assim, no período de crise da triticultura, exigia-se cada vez mais uma política agrícola que

atendesse aos interesses governamentais, dos triticultores e também da indústria moageira.

Nesse contexto, a monopolização das operações com o trigo nacional e estrangeiro foi

uma das alternativas encontradas para o controle da produção e da comercialização de trigo,

que privilegiava os moinhos de porte maior em detrimento dos moinhos coloniais, os quais

foram prejudicados ainda mais quando a farinha passou a ser subsidiada.

A organização de cooperativas tritícolas foi outra maneira encontrada para amenizar os

problemas relacionados à estocagem, à comercialização e ao controle dos produtores. Assim,

100 Questão dos moinhos coloniais será levada a Sinval Guazelli. Correio Rio-Grandense, Caxias do Sul, 11 set. 1974, p.1. 101 Uma lei tenta salvar os moinhos da colônia. Agricultura & Cooperativismo , p, 16.

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no período de crise da triticultura, os granjeiros consolidaram sua posição pressionando

fortemente o governo para obter apoio para a triticultura nacional e organizaram-se em

associações, federações, cooperativas.

As cooperativas tritícolas foram organizadas em colaboração pelo Serviço de

Economia Rural do Ministério da Agricultura e a Secção de Assistência ao Cooperativismo da

Secretaria da Agricultura do estado. Em 1958, as cooperativas criaram a Fecotrigo (Federação

das Cooperativas Brasileiras de Trigo); em Passo Fundo, foi fundada a Coopasso, em 1955,

entre várias outras que foram criadas na região. Além de se tornarem instrumentos do

governo para promover a modernização agrícola, as cooperativas canalizavam as

reivindicações dos grandes produtores e passaram a ser também interlocutoras desses junto

às autoridades do Ministério da Agricultura. No decorrer do trabalho esse assunto será

retomado, pois o cooperativismo era incentivado pela extensão rural.

2.2 A consolidação da modernização agrícola em Passo Fundo

No final da década de 1960, o trigo obteve uma produção excelente com os estímulos

por parte do governo ao uso intensivo da tecnologia moderna para a recuperação e fertilização

do solo, orientado pela assistência técnica e favorecido pelo sistema creditício. A partir daí

ocorreu a ascensão da soja na produção agrícola, ampliando-se e consolidando-se,

definitivamente, o processo de modernização da agricultura na região e no país. Os

incentivos recebidos à produção de soja levaram tanto pequenos quanto grandes

produtores a investirem nessa produção, alternando o cultivo dos produtos, como trigo no

inverno e soja no verão.

A produção da soja passou a ser mantida no Brasil com a utilização do capital

estrangeiro, principalmente na indústria de bens duráveis. Para pagar essas importações,

aumentou-se o crescimento das exportações de bens primários nacionais e, com isso, a

agricultura passou a depender cada vez mais da indústria.

Nas décadas de 1950 e 1960, ampliaram-se as facilidades de crédito e de

financiamento para a compra de máquinas agrícolas em virtude da constituição de um setor

de indústria pesada e de bens duráveis de consumo. Os vínculos cada vez mais fortes da

Page 61: Dissertação 4-S

agricultura com a indústria se fizeram presentes no município de Passo Fundo. Conforme

Nascimento:

A Empresa de Implementos Agrícolas Menegaz S/A, que desde 1937 já fabricava carrocerias para ônibus, instalações para serrarias, máquinas para curtume, moinhos para trigo e milho, moinhos para cana e descascadores de arroz, em 1952 já passa à fabricação de implementos agrícolas: arado reversível, grade Goble, grade aplainadora e arado de arrasto. Fabricando também arado subsolador, capinadeira, picador de palha, etc. No início dos anos de 1960, instalou-se a Mecânica Agrícola Rossato Ltda. O maquinário utilizado pelos agricultores era quase todo importado e não havia uma tecnologia própria para o solo gaúcho e a assistência técnica era carente. A empresa é instalada com a finalidade de atender às necessidades da região adaptando e comercializando máquinas e implementos agrícolas. Mais tarde passou a chamar-se Semeato S/A Indústria e Comércio.102

Com isso percebe-se que a agricultura transformou-se em mercado para máquinas e

implementos agrícolas; abriu-se espaço para a venda de insumos modernos e ocorreu a

expansão das indústrias de processamento e transformação de produtos agropecuários, como a

indústria de esmagamento de soja e a produção de óleo e rações.

Até fins da década de 1970, a produção da soja como monocultura expandiu-se. Em

percentuais, constata-se que a produção de 1970 superou em mais de 200% a de 1960, e a

produção de 1980 alcançou um percentual 424% superior à de 1970.103 Rückert aponta uma

complexidade de interesses que se conjugaram para incentivar o cultivo:

De um lado, está a crescente internacionalização da economia da soja, conjugada com o fato que a soja brasileira é colhida na entressafra dos maiores produtores mundiais. Do outro, a política brasileira de incentivo à produção. Num terceiro ângulo, está a consolidação da indústria de processamento do produto que se desenvolve sob a tutela governamental; as facilidades de comercialização e os preços pagos pelo produto são significativamente compensadores. Além disso, as cooperativas assumem um papel significativo seja incentivando a produção, seja abrindo as suas portas a todo produtor de “trigo e soja” independente do tamanho de suas lavouras. 104

Nesse período, efetivou-se a participação dos pequenos e médios produtores nas

cooperativas, os quais, embora não tivessem quase poder de decisão, evitavam os

intermediários na negociação dos produtos e tinham acesso aos financiamentos. Nessa fase,

as cooperativas iniciaram um trabalho de superação da monocultura do trigo, incentivaram a

102 Ver NASCIMENTO, Welci. Conheça Passo Fundo, Tchê. Passo Fundo: Berthier, 1992. 103 RÜCKERT, A produção capitalista do espaço: construção, destruição e reconstrução do território no Planalto rio-grandense. 104 Idem.

Page 62: Dissertação 4-S

diversificação, procuraram associar a lavoura de trigo à pecuária , ao milho, à soja etc.

Segundo Grzybowki:

Após a evolução de preços desfavoráveis entre 1955 e 1961 restabeleceu-se uma política de crédito, a juros negativos (devido à inflação), procurou-se tanto compensar a elevação dos custos, especialmente de máquinas e fertilizantes, como estimular o crescimento de lavouras tecnicamente mais eficazes. O financiamento das lavouras de trigo passou a ser condicionado, por exemplo, ao uso de sementes selecionadas e adubos. 105

A partir de 1970, a soja passou a ser uma cultura privilegiada também nas pequenas

propriedades, substituindo os produtos cultivados até então. Os pequenos agricultores,

através do crédito, passaram também a adquirir máquinas, tratores e colheitadeiras para

investir na produção. Contudo, no final dessa década, esse crescimento caiu em virtude da

retração do crédito de investimentos, da crise em decorrência das frustrações nas safras, do

rebaixamento dos preços pagos aos produtos agrícolas, da retirada dos subsídios e da alta da

inflação. Por conseqüência, agricultores com menos de 20 ha obrigaram-se a vender a terra,

animais, maquinários, ou a entregar esses lotes às cooperativas para, assim, conseguirem

saldar suas dívidas.

Dessa forma, nesse período, os granjeiros consolidaram ainda mais seus investimentos

comprando médias e pequenas propriedades dos agricultores que se encontravam endividados,

transformando-se, portanto, em proprietários fundiários. Essa situação levou a que muitos

agricultores migrassem para as cidades. No entender de Arandia:

São as pequenas unidades familiares de baixo nível tecnológico que estão sendo expulsas pela grande produção mecanizada e empresarial. Na realidade, não está acontecendo apenas a substituição por produtos modernos em detrimento dos tradicionais devido ao progresso técnico. O que estão sendo substituídos são os próprios produtores, aqueles que estão incapacitados, por problemas de escala, de usar intensivamente os insumos e máquinas adquiríveis fora do setor agrícola.106

Segundo o autor, a implantação do complexo soja no período de 1965-1973 foi a

maior responsável pelo fim de uma articulação relativamente harmônica que vinha ocorrendo

no estado entre latifundiários e minifundiários, pois os setores eram independentes, ocupando

áreas diferenciadas e dedicando-se a produtos e mercados diferenciados.107 Com o processo

105 GRZYBOWSKI, O trigo no Brasil, p.33 106 ARANDIA, Kuajara Alejandro. Modernização da agricultura : reflexos sobre o emprego rural no Rio Grande do Sul, 1970-1980. Porto Alegre, 1976. (Ensaios FEE) 107 Idem, p.100.

Page 63: Dissertação 4-S

de modernização agrícola, a capacidade das pequenas propriedades de 0 a 10 ha de se

expandir tornou-se mínima, restando a alternativa de esses produtores se manterem na

propriedade apenas como uma estratégia de sobrevivência, ou de a venderem em razão do

empobrecimento total e do endividamento.

Entretanto, antes de chegarem a essa situação, os pequenos agricultores haviam

vivenciado momentos de grande euforia, provocados pela adoção de novas técnicas agrícolas,

que então tinham sido consideradas revolucionárias no meio rural.

No final da década de 1960, através da assistência das cooperativas e da Associação

de Crédito e Assistência Rural, foram sendo colocadas em prática as técnicas de recuperação

do solo, como adubação verde e orgânica, conservação do solo com curvas de nível,

terraceamento, uso de calcário, potássio e superfosfato. Os agricultores participaram dos

projetos para a melhoria da fertilidade do solo denominados Operação Tatu.108 Em Passo

Fundo, o distrito de São Roque destacou-se pela participação dos jovens agricultores nos

trabalhos promovidos pelo serviço de extensão rural, o que acarretou mudanças nas técnicas

tradicionais dos agricultores, conforme será exposto no decorrer do trabalho, especialmente

no capítulo IV.

2.3 O crescimento urbano de Passo Fundo

Paralelamente a todo esse processo de ocupação do espaço, envolvendo (i)migração e

inserção da região na modernização agrícola, com o conseqüente êxodo rural, desencadeado

sobretudo no final da década de 1960 e na de 1970, o município de Passo Fundo foi

adquirindo características cada vez mais urbanas, com o crescimento demográfico, a expansão

da indústria, do comércio e do setor de serviços.

O fenômeno da urbanização provocou alterações no espaço geográfico do

município de Passo Fundo, contribuindo para a ocupação de novos espaços, distantes do

centro da cidade, modificando o sentido inicial leste-oeste ao longo da rua do comércio, para

norte-sul, ao longo da via férrea, conforme expõem Dal’Moro et. al.:

108 Projeto pioneiro de melhoria da fertilidade do solo responsável por estimular a correção da acidez do solo e a adubação química, induzindo o pequeno e o médio agricultor a ingressarem no processo de modernização a partir de meados da década de 60. Ver BRUM, op. cit., p. 86.

Page 64: Dissertação 4-S

O assentamento original da cidade, localizado no Boqueirão, ao longo da avenida Brasil – via definidora do desenvolvimento da cidade-, gradativamente, avançou no sentido da estrada de ferro. Nas primeiras décadas do século, as serrarias, os depósitos e as indústrias de madeira localizavam-se ao longo da via férrea, próximos aos quartéis, ao norte, na saída para Carazinho e, também, próximo ao acesso rodoviário para Sarandi e Nonoai. A instalação da estação ferroviária, próxima à colina onde já se localizava a capela, deslocou o centro comercial e financeiro, ao redor da praça Marechal Floriano. Em relação ao comércio atacadista e aos depósitos de madeira, esses passaram a se localizar nas proximidades da estação ferroviária, ao longo do trecho sul da ferrovia, próximos também da estrada rodoviária para Marau, que liga Passo Fundo a Porto Alegre através dos municípios das colônias alemã e italiana.109

A ocupação de áreas não centrais da cidade levou à instalação de estabelecimentos

comerciais e industriais e de assentamentos habitacionais em vilas e bairros. A partir da

década de 1950, a expansão do núcleo urbano possibilitou a ocupação do bairro São José

através da especulação da renda das terras, em razão da instalação da indústria química

Instituto Pinheiros.110 Assim, estabeleceram-se os primeiros moradores do bairro, que eram,

em sua maioria, caboclos ou filhos de caboclos, ex-empregados do setor madeireiro que

haviam migrado de regiões próximas a Passo Fundo.111

Também o bairro São Cristóvão e a vila Planaltina tiveram um acréscimo populacional

a partir da instalação das indústrias frigoríficas ZD Costi (1948) e Planaltina (1955) e,

posteriormente, da Mecânica Agrícola Rossato Ltda. (1960), do Curtume Ciplame, entre

outros. Muitas famílias que passaram a residir nesses locais eram oriundas do distrito de São

Roque e contribuíram como mão-de-obra nesses estabelecimentos.

Nesse período, muitos granjeiros arrendaram as terras ou continuaram nas atividades

agrícolas mesmo residindo na zona urbana, pois a proximidade do distrito com essa parte da

cidade facilitava o trabalho, que poderia ser realizado em horário normal pelos mais idosos,

nos finais de semana, ou após o expediente, nos finais de tarde, pelos mais jovens.

O crescimento da população rural e urbana na região de Passo Fundo pode ser

observado na Tabela 6.

109 DAL’MORO, Selina Maria. (Org.). Urbanização, exclusão e resistência. Estudos sobre o processo de urbanização de Passo Fundo. Passo Fundo : UPF, 1998. 110 Idem, p.97. 111 Idem, p.103.

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Tabela 6 - Crescimento da população total, urbana e rural da região de Passo Fundo, 1950 –

1991

Ano Total Geral d% Urbana d% Rural d% 1950 546.717 - 100.242 - 446.777 - 1960 717.258 31.01 186.223 85.77 529.985 18.62 1970 831.532 16.09 256.242 37.59 574.708 8.63 1980 865.187 4.04 376.457 46.91 487.493 -15.17 1991 900.826 4.11 510.196 35.52 390.630 -19.86

Fonte: IBGE Censos Demográficos 1950-1991.

Os dados da Tabela 6, referentes ao período de 1950-1990, comprovam o aumento da

população urbana na região de Passo Fundo e o decréscimo da rural. Apesar disso,

observamos que a região ainda concentrava um considerável contingente populacional rural e

que a concentração urbana ocorria em alguns municípios, como Carazinho, Erechim, Getúlio

Vargas, Marau, Sarandi, Sobradinho, Soledade, liderados por Passo Fundo.112

O processo de modernização agrícola provocou profundas transformações na pequena

propriedade, pois os agricultores privilegiaram o cultivo da soja, produto de exportação, em

detrimento dos produtos tradicionais, como feijão, arroz, mandioca, milho, trigo, verduras,

frutas, avicultura e suinocultura.

Através de créditos facilitados, muitos produtores adquiriram tratores e colheitadeiras,

mas, no final da década de 1970, os problemas começaram a surgir em decorrência de

frustrações nas safras, dos preços baixos pagos pelos produtos, do uso abusivo de venenos e

do endividamento. Essa situação se agravou com a retirada dos subsídios ao crédito agrícola e

com a inflação elevada, que aumentou os custos da lavoura.113 Com isso, acentuou-se o

processo de desruralização, com a migração de agricultores para a cidade, para as fronteiras

agrícolas, via cooperativas de colonização, e até mesmo com a simples transferência de

famílias para a cidade, continuando a exercer suas atividades no campo, como assalariados

temporários.114

Portanto, a grande maioria das pessoas que migraram para as cidades da região de

112 DAL’ MORO, et. al. Urbanização, exclusão e resistência: estudos sobre o processo de urbanização na região de Passo Fundo , p. 60. 113 Ver RÜCKERT, A produção capitalista do espaço: construção, destruição e reconstrução do território no Planalto rio-grandense. 114 Idem.

Page 66: Dissertação 4-S

Passo Fundo veio da zona rural em conseqüência da situação de miséria em que se

encontravam, ou melhor, da desorganização econômica da sociedade rural em meio ao

processo de modernização agrícola, de concentração e de valorização das terras, conforme foi

visto anteriormente. No entender de Singer, as migrações podem ocorrer por fatores de

mudança ou por fatores de estagnação:

Os fatores de mudança fazem parte do próprio processo de industrialização, na medida em que este atinge a agricultura, trazendo consigo mudanças de técnica e, em conseqüência, aumento da produtividade do trabalho. Os fatores de estagnação resultam da incapacidade dos produtores em economia de subsistência de elevarem a produtividade da terra. Os fatores da mudança provocam um fluxo maciço de emigração que tem por conseqüência reduzir o tamanho absoluto da população rural. Os fatores de estagnação levam à emigração de parte ou da totalidade do acréscimo populacional devido ao crescimento vegetativo da população rural, cujo tamanho absoluto se mantém estagnado ou cresce apenas vagarosamente. 115

Além desses, Singer aponta fatores de atração não determinantes, mas que também

devem ser considerados, como a busca de uma remuneração mais elevada nas indústrias ou

no comércio. Contudo, a situação desse contingente populacional agrava-se pela falta de

qualificação necessária para trabalhar nas indústrias ou no comércio e pela incapacidade

desses estabelecimentos de gerar empregos suficientes para absorver tanta mão-de-obra.

Com o incremento populacional no município ocorreu a ampliação dos limites da

cidade e a formação das periferias. As periferias, que se diferenciam das áreas centrais pela

precariedade da infra-estrutura física. Geralmente, são habitadas por aqueles que foram

excluídos dos processos econômicos e que desempenham atividades formais ou informais

com baixa remuneração, o que não lhes permite adquirir moradia em outras áreas. 116 No

entender de Oliven, “se comparadas ao campo, a maioria das grandes cidades brasileiras

oferece melhores oportunidades no que diz respeito a serviços como saúde, educação, etc., e

como tal, representa uma melhora relativa em termos de cond ições de vida”. 117 De acordo

com Dal’Moro et al., “a fuga para as cidades da região é muito mais expressão de uma

decomposição do espaço rural do que do dinamismo da sociedade urbana”.118

Diante disso, podemos dizer que o município de Passo Fundo poderia ser considerado

um atrativo para os agricultores desanimados com as precárias condições do meio rural, pois,

115 SINGER, Paul. Economia política da urbanização. São Paulo: Brasiliense, 1973. p.38. 116 ALONZO, Crescimento inter-regional no Rio Grande do Sul, nos anos 80, 298. 117 OLIVEN, Ruben George. Urbanização e mudança social no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1982. p.72.

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até meados de 1970, havia falta de energia elétrica, de escolas de segundo grau para os jovens,

a dificuldade de acesso à cidade, além dos problemas acarretados pelo processo de

modernização agrícola citados anteriormente.

De acordo com Alonzo, Passo Fundo exerceu na década de 1970 o papel de “capital

regional” por ter crescido, em termos econômicos e demográficos, a taxas mais elevadas do

que as demais cidades do seu entorno, sendo supridora, em grande medida, de bens e serviços

a esse âmbito territorial. 119 Assim, quem aspirava obter um emprego em Passo Fundo

contava com uma rede comercial e industrial em que se destacavam: a Casa Jandyr , a casa

Battisti, Casa Schimidt, Farmácia Indiana, Joalheria Hexel, Companhia Cervejaria

Brahma, Vva. Maggi De Césaro & Cia Ltda. Posteriormente, instalaram-se em Passo Fundo a

Menegaz S/A: Indústria e Comércio, a Semeato S/A – Indústria e Comércio, a Bertol S/A –

Indústria, Comércio e Exportação, Refrigerantes Bernardon Ltda., Ângelo Di Domênico &

Filhos Ltda., os Frigoríficos ZD Costi e Planaltina, Curtume Ciplame, alguns moinhos e

redes de lojas como a Grazziotin, a Imcosul, a J.H Santos, etc.

Em decorrência da urbanização, novas necessidades foram surgindo e

estabelecimentos foram construídos, como hotéis, hospitais, posto de saúde, escolas,

residências, prédios, etc., tanto nas áreas centrais quanto nas periferias, expandindo o setor de

construção civil, renovando a paisagem urbana, ampliando-se o mercado para as olarias de

telhas e tijolos, que dinamizaram economicamente o distrito de São Roque. As famílias que

continuaram no meio rural sofreram alterações na sua forma de viver e de trabalhar, passando

a adotar um padrão de vida com características cada vez mais urbanas.

Com o exposto, pretendemos ressaltar que Passo Fundo cresceu em razão de um

conjunto de relações socioeconômicas estabelecidas na região e que os distritos que

compunham o meio rural deste município, em especial o distrito de São Roque, contribuíram

com a matéria-prima da agricultura, a mão-de-obra para as indústrias e na redefinição do

espaço urbano pelo desencadeamento do êxodo rural.

118 DAL’ MORO, et al., Urbanização, exclusão e resistência: estudos sobre o processo de urbanização na região de Passo Fundo , p. 35. 119 ALONZO, Crescimento inter-regional no Rio Grande do Sul, nos anos 80, p. 285.

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2.4 Aspectos socioeconômicos e históricos do distrito de São Roque

O objetivo deste tópico é fazer um breve histórico sobre o distrito de São Roque,

o qual é parte do meio rural de Passo Fundo, localizado em área de matas que foram

ocupadas por imigrantes e descendentes de imigrantes que, até o final da década de

1960, dedicavam-se à agricultura tradicional. Também concentrava algumas indústrias

artesanais, entre essas os moinhos e as olarias, que foram as que mais se destacaram no

local.

Com o processo de modernização agrícola, a pequena propriedade passou por

reestruturações, conforme foi mencionado anteriormente, e a terra, bem como a maneira de

nela produzir, passou a ter um custo elevado, exigindo investimentos financeiros e

orientações técnicas, o que, por conseqüência, levou a um maior contato com o meio urbano

e também provocou o êxodo rural. Assim, abordam-se alguns aspectos socioeconômicos e

históricos do meio rural de Passo Fundo que serão relevantes para o capítulo seguinte, no

qual se tratará da participação dos jovens agricultores do distrito de São Roque nos Clubes 4-

S promovidos pelo serviço de extensão rural, bem como da relação das entidades com a

introdução da modernização agrícola na pequena propriedade, responsável por profundas

alterações no modo de vida da população rural.

São Roque, antes de ser distrito, era secção do Primeiro Distrito Passo Fundo. Os

distritos eram constituídos por secções, que representavam os povoados, esses de maior ou

menor expressão.120 Em 1939 o município de Passo Fundo dividia-se em vinte e nove

secções, ficando em primeiro lugar a urbana e, na seqüência, Barracão, Bela vista, Boqueirão,

Bom Recreio, Bom Retiro, Britos, Burro Preto, Capão Redondo, Capinzal, Carreta Quebrada,

Cruzeiro, Divisa Faxinal, Fazenda Silveira, Passo do Chinelo, Passo Gregório, Pessegueiro,

Povinho Velho, Pulador, São Roque, Santa Rosa, Taquarizinho, Três Lagoas, Umbú,

Valinho, Vila Petrópolis. 121 Em 1940, oito distritos faziam parte do município de Passo

120VERZELETTI, Santo Claudino. A contribuição e a importância das correntes imigratórias no desenvolvimento de Passo Fundo. Passo Fundo: Imperial, 1999, p.43. 121 Pesquisa feita no arquivo Histórico Regional. Guia ilustrativo do município de Passo Fundo . 1939.

Page 69: Dissertação 4-S

Fundo, sendo: Primeiro Distrito Passo Fundo, Campo do Meio, Coxilha, Marau, Sede

Teixeira ( Tapejara ), Ernestina, Água Santa e Sertão.122

O distrito de São Roque localiza -se ao sul do município de Passo Fundo e as suas

características quanto à topografia, ao tamanho da propriedade e ao regime de

trabalho

diferenciaram-no das áreas de campo, onde tiveram início as lavouras mecanizadas, pois

compreende uma área de matas e de terras montanhosas, com o predomínio da pequena

propriedade.

Fonte: OLIVEIRA, Annaes do município de Passo Fundo. Aspecto geográfico, p.49.

122 OLIVEIRA, Francisco Antonino Xavier e. Annaes do município de Passo Fundo: aspecto geográfico. Passo Fundo: UPF, 1990. 1v, p. 52.

Page 70: Dissertação 4-S

Figura 1 - Mapa localizando os distritos do município de Passo Fundo 1990

Foi em 10 de novembro de 1961 que São Roque passou a ser distrito, conforme a lei

municipal nº 958, abrangendo as localidades de São Valentim, São José, Nossa Senhora das

Graças, Mata Fome, Capinzal e Santa Gema. Na Tabela 7 podem-se acompanhar alguns

dados sobre a população do distrito de São Roque.

Tabela 7 - População do distrito de São Roque 1960-2000

Ano Urbana Rural Total 1960 3.587 1970 121 4.353 4.474 1980 24 3.027 3.051 1991 36 2.315 2.351 1996 23 2.143 2.166 2000 21 2.101 2.122

Fonte: IBGE – Censos demográficos - 1960-2000

Na Tabela 7 observamos que a década de 1970 foi o período de maior concentração

populacional no distrito, época em que se iniciou o plantio da soja; nos períodos seguintes, o

número de habitantes começou a decrescer, apontando, assim, a ocorrência do êxodo rural.

Nas entrevistas realizadas em nosso estudo, os moradores do distrito relacionaram alguns

motivos que teriam influenciado na saída das famílias para a cidade, como a não-existência do

curso de segundo grau para os jovens continuarem os estudos, a procura de emprego, pois a

terra não era suficiente para todos, o acesso ao atendimento médico e a mecanização da

agricultura.

Muitas das famílias que saíram do distrito de São Roque passaram a residir no bairro

São Cristóvão e na vila Planaltina pela sua proximidade com o distrito, bem como pela oferta

de emprego nas indústrias estabelecidas no local e de escolas. Muitos jovens saíram do

distrito e, inicialmente, instalaram-se na casa de parentes para estudar, retornando para casa

no turno inverso ou apenas nos finais de semana, para auxiliar no trabalho agrícola ou nas

olarias.

Page 71: Dissertação 4-S

2.4.1 Aspectos do cotidiano econômico e social no meio rural

Neste item, tratamos de alguns elementos considerados relevantes para a compreensão

das alterações que ocorreram nos âmbitos produtivos e sociais no meio rural a partir do

trabalho dos Clubes 4-S.

O distrito de São Roque foi ocupado por alguns imigrantes de diferentes etnias que

chegaram ao distrito por volta de 1890, entre os quais Fernando Strello (Alemanha), Francisco

Escobar (Espanha), Antônio Bento de Souza (Portugal), Rafael Pera (Itália), seguidos,

posteriormente, por descendentes de imigrantes na maioria italianos, provenientes de Caxias

do Sul, Bento Gonçalves, Veranópolis, Silveira Martins, Cachoeira do Sul, Garibaldi,

Guaporé, etc.123

Nas Colônias Velhas, as terras haviam se tornado escassas e improdutivas para atender

a todos os membros das famílias dos imigrantes, geralmente numerosas; as partilhas das

terras contribuíram para reduzir o tamanho dos lotes e, conseqüentemente, a produção.

Assim, muitos imigrantes, especialmente os seus filhos, migravam em busca de terras férteis

e, depois de estabelecidos, atraíam outros membros da família ou vizinhos para a região.

Foi assim que muitas famílias se estabeleceram no distrito de São Roque, área de matas que

oferecia terras férteis para produzir e muita madeira (pinheiros). Com a madeira eles

construíram as primeiras casas e móveis, que apresentavam uma arquitetura simples e eram

feitas pelos próprios membros da família.

Fonte: Acervo pessoal da família Strello.

123 Sobre o elemento estrangeiro em Passo Fundo ver OLIVEIRA, p. 278-279. Na obra referida alguns dos estrangeiros citados neste trabalho localizaram-se no Paiol de Telha, que pode ser entendido como uma antiga denominação do distrito de São Roque.

Page 72: Dissertação 4-S

Figura 2 - Primeiros moradores do distrito de São Roque. Família Strello e Escobar.

Após a instalação no distrito, as famílias desenvolveram a agricultura tradicional com

uma produção diversificada, utilizando-se dos recursos naturais e da mão-de-obra familiar.

Dessa forma, prepararam as primeiras lavouras, derrubaram o mato, fizeram queimadas e

roçaram para dar início às plantações; quando a terra se tornava improdutiva, deixavam-na

“descansar” por alguns anos e iniciavam a lavoura em outro lugar.

Assim, cultivavam feijão, arroz, trigo, milho, mandioca, batata-doce, abóbora, etc., ou

seja, havia bastante diversificação, conforme nos relata a entrevistada Catariana Maffi: “Eles

plantavam milho, feijão, muito milho, mas colhiam tudo quebrado a mão e puxado as vezes

nem de carroça. Quem não tinha carroça era de cesto nas costas ou com animal”.124 O

trabalho agrícola nesse período era manual no plantio e na colheita, sendo utilizada a tração

animal para arar a terra e transportar os produtos. Desse trabalho dependia o sustento da

família, conforme conta Henrique Strello:

Nós plantava bastante em sociedade com meu tio, bastante trigo. Tinha que plantar tudo de arado. Eu quando consegui lavrar, já tava lavrando. Num ano nós plantamos dez sacos de trigo. Aí foi feito pucheron pra colher. Só que, quando ia vendê, valia pouco. Vendia naquele moinho dos Cunha, ali onde era a Coopasso. Vendia ali, mas não tinha lá tanto preço. Nós plantava muito milho, meu pai sempre tinha porcada. Então plantava milho bastante, feijão. Meu pai vendia mais de um porco por mês. Carneava o porco e vendia a carne; fritava tudo num panelão e botava numa lata com banha para conservar. Não tinha geladeira. Meu pai era muito “caxias”, não queria sair da roça. Batia o sino, se ouvia de longe, né, e o velho fazia que não ouvia. Era trabalhado! Nós colhia o milho e eu era o carroceiro, levava o milho pro galpão.125

Conforme Tedesco, estar com o paiol cheio de milho possuía um significado para o

colono além do econômico e simbólico: significava segurança alimentar (animais e família),

expressão de trabalho.126 Os agricultores do distrito de São Roque também criavam aves e

suínos, que serviam para o sustento próprio e para serem vendidos na cidade.

A família, geralmente numerosa, participava das tarefas: alguns cortavam lenha;

outros tratavam os animais; os mais velhos carroceavam para a cidade, enquanto os demais

iam para a roça; outros trabalhavam nos moinhos, nas olarias, nas serrarias, nos alambiques,

124 MAFFI, Catarina. Entrevista concedida a Sirlei de F. Souza em 2 maio 2002. 125 STRELLO, Henrique José. Entrevista concedida a Sirlei de F. Souza em 27 set. 2001. 126 TEDESCO, João Carlos. Terra, trabalho e família: racionalidade produtiva e ethos camponês. Passo Fundo: Ediupf, 1999, p. 98.

Page 73: Dissertação 4-S

etc. Conforme Tedesco, o saber/fazer, como dinâmica construtiva, material e simbólica,

atualiza-se e transmite-se envolvendo valores e diferenciações de papéis e de hierarquias.

Muitas são as histórias relatadas pelas mulheres, como a de que levavam os bebês nos

cestos para a roça, ou que deixavam as crianças menores em casa aos cuidados dos irmãos

maiores; jovens e adultos saíam para a roça antes de o sol nascer e guiavam-se pelo sino da

capela para a hora do almoço e para retornar para casa no final da tarde. Havia, portanto,

uma organização familiar voltada para a sobrevivência, que se orientava pelos saberes

transmitidos pelos antepassados sobre os ciclos agrícolas, determinados pelas estações do ano;

sobre as fases da lua, a lua mais apropriada para o plantio ou para a lida com os animais;

sobre a terra gorda/magra; sobre o tempo e o vento, entre outros tantos saberes que faziam

parte do dia-a-dia do colono.

O contato com o meio urbano quase não existia, pois o acesso à cidade era precário,

feito por picadas abertas no meio do mato; quando necessário, ia-se a pé ou conduzindo os

cargueiros, que eram animais que carregavam as mercadorias trocadas ou vendidas na cidade.

Além dos tradicionais produtos coloniais, preparava-se e vendia-se a palha, utilizada para

fazer cigarro e colchão, e a farinha de biju, feita do milho, que era consumida na alimentação.

Eram as mulheres que se dedicavam à preparação desses produtos; os maços de palha eram

feitos principalmente à noite e a fabricação da farinha de biju envolvia um procedimento

bastante trabalhoso. A arte de fazer a farinha está presente na memória das famílias, que,

inicialmente, utilizavam os monjolos para a sua fabricação, conforme relata um dos nossos

entrevistados.

Meu pai trazia para a cidade mandioca, batata-doce. Nós tínhamos fábrica de biju. Nós tínhamos três monjolos, em sociedade com meu tio. O meu serviço nas horas do meio-dia, enquanto descansava, era ir lá pro monjolo. Tirava o milho, passava na peneira; depois, nós botava de novo socar pra limpar ele, fazer canjica. Fazia o milho esmagado, moído, moído. Fazíamos de milho, milho branco pra fazer farinha de biju. Daí minha mãe passava num tacho bem ligeiro e levantava aquela casquinha.127

As famílias produziam quase tudo de que precisavam para o consumo e alguns

produtos destinados à comercialização. Eram os homens que iam à cidade para comprar

açúcar, sal, café, querosene, tecidos, ou seja, os poucos produtos que não eram produzidos na

Page 74: Dissertação 4-S

zona rural: “O meu pai comprava ropa pra toda família. Comprava peça de riscado no João

Café, que era uma loja grande. Comprava uma peça de brim pra fazer calça. Então, todo

mundo andava uniformizado, eu, os primos [...]”. 128

As mulheres e crianças não iam com freqüência à cidade. Geralmente, a vinda de toda

família à cidade acontecia próximo ao Natal, quando faziam compras de roupas e calçados, o

que era um motivo de alegria para todos. Na época, todas as atividades concentravam-se no

meio rural, que oferecia quase tudo de que as famílias necessitavam. Assim, elas

desenvolveram a infra-estrutura necessária para se manterem na zona rural: construíram as

primeiras escolas, capelas, salão de festas, colaborando com o trabalho e fazendo doações

do material para as construções.

Os primeiros professores eram pessoas da comunidade que tinham um pouco mais de

instrução e, mais tarde, alguns professores municipais. Conforme entrevista com a primeira

diretora da escola do distrito de São Roque, no início o trabalho foi difícil porque tanto os pais

como os alunos resistiam a aceitar os professores, os quais deveriam residir no distrito; assim,

eles pagavam pensão para alguma família que se dispusesse a acomodá- los.

Na escola não havia quadro-negro, faltavam classes e cadeiras, pois havia em torno de

cem alunos para atender, entre os da localidade e de outras, como da Exposição (hoje bairro

São Cristóvão), de Nossa Senhora das Graças, entre outras. Conforme a entrevistada Maria

Ferrão: “Eles falhavam muito por causa da agricultura. Os pais queriam pôr eles na roça,

limpar o feijão, o milho”, o que exigia a visita da diretora, que incentivava a presença dos

alunos na escola: “Tinham aula também à noite no colégio, a gente levava a bateria, tinha uma

turma dos que tinham 17 anos [...]”. 129 Com isso nota-se que, no meio rural, valorizava-se

mais o trabalho do que o estudo, o que exigia um constante incentivo para que os alunos

freqüentassem as aulas.

As atividades religiosas, como casamentos e batizados, eram realizadas na igreja

Nossa Senhora da Conceição Aparecida; depois, na igreja Santa Terezinha e, na década de

1960, na paróquia São Cristóvão, que passou a ser a mais próxima do distrito. As famílias

reuniam-se em torno dos capitéis e das capelas existentes no distrito para rezar o terço aos

127 STRELLO, Henrique José. Entrevista... 128 Idem.

Page 75: Dissertação 4-S

domingos à tarde e para as atividades de lazer, com a maior participação de jovens e dos

homens, pois as mulheres não tinham uma vida social ativa nesse período.

Quando se iniciaram as celebrações religiosas no meio rural, uma vez por mês, havia

necessidade de buscar o padre a cavalo na cidade; nos demais fins de semana faziam-se os

costumeiros encontros para as atividades religiosas e de lazer, entre as quais as corridas de

carreira, que eram realizadas na sede de São Roque e no Capinzal.

À noite, principalmente aos sábados, as famílias reuniam-se nas casas dos vizinhos,

no chamado “filó’, ou “batiam surpresa” nos aniversários. Confo rme relata uma entrevistada:

“Vinha bastante gente de noite escutar as novela. Quando tinha trovador, algum programa

gaúcho, o garoto de ouro [...] amontoava gente de noite pra escutá”. 130

De acordo com Tedesco, “a comunidade sempre funcionou como construção de uma

reciprocidade social, familiar e de vida religiosa, ‘um lugar de encontro’, uma forma de

compensação aos desencontros, isolamentos, sofrimentos e individuações cotidianas”. 131

Eram nesses encontros que também acontecia a socialização do saber, ou seja, a troca de

experiências entre vizinhos. Mas assim como se reuniam para o lazer, eles também se

reuniam para o trabalho, pois os laços de solidariedade entre os vizinhos faziam-se presentes

na realização das tarefas mais árduas, ou que exigiam rapidez na execução, como nos

mutirões na época da colheita ou da trilhagem do trigo. No entender de Marin:

O mutirão caracterizou-se por ser um processo cultural e tradicional que envolve mais de uma família para prestar um trabalho sem visar algo em troca. É uma atitude de solidariedade vicinal que se torna possível pelo alto grau de parentesco entre as famílias e porque todos se identificam como colonos. 132

Os mutirões complementavam a força de trabalho familiar, mas não aconteciam nos

moldes capitalistas, pois não havia transformação da força de trabalho em mercadoria.133

Faziam-se os mutirões quando o trigo ficava pronto, para que não se demorasse na colheita,

com a conseqüente perda da produção. Segundo Bayma:

129 FERRÃO, Weber Maria. Entrevista concedida a Sirlei de F. Souza. 130 NADAL, Terezinha Lourdes. Entrevista concedida a Sirlei F. Souza em 4 fev. 2002. 131 TEDESCO, Terra, trabalho e família: racionalidade produtiva e ethos camponês, p. 88. 132 MARIN, Orlando Joel. Conformismo e resistência dos camponeses à extensão rural. Dissertação (Mestrado em Extensão Rural) – UFSM, Santa Maria,1991, p. 105. 133 MARIN, Conformismo e resistência dos camponeses à extensão rural , p. 106.

Page 76: Dissertação 4-S

Sob pena de as espigas degranarem com facilidade quando lhe tocarem a ferramenta ou as máquinas de cortar. É fase em que o tempo deve estar seco, - condição nem sempre presente. Nessa altura, a ocorrência de chuvas mais ou menos pesadas não só impede o trabalho da colheita, como ocasiona os consideráveis prejuízos de cujos exemplos fomos testemunha, em novembro-dezembro de 1958, sobretudo no Rio Grande do Sul.134

De acordo com o exposto, compreendera-se a necessidade dos mutirões e a prontidão

dos agricultores em realizarem o trabalho nas propriedades dos vizinhos, pois consistia numa

troca de favores que garantia a produção familiar. Dessa forma, quando um agricultor

prestava algum serviço na propriedade do outro ficava subentendido que também seria

auxiliado quando necessitasse. Segundo Tedesco:

A solidariedade também não é algo natural e gratuito. Há princípios de solidariedade que se fundam na auto-ajuda, na prestação de serviços, na troca de bens e/ou mercadorias, no empréstimo de produtos no momento de carência, bem como de dias de serviço, etc. No entanto a solidariedade precisa ser recíproca; há um grau de cobrança que não é explícito, mas que regula o grau de solidariedade e o “crédito” futuro.135

Após se reunirem em mutirão, os agricultores cortavam o trigo com a foice,

amarravam-no em feixes e depositado nos galpões até o momento da trilhagem, que consistia

em separar o grão da palha deixando-o pronto para a moagem. Essa tarefa era feita com uma

trilhadeira, que poucas famílias conseguiam adquirir na época; assim, aqueles que

conseguiam comprá- la prestavam serviços aos vizinhos.

134 BAYMA,C. Trigo. Estudos Técnicos. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, 1960, p. 145. 135 TEDESCO, Terra, trabalho e família: racionalidade produtiva e ethos camponês, p. 117.

Page 77: Dissertação 4-S

Fonte: Acervo pessoal de Walter Maffi

Figura 3 - Colheita manual do trigo no distrito de São Roque.

Fonte: Acervo pessoal da família Strello . Fonte: Acervo pessoal da família Rosso Figura 4 - Mutirão para a colheita manual do trigo. Figura 5 - Trilhadeira utilizada na colheita do Trigo.

Page 78: Dissertação 4-S

Era comum os proprietários de trilhadeira passarem dias fora de casa na época da

colheita, prestando serviços nas redondezas ou em outros distritos. Segundo entrevista com

Ari Rosso:

Levavam seis meses trilhando trigo. Cada família plantava sua lavoura de trigo, cortava e guardava no galpão, esperando que a trilhadeira viesse. Eles começavam a trilhar o trigo aqui de São Roque e iam parar lá em Bela Vista. Não existia muitas trilhadeiras na época. Eles ficavam fora de casa, dormiam debaixo da trilhadeira, no sereno. Levavam uns pelegos, umas cobertas e dormiam na roça. Aquela família trazia comida pra eles e, assim, eles trabalharam muitos anos nessa atividade aqui em São Roque e na região. Tinha menos moradores nos anos 60-70, aí o número de moradores era bastante. Tinha a família do finado Benjamim, que era meu avô, e os irmãos; a família Michel, os Donato, os Strellos, que foram as primeiras famílias que eles falavam que trocavam serviços, se visitavam. 136

Como nem todas as famílias tinham trilhadeira, são visíveis na entrevista as

dificuldades que envolviam a realização da atividade com o trigo. Conforme depoimento de

Orlando Rovani: “Os proprietários de trilhadeira eram os Badalotti, os Fabiani, a família

Rosso. Cobravam tanto por medida, que era uma lata de querosene. Colocava dentro do saco

de estopa tantas latas, era o valor da trilhagem. Eles passavam a noite, era galinhada, comiam

bem porque era serviço pesado [...]”. 137 Portanto, ao momento da trilhagem era atribuído um

significado simbólico que ia além do econômico, pois significava a garantia da alimentação.

O sustento da família dependia dos alimentos que produzia; por isso, a colheita era

comemorada com as pessoas que contribuíam para tal realização. Com a produção agrícola

garantida, uma parte destinava-se ao consumo familiar e o excedente era comercializado nas

casas de comércio ou nos moinhos do distrito ou da zona urbana.

O comerciante desempenhou um papel expressivo no distrito, pois abastecia os

colonos com as mercadorias de que mais necessitavam em troca dos produtos coloniais. A

importância do comércio para o município foi ressaltada no Guia Ilustrativo do município de

Passo Fundo:

O comércio é dos mais importantes, tanto na sede, como nos distritos, onde se encontram casas de ramos gerais, que trabalham com avultado capital, outorgando largos créditos aos colonos, que assim descansadamente podem esperar os resultados das várias colheitas para cancelar as

136 ROSSO, Ari. O entrevistado residiu no distrito de São Roque, trabalhou no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Passo Fundo no período de 1971-1976 e atualmente é diretor presidente do Banco Sicredi da Regional de Passo Fundo. 137 ROVANI, André Orlando. O entrevistado trabalhou no moinho de São Valentim e também foi líder do Clube 4-S daquela localidade.

Page 79: Dissertação 4-S

dívidas contraídas durante os meses em que se dedicaram à lavoura dos campos e à exploração de outras indústrias. 138

O comércio de secos e molhados de Pedro Barufaldi, em São Roque, e o de José

Rovani, que depois passou a ser de Albino Tiecher e Valdemar Tiecher, em São Valentim,

foram os mais citados por serem considerados “fortes” na opinião de entrevistados, moradores

do distrito. O armazém ou casa de comércio considerado “forte” era aquele que vendia todo

tipo de mercadoria, como fazendas, linha, gravata, botina, tamancos, querosene, sal, açúcar,

fósforo, além de ferramentas e máquinas de costura. Esses eram os produtos mais solicitados

pelos agricultores, adquir idos em troca dos produtos que produziam na lavoura e também de

ovos, queijo, banha, aves, suínos.

Os comerciantes recebiam os produtos coloniais dos agricultores, como trigo, milho,

feijão, banha, suínos, estes colocados num chiqueiro nas proximidades até se completar uma

carga, quando então eram vendidos. Os suínos tinham uma importância econômica

significativa na região, primeiramente por causa da banha, produto de exportação, e, mais

tarde, da carne; assim, eram facilmente comercializados nos frigoríficos da região, como de

Serafina Correa, de Marau e também de Passo Fundo; nos frigoríficos ZD Costi e Planaltina.

Os demais produtos recebidos também eram vendidos nos armazéns e nos moinhos

localizados na zona urbana de Passo Fundo, alguns comerciantes levavam os produtos para

Porto Alegre.

Uma das queixas dos comerciantes eram as dívidas dos agricultores, o que levou

alguns à falência. Isso mostra também as dificuldades por que passavam os agricultores, que,

prejudicados pelas más colheitas, sem dinheiro, ficavam em débito com o comerciante; eles

depositavam os produtos e retiravam, aos poucos, o valor correspondente em mercadoria,

porém pagavam bem mais caro pelas mercadorias adquiridas.

O comércio também foi prejudicado quando o ônibus começou a circular no distrito.

De acordo com o entrevistado Valdemar Tiecher: “Foi um fracasso a vinda do ônibus pra

cidade, e ainda, em cima, tinha um porta-mala grande, colocavam uma lona pra cobrir as

138 Conforme pesquisa feita no Arquivo Histórico Regional de Passo Fundo. Guia ilustrativo do município de Passo Fundo, 1939.

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mercadorias [...]”. 139 Ainda relata Tiecher que nem todos os agricultores vendiam seus

produtos nas casas de comércio do distrito: “Algum agricultor mais ativo vinha com sua

carrocinha, terno de mula pra cidade”140. Os carroceiros levavam seus produtos para vender

nas casas, nos armazéns, nas pensões, hotéis, nos colégios instalados na cidade; saíam de

madrugada e retornavam à noite e precisavam ter o registro de tração animal, conforme a

Figura abaixo.

Fonte: Acervo pessoal de Lurdes T. Nadal

Figura 6 - Carta de condutor de tração animal Segundo Verzeletti, na secção São Roque havia 61 proprietários de carroça,

somente uma da espécie GP ( grande e de uso particular ); as demais eram PP ( carro pequeno

e de uso particular) e havia uma aranha particular,141 o que sugere a intensa atividade dos

carroceiros no distrito.

O carregamento dos produtos na carroça seguia um ritual que envolvia a família toda,

especialmente a esposa, pois, na noite anterior, preparavam-se os produtos que seriam

139 TIECHER, Valdemar José. O pai do entrevistado foi proprietário da Casa de Comércio de São Valentim e, qpós o falecimetno do pai, assumiu o estabelecimento; no final da década de 1950, iniciou o trabalho com olaria. A entrevista foi concedida em 1º fev. 2002. 140 Idem. 141 VERZELETTI, S. C. A contribuição e a importância das correntes imigratórias no desenvolvimento de Passo Fundo. Passo Fundo: Imperial, 1999.

Page 81: Dissertação 4-S

vendidos na cidade. Os ovos eram enrolados em palha de milho para não se quebrarem; a

banha, colocada em latões, entre outros produtos, como leite, queijo, farinha de biju, palha,

verduras, legumes, frutas, mel, banha, peixes, galinha, porcos, lenha, telhas, dependendo das

encomendas recebidas.

Em 1950, os carroceiros abasteciam as feiras livres instaladas pela Prefeitura

Municipal de Passo Fundo com os produtos da lavoura e da indústria rural e doméstica. Essas

feiras funcionavam em locais e hora determinados pela prefeitura; os produtos eram expostos

nas bancas ou nos próprios veículos dos agricultores. A matrícula de feirante isentava do

pagamento de tributos. Nos dias de feiras livres, era proibida a venda a domicílio por

vendedores ambulantes; os produtos poderiam ser comercializados, apenas nas bancas. Eram

os “camelôs de verdura”, conforme Walter Maffi:

Aqui eu que comecei por causa de uma tradição do meu pai, Adelino Maffi, que morava no Capão Bonito. Levava repolho, cenoura, batata-doce, mandioca, alface, essas coisas, cebola, vagem. O pai plantava bastante ervilha. Eu também plantei muita ervilha, vendia verde, e a seca vendia na Casa da Semente. Um dia antes arrumava a carroça. Com a carroça de boi, nós ia até a praça. Tudo o que levava vendia, já tinha tudo tratado: cenoura pra um, vagem pra outro. Eu saía daqui às quatro horas da manhã e chegava às sete. Era com uma junta de boi. O o brabo era quando chovia e formava os atoleiros. Depois eu comprei uma parelha de mula; daí, com os animais, em duas horas eu ia, porque o animal troteia, e o boi tinha que acompanhar o passo do boi. Quando comecei carrocear já não tinha tantos carroceiro aqui. São Valentim era a zona da alfafa. Era vendida pro quartel, ia por viação férrea, pro quartel de Cruz Alta, isso na década de 40. Eu vim morar aqui em 56.142

As feiras livres foram, portanto, criadas para regulamentar o intenso comércio que

envolvia carroceiros que vinham do meio rural para vender seus produtos na cidade. O

vínculo com o meio urbano já se fazia presente e com o objetivo de negociar. Quanto aos

agricultores que não dispunham desse meio, vendiam seus produtos aos comerciantes do meio

rural, os quais pagavam menos pelos produtos.

Até a década de 1960, os agricultores não aplicavam adubos e fertilizantes na lavoura

nem compravam sementes, pois guardavam-nas quando colhiam e também as trocavam com

os vizinhos. Utilizavam-se da técnica do pousio, que consistia em deixar a terra descansar por

um certo período de tempo; assim, derrubavam mato para obter novamente terras férteis para

a lavoura. Cultivavam uma diversidade de produtos agrícolas, como verduras, legumes,

142 MAFFI, Luiz Walter. O entrevistado trabalhou como agricultor, carroceiro, foi lider do Clube 4-S de São José e participou da diretoria da Coopasso de Passo Fundo.

Page 82: Dissertação 4-S

feijão, arroz, o milho, este que, além da farinha para o consumo, era utilizado também para o

sustento dos animais; o trigo, que dinamizava o trabalho nos moinhos coloniais e que, a partir

da compra estatal, introduziu o pequeno agricultor nos negócios financeiros via bancos e

cooperativas.

No final da década de 1960, os agricultores começaram a aplicar novas técnicas no

cultivo do trigo, orientados pela extensão rural e estimulados pelos Clubes 4-S, com o que,

aumentou a produção. Na década de 1970, iniciou-se a produção de soja no distrito de São

Roque, que acarretou um maior contato dos colonos com meio urbano, os quais se

introduziram no mundo dos negócios. Nesse período em que os pequenos agricultores

modernizaram as técnicas agrícolas, as safras de trigo e soja alcançaram resultados

surpreendentes, o que estimulou ainda mais a produção. A imprensa jornalística enfatizava os

excelentes resultados obtidos com esses produtos:

Triticultura e Soja atingem posição de liderança na vida econômica de Passo Fundo

Tecnologia, Crédito, Armazenamento e Comercialização: Problemas enfrentados com acerto pela comunidade Passo Fundense – Plano de Recuperação do Solo (Operação Tatu) traz sua contribuição para o aumento da produtividade. O município de Passo Fundo assume uma posição de liderança na agricultura nacional, face à evolução das culturas do trigo e do soja. Para que tenhamos uma idéia mais nítida sobre o assunto, é suficiente que mencionemos as áreas cultivadas, com respeito à evolução da triticultura, abrangendo as lavouras que giram sob a influência econômica de Passo Fundo: em 1966 a área cultivada era de 11.000 hectares; em 1967, 23.000 hectares; em 1968, 35.000 hectares e em 1969, 60.000 hectares. Um crescimento dessa natureza criou problemas de magna grandeza, especialmente no que se refere ao armazenamento de uma produção prevista para 1.000.000 de sacas para 1969. Os setores responsáveis pela triticultura planaltina não recuaram diante da situação e enfrentam de cabeça erguida o problema armazenamento, criando as condições necessárias para que o trigo produzido possa ser guardado tecnicamente, para posterior comercialização. A capacidade estática de armazenamento com que se contava efetivamente, no corrente ano, receber 1.000.000 de sacas era a seguinte: CESA, 160.000 sacas; Armazéns da Cooperativa Tritícola de passo Fundo, 250.000 sacas; sacas; armazéns da Secretaria da Agricultura, 50.000 sacas; conjunto Butler da CIBRAZEN, 100.000 sacas e pavilhões da Efrica, 120.000 sacas. Como tal capacidade não fosse suficiente para fazer frente às necessidades, contou-se com a colaboração da Fábrica de Pregos, onde podem ser armazenadas 200.000 sacas e do Frigorífico Iaione, com capacidade de 130.000 sacas, estes dois últimos como solução de emergência [...]. 143

A produção, portanto, superou as expectativas, o que se tornou um estímulo para os

pequenos agricultores investirem nos produtos de exportação, somado aos incentivos do

governo. Nesse período, o crédito era facilitado, a comercialização via cooperativas evitava

Page 83: Dissertação 4-S

os intermediários (comerciantes) e a extensão rural orientava sobre as novas técnicas;

também no período, a Operação Tatu contribuiu para a ampliação da área produtiva, pela

aplicação de técnicas para a correção da acidez do solo.

A partir da modernização agrícola, muitas alterações ocorreram na vida das famílias

do distrito de São Roque, que passaram a investir em adubos, fertilizantes, tratores, máquinas

agrícolas, caminhões, viabilizados pelos financiamentos bancários. Nas cooperativas podiam

comercializar seus produtos e adquirir outros, especialmente eletrodomésticos, após a

instalação da eletrificação rural, que facilitou a vida na localidade de São Roque. Matéria

jornalística a respeito confirma essas constatações:

Vila Rosso – Uma comunidade onde a luz trouxe o progresso

É uma próspera comunidade do 1º distrito de Passo Fundo. O fundador João Rosso. Seu neto Hermenegildo Rosso, fala ao J.F. “ Faz 59 anos que moro aqui. Vim com três anos de idade de São João do Polêsene. Este lugar era só mato. Meu avô, tinha comprado terras aqui. Ele tinha quatro filhos e mudou-se com toda a família. Lá em Cachoeira do Sul eles tinham empresa de arroz e serraria; como a madeira estava pouca e aqui tinha muito pinheiro, resolveram se estabelecer aqui. Vieram desbravando sertões”. As famílias mais antigas do lugar são os Rosso, Mainardi, Cassola e Zanon. Dona Tereza, mãe de Hermenegildo, 85 anos fala daqueles tempos: “ Tivemos que trabalhar duro nos primeiros anos. Economizar sempre. Não tinha casa e eu só chorava de saudade de lá da nossa terra. Hoje todo mundo fala de crise e que não tem dinheiro, mas senhor, vê que festas, bailes, churrascos, em toda parte. Antigamente não se via.” Hermenegildo continua: “ A coisa mais difícil era de noite no frio, levantar da cama para esquentar uma mamadeira para as crianças, em cima de uma velinha ou de um maçarico. Quem ia sonhar que um dia a gente ia Ter luz! Hoje ainda há pessoas que se queixam, mas sem razão. Ruim eram os tempos antigos”. A luz elétrica iniciou na região por iniciativa do Sr. Tranqüilo Grazziotin. Bem no início, diz Hermenegildo, nós éramos só três. Custou muito sacrifício; foram feitas reuniões aqui, em São Roque, São Valentim foi indo. Sorte também tivemos porque o Sr. Augusto Trein ajudou. Daí ficou mais fácil. Um aqui, outro lá e conseguimos formar uma turma, porque todos queriam ir prá cidade, aqui não tinha conforto. Todos queriam luz. Forçamos e conseguimos. Para nós da colônia, ela foi muito importante. Contribuiu para diminuir o êxodo rural”.144

Com o exposto, evidencia-se a importância que teve a eletrificação rural no

arrefecimento do êxodo rural por proporcionar mais conforto ao agricultor tanto na sua

residência como no trabalho, sobretudo nas olarias. Nesse período, solidificou-se o trabalho

da Cooperativa Tritícola de Passo Fundo, conforme esta matéria jornalística:

143 Triticultura e soja atingem posição de liderança na vida econômica de Passo Fundo. O Nacional, Passo Fundo, 28 nov. 1969, p. 46. 144 Vila Rosso – Uma comunidade onde a luz trouxe o progresso. Jornal da Família , Passo Fundo, nov./dez. 1982, p. 6.

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Já a muitos anos a Cooperativa tritícola de Passo Fundo Ltda vem se destacando pelo trabalho construtivo em prol dos triticultores passofundenses. Estes, acorrendo ao seu órgão, tem encontrado toda a ajuda necessária a alcançar excelentes colheitas, ótimas não apenas em se falando de rendimento mas na qualidade de cereal-rei obtido. Anualmente, a cooperativa tritícola de Passo Fundo Ltda carrega para seus depósitos, milhares de sacas de trigo e de soja, produtos de excelente qualidade e produzidos graças ao trabalho bem orientado dos técnicos que servem à Cooperativa. Aí, os triticultores constituem uma grande família, todos preocupando-se, unicamente, em produzir trigo e soja ou do Rio Grande do sul mas também de outros estados vizinhos. Em cada saca de trigo ou soja que chega a seus depósitos ou que é embarcada em um veículo para ser transportada a outra cidade, a Cooperativa Tritícola de Passo Fundo Ltda., vê solidificar a sua ação congregadora, dando a parcela de contribuição por uma agricultura mais modernizada, calcada em bases racionais e dentro das técnicas mais elevadas do bom cultivo. 145

Com o exposto constatamos que as cooperativas serviam como instrumentos do

governo para a modernização agrícola e auxiliaram na introdução do pequeno agricultor nesse

processo.

No final da década de 1970, começaram os problemas relacionados à monocultura,

com o endividamento dos agricultores e o êxodo rural, que atingiu o meio rural como um

todo, conforme exposto anteriormente. As alterações ocorridas no meio rural não se

restringiram apenas à agricultura, mas afetaram também a vida social das famílias e a

produção do artesanato, conforme será abordado no item que segue.

2.4.2 Os estabelecimentos comerciais e industriais do distrito de São Roque

Além da lavoura, os agricultores desenvolveram outras atividades, dedicando-se à

fabricação de produtos de base artesanal, nas horas livres, como chapéus de palha de

trigo, cestas, baldes de madeira, gamelas, tamancos, entre outros. Esses, posteriormente,que

passaram a ser fabricados nos estabelecimentos comerciais/industriais de base artesanal

instalados no distrito.

No distrito de São Roque, havia uma população significativa, que se tornou clientela

para os diversos estabelecimentos que existiram no período de 1950-1980, entre os quais

leitarias, açougues, armazéns, alambiques, moinhos, selaria, ferraria, olaria, pedreiras.146

Segundo Roche:

145 Solidifica-se o trabalho da Cooperativa de Passo Fundo. O Nacional, Passo Fundo, 5 jul. 1969, p. 16. 146 Dados obtidos junto à Secretaria Municipal da Fazenda da Prefeitura Municipal de Passo Fundo.

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A fragmentação da pequena propriedade de certo modo favoreceu o desenvolvimento do artesanato. A atividade artesanal esteve tão bem ligada ao mesmo tempo à falta de terra e à falta de trocas, que o mesmo indivíduo exercia, muitas vezes, além da agricultura, dois ou três ofícios simultaneamente.147

Dessa forma, constatamos que muitas atividades foram desenvolvidas paralelamente à

agricultura e que alguns produtos, inclusive, passaram a ser fabricados em estabelecimentos

específicos, o que não deixa de significar, também, a superação da primeira fase de auto-

sustentação, na qual os colonos haviam se dedicado exclusivamente à lavoura. Para

conseguirem os recursos financeiros para a instalação desses estabelecimentos, os colonos se

associavam entre irmãos ou vizinhos.

Os estabelecimentos que mais se destacaram economicamente foram as olarias e os

moinhos, cujos produtos atraíam a população da zona urbana para o meio rural.

a) As olarias

Na década de 1960, as olarias de telhas foram os estabelecimentos que mais

dinamizaram economicamente o distrito de São Roque, vendendo seus produtos para o

município de Passo Fundo, para os municípios vizinhos e também para outros estados, como

Paraná e Santa Catarina.

A dificuldade de se manterem apenas com a agricultura levou muitos agricultores a se

dedicarem a outras atividades, visando conseguir um rendimento maior para o sustento da

família. Nas entrevistas, os agricultores relataram a dificuldade de obterem dinheiro na

época, o qual pouco circulava no meio rural, pois eles dependiam da safra e muitas vezes

trocavam alguns produtos por outros. Conforme entrevista com Ari Rosso:

Não é uma atividade que tenha deixado as pessoas ricas, mas é uma forma de uma família se manter na propriedade. Não tem como se manter só com uma atividade, com o soja, com o leite, tem que ter uma atividade paralela. A grande maioria dos filhos que hoje se formaram que estão na cidade, foi as olarias, as indústrias que contribuíram para profissionalizar essa gente. Encaminharam os filhos e alguém ficou lá [...].148

147 ROCHE, J. A A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1969, v. 2, p. 486. 148 ROSSO, Ari. Entrevista...

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Assim, quando os moinhos começaram a fechar, o trabalho com olarias tornou-se a

nova opção. Como já existiam algumas no distrito, a técnica de produção de tijolos e telhas

foi se difundindo, favorecida pela abundância da matéria-prima essencial para o trabalho, o

barro e, pelo mercado que se abria para o produto oferecido na década de 1960. Conforme

entrevista feita, “onde tinha um sapo que cantava num banhado já tinha uma olaria

montada”. 149

Foi assim que se expandiu o número de olarias no distrito, iniciadas geralmente por

meio de uma sociedade, para facilitar a aquisição do material necessário para a instalação.

As primeiras olarias do distrito destinavam-se à produção de telhas, utilizando-se de um

sistema artesanal no qual eram feitas uma a uma, modeladas numa forma de madeira. As

telhas feitas a mão, mais tarde, foram substituídas pelas francesas, fabricadas com o uso de

uma prensa; a partir de 1960, só esse tipo de telha era fabricado no distrito. Com a utilização

da prensa, além de melhorar a qualidade do produto, facilitou-se o trabalho.

Após fabricadas, as telhas eram levadas à cidade em carroças com ternos de mula. De

acordo com o entrevistado Deodado Rosso: “Eu e meu mano, nós fazia duas viagem por dia

de manhã, com os boi, porque era mais fresquinho. Lá no Boqueirão se levava, atravessava

toda a cidade. Caminhão era um lá que outro e, de tarde, com os animais, outra carguinha de

carroça”. 150

A expansão do comércio de telhas nas olarias esteve relacionada, inicialmente, com a

urbanização do município de Passo Fundo, pois os oleiros relataram que as vendiam para a

construção dos estabelecimentos e residências que se instalaram no município, como Posto

de Saúde, frigoríficos, Turis Hotel, etc. A imprensa local fez referência a esse fato:

É construída uma casa por dia em Passo Fundo

Notável é, sem dúvida, o desenvolvimento de Passo Fundo, que vai crescendo num ritmo acelerado, de modo que o cognome de Metrópole da Serra vem a ser-lhe aplicado com inteira justiça.

149 ROSSO, Deodado. Entrevista concedida a Sirlei de F. Souza no dia 24 jan. 2002. 150 Idem.

Page 87: Dissertação 4-S

Em verdade, por onde quer que se lance os olhos, pelo centro ou por qualquer dos bairros, vêem-se casas em construção ou casas construídas que vão remodelando, paulatinamente, o antigo aspecto da cidade. Segundo o relatório apresentado pela Prefeitura Municipal, ainda não divulgado, nada menos de 365 casas foram construídas durante o ano findo de 1950 e, por pasmosa coincidência, esse é o número exato das construções realizadas aqui, de forma que foi construída em Passo Fundo uma casa por dia, exatamente. Isso porém, sem contar, as reconstruções que atingem o número de 62.151

Além da urbanização, a expansão do comércio de telhas teve uma estreita ligação com

o comércio de suínos com os frigoríficos ZD Costi e Planaltina, instalados no bairro São

Cristóvão em Passo Fundo. Na década de 1960, muitos comerciantes das cidades vizinhas

vendiam os suínos nos frigoríficos de Passo Fundo e, em sua volta, passavam pelo distrito de

São Roque e carregavam telhas. Com isso, muitos oleiros não precisavam sair dos seus

estabelecimentos para vender, pois eram os compradores que procuravam o produto.

O comércio de telhas realizava-se também com os estados de Santa Catarina e

Paraná, o que, segundo alguns relatos, pode ser explicado pela intensa instalação de

chiqueirões. Segundo entrevista com Deodado Rosso:

Foi com o que a turma começou a se arribar um pouco. Depois que começou a dita olaria, o pessoal começou a comprar um caminhãozinho, ou um pedacinho de terra. Só com a agricultura, naquela época tudo a mão e enxada, dava mal a pena para sobreviver, e construir olaria um só não era fácil. Então se reunia em dois três sócios entre irmãos ou vizinhos.152

A fabricação de tijolos era desenvolvida paralelamente à de telhas, porém em menor

quantidade, por falta de comércio, pois não eram utilizados na fabricação das casas, as quais,

então, eram feitas de madeira e cobertas de telhas. As vendas de telhas começaram a

diminuir na década de 1970, período que coincidiu com a redução da venda de suínos,

quando a banha foi substituída pelo óleo de soja; houve a substituição das telhas francesas

pelas de cimento amiento e, com o aumento das construções de alvenaria, ampliou-se o

mercado para a venda de tijolos.

O trabalho nas olarias desenvolvia-se paralelamente à agricultura e envolvia todos os

membros da família. Observamos que os conhecimentos que os oleiros adquiriam ao longo do

tempo transformavam-se no saber técnico, na arte de trabalhar o barro, que era transmitida

151 É construída uma casa por dia em Passo Fundo. O Nacional, Passo Fundo, 8 jan. 1951, p. 1. 152 ROSSO, Deodado. Entrevista...

Page 88: Dissertação 4-S

aos demais membros da família, passando de geração a geração. Nas primeiras olarias, o

trabalho era basicamente familiar, pois os jovens da família auxiliavam; caso fosse

necessário, contratavam-se outros, parentes ou vizinhos que trabalhavam “por dia”. Quando,

entretanto, as vendas começaram a aumentar e faltava mão-de-obra para realizar o trabalho,

passou-se a contratar empregados, os quais, em muitos casos, residiam em casas dos oleiros

ou em algumas peças da sua própria residência. Alguns empregados eram diaristas, ou seja,

vinham todos os dias da cidade para trabalhar na olaria e faziam as refeições na residência

dos oleiros.

Assim, ora fabricando telhas, ora tijolos, os oleiros adaptaram-se às exigências do

mercado e permaneceram na sua atividade. São as redefinições que acontecem no meio rural,

as novas estratégias de sobrevivência, que estão relacionadas a aspectos do contexto em nível

global, como a crescente industrialização, urbanização e modernização agrícola, que

repercutiram também sobre os moinhos coloniais, conforme veremos a seguir.

b) Os moinhos coloniais

Os moinhos coloniais eram os únicos estabelecimentos procurados pelos colonos para

a realização da moagem (transformação dos grãos em farinha) no meio rural e atuaram,

efetivamente, no período que antecedeu a compra estatal do trigo nacional, bem como o

subsídio da farinha, que limitou as atividades desses estabelecimentos. No distrito de São

Roque, funcionaram alguns moinhos coloniais, que atendiam os moradores da localidade e

também de outros distritos ou das proximidades, dinamizando economicamente o meio rural.

A proliferação dos moinhos no Rio Grande do Sul é atribuída aos imigrantes alemães e

italianos, que se dedicaram à produção agrícola diversificada na pequena propriedade. Com

o isolamento dos centros urbanos no início da imigração, tornava-se necessário criar

uma infra-estrutura para a sobrevivência das famílias, o que levou a que os agricultores

aplicassem o conhecimento técnico adquirido na Europa na fabricação de produtos artesanais,

visando também ao complemento da renda.

Segundo De Boni, inicialmente, o interesse do governo brasileiro era de trazer

imigrantes para desenvolver a agricultura:

Para receberem os benefícios concedidos pelo governo, passagens, lotes, transportes, etc., nos documentos oficiais, todos se denominaram lavradores. Sob esse título as verdadeiras

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profissões ficavam escondidas. Isto só seria corrigido nas sociedades de mútuo socorro, organizações que não permitiam sócios que não fossem homens italianos ou descendentes de italianos, quando então a profissão principal era revelada. Entre estas destacavam-se as mais ligadas à construção, tais como muratore, construtore, fabro-ferraio ou seja pedreiro, construtor, marmorista, serralheiro. 153

Os imigrantes instalaram, portanto, ferrarias, sapatarias, olarias, moinhos, pequenas

indústrias alimentícias e contribuíram para incrementar a economia do estado, pois muitos dos

produtos fabricados na colônia chegavam ao mercado de Porto Alegre por intermédio dos

comerciantes. Conforme Roche:

Não se trata tanto de um aparecimento como de um “ ressurgimento” do artesanato, banido na primeira geração pela organização oficial da colonização e pela luta pela sobrevivência, mas que reapareceu na segunda geração, graças ao esforço dos colonos para melhorarem suas condições de vida, e graças à elevação da prosperidade das colônias. Assim, o artesanato associou-se à agricultura.154

Portanto, logo que os imigrantes se instalaram nas áreas de colonização, organizaram a

produção agrícola e começaram a desenvolver atividades artesanais, dando continuidade a um

ofício que já conheciam na Itália, muitas vezes transmitido pelo pai ou pelo avô. Este foi o

caso de Francisco Milan, que, no Brasil, exerceu a mesma profissão que desenvolvia na Itália,

de “mugnaio”, ou seja, moleiro, primeiro em Caxias do Sul e, depois, no distrito de São

Roque, conforme as Figuras 7 e 8.

153 DE BONI, Luis A. (Org.). A presença italiana no Brasil. Porto Alegre: EST; Torino; Fondazione Giovani Agnelli, 1990, v.2, p. 644. 154 ROCHE, A colonização alemã e o Rio Grande do Sul , p. 486.

Page 90: Dissertação 4-S

Fonte: Arquivo pessoal de Lourdes T. Nadal

Figura 7 - Certificato di Matrimônio

Page 91: Dissertação 4-S

Fonte: Acervo pessoal de Lourdes T. Nadal

Figura 8 - Certidão de registro de estrangeiro

Page 92: Dissertação 4-S

A literatura clássica sobre a imigração enfatiza a distância e a dificuldade de acesso

aos moinhos nos primeiros tempos da imigração, quando os colonos levavam de três a

quatro dias para chegar até eles, carregando as mercadorias nas costas através de picadas,

atravessando rios. Isso sem falar nos animais ferozes, como a tigre, citada repetidas vezes

nos relatos dos imigrantes e que já se tornou parte da mitologia da imigração italiana. Mas

essa situação logo se modificou conforme Roche, pois, “num prazo inferior a dez anos, todas

as colônias dispunham de moinhos de cereais [...].”155

Conforme visto anteriormente, a partir de 1950 o município de Passo Fundo

apresentou bons resultados nas safras de trigo, mesmo que fosse cultivado com técnicas

bastante rudimentares. E com os incentivos governamentais visando ao aumento da produção

de trigo e à diminuição das importações do produto, a produção da região Sul foi destaque em

nível nacional; assim, este cereal passou a ser cultivado com sucesso nas áreas de campo, em

meio às barbas-de-bode.

Paralelamente ao aumento da produção de trigo na região, ocorria a proliferação dos

moinhos. Segundo Verzeletti, em 1938, entre sedes e distritos, havia em Passo Fundo 64

moinhos de trigo, 170 serrarias, um frigorífico, 36 ferrarias, 40 atafonas, oito curtumes, três

engenhos de erva-mate, quatro descascadores de arroz, uma fábrica de máquinas agrícolas; só

em Ernestina, havia trinta serrarias.156 A instalação de moinhos reflete, portanto, o dinamismo

da produção agrícola nas áreas coloniais no período, principalmente com os produtos milho,

trigo, arroz.

Além dos moinhos coloniais, conforme já foi abordado, fizeram parte da indústria

moageira de Passo Fundo moinhos de porte maior, como o moinho Rio-Grandense, o moinho

Della Méa, o moinho São Luiz, da família Busato, o moinho Menegaz. Esses

estabelecimentos, juntamente com a rede de comércio instalada no meio rural, ambos

articulados aos granjeiros, absorviam a produção local, dinamizando ainda mais a produção

de trigo.157 Os agricultores do distrito de São Roque traziam o trigo de carroça para vender

nos moinhos. Segundo relato de Walter Maffi, “havia filas de carroceiros para vender os

155 Idem. p. 481. 156 VERZELETTI, A contribuição e a importância das correntes imigratórias no desenvolvimento de Passo Fundo, p. 130, 131 e 146.

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produtos. As carroças tinham preferência: ficavam na frente e os caminhões por último, para

não cansar os animais”. 158

Já os moinhos de grande porte não realizavam a moagem para os colonos, serviço

que era prestado pelos moinhos coloniais, os quais produziam menos e de forma bastante

rudimentar, conforme se percebe por meio de documento que transitou na Câmara Municipal

de Passo Fundo solicitando uma diferenciação do imposto para os moinhos de uma e duas

mós:

Os moinhos coloniais, de uma e duas mós, são importante auxílio para os interioranos do Município que, na moagem doméstica de trigo e milho, encontram boa fonte de renda que contribui para manutenção de suas respectivas famílias, beneficiando ainda vizinhos. Em sua maioria, moem milho e algumas vezes trigo, este somente nos de duas mós, o qual é consumido na própria colônia. Cumpre, assim, evitar que tal forma de indústria, rudimentar e pouco produtiva, venha a ser onerada por demais. A farinha de milho, principalmente, é elemento importante na alimentação colonial e no engorde de porcos. Há, entretanto, uma diferenciação nos moinhos de duas mós, e uma. Estes, tem uma produção diária de 15 sacos de milho, isto havendo boa queda d’água. Os de duas mós, também em boas condições, produzem em média 20 sacos por dia, entre milho e trigo. Assim, é necessário que o moinho de uma mó seja menos onerado, por sua menor produção, exclusivamente de milho. O de duas mós, poderá ter a tributação prevista na Proposta orçamentária.159

A maioria dos moinhos era de mó de pedra e funcionava com a roda d’água, ou seja,

com força hidráulica, que movimentava as correias, as quais, por sua vez, faziam girar as

mós de pedra e, assim, moíam-se os grãos. Na década de 1950, alguns moinhos passaram a

utilizar o cilindro, que, na época, era considerado um maquinário moderno, pois permitia

produzir uma farinha de melhor qualidade.

Os moinhos do distrito de São Roque eram bem movimentados e atendiam os

moradores vizinhos e também os que vinham de outras localidades, como Bela Vista,

Boqueirão, Capinzal, etc. Eram o ponto de encontro entre os conhecidos, que amarravam os

animais na sombra e acomodavam-se para esperar a moagem de seus produtos; alguns

marcavam o dia para vir buscar, outros esperavam até que o produto ficasse pronto. Em

momentos de pico da atividade agrícola, o trabalho de levar a moagem para o moinho era uma

tarefa destinada muitas vezes aos meninos.

157 TEDESCO, João Carlos. Madeireiras, comerciantes e granjeiros: lógicas e contradições no processo de desenvolvimento socioeconômico de Passo Fundo (1900-1960). Passo Fundo: UPF, p. 123. 158 MAFFI, Luiz Walter. Entrevista... 159 PASSO FUNDO. Câmara Municipal de Vereadores de Passo Fundo. Emenda Agenor Oliveira, 07/11/56.

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Vários moinhos funcionaram no distrito de São Roque, havendo em cada localidade

de dois a três.

Fonte: Acervo pessoal de Orlando Rovani. Fonte: Arquivo pessoal de Eno Ferron Figura 9 - Moinho colonial de São Valentin, Figura 10 - Moinho colonial de Ernesto Ferron

construído em 1939

Fonte: Acervo pessoal de Antônio Pierdoná Figura 11 - Moinho a cilindro - Pierdoná & Cia

Page 95: Dissertação 4-S

Os colonos levavam os produtos para serem processados nos moinhos e pagavam um

certo valor pela moagem ou deixavam o farelo em troca. O moinho dos Milan foi um dos

mais movimentados de São Roque e trabalhava dia e noite para vencer a demanda. A

existência de um dínamo nesse moinho possibilitava o carregamento das baterias, que

forneciam a iluminação necessária para algumas residências vizinhas e para a realização do

trabalho à noite, conforme nos relatou Lurdes T. Nadal:

O pai tinha moinho, descascador de arroz, criava um pouco de animal e trabalhava um pouco na roça. Era um moinho de pedra, de trigo, milho e descascador de arroz. Os agricultores plantavam trigo, milho, arroz e traziam até o moinho. E o meu pai moía o milho e eles levavam embora a farinha de milho pra fazer a polenta; moía o trigo e levavam embora a farinha pra fazer o pão. Pagavam uma importância a cada sessenta quilos. O que sobrava dos fregueses ele comprava e ia pra cidade e vendia. Toda semana era uma carroçada ou duas de farinha, ovos, salame, um pouco de queijo que a mãe fazia. Naquela época vendia também nos hotéis, pensões, etc. O pai ficava todos os dias até onze horas, meia-noite, uma hora quando tinha bastante serviço, trabalhando no moinho, a luz era à bateria. O pai tinha duas bateria: uma pro rádio dentro de casa e a outra então pra luz, naquela época dizia “dínamo”. Carregava também pros freguês, tinha pouca gente que carregava a bateria. Trazia a moagem e carregava a bateria, pagavam pra carregar a bateria pro rádio. Eram poucas as casas que tinha luz: era nós, o Abrahmo Zanotto o Joaquim Escobar, que tinha monjolo e também tinha dínamo, e o Antônio Casassola.160 Com o exposto entendemos que os moinhos ofereciam o serviço de processamento de

grãos em forma de farinha, ingrediente indispensável para fazer o pão, a polenta, a massa,

alimentos esses que não podiam faltar na mesa do colono. Rovani, que era filho de moleiro,

recorda “que tinha polenta todas as noites. A gente aprendeu a rezar, a mãe mexendo a

polenta e nós ao redor rezando a Ave Maria [...]. O pai vendia na cidade a farinha de milho

que era feita no moinho. Também dava pros porcos, sempre tinha chiqueirão”. 161

Como vimos, os proprietários de moinho geralmente mantinham chiqueirões para a

criação de suínos e alimentavam os animais com o farelo que sobrava da moagem. Os suínos

eram vendidos na cidade, nas residências, em pensões, em matadouros; no final da década de

160 NADAL, T. Lurdes. Entrevista... 161 ROVANI, André Orlando. Entrevista...

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1940, para o frigorífico ZD Costi e, a partir de meados da década de 1950, também para o

frigorífico Planaltina.

Nos moinhos geralmente funcionavam o descascador de arroz, o soque de erva e a

atafona, própria para fabricar a farinha de mandioca. Os moinhos a cilindro ofereciam uma

farinha de melhor qualidade, razão pela qual conquistavam a freguesia, constituindo-se em

fortes concorrentes para os moinhos de pedra, pois, além de trabalharem mais rápido, podiam

comercializar a farinha. Segundo uma das nossas entrevistadas:

O moinho desmoronou e a gente não teve como reformar porque naquela época ninguém mais queria a farinha escura, preta. Era pura, era ótima, mas bem escura. O trigo era bom, mas com as pedras não ficava uma farinha branca. Nós não podia colocar a cilindro, porque se fosse a cilindro era mais melhor, daí diminuiu a procura, o pessoal preferia o moinho a cilindro. Quando começou o cilindro, que era lá nos Casanova, a gente perdeu toda a freguesia. Tinha também o moinho Nadal que era a cilindro. E como não valia a pena moer só a farinha de milho, daí a gente trocou o moinho pela olaria.162

No trecho transcrito fica evidente que já havia concorrência no meio rural na época,

principalmente entre os moinhos, que investiam em maquinário mais sofisticado, como os de

cilindros, que obtinham um produto de melhor qualidade. Mas os moinhos a cilindro também

enfrentaram dificuldades por não poderem ampliar suas instalações e pela pressão sofrida

para venderem seus registros, pois somente os moinhos registrados na Sunab poderiam

comercializar a farinha. Além diso, havia os subsídios a esse produto, que, segundo

constatamos nas entrevistas, foi o principal motivo do fechamento desses estabelecimentos,

pois tornava-se mais lucrativo e prático para o agricultor vender o trigo para o Banco do

Brasil do que levá- lo ao moinho colonial, onde o custo e o tempo gasto para realizar o

trabalho não lhe ofereciam vantagens.

Com isso, os proprietários de moinhos de mó de pedra limitaram-se a moer milho ou

fecharam os estabelecimentos, passando a dedicar-se ao trabalho de fabricação de telhas, pois

o período em que os moinhos pararam de funcionar coincidiu com a dinamização comercial

das olarias. Portanto, a modernização agrícola, ao mesmo tempo em que estimulou a

162 PREVIATTI, Adile. O pai da entrevistada era proprietário de moinho no distrito de São Roque; a entrevistada e sua irmã Nilva trabalhavam no moinho.

Page 97: Dissertação 4-S

produção do trigo e da soja no meio rural, também levou ao fechamento dos moinhos

coloniais e, de certa forma, contribuiu para que aumentassem as vendas das olarias, conforme

foi abordado. Tudo isso deixou muitas famílias e jovens apreensivos no meio rural.

Na primeira parte deste trabalho, procuramos abordar alguns aspectos do contexto

socioeconômico regional e local considerados relevantes para a continuidade do estudo,

destacando a diferenciação ocupacional e econômica existente entre áreas de campo e áreas

de mata, que se reduziu consideravelmente com a modernização agrícola, quando pequenos,

médios e grandes produtores passaram a investir nos produtos de exportação.

Ressaltamos que foi expressiva a contribuição das áreas de imigração, com seus

produtos agrícolas e artesanais, para a formação do mercado interno, os quais eram levados

para a capital, Porto Alegre, por intermédio dos comerciantes; alguns desses produtos

passaram a ser industrializados, obtendo boa aceitação no mercado. Destacamos que a

migração dos descendentes de imigrantes em busca de terras férteis para produzir contribuiu

para a ocupação da região do Planalto.

Nas áreas em que a agricultura era mais desenvolvida, havia uma estrutura industria l

formada por frigoríficos, moinhos, cooperativas, que dinamizavam a comercialização dos

principais produtos econômicos da região. As indústrias, que antes se destinavam

principalmente à fabricação de bens não-duráveis, passaram a produzir bens duráveis, de

capital. Todavia, muitas dessas se desenvolveram com capital estrangeiro.

Com a expansão da produção dos produtos de exportação trigo e soja, que tiveram

grande destaque na região do Planalto, ampliou-se o mercado para os produtos industriais

voltados para a agricultura, como adubos, fertilizantes, equipamentos e máquinas agrícolas.

Delineamos um panorama geral de como aconteceu o processo de desenvolvimento

agrícola na região e também como os agricultores organizavam-se no meio rural,

especificamente, São Roque, que se localiza numa área de matas e terras montanhosas e foi

ocupado por imigrantes e seus descendentes, os quais, até o final 1960, praticavam a

agricultura tradicional, bastante diversificada, e comercializavam os produtos nas casas de

comércio, moinhos, frigoríficos ou nas residências na cidade. Da mesma forma, dedicavam-

se ao artesanato e fabricavam quase tudo de que necessitavam; alguns produtos passaram a ser

fabricados nos estabelecimentos que foram instalados no distrito, com destaque para as olarias

e os moinhos coloniais.

Page 98: Dissertação 4-S

Muitos proprietários de estabelecimentos no meio rural fecharam suas portas e

passaram a trabalhar na cidade como barbeiros, sapateiros, ferreiros, etc. Conforme vimos

anteriormente, os moinhos coloniais foram prejudicados pela política governamental; as

vendas de telhas nas olarias reduziram-se consideravelmente após o surgimento das telhas de

cimento amiento e houve a queda da venda de suínos quando o óleo de soja passou a ser

consumido ao invés da banha.

Os agricultores apresentavam uma organização produtiva de acordo com os

conhecimentos que eram transmitidos de geração a geração, geralmente em conformidade e

também dependente das forças naturais. As alterações ocorridas na agricultura tradicional e

nos estabelecimentos de base artesanal no meio rural estiveram imbricadas num contexto mais

amplo, que estimulava a modernização da agricultura para obter o aumento da produção e da

produtividade dos produtos destinados à exportação. Esse processo também se refletiu na

urbanização de Passo Fundo, com a concentração de moinhos de grande porte, redes de lojas,

supermercados, indústrias, cooperativa, que passariam a abastecer a população urbana e rural;

desse modo, os colonos deixaram de comprar ou de fabricar uma série de produtos artesanais

As relações de comércio que envolviam colonos/carroceiros/ comerciantes/moleiros/

no meio rural foram substituídas pelas negociações diretas com bancos e cooperativas na

década de 1970. Assim, granjeiros e pequenos agricultores voltaram-se para a empresa rural e

deixaram de lado a agricultura tradicional diversificada, que contribuíra para o abastecimento

do mercado interno do Rio Grande do Sul e também do município de Passo Fundo, e

passaram a cultivar os produtos de exportação, trigo e soja.

Com a expansão dessas culturas intensificaram-se os arrendamentos na década de

1950 e 1960, bem como a apropriação de terras de campo e de matas. Com isso, ocorreu a

mercantilização e valorização da terra, juntamente com a mecanificação e tecnificação.

Acelerou-se o processo de desenvolvimento capitalista no meio rural com o intuito de

industrializar a agricultura, de ligá- la à estrutura cooperativista, mas não se cogitava em

promover alterações na estrutura fundiária. Esse processo também contribuiu para a

reestruturação do espaço urbano com o crescente êxodo rural. Foram muitas as alterações

ocorridas no meio rural a partir do processo de modernização agrícola, a qual esteve

relacionada aos Clubes 4-S. Conforme Marin: “A produção camponesa não é uma instância

isolada, mas está inserida de forma subordinada econômica-política-culturalmente ao capital.

Page 99: Dissertação 4-S

Neste processo, a extensão rural surge como um instrumento de mediação entre grupos

hegemônicos e camponeses.”163

Em vista disso, os estímulos para que os pequenos agricultores abandonassem as

práticas agrícolas tradicionais e adotassem as novas técnicas partiram do trabalho realizado

pela juventude rural nos Clubes 4-S, sob a orientação dos extensionistas da Ascar, que

desempenharam o papel de intermediários na difusão de inovações, o que será abordado nos

próximos capítulos.

163 MARIN, Conformismo e resistência dos camponeses à extensão rural, p. 232.

Page 100: Dissertação 4-S

II PARTE

JUVENTUDE RURAL X MODERNIZAÇÃO: O

DIFUSIONISMO E EXTENSIONISMO TÉCNICO E

CULTURAL TRANSNACIONAL (1950-1980)

Page 101: Dissertação 4-S

Eu dou especial atenção a esse movimento porque ele se dirige justamente a mocidade.

Costa e Silva

Nesta parte, procuramos mostrar como foi a introdução, a expansão e a participação

dos jovens agricultores do distrito de São Roque nos Clubes 4-S no período de 1960-1980,

que foi um dos trabalhos desenvolvidos pela extensão rural sob orientação da Ascar e as

alterações que ocorreram no meio rural em decorrência disso.

Inicialmente, fazemos algumas considerações sobre a definição dos termos de

“extensão rural” e “Clubes 4-S” e sobre os modelos clássico e difusionista-inovador, que

serviram de suporte para a introdução, bem como para a continuidade do trabalho no Brasil.

A seguir, contextualizamos a introdução da extensão rural no Brasil, que seguiu o modelo

norte-americano, a implantação dos Clubes 4-S no país e sua expansão para outros estados.

A partir daí, o trabalho centraliza-se no objeto de estudo, mostrando o envolvimento da

juventude rural, bem como dos agricultores nos Clubes 4-S, na organização dos clubes e no

desenvolvimento do trabalho de extensão e seus reflexos no cotidiano familiar, produtivo,

técnico e social dos agricultores.

Com o desencadeamento do processo de modernização agrícola muitas alterações

ocorreram no meio rural. Bruscamente, as práticas desenvolvidas pelos agricultores

tornaram-se defasadas diante da moderna tecnologia que estava sendo adotada na região do

Planalto. Dessa forma, a vida social, a agricultura e o artesanato praticados no período

anterior a 1960 sofreram modificações, com a introdução da tecnologia moderna, da

industrialização e da urbanização. Segundo Belato:

O capital encontrou, a nível mundial, na agricultura em geral e na agricultura camponesa em especial, um poço sem fundo de valorização. Até o fim da Segunda Guerra mundial, o capital subordinava, no chamado “terceiro mundo”, regiões e produtos selecionados. O salto qualitativo produzido pelo avanço técnico-científico da agricultura não se situava apenas em produtos selecionados e controlados a nível dos circuitos mercantis internacionais, mas também e simu ltaneamente a jusante e a montante da produção agropecuária direta como um

Page 102: Dissertação 4-S

todo. Não só os produtos selecionados, geralmente tropicais interessam à acumulação, mas a totalidade das terras e dos produtores. Se considerarmos que imensos contingentes camponeses e vastas áreas de terra estavam à margem da dinâmica da valorização, é fácil imaginar com que volúpia o capital se lança sobre elas. São também bilhões de homens e mulheres disponíveis à exploração. É isto que explica o interesse do capital pelo leite, trigo, feijão, milho, ovos, verduras, legumes, mandioca, inhame, sorgo, etc. e a negação de as continuar produzindo “tradicionalmente”. 164

Esse interesse do capital em nome da modernização agrícola foi percebido na região

de Passo Fundo, em especial no meio rural. Conforme visto no primeiro capítulo, os

pequenos agricultores não foram os pioneiros no processo de modernização agrícola e, sim, os

granjeiros, que conseguiram acumular capital em atividades relacionadas ao comércio ou à

indústria, passando a ver a agricultura como um negócio promissor.

Os pequenos agricultores, inicialmente, viram com descrédito os investimentos nas

áreas de campo e, sobretudo, os financiamentos bancários. Por isso, a adoção de técnicas

agrícolas modernas no final da década de 1960 por esses não ocorreu por sua própria

iniciativa, mas por serem impulsionados pela difícil situação que estavam vivendo no período,

em conseqüência do esgotamento do solo, e pelo trabalho de extensão rural realizado através

dos Clubes 4-S.

No decorrer do trabalho, será possível verificar que a participação dos agricultores do

distrito de São Roque de Passo Fundo foi intensa, pois foi o espaço que concentrou o maior

número de Clubes 4-S e teve vários artigos divulgados nos jornais locais. Assim, com este

estudo pretendemos compreender como ocorreu o ingresso dos pequenos agricultores no

processo de modernização agrícola, impulsionados pela juventude e por lideranças que se

formaram no meio rural.

Por meio da revisão de literatura sobre extensão rural constatamos que os modelos,

objetivos e a prática desse trabalho não nasceram aqui no Brasil, mas nos Estados Unidos, o

que motivou as críticas a essa empreitada, especialmente ao que foi praticado no período de

1960 ao final da década de 1970. Entre as críticas feitas estão a falta de um estudo

aprofundado sobre a realidade do meio rural e o desenvolvimento agrário brasileiro para a

introdução desse tipo de trabalho e por estar a serviço do capital.

164 BELATO, Dinarte. Camponeses integrados. Dissertação (Mestrado) - Unicamp, Campinas, 1985, p. 2.

Page 103: Dissertação 4-S

CAPÍTULO 3

NOÇÕES, CONCEITUAÇÕES, OBJETIVOS E FOCOS DO TRABALHO

DE EXTENSÃO RURAL

Apresentamos algumas definições sobre a expressão “extensão rural”, os modelos

clássico e difusionista- inovador que fundamentaram o trabalho de extensão rural e alguns

objetivos que embasaram o trabalho com a juventude rural nos Clubes 4-S.

As expressões “extensão agrária” e “extensão rural” podem ser entendidas como

sinônimos, por serem utilizadas na literatura referente à extensão rural. A maioria dos

autores refere-se ao trabalho de extensão como sendo educacional porque visava atingir as

famílias ou a comunidade do meio rural fornecendo- lhes orientações técnicas, econômicas e

sociais. Entre algumas dessas definições estão a extensão rural como um sistema educacional

e dinâmico, extra-escolar, não obrigatório, democrático e informal. O trabalho deveria

mobilizar a capacidade de liderança e de associativismo, levando aos habitantes do meio rural

os conhecimentos e informações necessários para a melhora do seu nível de vida,

desenvolvendo os aspectos técnicos, econômicos e sociais.165

No Brasil, extensão rural é concebida como um serviço de assessoramento a

agricultores, a suas famílias, a grupos e organizações, nos campos de tecnologia da produção

165 ABCAR. 1ª Reunião de Especialistas em Treinamento. Rio de Janeiro:1958.

Page 104: Dissertação 4-S

agropecuária, administração rural, educação alimentar, educação sanitária, educação

ecológica, associativismo e ação comunitária.166

Bechara vê o trabalho de extensão com uma função exclusivamente educacional, por

possibilitar aos produtores, através de meios educacionais, resolverem seus próprios

problemas. Para o autor, extensão agrícola é educação; é educar os produtores rurais dentro

da agricultura. Das pesquisas e estudos feitos nas estações experimentais saem os resultados,

e à ação de levar tais conclusões ao meio rural é o que se chama “extensão” no sentido restrito

da palavra.167 Segundo Caporal:

En Brasil, las definiciones de extensión siguieron exactamente las mismas tendencias de las definiciones establecidas em USA. Así, desde sus origenes, la extensión es vista como una atividad educativa, un processo de educación no formal, dirigido a hombres, mujeres y jóvenes del medio rural. La relación entre agentes y clientes ocurre mediante un proceso de comunicación, cuyo contenido tiene que ver com “nuevas ideas’, las cuales son difundidas a través del uso de una “metodología de extensión”, desarrollada para este fin. Es decir, se trata de una acción destinada a influir para que ocurran cambios en el medio rural.168

Dado o apresentado, percebemos que o trabalho da extensão rural desencadearia

mudanças no meio rural através das novas idéias difundidas. Dessa forma, a extensão rural

seria intermediária para que chegasse aos agricultores o que estava sendo desenvolvido nas

estações experimentais e universidades. No entender de Bechara:

O papel das estações ou dos institutos experimentais é justamente este: experimentar aqueles conhecimentos técnicos necessários para que haja uma boa produção econômica. Concomitantemente observam, estudam, pesquisam e experimentam, obtendo conhecimentos e dados que são levados aos produtores rurais. Esta ação de levar aos produtores rurais tudo aquilo que os institutos experimentais concluíram chama-se extensão. Quer dizer, estender os conhecimentos adquiridos nos campos experimentais aos produtores. 169

Esse caráter educacional assistencial enquadrou-se no modelo que ficou conhecido

como modelo clássico de extensão, cujo propósito seria o de transmitir conhecimentos ao

povo rural e levar os problemas por ele enfrentados às fontes de pesquisa. Conforme Fonseca,

esse modelo, oficializado pelo Estado americano e denominado pelos especialistas de

166 FIGUEIREDO, R. P. Extensão rural no Brasil: novos tempos. Revista Brasileira de Tecnologia, v.15 (4), jul./ago. 1984. 167 BECHARA, Miguel. Extensão agrícola. São Paulo: Secretaria da Agricultura / Departamento de Produção Vegetal, 1954, p. 149. 168 CAPORAL, F.R. La extensión agraria del sector público ante los desafios del desarrollo sostenible: el caso de Rio Grande do Sul – Brasil. Tese (Doctorado) – Universidade de Córdoba, España, 1998, p. 42. 169 BECHARA, A Extensão agrícola, p. 17.

Page 105: Dissertação 4-S

“modelo clássico”, é o que serviu de base à criação e à organização dos serviços de extensão

implantados nas regiões consideradas subdesenvolvidas a partir da Segunda Guerra

Mundial. 170

Os técnicos teriam o papel de promover condições para que o agricultor se

convencesse da eficiência das novas práticas agrícolas e, adotando-as, aumentasse a produção.

Conforme Bechara, a função dos técnicos não seria resolver os problemas dos produtores

rurais, mas, sim, ajudar a resolver. Os técnicos deveriam basear-se nos princípios americanos:

to help the farmers – to help themselves, e learnuing by doin, que significam: “ajudar os

agricultores a ajudar a si mesmos” e “aprender fazendo”. 171

Esse modelo clássico foi identificado por Caporal como asistencialismo humanista e,

segundo o autor, sustentou o extensionismo rural no período de 1948 a 1960. No Rio Grande

do Sul, desenvolveu-se de 1956 a 1960, período em que o extensionismo assumiu um caráter

mais social, de fomento ao meio rural. Caporal relata a respeito:

Foi un momento del extensionismo rural marcadamente centrado en la asistencia integral a las famílias en todos los aspectos de su vida cotidiana e partía del supuesto que la mejoría del nível de vida de las famílias rurales ocurría en consecuencia del aumento del nivel económico y aquisición de nuevos hábitos, actitudes y habilidades, tanto en las atividades de producción agrícola como en las tareas del hogar.172

A família e a comunidade constituíram-se no alvo dos agentes extensionistas, que

exerciam uma função semelhante à de um sacerdote e eram reconhecidos nas comunidades

por ajudar as famílias.173 Marin considerou esse período como a primeira fase da extensão

rural, caracterizado pela mobilidade social, que se estendeu até 1968.174 Esse modelo

clássico que fundamentou os princípios do extensionismo, aos poucos, foi passando por

adaptações, complementações, perdendo as características iniciais. Fonseca atribui a

Everett M. Rogers a adequação do “modelo clássico” ao “mundo subdesenvolvido”,

produzindo o modelo difusionista-inovador, cuja raiz está na teoria difusionista produzida a

partir dos trabalhos desenvolvidos por antropólogos e sociólogos, sobretudo ingleses, no final

170 FONSECA, M. T. L. A extensão rural no Brasil: um projeto educativo para o capital. São Paulo: Loyola, 1985, p. 41. 171 BECHARA, Extensão agrícola , p. 18. 172 CAPORAL, La extensión agraria del setor público ante los desafios del desarollo sostenible: el caso de Rio Grande do Sul - Brasil, p. 178. 173 Idem, p. 76. 174 MARIN, Orlando Joel. Conformismo e resistência dos camponeses à extensão rural. Dissertação (Mestrado em Extensão rural), UFSM, Santa Maria, 1991, p. 29.

Page 106: Dissertação 4-S

do século XIX e início do século XX como fruto das pesquisas realizadas nas zonas coloniais,

e na “teoria dos sistemas” de Talcott Parsons.175 Conforme Rogers:

Los elementos principales de la difusión de idéias nuevas son; 1) la innovación, 2) comunicada mediante ciertos canales, 3) en el tiempo, 4) entre los membros de un sistema social. Una innovación es una idea, una práctica o un objeto percibido por um individuo como nuevo. Los canales de comunicación son los medios por los cuales el mensaje se traslada desde la fuente al receptor. Los mejores para dar a conocer una innovación son los medios masivos, pero los más efectivos para formar y modificar actitudes hacia la nueva idea son los interpersonales. El proceso de decisión sobre innovar es un proceso mental por donde pasa el individuo desde la primera noticia de la innovación hasta decidir adoptarla o rechazarla, y confirmar después su resolución.176

Dessa forma, tornava-se expressiva a eficiência da difusão, pois caberia ao indivíduo

a adoção ou não da inovação, e era nesse ponto que se tornava essencial o papel da extensão.

Assim, “um agente de cambio es un profesional dedicado a influir las decisiones de innovar

en las direcciones que considera convenientes”. 177 A difusão e a adoção das idéias novas

poderiam provocar mudanças estruturais, conforme expõe Rogers:

La estructura social consta de las posiciones de los miembros de um sistema social y la organización que las abriga, como en el caso de las estructuras jerárquicas. La estructura social del sistema actúa para obstaculizar o facilitar la tasa de difusión y adopción de ideas nuevas; tales son los “efectos del sistema”. En un sistema social las normas, las posiciones sociales, la jerarquía, etc., influyen en la conducta de sus miembros individuales. Varios estudios evidenciam que los efectos del sistema pueden adquirir tanta importância como la educación, el cosmopolitismo y cualidades parecidas entre los factores que explicam la capacitad individual de innovar. La difusión también puede modificar la estructura social de un sistema, pues muchas innovaciones acarrean com su adopción cambios de estructura.178

A teoria rogeriana difusionista- inovadora serviu de suporte para as mudanças que

ocorreram na filosofia extensionista na década de 1960, que objetivava a modernização

agrícola. Nessa nova perspectiva teórica, foi elaborado o plano quinqüenal da Associação

Brasileira de Crédito e Assistência Rural (1961-1965), que teve uma grande influência de

especialistas norte-americanos. O desenvolvimento da agricultura passou a ser visto como

175 FONSECA, A extensão rural no Brasil: um projeto educativo para o capital, p. 42. 176 ROGERS, Everett M. La comunicación de inovaciones: un enfoque transcultural. México/Buenos Aires: Centro Regional de Ayuda Técnica/AID, 1974, p. 41. 177 Idem, p. 42. 178 Idem, p. 42.

Page 107: Dissertação 4-S

uma continuidade do desenvolvimento industrial; os produtos de exportação passaram a ter

prioridade; o crédito rural supervisionado foi substituído pelo crédito orientado destinado à

introdução de tecnologias agrícolas.

Com isso, consolidava-se o período que foi definido por Caporal como

“productivismo modernizador” do extensionismo, sustentado pela teoria difusionista-

inovadora e pelos princípios da modernização agrícola. Da mesma forma, Marin sustenta

que, a partir de meados da década de 1960, a extensão rural assumiu a “linha produtivista”. 179

Concluía-se, então, que o aumento da produção e da produtividade era o único

caminho para melhorar as condições de vida da população rural, o que exigia a difusão de

novas idéias e práticas, ou seja, a incorporação massiva de novas tecnologias.

No entender de Canuto, “o difusionismo se orienta à expansão econômica, via

tecnologia, e ao controle social por via da irradiação de atitudes e valores da classe

dominante. Mas tal prática só se efetiva quando formulada em políticas concretas (indicativas

e impositivas) pela mediação do Estado”. 180

Em 1966, as atividades de extensão rural passaram a ser coordenadas pelo Ministério

da Agricultura e deveriam seguir os planos do governo federal; logo, as diferenças entre as

ações na área econômica e social tornavam-se cada vez maiores, sendo que as ações

econômicas passaram a ter preferência.

As metas setoriais para a agricultura definidas pelo Primeiro Plano Nacional de

Desenvolvimento (1972-1978) baseavam-se na intensificação do uso de insumos modernos,

da mecanização agrícola e no incentivo aos programas de pesquisa e experimentação. Para

isso, na década de 1970 foram criadas a Embrapa, a Embrater e as Emater. Para desenvolver-

se e cumprir seu papel em relação à economia global, o setor agrícola deveria apresentar um

desempenho que conduzisse ao aumento da produção de alimentos e matérias-primas, tanto

para o mercado interno quanto para a exportação, em ritmo de acordo com a demanda, e à

melhoria da qualidade de vida das populações rurais.181

179 MARIN, Conformismo e resistência dos camponeses à extensão rural, p. 55. 180 CANUTO, João Carlos. Capital, Tecnologia na agricultura e o discurso da Embrater. Dissertação (Mestrado) – UFSM, Santa Maria, 1984, p. 55. 181 FONSECA, Luiz. O modelo de atuação da Embrater. 1985, p. 2.

Page 108: Dissertação 4-S

O governo passou a centralizar a política de investigação e extensão visando à

modernização do setor agropecuário. Segundo Caporal, “el processo educativo de la

extensión deberia motivar a los indivíduos para la adopción de práticas agrícolas y

tecnológicas capaces de modernizar la agricultura y hacer dinámico el processo de cambio

social dentro de una perspectiva conservadora desde el punto de vista de las estructuras y del

poder“. 182

Para atingir tal objetivo, os agricultores deveriam mudar as técnicas habituais de

praticar a agricultura, ou seja, não se cogitava uma mudança na estrutura agrária que viesse ao

encontro dos interesses dos agricultores, mas uma mudança tecnológica, que viesse ao

encontro dos interesses governamentais. Assim, a extensão rural passou a centralizar o

trabalho na juventude rural, posto que os jovens seriam os futuros agricultores e aceitariam

mais facilmente as novas idéias, certamente difundindo-as no meio rural, de acordo com o

que será tratado no item a seguir.

3.1 A juventude rural como foco central

Um dos trabalhos da extensão rural com características difusionista- inovadoras foi o

desenvolvido com a juventude rural, conforme podemos observar nas diretrizes que

regulamentavam o trabalho com a juventude rural:

A juventude é portadora de cultura e instrumento de inovação. Sua importância numérica, a possível melhoria do nível de ensino e o rápido processo de emancipação social, a que se junta o alheamento das gerações mais velhas, fazem com que ela seja, no mundo de hoje, uma força importante e potencialmente explosiva. A juventude busca encontrar sua identidade política e seu papel na sociedade e no processo de edificação nacional. Se deixada à deriva pode converter-se em fonte de conduta anti-social . Daí a importância dos programas de ação juvenil, baseado na participação positiva dos jovens, no esforço comum de pessoas e entidades e na instrução adequada, que permitam canalizar os recursos da juventude para a ação no desenvolvimento sócio-econômico. O jovem precisa ser preparado para uma participação consciente na sociedade, em diferentes campos de ação, tais como: conhecimento real da situação sócio-econômica da comunidade, participação consciente e efetiva na solução dos problemas da mesma, ou seja, com conhecimento dos deveres e direitos da pessoa humana, integração nas diferentes instituições

182 Idem, . 85.

Page 109: Dissertação 4-S

da comunidade (família, igreja, escola, trabalho, governo) e nos grupos nela existentes, apoio e dinamização às forças latentes e atuantes da comunidade.183 (grifo nosso)

Diante disso, constatamos que os jovens assumiam um papel de difusores de

inovações pela sua força numérica, pela facilidade em aceitar idéias novas, bem como de

transmiti- las aos agricultores, os quais, adotando-as, poderiam mudar a maneira tradicional de

viver e, produzir e, assim, se enquadrar nas propostas de modernização agrícola. Esse

sentido utilitário de trabalhar com a juventude rural para alcançar o desenvolvimento pode ser

percebido no objetivo geral apresentado nas diretrizes que definiam o trabalho da extensão:

Em razão da deficiência de recursos humanos, da limitação dos recursos financeiros disponíveis e da explosão demográfica que ameaça reduzir ainda mais esses recursos, dificultando a adoção de métodos modernos de investimento educativo, deve-se desenvolver um esforço comum no sentido de mobilizar os recursos latentes da própria juventude. Para isso, é preciso dar ao jovem condições para que se descubra como pessoa humana, aproveite os recursos à disposição e, assim participe do desenvolvimento. O programa complementar de educação da juventude rural é um dos meios mais úteis e exequíveis para a mobilização, em grande escala, dos recursos juvenis em prol do desenvolvimento.184

Além desses objetivos, várias outras razões eram apresentadas para envolver a

juventude rural na luta pelo desenvolvimento, entre as quais estavam:

a) A transição da agricultura tradicional para a agricultura moderna exige das pessoas maior flexibilidade e capacidade de adaptação, que existem mais freqüentemente nas novas gerações.

b) O trabalho educativo com os jovens constituiu uma inversão frutífera para o presente e para o futuro; permite também abranger indiretamente os adultos.

c) Uma ação juvenil enérgica e consagrada pelo êxito incute na população rural a idéia das responsabilidades e das oportunidades de melhoria de suas condições de vida.

d) O êxito financeiro que os jovens venham a obter, como conseqüência do emprego de técnicas agrícolas e pecuárias adequadas, constituirá uma prova – quer para esses jovens, quer para os adultos – da oportunidade que têm de elevar seu nível econômico, funcionando como estímulo para que permaneçam no meio rural e participem ativamente do seu desenvolvimento.

e) O processo de aprimoramento tecnológico há de acelerar-se com o transcurso dos anos. O conhecimento, pelos jovens, das vantagens de uma tecnologia mais avançada, em seus diferentes campos de atividade, acarretará o aumento de sua capacidade produtiva, estimulando-os a continuar aprendendo depois de atingir a idade adulta.

f) As coletividades rurais necessitam de bons cidadãos, competentes para administrar propriedades e lares, assim como de organizações de auto-ajuda (cooperativas, associações agrícolas, etc.). As organizações juvenis proporcionam a seus membros oportunidade de adquirir experiência e instrução em questões administrativas e diretiva, bem como de viver

183 ABCAR. O trabalho de extensão rural com a juventude. Diretrizes. Rio de Janeiro, 1967, p. 8. 184 Idem, p. 9.

Page 110: Dissertação 4-S

a experiência da cooperação, atendendo, portanto, a uma das necessidades capitais do desenvolvimento das coletividades.

g) Outro elemento indispensável do desenvolvimento comunal é a confiança na eficácia da auto-ajuda. Essa atitude, suscitada pelo êxito decorrente das atividades dos grupos juvenis, poderá influir no emprego da auto-ajuda e da cooperação quando os jovens assumirem as responsabilidades e as funções diretivas próprias dos adultos.

h) Também é indispensável, no desenvolvimento da comunidade, a consciência de seus membros em relação a seus direitos e deveres. A ação educacional dos grupos juvenis orientará os jovens nessa tomada de consciência.185

Portanto, observamos novamente, que no trabalho desenvolvido com a juventude

estava implícita a idéia de desenvolvimento, pelo aumento da produção e da produtividade

através da difusão de novas técnicas, que exigiam uma mudança de mentalidade dos

agricultores. Os jovens, por serem mais receptíveis às mudanças, seriam indutores ou

difusores de inovações no meio rural.

No discurso extensionista, era necessário “dar oportunidade para que o jovem

se descubrisse como ser progressista”, o que justificava o estímulo e a assistência ao

movimento de organização da juventude rural sob todas as formas, particularmente dos

Clubes 4-S.186

Os Clubes 4-S eram grupos de jovens com idade em torno de 10 a 21 anos,

organizados no meio rural, cuja ação educativa, orientada por líderes voluntários, era

desenvolvida através de trabalhos individuais e conjuntos de caráter econômico e social, de

trabalhos comunitários e atividades sociorrecreativas.187 Um trevo verde tornou-se o

emblema dos Clubes 4-S, cujos “esses” eram distribuídos nas quatro folhas, representando as

palavras “Saber”, “Sentir”, “Saúde”, “Servir”, que significavam:

Saber – quer dizer que os jovens devem adquirir conhecimentos e desenvolver a inteligência para que tenham melhor visão do mundo em que vivem. Devem valorizar o saber, aprender coisas novas e difundí-las para o bem de sua família e de sua comunidade. Sentir – quer dizer que os jovens devem cultivar os bons sentimentos sendo amigos, leais e honestos. Devem desenvolver boas atitudes através de adequada formação social, moral e cívica. Saúde – quer dizer que os jovens devem valorizar a higiene e saúde como meio de alcançar uma vida saudável e feliz, pelo desenvolvimento físico e mental. Servir – quer dizer que os jovens devem capacitar-se profissionalmente desenvolvendo habilidades em atividades agrícolas e domésticas, de tal forma que possam encarar sua profissão como carreira de futuro e as lides domésticas como ocupação valiosa.188 (grifo nosso)

185 Idem, p. 11. 186 Idem, p. 17. 187 Idem, p. 20. 188 ASCAR. Clube 4-S. Manual do Líder. p. 3.

Page 111: Dissertação 4-S

Eram, pois, muitos os deveres dos jovens, os quais, para realizá- los eficientemente,

deveriam receber orientações nos Clubes 4-S, especialmente quanto a aprender coisas novas

e difundi-las para o bem de sua família e de sua comunidade.

Para Rogers, o desenvolvimento é a modernização em nível de sistema social, e a

modernização define-se como o processo no qua l os indivíduos modificam um estilo

tradicional de viver, aumentando sua complexidade e inclinando-se para os avanços da

tecnologia e das rápidas mudanças.189 Segundo Rogers:

El cambio puede ser imannente o por contato. El cambio inmanente se produce cuando los miembros de un sistema social crean y desarollan una nueva idea, com poco o nada de la influencia exterior (es decir, cuando la inventam), que después se divulga por el interior del sistema. El cambio por contato se efectúa cuando se introduce una nueva idea al sistema social procedente de fuentes externas; el cambio por contato puede ser seletivo o dirigido. El cambio por contato selectivo sobreviene cuando los miembros de un sistema social se vem expuestos a influencias externas y adoptan o rechazan una nueva idea basados en sus necesidades. El cambio por contato dirigido, o cambio planificado, se origina com la intervención de individuos exteriores al sistema que, por cuenta propia o actuando como representantes de agencias de cambio, intentan introducir ideas nuevas a fin de alcanzar metas que se han definido.190

Diante disso, é posssível perceber que o trabalho de extensão rural desenvolvido em

convênio com agências extensionistas americanas enquadrava-se na mudança por contato

dirigido ou mudança planificada, pois havia um programa que almejava atingir o meio rural

para promover a modernização agrícola e, assim, aumentar a produção e a produtividade,

sobretudo dos produtos de exportação; por conseqüência, ampliar-se- ia o mercado industrial

a montante e a jusante da agricultura.

Os jovens, portanto, tornaram-se intermediários nesse processo de modernização

agrícola no meio rural, adotando as novas técnicas e difundindo-as, embasados na idéia de

que o desenvolvimento econômico-social da família e da comunidade só seria possível com a

mudança dos métodos tradicionais para os modernos. Nessa tarefa, o papel da atividade

extensionista era mostrar o caminho e os meios para alcançar esses objetivos. Essa concepção

perpassou num discurso do diretor técnico da Embrater em 1978, quando palestrou sobre a

pujança jovem no Brasil e no estado:

189 ROGERS, La comunicación de innovaciones: un enfoque transcultural, p. 11. 190 Idem, p. 40.

Page 112: Dissertação 4-S

Segundo ele, apenas 25% da área de nosso país (8.500.000 Km2) são utilizados pela agricultura, e, para ocupar este volume considerável de fronteira agrícola, a responsabilidade é do elemento jovem. Junto aos jovens rurais, as razões de trabalho baseiam-se na modernização da agricultura brasileira; maior permanência do jovem no processo produtivo; êxito da ação juvenil constitui fator desenvolvimento da propriedade rural; êxito financeiro dos jovens no processo produtivo consagra uso da tecnologia; aperfeiçoamento tecnológico facilita o aprendizado geral na idade adulto; as organizações jovens preparam o adulto para tarefas administrativas, dão confiança na eficácia da auto-ajuda e consciência de direitos e deveres. Objetiva-se complementar a educação familiar e escolar através de métodos dinâmicos que proporcionem oportunidade de auto educação, visando sua formação e aperfeiçoamento como produtor e como cidadão. 191

Na fala desse dirigente é possível observar o jovem como a força canalizadora no

meio rural para promover a modernização agrícola, porém, para atingir esse objetivo, era

necessária a multiplicação dos Clubes 4/S. Essas idéias também estão presentes em discurso

do presidente da Emater-RS, Rodolpho T. Ferreira:

O Estado e a comunidade necessitam da contribuição dos jovens, principalmente para a renovação e modernização da agropecuária, e seu envolvimento nas atividades de assistência técnica e extensão rural se justifica plenamente, em especial, por ser o jovem mais moldável às mudanças e inovações têm uma participação mais duradoura na atividade produtiva, quando fixado ao meio [ ...]. Nos Clubes 4-S, são propostos projetos e empreendimentos que oportunizam adequada preparação. São os concursos e competições agrícolas... demonstrações práticas, na forma de projetos técnicos e empreendimentos comunitários que se destinam ao preparo de uma liderança sadia e laboriosa. Os membros dos Clubes 4-S tornam-se exímios demonstradores, participam de atividades associativas, adquirem habilidade para dirigir ou participar de reuniões e desenvolvem o espírito competitivo na busca dos mais elevados índices de produtividade. São desenvolvidos projetos relacionados com as culturas, as criações e atividades doméstica... que servem, também como demonstração das vantagens das novas práticas agrícolas geradas pela pesquisa. A potencial empreendedora dos quatroessistas, na área da produção vegetal, se concentra nos projetos de milho, trigo, soja, arroz, feijão, batatinha, frutíferas e reflorestamento; na produção animal...suínos, gado leiteiro, ovinocultura e apicultura; na área social...habitação, alimentação, higiene, confecção de roupas e artes domésticas. 192

A extensão rural, portanto, viabilizaria a divulgação de novas tecnologias no meio

rural através dos Clubes 4-S. Quanto ao papel do jovem na sociedade tecnológica, assim o

definiria o diretor técnico da Emater-RS, José Inácio Pereira da Silva: “Temos que produzir

mais hectares, por pessoa e por cruzeiro investido”. Segundo ele, na virada do século XX, a

previsão era de que praticamente dobrasse a população, o que se constituía num problema a

ser enfrentado a curto prazo, no sentido de obter bens de consumo para essa população.193 De

191 Incentivo e apoio ao trabalho com jovens. Revista do Clube 4/S. ano VII, n. 36, set./out. 1978, p.4. 192 Clubes 4-S devem multiplicar-se. Revista do Clube 4/S, ano VII, n. 36, set./out. 1978, p. 6. 193 “Temos que produzir mais por hectares, por pessoa e por cruzeiro investido”. Revista do Clube 4/S, ano III, set./out. 1978, p. 6.

Page 113: Dissertação 4-S

acordo com o palestrante, o aumento crescente da população urbana e a diminuição da

população rural em decorrência do êxodo rural traziam como conseqüência:

Um mesmo número de produtores para um número maior e crescente de consumidores hoje já se tem um por um e, no fim deste processo, cada homem do campo vai ter que produzir para 10 ou 20 consumidores urbanos; em segundo plano, pela maior ocupação urbana, diminui a área disponível para a atividade agrícola. Mas, como produzir mais alimentos, com menos produtores e menor área, ainda que os padrões de consumo da cidade vêm crescendo sempre mais.194

A resposta a esse questionamento seria modernizar a agricultura para aumentar a

produtividade e atender ao mercado consumidor. Todavia, para isso, algumas medidas

deveriam ser tomadas, como a substituição dos métodos tradicionais praticados pelos

agricultores:

O uso mais intensivo do solo; derrubar mais mato para plantar mais feijão já era, temos de usar todo o solo o tempo todo e mantê-lo fértil. Uso mais intensivo de tecnologia, da química que, a par de apresentar enormes possibilidades, também envolve grandes perigos, de modo que deve ser aplicado por quem conhece. Uso de conhecimentos de genética, especialmente nos vegetais, como bem exemplifica o milho que antigamente rendia somente 300 Kg/ha, hoje, com a hibridação, chega a mais de 10 mil Kg/ha; e assim também os animais, como mostram as vacas que produziam 4 a 5 litros/dia, hoje produzem 20 ou mais. Mecanização – condições de produzir com mais conforto. Uso de mão-de-obra altamente qualificada: não se admite mais a agricultura tradicional, de pai para filho, caiu por terra e quem ainda utiliza, unicamente, fracassa, a não ser que possua áreas grandes; deve ele, sim, procurar novos padrões de formação. Nível de bem-estar da família rural: a dona de casa deve ter habilidades domésticas diversas do que as do passado e se inserir no processo produtivo. Uso intensivo de informação na área de preços e produtos, condições meteorológicas, mercado de produtos e insumos, disponibilidade de recursos, políticas das administrações públicas. E, que considera o principal, a produção deve atender não só a família e propriedade, mas o mercado consumidor, exemplificando mais amplamente com hábitos de países mais avançados em quem planta trigo em condições empresariais dedica-se unicamente ao trigo e compra ovos, leite e hortigrangeiros nos supermercados.[...].195

Como constatamos, as técnicas praticadas pelos agricultores eram consideradas

atrasadas, o que impedia o aumento da produção; desse modo, somente com a melhoria da

tecnologia, o uso mais intensivo do solo e a mecanização este poderia ser alcançado. Diante

disso, observamos que a adoção de técnicas modernas de produzir não partiu da iniciativa

própria do agricultor, mas decorreu de influências externas. Considerado atrasado, o

agricultor, tornou-se alvo do serviço de extensão rural a fim de se conseguir melhor

194 Id. ibid. 195 Idem, p. 7-8.

Page 114: Dissertação 4-S

produtividade agrícola; para isso, tornava-se necessário um trabalho avançado junto a esse,

pois exigiria uma mudança nos métodos tradicionais aplicados na agricultura, nas práticas

domésticas e sociais.

A juventude rural tornava-se, portanto, o elo de ligação da extensão rural para que

chegasse aos agricultores os conhecimentos desenvolvidos nos campos experimentais e para

a aquisição dos produtos oferecidos pela indústria. Nesse sentido, a metodologia que

embasava o trabalho dos Clubes 4-S não nasceu no Brasil, mas nos Estados Unidos,

conforme será exposto a seguir.

3.2 Extensão rural no Brasil – modelo norte-americano

Como o sistema de extensão rural adotado no Brasil seguiu o modelo norte-americano,

faz-se um breve histórico do modo que a extensão agrícola foi desenvolvida naquele país,

enfatizando o surgimento e o desenvolvimento dos Clubes 4-H’s, que inspiraram a

organização dos Clubes 4-S no Brasil entre a década de 1960 e o final da de 1970. Através da Revolução Verde, os Estados Unidos pretendiam aumentar a produção e a

produtividade no mundo, exportando pacotes tecnológicos para os países do Terceiro Mundo.

De acordo com Aguiar:

O pacote tecnológico consiste num conjunto de práticas e procedimentos técnicos que se articulam entre si e que são utilizados indivisivelmente numa lavoura, segundo padrões estabelecidos pela pesquisa. Desta forma, o pacote tecnológico passa a corresponder, na verdade a uma linha de montagem, onde o uso de uma dada inovação técnica ( ou insumo de origem industrial ) exige o emprego de uma dada inovação técnica anterior e a utilização de uma certa inovação técnica posterior. Essa combinação de uso de insumos (e máquinas) não pode ser rompida, sob o risco de invalidar totalmente os resultados da exploração agrícola.196

Para que conseguissem desenvolver com sucesso esse novo processo produtivo, era

essencial que levassem os agricultores a aderirem a tais mudanças, e uma das alternativas era

196 AGUIAR, Ronaldo Conde. Abrindo o pacote tecnológico: Estado e pesquisa agropecuária no Brasil. São Paulo: Polis; Brasília: CNPq, 1986, p. 17.

Page 115: Dissertação 4-S

promover a extensão rural. Conforme Aguiar, “o sistema nacional de pesquisa agropecuária

seria o responsável pela geração (ou adaptação) do pacote tecnológico; o sistema nacional

brasileiro de assistência técnica e extensão rural, pela difusão junto aos produtores e o

sistema nacional de crédito rural, pelo seu financiamento. Os três, portanto, constituíram-se

em instrumentos de intervenção do Estado no setor agrícola”. 197 Segundo Bombardieri:

Além da adoção de todas as técnicas de comunicação – sejam meios formais, como rádio, jornal e impressos de todos os tipos, como folders, o clube recreativo, a escola, o envolvimento governamental se deu a partir de três pontos básicos: através da montagem de estruturas de acompanhamento direto dos agricultores, via criação de organismos de extensão rural, patrocinando a instalação de parques industriais e agro-industriais de capital internacional, e concedendo financiamentos altamente subsidiados aos agricultores ou a entidades e instituições ligadas ao setor agrícola. O serviço de extensão rural foi decisivo para que os agricultores aderissem ao plantio das variedades de alto rendimento, utilizando para tanto todos os recursos tecnológicos disponíveis e recomendados. Os programas de extensão rural foram introduzidos na América Latina após o término da 2ª Guerra, inspirados nas experiências realizadas nos Estados Unidos.198

Com o exposto na citação transcrita, percebemos que as práticas extensionistas foram

expressivas para as inovações que ocorreram na agricultura brasileira e que tiveram suas

raízes nos Estados Unidos. Neste país, desde o século XVIII, o ensino agrícola fora

organizado nas escolas ou colégios agrícolas e, em razão do interesse dos fazendeiros, haviam

se criado os “institutos agrícolas” em 1863. Nesses institutos, os especialistas dos colégios

ou escolas de agricultura e os fazendeiros bem-sucedidos faziam conferências; assim, os

conhecimentos proporcionados aos estudantes também eram repassados aos fazendeiros.199

No início do século XX, foi institucionalizado o serviço de extensão rural nos Estados

Unidos, em vis ta da necessidade de divulgação dos trabalhos desenvolvidos nas estações

experimentais e nos colégios agrícolas. Para isso, era necessária a presença ativa de pessoas

que orientassem o trabalho agrícola a fim de que fosse desenvolvido de forma produtiva e

lucrativa, utilizando-se de novos insumos, maquinaria e do crédito. Segundo Olinger, a

extensão nasceu como um instrumento de ensino e educação informais, fora dos moldes da

escola clássica, precisamente para que os agricultores, donas de casa e jovens rurais tivessem

197 Id. ibid. 198BOMBARDIERI, Gilberto. A nova “Revolução Verde” da agricultura : implicações político-sociais e ambientais no cultivo de plantas geneticamente modificadas. Dissertação (Mestrado) –UFSM, Santa Maria, 2000, p.48. 199 Ver, BECHARA, A extensão agrícola, p. 98.

Page 116: Dissertação 4-S

oportunidade de aprender sem prejudicar as lides rurais ou domésticas, cotidianas, ou, mesmo,

abandoná- las.200

O início do trabalho com extensão rural nos Estados Unidos é atribuído a Seaman

Knaap, professor de agronomia, que instalou em cada município do estado de Louisiana uma

propriedade demonstrativa, como método educativo para irradiar e difundir novas técnicas de

cultivo, visando controlar o gorgulho do algodão.201 Para Knaap, “um homem pode duvidar

do que ouve; pode também duvidar do que ele vê; só não pode, porém, duvidar do que ele

faz.”202 Conforme Bechara, esse trabalho foi chamado de “trabalho cooperativo de

demonstrações agrícolas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos” e, para

desenvolvê- lo surgiram os agentes rurais. 203

No Brasil, o trabalho realizado com a juventude rural através dos Clubes 4-S seguiu o

programa para a juventude rural norte-americano, conhecido como Clubes 4-H’s. Esses se

originaram dos clubes agrícolas do milho, do algodão, do tomate, etc., que começaram nas

escolas rurais com a finalidade de fazer demonstrações sobre práticas de trabalho rural e

estabelecer uma aproximação com a vida rural. 204 Também se organizou o trabalho de

economia doméstica para as mulheres rurais.

Foi assim que se constituíram os Clubes 4-H’s americanos numa das mais eficientes

organizações daquele país, cujo programa enfatizava a formação de lideranças entre os

jovens. O líder era indispensável não só como elemento de divulgação dos conhecimentos que

os técnicos tinham em vista, mas como elemento representativo de classe dentro do bairro

em que vivia.205 Os líderes seriam intermediários entre os agentes e as famílias no meio rural,

pois os extensionistas tinham dificuldades para atender a todas as famílias; cabia- lhes, então,

executar o trabalho de extensão dentro de cada bairro rural. Os Clubes 4-H’s estavam

organizados da seguinte forma:

Desde a idade de 11 anos, os jovens rurais incorporam-se à grande organização dos clubes 4-H’s, onde permanecem até os 17 anos. Após os 17 anos, até a idade de casamento passam eles a pertencer a outra organização chamada “Jovens mais velhos”. Os recém-casados constituem uma outra organização chamada “jovens recém-casados”. Além destas organizações, o Farm

200 OLINGER, Glauco. Ascensão e decadência da extensão rural no Brasil. Florianópolis: Epagri, 1996, p. 12. 201 BECHARA, op. cit., p. 16. 202 OLINGER, op. cit., p. 17. 203 BECHARA, op. cit. p. 99. 204 Idem, p. 300. 205Idem, p. 240.

Page 117: Dissertação 4-S

Bureau possuía também uma organização da juventude rural, de idade variando entre 20 a 26 mais ou menos, com a finalidade de educá-los no sentido de serem bons sócios futuramente. Os Departamentos de Agricultura dos “Higth Schools” rurais possuem a organização “F.F.A” (Futuros Fazendeiros da América).206

O trabalho com a juventude rural foi a solução encontrada para a divulgação de novos

métodos e técnicas entre os agricultores, pois os jovens mostravam-se mais receptivos que os

adultos e, assim, levavam menos tempo para atingir os objetivos do trabalho de extensão.

Segundo Bechara:

O trabalho com a juventude rural, não visa somente a formação de uma mentalidade nova para daqui a alguns anos; mas é, também, no presente, um trabalho de extensão. É ensinar a família através da juventude, ou os pais através de seus filhos. Estimular, entusiasmar os meninos a plantar ou criar segundo métodos modernos não é difícil. Um prêmio, ou um divertimento qualquer fará com que se desperte este entusiasmo. O ano agrícola passa facilmente. Em alguns meses teremos, por exemplo, uma cultura completa de milho plantado e colhido. E os olhos dos pais são sempre carinhosos para aquilo que os filhos fazem. Eles vêm ou acompanham tudo que os filhos executam; acompanham como brincadeira de criança. Mas, terminado o ano agrícola, quando os filhos colhem o produto de seu trabalho, os pais vêem com surpresa que os filhos, proporcionalmente, colheram muito mais do que eles, adotando novas práticas de plantio e cultura. Não é preciso, pois, dizer que a mudança será radical no ano seguinte. As experiências de semelhante trabalho em nosso meio têm demonstrado isto com facilidade. 207

Visto dessa forma, o clube agrícola exercia a função de educar a família através da

juventude, executando projetos de trabalho agrícola ou de economia doméstica. O projeto era

a base principal do desejo dos jovens de se tornarem sócios 4-H’s, um projeto bem conduzido

não somente significaria lucros e economia, mas também serviria como uma demonstração

aos outros na comunidade.208 Na finalização dos trabalhos, eram realizadas festas, concursos,

julgamentos e entrega de prêmios, destacando-se os campeões, o que despertava o

entusiasmo e o interesse da juventude. Os objetivos dos Clubes 4-H’s eram os seguintes:

Head (cabeça) – fazer com que a juventude rural compreenda e aprecie a natureza em que vive. Ensinar a juventude rural o valor da pesquisa e experimentação, e desenvolver nela uma atitude científica com relação aos problemas rurais e domésticos. Heart ( coração) – treinar a juventude rural numa ação cooperativa com o fim de esforços em conjunto, possa melhor prestar assistência na solução dos problemas rurais.

206 Idem, p. 299. Conforme Bechara, a Farm Bureau era uma entidade de classe criada pelos agricultores e cooperava com o serviço de extensão agrícola. A estrutura da organização Farm Bureau compreendia os níveis nacional estadual e municipal. High Schools eram escolas práticas com o fim de dar cursos práticos de agricultura. 207 Idem, p. 233. 208 Idem, p. 314.

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Ajudar a juventude rural no desenvolvimento de idéias e “padrões’ desejáveis para a agricultura, para o lar, para a vida da comunidade, e para a cidadania, e um melhor senso de responsabilidade para suas realizações. Hand (mãos) – proporcionar à juventude rural instruções técnicas em agricultura e economia doméstica, para que ela possa adquirir habilidade e entendimento nestes campos numa visão da agricultura como uma indústria básica, e da economia doméstica como uma ocupação valorosa. Proporcionar à juventude rural uma oportunidade de “aprender executando”, através de certos empreendimentos de agricultura e de economia doméstica, e demonstrando aos outros o que foi apreendido. Health (saúde) –desenvolver no seio da juventude rural os hábitos de viver higienicamente, providenciando informações e orientações para o uso inteligente do descanso e das horas livres, e despertar nela ambição valorosa e um desejo para continuar a aprender, com o fim de que ela possa ter uma vida mais ativa e mais rica.209

Os métodos de trabalho desenvolvidos pelos extensionistas consistiam em reuniões,

palestras, filmes, treinamentos, demonstrações, visitações, sempre aplicando técnicas

recreativas, tendo um trevo de quatro folhas como símbolo, nas quais havia a letra H,

conforme a Figura 12.

Fonte: BECHARA, Extensão agrícola, p. 308. Figura 12 - Emblema Clube 4’Hs dos EUA

Para desenvolver serviço de extensão havia os agentes extensionistas, priorizando-se

os trabalho dos técnicos agrícolas; a preocupação era com o conforto doméstico do agricultor

e o preparo dos jovens para uma agricultura mais avançada, conforme relata Bechara:

209 Idem , p. 302.

Page 119: Dissertação 4-S

O agente rural- encarrega-se dos programas que ajudam a resolver os seus problemas técnico-agrícolas. A agente de economia doméstica- encarregava-se dos programas para a esposa do produtor rural, trazendo-lhe informações para que proporcionasse à sua família, um bom conforto doméstico, e conhecimentos diversos para a agricultura subsidiária, auxiliando o produtor rural em seus múltiplos problemas agrícolas. O assistente do agente rural- encarrega-se dos filhos do produtor rural , procurando prepará-los como futuros produtores rurais. A assistente da agente de economia doméstica encarrega-se dos programas para as filhas do produtor rural, procurando prepará-las como futuras “donas de casa rurais”.210

Ao trabalho de extensão, portanto, era atribuído um caráter educacional, pois

ensinava, por meio de demonstrações, como obter os resultados de práticas experimentadas e

comprovadas. Visava também atingir o meio rural como um todo, o produtor, sua família,

sua esposa, seus filhos, a residência, o conjunto de recursos de que dispunham. Nesse

trabalho, os agentes deveriam levar em conta algumas atitudes que possibilitassem a

aproximação com o meio rural, como a maneira de fa lar, de trajar, ou seja, tinham de ser

verdadeiros e hábeis artistas. Saber adaptar-se ao meio em que iriam trabalhar, falar

expressões usadas no local, portar-se de acordo com o meio eram requisitos indispensáveis a

esses técnicos.211

Portanto, para obter sucesso no trabalho de extensão, era preciso aproximar-se da

comunidade visando alcançar todos os níveis das famílias, ou seja, adultos, juventude e

crianças. Para amenizar o problema de contato, deveria ser considerado que as sociedades

já possuíam grupos organizados, tais como a família, instituições diversas, escolas

(professores), Igreja (padres), governo, o vendeiro, comerciante, etc. Era, então, interessante

dirigir o trabalho para pessoas que encerravam um círculo de relações pessoais, destacando a

liderança local. A extensão, nos Estados Unidos, sempre foi um serviço cooperativo entre o

ensino, a pesquisa, empresas particulares, agricultores, instituições governamentais,

associações de classe e outras entidades.212

Para a divulgação dos trabalhos de extensão, utilizavam-se vários recursos, como

televisão, vídeo, etc., que eram fundamentais para o sucesso dessas ações, por conseguirem

angariar novos sócios e despertar o espírito competidor entre os clubes; por conseqüência,

após a verificação dos resultados positivos obtidos com as experiências realizadas, esperava-

se que cada vez mais agricultores adotassem as novas técnicas. Dessa forma, muitos países

210 Idem, p. 23. 211 Idem, p. 39.

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adaptaram o modelo dos Clubes 4’Hs, alguns desenvolvendo trabalho conjunto com o sistema

escolar; outros, nas comunidades, como foi o caso do Brasil; outros, ainda, partindo de

missões religiosas, de firmas comerciais e de agências governamentais. Na Figura 13,

podemos observar a semelhança dos emblemas dos clubes em questão que foram adotados por

alguns países.

Fonte: Trevo simboliza movimento mundial da juventude rural. Extensão Rural, ano II, n. 14, fev. 1967, p. 16.

Figura 13 - Emblemas de clubes agrícolas de alguns países da América Latina Conforme o exposto, constatamos que o trabalho com a juventude aconteceu em nível

mundial e seguindo o modelo original dos Estados Unidos. Alguns países adotaram o mesmo

emblema do modelo norte-americano; já outros fizeram algumas adaptações.

3.2.1 A implantação da extensão rural no Brasil

A implantação do serviço de extensão rural no Brasil seguiu o modelo que já havia

sido desenvolvido na agricultura norte-americana e, para sua introdução, houve a

participação de uma entidade norte-americana, a Associação Internacional Americana (AIA) e

um governo estadual brasileiro, de Minas Gerais, responsáveis por criar a estrutura

necessária, cuidar do treinamento dos técnicos e manter o suporte financeiro.

Com o término da Segunda Guerra Mundial, havia o interesse norte-americano de

ampliar seus mercados de consumo, bloqueados em decorrência do conflito mundial.

Contudo, nos países latino-americanos, incluindo o Brasil, o poder de compra era muito

baixo e tornava-se necessário estimular a produção e a produtividade. Fonseca identifica o

papel da extensão no meio rural como um instrumento capacitado para garantir que o homem

212 OLINGER, Ascensão e decadência da extensão rural no Brasil, p. 23.

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rural entrasse no ritmo e na dinâmica da sociedade de mercado, ou melhor, que ele deixasse

de ser “parado” e retraído e passasse a produzir mais, com melhor qualidade e em menor

tempo para, com isso, obter alguns equipamentos para continuar produzindo e,

conseqüentemente, consumindo.213

Conforme Barros, na verdade, o propósito oculto da missão norte-americana que

trouxe o modelo de extensão rural ao Brasil estava em aumentar a produção e a

produtividade brasileira a fim de assegurar mercado fácil para as suas utilidades industriais e,

conseqüentemente, aumentar a sua acumulação de capital. 214 A assistência técnica prestada no

Brasil até 1940 tinha objetivos fomentistas e atendia, sobretudo, aos interesses de grandes

produtores ligados aos produtos de exportação, que poderiam se tornar consumidores de

bens industrializados.

Em Minas Gerais, foi realizada a semana do fazendeiro na Escola Superior de

Agricultura de Viçosa (ESAV), cujo fundador foi o norte-americano Peter Henry Rolfs. Esta

se tratava de uma reunião anual de agricultores que recebiam aulas práticas com

demonstrações de métodos, tanto para homens, sobre assuntos agropecuários, quanto para

mulheres, sobre economia doméstica. Outras atividades foram realizadas, como semanas

ruralistas, criação de postos agropecuários, missões rurais, promovidas pelo Ministério da

Agricultura em cooperação com as secretarias de Agricultura dos estados.215

A partir de 1948, o produtor, e não somente a produção, passou a ser considerado pelo

serviço de extensão. Foi em Santa Rita do Passa Quatro, São Paulo, que foi desenvolvida a

primeira experiência extensionista, que seria implantada pelo engenheiro agrônomo Marcos

C. Pereira, em cooperação com agricultores, prefeitura, firmas locais e o governo do estado,

através das secretarias de Agricultura e Saúde.

Em dezembro de 1948, foi criada a Associação de Crédito e Assistência Rural (Acar-

MG), um convênio entre o governo de Minas e a American International Association, que

havia sido criada em 1946 pela Fundação Rockfeller. Conforme relata Fonseca:

A ACAR seguiu os moldes da Farm Security Administration, criada pelo Presidente Roosevelt para auxiliar os agricultores nos Estados Unidos a se refazerem dos efeitos da crise de 1930. O Sr. Rockefeller, antigo Coordenador dos Assuntos Interamericanos e subsecretário de Estado,

213 FONSECA, A extensão rural no Brasil: um projeto educativo para o capital, p. 96. 214 BARROS, Edgar de Vasconcelos. Princípios de ciências sociais para a extensão rural. Viçosa: UFV, 1994 p. 670. 215 Ver OLINGER, Ascensão e decadência da extensão rural no Brasil, p. 42-46.

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acreditava que um programa semelhante, de assistência técnica e crédito rural supervisionado aos pequenos agricultores, poderia ser adaptado às condições existentes em Minas Gerais, para aumentar a produção e elevar o nível de vida no meio rural. Ao mesmo tempo, a AIA providenciou a vinda aos quadros do Extension Service e da Farm Security Administraion, os quais passaram a treinar os técnicos brasileiros para a adaptação às condições locais dos métodos utilizados nos Estados Unidos. 216

A Acar foi criada em Minas Gerais no governo de Milton Campos, quando foi

implantado o Plano de Recuperação Econômica e Fomento da Produção, cujo pressuposto

básico era a idéia de que a via correta para a superação do atraso econômico seria uma ação

planejada.217 Este plano apresentava algumas medidas referentes à população rural:

O plano de governo trazia um conjunto de medidas que cobriam praticamente todas as atividades econômicas e assistenciais consideradas prioritárias na época. Neste conjunto, as medidas referentes às populações rurais foram traçadas com a preocupação de diminuir o êxodo rural através de ações no âmbito da política social, na certeza de que, efetivando-se propostas concretas nesta área, a resposta econômica do setor agrícola (aumento da produtividade) seria satisfatória para o sistema como um todo. 218

Um dos problemas sociais rurais era o êxodo rural, que estava crescendo e

comprometendo a produtividade agrícola mineira. Fonseca aponta algumas razões para

Minas Gerais ser colocada numa posição de fronteira ante a expansão do capitalismo

brasileiro, entre as quais estão: o fato de possuir abundância significativa em recursos

naturais, uma burguesia atuante com forte poder de negociação, uma firme disposição de

colocar o estado em destaque no cenário nacional e um governo disposto a superar os

problemas antigos da economia.

A Acar passou a ser uma associação civil sem fins lucrativos, de direito jurídico

privado, que foi se espalhando para todos os estados brasileiros, vindo a ser o segundo maior

serviço de extensão do mundo.219 Difundia práticas de agr icultura, pecuária e economia

doméstica entre agricultores adultos, donas de casa, moças e para a juventude rural, através

dos Clubes 4-S. Também contava com uma linha de crédito especial para os projetos de

extensão.

Foi somente em 1952 que o termo “extensão” passou a ser utilizado no Brasil. A

partir da avaliação do trabalho que vinha sendo desenvolvido pela Acar, tornou-se necessário

216 FONSECA, A extensão rural no Brasil: um projeto educativo para o capital, p. 78. 217 Idem, p. 72. 218 Id. ibid. 219 OLINGER, A ascensão e decadência da extensão rural no Brasil, p. 48.

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uma mudança em todo o sistema de trabalho; então, passou-se a adotar a idéia de educar o

agricultor e sua família e de utilizar o crédito como ferramenta de educação para que pudesse

adotar com mais facilidade as técnicas recomendadas pelos extensionistas.

A gênese da necessidade dessa avaliação, entretanto, não se apresentam apenas como

uma intenção dos técnicos que trabalhavam na extensão (tanto americanos como brasileiros),

mas, sobretudo, como conseqüência da implantação no Brasil do sistema de cooperação

bilateral Ponto IV, que era um programa do governo americano para ajudar os países

subdesenvolvidos. O interesse dos Estados Unidos pelo Brasil não se devia apenas à grande

quantidade de suas riquezas inexploradas, mas, também, às conseqüências que uma guerra

poderia trazer à sua posição estratégica e sua produção. 220

Desde o início da década de 1950, havia discussões para a criação da Ascar no Rio

Grande do Sul. Em 1951, foi realizada a primeira reunião para tratar do assunto conforme

expõe Caporal:

A esta reunión acudieron los más altos cargos del govierno, entre ellos el próprio Gobernador del estado, representantes de la elite civil y eclesiástica, además de los senõres Robert W. Huggens y Henry Wight Bragley, directivos de la “American International Asociation for Economic and Social Development” – AIA. También acudieron a la reunión los senõres Walter L. Crowford, asistente técnico norteamericano de la ACAR-MG y el senõr Vicecónsul de los Estados Unidos de América del Norte. De esa reunión resultó la decisión de crear la ACAR, cuya fundación, com el nombre de ASCAR – “Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural” – ocurrió, oficialmente, en el anõ 1955. 221

Em 1954 foi criado o Escritório Técnico de Agricultura (ETA), apoiado pelo Ponto

IV. A criação do ETA visava à execução de projetos que contribuíssem para o

desenvolvimento da agropecuária nacional, tendo como base de ação a assistência técnica e o

crédito rural. Segundo Fonseca, a presença das diretrizes do ETA no projeto extensionista

brasileiro representou o início de uma nova fase, ou seja, da assimilação do modelo

difusionista-inovador. Assim, além dos objetivos, definiu-se também o conteúdo de sua ação,

que se baseou em quatro pontos: a experimentação empírica a valorização do tipo de trabalho

220 FONSECA, A extensão rural no Brasil: um projeto educativo para o capital, p 86. 221 CAPORAL, La extensión agraria del sector público ante los desafios del desarollo sostenible: el caso de Rio Grande do Sul - Brasil, p. 71.

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exercido pelo técnico extensionista, o caráter educativo do trabalho e a crença em alternativas

comunitárias de auto-ajuda. 222

Em 1956, a experiência mineira já estava consolidada e havia se espalhado por vários

outros estados brasileiros, exigindo a criação de um órgão central. Assim, em 1956 no

governo de Juscelino Kubitschek, criou-se a Abcar, uma associação nacional sem fins

lucrativos, de direito jurídico privado, destinada a coordenar os serviços de extensão rural.

Analisando a conjuntura política do período, que coincidiu com a criação da Abcar,

Fonseca comenta que a instalação de um órgão centralizador e com fins assistenciais no Brasil

só seria possível com o apoio do governo federal. Foi por isso que, somente após a posse do

novo presidente eleito e a certeza de que tudo estava tranqüilo, as negociações em prol de

uma Acar federal se iniciaram, assim mesmo sob os olhos céticos tanto dos conservadores

como dos da esquerda.223 Essa centralização permitiria um controle da observância de

diretrizes e a preservação dos princípios da extensão. Nos termos do discurso, o que se queria

mostrar era a imagem de um órgão apolítico, preocupado com a preservação da boa imagem,

calcada em valores morais como honestidade e princípios humanitários.224

As autoridades brasileiras diretamente envolvidas com os interesses norte-

americanos decidiriam sobre o trabalho educativo de extensão, e não os agentes dos

escritórios locais diretamente envolvidos com os líderes e as famílias rurais.225 Para alcançar

as propostas da Abcar, os extensionistas deveriam seguir uma metodologia adequada para a

formação de lideranças, que seriam intermediários dos extensionistas no meio rural.

As propostas de ação demostram que a partir da ABCAR a ação extensionista continuaria fiel aos pressupostos subjacentes ao modelo difusionista-inovador, mas acrescido de alguns elementos teóricos novos, ou seja, os conceitos de racionalidade, planejamento e moderna administração que, passados através dos líderes, deveriam atingir objetivos econômicos e políticos mais precisos. É neste sentido que o fazer extensionista não podia perder de vista a noção de conjunto, pois era a própria racionalidade do capital [...]. Os graves problemas dos agricultores de baixa produtividade e de baixo nível de vida, ficavam mais uma vez reduzidos à condição de problemas meramente técnicos, supervisores rurais (agentes extensionistas) – pensarem como equacioná-los, apresentarem a melhor solução e fazerem com que estas idéias chegassem á população rural através de seus líderes. A solução mais adequada, no entanto, já estava pensada: era o perfeito funcionamento da empresa rural que, por sua vez, só seria

222 FONSECA, A extensão rural no Brasil: um projeto educativo para o capital, p. 89. 223 Idem, p. 109. 224 Idem, p. 121 225 Idem , p. 123.

Page 125: Dissertação 4-S

possível quando assistida pelos técnicos especializados nas diversas áreas concernentes ao trabalho agrícola. 226

Em 1961 a AIA concluiu sua participação junto à Abcar e somente técnicos brasileiros

foram chamados para a realização do Plano Diretor Qüinqüenal.

Pelo decreto nº. 50.632, de 19 de maio de 1961, a Abcar e suas filiadas estaduais

foram reconhecidas como órgãos de cooperação com o governo federal e o plano Diretor

Qüinqüenal foi aprovado, devendo a União contribuir com 60% do orçamento para 1961 e

1962. O plano foi elaborado com a participação de todas as filiadas estaduais e abriu caminho

para a instituição do Sistema Abcar, também conhecido por Siber e, mais tarde, Sibrater.227

O Sistema Brasileiro de Extensão Rural (Siber), por ser declarado de utilidade pública

era isento do pagamento das obrigações sociais para o governo federal, entre as quais:

previdência social, IPVA, imposto de renda e outras isenções.

Assim que o governo militar colocou em vigor as medidas em relação ao setor

agrícola, tratou de regulamentar e integrar a Abcar, que, em 1966, passou a ser coordenada

pelo Ministério da Agricultura através do Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário-

(Inda).

Em 1974, foi criada a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural,

(Embrater), que substituiu a Abcar, para coordenar os serviços de extensão rural em todo o

país. Também foi criada uma Empresa Nacional de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Empenhado em acelerar a modernização da agricultura brasileira, o Estado assumiu, ele

próprio, o papel de empresário e passou a responder financeira e institucionalmente pela

continuidade do projeto extensionista.228

Nos estados foram criadas Empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural

(Emater), de caráter civil e de direito público. Com isso, seriam extintas as associações civis,

sem fins lucrativos. Mas a Acarpa, no Paraná, a Acaresc, em Santa Catarina, e a Ascar, no

Rio Grande do Sul, mantiveram-se como associações consideradas filantrópicas, prestando

serviços à Emater.

226 Idem, p, 137. 227 Idem, p. 61. 228 MASSELI, Extensão rural entre os sem-terra , p. 31.

Page 126: Dissertação 4-S

Exposta a forma como se estruturou o sistema de extensão rural no Brasil, tratamos,

agora da expansão do trabalho através dos Clubes 4-S e da formação das lideranças no meio

rural.

3.2.2 O início dos Clubes 4-S no Brasil e sua expansão

Um dos trabalhos desenvolvidos pela extensão rural foi com a juventude rural,

seguindo o modelo dos Clubes 4’Hs, que ficou conhecido no Brasil como Clubes 4-S,

representado por um trevo de quatro folhas onde estavam as palavras “saber”, “sentir”,

“saúde” e “servir”, conforme a ilustração.

Fonte: Extensão rural, ano II, n. 14, fev. 1967, p. 16.

Figura 14 - Emblema dos Clubes 4-S do Brasil

No Brasil, o trabalho com o Clube 4-S iniciou em Igrejinha, Minas Gerais, em 15 de

julho de 1952, liderado pela professora Nila Silva de Paula. Esse dia ficou sendo denominado

(desde 1960) de Dia Nacional dos Clubes 4-S, relembrado sempre nas convenções anuais e

comemorações festivas promovidas em todo o país. Conforme registros da imprensa:

Page 127: Dissertação 4-S

Dia Nacional dos 4-S

Em solenidade realizada no Palácio do Planalto foi lançada a emissão do selo alusivo ao “Dia Nacional dos 4-S”, entidade que visa a oferecer aos jovens associados a oportunidade de aprenderem e praticarem métodos modernos de trabalho na agricultura e no lar. Usou da palavra o Sr. João Napoleão de Andrade, que saudou o presidente da República, em nome da ABCAR e do Comitê Nacional daqueles clubes. Em seguida, falou o presidente Costa e Silva destacando a eficiência dos Clubes 4-S num movimento de que se beneficia principalmente o povo do interior, promovendo a higienização das habitações e ensinando a fixar hábitos de utilização de processos adiantados na própria moradia do homem do campo, além de estimularem o aprendizado e a prática de métodos modernos na agropecuária e na economia doméstica.229 (grifo nosso)

Dessa forma, com o intuito de estimular a adoção de métodos modernos na agricultura

e no lar, o movimento difundiu-se em Minas Gerais e também para outros estados brasileiros,

como Pará, Sergipe, Alagoas, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, influenciando na

mudança de atitudes dos agricultores. No Rio Grande do Sul o primeiro Clube 4-S iniciou em

São Lourenço do Sul (1956), com 27 sócios. Também os municípios de Bento Gonçalves, São

Sebastião do Caí, Canguçu, Estrela e Taquara passaram a contar com Clubes 4-S no mesmo

período. O aumento do número desses clubes é ressaltado no artigo que segue:

Movimento quatroessista intensifica-se no R.G.Sul com a ajuda de líderes

As últimas informações recebidas da ASCAR dão conta do intenso movimento de expansão dos clubes 4-S no Rio Grande do Sul, graças à incorporação crescente do trabalho voluntário de líderes treinados, que não se limitam a animar a fundação de novas agremiações, mas estão promovendo, ao mesmo tempo, a melhoria geral dos clubes e de suas atividades. Durante o último trimestre do ano passado, alguns municípios se destacaram neste setor, entre os quais o de Getúlio Vargas, onde sete novos clubes entraram em funcionamento, agremiando o total de 175 jovens, que passaram desde logo a trabalhar com projetos de agricultura e economia doméstica. Em Carazinho, o 4-S juvenil conseguiu um terreno, por doação, e se lançou ao empreendimento da construção de sede própria. Em Caxias do Sul, mais cinco entidades foram fundadas, elevando para sete o número de clubes existentes no muncípio, que reúnem 180 associados, todos dedicados a projetos individuais de milho e alimentação. A repercussão desse trabalho tem sido excelente. “Tive oportunidade de verificar a ação benéfica da Extensão Rural através dos clubes 4-S – declarou à imprensa o deputado estadual Romeu Scheibe -, a qual habitua os jovens rurais a encarar a agricultura como profissão de futuro e as atividades domésticas como ocupação digna e valiosa”. O deputado participara da fundação festiva de dois clubes no município de Canela, tendo assistido a demonstrações apresentadas pelos seus jovens sócios.

229 Dia Nacional dos 4-S. Diário Notícias. 19 jul. 1967, s.p.

Page 128: Dissertação 4-S

Em Passo Fundo, Rosário do Sul, Estrela, Erexim e vários outros municípios, cresce por igual o interesse pelo trabalho dos Clubes 4-S, cujo número aumentou à medida que novos líderes passam a cooperar com os extensionistas neste setor de atividade.230

Percebe-se o apoio de políticos e o papel fundamental das lideranças para a expansão

dos Clubes 4-S no estado. Na Tabela 8, mostra-se a evolução dos Clubes 4-S no Rio Grande

do Sul.

Tabela 8 - Evolução do trabalho com Clubes 4-S no Rio Grande do Sul – 1956-1977

Anos Clubes 4´S Municípios com Clubes 4´S por município

Nº Sócios (nº) Líderes (nº) extensão rural (nº) c/extensão rural (média) 1956 10 53 - 11 0,9 1957 10 100 - 16 0,6 1958 11 146 - 23 0,5 1959 17 341 19 25 0,7 1960 25 530 53 25 1,0 1961 38 846 76 27 1,4 1962 82 1.758 165 27 3,0 1963 98 2.342 196 34 2,9 1964 134 3.000 246 42 3,2 1965 197 4.299 385 42 4,7 1966 181 4.458 438 70 2,6 1967 202 5.701 603 85 2,4 1968 264 7.292 792 94 2,8 1969 325 8.969 879 94 3,4 1970 378 9.906 975 94 4,0 1971 413 10.744 393 94 4,4 1972 398 10.448 1.108 94 4,2 1973 378 9.982 1.188 90 4,2 1974 373 9.915 437 90 4,1 1975 314 7.555 411 90 3,5 1976 268 6.673 426 90 3,0

230 Movimento quatroessista intensifica-se no R.G.Sul com a ajuda de líderes. Extensão Rural, ano II, n.14, fev./67, p. 18.

Page 129: Dissertação 4-S

1977 257 6.248 529 90 2,9 Fonte: Relatórios descritivos da Ascar 1956-1978, apud DIETERICH, Ronaldo. Clube 4’S : Descrição e análise da participação de jovens e sua permanência nas atividades agrícolas. Porto Alegre, 1983. Tese

Portanto, até 1971, o trabalho desses clubes cresceu extraordinariamente, mas, após

este período, começou a declinar. O serviço de extensão apontou que a grande mobilidade de

técnicos, o despreparo do pessoal para um trabalho educativo e a falta de melhor adequação

de diretrizes contribuíram para esse declínio.231

Para apoiar o trabalho dos clubes organizou-se o Conselho Estadual (Coesc), cujo

estatuto foi aprovado em 1972. O Coesc 4S era uma entidade civil, sem fins lucrativos,

apolítica, reconhecida de utilidade pública estadual pelo decreto lei nº 25536 e declarada

“órgão de colaboração do governo do Estado, junto à Secretaria da Agricultura”, pelo decreto

nº 81896.

A finalidade do Coesc era carrear e aplicar recursos como órgão de apoio técnico e

financeiro, visando ao preparo da juventude rural para participar da solução dos problemas

agropecuários do estado nos aspectos técnicos, educativos e sociais. Algumas metas foram

alcançadas em cinco anos de atividades do Coesc 4-S:

-Propiciou a realização de 1.037 treinamentos profissionalizantes para 16.872 jovens, 56 treinamentos em liderança para 1.468 participantes; editou 28 números da Revista do clube 4-S, órgão que divulga as realizações quatroessistas do nosso Estado; equipou os Conselhos Municipais para melhor atuarem junto aos jovens quatroessistas, com bens móveis, tais como: 13 veículos, 13 máquinas de datilografia, 12 máquinas fotográficas, 4 projetores de slides, 4 mimiógrafos, e 6 gravadores; promoveu a realização de: excursões de jovens em visita a instalações de fábricas de adubos e locais turísticos do Estado; -exposições municipais de trabalhos quatroessistas; concurso de tratoristas; premiação anual de campeões estaduais em projetos individuais e comunitários. 232

Conforme Bicca, no estado, as organizações de apoio eram representadas pelo

Conselho, Estadual ou conselhos municipais e se constituíram mediante estatutos e

regulamentos próprios, tendo como associados entidades públicas ou privadas e pessoas

interessadas em contribuir, com seu esforço e recursos financeiros, para levar avante os

231 Ver, DIETERICH, Ronaldo. Clube 4’S : descrição e análise da participação de jovens e sua permanência nas atividades agrícolas. Tese ( Mestrado em Economia rural e Sociologia rural ) - UFRGS, Porto Alegre, 1983. 232 EMATER/RS. Investir no potencial jovem e obter garantido sucesso: 5 anos de atividades. COESC – Conselho Estadual de Clubes 4-S. Porto Alegre.

Page 130: Dissertação 4-S

propósitos e a filosofia quatroessista. Os conselhos eram constituídos, em sua maioria, por

representantes da indústria, do comércio, dos órgãos oficiais e por particulares.233 Formaram-

se também alguns conselhos municipais como os de Arroio do Meio, Santa Cruz do Sul,

Veranópolis, Nova Prata, Encantado, e Espumoso, entre outros.

O primeiro conselho municipal formado no Rio Grande do Sul foi em Santa Cruz do

Sul, conforme divulgou a revista do Clube 4/S:

Integração e dinamismo em Santa Cruz do Sul

O Conselho Municipal de Clube 4-S de Santa Cruz do Sul, o primeiro a ser organizado no Estado, conta com o maior número de sócios filiados a clubes 4-S. Cerca de mil jovens formam o grupo quatroessistas santacruzense, em seus 50 Clubes 4-S. O Conselho municipal de Clube 4-S possui uma estrutura de três veículos, dois técnicos, e um instrutor especializado em treinamentos básicos do setor secundário. Conta com uma unidade móvel de treinamento – Unidade Móvel de Educação para o Trabalho - UMET, a qual destina-se a treinamento de jovens em carpintaria e ferraria colonial, eletricidade, corte e costura e alimentação, além de outras áreas como a de pedreiro, etc. É este Conselho o que executa o maior número de treinamentos de jovens durante o ano, graças a perfeita integração existente na sede municipal, a qual abrange todos os tipos de entidades e firmas. Com o patrocínio do PIPMO (Programa Intensivo de Preparo de mão-de-obra), LBA, IECLB, e outras entidades, e a cooparticipação efetiva do COESC 4-S (Conselho Arroiomeense de clubes 4-S) [...].234

Os conselhos destacavam-se pela orientação imprimida às atividades dos jovens em

benefício da comunidade, principalmente por meio de campanhas de educação sanitária,

sinalização de estradas, construção de praças públicas nos distritos, promoção de cursos

supletivos, instalação de lavouras racionais como modelos para os agricultores, difusão de

hortas domésticas e noções básicas de alimentação, combate às verminoses, trabalhos de

economia doméstica.235

Em 1978, aconteceu o 1º Encontro Estadual de Clubes 4-S do Rio Grande do Sul, em

Santa Cruz do Sul, com a participação dos estados de Santa Catarina, Minas Gerais e

Pernambuco e representantes do movimento de Juventude Agrária da República Oriental do

Uruguai. De acordo com a Revista do Clube 4/S, o objetivo era divulgar, junto aos órgãos

governamentais, ao empresariado industrial, comercial e financeiro e ao público em geral, a

pujança jovem do estado, suas aspirações, ansiedades e realizações nos Clubes 4-S.

233 BICCA F. Eduardo. Os conselhos de Clubes 4-S. Revista do Clube 4-S ,ano VII, n.32, jan./fev. 1978, p. 20-21. 234 Idem, p. 22. 235 Conselhos capacitam jovens. Revista dos Clubes 4/S, ano III, n. 8, jan./fev. 1974, p. 13.

Page 131: Dissertação 4-S

Após a introdução dos Clubes 4-S no Brasil o trabalho expandiu-se rapidamente,

tendo grande repercussão na imprensa os seus resultados. No próximo capítulo, relatamos

como foi a atuação desses clubes no meio rural de Passo Fundo.

Page 132: Dissertação 4-S

CAPÍTULO 4

OS CLUBES 4-S NO MEIO RURAL DE PASSO FUNDO

Neste capítulo mostramos como ocorreu a introdução dos Clubes 4-S no meio rural de

Passo Fundo, especialmente no distrito de São Roque, bem como a metodologia utilizada, a

participação dos jovens e agricultores, os incentivos ao associativismo, os resultados,

alterações e redefinições ocorridas no decorrer do trabalho.

A agricultura desenvolvida na pequena propriedade nas áreas de mata de Passo

Fundo até final da década de 1960 seguia os métodos tradicionais em meio ao processo de

modernização que estava revolucionando a produção agrícola nas áreas de campo.

Os Clubes 4-S tornaram-se intermediários do serviço de extensão rural na

transferência de tecnologia para o meio rural através da educação das famílias, objetivando a

mudança dos métodos tradicionais, considerados atrasados e prejudiciais ao desenvolvimento

econômico do país. Conforme foi visto anteriormente, vários argumentos eram apresentados

para justificar o envolvimento do jovem no trabalho da extensão rural, como o elevado

número de jovens, o êxodo rural, a necessidade de complementar a educação familiar e

escolar, a facilidade do jovem para aceitar inovações, mudanças, a necessidade de aumentar a

produção e a produtividade a curto e a longo prazo.

4.1 A introdução e metodologia de trabalho dos Clubes 4-S em Passo Fundo

Em Passo Fundo, o trabalho com os Clubes 4-S iniciou na década de 1960, tendo a

maioria dos clubes se formado no distrito de São Roque, nas localidades de São Roque, São

Valentim, Santa Gema, Nossa Senhora das Graças e Capinzal.

Conforme entrevista com uma das lideranças que iniciou o trabalho com os clubes no

distrito de São Roque: “Eu era professor lá na localidade de São Luiz, na Escola Epitácio

Page 133: Dissertação 4-S

Pessoa, quando fomos procurados pela primeira vez pela Ascar, e foi ali que começamos o

Clube 4-S. Depois de lá, fui transferido para São Valentim, onde foi formado também.

Depois surgiu em São Roque, em São José [..]”. 236 Para os jovens, os Clubes 4-S eram uma

novidade, razão pela qual participavam deles com entusiasmo, como transparece nesta fala:

Começou o 4-S e a gente tinha aquela empolgação porque era uma coisa nova, instruía com o agrônomo da Ascar para o desenvolvimento da agricultura, como o terraceamento, análise de solo, recuperação da terra e as novas técnicas de plantio, a semente híbrida; o trigo já modificado não era mais aquele de antigamente, o Fontana, Peladinho. Então já veio as variedades de trigo preparado, produzido na Embrapa, já tinha a pesquisa naquela época e, através da Ascar, a gente aprendia, trabalhava em grupo. Começamos com milho, com trigo e terminamos com soja. O 4-S foi uma porta que se abriu pra gente plantar na técnica porque a gente plantava antigamente, derrubava mato, pra fazê lavoura. Plantava até a terra fica ruim, derrubava outro lugar e ali deixava vira mato de novo, capoeirada. 237 No trecho do depoimento transcrito, evidencia-se que foi a partir da formação dos

clubes que os jovens entraram em contato com novas técnicas agrícolas e interessaram-se por

elas, porque no meio rural eram inseridos muito cedo na rotina de trabalho, desempenhando

tarefas agrícolas e domésticas, com poucas atividades de lazer. Além disso, na época, os

agricultores estavam com as terras esgotadas, o que era motivo de preocupação para toda a

família. Por essa razão, muitas famílias do distrito haviam migrado para Santa Catarina e para

o Paraná em busca de terras férteis para produzir, e alguns jovens tiveram de ir trabalhar na

cidade a fim de ajudar os pais. Nesse contexto, o medo de vender a propriedade, de ver a

família desestruturada, de não poder oferecer o sustento ou terra para os filhos atemorizava

o meio rural.

De acordo com Tedesco, a ordem social do colono fundava-se na ligação entre

propriedade, família e trabalho, este com sentido para além do econômico: 238 “O italiano

considerava a propriedade um bem intocável e o maior bem a ser legado aos filhos”239.

Assim, o apego à terra que haviam adquirido por herança dos pais ou comprado com o

esforço do trabalho envolvia sentimentos do colono desbravador, aquele que adquiria terras, e

236 ROVANI, A. Orlando. Entrevista... 237 MAFFI, Carlos. O entrevistado foi sócio do Clube 4-S de São José e ganhou premiação com o projeto “Trigo” em 1970. 238 TEDESCO, João Carlos. Terra, trabalho e família: racionalidade produtiva e ethos camponês. Passo Fundo: Ediupf, 1999. p. 50.

Page 134: Dissertação 4-S

vender significava botar tudo fora, perder. Ao mesmo tempo, a pequena propriedade

limitava a capacidade de produção e tornava difícil a continuidade da tradição familiar.

Dessa forma, os jovens e os agricultores viram no trabalho dos Clubes 4-S uma

alternativa para a permanência no meio rural.

Os adolescentes, em geral, são influenciados pela força das regras do sistema de trabalho, de participação na, com e para a família; aprendem logo a diferenciar funções, a estabelecer hierarquias e deveres, a normatizar os princípios do trabalho voluntário (ver as coisas desde cedo) em direção a uma razão prática e simbólica também, pois, pela lógica do trabalho e da produção, há processo de inserção social, familiar, que consolida a identidade adaptada ao lugar cultural.240

Em vista disso, os jovens poderiam contribuir para consolidar as práticas agrícolas e

domésticas existentes, bem como alterá- las na medida em que assimilassem novas orientações

e deixassem de lado as tradicionais, pois o jovem é mais suscetível a mudanças e inovações.

Dessa forma, a formação dos Clubes 4-S provocou rupturas e redefinições no tocante ao

trabalho e à produção no meio rural.

Em 1968, Passo Fundo contava com nove Clubes 4-S, que funcionavam nas

comunidades de Santo Antão, Arroio do Tigre (Sertão), Esquina Penz, Mato Castelhano; São

José, São Roque, Capinzal, São Valentim, Santa Gema.241 A maioria desses estava localizada

no distrito de São Roque.

O primeiro passo para a formação dos Clubes 4-S era a escolha das comunidades, o

que era feito analisando-as de acordo com a sua expressão econômica, a existência de adultos

dispostos a colaborar e um bom potencial de jovens, a disponibilidade de terra e o trabalho

com adultos. Conforme Ferreira, o potencial econômico de uma comunidade facilitava o

trabalho com jovens e a transferência de uma tecnologia mais avançada. Nas áreas de baixa

renda, a orientação da extensão era atingir a família no seu todo; portanto, trabalhar com

jovens em comunidades onde não havia trabalho com adultos, além de contrariar uma

orientação na extensão não seria fácil, porque estes, desconhecendo o trabalho extensionista,

certamente não dariam o apoio desejado e necessário. Finalmente, o fator disponibilidade de

239 SANTIN, S. Dimensão social do trabalho e da propriedade do imigrante italiano na ex-colônia de Silveira Martins, DE BONI , L. A. (Org). A presença italiana no Brasil. Porto Alegre: Est, p. 456. 240 TEDESCO, 1999, op. cit. p. 91. 241 15 de Julho – Dia Nacional de Clubes 4-S. O Nacional, Passo Fundo, 13 jul. 1968, p. 3.

Page 135: Dissertação 4-S

terra era de grande relevância, uma vez que, sem terra, o sócio ficava limitado ou impedido de

executar o seu trabalho individual.242

Pode-se dizer que o distrito de São Roque foi selecionado para desenvolver o trabalho

da extensão rural porque se enquadrava nas exigências citadas anteriormente, ou seja, os

agricultores eram, em sua maioria, proprietários das terras e, em algumas, comunidades

rurais, havia em torno de cem alunos nas escolas, que poderiam se tornar sócios dos Clubes

4-S. Na entrevista direta com a extensionista que trabalhou no período, pode-se compreender

como ocorreu o início do trabalho nas comunidades.

Assumi Passo Fundo em 1966, aí fiz os primeiros contatos. Já existia em algumas comunidades aquele trabalho, porque a gente ia nas comunidades para orientar e explicava como que era e eles decidiam se queriam ou não. Naquela época, não tinha mais ninguém que trabalhava com o meio rural. Hoje existem muitas entidades. Naquela época, nem a Igreja ainda não tinha grupos de jovens. Então era a única entidade que ia até eles e, como a gente trabalhava com os pais, com as mães, com as senhoras e o agrônomo orientava os agricultores, então, os próprios pais incentivavam. Não eram todas as comunidades que aceitavam, né. Nós fizemos trabalhos bons. A gente sempre procurava levar novidade pra eles porque o objetivo principal no início do trabalho era conter o êxodo rural e hoje a gente sabe que é meio impossível. Eu também sou fruto do êxodo rural porque nasci e me criei no interior, mas a gente justamente preparava eles pra ficar, pra eles terem condições de melhorar onde eles estavam. O Clube de São José era bem atuante, São Roque era atuante também. Santo Antão, Santa Gema, São Valentim era bem atuante. Depois nem tanto. Em Nossa Senhora das Graças, começamos um, foi uma professora Grando que liderou. Em São Valentim era o professor Antônio Grando [...]. A gente dizia: “ Olha, a gente não vem ensinar nada pra vocês, a gente vem pra trazer coisas que a gente aprendeu pra melhorar. “Eu levei muita coisa pra elas, mas aprendi muito com elas. Algumas coisas tinha resistência, o fato também de ser uma equipe um agrônomo e uma extensionista tinha lugar que achavam que nós tinha que ser casados [...]. 243

Através da entrevista percebe-se que, na época do início da formação dos Clubes 4-S,

não havia outras entidades trabalhando diretamente no meio rural; os extensionistas rurais

eram os responsáveis para desenvolver um trabalho diferente na comunidade, incentivando os

agricultores para que permanecessem no seu meio, pois nem todas as comunidades aceitavam

com facilidade o trabalho desses agentes.

242 FERREI RA, L. Carmem. Trabalho com Clubes 4-S. Emater/RS, 1998, p. 8. 243 MATZEMBACKER, Elma. A entrevistada foi extensionista em economia doméstica na região de Passo Fundo no período de 1966 a 1978.

Page 136: Dissertação 4-S

Por isso, tornava-se necessário uma metodologia eficiente, prática e objetiva. Costa

caracterizou os métodos da extensão como convencionais, de ensino e treinamento, que

foram adaptados e aperfeiçoados para o tipo de educação extra-escolar que o agente de

extensão deveria promover.244 O autor classifica os métodos utilizados pela extensão como

individuais (visita, contato, demonstração de resultados, demonstração de técnica), grupais

(reunião, demonstração de resultados, demonstração de técnica, cursos, excursões) e massais

(rádio e TV, jornal, carta-circular, cartazes, publicações, exposições). 245

Assim, após a escolha das comunidades, iniciava-se o processo de difusão da idéia,

quando os extensionistas visitavam as famílias, faziam reuniões com jovens para a

identificação e escolha de líderes voluntários, explicando o que era um Clube 4-S e quais

eram os seus objetivos e solicitando que indicassem uma pessoa como responsável pelo clube.

Ferreira explicita bem o procedimento para o início das atividades no meio rural:

Quanto maior for o número de pessoas entrevistadas e de líderes identificados melhor, pois eles terão que passar por uma segunda indicação, também muito importante, que é a dos jovens. Feitas todas as visitas, tabuladas as respostas, teremos a relação dos líderes, indicados. O próximo passo é reunir os sócios e apresentar esta relação a eles solicitando que indiquem, dentre estes ou ainda outros, quais os líderes que gostariam que fossem responsáveis pelo seu clube. Feito isso, visitar somente aqueles líderes voluntários que tiverem a indicação dos líderes da comunidade, dos pais e dos jovens. Nas visitas a esses líderes depois de motivá-los sobre o que é o trabalho 4-S, dizer da indicação que tiverem e consultá-los para saber se gostariam de se responsabilizarem pelo Clube 4S de sua comunidade. O clube poderá ter mais do que um líder , pois quanto mais maduro for um grupo maior é o número de líderes que terá. Na medida que os líderes forem sendo treinados, forem atuando e o tempo for passando vai se processando uma seleção natural, ficando no Clube somente aqueles que realmente estão interessados em trabalhar com os jovens. 246

Com o exposto, observa-se que existia uma metodologia a ser seguida e que o

trabalho exigia uma aproximação maior com a comunidade visando conhecer as lideranças e

os jovens, buscando apoio e confiança das famílias para sua introdução.

Na escolha das lideranças, era essencial que pertencessem à comunidade: “A gente

começava indo na comunidade e tinha indicação de alguém que dizia: ‘olha vai na casa de

fulano...’.247 Muitos indicavam professores ou pessoas que lideravam as atividades religiosas,

mas o líder poderia também ser um agricultor, uma dona de casa, algum jovem de mais

244 COSTA. Vaz, M. Extensão rural. Porto Alegre: URGS, 1973, p. 83. 245 Idem, p.85. 246 FERREIRA, Trabalho com Clubes 4/S , p. 9. 247 MATZEMBACKER, Elma. Entrevista ...

Page 137: Dissertação 4-S

idade, um sócio de clube. Uma pessoa do sexo masculino liderava os meninos e uma do sexo

feminino, as meninas, conforme relata um dos líderes dos Clube 4-S:

Comecei no clube procurado pelo agrônomo, naquela época era da Ascar. Vieram aí e andaram pela redondeza, todo mundo me indicou. Daí vieram aí insistiram, insistiram, até que aceitei, então, formar um clube. O que acontece é que, naquela época, a Ascar não era conhecida. Veio pra trabalhar com o agricultor, mas o agricultor não conhecia, inclusive nós tinha ódio da Ascar porque em época de política, o prefeito pegava o agrônomo e saía pra fora né. Com a campanha política dele, ia dá assistência pro agricultor. E nós achava que aquilo era uma politicaia, né, nós não compreendia, não havia uma explicação que esse escritório tava aí à disposição pra nós enquanto que eles não vieram procurar. Daí que nós descobrimos o valor da assistência técnica. Eu lia sempre no jornal sobre o escritório da Ascar, que um foi pra Porto Alegre, pra cá e pra lá, mas eu não sabia o que que eles faziam, que era uma assistência gratuita, com interesse de trabalhá. Aí começaram a visitar mesmo e o que nós aprendemos com eles! Foi um desenvolvimento pra nós, não tinha conservação do solo, higiene, fossa, água encanada, às vezes tinha uma vertente boa e não sabia aproveitar aquilo ali. Puxava água com balde coxilha acima; aquele poço aquela manivela. A maioria era na vertente que iam buscar, e aquelas vertentes não cercavam nem nada, os porcos iam se banhá. Era assistência técnica, principalmente na higiene o que eles martelavam; lidar com as crianças, verminoses. Eu atendia o colégio, a Igreja e a Ascar. A Igreja tava condenada, então nós fazia a reunião na rua mesmo. 248 Como observamos, os agricultores tinham pouco conhecimento sobre o trabalho que a

Ascar desenvolvia antes de serem procurados pelos extensionistas, e as lideranças eram

indicadas na comunidade. Por intermédio dos jovens, objetivava-se atingir os pais para a

adoção das novas técnicas recomendadas pela Ascar. Assim, após a escolha das lideranças

partia-se para a organização do clube, que consistia em escolher um nome para a entidade, em

escolher a diretoria, eleita pelos sócios e composta por quatro membros: presidente, vice-

presidente, secretário e tesoureiro; em planejar e executar um plano anual de atividades, com

reuniões regulares, reuniões técnicas, recreações, exposições e outras atividades. Cada clube

fundado tinha seu espaço na imprensa, como vemos nesta notícia veiculada no Diário da

Manhã:

Baseado exclusivamente no trabalho da liderança vem iniciar suas atividades mais um clube 4-S no município de Passo Fundo, em São José, localidade situada há poucos quilômetros desta cidade. Os sócios e líderes nessa reunião escolheram o nome do clube que será denominado de “Bom Sucesso”. Procedida a eleição da diretoria ficou a mesma assim constituída: Presidente – Lírio Donato; vice-Armando Cardoso; tesoureira – Marly Tauffer; rainha – Rosmari Zanotto

248 PENZ, José Oscar. O entrevistado foi líder 4-S na comunidade de Santa Gema.

Page 138: Dissertação 4-S

e suplentes – José Souza, Fátima Strello e Otília Bortolin. São Líderes do Clube as seguintes pessoas: Srtª Neide Tauffer, Srª Fridolina Donatto, Sr. Walter Maffi, Sr. Zélio Donatto e Sr. Zélio Michel.249

As reuniões dos clubes eram realizadas nas residências dos sócios, nas escolas, em

igrejas; posteriormente, foram construídas sedes para os clubes nas comunidades. De acordo

com o manual da diretoria: as reuniões ofereciam aos jovens a oportunidade de crescerem

socialmente e de se prepararem para uma posição de destaque na sociedade. Esse crescimento

se realizava especialmente porque nas reuniões os jovens aprendiam a discutir de forma

democrática os problemas do grupo, a planejar e buscar soluções.250 Nas reuniões, poderiam

debater sobre vários assuntos, mas sugeriam-se alguns, como religião, educação sexual,

mercado de trabalho, política agrícola, preservação do meio ambiente, relações humanas,

liderança, dinâmica de grupo, Funrural e outros.

Para as reuniões sugeria-se que fossem seguidos alguns passos como abertura da

sessão, formalização do compromisso 4-S, leitura da ordem do dia, chamada dos sócios,

apresentação dos visitantes, leitura da ata, apresentação de assuntos ainda não resolvidos, de

assuntos novos ou avisos, informação sobre os projetos. Para a sessão técnica realizava-se a

demonstração; após, debate ou palestra, encerramento, sessão recreativa.251

Fonte: Arquivo pessoal de Oscar Penz Figura 15 - Reunião do Clubes 4-S de Santa Gema

249 Nasce um novo Clube 4-S no município de Passo Fundo: Bom Sucesso. Diário da Manhã, Passo Fundo, 21 set. 1967, p. 4. 250 EMATER/RS. Manual da Diretoria de Clube 4-S. Porto Alegre: 1981, p. 10. 251 Ver EMATER/RS. Livro de Presidência e Secretaria .

Page 139: Dissertação 4-S

Nos Clubes 4-S havia o interesse em despertar no jovem a autoconfiança, o senso de

responsabilidade e liderança para permanecerem no meio rural, produzindo de acordo com

as novas técnicas que lhes eram transmitidas. Conforme a imprensa noticiava na época:

Clubes 4-S (SABER, SENTIR, SAÚDE, SERVIR) são grupos de jovens entre 10 e 20 anos, organizados no meio rural, que se preparam para serem bons agricultores, boas donas -de-casa e bons cidadãos. Os sócios aprendem práticas modernas, novas técnicas, úteis à agricultura, e trabalhos domésticos, praticando-as em suas casas através dos seus trabalhos individuais. Os jovens se preparam para serem Líderes e Cidadãos úteis na localidade onde moram. Acostumam-se a viver em grupos, com espírito de cooperação e lealdade, dentro dos princípios democráticos. Cada Clube elege sua diretoria, planeja e executa um Programa Anual de Trabalho, com reuniões regulares, exposições, excursões e outras atividades. Quando é fundado um Clube 4-S, a comunidade que o organiza é responsável por ele, participando com interesse da sua organização e do seu programa. Sabe os benefícios que traz um Clube 4-S e sabe também que grande parte do sucesso do Clube depende do apoio e colaboração que lhe for dado. Por isso é importante que a comunidade conheça bem o Clube e ajude-o a se organizar e se desenvolver. Os clubes são guiados e orientados por líderes adultos, voluntários. É preciso que haja um líder de clube, que é seu orientador, e é responsável pelo clube. Podem existir, ainda, líderes de projeto, que orientam os sócios na execução de seus trabalhos individuais. Os Clubes 4-S são promovidos e assistidos pela ASCAR, que colabora com esses líderes, oferecendo: Orientação e treinamento para líderes, folhetos e livros para sócios, diretoria e líderes, programa de prêmios para sócios, líderes e Clubes. 252

Com isso, o trabalho dos Clubes 4-S desenvolvia-se de acordo com o material e a

orientação fornecidos pelos agentes, um engenheiro agrônomo, uma agente extensionista em

economia doméstica e uma auxiliar administrativa. Essa equipe de extensão rural atuava

junto às famílias e buscava o apoio das lideranças do meio rural. Segundo a imprensa local:

Essas três pessoas atuavam no sentido de proporcionar às famílias rurais melhores condições sociais e econômicas [...]. Assim, para alcançar um maior número de pessoas, os agentes da ASCAR lançam mão de um imenso potencial existente no meio rural, que é a liderança, identificada por processo sociométrico e pelo método dos juizes. Esses líderes rurais uma vez identificados e devidamente treinados realizam grandes trabalhos, auxiliando positivamente o trabalho de levar a tecnologia nos setores da agricultura, pecuária, economia doméstica, higiene e saúde. 253 (grifo nosso)

Com o exposto, torna-se claro o papel dos líderes como indutores de um aparato

tecnológico no meio rural, pois geralmente eram pessoas bem conceituadas junto à

252 O que são Clubes 4-S. Noticioso Colorado . Passo Fundo, jul. 1968, p.4. 253 Nasce um novo Clube 4-S no município de Passo Fundo: Bom Sucesso. Diário da Manhã , Passo Fundo, 21 set. 1967. Segundo Ferreira, a sociometria é um método que permite a determinação da atração ou repulsão entre as pessoas de um grupo social. Ela pode ser empregada com eficiência tanto na identificação de líderes de grupos organizados, como na identificação de grupos sociais e na estratificação de comunidades. A identificação

Page 140: Dissertação 4-S

comunidade e cuja participação nos projetos e na formação dos Clubes 4-S dava abertura

para um envolvimento maior da comunidade no trabalho divulgado pelos extensionistas. O

objetivo para o desenvolvimento desse trabalho era:

O trabalho de extensão com a juventude rural, através dos Clubes 4-S, tem como objetivos orientar os jovens para as futuras atividades agrícolas e domésticas e ainda para a vida social, de modo a que cumpram seus deveres e exercitem seus direitos em relação à família, à comunidade e à Nação. Contribuir para que os jovens tomem consciência de seu valor como pessoas humanas e que reconheçam esse valor nas pessoas que os cercam. Ajudar o jovem a ajudar-se, capacitando-o para as responsabilidades atuais e para as que terá que assumir na idade adulta. Enfim, complementar a educação familiar e escolar através de métodos dinâmicos. 254

Assim, o trabalho da extensão tinha um objetivo educacional que visava atingir o meio

rural como um todo através dos Clubes 4-S. O lema dos clubes era “Progredir Sempre”; um

uniforme, constituído de uma camiseta com o emblema dos Clubes 4-S, servia para identificar

os sócios; o hino 4-S, o Hino da Juventude, era cantado nos encontros e também se prestava

juramento às bandeiras dos 4-S e do Brasil nas atividades realizadas. Utilizavam-se esses

recursos nas reuniões, encontros, treinamentos, ou seja, em todas as atividades, simbolizando

a união, o entusiasmo e o empenho dos jovens na realização dos objetivos propostos pela

extensão.

Ferreira acrescenta alguns objetivos aos que foram citados anteriormente para

desenvolver o trabalho com o Clubes 4-S: “Estimular a participação dos jovens em

cooperativas, sindicatos e outras entidades associativas visando prepará- los para futuras

funções administrativas e diretivas e, também, exercitá- los na utilização dos serviços dessas

entidades”. 255

Constatamos que os jovens também seriam preparados para as atividades ligadas à

produção agropecuária, com o incentivo à participação em sindicatos, em cooperativas e

desenvolvimento de habilidades para assumir o trabalho na empresa rural. Entretanto,

segundo uma das lideranças entrevistadas, a introdução do trabalho não foi fácil: “O trabalho

era maravilhoso, mas era uma coisa nova que ia para um lugar, parecia, vamos dizer, nós

aqui, entrar falar com os índios antigamente. Era um pouco difícil pros da cidade ir lá passar

de líderes através da sociometria é feita por perguntas sociométricas puras ou indutivas. Ver FERREIRA, op.cit., p.51. 254 EMATER/RS. Manual da Diretoria de Clube 4-S. Porto Alegre, 1981, p. 1. 255 FERREIRA, Trabalho com Clubes 4-S, p. 4.

Page 141: Dissertação 4-S

as técnicas novas da modernidade da agricultura, acostumados com aquele sistema antigo”.256

As dificuldades aumentavam no tocante à introdução das novas técnicas agrícolas:

Os pais diziam: “Se o milho amarelo, o branco dá bem, por que é que vamos trocar? Então a Ascar queria introduzir o híbrido, que era provado que iria render mais, né, mas foi difícil. Foi difícil porque, quando começaram a implantar na agricultura o milho híbrido, tinha que fazer análise da terra. Quem é que ia pegá a terra pra analisá? Teve pessoa que pensava que agora as coisa era diferente, né. Tinha que ir no nome da pessoa do dono da terra e tinha pais que não queria ceder o nome, que tinha terra, porque tinha falcatruas naquela época também. Sempre tem os vivos né. Não era o caso da Ascar. Eles eram sinceros, responsáveis e queriam introduzir as coisas mais modernas na época. [...]. 257

Observa-se que muitos agricultores viram com desconfiança o trabalho de pessoas

que vinham da cidade, querendo obter informações e fazendo experimentos nas terras:

“Teve gente que disse assim: ‘Esses aí estão de olho na nossa terra!’, quando ia gente da

cidade pra fora. Não é só hoje que os colonos estão de alerta. Até falsos padres iam pro

interior, falsos mascates, vendendo roupa, corte de lã... Então os antigos tinham medo”258.

Outros diziam que era coisa do comunismo. Portanto, era difícil a aceitação das pessoas que

vinham de fora (cidade) para o meio rural.

O trabalho dos Clubes 4-S foi o começo, mas o povo tava rebelde. Acho que tiveram que ver o pedacinho de terra dos filhos para poder acreditar. O povo é arredio pra essas coisas, se arreda mesmo. Uma coisa que eles não conhecem, eles acham que tá vindo pra dá prejuízo. Mas não demorou três ano que tava todo mundo puxando calcário.259

O trabalho com a juventude, sem dúvida, era uma forma de atingir também os pais

com mais facilidade, além de que os jovens seriam os futuros agricultores; logo, era um

trabalho que visava atingir resultados a curto e a longo prazo. De acordo com um dos

entrevistados neste estudo:

256 GRANDO, Roberto Antônio. O entrevistado atuou como professor e líder 4-S da comunidade de São Valentim no período delimitado para o estudo. 257 Idem. 258 Idem. 259 SOUZA, O. Carlos Luiz. O entrevistado foi líder da comunidade de São José.

Page 142: Dissertação 4-S

Não foi muito fácil, com as crianças foi mais fácil. Se não fosse a influência das crianças, com os pais era meio difícil, era complicado pra eles começar a se desenvolver também, prá conquistar o que eles fizeram: a Ascar fornecia, acho que era através da Prefeitura, semente híbrida, um quilo, dois, para cada sócio e aí nós apelava pros pais dá um pedacinho pra eles plantar, que eles iam ver a diferença. Daí eles se acordavam e viam a necessidade de plantar a semente híbrida. A diferença era grande, dois anos antes eu já havia plantado onde eu morava antes (Esquina Penz). Eu plantei um saco de milho híbrido. Naquela época foi o patrão que trouxe. Nós plantava em súcia. Ele comprou o milho ponta, que era mais barato. Produziu 400 e tantos sacos com um saco de 40 quilos. Aquele ano foi um ano de seca, em redor não chovia e lá dava nuvem e chovia. Naquele ano (1960) eu tirei, plantando as meia, o que comprei esta propriedade. Eu tirei num ano, mas trabalhava, a mulher também. Sofremos, capinamos, passava o arado pra facilitá carpi. Daí eu já tinha aquela experiência ali e a vontade de aprender.260 No decorrer dos anos, os Clubes 4-S realizavam os projetos. Os pais iam

acompanhando os resultados positivos e já não viam os extensionistas como pessoas estranhas

à comunidade, pois haviam formado vínculos de amizade. Assim, reduzia-se a resistência aos

trabalhos e envolvia-se um número maior de agricultores.

4.2 As primeiras experiências: projetos individuais e comunitários

O trabalho desenvolvido pela juventude nos Clubes 4-S foi expressivo na difusão e

adoção das inovações técnicas no meio rural em virtude da aplicação prática dos

ensinamentos através dos projetos. Também foi a partir desse trabalho que foram feitos os

primeiros financiamentos:

Eu comecei a participar dos 4-S, eu era um dos mais velhos, tinha 17 anos. Com 18, 19 anos, como eu era um dos mais velhos e tinha uma área de terra no meu nome, então já fiz o cadastro no Banco do Brasil no meu nome. Foi um trabalho muito bom, que eu já era casado e participava junto ainda. Naquela época, jovem era só quem era solteiro, e eu casei cedo e continuei. Tinha mais de 30 jovens de 20 anos pra menos, até 12, 13 anos. A gente dava oportunidade até pros mais novos participarem juntos.261

260 PENZ, José Oscar. Entrevista... 261 SOUZA, S. José. O entrevistado foi sócio 4-S na comunidade de São José.

Page 143: Dissertação 4-S

Nos clubes, os jovens eram orientados para desenvolver projetos individuais, que

seriam apresentados no final do ano, e comunitários, a serem desenvolvidos em conjunto

pelos sócios do clube, assim que este apresentasse uma boa organização, geralmente após um

ano de existência.

Fonte: Acervo pessoal de Walter Maffi

Figura 16 - Colheita referente ao Projeto Trigo (1970)

Os projetos individuais poderiam ser voltados para a agricultura, pecuária ou economia

doméstica e eram realizados na propriedade do sócio. Assim, os meninos eram orientados

para desenvolver trabalhos com milho, trigo, batata, feijão, horta, cebola, videira, suínos,

gado de corte, gado leiteiro, etc. Na área de economia doméstica, as meninas desenvolviam

trabalhos ligados à alimentação humana, ou assuntos relacionados com higiene e saúde e

habitação: horta doméstica, pomar, agricultura, primeiros socorros, a dona de casa na

cozinha, arranjo de quarto, o milho na alimentação humana, o concurso de hortaliças, etc.262

Para trabalhar com as meninas havia uma liderança feminina, conforme relata uma líder do

movimento:

262 EMATER/RS. Manual da diretoria dos Clubes 4-S, op. cit., p. 9.

Page 144: Dissertação 4-S

De começo, o Walter era líder dos guri pra ensinar trabalho na lavoura, e eu tinha um grupo pra ensinar as meninas. Ensinei receitas, fazer crochê e bordado. Eu tinha uma turma bem grande. Elas iam fazendo o trabalho e faziam as festas e exposições. Depois elas continuaram o trabalho e eu comecei no grupo de senhoras: um mês fazia reunião numa casa, no outro mês era na outra. Foi anos assim no tempo da Ascar. Depois ficou um par de anos sem, né, e depois veio a Emater. Então passou a ser lá no salão da comunidade.263

Também se organizou um trabalho para as senhoras, que faziam hortas e depois

podiam comercializar os produtos, entre outras atividades voltadas para a economia

doméstica, saúde, higiene. Mas nem todas as mulheres jovens participavam, pois, após o

casamento, as mulheres do meio rural passavam a se dedicar à família, além de participarem

das atividades agrícolas ou nas olarias. A vida social das mulheres ficava bastante restrita

após o casamento, ao contrário dos homens, que se reuniam nos salões para o tradicional jogo

de baralho e de bocha. Por isso, eram as jovens solteiras que mais participavam das

atividades nos Clubes 4-S; as senhoras mais idosas participavam do Clube de Mães.

Os trabalhos individuais dos meninos eram orientados pelos líderes de projetos, que

recebiam um folheto e um guia do sócio sobre o assunto que iriam orientar. O sócio também

recebia o material para desenvolver seu trabalho, inclusive sementes, calcário e adubos, que

eram fornecidos gratuitamente por algumas indústrias: “A Trevo ajudava muito nós, dava

adubos, sementes...”. 264 Esse trabalho exigia muita dedicação por parte do líder, conforme

revela este depoimento:

Foi uma época muito bonita, mas foi uma época cansativa. Nós lidava com tantas crianças na escola, nós tinha cem alunos de 1ª a 5ª série e, à tarde, a outra turma dos 4-S. Tinha que ir até a lavourinha deles, medir a área de terra; não podia ser mais nem menos. Tinha de ir conferir de vez em quando se não plantou mais, porque o perigo era: se plantasse mais, renderia mais. Nós tinha uma missão fiscalizadora em cima disso, era um pouco cansativo.265

Essa fiscalização se justificava porque os jovens participariam de premiações com o

desenvolvimento dos projetos: “Nós gostava da concorrência: quem levava a espiga de milho

263 MAFFI, Catarina. A entrevistada foi líder das jovens 4-S da comunidade de São José... 264 MATZEMBACKER, Elma. Entrevista... 265 GRANDO, R. Antônio. Entrevista...

Page 145: Dissertação 4-S

maior, o galho maior de soja nas exposições, e todo o ano tinha exposições. Era tão sério

que era contado vagem por vagem, grão por grão”. 266 Na fala de um entrevistado percebe-se

como era desenvolvido o trabalho com os jovens:

Na prática, nós ia na lavoura, aprender semear, aprender plantar, o negócio de curva de nível, terraço. Eles que passaram pra nós. Tinha um grupo, a diretoria, o Walter Maffi, o Zélio Michel, eles eram os líderes que orientavam o trabalho. Os pais acompanhavam porque a gente participava ali e chegava em casa contava pra eles. E foi ali que começou o trabalho de recuperação do solo. Fomos nós que aprendemos, passamos pra eles e eles gostaram e acompanharam também junto. Ele dizia: “ Esse pedaço é de vocês. Vocês vão plantá, colhê, fazer tudo”. Teve muita diferença a partir do trabalho dos 4-S por causa da preparação da terra. Antes, se desse uma chuva, uma enxurrada, levava a terra; se plantasse, tinha que replantar porque a água levava aquela semente embora. Então, com esse negócio de curva de nível, terraço foi muito bem aproveitado. Pra calcarear a terra também, antes diziam: “Pra que isso?” Mas depois passaram a calcarear também. A preparação da terra, antes, era tudo no meio dos tocos, com junta de boi, era uma dificuldade imensa, porque enroscava arado de um lado, de outro, sempre sofrido. Depois que foi inventado essa de plantar soja é que foi destocado (tirar os tocos) e foi tudo projeto da Ascar. Era tirado tudo a mão, enxadão e machado. Aí ficava mais fácil para calcarear. Quando iniciou, não precisava gastar. Deus me livre falar pro pai de financiamento! Eles davam a semente, adubos, eles faziam outro tipo de financiamento: pagavam quando colhia, direto com os líderes.267 Com o apresentado, percebemos que as orientações repassadas aos jovens nas

comunidades através de demonstrações eram desconhecidas dos adultos, e foi a partir dos

Clubes 4-S que estes passaram a adotá- las. No início, era difícil os pais aceitarem a idéia de

fazer financiamentos; por isso, os produtos eram oferecidos gratuitamente: “Se conseguia

através das lideranças alguma coisa de adubo, que era ratiado entre os jovens pra incentivá as

primeiras lavourinhas com tecnologia de ponta. Um jovem do grupo conseguiu até uma

viagem pra Brasília porque tirou o primeiro lugar no estado”. 268

Havia também um sistema de crédito para os jovens quatroessistas junto ao Banco do

Brasil: “O meu primeiro contrato de financiamento foi com 16 anos de idade, acho que foi

uns dois anos. Depois não pagava a pena tá indo eu financiá se o pai também financiava.

Aquilo foi só um incentivo que o governo deu através da Ascar pra segurá o jovem no campo.

266 STRELLO, F. Antônio. O entrevistado foi sócio 4-S no período em estudo. 267 Idem. 268 SOUZA, S. José. Entrevista...

Page 146: Dissertação 4-S

Teve muitos jovens que fizeram financiamento e os pais não fizeram.” 269 A transcrição em

seqüência esclarece sobre o funcionamento do crédito que o Banco do Brasil oferecia aos

jovens:

O Crédito rural juvenil objetivava permitir aos sócios dos Clubes 4-S a realização de projetos de desenvolvimento rural. Tem o mérito de iniciar os jovens na aprendizagem da utilização do crédito e da assistência técnica, incutindo-lhes a responsabilidade pelo cumprimento de planos e obrigações por eles assumidos. Os financiamentos serão concedidos aos sócios dos Clubes 4-S de 10-21 anos assistidos ou representados por seus pais ou representantes legais quando não emancipados. Podendo ser dispensada a exigência nos empréstimos do valor com até três vezes o salário mínimo representado no país. Poderão ser beneficiário os menores emancipados ou munidos de Alvará expedido por juiz competente. O menor de até 16 anos (impúbere) deve ser representado pelo pai, ou na falta pela mãe ou ainda pelo tutor. Com idade superior a 16 anos (púbere) assinará o instrumento assistido pelo pai, pela mãe ou pelo tutor. 270

Assim se iniciavam os primeiros contatos dos jovens com os bancos para adquirir

financiamentos e realizar os projetos, sempre orientados pelos extensionistas e líderes, que

anotavam o desempenho dos jovens para concorrerem com os de outros clubes. No final do

ano, faziam-se exposições, nas quais os sócios apresentavam os trabalhos individuais e eram

julgados e premiados pelos seus esforços. Num documento da Emater encontramos o

seguinte:

Prêmios e reconhecimento

Existe um programa de prêmios e reconhecimento que premia anualmente os sócios e líderes de Clubes 4-S. Por este programa, são escolhidos os campeões dos clubes, do município, da região e do Estado nos diferentes trabalhos individuais e categorias de líderes. È julgado também o Clube campeão em trabalho de clube. Os campeões municipais recebem medalhas e os estaduais troféus rotativos. Os campeões estaduais concorrem com os campeões dos estados de Santa Catarina e Paraná, resultando daí os campeões da região Sul nos diversos trabalhos individuais. A entrega dos prêmios é feita num encontro regional realizado num dos três Estados. Os jovens campeões recebem o patrocínio total da viagem. Alguns campeões da região Sul, como os campeões de produtividade em milho, trigo, soja, batata e feijão, ainda concorrem ao Campeonato Nacional de Produtividade recebendo os prêmios em Brasília. Além disso, os jovens e líderes de Clubes 4-S têm oportunidades de: conhecer outros lugares, participar de convenções e congressos, fazer amigos em toda parte, conseguir crédito bancário para desenvolver seus trabalhos.271

Dessa forma, a premiação servia de estímulo para o jovem quatroessista e nos clubes

se ampliavam as oportunidades de recreação e lazer, promovendo momentos de integração

269 MAFFI, Carlos. Entrevista... 270 Banco do Brasil. Circular Rural. n. 1, 15 março 1971. 271 EMATER/RS. Manual da diretoria dos Clubes 4-S. op. cit., p. 13.

Page 147: Dissertação 4-S

dentro e fora da comunidade, com jogos de futebol, excursões, brincadeiras, reuniões

dançantes, visitas a outras comunidades.

Tudo isso se tornava um atrativo para os jovens, pois, no meio rural, havia poucas

opções de diversão, além de se sentirem valorizados com os resultados dos projetos que

realizavam. A partir desse trabalho, as comunidades do meio rural passaram a ter uma vida

social mais ativa, conforme a entrevista:

Nós chegamos a fazer torneio de futebol em Santo Antão, com 58 times de futebol. A parte de lazer foi o fator predominante, o encontro das famílias e o sucesso que teve com a comunidade de Santo Antão com a motivação do Clube 4-S. Em Santo Antão, no começo, antes dos clubes, ninguém se reunia. Depois dos 4-S, chegava a ter 200, 300 nos encontros de clubes, deu mais de vinte casamentos. Foi uma mobilização, os jovens, chegava sábado ou domingo, era Santo Antão, como se fosse uma festa quase. Não tinha aquele espírito de ganhar dinheiro, não, era recreação, mesmo. Era bonito que vinha gente de Santa Gema, São Valentim, Vila Rosso, São Roque. Todo o domingo, havia encontro dos clubes. E a festa era uma festa comunitária, cada um levava alguma coisa. Teve um progresso na área social e econômica com os projetos. Na época ninguém plantava batatinha. Depois que os Clubes 4-S começaram, passou a ser a maior região produtora de batatinha. Era um pessoal adormecido, precisava alguém que despertasse, que podia produzir tudo, parreira, milho, pomar, tudo o que cuidasse poderia produzir. Tinha uma época que diziam: “Plantando dá, recuperando e adubando dá muito mais”. 272

Com o exposto, percebemos que o trabalho dos 4-S despertou as comunidades para as

atividades sociais; passou a haver maior integração, contribuindo para fortalecer os laços de

solidariedade, que faziam parte da tradição das famílias na prática dos mutirões para as

colheitas, de construções de casas, capelas, dos pequenos estabelecimentos que eram

instalados no distrito. Os jovens contribuíam para envolver a comunidade nas atividades

referentes à área social e, também, à econômica.

Os Clubes 4-S proporcionam aos seus associados, ensinamentos de modernas técnicas dentro da agricultura, pecuária e economia doméstica. E, levam estes conhecimentos, para suas casas, através de seus trabalhos individuais. Aprendem praticando, a serem úteis às localidades onde vivem. O jovem rural, como toda a mocidade, representa um valioso potencial a ser utilizado. Potencial, que reunido num trabalho integrado, obtém um enorme lucro pela gama de experiências adquiridas pelos jovens.273

272 REBECHI, Auxílio. O entrevistado foi líder 4-S e atuou como presidente e principal liderança do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Passo Fundo por trinta anos. 273 BICCA, F. Eduardo. Os conselhos de clubes 4-S. Revista do Clube 4/S, ano VII, n.32, jan./fev. de 1978, p.18.

Page 148: Dissertação 4-S

Assim, percebe-se o interesse em envolver o jovem nos Clubes 4-S para atingir a

comunidade como um todo. As lideranças eram orientadas pela Ascar para desenvolver um

programa dirigido e todas as atividades realizadas eram divulgadas na imprensa, visando

mostrar a amplitude do trabalho que estava sendo desenvolvido na região e seus resultados, a

fim de abranger cada vez mais o meio rural nas atividades e obter apoio da sociedade.

4.3 A adoção das inovações tecnológicas pelos agricultores

Com os projetos realizados pelos jovens dos Clubes 4-S, os agricultores puderam

observar que realmente poderiam melhorar a produção e, aos poucos, foram adotando as

novas técnicas. As palavras de um dos líderes rurais mostram as preocupações do pequeno

agricultor na época em que se iniciou o trabalho com os clubes. Walter Maffi, um dos

entrevistados, relatou:

Aqui esgotou muito o solo e a Ascar entrou fazendo reuniões para a recuperação do solo. Aí a gente começou, fez um grupo bom aí em São José, Nós começamos a visitar os municípios que haviam implantado o sistema: Ibirubá, Não-Me-Toque. Foram vendo que seria viável, e a permanência do agricultor ficava mais fácil. Eu sempre pensava: “O que vou fazer?” Tinha três filhos, depois veio mais duas meninas: “Será que vou conseguir sobreviver com a lavoura pequena?” Quando veio essa renovação, foi uma coisa, que mudou do dia pra noite. Tivemos orientação desde a criação de suínos, entramos alimentando eles com ração. O técnicos diziam: “ Vocês têm o milho, mas não adianta dá o milho, vocês têm de moer o milho, misturar a farinha de carne com o farelo, sal mineral. Assim, aproveitam mais a qualidade do alimento e os suínos engordam mais rápido”. Eu fui o primeiro que plantou o milho híbrido, da Agroceres. Eles diziam: “Só não plantem como vocês plantavam, 3, 4 num buraco e perto. Coloquem um e longe”. Em 67, 68, o Clube 4-S foi que iniciou o trabalho mesmo, que envolveu o jovem daquela época. O jovem naquela época, com 12, 13 anos, participava, demos responsabilidade pro jovem. Quando o jovem tem responsabilidade, se sente realizado. Tinha três líderes: eu, o Luiz Souza e o Michel, orientados pela Ascar.274

274 MAFFI, L. Walter. O entrevistado foi um dos líderes da comunidade de São José.

Page 149: Dissertação 4-S

Essa mudança do “dia para a noite” fez com que se expandisse o trabalho dos Clubes

4-S, principalmente após a observação dos resultados dos projetos de demonstrações adotados

pelos jovens e lideranças da comunidade. Os resultados da produção foram destacados na

entrevista a seguir:

Ninguém acreditava na tecnologia que tava entrando, não tinha máquina pra esparramá calcário. Tinha que ser a mão. Tinha gente que não acreditava mesmo. Nós começamos indo no Banco do Brasil financiá aquilo lá e um funcionário disse: “Daqui um tempo ninguém vai plantar sem isso”. Não demorou muito porque os resultados foram aparecendo na primeira vez. A produção foi coisa mais bonita de ver. Quem conhecia terra que não tinha cultura que viesse e começou a produzir que nem roça nova, foi olhar pra fazer também. As terras estavam esgotadas, a minha e a do meu irmão era a pior. A primeira atividade foi passar calcário e terraceá pras águas da chuva não envaletá tudo, senão chovia e a água levava tudo pros banhados e ficava só os torrão. O calcário, naquele tempo, não sei como chegava na cooperativa. Fomos buscar na cooperativa e descarregá no galpão, era pesado tava quebrando o soalho do galpão. E depois era ensacado aquele calcário lá e tinha que botá tantos quilos num quadro certo, na metragem. Tinha que marcar tudo na lavoura e ir semeando a mão. O calcário era pesado que nem cimento e pra botá em bolsa, levá na roça, descarregá de novo no chão, botá nas latas e esparramá, os jovens ajudavam. 275

As orientações não se restringiam à agricultura, também envolviam a pecuária.

Conforme entrevista direta com um dos líderes da comunidade de São Valentim:

Fiz um chiqueirão por intermédio da Emater. Era do Clube 4-S, eu fui líder lá em São Valentim. Fiz um chiqueirão porque o meu era lá embaixo no moinho, muito na sombra. Daí fiz mais no alto, tudo automático: trazia água na caixa, não sofria, era só tratar os animais. Naquela época, o porco demorava pra engordar [...]. Fazia reuniões, eu era responsável de pegar os colonos para reuniões, como plantar o trigo, o soja. O colono é teimoso, as terras lavadas, fracas; derrubavam mato, não usavam adubo. Diziam que não adiantava. Daí era aquela velha história de ver pra crer. Quando viram que o vizinho começou ir bem, também entraram. Naquela época, a taxa de juro era baixa, aí começaram a comprar trator, adubar. Eles davam tudo: desenhos, arquitetura de chiqueirões de porco modernos, estrebarias, mas muitos não queriam [...].276 O suíno era um produto de grande importância econômica e social na região, sendo

comercializado nos frigoríficos dos municípios de Passo Fundo, Marau, Serafina Correa, mas,

275 SOUZA, O.C. Luiz. Entrevista ... 276 ROVANI, A. Orlando. Entrevista....

Page 150: Dissertação 4-S

para aumentar a produtividade do rebanho suíno, era necessário mudar o sistema de criação,

adquirindo porcos de raça, utilizando-se de novas instalações, com comedouros automáticos,

bebedouros, uso de rações balanceadas e outros complementos de acordo com as orientações

dos extensionistas. Várias foram as técnicas introduzidas pela Ascar, conforme este

entrevistado:

Lá no Maffi, nós tivemos mais do que uma vez fazendo silo trincheira. Faziam um buraco na terra. Dependendo de quanta pastagem queriam guardar no inverno, se cortava o milho e colocava dentro, moía e passava na máquina, na trilhadeira e, depois, colocava dentro daquele buraco. Já existia essas lona preta, daí enrolava e cobria de terra, isso era feito lá pelo mês de novembro, dezembro, janeiro. Era colocado o milho verde e, depois, só dali a cinco, seis meses pra abrir. Quando abria, tava perfeito ainda, como a gente colocou lá. O segredo é que não podia pegar ar. Eles introduziram bastante coisa. Eu, por exemplo, peguei logo e gostei, só que, para passar à frente, não era fácil.277

Em 1967, os primeiros resultados dos projetos realizados em Santa Gema e também

em outras localidades foram surpreendentes, como demonstra a matéria que segue, do jornal

O Nacional:

Agricultores de Santa Gema obtém resultados expressivos com milho

Jovens agricultores do distrito de Santa Gema – Passo Fundo, acabam de obter expressivos dados na colheita de milho. Usando técnicas apuradas dentro da orientação moderna, os jovens obtiveram resultados três e quatro vezes superior do que a média do município, que anda ao redor de 1.200 quilos de milho por hectare. Segundo dados obtidos no Escritório da ASCAR o jovem Wilson Daranch colheu nada menos do que 5.040 Kgs. por hectare, enquanto outros também obtiveram excelentes índices de produtividade. Eis aqui alguns resultados: Jaime Ápio-4.800 Kgs. por hectare; Luiz Rosseto-3.680 Kgs. por hectare; Genésio Ápio-4.680 kgs. por hectare; Narciso Ápio-3.680 kgs por hectare e Waldomiro Daranch-5.040 kgs. por hectare. Estes rapazes são associados de um Clube 4-S daquele distrito. Recebem orientação técnica e educativa dos extensionistas da ASCAR e desenvolvem nas propriedades de seus pais trabalhos sobre agricultura, criação e economia doméstica. É um trabalho que conta com a cooperação de uma série de instituições públicas e privadas e tem por objetivo elevar o potencial de conhecimentos e habilidades da juventude rural, para que possa influir de forma positiva no futuro e no processo de desenvolvimento econômico do Estado. Por outro lado, outros jovens associados de um Clube 4-S na localidade de Arroio do Tigre dedicam-se ao desenvolvimento racional do gado leiteiro em sua comunidade. Atualmente, seis rapazes já compraram vacas de raça, financiadas pelo Crédito Rural Juvenil, através do Banco Agrícola. Estes animais são da raça holandesa e dão uma produção de leite muito superior aos animais existentes na localidade de Arroio do Tigre. Os rapazes, que já possuem vacas de raça são os seguintes: Sírio Cecconello, Otávio Oliveira, Sérgio Ceconello, José Nivaldo Pires, João José Vanin e Ademir P. Dallasta. Informações colhidas naquela localidade, indicam que os pais destes rapazes estão bastante satisfeitos, uma vez que os reprodutores adquiridos vêm ao

277 GRANDO, Antônio. Entrevista...

Page 151: Dissertação 4-S

encontro das necessidades econômicas e alimentares de suas famílias, dando margem à melhores condições de vida daquela comunidade rural.278

Assim, verificamos que os resultados dos projetos dos jovens superavam as

expectativas da média do município e agradavam os pais, que viam no trabalho uma forma de

melhorar a renda da família. Dessa forma, os resultados positivos dos projetos garantiam a

credibilidade dos clubes e faziam crescer o número de interessados em melhorar a

produtividade mudando as técnicas habituais. Conforme o jornal Diário da Manhã, em 1968,

os clubes estavam envolvidos no seguinte trabalho:

Desenvolvendo como projeto individual a Cultura da Batatinha, obedecendo práticas modernas, desde a escolha da semente, adubação, preparo da terra, plantio, combate às pragas e doenças e finalmente a colheita, quando então haverá a exposição de cada Clube em suas localidades. Como projeto do Clube alguns estão desenvolvendo o de sinalização de estradas, outros farão uma pracinha e outro está construindo com a ajuda de sua comunidade a sua sede própria. Os clubes procuraram assim melhorar e embelezar suas comunidades.279

Essa divulgação através da imprensa tinha o objetivo de conseguir a adesão dos

agricultores, que, por sua vez, se sentiam valorizados, respeitados, pois esse trabalho contava

com a aprovação dos governos federal, estadual, municipal, além de outros setores

considerados expressivos na sociedade, como a Igreja. Impressionado com a eficiência dos

clubes, o presidente Costa e Silva, durante o seu governo, certa vez declarou à imprensa:

“Ensinar o homem a viver dignamente é muito importante para este país e mais, talvez, do

que a própria alfabetização”. 280 Conforme o pronunciamento do presidente:

Eu dou uma especial atenção a esses movimentos porque ele se dirige justamente a juventude. Todos sabem que grande parte de nossa população é de jovens, o que impõe uma atenção especial para que essa juventude amanhã, possa gozar de um país muito melhor do que aquele que nos legaram os nossos antepassados. 281

Com isso, observamos que a população rural, em especial a juventude, tornar-se- ia

portadora de cultura e um instrumento eficaz de inovação se aderisse aos novos ensinamentos,

278 Agricultores de Santa Ge ma obtém resultados expressivos com milho. O Nacional , Passo Fundo, 14 set. 1967, p. 2. 279 Diário da Manhã, Passo Fundo, jul. 1968, p.4. 280 Presidente Costa e Silva elogiou trabalho dos Clubes 4-S da Ascar. O Nacional, Passo Fundo, 15 dez. 1967, p. 4. 281 Idem, p. 4.

Page 152: Dissertação 4-S

considerados pelo governo mais importantes que a própria alfabetização, o que ressalta o

autoritarismo predominante no período.

Os clubes visavam também à participação na vida econômica e social da comunidade

e, após um ano de existência, passavam a desenvolver trabalhos voltados para a comunidade,

visando melhorar a higiene e a saúde coletiva, os hábitos alimentares das famílias; promover a

produção de alimentos básicos, sinalizar estradas, instalar rede de energia elétrica e telefone;

promover a conservação do solo e o reflorestamento; construir escolas e sedes sociais,

conforme será tratado no decorrer do trabalho.

Em 1969, os Clubes 4-S de Passo Fundo já contavam com mais de trezentos jovens

associados, que, nesse ano, estiveram envolvidos na Operação Tatu, conforme esclarecemos

a seguir.282

4.4 Os Clube 4-S e a Operação Tatu

No final da década de 1960, os Clubes 4-S e as lideranças rurais estiveram envolvidos

no programa Operação Tatu. E foi a partir desse trabalho que intensificaram suas atividades

no distrito de São Roque, conseguindo a participação mais efetiva dos pais e dos demais

agricultores que ainda não haviam aderido às novas técnicas.

A Operação Tatu foi um programa amplo de extensão rural, com o objetivo de levar

aos agricultores, de forma direta e maciça, as novas técnicas de produção agrícola, com

especial atenção à correção da acidez e fertilidade dos solos e ao melhoramento das práticas

de manejo dos solos e das plantas.283 Esperava-se, com a Operação Tatu, revolucionar a

agricultura com o incentivo à adoção de medidas técnicas no cultivo da terra.

Para os programas de execução dos projeto Operação Tatu, encontravam-se

integradas as seguintes instituições: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Ascar,

Institutos de Pesquisas Agropecuárias do Sul ( Ipeas), Secretaria da Agricultura do Estado do

Rio Grande do Sul, Instituto Rio-Grandense do Arroz (Irga), Instisoja e diversas instituições

282 15 de Julho – Dia Nacional dos Clubes 4-S. O Nacional, Passo Fundo, 13 jul. 1968, p. 3. 283 Ver KLAMT, E. Programação e execução de projetos Operação Tatu. Boletim Técnico n.5. URGS, 1970. A base tecnológica de suporte ao Plano Estadual de Melhoria da Fertilidade dos solos - Operação Tatu - surgiu do convênio firmado entre a UFRGS/Universidade de Wisconsin-USAID em 1964, instalando os cursos de pós-graduação na Faculdade de Agronomia da UFRGS e, a partir desta data, iniciou-se uma série de pesquisas para identificar os principais fatores da produção de nossas culturas mais importantes.

Page 153: Dissertação 4-S

em nível municipal, como cooperativas, associações rurais, agências bancárias, prefeituras

municipais e outras.284

As primeiras experiências de recuperação do solo foram realizadas em Santa Rosa, em

1967, com lavouras demonstrativas de soja e milho. De acordo com Klamt:

A adoção de novos conceitos é difícil, principalmente pelos agricultores, onde os métodos tradicionais de cultivo estão firmemente arraigados. Por isso para levar os novos métodos aos mesmos, é necessário demonstrar seus benefícios. A maneira mais eficiente é o das lavouras demonstrativas, que consiste em selecionar entre os agricultores interessados, os líderes nas diversas povoações do município e orientá-los na instalação de lavouras com a nova metodologia, que dali se irradiará aos produtores vizinhos. Estas lavouras devem ser acompanhadas detalhadamente pelo técnico.285

Entre as técnicas utilizadas nas áreas demonstrativas consideradas racionais para o

cultivo estavam a destocação, a proteção do solo contra a erosão, a aplicação de calcário e

adubos nas quantidades requeridas, o plantio isolado de cada espécie, o uso de sementes

selecionadas e de espaçamento correto. Colocando em prática esses procedimentos nas

lavouras demonstrativas, os resultados foram surpreendentes:

O milho rendeu 3.300 quilos por hectare, cinco vezes mais do que as lavouras tradicionais em terras esgotadas. A soja forneceu colheita média de 1.300 Kg/ha, o que, embora sendo pouco, já representava mais do dobro da quantidade colhida nas culturas não tratadas. Foi grande o impacto desses resultados. Os 12 agricultores que fizeram as culturas demonstrativas aumentaram em 370%, no corrente ano, as áreas recuperadas em suas propriedades. E centenas de outros logo se dispuseram a enveredar pelo mesmo caminho, engrossando a bola de neve.286

Constatamos, portanto, que as lavouras demonstrativas eram o método utilizado para

a difusão do trabalho, pois a adubação racional, indicada pela análise do solo, era

praticamente desconhecida na região. Notícia a respeito destacava esse aspecto:

De Santa Rosa a iniciativa se estendeu a outros municípios, através do Plano de Melhoramento da Fertilidade do Solo, que ao fim de quatro anos apresentou resultados não só no aumento da produtividade, mas também na mudança de mentalidade dos agricultores, com a substituição dos métodos tradicionais de cultivo por práticas modernas. Eles descobriram que não basta cuidar da terra: é preciso também trocar os implementos rudimentares por outros mais eficientes. A paisagem de muitas propriedades gaúchas desde então foi modificada: o arado-

284 Barba de Bode perdeu a vez. Extensão rural, ano III, nov./68, n.35, p. 4. 285 Idem, p. 10. 286 Id. ibid.

Page 154: Dissertação 4-S

tatu, a grade de dentes, a semeadeira manual e as trilhadeiras estacionárias estão cedendo lugar a arados de grades de discos, semeadeiras tradicionais, ceifadeiras rebocadas e tratores. 287

Com o exposto, percebemos que o programa de recuperação do solo expandiu-se para

outros municípios, entre os quais Ibirubá, que contou com a participação de 87 agricultores

na Operação Tatu em 1969 e foi escolhido “Município Modelo” do estado do Rio Grande do

Sul.

Em Passo Fundo, desde 1968 realizavam-se estudos para analisar a acidez e a

fertilidade do solo, pelos quais foi constatada a necessidade de correção da acidez do solo e

dos baixos níveis de fósforo, fazendo-se recomendações para o uso de adubos de plantio e

cobertura. Mas foi a partir de 1969 que o programa se efetivou, inicialmente com a

denominação de Operação Tatu e, posteriormente, de Plano Estadual de Melhoramento da

Fertilidade do Solo. Para a execução de um projeto de Operação Tatu era essencial a

existência de técnicos, de rede bancária e facilidades para a obtenção de insumos e sua

distribuição.

O insumo calcário passou a ser fundamental para a correção da acidez do solo,

propiciando condições favoráveis às plantas para o aproveitamento total dos fertilizantes

utilizados. Assim, as indústrias de beneficiamento de calcário precisaram ampliar as unidades

existentes e instalar outras novas, com a finalidade de atender à demanda. Existiam no Rio

Grande do Sul, em 1967, apenas dez indústrias; já, em 1972, eram em número de trinta.

Quanto à capacidade produtiva, que era de 58.641 toneladas, passou para, aproximadamente,

1.500.000 toneladas, ou seja, 2.557% a ma is.288

A Tabela 9 mostra a evolução que tiveram no estado do Rio Grande do Sul os

projetos da Operação Tatu até final da década de 60.

Tabela 9 - Evolução estadual do Projeto de Melhoramentos da Fertilidade dos

Solos

Nº de municí- Nº Agr. Há Calendário Fertilizantes Investi- Ano Pios Atingidos Recuperados Aplicado Aplicados (t) Mentos (Cr$)

287 Terras cansadas voltam a ser férteis. Extensão rural. Rio de Janeiro, ano III, abr. 1972, n.76, p. 10. 288 NOSKOSKI, Carlos. Calcário: produção e preços. Revista do Clube 4/S, ano VII, n. 32, jan./fev.,1978, p. 13.

Page 155: Dissertação 4-S

beneficiados (t) 67 4 91 100 334 19 22.500,00 68 43 2.144 4.603 17.281 1.783 1.500.000,00 69 85 3.074 11.663 43.140 7.140 3.500.000,00

Total 85 5.309 16.366 60.775 8.942 5.022.500,00 Fonte: Associação Sulina de Créditos e Assistência Rural

Os dados da Tabela 9 apontam a expansão do programa nos municípios, bem como a

área recuperada no final da década de 1960. Em 1970, o governo ampliou os incentivos à

produção agropecuária, aprovando as reduções das taxas de juros e aumentando os prazos

para os financiamentos. Abaixo seguem as medidas tomadas pelo governo:

De acordo com a resolução do Conselho, os bancos passarão a cobrar 17% ao ano nas operações de crédito agrícola em geral, 15% nos empréstimos destinados às cooperativas e 13% nos chamados pequenos empréstimos agrícolas, cujo valor não ultrapasse 50 salários mínimos. As novas taxas incidirão sobre os situados na faixa que os bancos particulares são obrigados a destinar ao setor. Os prazos de financiamento aumentaram conforme a destinação dada ao empréstimo: 1)aquisição de insumos modernos (fertilizantes, adubos, corretivos, preventivos, etc.), prazo de um ano (nos casos de adubação intensiva e correção da acidez, até cinco anos); 2) exploração e custeio agrícola ou da pesca, até dois anos; 3) exploração e custeio pecuário, até um ano ( no caso de retenção de crias e matrizes, até cinco anos, e no de compra de gado de cria, até três anos); 4) operações de comercialização, até oito meses; 5) aquisição de máquinas e equipamentos, até cinco anos ( no caso de colheitadeiras, tratores de esteira e outras máquinas de grande porte, até oito anos); 6) modernização e tecnificação da agropecuária e da pesca, com planos integrados de exploração e de investimentos, prazo de 12 anos; e 7) crédito fundiário e de reflorestamento, até 12 anos. 289

Essas medidas faziam parte da campanha para aumentar a produção e a produtividade

em toda a região Centro-Sul, havendo a preocupação de mobilizar todos os veículos de

comunicação, com o apoio de autoridades, jovens e lideranças, para a difusão dos novos

incentivos do governo.

O crédito rural educativo era visto como o instrumento do desenvolvimento e a Ascar,

através dos agentes financeiros, como o Banco do Brasil, Banrisul, Sulbrasileiro e Unibancos,

intensificava as aplicações sob a forma de crédito orientado visando à introdução de

tecnologia no meio rural. Várias propostas de financiamento foram encaminhadas, conforme

relatou a imprensa local:

ASCAR intensifica aplicação do crédito rural orientado

289 Crédito rural: juros baixam. Extensão Rural, Rio de Janeiro, ano V, n.52, 1970, p. 12.

Page 156: Dissertação 4-S

Estimulada pela política governamental a ASCAR vem intensificando suas atividades no campo do Crédito rural orientado, como entidades intervenientes de assistência técnica junto aos estabelecimentos de crédito do Estado, com os quais mantém convênio. A evolução das aplicações do Crédito rural orientado, pelos extensionistas da ASCAR, através dos agentes financeiros, para incentivar a introdução de métodos racionais no meio rural, objetiva estimular o incremento de investimentos rurais; custear a produção e sua comercialização e a possibilitar o fornecimento econômico dos produtos. Nos municípios de Santo Ângelo, Passo Fundo e Colorado, até meados deste, ano, foram encaminhadas aos estabelecimentos de crédito locais, cem propostas no montante de Cr$ 2.695.291,00. A aplicação desses recursos serão destinados para a conservação e recuperação de fertilidade de solos [...]. O crédito rural orientado, a assistência técnica da ASCAR na orientação de recuperação da fertilidade de solos, com aplicação de insumos modernos, curva de nível e análises de solos proporciona aos produtores uma maior produtividade de suas colheitas.290

Assim, com a observação das lavouras recuperadas, com créditos facilitados, tornava-

se mais fácil a adoção do programa pelos agricultores, somado também ao forte apelo para

que melhorassem as técnicas de cultivo, conforme noticiava a matéria jornalística:

No último decênio, isto é, no período compreendido entre 1960-1970, como conseqüência da política de incentivos do governo federal, a agricultura experimentou um impulso, uma transformação impetuosa, no aspecto da mecanização da lavoura. Porém, mais precisamente, a partir de 1965, os agricultores que percorriam um corredor estreito e sinuoso, desalentados e sem uma orientação precisa, defrontaram-se com uma encruzilhada decisiva, duas trilhas a escolher; o mais progressista e inovador, rapidamente e sem hesitar, entrou na trilha mais larga e segura, a trilha da agricultura racional e mecanizada e, como resultado, melhorou de padrão de vida e situação econômica; o agricultor conservador, no entanto, continua na trilha estreita da agricultura a base da junta de bois e arado pica-pau e este, pela lei da sobrevivência ou seleção natural, está sujeito a desaparecer como agricultor independente. Ele será absorvido pelo agricultor progressista ou então, deixará de ser agricultor, procurando outro meio de vida. Na conjuntura atual, com a implantação da Operação Tatu, os agricultores mais uma vez estão perante a uma encruzilhada ou dois caminhos a seguir. O agricultor que continuar utilizando suas terras agrícolas, sem proporcionar as condições de fertilidade ideal através do uso de calcário e adubos corretivos, colherá trigo, soja, milho, etc. cada vez menos por área plantada. Enquanto que o agricultor que realizar a correção ou recuperação de suas terras, participando da Operação Tatu, juntando esta prática, á mecanização e uso de melhores técnicas agrícolas, em poucos anos, atingirá o mesmo estágio de desenvolvimento e padrão de vida, que os agricultores da Europa e Estados Unidos. 291

Dado o apresentado, constatamos a insistência para que os agricultores substituíssem

as práticas tradicionais por outras mais modernas, como única alternativa para melhorar a

produtividade. Nesse período, o trabalho dos Clubes 4-S já vinha apresentando bons

resultados, mostrando que as novas técnicas eram viáveis, o que levou muitos agricultores a

aderirem ao programa. De acordo com um entrevistado: “Naquela época, com os clubes

começou a Operação Tatu, correção do solo, terraceamento. Então, os pais começaram a

290 Ascar intensifica aplicação do crédito rural orientado. Diário da Manhã , Passo Fundo, 12 set. 1974, p.6. 291 Ascar. Plano de melhoramento da fertilidade dos solos: Operação Tatu. Ibirubá-RS, 1969. Doc. Empresa.

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trabalhar junto e aceitar o trabalho. A mentalidade era muito conservadora, mas, no momento

em que viram os resultados, entraram”. 292

Assim, os agricultores do distrito de São Roque, incentivados pela Ascar, organizaram

excursões para observar as áreas demonstrativas no município de Ibirubá, conforme mostra a

Figura 17.

Fonte: Acervo pessoal de Walter Maffi Figura 17 - Visita às lavouras demonstrativas de Ibirubá

Os resultados da Operação Tatu surpreenderam os agricultores, que, aos poucos,

foram adotando as novas técnicas, incentivados pelos Clubes 4-S e pelas lideranças das

comunidades que participavam de reuniões para receberem instruções sobre o programa.

Walter Maffi, um dos líderes da localidade de São José, conta a respeito:

Participei de uma reunião na cidade da Operação Tatu, recuperação e fertilização do solo, com dois professores americanos. Falavam português muito mal e disseram: “Vocês andem devagar que isso é uma coisa nova, não pode empurrar goela abaixo. Vocês tenham muito cuidado. Se vocês, numa comunidade, conseguirem um pra fazer o trabalho já é bastante”. Aí fizemos uma reunião, veio o pessoal da Embrapa, da Emater, secretário da Agricultura. Aí a nossa comunidade entrou, eu, o Luis, o Michel, e eles disseram: “Não vai cinco anos que os outros entram”. Lá no terceiro ano já entraram. Começamos com os terraços: “Ah, se eu vou fazer valeta no meio da lavoura!” Mas tem de fazer, pois aquele camaleão era uma proteção e, quando a chuva

292 SOUZA, S. José. Entrevista...

Page 158: Dissertação 4-S

vinha, caía bem devagarzinho lá no final e não dava erosão. Isso também foi uma coisa que a nossa comunidade adquiriu. 293

Com as orientações dos extensionistas, várias lavouras demonstrativas foram

instaladas no município de Passo Fundo, ficando comprovada a vantagem da correção dos

solos nas culturas de trigo, milho e soja. O sucesso da Operação Tatu no distrito de São

Roque foi retratado por esta matéria jornalística transcrita:

Operação Tatu alcançou resultados positivos em 1968 Trabalho de recuperação de solos, iniciado em Passo Fundo surpreendeu pelos seus

resultados

O trabalho de recuperação de solos, iniciado em Passo Fundo no ano de 1968 sob o nome de Operação Tatu, alcançou resultados positivos, surpreendentes já no primeiro ano. Não esperávamos que algumas lavouras dessem de imediato, respostas tão significativas ao tratamento racional com adubos e calcário, em dosagens recomendadas pelo Laboratório de Solos da faculdade de Agronomia e Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, isso porque a principal resposta ao tratamento se deve ao calcário para correção da acidez do solo e como é sabido a calagem só corresponde em níveis significativos após seis meses de sua aplicação. Apesar disso em algumas lavouras com tratamento feito às vésperas do plantio do trigo, já notamos produções de 50% e até quase 100% superior em virtude do tratamento equilibrado tecnicamente com adubos e calcário. Veja-se o caso do agricultor José Oscar Penz de Santa Gema, município de Passo Fundo, que com o tratamento completo com calcário e adubos obteve uma produção de 2060 quilos usando uma adubação comum, com idênticas condições de solo, época de plantio, variedade de semente, e demais cuidados. Tivemos, também no caso da lavoura do Sr. Zelio Michel, que na parte tratada colheu 1590 quilos por hectare e na testemunha 1080 quilos por hectare. Nota-se que estes resultados foram obtidos em termos de lavoura e não de canteiros experimentais. Posteriormente estaremos divulgando outros resultados a propósito do trabalho de recuperação de solos que vem sendo feitos em Passo Fundo com a colaboração de técnicos, agricultores, entidades locais, especialmente das casas de crédito e de uma maneira particular do Banco do Brasil, chefe da Carteira Agrícola e demais funcionários que não tem medido esforços para que o plano tenha os resultados desejados através da proveitosa ligação, crédito-assistência técnica. Não alimentamos a menor dúvida, que com a estrutura que temos montada no município de Passo Fundo, em todos os setores a Operação Tatu trará resultados muito significativos para a nossa agricultura, alcançando o tão desejado aumento de produção por unidade de área cultivada, ou seja, por hectare. 294

Com os resultados positivos do trabalho de recuperação do solo realizado em 1968 em

Passo Fundo, no ano seguinte, cerca de sessenta agricultores adotaram as novas técnicas,

293 Ascar . Plano de melhoramento da fertilidade dos solos: Operação Tatu. op. cit. 294 Operação Tatu alcançou resultados positivos em 1968. Diário da Manhã, Passo Fundo, 10 jan. 1969, p. 4.

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orientados pela Cooperativa Tritícola e pela Ascar, em 1.150 hectares.295 Vejamos o extrato

de matéria jornalística relatando o fato:

O agricultor Luiz Souza de São José, Município de Passo Fundo, recuperou 1,5 hectares. O milho teve uma vegetação excelente sendo necessário a altura do pai e mais o filho de pé sobre os ombros do progenitor para tocar o pendão do milho. Do outro lado está a lavoura recuperada onde apenas a altura do filho pode tocar o pendão. Este agricultor conseguiu multiplicar a produção de milho na área recuperada, pois não plantava mais porque a terra estava completamente esgotada, já no primeiro ano 3.000 kg de milho por hectare. Plantou trigo logo em seguida ao milho e terá uma produção em torno de 2.000 kg/ha. Em segundo plano o Sr. Henrique Stedile administrador da Empresa comercial Santo Izidoro Ltda., observa o trigo tratado de acordo com as recomendações do plano de recuperação de solos, com um rendimento de 1.770 por hectare na parte recuperada com calcário e 1320 quilos por hectare onde foi feita somente adubação comum, na safra de 1968. A orientação técnica desta lavoura coube à ASCAR. No trigo da safra do corrente ano a lavoura rendeu 3.279 kg por ha. Na parte tratada de acordo com a “Operação Tatu”, e 2107 kg, por ha. Na testemunha, com adubação comum. 296

Dessa forma, com os bons resultados dos projetos nas áreas demonstrativas, os

agricultores viram a possibilidade de aumentar a produção daqueles produtos que já não

estavam mais cultivando em razão do esgotamento do solo. Na entrevista, o agricultor Luiz

Souza referiu-se a essa dificuldade encontrada pelo agricultor no período:

Para comprar aquele calcário e fósforo, dava o valor maior do que comprar outro pedaço de terra. Era caro na época, avaliando com o preço da terra, mas ia comprá outra terra com os mesmos problemas. Se não tinha uma coisa, tinha outra. Quando eu vi o preço, pensei: “Dá pra comprá outra terra com esse dinheiro”. Mas não queria saí de onde tava. Aí fui fazê financiamento, mas tinha o temor. Foi o vizinho que se ofereceu pra assiná de avalista, a propriedade era no nome do meu pai. 297

Através desse depoimento percebemos que restavam poucas alternativas para os

agricultores quando iniciou a Operação Tatu, mas, com a participação dos Clubes 4-S e das

lideranças realizando as demonstrações, os agricultores foram adquirindo mais confiança para

a adoção das inovações agrícolas apresentadas.

No distrito de São Roque, os jovens quatroessisstas empenharam-se no programa

realizando as aplicações de calcário nas lavouras, o que, inicialmente, era feito todo com

trabalho manual. Segundo expressou uns entrevistados: “Não existia máquina pra espalhá o

295 Ascar – Serviço de extensão rural do Estado do Rio Grande do Sul. Diário da Manhã, Passo Fundo, 28 nov. 1969, p 46. 296 Idem. 297 SOUZA, O.C. Luiz. Entrevista...

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adubo, o calcário, e precisava gente de força pra fazê isso”. 298 “O calcário era pesado que nem

cimento e pra botá em bolsa, levar na roça, descarregar de novo no chão, ir botando nas latas

e esparramando, os jovens ajudavam”. 299 Observa-se na Figura 18 a participação dos jovens

nesse trabalho.

Fonte: Acervo pessoal de Walter Maffi Figura 18 - Jovens do Clube 4-S de São Roque espalhando calcário.

Os agricultores adotavam as novas técnicas, mas, diante das dificuldades encontradas,

faziam as adaptações necessárias, utilizando o seu saber, a criatividade. Assim, visando tornar

mais rápida a aplicação do calcário, Oscar Penz, líder do Clube 4-S de Santa Gema, inventou

uma “máquina” que facilitava a tarefa, mostrada na Figura 19.

298 SOUZA, S. José. Entrevista... 299 SOUZA O.C. Luiz. Entrevista...

Page 161: Dissertação 4-S

Fonte: Acervo pessoal de Oscar Penz Figura 19 - Máquina de espalhar calcário construída por Oscar Penz. Foi a partir do programa Operação Tatu que os agricultores do distrito de São Roque

adotaram as técnicas e, sem muitas restrições, jovens e adultos estavam envolvidos nas

atividades dos clubes. Com isso, os primeiros projetos, que envolviam apenas uma pequena

parte da propriedade do pai, expandiram-se para toda a área disponível para o plantio,

especialmente com o cultivo da soja.

4.5 A introdução do plantio da soja na pequena propriedade

O trabalho de recuperação da fertilidade do solo foi bastante abrangente e passou a

fazer parte da rotina agrícola no meio rural. Até mesmo para os financiamentos exigia-se a

preparação da terra para o plantio. Tais aspectos foram tratados pela imprensa local:

Quase cinqüenta mil produtores treinados em “Fertilidade e Conservação do Solo”

Sobe a 44.880 o número de produtores treinados pela ASCAR em fertilidade e conservação do solo durante o qüinqüênio (69-73), em decorrência da assistência técnica e orientação educativa desenvolvida pela sua rede de escritórios de extensão rural do Rio Grande do Sul, salientando que esse avultado número de agricultores colabora com os serviços técnicos da ASCAR. Os mesmos foram selecionados por suas condições de lideranças nas técnicas de melhoria do solo e acham-se empenhados na difusão e maior adoção de moderna tecnologia na agricultura gaúcha. E prossegue: graças a este trabalho, bem como as atividades de organizações congêneres, verifica-se segura evolução da lavoura no sentido do seu aperfeiçoamento, contribuindo assim para a produção em grande escala e em bases empresariais”. Os dados revelam, que durante o período (69-73) foram atingidos 44.880 agricultores, que corrigiram 139.134 hectares de terras pobre e improdutivas com 919.140 toneladas de calcário e 141.957 toneladas de adubos químicos. A área adubada naquele período subiu para 433.661 hectares de lavouras terraceadas para evitar a erosão. O trabalho da ASCAR destina-se a proporcionar a assistência e orientação educativa necessária aos produtores rurais do Estado em colaboração com as demais entidades vinculadas ao meio rural. Objetiva o desenvolvimento da agropecuária em bases modernas e racionais, possibilitando aos rurícolas a elevação da sua produtividade e renda. 300

Notamos, portanto, que o trabalho visava à produção em grande escala, para o que se

tornou necessário um trabalho educacional que preparasse o agricultor para aumentar a

300 Quase cinqüenta mil produtores treinados em “fertilidade do solo”. Diário da Manhã, Passo Fundo, 8 maio 1974, p.5.

Page 162: Dissertação 4-S

produção e a produtividade. Além das demonstrações sobre o milho e o plantio de trigo,

também eram feitas demonstrações sobre o cultivo da soja, que passou a ser o principal

produto de exportação a partir de 1970, de acordo com esta matéria do jornal local:

Quanto a lavoura de soja, os resultados alcançados em lavouras orientadas e controladas pela ASCAR, são os seguintes: comercial Santo Izidoro, parte recuperada 2.497 kg/ha, não recuperada, 1.844 kg/ha, Álvaro Pereira da Silva, 2092 kg/ha e não recuperada, 1512 kg/ha; Anibaldo Penz, 1768 na parte recuperada e 1.233, na testemunha; Alexandre Annese, recuperada, 1590 kg/ha, não recuperada 990 kg/ha; Milton Vieira, recuperada 1.467 kg/ha, contra 734 na testemunha; Cirilo Leopoldo Ferst, 3.198 na recuperada e 1740 na testemunha. José Oscar Penz, 1543 na parte recuperada e 1325 na testemunha. 301

Constatamos que as áreas recuperadas apresentavam uma produção maior em relação

às não-recuperadas, e foi assim que se iniciou o plantio da soja nas pequenas propriedades.

Alguns agricultores já haviam feito pequenas experiências com sementes de soja doadas por

parentes ou conhecidos que plantavam nas áreas de campo ou com as que eram fornecidas

pelos moinhos. Nas primeiras colheitas, a soja foi produzida em pequena quantidade e

destinava-se à alimentação dos suínos. Foi a partir das demonstrações e orientações sobre o

plantio que a cultura passou a ser produzida em maior quantidade na pequena propriedade. De

acordo com o relato de um entrevistado:

Mesmo nas grandes propriedades, não existia o soja antes da década de 60. Cultivava-se o trigo, um pouco de milho e, na época do verão, se plantava uma outra leguminosa pra fazer a adubação verde. A grande safra era a safra de inverno, e hoje é o inverso; a safra de verão é que é a safra mais gorda, a do inverno tá começando retornar de novo. Teve alguns anos que a safra de inverno era muito fraca, não havia incentivo para produzir produtos de inverno e, naquela época, era o contrário: a safra gorda era a do inverno, no verão, às vezes nem se cultivava na resteva do trigo. Não existia a exportação de soja, as grandes fábricas de azeite, não existia incentivo para que continuasse a produção. O milho, não se usava muito milho, não existia a criação de aves como existe hoje, a suinocultura era mais fraca; a produção de leite quase não existia no interior, não existia grandes laticínios. Era só venda direta que o leiteiro ordenhava a vaca e ia vender o leite na cidade, a cavalo ou de carrocinha. E hoje, com a evolução, existem grandes produtores de leite no interior e também a suinocultura e a avicultura, que incentivam a grande produção de milho e de soja. Através do Clube 4-S, com o auxílio técnico da Ascar e também com as cooperativas que começaram a se formar naquela época, que vendiam a semente, o adubo, que

301 Ascar – Serviço de Extensão rural do Estado do Rio Grande do Sul. Diário da Manhã, Passo Fundo, 28 nov. 1969, p 46.

Page 163: Dissertação 4-S

entrou também nos anos 60. As cooperativas que trabalhavam só com o trigo passaram a trabalhar com a soja.302

A cultura consorciada de milho e soja cedeu lugar às culturas de trigo/soja, que

possibilitavam a rotação, sendo uma cultura de inverno e a outra de verão e possibilitavam,

também, o uso do mesmo maquinário e da mesma infra-estrutura. Assim, o pequeno

agricultor passou a modernizar a agricultura a partir da introdução das inovações técnicas

divulgadas pelos Clubes 4-S, sob orientação dos extensionistas, e também do sistema de

crédito favorável, que possibilitou acesso à tecnologia necessária para as novas práticas

agrícolas.

4.6 As realizações dos Clubes 4-S

Na década de 1970, os Clubes 4-S foram ganhando credibilidade e intensificando suas

atividades, realizando os projetos individuais e comunitários aos quais haviam se proposto.

Alguns dos trabalhos comunitários eram desenvolvidos pela Ascar em conjunto com a

prefeitura, com o Lions Clube de Passo Fundo, e também com instituições assistenciais. Entre

as atividades desenvolvidas estavam a implantação de hortas comunitárias, o cultivo de

hortênsias nas rodovias, o trabalho de sinalização das estradas e construção de praças; na área

da saúde, o combate à verminose, etc. E com a consolidação do trabalho dos Clubes 4-S,

muitos construíram sua sedes.

Em 1970, o clube Bom Sucesso, de São José, inaugurou sua sede própria, construída

com a ajuda da comunidade, conforme relata um dos agricultores: “ O pavilhão foi construído

pelos Clubes 4-S. Nós fizemos as promoção, aquelas festas que deu renda. Fizemos

campanha na comunidade para doações, a madeira ganhamo toda ela; ganhamos telha. A

mão-de-obra a comunidade fez. A gur izada trabalhou do início ao fim, foi um trabalho muito

lindo”. 303 Esse trabalho também foi destacado pela imprensa jornalística:

302 SOUZA, S. José. Entrevista... 303 WALTER, Maffi. Entrevista...

Page 164: Dissertação 4-S

Clube 4-S Bom Sucesso inaugurou sede própria

No último Domingo, dia 26, o Clube 4-S localidade de São José, inaugurou oficialmente, sua sede social própria erigida graças a colaboração e ao esforço de toda a comunidade, liderada pelo líder 4-S Walter Maffi. Estiveram presentes as solenidades de inauguração e Sr. Guaraci Marinho, prefeito municipal; Sr. Noé Machado, Secretário da Agricultura e Pecuária; Eng. Agr. Adão Ribeiro, agrônomo da Secretaria da Agricultura Municipal; Eng. Agr. Fernando Sereno de Castro, Sup. Reg. da ASCAR; Eng. Agr. Mario Luiz Soares, Agente de Extensão em Agricultura da ASCAR; Srta Elma Matzenbacker, Agente de Extensão em Economia Doméstica de ASCAR; e Padre Décio da Paróquia de São Cristovão. Na mesma oportunidade, foram feitas homenagens ao dia do Colono transcorrido dia 25 de julho.

ORADORES

Na ocasião, usaram da palavra o sr. Guaraci Marinho e Noé Machado, ambos enaltecendo o trabalho que os colonos vêm realizando em prol do desenvolvimento e progresso econômico do município. Enalteceram também as lides quatroessistas; o magnífico trabalho que os Clubes 4-S realizam, e felicitaram a localidade de São José, por possuírem um Clube 4-S tão bem liderado pelo jovem Walter Maffi. Usaram da palavra ainda o Eng. Agr. Mário Luiz Soares, da ASCAR, e o Padre Décio, e primeiro exposto aos presentes a finalidade de um Clube 4-S, agradecendo também pela comunidade de São José à Mitra Diocesana, pela doação do terreno onde foi erigida a sede do Clube 4-S, pedindo ao Padre Décio que transmitisse esse agradecimentos ao sr. Bispo Diocesano. O Padre Decio usou da palavra, enaltecendo os trabalhos que a ASCAR vem realizando no município, e cumprimentou a todos os sócios 4-S, líderes e a comunidade em geral, por esta magnífica realização. Encerrando a solenidade o líder 4-S Walter Maffi fez uso da palavra, agradecendo os elogios dirigidos a sua pessoa, e transferiu os mesmos a todos os sócios 4-S, líderes e à comunidade em geral, que com ele batalharam para a realização de mais este sonho, há muito acalentado pela população de São José. Ao meio dia, todos confraternizaram com um suculento churrasco, regido a bebidas, à tarde, a mocidade divertiu-se numa movimentada reunião dançante, realizada já em sua sede social própria. Está, portanto, de parabéns a comunidade de São José, e principalmente o Clube 4-S Bom Sucesso pelo magnífico trabalho que realizaram. 304

Observamos que o trabalho desenvolvido pelos clubes contava com o apoio de pessoas

ligadas às atividades agrícolas, de políticos e da Igreja, o que contribuía para obter maior

respaldo junto aos agricultores, ampliando-se, assim, o número de associados. Isso se devia,

também à premiação que era dada aos melhores colocados nas exposições de trabalhos, aos

passeios e às excursões que realizavam.

304 Clube 4-S Bom Sucesso inaugurou sede própria. O Nacional, Passo Fundo, 29 jul. 1970. p.5.

Page 165: Dissertação 4-S

Fonte: Acervo pessoal de Luiz O. Souza Figura 20 - Excursão do Clube 4-S de São José a Caxias do Sul.

As atividades de lazer existentes no distrito de São Roque eram voltadas para o meio rural, conforme

abordamos no segundo capítulo. Porém, a partir dos Clubes 4-S, os jovens, bem como a comunidade, tiveram

um contato maior com o meio urbano e também com outros municípios onde visitavam estabelecimentos

comerciais e industriais. O entrevistado José Souza relata como se organizavam para essas atividades:

A gente tinha uma liderança muito boa, que era o Luís Souza, o Walter Maffi, o Zélio Michel e o Donato, que faziam a frente. Esses quatro líderes incentivavam bastante os jovens a trabalhar. Faziam os projetos, faziam arrecadação, pra fazê excursões, visitas às indústrias de Passo Fundo, conhecer o aeroporto. Fomos lá no aeroporto recepcionar o ministro da Agricultura Alysson Paulinelli. Fomos numa viagem pra Festa da Uva em Caxias do Sul, tudo com o incentivo das pessoas mais adultas, que iam no comércio fazer arrecadação. Naquela época, as firmas de Passo Fundo que trabalhavam com agricultura, os frigoríficos, agropecuárias, contribuíam muito com os agricultores.305

Os projetos eram julgados nas exposições no final de cada ano, conforme já foi citado,

e os vencedores concorriam a concursos em nível municipal, regional, estadual, interestadual

e nacional com os sócios de todo o país. Passo Fundo teve um campeão interestadual e

nacional do Projeto Trigo em 1970, conforme mostra a Figura 21.

305 SOUZA, S. José. Entrevista...

Page 166: Dissertação 4-S

Fonte: Acervo pessoal de Walter Maffi Figura 21 – Carlos Maffi, sócio do Clube 4-S de São José sendo cumprimentado pelo presidente Médici em Brasília.

O jovem passo-fundense premiado foi Carlos Maffi, do Clube 4-S Bom Sucesso, de

São José. Em julho de 1971, ele esteve em Brasília onde recebeu das mãos do presidente da

República, general Emílio Garrastazú Médici, o troféu de Campeão Nacional de

Produtividade de Trigo, conforme a imprensa local noticiou:

Jovem agricultor passo-fundense conquistou o título de “Campeão Nacional do

Projeto Trigo”

Com apenas 14 anos de idade, um jovem rural do município de Passo Fundo tem condições para dar uma verdadeira “lição de produtividade” aos agricultores do Sul do País. Seu nome: Carlos Maffi. Filho de agricultores da localidade de São José. Título: “Campeão Nacional do Projeto Trigo”. Prêmio: Viagem à Brasília, cumprimentos do Presidente da República, Ministro da Agricultura e outras altas autoridades da esfera Federal no decorrer do IV Encontro Nacional de Clubes 4-S na Capital Brasileira. O jovem “Campeão Nacional” colheu 2.250 quilos de trigo por hectare, enquanto a média no Estado não ultrapassa os 1.000 quilos na mesma área. Para tanto, o rapaz, obedeceu todas as recomendações técnicas do extensionista da ASCAR. Fez análise da terra. Aplicou calcário e fertilizantes, de acordo com as instruções. Plantou somente semente certificada. E controlou muito bem o ataque do pulgão e da lagarta. Carlos Maffi ainda possui outro mérito. Um mês antes da maturação do trigo, sua mãe foi hospitalizada na cidade e o pai foi obrigado a permanecer ao lado da esposa. O jovem não os intimidou; assumiu sozinho o controle da lavoura do pai e a sua e conseguiu administrar a propriedade com eficiência e conhecimentos, que nada ficaram a dever a qualquer agricultor adulto. Por ocasião da visita do agrônomo Norman Borlaug, detentor do Prêmio Nobel da Paz, o jovem Carlos Maffi recebeu cumprimentos especiais tanto do Ministro Cirne Lima como de técnico norte-americano de fama mundial.306

Observamos, portanto, que o trabalho dos jovens era valorizado em nível federal e

impressionava à medida que eles conseguiam aumentar a média de produtividade dos

produtos de exportação. Dizia-se, então, que, se um jovem podia alcançar esses resultados, os

demais agricultores, que sempre haviam lidado com a terra, também poderiam, desde que

mudassem seus métodos tradicionais de trabalhar na agricultura. O campeão do projeto

306 Jovem agricultor passo-fundense conquistou o título de “ Campeão nacional do projeto “Trigo”. O Nacional, Passo Fundo, 17 maio 1972, p. 2.

Page 167: Dissertação 4-S

“Trigo” recepcionou o agrônomo Norman E. Borlaug quando esteve em Passo Fundo, em

visita à Embrapa, conforme mostra a Figura 22. Fonte: Acervo pessoal de Walter Maffi Figura 22 - Carlos Maffi recebendo Norman Borlaug no aeroporto.

Norman E. Borlaug foi vencedor do prêmio Nobel da Paz em 1970. No México,

desde 1944, ele trabalhava com pesquisas para o melhoramento do trigo; fora responsável pela

criação de algumas variedades de trigo-anão de primavera, tomando como base o material

genético do trigo Norin, desenvolvido no Japão. As novas sementes assinalavam um

crescimento de até 100% em comparação com as tradicionais, e a produção média de trigo

passou de 0,94 toneladas por hectare em 1949 a 2,64 toneladas por hectare em 1968. 307

Assim, justificamos, portanto, o interesse do governo e dos centros de pesquisa no

seu trabalho, pois poderia contribuir para o aumento da produtividade do país. Nessa

campanha estavam envolvidos os Clubes 4-S, o que foi ressaltado pelo presidente Médici

quando recebeu os jovens quatroessistas em Brasília, em 1972, conforme divulgou a revista

Extensão Rural:

Nós não podemos viver plantando a terra, mas devemos tirar da terra o máximo que ela nos pode dar. Daí a campanha de produtividade – a campanha que o Clube 4-S leva a frente. Mas minhas andanças pelo Brasil, tenho visto com os meus próprios olhos a beleza do trabalho dos senhores e é por isso que hoje, nesta manhã, estou profundamente comovido e alegre porque dentro em pouco devo assinar, com o ministro da Agricultura, decreto tornando o Comitê 4-S de utilidade pública. -Nesta oportunidade, eu desejo fazer um apelo a todos os senhores para que continuem na campanha da produtividade, que é, de fato, a campanha que vai tornar o Brasil cada vez maior e mais respeitado pelos seus filhos e particularmente por esta juventude, em cujas mãos o destino do País dentro em pouco repousará. 308

Com os incentivos do governo, os jovens sentiam que realmente estavam no caminho

certo para aumentar a produtividade e participavam com afinco das atividades propostas

pelos extensionistas e lideranças rurais. Para a promoção de debates e integração entre os clubes, realizaram-se vários

encontros, convenções, seminários. Em 1966, foi realizada a Primeira Convenção Regional de

Líderes de Clubes 4-S em Carazinho, reunindo líderes dos municípios de Carazinho, Erechim,

Gaurama, Frederico Westphalen, Ibirubá e Passo Fundo. Os líderes de Passo Fundo que

participaram da convenção foram Arlindo Lorenzoni, Júlia Tonet, Ivo Tomazoni, Graciema

307 Ver FACCIONI, J. Victor. A Revolução Verde no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Fetag, 1973, p.30. 308 Com o Presidente. Extensão Rural. ano v II, n. 79, jul. 1972, p. 9.

Page 168: Dissertação 4-S

Grando, Euzébio Pires, Salete Cecconello, José Oscar Penz e Norma Carneiro.309 O objetivo

desse encontro foi ressaltado em relatório da Ascar, conforme segue:

O objetivo deste encontro foi treinar líderes, de modo a capacitá-los melhor a desenvolver suas funções junto aos Clubes 4-S e suas comunidades; permitir maior trocas de idéias e conhecimentos entre eles; estimulá -los a continuar o trabalho que vêm prestando ao Serviço de Extensão rural e premiá-los pelo que até agora têm realizado. Do programa constou: palestras sobre liderança e líderes, palestras sobre sua atuação junto aos Clubes 4-S, grupos de trabalhos formados pelos próprios líderes, buscando solução para seus problemas, apresentação, pelos líderes, de trabalhos que vêm realizando junto aos Clubes 4-S que lideram; recreações sadias, que serão depois transmitidas aos sócios quatroessistas; excursões e visitas a estabelecimentos da sede do município. Todos os participantes mostraram-se bastante satisfeitos por estarem ali presentes e muito entusiasmados com o que puderam ver e praticar. Receberam na ocasião boletins técnicos e amostras de produtos e sementes, oferecidos por firmas come rciais, Posto Agro-Pecuário e ASCAR.310

Nos treinamentos, os líderes recebiam as amostras dos produtos e as instruções para

orientar os jovens. Além dos treinamentos para lideranças, proporcionavam-se encontros

reunindo toda a juventude rural. Em Marau foi realizado o primeiro Encontro Intermunicipal

dos Clubes 4-S, com a participação dos municípios de Passo Fundo e Serafina Correa.

Fonte: Acervo pessoal de Walter Maffi Figura 23 - Encontro de Clubes 4-S em Marau.

309 Ascar. Relatório da I convenção Regional de líderes de Projetos 4-S. Carazinho, 1966. Documento Empresa. 310 Idem.

Page 169: Dissertação 4-S

Fonte: Acervo pessoal de Walter Maffi Figura 24 – Encontro de Clubes 4-S em Serafina Correa (1973)

No entanto, várias atividades foram realizadas, entre as quais desfile dos jovens com a

banda da Brigada Militar, hasteamento da bandeira, missa, exposição, escolha da rainha,

palestras, gincana, recreação e entrega de prêmios. Também se realizavam encontros dos

Clubes 4-S dos municípios:

São Roque é sede de encontro 4-S

Promovido e Coordenado pela ASCAR, realizou-se no último Domingo em São Roque, o 3º encontro de Clubes 4-S do município de Passo Fundo, durante o referido encontro, houve várias disputas esportivas reunindo os sócios dos Clubes 4-S presentes ao encontro. Prestigiaram o acontecimento as seguintes pessoas: Pe. Ercílio Simon, sr. Luiz Serafim, representante dos Adubos Trevo, Sr. Deodado Rosso, subprefeito do distrito de São Roque, engenheiro agrônomo Antônio Carlos Dossa da cooperativa tritícola, Sr. Euzébio Zanoto, e agentes da ASCAR. Para a realização deste encontro, os sócios e líderes do Clube 4-S Trevo da Esperança de São Roque com a colaboração das seguintes casas comerciais e industriais: Cooperativa tritícola de Passo Fundo, casa Carioca, comercial Grazziotin, casa Rayon, casa do Agricultor, Auto Agrícola, Adubos Trevo, Joalheria Omega, Octavio Serena e Filho, casa D’Arienzo, Battisti, Arte Couros, relojoaria Goelzer, Joalheria Hexsel, casa São Carlos, Ughini S.A. loja Renner, Cia Bebidas Nazari, Miscelânea, casas Pernambucanas, Comercial Didomênico, Constante Moro, e grupo escolar de São Roque, que doaram prê mios, entregues aos Clubes 4-S que ao final do encontro obtiveram a seguinte classificação:

FUTEBOL – 1º LUGAR – Clube 4-S - Um passo a frente juventude de Capinzal. VOLEI – Masculino e feminino: Clube 4-S Trevo da Esperança de São Roque. CABO DE GUERRA – Masculino e feminino: Clube 4-S Juventude de São Valentim. CORRIDA DE BICICLETA: 1º LUGAR MASCULINO: Clube 4-S Um passo a frente de Capinzal e Dr. Getúlio Vargas de Arroio do Tigre. 1º lugar feminino: Clube 4-S Um passo a frente de Capinzal. REVESAMENTO – 1º lugar masculino: clube 4-S Juventude de são Valentim – 1º lugar feminino: Clube 4-S Bom Sucesso de São José. Na coordenação estiveram a equipe da ASCAR, Engenheiro agrônomo Valdir Antonio Secchi e srta. Elma Matzenbacker, auxiliados pelo professor Ari Cararde e srs. Clodomiro Nazari e Doacir Rosso líderes do Clube 4-S Trevo da Esperança de São Roque. 311

Observamos que esses eventos envolviam a comunidade em geral e contavam com um

grande número de colaboradores e a presença dos setores do meio urbano, como membros da

Igreja, políticos locais, grandes comerciantes e da cooperativa tritícola. Ressaltam-se

também as atividades de lazer proporcionadas, que se tornavam um grande atrativo para a

juventude.

Entre as datas comemorativas que não poderiam ser esquecidas pelos Clubes 4-S

estavam o Dia Nacional dos Clubes 4-S e o Dia do Colono, datas essas importantes para as

311 São Roque é sede de encontro 4-S. Diário da Manhã, Passo Fundo, 3 abr. 1974, p. 2.

Page 170: Dissertação 4-S

comunidades. Em 1975, a comunidade de São Roque destacou-se nessas comemorações, o

que foi relatado pelo Cooperativa Jornal:

Nos Clubes 4-S estão se formando os futuros líderes das comunidades rurais e os futuros agricultores brasileiros. Os jovens que mais se destacam em seus clubes são condignamente incentivados e distinguidos pelas autoridades governamentais. O jovem 4-S Carlos Maffi, líder rural da localidade de São José, que em Passo Fundo venceu o “concurso nacional de produtividade agrícola de trigo”, em 1970. O ex-presidente Costa e Silva ao visitar uma exposição 4-S em Santa Cruz do Sul, assim se manifestou: “Eu dou especial atenção a esse movimento porque ele se dirige justamente a mocidade” As Festividades. Todos os sócios 4-S de Passo Fundo comemoraram festivamente o “Dia Nacional dos Clubes 4-S”, no entanto, a comunidade de São Roque, foi a que mereceu maior destaque. Os lideres rurais Clodomiro Nazari e Doacir Rosso, assessorados pelos agentes da ASCAR, Eng. Agr. Valdir Antonio Secchi e Prof. Elma Matzembacker, organizaram uma programação em conjunto com a diretora Jacira Thans e demais professores, alunos, sócios 4-S e pessoas especialmente convidadas. No dia 18, pela parte da tarde, tendo por local as dependências da própria escola foram desenroladas as programações, contando com grande número de professores, alunos, sócios 4-S e pessoas especialmente convidadas.312

Havia, pois, o empenho dos agricultores na participação das atividades e o respaldo

do governo para que ocorresse a modernização através dos jovens.

Na semana do município de Passo Fundo, em 1975, foi organizada a 1ª Feira Livre de

Passo Fundo, na qua l os agricultores colocaram à venda frutas, hortaliças, flores, plantas

ornamentais, como resultado da Operação Verde. Nessa ocasião, os Clubes 4-S de Capinzal e

de São José participaram ativamente.313 Também em 1976, a comunidade de Capinzal

destacou-se na Operação Clorofila, assim explicada pelo periódico Agro-Jornal:

A Operação clorofila instalada no município de Passo Fundo, visa um maior entrosamento entre as forças vivas da comunidade, para dinamizar ainda mais o setor, Horticultura, Fruticultura, reflorestamento e plantas ornamentais. A ASCAR, como executora da Operação Clorofila no meio rural, conta com a colaboração da Prefeitura Municipal, através da Secretaria da Agricultura, com a doação de sementes de hortaliças para serem distribuídas às famílias rurais [...]. 314

As prefeituras dos municípios mantinham um convênio com a Ascar, o que explica a

participação nas várias atividades promovidas pela prefeitura e o envolvimento dos jovens

dos Clubes 4-S nessas atividades.

312 Dia Nacional dos Clubes 4-S. Cooperativa Jornal, Passo Fundo, jul. 1975, p. 13. 313 Feira livre de Passo Fundo. Cooperativa Jornal, agos. 1975, p.2. 314 Operação clorofila. Agro-Jornal, jun. 1976, s.p.

Page 171: Dissertação 4-S

Com a introdução da mecanização agrícola na região foram oferecidos cursos para

tratoristas aos agricultores, conforme noticiou o jornal O Nacional: “Dezenas de tratoristas

rurais concluíram curso de tratorista e técnicas agrícolas em Passo Fundo tendo a participação

de agricultores do distrito de São Roque, Tijuco Preto e outros”315. Os incentivos à

mecanização eram também ressaltados pela imprensa local:

Máquinas para o pequeno agricultor, com eficiência maravilhosa

O problema da lavoura cada vez mais se acentua, nos dias de hoje, sendo um dos principais obstáculos para o seu desenvolvimento em consonância com as necessidades atuais, a falta de aparelhamento dos nossos agricultores. Efetivamente, para bem realizarmos a campanha da produção, nos dias que correm, torna-se mister a aquisição de máquinas agrícolas. É que a mecanização dos trabalhos lavoureiros vem beneficiar não só os agricultores, aumentando-lhes a produção e o rendimento, como ao próprio povo que, assim, obterá maior quantidade de gêneros alimentícios a preço mais baratos.

Máquinas para plantar qualquer tipo de semente A última invenção foi a máquina de plantar qualquer tipo de semente, bastando para isso fazer a graduação. Essa máquina planta e aduba a terra. É também de tração animal, servindo para o pequeno agricultor, plantando, inclusive, em terreno acidentado. Não foi igualmente patenteada, porque o processo não caminha, no referido Ministério, a despeito de estar ali dois anos...316

Com os incentivos à compra de máquinas, os agricultores adquiriram tratores e

arados; aqueles que tinham olarias ou um pouco mais de terra conseguiram comprar um

equipamento mais completo, deixando, assim, as juntas de bois de lado. Até mesmo aqueles

que não conseguiram comprar o maquinário alugavam o dos vizinhos, estimulados pela

rapidez com que podiam realizar o trabalho.

Com a facilidade dos créditos, os agricultores adquiriram também caminhões

utilizados nas olarias e para fazer fretes, levando soja até a cooperativa.

O crédito ajudou no comércio em geral. Todo mundo foi bem, foi aonde que eu arrumei um dinheiro, 70/72, até 81 foi bom. Em 1974, comprei um caminhão a diesel e vendia tijolo, puxava pra Ronda Alta. Puxei pro comércio lá doze anos, comprava de várias olarias toda a produção e era duas vezes por dia que eu levava pra lá. Comprei caminhão novo em 1978 e paguei muito bem, fácil, fácil. Vendi aquele com nem dois anos de uso e comprei outro. Comprei trator, seifa, um pedacinho de terra pra plantá soja. Daí parecia que podia fazer a dívida que quisesse que pagava, era só trabalhar, trabalhando ganhava. Hoje quem trabalha tá perdendo tempo, naquela época trabalhava no braço mesmo e ganhava dinheiro, valia a pena acordá cedo. 317

315 Dezenas de tratoristas rurais concluem curso de tratorista e técnicas agrícolas. O Nacional, Passo Fundo, 1º abr. 1972, p. 6. 316 Máquinas para o pequeno agricultor, com eficiência maravilhosa. O Nacional, Passo Fundo, 13 jan. 1960, p. 3. 317 Entrevista com Valdemar Tiecher, já informada.

Page 172: Dissertação 4-S

Portanto, através do crédito e das orientações técnicas, os agricultores tiveram no

período que compreendeu este estudo momentos de euforia, com a recuperação da fertilidade

do solo e o conseqüente aumento da produção, bem como melhorias nas atividades

domésticas e na vida social das comunidades.

4.7 Alterações socioeconômicas no meio rural a partir dos Clubes 4-S

Com o envolvimento dos jovens e, conseqüentemente, dos agricultores em geral no

trabalho dos Clubes 4-S, muitas alterações ocorreram no meio rural, tanto na área econômica

quanto na social.

Desenvolvendo-se a produção agrícola em maior escala no distrito de São Roque,

abriu-se espaço para a atividade dos freteiros, proprietários de caminhão que passaram a fazer

fretes para as cooperativas, e o contato com a cidade tornou-se cada vez mais freqüente.

Daí nas roças aquela trilhadeira que era a mão foi diminuindo, a máquina colhia e entregava em cima do caminhão mesmo, o produto era todo ensacado e empilhado nos galpão, mas tempo depois que veio a máquina melhor já largava em cima de caminhão, quem tinha propriedade maior compraram caminhão, compraram máquina, eu trabalhei 23 anos com o caminhão, pela redondeza puxava o meu, o dos vizinhos, trazia adubo, levava soja, trigo pra eles, trabalhei tempo com o caminhão. Quando a máquina tava cortando numa propriedade tinha frete, ia lá encostava o caminhão enchia e era só levá lá na cooperativa descarregá. Quando voltava a máquina já tinha colhido bastante, ali prá 73/74 fazia fila pra entregá a produção de trigo, de soja, já tinha explodido a produção mesmo. Eu adquiri o caminhão em 1973 e já tinha fila pra descarregá, a coisa tinha pegado mesmo, a soja nos campos. Vinha carreta carregada, caminhãozinho pequeno, enchia o campinho lá da coopasso pra espera pra descarregá. Eu já não parava em casa mais, tinha outras pessoas pra cuida da olaria, da roça, tinha que levá adubo pra um, produção pra cidade, trazê adubo, deu bastante movimento. Mudou bastante, a primeira colheita de trigo que eu colhi pra mim e fui vende na coopasso, foi tudo em cima da carrocinha com uma junta de boi, devia ser em 1966/67, já tinha a coopasso mas eu não era sócio, eles só compravam, eles tinham escritório na frente onde é o Posto de Saúde. 318

318 SOUZA, O.C. Luiz. Entrevista...

Page 173: Dissertação 4-S

Ressaltam-se na entrevista as mudanças que ocorreram no meio rural em relação à

tecnologia e ao contato com o meio urbano. As mudanças também foram sentidas nos

aspectos sociais, pois as atividades dos clubes até o final da década de 1970 voltavam-se para

atividades econômicas e sociais, paralelamente, o que envolvia toda comunidade, e

contribuíam para promover a união entre as famílias e ampliar o contato com as comunidades

vizinhas.

Todas as comunidades tinham o seu Clube 4-S. Naquela época era difícil integrar as comunidades pela dificuldade de locomoção. Não existia condução, então era mais reservado pra comunidade, mas também, quando havia promoções, pois todos os anos se fazia uma festa, então todas as comunidades eram convidadas para participar. Também havia as trocas de experiências nas comunidades. As mulheres começaram a participar junto. Antes a mulher era apenas uma dona de casa, hoje ela trabalha na comunidade junto com os jovens e a evolução veio daquela época pra cá. É uma coisa que não foi só no interior; na cidade a mulher começou a trabalhar fora e no interior não foi diferente. A mulher começou a participar na comunidade no sindicato. Só quem participava no sindicato era a viúva e hoje começou a mudar, a mulher tem a sua conta no banco umas em conjunto com o marido, outras não.319

Pelo depoimento, evidencia-se o espaço que se abriu para a participação mais efetiva

da mulher nas atividades sociais. As reivindicações das mulheres no meio rural foram

ressaltadas na fala seguinte:

O que as mulheres reivindicavam era poder ter uma vida social na comunidade. Por que os maridos, só eles, os homens, têm o salão, a sua diversão, jogo de baralho, de bocha? Então, se promovia encontros pras mulheres, uma roda de chimarrão, jogos, encontros de casais, gincanas entre casais, porque a mulher era o trabalho, a família, ir pra igreja rezar e voltar pra casa. Vinham no Domingo, faziam a sua celebração, a mulher voltava pra casa e o marido ficava. Aí começaram a questionar: “Por que a gente tem de ir pra casa ?” Quando se tratava de escolher a liderança da comunidade, por que era só o homem que votava. Aí os jovens começaram a reivindicar: “Nós também temos o direito de escolher”. A mulher também, mas foi uma luta pra se entender que o voto não era só do marido.320

319 SOUZA S. José. Entrevista ... 320 TREVISO, Darci. Padre que trabalhou na Paróquia de São Cristóvão por 17 anos, no período de 1969/1974, época do clubes 4-S atendia algumas comunidades do interior, entre essas, o distrito de São Roque.

Page 174: Dissertação 4-S

Dessa forma, os Clubes 4-S contribuíram para que a comunidade tivesse uma vida

social mais ativa, com a participação de todos os membros da família nas promoções, nas

festas, nas exposições promovidas no distrito de São Roque.

Com a modernização da agricultura, acentuou-se também o contato com os bancos

para conseguir recursos destinados a investimentos em tecnologia mais avançada, em adubos,

fertilizantes, máquinas. Walter Maffi relatou sobre esse aspecto:

Quando entrou a era do soja, já entrou com mais tecnologia, com as áreas recuperadas, calagem e fósforo. Daí a produtividade já era boa. Não tivemos dificuldades de produzir soja. Aí que eu acho que desvirtuou um pouco o trabalho, virou mais monocultura. Deveria ter ficado mais em cima da diversificação, mas, como a soja era um produto de exportação, com um valor razoável, eu não ia plantar trigo. Aí veio as doenças, mas o milho, suíno, feijão, essas coisas caiu bastante. Então foi uma coisa boa de início a recuperação do solo, mas depois, até hoje sou contra a monocultura, uma que a terra não agüenta. O pessoal da Emater alertava que, com o tempo, podia acontecer alguma coisa. O pessoal se endividou com a monocultura, só plantava soja, ficava sem trabalhá, né. Mas o pessoal superou, o que ficou, pois a maioria se mandou. Apesar que eu, às vezes, na reunião do sindicato, eu levantava assim: “ O que eu ia fazer com cinco filhos e uma área de terra? Eles tinham de sair”. Os que tinham cabeça, e os pais souberam ensinar e foram estudar ou trabalhar estão bem hoje. Nós não podemos criticar a cidade, porque a agricultura não é valorizada.321

No depoimento transcrito, percebemos que a participação dos agricultores nos

trabalhos desenvolvidos pela extensão rural foi intensa e, apesar do recuo inicial por parte de

alguns, a necessidade de melhorar a produtividade e, por conseqüência, a renda da família

levou a que em pouco tempo, se adequassem às novas exigências. Mas com a monocultura da

soja e a mecanização rural, surgiram algumas dificuldades, que os agricultores tiveram de

enfrentar.

A situação do agricultor na época dos Clubes 4-S e os problemas que surgiram

relacionados à mecanização rural foram evidenciados numa das entrevistas feitas:

A situação não era muito melhor que hoje, mas, pelo menos, eles não gastavam pra plantar, pra colher. Era trabalho deles. Depois, o que estragou com a agricultura foi a introdução da máquina. Aí foi a máquina pra lá e começaram os agricultores se endividá, comprá uma máquina, um trator. Tinha os créditos, aí muito agricultor teve de vender terra pra pagar banco. Outra que levou ao êxodo rural foi a máquina, porque

321 MAFFI, L. Walter. Entrevista...

Page 175: Dissertação 4-S

quem comprou uma máquina, sobrava gente. Então ia pra cidade, mas como é que ia pagá pensão? Como é que vamo pagá o estudo? Outra coisa que teve uma força pro êxodo rural foram as escolas do interior, que só tinha o primeiro grau. Aqueles que nós encaminhava pra cidade, pra lá, era de quinta, sexta série, já não queria mais voltar. Fazia até pai se mudar. Naquele tempo nós tinha 120 alunos de lá, agricultores. Hoje, se não me engano, tem 18, 25, mas não são de lá todos, são pessoas que foram trabalhar na olaria. De lá mesmo tem uns dez. Então, quando os alunos começaram estudar, terminavam na oitava série e não queriam pará. Os professores incentivavam para o segundo grau, do segundo grau para a faculdade, e faziam até os pais sair do interior. Então, a máquina foi muito bom para quem pôde comprar sem fazer dívida. Quem continuou com o aradinho lá continuou o mesmo, eles não progrediram, mas também não regrediram. Então aqueles que continuaram um pouco com do sistema deles conseguiram. Hoje nós podemos contar que o interior é formado de velhos Eles continuam lá porque uma das coisas boas que tiveram, que nossos pais não tiveram, nossos avós, é os 200 reais. Acho que mudou bastante, foi um ponto negativo para o pequeno agricultor; pro grande, não, o grande tá muito bem. E outra coisa, por exemplo, ficaram os agricultores lá com quanta terra? Pouca, uma colônia, poca colônia. Como é que ia pagar uma máquina? O crédito dele não podia comprar um trator. Mas a Ascar, a prefeitura, sindicato, também, que entrava, vamos comprar um trator em três, quatro, cinco agricultores. Alguns fez, mas uns não acreditavam no outro, medo de sociedade. Então foi, foi, que quem pôde comprar comprou, quem soube administrar administrou e tá bem; quem comprou e não soube administrar foi na estaca zero, né. Hoje em dia, se não fosse mecanizada, ia fazer o quê. Na época do plantio de soja, muitos arrendaram ou compraram a terra dos pequenos agricultores.322

Revela-se que as dificuldades foram aparecendo na década seguinte, mas o período de

1960/1970 foi de euforia para os agricultores, que passaram a utilizar novas técnicas e

aumentar a produtividade. E o trabalho dos jovens nos Clubes 4-S foi essencial para dar

credibilidade às inovações orientadas pelos extensionistas, pois eles envolveram a

comunidade com um todo. Assim, introduziram as sementes híbridas, investiram no trigo

aplicando calcário e adubos na terra, fizeram terraceamentos; investiram na soja, que exigiu

mais tecnologia e investimentos financeiros; também as atividades voltadas para a área social

promoveram a mudança nos hábitos costumeiros das comunidades.

Pode-se dizer que o ingresso dos pequenos agricultores no processo de modernização

agrícola foi planejado e visava à substituição dos métodos tradicionais, dos agricultores para

que se dedicassem ao cultivo dos produtos de exportação. Assim, os agricultores, na década

de 1970, foram introduzidos no processo de modernização agrícola, produzindo num ritmo

322 GRANDO, R. Antônio. Entrevista....

Page 176: Dissertação 4-S

mais acelerado, comercializando com a cooperativa, participando mais ativamente do

sindicato rural, negociando com bancos, vindo com mais freqüência à cidade. O trabalho dos

Clubes 4-S foi expressivo para a introdução dos agricultores nesse processo.

4.8 Incentivos ao associativismo e sua institucionalização

No discurso da extensão rural estava presente a idéia de preparar os jovens para o

associativismo. Assim, através dos Clubes 4-S, incentivava-se a participação dos agricultores

nos sindicatos e nas cooperativas e as lideranças rurais foram expressivas na divulgação e

introdução dessas idéias no meio rural, além da atuação no quadro diretivo desses

estabelecimentos.

a) Os sindicatos

Em 1961, a elite agrícola gaúcha, com o apoio de grande parte dos bispos da Igreja

Católica, fundou a Frente Agrária Gaúcha (FAG), uma associação civil que foi responsável

pelo surgimento do sindicalismo corporativo no Rio Grande do Sul. Assim, foram

organizados vários sindicatos no estado, entre os quais o Sindicato dos Trabalhadores Rurais

de Passo Fundo, criado em 25 de julho de 1962, com o apoio dos primeiros associados:

Arlindo Lorenzoni, que em 1966 foi eleito presidente, Alberto Tagliari, José Mendes e irmão

Urbano Máximo, representando na época a FAG. O sindicato, até a eleição de 31 de janeiro

de 1966, foi dirigido por uma comissão provisória que obedecia à orientação da coordenação

da mesma.323

O sindicato ao ser fundado tinha uma missão árdua e proeminente a cumprir, qual seja a de coordenar e arregimentar a classe ruralista que se encontrava totalmente descrente, de tudo e de todos, assim sendo sua meta foi esclarecer e orientar o colono mostrando-lhe o caminho certo que tinha a seguir. Neste sentido, desde sua fundação foi mobilizando um grupo de pessoas do sexo masculino e feminino, que após estarem devidamente treinados e orientados, deram

323 Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Passo Fundo. Relatório de diretoria . Jan./Fev. 1967.

Page 177: Dissertação 4-S

orientação e arregimentação da classe, coordenando-a junto a seu órgão de classe. Apesar dos esforços neste sentido, muito há de se fazer para debelar totalmente a descrença existente no meio.324

Para reverter esse quadro de descrença, várias atividades foram desenvolvidas até

1965, como uma semana ruralista, três cursos de liderança sindical, duas assembléias gerais

por ano, uma reunião de diretoria por semana e visitas a núcleos residenciais do interior do

município. Em 1966/67, foi realizado um curso de administrador de cooperativas, um

seminário de bem- estar social, além de duas assembléias gerais e das reuniões quinzenais.

Percebe-se que o sindicato desenvolvia um trabalho assistencial aos agricultores, por

meio do qual aumentava o número de associados. Também houve o incentivo ao

cooperativismo e ao associativismo e muitas das lideranças que vieram a compor o quadro da

diretoria do Sindicato dos Trabalhadores Rurais saíram dos Clubes 4-S, conforme podemos

observar no edital a seguir:

Sindicato dos trabalhadores rurais de Passo Fundo - RS Edital

Em atenção ao disposto na Portaria Ministerial nº 40 de 21/01/1965, faço saber, aos que o presente edital, virem e dele tomarem conhecimento, que em eleições realizadas neste sindicato, no dia 22 (vinte e dois) de novembro do corrente ano, foram eleitos os novos órgãos de administração e representação federativa, cuja constituição é a seguinte: Diretoria: efetivos: Arlindo Lorenzoni, Auxílio Rebechi e Zelio Michel. Suplentes: Armando Fagundes e Olívio Fávero. Conselho fiscal: efetivos: Jacob Felipe Oligini, Walter Luiz Maffi , Orlando André Rovani . Suplentes: Alvaro Ferreira Terres, Osvaldo lago, Waldir Fante. Delegados representantes: efetivos: Arlindo Lorenzoni, Olimpio Oro, Germano Andretta. Suplentes: Isedio Zanoto, Ivo Zanoto, Otavio Ferrari. Dos 814 associados em condições de votar, compareceram e votaram 642 associados, com o que foi alcançado quorum legal [...]. 325 (grifo nosso)

Percebemos, assim, que a Ascar incentivava os líderes rurais a participarem das

associações, conforme nos relatou Antônio Grando:

A própria Ascar fazia campanha que nós devia se organizar em associação para poder ser mais ouvidos pelo prefeito, pelas autoridade [...]. Quem me convidou, acho que foi o próprio Rebechi e o Joel, também o Hermenegildo Rosso. Eu sei que eu tinha bastante conhecido, amigos, que foram lá e nos convidaram. Teve muitos líderes da

324 Idem. 325 Sindicato dos trabalhadores rurais de Passo Fundo – RS. Edital. O Nacional, Passo Fundo, 28 nov. 1970, p. 2.

Page 178: Dissertação 4-S

Ascar que foram para o sindicato, sim, a maioria fomos para o sindicato, fui 30 anos sócio. Foi uma vida integrada à comunidade, foi um tempo bom.326

A Ascar e a Igreja marcavam presença junto ao sindicato nas assembléias gerais e nas

cerimônias de confraternização. Nessas ocasiões, os agrônomos da Ascar e alguns membros

da Igreja contribuíram com palestras sobre conservação do solo, cooperativismo,

sindicalismo, etc.

Em 1976, a Ascar colocou-se à disposição do sindicato e dos agricultores, conforme

registros de uma ata sindical: “[...] passou a palavra aos agrônomos da Ascar, os quais

argumentaram a respeito do encaminhamento na assistência principalmente dos subsídios de

adubo, fora do Banco do Brasil ou Cooperativa, que a Ascar também pode encaminhar e

orientar os agricultores para este fim. A Ascar se propôs também a trabalhar em comum

acordo e colaborar”. 327

Pelo trecho destacado, evidencia-se que havia uma ação integrada entre o serviço de

extensão rural, sindicato e cooperativas no sentido de orientar os agricultores para a produção

e comercialização dos produtos agrícolas, com o apoio do governo e da Igreja para manter o

controle econômico e social. Outra forma de associação incentivada foi o cooperativismo, de

que tratamos em seqüência.

b) O cooperativismo

Por volta de 1950, as cooperativas foram substituindo as redes de comércio

tradicionais, dando maior dinamismo à mobilidade e à mercantilização dos produtos

agrícolas.328 As primeiras cooperativas da região do Planalto foram organizadas pelos

granjeiros.

No período de 1956/57 a produção tritícola passou por uma série de dificuldades

relacionadas ao clima, à falta de recursos das estações experimentais, à falta de

326 GRANDO, R. Antônio. Entrevista... 327 Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Passo Fundo. Ata da Assembléia Geral Ordinária de 28/06/76. 328 TEDESCO, João Carlos; SANDER, Roberto. Madeireiros, comerciantes e granjeiros: lógicas e contradições no processo de desenvolvimento socioeconômico de Passo Fundo. Passo Fundo: UPF, 2002, p. 137.

Page 179: Dissertação 4-S

conhecimentos técnicos quanto à variedade de sementes e fertilização do solo, as dificuldades

de armazenamento e transporte da produção.

O Estado pouco se preocupava com a intermediação entre o produtor e os moinhos

antes da crise de 1956, mas, como os problemas se agravaram, foi necessário que o Estado

interferisse na questão, incentivando a criação de cooperativas que se constituíram em

importantes instrumentos para o alcance de seus objetivos. 329 Segundo Frantz:

A cooperativa, ao concentrar a comercialização do cereal, reduz relativamente os gastos de circulação da produção – tanto administrativos (gastos em pessoal), em material de escritório, móveis e utensílios), quanto ao investimento fixo (armazéns, máquinas para recebimentos, secagem e limpeza do grão, veículos para transporte, etc.). Além disso facilitava a compra estatal do grão, pois era muito mais fácil transacionar com as cooperativas do que com a miríade de agricultores isolados. Ela induzia à incorporação de tecnologia mais moderna por um maior número de produtores.330

Houve, portanto, uma centralização da comercialização do trigo e, posteriormente, da

soja nas cooperativas, o que provocou o desaparecimento dos comerciantes do meio rural,

com a transferência da dependência que os pequenos agricultores tinham para com esses

para a Cooperativa Tritícola de Passo Fundo no final da década de 1960.

O primeiro ano que eu plantei trigo, ainda jovem, eu me associei na cooperativa porque não tinha pra quem vender o trigo. Então o trigo já tava colhido dentro do galpão e eu tive que me associar pra poder vender o trigo. Não existia essas outras indústrias que compravam o trigo, era através do Banco do Brasil e das cooperativas. Nem as cooperativas tinham silos suficientes, então usavam os silos da Cesa. Foi no ano 1969, existia aqui na comunidade três ou quatro associados. Dali pra cá, nos anos 70, foi a evolução mesmo do trigo e do soja. Aí todo mundo começou a se associar na cooperativa. Nos primeiros anos, os financiamentos eram encaminhados para o Banco do Brasil.331

Como observamos, foi a partir da década de 1970 que os pequenos agricultores

associaram-se à cooperativa. Nesse período, a Cooperativa Tritícola de Passo Fundo

(Coopasso) passou a financiar os pequenos agricultores, conforme foi destacado na imprensa

local:

Terá início segunda-feira próxima, na Cooperativa Tritícola de Passo Fundo, o

financiamento aos plantadores de trigo associados da referida entidade.

329 FRANTZ, T. Rudi. Cooperativismo empresarial e desenvolvimento agrícola . Ijuí: Fidene, 1982, p. 39. 330 Idem, p. 41. 331 SOUZA, S. José. Entrevista...

Page 180: Dissertação 4-S

A informação foi prestada a O NACIONAL pelo dr. Waldomiro Marcon, responsável pelo setor de financiamento mantido pela Cooperativa. O sistema de financiamento ao pequeno produtor é uma experiência recentemente iniciada, e que visa a proporcionar maiores facilidades aos associados. Ao invés de, como antigamente, pleitearem o financiamento diretamente ao Banco do Brasil, passaram os pequenos produtores a transacionar com a Cooperativa, a qual se encarrega de toda a operação. Havendo criado um setor de financiamento semelhante ao que é mantido pelo Banco do Brasil, a Cooperativa recebe do banco os recursos globais e os entrega aos associados em montantes individuais que vão até NCr$ 7.800,00. Tais financiamentos podem ser para a compra de adubos, sementes certificadas, inseticidas. Se o interessado quiser, receberá o dinheiro. A própria Cooperativa se encarrega da fiscalização das lavouras, com a supervisão do Banco do Brasil. Por ocasião da safra é que os beneficiados pagarão os financiamentos recebidos. Esse sistema de financiamento estabelecido pela Cooperativa Tritícola de Passo Fundo representa um auxílio inestimável aos pequenos produtores.332

Dessa forma, pequenos, médios e grandes produtores foram incorporados no sistema

cooperativista, que atingiu o seu apogeu na década de 1970. Segundo Dieterich:

O movimento cooperativista cresceu muito no Brasil, em especial no Sul. No Rio Grande do Sul atingiu o seu apogeu na década de setenta. Criaram-se as grandes cooperativas, o chamado “gigantismo”, calcadas na produção de trigo e soja. Neste momento as cooperativas adquiriram melhores condições de enfrentar a concorrência do mercado, e passaram a adotar nova postura, até então desconhecida nas cooperativas, mas muito comum nas grandes empresas. As cooperativas representam hoje, para o agricultor, a melhor opção de colocação de sua produção no mercado. A produção agropecuária comercializada através de cooperativas na safra 80/81, representa 32% do arroz, 56% da soja, 84% do trigo, 32% do abate de bovinos e 15% do abate de suínos do Rio Grande do Sul. Face a isso a Extensão Rural procura incentivar os produtores ao cooperativismo, sindicalismo e participação em outras associações.333

Esse incentivo ao cooperativismo e ao associativismo por parte da extensão rural foi

ressaltado na Revista dos Clubes 4-S:

Cooperativismo é associativismo. Isto porque a base cooperativista é a ajuda mútua. Quer dizer: a União faz a força. E para que exista a ajuda mútua dentro de uma organização, deve existir também o espírito associativo, em maior ou menor escala [...]. Atualmente, o governo demonstra grande interesse em fortalecer o Cooperativismo, com a palavra de ordem INTEGRAÇÃO. E para dar o exemplo. Grande número de Cooperativas do Rio Grande do Sul firmaram convênio em fevereiro de 1973, para o desenvolvimento de um trabalho integrado. O projeto tem o nome de Projeto alto Uruguai de desenvolvimento da cooperativismo. Dele participam o INCRA, a Organização das Cooperativas do Estado do RGS – OCERGS, a ASCAR e o Banco Nacional de Crédito Cooperativo – BNCC, além de todos os órgãos ligados direta ou indiretamente ao cooperativismo no Rio Grande do Sul. Vai funcionar numa área com 25 municípios onde existem 26 Cooperativas. O passo inicial será a educação para o Cooperativismo, abrangendo principalmente a juventude, pois esta tem todas as condições para elevar o Cooperativismo à posição de predominância que deve exercer na estrutura sócio-econômica do Estado.

332 Terá início segunda-feira próxima, na cooperativa Tritícola de Passso Fundo, o financiamento aos plantadores de trigo associados da referida entidade. O Nacional , Passo Fundo, 9 maio 1970, p. 1. 333 DIETERICH, Clubes 4’S : descrição e análise da participação de jovens e sua permanência nas atividades agrícolas, p. 42.

Page 181: Dissertação 4-S

Os Clubes 4-S, com seu lema SABER, SENTIR, SAÚDE e SERVIR, representam o “ótimo”, para indicar aos outros jovens o caminho do trabalho e da união, como o único e verdadeiro para alcançar a felicidade.334

Em vista disso, os jovens deveriam ser educados para o cooperativismo e nos Clubes

4-S estavam sendo instruídos para esse fim. A formação de cooperativas fazia parte do

programa global para a agricultura, as quais se tornaram veículos de transferência de

tecnologia ao agricultor, que, através do crédito, adquiria produtos industrializados voltados

para a agricultura. A extensão rural seria a orientadora nesse processo, conforme declarou o

ministro Delfim Neto:

Estamos iniciando uma experiência de comunicação com o homem do campo, dentro do objetivo determinado pelo Presidente Médici de integrar os grandes contingentes de produtores rurais no processo de crescimento brasileiro. Nossa intenção é que os agricultores possam utilizar mais intensivamente os fertilizantes e a mecanização, aumentando a oferta de alimentos, o que nos ajudará em outra frente, qual seja a da batalha de preços mínimos para assegurar o aumento da área plantada, a melhoria da produtividade e a comercialização interna e externa da produção, com o que se alcançará igualmente o crescimento da renda real dos agricultores. Os produtores, além de contarem com apoio financeiro e recursos materiais, receberão assistência técnica para elevar o rendimento de suas lavouras. Referiu-se, então ao papel destacado que cabe à Extensão rural na execução da campanha, pela sua atuação e incentivo ao cooperativismo e sindicalismo, na formação de comunidades mais dinâmicas, no suporte enfim, oferecido à ação do governo para incorporar o homem do campo às forças dominantes do mercado. 335

O Estado, portanto, contava com a extensão rural para atingir os objetivos de vincular

os agricultores às cooperativas, principais instrumentos do governo para promover a

modernização agrícola e que funcionariam como intermediárias (mercado-produtores-

governo). Essa tarefa da extensão também foi ressaltada na revista Extensão Rural:

O agente de extensão não pode se limitar a proporcionar assistência ao produtor rural, transferindo-lhe tecnologias, agropecuárias e gerenciais, com vistas a melhoria de produção e comercialização de produtos, dentro do propósito de elevação da renda, da produção, da produtividade e do padrão de vida dos que vivem no estabelecimento. Para começar sua missão, cuida o extensionista igualmente dos valores morais e pessoais que fazem do produtor um líder, um elemento dinâmico e construtivo, dentro e fora do estabelecimento, na empresa e na comu nidade. Assim procedendo, propicia condições para desenvolvimento do associativismo e do cooperativismo, objetivando a formação de uma classe rural unida e

334 Cooperativismo: base da integração. Revista dos clubes 4-S, jan./fev. 1974, p. 31. 335 Governo lança campanha de estímulo à produção agrícola. Extensão Rural. Rio de Janeiro , ano V, n. 55, jul. 1970, p. 8.

Page 182: Dissertação 4-S

vigorosa, o que é indispensável para uma sociedade rural mais elevada econômica e socialmente.336

De acordo com Tedesco, os objetivos que ligavam o Estado ao cooperativismo

extrapolavam a questão econômica:

Mais do que substituir atribuições infra-estruturais, de logística, armazenamento, assistência técnica, comercialização, etc., o cooperativismo poderia amenizar conflitos sociais latentes no meio rural. Portanto, o cooperativismo apresentava-se como solução para viabilizar um programa global de organização e desenvolvimento de uma “sociedade agrária” num contexto de crise econômica e de interesses industriais em jogo.337

Assim, o atrelamento dos agricultores às cooperativas e aos sindicatos teria também

uma função controladora, visando amenizar os conflitos sociais.

O processo de modernização agrícola desencadeou uma série de conflitos sociais e

políticos nas décadas de 1950 e 1960, com reflexos nas questões agrárias e urbanas nas

décadas de 1970 e 1980. O movimento dos triticultores, a criação da Fecotrigo, a composição

do Master, o aparecimento de frações da burguesia rural e urbana (os granjeiros) deram-se em

torno do movimento cooperativista e de partidos de centro esquerda, como foi o caso do PTB

de Brizola.338 Assim, os pequenos agricultores foram inseridos no processo de modernização

agrícola, mas, de certa forma, subordinados ao poder político e econômico através das

cooperativas e do crédito.

A década de 1970 foi marcada pela grande expansão da produção da soja. Nesse

período, pequenos, médios e grandes produtores comercializavam seus produtos através da

cooperativa. Com isso, elas adquiriram importante infra-estrutura de armazenagem,

multiplicando armazéns nas áreas produtoras da região a fim de receber e comercializar,

alternadamente, as safras anuais do binômio trigo-soja.

Em 1970, a cooperativa de Passo Fundo inaugurou mais um silo, ocasião em que

houve a presença do presidente da República, que também deu abertura à colheita do trigo

na região, conforme destacou uma matéria jornalística:

ABERTURA DA COLHEITA

336 BICCA, F. Eduardo. As duas faces da missão do extensionista. Revista dos clubes 4/S, ano VIII, n. 40, 21 jul. /agos./set. 1979, p. 21. 337 TEDESCO, Madeireiros, comerciantes e granjeiros: lógicas e contradições no processo de desenvolvimento socioeconômico de Passo Fundo, p. 137. 338 Idem, p. 139.

Page 183: Dissertação 4-S

Em seguida o presidente da República embarcou no carro presidencial, iniciando-se o deslocamento rumo à Faculdade de Agronomia, tendo à frente viaturas da polícia rodoviária e da polícia do Exército, seguindo-se um cortejo de inúmeros automóveis. Ao chegar à Faculdade de Agronomia, o general Médici foi recebido pelo Reitor Murilo Coutinho Annes; dr. Angelo Britto, diretor da Faculdade; vice-reitor administrativo Alcione N. Corrêa; presidente da FUPF, dr. Juarez Diehl e outras altas autoridades. O Chefe do Govêrno subiu ao palanque oficial, recebendo das mãos de uma senhorita um feixe de espigas de trigo, ocasião em que deu por inaugurada a colheita do cereal-rei. Teve início, então a colheita de uma parte da lavoura fronteira ao palanque oficial, trabalho êsse efetuado por diversas automotrizes.

INAUGURAÇÃO DO SILO

Encerrada a solenidade, prosseguiu o cortejo presidencial para o local onde estão situadas as instalações industriais e o Silo Con-Ga da Cooperativa Tritícola, no Bairro Vera Cruz. Aí, em companhia do ministro Cirne Lima, do governador Peracchi Barcellos e sr. Ari Dalmolin, presidente da cooperativa o general Médici desatou a fita simbólica inaugurando o gigantesco depósito semi -subterrâneo. Em seguida, o primeiro Magistrado da Nação passou a percorrer as dependências do silo, observando o funcionamentos das suas várias secções enquanto o sr. Ari Dalmolin lhe dava explicações pormenorizadas. Milhares de pessoas postaram-se ao longo da estrada e junto ao silo, para assistir a passagem do presidente.339

Na matéria jornalística transcrita, fica visível o destaque agrícola que tinha a região de

Passo Fundo nesse período. Para atender aos associados, foi criado e ampliado o

Departamento Técnico, cuja função era orientar e prestar assistência técnica aos produtores

rurais, com projetos de melhoramento da fertilidade do solo, produção de sementes e

assistência técnica integral e, posteriormente, programas de diversificação da produção.

Conforme Brum:

A partir de 1978/1979, quando freqüentes frustrações de safras, principalmente de trigo mas também de soja, além de outras circunstâncias relacionadas com a crise brasileira e a crise mundial, revelam o esgotamento do ciclo da soja, a vulnerabilidade da monocultura e a necessidade de buscar alternativas agrícolas mais seguras. O gado leiteiro e a atuação na indústria de laticínios, a suinocultura, os hortigranjeiros e o estímulo a outras culturas como o milho e experiências com culturas de inverno ao lado do trigo, como a colza, aveia, etc., são algumas das medidas e orientações tomadas nos últimos anos.340

Com a modernização agrícola, os pequenos agricultores voltaram-se para a

monocultura em detrimento da tradicional diversificação, que fazia parte da economia

familiar do meio rural, conforme se viu anteriormente; assim, ficaram sujeitos a uma relação

de dependência aos preços do mercado internacional e do capital financeiro. Com a crise da

monocultura, incentivou-se o retorno à diversificação, seguindo as orientações e interesses

voltados para a agroindústria. Brum sintetiza bem o papel das cooperativas:

339Abertura da colheita. O Nacional, Passo Fundo, 26 nov. 1970, p. 1. 340 BRUM, A modernização da agricultura : trigo e soja , p. 113.

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Pode-se perceber que as cooperativas de trigo e soja foram um dos frutos do processo de modernização conservadora da agricultura na região e se tornaram um dos principais instrumentos para o avanço e expansão do processo modernizador voltado para a agricultura empresarial com fins comerciais, dentro da estratégia global das transnacionais desencadeada a partir da “Revolução Verde”, patrocinada inicialmente pelo poderoso grupo Rockefeller e depois, também, por outros grupos econômicos, por organismos governamentais norte-americanos e por organismos internacionais, como o Banco Mundial, a FAO e a própria ONU.341

Percebe-se, então, que as cooperativas tiveram um papel fundamental para as novas

diretrizes agrícolas. Frantz salienta que a cooperativa sabe quem são os produtores, suas

condições econômicas e financeiras; por isso, pode fiscalizá- los, substituindo o poder público

em todas as tarefas.342 Vistas dessa forma, as cooperativas contribuíram para a organização e

controle tanto da produção como dos produtores, através da estocagem, da comercialização e

da transferência das novas tecnologias voltadas para a agricultura, mediante financiamentos.

c) A Igreja

A Igreja desempenhou papel fundamental na criação dos sindicatos corporativistas em

todo o Estado e, assim como o governo, desenvolveu trabalhos voltados para a juventude

rural. Faz-se, aqui, um breve histórico da renovação que ocorreu na Igreja, mostrando o seu

envolvimento na formação dos movimentos de juventude, dos Institutos de Educação Rural e

das Escolas de Educação Familiar, na formação dos sindicatos, bem como o posicionamento

da instituição em relação aos Clubes 4-S.

A base organizacional da Ação Católica Brasileira (ACB) era a Conferência Nacional

dos Bispos do Brasil (CNBB), fundada em 1952. Essa conferência, formada por dom Helder

Câmara e outros bispos de orientação progressista, foi um instrumento fundamental da

reorientação da Igreja Católica e até como precursor da ideologia do Concilio Vaticano II.343

As décadas de 1960/1962 marcaram o início da renovação de uma parte da Igreja

Católica no Brasil, que aconteceu num contexto de abertura dentro da instituição e também de

liberdade política, que favoreceu a expressão de novas forças sociais geradas pelo processo

desenvolvimentista do pós-guerra. A partir daí, a Igreja passou a adotar medidas inovadoras

341 Idem, p. 115. 342 FRANTZ, Cooperativismo empresarial e desenvolvimento agrícola, p. 42. 343 SCHAAF, Alie van der. Jeito de mulher rural : a busca de direitos sociais da igualdade de gênero no Rio Grande do Sul. Passo Fundo: UPF, 2001, p. 119.

Page 185: Dissertação 4-S

tanto no âmbito interno como no externo, seguindo a linha desenvolvimentista e reformista.344

Schaaf esclarece o que foi o modelo desenvolvimentista.

A mudança veio com o surgimento do modelo desenvolvimentista, entre 1930-1964, quando o governo passou a entender que o Brasil devia superar o seu subdesenvolvimento e que o capitalismo era um impedimento para o desenvolvimento do país. O equilíbrio internacional do capitalismo deveria ser quebrado, já que era baseado na complementaridade entre as metrópoles e as nações coloniais. Eram necessários, então, a criação de uma infra-estrutura sólida de indústria básica, o desenvolvimento de um sistema de transporte eficiente, a eliminação de disparidades regionais e a expansão do mercado interno. 345

Nesse período, a Igreja assumiu o papel de guardiã da moral social e sua grande

preocupação era a ameaça comunista.346 A Igreja, por meio de documentos da sua hierarquia

(papas e bispos) e das matérias publicadas na imprensa católica, colocava-se contra os dois

sistemas: comunismo e capitalismo. Todavia, o teor das críticas a ambos era diferenciado:

desse, criticavam-se apenas os excessos, ao passo que aquele era condenado em si. Mesmo

assim, dificilmente a condenação católica ao comunismo era acompanhada por louvores ao

capitalismo, o que era feito de forma velada.347

Uma das estratégias utilizadas para a educação da população foi a Ação Católica, um

movimento de leigos que surgiu na Igreja na década de 1930, fundado pelo padre Cardjin.

Com a Ação Católica surgiu um movimento chamado Juventude Operária Católica (JOC).

Aos poucos, por causa da JOC, a Ação Católica foi criando consciência de que a melhor

maneira de evangelizar era reunir as pessoas de acordo com o meio onde viviam. Assim se

criou no Brasil em 1950 a Ação Católica Especializada, que atuava no meio operário,

universitário, estudantil e rural. Para os jovens do meio rural, surgiu, então, a Juventude

Agrária Católica (JAC), que se utilizava do método ver-julgar e agir.348

344 OLIVEIRA, P. Ribeiro. O contexto da Igreja Católica do Brasil. Comunicações do Iser, 8(34), 1989, p. 4-9. 345 SCHAAF, op.cit., p. 118. 346 Id. ibid. 347 RODEGHERO, Carla Simone. O diabo é vermelho: imaginário anti-comunista e Igreja Católica no Rio Grande do Sul ( 1945-1964). Passo Fundo: Ediupf, 1998, p. 79. 348 Para melhor conhecer a realidade, os jacistas faziam até pesquisas entre os demais jovens, com outras pessoas que eles chamavam de “inquérito”, para melhor conhecer a realidade. Depois de ver a realidade, vinha o julgar, que era baseado na Bíblia, na doutrina da Igreja; era o critério cristão para julgar o que está bom e o que não está conforme o plano de Deus dentro da realidade que se estava vivendo. No julgar a realidade, que era um processo constante que aos poucos ia fazendo parte da vida toda do jovem rural, ele ia percebendo mais claramente o que o Evangelho, o que Deus queria dele dentro de sua realidade. É preciso saber escutar para perceber os apelos de Deus, daí vinha o agir. Cada reunião deveria levar um compromisso de cada um, do grupo e da equipe de militantes. Agia-se no sentido de melhorar, de acordo com o apelo do Evangelho, a realidade que fora analisada

Page 186: Dissertação 4-S

Esse trabalho contribuiu para a formação de lideranças, que começaram a atuar dentro

dos sindicatos, das cooperativas, da Liga Agrária Católica, da Frente Agrária e dos partidos

políticos. Entre as propostas de trabalho da JAC para o ano de 1961 estavam: interessar-se

pelos problemas atuais da juventude rural, como formação profissional, solidariedade e

espírito de classe; formar elementos que pudessem atuar cristamente nas organizações

existentes, como associação rural, cooperativas, clubes de jovens, etc.; estudar e agir frente ao

grande problema da reforma agrária, que se levantava em todo o Brasil.349

Assim, a Igreja empenhava-se em desenvolver um trabalho voltado para os jovens,

pequenos produtores e agricultores sem terra. Por isso, apoiava o trabalho dos Clubes 4-S,

pois também desenvolvia um trabalho de incentivo à adoção de novas tecnologias, de preparo

do agricultor nos Institutos Agrícolas.

Em 1961, o engajamento da JAC recebeu um grande impulso com a Encíclica do papa

João XXIII Mater et Magistra, que tocava fundo no problema agrário dos países pobres Mas

a partir de 1964, com a ditadura militar, as organizações populares com propostas de

mudança social foram vistas como uma ameaça ao governo, razão pela qual a JAC foi

perdendo o apoio até mesmo dentro da Igreja. Um grande número de bispos passou a ter

dúvidas sobre se essa atuação da JAC podia ou não ser considerada eclesial.350

No início da década de 1960, também os movimentos sociais agrários iniciaram a

mobilização em torno da problemática agrária e acentuaram-se até que, em 1964, foram

reprimidos. De acordo com Gehlen, as reivindicações sintetizavam três propostas: a) preços,

saúde e benefícios sociais para os pequenos proprietários; b) garantias trabalhistas e

benefícios sociais para os assalariados, o que contribuiu para o Estatuto do Trabalhador Rural,

em 1963; c) reforma agrária para os sem-terra e para os que possuíam área inferior às

necessidades familiares. Essa proposta contribuiu para o Estatuto da Terra, em 1964.351 No

entender de Gehlen:

na reunião. Ver PASTORAL da juventude rural. Coordenação estadual de pastoral da juventude rural - RS. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 16. 349 Idem. p. 20. 350 PASTORAL da Juventude Rural, op.cit., p. 21. 351 GEHLEN, Ivaldo. A luta pela terra no Sul a partir do caso dos colonos de Nonoai. In: SANTOS, J.V.T dos (Org.) Revoluções camponesas na América Latina. São Paulo: Icone,, 1985, p. 149.

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Os que reivindicavam terra encontraram apoio e orientação principalmente no Movimento dos Agricultores Sem Terra (MASTER), controlado pelo PCB e pela esquerda do PTB, partido que governou o Es tado de 1959 a 1963. A luta pela Reforma Agrária mobilizava camponeses em quase todo o país. Aqui no Estado teve como ações vitoriosas a invasão e conseqüente desapropriação da Fazenda Sarandi, em 1962, acampamento e posterior invasão da Fazenda Santo Antônio, em Tapes, pressão e loteamento do Banhado do Colégio, em Camaguá, criação de STRs (Sindicato de Trabalhadores rurais) [...] .352

Com o exposto, constatamos que os movimentos sociais cresciam no Rio Grande do

Sul e que a Igreja Católica preocupava-se com a influência do movimento de esquerda no

meio rural. No entender de Schaaf: com o trabalho pastoral, a Igreja Católica procurava

motivar os leigos como contra-resposta à organização da população por parte de unidades não

eclesiásticas, como era o caso, por exemplo, no campo do Rio Grande do Sul, do socialismo

populista do Brizola e do Movimento dos Agricultores SemTerra (Master).353

Diante disso, surgiu a Frente Agrária Gaúcha (FAG); uma associação fundada por

iniciativa dos bispos da Igreja Católica do Rio Grande do Sul, que passou a ser vista por

muitos como uma reação ao desenvolvimento do Master, cujas atividades e estratégias de

acampamentos para exigir reforma agrária eram consideradas como uma força comunista a

ser combatida.354

Dessa forma, a Igreja também assumiria o papel de controladora dos movimentos

sociais, sendo exemplo de sua participação a criação dos sindicatos rurais. A FAG e a Fetag,

posteriormente, tratariam do problema da reforma agrária, priorizando a educação e a

organização dos agricultores num movimento cristão, comunitário, tendo como sustentação a

sua rede sindical. A questão da terra ficava em segundo plano, ainda que não pudessem negar

a concentração desse bem e da riqueza no país e suas conseqüências sociais.355

Com o golpe militar em 1964, entretanto, os movimentos sociais foram freados; o

governo centralizou o poder e passou a controlar até mesmo as ações da Igreja.

352 Idem, p. 150. 353 SCHAAF, Jeito de mulher rural: a busca de direitos sociais da igualdade de gênero no Rio Grande do Sul, p. 121. 354 Idem, p. 203. 355 FALKEMBACH, E. Dinâmica social e cooperativismo: o caso da Fecotrigo – 1958/72. In: BENNETTI, M.D.; FRANTZ, T.R. (Coord.). Desenvolvimento e crise do cooperativismo empresarial do Rio Grande do Sul, 1957-1984. Porto Alegre: FEE, 1985, p. 176.

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O novo regime também institucionalizou medidas de controle social, principalmente pela formação e criação de sindicatos favoráveis à política econômica e social oficial, a expansão do cooperativismo de produtores rurais, a nova política de crédito agrícola voltada para o aumento da produção e da produtividade. Também fomentou a disseminação de métodos de ideologização, fazendo os agricultores crer que qualquer proposta de alteração na estrutura fundiária e qualquer encaminhamento de reivindicações que não pelos caminhos legais e formais colocá-los-ia à mercê do “comunismo” ( no sentido de destruição de seus valores, instituição do “caos” e cerceamento de todo resquício de liberdade que, apesar dos pesares, ainda possuíam etc.) e era símbolo de espírito antipatriótico. A oposição ao regime e/ou ao grupo no poder era identificada como rejeição da nacionalidade, subversiva e ditatorial. É muito comum no meio rural ouvir a expressão “isso é comunismo”, como reação a atitudes autoritárias e impositivas.356

Com o exposto, verificamos o discurso autoritário que se colocava contra qualquer

oposição ao governo. Nesse período, os sindicatos sofreram intervenção do governo e houve

um distanciamento entre Igreja- Estado.

Oliveira explica a posição da Igreja diante dessa situação: inicialmente, a instituição

tentou colaborar com o regime, mesmo tendo de sacrificar os setores e as lideranças que, no

período anterior, mais haviam avançado na linha social e política. A Ação Católica, o

Movimento de Educação de Base (MEB) e suas lideranças perderam o apoio oficial, com

muitos sendo presos sem reação dos bispos. A CNBB mudou radicalmente sua direção e dom

Hélder foi transferido para longe dos centros de decisão do país.357

A tentativa de aproximação da Igreja com o governo não foi aceita e o pacto que

mantinham no combate ao comunismo foi quebrado, com acusações de que a instituição

estava sofrendo infiltrações comunistas, quando alguns padres apoiaram as manifestações

estudantis e operárias em 1968. Houve, então, uma ruptura entre Estado-Igreja; alguns

sacerdotes foram presos e assassinados nesse período e a Igreja passou a condenar as

repressões e a violência por parte do governo. Com isso, a Igreja voltou-se para o contato

direto com as classes populares e com as vítimas da repressão policial. O discurso voltou-se

para os direitos humanos (em defesa dos presos e torturados políticos) e dos pobres e, na

década de 1970, cresceram nas zonas rurais as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).

Outra proposta para o meio rural foi apresentada pela FAG, que consistia na criação

de escolas agrícolas com o objetivo de abranger o maior número possível de filhos de

agricultores, formando lideranças e desenvolvendo métodos e propostas no sentido de

modernizar as técnicas de trabalho consideradas atrasadas. Assim, os chamados “Institutos de

356 GEHLEN, A luta pela terra no Sul a partir do caso dos colonos de Nonoai, p. 151. 357 OLIVEIRA, O contexto da Igreja Católica do Brasil, p. 5.

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Educação Rural” eram destinados a rapazes maiores de 17 anos, filhos de agricultores

sindicalizados, e as Escolas de Educação Familiar, para moças.358 Nessas escolas, os alunos

permaneciam um mês internados e um mês em casa, para que pudessem aplicar os

ensinamentos recebidos. Entre as disciplinas do curso constavam: português, matemática,

geografia, história, moral e cívica, cooperativismo, sindicalismo, higiene, saúde, agricultura,

pecuária, eletricidade, instalações hidrálicas e construções rurais.359

O Projeto Educação Rural, organizado e liderado pela FAG, procurava reforçar o

conteúdo doutrinário de sua proposta, que consistia na política de mobilização e organização

do campesinato.360

Em 1978 o bispo de Santo André apoiou a greve dos metalúrgicos do ABC paulista; as

Campanhas da Fraternidade marcavam uma posição ao lado dos oprimidos; alguns religiosos

apoiavam as lutas dos sem-terra, as greves e as ocupações urbanas. Essas ações mostravam a

posição da Igreja frente aos oprimidos, fato que foi criticado pela ala conservadora dentro e

fora da instituição. Ficava, pois, evidente a existência de uma divisão nos setores eclesiásticos

da Igreja, opondo, de um lado, o setor comprometido com as classes populares e, de outro, o

setor comprometido com as elites dirigentes.

Diante desse quadro, no tocante aos Clubes 4-S, sempre houve a presença da Igreja

nas celebrações religiosas, nas exposições e nas festividades, pois as lideranças que ajudavam

nas capelas e na catequese eram as mesmas dos Clubes 4-S. Assim, o trabalho que

desenvolviam com a agricultura era isolado, mas nas atividades religiosas muitas vezes

uniam-se com os grupos da Igreja. Percebe-se a ligação da Igreja com a juventude rural na

longa exposição que segue, obtida em entrevista com o atual bispo da Diocese de Passo

Fundo, dom Ercílio Simon:

Os Clubes 4-S eram organizados em nossas comunidades e tinham o apoio não apenas da Igreja como entidade, mas também das lideranças da Igreja lá nas comunidades, porque eles traziam algo de bom para a juventude na medida em que conseguiam reunir os jovens. Naquele tempo, havia muito mais jovens no interior,

358 NORA, Helenice Aparecida Derkoski Dalla. A organização sindical rural no Rio Grande do Sul e o surgimento do sindicato dos trabalhadores rurais de Frederico Westphalen (1960-1970). (Mestrado) - UPF, 2002, p. 77. 359 Idem, p. 78. 360 Idem, p. 80.

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que hoje não tem, e conseguiam reunir, transmitir a eles novidades tecnológicas. Ou então era um modo social de se encontrar. Os clubes tinham o apoio da Igreja, mas não era uma atividade eclesiástica como tal. Era uma atividade organizada pela Ascar civil, mas que tinha um valor humano e por isso merecia apoio da Igreja. Então, nós cediamos salões para os encontros. Às vezes, numa demonstração de técnica nova na propriedade vizinha, precisavam se reunir para o almoço, ali estava o salão à disposição. Quando havia festividades maiores, eles convidavam representantes da comunidade da Igreja. A gente participava num sentido mais de apoio e incentivo porque era uma coisa boa para o mundo rural de então. A minha relação não foi de organização, foi mais numa linha de incentivo, de apoio e de disponibilizar aquilo que era da Igreja para o trabalho. Normalmente, era o agrônomo da Ascar e uma assistente social que se preocupavam com o conteúdo[...]. A reação da Igreja foi de apoio, jovens formados já em movimentos de Igreja, naqueles anos, 68. Estava se operando uma mudança nas atividades da Igreja junto à juventude rural nos anos de 68/69, anos críticos da ditadura. Todos os movimentos de conscientização sofreram um bocado: a JAC , 67, 68, 69; a Juventude Agrária Católica. Mas muitos líderes formados ali encontraram nos 4-S uma maneira de continuar trabalhando pela comunidade. A Igreja, muito antes disso, aqui principalmente, na nossa região, sempre teve uma relação muito íntima com o mundo da agricultura. Já nos final dos anos 50/60, tinha as semanas ruralistas, que se organizavam na cidade e vinham técnicos do governo estadual. A Igreja tinha, como tem ainda hoje, o poder de juntar a população e juntava naquela ocasião para a finalidade de melhoria da população, novas tecnologias para o mundo agrícola como um todo. Terminada essa fase de semanas ruralistas, começou a fase de sindicalização do mundo rural. Isso em 62/63. Aí surgiu a Frente Agrária Gaúcha, que fez com que fossem fundados os sindicatos de quase todo o Rio Grande do Sul. A Igreja aí tomou a dianteira: os agricultores precisavam se sindicalizar, não confiavam em ninguém e aceitavam a palavra da Igreja; preparou lideranças e foram fundados sindicatos. Hoje é uma realidade bem firme, mas naquele tempo não tinha essa firmeza. Então, essa tradição da Igreja na região à Frente Agrária Gaúcha se distinguiu pela sindicalização dos agricultores, pela formação de lideranças e pela formação da juventude. Mais ou menos concomitante aos Clubes 4-S, nós tinha uma escola de educação rural em Tapera que atendia a toda a região. Os jovens, na época, tinham menos trabalho na agricultura; depois do plantio, enquanto crescia a plantação, eram recolhidos por um mês e meio, com agrônomos, com técnicos e também numa linha de sociabilização. Alguém da cooperativa dos sindicatos também orientava e durou até 62/63. Praticamente junto com isso tinha o trabalho da Juventude Agrária Católica, que terminou mais ou menos na mesma época 68/69. Então, era uma ligação muito grande e, como a gente via que a Ascar começou a dar uma atenção também ao mundo rural, não houve problema, houve um apoio, era uma continuidade na linha técnica. Toda a iniciativa, por melhor que seja, tem uma oposição aqui, uma oposição dali, mas eu não me lembro de uma oposição maior em relação aos 4-S. Às vezes eu fico pensando, quando ando pelo interior, hoje em dia e vejo essas placas Frangosul, Perdigão, que também são coisas internacionais, eu lembro que naquele tempo tinha dos 4-S: “Aqui mora um 4-S”.

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A Igreja também foi um fator de aglutinação no sentido de que, sendo um elemento religioso elemento presente forte, naquele tempo mais ainda. Então, se vinha o padre, tinha a missa, era domingo, vinham mais pessoas e facilitava para quem promovia os Clubes 4-S.361

Nas atividades dos Clubes 4-S, a presença do padre desempenhava um papel que ia

além do religioso, pois era importante mostrar o apoio da Igreja ao trabalho de extensão,

sendo o interesse desta ganhar maior credibilidade junto ao povo rural.

Da mesma forma, a Igreja apoiava o trabalho naquele momento, pois muitos jovens

que participaram da JAC posteriormente passaram a ser sócios dos Clubes 4-S, e a Igreja

também desenvolvia um trabalho no sentido de preparar o jovem agricultor, orientando-o, nos

Institutos de Educação, para a utilização de novas tecnologias. Esses aspectos foram

ressaltados pelo padre Darci Treviso:

Acho que uma característica da época, algo pioneiro, era assim que a Igreja procurava fazer um trabalho no meio rural. Inclusive tinha o dom Cláudio Colling, que incentivava a Frente Agrária Gaúcha, e o próprio dom Ercílio Simon, que hoje é bispo. Ele fez a faculdade de agronomia pra ajudar, era o pensamento na época que dois padres, um é professor ainda hoje da faculdade de agronomia, o padre Carlos Kipper e o dom Ercílio, fizessem a faculdade de agronomia como padres pra orientar no meio rural. Então, ali era um incentivo pra que os jovens pudessem se qualificar. Eu lembro algumas coisas, assim, da época, que, quando se fazia cursos, encontros, congressos de jovens, buscava-se assessoria da Ascar, procurando técnicas. Eu lembro de um estudo em que foram feito comparativos dos custos de produção, orientar os agricultores sobre quanto custava a produção, comparar o custo dos produtos, quantas sacas pra comprar um equipamento, alguns cursos de trabalho manual. Pra época era um avanço porque realmente a Igreja é que motivava a comunidade pra isso inclusive, os técnicos aproveitavam os dias que a comunidade se reunia pra ter missa, para depois reunir as lideranças. Tinha, às vezes, os encontros, exposições de trabalhos, se fazia celebração, congressos de jovens. Era um pouco isso que se fazia. Da parte da Igreja era um trabalho mais de incentivar do que realmente técnico, de orientar. Mas a força da Igreja, a presença da Igreja no meio rural era bastante forte. Eram comunidades bem mais numerosas do que hoje, tanto é que o bairro São Cristóvão é um bairro que cresceu nesse canto de Passo Fundo, com o pessoal que

361 SIMON, Ercílio. Atualmente é bispo da Diocese de Passo Fundo e na época, participava como padre nas atividades festivas e religiosas promovidas pelos Clubes 4-S; cursou agronomia na UPF para, justamente, ser o representante da Igreja local na atuação com os jovens, seja em escolas rurais, seja diretamente nas comunidades.

Page 192: Dissertação 4-S

veio do interior. A população da vila Planaltina é uma população que veio do interior de Nossa Senhora das Graças, São José. Muitas lideranças da época hoje estão na cidade, lideranças treinadas que não ficaram no meio agrícola, mas que continuaram sendo lideranças urbanas do Banco Sicredi, sindicato, cooperativa. Eu acho que o Clube 4-S teve um grande mérito, além do específico do setor agrícola que preparou. 362

Portanto, no período, o trabalho dos Clubes 4-S estava em correspondência com o

trabalho da Igreja; já, após o final do período da ditadura, a Pastoral da Juventude iniciou

um trabalho com a juventude rural, incentivando a formação de grupos de jovens. A partir,

daí surgiram críticas ao trabalho desenvolvido nos Clubes 4-S, as quais foram percebidas por

uma extensionista, que assim relatou:

O padre, falecido já hoje, Luis Serraglio, apoiava muito o nosso trabalho. Depois entrou o grupo de jovens nos trabalhos da Igreja e eles não fechavam muito com nós porque eles diziam que, como o 4-S foi baseado no Clube 4-H dos EUA, não era brasileiro, mas a idéia só foi as quatro letras. O trabalho era nacional mesmo, não tinha nada a ver, tinha até Clube Nacional dos 4-S. Nós uma vez fomos levar os jovens para Brasília, para um encontro. Foi fantástico, tinha gente de todo o Brasil, tinha bastante intercâmbio. Foi muito bom o trabalho na época.363

Com base no relato transcrito, nota-se que, após o fortalecimento dos grupos de

jovens da Igreja, surgiram alguns questionamentos a respeito da introdução dos Clubes 4-S e

da participação de multinacionais como colaboradoras do trabalho.

Segundo a posição da Pastoral da Juventude, com o enfraquecimento e a dissolução

da JAC, a juventude rural ficou à mercê de esquemas alienantes que impediam a sua

articulação e seu maior compromisso com a realidade. Assim, muitos de seus militantes

aderiram a grupos clandestinos de luta contra o regime militar, abandonaram a sua prática, ou

se venderam ao regime. A crítica da Pastoral da Juventude aos Clubes 4-S pode ser

percebida nesta argumentação:

Outro esquema criado pelo governo para alienar os jovens da roça foram os Clubes 4-S ( saber, sentir, saúde e servir), que são cópia dos Estados Unidos da América do Norte, onde eram chamados de 4’Hs (head, heart, health, hand), que traduzidas significam: cabeça, coração, saúde e mão. Nos EUA ainda hoje existem e são conhecidos também como Associação dos Jovens Fazendeiros.

362 DARCI, Treviso. Entrevista... 363 MATZEMBACKER, Elma. Entrevista ...

Page 193: Dissertação 4-S

Quem dá assistência a esses clubes no Rio Grande do Sul atualmente é a EMATER através de seus extensionistas, técnicos e agrônomos. São financiados na sua grande maioria por empresas nacionais e multinacionais, bancos privados e públicos ligados à agricultura, portanto exploradores dos colonos, bem como outros organismos públicos, estaduais e federais. O principal objetivo destes grupos é a difusão de modernas técnicas de produção, com maior consumo de insumos industrializados, aumentando ainda mais a dependência de nossa agricultura ao grande capital. Toda cultura e experiência do agricultor, acumulada com longos anos de convivência com a terra, não é valorizada. Impõe-se uma outra cultura sem o mínimo diálogo e participação do agricultor. Investe-se no jovem e assim joga-se filho contra pai criando divisões nas famílias e nas comunidades. Outro detalhe: nos Clubes 4-S os jovens tem pouco poder de decisão, vindo quase tudo pronto das instâncias superiores, isto é, do Conselho Estadual de Clubes 4-S que é dirigido por um alto funcionário da Secretaria da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul e pela EMATER. (grifo nosso).364

No texto, as expressões, “exploradores”, “invasão cultural”, “falta de diálogo”, “tudo

pronto” são utilizadas nas críticas de grupos da Igreja em relação à extensão rural. A falta de

organização de classe por parte dos jovens também passou a ser destacada:

Organização de classe

Daí decorre também a dificuldade de uma organização do jovem rural em torno de questões significativas para ele. Ele considera mais ou menos pecaminoso assumir uma atitude combativa, uma organização que pressione, que reivindique direitos. Ele aprendeu a ser submisso. Ele procura soluções individuais para os problemas econômicos. É fraco o sentido de classe. Enfocando ainda a questão da organização, observa-se que há tentativas encabeçadas por organismos do governo, como por exemplo, a EMATER, que organiza os Clubes 4-S. Em alguns lugares se consolidaram. Mas continuam muito questionados. Gente da Pastoral da Igreja se sente “roubada” diante do que consideram uma absorção dos jovens para esta organização. Salvo juízo melhor, eu diria que os Clubes 4-S, enquanto reúnem, desinibem jovens e lhes proporcionam um padrão mais técnico para suas atividades rurais, não significam “invasão no campo”. O problema fundamental está nos objetivos últimos: educar para dentro do sistema. É claro que um organismo do nosso governo não vai desenvolver um espírito crítico que vá a raiz dos problemas. Teme-se, por isso, que os jovens permaneçam muito bem ocupados, mas com uma cortina de fumaça diante dos olhos.365

Com isso observa-se uma certa disputa dentro da própria Igreja, e governo para a

orientação da juventude rural, de modo que modelo norte-americano seguido pelos Clubes 4-

S passara a ser questionado.

Os Clubes 4-S

Saber, sentir, saúde, servir. São quatro palavras bonitas que iniciam por S. Por causa disso, estes Clubes de jovens têm este nome. Estão espalhados por este interior a fora.

364 PASTORAL da Juventude Rural. op. cit., p. 23. 365 Organização de classe. Mundo Jovem. jun./83, p. 5.

Page 194: Dissertação 4-S

Ao contrário dos Grupos de jovens, os Clubes 4-S são criados com objetivos muito claros. Anos atrás, foi a antiga ASCAR e hoje é a EMATER que os cria e orienta. Como todo mundo sabe, a EMATER é um órgão que visa convencer os colonos a entrar na política agrícola do governo. Assim como a ASCAR, a EMATER também segue a orientação norte-americana quanto ao extensionismo rural, portanto a ideologia de um país rico que domina o nosso. A EMATER acredita que os colonos vão mal porque não podem produzir. E acham também que os colonos mais velhos são muito cabeçudos para aprender novas técnicas de produção. Então, os Clubes 4-S são um meio de “fazer a cabeça” dos jovens colonos para que eles aprendam a plantar como os americanos plantam. Assim, no Brasil se consumirá mais produtos das multinacionais para a agricultura. Nos Clubes 4-S, os jovens têm pouco poder de decisão. A orientação vem de cima, da EMATER. Isto não quer dizer que não haja alguns Clubes 4-S se livrando desses esquemas e atuando com objetivos mais amplos do que assimilar técnicas e produzir.366

Portanto, as críticas aos Clubes 4-S aumentavam e muitos jovens já estavam deixando

de participar dos Clubes 4-S. Na década de 1980 muitos desses clubes estavam encerrando

suas atividades. Nesse período, consolidaram-se os grupos de jovens da Pastoral da

Juventude, e muitos jovens passaram a participar deles no meio rural. As dificuldades

iniciais para um trabalho mais efetivo dos jovens nos grupos são ressaltadas em texto da

revista Mundo Jovem:

Grupos de jovens

Verifica-se o despreparo de líderes para coordenar grupos e mesmo adultos para assessorá-los. Falta de material adequado para grupos de jovens do meio rural. A maioria dos grupos são “folclóricos” e festivos. Ocupam-se mais com festinhas, bailes, galinhadas... com o fim de excursionar... Isto tudo impede a formação e uma atuação mais comprometedora. Outros grupos são assistencialistas. Ocupam-se em arrecadar dinheiro, agasalhos e mantimentos para os mais necessitados. Falta de novo a busca das causas que produzem pobres, necessitados. A EMATER também se torna um problema no meio rural, porque se aproveita da estrutura dos grupos de jovens para uma mera orientação técnica e individualista. Concluindo, é bom que se ressalte a necessidade de que os jovens rurais tomem mais conhecimento de sua realidade. Que não embarquem no tradicional chavão: “Os jovens são o futuro do Brasil...”. Ou então: “Isto é problema dos mais velhos...’ É necessário tomar consciência de que em toda a vida, em todas as idades deve haver envolvimento com os problemas da comunidade, da sociedade, sempre em vista de uma transformação para uma sociedade mais fraterna, justa e participativa.367

Assim, os grupos de jovens da Igreja também passaram a atuar no meio rural com um

trabalho voltado para a reflexão crítica sobre a comunidade, a sociedade. Esse trabalho

366 Os clubes 4-S. Mundo Jovem. jul./83, p. 15.

Page 195: Dissertação 4-S

coincidiu com o fim dos Clubes 4-S, que, em 1978, foram encerrando suas atividades no

distrito de São Roque, período do fechamento da Ascar em Passo Fundo.

4.9 As redefinições do trabalho de extensão em Passo Fundo

As atividades dos Clubes 4-S encerraram-se no distrito de São Roque no final da

década de 1970 e, conforme depreendemos dos depoimentos das pessoas entrevistadas,

motivo atribuído para isso foi o fechamento da Ascar. Em 1978, a Ascar seria incorporada à

Emater/RS, rescindindo-se, então, os convênios existentes o que provocou uma divisão em

nível estadual e municipal em relação a essa determinação do governo federal.

Conforme foi visto anteriormente, o modelo de extensão rural e as orientações para a

sua implantação no Brasil vieram dos Estados Unidos. Dessa forma, foi criada a estrutura

para que o sistema funcionasse e proporcionou-se o suporte financeiro e treinamentos para

técnicos.

O serviço de extensão rural não se inspirou na realidade brasileira e mostrou-se muitas

vezes inadequado; assim, várias políticas e métodos foram experimentados no sentido de

ajustar-se às transformações que ocorriam dentro e fora do país, operadas pelo capitalismo. 368

Vimos que, inicialmente, o trabalho concentrava-se na família rural, na comunidade

orientando os agricultores para que melhorassem suas condições econômicas e sociais,

aumentando a produtividade agrícola e ,consequentemente, a renda e o bem-estar.

No período de criação da Acar, a AIA aliou-se ao governo mineiro e, por intermédio

da Caixa Econômica Estadual, introduziu o Crédito Supervisionado, que permitiu a realização

das primeiras experiências de modernização do setor rural. A assistência creditícia voltava-se

para o pequeno proprietário rural e sua família e os planos de exploração agrícola eram

elaborados pelos extensionistas.

A criação da Abcar em 1956, como órgão centralizador da extensão rural brasileira,

possibilitou o traçado de uma política nacional de extensão rural, que passou a ser cada vez

367 Grupos de jovens. Mundo Jovem. Nov./83, p. 1. 368 BARROS, Princípios de ciências sociais para a extensão rural, p. 665.

Page 196: Dissertação 4-S

mais comprometida com a política vigente. Dessa forma, a preocupação era ampliar as bases

sociais da ação extensionista na tentativa de obter ganhos políticos.

Quando o programa de extensão rural brasileiro estava bem organizado e

encaminhado, a AIA concluiu sua participação direta, mas continuava como financiadora e

consultora dos projetos extensionistas. A partir daí, começou a declinar a influência

americana até que a AIA encerrou sua participação em 1969 e o ETA, em 1980.369

Ao longo do tempo, houve a substituição do Crédito Rural Supervisionado para

Crédito Rural Orientado; com essa modificação, o sistema de crédito ficou sob o controle da

rede bancária, conveniada com os órgãos do extensionismo. A preferência, então, passou a

ser os grandes produtores, que cultivavam os produtos de exportação, pois o pequeno produtor

não apresentava condições para a rápida integração na economia do país.370

A partir de 1966, as atividades extensionistas passaram a ser regulamentadas e

integradas ao Ministério da Agricultura e, com isso, caberia à Abcar seguir as diretrizes da

política de desenvolvimento agrícola e agrária do governo federal.

O enfoque educacional do trabalho da extensão rural foi substituído pelo econômico;

assim, o caráter assistencial perdeu o seu sentido e ocorreu também uma redefinição do

público extensionista. Ao invés dos pequenos e médios, a prioridade, agora, era assistir

aqueles agricultores que explorassem comercialmente sua propriedade, enfatizando planos

regionais e integração de vários órgãos. Portanto, o público da extensão rural passou a ser os

grandes empresários, pequenos e médios agricultores.

O governo apresentou-se como única fonte capaz de dar continuidade ao projeto

extensionista e assumiu o papel de empresário, criando em 1974 a Empresa Brasileira de

Assistência Técnica e Extensão rural (Embrater), empresa pública vinculada ao Ministério da

Agricultura, dotada de personalidade jurídica de direito privado e autonomia administrativa.

Extinguiu-se, então, a Abcar, que era uma associação civil sem fins lucrativos, de direito

jurídico privado.

Nos Estados recomendava-se a criação de Empresas Públicas Estaduais de Assistência

Técnica e Extensão Rural (Emater), em substituição às Associações de Crédito e Assistência

369 FONSECA, A extensão rural no Brasil: um projeto educativo para o capital, p. 174. 370 BARROS, Princípios de ciências sociais para a extensão rural, p. 674.

Page 197: Dissertação 4-S

Rural (Acar, Ascar, Ancar), que eram associações civis, sem fins lucrativos, de direito

privado. Segundo Olinger:

Todos os estados, com exceção do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, criaram as Emater e extinguiram as Associações Civis. Nos três Estados citados permaneceram a Ascar, a Acaresc e a Acarpa, embora criassem também suas Emater. A diferença é que nos referidos Estados as associações passaram a ser contratadas pelas Emater para continuarem executando os serviços de extensão rural.371

Essa atitude foi considerada por Olinger como “inteligente”, pois a Abcar e suas

associadas eram consideradas sem fins lucrativos, filantrópicas e, por isso isentas do

pagamentos de obrigações sociais, impostos e taxas. Essas isenções representavam uma

economia de 25%.

Com a Embrater a preocupação centrou-se no aumento da produção e da

produtividade, esquecendo-se do produtor, elemento dinâmico no processo produtivo. Sua

preocupação maior passou a ser o aumento das exportações, como meio de atrair divisas para

o país e, assim, a política orientou-se no sentido dos grandes proprietários, com base na

difusão de novas tecnologias.

A modernização da agricultura foi colocada, progressivamente, em execução,

provocando mudanças profundas nas formas de organização da produção e da sociedade

agrária. Nesse contexto, o modelo difusionista- inovador direcionado a pequenos e médios

produtores foi perdendo o sentido, pois, em razão do sucessivo processo de expropriação a

que haviam sido submetidos, os agricultores não podiam responder satisfatoriamente à

difusão do ethos empresarial.372

Vimos, em linhas gerais, como ocorreu a criação do sistema nacional de extensão rural

no Brasil e as alterações que ocorreram na filosofia extensionista até a sua centralização,

quando a Abcar foi substituída pela Embrater e, nos estados, as Associações de Crédito e

assistência rural, substituídas pela Emater. Isso, contudo, não ocorreu de forma homogênea,

pois em alguns estados, bem como municípios, conforme veremos a seguir, não houve acordo

imediato sobre essa medida governamental.

371 OLINGER, Ascensão e decadência da extensão rural no Brasil, p. 125. 372 FONSECA, A extensão rural no Brasil: um projeto educativo para o capital, p. 178.

Page 198: Dissertação 4-S

Na região de Passo Fundo, as cidades de Esmeralda, Lagoa Vermelha, Espumoso,

Tapera, Ibirubá e Colorado já contavam com os escritórios da Emater/RS, e vários outros

estavam sendo inaugurados na região. Mas em Passo Fundo, o prefeito Wolmar Salton não

firmou de imediato o convênio com a Emater. A imprensa jornalística relatou o

acontecimento:

EMATER VAI DEIXAR PASSO FUNDO POR NÃO TER A PREFEITURA

RENOVADO O CONVÊNIO

Após a realização de um ótimo trabalho em nossa cidade e no interior do município, durante quase 23 anos, a ASCAR, atualmente vinculada a EMATER, vai transferir o seu escritório para o vizinho município de Marau, por culpa única e exclusivamente da Prefeitura Municipal de Passo Fundo que não quis renovar o convênio com a Emater. Em conseqüência disso, os agricultores de Passo Fundo ficarão completamente abandonados e quando necessitarem resolver problemas com Proagro, Pronazen e Habitação Rural, terão que se deslocar até o município de Marau. Por outro lado, os pequenos agricultores que vinham sendo assistidos pela Emater vão ter que pagar os seus Projetos à empresas particulares porque a Secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio, não será credenciada, a nível nacional para realizar o atendimento que vinha sendo feito pela Emater. A Ascar encerra definitivamente suas atividades em Passo Fundo no próximo dia 30 do corrente mês. Estarão deixando igualmente nossa cidade, cinco Engenheiros agrônomos, (dois técnicos em semente; dois técnicos em trigo e soja e um técnico em gado de corte), além de uma extensionista rural. A Prefeitura se fizesse o convênio com a Emater, pagaria pouco mais de CR$ 260 mil cruzeiros nesse ano de 1978, mas, por certo, teria um retorno muito maior de ICM com a permanência desses técnicos e seus familiares em Passo Fundo, 65% das verbas para a EMATER são provenientes do Governo federal 20% do Estado e apenas 15% do município, limitados em CR$ 300 mil, por ano. Amanhã, Sexta-feira, o Dr. Fernando Sereno de Castro, responsável regional pela Emater, estará devolvendo todos os móveis do escritório local ao prefeito Wolmar Salton, uma vez que são de propriedade da prefeitura Municipal. Com isso, caem por terra algumas insinuações feitas por emedebistas locais de que os escritórios da Emater eram atapetados, etc... A reportagem do Diário da Manhã conseguiu apurar ainda que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Passo Fundo, sentindo a gravidade do problema ofereceu as instalações do seu novo prédio para os escritórios da Emater, poupando uma despesa anual da ordem de CR$ 48 mil para a Prefeitura. Assim mesmo, o convênio não foi renovado.373

Com o exposto, verificamos que houve alguns transtornos relacionados à afirmação do

convênio com a Emater. Em vista da situação, o prefeito na época enviou uma carta ao

Diário da Manhã com o intuito de esclarecer a situação.

Page 199: Dissertação 4-S

[...] Que não foi proposta renovação de convênio com a ASCAR, que perdurava há 23 anos, porque ela foi extinta, absorvida ou encampada pela EMATER, e sim celebrado contrato inicial com esta nova empresa. O convênio com a ASCAR era em condições favoráveis, com dispêndio, pela Prefeitura de 77 mil e 40 cruzeiros para o exercício de 1978, mais o aluguel de parte do prédio por ela ocupado. No tocante a EMATER, as exigências eram muito maiores, praticamente inexequíveis [...]. Assim sendo, em face do vertiginoso aumento contributivo, de exercício para exercício, entendemos que tais recursos poderão melhormente ser empregados em serviços extensivos da própria Secretaria Municipal da Agricultura, Indústria e Comércio, sempre em prol do desenvolvimento da produção rural, exemplo disso é que promoveremos Exposições-feiras de suínos e gado leiteiro, implantação do Projeto de avicultura, em sistema integrado, já em pleno andamento; incentivo a produção de hortigranjeiros, com cessão em comodato de área do município; cursos de formação de mão-de-obra rural, dirigidos diretamente aos nossos agricultores; colaboração constante com o INCRA, com funcionários a disposição dos proprietários rurais; moderna e bem equipada patrulha agrícola mecanizada, para a prestação de serviços aos pequenos e médios agricultores. Vale ressaltar que não foi somente Passo Fundo que não celebrou convênio com a EMATER. Outros municípios também não o fizeram. Sabe-se, igualmente, que a própria Assembléia Legislativa rejeitou o Projeto de Lei n. 116/75, do Governo do Estado, relacionado à EMATER, o que se verificou em 30/6/76.374

Após esses esclarecimentos, o prefeito afirmou, quanto à situação dos agricultores, que

não ficariam desamparados, pois poderiam contar com um grande número de técnicos ligados

ao setor agropecuário que atuavam gratuitamente nas empresas particulares do município. O

mandatário passo-fundense encerrava a carta ressaltando que “um convênio para ser

firmado, tem que ser considerado bom para ambas as partes. A insistência com que a Emater,

ou seus prepostos, agem para consegui- lo, parece ser de interesse unilateral”[..].375

Apesar do período da ditadura, em que se permitiam poucas manifestações ou

resistências contra as ações do governo federal, no Rio Grande do Sul a Assembléia

Legislativa não havia aprovado o projeto de lei nº 116/75, que criava a Emater. Caporal

esclarece essa situação:

Los diputados, al contrario de la empresa pública propuesta por el gobierno, aprobaron un “proyeto sustitutivo”, presentado por la oposición, que creaba una Autarquía llamada Instituto de Asistencia Técnica y Extensión Rural, que por razones políticas obvias fue vetado por el Governador. En el vazío dejado por el embate político, el govierno del estado del Rio Grande do Sul, ante las determinaciones del govierno federal, se articularía com las entidades involucradas y com sectores de las elites políticas y econômicas y crearía la EMATER/RS, en

373 Emater vai deixar Passo Fundo por não ter a prefeitura renovado o convênio. Diário da Manhã, Passo Fundo, 22 jul. 1978, p. 1. 374 Prefeito Wolmar Salton diz porque não foi firmado convênio com a Emater. Diário da Manhã, Passo Fundo, 23 jul., 1978, p. 8. 375 Id. ibid.

Page 200: Dissertação 4-S

1976. La empresa sería creada como una entidad civil, de derecho privado y sin ánimo de lucro, como establece el artículo primero de sus estatutos. 376

Dessa forma, a partir de 1976, a Emater/RS assumiu o serviço de extensão rural,

cada vez mais subordinado ao governo federal no tocante à política agrícola, conforme relata

Caporal:

La EMATER/RS nació, pues, bajo las orientaciones ideológicas y el comando político del estado autoritário y dictatorial de la época, lo que no es, por supuesto, transferible de manera integral a su forma de organización y acción, pero que, de toda manera, vendría a tener consecuencias importantes en sus decisiones y en su práctica, por la subordinación de la entidad a los gobiernos y sus distintas políticas para el medio rural. Desde entonces, la EMATER/RS y la ASCAR existen como empresas del sector privado. No obstante, mediante un convenio com el governo del estado, la empresa asumió la responsabilidade por los sevicios públicos de asistencia técnica y extensión rural, debiendo el governo estadual participar com recursos financeiros para cobrir parte del presupuesto de la empresa, además de asumir el control político, mediante la participación del Secretario de Agricultura como presidente del Consejo Técnico y Administrativo, que es la instancia superior de la administración de la organización.377

Diante disso, nota-se que fatores de ordem política interferiram na transição

Ascar/Emater em nível de estado e também em alguns municípios, como o de Passo Fundo.

Essa transição tinha o objetivo de centralizar as ações dos serviços de extensão no estado,

assim como ocorrera em nível federal com a criação da Embrater.

No distrito de São Roque, os Clubes 4-S pararam de funcionar no período em que foi

fechada a Ascar em Passo Fundo, pois houve uma dispersão: alguns jovens passaram a

participar dos grupos de jovens da Igreja; outros foram estudar na cidade e os agricultores

encontravam-se envolvidos em várias atividades no meio rural, como Sindicato dos

Trabalhadores Rurais, lideranças nas igrejas. No tocante à assistência técnica, podiam contar

com a cooperativa, de acordo com este depoimento:

Teve um prefeito que extinguiu a Ascar mas naquela época nós não sofremos porque tinha a cooperativa, que tinha muito mais técnicos que a Ascar. Mas depois, o próximo prefeito renovou o convênio e daí voltou a Emater, ficou uns três anos. Foi o Prefeito Wolmar Salton. 378

376 CAPORAL, La extensión agraria del sector público ante los desafíos del dasarrollo sostenible : el caso de Rio Grande do Sul, Brasil, p. 74. 377 Idem, p. 75. 378 MAFFI, Walter. Entrevista...

Page 201: Dissertação 4-S

Conforme o relato transcrito, nesse período a cooperativa prestava assistência social e

técnica, o que também foi destacado na imprensa local:

Conheça sua cooperativa – assistência social e técnica

A prestação de assistência aos associados é uma das características que distingue as sociedades cooperativas, das demais sociedades. A Cooperativa Tritícola de Passo Fundo vem prestando assistência médico-odontológica ao seu quadro social, estendendo essa assistência aos seus funcionários, na forma de seus estatutos. E para tanto, mantém convênio com quatro médicos, quatro odontólogos, e uma enfermeira, e, ainda um ônibus-ambulância cedida com convênio com o Funrural, que leva assistência ambulatorial ao domicílio do associado. Através de seu departamento técnico que conta com a experiência necessária de oito engenheiros agrônomos, seis técnicos agrícolas e um veterinário. A cooperativa vem prestando, ampla assistência a seus associados. Em seu último exercício, fora realizadas 2020 vistorias a lavouras de pequenos, médios e grandes agricultores. Foram feitas 216 reuniões, com a freqüência de 10.869 pessoas. Nesse mesmo ano, foram realizadas pelo laboratório, 9.827 análises de sementes de trigo e soja, bem como 1.836 análises de calcário e adubos. O Departamento técnico realiza reuniões sobre o preparo do solo, plantio, colheita e uso adequado de corretivos, fertilizantes e defensivos, procurando ainda a cada visita feita, às lavouras difundir a adoção de novas técnicas tão necessárias ao desenvolvimento agrícola.379

Conforme a matéria trazida em forma de citação, grande parte dos pequenos

agricultores estava associada aos sindicatos, a cooperativas, que prestavam assistência técnica

e social. Por isso, quando se encerraram as atividades da Ascar, os Clubes 4-S foram extintos

no distrito de São Roque. Porém, a assistência aos agricultores foi prestada por outras

entidades, ainda que muito mais no campo técnico produtivo e mais institucionalizada, sob o

mando do Estado. Dessa forma, as atividades dos Clubes 4-S no distrito de São Roque

encerraram-se em 1978, embora, nos municípios vizinhos, citando o exemplo de Marau,

tenham seguido normalmente nos anos seguintes.

De acordo com o que foi abordado anteriormente, no período de 1960 e 1980, os

jovens do distrito de São Roque estiveram envolvidos no trabalho dos Clubes 4-S, que seguia

o modelo dos Clubes 4’Hs dos Estados Unidos, o qual se espalhou por toda a América Latina.

A juventude rural constituiu-se num forte potencial para auxiliar na difusão de

inovações no meio rural, pois, através dos resultados dos projetos realizados, sob a orientação

dos extensionistas e das lideranças, conseguia-se atingir os pais. A realização desse trabalho

contava com o apoio do governo, da Igreja e de outras instituições e estabelecimentos

comerciais e industriais. O trabalho dos clubes incentivava o associativismo, a formação de

379 Conheça sua cooperativa – assistência social e técnica. Diário da Manhã, Passo Fundo, 12 nov. 1976, p. 7.

Page 202: Dissertação 4-S

lideranças, e muitos dos que deles participaram fizeram parte do quadro da diretoria dos

sindicatos e cooperativas.

A partir do programa Operação Tatu é que houve um maior envolvimento dos jovens e

agricultores no trabalho dos Clubes 4-S. A recuperação da fertilidade do solo era uma saída

para o agricultor melhorar a produção, a renda da família e permanecer no meio rural. Assim,

eram feitas lavouras demonstrativas com a aplicação das novas técnicas produtivas, com o

que se obtiveram excelentes resultados no cultivo do milho trigo e soja. Não demorou muito

tempo para que a maioria dos agricultores adotassem as novas técnicas, que consistiam na

utilização de adubos fertilizantes, máquinas e equipamentos agrícolas adquiridos por meio de

financiamentos junto ao bancos e cooperativas.

Assim, no período delimitado para este estudo, os agricultores do distrito de São

Roque foram inseridos no processo modernização agrícola em razão da grande influência da

juventude rural através dos Clubes 4-S e vivenciaram progressos econômicos. Porém, nem

tudo se desenvolveu perfeitamente sob a égide do progressismo técnico do extensionismo

americano implantado no período. Ainda que seus resultados tenham sido positivos na

avaliação dos depoentes, muitos problemas e interesses diversos e contraditórios se fizeram

presentes. No final da década de 1970, quando da extinção e incorporação a outra entidade,

grande parte do processo já tinha atingido sua maturação e seus objetivos já tinham se

realizado: modernizar, inovar, produzir técnica e racionalmente, fo rmar vínculos associativos.

Enfim, a base do trabalho já havia se consolidado e faziam-se necessário a monitoração e a

seqüência. A partir daí, o programa que havia sido enfatizado pela Abcar foi substituído pela

assistência técnica e difusão de novas tecnologias, que exigiam mais capital do que mão-de-

obra, o que contribuiu para acentuar o êxodo rural. No próximo capítulo, a título de

considerações finais, faz-se um apanhado da análise crítica do processo.

Page 203: Dissertação 4-S

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Análise crítica do processo em questão

Na primeira parte deste trabalho, foi visto que a principal economia do estado nas

primeiras décadas do século XX, bem como do município de Passo Fundo, era a pecuária

praticada nas áreas de campo, em contraste com a agricultura, que era uma atividade

secundária, praticada por imigrantes ou descendentes de imigrantes nas pequenas e nas

médias propriedades nas áreas de mata. As áreas de imigração contribuíram para a ampliação

do mercado interno, desenvolvendo um intenso e abrangente comércio dos produtos coloniais,

que possibilitou a vinculação local/regional com a intermediação dos comerciantes.

A partir da década de 1930, com os incentivos governamentais para a produção do

trigo visando a redução de importações, ocorreu a expansão da produção desse produto, que já

era cultivado sem muitos conhecimentos técnicos e apresentava uma produção satisfatória,

comprovando que era uma planta que se adaptava ao clima da região.

Foi a partir de 1950 que se intensificou a agricultura empresarial e a estruturação

comercial para a produção agrícola em Passo Fundo. Havia moinhos de pequeno e grande

porte instalados no município que adquiriam o produto, mas a preferência dos de grande porte

pelo trigo estrangeiro exigiu a intervenção do governo na comercialização do produto,

passando este a ser o único comprador de trigo estrangeiro e nacional, evitando transtornos e

fraudes através da distribuição de cotas aos mesmos.

Os moinhos e os frigoríficos dinamizaram a comercialização dos produtos da

agricultura e pecuária, principalmente de suínos. Também as cooperativas tritícolas foram

organizadas com o objetivo de controlar e atender aos interesses dos triticultores do Estado e

do grande capital, voltado à agricultura, com grandes investimentos na infra-estrutura de

armazenamento e oferecendo financiamentos aos agricultores.

A partir do plantio do trigo com a utilização de uma tecnologia mais avançada, a

agricultura superou a pecuária e, com o plantio da soja, consolidou-se a modernização

agrícola na região. Os granjeiros foram os pioneiros que investiram na adubação, fertilização

e mecanização agrícola, produzindo nas áreas de campo consideradas impróprias para o

Page 204: Dissertação 4-S

cultivo. Inicialmente, dedicaram-se à produção de trigo e, posteriormente ao binômio trigo/

soja. Com as crescentes safras que passaram a colher, aumentaram os arrendamentos e as

aquisições de terras na região.

Assim como o setor agrícola, o setor industrial também passou por uma reestruturação

no sistema produtivo quando a produção industrial passou a investir na fabricação de bens

duráveis, de capital, na década de 1950, e de insumos, na de 1970.

Até 1955, a expansão industrial era financiada com recursos gerados pelo setor

agrícola e, após esse período, esteve cada vez mais vinculada ao capital estrangeiro. A partir

de 1970, a agricultura voltada para a exportação de soja dependia cada vez mais da indústria

de máquinas, de implementos agrícolas, de fertilizantes e de financiamentos. Desse modo, as

indústrias expandiram-se em razão da necessidade de utilizar tecnologia moderna visando

aumentar a produção dos produtos de exportação.

Na década de 1960, as regiões que se destacavam na produção agrícola foram as mais

procuradas para instalação de indústrias que fabricavam produtos voltados para a agricultura,

como foi o caso da região de Passo Fundo. Paralelamente à crescente industrialização,

aconteceu também a urbanização, que esteve relacionada à modernização agrícola, pois esta

ocorreu de forma conservadora, sem alterações na estrutura agrária, acentuando a

concentração de terra, que beneficiava aqueles que conseguiam investir na agricultura e

provocava o êxodo rural dos que não podiam acompanhar o processo.

Os pequenos agricultores, que sempre desenvolveram um trabalho vinculado à terra,

não foram os pioneiros no processo de modernização agrícola e até mesmo viram com

descrédito os investimentos na áreas de campo e, sobretudo, os financiamentos bancários, que

exigiam a hipoteca da terra, bem intocável na concepção do colono. Por isso, até finais da

década de 1950, no meio rural praticava-se a agricultura tradicional e havia uma variedade de

produtos coloniais que era comercializada nas casas de comércio, nos moinhos e nos

frigoríficos.

Além da agricultura, os colonos dedicavam-se ao artesanato; alguns produtos eram

fabricados em pequenos estabelecimentos industriais, como ferrarias, selarias, etc. Uma das

atividades praticadas no distrito de São Roque, e que permitiu a diferenciação em relação aos

demais distritos do município de Passo Fundo, foi a das olarias, que, na década de 1960,

destacaram-se pela expansão do comércio de telhas francesas. No período posterior, as

Page 205: Dissertação 4-S

olarias passaram a fabricar tijolos, os quais, contudo, tinham menor valor de mercado, o que

levou muitos oleiros a investirem mais intensamente na agricultura.

As olarias e os moinhos dinamizaram economicamente o distrito, atraindo pessoas de

outras regiões para o meio rural. Antes da compra estatal do trigo, os agricultores negociavam

o excedente desse produto diretamente nos moinhos maiores instalados no município e a

moagem era realizada nos moinhos coloniais, existentes em grande número no meio rural.

Também comercializavam o trigo na cooperativa, embora não fossem associados, pois

foi no final da década de 1960 que os pequenos agricultores passaram a se associar às

cooperativas aos sindicatos, incentivados nos Clubes 4-S. Esse trabalho contribuiu para

desenvolver na comunidade uma vida social mais ativa, com maior participação da mulher

nas atividades; também houve um envolvimento maior com o centro urbano, através de

passeios, excursões, cursos etc.

Foi nesse cenário de transformação das relações socioeconômicas do meio rural

através da modernização da agricultura, que provocou a seletividade produtiva em termos de

produto e de extrato econômico, que o jovem passou a ser elemento importante na difusão de

novas técnicas, bem como na tentativa da sua permanência como empreendedor no meio

rural, inserido no modelo modernizador que se contextualizou os Clubes 4-S, tornando-se

produto e produtor do processo. Damos, aqui, ênfase a algumas das críticas consideradas

mais pertinentes nessa relação entre modernização, juventude e entidades externas ligadas à

questão.

a) A correspondência com a lógica do capital voltado para a agricultura

O serviço de extensão rural que foi desenvolvido no Brasil, principalmente no período

de 1960-1970, provocou inúmeras críticas, não só referentes aos aspectos pedagógicos, mas

também sociológicos, econômicos e antropológicos. É justamente esse período que abrangeu

a presente pesquisa, pois coincidiu com o estabelecimento das bases históricas da relação

técnico/agricultores na região e, também, com a segunda fase da extensão rural no Brasil,

identificada como “difusionista” ou “produtivista” por alguns autores, como Fonseca,

Caporal, Canuto, Marin.

Page 206: Dissertação 4-S

No período que compreende a segunda fase do serviço extensionista, os interesses do

governo voltaram-se cada vez mais para o aumento da produção e da produtividade dos

produtos de exportação através da incorporação de novas tecnologias no processo produtivo.

Para isso, necessitaram de conhecimentos especializados para auxiliar na qualificação técnica

dos agricultores e de uma reformulação no programa extensionista. Assim, o modelo clássico

de extensão foi substituído pelo modelo difusionista inovador, teorizado por Rogers, que

considerava as relações de ensino-aprendizagem essenciais para a transformação das

sociedades atrasadas em sociedades modernas. Para Marin:

Esta nova filosofia extensionista fazia parte de uma política nacional e até mesmo internacional em que o setor agrícola brasileiro assumiria grande importância no desenvolvimento econômico do país. Para a classe hegemônica no poder, a intensificação da produção agrícola de exportação era vista como necessária para responder aos desafios do controle da inflação, equilibrar a balança de pagamentos, financiar o desenvolvimento mediante a transferência de recursos do setor primário para o terciário e suprir o setor industrial de matérias-primas. Desta forma era colocada uma interdependência necessária entre agricultura -indústria: para os países subdesenvolvidos atingirem o desenvolvimento industrial obtido pelos países avançados, seria necessário um sólido desenvolvimento agrícola. 380

Assim sendo, as práticas usadas pelos agricultores foram consideradas “atrasadas”,

não possibilitando atender aos interesses capitalistas. Fazia-se necessário uma mudança nas

atitudes e aspirações dos pequenos produtores, que os levasse a utilizar as novas práticas

agrícolas (máquinas, insumos, novos procedimentos técnicos) e os jovens, a se tornarem

intermediários nesse processo.

Para isso, o governo incentivou a pesquisa, bem como o serviço de extensão rural, que

orientaria os jovens agricultores na adoção das novas tecnologias. A ideologia difusionista

que passou a fundamentar o serviço de extensão argumentava que a elevação da produção e

da produtividade agrícola e da força de trabalho se daria via transformação tecnológica.

Assim, os agricultores aumentariam a renda e haveria diminuição da pobreza rural e

desenvolvimento social.381, o que se tornava difícil se não ocorresse uma mudança na

estrutura agrária, que oferecesse terra suficiente, meios de produção, mercados de consumo,

etc.

A tecnologia passou, então, a ser vista como o motor que impulsionaria o

desenvolvimento, mas, segundo Canuto, a tecnologia liga-se intimamente às relações sociais

380 MARIN, Conformismo e resistência dos camponeses à extensão rural, p. 56.

Page 207: Dissertação 4-S

e tende a reforçá- las e reproduzi- las.382 A tecnificação ocorrida a partir dos anos 1960 foi

acompanhada de uma forte concentração de terras e de rendas. De acordo com Marin:

As inovações tecnológicas, o crédito agrícola, a eliminação de certas formas não-capitalistas de produção são mudanças que a Extensão rural considera necessárias à estabilidade social. Mas não desejavam que os camponeses analisassem suas realidades sócio-econômico-política e buscassem as necessárias mudanças estruturais. Ao isentar a prática social do envolvimento político e ao deixar ilesas as estruturas econômicas das responsabilidades da pobreza e estagnação do meio rural situa-se num marco teórico que busca integração do campesinato na vida social e econômica do país e consolida a estratificação profundamente desigual existente no meio rura l brasileiro.383

A partir de 1964, com o golpe militar, as forças conservadoras financiaram a

modernização da agricultura, que consistia em mudar o padrão tecnológico, transformando a

agricultura num mercado para a indústria de insumos e geradora de matéria-prima para a

indústria. Todavia, manteve-se a tradicional concentração fundiária, deixando-se de lado a

reforma agrária, que era uma alternativa prevista na legislação federal de 1964, e alterando o

processo produtivo e as relações de trabalho no campo. Dessa forma, não se contrariavam os

interesses das oligarquias agrária e industrial.

De acordo com Ianni, durante o período de ditadura, os governos adotaram

diretrizes econômicas que poderiam ser consideradas do mesmo gênero e, entre os principais

alvos e realizações, destacaram-se:

Reduzir a taxa de inflação; incentivar a exportação de produtos agrícolas, minerais e manufaturados; racionalizar o sistema tributário e fiscal; estimular , sob controle governamental, o mercado de capitais; criar condições e estímulos novos à entrada de capital e tecnologia estrangeiros [...]. Nesses anos (1964-70) o poder público foi levado a interferir praticamente em todos os setores do sistema econômico nacional. Isto significa que o governo reelaborou as condições de funcionamento dos mercados de capital e força de trabalho como “fatores’ básicos do processo econômico.384

Entre os instrumentos viabilizados pelo governo para promover a modernização

agrícola estavam o crédito agrícola, subsídios aos insumos modernos, seguros agrícolas,

garantia de preços mínimos para os produtos mais tecnificados, assistência técnica. Conforme

Marin:

381 CANUTO, João Carlos. Capital, Tecnologia na agricultura e o discurso da Embrater, p. 54. 382 Idem. 383 MARIN, Conformismo e resistência dos camponeses à extensão rural, p. 38. 384 IANNI, Estado e planejamento no Brasil, p. 229.

Page 208: Dissertação 4-S

A política econômica adotada pelos governos pós-64 consolidou o processo de transnacionalização da economia que dera início nos anos 1950. Face a esta nova realidade, tecnologias sofisticadas, próprias dos países industrializados, foram introduzidas no Brasil, através de empresas multinacionais que aqui se instalaram. Estas, encontram-se oligopolizadas, cuja tendência era obter o domínio tanto sobre a dinâmica econômica quanto política e social. As empresas multinacionais alteraram os rumos da modernização agrícola porque dominavam grande parte das tecnologias de produção de máquinas e insumos agrícolas bem como as tecnologias de processamento de matérias-primas e alimentos. A agricultura, outrora auto-suficiente, tornou-se progressivamente dependente dos setores industriais.385

Com isso, os agricultores foram integrados no circuito industrial, estimulados pelo

serviço de extensão rural, que provocou alterações no modo de viver e de produzir das

famílias no meio rural. A extensão, então, assumiu o papel educativo para orientar na

mudança de mentalidade dos agricultores para que ocorresse a modernização do setor

agrícola e, assim, se atingissem os fins econômicos. Para Marin:

A extensão rural, enquanto projeto educativo extra -escolar, foi um importante instrumento do grupo social elementar para o exercício de sua hegemonia, política e cultural sobre os demais grupos sociais. Portanto, a extensão rural apresentava uma concepção própria da realidade, definida como a serviço da classe dominante. Mediante vários mecanismos, a Extensão visava ajustar os camponeses à ordem econômica e social vigente, ocultando as contradições sociais e mantendo coesa toda a sociedade em torno de seus propósitos. Na ótica extensionista, era necessário modernização tecnológica e qualificação da mão-de-obra para obter-se melhores níveis de produção e produtividade e, conseqüentemente, melhor qualidade de vida para a população rural.386

Diante disso, pode-se dizer que, na década de 1970, houve uma continuidade do

projeto educativo para o capital, analisado por Fonseca no período de 1948/68, pois a

mudança da mentalidade dos agricultores para que adotassem as inovações tecnológicas foi

intensificada após esse período. Para a autora:

É possível perceber o que a lógica do capital exigiu da Extensão como um projeto educativo para a zona rural neste período de vinte anos – 1948-1968: que ele fosse um instrumento da reprodução da contradição capital x trabalho no campo, pela ampliação da divisão social e técnica do trabalho neste setor, que necessariamente levaria à expropriação do saber e do trabalho de uma maioria, para que ficasse garantido o domínio e o lucro de uma minoria.387

Portanto, a introdução dos agricultores no processo de modernização agrícola

implicou a mudança das práticas tradicionais de lidar com a agricultura, e as opções para

essas mudanças não foram buscadas por eles, mas vieram ao encontro deles através dos

385 MARIN, op. cit., p. 57. 386 MARIN, op.cit., p. 28. 387 FONSECA, A extensão rural no Brasil: um projeto educativo para o capital, p. 183.

Page 209: Dissertação 4-S

extensionistas, que eram pessoas que não faziam parte do seu convívio diário. Esses tinham

o objetivo de educar a comunidade rural para que adotasse as inovações tecnológicas. De

acordo com Marin, “a teoria difusionista inovadora pressupõe que são as idéias, as habilidades

e atitudes que determinam a realidade social. Basta mudar aquelas para que esta também

mude”. 388 O autor revela os reais interesses da extensão rural:

Sob o manto de ser uma ação “eminentemente educativa”, o programa encobria seus reais interesses econômicos. Era necessário integrar os pequenos produtores no mercado consumidor de máquinas e insumos industrializados e potencializar a produção agrícola para um maior fornecimento de alimentos. Desta forma, o camponês estaria mais envolvido tanto na compra como na venda de mercadorias, tornando possível a extração de seu sobre-trabalho. 389

Para atingir esses interesses, os jovens tornaram-se o grande potencial na difusão das

novas idéias, pois, por serem mais suscetíveis a mudanças, levariam as técnicas agrícolas aos

agricultores através dos Clubes 4-S. Com uma metodologia eficiente baseada no modelo

norte- americano dos Clubes 4’Hs, o serviço de extensão iniciou o trabalho com a juventude

no meio rural, oferecendo cursos e treinamentos para os jovens e lideranças executarem os

projetos demonstrativos.

O trabalho desenvolvido pelos Clubes 4-S era divulgado na imprensa com

grande

destaque, pois contribuía para a legitimação do programa extensionista. Conforme Marin:

Havia necessidade de estabelecer um consenso entre os agricultores, técnicos, líderes, autoridades e consumidores da necessidade de desenvolver a agricultura para passar da fase subdesenvolvida em que o país se encontrava e atingir o desenvolvimento. Deveria atingir todos os tipos de público: os produtores rurais, que valorizam a tecnologia e aceitam as técnicas que transmitem os consumidores compreendendo melhor o programa de produção agropecuária podem melhor valorizar os produtores, os técnicos, os programas e os produtos que chegam a mesa , as autoridades e os líderes conhecendo as demandas e as conseqüências da tecnologia, bem como os processos de sua geração e transferência passam a melhor colaborar na elaboração e legitimação dos programas e medidas para a solução dos problemas apresentados, o grande público informado sobre a racionalidade das ações do governo, voltadas para o desenvolvimento rural, pode melhor se situar, em relação aos esforços desenvolvidos, e adotar atitude de compreensão e de apoio ao setor agropecuário.390

388 MARIN, Conformismo e resistência dos camponeses à extensão rural, p. 66. 389 Idem, p. 42. 390 MARIN, Conformismo e resistência dos camponeses à extensão rural, p. 70.

Page 210: Dissertação 4-S

Inicialmente, o programa de extensão rural apresentava-se como apolítico. Contudo,

segundo Belato, era justamente o seu apoliticismo e neutralidade que tinham caráter

explicitamente político, por ser uma estratégia política, pois garantia-se a confiança dos

agricultores e das autoridades governamentais e propiciava-se a continuidade do trabalho da

organização. Segundo o autor, consistia em não politizar a mudança por que passava o

campesinato sob o capital; tratava-se de evitar que as transformações em curso assumissem a

forma de luta política.391 No entender de Grzybowski, a modernização foi a reforma agrária

ao avesso, a reforma para e pelo capital. 392

Assim ocorreu a “modernização conservadora”, incentivando a penetração do capital

no campo articulada pelas indústrias capitalistas, que se situavam simultaneamente a jusante e

a montante da produção camponesa e modificando profundamente as unidades de produção

camponesas.393 Segundo Belato:

Acreditava-se que a industrialização devesse eliminar a produção camponesa. O capital monopolista, porém, “re-inventou” a produção camponesa, mantendo-a e submetendo-a à sua lógica. Não foi, portanto, necessário destruí-la. Manteve-a rompendo com sua impossibilidade estrutural de absorver de forma ampliada os componentes de capital produtivo. A extração do excedente, outrora fraco, por via mercantil ou por coação extra -econômica, se multiplica mediante sua submissão ao capital e forçando-a a ”acumular capital”, o que lhe permite apropiar-se de um excedente cada vez maior, na medida mesma em que o capital industrial não só subordina o camponês e sua produção, mas o integra ao circuito industrial.394

Dessa forma, o projeto extensionista voltou-se para a educação da população rural,

especialmente dos jovens agricultores, com o interesse de difundir as inovações tecnológicas,

visando intensificar a produtividade agrícola mediante a qualificação técnica dos agricultores

e, com a superação do atraso da população rural, aumentar o lucro dos setores capitalistas

ligados à agricultura.

b) O papel dos extensionistas: a lógica do saber técnico

Para que ocorresse a adoção de um novo padrão tecnológico, tornava-se necessária a

intervenção de agentes no meio rural orientando os agricultores para que modificassem suas

391 BELATO, Camponeses integrados, p.14. 392 GRYBOWSKI, apud MASSELI, Extensão rural entre os sem-terra, p. 37. 393 BELATO, op.cit., p. xvi.

Page 211: Dissertação 4-S

práticas agrícolas e adotassem as cientificamente comprovadas, o que implicaria a aquisição

de produtos e equipamentos industrializados.

A metodologia educacional, bem como a relação extensionistas-agricultores, foi

marcada

pela verticalidade. Conforme Marin, “na extensão rural o conhecimento científico e a

tecnologia eram vistos como verdadeiros, neutros e objetivos, aptos a darem todas as

respostas para a existência social dos camponeses. Na realidade esta postura é ideológica na

medida que serviu para submeter tanto o pensar quanto o agir dos camponeses à lógica do

capital”.395

Entretanto, para alcançar tal objetivo, eram necessárias mudanças profundas, que

implicavam o reposicionamento dos agricultores diante da sua cultura original, e isso exigia a

intervenção de agentes externos ao meio, com um método adequado e munidos de

conhecimento científico. Segundo Lousa da Fonseca:

O problema consiste em mudar normas de comportamento tradicional, a fim de se conseguir uma conduta nova mais conforme às exigências do progresso social técnico. (...) O extensionista se dará conta de que não poderá fazer com que aceitem e adotem – dois termos que não são sinônimos – a inovação inscrita em seu programa a não ser à medida que ele possa modificar o que as pessoas sabem, pensam, crêem, sentem e fazem de uma maneira tradicional. Em outras palavras, torna-se necessária uma ação sobre o plano psicológico.396

Os extensionistas, portanto, seriam os mediadores para introduzir a modernização

tecnológica no meio rural, tendo a indução psicológica como uma prática educacional que

visava à mudança de mentalidade dos agricultores para um comportamento empresarial.

Segundo Gramsci, seriam os intelectuais orgânicos da classe dirigente, cujo fim seria

implementar mudanças nas relações de produção na agricultura. As entidades responsáveis

pelos serviços da extensão rural, na qualidade de instituições da sociedade civil, estão

organicamente ligadas e controladas pela sociedade política.397 De acordo com Marin:

O papel do extensionista no interior da hierarquia da produção capitalista lhe confere uma posição de superioridade e poder em relação aos camponeses. A distribuição desigual do conhecimento técnico-científico, associada a uma imagem de uma sociedade hierarquizada e dividida em diferentes papéis e posições, passa a ser aceita e introjetada tanto pelo técnico como pelo camponês. A manutenção destas posturas fixas dos indivíduos serve para justificar a

394 Id. ibid. 395 MARIN, Conformismo e resistência dos camponeses à extensão rural, p. 236. 396 FONSECA, A Extensão rural no Brasil, um projeto educativo para o capital, p. 51. 397 Ver GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura,Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1985.

Page 212: Dissertação 4-S

intervenção dos técnicos e legitimar as relações verticais e autoritárias nas práticas pedagógicas, configurando uma situação de unilateralização do poder decisório. 398

Os extensionistas ocupavam uma posição diferenciada junto aos agricultores, pois,

sendo agrônomos, veterinários, assistentes sociais, técnicos agropecuários, técnicos em

economia doméstica, geralmente com ensino superior, apresentavam aos agricultores os

conhecimentos cientificamente comprovados e, assim, pouco questionados. Na posição de

profissionais especialistas, facilitavam a expansão capitalista, repassando aos agricultores

apenas conhecimentos não formais, que os qualificavam tecnicamente, mas não os tornavam

mais cultos.

Segundo Gramsci, o papel dos especialistas seria de garantir à burguesia a coesão

ideológica necessária para consolidar e reproduzir a hegemonia sobre as classes subalternas:

“Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial da produção

econômica, cria para si, ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de

intelectuais que lhes dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no

campo econômico mas também no social e no político [...]”. 399

Esses intelectuais especialistas viabilizariam as mudanças desejadas pelo grupo

dominante. Segundo Gramsci, “o velho tipo de intelectual era o elemento organizativo de uma

sociedade predominantemente camponesa e artesanal...A indústria moderna introduziu um

novo tipo de intelectual, o organizador técnico, o especialista em ciência aplicada. Nas

sociedades onde as forças econômicas se desenvolvem em sentido capitalista, até chegar a

absorver a maior parte da atividade nacional, é este segundo tipo de intelectual o que

prevaleceu, em todas as suas características de ordem e disciplina intelectual”. 400

Se, entretanto, por um lado, os extensionistas assumiam o papel de intelectuais diante

dos agricultores, por outro, eles também estavam condicionados aos princípios filosóficos da

extensão rural, que exigia homogeneidade ideológica e procurava apresentar o extensionista

como um homem neutro e apolítico. O extensionista, “em alguns momentos, aparece com

398 MARIN, Orlando Joel. A educação extensionista: uma abordagem gramsciana. Inter-Ação. 19(1-2), jan./dez, 1995, p. 47. 399 GRAMSCI, Os intelecutais e a organização da cultura , p. 3. 400 MACCIONI, Maria Antonietta. A favor de Gramsci. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 189.

Page 213: Dissertação 4-S

função de pura execução e noutras, com função de intelectual”.401 Identificamos aí um dos

limites da prática dos extensionistas apontado por Caporal. Segundo o autor, a extensão rural

era um aparelho ideológico do Estado e sua prática encontrava-se limitada pela aderência da

organização extensionista ao Estado capitalista, pelas normas e regras impostas pela

organização aos seus servidores e, ainda, pelos próprios extensionistas, por sua ação

consciente ou inconsciente. No entender do autor:

A prática dos extensionistas de campo estará sempre limitada em razão da posição de intelectual subalterno e executor que ele ocupa na estrutura do aparelho. Os extensionistas de campo, atuando nos aparelhos de Estado, ocupam um lugar inferior na hierarquia das organizações. Desse lugar subalterno, desempenham a função de agente, enquanto “executor puro” de tarefas, como também uma função de intelectual, num grau de menor importância. O conjunto de suas funções, a serviço do Estado capitalista, leva-os a engajar-se, consciente ou inconscientemente, a favor da hegemonia das classes e frações dominantes.402

Portanto, a prática extensionista encontrava limites por também estar submetida à

filosofia e à organização da extensão rural no Brasil, o que levava a que os extensionistas

assumissem o papel de “intelectuais subalternos” dentro da extensão rural. Essa

conscientização por parte do extensionista provocava, muitas vezes, a divisão entre os que

insistiam numa prática mais humanista, assistencialista, que fora praticada no início do trabalho

de extensão, e aqueles que preferiam seguir a linha “produtivista”.

Marin mostra que os pacotes tecnológicos também se tornaram um forte mecanismo

de dominação dos camponeses e extensionistas, pois eram planejados pelas instituições de

pesquisa

E assim: “Significou um processo de desqualificação do saber dos colonos e a negação da

capacidade criativa de técnicos e colonos. Os pacotes tecnológicos significaram também uma

estratégia de transferência do lucro para os setores capitalistas, uma vez que os custos de

produção excediam a renda obtida na produção”. 403

Entretanto, à medida que o programa educacional da extensão rural promovia o

avanço das forças produtivas, também abria espaços para manifestações das contradições.

Nesse sentido é que se explica a resistência por parte de alguns agricultores, e também

401 CAPORAL, Roberto Francisco. A extensão rural e os limites à prática dos extensionistas do serviço público. Dissertação (mestrado em Extensão rural) - UFSM, Santa Maria, 1991, p. 147. 402 CAPORAL, op.cit., p. 152.

Page 214: Dissertação 4-S

extensionistas, que passsavam a questionar a ação extensionista. Marin ressalta que as

classes subalternas também apresentam suas idéias pedagógicas em conformidade ou

antagonicamente às idéias dominantes e veiculam idéias desenvolvidas a partir de sua prática

social.404

Dessa forma, foi em meio ao conformismo e à resistência dos agricultores que se

desenvolveu o trabalho de extensão rural, conforme destaca Marin:

O modelo educacional extensionista negou a capacidade intelectual do camponês, suas potencialidades criativas e inventivas e, por isso condenou-o a apenas fazer. A viabilização deste processo esteve na submissão e controle de uma maioria considerada “incompetente” e na promoção de uma minoria considerada “competente”. A assimilação acrítica dos conteúdos ideológicos dominantes ao nível do senso comum faz o homem comum agir sem refletir e questionar criticamente. Sem ter consciência teórica de suas ações ele adere conformisticamente a esta concepção de mundo. Porém os mecanismos de reprodução social, através do sistema educacional, nunca são completos e deparam-se com elementos de oposição conscientes ou insconscientes. Os grupos camponeses demonstram capacidade e disponibilidade de reiventar e reconstruir os significados da Extensão rural sob as condições reais da vida e trabalho. 405

Os agricultores, entretanto, reagiam à negação de sua capacidade intelectual, fazendo

adaptações, criando máquinas, ferramentas, ou apegando-se à religiosidade para resolver

questões referentes à produção, e isso, segundo Marin, mesmo que feito “inconscientemente,

mostra a resistência dos agricultores em receber tudo pronto, revelando o seu saber próprio”.

A resistência dos agricultores às inovações técnicas era explicada muitas vezes pela

ignorância atribuída ao povo rural. Segundo Gramsci, a educação e, nesse caso, pode-se

incluir a extensão rural,

mediante o que ensina, luta contra o folclore, contra todas as sedimentações de concepções de mundo, a fim de difundir uma concepção mais moderna, cujos elementos primitivos e fundamentais são dados pela aprendizagem da existência de leis naturais como algo objetivo e rebelde, as quais é preciso adaptar-se para dominá-las. 406

403 MARIN, Conformismo e resistência dos camponeses à extensão rural, p. 238. 404 Idem, p. 158. 405 Idem, p. 236. 406 GRAMSCI, Os intelectuais e a organização da cultura , p. 130.

Page 215: Dissertação 4-S

Com isso, entendemos a preocupação com a educação da juventude rural através dos

Clubes 4-S para formar um novo tipo de cidadão, em conformidade com o desenvolvimento

da sociedade industrial e da modernidade/modernização, o que implicava o abandono do

modo tradicional de viver dos agricultores.

c) Um novo perfil de agricultor e a seletivização no meio rural

Um novo perfil de agricultor fazia-se necessário e com uma nova mentalidade, que

aceitasse as intervenções técnicas, o que nos permite compreender o investimento feito na

juventude rural através dos Clubes 4-S. Conforme a imprensa do Rio Grande do Sul registrava

na época, com os Clubes 4-S, a Ascar alterava a mentalidade rural:

Segundo os técnicos da Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural (Ascar) um dos problemas maiores por que passa a agricultura e, também, a pecuária gaúcha, é a resistência que os velhos agricultores e pecuaristas costumam opor às inovações técnicas, que visam melhorar e aumentar a produção e, por extensão, os lucros. Os jovens, submetidos à vontade do pai, são os primeiros a se revoltarem. Seu idealismo e vontade de progredir se confronta com a estagnação e rotina que se verifica em grande parte das propriedades rurais do Estado. Daí, na primeira oportunidade, o jovem abandona a casa e vai para a sede do município, e, depois, para centros cada vez mais populosos. O nome desta realidade chama-se êxodo rural. Grande parte dos ruralistas que deixam sua terra em busca de melhores condições, atraídos pelo fascínio da cidade grande, é constituída de jovens. A outra parte é composta de famílias inteiras, desesperançadas de tentar arrancar da terra o sustento. Os clubes 4-S, fundados e 1956 (o primeiro), visam introduzir nos jovens toda a sorte de conhecimentos específicos de agricultura e pecuária, bem como noções gerais de higiene. Cerca de 11 mil ruralistas de doze a 21 anos de idade pertencem aos Clubes, no Rio Grande do Sul [...].407

Com o exposto, percebemos o interesse na transmissão de conhecimentos técnicos aos

jovens diante da dificuldade de aceitação das técnicas modernas pelos agricultores mais

idosos. Havia também a preocupação em conter o êxodo rural, cuja causa era atribuída ao

atraso da população rural; na época, não se mencionavam outras causas para esse problema,

como a redução da propriedade da terra devido às partilhas, entre outros, pois grande parte

dos agricultores obtivera a propriedade da terra por herança e eram poucos os que haviam

conseguido ampliá- la. Assim, quando os filhos cresciam, a terra não era suficiente para

manter todos os membros da família no meio rural.

Page 216: Dissertação 4-S

A questão maior era: quem iria produzir futuramente se os jovens abandonassem a

agricultura? Tornava-se, pois, necessário aumentar a produtividade das terras disponíveis para

a agricultura visando abastecer a população urbana, que crescia desenfreadamente, e para a

exportação. Segundo Marin, a migração rural aos centros urbanos passou a ser encarada como

uma ameaça à “ordem e ao progresso” das grandes cidades, além de que poderia representar

uma queda na produção agropecuária.408

O método de trabalho utilizado pelos extensionistas constituía-se em introduzir

conhecimentos na comunidade através dos Clubes 4-S; formar lideranças envolvendo

pessoas bem conceituadas entre os agricultores; incentivar o associativismo e a utilização do

crédito agrícola, buscando apoio de autoridades do município e também da Igreja, entidade

que desenvolvia um trabalho voltado para agricultura com o objetivo de preparar os jovens e

agricultores para a modernização agrícola.

A Igreja teve um papel importante na aceitação dos Clubes 4-S porque tinha o poder

de aglutinar as pessoas do meio rural pela forte devoção religiosa que apresentavam os

agricultores. Assim, o padre, apoiando os 4-S, daria maior credibilidade ao trabalho. Tudo

isso abria espaço para a divulgação de novas técnicas, através de demonstrações e projetos

que viabilizariam transformações no setor produtivo pela homogeneização e assimilação da

modernização agropecuária, bem como provocava a seletivização dos atores no meio rural.

Segundo Queda, o técnico de fomento ou o extensionista não consegue atender a todos

os agricultores e volta-se para alguns considerados típicos e capazes de servir de modelo aos

demais. Toda atividade assistencial está baseada em um pressuposto de difusão das

inovações, ou seja, de um efe ito-demonstração.409

De acordo com Caporal, “torna-se transparente o papel produtivista da extensão rural e

a implicação ideológica nele imbutido, bem como a discriminação/exclusão daí resultante,

407 Ascar altera mentalidade rural. Folha da Tarde. Porto Alegre, 21 agos. 1972, p. 6. 408 MARIN, Conformismo e resistência dos camponeses à extensão rural, p. 32. 409 QUEDA, Oriowaldo e SZMRECSÁNYI, Tomás. Vida rural e mudança social: leituras básicas de sociologia rural. São Paulo, Nacional, 1979, p. 230.

Page 217: Dissertação 4-S

uma vez que o extensionista só atuará com os ‘mais aptos’, os que se encontram em condições

de “dar resultados” ao nível dos processos econômicos”. 410

Assim, o público-alvo da extensão no período em estudo eram os produtores proprietários de

terras; os assalariados rurais, os sem-terra quase sempre ficavam excluídos do atendimento.

Conforme foi visto anteriormente, foi por meio dos Clubes 4-S que os jovens fizeram

os primeiros financiamentos através do crédito juvenil. Com o programa de recuperação do

solo, muitos agricultores financiaram calcário, adubo, etc. Conforme Marin, “mediante o

crédito agrícola, o pequeno produtor perde sua autonomia quando o crédito é que passaria a

determinar quais os produtos a serem cultivados e como cultivá- los, quais os insumos e

máquinas a serem usados e em que período usá- los”.411

O crédito rural supervisionado, que, inicialmente, destinava-se a investimentos

globais (agropecuários e sociais), passou a ser crédito orientado para investimentos

econômicos, acentuando o caráter produtivista que adquirira o serviço de extensão rural. No

entender de Canuto, “o crédito agrícola foi um mecanismo que muito contribuiu para o

processo de concentração da renda, riqueza e poder no meio rural e na sociedade brasileira,

num âmbito mais global.” 412 As exigências feitas para a liberação do crédito agrícola entre as

quais estavam a posse da terra, a mecanização agrícola satisfatória, a renda dos produtos

considerados prioritários, os prazos limitados e rígidos, passaram a excluir também os

pequenos agricultores. Até mesmo no período conhecido como “Milagre Econômico”,

quando os juros eram fixos e tornavam-se acessíveis ao camponês, a política concentradora

do crédito dava preferência aos grandes produtores.413

Os pacotes tecnológicos por produto e região adotados pelo sistema de pesquisa e

difundidos pela extensão rural reforçavam a desigualdade no meio rural, na medida em que o

pacote mais lucrativo era dado ao mais rico; o de média produtividade, aos médios e o de

menor produtividade aos menores. Assim, os pequenos produtores não dispunham de

410 CAPORAL, A extensão rural e os limites à prática dos extensionistas do serviço público, p. 168. 411 MARIN, Conformismo e resistência dos camponeses à extensão rural, p. 238. 412 CANUTO, Carlos João. Capital, tecnologia na agricultura e o discurso da Embrater, p. 64. 413 MARIN, op.cit., p. 74.

Page 218: Dissertação 4-S

recursos econômicos, políticos e sociais para competir no processo de modernização

tecnológica.414

Com isso, podemos entender a necessidade de um novo perfil de agricultor, que se

submetesse econômica e socialmente à política do governo e, através da extensão

rural,

buscava-se a qualificação técnica dos agricultores, ou seja, a adequação da força de trabalho

aos interesses do capital.

d) Educação ou invasão cultural?

O caráter educacional da extensão rural era proposto com o intuito de complementar a

educação familiar e escolar. No meio rural, os conhecimentos eram transmitidos de geração a

geração nas relações sociais cotidianas, especialmente através do trabalho. A família tornava-

se o agente educativo mais importante para a transmissão ou reprodução dos diversos saberes,

pois mantinha o controle sobre os instrumentos de trabalho e a produção.415 Desde criança,

aprendiam-se determinadas tarefas e, na adolescência, os jovens passavam a adotar o

comportamento dos adultos e a realizar o seu trabalho.

Quanto à expansão do sistema educacional, processava-se principalmente na zona

urbana. O ensino primário era a única forma de educação escolar acessível à população rural

e oferecido precariamente. Conforme Queda ressalta, “o padrão dominante no campo continua

sendo o das escolas isoladas, constituídas de uma única sala de aula, mal instalada e

pobremente equipada, na qual são instruídas simultaneamente dez a cinqüenta crianças de

várias idades e graus, por uma única professora, sem o devido preparo pedagógico e muito

mal remunerada”. No entender do autor, embora de forma precária, o ensino primário rural

funcionava como agência de urbanização da população rural, complementando e reforçando a

atuação dos meios de comunicação de massa e de outras formas de contato social propiciadas

pela expansão da rede viária, pela migração de familiares e amigos, etc.416

414 FIGUEIREDO, A Extensão rural no Brasil, p. 3. 415 MARIN, Conformismo e resistência dos camponeses à extensão rural p. 137. 416 QUEDA, Vida rural e mudança social, p. 225.

Page 219: Dissertação 4-S

No entender de Marin, “a escola rural não se preocupava em levar em consideração os

conhecimentos, noções e percepções próprias da forma de vida camponesa; antes sujeita e o

atrela ao modo de vida urbano. Ao repassar conteúdos alheios à vida rural, a escola

desvincula e induz a perda de identidade cultural”.417 A escola no meio rural, ao incentivar a

continuidade dos

estudos, prepara os jovens para uma futura migração. Conforme Queda, o movimento

extensionista surgiu no Brasil como uma reação ao malogro da educação rural, tendo sido

definido pelo seus idealizadores como um processo de educação extra-escolar. Seu ponto de

partida é a noção de comunidade rural, vista como uma organização social homogênea e não

estratificada, sem conflitos internos de interesses.418

Dessa forma, o caráter educacional proposto pela extensão rural, assim como a

educação rural, não apresentava uma proposta que levasse em conta o saber dos agricultores.

O serviço de extensão rural passou a ser questionado por visar apenas à qualificação técnica

dos agricultores, negando as experiências de vida e adequando-o à organização do processo

produtivo.

Segundo Gadotti, essa educação é perigosa e perversa porque “intoxica

permanentemente o trabalhador com uma formação puramente técnica e científica, aplicando-

lhe doses continuadas de formação profissional, impossibilitando-o, por conseqüência, de

interrogar-se sobre si mesmo, sobre a finalidade de seu trabalho, sobre sua própria condição.

Torna-se, assim, um homem que não domina os instrumentos que utiliza”. 419

Assim, com o ingresso do pequeno agricultor, motivado pelos jovens, no processo de

modernização agrícola, ele perdeu o controle sobre o seu próprio trabalho e a distribuição de

atividades no interior da família, passando a exigir um conhecimento especializado para a

execução de determinadas tarefas, como, por exemplo, dirigir um trator. No entender de

Marin, “a racionalização da produção agrícola, viabilizada pela agência modernizadora,

processou a separação do trabalho manual do trabalho intelectual”. 420

417 MARIN, op.cit., p. 143. 418 QUEDA, Vida rural e mudança social , p. 219. 419 GADOTTI, Moacir. A educação contra a educação, o esquecimento da educação e a educação permanente. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p. 148. 420 MARIN, Conformismo e resistência dos camponeses à extensão rural, p. 144.

Page 220: Dissertação 4-S

Para a classe detentora do poder, segundo Gramsci, a maneira de “ conceber a cultura

corresponde ao saber enciclopédico, no qual o homem é visto sob a forma de um recipiente

que se deve encher até as bordas com dados empíricos, fatos brutos e isolados, que ele deverá

alinhar em seu cérebro como colunas de um dicionário, para poder responder a cada momento

às solicitações do mundo exterior. Esta forma de cultura é verdadeiramente nefasta,

especialmente para o proletariado”, 421 mas também o é para os trabalhadores rurais.

Paulo Freire, embora reconheça que nem todos os agrônomos chamados

“extensionistas’ façam invasão cultural, não ignora a conotação ostensiva da invasão cultural

que há no termo “extensão”, que significa estender algo a. Buscando descobrir as dimensões

do campo associativo do termo “extensão”, encontramos uma relação significativa com

transmissão, entrega, doação, messianismo, mecanicismo, invasão cultural, manipulação,

etc.422 Segundo o autor:

O conceito de extensão não corresponde a um que fazer educativo libertador. Com isto não quer negar ao agrônomo, que atua neste setor, o direito de ser um educador-educando, com os camponeses, educando-educadores. Pelo contrário, precisamente porque estamos convencidos de que este é o seu dever, de que esta é a sua tarefa de educar e de educar-se, não podemos aceitar que seu trabalho seja rotulado por um conceito que o nega. 423

Verificamos a incompatibilidade do termo “extensão” com a ação educativa de caráter

libertador, pois o meio rural teve seu espaço histórico-cultural invadido por outros sistemas de

valores, que passaram a ser repassados aos agricultores. Visto dessa forma, o meio rural

tornou-se um espaço invadido e os agricultores, induzidos a adotar práticas que não faziam

parte da sua realidade cultural. Essa ação passou a ser questionada tanto quanto o método

utilizado para a aproximação dos agricultores e também os resultados ou conseqüências que

as novas técnicas trouxeram posteriormente.

Tal é o dilema do agrônomo extensionista, em face do qual precisa manter-se lúcido e crítico. Se transforma os seus conhecimentos especializados, suas técnicas, em algo estático, materializado e os estende mecanicamente aos camponeses, invadindo indiscutivelmente sua cultura, sua visão de mundo, concordará com o conceito de extensão e estará negando o homem como um ser da decisão. Se, ao contrário, afirma -o através de um trabalho dialógico, não invade, não manipula, não conquista; nega, então, a compreensão do termo extensão.424

421 GRAMSCI, apud. MACCIOCHI, M. A. A favor de Gramsci p. p. 203. 422 FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983, p. 22. 423 Idem, p. 23. 424 Idem , p. 44.

Page 221: Dissertação 4-S

Ao invés de estender os conhecimentos a alguém, o autor sugere que seria mais

correto “comunicar’, pois envolve diálogo, participação; já a imposição de determinados

conhecimentos é a negação da comunicação, requisito imprescindível para construir uma

prática educativa que considere a realidade do trabalhador e permita o afloramento do

verdadeiro processo de aprendizagem.

Com isso, compreendemos a resistência inicial ao trabalho de extensão rural por parte

de alguns agricultores, pois tinham a sua forma própria de organizar a produção agrícola,

baseado na sua cultura, nos saberes adquiridos em suas experiências de vida. Gramsci

sustenta que “todos os homens são intelectuais”, já que participam de uma determinada

realidade e porque em todo e qualquer trabalho “existe um mínimo de qualificação técnica,

isto é, um mínimo de atividade intelectual criadora”. 425

Conforme foi abordado anteriormente, os agricultores tinham o saber próprio para

lidar com a terra, as plantas, os animais; para desenvolver o trabalho nos moinhos, nas

olarias; para comercializar os produtos. Era um saber que estava correlacionado com as leis

da natureza (observando as estações, a lua, terra magra/gorda, forte/fraca, etc.). A família

tinha grande importância na transmissão de conhecimentos aos filhos; o saber era socializado

entre os vizinhos nos encontros na capela, nas casas de comércio, nos mutirões, nos

momentos de lazer; era um saber adquirido através da experimentação e observação.

Conforme Marin, “as inovações tecnológicas endógenas surgiam das necessidades e

possibilidades concretas resultantes do enfrentamento dos desafios da natureza e das

necessidades sociais”. 426

A pequena propriedade, entretanto, impunha limites à capacidade de produção, pois o

esgotamento do solo reduzia cada vez mais o espaço produtivo. A estratégia, então, para

manter a pequena propriedade era a permanência de um dos filhos nela; quanto aos demais,

deveriam migrar.

Em vista disso, os agricultores passaram a valorizar o conhecimento científico na

medida em que este se apresentou como uma alternativa para a permanência no meio rural. E

assim acontecia a “revolução” no meio rural, conforme disseram os agricultores nas

entrevistas, pois, em pouco tempo, as terras improdutivas passaram a produzir, utilizando-se

425 GRAMSCI, Os intelectuais e a organização da cultura , p. 7.

Page 222: Dissertação 4-S

de adubos, fertilizantes, máquinas, que realizavam o trabalho com uma rapidez sem

comparação com a tração animal. Assim, o saber dos agricultores era substituído pelas novas

técnicas, nem sempre adequadas à pequena propriedade, e a sua força de trabalho era

subordinada em favor do capital.

e) O rural como espaço de demandas técnico-químicas

A exigência de mudança na forma de conduzir o serviço de extensão rural passou a ser

discutida dentro da própria Embrater, em seminários, reuniões, debates. Mas foi somente com

o fim do período da ditadura militar que a extensão rural brasileira começou a experimentar

novos rumos, coincidindo também com a reorganização dos movimentos sociais e sindicais,

que restabeleceram as condições políticas para garantir o direito às críticas das diferentes

formas de ação do Estado no campo e nas cidades. Conforme Caporal:

Cabe lembrar que na ocasião nascia uma dura crítica ao extensionismo, particularmente articulada a partir das organizações de base das igrejas, em especial dos setores vinculados às Pastorais da Terra e da juventude, assim como de algumas ONGs. No entanto, ainda que as críticas fossem duras e orientadas a questões centrais da prática extensionista (se baseavam, sobretudo, nas propostas de Paulo Freire), estas também tinham sua atenção nas questões relacionadas aos problemas gerados pela modernização agrária como a diferenciação social, o êxodo rural, a degradação ambiental, a contaminação por pesticidas, a concentração da terra, etc.., os quais apareciam associados à prática convencional da extensão rural.427

Dessa forma, além das críticas que envolviam os aspectos culturais, surgiram

outras relacionadas aos resultados da aplicação das novas técnicas. Olinger aponta alguns

equívocos em relação ao trabalho de extensão no período de 1960-1970, pois, a título de

aumento da produtividade, segundo ele, houve um descuido com o sentido econômico e social

da agricultura. Com base na propaganda dos vendedores de fertilizantes e nos “pacotes

426 MARIN, Conformismo e resistência dos camponeses à extensão rural, p.130. 427 CAPORAL, A extensão rural no Rio Grande do Sul: Da tradição “Made in USA”, ao paradigma agroecológico. www.emater.tche. 21/06/2002.

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tecnológicos”, os agricultores passaram a utilizar muito mais fertilizantes químicos em suas

lavouras do que era necessário.428 Conforme o autor:

Aplicamos, em excesso, fosfato e potássio importados, elevando o custo da produção para os agricultores; difundimos o uso de máquinas agrícolas, como tratores de 60 HP a 90 HP para agricultores de 10 a 15 ha de terra, estimulando que eles comprassem máquinas muito acima da potência recomendada, em função do tamanho da propriedade e da atividade praticada. Induzimos os agricultores ao uso excessivo de insumos modernos, porque tanto a pesquisa quanto a extensão estavam despreparadas para oferecer soluções corretas e de acordo com a realidade brasileira. 429

O comprovado despreparo por parte da extensão e da pesquisa e a intensidade com

que foi promovida a modernização agrícola trouxeram algumas conseqüências para o meio

rural, entre essas o abandono da diversificação e da consorciação das culturas, conforme

Olinger ressalta:

A informação que tínhamos da pesquisa é que a cultura solteira era mais produtiva do que a cultura consorciada. Hoje a pesquisa está sabendo que nem sempre é assim. A extensão está recomendando a diversificação e consorciação de culturas na pequena propriedade, salvo exceções. Com determinados tipos de associação, consegue-se mais produção por hectare e melhor controle de pragas e doenças das plantas. Está provado que a presença de várias culturas numa mesma área, uma perto da outra, diminui a incidência das pragas e reduzem-se os gastos com defensivos. Estamos corrigindo os sistemas de produção e a aplicação dos conhecimentos técnicos. Quer queiram quer não, foi a partir de 1979 que houve uma grande mudança na política agrícola brasileira, procurando corrigir os erros citados.430

Conforme análise realizada em 1979, o sistema de crédito, as técnicas e o

serviço de extensão eram dirigidos para a agricultura empresarial, com respaldo do governo e

pouca fiscalização. Segundo Olinger:

Uma análise da situação geral, realizada em 1979, mostrou que a intensificação no uso inadequado dos chamados insumos modernos era apoiado por políticas governamentais. Não era só erro do vendedor (que não é bem erro, porque o vendedor quer vender ao máximo). Era um erro de nós, extensionistas, dos nossos companheiros da pesquisa, sobretudo em erro da política do governo, que subsidiava o fertilizante, subsidiava a máquina agrícola, subsidiava o defensivo, através do crédito rural, de tal forma que realmente o agricultor chegava à conclusão de que devia utilizar tudo aquilo porque pagava juro baixo (muitos desses insumos tinham juro zero). O incentivo creditício, oferecido pelo governo sem fiscalização quanto à sua aplicação, criava o hábito do desvio dos empréstimos. Era uma agricultura voltada para a grande empresa, porque o pequeno agricultor era relegado pela pesquisa e pouco assistido pela extensão. As tecnologias eram dirigidas para a agricultura “empresarial”; não se produziam determinadas técnicas necessárias ao pequeno e médio agricultor, tais como, a consorciação, defesa do solo, adubação

428 OLINGER, Glauco. Extensão rural e política agrícola , p. 11. 429 Idem, p. 12. 430 Idem, p. 13.

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orgânica, irrigação simplificada, melhoramento das plantas, como a mandioca, feijão, batata-doce e outras de difícil exportação ou limitada industrialização. A maioria dos grandes empresários se aproveitou do crédito subsidiado para aplicar apenas parcelas dos financiamentos, no empreendimento agrícola. Grandes somas foram desviadas para o mercado de capitais, na compra de terrenos, compra de imóveis nas cidades, passeios no exterior, construções de casas de luxo, pistas de pouso e compra de aviões e outras coisas. 431

Visto dessa forma, os pequenos agricultores, que eram em maior número no estado e

grandes contribuintes para o mercado interno, eram instruídos para utilizar a tecnologia

voltada para a agricultura empresarial, sendo cabível uma diferenciação tanto na tecnologia

quanto na produção para as pequenas e médias propriedades. De acordo com Belato:

Tratava-se, inicialmente, de estabelecer a estratégia de transferência, em forma experimental, de mecanismos que facilitassem a abertura ao capital externo naquelas regiões de grande densidade camponesa, articulados pela Fundação Rockefeller e pela Fundação Ford conveniadas com universidades americanas. Estas ações “experimentais” não são casuais, nem nascem de uma bondade humanística em relação aos países pobres. São, ao contrário, uma percepção clara e pioneira, por parte das Fundações Rockefeller e Ford, das possibilidades de intervenção geral sobre as populações pobres dos países subdesenvolvidos.432

Assim, desencadearam-se todos os mecanismos para intervir tecnicamente no meio

rural, “liquidando” o atraso dessas populações para superar o subdesenvolvimento, ou melhor,

para aumentar o número de consumidores dos novos produtos. Com isso, o camponês foi

perdendo o controle sobre o seu próprio trabalho, conformando-se aos novos sistemas de

produção da sociedade capitalista.

f) O que significou o trabalho dos Clubes 4-S para os agricultores do

distrito de São Roque?

Após a resistência inicial, os agricultores passaram a ver no trabalho dos Clubes 4-S,

que orientava sobre a recuperação da fertilidade solo, uma alternativa para permanecerem na

terra e aumentarem a produção. A partir do programa Operação Tatu, as atividades dos

Clubes 4-S expandiram-se, conseguindo envolver os jovens e adultos que ainda não haviam

aderido às novas técnicas.

431 OLINGER, Ascensão e decadência da extensão rural no Brasil, p. 15. 432 BELATO, Camponeses integrados, p. 7.

Page 225: Dissertação 4-S

Do ponto de vista dos agricultores, foi um trabalho extraordinário tanto na área técnica

como na social, pois, a partir dele, houve a modernização da agricultura no meio rural, a

adoção de técnicas novas, das quais ouviam falar, mas não sabiam como aplicar, e o acesso a

orientações também nas áreas da saúde, higiene e nutrição. Dessa forma, o trabalho com a

juventude rural através dos Clubes 4-S no período de 1960/1970 foi fundamental para a

introdução da modernização agrícola no distrito de São Roque. Foi a partir desse trabalho que

os agricultores tiveram condições de observar os resultados dos projetos nas lavouras

demonstrativas organizadas na propriedade dos jovens e das lideranças, onde eram aplicadas

as tecnologias que estavam sendo introduzidas na época, visando aumentar a produção dos

produtos de exportação. Os resultados surpreendiam os agricultores, que, em pouco tempo,

passavam a adotar as novas técnicas.

A partir do trabalho dos Clubes 4-S, as comunidades passaram a ter uma vida social

mais ativa: faziam-se promoções, exposições, excursões, encontros nas e com comunidades e

também em outros municípios. Foi destacado nas entrevistas a participação que a mulher

passou a ter nas atividades da comunidade, ao contrário de antes, quando era bastante restrita.

Também houve a formação de lideranças no meio rural, que foram bem atuantes na

comunidade e, posteriormente, passaram a participar dos sindicatos, de cooperativas, pois

incentivava-se o associativismo como forma de organizar e controlar a produção e

comercialização dos produtos de exportação, bem como os produtores.

Diante disso, constatamos que o trabalho com os Clubes 4-S foi marcante para os

agricultores, pois, com as inovações introduzidas, ampliavam-se as expectativas de aumentar

a renda e também porque eles já não estavam conseguindo produzir satisfatoriamente

utilizando as práticas tradicionais. Da mesma forma, os clubes promoviam o

desenvolvimento social da comunidade, proporcionando atividades de lazer, momentos de

encontros dos membros da comunidade e entre comunidades, passeios, excursões, que antes

não eram desenvolvidos com a mesma intensidade.

A admiração dos agricultores ao trabalho dos clubes refere-se à fase inicial do

trabalho, quando ocorreu a formação dessas entidades e as inovações apresentadas

surpreendiam pelos resultados obtidos na produção, os quais eram acima da média; quando as

atividades sociais eram intensas, proporcionando momentos de lazer e oportunizando o maior

contato com a vida urbana; quando a comunidade passou a ter destaque na imprensa e havia

Page 226: Dissertação 4-S

premiações para os que participavam; quando os agricultores se sentiram valorizados.

Contudo, nas entrevistas, eles apontaram a monocultura, a mecanização, o uso abusivo de

produtos químicos, o êxodo rural como pontos negativos da modernização agrícola, embora

concordassem que a introdução dessas inovações deveu-se aos Clubes 4-S.

O saber tradicional praticado pelos agricultores e as relações econômicas e sociais

vigentes no período que antecedeu a modernização agrícola sofreram alterações em

decorrência das profundas modificações na organização produtiva da região, relacionadas a

produção dos produtos de exportação trigo e soja, que se transformaram na estratégia do

governo para conseguir divisas para o investimento na indústria. De acordo com Canuto:

O pequeno agricultor frente as transformações requeridas pelo capital e, em especial, às transformações técnicas, serve (contraditoriamente) tanto as demandas dos capitais particulares – como fornecedor de produtos agrícolas e consumidor de produtos industriais – e às demandas da reprodução das relações sociais capitalistas – enquanto provedor da reprodução da força de trabalho urbana e rural a baixos custos pelo fornecimento de alimentos. 433

Assim, justifica-se o interesse em transformar a mentalidade dos agricultores para que

adotassem as novas práticas agrícolas, bem como aderissem ao associativismo, pois, desse

modo, o governo poderia controlar melhor a produção e os produtores. Os agricultores

integraram-se à economia capitalista, adotaram os novos produtos e técnicas que eram

divulgados no período em estudo, foram submetidos à determinação dos preços de mercado,

com a pressão exercida pelos comerciantes para manter baixos os preços dos produtos, e ao

alto custo dos meios de trabalho de origem industrial necessários à produção agrícola.

Verificamos que, a partir da década de 1970, aquele cenário no qual os atores eram

colonos, carroceiros, comerciantes, moleiros, oleiros, que praticavam a agricultura tradicional

e o artesanato e tinham uma vida social voltada para o meio rural, foi substituído e

seletivizado por agricultores cada vez mais envolvidos na agricultura empresarial.

No período delimitado para este estudo, os pequenos agricultores vivenciaram

momentos de euforia a partir dos Clubes 4-S, quando foram introduzidas as técnicas de

recuperação do solo e aumentou a produção; posteriormente, eles conseguiram adquirir

máquinas e equipamentos agrícolas, contribuindo, assim, para o progressismo técnico de

Passo Fundo. Também, viram a comunidade destacar-se na imprensa através dos Clubes 4-S e

433 CANUTO, Capital, tecnologia na agricultura e o discurso da Embrater, p. 61.

Page 227: Dissertação 4-S

das lideranças; fortaleceu-se a união entre as famílias e houve acesso a conhecimentos novos,

o que entusiasmava os integrantes da comunidade. Apesar das críticas que surgiram, no

período foram apresentadas as inovações

que existiam, que estavam sendo apresentadas para os agricultores se introduzirem no

processo

de modernização agrícola, e foi em decorrência desse processo que abandonaram as suas

práticas tradicionais.

Essa mudança rápida atingiu o meio rural como um todo, provocando alterações

culturais, entre as quais o cultivo da soja, produto desconhecido no meio rural, em detrimento

de culturas diversificadas; os agricultores foram atrelados a sindicatos, bancos,

agroindústrias, novos comerciantes e cooperativas para a comercialização dos produtos;

também passaram a adquirir adubos, fertilizantes, máquinas e a participar de palestras,

excursões, cursos, levando uma vida rural com características cada vez mais urbanas. Isso

tudo, entretanto, foi seletivo e excludente para aqueles que não conseguiam investir de

acordo com as novas exigências, pois, de acordo com o que vimos anteriormente, com as

redefinições ocorridas no serviço de extensão rural no Brasil, o trabalho que envolvia a

família rural, a comunidade, deixou de ser priorizado e o custo para os investimentos

agrícolas tornaram-se muito altos para os pequenos agricultores. Com isso, a única

alternativa para muitos foi vender ou arrendar a propriedade e vir para a zona urbana

concentrando-se especialmente no bairro São Cristóvão e na vila Planaltina de Passo Fundo.

Page 228: Dissertação 4-S

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PERIÓDICOS

Jornais

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Correio Rio-Grandense, Caxias do Sul, 11 set. 1974.

Diários Notícias, 19 jul. 1967.

Diário da Manhã, Passo Fundo, 21 set. 1967.

Diário da Manhã Passo Fundo, jul.1968 .

Diário da Manhã, Passo Fundo, 10 jan. 1969.

Diário da Manhã, Passo Fundo, 28 nov. 1969.

Diário da Manhã, Passo Fundo, 08 mar.1972.

Diário da Manhã, Passo Fundo, 03 abr. 1974.

Diário da Manhã, Passo Fundo, 08 maio 1974.

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Diário da Manhã, Passo Fundo, 22 jul. 1978.

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Revistas

Agricultura & Cooperativismo, Fecotrigo, ano I, n 9, jan/1977.

Revista do Clube 4/S, ano III, n 8, jan/fev 1974.

Revista do Clube 4/S, ano VII, n.32, jan/fev 1978.

Revista do Clube 4/S, ano VII, n. 36, set/out 1978.

Revista do Clube 4/S, ano IX, n. 42, jan/fev/mar. 1980.

Revista extensão Rural, Rio de Janeiro, ano II, n.14, fev/1967.

Revista extensão Rural, Rio de Janeiro, ano III, abril/1972.

Revista extensão Rural, Rio de Janeiro, ano III, n.35, nov/1968.

Revista extensão Rural, Rio de Janeiro, ano V, n.52, 1970.

Revista extensão Rural, Rio de Janeiro, ano VII, n.79, jul./ 1972.

Revista extensão rural, Rio de Janeiro, ano V, n.9, jul/1970.

Revista extensão rural, Rio de Janeiro, ano VIII, n.40, jul./ago./set 1979.

Revista Mundo Jovem, jun/1983.

Revista Mundo Jovem, nov/1983.

ENTREVISTAS

Adile Previatti - o pai da entrevistada era proprietário de moinho no distrito de São Roque; a entrevistada e sua irmã Nilva trabalhavam no moinho. Entrevista realizada em 17 maio 2002.

Antônio Roberto Grando - atuou como professor e líder 4-S da comunidade de São Valentim. Entrevista realizada em 19 out. 2002.

Antônio Fernando Strello - foi agricultor e sócio 4-S no período em estudo. Entrevista realizada em 08 nov. 2002.

Page 236: Dissertação 4-S

Ari Rosso - residiu no distrito de São Roque, trabalhou no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Passo Fundo no período de 1971-1976 e atualmente é diretor do presidente do Banco Sicredi da Regional de Passo Fundo. Entrevista realizada em 08 jan. 2002.

Auxílio Rebechi - foi líder 4-S e atuou como presidente e principal liderança do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Passo Fundo por trinta anos. Entrevistas realizadas em 23 maio 2002 e 05 out. 2002.

Carlos Maffi - foi sócio do Clube 4-S de São José e vencedor do projeto “Trigo” em 1970. Entrevista realizada em 20 nov. 2002.

Catarina Maffi - a entrevistada é neta de Fernando Strello, um dos primeiros moradores do distrito de São Roque e foi líder do Clube 4-S de São José. Entrevista realizada em 02 maio 2002.

Padre Darci Treviso - trabalhou na Paróquia de São Cristóvão por 17 anos, no período de 1969/1974, época dos Clubes 4-S e atendia algumas comunidades do interior, entre essas, o distrito de São Roque. Entrevista realizada em 08 nov. 2002.

Deodado Rosso - trabalhou como agricultor e oleiro; foi subprefeito do distrito de São Roque. Entrevista realizada em 24 jan. 2002.

Elma Matzembacker - foi extensionista em economia doméstica na região de Passo Fundo no período de 1966 a 1978. Entrevista realizada em 29 jul. 2002.

Bispo Ercílio Simon - atualmente é bispo da diocese de Passo Fundo e na época, participava como padre nas atividades festivas e religiosas promovidas pelos Clubes 4-S; cursou agronomia na UPF. Entrevista realizada em 10 set. 002.

José Henrique Strello - o entrevistado é neto de Fernando Strello. Entrevista realizada em 27 set. 2001.

José Sirlei de Souza - foi sócio 4-S na comunidade de São José. Entrevista realizada em 07 nov. 2002.

José Valdemar Tiecher - o pai do entrevistado foi proprietário da Casa de comércio de São Valentim e, após o falecimento do pai, assumiu o estabelecimento; no final da década de 1950, iniciou o trabalho com olaria. Entrevista realizada em 1º fev. 2002.

Luiz Carlos Oliveira de Souza - foi líder da comunidade de São José. Entrevista realizada em 12 out. 2002.

Lourdes Teresinha Nadal - filha de Francisco Milan, que foi proprietário de moinho colonial no distrito de São Roque.

Maria Weber Ferrão- foi diretora na escola de São Roque, iniciou o trabalho em 1945. Entrevista realizada em 12 jun. 2002.

Page 237: Dissertação 4-S

Oscar José Penz - foi líder 4-S na comunidade de Santa Gema. Entrevistas realizadas em 10 set. 2002 e 25 out. 2002.

Orlando André Rovani - trabalhou no moinho de São Valentim e também foi líder do Clube 4-S daquela localidade. Entrevista realizada em 02 fev. 2002.

Walter Luiz Maffi - trabalhou como agricultor, carroceiro, foi líder do Clube 4-S de São José e participou da diretoria da Coopasso de Passo Fundo. Entrevista realizada em 15 fev. 2002.