discutindo o conceito de promoção de saúde no trabalho do...

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Neste artigo pretendo realizar algumas refle- xões sobre o conceito saúde, no trabalho do psicólogo que atua na Educação. Tais discussões estão baseadas na pesquisa , por mim reali- zada 1 , junto a psicólogos que, na época esta- vam desenvolvendo seu trabalho na Educação, apontando esta atuação, para uma perspectiva da promoção de saúde que redimensiona o próprio conceito de saúde. Esta nova dimensão implica na modificação das práticas atuais, as quais refletem uma conceituação de saúde restrita, caracterizada pela ausência de doença. Algumas das conseqüências advindas dessa conceituação foram os alarmantes diagnósticos sobre o fracasso escolar que delinearam uma patolo- Maria de Lourdes Jeffery Contini Professora Adjunta do Departamento de Psicologia Centro Universitário de Corumbá/CEUC Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/UFMS Doutora em Educação pela UNICAMP Coodenadora do Centro de Referência de Estudos da Infância e Adolescência/ CREIA/UFMS gização do fenômeno da aprendizagem no âmbito educacional. A Psicologia veio fornecer o respaldo de cientificidade para uma situação ideologicamente definida, isto é: um sistema que cria uma escola que exclui necessita de um profissional que explique a exclusão dessas pessoas. Dentro desse contexto foi possível observar que, já há algum tempo, o papel do psicó- logo que trabalha na Educação vem sofrendo profundas críticas, no que se refere à sua atuação marcadamente clínica, numa trans- posição linear e direta de um modelo que privilegia, na maioria das vezes as causas intrapsíquicas em detrimento das causas inter- psiquicas. Essas críticas tomaram corpo, Discutindo o Conceito de Promoção de Saúde no Trabalho do Psicólogo que Atua na Educação Este artigo discute a atuação do psicólogo na educação, na perspectiva da promoção de saúde, entendida como uma construção histórica do homem que se relaciona com seus modos de vida, indo além do binômio saúde/doença. Nessa perspectiva, as ações do psicólogo na educação enfatizam o compromisso ético e político do acesso à educação enquanto um bem cultural fundamental para a construção da cidadania das crianças e jovens brasileiros, entendida como um projeto de promoção de saúde. PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2000, 20 (2), 46 -59 46 Paul Klee

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Neste artigo pretendo realizar algumas refle-xões sobre o conceito saúde, no trabalho dopsicólogo que atua na Educação. Tais discussõesestão baseadas na pesquisa , por mim reali-zada1, junto a psicólogos que, na época esta-vam desenvolvendo seu trabalho na Educação,apontando esta atuação, para uma perspectivada promoção de saúde que redimensiona opróprio conceito de saúde.

Esta nova dimensão implica na modificaçãodas práticas atuais, as quais refletem umaconceituação de saúde restrita, caracterizadapela ausência de doença. Algumas dasconseqüências advindas dessa conceituaçãoforam os alarmantes diagnósticos sobre ofracasso escolar que delinearam uma patolo-

Maria de LourdesJeffery Contini

Professora Adjunta doDepartamento de

PsicologiaCentro Universitário de

Corumbá/CEUCUniversidade Federal de

Mato Grosso do Sul/UFMSDoutora em Educação

pela UNICAMPCoodenadora do

Centro de Referência deEstudos da Infância e

Adolescência/CREIA/UFMS

gização do fenômeno da aprendizagem noâmbito educacional. A Psicologia veio fornecero respaldo de cientificidade para uma situaçãoideologicamente definida, isto é: um sistemaque cria uma escola que exclui necessita deum profissional que explique a exclusão dessaspessoas.

Dentro desse contexto foi possível observarque, já há algum tempo, o papel do psicó-logo que trabalha na Educação vem sofrendoprofundas críticas, no que se refere à suaatuação marcadamente clínica, numa trans-posição linear e direta de um modelo queprivilegia, na maioria das vezes as causasintrapsíquicas em detrimento das causas inter-psiquicas. Essas críticas tomaram corpo,

Discutindo o Conceito dePromoção de Saúde no

Trabalho do Psicólogo queAtua na Educação

Este artigo discute a atuação do psicólogo na educação, na perspectiva dapromoção de saúde, entendida como uma construção histórica do homem quese relaciona com seus modos de vida, indo além do binômio saúde/doença.Nessa perspectiva, as ações do psicólogo na educação enfatizam o compromissoético e político do acesso à educação enquanto um bem cultural fundamentalpara a construção da cidadania das crianças e jovens brasileiros, entendida comoum projeto de promoção de saúde.

PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2000, 20 (2), 46 -59

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principalmente na década de oitenta, quandocomeçaram a surgir trabalhos que discutirama atuação do psicólogo na Educação, tais comoos de Machado et al. (1982), apontando asdificuldades do psicólogo em desenvolver oseu trabalho na escola; Andaló(1984) quetambém discutia a questão do papel do psicó-logo escolar; Patto(1984), ao fazer uma relaçãoentre Sociedade, Educação e PsicologiaEscolar; e os trabalhos da década de noventa,como os de Grandella(1990) e Maluf(1992),já delineando os descompassos na atuação dopsicólogo escolar.

Esse movimento de críticas apontadas, não sóna própria Educação, como também nointerior da Psicologia, propiciou reflexões entreesses profissionais. Tais reflexões buscaramverificar desde a relevância social da profissãoaté a revisão dos paradigmas teóricos quevinham sustentando essas “performances”.Porém, seria ingênuo imaginar que todo essemovimento de idéias apareceu isoladamente;ele, na verdade, é parte de todo um questio-namento atualmente presente na Psicologiaenquanto Ciência, dentro de seus diferentesparadigmas, assim como nos contornos assu-midos como uma profissão.

Um exemplo dos resultados que já aparecemdessas reflexões é a definição da atuação dopsicólogo, hoje, enquanto um profissional desaúde, entendida está “saúde”, agora, nãoapenas como ausência de doença, mas nadireção de uma “Psico-Higiene”, apontadapor Bleger1992) definindo a saúde dentro deum sentido mais amplo, de bem estar geral.Nesta perspectiva caberia ao psicólogo serum “promotor de saúde” da população.

Rey (1993) discute a trajetória da conceituaçãode saúde, mostrando que, ao longo do tempo,tal conceito esteve ligado ao modelosemiológico descritivo, que concebe a saúdecomo “ausência de sintomas”. Segundo oautor, essa ótica separou a saúde somática,da saúde mental. Considerando tal concei-tuação equivocada, Rey descreve que a saúdeé um complexo processo qualitativo quedefine o funcionamento completo do organis-mo, integrando-se de forma sistêmica, osomático e o psíquico que formam umaunidade, onde o que afeta um irá atuar neces-sariamente sobre o outro.

Nessa perspectiva, as condições sociais estãointimamente ligadas ao desenvolvimento dasaúde, na medida em que toda sociedade écomposta por organizações sócio-econômicase estas acabam determinando o modo de vidados homens presentes em cada grupo social.

A promoção de saúde define-se, então, poruma visão sistêmica de saúde, compreen-dendo que fatores relacionados ao modo devida dos homens estarão atuando de formadireta nas reais possibilidades de uma vidasaudável ou não. Com isso, a concepção desaúde é ampliada para além dos limites daausência de doença e está ligada aos váriosaspectos que estão presentes na vida dohomem, como moradia, lazer, educação,trabalho etc. Será o equilíbrio desses compo-nentes da vida diária que irá formar o grandemosaico da saúde humana.

No campo específico da atuação da Psicologiana Educação, esse novo conceito de saúde jáaparece nos debates. Martínez (1996) exem-plifica a escola, como um espaço vital para apromoção de saúde, destacando que talpromoção é uma função do conjunto da socie-dade e das suas instituições. Segundo a autora,esta nova concepção de saúde possui umaíntima relação com o processo educativo. Apartir dessa concepção podemos analisar opapel da escola, como uma das instituiçõesbásicas da sociedade, no processo de desen-volvimento da saúde.

Bock e Aguiar( 1995) discutem tal questão,considerando que o principal objetivo daPsicologia é a promoção da saúde. Segundoas autoras, “o psicólogo é um profissionalque deve trabalhar para a promoção dasaúde, superando a prática da preven-ção”(p.10). Sem negar o aspecto curativo daPsicologia, as autoras apontam que é neces-sário ir além de tal prática, visto que a práticapreventiva traz, no seu interior, a visão da pato-logia, cuja lógica é: a necessidade constantede desenvolver ações que previnam o apare-cimento das doenças. A mudança do enfoquepassa, então, para um trabalho que não maisenfoque a doença, mas sim a saúde.

Outra questão importante, dentro do projetode promover saúde na Educação, é o reco-nhecimento de que a Psicologia, por si só,

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1 - CONTINI, M. L. J. (1998)O Psicólogo e a PromoçãoO Psicólogo e a PromoçãoO Psicólogo e a PromoçãoO Psicólogo e a PromoçãoO Psicólogo e a Promoçãode Saúde na Educação.de Saúde na Educação.de Saúde na Educação.de Saúde na Educação.de Saúde na Educação.Tese de Doutorado, Faculdadede Educação, UNICAMP,Campinas.

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não dá conta do complexo fenômeno humano,devendo portanto realizar intercâmbios comoutras áreas do conhecimento, tanto naprodução de novos saberes, como na atuaçãoprofissional. Começa dessa forma a surgir umprofissional preocupado com a busca deinterlocutores que possibilitem uma visão maisampla e completa do seu objeto de estudo,assim como o seu papel profissional, na socie-dade.

O Psicólogo e a Sua Função Social

Hoje já aparece uma preocupação muito forte,entre vários psicólogos, com a construção deuma atuação fortemente aliada na direção, deuma ética apontada para a transformação social,com um profissional inserido, cada vez mais,nas questões do nosso tempo e profun-damente comprometido com um trabalho quepossa promover a saúde da população, ou seja,um profissional buscando dar um sentidopolítico às suas práticas profissionais demar-cando mais claramente a sua função social.

Este processo avança na medida haja uma clarezamaior da estreita relação entre Ciência Psicológicae Sociedade. Para Camino (1998) ”(...) asdiversas teorias e práticas psicológicascooperam diferentemente na construção dacidadania e no destino da humanidade(...)por sua natureza, todo conjunto de conhe-cimentos e práticas da Psicologia refere-se,de alguma maneira, à concepção do que é

o Indivíduo e a Sociedade e portantorelaciona-se também com o processo deconstrução da consciência coletiva dosdireitos da humanidade” (p.47-48). Portanto,podemos afirmar que não existe uma práticaprofissional “neutra” ou “ingênua”, existe sim,um projeto de sociedade que sustenta deter-minadas ações dentro de um contexto histó-rico.

A inserção social do trabalho do psicólogo,dentro do foco educativo e de promoção desaúde, têm demonstrado, na sua concretude,uma crescente preocupação com as questõesligadas à Cidadania, Estado de Direito, ExclusãoSocial e Escolar, enfim, passando a entenderque não existe uma ação “neutra” e que todaação é sempre mediada pelas questões éticase políticas.

Com isso, é necessário que o profissionalcompreenda cada vez mais que tais deter-minações encontram-se inseridas no contextocontraditório das relações sociais, em que aEducação é um importante mediador destaspráticas sociais.

A Instituição Educacional:Espaço de Conhecimento eAtuação Profissional

Para podermos compreender as relaçõesinstitucionais, é fundamental apreender osmecanismos que as engedram e as consti-tuem, pois será o conhecimento destes meca-nismos que irão apontar o movimento entreinstituição e as relações produzidas em seuinterior, desenhando o micro universo de umadeterminada estrutura social e histórica, ondeum constitui o outro.

A atuação do psicólogo nas instituiçõeseducativas, na perspectiva de promover saúde,deve ser o de um interlocutor atento, quepropicie o conhecimento da dinâmica institu-cional, por parte da comunidade que a com-põe, com o objetivo de favorecer a integraçãodaquela comunidade. Este processo de integra-ção pode fazer com que o indivíduo se apropriedessas complexas relações, o que poderiapossibilitar a construção de projetos quevalorizem as “relações humanas”, entendidascomo espaços de mediações sociais.

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O conhecimento das relações institucionais,cuja dinâmica é atravessadas por afetos, podecriar um espaço de promoção de saúde, aopossibilitar a ruptura dos comportamentoscristalizados, emergindo o sujeito intencional,ou seja, aquele que está cônscio das suasações e pode, dessa forma, colaborar com aalteração do curso dos fatos e da estruturainstitucional. Para a Psicologia, a dinâmicainstitucional, torna-se, cada vez mais, umcampo fundamental para estudar e conhecero impacto da vida laboral e seus efeitospsíquicos e psicossomáticos na vida dotrabalhador.

A Psicologia do Trabalho vem acumulandocontribuições teóricas importantes, sobre asrelações presentes nas instituições, e a suainfluência sobre diferentes personagens quecompõem esse espaço. Zanelli (1994), emsua tese de doutorado, realizou um interes-sante estudo sobre os movimentos emer-gentes na prática do psicólogo das Organiza-ções no Brasil. O autor revê, através daliteratura sobre o tema, a evolução dessa áreada Psicologia e descreve os diferentes mo-mentos que traçaram essa trajetória, identi-ficando que “(...) o objeto de estudo daPsicologia Organizacional encontra-se nainterseção das ações da pessoa e da orga-nização, como um todo complexo, dinâmicoe inserido em uma ampla conjuntura(p.83)”.

A questão da saúde do trabalhador tambémé uma preocupação presente na atuação dopsicólogo junto às instituições. Sato (apudZanelli, 1996) denuncia uma visão de saúderestrita à ausência de doenças profissionais econtrapõe com uma visão mais ampla, nadireção da subjetividade e do conhecimentoprático dos trabalhadores, na qual a Psicologiapode oferecer recursos teóricos e meto-dológicos importantes para tal tarefa. Poroutro lado, a grande contribuição que estemomento pode trazer para a Psicologia é ode reconhecer, segundo Spink(1992), anecessidade de encontrarmos uma mediaçãoconceitual “(...) entre o nível ma-cro(epidemiológico) e o nivel micro (dotratamento individual) que facilitaria aprática no contexto imediato do tra-balho”(p.93).

Para Zanelli(1996) “(...) os psicólogos devemser agentes de mudanças. Ser agentes demudanças pressupõe relacionamento,participação, comunicabilidade, aceitaçãoe poder de fluência. As mudanças devemcomeçar no próprio psicólogo(p.138)”.Ressalta ainda que o trabalho deve estar focadona perspectiva de uma promoção de saúdedos sujeitos envolvidos naquela instituição, eacrescenta: “(...) como profissional da saúde,o psicólogo deverá ser capaz de acompanhare responder às demandas sociais e políticaspela melhoria de vida no trabalho(p.139)”.

O grande desafio parece ser o de lidar comquestões ligadas a aspectos individuais (micro)de forma contextualizada com instituição-sociedade(macro). No caso das instituiçõeseducacionais, o conhecimento das relaçõesentre sociedade, educação e sujeito, éfundamental para a compreensão da instituiçãoinserida na vida social. Somente com a clarezasobre esse contexto, será possível o psicólogoentender a especificidade desse espaçoinstitucional e as relações que nele sãoconstruídas.

O grande desafio que se apresenta é o decriar, cada vez mais, espaços que, superandouma visão estritamente corporativa,possibilitem um maior intercâmbio entre oconhecimento gerado pela pesquisa e a práticaprofissional do psicólogo na Educação,buscando construir ações transformadorasdessa complexa realidade. A partir do conhe-cimento científico já acumulado, aliado

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ao compromisso político de transformaçãosocial, será possível uma atuação mais voltadaà construção de uma Educação de qualidadepara todos.

O objetivo principal de tal ação deve ser o degarantir o direito à Educação com qualidade atodas as crianças brasileiras, entendendo aimportância desse direito enquanto parte dahumanização do homem, através do acessoaos bens culturais produzidos historicamentepela humanidade. Portanto, é importante opsicólogo participar, cada vez mais, dos debatessobre as instituições educacionais, para poderrealizar um trabalho mais conseqüente, nonível micro institucional (atendimentoindividual), diante da complexidade do nívelmacro social (educação e sociedade). Comobem descreve Gomes(1995), “(...) frente àrealidade nacional, o psicólogo dedicado àárea da Educação necessita , não sóconsiderar os aspectos históricos e basesteóricas em que está sustentado o sistemaeducacional brasileiro, como estar prepa-rado profissionalmente para determinarprioridades e definir sua atuação frente àsdemandas surgidas”(p5). Não é uma tarefafácil, porém necessária e urgente, espe-cialmente diante do dramático fenômeno daexclusão escolar, adquirindo um significadoespecial, cuja responsabilidade coletiva, incluitambém o trabalho do psicólogo, que desejaconstruir uma atuação na direção da promoçãode saúde na Educação.

Construir uma perspectiva de promover saúdepassa, necessariamente, pela revisão das prá-ticas psicológicas que acabam por legitimar oprocesso da marginalização escolar. Machadoe Souza(1997), ao discutir sobre o questão daexclusão escolar que culpabiliza a vítima,fazem um alerta aos psicólogos: “(...) temosconvicção de que não difundir críticas àsconcepções preconceituosas é compactuarcom a exclusão de crianças, adolescentes eadultos do universo escolar, com todas asconseqüências sociais desse fato. Exclusão,sim, pois, (...) os encaminhamentos decrianças para atendimento psicológico e/oumédico selam destinos, trajetórias escolares.Desmontar a produção de esquema deresistência ao pensar, ao conhecer, ao criar,tem exigido muito trabalho e perseve-rança”(p.36).

Podemos, então, afirmar que o trabalho queo psicólogo pode desenvolver junto àsinstituições educacionais passam neces-sariamente por um trabalho interdisciplinar,cuja clareza teórica deve-se desdobrar emmetodologias, com o compromisso de realizarações que viabilizem a promoção de saúdedos sujeitos que fazem parte de taisinstituições, entendida como circunstâncias queenvolvem o coletivo institucional no processode reflexão. Conhecimento e ação, para orenovado, o reinventado por todos. O caminhoainda “está sendo feito”, não está completo,realizado, mas já dá mostras de que é possívelconstruir uma prática profissional com oobjetivo acima proposto.

A interdisciplinariedade notrabalho do psicólogo naeducação

Atualmente já aparecem preocupações, porparte de muitos profissionais, em aprender aatuar coletivamente junto com outrosprofissionais, seja no âmbito institucional ounas atuações de caráter privado, buscandocompreender e construir um trabalho de pro-moção de saúde dentro desse contexto inter-disciplinar, pautado por questões teóricas emcomum, que podem enriquecer o olhar emrelação aos fenômenos educacionais.

Atuar com outros profissionais pode ajudar aromper com uma visão dominante entre ospsicólogos de uma certa onipotência daPsicologia, compreendendo cada vez mais queé necessário ir além dos conhecimentospsicológicos , para facilitar a compreensão dacomplexa teia de relações presentes nocotidiano de uma organização social. O traba-lho coletivo possibilita essa troca, através dos“diferentes olhares” para o mesmo fenômenoe pode, dessa forma, construir uma com-preensão da totalidade do fenômeno estudadoe observado.

Entendemos que, para discutir o trabalhocoletivo, torna-se necessário trazer tal questãopara o terreno da interdisciplinariedade,terreno esse que tem sido foco de muitosdebates. Nessas reflexões, aparece aimportante contribuição dada por Seve-rino(1995), que discutiu a relação entre o uno

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e o múltiplo nas relações entre as áreas dosaber, apontando que tal tema não é novo naFilosofia; entende que o que compareceatualmente como novo é o sentido dado nessarelação, onde não se busca mais a polarizaçãode um(uno) sobre o outro(múltiplo), nemtampouco o equilíbrio que elimine as tensõesnessa relação. Para ele, o que parece serfundamental é “(...) o convívio das duasperspectivas de modo que poderíamosreafirmar(...) que o ser é uno e múltiplo aomesmo tempo”(p.47).

Além da discussão puramente epistemológicado tema, o autor descreve que o saber ultra-passa uma reflexão que aponte somente osnexos lógicos entre conceitos e relaçõesformais obtidas com conhecimento de um de-terminado fenômeno e está fundamen-talmente ligado a uma dimensão axiológica,composta pelas dimensões de naturezapolítica e ética. Diz ele: “(...) o saber temtambém a ver com poder e não apenas como ser e com o fazer”(p.47).

Tal afirmação desvela as relações histori-camente construídas pelo homem, através dasmediações sociais entre o saber - construçõesteóricas - e o fazer - o contínuo processo deagir. Esse processo construído pela cole-tividade humana fez emergir a organização dassociedades, cuja constituição, ao longo dahistória, foi estabelecida através de um impor-tante elemento: o poder, transformando asociedade em sociedade política. O forta-lecimento da sociedade política - poder -realiza-se através da aglutinação dos fatoreseconômicos e ideológicos para os quaisconvergem os elementos do saber e do fazer.

É nesse contexto que se torna possívelcompreender as relações de conhecimento etecido social, pois será este tecido o geradorda existência humana e da produção do saber,permeado pelas questões ideológicas,presentes no contexto social. O movimentoque aparece então é o constante embate entreo discurso ideológico, que objetiva legitimardeterminadas relações de poder e o discursocontra-ideológico, que procura , através doexercício do saber, desvelar a alienaçãopresente no primeiro discurso.

Para Severino(1995) “(...) o saber, ao mesmotempo, que se propõe como desvendamentodos nexos lógicos do real, se tornando entãoinstrumento do fazer, propõe-se tambémcomo desvendamento dos nexos políticos,tornando-se instrumento do poder”, o queaponta a importante dimensão da interdisci-plinariedade do saber, na medida em que essa

postura irá contribuir para lidar com acomplexidade da teia de relações que seestabelece na produção do conhecimento,sendo possível dizer que tal postura podefortalecer a consciência crítica sobre aconstituição do saber enquanto uminstrumento de poder. Nessa perspectiva, oautor conclui que ser interdisciplinar éfundamental para o saber e entende que essapostura é uma exigência intrínseca, pois que

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“(...) o saber, enquanto expressão da práticasimbolizadora dos homens, só será auten-ticamente humano e autenticamente saber,quando se der interdisciplinaria-mente”(p.53)

Para Fazenda(1994), o pensar e o agir inter-disciplinar estão ancorados na concepção deque nenhum conhecimento esgota-se em simesmo, no sentido da completude do fenô-meno estudado; por isso, a ação direcionapara o diálogo, para a necessidade da inter-locução com outras áreas do conhecimento,buscando, através dessa mediação, novasperspectivas da realidade e dos fenômenosestudados. Hoje, o caminho das interpene-trações das diferentes áreas do saber revela aangústia do nosso tempo: na divisão frenéticadas especializações do saber, as áreasacabaram perdendo de vista a totalidade doseu próprio objeto. Como nos apontaCapra(1982) “(...) a corrente principal dasidéias se dividiu em dúzias de riachos (p.23)”e estamos diante do dilema de esgotar aprópria fonte.

Parece inevitável que precisamos aprender atrabalhar com o outro, com o olhar diferentedo nosso. Os desafios para a consecução dessatarefa parecem estar em torno de duasquestões principais: a primeira, é superar,dentro da própria Psicologia, o modeloconceitual que privilegia a monicidade do uno,cujo sujeito, segundo Sawaia(1995), torna-seum autista, construindo, então, um modeloque busque o “(...) homem de carne e osso,do sujeito vivente fazendo história e sendo

feita por ela, o qual estava sendo perdidonas análises estruturalistas radicias”(p.97).O segundo desafio está na construção de umametodologia que possa delinear ações quesuperem o confronto de demarcar compe-tências, no sentido corporativo de garantia demercado de trabalho. Como afirmaMorin(1985) “(...) o problema não está emque cada um perca a sua competência. Estáem que a desenvolva suficientemente paraarticular com as outras competências(disciplinas e conhecimentos)que, ligadasnuma cadeia, formariam o anel completo edinâmico, o anel do conhecimento doconhecimento”(p.33).

Portanto, a empreitada do trabalho inter-disciplinar representa um grande desafio e éfundamental para o projeto de promoção desaúde; na realidade a própria concepção desaúde já é marcada como um campointerdisciplinar que busca romper com “status”negativo dado ao diferente, à alteridade.

Esses desafios, transformados em compro-misso e ação, especialmente na práticaprofissional do psicólogo na Educação, podemcontribuir para alterar o problema da exclusãoe do fracasso escolar, presente hoje nas escolasbrasileiras. E neste sentido, mudar o conceitode “saúde” é fundamental, pois o foco deixade ser saúde enquanto ausência de doença,passando a ser compreendida, segundoMartinez(1996), como um conjunto de fatoresque se inter-relacionam (somáticos e psíqui-cos), permitindo ao sujeito desenvolver açõesadequadas no seu contexto social para oenfrentamento das contradições que seapresentam no seu dia-a-dia. Para a autora,“modo de vida, salud y personalidad estánintimamente relacionados entre sí y simul-taneamente están intimamente vinculadosa la educacíon”(p.20).

O projeto de promover saúde, aponta parauma ética da transformação social, que seconcretiza na atuação interdisciplinar, privi-legiando o acesso ao conhecimento (socia-lização do saber) enquanto instrumen-talizaçãonecessária para uma ação (fazer), que possaalterar positivamente determinada realidadeindividual / inst i tucional /comunitár ia.Fontana(1997) utilizando-se do pensamentode Vygotsky, sintetiza a essência dessa prática,

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apontando que “(...) é no movimentomediado pelo “outro” que aprendemos eapreendemos o vivido, que nos elaboramos,que reafirmamos e transformamos o quesomos, que nos desenvolvemos e nossingularizamo-nos... Aprendizado notempo”(p.197)

A formação na direção daPromoção de Saúde

A formação do profissional de Psicologia,dentro dessa discussão não pode ficar de fora,pois será a forma como a ela encontra-seestruturada nas suas questões teórico/práticas,que irá apontar para uma determinadaidentidade profissional. A formação, hoje, viade regra, está calcada em um modeloconservador de promoção de saúde, privi-legiando um modelo clínico, sustentado porteorias que têm o seu foco voltado para adescrição dos comportamentos patológicos,produzindo, dessa forma, técnicas diagnósticasvoltadas tanto para a cura como para aprevenção desses comportamentos. Essasituação tem contribuído para umaconsolidação da identidade do psicólogomarcada exclusivamente pelo seu caráterterapêutico, dificultando a construção de umoutro perfil profissional que possa atenderdiferentes situações, como as institucionais ecomunitárias.

Para alterar tal situação, parece ser necessáriorealizar, cada vez mais, discussões como asque Branco (1999) fez em seu artigo, sobre operfil do profissional que saí , hoje, dasfaculdades. Diz a autora: “que tipo deprofissional queremos formar nos cursos dePsicologia? Comprometido com a mudançaou com a legitimação das relaçõessociais?(...) preso à áreas específicas deatuação ou capaz de lidar com questões desaúde mental dentro de uma visão detotalidade da atividade humana?”(p.33)

Será nas discussões desse “todo indissociável”,traduzido em fenômeno psicológico, quedevem surgir reflexões que incluam não só asquestões éticas como também o desen-volvimento de uma postura crítica sobre asquestões políticas e sociais presentes nocontexto onde se dá a intervenção do profis-sional de Psicologia. Tais reflexões devem estar

presentes ao longo da formação, permitindoque se amplie o debate das questões teóricasda Psicologia e das práticas delas derivadas e,fundamentalmente, discutir a função social doprofissional de Psicologia, dentro de umarealidade de pobreza e exclusão da maioriada população. Estas discussões podempossibilitar ao estudante a construção de umapostura ética e crítica sobre o “saber” e o“fazer” psicológico.

Essas preocupações, são parte do cotidiano demuitos psicólogos, como foi possível verificarnos discursos dos profissionais que participaramda minha pesquisa. É imperativo ampliar, cadavez mais, discussões que apontem para umnovo padrão na formação, que possamsubsidiar alterações no perfil conservador queainda predomina, na maioria dos cursospresentes. Os psicólogos que apontam taispreocupações em suas reflexões sobre aformação, não fogem às questões mais amplasdo movimento da categoria, na medida emque eles encontram-se, ao longo do seu tempoprofissional, mergulhados neste contexto daPsicologia brasileira como construtores e sendoconstruídos por ele: sujeitos, tempo econtextos, produzindo profissionais dePsicologia. Esse processo de construção é assimdescrito por Fontana(1997)”(...)no tempo,vivemos e somos nossas relações sociais,produzimo-nos em nossa história.(...) Notempo nos constituímos, relembramos,repetimo-nos e nos transformamos,

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capitulamos e resistimos, mediadas pelooutro, mediadas pelas práticas e significadosda nossa cultura. No tempo, vivemos osofrimento e a desestabilização, as perdas,a alegria, e a desilusão. Nesse movimentocontínuo, nesse jogo inquieto, está emconstituição o nosso ser profissional” (grifonosso, p.203).

O “movimento de transformação”, na direçãode uma outra formação em Psicologia, deveser pensada numa conceituação que amplia anoção de saúde, abarcando as condições emodos de vida das pessoas. Nessa perspectiva,as condições sociais estão intimamente ligadasao desenvolvimento da saúde, por entenderque a sociedade se estrutura pelas suasorganizações sócio-econômicas e estas

acabam determinando o modo de vida doshomens presentes em cada grupo social. ParaRey(1993), “ la sociedad, con los recursos eorganización de que dispone, define unconjunto de condiciones que de forma directaou indirecta influyen sobre la salud hu-mana”(p.19).

O reflexo dessa outra visão de saúde naPsicologia recai diretamente na conceituaçãodo fenômeno psicológico. Essa questão éencontrada no trabalho de Bastos eAchcar(1994), que descrevem uma mudança

na concepção do fenômeno psicológico quetem sido históricamente no Brasil “centradono plano individual (indivíduo a-histórico,isolado do seu contexto social)” para umareformulação do fenômeno psicológico “vistona sua interdependência com o contextosocio-cultural”(p.250)

Para desenvolver um profissional preparadopara atuar nessa perspectiva é necessária aconstrução de espaços de reflexões quefavoreçam o aparecimento de um novoprofissional de Psicologia. Esse novo profis-sional não seria a negação da promoção desaúde baseada na identidade terapêutica deum profissional da cura, característica aindaforte entre os psicólogos 2 e a comunidade emgeral. Implicaria na ampliação da atuação queseria a de um profissional que pode trabalharcom a promoção da saúde psicológica inseridanas questões mais amplas da vida dosindivíduos, de modo a favorecer o seu auto-conhecimento, tornando-se construtor da suaprópria história e da sua cidadania, dando, umaoutra caracterítica à intervenção do profissionalde Psicologia.

Bock e Aguiar(1995) consideram comoprincipal objetivo da Psicologia a promoçãoda saúde. Segundo as autoras, “o psicólogo éum profissional que deve trabalhar para apromoção da saúde, superando a prática daprevenção”(p.10). Sem negar o aspectocurativo da Psicologia, as autoras apontam queé necessário ir além de tal prática, visto que aação preventiva trás, no seu interior, a visãoda patologia, cuja lógica é a necessidadeconstante de desenvolver ações direcionadasao sintomas das doenças. A mudança doenfoque passa, então, para um trabalho quenão mais enfoque a doença, mas sim a saúde.

Bastos e Achcar(1994) apontam que, nomodelo tradicional, a natureza da intervençãoera “focada no indivíduo “intra-psi” cujapredominância era a “do caráter curativo,remediativo”. Os movimentos de transfor-mação de um novo modelo passam a privilegiaruma intervenção mais “centrada emcontextos, em grupos, ação preventiva ,prospectiva” (p.255). É na busca dessenovo profissional que é possível apontarcomo a formação pode, de fato, propiciara profis-sionalização das ações do psicólogo

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2- Na pesquisa “Psicologia:“Psicologia:“Psicologia:“Psicologia:“Psicologia:FFFFFormação, Aormação, Aormação, Aormação, Aormação, Atuação Prtuação Prtuação Prtuação Prtuação Prooooo -----fissional e Mercado defissional e Mercado defissional e Mercado defissional e Mercado defissional e Mercado deTrabalho”,Trabalho”,Trabalho”,Trabalho”,Trabalho”, realizada em 1995,pelo Conselho Regional dePsicologia-06(SP/MS/MT),através do recadastramento dospsicólogos da região, os dadosencontrados mostraram que aárea de atuação predominanteé a do consultório particular com40,75%. Esses dados confirmama mesma tendência, encontradana pesquisa realizada peloConselho Federal de Psicologiaentre os anos de 85 e 87abrangendo todas as regiões dopaís. Esses fatos revelam quenão houve mudan-ças no perfilda atuação dos psicólogos aolongo dos últimos 10 anos.

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voltada para a maioria da população, emconsonância com a realidade brasileira,buscando compreender, dentro da suacaracterística de profissional, o “fenômenopsicológico” traduzido nas “subjetividades”que se apresentam no contexto social, sejaeste contexto institucional e/ou individual.

A formação, nesta perspectiva, deve procurarromper com o distanciamento entre ciênciae prática, presente, segundo Francisco eBastos(1992), no modelo dominante. Para osautores “ o modelo dominante de formaçãonão articula o processo unificado à for-mação científica(para a produção deconhecimento) e à formação tecnoló-gica( para a prestar serviços)”(p.216). Aconse-qüência deste modelo é a predo-minância de uma formação tecnicista que tempor finalidade principal o domínio, por partedo futuro profissional, de técnicas do “comofazer”, aprofundando a distância entre práticaprofissional e geração de conhecimentocientífico.

Superar tal situação exige uma novaarticulação entre ciência e prática, buscandocaminhos para uma efetiva integração. Dentrodeste enfoque, segundo os autores, questõescomo diferentes concepções do fenômenopsicológico presentes nas teorias, estágios,trabalho interdisciplinar, pesquisa, habilidadestécnicas, compromisso ético e político,passam por uma revisão capaz de provocarrupturas importantes, entre elas a de“entender a necessidade de uma inter-venção social-política para além doindividual”(p.220).

É importante acrescentar que a produção daPsicologia, até por força da sua constituiçãoenquanto Ciência, restringe-se à busca dedesvendar os fenômenos psicológicos,produzindo conhecimento e teorias psico-lógicas; mas nas intervenções em situaçãoreal, esses mesmos fenômenos psicológicosestão interagindo com outras variantes quesão analisadas por outras áreas do conhe-cimento ou por equipes interdisciplinares.Dessa forma, é fundamental adquirir apren-dizagens, no período da Formação, quepossam instrumentalizar o aluno a desen-volver ações conjuntas com outros profis-sionais.

Como apontam Bastos e Achcar(1994), “anatureza complexa dos fenômenos quedemandam a intervenção do psicólogo, nosdiversos domínios do seu campo de atuação,aliada às concepções emergentes queprocuram ver o fenômeno psicológico nassuas interações, conduz à necessidade deintegração de múltiplas perspectivasprofissionais”. Dessa forma, o trabalho juntoa outros profissionais torna-se “um imperativopara que o enfrentamento do problema sejacongruente com as múltiplas facetas que eleassume”(p.254).

É possível concluir que, nesse amplo processode reflexões que apontam as contradições eas possibilidades de superá-las, já está emcurso a construção de uma prática profissional,

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cuja identidade está se configurando na direçãode um novo conceito de saúde, conformeaponta Branco(1999) “não deve haver dúvidade que o profissional que pretendemosformar se comprometerá com a promoçãoda saúde. Para tal, não poderá legitimar asrelações de violência instituídas da socie-dade. A saúde envolve a eliminação da fome,da miséria, da ignorância e de qualquerforma de opressão. O compromisso dopsicólogo só poderá ser com a mudançasocial”(p.34).

Considerações Finais

A promoção de saúde aparece como umacondição importante para que haja umamudança de práticas profissionais, havendo,porém, a necessidade de se alterar o próprioconceito de saúde enquanto ausência dedoença, hoje fortemente presente nas repre-sentações dos profissionais de Psicologia,derivando uma atuação eminentementecurativa.

No campo específico da atuação da Psicologiana Educação, esse novo conceito de saúde jáaparece nos debates. Martínez(1996), porexemplo, descreve a escola como um espaçovital para a promoção de saúde, destacandoque tal promoção é função do conjunto dasociedade e das suas instituições. Segundo aautora “La nueva concepcíon de salud quepresentamos guarda una relacíon mas

evidente com el proceso educativo. A partirde ella podemos analizar el papel de laescuela, como una das instituciones básicasde la sociedad, en el processo desalud”(p.20).

Nessa ótica, Neves(1997), em seu trabalhode tese realizado junto a um grupo de profes-sores, considera que “o importante é cons-truirmos uma nova possibilidade deintervenção psicológica” apontando para umaintervenção que não fique somente naresolução do problema já posto, mas quebusque novas formas de promover saúde queela define como “um trabalho de re-significações das relações e experiênciasvividas como mantenedoras da exclusão eexploração”.(p.247).

A grande aprendizagem que toda essadiscussão pode desencadear, junto aos psicó-logos, será o de construir discussões coletivasque poderão caracterizar uma identidadeprofissional, baseada na instrumentalizaçãotécnica apoiada numa visão teórica consis-tente, compreendendo de forma crítica afunção social da profissão no contextobrasileiro.

A compreensão da natureza política da práticaprofissional do psicólogo poderá criarcircunstâncias que estabeleçam compromissosconcretos para responder indagações queestão presentes no seu cotidiano, como estas:como romper com a ideologia liberal aindafortemente presente nas concepções teóricase práticas profissionais dos psicólogos? Comoestruturar um modelo de formação e atuaçãoque atenda à maioria da população, com oobjetivo ético de buscar garantir a essapopulação a apropriação da sua condiçãohumana?

Entendemos que o projeto de promoversaúde, através da prática psicológica, emespecial na Educação, necessita, no processode sua construção, ter como base duasdimensões fundamentais. Uma é dimensãoética, que se compõe pela solidariedade aooutro e com o outro, onde segundoGuareschi(1998) ”reconhecemos o outrocomo uma pessoa com quem entramos emdiálogo e que, na convivência, é essencial ànossa realização humana, e não comosimples indivíduo que está ao nosso lado,

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com quem entramos em contato pelo simplesmotivo da sobrevivência, em competiçãopotencial conosco”, ou seja, compreendendoo ser humano como um ser dialógico em suasingularidade e alteridade, cuja “subjetividadeé composta por milhões de relações queestabelece durante toda sua existên-cia”(p.18). Nessa visão relacional entre oshomens, a concretude da ética determinaque não haja alguém privado dos direitossociais básicos da vida , senão ela se tornainócua, abstrata.

A outra é a dimensão política do compromissocom a transformação social. Camino(1998)discute a responsabilidade social da Psicologiae sua relação com a construção dos DireitosHumanos. Para o autor é possível “(...) afir-mar que a Psicologia participa claramentenos processo de exclusão/inclusão que sedesenvolvem no interior das sociedades, apartir da maneira de definir as diferençassociais e culturais: diferenças como as degênero, raça, normalidade etc.”. Longe desimplificar a Psicologia segundo uma visãomaniqueísta, o autor afirma que é necessário“(...) que o avanço nas definiçõespsicológicas dos diversos grupos sociais nãodecorre só da acumulação de informaçõessobre esses grupos, mas também da oposiçãode visões que se desenvolvem em função daspertenças sociais e das ideologias dosdiversos grupos que investigam essesproblemas”(p.60).

Pode-se afirmar que os construtores daPsicologia são sujeitos históricos e mergulhadosno contexto ideológico da época. As diversasidéias psicológicas sobre o homem, quecompõem a ciência Psicológica e as suaspráticas profissionais, refletem as contradiçõese as complexidades presentes no interior deuma dada sociedade em um determinadomomento histórico. Portanto, é necessáriosuperar uma consciência ingênua para poderrealizar análises que apóiem as múltiplasvariantes que determinam o aparecimento edesenvolvimento do conhecimento científico,onde figura, entre outras, a Ciência Psico-lógica.

Ao direcionar essas duas dimensões, ética epolítica, frente à realidade tão antagônica demiséria de muitos e riqueza de poucos em

nosso país, visando a um projeto de promoçãode saúde na Educação, o que aparece comoprioridade é o de mudar a política atual queimpõe um quadro da exclusão da maioria dascrianças brasileiras do acesso e permanênciana escola. Este fato vem privando essapopulação do conhecimento acumulado esistematizado pela cultura, tornando-se umgrave problema ético pela ausência de umDireito Básico que é o da Educação. Não épossível ficar indiferente frente a esta realidadetão dramática. Valls(1996) descreve bem essadramaticidade com a qual nos defrontamos.Diz ele: “(...) se é verdade que as grandesreformas de que nosso país necessita nãosão questões apenas éticas, mas tambémpolíticas, o inverso não é menos verdade:não são só políticas, são questões éticas quedesafiam o nosso sentido ético”(p.73).

Como é possível, então, construir projetos depromoção de saúde que alterem tal situação?Não há uma resposta fácil e simples. Noentanto parece importante iniciarmos atravésdo exercício dialético da ação-reflexão-ação,com o objetivo de fortalecer e qualificar essatarefa que é árdua, e fundamentalmente, co-letiva e interdisciplinar, para podermos propiciara constituição de uma outra identidade profis-sional para o psicólogo.

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Sobre a questão da construção da identidadeprofissional, considero interessante a analogiaque Fontana(1998) faz sobre essa temática,com o complexo aprendizado de bordar. Dizela: “Assim, o nosso começo, começa pelo“em se fazendo” por entre múltiplos fioscolocados juntos, enlaçados, entrelaçados,que em movimento compõem tramasdiversas. (...) mas o bordado não é mágico,ele se faz com/pelo trabalho, nosacontecimentos, no tempo(...) introduzimos

novos pontos no bordado, suprimos outros,revemos planos, misturamos cores efios...Tecendo e destencendo, constituimo-nos como profissionais”(p.198).

Este parece que será o nosso grande desafio,o de buscar tecer, entre os nossos múltiplosfios, outras formas e cores, que poderãodesenhar, no nosso devir profissional, umbordado novo, no qual possamos nos reconhe-cer como construtores!

Maria de Lourdes Jeffery ContinRua 13 de junho, 1615/aptº603 CEP:79331-070 -

Corumbá MS. Tel: (067) 231.2239E-mail: [email protected]

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Referênciasbibliográficas

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Recebido em 00/00/99 - Aprovado em 00/00/99