disciplina, educaÇÃo e socializaÇÃo disciplina, …

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ATOS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 9, n. 2, p. 490-516, mai./ago. 2014 DOI http://dx.doi.org/10.7867/1809-0354.2014v9n2p490-516 DISCIPLINA, EDUCAÇÃO E SOCIALIZAÇÃO DISCIPLINA, EDUCACIÓN Y SOCIALIZACIÓN RASIA, José Miguel [email protected] Universidade Federal do Paraná RESUMO A questão da disciplina escolar assume hoje uma dimensão nova para professores e pais de alunos. Muitos são os relatos de agressão mútua entre alunos e de alunos contra professores. Considerando a dimensão recente que essas agressões têm tomado, proponho aqui uma reflexão sobre este fenômeno a partir da tematização da disciplina, da educação e da socialização. Assim, partindo da disciplina em Foucault (1977; 1999), encaminho a discussão sobre o tema, considerando as contribuições de Elias (1993; 1994) e Durkheim (1978). Para Foucault e Elias, embora cada um a apresente de forma particular, o que se observa é que disciplina e sua função civilizadora exigem do indivíduo o controle de si, o autocontrole. As concepções de Durkheim sobre a educação e a socialização se encontram com o pensamento de Elias e Foucault, na medida em que a educação e a socialização se inscrevem nos mecanismos de constituição e formação do homem requerido pelo processo de divisão social do trabalho. A negação dessa função da disciplina, comum entre leitores de Foucault, decorre muitas vezes do que considero uma compreensão equivocada do papel da disciplina para o laço social. Assim, a tese que defendo é que a disciplina não se confunde com repressão nem com uso da força, ao contrário é o mecanismo através do qual se instaura no horizonte do indivíduo a consciência de si e do outro, sem a qual não se funda o humano no homem. PALAVRAS-CHAVE: Disciplina. Educação. Socialização. RESUMEN La cuestión de la disciplina en la escuela tiene hoy una dimensión nueva para los maestros y los padres. Muchos son los relatos de agresión entre alumnos y de estos hacia los maestros. En este artículo presento una reflexión sobre el tema de la disciplina, la educación y la socialización. Propongo una discusión tomando para esto el tema de la disciplina en Foucault (1977; 1999) y también los aportes de Durkheim (1978) y Elias (1993; 1994). De Elias tomo el concepto de proceso civilizador y de Durkheim sus escritos sobre la educación. La disciplina y su función socializadora es el centro de la discusión de Foucault y también de Elias, sin embargo cada uno de ellos desarrolla una forma propia de tratarla. Para ambos autores lo común es que la disciplina en su función civilizadora exige del hombre el control de sí mismo, el autocontrol. En la medida en que la educación y la socialización están inscritas en los mecanismos de constitución del hombre, tal como lo exige el proceso de la división del trabajo, estos conceptos se relacionan con el concepto de educación en Durkheim. La negación de la función civilizadora de la disciplina, negada por muchos lectores de Foucault, resulta en lo que considero una comprensión equivocada o reductora de cuál es el papel de la disciplina para la

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DISCIPLINA, EDUCAÇÃO E SOCIALIZAÇÃO

DISCIPLINA, EDUCACIÓN Y SOCIALIZACIÓN

RASIA, José Miguel

[email protected]

Universidade Federal do Paraná

RESUMO A questão da disciplina escolar assume hoje uma dimensão nova para professores e pais de alunos. Muitos são os relatos de agressão mútua entre alunos e de alunos contra professores. Considerando a dimensão recente que essas agressões têm tomado, proponho aqui uma reflexão sobre este fenômeno a partir da tematização da disciplina, da educação e da socialização. Assim, partindo da disciplina em Foucault (1977; 1999), encaminho a discussão sobre o tema, considerando as contribuições de Elias (1993; 1994) e Durkheim (1978). Para Foucault e Elias, embora cada um a apresente de forma particular, o que se observa é que disciplina e sua função civilizadora exigem do indivíduo o controle de si, o autocontrole. As concepções de Durkheim sobre a educação e a socialização se encontram com o pensamento de Elias e Foucault, na medida em que a educação e a socialização se inscrevem nos mecanismos de constituição e formação do homem requerido pelo processo de divisão social do trabalho. A negação dessa função da disciplina, comum entre leitores de Foucault, decorre muitas vezes do que considero uma compreensão equivocada do papel da disciplina para o laço social. Assim, a tese que defendo é que a disciplina não se confunde com repressão nem com uso da força, ao contrário é o mecanismo através do qual se instaura no horizonte do indivíduo a consciência de si e do outro, sem a qual não se funda o humano no homem. PALAVRAS-CHAVE: Disciplina. Educação. Socialização. RESUMEN La cuestión de la disciplina en la escuela tiene hoy una dimensión nueva para los maestros y los padres. Muchos son los relatos de agresión entre alumnos y de estos hacia los maestros. En este artículo presento una reflexión sobre el tema de la disciplina, la educación y la socialización. Propongo una discusión tomando para esto el tema de la disciplina en Foucault (1977; 1999) y también los aportes de Durkheim (1978) y Elias (1993; 1994). De Elias tomo el concepto de proceso civilizador y de Durkheim sus escritos sobre la educación. La disciplina y su función socializadora es el centro de la discusión de Foucault y también de Elias, sin embargo cada uno de ellos desarrolla una forma propia de tratarla. Para ambos autores lo común es que la disciplina en su función civilizadora exige del hombre el control de sí mismo, el autocontrol. En la medida en que la educación y la socialización están inscritas en los mecanismos de constitución del hombre, tal como lo exige el proceso de la división del trabajo, estos conceptos se relacionan con el concepto de educación en Durkheim. La negación de la función civilizadora de la disciplina, negada por muchos lectores de Foucault, resulta en lo que considero una comprensión equivocada o reductora de cuál es el papel de la disciplina para la

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491 fundación del lazo social. Por lo tanto, la tesis que me propongo entonces, es que la disciplina no debe ser confundida con la represión y tampoco con el uso de la fuerza, por el contrario es el mecanismo a través del cual se establece en el horizonte del individuo la conciencia de sí mismo y del otro, sin la cual no se fundamenta lo humano en el hombre. PALABRAS-CLAVES: Disciplina. Educación. Socialización.

INTRODUÇÃO

A ideia deste artigo surgiu de uma das várias leituras que fiz da Ordem do

Discurso e de Vigiar e Punir, que Foucault publica respectivamente em 1970 e 1975,

na França. Incomodado com boa parte das leituras dessas obras no que tange à

disciplina e à sociedade disciplinar, procurei rever a abordagem que Foucault utiliza

na análise dessas questões. Assim sendo, retomei esses textos com um objetivo

específico, qual seja, buscar compreender como Foucault inscreve a disciplina no

contexto do laço social, portanto da relação entre os indivíduos, na construção da

individualidade moderna e por que não da socialização e da educação nas

sociedades capitalistas. Nesse sentido, suponho que seja necessário uma leitura

para além da que comumente se faz que associa disciplina e punição, resultando

muitas vezes numa equação na qual os dois fenômenos se equiparam. Essa

associação decorre, muitas vezes, da atenção que, na leitura, se dirige unicamente

para os exemplos históricos por ele tematizados em Vigiar e Punir e na História da

Loucura, sem que se dedique a mesma atenção para outras situações em que a

disciplina está mais associada ao controle social, à formação do indivíduo do que à

punição. Associar disciplina à punição e à violência só vale nas situações limites

discutidas por Foucault (1977, 1997), o asilo de loucos da idade clássica e a prisão.

Para tanto, essa associação só tem algum sentido quando se consideram os

exemplos discutidos e seu contexto histórico. Para além do mais comum nesta

compreensão - que parte principalmente da leitura de Vigiar e Punir, texto no qual a

exposição se centra na análise das técnicas disciplinares numa situação limite

dominada pela força - trata-se de compreendê-la no contexto dos mecanismos

punitivos levadas a cabo na prisão. Se considerarmos a disciplina somente nessa

perspectiva, deixamos de lado uma dimensão fundamental da abordagem

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492 foucaultiana, qual seja, a dimensão ética da disciplina. Pensar a disciplina no

contexto da educação e da socialização de indivíduos é pensá-la a partir de seu

significado para a constituição da sociedade e da relação com o outro. É nesse

sentido que quero explorar estes textos, sem fazer deles objeto de exegese, nem

ficar preso a uma exposição ponto a ponto de sua concepção de disciplina.

Proponho-me, portanto, a discutir a dimensão civilizadora da disciplina, que subjaz

na tematização que realiza Foucault (1999). Para tanto, procuro colocar a

concepção de Foucault (1999) em linha com o pensamento de Elias (1993; 1994), e

de Durkheim, (1978). Com isso penso poder contribuir para explicitar uma questão

muito presente hoje nas discussões sobre a educação e a socialização de crianças e

adolescentes em contextos sociais de crise de autoridade, crise esta que se

manifesta nas formas de negação do outro, em que a agressão e a violência física

são os exemplos mais extremados. Não são poucos os fatos cotidianos que revelam

essa crise, seja nos conflitos entre as crianças e os adolescentes, seja entre alunos

e seus professores. Dar conta desses conflitos na escola é hoje um desafio diário

para os educadores.

Não discutirei em detalhes a agressão e a violência, mas as tomo como fato a

ser pensado à luz desses autores inscritos que estão no âmbito dos processos

educativos - escolares ou não -, de socialização e de toda forma de relação com o

outro. É esse fato que está em meu horizonte e que acossa por entendimento.

Minha hipótese considera que a disciplina, no âmbito do seu exercício cotidiano e de

sua incorporação no laço social, contribui significativamente para o estabelecimento

de processos de interação nos quais o outro é reconhecido, estabelecendo-se assim

a alteridade entre os indivíduos. É na relação com o outro que conteúdos simbólicos

podem ser compartilhados e daí o estabelecimento de sentidos comuns vivenciados

coletivamente. Ou seja, a disciplina é condição para a criação do laço social, da

sociação como diz Elias (1994), ela está no fundamento de toda a sociedade como

se depreende da leitura de Durkheim (1978).

O reconhecimento do outro e a alteridade enquanto manifestações do laço

social são a base sobre a qual se assentam as formas da interação e da

sociabilidade humana. Não há civilização possível sem disciplina, é esse, em meu

entender, o conteúdo ético da disciplina. Assim, levo ao limite a hipótese da

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493 sociedade disciplinar de Foucault (1977; 1999), afirmando que se a sociedade em

sua versão moderna reinventa, através do saber, a disciplina de que necessita para

manter os indivíduos no laço, ao mesmo tempo se reinventa como sociedade.

Gostaria que essa hipótese, se válida, não fosse tomada em sentido moral,

prescritivo, mas que ajudasse a pensar, sociologicamente e, por que não, de um

ponto de vista ético, o que se passa hoje com a educação de crianças e

adolescentes. Presenciamos, no dia a dia agressão e violência no contexto familiar,

através do não reconhecimento da autoridade paterna e no contexto escolar, pelo

não reconhecimento do professor e dos colegas, como o outro da alteridade temos

que tomar em conta para análise essas manifestações. Não é diferente nos

processos em espaços próprios de crianças e adolescentes onde são constantes

conflitos e agressões físicas. Pensar a agressão e a violência por parte de crianças

e adolescentes nesses contextos é, suponho, uma via para a compreensão dos

mecanismos de objetivação do indivíduo e, ao mesmo tempo, das formas de

subjetivação1 de sua relação com o outro, seja este adulto, criança ou adolescente.

FOUCAULT E A QUESTÃO DA DISCIPLINA

No centro da discussão sobre o poder em Foucault, a disciplina possui

importância relevante. Não se podem compreender as diversas formas do poder

sem que se leve em conta as técnicas que viabilizam seu exercício e, dentre tais

técnicas, se sobressai a disciplina como conjunto de mecanismos pelos quais se

mantém a regularidade da ordem social. E aqui é crucial ressaltar a contribuição da

disciplina na constituição do indivíduo socializado. Falo de indivíduo, porque estou

considerando, com Foucault (1979), a perspectiva individualizadora da disciplina.

Nesse sentido, assumo desde o início o aspecto positivo da disciplina2.

As diferentes formas do poder em Foucault (1979) se constituem num conjunto

de poderes que se observam e se analisam a partir de uma inovação metodológica.

Esta inovação consiste fundamentalmente em identificar formas de poder que, se

1 Tomo de empréstimo aqui a concepção de Simmel (2002) sobre o processo de interação para

pensar a objetivação e a subjetivação, ou seja, esses processos oscilam entre o equilíbrio, a harmonia e o conflito. Ou, como afirma Simmel (2002), viver com o outro, para o outro e contra o outro. 2 Ver a este respeito: Foucault (1999) e Machado (1979).

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494 por um lado, rompem com a análise clássica que localizava o poder no Estado, com

Foucault a poder está em todo lugar e é exercido nas relações cotidianas entre

indivíduos e entre estes e as instituições. É essa torção metodológica que torna a

obra de Foucault relevante para o estudo do poder. Faz parte, ainda, dessa

inovação a forma como Foucault trata a questão do discurso e seu regime de

produção da verdade. Ou seja, o poder se desloca do âmbito do que se

compreendia até então como esfera política (Estado) para inscrever-se nas relações

e nas práticas que compreendem a vida mais comezinha e regular do indivíduo,

instituindo-se, assim, num conjunto de micropoderes. Aqui entra em cena uma nova

dimensão da política que se apresenta como micropolítica. Foucault revela, desse

modo, a política para além das instituições e do Estado. Essa dimensão micro do

poder e da política é uma invenção tipicamente moderna, que só se viabiliza após a

dessacralização da verdade e, obviamente, do poder. Nesse sentido, a Ordem do

Discurso (FOUCAULT, 1999)3, ajuda a compreender como Foucault trabalhou a

relação entre poder, discurso e verdade4. Desdobrando-se o binômio poder-saber,

encontramos a tríade discurso, verdade e poder (seu funcionamento, bem como

seus efeitos sobre o indivíduo e a ordem social). Desses efeitos, os principais e mais

observáveis, situam-se no nível da constituição e do funcionamento de formas de

classificação de indivíduos, eventos e do próprio discurso, que, em grandes traços,

são apresentados como formas autorizadas ou não autorizadas de ser, de dizer e de

existir. Dois exemplos desse funcionamento podem ser considerados aqui: os

eventos que envolvem a sexualidade, a loucura e o discurso, o saber que sobre elas

se constitui, excluindo, no caso da loucura, o louco (o desautorizado) como

enunciador de discurso, e, da sexualidade, o indivíduo praticante de formas não

autorizadas ou reconhecidas socialmente como legítimas.

Em sua conferência no Collége de France em 1970, Foucault enuncia a

seguinte questão: “[...] O que há, enfim de tão perigoso no fato das pessoas falarem

3

As datas das obras citadas aqui são da edição que disponho em português, adotei este procedimento para facilitar a busca dessas obras pelo leitor. 4 Prefiro esta tríade ao binômio poder e saber para se referir a essa relação, dado o desgaste e a

simplificação que podem estar por trás do binômio saber-poder. Usar a tríade poder, discurso e verdade não significa negar o binômio saber-poder, pois discurso e verdade são constitutivos do saber de que trata Foucault, pois se referem aos procedimentos de exclusão - dentre estes, cita Foucault: interdição, separação e, seu sinônimo, rejeição (FOUCAULT, 1999, p.9). Saber, no binômio citado, é sinônimo de discurso autorizado fundado na razão moderna.

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ATOS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 9, n. 2, p. 490-516, mai./ago. 2014 DOI http://dx.doi.org/10.7867/1809-0354.2014v9n2p490-516

495 e de seus discursos proliferarem indefinidamente? Onde, afinal, está o perigo?”

(FOUCAULT, 1999, p.8).

E continua:

Eis a hipótese que gostaria de apresentar esta noite, para fixar o lugar – ou autalvez o teatro muito provisório – do trabalho que faço: suponho que em toda a sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por um certo número de procedimentos que tem por função conjurar seus poderes e perigos e dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade. (FOUCAULT, 1999, p.8.9).

Essa hipótese está na base de todo o seu esforço e seu trabalho no sentido de

compreender o poder, seus diferentes modos de exercício e seus desdobramentos

ou efeitos. É essa a pesada materialidade do discurso que o atormenta e que será a

preocupação de sua vida inteira.

Se afirmei que a loucura e a sexualidade são dois exemplos de “regiões” da

vida sobre as quais o discurso autorizado atua, não é diferente com a disciplina e a

punição. As técnicas disciplinares apresentadas por Foucault em Vigiar e Punir

(1977) não são senão resultantes de um discurso da ciência, da ordem, do controle

e da disciplina? Aqui chegamos onde assento minha hipótese, a qual tem uma

relação absolutamente próxima com o poder, mais especificamente, com o

micropoder, suas formas e com um regime de verdade, pois sem esta o poder, seja

no nível macro ou no nível micro, fica destituído de qualquer eficácia.

Onde reside, então, o núcleo de minha crítica a muitas das interpretações que

são feitas sobre a disciplina e a sociedade disciplinar a partir da leitura da obra de

Foucault? Reside exatamente em reduzir a compreensão da disciplina aos

mecanismos de punição apresentados por Foucault (1977; 1997), principalmente na

sua análise da loucura e da prisão.

Se as técnicas disciplinares e punitivas, discutidas em Vigiar e Punir, têm como

objetivo a formação do corpo dócil, podemos dizer que é a docilidade que se busca

quando se trata de controlar as pulsões dos indivíduos e aí deve-se distinguir

punição de disciplina. Tomo a docilidade do corpo entendida não como um requisito

moral, mas como fundamento da condição humana do homem.

O discurso sobre a sexualidade e suas práticas se enraíza no controle das

pulsões e seu poder destruidor. Aqui Foucault (1985) se encontra com a teoria

freudiana das pulsões e ambos convergem para a discussão sobre o desejo e suas

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496 manifestações abertamente agressivas. Esse encontro, porém, não significa que

ambos compartilhem das mesmas conclusões. Para Freud5 o efeito que se espera

do controle das pulsões é a capacidade do indivíduo se tornar sujeito de seu próprio

desejo, produzindo representações sobre ele e os objetos de sua satisfação e, em

decorrência, estar apto para reconhecer e participar do laço social. Para Foucault

(1985) o controle sobre o desejo aparece num primeiro momento como uma forma

de interdição ao livre uso do corpo e da sexualidade na busca do prazer. No caso de

Freud (1981) o controle da pulsão se desdobra na premissa ética do predomínio da

cultura sobre o indivíduo, no caso de Foucault (1985) predomina o controle político

sobre o corpo e seus prazeres, controle esse estabelecido por um saber exterior ao

indivíduo e, portanto, uma imposição. Os dois falam, portanto, de interdições. O

sentido da interdição para Freud (1981) está posto no reconhecimento pelo indivíduo

da lei simbólica6 , para Foucault (1985) a interdição tem origem no poder e no

discurso que o institui como verdade, numa imposição.

É necessário que se tomem as afirmações acima com certo cuidado, pois essa

simplicidade na diferenciação do pensamento de Freud em relação ao pensamento

de Foucault sobre o controle da pulsão pode produzir reduções simplificadoras e

indesejáveis. Na raiz dessas simplificações está a compreensão equivocada dos

argumentos de um e de outro sobre a disciplina e o controle. O que está em jogo

nessa compreensão é o tratamento que cada um dá ao sujeito. Não vou me

estender nessa discussão, mas apontar somente que para Freud (1981) o sujeito

está adscrito ao desejo inconsciente e que o controle das pulsões é efeito da

repressão e da subjetivação da sua posição em relação ao outro. Para Foucault

(1985; 1999) o sujeito tem sua condição de existência garantida quando assujeitado

às relações de poder-saber (ou a tríade poder, discurso e verdade). Pode-se

identificar assujeitamento com repressão, mas não se pode esquecer que para

Freud (1981) a repressão da pulsão em seus aspectos destruidores é condição para

a inscrição no laço social.

Se isso que afirmei é verdadeiro, resta ainda uma questão. De que trata Freud

quando introduz a subjetivação da posição em relação ao outro e de que trata

5 Sobre esta questão ver Freud (1981): Mas Allá del Principio del Placer e Los instintos y sus

destinos. (Obras Completas) 6 Para a compreensão desta questão ver Freud (1981): Totem y Tabu. (obras Completas)

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497 Foucault quando afirma que a condição do sujeito é de assujeitamento? Embora o

que vou dizer não seja do agrado de muitos leitores de Foucault e de Freud, não

posso me furtar em admitir que tanto para um quanto para o outro a disciplina está

na base do laço social. Pode-se concluir então que Freud, assim como Foucault,

considera a disciplina, não só como enquadramento à ordem social, à vontade e ao

poder “aparentemente”7 exteriores ao indivíduo, mas como mecanismo de civilização

e diferenciação do indivíduo.

Assim, sou levado a compartilhar do pensamento de Machado (1979) quando

afirma:

A grande importância estratégica que as relações de poder disciplinares desempenham nas sociedades modernas depois do século XIX vem justamente do fato delas não serem negativas, mas positivas, quando tiramos desses termos qualquer juízo de valor moral ou político e pensamos unicamente na tecnologia empregada. É então que surge uma das teses fundamentais da genealogia: o poder é produtivo (sic) de individualidade. O indivíduo é uma produção do poder e do saber. (MACHADO, 1979, p. 21).

Machado prossegue ampliando os limites dessa tese que aparenta ser absurda

à primeira vista. Avança no sentido de mostrar em que medida o indivíduo é um

efeito do poder e busca mostrar como a modernidade fundada na individualidade só

é possível através da disciplina:

[...] as análises genealógicas não discerniram o indivíduo como elemento existindo em continuidade nos vários períodos históricos. Ele não pode ser considerado uma espécie de matéria inerte anterior e exterior às relações de poder que seria por elas atingido, submetido e finalmente destruído. Tornou-se um hábito explicar o poder capitalista como algo que descaracteriza, massifica; o que explica a existência anterior de algo como uma individualidade com características, desejos, comportamentos, hábitos, necessidades, que seria investida pelo poder e sufocada, dominada e impedida de se expressar. De fato não foi o que aconteceu. Atuando sobre uma massa confusa, desordenada e desordeira, o esquadrinhamento disciplinar faz nascer uma multiplicidade ordenada no seio da qual o indivíduo emerge como alvo do poder. (MACHADO, 1979, p. 21).

Depois dessa longa citação de Machado, gostaria de reforçar mais uma vez a

dimensão ética da disciplina, presente na obra de Foucault e reafirmar a importância

da disciplina como categoria analítica para a compreensão das situações

relacionadas à agressão e à violência, enquanto manifestação da crise de

autoridade e do reconhecimento do outro em contextos de socialização, de

7 Aqui o uso do termo “aparentemente” tem o sentido de se contrapor à ideia do indivíduo entendido

como vítima do poder, dos micropoderes, o que está, muitas vezes, presente nas interpretações do pensamento de Foucault.

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498 aprendizagem e, por que não, nas formas contemporâneas de sociabilidade. A

recusa à disciplina e seu sentido ético na sociedade contemporânea tem se

desdobrado na negação da alteridade, não somente entre indivíduos de uma mesma

geração, mas também entre indivíduos de gerações distintas. A escola tem sido

palco constante dessa recusa. O que se observa ali é o conflito e a deslegitimação

de práticas educativas fundadas na exigência de disciplina e de compartilhamento.

ELIAS E O PROCESSO CIVILIZADOR

Se até aqui a preocupação se centrou na apresentação de alguns argumentos

que buscam justificar minha hipótese sobre a disciplina a partir de Foucault, trata-se

agora de colocar em discussão as contribuições de Elias (1993; 1994), tendo como

foco um possível diálogo entre as concepções de sociação e processo civilizador

desse autor com a concepção de disciplina em Foucault nas obras aqui

consideradas.

No prefácio de A Sociedade dos Indivíduos, Elias (1994) estabelece as linhas

que norteiam sua discussão sobre a relação entre indivíduo e sociedade. Ao pensar

o indivíduo e a sociedade, trata-se para Elias, antes de mais nada, de pensar a

relação todo/parte. A totalidade, de acordo com Elias, corresponde à pluralidade dos

indivíduos e às suas interdependências, portanto é mais que a mera junção ou soma

de partes isoladas. A crítica de Elias se dirige às concepções correntes,

principalmente no senso comum, que consideram o ser humano como um ser

isolado, com existência anterior isolada. Enganosa é também, segundo Elias, a

concepção de sociedade que a considera como a somatória de indivíduos

particulares. Decorre dessas concepções que os conceitos de indivíduo e de

sociedade não dão conta da realidade a que se referem. E, assim, cai-se no engano

de considerar o indivíduo e a sociedade como “duas entidades ontologicamente

diferentes”. (ELIAS, 1994, p.7).

Aqui já nos defrontamos com o objeto da preocupação de Elias, não só em A

Sociedade dos Indivíduos, mas também em O Processo Civilizador, qual seja a

análise da relação entre o indivíduo e a sociedade, considerando que ambos só

existem em relação e interdependência. Até aqui nenhuma novidade, pois essa

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499 preocupação é fundante da própria sociologia, o que interessa é pensar as questões

que subjazem nesses textos: a) ontologicamente, na concepção de Elias (1994),

homem e sociedade se constituem, se explicam e se sustentam mutuamente. Não

existindo, assim, origem e desenvolvimento em separado de um e de outro, nem

tampouco, como já vimos, precedência de um sobre o outro. O que se observa, a

partir dessa ontologia, são processos que levam à separação do indivíduo e da

sociedade. Sua contraparte é o reconhecimento e a diferenciação mútuas; b) como

se constitui o processo de separação entre o indivíduo e a sociedade – aqui

identificado como individuação. Ou, de acordo como Elias (1994), como se constitui

o indivíduo singular, por oposição à pluralidade de indivíduos. Essa mesma questão

encontra-se em Hannah Arendt (1984), quando estabelece a singularidade do

indivíduo a partir do binômio igualdade-diferença. A igualdade entre os indivíduos,

segundo Arendt (1984), não se constitui a partir de uma essência humana, mas pela

relação de indivíduos particulares com as condições históricas em que se desenrola

a vida de cada um (sociedade). Não basta, portanto, pertencer à mesma espécie,

não é isso que nos determina como humanos e iguais. A diferença não se resume a

um conjunto de características ou atributos físicos ou psicológicos próprios de cada

um, mas sim a forma particular como cada um age e se relaciona com as condições

de sua existência e com os outros. Assim, o individuo como particular, único, (igual e

diferente dos demais), só aparece enquanto tal na medida em que, juntamente com

outros indivíduos, partilha contingências comuns a todos e é capaz de atribuir

significado a essas contingências (e aqui se está no campo da sociedade e da

cultura); c) a terceira questão que subjaz ao argumento de Elias (1994), aponta para

as condições da existência do individuo – é assim também em Arendt (1984), –

como só sendo possível no laço social, ou seja, na relação com outros indivíduos,

vivendo, portanto, em sociedade. Elias (1994) denomina este processo de sociação.

Dessa questão se pode depreender que o processo de individuação - de

diferenciação e de reconhecimento do indivíduo e do outro - ocorre como efeito da

sociação e do conjunto de significados que se tornam comuns a todos porque são

compartilhados. O laço social, portanto (a sociação), se, por um lado, é a via pela

qual o indivíduo entra na história e na cultura, por outro, funda-se no duplo processo

de diferenciação e de reconhecimento; d) a quarta questão que consigo identificar

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500 em Elias (1994), trata da forma como aquilo que se produz a partir do laço, ao

mesmo tempo em que determina formas de existência e de relação entre indivíduos,

determina também as características e o futuro do próprio laço, da sociação. Ou

seja, se por um lado a sociedade cria o indivíduo particular é ela também criada por

este, embora deva ficar claro que não há intencionalidade nessa criação.

Cabe, ainda, outra questão, quando se articula a concepção de Elias (1994),

com Arendt (1984), no que diz respeito ao indivíduo, ao laço social, à sociedade e à

cultura: na medida em que ambos se situam no plano de uma sociologia da ação,

como explicar as condições históricas em que os indivíduos se encontram em

determinado tempo, considerando que não há intencionalidade na constituição do

laço social? Lembro aqui a importância das contingências para Arendt (1984), que

são entendidas como um conjunto de situações históricas e culturais, que resultam

de um conjunto de forças sociais que atuam como determinantes da existência e da

ação de cada um e de todos. De Elias (1993) convoco para a discussão a noção de

valência e seu caráter criador ao possibilitar a ligação entre um indivíduo e outro.

Posso ser interrogado sobre a função do acaso, porém adianto que não é disso que

se trata, trata-se sim de ligações que os indivíduos fundam enquanto agem e que

determinam o cenário, não só da ação, mas também das interdependências que

estabelecem entre si. Essa questão, portanto, aponta para que se pense não na

resolução da tensão entre o particular e o geral, o indivíduo e a sociedade, a parte e

o todo, mas sim em sua constante reatualização. A tensão está na gênese da

sociação, do laço e de toda relação humana e, portanto, não se trata de resolvê-la,

mas sim de compreendê-la.

Postas estas questões, penso que posso retomá-las chamando para a

discussão dois conceitos importantes na sociologia de Elias (1993; 1994), o conceito

de processo civilizador desenvolvido por Elias (1993; 1994) e o conceito de

socialização desenvolvido por Durkheim (1978). Continuo por Elias e a questão que

ele coloca ao falar da sociedade industrial. Peço permissão aqui para - em lugar de

sociedade industrial, que é uma das formas assumidas pelas sociedades que se

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501 originam da transição para o capitalismo8 - trabalhar com o conceito de sociedade

moderna9.

[...] Que tipo de formação {...} é esta ‘sociedade’ que compomos em conjunto, que não foi pretendida ou planejada por nenhum de nós, nem tampouco por todos nós juntos? Ela só existe porque existe um grande número de pessoas, só continua a funcionar porque muitas pessoas, isoladamente, querem fazer certas coisas, e no entanto sua estrutura e suas grandes transformações históricas independem, claramente, das intenções de qualquer pessoa em particular. (ELIAS, 1994, p. 13).

Elias (1994) coloca em discussão os modelos explicativos para a sociedade

moderna. Critica os modelos que têm como base a intencionalidade dos indivíduos

ou grupos na construção da sociedade, bem como os modelos que derivam das

ciências da natureza – modelos orgânicos – que negam qualquer importância do

indivíduo nesse processo, como se as formas sociais decorressem de processos

naturais de desenvolvimento, sem levar na devida conta o papel das contingências e

da história. Mais que resolver a questão, Elias (1994) aponta uma direção e um

desafio para sua compreensão.

O que nos falta - vamos admiti-lo com franqueza – são modelos conceituais e uma visão global mediante os quais possamos tornar compreensível, no pensamento aquilo que vivenciamos diariamente na realidade, mediante os quais possamos compreender de que modo um grande número de indivíduos compõem entre si algo maior e diferente de uma coleção de indivíduos isolados: como é que eles formam uma ‘sociedade’ e como sucede a essa sociedade poder modificar-se de maneiras especificas, ter uma história que segue um curso não pretendido ou planejado por qualquer dos indivíduos que a compõem. (ELIAS, 1994, p.16).

Se por um lado Elias critica os modelos explicativos baseados na

intencionalidade ou no desenvolvimento natural à moda dos organismos vivos, por

outro, nos leva a pensar que as formas sociais se impõem como condição para a

existência do indivíduo humano. Nesse sentido, arrisco afirmar que nosso destino é

o laço, a relação com o outro ou, como nos ensina Arendt (1984), “viver é estar entre

homens”. E, assim sendo, estar entre homens implica criar laço com o outro e sair

8 Ver a este respeito: Dobb (1971), Perry Anderson (1974), Barrington Moore Jr (1983), I. Wallerstein

(1974) e Scokpol, T.(1999), Polanyi (1992). 9 Não estou interessado, neste momento, em problematizar a modernidade e os alcances desse

conceito na caracterização da sociedade contemporânea, até porque acredito que todas as transformações pelas quais têm passado a sociedade contemporânea a partir dos últimos quarenta anos, ainda não são suficientes para que se pense em formas de sociedade que neguem a modernidade.

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502 do reino expresso da necessidade que aqui pode ser configurado como reino da

natureza e habitar o reino da liberdade, em que a história, a cultura, a liberdade e a

política são as expressões materiais e simbólicas da humanidade do homem. Se

para Arendt (1984) trata-se de superar o reino da necessidade e ascender ao reino

da liberdade, para Elias (1994) trata-se de superar o domínio do instinto ou da

pulsão, enquanto condição de natureza, e inscrever-se no reino da cultura e da

história.

A ideia do laço social, ou da sociação nas palavras de Elias (1994), coloca

essa superação como o desafio primordial para todo o indivíduo ao se constituir

como humano. Chamo primordial, porque esse desafio é ao mesmo tempo

constituinte do laço, da sociação, sem o qual não há possibilidade de vida humana

para o homem. A vida comunitária, que se funda na sociação, exige que se

imponham limites à satisfação individual:

Só pode haver uma vida comunitária mais livre de perturbações e tensões se todos os indivíduos dentro dela gozarem de satisfação suficiente; e só pode haver uma existência individual mais satisfatória se a estrutura social for mais livre de tensão, perturbação e conflito. A dificuldade parece estar em que, nas ordens sociais que se nos apresentam, uma das duas coisas sempre leva a pior. Entre as necessidades e inclinações pessoais e as exigências da vida social, parece haver sempre nas sociedades que nos são familiares, um conflito considerável, um abismo quase intransponível para a maioria das pessoas implicadas. (ELIAS, 1994, p.17).

Ressalto, desse trecho, dois conjuntos de argumentos. O primeiro deles trata

da instabilidade do laço social, das relações entre o indivíduo e da sociedade e dos

abismos, como afirma Elias (1994), que se constituem entre as demandas

individuais e a estrutura social. O segundo se refere a acontecimentos de ordem

histórico-conjuntural. Considerando que esse ensaio foi escrito em 1939,

necessariamente incorpora a experiência Europeia pós-guerra de 1914 e a presença

trágica do nazismo e da II Guerra Mundial em 1939. Pontuar esse quadro ajuda a

entender o segundo conjunto de argumentos de Elias.

Pelo primeiro conjunto de argumentos, não se pode esperar que haja

correspondência entre o grau de satisfação considerado suficiente pelo indivíduo -

até porque a economia psíquica do indivíduo, como bem mostrou Freud, não

reconhece nenhum grau de satisfação como suficiente - e a satisfação possível de

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503 ser alcançada ou oferecida pela sociedade. Tanto Elias (1994) quanto Freud (1981)

convergem para a mesma argumentação, ou seja, não existe correspondência entre

o grau de satisfação esperado pelo indivíduo e o que lhe é socialmente oferecido ou,

ainda mais, permitido alcançar. As interdições sociais e a renúncia pulsional, que

estão no fundamento dessa discussão10, ajudam a compreender as discrepâncias a

que se refere Elias (1994). Assim, a satisfação alcançada não pode ser medida pela

vontade ou pelo desejo individuais. A satisfação alcançada comporta sempre um

resíduo de frustração, exatamente por ser engendrada na relação entre indivíduos

singulares que se reconhecem como tais e mediada pelas formas impostas pela

ordem simbólica. Fora disso, qualquer satisfação se inscreve no campo da

perversão.

Do que se fala quando se afirma que a realização da satisfação individual é

mediada pelas formas impostas pela ordem simbólica? A resposta a essa questão

contribui para o entendimento de por que o indivíduo, apesar de muitas vezes

insatisfeito, se submete à ordem social. Submeter-se a ordem social, nesse sentido,

antes de tudo, é aceitar as regras comuns a todos, a ordem simbólica. Para isso

jogam papel fundamental os processos de educação e socialização do indivíduo,

seja este jovem ou adulto. São processos que, de forma distinta, se desenrolam

durante toda a vida, com níveis de formalização e em ambientes diferenciados. Se

de início pensamos na família e na escola devemos levar em conta também outras

organizações às quais o indivíduo pertence. Em todas elas está na base o princípio

da disciplina e da autodisciplina e seu exercício como mecanismo que permite ao

indivíduo reconhecer a si e ao outro e, ao mesmo tempo, compartilhar do universo

de experiências de seu tempo.

Elias (1994) continua seu ensaio escrito em 1939 discutindo a constituição das

interdependências entre os indivíduos em nossa sociedade e toma como exemplo a

cidade onde milhares de indivíduos estranhos um ao outro habitam e se cruzam

constantemente. Esse exemplo lhe permite buscar o ponto onde indivíduos

anônimos se amarram ou dependem uns dos outros. Não se trata de pensar, diz ele,

num contrato ou numa deliberação coletiva, numa decisão do tipo “agora somos

dependentes uns dos outros e vamos nos ajudar” (ELIAS, 1994, p.22) trata-se sim

10

Nesse sentido, além dos textos de Freud já citados na primeira parte deste artigo, ver Elias (1993).

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504 do processo de sociação, do laço, de reconhecer-se parte dele e, ao mesmo tempo,

consentir com as interdependências que se estabelecem entre os indivíduos,

independentemente de qualquer deliberação individual ou coletiva. Vale lembrar

novamente com Arendt (1984), viver é estar entre homens, se entendermos isso

como gerar e sustentar relações fundadas em funções sociais interdependentes que

se complementam.

As funções sociais que os indivíduos desempenham e que configuram o que

podemos chamar de sociedade, são funções dotadas de materialidade e podem ser

observadas através da divisão do trabalho social, em que cada indivíduo ocupa uma

posição, um lugar determinado e é esse conjunto de lugares e funções que dá

coesão à ordem social. Porém, convém acrescentar que a coesão social não se faz

sem que tais funções sejam representadas na ordem simbólica. Ou seja, para além

da materialidade da divisão do trabalho e das funções sociais dela decorrentes e

que resultam em produtos materiais ou simbólicos concretos, estas funções

expressam também o enquadramento da vida individual à ordem social. Assim, não

há ordem social possível e duradoura, com todos os limites que, nesse caso,

possam ter a palavra duradoura, se as funções sociais que cada indivíduo

desempenha não estiverem inscritas na ordem simbólica, no campo das

significações compartilhadas. Deixei para, neste momento, dar a dimensão do que

entendo por ordem simbólica. Compreendo que tal termo se refere a um conjunto de

instituições sociais como a religião, o direito, a educação, a política, a ideologia e a

ciência entre outras, que a um só tempo atribuem sentido e legitimidade aos

comportamentos, às normas, à lei, aos atos e que, portanto, sancionam a

legitimidade da ordem social. É dessa totalidade e através dela que emana a

supremacia da sociação, do laço social sobre o indivíduo e suas necessidades. Se

minha premissa de que o destino do indivíduo humano é a sociação, as

interdependências entre indivíduos apontadas por Elias, visíveis na experiência

social, atestam sua validade.

Esta rede de funções no interior das associações humanas, essa ordem invisível em que são constantemente introduzidos os objetivos individuais, não deve sua origem a uma simples soma de vontades, a uma decisão comum de muitas pessoas individuais. Não foi com base na livre decisão de muitos, e menos ainda com base em referendos ou eleições, que a atual

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505

rede funcional complexa e altamente diferenciada emergiu, muito gradativamente, das cadeias de funções relativamente simples do início da Idade Média, que no Ocidente, por exemplo, ligaram as pessoas como padres, cavaleiros e escravos. No Ocidente, as pessoas não se reuniram, num determinado momento, como vindas de uma situação desprovida de relações, para, através de uma votação expressando a vontade da maioria, decidirem distribuir, de acordo com o esquema atual, funções como as de comerciante, diretor de fábrica, policial e operário. Ao contrário, as votações e eleições, as provas não sangrentas de força entre diferentes grupos funcionais, só se tornaram possíveis, enquanto instituições permanentes de controle social, quando aliadas a uma estrutura muito específica de funções sociais {...} (ELIAS, 1994, p.22).

Nesse sentido, pode-se repertoriar a história do laço social através da

observação das diferentes formas que o processo de sociação dos indivíduos

assumiu e são essas diferentes formas, na medida em que respondem

necessidades individuais e da sociedade, que fundam ordens sociais específicas.

Foi assim desde a comunidade primitiva com divisão de trabalho fundada na

diferença sexual, com funções e tarefas caracterizadas como muito simples até os

dias atuais, em que a divisão do trabalho se caracteriza por tarefas como altamente

complexas. Não entrarei, aqui, nessa discussão, mas devo registrar que as funções,

sejam elas simples ou complexas, correspondem aos desafios que a ordem social e

os indivíduos em um dado momento se colocam. Assim, não se chegará a grandes

resultados pensando essa questão como se ela estivesse submetida ao

desenvolvimento natural da ordem social e dos indivíduos. Por esse caminho se

corre o risco de cair na armadilha do evolucionismo, seja este orgânico ou social.

Anoto somente para registro, minha proposta de que o exame das tensões entre os

diferentes indivíduos e grupos e a ordem social, talvez se apresentem como o

caminho mais profícuo para a análise. É no campo do conflito, como um dado dessa

relação, que talvez se possa encontrar a via para sua compreensão.

O Processo Civilizador, obra cuja primeira edição, em alemão, foi publicada na

Suíça em 1939, contém parte da discussão que venho fazendo aqui. Tomo agora,

para avançar um pouco mais, o tema do controle social e sua transformação em

autocontrole.

Toda a argumentação sobre a relação indivíduo e sociedade que desenvolvi

até aqui, aponta claramente para o controle social, controle sem o qual a

estabilidade de qualquer ordem social está ameaçada de desaparecer. E, mais,

como esse controle é interiorizado pelos indivíduos, exigindo destes o controle ou a

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506 renúncia de suas pulsões, em benefício da manutenção do laço com o outro, da

sociação e seu resultado – a sociedade. A questão que me preocupa, seguindo a

trilha de Elias (1994), é dar conta da transformação do controle social em

autocontrole. Ou seja, como se processa a subjetivação do laço, das normas, das

regras de comportamento, da ordem simbólica, enfim, pelos indivíduos. E, para

lembrar, aqui reencontramos a discussão, embora não nos mesmos termos, feita por

Foucault em A Ordem do Discurso (1999), quase trinta anos depois. A marca

temporal serve não para acusar de tardia a descoberta de Foucault, mas para

afirmar sua relevância para a teoria social, que é feita de rupturas e permanências,

de descobertas e reatualizações.

Se a sociação é o processo pelo qual os indivíduos estabelecem

interdependências que resultam na constituição da sociedade e esta é condição da

existência humana, as interdependências passam a ser reconhecidas como fonte do

bem estar coletivo e, ao mesmo tempo, dos conflitos. Assim, não há condição

individual que não esteja marcada por essa dupla determinação. Não basta, porém,

manter o laço, a sociação, é necessário perpetuá-lo e transformá-lo, pois se trata de

criar e recriar constantemente, sempre em novas bases, as condições da cultura e

da história.

Para Elias (1994) seu esforço no sentido de explicar a transformação histórica

e cultural do laço inicial se dá pelo processo civilizador cuja ação sobre os indivíduos

cria e transforma regras, normas, concepções de mundo e, principalmente, as

interdependências. Embora, em traços gerais seja essa a função do processo

civilizador, Elias (1994) observa que este não é resultante de nenhuma

intencionalidade de indivíduos ou mesmo de certa racionalidade da sociedade. E

aqui voltamos a uma questão já tratada no ensaio de 1939:

[...] como pode acontecer que surjam no mundo humano formações sociais que nenhum ser isolado planejou e que, ainda assim, são tudo menos formações de nuvens, sem estabilidade? {...} Esse tecido básico, resultante de muitos planos e ações isolados, pode dar origem a mudanças e modelos que nenhuma pessoa isolada planejou ou criou. Dessa interdependência de pessoas surge uma ordem mais irresistível e mais forte do que a razão das pessoas isoladas que a compõem. (ELIAS, 1993, p.194, em itálico no original).

11

11 Em “A Sociedade dos Indivíduos”, ensaio de 1939, logo no início da tematização sobre a questão

da relação indivíduo e sociedade, todo e parte, lê-se: “Todos esses exemplos mostram a mesma

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507

Dessa passagem quero reter apenas a ideia de que a ordem social e o

indivíduo atuam um sobre o outro e, ao mesmo tempo, apontar que as condições de

estabilidade desta repousam sobre o conjunto de relações de força que emana

desses dois polos. Se anteriormente ao me referir ao laço social observei que dele

emanava a estabilidade da sociedade, agora me parece ficar claro que a magnitude

da força do laço, da sociação, não só decorre, mas potencializa a força individual ali

depositada e que agora já não pertence mais a nenhum indivíduo particular, é um

“bem coletivo”. Não sei se isso é novo em relação ao que já foi dito, mas é preciso

dizer novamente, pois é nesse ponto que se institui de fato o que se considera

processo civilizador, que em largos, muito largos traços, pode ser entendido como o

processo através do qual o indivíduo se torna humano, se torna capaz de construir a

história e a cultura que servem de referência a si na relação com os demais. Nesse

sentido, o processo civilizador é responsável pelo desenvolvimento e pela

estabilização de um ‘aparato mental de autocontrole’ do indivíduo. Esse aparato se

constitui, em certa medida, naquilo que Freud (1981), ao descrever a tópica do

psiquismo humano, chamou superego e, enquanto tal, responde pelas articulações

do mundo psíquico do indivíduo com a aquilo que chamo aqui de esfera simbólica da

sociedade. Essa situação só é possível porque o indivíduo é submetido, pelo

processo de sociação, à renúncia pulsional. É neste ponto que identifico a função

disciplinadora do processo civilizador, ou seja, a disciplina como resultado desse

processo se assenta no reconhecimento pelo individuo de que a permanência no

laço social depende, em última instância, da sua capacidade de circunscrever seus

impulsos ao que é reconhecido como socialmente legítimo. A ruptura com

determinadas designações sociais, em função da satisfação individual, desemboca,

na maioria das vezes, em dificuldades para que o indivíduo seja mantido no laço,

quer pela sociedade que o reprova, quer pelo próprio indivíduo que considera essas

designações injustas, expressões de um poder desmesurado da sociedade sobre si.

Constituir esse aparato mental é uma das funções primordiais do processo educativo

coisa: a combinação, as relações de unidades de menor magnitude – ou, para usarmos um termo mais exato, extraído da teoria dos conjuntos, as unidades de potência menor – dão origem a uma unidade de potência maior, que não pode ser compreendida quando suas partes são consideradas em isolamento, independentemente de suas relações.” (ELIAS, 1994, p.16).

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508 e da socialização, pois estes nos ensinam a conviver com os limites que se impõem

à nossa individualidade pela cultura e pela vida compartilhada em sociedade.

A estabilidade peculiar do aparato de autocontrole mental que emerge como traço decisivo, embutido nos hábitos de todo ser humano ‘civilizado

12’,

mantém a relação mais estreita possível com a monopolização da força física e a crescente estabilidade dos órgãos centrais da sociedade. Só com a formação desse tipo relativamente estável de monopólios é que as sociedades adquirem realmente essas características, em decorrência das quais os indivíduos que as compõem se sintonizam desde a infância, com um padrão altamente regulado e diferenciado de autocontrole; só em combinação com tais monopólios é que este tipo de autolimitação requer um grau mais elevado de automatismo, e se torna por assim dizer, uma ‘segunda natureza’. (ELIAS, 1993, v.2, p.197).

A tese do monopólio da força física de Elias (1993) encontra amparo na teoria

weberiana do Estado e do poder. O ponto de encontro e, ao mesmo tempo, o ponto

de fuga com Foucault se dá no fato de que este reconhece o Estado como “lugar” de

força, mas não o único, a força se irradia para os poros da sociedade e se realiza

sob a forma de micropoder através das instituições que compõem a ordem

simbólica, seja através da ação de um indivíduo sobre o outro, seja do conjunto das

instituições sobre os indivíduos. E aqui convém lembrar que, para Foucault (1977;

1979; 1999), a disciplina, enquanto técnica de controle, caracteriza um tipo de

sociedade, a sociedade disciplinar, onde o controle está generalizado. Por caminhos

diferentes, ambos conseguem identificar esse mesmo ponto nas técnicas

disciplinares de controle do corpo e dos instintos. Nesse sentido, revelam sua

importância para a constituição da humanidade do homem.

DURKHEIM, EDUCAÇÃO, SOCIALIZAÇÃO E CONTROLE

Para efeitos deste texto, levarei em conta dois processos que, embora

distintos, se aproximam muito na exposição de Durkheim (1978), são eles a

educação e a socialização das crianças. Educação e socialização são fundamentais

quando se fala na constituição do indivíduo e sua inscrição no laço social, pois estão

na base do reconhecimento de si e do outro. Não há alteridade possível sem estes

12

Quando me refiro a ser humano ‘civilizado’, estou me referindo ao fato de que tornar-se humano é viver entre homens, no sentido de Arendt (1984). Não falo, portanto, de nenhuma categoria especial de seres humanos, mas dos homens em geral.

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509 processos. E quando afirmo isso, trato de educação não somente no sentido

escolar. Fosse assim, poderíamos dispensar a educação nas sociedades onde

impera a solidariedade orgânica, no entanto, quando falamos de Durkheim (1978)

utilizamos o conceito de educação referindo-nos a educação escolar.

No primeiro capítulo de Educação e Sociologia, Durkheim (1978) deixa claro o

que considera como sendo a educação, após criticar o uso indiscriminado do termo

para englobar diversos fatos. Restringe o uso desse termo “[...] a ação dos

membros de uma mesma geração, uns sobre os outros, difere da que os adultos

exercem sobre crianças e adolescentes. É unicamente esta última que aqui nos

interessa e, por consequência, é para ela que convém reservar o nome educação”.

(DURKHEIM, 1978, p. 33, em itálico no original). Assim, ao considerar que a

educação supõe a diferença geracional entre os agentes, Durkheim (1978)

determina o que é a educação: a ação do adulto sobre o jovem. O sentido da

educação aqui não está estritamente referido à escola, mas sim à ação do indivíduo

mais velho sobre o mais novo, no sentido de transmitir-lhe conhecimento,

experiência ou valores. Nesse ponto também encontramos um elemento que no

ajuda a distinguir a socialização da educação: a socialização pode ocorrer entre

indivíduos de uma mesma geração – quando crianças se encontram, brincam etc.,

mas também entre indivíduos de gerações diferentes quando o adulto ensina ao

jovem um conjunto de habilidades, um conjunto de valores, normas de

comportamento etc. Porém, convém ressaltar que toda a ação educativa é

socializadora. Assim, podemos pensar que nas sociedades em que predomina a

solidariedade mecânica, embora não encontremos a instituição escolar, temos os

dois processos. Essa forma de solidariedade se produz pela similitude entre os

indivíduos.

Por outro lado, nas sociedades em que prevalece a divisão do trabalho e a

solidariedade dela decorrente – solidariedade orgânica – supõe a existência da

instituição escolar, porque, segundo Durkheim (1978), é lá que o indivíduo se

prepara para ocupar seu lugar na divisão do trabalho. Essa forma de solidariedade

assenta-se, portanto, na diferenciação entre os indivíduos. Nos dois casos, porém,

não se pode deixar de reconhecer a existência de alteridade, de reconhecimento do

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510 outro e, portanto, do laço social. O que observamos, porém, é que seus

fundamentos são diferentes.

Durkheim (1978) continua o exame do tema da educação a partir das

respostas dadas por Kant e James Mill à seguinte pergunta: o que é a Educação?

Critica em Kant a consideração de que a educação deve levar o homem ao máximo

de perfeição possível e em Mill o fato deste articular educação com felicidade e bem

estar individuais, numa perspectiva claramente utilitarista. E afirma:

Tocamos aqui no ponto fraco em que incorrem as definições apontadas. Elas partem do postulado de que há uma educação ideal, perfeita, apropriada a todos os homens indistintamente; é essa educação universal a única que o teorista se esforça por definir. Mas se antes de o fazer, ele considerasse a história, não encontraria nada em que apoiasse tal hipótese (DURKHEIM, 1978, p. 35).

A resposta de Durkheim (1978) para a questão que postula a partir de Kant e

Mill – o que é a educação? – redefine metodologicamente a abordagem da

educação e tomando como ponto de partida o exame das diferentes formas

históricas que a educação assume:

Para definirmos educação será preciso, pois, considerar os sistemas educativos que ora existem, ou que tenham existido, compará-los e apreender deles os caracteres comuns. O conjunto desses caracteres constituirá a definição que procuramos (DURKHEIM, 1978, p.38).

Como disse acima, mais que uma resposta à questão, essa afirmação aponta

para a direção metodológica assumida por Durkheim, que considera a educação

como fato social13 e, portanto, sua compreensão supõe levar em consideração as

formas históricas assumidas pela educação. Nesse sentido, a historicidade se impõe

sobre o caráter ideal que alguns atribuem à educação.

Com essa direção o autor chega à seguinte conclusão: “A educação não é,

pois, para a sociedade, senão o meio pelo qual ela prepara, no íntimo das crianças,

as condições essenciais da própria existência.” (DURKHEIM, 1978, p.41).

Aqui chegamos ao ponto que interessa para os objetivos deste artigo. Primeiro

porque o que é essencial para a existência não decorre somente de uma

necessidade individual, mas das condições históricas da existência individual e

coletiva; e, segundo, nos permite avançar na compreensão da forma como Durkheim

13

Sobre o conceito de fato social e sua abordagem ver Durkheim (2007).

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511 (1978), ao pensar a educação, instaura a importância desta para que as novas

gerações sejam incluídas no laço social, participando da vida em sociedade e

atribuindo-lhe significado. A educação está no centro das preocupações de

Durkheim (1978), enquanto fundadora de formas e tipos específicos de laço social e

das funções que cada um desenvolve para a manutenção do laço. Assim, o

reconhecimento e o desempenho das funções atribuídas socialmente ao indivíduo,

na medida em que são desenvolvidas, reforçam o laço pelo mecanismo da

solidariedade. Ao mesmo tempo, a educação é considerada processo de reprodução

social, tanto dos indivíduos quanto da sociedade, do laço social. Em sentido amplo,

educação, cultura e história se determinam mutuamente. Como se poderá ver no

momento seguinte do texto, a concepção de educação para Durkheim (1978) supõe

a existência de formas de divisão do trabalho social e de solidariedade14 próprias de

cada sociedade onde esta se realiza.

A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais reclamados pela sociedade política no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança particularmente, se destine. (DURKHEIM, 1978, p.41, em itálico no original).

Da definição precedente, Durkheim (1978) conclui que a educação é a

socialização metódica do indivíduo e seu resultado consiste na transformação do ser

individual em ser social15. Ou seja, é pela educação e pela socialização que o

indivíduo se prepara para o convívio com os outros, para participar do laço social,

para contribuir com o desenvolvimento e manutenção da forma específica de

solidariedade da sociedade a que pertence. Na concepção de Durkheim (1978), a

socialização comporta dois momentos que correspondem a duas formas distintas

desta. Nos primeiros anos de vida da criança passa pela socialização primária que

está a cargo da família; a segunda forma e, por isso, metódica, ocorre a partir do

momento em que a criança participa de outras instituições sociais e que se situa no

âmbito extra familiar, como a igreja e a escola e o exército. Essa segunda forma de

14

Sobre as formas de solidariedade e a divisão do trabalho ver Durkheim (1973). 15

A condição de ser individual para Durkheim compreende o indivíduo enquanto portador de um conjunto de estados mentais que não se relacionam senão consigo próprio e com os acontecimentos da vida pessoal. (DURKHEIM, 1978). A função da socialização e da educação é superar esse estado, possibilitando que o indivíduo se eleve à condição de ser social, ou seja, que se inscreva no laço social e se submeta às normas que regem a sociedade.

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512 socialização está presente mais claramente nas sociedades complexas, na qual

impera a divisão social do trabalho e a diferenciação dos indivíduos.

Na primeira forma de socialização predomina a transmissão para a criança de

hábitos simples como o reconhecimento dos outros que lhe são próximos, hábitos e

formas de se alimentar, de falar e de cuidar de si. A segunda forma exige uma

estrutura institucional com divisão de trabalho e, principalmente, com métodos e fins

específicos e consiste na transmissão de conteúdos também específicos, tendo em

vista forjar no indivíduo as qualidades exigidas para um determinado lugar social:

Em cada um de nós, como já o vimos, pode-se dizer que existe dois seres. Um constituído de todos os estados mentais que não se relacionam senão conosco mesmo e com os acontecimentos de nossa vida pessoal; é o que se poderia chamar de ser individual. O outro é um sistema de ideias, sentimentos e hábitos que exprimem em nós, não nossa individualidade, mas o grupo ou grupos diferentes de que fazemos parte; tais são as crenças e as práticas morais, as tradições nacionais ou profissionais, as opiniões coletivas de toda a espécie. Seu conjunto forma o ser social. Constituir esse ser em cada um de nós – tal é o fim da educação. (DURKHEIM, 1978, p.41-42).

Tal qual estabelecido aqui, a educação, enquanto processo de socialização

metódica, arranca o indivíduo de sua condição puramente individual, egoísta e o

inscreve no âmbito das relações de interdependência com o outro, no laço social, ao

mesmo tempo em que o prepara para o desempenho de determinadas funções

sociais. Convém lembrar que a socialização metódica diferencia-se da socialização

espontânea, ou seja, aquela que ocorre entre indivíduos de uma mesma geração e

não necessariamente conduzida por uma instituição.

Na realidade esse ser social não nasce com o homem, não se apresenta na constituição humana primitiva, como também não resulta de nenhum desenvolvimento espontâneo. Espontaneamente o homem não se submeteria à autoridade política; não respeitaria a disciplina moral, não se devotaria, não se sacrificaria. Nada há em nossa natureza congênita que nos predisponha tornar-nos servidores de divindades, ou de emblemas simbólicos da sociedade, que nos leve a render-lhes culto, a nos privarmos em seu proveito ou sua honra. Foi a própria sociedade, na medida de sua formação e consolidação, que tirou de seu próprio seio essas grandes forças morais, diante das quais o homem sente a sua fraqueza e inferioridade [...] A educação não se limita a desenvolver o organismo no sentido indicado pela natureza, ou tornar tangíveis os elementos ainda não revelados [...] Ela cria no homem um ser novo. (DURKHEIM, 1978, p.42).

A educação desempenha uma função moral, ao estabelecer as características

e as condições que se espera do indivíduo para que este se transforme num

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513 membro da sociedade, reconheça a legitimidade e a necessidade das normas e seu

cumprimento. Podemos, então, concluir que Durkheim (1978) atribui à educação

uma função civilizadora e, por que não, disciplinadora, pois na medida em que esta,

ao socializar o indivíduo, desenvolve nele o autocontrole, a renúncia das pulsões Se

essa pergunta procede, encontramos um ponto em comum com Foucault da Ordem

do Discurso (1999) e Elias de Sociedade dos Indivíduos (1994) e do Processo

Civilizador (1993).

Minha resposta a essa questão é positiva, pois sem essas condições o

indivíduo não teria os recursos éticos e morais para ser incluído no laço social.

Assim, volto ao ponto que estabeleci no inicio deste artigo. Se o indivíduo humano

só se constrói e só existe no e pelo laço social, na sociação, na relação com o outro,

a disciplina, a socialização e a educação aparecem nesse quadro como meios que

possibilitam ao homem estabelecer sua humanidade. E, nesse sentido, reafirmo que

disciplina não é simples punição, como mostram também Elias (1993, 1994) e

Foucault (1999), disciplina é fonte de criação e de reconhecimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apresentei, neste artigo, considerações, de três autores fundamentais da teoria

social, sobre disciplina, educação e a socialização de crianças e adolescentes. O

desafio, se é que existe algum, nestas considerações, diz respeito a como trabalhar

com esses autores no sentido de pensar um conjunto de fatos que, cotidianamente,

temos notícias ou que educadores enfrentam na escola e nos espaços de

sociabilidade que, por vezes, surpreendem e inquietam, são eles a agressão e a

violência entre crianças e adolescentes. Pensar esses fatos através dos aspectos

que considerei, nos ajuda a compreendê-los e, talvez, a estabelecer estratégias para

o enfrentamento; enfrentá-los não somente como problema moral, mas, antes de

tudo, como um fato social e seus desdobramentos éticos.

Não foi meu objetivo, em nenhum momento, trabalhar empiricamente estes

fatos, mas simplesmente procurar, na teoria, elementos que possam contribuir com

a análise dos dados empíricos sobre a agressão e a violência juvenil na escola.

Assim, este artigo teve o limite de todo o trabalho que resulta de reflexão teórica,

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514 que pode ser contestado em suas formulações e na interpretação que faço dos

autores aqui considerados.

Porém, para além de pensar esses fatos como manifestações de crise de

autoridade na escola, de desrespeito ao outro e de ameaça ao futuro do laço social

e das novas gerações, minha preocupação foi expor alguns elementos da teoria

social que, penso, nos ajudam a sair do campo do julgamento moral sobre a

disciplina, a socialização e a educação enquanto técnicas de controle social.

Gostaria que a hipótese que levanto, e tento sustentar ao longo do texto,

servisse para que se aprofundasse a questão da disciplina, do controle social e do

autocontrole e sua contribuição para a educação escolar, nos pontos de vista ético e

político que envolvem a sociação e, no limite, na construção do destino humano do

individuo. E agora penso que devo esclarecer que ao falar de destino humano estou

falando no estabelecimento e na realização de um projeto de futuro para o indivíduo

e, por extensão, do laço social que não se realiza fechado na singularidade de cada

um, mas que realiza o que é da ordem do singular na relação com os demais, numa

comunidade de sentido, para usar uma expressão weberiana.

Para que serve a sociologia se não nos ajuda a pensar os destinos individuais

enquanto faces de um projeto coletivo, cujo horizonte vislumbra o outro no

movimento de reconhecimento/diferença que marca toda a interação e toda a

alteridade? Pensar em sociação, disciplina, educação, socialização, sociabilidade, é

pensar nas condições da experiência e da existência social de cada indivíduo

singular e, ao mesmo tempo, de todos e, mais do que isso, da própria sociedade e

das interdependências que a constitui. Nos três autores aqui examinados, a partir do

recorte que fiz, parece-me ser isso o que está em questão.

JOSÉ MIGUEL RASIA Professor titular do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Líder do Grupo de pesquisa Sociologia da Saúde – UFPR/CNPq.

REFERÊNCIAS

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