direito_tributário_e_finanças_públicas_i_-_vol_ii

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GRADUAÇÃO 2009.1 DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I AUTORES: LEONARDO DE ANDRADE COSTA (Aulas 10 a 15) BIANCA XAVIER E RICARDO LODI (Aulas 16 a 26) COLABORAÇÃO: ANA ALICE DE CARLI PARTE II

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GRADUAÇÃO2009.1

DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

AUTORES: LEONARDO DE ANDRADE COSTA (Aulas 10 a 15)

BIANCA XAVIER E RICARDO LODI (Aulas 16 a 26)

COLABORAÇÃO: ANA ALICE DE CARLI

PARTE II

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SumárioDireito Tributário e Finanças Públicas I

1.10 Aula 10 – O Poder de Tributar, a Competência Tributária e a Capacidade Tributária Ativa ............................................................................................... 3

1.11 Aula 11 – A política fiscal e a extrafiscalidade: a necessária compatibilização entre eficiência econômica, justiça distributiva e a conveniência administrativa dos tributos. ......... 20

1.12 Aula 12 – A Parafiscalidade como técnica administrativa para desenvolver atividades de interesse público e o tributo na CR-88 ............................................................................. 49

1.13 Aula 13 – A relação jurídica e os elementos da obrigação tributária: a necessária ponderação entre os princípios da segurança jurídica e da justiça fiscal ............... 64

1.14 Aula 14 – As Limitações Constitucionais do Poder de Tributar. Os Princípios Constitucionais Tributários: a legalidade ......................................................... 77

1.15 Aula 15 – A Isonomia, a Irretroatividade, as Anterioridades e a Liberdade de tráfego ......... 1011.16 Aula 16 – A Capacidade Contributiva. Do mínimo existencial e do não confisco ............... 1151.17 Aula 17 – As imunidades tributárias. A imunidade recíproca .............................................. 1251.18 Aula 18 – A imunidade dos templos, dos partidos políticos, dos sindicatos,

das entidades de assistência e de educação ........................................................................... 1301.19 Aula 19 – A imunidade dos livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

Imunidades específicas ........................................................................................................ 1351.20 Aula 20 – Outras vedações ................................................................................................. 1391.21 Aula 21 – Legislação tributária. As normas tributárias:

a constituição e a emenda constitucional. as cláusulas pétreas .............................................. 1421.22 Aula 22 – Os tratados internacionais e a lei complementar. ................................................ 1461.23 Aula 23 – A Lei Ordinária e a Medida Provisória. .............................................................. 1531.24 Aula 24 – A Lei Delegada, o Decreto Legislativo e Resoluções. O regulamento .................. 1571.25 Aula 25 – Vigência e aplicação da Lei Tributária ................................................................ 1611.26 Aula 26 – Interpretação e integração da Lei Tributária ........................................................ 165

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 3

1 NABAIS, José Casalta. O Dever Funda-mental de Pagar Impostos. Coimbra:

Editora Almedina, 1978, p. 679.

2 Numa visão clássica, porém de efetiva

aplicação prática no direito contempo-

râneo, o jurista francês Lèon Duguit,

infl uenciado pelas idéias de Augusto

Comte, já em 1850 propugnava a pro-

priedade não como direito, mas como

função social, conforme se depreende

do fragmento textual abaixo transcrito:

“Pero la propriedad no es un derecho;

es una función social. El proprietario, es

decir, el poseedor de una riqueza, tiene,

por el hecho de poseer esta riqueza, una

función social que cumplir; mientras

cumple esta misión sus actos de proprie-

tario están protegidos. Si no la cumple o

la cumple mal, si por ejemplo no cultiva

su tierra o deja arruinarse su casa, la

intervención de los gobernantes es legí-

tima para obligarle a cumprir su función

social de proprietario, que consiste en

assegurar el empleo de las riquezas

que posee conforme a su destino”. In:

DUGUIT, Lèon. Las Transformaciones Generales del Derecho Privado, desde el Código de Napoleón. 2. ed.

Tradução Carlos G. Posada. Espanha:

Livraria Espanola y Estranjera, 1920. Já

a doutrina mais recente, representada

pelo jurista italiano Pietro Perlingieri,

defende a função social da propriedade

como fundamento para a elaboração

de normas restritivas a seu uso, con-

forme se extrai de sua doutrina: “em

um sistema inspirado na solidariedade

política, econômica e social e ao pleno

desenvolvimento da pessoa, o conteú-

do da função social assume um papel

de tipo promocional, no sentido de que

a disciplina das formas de propriedade

e as suas interpretações deveriam ser

atuadas para garantir e promover os

valores sobre os quais se funda o or-

denamento”. In: PERLINGIERI, Pietro.

Perfi s do Direito Civil: Introdução ao

Direito Civil Constitucional. 3. ed. Tra-

dução Maria Cristina De Cicco. Rio de

Janeiro: Renovar, 2007. Ainda nesse

universo de considerações, Ana Alice De

Carli, in: CARLI, Ana Alice De. Bem de Família do Fiador e o Direito Huma-no Fundamental à Moradia. Rio de

Janeiro: Editora Lumen Júris, 2009, p.

91, destaca “o princípio da função social

como vetor axiológico do regime patri-

monial e, concomitantemente, como

regra direcionadora para os proprietá-

rios e para o poder público. Desta feita,

aos titulares do direito de propriedade

cabe o dever de exercê-lo sem abusos

e visando ao bem coletivo. O Estado, a

seu turno, deve utilizar a referida nor-

ma-princípio como meio de controle do

espaço urbano e como diretriz para im-

posições de limites de seu uso”. Ou seja,

a função social da propriedade serve de

fundamento para o Estado intervir na

propriedade privada, como, por exem-

plo, nas hipóteses de desapropriação

por necessidade ou utilidade pública,

1.10 AULA 10 – O PODER DE TRIBUTAR, A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E A CAPACIDADE TRIBUTÁRIA ATIVA

Como dever fundamental, o imposto não pode ser encarado nem como um mero poder para o Estado, nem como um mero sacrifício para os cidadãos, constituindo antes um contributo indispensável a uma vida em comunidade organizada em Esta-do fi scal”.

José Casalta Nabais1

10.1. ASPECTOS DO PODER TRIBUTÁRIO

O poder estatal se manifesta em diversas vertentes, sendo usualmente qualifi cado e distribuído em: poder judicante; poder legiferante; poder de polícia, por meio do qual se manifesta o intervencionismo na ordem econômico-social e na propriedade2; e o poder tributário.

Luiz Emygdio F. da Rosa Jr.3, aponta que a doutrina clássica norteamericana faz distinção entre o poder de tributar e o poder de polícia, podendo as características defi nidoras de cada qual ser reconhecidas a partir da análise da fi nalidade dos tributos. Nesse sentido, de acordo com a referida doutrina tradicional, verifi ca-se qual é o fi m do tributo, qual é sua ratio essendi. Se o objetivo do tributo fosse meramente carrear recur-sos para os cofres públicos, estaríamos perante a manifestação do poder de tributar. Por outro lado, se a instituição do tributo tivesse como escopo servir de instrumento para o Estado intervir na seara econômica e social, estar-se-ia diante do poder de polícia.

A partir desta concepção doutrinária clássica é possível compreender a intercone-xão entre a extrafi scalidade e a parafi scalidade – as quais envolvem tanto o poder de tributar como o poder de polícia – e suas relações com a denominada fi scalidade. Com efeito, os institutos da extrafi scalidade e da parafi scalidade serão objeto de estudo das próximas aulas.

A respeito do poder de polícia, malgrado não estudarmos aqui o direito administra-tivo de forma específi ca, vale trazer à baila as lições de Diogo de Figueiredo Moreira Ne-to4, que descreve o poder de polícia como sendo aquele “exercido pelo Estado enquanto legislador; pois apenas por lei se pode limitar e condicionar liberdades e direitos”. Por outro lado, a função de polícia, ensina, ainda, o autor, consiste na aplicação da lei às situações concretas e é exercida pelo Estado administrador.

Na esteira das lições do mencionado administrativista, a polícia administrativa se diferencia da polícia judiciária, pois, enquanto esta (judiciária) tem como principal es-copo a repressão dos comportamentos humanos ilícitos, a polícia administrativa, a seu turno, relaciona-se ao controle dos “demais valores contidos nas liberdades e direitos fundamentais”, como, por exemplo “todas as formas de atuação, preventivas e repres-sivas, com suas sanções aplicáveis executoriamente sobre a propriedade e a atividade privadas, atuando, apenas excepcionalmente, através de um constrangimento sobre as pessoas”, pontua Diogo de Figueiredo5.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 4

ou, ainda, por interesse social, median-

te justa e prévia indenização, no termos

do art. 5o, inciso XXIV, da CRFB/88.

3 ROSA JR., Luiz Emydio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tri-butário. 15 ed. Rio de Janeiro: Editora

Renovar, 2001, p. 269-270. Cf. preceitua

o autor; “a doutrina clássica nos Estados

Unidos distingue entre poder de tribu-

tar e poder de polícia. Assim, ao lado

do poder de tributar, considera como

poder de polícia o poder que o Estado

tem de restringir o direito de cada um

a favor do interesse da coletividade.

Por outro lado, vincula os tributos com

fi nalidade meramente fi scal ao poder

de tributar, enquanto o poder de polí-

cia corresponde aos tributos com fi ns

extrafi scais”.

4 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo.

2. ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar,

2001, pp. 385-398.

5 MOREIRA NETO. Op. Cit. pp.387-398.

6 MOREIRA NETO. Op. Cit. pp.391-400.

7 Cf. será enfrentado na aula sobre a pa-

rafi scalidade, as contribuições ( anuida-

des ) cobradas pela OAB não tem natu-

reza tributária segundo entendimento

jurisprudencial do STJ e do STF.

8 ROSA JR. Op. Cit. p. 269.

9BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 5.

ed. atual. São Paulo: Editora Saraiva,

1997, p, 99.

10 Idem. Ibidem. p. 99.

11 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elemen-tos da Teoria Geral do Estado. 16. ed.

atual. e ampl. São Paulo: Editora Sarai-

va, 1991, pp.65-66. Para Jean Bodin, a

soberania representava o poder absolu-

to e perpétuo de uma República. Ensina

Dallari, que a expressão “República”

empregada por Jean Bodin “equivale ao

moderno signifi cado de Estado”.

12 BASTOS. Op. Cit. p. 99.

Nesse passo6, variado seria o campo de atuação da polícia administrativa: 1) na área de segurança pública, por meio de instrumentos de controle, fi scalização e manu-tenção da ordem social; 2) na defesa sanitária; 3) na tutela do patrimônio estético; 4) no controle do comportamento ético nos meios de comunicação; 5) na repressão de condutas contrárias aos bons costumes ou que agridam a sociedade de um modo geral; 6) no controle das atividades comerciais e empresariais; 7) no desenvolvimento humano por meio de instrumentos de proteção ao meio ambiente saudável e sustentável; 8) no processo de imigração; 9) na área de urbanismo e construções; e 10) como regulador das atividades profi ssionais.

No que toca, especifi camente, à função disciplinadora das categorias profi ssionais, importante destacar as profi ssões liberais, as quais, em regra, têm suas normas norteado-ras em leis específi cas instituídas pela União, nos termos do art. 22, XVI, da CRFB/88, que assim dispõe: “art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre. (...)XVI. Organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profi s-sões”. Nesse contexto, inserem-se as contribuições das categorias profi ssionais (art. 149 da CRFB/88) arrecadadas pelas entidades de classe (ex., OAB7, CREA, CRM etc) cria-das com o propósito de orientar e fi scalizar as atividades inerentes a sua classe de traba-lhadores: matéria que será analisada na aula que trata da parafi scalidade.

Ainda, no que se refere ao poder de tributar, Luiz Emygdio F. da Rosa Jr 8 o defi ne como o “exercício do poder geral do Estado aplicado no campo da imposição de tribu-tos (...). O poder de tributar decorre diretamente da Constituição Federal e somente pode ser exercido pelo Estado através de lei, por delegação do povo, logo este tributa a si mesmo”. De fato, sob o ponto de vista do constitucionalismo positivado, a Carta de 1988, em seu art.1o, parágrafo único, assim dispõe, in verbis: “ todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

É possível visualizar com mais clareza o poder estatal a partir do denominado Estado Moderno, em que a noção de supremacia do poder do Estado dentro dos limites de seu território caracteriza “um único poder com autoridade originária”, ensina Celso Ribeiro Bastos9, que identifi ca a soberania do Estado como fundamento do poder de tributar.

No período medieval, a ideia de supremacia de uma pessoa ou ente político era praticamente inexistente, porquanto nesta época havia multiplicidade de entidades com poderes originários, como, por exemplo: “o Papa, o Sacro Império Romano-Ger-mânico, os reis, a nobreza feudal, as cidades e as corporações de artes e ofícios, todos pretendiam exercer competência não derivadas de outrem, o que era o mesmo que dizer que não se reconhecia reciprocamente nenhuma soberania,” preleciona ainda Celso Ribeiro Bastos10.

Aliás, foi com Jean Bodin11, em sua obra Les Six Livres de la Republique, no século XVI, que surgiu a primeira noção de soberania, no bojo da qual o autor defendia a ideia de supremacia do poder monárquico. No século XVI, na Europa, os reis passaram a impor seu poder dentro do espaço geográfi co de seus reinados, afastando, desta forma, qualquer ingerência do Papado ou do Império Romano-Germânico12.

Na realidade, vários são os fundamentos doutrinários a embasar a legitimidade do poder de tributar, bem como a justifi car os limites ao exercício deste poder estatal. A

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 5

13 MACHADO. Op. Cit. p. 37.

14 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Vol. III. Os Direitos Huma-

nos e a Tributação – imunidades e iso-

nomia. Rio de Janeiro: Editora Renovar,

1999, p. 2.

15 TORRES ( 1999 ). pp.2-5.

16 TORRES ( 1999 ). p. 2-3- 14.

17 TORRES ( 1999 ). p. 3.

18 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11 ed. rev. e atual. São Pau-

lo: Editora Saraiva, 2005, p.95.

19 CARRIÓ, Genaro A. Notas sobre Derecho y Language. Buenos Aires:

Abeledo-Perrot, 1973, p. 72.

20 A competência para instituir e cobrar

determinada taxa ou contribuição de

melhoria depende de qual o ente po-

lítico com atribuição para a realização

da obra pública ou para o exercício do

poder de polícia ou da prestação de

serviço público específi co e divisível,

ou seja, a unidade federada que realiza

o serviço público e a obra será a titular

da exação. Dessa forma, por exemplo, a

taxa de incêndio é de competência dos

Estados enquanto a taxa de lixo é de ti-

tularidade dos Municípios, haja vista as

repectivas atribuições materiais.

21 A competência privativa se desdobra

em ordinária e extraordinária, sendo

que esta somente a União possui, nos

termos do art. 154, II, da CRFB/88, que

assim dispõe: “Art. 154. A União poderá

instituir: II. na iminência ou no caso de

guerra externa, impostos extraordi-

nários, compreendidos ou não em sua

competência tributária,os quais serão

suprimidos, gradativamente, cessadas

as causas de sua criação”.

partir de uma visão clássica, por exemplo, a prerrogativa para impor o tributo decorreria da própria soberania do Estado13. Ao passo que, partindo-se de premissas do constitu-cionalismo contemporâneo, o poder de tributar surgiria a partir da abertura permitida pelos direitos humanos fundamentais. A esta linha de pensamento se fi lia Ricardo Lobo Torres14, que, ao discorrer sobre o poder de tributar, aponta a liberdade como elemento delimitador na criação de tributos, e – amparado na ideia de justiça a partir da teoria dos direitos humanos fundamentais –, preleciona que “o poder de tributar nasce no espaço aberto pelos direitos humanos e por eles é totalmente limitado”.

Nesse cenário, torna-se relevante destacar as mutações de conteúdo e alcance pelas quais tem a liberdade, como valor fundamental, experimentado ao longo das diversas fase do Estado.

Assim, ensina Ricardo Lobo Torres15 que, no Estado Patrimonial, a liberdade – em seu conteúdo restrito – era estratifi cada entre a realeza, os senhores feudais e a igreja, e consubstanciava “o exercício da fi scalidade, a reserva da imunidade aos tributos, a ob-tenção de privilégios, e o consentimento para a cobrança extraordinária de impostos”.

Por sua vez, no Estado de Polícia, a liberdade – ainda com sua concepção restrita – se afi rmava como a liberdade do príncipe e da burguesia em ascensão. Nessa fase, “o tribu-to passa a ser o fi ador da conquista da riqueza e da felicidade, da liberdade do trabalho e do incentivo ao lucro no comércio e no câmbio, assumindo características de preço da liberdade”, assevera o mencionado autor16.

Já no Estado Fiscal de Direito17, “o tributo é o preço da liberdade, pois serve de instrumentos para distanciar o homem do Estado, permitindo-lhe desenvolver plena-mente as suas potencialidades no espaço público, sem necessidade de entregar qualquer prestação permanente de serviço ao Leviatã”, complementa Ricardo Lobo Torres.

10.2. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

A doutrina18 aponta, basicamente, três modalidades de competência tributária. Na realidade, a estratifi cação do instituto da competência em espécies ou modalidades visa, basicamente, a facilitar o entendimento do tema, pois, na realidade, é sempre possível apontar imperfeições e novas perspectivas. Nessa toada, importante destacar que “as classifi cações não são certas ou erradas – são úteis ou inúteis, na medida em que servem para identifi car melhor o objeto de análise”, assevera Genaro A. Carrió19.

Nesse contexto, vejamos as referidas modalidades apresentadas pela doutrina:1) a competência comum, a qual consubstancia a prerrogativa de todos os

Entes Políticos instituirem tributos. Exemplos usualmente apontados quanto a esta atribuição são as taxas e a contribuição de melhoria20; 2) a competência pri-

vativa21, por meio da qual apenas o Ente Político específi co possui a atribuição para criar determinado tributo: por exemplo, cabe à União criar o imposto sobre exportação (vide art. 153, II, da CRFB/88); cada Estados tem a prerrogativa de instituir o ITCMD (cf. art. 155, I, da CRFB/88), aos Municípios incumbe o de-ver institucional relativo ao IPTU (nos termos do art. 156, I, da CRFB/88); e 3)

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 6

22 AMARO, Luciano. Direito Tributá-rio Brasileiro. 11 ed. rev. e atual. São

Paulo; Editora Saraiva, 2005, pp. 97-98.

23 CARVALHO, Paulo de Barros. Com-

petência Residual e Extraordinária. In:

MARTINS, Ives Gandra da Silva ( coor-

denador ). Curso de Direito Tributário.

10 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora

Saraiva, 2008, pp. 707-709.

a competência residual, que é conferida à União para instituir outros impostos, além daqueles expressamente descriminados na Constituição.

Ensina Luciano Amaro22, no tocante à competência privativa da União, em sua vertente extraordinária, “o critério de partilha de situações materiais para a criação de impostos é afastado em caso de guerra ou sua iminência, pois, dada a excepcionalidade dessas situações, atribui-se à União competência para criar impostos extraordinários”. Ainda, segundo o autor, a Constituição de 1988, neste caso, permitiu a União instituir impostos, cujas situações materiais estão fora da moldura de sua competência tributária; ou seja, a União para criar impostos extraordinários “não fi ca adstrita às situações mate-riais a ela normalmente atribuídas (nomeada ou residualmente), podendo, além dessas, tributar aquelas inseridas, ordinariamente, na competência dos Estados ou dos Municí-pios (por exemplo, a circulação de mercadorias ou serviços de qualquer natureza)”.

Ainda, com relação à competência privativa extraordinária da União, pertinente é a observação feita por Paulo de Barros Carvalho23: “(...) convém esclarecer, todavia, que por guerra externa haveremos de entender aquela de que participe o Brasil, diretamen-te, ou a situação de beligerância internacional que provoque detrimentos ao equilíbrio econômico-social brasileiro”. Na linha de intelecção do mencionado autor, a União pode lançar mão da competência extraordinária, desde que cumpridos os requisitos es-culpidos no art. 154, II, da CRFB/88, ou seja, em casos de guerra ou de sua iminência, nos quais o Brasil busca a defesa de seus interesses nacionais.

Apenas para fi ns didáticos, vejamos grafi camente as mencionadas classifi cações:Ordinária - todos os Entes Políticos possuem

Competência

tributária

Ordinária – todos

os Entes Políticos

possuem

Extraordinária –

somente a União

a possui

Todos os Entes

Políticos possuem

Somente a União a

possui

Comum

Privativa

Residual

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 7

24 O quadro inclui as espécies tributárias

defi nidas pelo Supremo Tribunal Fede-

ral, conforme já destacado, especial-

mente no RE 138.284-8, RE 146.733 e

ADC-1/DF, nas quais foi adotada a tese

qüinqüipartide dos tributos. Ressalte-

se, entretanto, que após essas decisões

foi introduzido o artigo 149-A pela

Emenda Constitucional 39/2002, o qual

atribuiu competência aos Municípios

para instituírem a contribuição de ilu-

minação pública. Portanto, atualmente

seriam considerados tributos: (1) os

empréstimos compulsórios (artigo

148 da CR-88); (2) a contribuição de

iluminação pública (art. 149-A); (3) as

taxas (artigo 145, II, da CR-88); (4) as

contribuições de melhoria (artigo 145,

III, da CR-88); (5) os impostos (artigo

145, I, da CR-88); (6) as contribuições

especiais (artigo 149 da CR-88), sendo

estas últimas subdivididas em três

grupos: (6.1) sociais; (6.2) de interven-

ção no domínio econômico e (6.3) de

O quadro abaixo apresenta de forma esquemática a distribuição de competências em relação aos tributos24 de acordo com a Constituição de 1988. Importante repisar, anteriormente, que o artigo 149 da CR-88 confere competência privati va à União para criar contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profi ssionais ou econômicas, o que não afasta a possibilidade de os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituírem contribuição para a seguridade social de seus servidores, nos termos do §1o do mesmo dispositivo constitucional. De fato, o artigo 149 da CR-88 é o fundamento de validade constitucional das mencionadas con-tribuições especiais e, também, elemento de conexão entre a denominada Constituição Tributária e aquela que disciplina a Segurança ou Seguridade Social, onde são previstas de forma detalhada e especifi cada essas espécies tributárias, tais como, por exemplo, a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) – artigo 195, I, “b” –, a Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL) – artigo 195, I, “c” –, a contribui ção para o Programa de Integração Social (PIS) – artigo 239 –, e etc.

Espécies tributárias

Distribuição de competência tributária fi xada na Constituição de acordo com o federalismo fi scal brasileiro

União Estados Municípios

1. Empréstimos Compulsórios

Art. 148. A União, mediante lei complemen-

tar, poderá instituir em-

préstimos compulsórios:I – para atender a des-

pesas extraordinárias, decorrentes de cala-midade pública, de guerra externa ou sua iminência;

II – no caso de inves-timento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, “b”.

Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de em-préstimo compulsório será vinculada à des-pesa que fundamen-tou sua instituição.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 8

interesse das categorias profi ssionais

e econômicas. As contribuições sociais,

por sua vez, desdobram-se em: (6.1.1)

sociais gerais; (6.1.2) de seguridade

social e (6.1.3) outras de seguridade

social (art. 195 §4o).

Espécies tributárias

Distribuição de competência tributária fi xada na Constituição de acordo com o federalismo fi scal brasileiro

União Estados Municípios

2. Contribuição de Iluminação Pú-blica

Art. 149-A Os Mu-nicípios e o Distrito Fe-deral poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, ob-servado o disposto no art. 150, I e III.

Parágrafo único. É fa-cultada a cobrança da con-tribuição a que se refere o caput, na fatura de consu-mo de energia elétrica.

3. Taxas Art. 145, II – taxas, em razão do exercício do (1) poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de (2) ser-viços públicos específi cos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

Art. 145, II – taxas, em razão do exercício do (1) poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de (2) ser-viços públicos específi cos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

Art. 145, II – taxas, em razão do exercício do (1) poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de (2) ser-viços públicos específi cos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

4. Contribuição de Melhoria

Art. 145, III – contri-buição de melhoria, decor-rente de obras públicas.

Art. 145, III – contri-buição de melhoria, decor-rente de obras públicas.

Art. 145, III – contri-buição de melhoria, decor-rente de obras públicas.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 9

Espécies tributárias

Distribuição de competência tributária fi xada na Constituição de acordo com o federalismo fi scal brasileiro

União Estados Municípios

5. Impostos 1) Imposto de Impor-tação de produtos estrangeiros (art. 153, I);

2) Imposto de Exporta-ção, para o exterior, de produtos nacio-nais ou nacionaliza-dos (art. 153, II)

3) Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e Jurídica (IRPJ) incidente sobre o Ganho de Capital apurado na alienação de bens e direitos (art. 153, III)

4) Imposto sobre produtos industriali-zados (IPI– art. 153 IV)

5) Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos e valores mobiliários –IOF (Art 153 V)

6) Imposto sobre a propriedade Territo-rial Rural (ITR – art. 153, VI)

7) Imposto sobre gran-des fortunas (IGF – art. 153, VII)

1) Imposto sobre a Transmissão Causa mortis e Doação, de quaisquer bens ou direitos (ITCMD– art. 155, I)

2) Imposto sobre opera-ções relativas à circu-lação de mercadorias e sobre prestações de serviços de trans-porte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior (ICMS – art. 155, II)

3) Imposto sobre a pro-priedade de Veículos Automotores (IPVA– art. 155, III)

1) Imposto sobre a Pro-priedade Territorial Urbana (IPTU– art. 156, I)

2) Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI –art. 156, II)

3) ISS – Imposto sobre Serviços de qual-quer natureza, não compreendidos no art. 155 II, defi nidos em lei complementar (art. 156)

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Espécies tributárias

Distribuição de competência tributária fi xada na Constituição de acordo com o federalismo fi scal brasileiro

União Estados Municípios

6. Contribuições espe-ciais

1) Contribuições sociaisa. Gerais: Fundo de

Garantia sobre o Tempo de Serviço (FGTS – art. 7o, III); Salário Educação (art. 212,§5o) etc.

b. Contribuição para a Seguridade Social em geral (art. 149 c/c art. 195)

– Contribuição para a Previdência dos seus servidores (art. 149 caput e art. 40)

Outras contribuições sobre a folha de salá-rios e demais rendi-mentos (previdenciá-rias do empregador), sobre o trabalhador e demais segurados (previdenciária dos empregados) sobre o lucro (CSL), sobre a receita ou faturamen-to (COFINS), sobre a receita de concursos prognósticos, do impotador de bens e serviços.

c. Outras de seguridade social (art. 195 §4o)

Programa de Integra-ção Social (art. 239)

Programa de Forma-ção do Patrimônio do Servidor Público (art. 239)

1) Contribuição para a Previdência dos seus servidores (art. 149, §1o e art. 40).

1) Contribuição para a Previdência dos seus servidores (art. 149, §1o e art. 40).

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 11

Espécies tributárias

Distribuição de competência tributária fi xada na Constituição de acordo com o federalismo fi scal brasileiro

União Estados Municípios

2) intervenção no domínio econômico (art. 149 caput, §2o e art. 177, §4o – CIDE petróleo) e outras de interventivas (AFRMM, CO-DENCINE etc.)

3) de interesse das cate-gorias profi ssionais ou econômicas: Con-tribuições compulsó-rias dos empregado-res sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e formação profi ssional vinculadas ao sistema sindical (art. 240): chamado sistema S, que compreende as contribuições para o serviço nacional de aprendizagem rural (SENAR), para o serviço nacional de aprendizagem de transporte (SE-NAT), para o serviço social de transporte (SEST), para o servi-ço social da Indústria (SESI), para o serviço nacional de apren-dizagem comercial (SENAC), para o serviço nacional de aprendizagem indus-trial (SENAI), para o serviço social do comércio (SESC).

Contribuição prevista no artigo 8o IV da CR-88.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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25 CARVALHO. Op. Cit. pp. 707-709.

26 DENARI, Zelmo. Sujeitos Ativo e Pas-

sivo da Relação Jurídica Tributária. In:

MARTINS, Ives Gandra da Silva ( coor-

denador ). Curso de Direito Tributário.

10 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora

Saraiva, 2008, pp. 171-190.

27 ROSA JR.Op. Cit. p.255.

28 AMARO. Op. Cit. p. 99

Conforme será examinado na próxima aula, pertinente à extrafi scalidade, e na aula concernente à capacidade contributiva, todas essas espécies tributárias podem ser agru-padas tanto sob o ponto de vista (1) jurídico tributário, no que se refere à distribuição de competência do nosso regime de federalismo fi scal ou em relação ao ato, fato ou ne-gócio jurídico a ensejar a incidência, como em função (2) do substrato econômico a que se vinculam, isto é, o patrimônio, a renda ou o consumo, os quais se consubstanciam nas três bases econômicas de incidência tributária. Saliente-se, entretanto, que o tributo formulado ou desenhado para incidir sobre determinada base econômica de tributação pode, de fato, não atingir aludido substrato, em função de condições de mercado ou da própria legislação tributária. Destaque-se, também, que nem sempre a pessoa eleita pela norma de incidência como o sujeito passivo da obrigação tributária é aquela que arca, na realidade, com o ônus econômico do tributo, ou seja, existe o chamado con-tribuinte de fato e o denominado contribuinte de direito, os quais podem ser ou não a mesma pessoa, também em função das condições dos mercados de bens e serviços e daqueles dos fatores de produção (terra, capital, trabalho etc.) assim como das normas de incidência. Ainda, importante salientar que pessoas jurídicas, criações do homem, não suportam, em última instância, a carga tributária, pois somente pessoas naturais ar-cam com o ônus econômico do tributo, isto é, a incidência econômica da exação sobre a pessoa jurídica dever ser analisada sob a perspectiva do retorno do capital empregado por aquele responsável por sua constituição ou seu benefi ciário, o que requer análise conjunta da norma jurídica com a realidade econômica sobre a qual ela é aplicada.

Na sequência, vale destacar: 1. a noção de “competência tributária”; 2. as suas carac-terísticas; 3. o seu destinatário; e 4. a correlação com o Poder de Tributar e a Capacidade tributária.

10. 2.1. A noção de Competência Tributária:

No dizer de Paulo de Barros Carvalho25, “a competência tributária (...) é uma das prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos”.

Para Zelmo Denari26, “a competência tributária coloca-se no plano institucional do tributo, mas a outorga é de índole constitucional, pois os entes políticos (União, Estados e Municípios) só podem instituir os tributos discriminados na Constituição”, enquanto a capacidade tributária, alude o autor, “coloca-se no plano operacional e sig-nifi ca a aptidão para cobrar tributos legalmente instituídos”.

Na perspectiva de Luiz Emygdio F. da Rosa Jr.27a competência tributária “é a parcela do poder conferida pela Constituição a cada Ente Político para criar tributos”.

Na concepção de Luciano Amaro28 a competência tributária “implica a competência para legislar, inovando o ordenamento jurídico, criando o tributo ou modifi cando sua expressão qualitativa ou quantitativa, respeitados, evidentemente, os balizamentos fi xa-dos na Constituição (...)”.

Pelo exposto pode-se concluir que a competência tributária representa a prerrogativa constitucionalmente conferida aos Entes Políticos para instituir e disciplinar os tributos,

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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por meio de seu Poder Legislativo, no âmbito e limites de seu poder de tributar. Cabe, ainda salientar que a competência, em seu sentido amplo, abarca também a capacidade tributária ativa, uma vez que o Ente competente para instituir a exação, tem igualmente a prerrogativa de cobrá-la, arrecadá-la e fi scalizá-la.

10.2.2. Características:

A competência tributária tem basicamente seis elementos caracterizadores, os quais podem ser delineados da seguinte maneira: a. privatividade; b.indelegabilidade; c.incaducabilidade; d.inalterabilidade; e. irrenunciabilidade; e f. facultatividade do exercício.

A privatividade, como do termo mesmo se infere, signifi ca a prerrogativa que deter-minado Ente da federação possui para exercer a competência tributária dentro de seu espaço territorial, afastando, dessa forma, a possibilidade de outro Ente extrapolar os limites demarcados pela Constituição.

Nesse sentido, dispõe o art. 8o do Código Tributário Nacional (CTN) que “o não-exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica de direito público di-versa daquela a que a Constituição a tenha atribuído”, ou seja, não pode, por exemplo, um estado-membro da Federação instituir o imposto sobre grandes fortunas (o qual é da competência da União, nos termos do art. 153, inciso VII, da CRFB/88) pelo sim-ples fato de o Ente competente, no caso a União, não o fazê-lo.

A indelegabilidade é um signifi cante de caráter obstativo, isto é, veda a possibilidade de transferência da parcela delimitada do poder de tributar de determinado Ente Polí-tico a outro, ainda que parcialmente.

Esta qualidade tem sentido signifi cativo, visto que a competência tributária, tal como concebida em nosso constitucionalismo, decorre da delimitação do poder de tributar, afastando, deste modo, a possibilidade de os detentores de mandato eletivo, em sede dos respectivos Entes Políticos, utilizarem o tributo como instrumento político-eleitoreiro para outros interesses, até mesmo de caráter público, mas momentâneos.

A incaducabilidade, a seu turno, tem como ratio subjacente a discricionariedade legislativa, isto é, o Poder Legiferante do Ente federativo não está adstrito a qualquer limitação temporal para criar seus tributos. O que não se confunde com o princípio da irrenunciabilidade, o qual pressupõe o potencial exercício da competência tributária, a despeito da discricionariedade temporal legislativa para o exercício da prerrogativa.

A inalterabilidade vincula-se ao fato de que o Poder Público não pode ampliar o escopo da competência tributária determinada pela Constituição Federal, sob pena de violar o próprio pacto federativo.

Por fi m, a facultatividade do exercício da competência tributária. É preciso ter-se certo cuidado com este princípio, porquanto, ao mesmo tempo em que o Poder Público possui discricionariedade legislativa para criar seus tributos, ele deve obediência à Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000), a qual, em seu artigo 11, dis-põe: “constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fi scal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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29 Como compatibilizar a LRF ( LC

110/00 ) com a norma inserta no art.

153, inciso VII, CR/88?

30 SOUZA, Rubens Gomes de. Compen-dio de legislação tributária. Edição

póstuma. São Paulo: Resenha Tributá-

ria, 1975, p.89.

31 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Di-reito Financeiro e Tributário. 11 ed.

Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2004,

p. 253.

32 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 21 ed. rev. atual. e

ampl. São Paulo: Editora Malheiros,

2002, pp. 122-123.

33 SOUZA. Op. Cit. p. 89.

34 Ressalte-se aqui o uso da expressão

“entidades públicas”para designar En-

tes Políticos.

35 TORRES ( 2004 ). p. 253.

36 MACHADO. Op. Cit. pp. 122-123.

ente federado”. Impõe-se, portanto, uma indagação: A não-instituição de um tributo, o qual a CRFB/88 atribuiu a determinado Ente Político, viola ou não o art. 11 da Lei Complementar 101/00 (a denominada Lei de Responsabilidade Fiscal), que dispõe: “Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fi scal a institui-ção, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação”?29

10.2.3. Quanto ao destinatário da competência tributária:

O destinatário da norma constitucional que confere competência é o Poder Legis-lativo do Ente Político respectivo, haja vista que no Estado de Direito o Poder Público também deve observância às normas jurídicas que edita, submetendo-se, portanto, ao princípio da legalidade. Dessa forma, a Administração Pública subsume a sua atuação aos ditames legais, ex vi do art. 37 e art. 150, inciso I, da Carta Constitucional de 1988. Nesse sentido, a Constituição não cria o tributo, apenas confere ou atribui competência para que o ente político o institua por meio de lei ordinária, salvo as exceções constitu-cionalmente fi xadas, como é o caso da citada competência residual da União, para insti-tuir outros impostos além daqueles listados no artigo 153, mediante lei complementar, observadas as restrições aludidas no artigo 154, I, da CR-88.

Vale lembrar que a competência tributária não se confunde com a capacidade tribu-tária, pois esta, consubstanciada no direito de cobrar, arrecadar, e fi scalizar, é atribuída, em regra, ao Poder Executivo do Ente Político, competente para instituir o tributo, podendo, conquanto, ser delegada, nos termos do art. 7o do CTN, ao contrário do que corre com a competência tributária, que é indelegável.

10.2.4. Competência tributária e a sua correlação com o Poder de Tributar e a Capa-cidade tributária:

Alguns doutrinadores defendem que somente os Entes Políticos detentores de com-petência tributária para instituir tributos é que possuem capacidade tributária ativa, por força do disposto no art. 119, do CTN, que assim dispõe: “Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir seu cumpri-mento”. Tal corrente doutrinária é capitaneada por Rubens Gomes de Souza30, Ricardo Lobo Torres31, e Hugo de Brito Machado32.

Rubens Gomes de Souza33acentua que “somente as entidades públicas34 dotadas de poder legislativo (...) é que podem ser sujeitos ativos de obrigações tributárias”. Nessa toada, limita a sujeição ativa ao próprio Ente Político instituidor da exação.

Já Ricardo Lobo Torres35 admite que, além dos Entes Políticos, podem, também, ocupar o polo ativo da relação tributária as autarquias, “pois se lhe estende o conceito de Fazenda Pública e se lhes atribui a competência para a cobrança das contribuições especiais”.

Hugo de Brito Machado36, a seu turno, pontua que “só as pessoas jurídicas de direito público podem ser sujeitos ativos da obrigação tributária”. Nesse sentido, o autor am-

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 15

37 Sobre este assunto vide DI PIETRO,

Maria Sylvia Zanella. Direito Adminis-

trativo. 16 ed. São Paulo: Editora Atlas,

2003, p.365. Segundo a administra-

tivista, a fundação pública pode ter

caráter público ou privado, depende do

que dispõe a lei que a instituir. Sendo

certo que, quando a lei instituidora der

a fundação personalidade jurídica de

direito público, o seu regime jurídico

será igual ao das autarquias, “sendo

chamada de autarquia fundacional”,

pontua a autora.

38 AMARO. Op. Cit. pp. 292-293.

39 BALEEIRO. Op. Cit. pp.569-570.

40 BRASIL. Senado Federal. Constitui-ções do Brasil. Brasília: Subsecretaria

de Edições Técnicas, 1986, p.530.

41 Nesse sentido, ver RE 86.595 de

07.06.1978.

plia o conceito de capacidade tributária ativa e admite-a para todas as pessoas jurídicas de direito público; donde se infere que teriam capacidade tributária ativa, além dos Entes Políticos, as autarquias e as fundações públicas de natureza pública37.

Em sentido diverso das referidas doutrinas, segue a linha de pensamento de Luciano Amaro38, o qual, apesar de reconhecer que o Ente Público instituidor do tributo é, em

regra, o sujeito ativo da relação jurídico-tributária, que da exação criada emerge, admite

exceções que afastam a indigitada regra, por força da disciplina constitucional, como ocorre, por exemplo, com as denominadas contribuições parafi scais ou especiais: isto é, aquelas cobradas e fi scalizadas por entidades fora do núcleo da Administração Pública. Aponta o mencionado autor: “uma coisa é a competência tributária (aptidão para insti-tuir o tributo) e a outra é a capacidade tributária (aptidão para ser titular do pólo ativo da obrigação)”. Afi rma, ainda, Luciano Amaro que a identifi cação do sujeito ativo da obrigação tributária “deve ser buscada no liame jurídico em que a obrigação se traduz, e não na titularidade da competência para instituir o tributo”.

O raciocínio de Luciano Amaro parece se coadunar com o texto constitucional de 1988, o qual prevê em seu art. 8o a contribuição sindical cobrada pelos sindicatos (en-tidades privadas) e as contribuições para manutenção do denominado Sistema S (SESI, SENAI, SESC, SEBRAE etc) previstas no art. 240 (as quais também, assim como os sindicatos, são pessoas jurídicas de direito privado: porém tem suas atividades voltadas ao incremento da formação profi ssional dos trabalhadores). Nesse cenário parece ne-cessária uma leitura dos artigos 7o e 119 do CTN de forma a interpretá-los conforme a Constituição de 1988, isto é, no bojo de uma realidade jurídico-constitucional diversa daquela vigente à época da edição do CTN, 1967. Cumpre, ainda, frisar que em 1967, quando da elaboração do CTN, os tributos enfeixavam apenas os impostos, as taxas e a contribuição de melhoria. As contribuições previdenciárias, sindicais, e o FGTS, não estavam incluídas no capítulo que tratava dos tributos, as quais foram, por emenda ao projeto, previstas posteriormente no capítulo das disposições fi nais e transitórias, nos termos do art. 217.

Na opinião de Aliomar Baleeiro39, o referido art. 217, acrescentado ao CTN, “visa a estancar dúvidas sobre a exigibilidade das contribuições parafi scais ou especiais, que ele indica e que, aliás, estão contempladas na Constituição Federal (na redação da Emenda no 1/1969, art. 163, parag. Único; 165, XVI, 166, §1o; e art. 21, §2o, I)”. Com efeito, a referida emenda estabeleceu, no capítulo do Sistema Tributário, em seu art. 18, §2o, a competência da União para instituir “contribuições (...), tendo em vista intervenção no domínio econômico ou o interesse de categorias profi ssionais e para atender diretamen-te à parte da União no custeio dos encargos da previdência social”40.

Diante desse quadro, a doutrina e a jurisprudência passaram a admitir a natureza tributária dessas exações. Paisagem que não durou muito tempo, pois, em 1977, por força da emenda constitucional no 8, que afastou as contribuições sociais do capítulo do sistema tributário, para inseri-las na parte que trata das demais matérias afetas à competência legislativa da União, os estudiosos da matéria e o próprio STF passaram a defender a tese de que tais exações não teriam mais natureza tributária41.

A Constituição de 1988 delineou novo cenário para as contribuições especiais, inserindo-as no capítulo do sistema tributário nacional: cuja regra matriz está no art.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 16

42 Vide Súmula Vinculante 8: “São in-

constitucionais o parágrafo único do ar-

tigo 5o do Decreto-Lei no 1.569/1977 e

os artigos 45 e 46 da Lei no 8.212/1991,

que tratam de prescrição e decadência

de crédito tributário”.

43 Dispõe o caput do artigo 236 da CR-

88: “Os serviços notariais e de registro

são exercidos em caráter privado, por

delegação do Poder Público”.

149. Diante desta realidade, a doutrina em geral e a jurisprudência passaram nova-mente a admitir a natureza tributária das contribuições. De fato, recentemente, o STF, em decisão plenária, considerou inconstitucional o prazo prescricional de 10 anos pre-visto para a cobrança das contribuições previdenciárias, sendo, inclusive, matéria de súmula vinculante42. Alegou a suprema corte que, em razão da natureza tributária destas exações, devem as mesmas se submeter aos prazos de prescrição e decadência previstos no CTN.

Importante destacar ainda que, além das hipóteses supramencionadas, relativamen-te à contribuição cobrada pelos sindicatos (art. 8o da CR-88) e das contribuições para manutenção do denominado Sistema S (artigo 240 da CR-88), atribuindo, portanto, a sujeição ativa a pessoas jurídicas de direito privado, a Constituição também atribui aos cartórios privados43, a teor do artigo 236 da CR-88, a cobrança de custas extrajudicais, as quais se qualifi cam como taxas, subsumindo-se, portanto, como espécie tributária, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1444-7:

ADI 1444 / PR – PARANÁ

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES

Julgamento: 12/02/2003 Órgão Julgador: Tribunal Pleno

Publicação DJ 11-04-2003 PP-00025 EMENT VOL-02106-01 PP-00046Parte(s)

REQTE.: CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

ADVDO.: FRANCISCO ERNANDO UCHOA LIMAADVDO.: MARCELO MELLO MARTINS E OUTROREQDO.: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁEmenta

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CUSTAS E EMOLUMENTOS: SERVENTIAS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO No 7, DE 30 DE JUNHO DE 1995, DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTA-DO DO PARANÁ: ATO NORMATIVO. 1. Já ao tempo da Emenda Consti-tucional no 1/69, julgando a Representação no 1.094-SP, o Plenário do Supremo Tribunal Federal fi rmou entendimento no sentido de que “as custas e os emo-

lumentos judiciais ou extrajudiciais”, por não serem preços públicos, “mas,

sim, taxas, não podem ter seus valores fi xados por decreto, sujeitos que estão ao princípio constitucional da legalidade (parágrafo 29 do artigo 153 da Emen-da Constitucional no 1/69), garantia essa que não pode ser ladeada mediante delegação legislativa” (RTJ 141/430, julgamento ocorrido a 08/08/1984). 2. Orientação que reiterou, a 20/04/1990, no julgamento do RE no 116.208-MG. 3. Esse entendimento persiste, sob a vigência da Constituição atual (de 1988), cujo art. 24 estabelece a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, para legislar sobre custas dos serviços forenses (inciso IV) e cujo art. 150, no inciso I, veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municí-

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 17

pios, a exigência ou aumento de tributo, sem lei que o estabeleça. 4. O art. 145 admite a cobrança de “taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específi cos e divisíveis, pres-tados ao contribuinte ou postos a sua disposição”. Tal conceito abrange não só as custas judiciais, mas, também, as extrajudiciais (emolumentos), pois estas re-sultam, igualmente, de serviço público, ainda que prestado em caráter particular (art. 236). Mas sempre fi xadas por lei. No caso presente, a majoração de custas

judiciais e extrajudiciais resultou de Resolução – do Tribunal de Justiça – e não

de Lei formal, como exigido pela Constituição Federal. 5. Aqui não se trata de “simples correção monetária dos valores anteriormente fi xados”, mas de aumen-to do valor de custas judiciais e extrajudiciais, sem lei a respeito. 6. Ação Direta julgada procedente, para declaração de inconstitucionalidade da Resolução no 07, de 30 de junho de 1995, do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Decisão

– O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente o pedido formulado nainicial para declarar a inconstitucionalidade da Resolução no 07, de 30de junho de 1995, do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Votou oPresidente, o Senhor Ministro Marco Aurélio. Ausentes,justifi cadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello, e, neste julgamento, o

Senhor Ministro Ilmar Galvão. Plenário, 12.02.2003.

QUESTÕES DE CONCURSO

1. Em relação à competência tributária residual, pode-se afi rmar que:

(A) em qualquer hipótese, só poderá ser utilizada pela União Federal, desde que me-diante Lei Complementar.

(B) em algumas hipóteses, poderá ser utilizada pela União Federal, pelos Esta dos, pelo Distrito Federal e pelos Municípios.

(C) em algumas hipóteses, poderá ser utilizada pelos Estados e pelo Distrito Fe deral, desde que haja Lei Complementar autorizativa.

(D) em algumas hipóteses, poderá ser utilizada tanto pela União como pelos Estados.(E) poderá ser utilizada pelos Estados para a instituição de outros tributos não previs-

tos em sua competência privativa(BNDES, 2002)

2. Assinale a opção incorreta:

a) Compete à União instituir impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza.b) Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre a circula ção

de mercadorias e serviços.c) Compete aos Municípios instituir impostos sobre serviços de qualquer natu reza,

não compreendidos no art. 155,II,CF, defi nidos em lei complementar.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 18

d) Compete à União instituir, mediante lei, impostos não previstos na CF, des de que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados na Constituição.

(Ministério Público de Minas Gerais – Juiz, 2004)

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DA AULA

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 19

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Page 20: Direito_Tributário_e_Finanças_Públicas_I_-_vol_II

DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 20

44 A aceleração do processo de integra-

ção de mercados, em âmbito regional

e global, impõe inevitáveis restrições

e condicionantes às políticas públicas

locais, as quais se vinculam – e se

subordinam em muitas circunstâncias

- cada vez mais às ordens jurídicas e

econômicas supranacionais. Entretan-

to, os atuais dilemas relacionados às

possíveis políticas tributárias e de gas-

tos a serem adotadas contém em sua

raiz os mesmos tipos de escolhas e pro-

blemas do tradicional Estado-Nação,

os denominados “trade-off s”. Na rea-

lidade, como em toda política pública,

na política fi scal ocorre uma escolha na

margem entre algumas virtudes de um

lado em detrimento de outras qualida-

des de outro (como justiça distributiva

e equidade na distribuição dos custos

governamentais de um lado e cresci-

mento econômico e a adequação admi-

nistrativa por outro). Conforme pontua

Messere, em relação, especifi camente,

à política tributária:“Tax policy is about

trade-off s, not truths”. In. MESSERE,

Ken. Half Century of Changes in Taxa-tion. 53 Bulletin for International Fiscal

Documentation 340. 1999. p. 343-344.

Assim, os três planos clássicos nos

quais as políticas tributárias devem ser

analisadas – (1) efi ciência econômica,

(2) equidade/justiça distributiva, e (3)

adequação administrativa – permane-

cem, ao lado dos novos parâmetros e

desafi os inerentes à pós-modernidade,

em especial a necessidade de interagir

e competir em âmbito global. Os ele-

mentos envolvidos devem ser ponde-

rados cuidadosamente, um verdadeiro

exercício de sintonia fi na e não apenas

de escolha excludente.

45 O índice ou coefi ciente de Gini é a

medida expressa em pontos percentu-

ais, normalmente utilizado em estudos

econômicos para identifi car o grau de

desigualdade e de concentração de ren-

da em determinado país. O índice para

dado país varia entre 0 e 1 (ou 100),

onde 0 corresponde à completa igual-

dade de renda (todos teriam a mesma

renda) e 1 (ou 100) corresponderia à

completa desigualdade (apenas uma

pessoa teria toda a renda). Segundo

o relatório 2007/2008 do Human De-

velopment Report das Nações Unidas,

com base em dados do Banco Munidal,

obtido no sitio http://hdrstats.undp.

org/indicators/147.html, acesso em

19/01/2009, o Brasil apresenta o índice

de 57.0, enquanto Moçambique 47.3,

Nigéria 50.5, Etiópia 30.0, Zambia 50.8,

Ruanda 46.8, Uganda 45.7, Gana 40.8,

Serra Leoa 62.9, Lesoto 63.2. Já o índice

da Noruega é 25.8, Japão 24.9, Finlan-

dia 26.9, Dinamarca 24.7, França 32.7,

Inglaterra 36.0, Estados Unidos 40.8

etc. Conforme será destacado a seguir,

os dados pertinentes à distribuição de

riqueza/patrimônio não são disponíveis

como aqueles relativos à renda.

1.11 AULA 11 – A POLÍTICA FISCAL E A EXTRAFISCALIDADE: A NECESSÁRIA COMPATIBILIZAÇÃO ENTRE EFICIÊNCIA ECONÔMICA, JUSTIÇA DISTRIBUTI-VA E A CONVENIÊNCIA ADMINISTRATIVA DOS TRIBUTOS.

Pode-se dizer, sem exagero, que rios de tinta já foram gastos e muita discussão ainda hoje existe na busca da melhor resposta para algumas questões fundamentais relacionadas à ideal organização política, econômica e social no âmbito interno de cada país visando o alcance do desenvolvimento socialmente sustentável, dentre as quais se destacam:

1. Quais deveriam ser as funções estatais na ordem econômica e social, ou seja, quais seriam as atividades e os limites da atuação do tradicional Estado-Nação44?

2. Em quais circunstâncias e em que medida deveria o Estado intervir na alo-cação de recursos realizada pelo “mercado” bem como no retorno e remune-ração dos fatores de produção (terra – alugueres, capital-juro ou dividendo, trabalho– remuneração ou salário, empreendedorismo– lucro ou dividendo, tecnologia – royalties, e etc.), ou seja, quais seriam os contornos e os graus de interferência estatais desejáveis?

3. A ação do Estado deve somente corrigir as falhas de “mercado” por questões de efi ciência econômica ou deve ir além, também para evitar/impedir a con-centração da renda ou mesmo para realizar políticas públicas objetivando redistribuir a riqueza45, ainda que não sejam ótimas essas ações públicas sob o critério exclusivamente econômico em sentido estrito, isto é, deveria o poder público considerar outros valores contendo razoável grau de subjetividade como a equidade, justiça distributiva, etc.?

4. Caso concluído no sentido da necessidade ou imprescindibilidade das políti-cas públicas objetivando a redistribuição e a transferência de renda entre clas-ses economicamente estratifi cadas para diminuir desigualdades, deveriam ser utilizados os tributos que priorizem a neutralidade46 do seu impacto sobre as decisões dos agentes econômicos aliado à adoção de uma efi caz política de redução de desigualdades somente na vertente da despesa pública ou, al-ternativamente, adotar-se exclusivamente ou preponderantemente a política extrafi scal na via da receita? Não seria mais adequado adotar uma política fi scal abrangente e conjunta, compreendendo, ao mesmo tempo, a política tributária e, também, os gastos visando a alcançar objetivos de intervenção na ordem econômica e social? Essas políticas seriam diferentes dependendo do país nas quais são adotadas?

5. Qual é a distribuição de renda e de riqueza ideal? Quais os critérios e os riscos dessa atuação estatal em face das liberdades fundamentais? Quem deveria arcar com o ônus fi nanceiro de eventuais políticas públicas visando à redis-tribuição de renda e riqueza e quais os limites desses encargos para o cidadão contribuinte?

6. A política tributária deveria incorporar outros objetivos – além da arrecadação dos recursos fi nanceiros e redistribuir renda e riqueza – como estimular ou desestimular comportamentos e decisões das pessoas (físicas ou jurídicas)?

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 21

46 Conforme será examinado a seguir,

qualquer espécie tributária afeta o

comportamento dos agentes econômi-

cos, podendo, entretanto, dependendo

do tipo de exação, ser maior ou menor

o seu impacto quanto à decisão de pou-

par ou consumir, sobre os preços relati-

vos dos bens e serviços, no que se refere

à taxa de retorno dos investimentos, em

relação aos incentivos para trabalhar

ou para o lazer, quanto à adoção das

distintas formas de produção (maior

intensidade na aplicação de capital ou

de trabalho no processo produtivo) etc.

Um imposto geral sobre todos os bens

e serviços, por exemplo, com a adoção

da mesma alíquota em todas as etapas

de circulação tem reduzido impacto

sobre os preços relativos da econo-

mia, haja vista a uniformidade de seus

efeitos sobre os agentes econômicos e

o processo produtivo. Essa desejável e

difícil neutralidade dos tributos sobre

a economia é aniquilada caso adotadas

alíquotas ou tratamentos tributários

diferenciados dependendo do tipo ou

categoria de mercadorias e serviços,

hipótese em que os respectivos preços

seriam impactados de formas diversas,

o que pode ocasionar inefi ciência sob

a perspectiva exclusivamente eco-

nômica. Na mesma linha, no caso do

imposto incidente sobre a renda aufe-

rida, a existência de cargas tributárias

distintas para determinados tipos de

rendimento ou de acordo com a faixa

de renda pode estimular ou desestimu-

lar comportamentos, como a intenção

de poupar ou consumir mais ou menos

no presente ou no futuro, dedicar-se

mais intensamente ou não ao trabalho

vis a vi o tempo para o lazer, a decisão

de realizar determinado investimento

ou não, atuar na formalidade ou na

informalidade e etc.

47 REZENDE, Fernando. Finanças Pú-blicas. 2a ed. São Paulo: Atlas. 2006.

p.27-41.

48 GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana Cláu-

dia. Finanças Públicas. Teoria e Prática

no Brasil. 3a ed. Rio de Janeiro: Elsevier,

2008. p. 4.

49 ROSEN, Harvey S. Public Finance –

4th ed. United States: Irwin, 1995. p.

38 e 47. Destaca o autor que: “‘In ge-

neral, the art of government consists in

taking as much money as possible from

one class of citizens to give to the other.’

While Voltaire’s assertion is an oversta-

tement, it is true that virtually every im-

portant political issue has implications

for distributions of income. Even when

they are not explicit, questions of whom

will gain and who will lose lurk in the ba-

ckground of public policy debates. (…)

Before proceeding, we should discuss

whether economists ought to consider

distributional issues at all. Not everyone

thinks they should. Notions concerning

the “right” income distribution are value

Essas questões podem ser certamente respondidas sob múltiplas perspectivas, tais como a fi losófi ca, política, econômica, jurídica, sem esquecer, entretanto, dos requisitos práticos e operacionais, bem como dos aspectos dinâmicos e interativos das suas conse-qüências, ou seja, como implementar as respectivas diretivas e como identifi car os seus efeitos refl exos, incentivos e desestímulos, ao longo do tempo, elementos comumente relegados ao segundo plano.

Os economistas apontam em geral razões de ordens distintas para a atuação estatal, as denominadas “determinantes das despesas públicas”:47 destacando-se entre elas: (1) as falhas de mercado, envolvendo a existência de bens públicos, caracterizados pela impossibilidade de exclusão do seu consumo e por ser “não-rival”, isto é, “o consumo por parte de um indivíduo ou de um grupo social não prejudica o consumo do mesmo bem pelos demais integrantes da sociedade”48, bem como (2) as externalidades, (3) o poder de mercado, e (4) as informações assimétricas e etc. Sobre essa questão indica o especialista em Finanças Públicas Harvey S. Rosen49:

If properly functioning competitive markets allocate resources effi ciently, what role does the government have to play in the economy? Only a very small government would appear to be appropriate. Its main function would be to establish a setting in which property rights are protected so that competition can work. Government provi-des law and order, a court system, and national defense. Anything more is superfl uous However, such reasoning is based on a superfi cial understanding of the fundamental theorem. Th ings are really more complicated. For one thing, it has implicitly been assumed that effi ciency is the only criterion for deciding if a given allocation of

resources is good. (…) Th e Fundamental Th eorem of Welfare Economics states that, under certain conditions, competitive market mechanisms lead to Pareto effi cient outcomes. It is not obvious, however, that Pareto effi ciency50 by itself is desirable. (…) Th e framework used by most public fi nance specialists is welfare economics, the bran-ch of economics theory concerned with the social desirability of alterative economics states. Th e theory is used to distinguish the circumstances under which markets can be expected to perform well from those under which markets fail to produce desirable results. (…) Despite its appeal, Paretto effi ciency has no obvious claim as an ethical

norm. Society may prefer an ineffi cient allocation on the basis of equity, justice, or

some other criterion. Th is provides one possible reason for government intervention in the economy.

As tensões entre os valores efi ciência51 e racionalidade econômica de um lado e equi-dade e justiça distributiva52 de outro subjazem e se refl etem em todo o processo decisório acerca das políticas públicas a serem possivelmente adotadas, não havendo, entretanto, em face do atual estágio de desenvolvimento e conhecimento humano, possibilidade de supressão absoluta53 de qualquer dos dois componentes (efi ciência ou justiça distribu-tiva), sendo, portanto, problema solucionado por meio da ponderação mais adequada em cada situação concreta, do conjunto e do peso dos valores que a sociedade, por meio do processo político, decide priorizar e conferir relevância. De fato, no mundo atual, a

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 22

judgments and there is no ‘scientifi c’ way

to resolve diff erences in matters of ethics.

Therefore, some argue that discussion of

distributional issues is detrimental to

objectivity in economics and economists

should restrict themselves to analyzing

only the effi ciency aspects of social

issues. This view has two problems.

First, as emphasized in Chapter 4, the

theory of welfare economics indicates

that effi ciency by itself cannot be used

to evaluate a given situation. Criteria

other than effi ciency must be brought

to bear when comparing alternative

allocation of resources. Of course, one

can assert that only effi ciency matters,

but this in itself is a value judgment. In

addition, decision makers care about

the distributional implications of policy.

If economists ignore distribution, then

policy makers will ignore economists.

Policymakers may thus end up focusing

only on distributional issues and pay

no attention at all to effi ciency. The

economist who systematically takes

distribution into account can keep po-

licymakers aware of both effi ciency and

distributional issues. Although training

in economics certainly does not confer

a superior ability to make ethical judg-

ments, economists are skilled at drawing

out the implications of alternative sets of

values and measuring the costs of achie-

ving various ethical goals”.

50 O ótimo de Pareto, ou Paretto effi -

ciency, é utilizado em estudos eco-

nômicos para avaliar a efi ciência de

determinada alocação de recursos, é o

marco para medir resultados. Refl ete a

posição na qual, para fazer uma pessoa

melhorar a sua situação, necessaria-

mente alguém será prejudicado ou terá

a sua satisfação reduzida. Ou seja, em

uma distribuição que não seja ótima é

possível incrementar a satisfação de al-

guém sem reduzir a de outra pessoa.

51 A CR-88 consagra a efi ciência no

artigo 37 caput, o qual estabelece os

princípios regedores da Administração

Pública, bem como no artigo 70, caput,

ao determinar que a fi scalização contá-

bil, fi nanceira, orçamentária, operacio-

nal e patrimonial deve observar, além

de outros princípios, conforme já exa-

minado na aula pertinente ao controle

e fi scalização das fi nanças públicas, a

economicidade.

52 Nos termos já enfatizados na aula

sobre a repartição de receitas, o artigo

3o da CR-88 fi xa como objetivos fun-

damentais da República Federativa

do Brasil, entre outros, “construir uma

sociedade livre, justa e solidária”, “er-

radicar a pobreza e a marginalização e

reduzir as desigualdades sociais e re-gionais” e “promover o bem de todos,

sem preconceitos de origem, raça, sexo,

cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação”.

defi nição do modelo de atuação estatal vai além da simples contradição e escolha entre maior ou menor intervencionismo, pois refl ete o conjunto de valores priorizados, con-forme observa Odete Medauar:54

as linhas contrastantes nos estudos atuais sobre o Estado demonstram o cará-ter multifacetário do tema e, em especial, a impossibilidade de tratamento uni-linear, simplista, monocórdio, como por exemplo, a perspectiva reducionista,

expansionista ou abolicionista. (...) Torna-se fundamental, portanto, indagação a respeito da natureza, função e fi m do Estado, o que envolve a questão da estrutura de valores dentro dos quais a vida pública será conduzida; tal indaga-ção diz respeito também ao efetivo exercício da autoridade pública, sobretudo a administrativa, na realização desses valores. (grifo nosso)

No contexto de extrema complexidade caracterizadora do denominado mundo pós-moderno, destaca-se a difi culdade de adoção de um conceito unívoco para os serviços públicos55, área de titularidade do poder público (artigo 175 da CR-88), bem como para a determinação dos contornos, limites e interpenetrações entre o público e o não público, nas áreas de titularidade do setor privado e de exploração direta da atividade econômica pelo Estado (artigo 173 e 174 da CR-88). Pode-se afi rmar, apenas, que es-sas defi nições dependem da sociedade e do Estado nos quais se perquire os respectivos conceitos e conteúdos, caracterizando-se, portanto, por sua mutação e variabilidade no tempo e no espaço.

Nessa linha, aponta Tércio Sampaio Ferraz56 que:

“(...) Modernamente, no entanto, a própria transformação e o aumento da complexidade industrial vieram colocando as coisas em outro rumo. Não resta dúvida que hoje o Estado cresceu para além de sua função protetora repressora, aparecendo até muito mais como produtor de serviços de consumo social, regu-lamentador da economia e produtor de mercadorias. Com isso foi sendo mon-tado um complexo sistema normativo que lhe permite, de um lado, organizar sua própria máquina de serviços, de assistência e de produção de mercadorias, e, de outro, montar um imenso sistema de estímulos e subsídios. Ou seja, o Es-tado, hoje, substitui, ainda que parcialmente, por exemplo, o próprio mercado na coordenação da economia, tornando-se centro da distribuição da renda, ao

determinar preços, ao taxar, ao subsidiar.”

A realização desse plexo de funções e atividades inerentes à atuação estatal57 tem custo elevado, o qual deve ser fi nanciado de alguma forma, além de exigir a adoção de inúmeros instrumentos, entre os quais aqueles de caráter regulatório e de intervenção na ordem econômica e social, podendo os mesmos estar ou não vinculados às políticas de natureza fi scal (receita e despesa). Na realidade, conforme já salientado, o próprio processo de obtenção de receita (tributária e não tributária) pode trazer em seu bojo uma política intencional que transcenda e vá além do objetivo exclusivo de carrear re-cursos para os cofres públicos, por meio da utilização da denominada parafi scalidade58,

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 23

53 Com a crise internacional que assola o

mundo desde o fi nal do ano de 2008 os

argumentos da primazia e auto-sufi ci-

ência do mercado para resolver os pro-

blemas econômicos fundamentais, em

especial de alocação e distribuição de

recursos entre a denominada economia

real e os mercados fi nanceiros, parecem

estar em cheque, conforme constata o

professor da Escola de Economia de São

Paulo da Fundação Getúlio Vargas –

FGV/EESP, Yoshiaki Nakano, ao afi rmar

em artigo publicado no Jornal Valor de

13 de janeiro de 2009 (A11): “Muitos

bancos e empresas símbolos já que-

braram ou estão sendo socorridos pelo

governo, como Citibank, GM e Ford,

com medidas que estavam no índex do

pensamento convencional. A visão de mundo e idéias que fundamentavam o pensamento econômico convencio-nal como mercado efi ciente e, que se auto-regulam, ruíram com a crise.”

Considerando, entretanto, que os dese-

jos e demandas individuais e coletivas

são ilimitados e instáveis, combinado

com o fato de que os recursos e fatores

de produção são limitados ou escassos

(terra, capital, trabalho, tecnologia

em determinado momento), aliado ao

fato de que o Estado de Planifi cação,

manifestação totalitária ou socialista,

é incapaz de atender as demandas in-

dividuais e coletivas, é certo que o mer-

cado e o sistema privado de formação

de preços, em conjunto com o Estado,

em um novo sistema não separatista

a ser delineado nesse início de século

XXI, continuarão a exercer papel central

nas decisões e soluções dos problemas

econômicos fundamentais, tais como:

o que produzir, como produzir e para

quem produzir. No mesmo sentido

apontou o presidente dos Estados Uni-

dos Barack Obama em seu discurso de

posse, em 20/01/2009, ao declarar:

“A pergunta que fazemos agora não é

se nosso governo é grande demais ou

pequeno demais, mas se ele funciona.

Não enfrentamos a questão se o merca-

do é uma força para o bem ou o mal. O

seu poder de gerar riqueza e expandir

liberdade não tem paralelo. Mas esta

crise nos lembrou que, sem um olhar

vigilante, o mercado pode sair do con-

trole; que a nação não pode prosperar

por muito tempo se favorecer apenas

os prósperos”.

54 MEDAUAR, Odete. O Direito Adminis-

trativo em Evolução. 2a ed. revista, atu-

alizada e ampliada. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2003. p. 77

55 Após destacar a difi culdade de se

conceituar serviços públicos, e apontar

para o modelo adotado por Celso Anto-

nio Bandeira de Mello – o qual desvin-

cula o conceito da noção de “atividade

econômica”, e conecta-o às atividades

estatais essenciais – a professora Maria

Silvia Di Pietro defi ne “serviços públi-

cos” como “toda atividade material

matéria que será objeto de estudo na próxima aula, ou da extrafi scalidade dos tributos, podendo esta última política compreender objetivos59: (1) de redistribuição de renda e riqueza e/ou (2) regular a atividade econômica ou induzir o comportamento social, oferecendo incentivos ou desestímulos aos agentes econômicos e à sociedade em geral. Ainda que consideradas necessárias ou mesmo indispensáveis, é preciso não perder de vista que essas duas políticas elevam acentuadamente a complexidade do sistema de co-brança dos tributos e assemelhados, criando diversas exceções e regras pormenorizadas, afastando drasticamente a ampla aplicação das disciplinas gerais e uniformes, o que di-fi culta sobremaneira a administração das exações e eleva os custos administrativos, tanto do poder público como dos contribuintes que tem de adimplir com a exigência, além de propiciar os denominados loopholes ou brechas na legislação, que facilitam e muitas vezes fomentam a evasão e a perda de receita. Como conseqüência, invariavelmente, além de afastada a desejável simplicidade da tributação, o que prejudica a transparência do sistema, a carga tributária sobre aqueles que não podem ou não conseguem escapar da exigência é sobrelevada.

Entretanto, importante salientar que, independentemente da vontade ou intenção do legislador, os tributos, mesmo que instituídos apenas para a obtenção de recursos, podem afetar os preços relativos dos bens e serviços bem como modifi car a mais efi -ciente alocação de recursos pelos agentes econômicos, ensejar alterações nas decisões corporativas quanto à melhor estrutura de fi nanciamento60, se por meio da captação de capital próprio ou capital de terceiros (Debt vs. Equity), distorcer a taxa de retorno de determinada atividade econômica em detrimento de outra, incrementar ou diminuir o nível oferta de mão-de-obra disponível, incentivar – ou não – novas contratações de pessoas ou de aquisição de máquinas e equipamentos pelas empresas, assim, portanto, ocasionar uma inefi ciente alocação dos fatores de produção (terra, capital, trabalho, tec-nologia, empreendedorismo) e baixa produtividade. Em suma, a simples existência dos tributos já é sufi ciente para modifi car o comportamento das pessoas, individualmente, das famílias, das empresas, da sociedade como um todo e dos próprios governos, razão pela qual é ínsito à tributação redefi nir a alocação dos recursos socialmente disponíveis, o que afeta a demanda e a oferta no mercado de fatores de produção e de bens e serviços, ocasionando modifi cação nos respectivos preços61, motivos pelos quais sempre existiu – e continua a existir – intenso debate acerca do “melhor” substrato de incidência (pa-trimônio, renda ou consumo) sob a perspectiva da efi ciência econômica, objetivando causar o menor grau de distorção possível em relação às decisões que seriam efetivadas caso inexistente a exação.

Dessa forma, se a expressão extrafi scalidade tem o sentido de outros efeitos da impo-sição dos tributos, além da arrecadação dos recursos para fi nanciar a atividade do Estado, importante repisar que o fenômeno é indissociável e intrínseco à denominada fi scalida-

de, haja vista que mesmo as exações mais neutras sob a perspectiva econômica causam repercussões e impactos de naturezas diversas, que não apenas a obtenção de receitas públicas. Em análise sobre a neutralidade como um dos objetivos a serem alcançados no desenho do modelo tributário, William D. Andrews62 esclarece:

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 24

que a lei atribui ao Estado para que a

exerça diretamente ou por meio de seus

delegados, com o objetivo de satisfazer

concretamente às necessidades cole-

tivas, sob regime jurídico total ou par-

cialmente público”. v. DI PIETRO, Maria

Sylvia Zanella. Direito Administrativo.

16a ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 99. Já

o Ministro Eros Grau, do STF, enquadra

o serviço público como espécie de ati-

vidade econômica, tomado esse último

em seu sentido lato: “Daí a verifi cação

de que o gênero – atividade econômica

– compreende suas espécies: o serviço

público e a atividade econômica”. Res-

salva, ainda, que se trata de conceito

aberto, a ser preenchido com os dados

da realidade, e como tal, depende

do confronto entre o capital de um

lado – que procura “reservar para sua

exploração, como atividade econômica

em sentido estrito, todas as matérias

que possam ser, imediata ou potencial-

mente, objeto de profícua especulação

lucrativa” - e o trabalho, de outro, que

“aspira atribua-se ao Estado, para que

este as desenvolva não de modo es-

peculativo, o maior número possível

de atividades econômicas (em sentido

amplo). É a partir deste confronto –

do estado em que tal confronto se

encontrar, em determinado momento

histórico – que se ampliarão ou redu-

zirão, correspectivamente, os âmbitos

das atividades econômicas em sentido

estrito e dos serviços públicos”. v. GRAU,

Roberto Eros. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 8a ed. São Pau-

lo: Malheiros, p. 92 e 99.

56 FERRAZ, Tércio Sampaio. Apresenta-

ção. In: BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10a ed. Brasí-

lia: Universidade de Brasília, 1999.p.12.

57 GRAU. Op. cit. p.82. “Daí se verifi ca

que o Estado não pratica intervenção

quando presta serviço público ou regu-

la a prestação de serviço público. Atua,

no caso, em área de sua própria titulari-

dade, na esfera pública. Por isso mesmo

dir-se-á que o vocábulo intervenção é,

no contexto, mais correto do que a ex-

pressão atuação estatal: intervenção

expressa atuação estatal em área de

titularidade do setor privado; atuação estatal, simplesmente, expressa sig-

nifi cado mais amplo. Pois é certo que

essa expressão quando não qualifi cada,

conota inclusive atuação na esfera do

público” (grifo nosso).

58 A parafi scalidade é motivo de muito

dissenso na doutrina e pode ser anali-

sada pelo menos sob três perspectivas:

(1) no que se refere ao orçamento a que

se vincula (privado ou público – da

administração central ou descentraliza-

da), (2) quanto à entidade responsável

pela arrecadação e pelo exercício da

atividade que enseja a permissão da

cobrança e (3) relativamente à exação

ser ou não qualifi cada como tributo.

Neutrality means avoiding or minimizing distortions of normal economic incentives, and it is another crucial objective. Virtually any tax will distort ma-

rket incentives to some extent, but some taxes are worse than others in this

respect, and we should prefer the latter on that account. In part distortion varies because diff erent aspects of economic behavior vary in their sensitivity to costs and prices, and this criterion provides some reason for avoiding taxes on particu-larly sensitive items. Some would argue, for example, that investment is particu-larly sensitive to after-tax rates of return, and capital gains cannot be subjected to high graduated tax rates without impairing the normal fl ow of capital into new enterprises. Th erefore, the argument concludes, capital gains should be given special protection against ordinary rates. Others are skeptical of that argument at several points, but is important to keep in mind the extent in which various

aspects of the tax system may alter economic choices that would be made in

its absence.

Assim sendo, parece correta a defi nição de Estevão Horvath63 que estabelece a dis-tinção entre a fi scalidade e a extrafi scalidade em função da ênfase da intenção com a qual o tributo é criado e aplicado:

“fala-se em tributo fi scal quando ele é cobrado com a fi nalidade precípua de abastecer os cofres públicos de dinheiro, para que o Estado possa realizar os seus fi ns adrede estabelecidos. Diz-se extrafi scal, por sua vez, o tributo que se arreca-da mais com a intenção de buscar estimular ou desestimular certos comporta-mentos (desencorajar a manutenção de latifúndios improdutivos, por exemplo) que de encher as burras do Estado.” (grifo nosso)

A utilização do tributo com fi m extrafi scal, seja para a redefi nição do grau de con-centração de riqueza e de renda ou como instrumento regulatório, é matéria extrema-mente complexa e de difícil consenso, pois além de envolver premissas e elementos de natureza ideológica e de valores de elevado grau de subjetividade, tais como justiça distributiva e equidade, dependem amplamente do ambiente jurídico, econômico, po-lítico, cultural no qual essas políticas são adotadas, além, é claro, da viabilidade admi-nistrativa da exação.

11.1 A ADOÇÃO DE POLÍTICA FISCAL COMO INSTRUMENTO PARA DESCONCENTRAR RENDA E RIQUEZA

Durante a vigência do denominado patrimonialismo, conforme já destacado na primeira aula, predominavam as receitas dominiais bem como aquelas decorrentes da exploração das colônias, em que pese em alguns países já se fazer presente a necessidade de prévia autorização para a cobrança de impostos, como a Inglaterra a partir de 1215. Não havia, entretanto, à época, distinção entre a Fazenda pública e a do monarca, sendo fundamentada a exigência dessa espécie tributária nas necessidades dos Reis e da

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 25

59 AVI-YONAH, Reuven S. The three go-

als of Taxation. 60 Tax Law Review 01,

2006. O professor americano sumariza

a questão nos seguintes termos: “To

answer these puzzles, it is necessary

to resurrect a question that has not

been considered recently in the tax

policy literature: What are taxes for?

The obvious answer is that taxes are

needed to raise revenue for necessary

governmental functions, such as the

provision of public goods. And, indeed,

all taxes have to fulfi ll this function to

be eff ective; as the Russian govern-

ment discovered in the 1990’s [FN10]

(following many others in history), a government that cannot tax cannot survive. And there is widespread ideo-

logical agreement that this function is

needed, even while people vehemently

disagree about what functions of go-

vernment are truly necessary, and what

size of government is required. [FN11]

But taxation also has two other func-tions, which are more controversial,

but which modern states also widely

employ. Taxation can have a redistri-butive function, aimed at reducing

the unequal distribution of income and

wealth that results from the normal

operation of a market-based economy.

This function of taxation has been hotly

debated over time, and diff erent theo-

ries of distributive justice can be used to

affi rm or deny its legitimacy. What can-

not be denied, however, is that many

developed nations in fact have sought

to use taxation for redistributive pur-

poses, although it also is debated how

eff ective taxation was (or can be) in re-

distribution. [FN12] Taxation also has a

regulatory component: It can be used

to steer private sector activity in the

directions desired by governments. This

function is also controversial, as shown

by the debate around tax expenditures.

[FN13] But it is hard to deny that taxa-

tion has been and still is used widely

for this purpose, as shown inter alia

by the spread of the tax expenditure

budget around the world following its

introduction in the United States in the

1970’s [FN14]” (grifo nosso).

60 Modigliani, F. and M. Miller (1958),

“The Cost of Capital, Corporation Finan-

ce and the Theory of Investment”, The

American Economic Review, Vol. 48, No.

3, (June 1958) p. 261-297

61 Os efeitos dessas mudanças sobre os

preços dos bens e serviços e dos fatores

de produção, ocasionados pela cobran-

ça ou aumento dos tributos, benefi -

ciam alguns em detrimento de outros

(consumidor, industrial, comerciante,

prestadores de serviços, trabalhador,

empreendedor, e etc.), razão pela qual

o efeito líquido dessas alterações é o

que defi ne quem arca em cada hipóte-

se com o ônus ou encargo fi nanceiro do

tributo, podendo ser ou não a mesma

pessoa eleita pela legislação como o

nobreza. Assim, além da receita extrapatrimonial ser secundária e excepcional, a suscitar apenas em algumas circunstâncias a anuência e a aprovação preliminar dos estamentos, os impostos não se vinculavam à idéia de liberdade nem de igualdade, que somente passaram a fundamentar essa exação no Estado Liberal. De fato, apenas com o processo de extinção dos privilégios da nobreza e do clero e com o surgimento do liberalismo e do Estado de Direito, que marcam o início do constitucionalismo moderno, é que o imposto deixa de ser apropriado privadamente e passa a ser notadamente público, consubstanciando-se na principal categoria dos ingressos e a mais destacada fonte das receitas públicas64. Nessa toada, com o advento do denominado Estado Fiscal, as ne-cessidades fi nanceiras passam a ser essencialmente cobertas por impostos, o que tem sido a regra no estado moderno, salvo as exceções de estados proprietários, produtores e empresariais, os quais, conforme assevera José Casalta Nabais65, “em virtude do gran-de montante de receitas provenientes da exploração de matérias primas (petróleo, gás natural, ouro, etc.) ou até da concessão do jogo (como Mônaco ou Macau), podem dis-pensar os respectivos cidadãos de serem o seu principal suporte fi nanceiro”. A partir do Estado Fiscal o imposto passa a ser caracterizado como o valor “que se paga para viver em uma sociedade civilizada”, conforme preconizado por Oliver Wendell Holmes66, ou por ser “o preço da liberdade, tendo em vista que é pago sem qualquer contraprestação por parte do Estado e afasta o cidadão das obrigações pessoais”, como identifi cado por Ricardo Lobo Torres67. Se as demandas da nobreza e do clero, o que posteriormen-te se designará por “razão de Estado”68, são os núcleos fundamentais para justifi car a cobrança dos impostos no Estado Patrimonial, a igualdade e a liberdade do cidadão, decorrentes do contrato social, são as razões de ser da imposição no Estado Liberal de Direito, na medida em que o imposto69 possuia natureza liberatória, vez que, consoante lições de Gabriel Ardant, “representava a transformação de outras obrigações, do ser-viço militar, da armada, das prestações in natura, ele liberava o homem da constrição de caráter feudal ou comunitário, ele lhe restituía a disposição de seu tempo e de seu trabalho”. Por outro lado, a igualdade expressava, por meio da denominada capacidade

contributiva de cada cidadão, fundamento e limite intransponível ao poder estatal, agora submetido à própria ordem jurídica que emanava. Nesse sentido, preponderava a legalidade estrita para resguardar a segurança jurídica dos contratos e das atividades exercidas pelos agentes econômicos, bem como as iguais liberdades individuais em face de possíveis abusos do Estado.

Ocorre, entretanto, que a igualdade, e de forma refl exa a capacidade contributiva, possui diversas acepções possíveis, o que pode alterar drasticamente, dependendo da con-cepção adotada, a escolha entre os três substratos econômicos de incidência, ou a prepon-derância de alguma(s) dessas bases (patrimônio, renda e consumo), o que está atrelado à intensidade da tributação e à distribuição do ônus dos gastos (tributação proporcional, progressiva ou regressiva). Essas opções alteram signifi cativamente as conseqüências de-correntes da exação, questão que se vincula à escolha entre a utilização ou não – e a ênfase – do tributo como instrumento para reduzir a concentração de renda/riqueza e a defi nição de uma entre as diversas opções quanto à distribuição do ônus das despesas públicas.

No século XVIII, marcado pela independência americana e pela revolução francesa, a capacidade contributiva foi vinculada à idéia de benefício que cada indivíduo recebe

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 26

sujeito passivo da obrigação tributária

dependendo do tipo de imposto, do

produto e seus substitutos e comple-

mentares, do mercado onde se insere

e etc.. Conforme salienta Vasconcelos:

“O produtor procurará repassar a to-

talidade do imposto ao consumidor.

Entretanto, a margem de manobra

de repassá-lo dependerá do grau de

sensibilidade desse a alterações do

preço do bem. E essa sensibilidade

(ou elasticidade) dependerá do tipo de

mercado. Quanto mais competitivo ou

concorrencial o mercado, maior a par-

cela do imposto paga pelos produtores,

pois eles não poderão aumentar o preço

do produto para nele embutir o tributo.

O mesmo ocorrerá se os consumidores

dispuserem de vários substitutos para

esse bem. Por outro lado, quanto mais

concentrado o mercado – ou seja,

com poucas empresas -, maior grau

de transferência do imposto para con-

sumidores fi nais, que contribuirão com

parcela do imposto.” In.VASCONCELLOS,

Marco Antonio. Fundamentos de Eco-

nomia, 2a Ed. Saraiva, 2006, p.48

62 ANDREWS, William D. Basic Federal

Income Taxation. Little, Brown and

Company. Boston. Fourth Edition.

1991. p. 7.

63 HORVATH, Estevão. O Princí pio do

Não-Confi sco no Direito Tributário. São

Paulo: Dialética, 2002.

64 A preponderância dos impostos sobre

as outras categorias de entradas ou

ingressos públicos começou a ser rela-

tivizada em diversos países com o início

do intervencionismo estatal da ordem

social, tendo em vista que a segurança

ou seguridade social (saúde, assistência

e previdência social) passou a ocupar

papel destacado. Dessa forma, para

fazer face às novas despesas caracteri-

zadoras do Estado de Bem-Estar Social,

muitos países, como o Brasil, passaram

a instituir e cobrar as denominadas

contribuições sociais, hoje incluídas

expressamente no âmbito das exações

de natureza tributária pela Constituição

(artigo 149 e 195 da CR-88) e carac-

terizadas por sua vinculação à deter-

minada fi nalidade específi ca, o que

estabelece uma distinção marcante em

relação aos impostos, os quais, salvo as

exceções constitucionais (artigo 167, IV,

da CR-88), são destinados às despesas

públicas gerais.

65 NABAIS, José Casalta. Algumas Re-

fl exões sobre o Actual Estado Fiscal.

In: Revista Fórum de Direito Tributário.

RFDT. ano 1, n.1 jan/fev. 2003. Belo Ho-

rizonte Fórum, 2003. p. 92-93.

66 Compania Gen. Tabacos de Filipinas v.

Collector of Internal Revenue, 275 U.S.

87, 100 (1927) (Holmes J., dissenting).

67 TORRES, Ricardo Lobo. Aspectos Fun-

damentais e Finalísticos dos Tributos.

do Estado, uma construção fi losófi ca iniciada já no século XVII por Th omas Hobbes, para quem as pessoas deveriam pagar impostos de acordo com o que elas efetivamente usufruem da ação estatal, ratio que vincula a vertente das receitas ao lado da despesa pública, e que foi sedimentada pelo economista Adam Smith no seu famoso livro In-quérito sobre a Natureza e as Causas das Riquezas das Nações. Nesse sentido salientam Karl Case e Ray Fair70:

Th e view favoring consumption as the best tax base dates back at least to the seventh-century English philosopher Th omas Hobbes, who argued that people should pay taxes in accordance with ‘what they actually take out of the common pot, not what they leave in’. (…) One theory of fairness is called the benefi ts-re-ceived principle. Dating back to the eighteenth century economist Adam Smith and earlier writers, the benefi ts-received principle holds that taxpayer should contribute to government according to the benefi ts that they derive from pu-blic expenditures. Th is principle ties the tax side of the fi scal equation to the expenditure side. For example, the owners and users of cars pay gasoline and automotive excise taxes, which are paid into the Federal Highway Trust Fund that is used to build and maintain the federal highway system. Th e benefi ciaries of public highways are thus taxed in rough proportion to their use of those highways. Th e diffi culty with applying the benefi ts principle is that the bulk of public expenditures are for public goods – national defense, for example. Th e benefi ts of public goods fall collectively on all members of society, and there is no way to determine what value individual taxpayers receive from them.

Dessa forma, a igualdade de sacrifício para fazer face às despesas públicas seria pro-porcional ao benefício privado individual decorrente da atividade estatal, o que confere o sentido de proporcionalidade à capacidade contributiva.

Em sentido diverso, se forem desvinculadas as vertentes da receita de um lado e a despesa pública de outro, surgem diversas alternativas quanto ao sentido e a extensão do conceito de capacidade contributiva, matéria intimamente relacionada à adoção da extrafi scalidade como instrumento para reduzir desigualdades sociais71. Karl Case e Ray Fair72 esclarecem a questão nos seguintes termos:

A diff erent principle, and that has dominated the formulation of tax policy in the United States for decades, is the ability-to-pay principle. Th is principle holds that taxpayer should bear tax burdens in line with their ability to pay. Here the tax side of the fi scal equation is viewed separately from the expenditure side. Under this system, the problem of attribution the benefi ts of the public expenditures to specifi c taxpayer or groups of taxpayer is avoided.

Nessa linha, a capacidade contributiva pode assumir a conotação de igual sacrifício, no sentido de justiça utilitarista (Utilitarian Justice), ou outro conceito que refl ita a pos-

sibilidade para contribuir, tendo como elementos subjacentes outros sentidos de justiça distributiva73 (Distributive Justice), a qual possui diversas vertentes, e opositores 74.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 27

In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Tributo. Refl exão Multidisciplinar so-

bre a sua natureza. São Paulo: Editora

Forense, 2007. p. 37. “O Estado Liberal

Clássico, ou Estado Guarda-Noturno,

necessita da receita tributária para

atender às suas fi nalidades essenciais,

menos escassas que anteriormente.

O conceito jurídico de imposto se cris-

taliza a partir de algumas idéias fun-

damentais: a liberdade do cidadão, a

legalidade estrita, a destinação pública

do ingresso e a igualdade”.

68 BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUI-

NO, G. Dicionário de política. Brasília:

Universidade de Brasília, 1986. Para

explicar o sentido da razão de Estado, “é

preciso a identifi cação dos momentos

cruciais da história do Estado moderno

... [surgido com o fi m precípuo de per-

mitir] à autoridade suprema do Estado

impor coercivamente à população que

lhe estava sujeita as regras indispensá-

veis à convicção ...” (p. 1067)

69 ARDANT, Gabriel. Histoire de l’ Impôt.

Paris: Fayard, 1971, v. 1, p.431.

70 CASE, Karl E. e FAIR, Ray C.. Principles

of Microeconomics. 4th Ed. New Jersey –

USA: Prentice Hall. p.466-468.

71 A utilização da tributação como me-

canismo de redução de desigualdade

pode ter como fundamento desde

argumentos de natureza ética e moral,

passando por proposições como a justi-

ça utilitarista, calcada nos argumentos

propugnados por Jeremy Bentham e

John Stuart Mill, na teoria do valor tra-

balho de Marx, que atribuía o valor dos

bens e serviços em função do trabalho

inserido e o lucro como uma expropria-

ção da mais valia, ou ainda por meio da

utilização da teoria justiça de Rawls,

que estabelece como premissa um con-

trato social no qual maximiza-se o bem

estar daquele pior sucedido na socie-

dade. Para um resumo da questão vide

CASE e FAIR. Op. cit. p. 446 a 451.

72 CASE e FAIR. Op. cit. p. 466.

73 Apesar da existência de variados

critérios e diferentes opiniões quanto

à diferenciação entre justiça (1) geral,

(2) distributiva, (3) comutativa e (4)

corretiva, como aqueles sustentados

por Aristóteles ou Tomás de Aquiino

(vide Justiça Social - Gênese, estrutura

e aplicação de um conceito, de Luis

Fernando Barzotto, disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/

revista/Rev_48/Artigos/ART_LUIS.

htm), a segunda diz respeito ao que

é considerado justo ou certo relativa-

mente à alocação de bens e riqueza

em uma sociedade, em determinado

momento no tempo, ou seja, o enfoque

é a aceitabilidade do resultado distri-

butivo produzido pelo mercado, por si

só, vis a vi um parâmetro ideal variável,

a ser alcançado por uma política de

O “igual sacrifício” preconizado John Stuart Mill75, com base no utilitarismo de Jeremy Bentham76, concebido no fi nal do século XVIII, se fundamentava no conceito de utilidade marginal do capital, isto é, a utilidade da moeda seria inversamente propor-cional à riqueza (a utilidade de uma unidade monetária seria maior para o mais pobre do que para o mais rico), o que serviu como justifi cativa para a aplicação da tributação progressiva e não apenas proporcional. De acordo com o pensamento utilitarista, se a utilidade declina na medida em que a renda aumenta seria justifi cável a tributação mais gravosa dos ricos, o que produziria desconcentração de renda na sociedade e distribui-ção desigual no fi nanciamento das despesas públicas na medida das respectivas possi-

bilidades contributivas. Saliente-se, entretanto, que a intensidade da progressividade pode variar drasticamente, em razão dos variados impactos em relação à tributação proporcional, conforme será demonstrado quando do exame comparativo da tributação regressiva, proporcional e progressiva.

As crescentes demandas sociais e a elevação da complexidade da dinâmica econômi-ca no início do século XX impuseram novas funções e demandas ao Estado, que passou a intervir na ordem econômica e social para garantir condições mínimas de vida para a maioria da população77 e impor disciplina ao mercado, o que suscitou a utilização de novos instrumentos de coerção para o exercício do poder de polícia e novas fontes de fi nanciamento, algumas delas associadas às atividades reguladoras, matéria a ser exa-minada no tópico seguinte. Nesse momento é importante destacar que o denominado Estado Fiscal, caracterizado pela preponderância do fi nanciamento das necessidades fi nanceiras públicas por impostos, apesar de assumir a feição tanto do Estado Liberal como do Estado Social, conforme pontua José Casalta Nabais78, está fortemente asso-ciado à pretensão de limitar a atuação e dimensão da estatalidade, pois:

“ao contrário do que alguma doutrina actual afi rma, recuperando ideias de Joseph Schumpeter, não se deve identifi car o estado fi scal com o estado liberal, uma vez que o estado fi scal conheceu duas modalidades ou dois tipos ao longo da sua evolução: o estado fi scal liberal, movido pela preocupação de neutralidade econômica e social, e o estado fi scal social economicamente interventor e social-mente conformador. O primeiro, pretendendo ser um estado mínimo, assentava numa tributação limitada – a necessária para satisfazer as despesas estritamente decorrentes do funcionamento da máquina administrativa do estado, que devia ser tão pequena quanto possível. O segundo, movido por preocupações de fun-cionamento global da sociedade e da economia, tem por base uma tributação alargada – a exigida pela estrutura estadual correspondente. Não obstante o es-tado fi scal ser tanto o estado liberal como o estado social, o certo é que o apelo a tal conceito tem andado sempre associado à pretensão de limitar a actuação e a correspondente dimensão do estado”.

Vários são os refl exos do novo cenário, marcado pelo intervencionismo estatal na ordem econômica e social, na seara tributária, destacando-se o distanciamento do fun-damento do imposto na liberdade, que passa a ser subsidiária, e a conexão de sua justifi -cativa aos aspectos econômicos da incidência, conforme destaca Ricardo Lobo Torres79,

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 28

redução de desigualdades que pode

ser mais ou menos redistributiva de

acordo com a sociedade. No entanto,

nem todos aqueles adeptos das teorias

consequencialistas, apesar de objeti-

varem resultados geradores de maior

bem estar e riqueza, estão preocupados

com uma sociedade justa no sentido

igualitário estrito, de equivalente dis-

tribuição de bens. Dessa forma, justiça

distributiva vincula-se ao exame da

realidade sob múltiplos parâmetros,

considerando a riqueza absoluta, as

suas disparidades, ou qualquer outra

forma utilitarista de padrão de medi-

da. É normalmente contrastada com a

justiça comutativa, caracterizada como

aquela em que um particular, e não a

sociedade, confere ou dá a outro parti-

cular o bem que lhe é devido, e a justiça

procedimental, a qual diz respeito à

legitimidade dos procedimentos e a

administração da justiça. Conforme

aponta The Stanford Encyclopedia of

Philosophy, disponível no sítio http://

plato.stanford.edu/entries/justice-

distributive/, acesso em 28/01/2009,

“Principles of distributive justice are

normative principles designed to guide

the allocation of the benefi ts and bur-

dens of economic activity. After outlining

the scope of this entry and the role of

distributive principles, the fi rst relatively

simple principle of distributive justice

examined is strict egalitarianism, which

advocates the allocation of equal mate-

rial goods to all members of society. John

Rawls’ alternative distributive principle,

which he calls the Diff erence Principle, is

then examined. The Diff erence Principle

allows allocation that does not conform

to strict equality so long as the inequality

has the eff ect that the least advantaged

in society are materially better off than

they would be under strict equality. Ho-

wever, some have thought that Rawls’

Diff erence Principle is not sensitive to

the responsibility people have for their

economic choices. Resource-based dis-

tributive principles, and principles based

on what people deserve because of their

work, endeavor to incorporate this idea

of economic responsibility. Advocates of

Welfare-based principles do not believe

the primary distributive concern should

be material goods and services. They

argue that material goods and services

have no intrinsic value and are valuable

only in so far as they increase welfare.

Hence, they argue, the distributive prin-

ciples should be designed and assessed

according to how they aff ect welfare.”

74 A mesma The Stanford Encyclopedia

of Philosophy, esclarece que: “Advocates

of Libertarian principles, on the other

hand, generally criticize any patterned

distributive ideal, whether it is welfare

or material goods that are the subjects

of the pattern. They generally argue

that such distributive principles confl ict

with more important moral demands

such as those of liberty or respecting

passando “a questão da justiça tributária, como parcela da proteção social, a ser obtida de acordo com a ideologia utilitarista,” o que se efetiva em conjunto a uma nova com-preensão dos princípios da igualdade e da legalidade, os quais passam a se desenvolver dentro dos parâmetros utilitaristas e no contexto do positivismo jurídico.

Nesse contexto do Estado de Bem-Estar social, e de intervencionismo estatal na ordem econômica e social, a discussão quanto à melhor escolha entre os diversos subs-tratos econômicos de incidência e a preponderância ou não de alguma(s) delas (patri-mônio, renda e consumo80), bem como a intensidade da tributação (tributação propor-cional, progressiva ou regressiva), ganha ainda maior relevo, em que pese essa discussão ter se iniciado algum tempo antes, conforme destacado por Joseph Bankman e David A. Weisbach81:

Perhaps the single most important tax policy decision is the choice between an income tax and a consumption tax. Th e topic has been discussed and argued over since at least the time of Hobbes and Mill without apparent resolution.82 Consump-tion and income taxes both represent substantial sources of revenue in all modern economies.

Apesar de opiniões em sentido contrário83, o imposto incidente sobre o consumo é tido como regressivo, não sendo, portanto, tributo adequado, por si só, ao objetivo de redistribuição de renda ou de riqueza. De fato, a propensão marginal a consumir dos mais pobres é maior, comparada àquela dos mais ricos, na medida em que o indivíduo com menor rendimento consome parcela comparativamente maior de sua renda, isto é, o rico gasta pouco proporcionalmente aos seus rendimentos totais, sendo tributado apenas em um pequeno percentual do que ganha. Assim, afastada a incidência sobre a renda não consumida – que equivale àquela poupada – maior será o benefício daquele com maior capacidade relativa de poupança, razão pela qual é considerado tributo re-gressivo e que privilegia diretamente aquele que ganha mais, relativamente àquele de menor renda.

A tabela abaixo ajuda a compreensão do argumento no sentido da regressividade dessa base de tributação, adotando-se uma alíquota uniforme hipotética de 5% sobre o consumo total do mês, isto é, sem alterações em função do tipo de bem ou serviço, e percentuais específi cos de poupança84 para cada faixa de renda:

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 29

self-ownership.(…) The market will be

just, not as a means to some pattern, but

insofar as the exchanges permitted in

the market satisfy the conditions of just

exchange described by the principles.

For Libertarians, just outcomes are those arrived at by the separate just actions of individuals; a particular distributive pattern is not required for justice. Robert Nozick has advanced this

version of Libertarianism (Nozick 1974),

and is its most well-known contempora-

ry advocate.”

75 MILL, John Stuart. Princípios de

Economia Política. São Paulo: Abril

Cultural, 1983. p.290: “A igualdade de

tributação, portanto, como máxima

de política, signifi ca igualdade de sacrifício”.

76 BENTHAM, Jeremy. Uma Introdução

aos Princípios da Moral e da Legislação.

1a Ed. São Paulo: Abril Cultural e Indus-

trial. 1974. p. 9-13.

77 Conforme argutamente identifi cado

por Aristóteles: “É evidente, pois, que a

comunidade civil mais perfeita é a que

existe entre os cuidados de uma condi-

ção média, e que não pode haver Esta-

dos bem administrados fora daqueles

nos quais a classe média é numerosa e

mais forte que todas as outras, ou pelo

menos mais forte que cada uma delas:

porque ela pode fazer pender a balança

em favor do partido ao qual se une,

e, por esse meio, impede que uma ou

outra obtenha superioridade sensível.

Assim, é uma grande felicidade que

os cidadãos só possuam uma fortuna

Imposto sobre o Consumo: 5%

IndivíduoRenda mensal

Índice de poupança individual

Poupança

Renda disponível

para o Consumo

5% de Imposto

sobre Consumo

(IC)

Consumo efetivo –

excluindo-se a incidência do imposto

Peso médio do IC em relação à Renda mensal

(a) (b) (c) (d) = (b)*(c)(e) =

(b) – (d)(f) = 5%*(e) (g) = (e)-(f) (h) = (f)/(b)

A R$ 50.000 50% R$ 25.000 R$ 25.000 R$ 1.250 R$ 23.750 2,50%

B R$ 20.000 40% R$ 8.000 R$ 12.000 R$ 600 R$ 11.400 3,00%

C R$ 10.000 20% R$ 2.000 R$ 8.000 R$ 400 R$ 7.600 4,00%

D R$ 5.000 10% R$ 500 R$ 4.500 R$ 225 R$ 4.275 4,50%

E R$ 3.500 8% R$ 280 R$ 3.220 R$ 161 R$ 3.059 4,60%

F R$ 2.500 5% R$ 125 R$ 2.375 R$ 119 R$ 2.256 4,75%

G R$ 1.500 4% R$ 60 R$ 1.440 R$ 72 R$ 1.368 4,80%

H R$ 1.433 3% R$ 43 R$ 1.390 R$ 70 R$ 1.321 4,85%

Dessa forma, a incidência exclusiva sobre o consumo implica carga tributária rela-tiva inversamente proporcional à renda do cidadão – quanto mais pobre maior o peso relativo do imposto em relação à renda auferida.

A eliminação ou redução da incidência sobre os bens e serviços essenciais pode ate-nuar o quadro, sem eliminar, no entanto, a concomitante exclusão da base de incidência daqueles com maior renda, razão pela qual em alguns países não é adotada a redução ou eliminação da carga tributária sobre os produtos, mas operacionalizada a devolução dos valores despendidos com o imposto incidente sobre o consumo para as camadas mais pobres da população.

Por outro lado, importante ressaltar que o incentivo à poupança, haja vista a exclu-siva oneração tributária sobre o consumo, e não sobre o retorno do capital investido, repercute positivamente sobre o crescimento econômico em potencial, haja vista maio-res disponibilidades para o investimento em geral e a conseqüente geração de empregos e de riqueza total, o que tende a aumentar o bem estar social total, sem a garantia, entretanto, do perfi l da distribuição de renda e riqueza. De fato, conforme será estuda-do posteriormente, a tributação exclusiva sobre o consumo elimina a dupla incidência econômica sobre a renda poupada, imobilizada ou investida, o que estimula a poupança e o investimento, motores do crescimento econômico.

A utilização dos tributos incidentes sobre o consumo com objetivos regulatórios e com o fulcro de alterar as decisões dos agentes econômicos, o que também pode ser realizado como instrumento para atenuar desigualdades, por meio, por exemplo, de isenções e benefícios fi scais para os bens e serviços essenciais, será examinada no tópico

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 30

média, sufi ciente para as suas necessi-

dades. Porque, sempre que uns tenham

imensas riquezas e outros nada possu-

am, resulta disso a pior das democra-

cias, ou uma oligarquia desenfreada, ou

ainda uma tirania insuportável, produ-

to infalível dos excessos opostos. Com

efeito, a tirania nasce comummente

da democracia mais desenfreada, ou da

oligarquia. Ao passo que entre cidadãos

que vivem em uma condição média, ou

muito vizinha da mediana, esse perigo

é muito menos de se temer. Disso dare-

mos razão, alias, quando tratarmos das

revoluções que abalam os governos.

(…) Mas que a multidão dos pobres

que se torna excessiva, sem que a classe

média aumente na mesma proporção,

surge o declínio, e o Estado não tarda a perecer”. In: ARISTÓTELES. A Política.

Coleção Grandes Obras do Pensamento

Universal – 16. Tradução Nestor Silveira

Chaves. São Paulo: Escala. p.187.

78 NABAIS. Op. Cit. p. 93-94.

79 TORRES. Op. Cit. p.39.

80 O consumo de bens e serviços, o do-

mínio e a propriedade sobre os bens

móveis e imóveis bem como a renda

auferida são considerados os signos de

riqueza a ensejar a possibilidade de tri-

butação, haja vista denotar capacidade

econômica e a possibilidade de contri-

buir para o custeamento das despesas

públicas.

81 BANKMAN, Joseph & WEISBACH, Da-

vid A. The Superiority of an ideal Con-

sumption Tax over and Ideal Income

Tax, 58 Stanford Law Rev (2006).

82 A literatura é vastíssima. See, e.g.,

Thomas Hobbes, Leviathan (1651);

John Stuart Mill, Principles of Political

Economy (1871); Irving Fisher, The

Nature of Capital and Income (1906);

Nicholas Kaldor, An Expenditure Tax

(1955); William Andrews, A Consump-

tion-type of Cash Flow Personal Income

Tax, 87 Harv. L. Rev. 1113 (1974);

Michael Graetz, Implementing a Pro-

gressive Consumption Tax, 92 Harv. L.

Rev. 1575 (1979); Alvin Warren, Would

a Consumption Tax Be Fairer Than an

Income Tax, 89 Yale L.J. 1081 (1980);

David Bradford, The Case for a Perso-

nal Consumption Tax, in What Should

be Taxed: Income or Consumption 75

(Joseph Peckman ed., 1980); David F.

Bradford & The U.S. Treasury Tax Policy

Staff , Blueprints for Basic Tax Reform

(2d ed. 1984); Barbara H. Fried, Fairness

and the Consumption Tax, 44 Stan. L.

Rev. 961 (1992); Alan Auerbach & La-

wrence Kotlikoff , Dynamic Fiscal Policy

(1987); Daniel Shaviro, When Rules

Change (2000).

83 Vide, por exemplo, Daniel N. Shaviro,

Replacing the Income Tax with a Pro-

gressive Consumption Tax, 103 Tax No-

tes 91 (Apr. 5, 2004) e Joseph Bankman

seguinte e uma análise mais detida sobre os diferentes substratos econômicos de inci-dência tributária será realizada na Aula 18.

Em que pese a possibilidade de utilização dos impostos incidentes sobre o consumo e sobre o patrimônio com o objetivo de atenuar ou reduzir as desigualdades sociais, a adoção da tributação sobre a renda das pessoas físicas nos Estados Unidos foi um dos marcos históricos fundamentais na utilização intencional dos tributos com fi m de re-

distribuição de renda e riqueza. Nesse sentido aponta o professor Reuven Avi-Yonah relativamente à experiência internacional:85

“Th e case for drastic progression in taxation must be rested on the case against inequality.” [FN47] Henry Simons. Th e revenue goal of taxation thus explains why all other OECD members86, and most other countries, have both an income tax and a consumption tax as their principal sources of revenue. But this still leaves the second puzzle--why would any country change from relying primarily on consumption taxes to relying primarily on income taxes? Th is is what the United States did when it adopted the Sixteenth Amendment in 1913. Th roughout the nineteenth century, with the brief exception of the Civil War and its immediate aftermath (1862-1872), [FN48] the federal government was funded entirely by tariff s (that is, taxes on consumption). [FN49] Following the passage of the Sixteenth Amendment (authorizing the federal government to levy taxes on income without apportionment), the United States began levying an income tax, and from World War II onward this became the principal source of revenue of the U.S. federal government. [FN50] Even when taking the state level sales taxes into account, income taxes currently account for over 80% of total U.S. tax revenue. [FN51]. Historically, the answer to the question of why

the change to an income tax occurs is clear: Th e income tax was substituted

for the tariff s because of its redistributive impact. Th e post-Civil War indus-trialization and urbanization had led to a shift from a mostly agrarian society to one dominated by large industrial corporations and a sharp rise in inequality, as measured by the distribution of income or wealth. [FN52] Lawmakers of both parties viewed this state of aff airs as inequitable, [FN53] and the existing tax sys-tem was considered ineff ective in remedying the situation because it relied com-

pletely on consumption taxes, which were regarded as regressive because the

poor consume a higher proportion of their income than the rich. [FN54] In

addition, state level personal property taxes were seen as ineff ective in reaching

intangible forms of property such as stocks and bonds, [FN55] which formed

the bulk of the new wealth in the hands of the industrialists. [FN56] Th e result

was a focused and sustained eff ort to enact a federal income tax on both indi-

viduals and corporations, as well as an estate tax. In 1895 the Supreme Court blocked the fi rst attempt to do so, [FN57] but Congress ultimately enacted the corporate tax in 1909, [FN58] the modern estate tax in 1916, [FN59] and the individual income tax in 1913 [FN60] after the adoption of the Sixteenth Amendment abated concerns regarding its constitutionality.[FN61] Signifi can-tly, until World War II, the income tax applied only to the richest Americans,

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 31

& David A. Weisbach. The Superiority

of an ideal Consumption Tax over and

Ideal Income Tax, 58 Stanford Law Rev

(2006). Uma das críticas é o fato de que

a defi nição e a análise quanto à regres-

sividade requer a mudança da base de

comparação do consumo para a renda.

Nesse sentido, é sustentado que o con-

sumo também deveria ser o parâmetro

de comparação.

84 O mesmo exercício pode ser efetivado

a partir da propensão marginal a con-

sumir de cada indivíduo, de acordo com

a faixa de renda. O índice é o inverso

daquele atribuído à poupança mensal.

85 AVI-YONAH. Op. Cit. p.6.

86 A Organização para Cooperação e De-

senvolvimento Econômico (OCDE) – é

formada pelos 30 países comprometi-

dos com a economia de mercado mais

desenvolvidos do mundo. O Brasil, ao

lado da China, Índia, Indonésia e África

do Sul, têm sido chamado para partici-

par mais intensamente das reuniões do

grupo, enquanto o Chile, Estônia, Israel,

Eslovênia e Rússia foram convidados a

participar de discussões com vistas a se

tornarem países membros efetivos, que

conta atualmente com os seguintes pa-

íses Australia, Austria, Belgium, Cana-

da, Czech Republic, Denmark, Finland,

France, Germany, Greece, Hungary,

Iceland, Ireland, Italy, Japan, Korea, Lu-

xembourg, Mexico, Netherlands, New

Zealand, Norway, Poland, Portugal,

Slovak Republic, Spain, Sweden, Swit-

zerland, Turkey, United Kingdom, Uni-

ted States. Para obtenção de maiores

informações http://www.oecd.org.

87 VAT é o Value Added Tax – Imposto so-

bre o Valor Adicionado (IVA), ou sobre o

Valor Acrescido, na tradução portugue-

sa do termo, imposto aplicado por cerca

de 130 países no mundo e amplamente

utilizado na Comunidade Européia.

Espécie de imposto multifásico (ou

plurifásico) sobre o consumo, incide

em todas as etapas de circulação das

mercadorias e dos serviços, ao contrário

do Sales Tax – Imposto sobre Vendas,

caracterizado por ser imposto monofá-

sico incidente apenas nas vendas pelo

varejo ao consumidor fi nal.

because the exemption levels were set high enough to leave the bottom 90% of the population outside the reach of the income tax. [FN62] Redistribution was

considered to require only taxing the rich, and beginning in World War I, the

rich were subject to income tax at very high rates. [FN63] After a period of rate reductions in the 1920’s, [FN64] Elliott Brownlee shows that by World War II, this “soak the rich” [FN65] tax policy resulted in quite high eff ective tax rates on the top 1% of earners (the eff ective tax rate in 1944 was 58.6%, with a top marginal rate of 94%). [FN66] Th ese high rates on the top earners persisted through the late 1970’s and early 1980’s (70% top marginal rate), although the eff ective rate by then had declined to 28.9%. [FN67] Th us, a primary goal of

the income tax historically was seen as redistributing wealth from the rich to

everyone else. Th is explains why it was fi rst adopted in the United States, and

it also explains why the income tax is persistently maintained today in develo-

ping countries that could satisfy their entire revenue needs by the VAT87. Even

though the personal income tax in these countries has a spotty record, they

insist on maintaining it because of its symbolic potential in achieving redis-

tribution (although, as I argue below, redistribution in these countries can be

achieved through consumption taxes as well)”.

A comparação dos resultados das tabelas abaixo facilita a compreensão dos distintos efeitos da utilização da tributação proporcional da renda e da adoção de diferentes mo-delos de progressividade.

Na primeira hipótese a alíquota nominal do imposto de renda da pessoa física (IRFP) é 20%, não havendo qualquer faixa de isenção, ou seja, independentemente do nível de renda há tributação, inexistindo, também, qualquer possibilidade de dedução ou exclusão da base de incidência, ao contrário do ocorre em geral no mundo real em relação à algumas despesas como, por exemplo, gastos de educação, saúde e etc., ainda que permitidas em montantes inferiores aos valores realmente despendidos. Nesse ce-nário, ao contrário do que se verifi cará posteriormente, a alíquota efetiva real é a mesma que a alíquota nominal, isto é, 20%.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 32

88 No Brasil, de acordo com a Lei no

11.482, de 11 de maio de 2007, com

a sua redação conferida pela Medida

Provisória no 451/2008, no exercício

fi scal de 2009 há isenção do imposto

sobre a renda das pessoas físicas até

o montante mensal de R$ 1.434,59. A

partir de R$ 1.434,60 até R$ 2.150,00

a alíquota aplicável é de 7,5%, sendo

dedutível o montante de R$ 107,59; de

R$ 2.150,01 a R$ 2.866,70 a alíquota é

de 15%, permitindo-se a dedução da

parcela de R$ 268,84; de R$ 2.866,71

até R$ 3.582,00 a alíquota é 22,5%,

com o valor passível de dedução de R$

483,84, e, por fi m, para a renda supe-

rior a R$ 3.582,00 a alíquota é 27,5%,

admitindo-se a dedutibilidade de R$

662,94 nessa última faixa de renda.

Ou seja, no atual sistema brasileiro a

alíquota máxima aplicável é 27,5%.

Saliente-se que essas parcelas a dedu-

zir apenas ajustam os valores a recolher

aos cálculos simplifi cados da alíquota

marginal sobre a renda total auferida,

conforme será examinado a seguir.

Imposto de renda da PF: 20% OBS: IRPF Sem isenção, deduções ou exclusões.

IndivíduoRenda mensal

Imposto de Renda

no mês (IRPF)

Renda disponível

Índice de poupança

Poupança

Renda disponível

para Consumo

Alíquota média

efetiva do IRPF

(a) (b)(c) =

20%*(b)(d) =

(b)-(c)(e)

(f) = (d)*(e)

(g) = (f)/(b)

(h) = (c)/(b)

A R$ 50.000 R$ 10.000 R$ 40.000 50% R$ 20.000 R$ 30.000 20%

B R$ 20.000 R$ 4.000 R$ 16.000 40% R$ 6.400 R$ 13.600 20%

C R$ 10.000 R$ 2.000 R$ 8.000 20% R$ 1.600 R$ 8.400 20%

D R$ 5.000 R$ 1.000 R$ 4.000 10% R$ 400 R$ 4.600 20%

E R$ 3.500 R$ 700 R$ 2.800 8% R$ 224 R$ 3.276 20%

F R$ 2.500 R$ 500 R$ 2.000 5% R$ 100 R$ 2.400 20%

G R$ 1.500 R$ 300 R$ 1.200 4% R$ 48 R$ 1.452 20%

H R$ 1.433 R$ 287 R$ 1.146 3% R$ 34 R$ 1.399 20%

No segundo exemplo, que será apresentado abaixo, ao invés da adoção da propor-

cionalidade aplicada no caso acima, onde a alíquota nominal aplicada é sempre a mes-ma, independentemente da renda, e cuja alíquota média fi nal incidente é sempre 20%, implementar-se-á a progressividade no sistema, elevando-se a alíquota de acordo com o aumento dos rendimentos, os quais serão os mesmos dos outros exemplos já anali-sados, não havendo, entretanto, para facilitar a compreensão do que se deseja alcançar no momento, a possibilidade de deduções ou exclusões88, existindo, apenas, uma faixa de isenção para a renda auferida até R$ 1.434,59 (hum mil trezentos e trinta e quatro reais e cinqüenta e nove centavos). Destaque-se que adotar-se-á nesse próximo exemplo a metodologia aplicável nos Estados Unidos para o IRPF, onde cada fatia de renda, correspondente a cada faixa da tabela, é tributada de acordo com a alíquota específi ca incidente, independentemente do total dos rendimentos. Dessa forma há perfeita equi-valência da tributação em cada segmento de renda, apesar da maior complexidade do cálculo, conforme será visto.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 33

Tabela Progressiva Mensal do IRPF de acordo com a faixa de Renda (R$)

de ou acima de Até Alíquota (%)

(a) (b) (c)

30.000,01 ... 42,0%

15.000,01 30.000,00 38,0%

10.000,00 15.000,00 32,0%

6.000,00 9.999,99 28,0%

3.582,01 5.999,99 27,5%

2.866,71 3.582,00 22,5%

2.150,01 2.866,70 15,0%

1.434,60 2.150,00 7,5%

0,00 1.434,59 0,0% (isenção)

Assim, o indivíduo com renda equivalente a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhen-tos reais), por exemplo, tem parcela de sua renda isenta (R$ 1.434,59 * 0%), outra parte é submetida à incidência pela alíquota de 7,5% (R$ 715,40 = R$ 2.150,00 – R$1.434,60), determinando o valor devido em função dessa fatia em R$ 53,66, e, por fi m, o montante de R$ 350,00 (trezentos e cinqüenta reais), o qual equivale à diferença entre R$ 2.500,00 e R$ 2.150,00, sendo tributado pela alíquota de 15%, o que redun-da em mais R$ 52,50 (cinquenta e dois reais e cinqüenta centavos) de imposto devido. Dessa forma, o imposto de renda devido no mês é igual à soma de R$ 0 (faixa isenta) + R$53,66 + R$ 52,50, o que perfaz o total de R$ 106,16 (cento e seis reais e dezesseis centavos). Nesse caso, a alíquota média real é 4,25%, correspondente ao imposto de R$ 106,16, dividido pela renda auferida de R$ 2.500, o que difere da alíquota marginal aplicável a essa faixa de renda de 15%, tendo em vista que parte da renda é isenta e parcela substancial é tributada pela alíquota nominal de 7,5%. Resumidamente pode-se explicitar a situação no seguinte quadro:

(a) (b) (c) (d) = (b) –(a) (e) = (c)*(d) (f) =

R$2.500 – R$2.150 (g) = (f)*(c)

2.150,01 2.866,70 15,0% 350,00 52,50

1.434,60 2.150,00 7,5% 715,40 53,66

0,00 1.434,59 0,0% 1.434,59 0,00 106,16

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 34

89 ZOLT, Eric M. e BIRD, Richard M. Re-

distribution via Taxation: The limited

Role of the Personal Income Tax in

Developing Countries. Research paper

no 05-22, disponível no sitio http://

sstn.com/abstract=804704, acesso

em 19/01/2009, p.38-39: Apontam os

autores que um sistema progressivo de

imposto de renda da pessoa física afeta

mais fortemente o comportamento

dos agentes econômicos em um país

em desenvolvimento do que em um

país desenvolvido. A infl uência sobre

a escolha entre um emprego formal

ou informal bem como a decisão entre

operar empresarialmente na economia

formal ou informal é inequivocamente

maior em uma economia ainda em

desenvolvimento. Destacam, ainda,

que: “high personal income tax rates

may infl uence decisions of where to

locate capital investment. Reductions

in capital controls and improvements

in fi nancial technology have made it

easier than ever before for individu-

als and fi rms to invest funds outside

their home countries . Changes in tax laws, particularly the change in U.S. tax law providing for no U.S. taxation of portfolio interest earned by nonresidents, have also made it more attractive for the wealthy in developing countries to invest in U.S. government and corporate securi-ties. Given the apparently growing ability of high –income individuals in some countries to hide capital abroad (in untaxed U.S. deposits or other fi scal havens, for example), it become increasingly diffi cult to have

Aplicando-se a mesma sistemática para todos os indivíduos teríamos:

(a) (b)(c) =

%*(b)(d) =

(b)-(c)(e)

(f) = (d)*(e)

(g) = (f)/(b)

(h) = (c)/(b)

IndivíduoRenda mensal

Imposto de Renda devido no

mês

Renda disponí-

vel

Índice de poupança

Poupança

Renda disponí-vel para

Consumo

Alíquota média real do

IRPF

A R$ 50.000 R$ 17.807 R$ 32.193 50% R$ 16.096 R$ 16.096 35,61%

B R$ 20.000 R$ 5.607 R$ 14.393 40% R$ 5.757 R$ 8.636 28,04%

C R$ 10.000 R$ 2.107 R$ 7.893 20% R$ 1.579 R$ 6.314 21,07%

D R$ 5.000 R$ 712 R$ 4.288 10% R$ 429 R$ 3.859 14,24%

E R$ 3.500 R$ 304 R$ 3.196 8% R$ 256 R$ 2.941 8,68%

F R$ 2.500 R$ 106 R$ 2.394 5% R$ 120 R$ 2.274 4,25%

G R$ 1.500 R$ 5 R$ 1.495 4% R$ 60 R$ 1.435 0,33%

H R$ 1.433 R$ – R$ 1.433 3% R$ 43 R$ 1.390 0,00%

Constata-se que a aplicação da tabela progressiva supramencionada enseja alíquotas médias reais fi nais crescentes à medida que a renda do contribuinte aumenta, realizan-do-se, dessa forma, a progressividade do imposto, na medida em que é tributado mais fortemente aquele que possui maiores possibilidades contributivas.

Cumpre destacar, entretanto, que a adoção da extrafi scalidade na vertente da receita pública como instrumento para reduzir desigualdades tem custo administrativo e risco elevado para a Administração Tributária, haja vista que o incentivo para evitar a inci-dência do tributo por aquele contribuinte potencialmente atingido pela elevada carga tributária é diretamente proporcional ao grau de progressividade do sistema, isto é, quanto maior a progressividade maior será o ganho esperado em se evitar a incidência, o que pode ocorrer de forma lícita ou ilícita. Essa é a razão pela qual alguns estudos apontam que, em face da defi ciente estrutura na administração dos tributos em países em desenvolvimento, bem como pela redução dos controles de capitais em âmbito in-ternacional aliado às isenções fi scais para os rendimentos decorrentes de investimentos em instrumentos fi nanceiros públicos e privados no mercado de capitais89 de diversos países, dependendo das circunstâncias, deve-se priorizar a adoção de tributos mais neu-tros, como os impostos sobre o consumo, com alíquotas uniformes e sem exceções de incidência, e que apresentem menor grau de incentivo à evasão e elisão aliado a uma efi caz política de redistribuição de renda e de riqueza quase que exclusivamente pela vertente da despesa pública. Em relação a essa política nos países em desenvolvimento Eric Zolt e Richard Bird concluíram em importante estudo que:90

After reviewing the past fi fty years of fi scal futility in achieving distributional goals through income tax progressivity, many development specialists have ar-

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 35

an eff ective progressive tax system in developing countries without subjecting income from these in-vestments to some level of taxation and, as all countries know, doing so is far from easy. (…) An aspect of ine-

quality that has been little explored is

its possible relation to the quality of the

tax administration. A recent U.S. study

argues that inequality and tax evasion

are positively related for at least two

reasons. First, because an increasing

fraction of higher incomes normally ac-

crues in forms that are less observable

than wages, there is more opportunity

for the rich to evade and remain un-

detected. ‘Richer means harder to tax’,

both because it is diffi cult to tax capital

income eff ectively and because those

who receive high labor incomes can

often control the timing and form of

their compensation. Second, because

the rich normally perceive a growing

gap between what they pay in taxes

and what they get in benefi ts from

the public sector, the opportunity cost

of compliance also rises with income.

Such problem are even greater in de-

veloping countries than they are in

developed ones.”

90 ZOLT, Eric M. e BIRD. Op cit. p. 46-47

91 ZOLT, Eric M. e BIRD. Op cit. p. 40. “In

at least some developing countries, the

attempt to implement a progressive,

comprehensive global income tax was

probably not the best strategy in the

fi rst place. Substancial enforcement,

compliance, and effi ciency costs arise

from progressive income taxes – and

it may be that such costs are greater

when the level of inequality is higher.

When, as in many developing coun-

tries, progressive income tax systems

are accompanied by high levels of tax

evasion and (often well justifi ed) low

levels of satisfaction with governments

use of tax revenues, the net distribu-

tional benefi ts are unlikely to be great.

Such countries thus have the worst of

both worlds – the costs of a progressive

income tax system with few, if any, of

the benefi ts.”

92 Muito se discute na doutrina tribu-

tária brasileira se o comando consti-

tucional, apesar de sua literalidade, se

estende – ou não - a todos os tributos,

gênero do qual o imposto é apenas

mais uma espécie.

gued that developing countries concerned with equity and growth are better off to collect as much revenue as they can through as nondistorting a tax system

as possible and then seek to reduce inequality or poverty through expenditure

side. Given the tax mix dominant in most developing countries, this approach in part calls for devoting resources to improve compliance under consumption

taxes rather than trying to improve coverage and compliance for the personal

income tax. More importantly, it also calls for good spending. Just as the end of production is consumption, so the end of taxation is expenditures. (grifo nosso)

Portanto, após a decisão preliminar quanto à necessidade de políticas públicas para reduzir o nível de concentração de renda e de riqueza, visando à diminuição das desi-gualdades sociais, por meio de uma política fi scal ativa, impõe-se determinar em cada país, considerando todas as circunstâncias relevantes91, qual é a melhor ponderação e o modelo redistributivo desejado, seja pela via da receita, por meio da realização das despesas, ou, ainda, pela adoção de um mix nas duas vertentes.

Importante destacar também, ainda que constatada a necessidade política ou mesmo a inevitabilidade ética da adoção de tais instrumentos visando à redistribuição de renda e de riqueza pela via da receita, a imprescindibilidade do estabelecimento de limites

para essas políticas tributárias extrafi scais visando a reduzir as desigualdades sociais, haja vista a inafastável restrição imposta pela capacidade contributiva do cidadão, nú-cleo essencial para além do qual as exações tributárias perdem a sua legitimidade no Estado Democrático de Direito, razão pela qual a própria Constituição, no seu artigo 150, IV, determina a vedação da utilização de tributos com o efeito de confi sco, matéria a ser examinada na Aula 18. Nesse sentido também estabelece a CR-88 em seu artigo 150, §1o, verbis:

§ 1o – Sempre que possível, os impostos92 terão caráter pessoal e serão gra-duados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à admi-nistração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identifi car, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Conforme destacado acima, de acordo com a legislação brasileira para o exercício de 2009, o imposto de renda das pessoas físicas possui apenas quatro alíquotas distintas – 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%– havendo, ainda, uma faixa de isenção no IRPF, para o ren-dimento mensal no montante de até R$ 1.434,59. As aludidas deduções pertinentes a cada faixa de renda (R$ 107,59; R$ 268,84; R$ 483,84, e R$ 662,94) apenas facilitam o cálculo do imposto, o qual, ao invés de ser operacionalizado pela aplicação das diversas alíquotas sobre cada faixa de rendimento, conforme acima realizado no último exemplo, permite a multiplicação do total da renda pela alíquota fi nal incidente (aquela correspondente ao último real auferido) após o que é deduzido o montante permitido pela legislação, produ-zindo, entretanto, o mesmo resultado. Seguindo a tabela editada pela Lei no 11.482, de 11 de maio de 2007, com a sua redação conferida pela Medida Provisória no 451/2008, para as mesmas pessoas dos exemplos acima, teríamos:

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 36

93 AVI-YONAH, Reuven S. Why Tax the Rich? Effi ciency, Equity, and Progres-sive Taxation: Does Atlas Shrug? The Economic Consequences of taxing the Rich (Joel Slemrod ed., 2001),

111 Yale L.J. 1391 (2002).

(a) (b)(c) =

(%*(b))-dedução

(d) =(b)-(c)

(e)(f) =

(d)*(e)(g) =

(f)/(b)(h) =

(c)/(b)

IndivíduoRenda mensal

Imposto de Renda devido no

mês

Renda disponível

Índice de poupança

Poupança

Renda disponível

para Consumo

Alíquota média

real do IRPF

A R$ 50.000 R$ 13.087 R$ 36.913 50% R$ 18.456 R$ 18.456 26,17%

B R$ 20.000 R$ 4.837 R$ 15.163 40% R$ 6.065 R$ 9.098 24,19%

C R$ 10.000 R$ 2.087 R$ 7.913 20% R$ 1.583 R$ 6.330 20,87%

D R$ 5.000 R$ 712 R$ 4.288 10% R$ 429 R$ 3.859 14,24%

E R$ 3.500 R$ 304 R$ 3.196 8% R$ 256 R$ 2.941 8,68%

F R$ 2.500 R$ 106 R$ 2.394 5% R$ 120 R$ 2.274 4,25%

G R$ 1.500 R$ 5 R$ 1.495 4% R$ 60 R$ 1.435 0,33%

H R$ 1.433 R$ – R$ 1.433 3% R$ 43 R$ 1.390 0,00%

Constata-se, portanto, uma queda no grau de progressividade a partir da faixa de rendimento de R$ 10.000,00 (dez mil reais) mensais se comparado o resultado com aquele obtido no exemplo anterior, haja vista não serem utilizadas as alíquotas superio-res para as faixas de rendas acima de R$ 6.000,00 anteriormente aplicadas (28%, 32%, 38% e 42%, respectivamente). De fato, a redução da intensidade da progressividade no Brasil ocorreu nos anos 90 do século XX, como refl exo do movimento iniciado nos Estados Unidos após 1986, sob a liderança do governo liberal de Reagan, conforme salientado por Reuven Avi-Yonah:93

Statutory marginal tax rates are important for their symbolic signifi cance and incentive eff ects, but from an economic perspective, it is just as important to determine the eff ective tax rate facing the rich. Th e eff ective rate is the rate the rich pay after taking into account lower rates for lower brackets of income and the available deductions, credits, and other methods of narrowing the tax base (i.e., reducing the taxable income on which the marginal rate is imposed). Brownlee helpfully provides estimates of the historical eff ective rates for the ri-chest one percent of households as well. He indicates that eff ective rates during the high marginal rate years of World War I reached 15.8%, and that during the high marginal rate years of World War II they reached an astonishing 58.6% in 1944. n9 After the war, while the top marginal rate remained extremely high at 91%, the eff ective rate for the rich declined to 32.2% in 1952, then 24.6% in 1963, rising to 28.9% when Ronald Reagan took offi ce and declining to 22.1% following the 1986 tax reductions. n10 More recent estimates for the Clinton years are not yet available. Th e conclusion drawn by Brownlee is that the rich can be taxed at very high eff ective rates during times of national emergency, but

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 37

that at other times their political clout ensures that eff ective rates are much lower than marginal rates. It turns out that when Ayn Rand was writing Atlas Shrug-ged, the actual burden borne by the “prime movers” was not so high after all; by the late 1940s the rich had “largely succeeded in removing the redistributional fangs from the movement for progressive taxation.” n11

A incidência sobre o patrimônio, por sua vez, que para muitos é o verdadeiro ter-mômetro para medir a capacidade de comandar recursos, o que lhe conferiria o sta-tus de substrato econômico ideal para a tributação com fi ns de reduzir desigualdades, apresenta obstáculos de variadas naturezas, destacando-se, inicialmente, a difi culdade administrativa de identifi car a sua composição, em especial em uma economia interna-cional integrada e caracterizada pela relevância crescente dos intangíveis e bens de alta portabilidade ou mobilidade, o que redundaria em ônus exclusivo para aqueles contri-buintes com capital imobilizado apenas em uma jurisdição fi scal. Ademais, inexistente uma transação real precifi cada no mercado, isto é, não havendo uma alienação onerosa, a valoração do patrimônio é muito difi cultada, tornando-se necessária a adoção de cri-térios muitas vezes subjetivos para determinar a base de cálculo de algo que não está sendo transacionado nem ofertado de fato. Ainda, importante mencionar, também, o problema da liquidez, tendo em vista que, independentemente do substrato econômico de incidência, todos os tributos são pagos da renda disponível não imobilizada, e nem sempre o proprietário possui recursos fi nanceiros líquidos para efetivar o pagamento, isto é, a falta de cash pode impelir e obrigar a alienação de pelo menos de parte do ca-pital imobilizado para fazer face à exação, matéria a ser aprofundada na aula pertinente à capacidade contributiva.

Além desses problemas de natureza operacional e fi nanceira em sentido estrito, im-portante ressaltar que os argumentos favoráveis e contrários à utilização da tributação sobre patrimônio como instrumento para reduzir desigualdades são muito semelhantes àqueles pertinentes ao uso da incidência sobre a renda, conforme destacam Karl Case e Ray Fair:

Data on the distribution of wealth are not as readily available as data on the distribution of income (…) Clearly, the distribution of wealth is signifi cantly more unequal than the distribution of income. Part of the reason is that wealth is passed from generation to generation and thus accumulates. Large fortunes also accumulate when small businesses become successful large business. Some argue that an unequal distribution of wealth is the natural and inevitable conse-quence of risk taking in a market economy: It provides the incentive structure necessary to motivate entrepreneurs and investors. Others believe that too much inequality can undermine democracy and lead to social confl ict. Many of the arguments for and against income redistribution, (…), apply equally well to wealth redistribution.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê a possibilidade de adoção de alíquotas diferenciadas em diversas hipóteses no que se refere aos im-

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 38

94 Pedido de vista do ministro Carlos

Ayres Britto interrompeu o julgamento

pelo Plenário do STF do referido RE, e

de outros dez processos versando sobre

o mesmo assunto, nos quais se discu-

te a hipótese da progressividade da

alíquota do ITCMD, para o qual não há

até o momento previsão constitucional

expressa da possibilidade de adoção

da progressividade. O governo do Rio

Grande do Sul contesta a decisão do

Tribunal de Justiça daquele estado

(TJ-RS), que declarou inconstitucional

a progressividade da alíquota do ITCD,

prevista no artigo 18 da Lei gaúcha no

8.821/89 (com alíquotas variáveis de

1% até 8%), e determinou a aplicação

da alíquota de 1% aos bens envolvidos

no espólio de Emília Lopes de Leon,

que fi gura no pólo passivo do Recurso

Especial em causa. Conforme noticia-

do no sítio do STF ( http://www.stf.

jus.br ), acesso em 22/01/2009, “No

momento em que ocorreu o pedido de

vista, quatro ministros haviam admi-tido a progressividade e, portanto,

se pronunciaram pelo provimento do

RE, enquanto um, o ministro Ricardo

Lewandowski, apresentou voto pelo

não-provimento”. Caso o tribunal man-

tenha o entendimento majoritário até o

momento ocorrerá uma mudança radi-

cal da jurisprudência até agora seguida

pelo STF sobre o assunto.

95 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agên-

cias Reguladoras e a evolução do direito

administrativo econômico. Rio de Ja-

neiro: Forense, 2004.

postos incidentes sobre o patrimônio, como, por exemplo, no artigo 153, §4o, inciso I, relativamente ao Imposto Territorial Rural (ITR); no artigo 155, §6o, em relação ao imposto sobre a propriedade de veículo automotor (IPVA) e no artigo 156, §1o, alterado pela Emenda Constitucional no 29/2000, e no artigo 182, §4o, II, no que se refere ao Imposto sobre a propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU). Não há dis-ciplina expressa quanto ao imposto estadual incidente sobre a transmissão causa mortis e doação (ITCMD ou ITD), nem em relação ao imposto municipal incidente sobre a transmissão onerosa de bens imóveis entre vivos (ITBI). A jurisprudência tradicional do Supremo Tribunal Federal sempre foi no sentido da impossibilidade de utilização dos impostos incidentes sobre o patrimônio com fi ns extrafi scais, salvo expressa previsão constitucional. Nesse sentido aponta a Súmula 668 do STF:

É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.

Saliente-se, quanto à parte fi nal do enunciado, que o poder constituinte originário já havia previsto a possibilidade do IPTU progressivo para o alcance da função social da propriedade, nos termos do citado artigo 182, §4o, II. Em que pese o exposto, parece que a jurisprudência do STF está sendo alterada, haja vista o desenrolar da votação no Recurso Extraordinário 56204594, que diz respeito ao ITCMD, para o qual não há au-torização constitucional específi ca relativamente ao imposto estadual incidente sobre as transmissões a título gratuito e causa mortis.

11.2 A EXTRAFISCALIDADE COMO INSTRUMENTO PARA ESTIMULAR OU DESESTIMULAR COMPORTAMENTOS E AFETAR A ORDEM ECONÔMICA

O intervencionismo estatal na e sobre a ordem econômica pode se realizar de for-ma direta ou indireta. A criação de empresas estatais, sociedades de economia mista e empresas públicas (artigo 37, XIX e XX, da CR-88), para a exploração de atividade econômica, as quais podem estar submetidas ao regime de monopólio (artigo 177 da CR-88) ou não (artigo 173 da CR-88), consubstanciam a atuação do denominado Estado Empresário de forma direta na economia, matéria que foge ao escopo do curso. Ainda, além da prestação de serviços públicos (artigo 175 da CR-88), cuja titularidade é do poder público, realizados diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, o Estado pode intervir indiretamente no domínio econômico tanto pela regulação95, matéria que também está fora do âmbito desta disciplina, como por meio da extra-fi scalidade, isto é, utilizando-se de determinados ingressos especiais de natureza não tributária ou mesmo por meio de tributos que são instituídos não apenas para arre-cadar, mas, também, ou preponderantemente, como instrumentos de regulação e de

implementação de política econômica e de incentivo ao comportamento das pessoas (físicas e jurídicas), em especial no que se refere ao perfi l e a intensidade das decisões de consumir, investir e poupar.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 39

96 GRAU. Op. cit.

97 SCHAPIRO, Mario Gomes. Estado,

direito e economia no contexto desen-

volvimentista: breves considerações

sobre três experiências – governo Var-

gas, Plano de Metas e II PND. In: SANTI,

Eurico Marcos Diniz de (coordenador).

Curso de Direito Tributário e Finanças

Públicas. São Paulo: Saraiva, 2008.

p. 83-84. O autor apresenta quadro

sintético semelhante, sem diferenciar,

entretanto, a indução de comporta-

mento ou da atuação dos particulares

por meio de tributos ou de exações de

natureza não tributária.

98 Ver conceito legal do poder de polícia

no artigo 78 do Código Tributário Nacio-

nal a ensejar a instituição de taxa.

O quadro abaixo sumariza as lições de Eros Grau96 acerca das múltiplas faces da atuação estatal, as quais podem ocorrer na ordem econômica, quando o Estado atua em regime de monopólio de determinada atividade ou participa diretamente de um segmento econômico por meio de suas estatais, ou quando intervém sobre o domínio econômico, nos termos sintetizados por Mario Gomes Shapiro97, “ao buscar infl uir nos processos de mercado, todavia, sem desempenhar diretamente um papel de agente econômico”, o que pode ocorrer pela regulação direta da atividade – Estado normati-zador e regulador – ou pela direção indireta de determinado segmento. A direção indi-reta pode ser realizada por intermédio: (1) de estímulos/desestímulos a determinados comportamentos que infl uenciam as decisões de consumir, investir e poupar, todas elas políticas de indução que podem ser exercidas, conforme já salientado, por meio (1.1) de exações especiais autônomas, qualifi cadas ou não como tributos dependendo do regime constitucional e da doutrina, ou (1.2) de impostos de caráter extrafi scal; ou, ainda, (2) de comandos disciplinadores da atividade privada, o que insere elementos de poder de polícia98 na seara do poder de tributar, como os regimes especiais de tributação e de recolhimento de impostos (ex: a sistemática de retenção na fonte do IR ou de substitui-ção tributária para frente do ICMS, os quais objetivam inviabilizar a possibilidade de redução, pela evasão ou elisão, do pagamento dos impostos).

Atuação estatal na Ordem Econômica e Financeira

Atuação no domínio econômico Intervenção sobre o domínio econômico

Absorção – Es-tado guarda para si a titularidade de determinadas atividades

Participação direta na atividade econômica em sentido lato

Regulação Indução ou disciplina do comporta-mento dos particulares visando res-tringir e limitar a liberdade, direito ou interesse, ou induzir determinado com-portamento (consumo, investimento e poupança) tendo em vista o interesse público:

Estado atua com exclusividade em determinado setor –monopoliza a atividade (artigo 177 da CR-88)

Estado atua dire-tamente por meio das empresas pú-blicas e socieda-des de economia mista em seg-mento econômico específi co ou, ainda, prestando serviços públicos, quando o mes-mo é qualifi cado como subespécie do gênero ativi-dade econômica (artigo 173 c/c 175 da CR-88)

Estado dirige a atividade econô-mica diretamente, atuando como agente normativo e regulador das condutas dos par-ticulares (artigo 174 da CR-88)

(1) através da instituição de exações espe-ciais, categoria autônoma de in-gressos públicos não qualifi cados como tributos. Modelo não uti-lizado no Brasil mas existente, por exemplo, na Alemanha e na Itália.

(2) por meio:(2.1) da institui-

ção de tributos específi cos (art. 149 e 177, §4o, da CR-88), ou

(2.2) da utilização de impostos de caráter extrafi s-cal (ex: arts. 150, §1o, 153, §1o, e §3o, I, 155, §2o, III da CR-88, etc.), ou

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 40

99 TORRES, Ricardo Lobo. A política in-

dustrial da Era Vargas e a Constituição

de 1988. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz

de (coordenador). Curso de Direito Tri-

butário e Finanças Públicas. São Paulo:

Saraiva, 2008. p. 262-263.

100 TORRES. Op. Cit. p. 257. “Os tributos,

ao lado de sua função de fornecer re-

cursos para as despesas essenciais do

Estado, exercem o papel de agentes do

intervencionismo estatal na economia,

de instrumentos de política econômica:

é o intervencionismo fi scal de que fala

Neumark. Os tributos já não se apre-

sentam apenas como fruto do poder

de tributar, mas simultaneamente

como emanação do poder de polícia,

ou melhor, o poder de tributar absorve

o poder de polícia na tarefa de regular a

economia; só heuristicamente se pode

falar de um poder tributário ao lado de

um poder de polícia, pois o tributo juri-

dicamente emana do poder tributário.”

Atuação estatal na Ordem Econômica e Financeira

Atuação no domínio econômico Intervenção sobre o domínio econômico

(2.3) da adoção de regimes tribu-tários especiais como a substi-tuição tributária ou a retenção na fonte visando re-duzir a possibili-dade de evasão e elisão fi scal.

No Brasil, desde a Emenda Constitucional no 1/69, o que foi ratifi cado pela Consti-tuição de 1988, as exações especifi camente voltadas para intervir na ordem econômica são enquadradas e qualifi cadas como tributos (vide artigo 149 c/c 177, §4o, da CR-88), ao contrário do que ocorre em diversos países, como a Itália e a Alemanha, conforme ensina Ricardo Lobo Torres99:

Na Alemanha as contribuições econômicas ou ingressos especiais (Sonderabgaben) não se confundem com os tributos (impostos, taxas ou contribuições – Steuern, Ge-bühren, Beiträge), eis que são cobrados com base no dispositivo constitucional que autori-za a intervenção indireta na economia. As contribuições especiais não são exigidas com fundamento nos dispositivos constitucionais que distribuem a competência tributária (art. 105 da GG), mas com apoio na competência concorrente para legislar sobre ‘Di-reito Econômico (minérios, indústria, energia, artesanato, pequena indústria, comércio, regime bancário, bolsa e seguros de direito privado)’ prevista no art. 74, item XI, da Constituição alemã, tudo de conformidade com a distinção entre competência de le-gislar sobre tributos (Steuergesetzgegungskompetenz) e competência legislativa genérica (Gesetzgebungskompeten). Os adversários dessa interpretação vêm-na acusando de criar uma Constituição Tributária apócrifa (eine aporkryphe Steuerverfassung). É considerado de natureza excepcional o Sonderabgaben, e, por isso, necessita sempre de justifi cativa”.

Para o eminente autor, transformar as contribuições de intervenção no domínio eco-nômico em tributos ou qualifi ca-las com tal, signifi ca dar à intervenção estatal um caráter de permanência e essencialidade que não possui no Estado Fiscal, mas que no Brasil foi uma opção em torno da maior estatização da economia e, portanto, um enfraquecimento do Estado Fiscal e da liberdade. Considerando que essas exações foram situadas e qualifi cadas pelo constituinte originário brasileiro de 1988 como receitas tributárias, essas contribuições interventivas no domínio econômico (CIDE) se submetem ao mesmo regime jurídico dos tributos, o que pode signifi car sob determinados aspectos maior segurança ao sujeito passivo da obrigação legal constitucionalmente disciplinada e limitada.

Além de regular o comportamento dos particulares por meio dessas contribuições tributárias específi cas de intervenção na ordem econômica (CIDE), também os im-

postos podem ser utilizados como instrumentos para disciplinar100 a atividade privada

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 41

101 O principal instrumento utilizado

nos impostos incidentes sobre o consu-mo para alcançar objetivos de natureza

extrafi scal é a seletividade, a qual se

efetiva por meio da adoção de alíquo-

tas diferenciadas para os diversos bens

e serviços de acordo com a essenciali-

dade dos mesmos – alíquotas menores

para aqueles essenciais e maiores para

os supérfulos ou não essenciais (vide

artigo 153, §3o, I da CR-88, no que se

refere à obrigatoriedade de aplicação

do princípio ao Imposto sobre Produ-

tos Industrializados (IPI), imposto de

competência privativa da União, e o

artigo 155, §2o, III da CR-88, quanto à

facultatividade para o Imposto sobre

a Circulação de Mercadorias e Presta-

ção de Serviços de Comunicação e de

Transporte Interestadual e Intermuni-

cipal – ICMS, imposto de competência

privativa dos Estados e do Distrito Fede-

ral). Apesar da citada facultatividade, o

Órgão Especial do Tribunal de Justiça do

Estado do Rio de Janeiro, considerando

a essencialidade da energia elétrica,

na Argüição de Inconstitucionalidade

no 2008.017.00021, declarou a incons-

titucionalidade do art. 14, VI, “b”, da

Lei no 2.657/96, que institui o ICMS no

Estado do Rio de Janeiro, com a nova

redação dada pela lei 4.683/2005, que

fi xava em 25% ( vinte e cinco por cento

) a alíquota máxima de ICMS sobre ope-

rações com energia elétrica. O Tribunal

considerou que a lei ordinária viola os

princípios da seletividade e da essen-

cialidade assegurados no art. 155, § 2o,

da Carta Magna de 1988, devendo-se

aplicar, portanto, a alíquota geral de

18% (dezoito por cento). Saliente-se

que os benefícios fi scais também são

amplamente adotados nos impostos

incidentes sobre o consumo com ob-

jetivos outros que não exclusivamente

fomentar e incrementar a arrecadação

futura, como, por exemplo, facilitar o

consumo de determinados bens e ser-

viços essenciais ou obstar a aquisição

daqueles considerados prejudiciais ou

se visa desestimular.

102 Importante destacar a necessária

adequação desses aumentos na carga

tributária dos bens e serviços de origem

estrangeira com os condicionamentos

fi xados nos tratados fi rmados em âm-

bito local, regional ou internacional,

multilaterais ou não, como é o caso, por

exemplo, dos acordos da Organização

Mundial do Comércio (OMC), que suce-

deram aqueles do GATT (General Agre-

ement on Trade and Tariff s), do tratado

que disciplina o Mercosul, os quais limi-

tam ou estabelecem parâmetros para a

política tributária nacional unilateral,

matéria a ser examinada na parte fi nal

do semestre.

103 CYSNE, Rubens Penha. Reação à Cri-

se. Conjuntura Econômica. Jan 2009.

Vol. 63. no 01. Fundação Getúlio Vargas.

p. 18-19. Cumpre salientar que países

e estimular e desestimular as decisões e as ações dos particulares visando implementar determinada política econômica, o que se efetiva por intermédio da elevação da carga tributária em situações específi cas ou através da concessão de incentivos e benefícios fi s-cais (vide art. 165, §6o c/c 174 da CR-88), os quais podem estar direta ou indiretamente vinculados à tributação, conforme será examinado a seguir.

Antes, entretanto, importante repisar que a adoção dessas políticas indutivas eleva sobremaneira a complexidade da tributação, criando múltiplas exceções e tratamen-tos diferenciados que suscitam novas alterações para atender outras particularidades decorrentes das previsões anteriormente expedidas, criando uma verdadeira colcha de retalhos e um ciclo vicioso, o que amplia as brechas (loopholes) que facilitam a evasão e a elisão fi scal, difi cultando de forma acentuada a administração dos tributos, o que de-manda muito investimento na Administração Tributária para que esta obtenha receita, objetivo primário quando da criação dos tributos.

A tributação sobre o consumo101 de bens e serviços é amplamente utilizada com objetivos extrafi scais, seja por meio da ampliação ou da redução da carga tributária.

O incremento das alíquotas dos impostos incidentes102 sobre os bens e serviços im-portados, por exemplo, pode reduzir a demanda por aqueles estrangeiros e ampliar o mercado interno para os similares nacionais, o que estimula a indústria e a produção lo-cal. No mesmo sentido, pode ser elevada a imposição sobre determinados produtos que o poder público deseja desestimular o consumo, como ocorre, em geral, com o cigarro e a bebida alcoólica, produtos que aumentam de forma exponencial a possibilidade de doenças graves e os acidentes que tanto prejudicam as pessoas atingidas diretamente e oneram sobremaneira o sistema público de saúde, o que aumenta drasticamente as despesas do setor público, que devem ser fi nanciadas de alguma forma, a gasolina – combustível altamente poluente o qual tem como origem o petróleo, produto fóssil não renovável, e etc.

Por outro lado, a redução desses impostos usualmente denominados de indiretos, haja vista que o encargo fi nanceiro do tributo não recai diretamente sobre aquele de-signado em lei como o sujeito passivo da obrigação tributária (comerciante, industrial atacadista e etc.) e sim sobre o consumidor fi nal, o qual não possui relação jurídica tributária com o Estado, é muito utilizada como instrumento de política econômica para estimular a economia e elevar a demanda agregada em fases recessivas ou de baixo crescimento, o que seria preferível se comparado ao incremento de gastos no caso brasi-leiro atual, de acordo com a tese do economista Rubens Penha Cysne:103

São várias as razões pelas quais, no Brasil, o estímulo à demanda através da elevação da renda pessoal líquida obtida por meio da redução de impostos indiretos pode ser preferível à elevação de gastos. Primeiro, reduções de impostos indiretos levam direta-mente à queda dos preços fi nais ao consumidor, o que pode amenizar o concomitante impacto altista de fomento à demanda (decorrente da majoração da renda disponível do setor privado). Segundo, impostos indiretos menores compensariam também as recen-tes pressões altistas do câmbio sobre os preços. No jargão macroeconômico isto equiva-leria a dizer que choques de oferta adversos (aumento do preço do dólar) combatem-se com choques de oferta positivos (redução de impostos). O que os empresários gastam a mais com insumos importados, ou com a elevação das demandas salariais daí decorren-

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 42

com elevada dívida pública e alto volu-

me de despesas de baixa mutabilidade

no curto prazo, como é o caso brasileiro,

possuem inevitáveis restrições quanto à

redução de impostos de forma ampla e

abrangente.

tes, compensam com menores transferências ao governo, sem necessidade de maiores elevações de preços. Terceiro, a carga tributária nacional tem aumentado sobremaneira desde os anos 1980 (de 26% para algo em torno de 35% do PIB), o que tem ocorrido a taxas superiores àquelas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econô-mico (OCDE). A se manter a trajetória atual, em breve o Brasil estará alcançando os 36,5% da OCDE. O problema com estes números não é apenas sua magnitude. Mas o fato de não se observarem, no Brasil, serviços públicos com a qualidade e amplitude daqueles providos, na média, pelos 30 países da OCDE (que engloba Estados Unidos, Alemanha, França, e vários outras economias de liderança tecnológica mundial). Quar-to, porque no Brasil o pagamento de salários das três esferas da administração pública, somado à compra de bens e serviços a empresas, apresenta valores injustifi cadamente superiores àqueles de outras economias (...)

Considerando a possibilidade de utilização desses impostos e de outros tributos para a realização de política econômica, bem como para estimular e desestimular compor-tamentos dos agentes econômicos, a Constituição de 1988 estabelece regime jurídico especial para várias espécies tributárias, excepcionando, por exemplo, a aplicação do princípio da legalidade, no que se refere à exigência de lei em caráter formal para au-mentar a alíquota de determinados impostos, a teor do artigo 153, §1o, ou ainda, ao ressalvar a aplicabilidade do princípio da anterioridade para determinadas exações, nos termos do artigo 150, §1o, ou, ainda, ao prever a seletividade, através da qual os bens não essenciais são tributados mais gravosamente (artigo 153, e §3o, I, e 155, §2o, III da CR-88) e etc.

Também a concessão de benefícios e incentivos fi scais, isto é, a desoneração de de-terminados bens e serviços, por meio da redução das alíquotas, criação de isenções, de reduções de base de cálculo, de créditos presumidos e etc., são amplamente utilizadas pelo Estado como instrumento para modifi car e induzir o comportamento dos particu-lares e das empresas em geral. Pode ser reduzida a carga tributária de uma mercadoria específi ca objetivando aumentar ou facilitar o seu consumo por questões de ordem sanitária, de saúde pública ou de planejamento familiar, como é o caso, por exemplo, dos preservativos e etc.

Salvo a concessão de subsídios de natureza fi nanceira, vinculados à tributação, a possibilidade de utilização de incentivos tributários nos impostos incidentes sobre o consumo para afetar decisões sobre investimentos dos agentes econômicos pressupõe que na sua base de incidência sejam também incluídos os bens de capital, o que de certa forma desnatura a exação como um verdadeiro consumption tax. A maioria dos países do mundo que adota o citado Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA ou VAT) exclui da respectiva base de tributação os bens destinados a compor o ativo fi xo imobilizado do investidor, ou seja, não há fato gerador e cobrança de imposto na saída da máquina ou do equipamento destinada a ampliar a capacidade produtiva do adquirente, posto estar essa hipótese fora do campo de incidência. Dessa forma, esses impostos formulados para incidência sobre o consumo não são utilizados para realizar política tributária visando incentivar ou desestimular investimentos. No Brasil, entretanto, ao contrário da maioria dos países que adotam a tributação exclusivamente sobre esse substrato econômico, as aquisições para o ativo imobilizado estão inseridas no campo de incidência de diversos

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 43

104 Em sentido contrário, pode o poder

público desejar desestimular a ampla

automação em determinado setor

econômico, objetivando resguardar a

utilização de mão de obra ao invés de

máquinas.

105 AVI-YONAH. Op. Cit. p.12-14.

impostos e contribuições, como é o caso do IPI e do ICMS, além da PIS e da COFINS, razão pela qual esses tributos são amplamente utilizados com fi ns extrafi scais, tanto por meio de benefícios de natureza tributária como através de incentivos fi nanceiros que se vinculam à tributação. Assim, é possível no Brasil incentivar certos investimentos por meio de impostos usualmente formulados para incidir sobre o consumo, com vistas, por exemplo, a facilitar104 a aquisição de bens de capital para aumentar a capacidade produtiva de determinado setor da economia, como a produção de biocombustíveis, que são renováveis e não são poluentes.

Já a utilização do imposto incidente sobre a renda, da pessoa física (IRPF) ou da pes-soa jurídica (IRPJ), como instrumento regulatório, tem como objetivo precípuo alterar as decisões quanto à modalidade e a intensidade dos investimentos e da poupança, e não propriamente incentivar ou desestimular diretamente o consumo de determinado bem ou serviço, o que pode ocorrer de maneira subsidiária. Nesse sentido destaca o professor Reuven Avi-Yonah105 quanto ao caráter regulatório e indutor de crescimento e desenvolvimento econômico do imposto de renda nos Estados Unidos:

Th e income tax, and in particular the corporate income tax, had been seen as a potential regulatory tool from the beginning. President Taft, in proposing the corporate tax in 1909, had emphasized its regulatory potential: By adopting the tax, he said, the government can achieve “supervisory control of corporations which may pre– vent a further abuse of power.” [FN118] And in adopting and developing the reorganization provisions from 1918 onward, [FN119] the Uni-ted States began a long series of measures designed to reward some forms of cor-porate activity and deter others. Th e heyday, however, of using the income tax as a regulatory tool was in the post World War II period. Th is was part of a general tendency to entrust regulatory powers to the state--the so-called “golden period of the nation state.” [FN120] In the 1960’s and 1970’s, in particular, hundreds of provisions were added to the Code to infl uence investment and spending de-cisions by both individuals and corporations. Th e problem, of course, was that these regulatory provisions (“tax expenditures”) clashed with the other goals of taxation--they made the income tax less eff ective in both raising revenue and as a redistributive tool, since most of the tax expenditures were aimed at the rich. In addition, the tax expenditures made the Code far more complex. Th e result was a backlash led by academics like Stanley Surrey, who wanted to restore the tax law to its “pure” functions of revenue raising and redistribution and achieve regulatory aims directly by subsidies and direct regulation. [FN121] (…) Some private activities can best be regulated by consumption taxes--consumption ac-tivities. In fact, if the goal of the government is to deter consumption of certain items (for example, tobacco, alcohol or gasoline), excise taxes on these items are the most eff ective way of achieving this aim--far better than denying an inco-me tax deduction. General consumption taxes are also widely used (although this use is more controversial) to impose extra taxes on some items (luxuries) and lower taxes on others (food and medicine). (It should be noted, however, that the aim of these provisions frequently is to abate regressivity, which can be

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 44

106 SURREY, Stanley. Tax Expenditures.

Cambridge: Harvard University Press,

1985.

achieved better by spending programs.) But most of the regulatory function of taxation relates not to consumption, but to investment and saving behavior. Th e biggest tax expenditures in all countries tend to be those that encourage indivi-duals to invest for certain goals (for example, retirement, housing or education). [FN131] Other important ones are designed to encourage corporate invest-ments (for example, accelerated depreciation, investment tax credits). [FN132] Th ese types of regulation can be achieved only in the context of a system that taxes individual and corporate income, not consumption.

A utilização de benefícios e incentivos fi scais do imposto incidente sobre a renda para alterar as decisões econômicas e induzir uma política de crescimento econômico tem sido amplamente utilizada em diversos países, inclusive o Brasil, o que evidentemente eleva sobremaneira a complexidade do sistema. Ademais, a concessão indiscriminada de benefícios fi scais é um mal que assola diversas nações, razão pela qual os especialistas em fi nanças públicas Stanley S. Surrey106 e Paul R. McDaniel, conforme já destacado na aula pertinente às receitas públicas, instituíram o conceito que se denominou de “tax expenditure”, ao equiparar o incentivo fi scal implementado pela via da receita ao gasto fi scal, isto é, passou a qualifi car e registrar os benefícios fi scais (renúncia de receita) como despesas públicas, o que eleva o grau de transparência da política fi scal realizada com os recursos públicos. Nesse sentido, o artigo 165, § 6o, da CR-88 estabelece que o “projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza fi nanceira, tributária e creditícia”. Ressalte-se, no entanto, que se por um lado a Constituição estabelece o princípio da transparência das mencionadas renúncias de receitas visando a reduzir o uso indiscriminado dos benefícios fi scais, por outro lado institui o princípio do desenvolvimento regional e prestigia a redução das desigualdades, nos termos dos artigos 3o, III e 174, § 1o, razão pela qual parece adotar o equi líbrio do desenvolvimento sócio-econômico das diferentes regiões do país (artigo 151, I, da CRFB) como hipótese excepcional e justifi cável para a adoção dos incentivos na seara tributária.

No que se refere à tributação sobre o patrimônio, conforme já mencionado, a Cons-tituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê a possibilidade de adoção de alíquotas diferenciadas em diversas hipóteses como instrumento indutivo de política urbana, rural e de incentivo ou desestímulo ao comportamento dos agentes econômi-cos e das famílias, como, por exemplo, no artigo 153, §4o, inciso I, relativamente ao Imposto Territorial Rural (ITR); no artigo 155, §6o, em relação ao imposto sobre a propriedade de veículo automotor (IPVA) e no artigo 156, §1o, alterado pela Emenda Constitucional no 29/2000, e no artigo 182, §4o, II, no que se refere ao Imposto sobre a propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU).

Por fi m, cumpre destacar que a doutrina nacional aponta a possibilidade de utilização de determinadas técnicas de tributação, que alteram a sistemática básica de operaciona-lização da exação, o que caracterizaria e qualifi caria o uso extrafi scal do tributo, como mecanismo para disciplinar o comportamento dos agentes econômicos, restringindo a sua liberdade de atuação, de forma a evitar a possibilidade de redução intencional de im-

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 45

postos, por meios lícitos ou ilícitos (a denominada elisão e a evasão tributária). Nessa hi-pótese, são adotados determinados regimes tributários e procedimentos especiais de pa-gamento do imposto, como, por exemplo, a substituição tributária para frente do ICMS ou a retenção na fonte pagadora do imposto incidente sobre a renda daquele que recebe os pagamentos e aufere renda. Deve-se ressaltar a necessária razoabilidade e proporcio-nalidade desses instrumentos, tendo em vista que a facilidade administrativa e o objetivo de reduzir a possibilidade de evasão ou elisão não podem justifi car eventual violação à capacidade contributiva do sujeito passivo da obrigação tributária, seja ele contribuinte ou o responsável, nem descaracterizar a essência e a natureza de incidência.

O regime de substituição tributária do ICMS em relação às operações e presta-ções subseqüentes da cadeia de circulação de mercadorias e da prestação de serviços (substituição para frente) é um exemplo de utilização de medidas simplifi cadoras do procedimento fi scalizatório, que reduzem os custos da Administração Tributária, mas que restringem a liberdade e interesse do contribuinte, ao determinar o pagamento de imposto relativo a transações que ainda não ocorreram. Nessa hipótese, o indus-trial ou fa bricante, além de pagar o imposto pertinente à própria operação que realiza (ICMS próprio), é o responsável pelo recolhimento do tributo incidente sobre toda a cadeia circulatória posterior de forma antecipada (ICMS retido ou ST), isto é, antes da ocorrência do fato econômico que fundamenta a exigência do imposto. A razão de ser dessa sistemática é, naturalmente, a adequação administrativa da exação, o que reduz os custos operacionais, haja vista a extrema difi culdade que teria o Poder Público se tivesse que fi scalizar o elevado número de contribuintes varejistas (bares, restaurantes, farmácias, ambulantes e etc.) para verifi car a correção ou não do recolhimento do ICMS sobre as suas vendas. Dessa forma, ao determinar o pagamento antecipado na etapa ini-cial de circulação, é medida que disciplina o comportamento dos agentes econômicos por meio de regimes especiais de pagamento, os quais objetivam diminuir o volume de despesas com a máquina administrativa, tendo em vista reduzir a possibilidade de elisão e evasão tributária.

11.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por todo o exposto nesta aula conclui-se que as características e as razões de ser da exigência dos tributos modifi cam-se ao longo da história, pois, se o fundamento dos impostos na vigência do denominado patrimonialismo são as “razões de Estado” e as necessidades da nobreza e do clero, no Estado de Liberal de Direito a igualdade e a li-berdade do indivíduo contra a opressão do precedente absolutismo monárquico fi gura como a sua matriz. Já no denominado Estado de Bem-Estar Social que preponderou desde a segunda metade do século XX até o início dos anos oitenta, é o intervencio-nismo na ordem social e econômica que denota e qualifi ca o tributo não somente por seus aspectos arrecadatórios, mas, também, por suas fi nalidades extrafi scais e parafi scais. Essa crescente demanda e pressão sobre a política fi scal como um todo, incluindo a vertente das despesas, é intensifi cada na realidade atual, em que se apresenta o duplo desafi o estratégico do desenvolvimento econômico sustentável e inclusivo sob o ponto

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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de vista social harmonizado com o meio ambiente no qual se realizam e processam as atividades humanas.

A extrafi scalidade se exterioriza de forma intencional em pelo menos cinco vertentes distintas: (1) pela utilização das exações tributárias com o objetivo de reduzir desi-gualdades sociais e transformar o tributo em instrumento de redistribuição de renda e riqueza; (2) por meio de exações específi cas para disciplinar e dirigir os agentes privados, como as contribuições para a intervenção no domínio econômico (CIDE), que podem ter ou não natureza tributária dependendo do regime constitucional; (3) através do uso dos próprios tributos, diretos ou indiretos, como mecanismos de regulação e indução da atividade econômica e do comportamento social, (4) benefi ciando e incentivando a atividade econômica visando elevar o nível de desenvolvimento por meio dos benefícios e incentivos fi scais ou reduzindo a carga tributária como ferramenta indutora das de-mandas e ações dos agentes econômicos, e (5) disciplinando a atividade ou a forma do recolhimento do imposto, objetivando a facilidade na administração do tributo.

Por fi m, importante destacar que vários são os argumentos a favor e contrários à adoção da incidência sobre o consumo, a renda ou o patrimônio, bem como para a utilização da proporcionalidade ou da progressividade, a qual pode comportar diversos graus e intensidades distintas.

11.4 QUESTIONÁRIO

1) O que signifi ca extrafi scalidade?2) Qual a diferença entre regressividade, proporcionalidade e progressividade?3) É conveniente e adequado utilizar o sistema tributário com outros objetivos que

não apenas o de arrecadar para os cofres públicos?4) Com fundamento no que foi decido pelo Superior Tribunal de Justiça no RESP

704.917/RS, 1a Turma, decida se o Poder Executivo da União, objetivando benefi ciar exclusivamente os produto res de cana-de-açúcar dos Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e aqueles das Regiões Norte e Nordeste, poderia editar Decreto estabelecendo a redução da alíquota do IPI incidente sobre a indus trialização desse produto apenas nos mencionados estados. Saliente-se que o Estado de São Paulo é o maior produtor de cana de açúcar do país, cujos produtores não alcançados pela alíquota reduzida sentiram-se gravemente prejudicados e violados quanto ao seu direito de tratamento isonômico.

QUESTÕES DE CONCURSO

1) Em nosso sistema tributário, é correto afi rmar que

a) alguns impostos federais não precisam observar o princípio da legalidade para aumento das respectivas alíquotas.

b) o imposto aumentado em determinado ano pode ser cobrado no mesmo exercício fi nanceiro.

c) todas as receitas tributárias devem observar o princípio da legalidade.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 47

d) os tributos e multas são prestações pecuniárias compulsórias de caráter san-cionatório.

e) o princípio da capacidade contributiva é inaplicável às multas fi scais e tarifas.(Juiz do Tribunal Regional Federal da 5a Região –)

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 49

107 Vide DERZI, Misabel Abreu Machado.

A causa fi nal e a regra-matriz das con-

tribuições. In: DE SANTI, Eurico Marcos

Diniz ( coordenador ). Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas- do

fato à norma, da realidade ao concei-

to jurídico. São Paulo: Editora Saraiva,

2008, pp. 626-666; ROSA JR. Luiz

Emygdio F. da. Manual de Direito Fi-nanceiro e Direito Tributário. 15. ed.

Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2001;

e BALEEIRO, ALiomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 11. ed. Rio de

Janeiro: Editora Forense, 1976.

108 DERZI. Op. Cit. p. 632.

109 Entende-se por entidade, toda

pessoa jurídica de natureza pública ou

privada ( p. ex., sociedade, fundação e

associação): na Administração Indireta

tem-se as autarquias, as fundações,

as sociedades de economia mista e as

empresas públicas, consoante o dispos-

to no art. 4o do Decreto-lei 200/67. No

setor privado encontram-se as socieda-

des em geral, as associações, e as fun-

dações., nos termos do art. 44 do CC/02.

Vale realçar que não se deve confundir

entidade com órgão, porquanto este

não tem personalidade jurídica ( por

ex., os Ministérios, as Casas Legislati-

vas, os Tribunais de Contas etc.)

110 BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 6. ed. Rio de Janeiro: Edi-

tora Renovar, 2002. pp. 100/101.

1.12 AULA 12 – A PARAFISCALIDADE COMO TÉCNICA ADMINISTRATIVA PARA DESENVOLVER ATIVIDADES DE INTERESSE PÚBLICO E O TRIBUTO NA CR-88

Cumpre, de pronto, destacar que não existe consenso na doutrina quanto ao sentido e o alcance da expressão “parafi scalidade”, conforme será visto adiante ao debruçarmos sobre o tema.

O termo “parafi scalidade”, segundo apontam alguns estudiosos107, tem sua origem no campo fi nanceiro, tendo sido empregado pela primeira vez no Inventário de Schu-mann, em 1946, na França, conforme preleciona Misabel Derzi108:

“a expressão ‘parafi scalidade’se consagrou a partir do inventário Schumann (...), que levantou e classifi cou os encargos assumidos por entidades autônomas e depositárias de poder tributário, por delegação do Estado, como parafi scais. O inventário incluiu, como encargos de natureza parafi scal, não só os encargos sociais, inclusive seguros sociais e acidentes do trabalho, como as taxas arrecadas pelas administrações fi scais para certas repartições e estabelecimentos públicos fi nanceiramente autônomos (Câmara da Agricultura, de Comércio, Fundo Na-cional de Habitat etc.), como os profi ssionais (Associação Francesa de Padroni-zação, Associações Interprofi ssionais e órgãos de classe)”.

Como se observa no texto acima, a expressão parafi scalidade era utilizada na França para designar algumas contribuições e taxas, cuja arrecadação era delegada pelo Poder Público a certas entidades privadas autônomas109, as quais utilizavam o produto arreca-dado para fazer face às suas atividades dotadas de interesse público, bem como a deter-minados órgãos públicos, que detinham autonomia fi nanceira.

A partir da Constituição mexicana de 1917 e da alemã Weimar de 1919, os direitos sociais passaram a ser consagrados pelo ordenamento jurídico-constitucional, visando a aprimorar as condições de vida dos indivíduos e promover meios para diminuir as desigualdades provocadas, em grande escala, pela esfera econômica110. Desta feita, o Estado passou a atuar de forma mais signifi cativa no campo econômico e social, o que se denominou de Estado Social (também chamado de Estado do Bem-estar Social, Estado Intervencionista). Essa mudança se deu em razão do reconhecimento de que certas demandas coletivas devem ser incorporadas à atuação de um novo Estado, no qual os problemas sociais passavam a ser questões de interesse público – confi gurando necessidades públicas.

Para ajudar na efetividade da atuação social, o Estado passou a delegar a entidades especiais autônomas – de natureza pública ou privada – a função de arrecadar deter-minadas contribuições para fazer face às despesas oriundas de atividades de interesse público confi adas o seu exercício às referidas pessoas jurídicas. Isso ocorreu porque o Estado não conseguiria, sem aumentar demasiadamente a máquina administrativa, concretizar diretamente tais funções, precisando “criar braços” que ultrapassassem seu núcleo administrativo.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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111 DERZI, Misabel Abreu Machado. A

causa fi nal e a regra-matriz das con-

tribuições. In: DE SANTI, Eurico Marcos

Diniz ( coordenador ). Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas- do

fato à norma, da realidade ao concei-

to jurídico. São Paulo: Editora Saraiva,

2008, pp. 626-666.

112 ROSA JR. Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tribu-tário. 15. ed. Rio de Janeiro: Editora

Renovar, 2001.. p. 415.

Nesse cenário, cabe analisar a parafi scalidade a partir de, pelo menos, três perspecti-

vas, as quais se interpenetram, conforme a seguir apresentado de forma sistemática para melhor compreensão:

12.1. A PARAFISCALIDADE E O ORÇAMENTO

Para alguns doutrinadores a parafi scalidade está correlacionada com o orçamento, isto é, está associada à ideia de que o produto arrecadado por entidades autônomas, as quais exercem atividade de interesse público, não integra o orçamento fi scal do Estado, sendo tal receita cobrada diretamente pelas referidas entidades.

Nessa linha de intelecção, destacam-se Misabel Abreu Machado Derzi111 e Luiz Emygdio F. da Rosa Jr112. Para este autor, “a parafi scalidade signifi ca, desde a sua ori-gem, uma fi nança paralela, no sentido de que a receita decorrente das contribuições não se mistura com a receita geral do poder público”. Já Misabel Derzi, ao se debruçar sobre o tema, professa que:

“semanticamente, pois, a palavra ‘parafi scalidade’ nasceu para designar a ar-recadação por órgão ou pessoa paraestatal, entidades autônomas, cujo produto, por isso mesmo, não fi gura na peça orçamentária única do Estado, mas é dado integrante do orçamento do órgão arrecadador, sendo contabilizado, portanto, em documento paralelo ou ‘paraorçamentário’”.

Tal posicionamento tem relevância e merece ser considerado quando se analisa o conteúdo e o alcance do instituto da parafi scalidade. De tal sorte que o estudo dos tri-butos a partir de suas múltiplas funções se faz necessário, especialmente quando enfei-xam tarefas não meramente arrecadatórias para o cofre do Tesouro, com vistas a custear

A PARAFISCALIDADE

1. quanto ao orçamento à que

se vincula as respectivas

receitas e despesas;

2. relativamente à entidade

responsável pela arrecadação

e o exercício da atividade que

ensejou a permissão da

cobrança da contribuição; e

3. no que alude à exação ser ou

não qualifi cada como tributo

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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113 DERZI. Op. Cit. p. 633.

114 DERZI. Op. Cit. p. 635.

115 Idem. Ibidem. pp. 635-641.

as despesas gerais da máquina administrativa, indo além, servindo de instrumento fi -nanceiro viabilizador de atividades delegadas a terceiros pelo Poder Público, bem como de outras fi nalidades pré-defi nidas a ensejar a instituição da exação que visa a fi nanciar intervenções na ordem social e econômica pelo próprio Estado.

Nesse contexto, “ser parafi scal é apenas não integrar o orçamento fi scal da União, não ser receita própria dela, podendo não obstante ser tributo”, assevera Misabel Derzi113 ao discorrer sobre o alcance semântico da palavra fi scal, que segundo a autora, não se con-funde com o termo tributo, uma vez que, ao observarmos o orçamento fi scal da União, verifi caremos que estão nele incluídas as receitas tributárias e as não-tributárias, como, por exemplo, as receitas patrimoniais e as industriais do Estado.

12.1.1. A SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL E A PARAFISCALIDADE

A partir da Constituição de 1988, a Seguridade Social ganhou novas feições, a co-meçar por dispor de capítulo próprio, ter seu orçamento incluído na lei orçamentária da União, estando assim sujeita ao controle do Poder Legislativo. Diversamente, na Constituição de 1969, consoante dispunha o art. 62, §1°, o orçamento da Seguridade Social não estava inserido na lei orçamentária da União, era aprovado por simples ato do Poder Executivo, isto é, escapava do crivo do Poder legiferante, podendo ser alterado ou remanejado por decreto do Chefe do Executivo114.

Nesse contexto, Misabel Derzi115 tem defendido a parafi scalidade necessária para todas as contribuições que servem de base econômica para desenvolver as atividades ligadas à Segurança Social, isto é, manter em (1) orçamento e (2) caixa próprios todos os valores arrecadados com vinculação específi ca para a Seguridade, por razões óbvias, entre elas, evitar o uso desses recursos para outras fi nalidades que não àquelas que de-ram origem ao nascimento das contribuições sociais, quais sejam: fazer face às despesas com o sistema da Seguridade Social, o qual abarca a saúde, a assistência e a previdência sociais. No dizer da autora “o que a Constituição de 1988 pretendeu fazer e, de fato, fez, foi submeter os orçamentos da Seguridade e de investimentos das empresas estatais à apreciação do Poder Legislativo, de modo que os desvios de recursos e o estorno sem prévia anuência legal, fi cassem vedados (art. 167, VI e VIII)”.

Na realidade, as contribuições sociais para a Seguridade Social já se submeteram a diversos regimes. De tal sorte que, as contribuições previdenciárias, por exemplo, antes da Carta de 1988, eram arrecadadas diretamente por uma autarquia, o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), ou seja, eram contribuições parafi scais ou paraor-çamentárias, visto não integrarem nem o orçamento da União, tampouco o caixa do Tesouro Nacional. Por outro lado, outras contribuições sociais para a Seguridade Social – não previdenciárias – eram arrecadas pela União diretamente (ex. a FINSOCIAL – hoje COFINS –, o PIS, e a contribuição sobre o lucro), e repassadas para o INSS. Essa situação jurídica recebeu o aval do STF, conforme se verifi ca no RE 138284-8/92:

“EMENTA: Constitucional. Tributário. Contribuições sociais. Contribui-ções incidentes sobre o lucro das pessoas jurídicas. Lei 7.689, de 15.12.88.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 52

116 DERZI, Misabel. A ‘Super-Receita’pode

levar à redução da nossa já combalida

Previd ência Social. In: I SEMI-

NÁRIO INTERNACIONAL DE ADMINIS-

TRAÇÃO TRIBUTÁRIA E PREVIDÊNCIA

SOCIAL. São Paulo: UNAFISCO, jan.

2007, pp.34-40. Aponta a autora que

até a edição da Emenda Constitucional

42/2003, a desvinculação de receitas de

que trata o art. 76 do ADCT não atingia

as contribuições previdenciárias. O ata-

que a tais contribuições ocorreu com

o advento da mencionada emenda,

que colocou no mesmo cesto todas

as contribuições sociais, inclusive as

previdenciárias, somente excluindo o

salário-educação. Nesse sentido, estão

sujeitas ao patamar de 20% de des-

vinculação todas as receitas tributárias

para a seguridade social. Acrescenta,

ainda, a autora: “(... ) não adianta a lei

que criou a fusão das receitas dizer que

a receita será arrecadada pela União e

destinada imediatamente ao fundo ‘X’,

ao fundo ‘A’ ou ‘B’. Porque existe uma

norma na Constituição que permite a

desvinculação. É uma exceção à regra.

Fica desvinculada de órgão, fundo ou

despesa, a importância de 20% da

arrecadação da União de impostos,

contribuições sociais e de intervenção

no domínio econômico”.

117 DERZI. Op. Cit. pp. 635-641.

118 O art. 3o da mesma lei prevê as atri-

buições previstas no art. 2o também

para outras contribuições, como, por

exemplo, as contribuições destinadas

ao Fundo Aeroviário, à Diretoria de

Portos e Costas do Comando da Mari-

nha , aquelas destinadas ao INCRA, e o

salário-educação ( vide art. 4o, § 6o ).

119 Artigo 56. O recolhimento de todas

as receitas far-se-á em estrita obser-

vância ao princípio de unidade de te-

souraria, vedada qualquer fragentação

para criação de caixas especiais.

IV. Irrelevância do fato de a receita integrar o orçamento fi scal da União. O que importa é que ela se destina ao fi nanciamento da seguridade social (Lei 7.689/88, art. 1o)”.

A partir do referido julgado, é possível inferir que o STF refutou a tese esposada por Misabel Derzi acerca da parafi scalidade necessária em sede de contribuições sociais para a Seguridade Social116, ou seja, a Suprema Corte brasileira considerou legítima a cobrança e arrecadação da contribuição sobre o lucro das pessoas jurídicas por parte da União e só depois repassada ao INSS e destinadas à segurança social.

Ocorre que recente reforma legislativa (Lei 11.457/2007) alterou novamente a sis-temática das contribuições sociais para Seguridade Social, pelo menos sob o aspecto da capacidade ativa, no que concerne à legitimidade da União para cobrar diretamente, por meio da Secretaria da Receita Federal do Brasil, tais contribuições, as quais serão creditadas ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social, de que trata o art. 68 da Lei Complementar 101/2000, nos termos do art. 2o, § 1o, da Lei 11.457/2007.

A Lei 11.457, de 16 de março de 2007, criou a Secretaria da Receita Federal do Brasil, antes denominada Secretaria da Receita Federal, órgão da Administração Direta subordinado ao Ministro de Estado da Fazenda, e extinguiu a Secretaria da Receita Previdenciária do Ministério da Previdência Social117.

Isso signifi ca, conforme se depreende do art. 2o, do mencionado diploma legislativo, que as funções antes desempenhadas pela Secretaria da Receita Previdenciária agora estão a cargo da “Super-Receita Federal”, senão vejamos o dispositivo em tela:

“Art. 2o. Além das competências atribuídas pela legislação vigente à Secre-taria da Receita Federal, cabe à Secretaria da Receita Federal do Brasil planejar, executar, acompanhar e avaliar as atividades relativas a tributação, fi scalização, arrecadação, cobrança e recolhimento das contribuições sociais previstas nas alí-neas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, e das contribuições instituídas a título de substituição”118.

Diante desse novo panorama, é possível inferir que a parafi scalidade dentro da es-trutura geral da Administração Pública, em especial, no que se refere às contribuições sociais para a Seguridade Social, assumiu feição híbrida, porquanto mudou a sistemá-tica de arrecadação e fi scalização dessas contribuições, que agora são da competência da Secretaria da Receita Federal do Brasil: ao INSS cabe, no entanto, as funções de emissão de guia para pagamento, de certidão relativa a tempo de contribuição, o cálculo dos valores a serem pagos, gerir o Fundo do Regime Geral da Previdência Social, entre outras atividades, como, por exemplo pagar os benefícios de que trata a Lei 8212/91, nos termos do art.5o do novo diploma legal, a Lei 11.457/2007.

Saliente-se, também, que, apesar do artigo 56119 da Lei no 4.320/1964 estabelecer o denominado princípio da unidade de tesouraria, conforme já destacado alhures, a Lei de Responsabilidade Fiscal criou uma exceção ao aludido preceito, fi xando que a disponibilidade de caixa da previdência, espécie do gênero seguridade social, deve ser

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 53

120 O dispositivo constitucional se refere

ao Banco Central do Brasil relativamen-

te à União e às instituições fi nanceiras

ofi ciais no casos dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios.

121 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26 ed. Atu-

alizada por Eurico de Andrade Azevedo,

Délcio Balestero Aleixo e José Emma-

nuel Burle Filho. São Paulo: Editora

Malheiros, 2001, pp.692-694.

separada do sistema de caixa único no âmbito de todos os entes federados, conforme se infere da literalidade do artigo 43 da LRF:

Art. 43. As disponibilidades de caixa dos entes da Federação serão deposita-das conforme estabelece o § 3o do art. 164 da Constituição120.

§ 1o As disponibilidades de caixa dos regimes de previdência social, geral e próprio dos servidores públicos, ainda que vinculadas a fundos específi cos a que se referem os arts. 249 e 250 da Constituição, fi carão depositadas em conta

separada das demais disponibilidades de cada ente e aplicadas nas condições de mercado, com observância dos limites e condições de proteção e prudência fi nanceira.

Dessa forma, as outras disponibilidades da seguridade social, salvo aquelas relaciona-das à previdência, tais como as pertinentes à saúde e a assistência social, seguem a regra geral da unidade de tesouraria.

Além desse primeiro plano de projeção – vinculado à questão orçamentária e fi nan-ceira em sentido estrito-, a parafi scalidade também pode ser compreendida a partir da legitimidade de determinadas entidades, que exercem atividades de interesse público e social, para arrecadar ou receber certas contribuições.

12.2. A PARAFISCALIDADE E AS ENTIDADES PÚBLICAS OU PRIVADAS QUE FICAM COM OS RECURSOS DE DETERMINADAS CONTRIBUIÇÕES

Cabe, inicialmente, esclarecer que a estrutura administrativa varia de acordo com o modelo de Estado que se estabelece. Nesse ponto, devemos avaliar, a priori, as caracte-rísticas de determinado Estado, para somente depois tentar entender a sua organização funcional-administrativa.

Nesse contexto, ensina Hely Lopes Meirelles121que a organização administrativa está inti-mamente vinculada à “estrutura do Estado e a forma de governo adotadas em cada país”.

Conforme já exaustivamente salientado, no Brasil temos como forma de Estado a federação, a qual é formada pela união indissolúvel dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, nos termos do art. 1o da CRFB/88: ainda dispõe o seu art. 18, que “a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.

Cumpre ressaltar que a estrutura de Estado que temos, malgrado detenham os Es-tados-membros, o DF e os Municípios, autonomia, consoante dispõe o citado art. 18, é signifi cativo o poder centralizador nas “mãos” da União. Tal fato é visível ao verifi -carmos no texto constitucional de 1988 a sua ampla prerrogativa tributária em compa-ração aos demais entes, além de sua competência privativa para legislar sobre diversas matérias (art. 22) e, no tocante à competência concorrente com os Estados-membros, o DF, e os Município, a União tem a prerrogativa de ditar as normas gerais (vide arts. 24 e 30). Conforme dispõe o Decreto-lei 200/67, a organização administrativa federal

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 54

122 Idem. Ibidem. pp.694-696.

123 Decorrência lógica do processo de

descentralização das atividades de in-

teresse público.

124 Idem. Ibidem. p. 696.

125 Ver, por exemplo, na CRFB/88, a

título de ilustração: art. 8o que prevê a

contribuição sindical, o art. 149, o qual

elenca, dentre outras, as contribuições

de categorias profi ssionais, as contri-

buições para o custeio do Sistema S (

SESI, SENAI, SENAC, SEBRAE etc ). Na

realidade, o constituinte de 1988 bus-

cou, por meio de entidades privadas,

efetivar determinadas atividades de

interesse público, tais como, a fi scali-

zação e controle de certas atividades

profi ssionais, a tutela de direitos tra-

balhistas por meio dos sindicatos e o

fomento ao desenvolvimento tecnoló-

gico com o apoio do Sistema S: as quais

se desenvolvidas diretamente pelo

Poder Público contribuiria de forma

signifi cativa para o inchaço da máquina

administrativa.

se subdivide em Administração Direta e Administração Indireta (sistema que se irradia para os entes políticos estatais e municipais).

Ainda, segundo lições de Hely Lopes Meirelles122:“a Administração Pública Direta é o conjunto dos órgãos integrados na estru-

tura administrativa da União, e a Administração Indireta é o conjunto dos entes (personalizados) que, vinculados a um Ministério, prestam serviços públicos ou de interesse público. Sob o aspecto funcional, a Administração Direta é a efeti-vada imediatamente pela União, através de seus órgãos próprios, e a Indireta é realizada mediatamente, por meio dos entes [também denominados entidades] a ela vinculados”.

A vinculação das entidades que compreendem a Administração Indireta123, ou seja, as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as autarquias e as fundações públicas, se dá em razão do sistema de controle interno da Administração Direta, de-nominado de tutela, ou como ensina Hely Lopes Meirelles124, supervisão ministerial, ou seja, tais entidades não estão ligadas à Administração Direta por meio do regime de subordinação, e sim de vinculação de suas respectivas atividades com os Ministérios (p. ex. o INSS está vinculado ao Ministério da Previdência Social, a Caixa Econômica está vinculada ao Ministério da Fazenda etc).

Nesse passo, além das pessoas jurídicas criadas ou autorizadas pelo Poder Público para integrarem a Administração Indireta, e assim desenvolverem certas atividades de interesse público, o Estado precisou descentralizar ainda mais suas atividades, de tal sorte que o apoio de outras entidades, fora da Administração Pública, se fez necessá-rio125. Dessa forma, criou-se a parafi scalidade envolvendo outras pessoas jurídicas – as quais podem ser de direito público ou direito privado, como, por exemplo, os sindicatos (natureza privada) e as entidades de classe (autarquias especiais de natureza pública). Aqueles (sindicatos) defendem interesses das classes de trabalhadores e coordenam as negociações e acordos entre empregados, empregadores, e com o próprio Poder Público, enquanto as entidades de classe ou de categorias profi ssionais tem o mister de regular e fi scalizar determinadas profi ssões (ex.CREA, CRM). No tocante a estas entidades, cumpre trazer à baila a decisão plenária, em sede de ADI, proferida pelo STF, no qual se enfrentou a questão da natureza jurídica das autarquias fi scalizadoras de atividades pro-fi ssionais regulamentadas. Na ADI 1717/DF, o STF julgou inconstitucional o art. 58 e parágrafos da Lei 9.649/98, a qual, entre outras regras, consagrava a natureza privada dos conselhos de fi scalização profi ssionais, tendo como um dos fundamentos o disposto no art. 119 do CTN, que dispõe no sentido de que somente pessoas jurídicas de direito público podem ter sujeição tributária ativa, conforme se extrai de excertos do acórdão:

ADI 1717-DF – Relator(a): Min. SYDNEY SANCHESJulgamento: 07/11/2002 Órgão Julgador: Tribunal Pleno – Publicação DJ

28-03-2003 – PP-00061 – EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDA-DE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL No 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 55

126 Vide ADI 3026/DF. Julgamento em

08/06/2008. Relator Min. Eros Grau.

Nesta ação o STF se pronunciou no

sentido de que a OAB compreende

“categoria ímpar no elenco das perso-

nalidades jurídicas existentes no direito

brasileiro”.

127 Vide EREsp 462273 / SC – Julga-

mento em 13/04/2005. Rel.Min. João

Otavio de Noronha.

PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3o do art. 58 da Lei no 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada pro-cedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do “caput” e dos § 1o, 2o, 4o, 5o, 6o, 7o e 8o do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profi ssionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime.

A Ordem dos Advogados do Brasil, por sua vez, apesar de também realizar a fi s-calização de atividade profi ssional, se diferencia das demais entidades disciplinado-ras de atividades profi ssionais, pois, segundo entendimento jurisprudencial do STF: “a OAB não está voltada exclusivamente a fi nalidades corporativas. Possui fi nalidade institucional”126. De fato, tal entidade é considerada uma autarquia sui generi, pois, a atividade que disciplina e fi scaliza tem escopo constitucional e é reconhecida como essencial à Justiça, nos termos do art. 133 da CRFB/88, o que já determina a existência de regime diferente das demais autarquias que fi scalizam profi ssões regulamentadas.

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, também se refere à Ordem dos Advo-gados do Brasil como “uma autarquia sui generis”127. Ainda, no tocante à contribuição cobrada de seus membros, tem se manifestado o Tribunal da Cidadania no sentido de que não teria natureza tributária, não se submetendo, desta forma, a execução aos dita-mes da Lei 6.830/80 (lei de execução fi scal). Nesse sentido, vale trazer à luz ementa de acórdão, em sede de Recurso Especial, prolatado pela Corte Superior de Justiça:

REsp 755595 / RS RECURSO ESPECIAL2005/0090354-4 – SEGUNDA TURMA – Relator MIN. CARLOS FER-

NANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1a REGIÃO) – Data do Julgamento: 08/04/2008 – DJe 02/05/2008.

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO. NÃO-CONHECI-MENTO. OAB. ANUIDADE. NATUREZA JURÍDICA. NÃO-TRIBUTÁ-RIA. EXECUÇÃO. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 1. Não se conhece, em recurso especial, de violação a dispositivos constitucionais, vez que se trata de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 102 da Constituição.2. O Superior Tribunal de Justiça fi rmou entendimento no sentido de que as contribuições cobradas pela OAB não seguem o rito disposto pela Lei no 6.830/80, uma vez que não têm natureza tributária, q.v., verbi gratia, EREsp 463258/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, DJ 29.03.2004 e EREsp 503.252/SC, Rel. Ministro Castro Meira, PRIMEIRA SEÇÃO, DJ 18.10.2004.3. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 56

128 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de In-cidência Tributária. 3 ed. São Paulo:

Editora Malheiros, 1992, p. 83.

129 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. rev. e atual. São Pau-

lo: Editora Saraiva, 2005, pp. 2-3.

130 ATALIBA ( 1993). p.80-82.

131 AMARO. Op. Cit. p. 3.

132 Vale repisar que, nos termos do

Decreto-lei 200/67, a Administração

Pública se subdivide em Administração

Direta e Indireta. Enquanto aquela (

direta ) “se constitui dos serviços inte-

grados na estrutura administrativa do

Poder Executivo e seus ministérios ( em

âmbito federal ), e do Poder Executivo

e secretarias ( em âmbito estadual e

municipal ), a Administração indireta

compreende as seguintes entidades

autônomas, com personalidade jurídi-

ca: as autarquias, as empresas públicas,

as sociedades de economia mista e as

fundações públicas.

133 GRECO, Marco Aurelio. Contribui-ções ( uma fi gura “sui generis” ). São

Paulo: Editora Dialética, 2000, p.57.

134 BALEEIRO, ALiomar. Uma Introdu-ção à Ciência das Finanças. 11. ed.

Rio de Janeiro: Editora Forense, 1976,

pp.569-571. Aponta os Institutos de

Aposentadoria e Pensões e as Caixas

de Aposentadoria e Pensões como as

primeiras entidades a arrecadar as

chamadas contribuições parafi scais.

Hodiernamente “há pulverização de

receitas outras para manutenção de vá-

rios órgãos autárquicos e paraestatais,

como a Ordem dos Advogados, o SENAI,

o SENAC, o SESC, o SESI etc”.

135 CARRAZZA, Roque A. O sujeito da

obrigação tributária. São Paulo, Rese-nha Tributária, 1977, p. 40.

136 SOUZA, Hamilton Dias de. Contri-

buições Especiais. In: MARTINS, Ives

Gandra da Silva(coordenador). Curso de Direito Tributário. 10. ed. rev. e

atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.

pp. 667-705.

Nessa perspectiva, quanto à legitimidade de entidades públicas ou privadas para cobrar tributos para suprir as demandas decorrentes das atividades de interesse público a elas incumbidas, cabe destacar, pelo menos, duas correntes doutrinárias:

Corrente 1:

Para alguns autores, como por exemplo, Geraldo Ataliba128 e Luciano Amaro129, a parafi scalidade está vinculada a entidades delegadas que estão fora do Estado.

Consoante o pensamento de Geraldo Ataliba130, o conceito de parafi scalidade im-porta “no fenômeno pelo qual a lei atribui a titularidade de tributo a pessoas diversas do Estado, que as arrecadam em benefício das próprias fi nalidades”.

Luciano Amaro131, corroborando com a linha de intelecção do mencionado autor, assevera:

“(...).Em verdade, ao lado das prestações coativas arrecadadas pelo Estado, outros ingressos fi nanceiros, também instituídos por lei e absorvidos pelo con-ceito genérico de tributo, são coletados por entidades não estatais, de que são exemplos os sindicatos e os conselhos de fi scalização e disciplina profi ssional. Esse campo, dito da parafi scalidade, é paralelo ao da fi scalidade, ocupado pelo ingressos destinados ao Fisco ou Tesouro Público, esses tributos dizem-se para-fi scais” (grifo nosso).

Corrente 2:

Para esta corrente doutrinária, a parafi scalidade é decorrência da atribuição do Poder Público a outras entidades, sejam públicas ou privadas, integrantes ou não da Admi-nistração Pública132, para arrecadar contribuições a fi m de suprir objetivos de natureza pública. Cabe destacar, nessa linha de intelecção, entre outros autores, Marco Aurélio Greco133, Aliomar Baleeiro134, Roque A. Carrazza135, e Hamilton Dias de Souza136. Este último, ao enfrentar o tema, se refere a órgãos especializados desvinculados da Ad-ministração Direta, ou seja, ele incluiu a Administração Indireta. Vale a pena trazer excertos de seu estudo sobre as contribuições de interesse das categorias profi ssionais ou econômicas:

“(...) tendo em vista serem distintos e peculiares os interesses de cada uma das categorias econômicas e profi ssionais envolvidas, a atuação do Estado geralmen-te se faz por intermédio de órgãos especializados e específi cos, desvinculados da

Administração Direta (...). É o caso, por exemplo, dos sindicatos e das entidades de fi scalização de profi ssões liberais (OAB, CRM, CREA)”. (grifo nosso).

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 57

137 GRECO, Marco Aurelio. Contribuições ( uma fi gura “sui generis” ). São Pau-

lo: Editora Dialética, 2000, p.57. Aponta

o autor que “no campo econômico, a

‘atuação’ da União pode consistir numa

atuação material ou numa atuação de

oneração fi nanceira. Se a atuação for

material a contribuição servirá para for-

necer recursos para o exercício das ati-

vidades pertinentes e para suportar as

despesas respectivas; se a atuação for

no sentido de equilíbrio ou equalização

fi nanceira, a contribuição será o pró-

prio instrumento da intervenção” (este

aspecto será abordado na aula sobre a

extrafi scalidade dos tributos ).

138 BALEEIRO, ALiomar. Uma Introdu-ção à Ciência das Finanças. 11. ed.

Rio de Janeiro: Editora Forense, 1976,

pp.569-571. Aponta os Institutos de

Aposentadoria e Pensões e as Caixas

de Aposentadoria e Pensões como as

primeiras entidades a arrecadar as

chamadas contribuições parafi scais.

Hodiernamente “há pulverização de

receitas outras para manutenção de vá-

rios órgãos autárquicos e paraestatais,

como a Ordem dos Advogados, o SENAI,

o SENAC, o SESC, o SESI etc”.

139 CARRAZZA ( 1977 ). Op. Cit. p. 40

140 Embora a competência já tenha sido

tratada em outra aula, merece, todavia,

relembrar seu perfi l, segundo as lições

de Misabel Derzi: “competência é nor-

ma constitucional, atributiva de poder

legislativo a pessoa estatal, para criar,

regular e instituir tributos”. In: DERZI,

Misabel Abreu Machado. A causa fi nal

e a regra-matriz das contribuições. In:

DE SANTI, Eurico Marcos Diniz ( coorde-

nador ). Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas- do fato à norma, da

realidade ao conceito jurídico. São Pau-

lo: Editora Saraiva, 2008, p. 632.

141 Oportuno ressaltar que a análise da

natureza jurídica de um instituto diz

respeito ao seu enquadramento dentro

do sistema ( ou sistemas ) a que está

vinculado.

Marco Aurélio Greco137, ao discorrer sobre a evolução do Estado Fiscal para o Estado Intervencionista (Bem-estar social), preleciona:

“a partir do reconhecimento de determinadas necessidades sociais ou visando a atingir certos resultados ou objetivos econômicos, o Estado passou a atuar po-sitivamente nestes campos, criando entidades específi cas, fora de sua estrutura

básica, que fi cariam responsáveis pelo exercício de atividades pertinentes. Por sua vez, estas estruturas necessitavam de recursos fi nanceiros para sobreviver. Estas começaram a cobrar da coletividade certas quantias que se justifi cavam em função das fi nalidades buscadas e que eram diretamente arrecadadas por estas entidades que se encontravam “ao lado”do Estado (as entidades “paraestatais”)”. (grifo nosso).

Aliomar Baleeiro138 entende que a capacidade tributária ativa pode ser delegada tan-to às entidades públicas como às privadas, cujas funções estão atreladas a uma fi nalidade pública. Apresenta o autor quatro elementos que delineiam a parafi scalidade:

“a) delegação do poder fi scal do Estado a um órgão ofi cial ou semi-ofi cial autônomo; b) vinculação especial ou ‘afetação’ dessas receitas aos fi ns específi cos cometidos ao órgão ofi cial ou semi-ofi cial investido daquela delegação; c) em alguns países exclusão dessas receitas delegadas no orçamento geral (seriam então ‘para-orçamentárias’...); e d) consequentemente, subtração de tais receitas à fi sca-lização do Tribunal de Contas ou órgão de controle da execução orçamentária”.

Roque Carrazza139, a seu turno, apresenta a parafi scalidade como:

“a atribuição, pelo titular da competência tributária140, mediante lei, da capa-cidade tributária ativa, a pessoas públicas ou privadas (que persigam fi nalidades públicas ou interesse público), diversas do ente imposto que, por vontade desta mesma lei passam a dispor do produto arrecadado, para a consecução de seus objetivos”.

Por fi m, merece repisar o fato de que a Lei 11.457/07, ao criar a Receita Federal do Brasil, atribuiu a esta – órgão vinculado ao Ministério da Fazenda – e não ao INSS – autarquia federal vinculada ao Ministério da Previdência Social, as funções de fi scalizar e arrecadar as contribuições sociais destinadas ao custeio da Seguridade Social. Desta feita, pode-se reconhecer que a parafi scalidade, sob a perspectiva da capacidade ativa de quem arrecada o tributo, somado à possibilidade de desvinculação de 20% dessas receitas por parte da União, nos termos do artigo 76 do ADCT da CR-88, teve parte substancial de seu conteúdo diluído na fi scalidade.

Outra perspectiva que merece relevo, ao se enfrentar o complexo instituto da para-fi scalidade, diz respeito à análise da natureza jurídica141 das contribuições de que trata o art. 149 da CRFB/88.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 58

142 MORSELLI, E. Compendio di scienza delle fi nanze. Padova: Milani, 1967.

143 ROSA JR. Op. Cit. p. 415.

144 MORSELLI 1960 apud TORRES, 2007,

p. 527.

145 Aponta Ricardo Lobo Torres, in:

TORRES ( 2007 ). Op. Cit. p. 554, “a so-

lidariedade, como assinala a doutrina

germânica, cria o sinalagma não ape-

nas entre o Estado e o indivíduo que

paga a contribuição, mas entre o Estado

e o grupo social a que o contribuinte

pertence”.

146 TORRES ( 2007 ). Op. Cit. p. 556-557.

12.3. A PARAFISCALIDADE E A NATUREZA JURÍDICA DA EXAÇÃO (TRIBUTÁRIA OU NÃO-TRIBUTÁRIA).

Ab initio, no direito comparado, merece destaque a doutrina de E. Morselli142, para quem a teoria da parafi scalidade encontra amparo:

“na distinção das necessidades públicas em fundamentais e complementares. As primeiras correspondem às fi nalidades do Estado, de natureza essencialmente política. As segundas correspondem às fi nalidades sociais e econômicas, as quais, sobretudo recentemente, assumiram grandes proporções e novas determinações fi nanceiras. Trata-se principalmente de necessidades de grupos profi ssionais eco-nômicos e de grupos sociais. Assim, às necessidades fundamentais correspondem uma fi nança fundamental (de entes públicos territoriais). A teoria da parafi scali-dade explica a fi nança complementar”.

O mencionado jurista italiano, ao enfrentar o tema da natureza jurídica de certas contribuições (as quais denominou de contribuições parafi scais), concebeu-as como exações regidas por regime próprio, não tendo natureza tributária como os tributos em geral, porquanto estes têm origem no poder essencialmente político, ao passo que as “contribuições parafi scais” têm como fundamento fazer face as necessidades de caráter econômicosociais143.

Para E. Morselli144, a fi scalidade se diferencia da parafi scalidade na sua essência, uma vez que a fi scalidade – amparada nos tributos em geral – visa precipuamente a conseguir recursos para suprir as atividades fundamentais do Estado, tendo como base a capacidade contributiva, enquanto a parafi scalidade encontra sua ratio essendi no princípio da solida-riedade145. A receita parafi scal, na linha de pensamento do referido autor, procura fazer frente às despesas não essenciais, relacionadas, em regra, com a seguridade social e outros interesse de grupos específi cos, como os de categorias profi ssionais e econômicas.

A propósito, no tocante ao princípio da solidariedade, o STF, ao enfrentar a sistemá-tica das contribuições sociais criadas pela União, desenvolveu o princípio estrutural da solidariedade, o qual se afasta um pouco do princípio da solidariedade do grupo para se fi rmar com norma-princípio estruturante das contribuições sociais. Segundo enten-dimento da Suprema Corte brasileira, no acórdão proferido em sede de ação direta de inconstitucionalidade (ADI 3105/DF e ADI 3128/DF de 18.08.2004), “o regime previ-denciário visa a garantir condições de subsistência, independência e dignidade pessoais ao servidor idoso por meio de pagamento de proventos de aposentadoria durante a velhice e, nos termos do art. 195 da CF, deve ser custeado por toda a sociedade, de forma direta e indireta, o que se poderia denominar de princípio estrutural da solidariedade”146.

Dito de outra maneira, enquanto a solidariedade de grupo consiste no binômio, encargo fi nanceiro e benefício de determinado grupo de pessoas, o princípio estrutu-ral da solidariedade em sede de regime previdenciário tem como escopo a garantia de um sistema forte em que todos, indistintamente, colaboram, ou seja, por meio deste

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 59

147 TORRES, Ricardo Lobo. A política in-

dustrial da Era Vargas e a Constituição

de 1988. In: DE SANTI, Eurico Marcos

Diniz ( coordenador ). Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas- do

fato à norma, da realidade ao concei-

to jurídico. São Paulo: Editora Saraiva,

2008, pp.254-271. Ainda, do mesmo

autor, Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11. ed. Rio de Janeiro: Edi-

tora Renovar, 2004.

148 Idem. Ibidem. p.270.

149 Idem. Ibidem. p.269. Para o autor,

as despesas para tutelar direitos sociais

que não garantem o mínimo existen-

cial são consideradas não essenciais e

assumidas de forma subsidiária pelo

Estado.

150 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Vol. IV. Os Tributos na

Constituição. Rio de Janeiro: Editora

Renovar, 2007, pp. 526-530.

151 TORRES ( 2007 ). p. 529. Segundo

Ricardo Lobo Torres, “a crise mundial

surgida na década de 1970, com refl e-

xos dramáticos no Brasil, fez com que se

reavaliasse o papel do Estado Social de

Direito e se extirpassem, do rol das suas

funções essenciais, aquelas que só lhe

deveriam caber em caráter supletivo e

subsidiário, como sejam a propriedade

de empresas, a intervenção no merca-

do e a previdência social. Ao mesmo

tempo recuperou-se a consciência de

que a categoria tributo possui entre os

seus elementos característicos a desti-

nação às despesas essenciais do Estado,

inconfundível com a arrecadação a este

ou àquele órgão, que realmente não

tem infl uência para a elaboração do

conceito”.

152 TORRES ( 2007 ). Op. Cit. pp. 526-

527.

princípio social a sociedade se une por uma causa maior, que é a tutela de vários valores fundamentais, como a vida digna e a saúde.

Na mesma trilha de E. Morselli parece caminhar Ricardo Lobo Torres147, para quem as contribuições sociais, interventivas e corporativas, não teriam, sob o critério cientí-fi co, natureza tributária, malgrado reconheça que parte da doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal são no sentido de que tais exações têm natureza tributá-ria: adota-se, na realidade, o critério topográfi co, uma vez que as mencionadas contri-buições foram inseridas dentro do capítulo do Sistema Tributário Nacional (art. 149, CRFB/88) pelo constituinte originário.

Na visão do referido autor brasileiro, as contribuições em tela teriam conteúdo dife-rente dos tributos, na medida em que não estão afetadas a serviços essenciais do Estado Fiscal, e preleciona que a parafi scalidade, com o advento da Carta de 1988, desapareceu no direito brasileiro, amalgamando-se no conceito de fi scalidade148. Nesse passo, prele-ciona o autor que:

“Enquanto a fi scalidade se caracteriza pela destinação dos ingressos ao Fisco, a parafi scalidade consiste na sua destinação ao PARAFISCO, isto é, aos órgãos que, não pertencendo ao núcleo da administração do Estado, são paraestatais, incumbidos de prestar serviços paralelos e inessenciais por meio de receitas pa-raorçamentárias. A parafi scalidade, portanto, não deveria se confundir com a fi scalidade, nem as prestações parafi scais com os tributos, uma vez que consti-tuiria autêntica contradictio in terminis falar em ‘tributos paratributários’ou em ‘fi scalidade parafi scal’: o que é para-tritbutário não pode ser tributário e o que é fi scal não pode ser ao mesmo tempo parafi scal” (grifo do autor)149.

Argumenta ainda Ricardo Lobo Torres que a diluição da parafi scalidade na fi scali-dade, a partir da normativa constitucional de 1988, fi ca clara especialmente no tocante às contribuições sociais “que deixaram de ser paraorçamentrárias (para-budgetaires, off budget) para se tansformarem em fontes orçamentárias”150. Vale ressaltar que a Carta Constitucional de 1988 adotou o princípio da unidade orçamentária, e o orçamento da Seguridade Social passou a integrar a lei orçamentária da União, ex vi do at. 165, § 5o, da CRFB/88: vale dizer que tal modelo só encontra paralelo no Direito português, aponta Ricardo Lobo Torres.

Nesse passo, cumpre destacar que a parafi scalidade tem como forte referência his-tórica o período que se segue pós– 2a Guerra Mundial, cujo principal propósito era carrear recursos para fazer face às despesas com a previdência social e outras atividades de caráter intervencionista do Estado delegadas a órgãos paralelos ao núcleo central da administração pública151.

No Brasil, assim como na Itália, França, Espanha e Argentina, a concepção de pa-rafi scalidade que emergiu de forma mais acentuada “foi considerada como fenômeno fi scal e as prestações parafi scais como tributos”, pondera Ricardo Lobo Torres152. Ainda, importante destacar que a Emenda Constitucional no 1/69 inseriu no rol dos tributos as contribuições sociais, o que fez com que parte signifi cativa da doutrina e jurisprudência admitissem a natureza tributária daquelas exações.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 60

153 BRASIL. Poder Judiciário. Supremo

Tribunal Federal. RE n° 13884-CE.

Disponível no sítio: < www.stf.jus.br>.

Pesquisa realizada em 12/02/2009.

154 COELHO, Sacha Calmon Navarro.

Manual de Direito Tributário. 2. ed.

Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002,

pp. 51-54. Tais contribuições, segundo

o autor, são “impostos afetados a fi -

nalidades específi cas ( raramente são

taxas )”.

Posteriormente, a Emenda Constitucional no 8/77 retirou as contribuições sociais do capítulo dos tributos, o que ensejou novamente a discussão em torno da natureza jurídicas dessas exações, e passou-se a entender que não eram tributos.

Nesse quadro de inconstâncias, o constituinte na Carta de 1988, por fi m, decidiu colocar as contribuições em geral no capítulo dedicado ao Sistema Tributário Nacional, inspirando a doutrina majoritária e a jurisprudência do STF no sentido de efetivamente considerar tais exações como tributo, ainda que discutível aludida solução sob o critério científi co ou do desenvolvimento histórico de um conceito unitário dos tributos.

Para ilustrar, vale transcrever excertos da decisão do STF, na qual a Corte enfrentou a questão da natureza jurídica das contribuições. Em sede de Recurso Extraordinário de n° 13884-CE, o Ministro Carlos Velloso classifi cou as contribuições sociais da seguinte maneira:153

“As contribuições sociais desdobram-se em: (a.1) contribuições de seguridade social, disciplinadas no artigo 195, I, II, e III da CF/88, compreendendo as con-tribuições previdenciárias, as contribuições do FINSOCIAL (hoje COFINS), as da Lei 7689, o PIS, e o PASEP (art. 239). Não estão sujeitas à anterioridade (art. 149, art. 195, parágrafo 6°); (a.2) outras de seguridade social (art. 195, parágrafo 4°): não estão sujeitas à anterioridade (art. 149, art. 195, parag. 6°). A sua instituição, todavia, está condicionada à observância da técnica da compe-tência residual da União, a começar, para a sua instituição, pela exigência de lei complementar (art. 195, parág. 4°, art. 154, I); (a.3) contribuições sociais gerais art. 149: o FGTS, o salário-educação (art. 212, parág. 5°), as contribuições do SENAI, SESI, SENAC (art. 240). Sujeitam-se ao princípio da anterioridade”.

Depois de longa discussão acerca do elenco das espécies tributárias, o STF fi rmou entendimento, com base na Teoria Quinquipartite, de que são modalidades de tri-butos: os impostos, as taxas, a contribuição de melhoria, elencadas no artigo 145 da CF/88, cuja competência para instituí-las é concorrente; o empréstimo compulsório, art.148; as contribuições sociais, as contribuições de intervenção no domínio eco-nômico e as contribuições de categorias profi ssionais e econômicas, disciplinadas no artigo 149 da CF/88.

Apenas a título de ilustração, cabe mencionar a posição de Sacha Calmon Navarro Coelho154, para quem todas as contribuições elencadas no art. 149 da CRFB/88 estão inseridas no conceito de exações parafi scais, ou seja, todas as contribuições sociais (ge-rais, de seguridade social ou outras de seguridade social), as de intervenção no domínio econômico, das categorias profi ssionais ou econômicas, independentemente de quem as arrecada, se pessoa jurídica de direito público ou privado, estariam abrangidas na parafi scalidade.

No que se refere especifi camente às contribuições sociais, cumpre destacar trecho do voto do Ministro Cesar Peluzo do Supremo Tribunal Federal na ADIN 3105-8, o qual esclarece:

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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(...) Salvas raras vozes hoje dissonantes sobre o caráter tributário das con-tribuições sociais como gênero e das previden ciárias como espécie, pode dizer-se assentada e concorde a postura da doutrina e, sobretudo, desta Corte em qualifi cá-las como verdadeiros tributos (RE no 146.733, rel. Min. MOREIRA ALVES, RTJ 143/684; RE No 158.577, REL. Min. CELSO DE MELLO, RTJ 149/654), sujeitos a regime constitucional específi co, assim por que disciplinadas as contribuições no capítulo concernente ao sistema tributário, sob referência expressa aos art. 146, III (normas gerais em matéria tributária) e 150, I e III (princípios da legalidade, irretroatividade e anterioridade), como porque cor-responderiam à noção constitucional de tributo construída mediante técnica de comparação com fi guras afi ns.

Assim sendo, ressalvada a destinação das suas receitas, as quais são vinculadas aos fi ns para os quais foram criadas, as contribuições sociais tem natureza tributária, sub-metendo-se, dessa forma, às normas previstas no sistema tributário nacional, isto é, con-formam-se e se subordinam a todas as limitações constitucionais ao poder de tributar, excepcionadas, naturalmente, pelas as disciplinas particulares especifi camente traçadas na própria Constituição, como é o caso da noventena ou anterioridade nonagesimal155, matéria a ser apresentada na aula pertinente ao princípio da anterioridade.

Pelo exposto nesse item, pode-se concluir que a parafi scalidade possui pelo menos duas acepções de acordo com a doutrina: (1) a primeira restringindo o fenômeno às cobranças realizadas por entidades delegatárias autônomas, de natureza jurídica pú-blica ou privada, que exerçam atividades de interesse público, como, por exemplo, os sindicatos dos trabalhadores e categorias profi ssionais, nos termos do artigo 8o, IV, da CR-88, as entidades privadas de serviço social e de formação profi ssional vinculadas ao sistema sindical, o denominado sistema “S”, SESI, SESC SENAI, consoante o disposto no artigo 240 da CR-88, as entidades que exercem a fi scalização e a regulamentação das categorias profi ssionais e econômicas, a teor do artigo 149 da CR-88, como o CREA e o CRM, à exceção da OAB, pelas razões já expostas,e etc., e (2) a segunda englobando, também, as exações criadas com o objetivo de fi nanciar a denominada segurança ou seguridade social, as denominadas contribuições sociais, vinculadas à saúde, assistência ou previdência social, disciplinadas nos artigos 149 e 195 da CR-88.

12.4 QUESTIONÁRIO

1) O Congresso Nacional editou lei instituindo novas alíquotas das con tribuições da União destinadas ao fi nanciamento da seguridade social, criando um sistema notada-mente progressivo (alíquotas mais altas quanto maior fosse a base de cálculo). Poderia o legislador ordinário federal instituir aludido sistema progressivo (ADC 8)?

2) Discorra acerca da noção de parafi scalidade a partir das correntes doutrinárias e, objetivamente, escolha aquela que considera mais relevante e condizente com o sistema jurídico brasileiro.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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QUESTÕES DE CONCURSO

1. O orçamento da seguridade social

a) está compreendido na lei orçamentária federal, junto com o orçamento fi scal e o orçamento de investimento das empresas da União.

b) somente estima receita e prevê a despesa da previdência social federal.c) estima a receita e prevê a despesa em saúde, educação e assistência social.d) é elaborado de forma idêntica ao orçamento fi scal.(Ministério Público do DF – 23o concurso)

2. As contribuições sociais, em nosso sistema tributário,

(A) não precisam observar os princípios da legalidade e da anterioridade.(B) não têm natureza tributária.(C) somente podem ser instituídas pela União.(D) podem ser instituídas pelos Estados e Municípios, para custeio do sistema de

previdência de seus servidores.(E) previdenciárias aumentadas num exercício, só podem ser cobradas no pri meiro

dia do exercício seguinte.(Juiz do Tribunal Regional federal da 5a Região)

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DA AULA

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 63

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rio e Finanças Públicas– do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 64

155 Dispõe o artigo 195, § 6o, da CR-

88, relativamente às contribuições de

seguridade social: “As contribuições sociais de que trata este artigo só

poderão ser exigidas após decorridos

noventa dias da data da publicação da

lei que as houver instituído ou modifi -

cado, não se lhes aplicando o disposto

no art. 150, III, “b”. Ou seja, afasta-se

o princípio da anterioridade clássica,

segundo o qual é vedado a cobrança

de tributo instituído ou aumentado

no mesmo exercício fi nanceiro em que

haja sido publicada a lei que o criou ou

incrementou, aplicando-se, tão somen-

te, a noventena.

156 GRECO, Marco Aurelio. Contribuições

(uma fi gura “sui generis”). São Paulo:

Dialética, 2000, p. 43-44. Essa questão

será aprofundada nas aulas pertinentes

à interpretação e aplicação da legisla-

ção tributária.

157 Nesse sentido assevera Oto Mayer,

citado por Ricardo Lobo Torres, que “o

dever geral de o sujeito pagar impostos

é uma fórmula destituída de sentido

e valor jurídico”. In. TORRES, Ricardo

Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tri-

butário. 11a ed. Rio de Janeiro: Renovar,

2004. p. 231.

158 COSTA, Alcides Jorge. Obrigação Tri-

butária. In: MARTINS, Ives Gandra da

Silva. (Coordenador). Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2008.

p. 191.

1.13 AULA 13 – A RELAÇÃO JURÍDICA E OS ELEMENTOS DA OBRIGAÇÃO TRI-BUTÁRIA: A NECESSÁRIA PONDERAÇÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS DA SEGU-RANÇA JURÍDICA E DA JUSTIÇA FISCAL

As relações entre as pessoas constituem-se por fundamentos variados, desde os laços familiares e de amizade despretensiosos sob o ponto de vista patrimonial, até aquelas levadas a efeito por interesse individual ou coletivo, em que há inequívoca manifestação de vontade das partes – sejam elas convergentes a determinado objetivo, como ocorre nos pactos conveniais, ou simplesmente contrapostas, como nas relações contratuais-. Por outro lado, há vínculos que surgem por força e em decorrência do próprio sistema jurídico, como é o caso da relação jurídica tributária, sem que haja a necessidade de manifestação de vontade das partes, bastando, tão somente, o enquadramento do caso concreto – o fato da vida – na hipótese genérica e abstrata prevista no ordenamento nor-mativo, seguindo a lógica e racionalidade156 da subsunção que caracteriza a aplicação da norma no Estado de Direito, marcadamente infl uenciado pela demanda por liberdade e segurança jurídica do cidadão ou, ainda, em função da necessidade de se atingir de-terminados objetivos socialmente desejados, de acordo com a racionalidade dos fi ns, típica do denominado Estado de Bem Estar Social de caráter interventivo e que confere relevo a valores sociais como a igualdade material, solidariedade e justiça distributiva.

Várias são as teorias que tentam explicar a natureza da relação jurídica tributária, desde a sua qualifi cação como relação de poder, destituída de qualquer outra funda-mentação, sendo a norma impositiva do tributo no Estado de Direito uma simples ordem sem a real natureza de lei157, até as teses que incorporam estruturas e disciplinas do direito obrigacional privado para o Direito Tributário. Destaque-se, ainda, aquela mais moderna, a qual vincula e estuda a relação jurídica tributária a partir do enfoque e perspectiva constitucional, inobstante também qualifi car e defi nir a relação tributária como modalidade de obrigação ex lege, embora a ênfase seja deslocada para o seu fun-damento de validade.

Alcides Jorge Costa158 ao abordar o tema esclarece:

“Antes de se iniciar o estudo da obrigação tributária é útil ter em mente que, no Estado-Polícia, no qual o soberano tinha poder absoluto, o patrimônio público, chamado Fisco, foi concebido como um ente dotado de personalidade, sujeito às regras de Direito Privado e, portanto, aos tribunais comuns. Essa con-cepção protegia os cidadãos, pois lhes dava o direito de discutir, perante os tribu-nais comuns, as questões patrimoniais que pudessem ter com o Estado. Assim, nessas questões não havia mera submissão ao poder absoluto do soberano. Com o fi m do Estado-Polícia e o advento do Estado de Direito, o que não aconteceu em todos os países ao mesmo tempo e que sucedeu por caminhos variados, a chamada doutrina do Fisco não podia mais prevalecer, por ter desaparecido o poder absoluto com o qual contrastava. Mas ainda era necessário proteger o contribuinte.

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159 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 21 ed. rev. atual. e

ampl. São Paulo: Editora Malheiros,

2002. p. 54.

160 TORRES. Op. Cit. p. 231 a 233.

Os administrativistas alemães da parte fi nal do século XIX e início do século XX inclinavam-se por ver uma relação de poder entre o Estado e o contribuinte quando se tratava da cobrança de tributos. Da mesma forma, na Itália houve quem visse na relação tributária uma simples sujeição do contribuinte ao poder do Estado. Foi o caso de Orlando, que concebia as leis instituidoras de impostos como simples ordem, sem real natureza de lei. Foi também o caso de Lolini, cujos escritos a respeito datam de 1912 e 1920 e, mais tarde, Di Paolo. A reação a essa concepção veio por meio da assimilação da relação Estado-contribuinte à relação obrigacional, conceito haurido no Direito Privado. Dessa maneira, não prevaleceu a idéia de mera relação de poder, mas de uma relação obrigacional, na qual os sujeitos de encontram em pé de igualdade. Dessa forma, novamente o recurso a instituto do direito privado é utilizado como meio de proteção do contribuinte. Hoje a noção de obrigação tributária está tão arraigada que sua origem histórica é esquecida.”

Na mesma linha, Hugo de Brito Machado159, ressalta que a relação entre o Estado e as pessoas sujeitas à tributação não é uma simples relação de poder, mas uma relação jurídica de natureza obrigacional, pois:

“No Direito Tributário inegavelmente encontram-se as características do Di-reito Obrigacional, eis que ele disciplina, essencialmente, uma relação jurídica entre um sujeito ativo (fi sco) e um sujeito passivo (contribuinte ou responsável), envolvendo uma prestação (tributo).”

Ao explicitar essa doutrina, que conceitua o tributo como objeto de uma relação obrigacional criada por lei, isto é, que desloca o núcleo da defi nição da natureza da relação jurídica tributária para o vínculo obrigacional, ao invés do enfoque exclusivo na lei ou no poder que possibilita a sua imposição, Ricardo Lobo Torres160 assevera e alerta que:

“O núcleo da defi nição passou a ser o vínculo obrigacional, pois a relação jurídica se fi rmava entre dois sujeitos – credor e devedor do tributo – que se subordinavam à lei em igualdade de condições. O tributo, portanto, tinha na lei a sua fonte ou causa, mas se defi nia principalmente em função do fato ge-rador que dava nascimento à obrigação tributária, nova estrela na constelação fi nanceira (...). Corolário da tese central é a exacerbação formalista do poder tributário, com a sua redução ao momento legislativo, vedada à Administração qualquer parcela de discricionariedade; (...). A teoria da relação obrigacional trouxe, contudo, algumas perplexidades. Não explicava, diante da questão da soberania, como o Estado poderia, no ato de legislar, se colocar em relação de igualdade com o contribuinte. Além disso, confundia o plano da norma e da defi nição abstrata do fato gerador com o plano do contingente e da ocorrência do fato gerador (vide p. 240). Finalmente, afastava o fenômeno tributário de suas matrizes constitucionais, reduzindo-o ao campo da legislação ordinária e

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161 TORRES. Op. Cit. p. 233.

confundindo-o com outras fi guras de direito privado, mercê de sua absorção na idéia de vínculo obrigacional.”

Em linha de pensamento diversa, Alcides Jorge Costa enfatiza:

“A discussão sobre se a obrigação de direito privado e obrigação tributária se identifi cam ou diferem não é meramente acadêmica. Se há identidade, as nor-mas de direito privado aplicam-se à obrigação tributária. Caso contrário, não se aplicam. A resposta a essa indagação é alcançada considerando-se existir, entre obrigações de direito privado e obrigação tributária, identidade estrutural, mas não funcional. Daí decorre que, em princípio, as normas legais concernentes à obrigação de direito privado aplicam-se à obrigação tributária, exceto se, à vista da diferença funcional, a aplicação não puder ou não dever ser feita. A isso se acrescente o óbvio: se a lei tributária contiver regras específi cas (o que ocorre com freqüência em vista da diferença de função), aplicam-se estas e não as de direito privado. A obrigação tributária é uma obrigação ex lege. Que signifi ca isso? A resposta liga-se à classifi cação das fontes das obrigações, assunto que tem sido, desde os juristas romanos, objeto de controvérsia ainda não pacifi cadas. Não interessa, aqui, aprofundar esse debate. Basta dizer que se chamam de fon-tes das obrigações os fatos que a produzem. A obrigação é uma relação jurídica e há de ter por fonte mediata sempre a lei. Mas não se fala em fonte nesse sentido, porque, se se o fi zesse, não existiria qualquer difi culdade, uma vez que sempre haveria uma só fonte, a lei. Acontece que entre a lei abstrata e geral por natureza e a obrigação, relação jurídica particular, há sempre um fato, um ato ou uma situação jurídica a cuja a lei liga o nascimento da obrigação. Quando se fala de fonte da obrigação está se fazendo referência a esse fato, ato ou situação. É nesse contexto que se busca classifi car as fontes das obrigações. Como foi dito, a ma-téria é controversa.”

Após explicitar outras teses que enfatizavam o ato ou o procedimento administrativo de lançamento como o núcleo central da imposição, as quais fundamentam a relação jurídica tributária em teorias procedimentais, matéria que será examinada na disciplina de Direito Tributário e Finanças Públicas III, Ricardo Lobo Torres161 destaca que:

“A doutrina mais moderna e mais infl uente estuda a relação jurídica tributá-ria a partir do enfoque constitucional e sob a perspectiva do Estado de Direito, estremando-a das relações jurídicas do direito privado: a sua defi nição depende da própria conceituação do Estado. Assim pensam, entre outros, K. Tipke e Birk na Alemanha e F. Escribano na Espanha.

Claro que, apesar da abordagem constitucional do problema, a relação ju-rídica tributária continua a se defi nir como obrigação ex lege. Mas sua origem legal se complementa e se equilibra com os momentos ulteriores do exercício do poder de administrar e do poder de julgar as controvérsias surgidas da aplicação da lei, sem os quais não se forma, na vida real, o vínculo de direito. (...)

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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162 Expressão utilizada no parágrafo

único do artigo 116 do Código Tributá-

rio Nacional.

A imbricação constitucional da relação tributária orienta a sua problemática para o campo das conexões entre a receita e os gastos públicos, dado impor-tantíssimo na atual fase das fi nanças públicas. A relação jurídica tributária, por outro lado, aparece totalmente vinculada pelos direitos fundamentais declarados na Constituição. Nasce, por força de lei, no espaço previamente aberto pela

liberdade individual ao poder impositivo estatal”.

Essas características da relação jurídica tributária assim qualifi cada permitem, por um lado, a contenção do exercício do poder de tributar, que já surge subordinado aos direitos e garantias fundamentais, o que confere relevância aos aspectos essenciais da liberdade do cidadão e da segurança jurídica visando neutralizar a superioridade da parte mais forte da relação e, ao mesmo tempo, afasta o formalismo normativista que limita e restringe de forma extremada e exacerbada a atuação e o papel do Estado Juiz na interpretação e aplicação do Direito e do Estado Administração no exercício dessas mesmas funções e, ainda, em especial, na realização de sua função normativa regula-mentar. Nesse momento importante destacar que o enquadramento e a aplicação da disciplina jurídica das relações obrigacionais de direito privado às relações tributárias, sem temperamentos e adaptações, abrem amplo espaço ao cometimento de abusos por parte daqueles sujeitos passivos que praticam atos e negócios jurídicos com o objetivo exclusivo de evitar ou dissimular162 a ocorrência do fato gerador da obrigação tributá-ria ou seus elementos constitutivos, não pagar impostos de acordo com as respectivas capacidades contributivas e em consonância com a desejável justiça fi scal entre aqueles que se encontram em situação econômica equivalente, o que sobrecarrega a carga tribu-tária daqueles que não podem ou não se dispõe a praticar atos visando exclusivamente a redução do ônus tributário. A matéria é controvertida e merece novas abordagens ao longo do curso.

13.1 A ESTRUTURA DA RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA E OS ELEMENTOS DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

Nos mesmos termos de qualquer outra relação jurídica, que une pessoas em face de um objeto (a prestação), a relação tributária liga o sujeito ativo e o sujeito passivo em torno de uma prestação, a qual pode ser: (1) pecuniária – se envolver o dever de pagar o tributo – designada como obrigação principal pelo §1o do artigo 113 do Código Tributário Nacional (CTN), ou (2) instrumental viabilizadora do pagamento, também denominada de obrigação acessória pelo §2o do mesmo artigo 113 do CTN, caso diga respeito às atividades e declarações a serem realizadas pelo sujeito passivo para garantir o cumprimento da obrigação principal, tal como o dever de emitir a nota fi scal, de preencher e encaminhar a declaração de rendimentos anualmente ou das operações e prestações realizadas, e etc.

A relação jurídica tributária, da mesma forma que as outras relações jurídicas, surge quando ocorre na realidade concreta aquela hipótese genérica (indeterminada quanto às pessoas a que se dirige) e abstrata (indeterminação quanto aos casos a que se aplica) previs-

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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163 BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 6. ed. Rio de Janeiro:

Editora Renovar, 2002. p. 81. Após

apresentar a teoria tridimensional

do Direito de Miguel Reale, aponta o

professor fl uminense: “As regras de di-

reito, portanto, consistem na atribuição

de efeitos jurídicos aos fatos da vida,

dando-lhes um peculiar modo de ser,

O direito elege determinadas catego-

rias de fatos humanos ou naturais e

qualifi ca-os juridicamente, fazendo-os

ingressar numa estrutura normativa.

A incidência de uma norma legal sobre

determinado suporte fático converte-o

em um fato jurídico. Identifi cam-se, por

conseguinte, como realidades próprias

e diversas o mundo dos fatos e o mun-

do jurídico. Os fatos jurídicos resultan-

tes de uma manifestação de vontade

denominam-se atos jurídicos. Cifrando

o objeto de nosso estudo, tem-se que

os atos jurídicos – e, ipso facto, os atos

normativos de todo grau hierárquico

– comportam análise científi ca em

três planos distintos e inconfundíveis:

o da existência, o da validade e o da

efi cácia.”

ta na norma jurídica, ou seja, a norma estabelece (plano normativo) determinado evento como condição necessária e sufi ciente para constituir a relação, a qual se consubstancia e concretiza caso verifi cada a ocorrência do fato subjacente163 (fato econômico [ex: saída da mercadoria, faturamento etc], natural [ex: morte] etc.). A doutrina em geral ao se referir ao plano normativo denomina o evento previsto de forma genérica e abstrata de hipótese

de incidência e, ao evento já ocorrido no mundo dos fatos, qualifi ca-o como fato gerador. O CTN, por outro lado, não estabelece aludida diferenciação.

A obrigação tributária, que é o vínculo jurídico que liga o sujeito ativo ao sujeito pas-sivo da relação, também nasce com a ocorrência no mundo real daquele ato, fato, negócio ou situação jurídica genericamente prevista na lei abstrata constitucionalmente funda-mentada e conformada, a qual juridiciza situações de manifestação de riqueza (capacidade contributiva) por parte do sujeito passivo da relação, como a propriedade de bens, a ob-tenção de renda, a produção, circulação e venda de bens e serviços ou seu consumo e etc.

Hugo de Brito Machado sintetiza a questão nos seguintes termos:

“A lei descreve um fato e atribui a este o efeito de criar uma relação entre alguém e o Estado. Ocorrido o fato, que em Direito Tributário denomina-se fato gerador, ou fato imponível, nasce a relação tributária, que compreende o dever de alguém (sujeito passivo da obrigação tributária) e o direito do Estado (sujeito ativo da obrigação tributária). O dever e o direito (no sentido de direito subjetivo) são efeitos da incidência da norma. A obrigação tributária pode ser principal ou acessória. O objeto da obrigação tributária principal, vale dizer, a prestação à qual se obriga o sujeito passivo, é de natureza patrimonial. É sempre uma quantia em dinheiro. Na terminologia do Direito privado diríamos que a obrigação principal é uma obrigação de dar. Obrigação de dar dinheiro, onde dar obviamente não tem sentido de doar, mas de adimplir o dever jurídico. O objeto da obrigação acessória é sempre não patrimonial. Na terminologia do Direito privado diríamos que a obrigação acessória é uma obrigação de fazer. Fazer em sentido amplo (...).”

De forma gráfi ca pode-se sintetizar a questão nos seguintes termos:

Constituição – confere competência tributáriaLEI do ente político juridiciza o fato subjacente (fato econômico, natural etc) e o convola em ato, fato, negócio ou situação jurídica com efeitos tributários

Ocorrência da hipótese de incidência no mundo real

Constitui-se aRELAÇÃO JURÍDICA

TRIBUTÁRIA

Nasce a OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIAÉ o vínculo jurídico

que os une em torno de um objeto

SUJEITO ATIVOFazenda Pública+Autarquias + (…)

SUJEITO PASSIVO“Contribuinte ou

Responsável”

Objeto é a “Prestação”

• Pecuniária (dar) ou

• Não Pecuniária (Fazer ou não)

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 69

164 Conforme será estudado posterior-

mente, o sujeito passivo é qualifi cado

como gênero pelo CTN que compreen-

de duas espécies: o contribuinte, o qual

possui relação pessoal e direta com o

fato gerador da obrigação tributária,

e o responsável, a quem a lei atribui o

dever de cumprir com as prestações,

apesar de não realizar pessoalmente o

ato, fato, negócio ou situação jurídica

descrita na norma como ensejadora da

exigência do tributo, pois pratica ou se

enquadra, apenas, no evento descrito

na norma como caracterizador da sujei-

ção passiva indireta. Essa matéria será

examinada ao longo do curso.

165 O conceito de legislação tributária, a

teor do artigo 96 do CTN, abrange além

das leis em sentido formal também os

atos administrativos normativos, como

os decretos do chefe do Poder Executivo

e as normas complementares.

Importante ainda destacar que a lei deve prever e disciplinar os denominados ele-mentos da obrigação tributária, os quais se subdividem em dois grandes grupos: os subjetivos e os objetivos.

Os sujeitos da relação jurídica tributária, aqueles que ocupam os dois pólos da re-lação, são qualifi cados pelo CTN, respectivamente, como sujeito ativo (artigo 119), o qual pode exigir a prestação pecuniária e não pecuniária e tem o dever de manter sigilo das informações a que tem acesso (artigo 198 do mesmo CTN), e o sujeito passivo164,

(artigo 121 a 138), o qual deve cumprir com as prestações pecuniárias exigidas em lei e, também, com aquelas não pecuniárias, também denominadas de obrigações acessórias ou deveres instrumentais, fi xadas na legislação tributária165, conceito mais amplo do que o de lei em sentido formal. Nesse sentido já fi rmou jurisprudência o Superior Tribunal de Justiça ao decidir o Resp 724779:

REsp 724779 / RJ. RECURSO ESPECIAL. 2005/0023895-8Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122)Órgão Julgador T1 – PRIMEIRA TURMAData do Julgamento 12/09/2006Data da Publicação/Fonte DJ 20/11/2006 p. 278Ementa

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA. CONSO-LIDAÇÃO DE BALANCETES MENSAIS NA DECLARAÇÃO ANUAL DE AJUSTE. CRIAÇÃO DE DEVER INSTRUMENTAL POR INSTRUÇÃO NORMATIVA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRIN-CÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. COMPLEMENTAÇÃO DO SENTIDO DA NORMA LEGAL.

1. A Instrução Normativa 90/92 não criou condição adicional para o des-frute do benefício previsto no art. 39, § 2o, da Lei 8.383/91, extrapolando sua função regulamentar, mas tão-somente explicitou a forma pela qual deve se dar a demonstração do direito de usufruir dessa prerrogativa, vale dizer, criando o dever instrumental de consolidação dos balancetes mensais na declaração de ajuste anual.

2. Confronto entre a interpretação de dispositivo contido em lei ordinária – art. 39, §2o, da Lei 8.383/91 – e dispositivo contido em Instrução Normativa – art. 23, da IN 90/92 –, a fi m de se verifi car se este último estaria violando o princípio da legalidade, orientador do Direito Tributário, porquanto exorbitante de sua missão regulamentar, ao prever requisito inédito na Lei 8.383/91, ou, ao revés, apenas complementaria o teor do artigo legal, visando à correta aplicação da lei, em consonância com o art. 100, do CTN.

3. É de sabença que, realçado no campo tributário pelo art. 150, I, da Carta Magna, o princípio da legalidade consubstancia a necessidade de que a lei de-fi na, de maneira absolutamente minudente, os tipos tributários. Esse princípio edifi cante do Direito Tributário engloba o da tipicidade cerrada, segundo o qual a lei escrita – em sentido formal e material – deve conter todos os elementos estruturais do tributo, quais sejam a hipótese de incidência – critério material,

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 70

espacial, temporal e pessoal –, e o respectivo conseqüente jurídico, consoante determinado pelo art. 97, do CTN,

4. A análise conjunta dos arts. 96 e 100, I, do Codex Tributário, permite depreender-se que a expressão “legislação tributária” encarta as normas com-plementares no sentido de que outras normas jurídicas também podem versar sobre tributos e relações jurídicas a esses pertinentes. Assim, consoante mencio-nado art. 100, I, do CTN, integram a classe das normas complementares os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas – espécies jurídicas de caráter secundário – cujo objetivo precípuo é a explicitação e complementação da norma legal de caráter primário, estando sua validade e efi cácia estritamente vinculadas aos limites por ela impostos.

5. É cediço que, nos termos do art. 113, § 2o, do CTN, em torno das relações jurídico-tributárias relacionadas ao tributo em si, exsurgem outras, de conteúdo extra-patrimonial, consubstanciadas em um dever de fazer, não-fazer ou tolerar. São os denominados deveres instrumentais ou obrigações acessórias, inerentes à regulamentação das questões operacionais relativas à tributação, razão pela qual sua regulação foi legada à “legislação tributária” em sentido lato, podendo ser disciplinados por meio de decretos e de normas complementares, sempre vincu-lados à lei da qual dependem.

6. In casu, a norma da Portaria 90/92, em seu mencionado art. 23, ao de-terminar a consolidação dos resultados mensais para obtenção dos benefícios da Lei 8.383/91, no seu art. 39, § 2o, é regra especial em relação ao art. 94 do mes-mo diploma legal, não atentando contra a legalidade mas, antes, coadunando-se com os artigos 96 e 100, do CTN.

7. Deveras, o E. STJ, quer em relação ao SAT, IOF, CSSL etc, tem prestigiado as portarias e sua legalidade como integrantes do gênero legislação tributária, já que são atos normativos que se limitam a explicitar o conteúdo da lei ordinária.

Recurso especial provido.Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PRIMEI-RA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso espe-cial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda, José Delgado e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator. Sustentou oralmente a Dra. MONICA ALBUQUERQUE DE OLIVEIRA, pela parte recorrida.

Assim sendo, a expressão “legislação tributária” é abrangente, compreendendo, não apenas a lei em sentido formal, expedida pelo Poder Legislativo, de acordo com o pro-cesso legislativo constitucionalmente previsto para disciplinar as relações jurídicas em geral, mas também o regulamento e demais atos normativos expedidos pela própria Administração Tributária que compõe o Poder Executivo. Dessa forma, a expressão lei

tributária corresponde à lei em sentido formal, ao passo que o termo legislação tributá-

ria corresponde ao conceito amplo de lei em sentido material, isto é, engloba também o

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 71

166 Já o Superior Tribunal de Justiça

possui decisões em sentido diverso re-

lativamente à cobrança a título de água

e esgoto, tais como no Resp 164489,

127960, 416383 e etc.

ato administrativo normativo, o qual dispõe sobre relações jurídi cas em caráter genérico e abstrato, sem determinação das pessoas ou de caso específi co a que se aplica, ao con-trário do ato de efeitos concretos.

Já o fato gerador ou hipótese de incidência, a base de cálculo e a alíquota são os ele-

mentos objetivos da obrigação tributária, todos essenciais à identifi cação se há ou não relação jurídica tributária bem como para determinar o quantum devido.

A qualifi cação de determinada relação como tributária – ou não – tem relevância sob diversos aspectos, conforme já destacado na aula pertinente às receitas públicas, pois defi ne o regime jurídico aplicável ao caso concreto. Os tributos, receita pública deri-vada, submetem-se a um regime jurídico especial que os diferencia daqueles aplicáveis às receitas públicas de natureza meramente contratual (pagamento de preço público ou tarifa), em especial no que se refere à natureza do ato necessário para aumentar ou reduzir a carga ou o preço da exigência (se qualifi cada como tributo exige-se a edição de lei, em cumprimento ao princípio constitucional da legalidade), aos prazos de ações de cobrança (prazo prescricional etc.), a disciplina da execução (aplicabilidade ou não da Lei no 6.830/80 – Lei de Execução Fiscal) etc. Nesse sentido merece destaque a decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 447.536166:

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Por fi m, os tributos estão submetidos a princípios, imunidades e disciplinas específi -cas que LIMITAM O PODER DE TRIBUTAR, matéria das próximas aulas, destacan-do-se entre elas (“Das Limitações do Poder de Tributar”) alguns princípios qualifi cados como direitos e garantias constitucionais individuais que objetivam proteger o contri-buinte contra o abuso do Poder Público e que são insuscetíveis de afastamento sequer por Emenda Constitucional produzida pelo constituinte derivado, conforme decidido na ADI 939

ADI 939 / DF – DISTRITO FEDERAL

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES

Julgamento: 15/12/1993 Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO

Publicação

DJ 18-03-1994 PP-05165 EMENT VOL-01737-02 PP-00160RTJ VOL-00151-03 PP-00755

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Parte(s)

REQTE.: CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NO COMÉRCIO

ADVDOS.: BENON PEIXOTO DA SILVA E OUTROREQDO.: PRESIDENTE DA REPÚBLICAREQDO.: CONGRESSO NACIONALEmenta

EMENTA: – Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Incons-titucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisorio sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, “b”, e VI, “a”, “b”, “c” e “d”, da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada in-constitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precipua e de guarda da Constituição (art. 102, I, “a”, da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no paragrafo 2. desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica “o art. 150, III, “b” e VI”, da Constitui-ção, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutaveis

(somente eles, não outros): 1. – o princípio da anterioridade, que e garantia

individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150,

III, “b” da Constituição); 2. – o princípio da imunidade tributaria reciproca

(que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a institui-

ção de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que

e garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I,e art. 150, VI, “a”, da C.F.);

3. – a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de im-

postos (art. 150, III) sobre: “b”): templos de qualquer culto; “c”): patrimônio,

renda ou serviços dos partidos politicos, inclusive suas fundações, das entida-

des sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistencia

social, sem fi ns lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e “d”): livros, jornais,

periodicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequencia, e incons-titucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidencia do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, “a”, “b”, “c” e “d” da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fi ns, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contri-buintes, em caráter defi nitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DA AULA

BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2002.

COSTA, Alcides Jorge. Obrigação Tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coordenador). Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2008.

GRECO, Marco Aurelio. Contribuições (uma fi gura “sui generis”). São Paulo: Dialética, 2000.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 21 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Malheiros, 2002

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11a ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 77

167 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 21 ed. rev. atual. e

ampl. São Paulo: Editora Malheiros,

2002. pp. 236-137.

168 MACHADO. Op. Cit. p.255.

169 AMARO. Op. Cit. p. 107.

170 DA SILVA, José Afonso. Curso de Di-reito Constitucional Positivo. 17a ed.

São Paulo. Malheiros, 2000. p.689.

1.14 AULA 14 – AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS DO PODER DE TRIBU-TAR. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS: A LEGALIDADE

Enquanto a Constituição Federal utiliza a expressão “limitações do poder de tribu-tar” (vide o título da Seção II do Capítulo I do Título VI da CR-88 – art. 150 a 152), o CTN lança o termo “limitações à competência tributária” (cf. art. 9o), o que não tem maior relevância sob o ponto de vista prático. Parece, contudo, mais apropriada a expressão adotada pelo constituinte originário (“limitações do poder de tributar”), porquanto tais limites são conexos à prerrogativa impositiva do Ente Político, sendo a competência tributária instrumento por meio do qual se espraia tal poder entre todos os legitimados para instituir tributos, isto é, os entes políticos autônomos.

Segundo Hugo de Brito Machado167, a limitação ao poder de tributar em sentido amplo compreende “toda e qualquer restrição imposta pelo sistema jurídico às entida-des dotadas desse poder”. Já em sentido estrito, consiste “no conjunto de regras estabele-cidas pela Constituição Federal, em seus artigos 150 a 152, nos quais residem princípios fundamentais do Direito Constitucional Tributário, a saber:

a) legalidade (art. 150, I);b) isonomia (art. 150, II);c) irretroatividade (art. 150, III, ‘a’);d) anterioridade (art. 150, III, ‘b’);e) proibição do confi sco (art. 150, IV);f ) liberdade de tráfego (art. 150, V);g) outras limitações (arts 151 e 152)”.

Complementa, ainda, o autor: “o legislador infraconstitucional de cada uma das pes-soas jurídicas de Direito Público, ao criar um imposto, não pode atuar fora do campo que a Constituição Federal lhe reserva168”. Assim sendo, as limitações qualifi cadas pelo mencionado autor em sentido amplo decorrem da conjunção das normas que confe-rem a prerrogativa de instituir tributo, a qual já contém em si os delineamentos de sua contenção, os referidos princípios fundamentais do Direito Constitucional Tributário, assim como as denominadas imunidades.

Já Luciano Amaro169 assevera que as limitações ao poder de tributar “integram o conjunto de traços que demarcam o campo, o modo, a forma e a intensidade de atuação do poder de tributar”. De fato, a Constituição, ao estabelecer a competência legislativa tributária dos Entes Políticos estabelece, paralelamente, certas premissas que devem ser de observância obrigatória por parte desses entes tributantes, as quais, no entendimento do referido autor, consistem em limitações ao poder de tributar.

Nesse sentido também é a lição de José Afonso da Silva170 para quem “embora a Cons-tituição diga que cabe à lei complementar regular as limitações constitucionais do poder de tributar (art. 146, II), ela própria já as estabelece mediante a enunciação de princípios constitu cionais da tributação”. Ou seja, independentemente da edição de lei complemen-tar específi ca para disciplinar e regular as limitações, a própria Carta constitucional de 1988 já realiza aludido objetivo diretamente em seus principais contornos, pois a mesma

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 78

171 HESSE, Konrad. A Força Normativa da

Constituição. Tradução Gilmar Mendes,

Editora Sergio Fabris, 1991.

172 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direi-

to Financeiro e Tributário. 11a ed. Rio de

Janeiro: Renovar, 2004. p. 62.

173 As limitações não se limitam ao art.

150 da Constituição de 1988, uma vez

que é possível visualizar outras hipóte-

ses em normas espalhadas ao longo do

texto constitucional.

174 GRECO, Marco Aurelio. Contribuições ( uma fi gura “sui generis”). São Paulo:

Editora Dialética, 2000, pp.165-166.

possui força normativa171 própria e sufi ciente para conformar a interpretação e aplicação da legislação tributária bem como o legislador ordinário e o poder constituinte derivado, inclusive no que se refere a outros dispositivos constitucionais de natureza impositiva, de forma a adequar a exação às suas possibilidades constitucionalmente conferidas.

Ricardo Lobo Torres172, por sua vez, aponta as limitações ao poder de tributar173 – da seguinte forma:

“a) as imunidades (art. 150, itens IV, V, e VI);b) as proibições de privilégio odioso (arts. 150, II, 151 e 152);c) as proibições de discriminação fi scal, que nem sempre aparecem explicita-

mente no texto fundamental;d) as garantias normativas ou princípios gerais ligados à segurança dos direi-

tos fundamentais, como sejam a legalidade, a irretroatividade, a anterioridade e a transparência (art. 150, I, III, e §§ 5o e 6o)”.

Por outro lado, ensina Marco Aurélio Greco174 que as limitações ao poder de tributar se diferenciam dos princípios tributários, pois, enquanto estes (os princípios) “veiculam diretrizes positivas a serem atendidas no exercício do poder de tributar, indicando um caminho a ser seguido pelo legislador; pelo aplicador e pelo intérprete do Direito”; as limitações, por outro lado, “tem função negativa, condicionando o exercício do poder de tributar e correspondem a barreiras que não podem ser ultrapassadas pelo legis-lador infraconstitucional”. Nesse sentido, assentam-se funções distintas para os princípios e para as limitações constitucionais ao poder de tributar. Isto é, enquanto os princípios ditam as diretrizes a serem seguidas pelos operadores do Direito e pelos cidadãos-contribuintes na interpretação e aplicação da norma impositiva, as limitações apontam elementos objetivos que afastam a imposição tributária.

Vale, ainda, destacar as lições de Humberto Ávila175 acerca das limitações do exercí-cio da competência tributária, in verbis:

“Na perspectiva da sua dimensão enquanto limitação ao poder de tributar, as regras de competência qualifi cam-se do seguinte modo: quanto ao nível em que se situam, caracterizam-se como limitações de primeiro grau, porquanto se en-contram no âmbito das normas que serão objeto de apli cação; quanto ao objeto, qualifi cam-se como limitações positivas, na medida em que exigem, na atuação legislativa de instituição e aumento de qualquer tributo, a ob servância do quadro fático constitucionalmente traçado; quanto à forma, revelam-se como limitações expressas e materiais, na medida em que, sobre serem expressamen te previstas na Constituição Federal (arts. 153 a 156, especialmente), estabelecem pontos de partida para a determinabilidade conteudística do poder de tributar”.

Por todo o exposto até aqui é possível reconhecer que o instituto da competência tributária desempenha múltiplas funções dentro da estrutura do sistema tributário, vez que produz efeitos de natureza dúplice, positiva e negativa, concomitantemente, isto é, a mesma norma constitucional que atribui prerrogativas ao poder legislativo do ente po-

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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175 ÁVILA, Humberto. Sistema Consti-tucional Tributário. São Paulo: Editora

Saraiva, 2004.

176 TORRES( 2004.a ). Op. Cit. p. 233.

177 AMARO. Op. Cit. pp.106-107.

178 DA SILVA, José Afonso. Curso de Di-reito Constitucional Positivo. 17a ed.

São Paulo: Malheiros, 2000. p.689.

lítico competente, consubstancia contenção e limite à atuação. É possível, dessa forma, limitar e controlar o poder de tributar em duas vertentes, vez que encontra também na Constituição outros elementos de conformação à sua realização e extensão, como são as denominadas limitações constitucionais do poder de tributar, nos termos em que será detalhado a seguir. De fato, essas limitações podem também ser encaradas como instru-mentos defi nidores da própria prerrogativa exatora, haja vista que o poder de tributar “nasce, por força de lei, no espaço previamente aberto pela liberdade individual ao

poder impositivo estatal”, conforme assevera Ricardo Lobo Torres176 nos termos já ex-plicitados na aula anterior. Assim, não é o Estado que se auto-limita no seu poder, pois suas possibilidades já nascem conformadas pelas liberdades fundamentais.

14. 1. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA TRIBUTAÇÃO.

Ab initio, cabe frisar que as limitações ao poder de tributar – por conseguinte, do exercício da competência tributária – tem como parâmetros normativos, além dos prin-cípios, das imunidades e outras regras específi cas de status constitucional, também ou-tras regras que estão fi xadas fora do texto da Carta de 1988: ainda que nele fundamen-tado. Nesse sentido preleciona Luciano Amaro177:

“(...) a Constituição abre campo para a atuação de outros tipos normativos (lei complementar, resoluções do Senado, convênios), que, em certas situações, tam-bém balizam o poder legislador tributário na criação ou modifi cação de tributos”.

Seguindo a linha de intelecção do mencionado autor, pode-se concluir que a confor-mação dos limites do poder de tributar não se limitam às regras expressas na Constitui-ção – embora encontrem nelas os seus fundamentos de validade –, na medida em que enfeixam também normas infraconstitucionais, inclusive nas Constituições estaduais, nas leis orgânicas municipais e etc. Apenas a título de ilustração, podemos destacar exemplos como: o ISS ou ISSQN (imposto incidente sobre a prestação de serviços da competência dos Municípios), cuja especifi cação do campo de incidência é determina-do por lei complementar (vide art. 156, III, CR-88); o ICMS (imposto da competência dos Estados), o qual tem a reserva de lei complementar para defi nir seus contribuintes, além de outros elementos essenciais à incidência (cf. art. 155, §2o, XII, CR-88); ainda, nas hipóteses de operações interestaduais, cabe ao Senado Federal a fi xação das alíquotas do ICMS a serem aplicadas (nos termos do art. 155, §2o, IV, CRFB/88).

Segundo José Afonso da Silva178, “as limitações ao poder de tributar do Estado expri-mem-se na forma de vedações às entidades tributantes”, podendo-se segmentá-las em:

“(a) princípios gerais, porque referidos a todos os tributos e contribuições do sistema tributário;

(b) princípios especiais, previstos em razão de situações especiais; (c) princí-pios específi cos, porquanto atinente a determinado tributo;

(d) imunidades tributárias.”

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 80

179 Cabe destacar que a seletividade

em sede de ICMS é facultativa, con-

forme expressa o art. 155, par. 2o, III,

CRFB/88.

180 TORRES ( 2004.a ). p. 63.

Seguindo essa categorização, os:1. princípios gerais, conforme destacado, seriam aplicáveis a todos os tributos

de forma geral, tais como: princípio da reserva de lei (legalidade estri ta); princípio da igualdade tributária; princípio da personalização dos impos-tos e da capacidade contributiva; princípio da irretroatividade tributária (ou princípio da prévia defi nição legal do fato gerador); princípio da proporcio-nalidade ou razoabilidade; princípio da ilimitabilidade do tráfego de pessoas ou bens; princípio da universalidade; e princípio da destinação pública dos tributos;

2. princípios especiais seriam aqueles vinculados apenas a determinadas situ-ações. Nesse passo, destacam-se: o princípio da uniformidade tributária; o princípio da limitabilidade da tribu tação da renda das obrigações da dívida pública estadual ou municipal e dos pro ventos dos agentes dos Estados e Municípios; o princípio de que o poder de isentar é intrínseco ao poder de tributar; e o princípio da não-diferenciação tributária; e, por fi m,

3. princípios específi cos, os quais se referem a determinados impostos. Cum-pre mencionar: o princípio da progressividade (ex. IR); o princípio da não-cumulatividade do imposto (ex. ICMS e IPI); e o princípio da seletividade obrigatória179 do imposto (ex. IPI).

4. imunidades tributárias, a seu turno, atuam como óbice ao próprio exercício do poder de tributar, na medida em que afastam determinadas situações do campo da incidência do tributo. A ratio essendi da instituição das imunidades encontra respaldo em diversos elementos tanto em razão de privilégios como por questões de interesse social, econômico, religioso ou político.

Segundo Ricardo Lobo Torres180, as imunidades tributárias “consistem na intributabili-dade absoluta ditada pelas liberdades preexistentes. A imunidade fi scal erige o status negati-vus libertatis, tornando intocáveis pelo tributo ou pelo imposto certas pessoas e coisas”.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, já se pronunciou, por diversas vezes, acer-ca do conteúdo das imunidades tributárias. Vale trazer à luz excertos do RE 509279, no qual se discutia o alcance e a extensão da regra disposta no art. 150, VI, d, da CRFB/88, que prevê a imunidade para livros, papéis e periódicos, o qual será estudado detalhada-mente posteriormente:

RE 509279 / RJ – RIO DE JANEIRO – Relator(a): Min. CELSO DE

MELLO – Julgamento: 27/08/2007.

“(...) O instituto da imunidade tributária não constitui um fi m em si mesmo. Antes, representa um poderoso fator de contenção do arbítrio do Estado, na medida em que esse postulado fundamental, ao inibir, constitucionalmente, o Poder Público no exercício de sua competência impositiva, impedindo-lhe a prá-tica de eventuais excessos, prestigia, favorece e tutela o espaço em que fl orescem aquelas liberdades públicas.”

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 81

181 NOVELLI, Flávio Bauer, “Norma Cons-

titucional Inconstitucional? A propósito

do art. 2o, § 2o, da Emenda Constitu-

cional no3/93”. In: Revista de Direito Administrativo. V.199. Rio de Janeiro,

Renovar, 1995.

182 TORRES, Ricardo Lobo. A legalidade

tributária e os seus subprincípios cons-

titucionais. In: Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, vol. 58, 2004.b, pp.193-219.

183 Importante realçar também o prin-

cípio da legalidade, previsto no art. 37

da CRFB/88, o qual representa um dos

princípios norteadores das atividades

da Administração Pública, tendo con-

teúdo hermenêutico diferente do prin-

cípio da legalidade de que trata o art.

5o, II, porquanto este tem como desti-

natários os cidadãos, os quais podem

fazer tudo que não está vedado em lei.

Já o princípio da legalidade esculpido

no art. 37 é dirigido à Administração

Pública, e indica que o Poder Público só

pode agir dentro ditames, pressupostos

e dos limites impostos pela lei.

Ainda no que se refere aos princípios tributários, aponta Flávio Bauer Novelli181 que eles “expressam um número de normas proibitivas que constituem no seu con-junto a chamada limi tação constitucional ao poder de tributar.” Tais limitações, ana-lisadas sob o aspecto subjetivo, consistem deveres negativos, impostos a todos os Entes Políticos. Desta feita, são os sujeitos ativos do poder tributário os destinatários das limitações, e, de outro lado, são titulares das garantias decorrentes das limita-ções os sujeitos passivos da obrigação tributária, contribuintes e os responsáveis. São exemplos de instrumentos de proteção: os princípios da reserva legal, da igual dade perante a lei, da irretroatividade, da anterioridade, da capacidade contributiva e do não-confi sco, matéria a ser detalhada nas próximas aulas.

A determinação da correta natureza, sentido, e extensão das chamadas limitações ao poder de tributar perpassa necessariamente pela análise do conteúdo dos direitos e garantias constitucionais, os quais são considerados cláusulas pétreas pela Constituição de 1988, consoante o disposto no art. 60, § 4o, tendo em vista que algumas dessas limi-tações são consideradas insuscetíveis de supressão, consoante o disposto pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 939, cuja ementa foi transcrita na aula anterior.

O rol dos princípios constitucionais tributários é signifi cativo, o que revela certa preocupação do constituinte de 1988 em garantir a defesa das liberdades públicas (dos direitos humanos fundamentais) diante do poder tributário do Estado.

Nesse contexto, analisaremos alguns aspectos do princípio da legalidade, o qual teve como arcabouço inicial a Carta Magna inglesa de 1215, conforme já mencionado em aulas anteriores.

O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

Ensina Ricardo Lobo Torres182 que o princípio da legalidade se expressa por meio de dois dispositivos constitucionais: 1. art. 5o, II, da CR-88, que dispõe: “ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”; e 2. art. 150, I, CR-88 (artigo que trata das limitações ao poder de tributar), o qual expressa a vedação aos Entes Políticos de exigir ou aumentar tributo sem que a lei previamente o estabeleça. Na primeira hipótese, estamos diante da legalidade ampla183, a qual todas as pessoas se submetem. Já no segundo caso, nos deparamos com o princípio da legalidade tributária, o qual se desdobra em duas faces: por um lado vincula o Poder Público, uma vez que sua conduta está atrelada aos limites da lei; de outro lado, impõe aos cidadãos-contribuintes o dever de agir dentro dos limites da razoabilidade, a fi m de impedir possíveis abusos no planejamento fi scal-tributário e evitar os fi ns almejados pelo ordenamento jurídico. Dispõe o artigo 150, I, CR-88, in verbis:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei anterior que o estabeleça”.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 82

184 TORRES ( 2004.b )

185 BARROSO, Luís Roberto. O Controle

de Constitucionalidade no Direito Brasi-

leiro. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 1-2.

186 TORRES ( 2004.a ). p. 105.

187 TORRES ( 2004.b ). p.208.

188 TORRES ( 2004.b). pp. 105 e 200-

201.

Conforme aponta o supracitado tributarista184, o princípio da legalidade tributária enfeixa alguns subprincípios, destacando-se entre eles: 1. o princípio da supremacia da Constituição; 2. o princípio da superlegalidade. 3. o princípio do primado da lei; e 4. o princípio da reserva de lei, todos eles muito interligados e interdependentes.

O princípio da supremacia da Constituição consiste no fato de que todo o ordena-mento jurídico encontra seu fundamento de validade na Carta Magna. De fato, conso-ante leciona Luís Roberto Barroso185:

“duas premissas são normalmente identifi cadas como necessárias à existência do controle de constitucionalidade: a supremacia e a rigidez constitucionais. A supremacia da Constituição revela sua posição hierárquica mais elevada dentro do sistema, que se estrutura de forma escalonada, em diferentes níveis. É ela o fundamento de validade de todas as demais normas. Por força dessa supremacia, nenhuma lei ou ato normativo – na verdade, nenhum ato jurídico – poderá sub-sistir validamente se estiver em desconformidade com a Constituição”.

O princípio da superlegalidade, por sua vez, o qual “indica estar a lei formal vincu-lada às normas superiores da Constituição Tributária, devendo o legislador respeitar o sistema de discriminação de rendas e os princípios gerais de imposição fi scal”, pontua Ricardo Torres186, encontra forte sintonia e conexão com o princípio da supremacia da Constituição, haja vista que a lei formal deve se conformar às normas constitucionais. Dessa forma, havendo incompatibilidade entre as regras tributárias e aquelas do texto fundamental abre-se espaço ao controle jurisdicional.

O princípio do primado da lei, o qual é corolário do princípio da reserva de lei, sin-tetiza a ideia de que a lei formal constitucionalmente fundamentada e compatibilizada “ocupa o lugar superior no ordenamento infraconstitucional, limitando e vinculando os atos da Administração e do Judiciário”, preleciona Ricardo Lobo Torres187.

O princípio da reserva de lei, ainda segundo o mesmo autor188, “signifi ca que só a lei formal (ou medida provisória, quando cabível) pode exigir ou aumentar tributo”, isto é, há determinadas matérias na seara tributária cuja disciplina jurídica fi ca reservada ao le-gislador infra-constitucional, não havendo espaço para a deslegalização ou normatização secundária pelo Poder Executivo. Assim, além de se expressar por meio de um comando abstrato, impessoal e geral (reserva de lei material), a legalidade tributária pressupõe que a disciplina seja formulada por órgão titular de função legislativa – Poder Legisla-tivo (reserva de lei formal). Saliente-se, entretanto, que tal princípio, como qualquer outro, não deve ser interpretado e aplicado de modo absoluto e sem ponderação com outros princípios e regras constitucionais, porquanto a própria Constituição de 1988 o excepciona quando permite que o Poder Executivo crie normas complementares de natureza tributária. Nessa linha pode-se citar o exemplo dos impostos com característi-cas extrafi scais expressos no art. 153 e seus incisos (II, IE, IPI, e IOF), os quais podem ter suas alíquotas aumentadas ou reduzidas por decreto do chefe do Poder Executivo, e não ato proveniente do Parlamento. De fato, ressalvada a hipótese de edição de Medida Provisória, conforme será adiante explicitado, o princípio da legalidade tributária não comporta exceções no que tange à exigência e criação de tributos, admitindo-se, con-

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 83

tudo, hipóteses em que as alíquotas podem ser majoradas por instrumentos que não lei em caráter formal. Nesse sentido dispõe o artigo 153 e seu §1o:

“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I – importação de produtos estrangeiros;

II – exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;[...]IV – produtos industrializados;V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores

mobiliários;[...]§ 1o – É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites

estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V. [...]”

Conforme já explicitado, essa possibilidade de edição de ato administrativo norma-tivo expedido pelo Executivo existe em função da extrafi scalidade que caracteriza tais impostos, isto é, além de suas funções arrecadatórias (função fi scal), também servem como instrumento de atuação e intervenção da União na ordem econômica, objeti-vando infl uenciar, por exemplo, o mercado de câmbio, a balança comercial, o nível da atividade industrial, de consumo e etc.

Apesar ser apontado e considerado em geral como exemplo de exceção ao princípio da legalidade, no que se refere ao aumento da carga tributária (da alíquota), deve-se salientar que o §1o do artigo 153 estabelece que o ato do Poder Executivo deve observar “as condições e os limites estabelecidos em lei”, ou seja, a Constituição permite que a lei em caráter formal estabeleça os parâmetros e o decreto efetiva o aumento da alíquota. Destaque-se, ainda, que além dessas exceções previstas no artigo 153, a Emenda Cons-titucional 33/2001 criou mais uma hipótese que foge à regra geral, ao introduzir o § 4o ao artigo 177, por meio do qual é permitida a redução e o restabelecimento da alíquota da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus deri-vados, e álcool combustível por ato do Poder Executivo.

Importante salientar ainda que os tributos, em regra, são instituídos por lei ordiná-ria, salvo as exceções previstas na própria Constituição Federal, dentre elas a instituição de empréstimos compulsórios (art. 148 da CR-88); impostos instituídos na competên-cia residual da União (art. 154 da CR-88) e, as outras contribuições sociais (art. 195, §4o, da CR-88), as quais dependem da edição de lei complementar.

Conforme já mencionado, importante destacar que o Supremo Tribunal Federal se posicionou no sentido de que a Medida Provisória, por ter força de lei, também supre a exigência constitucionalmente fi rmada, como, entre outros, no RE-AgR 511581 e na ADI 1417, cuja ementa dispõe:

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 84

189 O §3o do artigo 62 da CR-88 exige

que as MP’s sejam convertidas em lei

no prazo de 60 dias de sua publicação,

prorrogáveis uma vez por igual perído,

sob pena perda da sua efi cácia. Ao con-

trário da limitação da efi cácia prevista

no §2o, relacionado à conversão em lei

no próprio exercício fi nanceiro da sua

edição, condição aplicável tão somente

aos impostos, a exigência da conver-

são em lei no prazo máximo de 120 dias

aplica-se aos tributos em geral.

ADI-MC 1417 / DF – DISTRITO FEDERALMEDIDA CAUTELAR

NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI

Julgamento: 07/03/1996 Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO

Publicação DJ 24-05-1996 PP-17412 EMENT VOL-01829-01 PP– 60Parte(s) REQUERENTE: CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDUS-

TRIA-CNIREQUERIDO: PRESIDENTE DA REPUBLICAEMENTA: – 1. Medida Provisoria. Impropriedade, na fase de julgamento

cautelar da aferição do pressuposto de urgencia que envolve, em última analise, a afi rmação de abuso de poder discricionario, na sua edição. 2. Legitimidade, ao

primeiro exame, da instituição de tributos por medida provisória com força de

lei, e, ainda, do cometimento da fi scalização de contribuições previdenciarias a

Secretaria da Receita Federal. 3. Identidade de fato gerador. Argüição que perde relevo perante o art. 154, I, referente a exações não previstas na Constituição, ao passo que cuida ela do chamado PIS/PASEP no art. 239, além de autorizar, no art. 195, I, a cobrança de contribuições sociais da espécie da conhecida como pela sigla COFINS. 4. Liminar concedida, em parte, para suspender o efeito retroativo imprimido, a cobrança, pelas expressões contidas no art. 17 da M.P. no 1.325-96.

Saliente-se, entretanto que, após a edição da EC no32/2001, a qual alterou o artigo 62 da CR-88, a majoração ou a instituição de impostos por meio de Medida Provisória somente produzirá efeitos no exercício fi nanceiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia do ano em que foi editada expedição, matéria a ser detalhada na parte fi nal do semestre189.

Além de positivado na Constituição, no supra transcrito artigo 150, I, o princípio da reserva de lei também está expresso no Código Tributário Nacional, em seu art. 97. De acordo com o dispositivo, análogamente à regra de que somente é possível criar ou ma-jorar tributos por meio ato do parlamento, também somente por meio de lei em caráter formal é cabível a diminuição ou isenção tributos, perdão de débitos, a especifi cação e descrição de infrações bem como a cominação de sanções. Cabe, ainda, ressaltar que nos termos do mesmo dispositivo do CTN (artigo 97), a lei criadora do tributo deve trazer todos os denominados elementos da obrigação tributária, tais como: o fato gerador; a base de cálculo; a alíquota; o sujeito ativo e o passivo, consoante já examinado. Tal situ-ação caracteriza o sub-princípio da tipicidade, o qual é corolário da legalidade e diz res-peito especifi camente ao conteúdo da norma, isto é, refere-se à defi nição dos elementos que devem necessariamente estar expressos de forma exaustiva na lei em caráter formal expedida diretamente pelo Poder Legislativo. Aludido sub-princípio está positivado em nosso ordenamento jurídico nos seguintes termos:

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 85

190 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tribu-tação. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1978, p. 91.

191 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Par-

cerias na Administração Pública. São

Paulo: Atlas, 3a ed., 1999. p.134.

“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:I – a instituição de tributos, ou a sua extinção;II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos arti-

gos 21, 26, 39, 57 e 65;III – a defi nição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalva-

do o disposto no inciso I do § 3o do artigo 52, e do seu sujeito passivo;IV – a fi xação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o

disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus

dispositivos, ou para outras infrações nela defi nidas;VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou

de dispensa ou redução de penalidades.”

Dessa forma, a lei deve delinear ou especifi car todos os aspectos típicos do tributo, os citados elementos da obrigação tributária, tais como o evento ou o fato cuja ocorrên-cia faz surgir o dever de pagar o tributo (hipótese de incidência); estabelecer a base de cálculo; fi xar a alíquota; além de indicar o sujeito passivo da obrigação tributária.

Segundo a doutrina, o princípio da tipicidade pode agasalhar duas vertentes distin-tas: o da tipicidade fechada ou cerrada, defendida por Alberto Xavier, Luciano Amaro e outros, ou o da tipi cidade aberta, sustentada por Ricardo Lobo Torres, Marco Aurélio Grecco, Ricardo Lodi e outros.

A tipicidade fechada consagra a ideia de que “todos os elementos necessários à tri-butação do caso concreto se contenham e apenas se contenham na lei”, assevera Alberto Xavier190, conferindo forte preponderância à segurança jurídica e partindo da premissa de uma rígida divisão de funções entre os Poderes e da possibilidade de que o tipo seja fechado. Assim sendo, não basta à lei delinear os contornos e os elementos gerais da obrigação tributária, deve o ato parlamentar ser minucioso e minudente, de modo a especifi car de forma exaustiva e completa todos os requisitos e condições necessárias à imposição do tributo. Não haveria, portanto, espaço à deslegalização, utilização de con-ceitos jurídicos indeterminados, cláusulas gerais ou abertas nem a possibilidade de utili-zação de interpretações extensivas ou do recurso à analogia para determinar a incidência tributária. Aludido posicionamento certamente possui a vantagem de conferir maior certeza e precisão quanto aos efeitos e conseqüências das normas tributárias, o que acresce consideravelmente a certeza jurídica e propicia um ambiente favorável à assun-ção de riscos empresariais e a realização de investimentos, considerações e fundamentos de natureza extrajurídica. No entanto, deve-se destacar que essa é a tese majoritária e tradicional na seara tributária no Brasil e tem como uma de suas fontes inspiradoras a disciplina clássica do Direito Administrativo, na qual se considera inviável o exercí-cio de prerrogativas regulamentares, ínsitas ao Poder Executivo, de forma a estabelecer “inovação na ordem jurídica”, conforme pontua Maria Sylvia Di Pietro191.

No que tange à possibilidade de deslegalização ou redução do grau hierárquico ne-cessário à disciplina jurídica, o que confere maior amplitude à atuação normativa do Executivo, importante apresentar as lições do constitucionalista português Gomes Ca-notilho, apresentadas pelo Ministro Ilmar Galvão, relator do RE 140.669:

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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192 MEYER-PLUFG, Samantha. Do Prin-

cípio da Legalidade e da Tipicidade. In:

MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coor-

denador). Curso de Direito Tributário.

São Paulo: Saraiva, 2008. pp. 141-.

A difi culdade, portanto, se refere, inicialmente, à identifi cação das matérias passí-veis – ou não – de serem deslegalizadas (degradadação de seu grau hierárquico). Mas não é somente isso! Será realmente possível que as leis tributárias contenham, de forma exaustiva e sufi ciente, todo o conteúdo necessário a sua aplicabilidade em todos os casos da realidade concreta, sem a inevitável utilização de conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais e abertas? E se a lei contiver tão somente os parâmetros necessários e o ato do Poder Executivo, com base e no direcionamento legal, fi xe a norma específi ca a ser aplicada? Seria considerado inconstitucional?

Segundo a doutrina mais tradicional do país, além da exigência de reserva de lei formal e da vedação ao discricionarismo por parte da administração, deve preponderar a legalidade estrita (RE 186.359) associada ao denominado “princípio da tipicidade fe-chada”, através do qual se exalta o valor segurança jurídica e prioriza-se o fechamento normativo, utilizando-se uma visão clássica da separação dos poderes e de suas funções, combinado com a tese de que a atividade do intérprete pode se desenvolver por via de um processo dedutivo, de mera subsunção do fato à norma, em culto exagerado à lógica formal. Nessa linha pontua a doutrina de Samantha Meyer-Plufg192:

“De outra parte há também, certas searas do Direito que não admitem o tipo aberto, uma delas é o Direito Tributário. Nessa área deve-se fazer uso do tipo cerrado, que, ao contrário do tipo aberto, exige que a lei contenha de maneira minunciosa e exaustiva todos os elementos do tipo tributário, bem como os seus traços característicos. O tipo cerrado está a exigir a subsunção do fato à norma jurídica. Isso implica corresponder a todos os elementos previstos na lei, do con-trário a norma não poderá incidir no fato em tela. O tipo cerrado é exigível em matéria tributária levando-se em consideração a necessidade de se atribuir maior segurança e certeza ao contribuinte em face do poder de tributar do Estado. O nosso sistema adotou o tipo cerrado, uma vez que também adotou o princípio da reserva absoluta de lei. Portanto, cabe à lei tratar exaustivamente dos elemen-tos e características do tipo tributário, Pode-se afi rmar, assim, que não é possível o uso da analogia quando da falta de um elemento na lei, é dizer, a ausência desse elemento não implica a criação de um novo tributo e não pode ser suprida pelo uso da analogia. Não há falar aqui na possibilidade de o Poder Judiciário integrar a lei para colmatar a lacuna. Cabe à lei disciplinar o fundamento da decisão, como também o critério de decidir, vinculando assim o Poder Judiciário. (...) Ademais, O Código Tributário Nacional é explícito ao dispor, em seu art. 108, §1o, que ‘o emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei’. (...) Em síntese, o princípio da tipicidade, ao exigir que os tipos tributários sejam traçados de maneira minunciosa e detalhada pela lei, acaba por contribuir com o princípio da segurança jurídica do contribuinte, na exata medida em que todos os elementos necessários do tipo tributário constam da própria lei, não havendo, assim, margem para discricionariedade seja do Fisco, seja do Poder Judiciário.”

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Assim, tem-se tradicionalmente afi rmado a necessidade de que a norma expedi-da pelo poder legislativo contenha de forma exaustiva e completa todos os elementos que compõem a obrigação tributária, uma tentativa de obstar a inevitável utilização de conceitos jurídicos indeterminados, cláusulas gerais e tipos abertos, o que tem como premissa a possibilidade de restrição extremada da função do intérprete e do aplicador da lei bem como da função normativa do Poder Executivo. Exemplos de fundamenta-ção jurisprudencial com base na denominada tipicidade fechada ou tipicidade estrita estão expressos, por exemplo, nas decisões dos Recursos Especiais 662992, 724779 e 511390 do Superior Tribunal de Justiça, ainda quando considerada a possibilidade de deslegalização ou de degradadação de grau hierárquico, como é o caso da disciplina das obrigações acessórias ou instrumentais:

REsp 662882 / RJRECURSO ESPECIAL2004/0072922-5Relator(a)

Ministro LUIZ FUX (1122)Órgão Julgador

T1 – PRIMEIRA TURMAData do Julgamento

06/12/2005Data da Publicação/Fonte

DJ 13/02/2006 p. 672Ementa

PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INOCOR-RÊNCIA.

IMPORTAÇÃO. REIMPORTAÇÃO. ATIVIDADES DISTINTAS. TIPI-

CIDADE.PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRE-

TAÇÃO EXTENSIVA.1. (...)2. A importação e a reimportação de mercadorias são atividades distintas,

cabendo, portanto, à legislação tributária prever quais as hipóteses de incidência de IPI para cada uma das mesmas respeitando-se suas especifi cidades.

3. O princípio mor da legalidade exige tipicidade estrita em sede tributária. Inocorrendo a hipótese de incidência, tal como prevista na lei, inexigível é a exa-ção, e por isso mesmo, qualquer punição administrativa decorrente da obrigação tributária.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 91

REsp 724779 / RJRECURSO ESPECIAL2005/0023895-8Relator(a)

Ministro LUIZ FUX (1122)Órgão Julgador

T1 – PRIMEIRA TURMAData do Julgamento

12/09/2006Data da Publicação/Fonte

DJ 20/11/2006 p. 278Ementa

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA. CONSO-LIDAÇÃO DE BALANCETES MENSAIS NA DECLARAÇÃO ANUAL DE AJUSTE. CRIAÇÃO DE DEVER INSTRUMENTAL POR INSTRUÇÃO NORMATIVA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRIN-CÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. COMPLEMENTAÇÃO DO SENTIDO DA NORMA LEGAL.

1. (...)2. Confronto entre a interpretação de dispositivo contido em leiordinária – art. 39, §2o, da Lei 8.383/91 – e dispositivo contido em Instrução

Normativa – art. 23, da IN 90/92 –, a fi m de se verifi car se este último estaria violando o princípio da legalidade, orientador do Direito Tributário, porquan-to exorbitante de sua missão regulamentar, ao prever requisito inédito na Lei 8.383/91, ou, ao revés, apenas complementaria o teor do artigo legal, visando à correta aplicação da lei, em consonância com o art. 100, do CTN.

3. É de sabença que, realçado no campo tributário pelo art. 150, I, da Carta

Magna, o princípio da legalidade consubstancia a necessidade de que a lei defi -

na, de maneira absolutamente minudente, os tipos tributários. Esse princípio

edifi cante do Direito Tributário engloba o da tipicidade cerrada, segundo o

qual a lei escrita – em sentido formal e material – deve conter todos os ele-

mentos estruturais do tributo, quais sejam a hipótese de incidência – critério

material, espacial, temporal e pessoal –, e o respectivo conseqüente jurídico,

consoante determinado pelo art. 97, do CTN,

4. A análise conjunta dos arts. 96 e 100, I, do Codex Tributário,permite depreender-se que a expressão “legislação tributária” encarta as nor-

mas complementares no sentido de que outras normas jurídicas também podem versar sobre tributos e relações jurídicas a esses pertinentes. Assim, consoante mencionado art. 100, I, do CTN, integram a classe das normas complemen-tares os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas – espécies jurídicas de caráter secundário – cujo objetivo precípuo é a explicitação e com-plementação da norma legal de caráter primário, estando sua validade e efi cácia estritamente vinculadas aos limites por ela impostos.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 92

5. É cediço que, nos termos do art. 113, § 2o, do CTN, em torno das relações jurídico-tributárias relacionadas ao tributo em si,

exsurgem outras, de conteúdo extra-patrimonial, consubstanciadas em um dever de fazer, não-fazer ou tolerar. São os denominados deveres instrumentais ou obrigações acessórias, inerentes à regulamentação das questões operacionais relativas à tributação, razão pela qual sua regulação foi legada à “legislação tri-butária” em sentido lato, podendo ser disciplinados por meio de decretos e de normas complementares, sempre vinculados à lei da qual dependem.

6. In casu, a norma da Portaria 90/92, em seu mencionado art. 23, ao deter-minar a consolidação dos resultados mensais para obtenção dos benefícios da Lei 8.383/91, no seu art. 39, § 2o, é regra especial em relação ao art. 94 do mesmo diploma legal, não atentando contra a legalidade mas, antes, coadunando-se com os artigos 96 e 100, do CTN.

7. Deveras, o E. STJ, quer em relação ao SAT, IOF, CSSL etc, tem prestigiado as portarias e sua legalidade como integrantes do gênero legislação tributária, já que são atos normativos que se limitam a explicitar o conteúdo da lei ordinária.

8. Recurso especial provido.

REsp 511390 / MGRECURSO ESPECIAL2003/0003249-1Relator(a)

Ministro LUIZ FUX (1122)Órgão Julgador

T1 – PRIMEIRA TURMAData do Julgamento

19/05/2005Data da Publicação/Fonte

DJ 19/12/2005 p. 213Ementa

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ICMS. SERVIÇOS PRESTA-DOS PELOS

PROVEDORES DE ACESSO A INTERNET. SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO. ART.

61, § 1o, DA LEI N. 9.472/97. NÃO INCIDÊNCIA. PRECEDENTESJURISPRUDENCIAIS.1. A Lei no 9.472/97, que dispõe sobre a organização dos serviços de tele-

comunicações, em seu art. 61, caput, prevê: “Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazena-mento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações”.

2. O serviço de conexão à Internet, por si só, não possibilita aemissão, transmissão ou recepção de informações, deixando de

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enquadrar-se, por isso, no conceito de serviço comunicacional. Para ter aces-so à Internet, o usuário deve conectar-se a um sistema de telefonia ou outro meio eletrônico, este sim, em condições de prestar o serviço de comunicação, fi cando sujeito à incidência do ICMS. O provedor, portanto, precisa de uma terceira pessoa que efetue esse serviço, servindo como canal físico, para que, desse modo, fi que estabelecido o vínculo comunicacional entre o usuário e a Internet. É esse canal físico (empresa de telefonia ou outro meio comunicacional) o verdadeiro prestador de serviço de comunicação, pois é ele quem efetua a transmissão, emis-são e recepção de mensagens.

3. A atividade exercida pelo provedor de acesso à Internet confi gura na rea-lidade, um “serviço de valor adicionado”: pois aproveita um meio físico de co-municação preexistente, a ele acrescentando elementos que agilizam o fenômeno comunicacional.

4. A Lei n° 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações ao defi nir, no art. 61, o que é o serviço de valor adicionado, registra: “Serviço de valor adicionado a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicação, que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armaze-namento, apresentação, movimentação ou recuperação de mensagens”. E dessa menção ao direito positivo já se percebe que o serviço de valor adicionado, em-bora dê suporte a um serviço de comunicação

(telecomunicação), com ele não se confunde.5. A função do provedor de acesso à Internet não é efetuar a comunicação,

mas apenas facilitar o serviço comunicação prestado por outrem.6. Aliás, nesse sentido posicionou-se o Tribunal: “O serviço prestado pelo

provedor de acesso à Internet não se caracteriza como serviço de telecomuni-cação, porque não necessita de autorização, permissão ou concessão da União (artigo 21, XI, da Constituição Federal). Tampouco oferece prestações onerosas de serviços de comunicação (art. 2o, III, da LC n. 87/96), de forma a incidir o ICMS, porque não fornece as condições e meios para que a comunicação ocorra, sendo um simples usuário dos serviços prestados pelas empresas de tele-comunicações. Trata-se, portanto, de mero serviço de valor adicionado, uma vez que o prestador se utiliza da rede de telecomunicações que lhe dá suporte para viabilizar o acesso do usuário fi nal à Internet, por meio de uma linha telefônica, atuando como intermediário entre o usuário fi nal e a Internet. Utiliza-se, nesse sentido, de uma infra-estrutura de telecomunicações preexistente, acrescentando ao usuário novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresenta-ção, movimentação ou recuperação de informações (artigo 61 da Lei Geral de Telecomunicações). “O provimento de acesso não pode ser enquadrado, (...), como um serviço de comunicação, pois não atende aos requisitos mínimos que, técnica e legalmente, são exigidos para tanto, ou seja, o serviço de conexão à In-ternet não pode executar as atividades necessárias e sufi cientes para resultarem na emissão, na transmissão, ou na recepção de sinais de telecomunicação. Nos mol-des regulamentares, é um serviço de valor adicionado, pois aproveita uma rede de comunicação em funcionamento e agrega mecanismos adequados ao trato do

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193 TORRES, Ricardo Lobo. O Princípio da Tipicidade no Direito Tributário.

Revista de Direito Administrativo no

235, Jan/Mar de 2004, p. 232. c

194 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direi-to Tributário. Rio de Janeiro: Renovar,

2006. PP. 73-75. d

armazenamento, movimentação e recuperação de informações” (José Maria de Oliveira, apud Hugo de Brito Machado, in “Tributação na Internet”, Coordena-dor Ives Gandra da Silva Martins, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2001, p. 89).” (RESP no 456.650/PR, Voto Vista Ministro Franciulli Netto)

7. Consectariamente, o serviço de valor adicionado, embora dêsuporte a um serviço de comunicação (telecomunicação), com ele não se

confunde, pois seu objetivo não é a transmissão, emissão ou recepção de mensa-gens, o que, nos termos do § 1o, do art. 60, desse diploma legal, é atribuição do serviço de telecomunicação.

8. Destarte, a função do provedor de acesso à Internet não é efetuar a co-municação, mas apenas facilitar o serviço comunicação prestado por outrem, no caso, a companhia telefônica, aproveitando uma rede de comunicação em funcionamento e a ela agregando mecanismos adequados ao trato do armazena-mento, movimentação e recuperação de informações.

9. O serviço de provedor de acesso à internet não enseja a tributação pelo ICMS, considerando a sua distinção em relação aos serviços de telecomunica-ções, subsumindo-se à hipótese de incidência do ISS, por tratar-se de serviços de qualquer natureza.

10. Registre-se, ainda, que a lei o considera “serviço”, ao passoque, o enquadramento na exação do ICMS implicaria analogiainstituidora de tributo, vedado pelo art. 108, § 1o, do CTN.11. Deveras, é cediço que a analogia é o primeiro instrumento de inte-

gração da legislação tributária, consoante dispõe o art. 108, § 1o do CTN.

A analogia é utilizada para preencher as lacunas da norma jurídica positiva,

ampliando-se a lei a casos semelhantes. Sua aplicação, in casu, desmereceria

aplausos, uma vez que a inclusão dos serviços de internet no ICMS invadiria,

inexoravelmente, o terreno do princípio da legalidade ou da reserva legal que,

em sede de direito tributário, preconiza que o tributo só pode ser criado ou

aumentado por lei.

12. Consectariamente, a cobrança de ICMS sobre serviços prestados pelo

provedor de acesso à Internet violaria o princípio da tipicidade tributária, se-

gundo o qual o tributo só pode ser exigido quando todos os elementos da

norma jurídica – hipótese de incidência, sujeito ativo e passivo, base de cálculo

e alíquotas – estão contidos na lei.13. Precedentes jurisprudenciais.14. Recurso especial provido.

Em outra linha de raciocínio, mas em consonância com a doutrina e a jurisprudên-cia internacional, concluiu Ricardo Lobo Torres193, ao apresentar detido trabalho sobre o princípio da tipicidade e a sua aplicabilidade no Direito Tributário, que “o tipo e a tipicidade são necessariamente abertos” e que a “tipifi cação pode se fazer na via admi-nistrativa, pelo regulamento tipifi cador ou pela tipifi cação casuística”. Em outro estudo sobre a interpretação e integração do Direito Tributário194 salienta ainda o professor:

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195 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, In-terpretação e Elisão Tributária. Rio de

Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 44- 50.

“No Brasil o positivismo tem procurado minimizar a importância da inter-pretação administrativa com defender a existência da ‘tipicidade fechada’, que é contradictio in terminis, e da legalidade absoluta. (...) Mas na verdade o lan-çamento tributário não é mero ato lógico de subsunção, senão que, informado por valores, se abre para a interpretação e a ponderação de princípios. Campo extremamente propício para o desenvolvimento da interpretação administrativa é o da consulta. Respondem-na os órgãos da administração ativa, envolvidos na fi scalização de rendas e na arrecadação, e não os da administração judican-te, eis que a resposta à consulta está em íntima relação com a política fi scal. A interpretação do direito tributário ocorre ainda no bojo do processo tributário administrativo, de rito contraditório. Firmam-se os órgãos da administração ju-dicante. Tais decisões administrativas, quando proferidas por alguns Conselhos de Contribuintes e pelo Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, por exemplo, gozam de grande prestígio diante dos tribunais do país, coisa que ocorre também no estrangeiro.”

Na mesma toada assevera o professor Ricardo Lodi195 em importante trabalho sobre Justiça, Interpretação e Elisão Tributária que:

“Após a demonstração de que o princípio da legalidade tributária não consti-tui uma peculiaridade brasileira, e nem apresenta conteúdo particular em nosso direito, é imperiosa a análise da possibilidade, em face dele, da legislação tributá-ria utilizar-se, na defi nição do fato gerador da obrigação tributária, de conceitos

jurídicos indeterminados. (...) A atribuição pelo legislador de uma valoração pelo intérprete vai se dar pelo afrouxamento do vínculo que prende o aplicador à lei, por meio da utilização de fenômenos como os conceitos indeterminados, os conceitos discricionários e as cláusulas gerais. Os conceitos jurídicos, com bem assinala Engisch, são predominantemente indeterminados, sendo os abso-lutamente determinados muito raros no direito. Destes, temos, por exemplo os conceitos numéricos, tais como, 50 km, prazo de 24 horas, 100 marcos. A con-fusão entre as três categorias leva o formalismo positivista a identifi car qualquer forma de valoração pelo aplicador do direito como discricionariedade violadora do princípio da legalidade tributária. Para Garcia de Enterría, os conceitos deter-minados delimitam o âmbito de realidade a que se referem, de forma inequívoca e precisa. É o que ocorre quando o legislador utiliza-se de um numeral para quantifi car a medida de determinada situação. Exemplifi ca Garcia de Enterría com a fi xação de idade ou do prazo para a prática de determinados atos. O contrário se dá com os conceitos indeterminados, situação em que a lei se refere a uma esfera de realidade cujos limites não aparecem bem precisados em seu enunciado. Estamos nos referindo a expressões como incapacidade permanente, boa-fé e improbidade. Nos conceitos indeterminados não há exatidão quanto a uma quantifi cação ou determinação rigorosa; neles estão presentes conceitos de experiência ou de valor. Porém, não obstante a imprecisão conceitual a inde-terminação se extingue no momento da aplicação. Convém não olvidar que o

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conceito indeterminado distingue-se substancialmente do conceito discricioná-rio. Neste último, o legislador atribui ao aplicador da norma a possibilidade de escolher entre os vários caminhos a seguir a partir de uma valoração subjetiva, de acordo com suas convicções pessoais. A discricionariedade confere à autoridade administrativa o poder de determinar, de acordo com o seu próprio modo de pensar, o fi m de sua atuação. Quando a lei estabelece o conceito de interesse público ou de bem comum, o seu alcance será determinado por aquilo que a autoridade considerar como sendo de interesse público concernente ao bem co-mum. Por sua vez, nos conceitos indeterminados, a lei não abre espaço para uma escolha subjetiva do aplicador, muito embora careçam eles sempre de um preen-chimento valorativo, Não que exista uma única solução legal, mas nos conceitos indeterminados há, como explica Engisch, uma valoração objetiva, a partir das concepções dominantes no corpo social. A vinculação do conceito jurídico in-determinado à lei é garantida pelo caráter objetivo da valoração, a quel alude Engiisch. No entanto, há, se comparado ao conceito determinado, uma redução do grau de vinculação do aplicador à literalidade da lei, autorizada pelo próprio legislador que, ao utilizar-se da indeterminação conceitual, atribui ao intérprete o exame a respeito do chamado halo do conceito, representado por uma zona intermediária entre uma região de certeza sobre a existência do conceito (núcleo do conceito), e outra sobre a sua inexistência. Por halo conceitual se entende uma certa margem de apreciação por parte da administração, onde esta, a partir de uma valoração objetiva, vai interpretar a norma de acordo com as concepções morais dominantes na sociedade, que não se confunde com a moral pessoal do juiz. (...) A estrutura tipológica adotada no direito penal e no direito tributário, embora avessa à discricionariedade, não é incompatível como os conceitos inde-terminados. Bem ao contrário. Como bem destacado por Engisch, os tipos cons-tituem subespécies dos conceitos indeterminados, apresentando toda fl uidez que caracterizam estes. (...) Embora a adoção de conceitos indeterminados seja tabu para a maioria da doutrina brasileira, não são poucos os autores que defendem a sua possibilidade aqui e alhures. (...)

Ao lado dos conceitos indeterminados, a lei utiliza-se ainda, como técnica desvinculadora, as chamadas cláusulas gerais, que se traduzem na formulação da hipótese legal que, dada sua grande generalidade, abrange todo um domínio de casos subordinados a seu tratamento jurídico. São conceitos multisignifi ca-tivos, que se contrapõem a uma elaboração casuística das espécies legais. A sua utilização pelo legislador não signifi ca uma opção por conceitos abstratos, dis-cricionários ou indeterminados, uma vez que não possuem qualquer estrutura própria, embora quase sempre resultem em um conceito indeterminado. (...) Vale mais uma vez trazer a posição de Engisch, desta feita, a respeito da utiliza-ção de cláusula geral como instrumento destinado a evitar as lacunas. Segundo o referido autor, as cláusulas gerais, em razão de sua generalidade ‘tornam possível sujeitar um mais vasto grupo de situações, de modo ilacunar e com possibilidade de ajustamento, a uma conseqüência jurídica. O casuísmo está sempre exposto ao risco de apenas fragmentária e provisoriamente dominar a matéria jurídica.

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Além da defi nição genérica do fato gerador, as cláusulas gerais também utilizadas como instrumentos de combate à evasão e á elisão pela adoção de fatos geradores supletivos ou suplementares, ao lado do fato gerador típico, como sustentou Amílcar Falcão. Para Ricardo Lobo Torres, a utilização das cláusulas gerais na defi nição do fato gerador do tributo é inevitável diante da ambigüidade da lin-guagem no direito tributário, não sendo afastada pelo princípio da tipicidade. (...) Deste modo, fi ca evidenciado que os tipos no direito tributário, como em qualquer ramo da ciência jurídica, são abertos, e que a maior ou menor abertura do tipo e determinada pelo legislador, na defi nição do fato gerador do tributo, não sendo vedada a utilização de conceitos indeterminados e cláusulas gerais.”

O Supremo Tribunal Federal ao examinar a possibilidade de o regulamento editado pelo Poder Executivo integrar e condensar a lei que apenas delineou os parâmetros necessários à aplicação da norma tributária se pronunciou no RE 343446, cuja ementa dispõe:

RE 343446 / SC – SANTA CATARINA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO

Julgamento: 20/03/2003

Órgão Julgador: Tribunal Pleno

Publicação

DJ 04-04-2003 PP-00040EMENT VOL-02105-07 PP-01388Parte(s)

RECTE.: MORETTI AUTOMÓVEIS LTDAADVDOS.: JOÃO CARLOS CASSULI JÚNIOR E OUTROSRECDO.: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSSADVDA.: PATRÍCIA HELENA BONZANINIEmenta

EMENTA: – CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO: SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO – SAT. Lei 7.787/89, arts. 3o e 4o; Lei 8.212/91, art. 22, II, redação da Lei 9.732/98. Decretos 612/92, 2.173/97 e 3.048/99. C.F., artigo 195, § 4o; art. 154, II; art. 5o, II; art. 150, I. I. – Contri-buição para o custeio do Seguro de Acidente do Trabalho – SAT: Lei 7.787/89, art. 3o, II; Lei 8.212/91, art. 22, II: alegação no sentido de que são ofensivos ao art. 195, § 4o, c/c art. 154, I, da Constituição Federal: improcedência. Desne-cessidade de observância da técnica da competência residual da União, C.F., art. 154, I. Desnecessidade de lei complementar para a instituição da contribuição para o SAT. II. – O art. 3o, II, da Lei 7.787/89, não é ofensivo ao princípio da igualdade, por isso que o art. 4o da mencionada Lei 7.787/89 cuidou de tratar desigualmente aos desiguais. III. – As Leis 7.787/89, art. 3o, II, e 8.212/91, art.

22, II, defi nem, satisfatoriamente, todos os elementos capazes de fazer nascer

a obrigação tributária válida. O fato de a lei deixar para o regulamento a com-

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plementação dos conceitos de “atividade preponderante” e “grau de risco leve,

médio e grave”, não implica ofensa ao princípio da legalidade genérica, C.F.,

art. 5o, II, e da legalidade tributária, C.F., art. 150, I. IV. – Se o regulamento

vai além do conteúdo da lei, a questão não é de inconstitucionalidade, mas de

ilegalidade, matéria que não integra o contencioso constitucional. V. – Recurso extraordinário não conhecido.

O refl uxo do positivismo e do formalismo dos exegetas, bem com o resgate dos valores éticos na interpretação e aplicação do Direito, combinado com aumento do intercâmbio do país com o resto do mundo aliado à necessária aproximação da ciência jurídica com os aspectos econômicos da tributação, reforçam a necessidade do afasta-mento ou pelo menos drástico abrandamento da citada tipicidade fechada, rompendo-se o isolamento do Direito Tributário nacional.

Nesses termos, impõe-se a ponderação entre os ideais de segurança jurídica e cla-reza, essenciais à estabilidade do ordenamento jurídico e à formação de um ambiente propício aos investimentos privados, elemento gerador de desenvolvimento e riqueza, considerando argumentos e elementos de natureza extrajurídicos, com a necessidade de valorizar a justiça e a igualdade, sem ocultar o inevitável caráter criador inerente às sucessivas etapas entre a interpretação e a aplicação da norma.

Na próxima aula examinaremos os princípios da igualdade ou da isonomia e seus con-sectários, as anterioridades, que se subdividem em anterioridade clássica e nonagesimal.

QUESTÕES DE CONCURSO

1. Questão:

a) Com base no art.146 da Constituição de 1988, é correto afi rmar que as limitações ao poder de tributar encontram-se exaustivamente dispostas em Lei Complementar?

2. Questões de Concurso

Julgue os seguintes itens, acerca das limitações do poder de tributar.a) Em que pese o princípio da legalidade, a medida provisória pode instituir e aumen-

tar tributos, ressalvados aqueles que demandem lei complementar para sua instituição.b) O princípio da anterioridade, por assegurar a integridade do próprio Estado fede-

rativo, aplica-se a todas as espécies tributárias, impedindo a Constituição da República que haja qualquer exceção à incidência de seu comando nor mativo. Empréstimos com-pulsórios, desde que por lei complementar.

c) Pelo princípio da legalidade, os elementos essenciais de todos os tributos são fi xa-dos por lei, inclusive as bases de cálculo e as alíquotas, não havendo exceção.

d) A União pode instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacio-nal, desde que se trate de incentivo fi scal destinado a promover o equi líbrio do desen-volvimento socioeconômico entre as regiões do país.

e) Em virtude da autonomia de que gozam as entidades federativas, é vedado à União conceder isenção de tributos da competência dos estados, do DF ou dos municípios.

(Consultor Legislativo do Senado Federal.)

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3. Questões da OAB (3.1.36 EXAME – CESPE) (3.2.37 EXAME – CESPE) QUESTÃO 63

3.1. O princípio da progressividade tributária não se aplica ao imposto:A) territorial rural.B) sobre a renda e proventos de qualquer natureza.C) predial e territorial urbano.D) sobre a transmissão onerosa de bens imóveis.

3.2. Para que um município crie um tributo, é necessário, além da competência para fazê-lo, o atendimento às normas limitadoras, que lhe são impostas:

A) pela CF, pela constituição do respectivo estado, pelas normas gerais tributárias e pela lei orgânica do próprio município.

B) pela CF e pela constituição estadual, apenas.C) pela CF e pela lei orgânica do próprio município, somente.D) pela CF, apenas.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DA AULA

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 101

196 SARLET, Ingo Wolfgang. A Efi cácia dos Direitos Fundamentais. 7. ed. rev.

atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2007, p. 45-46.

197 OLIVEIRA, Almir de. Curso de Direi-tos Humanos. Rio de Janeiro: Editora

Forense, 2000. p. 107-108. Nesta época,

a dignidade humana ganhou destaque

em detrimento da regra segundo a qual

o Direito era “ uma dádiva do rei ou do

Estado”. Os princípios cristãos de igual-

dade, fraternidade e solidariedade se

entrelaçavam, formando um imperati-

vo normativo de respeito mútuo entre

os homens.

198 A Revolução Francesa de 1789 inspi-

rou-se em movimentos como o Ilumi-

nismo e o Renascentismo e moveu-se,

em particular, pela insatisfação do povo

francês com o sistema feudal.

199 ÁVILA, Humberto. Teoria da Igual-dade Tributária. São Paulo: Editora

Malheiros, 2008, pp.133-136.

1.15 AULA 15 – A ISONOMIA, A IRRETROATIVIDADE, AS ANTERIORIDA-DES E A LIBERDADE DE TRÁFEGO

Examinadas as características gerais das limitações constitucionais do poder de tri-butar, suas conexões com o instituto da competência tributária bem como o princí-pio da legalidade em seus múltiplos aspectos, cumpre agora analisar outros princípios constitucionais tributários que também conformam a atuação do legislador, da admi-nistração tributária e do poder judiciário, como é o caso do princípio da isonomia, da irretroatividade, das anterioridades, clássica e nonagesimal, e, por fi m, o princípio da liberdade de tráfego.

A ISONOMIA

A despeito de abordarmos nesta aula o princípio da igualdade a partir da perspectiva do Direito Tributário, necessário se faz delinear alguns aspectos deste valor sob o ponto de vista da teoria dos direitos humanos fundamentais, para que possamos melhor com-preender a aplicação deste princípio-direito no estudo da nossa disciplina.

Nesse passo, vale ressaltar que já na Idade Média, Santo Tomás de Aquino, regido pela visão jusnaturalista, propugnava seu ideal de justiça por meio do princípio da igualdade, defendendo a existência de duas formas de manifestação do Direito: uma, de caráter na-turalístico (expressão da natureza racional do homem) e outra, decorrente do positivismo (qualquer violação ao direito natural por parte dos governantes gerava o direito de o agre-dido opôr resistência196. Há de se reconhecer a contribuição do Cristianismo no tocan-te à defesa da igualdade, da fraternidade e da dignidade humana197. De fato, os valores “igualdade e fraternidade”, propugnados pelo Cristianismo perpassaram outros contextos, tornando-se mais evidentes no fi nal do século XVIII, com a eclosão da Revolução France-sa198, a qual alçou a igualdade, a fraternidade e a liberdade a pilares da sociedade, servindo de elementos limitadores das atividades do Estado.

A expressão “igualdade”, conforme assevera Humberto Ávila199, traduz “três normas jurídicas diferentes, cada qual com sua operacionalidade própria, a revelar, entre outras coisas, a própria riqueza normativa do ideal de igualdade”, trazendo em sua essência multiplicidade de sentidos, os quais variam de acordo com os diversos cenários em que ela está inserida. Nesse sentido leciona o referido autor que:

“alguns autores se referem à igualdade como pertencendo à categoria de ‘prin-cípio’, outros como se ela fosse uma ‘regra’, e outros, ainda, como se fosse um ‘direito’. (...) “é preciso compreender, antes de tudo, que a palavra ‘igualdade’ é um signo e, como tal, suscetível de ser dotado de diferentes sentidos, conferidos de variadas formas e com vários propósitos”.

Nesse passo, cabe trazer à luz alguns dispositivos da Constituição de 1988, que con-sagram a igualdade sob várias perspectivas. Senão vejamos:

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200 DA SILVA, José Afonso. Curso de

Direito Constitucional Positivo. 17a ed.

São Paulo. Malheiros, 2000. p. 214.

1. art. 3o. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualda-

des sociais;

2. art. 4o. A República Federativa do Brasil rege-se na suas relações interna-cionais pelos seguintes princípios: (...) V – igualdade entre os Estados;

3. art. 5o, caput: Todos são iguais perante a lei, sem discriminação de qual-quer natureza (...);

4. art. 7o. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)XXX – proibição de diferença de

salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI – proibição de qualquer discriminação no

tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de defi ciência; XXXII – proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profi ssionais respectivos; XXXIV – igualdade de direitos entre o traba-lhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso; e

5. art. 150. Sem prejuízo de outras garantias do contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II – instituir trata-

mento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profi ssional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos. (grifo nosso).

Conforme podemos observar, a nossa Carta Constitucional de 1988 traz em seu bojo diversas manifestações da expressão “igualdade”, ora como garantia, ora como princípio e ora como direito, sendo certo que a isonomia é premissa e condição neces-sárias da atividade legislativa infraconstitucional bem como da interpretação e aplicação do Direito pelo Estado Juiz e pela Administração.

José Afonso da Silva200, ao examinar o princípio da igualdade esclarece de forma contundente:

“O direito de igualdade não tem merecido tantos discursos como a liberdade. As discussões, os debates doutrinários e até as lutas em torno desta obnubilaram aquela. É que a igualdade constitui signo fundamental da democracia. Não ad-mite privilégios e distinções que um regime simplesmente liberal consagra. Por isso é que a burguesia, cônscia de seu privilégio de classe, jamais postulou um regime de igualdade tanto quanto reivindicara o de liberdade. É que um regime de igualdade contraria seus interesses e dá à liberdade sentido material que não se harmoniza com o domínio de classe em que assenta a democracia liberal bur-guesa. As constituições só tem reconhecido a igualdade no seu sentido jurídico-formal: igualdade perante a lei. A Constituição de 1988 abre o capítulo dos direitos individuais com o princípio de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (art. 5o caput). Reforça o princípio com muitas

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 103

201 MELLO, Celso Antônio Ban deira de.

Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 2a ed. São Paulo: Revista

dos Tribu nais. p. 49.

202 LUHMANN, Niklas. Sociologia do

Direito I. Rio de Janeiro: Edições Tempo

Brasileiro, 1983. Tradução de Gustavo

Bayer. p. 116. “Dessa forma a função do

direito reside em sua efi ciência seletiva,

na seleção de expectativas comporta-

mentais que possam ser generalizadas

em todas as três dimensões, e essa se-

leção, por seu lado, baseia-se na com-

patibilidade entre determinados me-

canismos das generalizações temporal,

social e prática. A seleção da forma de

generalização apropriada e compatível

a cada caso é a variável evolutiva do

direito. Na sua mudança evidencia-se

como o direito reage às modifi cações

do sistema social ao longo do desenvol-

vimento histórico”.

203 Essa é a razão pela qual a inconsti-

tucionalidade pode ocorrer tanto na

edição da norma não isonômica como

na interpretação e aplicação da regra

em face do princípio. O professor José

Afonso da Silva aponta a existência

de duas formas de cometimento de

inconstitucionalidade em face do

princípio da isonomia na edição do ato

normativo: “São inconstitucionais as

discriminações não autorizadas pela

Constituição. O ato discriminatório é

inconstitucional. Há duas formas de co-

meter essa inconstitucionalidade. Uma

consiste em outorgar benefício legítimo

a pessoas ou grupos, discriminando-os

favoravelmente em detrimento de

outras pessoas ou grupos em igual

situação. Neste caso, não se estendeu

às pessoas ou grupos discriminados o

mesmo tratamento dado aos outros. O

ato é inconstitucional, sem dúvida, por

que feriu o princípio da isonomia. (...)

A outra forma de inconstitucionalidade

revela-se em se impor obrigação, dever,

ônus, sanção ou qualquer sacrifício a

pessoas ou grupos de pessoas, discrimi-

nando-as em face de outros na mesma

situação que, assim, permaneceram

em condições mais favoráveis. O ato é

inconstitucional por fazer discrimina-

ção não autorizada entre pessoas em

situação de igualdade.” In: DA SILVA,Op.

Cit. pp.231-232.

204 A partir das premissas de premissa

Aristotélica, seguida por Montesquieu,

Dugüit e Rui Barbosa tem-se afi rmado

que o princípio da isonomia consiste

em “tratar igualmente os iguais e de-

sigualmente os desiguais, na medida

em que eles se desigualam”. BARROSO,

Luís Roberto. Temas de Direito Consti-

tucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001,

p. 159.

205 ÁVILA. Op. Cit. pp. 17-19.

outras normas sobre a igualdade ou buscando a igualização dos desiguais pela outorga de direitos sociais substanciais.”

Ressalte-se a necessária correlação lógica e a pertinência entre as razões que dão su-porte à desigualdade pretendida assim como a proporcionalidade da medida aplicada. Neste sentido, ensina o professor Celso Antônio Bandeira de Mello201 que:

“o critério es pecifi cador escolhido pela lei a fi m de circunscrever os atingidos por uma situação jurídica – a dizer: o fator de discriminação – pode ser qualquer elemento radicado neles, todavia, necessita, inarredavelmente, guardar relação de pertinência lógica com a diferenciação que dele resulta. Em outras palavras: a discriminação não pode ser gratuita nem fortuita. Impende que exista uma ade-quação racional entre o tra tamento diferençado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que se o fator diferencial não guardar co-nexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados, a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia”.

Dessa forma, qualquer tratamento desigual – a pessoas ou situações – tem como pressuposto a aplicação de critério razoável, racional e proporcional, vinculado à situa-ção que constitua a diferença e fundamente o discrímen.

Importante destacar nesse contexto, que o Direito possui como uma de suas funções essenciais a generalização202 e a padronização, razão pela qual a igualdade perante a lei (igualdade formal) tem papel fundamental na disciplina jurídica. Nesse sentido, o pró-prio Estado-Legislador ao expedir diplomas normativos não pode conferir trata mento distinto a pessoas ou situações equivalentes (igualdade formal), e, quando já fi xada a dis-ciplina em lei, o Estado-Administração deve interpretá-las e aplicá-las sem discriminação de raça, sexo, religião, convicções fi losófi cas ou políticas, classe social203. Por outro lado, além do inequívoco caráter generalizante, os ideais relacionados à justiça distributiva e igualdade material, os quais pressupõem seja conferido tratamento desigual aos desi-guais, na medida de suas desigualdades204, impõe forte demanda no sentido de que se estabeleçam tratamentos diferenciados, o que gera a inevitável tensão entre a necessidade de generalização e simplifi cação por um lado e disciplinas especiais e particularizadas de outro, o que eleva sobremaneira o grau de complexidade do sistema normativo. Na seara tributária, conforme argutamente salientado por Humberto Ávila205, “é comum escutar, por parte do contribuinte, a alegação de que a norma tributária é injusta, por desigual, na medida em que deixa de atentar para as particularidades do seu caso ou dele próprio. (...) O contribuinte, em outras palavras, reclama da sua padronização, quando em seu entendimento, deveria primar pela individualização; sua simplicidade, quando preferiria a sua complexidade.” Em outras situações, em sentido inverso, o contribuinte reclama contra a aplicação de norma específi ca ao seu caso em substituição à norma geral, con-forme salienta ainda o tributarista, haja vista nessa hipótese:

“a injustiça da (aplicação da) norma tributária expressa-se, em outras pala-vras, na circunstância de a fi scalização pretender tratar os contribuintes de modo

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 104

206 SILVA. Op.Cit. pp.224-225.

diferente, apesar de a norma tratá-los igualmente. O contribuinte alega que a lei é padronizada, e não poderia ser individualizada pelo fi scal. O mesmo ocorre, por exemplo, nos casos de planejamento tributário, em que o contribuinte, com suporte na regra geral de tributação, pratica ou diz praticar propositadamente uma operação diferente daquela prevista na norma, e busca, com isso, bloquear a atuação individualizada da fi scalização mediante a alegação de que a norma geral não abrange o seu caso, devendo ela, no seu entendimento, ser aplicada in-distintamente, apesar das diferenças do seu caso. O curioso é que, diante dessas situações, o contribuinte, de um lado, sustenta que a norma, justamente por ser geral, não permite uma consideração individual. ‘Azar do Estado’, diz o contri-buinte. Viva a norma, apesar do caso! E a fi scalização, de outro lado alega que deve fazer a análise particular, apesar de a norma ser geral. Viva o caso, apesar da norma! Em outras palavras, essas hipóteses exteriorizam os diferentes sentidos da tão repetida frase cunhada por Anschütz, ainda sob a vigência da Constituição de Weimar, no sentido de que ‘as leis devem ser aplicadas sem a consideração das pessoa’”.

Esses aspectos do problema refl etem parte substancial da complexidade da matéria, o que é ainda mais agravado em função das múltiplas acepções possíveis para a concre-tização da denominada igualdade material, aqui caracterizada e correlacionada à de-nominada justiça distributiva, o que se refl ete sobre as diversas nuances da capacidade

contributiva, conforme já explicitado na aula pertinente ao estudo da extrafi scalidade.Nesse contexto, interessa-nos perfi lhar o instituto da igualdade sob a perspectiva

das limitações constitucionais ao poder de tributar esculpida no art. 150, inciso II da CR-88. Em análise sobre essa questão em face da Constituição de 1988, José Afonso da Silva206 assevera:

“O princípio da igualdade tributária relaciona-se com a justiça distributiva em matéria fi scal. Diz respeito à repartição do ônus fi scal de modo mais justo possível. Fora disso a igualdade será puramente formal. Diversas teorias foram construídas para explicar o princípio, divididas em subjetivas e objetivas. As teorias subjetivas compreendem duas vertentes: a do princípio do benefício e a do princípio do sacrifício igual. O primeiro signifi ca que a carga tributária dos impostos deve ser distribuída entre os indivíduos de acordo com os benefícios que desfrutam da atividade governamental; conduz à exigência da tributação proporcional à propriedade ou à renda; propicia, em verdade, situações de real injustiça, na medida em que agrava ou apenas mantém as desigualdades existen-tes. O princípio do sacrifício ou do custo implica que, sempre que o governo incorre em custos em favor de indivíduos particulares, estes custos devem ser suportados por eles. Esse princípio foi defendido por Stuart Mill, segundo o qual a igualdade tributária é o corolário lógico do princípio geral da igualdade e o imposto se reparte segundo este critério de justiça quando cada contribuinte suporta um sacrifício igual ao suportado por qualquer outro, e ninguém sofre mais qie o outro como conseqüência do pagamento do imposto. Esse critério de

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 105

207 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Di-reito Financeiro e Tributário. 11 ed.

Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2004,

pp. 75-76.

sacrifício igual redunda, na verdade, numa injustiça, porque, numa sociedade dividida em classes, não é certo que todos se benefi ciem igualmente das ativi-dades governamentais. As teorias objetivas convergem para o princípio da capa-cidade contributiva, expressamente adotada pela Constituição (art. 145, §1o), segundo o qual a carga tributária deve ser distribuída na medida da capacidade econômica dos contribuintes, critério que implica: (a) uma base impositiva que seja capaz de medir a capacidade; (b) alíquotas que igualem verdadeiramente essas cargas. A difi culdade está na determinação correta da ‘capacidade tributá-ria individual’. (...) Não basta, pois, a regra de isonomia estabelecida no caput do art. 5o, para concluir que a igualdade perante a tributação está garantida. O constituinte teve consciência de sua insufi ciência, tanto que estabeleceu que é vedado instituir tratamento desigual entre contribuinte que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profi s-sional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos (art. 150, II). Mas também consagrou a regra pela qual, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (art. 145, §1o). É o princípio que busca a justiça fi scal na distribuição do ônus fi scal na capacidade contribuinte, já discutido antes. Aparentemente, as duas regras se chocam Uma veda tratamento desigual; outra autoriza. Mas em verdade ambas se conjugam na tentativa de concretizar a justiça tributária. A graduação, segundo a capaci-dade econômica e personalização do imposto, permite agrupar os contribuintes em classes, possibilitando tratamento tributário diversifi cado por classes sociais, e, dentro de cada uma, que constituem situações equivalentes, atua o princípio da igualdade”.

Para Ricardo Lobo Torres207 a igualdade esculpida no art. 150, II, da CR-88 se dife-rencia daquela prevista no art. 5o, caput, pois enquanto esta impõe sentido afi rmativo, aquela se manifesta de forma negativa. Nas palavras do mencionado autor, a proibição de desigualdade (ou seja, a imposição da igualdade), de que trata o art. 150, II, da Constituição, “é o contraponto fi scal, sob forma negativa, do princípio proclamado afi rmativamente caput do art. 5o”.

Saliente-se, entretanto, que, nos termos do artigo 151, I, da CR-88: é vedado à União instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Muni-cípio, em detrimento de outro, admitida, entretanto, a concessão de incentivos fi scais

destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as

diferentes regiões do País. Dessa forma, considerando que um dos objetivos fundamen-tais da República Federativa do Brasil é erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, a teor do artigo 3o, III, da CR-88, o constituinte originário estabeleceu exceção à vedação de tratamento privilegiado, na hipótese em que o discrímen favoreça a redução das disparidades interregionais.

Humberto Ávila analisa a igualdade a partir de três perspectivas: 1. a igualdade como um postulado normativo; 2. a igualdade como princípio; e 3. a igualdade como regra.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 106

208 BRASIL. Poder Judiciário. Supre-

mo Tribunal Federal. RE no 78.927.

Julgamento em 23.08.74, publicado

no DJU em 04.1.74. Disponível em <

www.stf.jus.br. Pesquisa realizada em

15.03.2009.

209 TORRES ( 2004 ). Pp. 76-77. Cf. o au-

tor: “privilégio é a permissão para fazer

ou deixar de fazer alguma coisa contrá-

rio ao direito comum. Pode ser negati-

vo, como o privilégio fi scal consistente

nas isenções e reduções de tributos que

impliquem sempre concessão contrária

à lei geral. Pode ser positivo, como o

privilégio fi nanceiro representado pe-

los incentivos, subvenções, subsídios e

restituições de tributo, que consubstan-

ciam a concessão de tratamento prefe-

rencial a alguém”. Ensina ainda o autor

que a regra proibitiva da desigualdade

se desdobra, basicamente, em dois

princípios: “a) proibição de privilégios

odiosos; b) proibição de discriminação

fi scal”. Tais princípios representam ga-

rantias às liberdades do indivíduo ( vide

arts. 150, II, 151 e 152, da CRFB/88 ).

210 BRASIL. Poder Judiciário. Supre-

mo Tribunal Federal. ADI1276 / SP - Relator(a): Min. ELLEN GRACIE. Julgamento: 29/08/2002 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Disponível

em <www.stf.jus.br>. Pesquisa reali-

zada em 15.03.2009.

A igualdade como um postulado normativo tem como função servir de instrumen-to para o operador do Direito aplicar a norma ideal ao caso concreto. Nas palavras de Humberto Ávila, a igualdade seria uma “metanorma de aplicação de outras”. O pen-sador traz como exemplo prático, o RE 78.927208, de 23 de agosto de 1974, em que o Supremo Tribunal Federal analisou a imposição do imposto sobre serviço de qualquer natureza (ISSQN), de competência dos Municípios, sobre as construções. Para melhor compreensão, cabe transcrever a ementa do acórdão prolatado, cuja relatoria foi do Ministro Aliomar Baleeiro:

Na visão de Humberto Ávila a Corte Suprema brasileira, no exemplo trazido à co-lação, utilizou a igualdade “como uma norma que verte parâmetros para a aplicação de outra: a norma legal não poderia ser ‘aplicada’ por meio de analogia. Uma metanorma portanto”. Ricardo Lobo Torres209, por sua vez, aponta que o princípio da igualdade é desprovido de conteúdo próprio, sendo preenchido por “outros valores, como a justiça, a utilidade e a liberdade”.

Já a igualdade como princípio, ela própria é utilizada como ponderação, ou seja, na existência de um aparente confl ito de normas, o princípio da igualdade serve de base para encontrar a melhor solução, ou a solução mais razoável. Aqui Humberto Ávila ilustrou com um exemplo extraído da jurisprudência do STF, em sede de controle con-centrado e abstrato, na ADI 1276-SP210, cuja ementa expressa:

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 107

211 ÁVILA. Op. Cit. p. 135.

212 ÁVILA. Op. Cit. p.. 136.

ADI1276 / SP – SÃO PAULO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Relator(a): Min. ELLEN GRACIE

Julgamento: 29/08/2002 – Órgão Julgador: Tribunal Pleno

Ementa

Ao instituir incentivos fi scais a empresas que contratam empregados com mais de quarenta anos, a Assembléia Legislativa Paulista usou o caráter extra-

fi scal que pode ser conferido aos tributos, para estimular conduta por parte do contribuinte, sem violar os princípios da igualdade e da isonomia. Procede a alegação de inconstitucionalidade do item 1 do § 2o do art. 1o, da Lei 9.085, de 17/02/95, do Estado de São Paulo, por violação ao disposto no art. 155, § 2o, XII, g, da Constituição Federal. Em diversas ocasiões, este Supremo Tribunal já se manifestou no sentido de que isenções de ICMS dependem de deliberações dos Estados e do Distrito Federal, não sendo possível a concessão unilateral de benefícios fi scais. Precedentes ADIMC 1.557 (DJ 31/08/01), a ADIMC 2.439 (DJ 14/09/01) e a ADIMC 1.467 (DJ 14/03/97). Ante a declaração de incons-titucionalidade do incentivo dado ao ICMS, o disposto no § 3o do art. 1o desta lei, deverá ter sua aplicação restrita ao IPVA. Procedência, em parte, da ação. (grifo nosso).

No caso acima, o STF utilizou o método interpretativo da ponderação, sopesando de um lado “o princípio da igualdade medido pelo critério da capacidade contributiva; e de outro, o princípio da proteção ao trabalho e da solidariedade social”, assevera Hum-berto Ávila211. Ainda, dentre os argumentos apresentados pela Ministra-Relatora Ellen Gracie está a possibilidade de acesso às oportunidades de trabalho às pessoas com mais de 40 anos, as quais tem, em regra, sido preteridas em favor de pessoas mais jovens. O benefício fi scal conferido pelo Estado de São Paulo tem a fi nalidade de incentivar em-pregadores a contratar aquelas pessoas. Nesse contexto, a igualdade consubstancia “nor-ma garantidora de um ideal de igualdade de chances”, pontua o mencionado autor212.

Merece, ainda, destacar excertos do relatório da ADI supracitada, para melhor com-preensão deste tópico. Conforme aponta a Ministra-Relatora Ellen Gracie:

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 108

Por fi m, a terceira perspectiva seria a igualdade como regra, a qual, ao lado da igualdade como postulado, também funciona como norma-instrumento de aplicação de outras normas. Ensina Humberto Ávila que, nesta hipótese, a igualdade serve como “norma que pré-exclui, da competência do Poder Legislativo, o poder para exercer a sua competência, usando determinadas medidas de comparação. Trata-se de uma norma material”. Para melhor entendermos esta face da igualdade, vejamos o exemplo trazido pelo autor em tela, consolidado na ADI 2652, da relatoria do Ministro Mauricio Cor-rea, de 08 de maio de 2003, cuja ementa vale a transcrição:

ADI2652 / DF – DISTRITO FEDERAL –Relator(a): Min. MAURÍCIO

CORRÊA

Julgamento: 08/05/2003 – Órgão Julgador: Tribunal Pleno

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. IM-PUGNAÇÃO AO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 14 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, NA REDAÇÁO DADA PELA LEI 10358/2001. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Impugnação ao parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil, na parte em que ressalva “os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB” da imposição de multa por obstrução à Justiça. Discriminação em relação aos advogados vinculados a entes estatais, que estão submetidos a regime estatutário próprio da entidade. Viola-ção ao princípio da isonomia e ao da inviolabilidade no exercício da profi ssão. Interpretação adequada, para afastar o injustifi cado discrímen. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente para, sem redução de texto, dar inter-pretação ao parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil conforme a Constituição Federal e declarar que a ressalva contida na parte inicial desse artigo alcança todos os advogados, com esse título atuando em juízo, indepen-dentemente de estarem sujeitos também a outros regimes jurídicos.

Conforme se infere na decisão acima mencionada, a igualdade concretizando uma regra pode ser utilizada para modular a aplicação de regra de competência legislativa de um Ente Político a fi m de afastar possíveis discriminações ao exercício de atividades profi ssionais idênticas, apenas exercidas em caráter distintos, porquanto os advogados públicos são regidos por regras publicistas.

A IRRETROATIVIDADE

A norma jurídca é expedida, em regra, para ser aplicada aos acontecimentos e even-tos a ela posteriores, isto é, salvo os casos excepcionais, como é o caso, por exemplo, da lei que concede anistia ou remissão, a efi cácia da norma é para o futuro.

Na mesma linha do artigo 5o, XXXVI, da CR-88, o qual estabelece que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, fi xando como princípio geral a irretroatividade relativa da lei, o artigo 6o da Lei de Introdução ao Có-digo Civil dispõe que a lei em vigor tem efeito imediato e geral, respeitadas as mesmas

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 109

213 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11 ed. rev. e atual. São Pau-

lo; Editora Saraiva, 2005, p. 118.

214 Conforme salienta Luciano Amaro a

rigor não se trata de fato gerador pois

“o fato anterior à vigência da lei que

institui tributo não e gerador. Só se

pode falar em fato gerador anterior à lei

quando esta aumente (e não quando

institua) tributo. O que a Constituição

pretende, obviamente, é vedar a aplica-

ção da lei nova, que criou ou aumentou

tributo, o fato pretérito, que, portanto,

continua sendo não gerador de tributo,

ou permanece como gerador de menor

tributo, segundo a lei da época de sua

ocorrência.” AMARO. Op. Cit. p.118.

situações protegidas pelo dispositivo constitucional. Dessa forma, consagra que a lei nova não pode alterar os efeitos do ato “já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou” (artigo 6o, § 1o da LICC – ato jurídico perfeito), dos “direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem (artigo 6o, § 2o da Lei de Introdução ao Código Civil – direito adquirido) nem da “decisão judicial de que já não caiba recurso” (artigo 6o, § 3o, da LICC – coisa julgada). Luciano Amaro213 ao examinar a matéria ensina:

“Como princípio geral, a Constituição prevê a irretroatividade relativa da lei, ao determinar que esta não pode atingir o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (art. 5o, XXXVI); há, ainda, outras vedações à aplicação retroativa da lei (de que é exemplo a que decorre do item XXXIX do mesmo artigo: “não há crime sem lei anterior que o defi na, nem pena sem prévia comi-nação legal”). Obedecidas as restrições, a lei pode, em princípio, voltar-se para

o passado, se o disser expressamente ou se isso decorrer da própria natureza da

lei; se nada disso ocorrer, ela vigora para o futuro.”

A Constituição de 1988, considerando a necessidade de resguardar essas situações jurídicas já estabilizadas e protegidas pelo art. 5o, XXXVI, conferindo relevância ao valor segurança jurídica, protege o contribuinte, ao proibir a exigência de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver ins-tituído ou majorado, consoante o disposto no seu artigo 150, III, o qual se dirige tanto ao legislador quanto ao aplicador da lei e possui a seguinte redação:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

....................................................................................................................III – cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores214 ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; (...)”

O Ministro Celso de Mello ao relatar a ADI 712-2 sustentou que “o princípio da irretroatividade da lei tributária deve ser visto e interpretado” “como garantia consti-tucional em favor dos sujeitos passivos da atividade estatal no campo da tributação” e asseverou:

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FGV DIREITO RIO 110

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 111

Não obstante o exposto, cumpre destacar que o Código Tributário Nacional, em seus artigos 105, 106 e 116, estabelece hipóteses em que a lei nova aplica-se imediatamente não apenas aos fatos geradores futuros mas também aqueles qualifi cados e denominados como pendentes e a determinados fatos pretéritos. Dipõem os dispositivos:

“Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa nos termos do artigo 116.

Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a

aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 112

II – tratando-se de ato não defi nitivamente julgado:a) quando deixe de defi ni-lo como infração;b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou

omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.

................................................................................................................Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato

gerador e existentes os seus efeitos: I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifi quem

as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

II – tratando-se da situação jurídica, desde o momento em que esteja defi ni-tivamente constituída, nos termos de direito aplicável.”

O exame da possibilidade de lei nova interpretativa da lei anterior sera analida no fi nal do curso na aula pertinente à vigência e aplicação da legislação tributária.

A compreensão da aplicabilidade do princípio da irretroatividade, princípio cons-titucional tributário fundamental aos contribuintes, bem como de sua aplicação ex-cepcionada pelos artigos 105 e 116 do CTN, quanto aos fatos geradores pendentes, pressupõe o aprofundamento do exame dos aspectos temporal e material do fato ge-rador, conforme será apresentado a seguir. De fato, se, por estes dispositivos do CTN, podemos concluir que a legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos futuros e, também, aos pendentes, como compatibilizá-los com o disposto no supratranscrito artigo 150, III, a da CR-88, dispositivo que dispõe sobre o princípio da irretroativida-de e segundo o qual não se pode cobrar tributos antes da vigência da lei que os tenha instituído ou majorado? Em suma, foi o artigo 105 do CTN recepcionado pela Cons-tituição de 1988?

Para o estudo dessa questão bem como do princípio da anterioridade, clássica e no-nagesimal, é indicada a leitura do item 4 do Capítulo IV (Página 118 à 134) do Livro AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11 ed. rev. e atual. São Paulo; Editora Saraiva, 2005.

A LIBERDADE DE TRÁFEGO

Proíbe o artigo 150, V, da CR-88 que a tributação constitua embaraço à circulação de bens e pessoas pelo território nacional, não vedando, entretanto, a possibilidade de incidência nas operações e prestações interestaduais, como ocorre no caso do ICMS (vide artigo 155, §2o, IV, VI, VII, VIII, X, b, XII, f ). Está assim redigido o dispositivo constitucional:

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 113

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utiliza-ção de vias conservadas pelo Poder Público;

Dessa forma, apesar de não ser vedada a incidência de tributos na hipótese de deslo-camento de bens e serviços entre as fronteiras das unidades políticas subnacionais, Esta-dos e Municípios, como é o caso do ICMS, não é constitucionalmente possível eleger e defi nir como núcleo essencial da tributação a operação ou prestação entre as fronteiras de modo impor limitações ao tráfego de pessoas e de bens.

Fica excepcionada da vedação a cobrança do pedágio pela utilização das vias públi-cas, devendo-se ressaltar, entretanto, a controvertida natureza jurídica dessa exigência.

QUESTÕES DE CONCURSO

1) Questão da OAB – 37o Exame.

Considerando que Júnior, Júlio e Augusto tenham diferentes ocupações profi ssio-nais, exerçam diferentes funções e percebam remunerações de diferentes denominações jurídicas, assinale a opção correta à luz do princípio constitucional tributário da iso-

nomia.

A) Caso um dos indivíduos citados ocupe função pública especial, o benefício quan-to à carga do imposto de renda poderá ser-lhe concedido.

B)As normas somente permitem diferenciar a carga tributária de imposto de renda em prejuízo de um dos indivíduos citados, em razão da denominação jurídica de sua remuneração.

C) Os três devem ser tributados com a mesma carga de imposto de renda.D) As normas somente permitem diferenciar a carga tributária de imposto de renda

em benefício de um dos três indivíduos citados em razão da ocupação profi ssional.

2) Acerca dos princípios constitucionais tributários, julgue os seguintes itens.

__ Caso seja promovido aumento na alíquota do imposto sobre transmissão causa mortis e doação por lei publicada no dia 31/12/2004, a majoração poderá incidir sobre os fatos geradores a ocorrerem a partir de 1.o/1/2005, em face do Princípio da anterio-ridade tributária.

(Advocacia Geral da União – 2004)

3) Não constitui limitação ao poder de tributar o princípio da:

a) liberdade de tráfegob) irretroatividadec) anterioridaded) anualidade(Fiscal da Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro)

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 114

4). O princípio da anterioridade nonagesimal não se aplica:

a) Ao IRPJ, ao IPTU, ao IPVA e ao ICMS;b) Ao Imposto de Importação, ao IRPJ, ao IPVA e ao ITR;c) Ao IPTU, ao imposto sobre a transmissão causa mortis e doações, ao impos to

sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos e valores mobiliários;d) Aos empréstimos compulsórios para atender despesas extraordinárias, decor rentes

de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência, ao Impos to sobre Importa-ção de Produtos Estrangeiros, ao Imposto sobre a Exporta ção, ao Imposto sobre a Ren-da e Proventos de qualquer natureza, ao imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos e valores mobiliários.

(28o exame da OAB)

5) – Lei que determina redução da base de cálculo do Imposto de Renda entra em

vigor:

a) No primeiro dia do exercício civil seguinte ao da sua publicação;b) Noventa dias após a sua publicação;c) Na data da sua publicação;d) No primeiro dia do exercício civil seguinte e noventa dias após a sua publi cação.(28o exame de ordem)

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DA AULA

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11 ed. rev. e atual. São Paulo; Editora Saraiva, 2005,

ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. São Paulo: Editora Malheiros, 2008.

BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001

DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17a ed. São Paulo. Malheiros, 2000.

LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasilei-ro, 1983. Tradução de Gustavo Bayer.

OLIVEIRA, Almir de. Curso de Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000.

SARLET, Ingo Wolfgang. A Efi cácia dos Direitos Fundamentais. 7. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11 ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2004.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 115

1.16 AULA 16 – A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. DO MÍNIMO EXISTENCIAL E DO NÃO CONFISCO

A) OBJETIVO

O objetivo da presente aula consiste em estudar a constitucional limitação im-posta ao Estado que o proíbe exigir tributo em desarmonia com a capacidade do contribuinte de suportar sua incidência.

B) INTRODUÇÃO

Em sua concepção clássica, o princípio da capacidade contributiva “manda que cada qual pague o imposto de acordo com a sua riqueza, atribuindo conteúdo ao vetusto critério de que a justiça consiste em dar a cada um o que é seu (suum cuique tribuere) e que se tornou uma das verdadeiras ‘regras de ouro” para se obter a verda-deira justiça distributiva.” Na definição de Ricardo Lodi97, “a capacidade contribu-tiva consiste na manifestação econômica, identificada pelo legislador, como signo presuntivo de riqueza a fundamentar a tributação.” Em linhas gerais, portanto, a capacidade contributiva é a capacidade que o contribuinte possui de pagar tributo na proporção das suas rendas e patrimônio. Daí porque, os tributos devem incidir sobre atos ou negócios que impliquem em manifestação de riqueza.

Sob o enfoque da Política Fiscal, portanto, “a capacidade contributiva representa não só um limite negativo que exclui os fatos que não revelam manifestação de riqueza, como constitui critério indispensável para a repartição da carga tributária pelos cidadãos98.”

Acerca deste princípio é relevante destacar que o Estado, na imposição da sua política fiscal, não deve submeter ao contribuinte à exigências que inviabilizem a manutenção do seu mínimo existencial, vale dizer, não deve privar o particular dos meios financeiros elementares necessários para lhe proporcionar existência digna.

Neste sentido, sendo o princípio da dignidade da pessoa humana, preceito fun-damental do Direito, que não admite qualquer espécie de ponderação quando se trata de mínimo existencial (que é seu núcleo essencial), mais vale permitir que o contribuinte tenha recursos para garantir o atendimento das suas básicas necessida-des, que lhe tributar para que o seu atendimento venha a ser prestado pelo Estado.

A capacidade contributiva, assim, veda que: (i) se tribute o mínimo existencial (artigo 5º, XXXIV, LXXIV e LXXVI da CRFB/88), (ii) se crie tributo com efeito de confisco (artigo 150, IV, da CRFB/88); fenômenos que não representem manifesta-ções de riqueza, bem como; (iii) haja lei impondo tratamento diferenciado a contri-buintes que se encontrem em situação econômica equivalente, sendo-lhe proibido instituir discriminação em virtude de cor, raça, sexo, religião, profissão etc.

Em linha com o que foi apresentado, é pertinente afirmar que “a capacidade con-tributiva, conforme se entende modernamente, busca seu fundamento em valores,

97 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça,

Interpretação e Elisão Tributária.

Rio de Janeiro: Lumen Júris,

2003. p. 66.

98 Ibidem. p. 61

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 116

como o da igualdade, e não mais numa visão economicista, vinculada à necessidade do Estado angariar recursos para promover as prestações estatais garantidoras da justiça social. (...)

Não vale mais pesquisar quanto o Estado vai gastar para se atingir o ideal de justiça social, e qual será o quinhão de cada cidadão para atingir esse montan-te, como na era da jurisprudência dos interesses (surgida no final do século XIX, consistia em prestigiar o interesse do legislador na elaboração da norma, o que culmi-nou na – corretamente superada - interpretação econômica do direito tributário). Ao contrário, o ideal da justiça fiscal, hoje, se realiza na investigação de quanto cada cidadão pode contribuir com as despesas públicas, à luz dos valores e princípios reatores do Estado Democrático e Social. Portanto, as despesas públicas devem se limitar ao somatório da capacidade contributiva de cada um, sob pena de as prestações estatais serem realizadas à custa de parcelas indispensáveis à vida digna do homem99.”

Por fim, importa relembrar que o princípio da capacidade contributiva, assim como todos os demais princípios, não tem aplicabilidade incondicional e absoluta. De fato, como bem se infere da leitura da sua base constitucional (artigo 145, § 1º), nota-se que a sua efetividade ocorrerá “sempre que possível”. Significa dizer que a capacidade contributiva possui limites, tais como o respeito aos direitos individu-ais e os princípios que envolvem a segurança jurídica (legalidade, anterioridade, e irretroatividade, por exemplo), uma vez que ilegítima é a exigência de determinado tributo que respeite a capacidade contributiva, mas que, por outro lado, não esteja previsto em lei ou pretenda atingir fatos pretéritos.

A capacidade contributiva, também, deve se compatibilizar com a técnica da ex-trafiscalidade, que autoriza ao Estado utilizar os tributos para atingir finalidades ex-trafiscais, tais como o desenvolvimento econômico e a proteção do meio ambiente.

O princípio da capacidade contributiva, uma decorrência do princípio da isono-mia, é previsto no artigo 145, § 1º, da CF, que determina que sempre que possível os impostos sejam graduados de acordo com a capacidade econômica do contri-buinte. Segundo Ricardo Lobo Torres, o princípio determina que cada um deve contribuir na proporção de suas rendas e haveres, independentemente de sua eventual disponibilidade financeira.100

O princípio tem uma acepção objetiva, significando que o legislador deve esco-lher como fato gerador do tributo um ato que seja revestido de conteúdo econômi-co, ferindo o princípio da capacidade contributiva a tributação de atos que não se traduzam em signos presuntivos de manifestação de riqueza, como o uso de barba e bigode, por exemplo.

Em seu aspecto subjetivo, o princípio se destina a aferir a capacidade de paga-mento de cada um, graduando-a de acordo com o fato gerador de cada tributo. Assim, a capacidade contributiva no IPTU é mensurada pela propriedade de imó-veis urbanos, e não pela renda. Dessa forma, se uma senhora viúva possui um patri-mônio imobiliário vasto, herdado do falecido marido, que, no entanto, deixou-lhe uma pífia pensão do INSS, há capacidade contributiva para pagar o imposto sobre a propriedade, embora não haja disponibilidade financeira.

99 Ibidem. P 62.

100 TORRES, Ricardo Lobo, Tra-

tado de Direito Constitucional,

Financeiro e Tributário, vol. V.

2. ed. Rio de Janeiro, Renovar,

2000, p. 79.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 117

A capacidade contributiva consiste na manifestação econômica, identificada pelo legislador, como signo presuntivo de riqueza a fundamentar a tributação. E embo-ra as expressões capacidade econômica e capacidade contributiva sejam utilizadas como sinônimas, é correta a distinção de Francisco José Carrera Raya,101 segundo a qual a primeira designa a disponibilidade da riqueza, ou seja, de meios econômicos, enquanto a última se refere à capacidade econômica eleita pelo legislador como fato gerador do tributo.

Assim, como não é possível ao legislador identificar a capacidade contributiva de cada pessoa, ele visualiza situações que a revelam: são os fatos geradores dos impos-tos.102 É por esse motivo que a existência de um sistema tributário melhor atende ao princípio da capacidade contributiva, do que a idéia de imposto único, desde que, como é óbvio presumir, tal sistema seja concebido à luz de fatos geradores que se revelem em signos de manifestação de riqueza e que sejam harmônicos entre si, e não por simplesmente se moldarem a uma arrecadação menos complexa.

Assim, de acordo com o princípio da capacidade contributiva em seu aspecto ob-jetivo, os fatos geradores de cada imposto têm origem em duas espécies de riqueza: a renda e o patrimônio. Os demais fatos geradores previstos no sistema tributário devem constituir desdobramentos desses dois fenômenos econômicos; constituem eles técnicas diferentes para se atingir o mesmo resultado. Obviamente, quando se reduzem os signos de manifestação de riqueza à renda e ao patrimônio, estas expres-sões são utilizadas em sentido bem mais amplo do que lhes são dados pela legislação que define os impostos sobre patrimônio e renda. Retrata bem essa visão a idéia de Pérez de Ayala. Segundo o Conde de Cedillo, a riqueza é manifestada por meio de uma visão fotográfica e, portanto, estática, pelo patrimônio. No entanto, a riqueza também pode ser visualizada por uma visão cinematográfica, dinâmica, a exigir uma delimitação temporal a determinado período. É o que ocorre com a renda.103

Vale ainda ressaltar que, diante do binômio renda/patrimônio, como signos pre-suntivos de riqueza, os impostos pessoais devem ter como fato gerador algum fenô-meno que revele a renda disponível para a pessoa física, e o lucro para as empresas, como assinala Tipke.104

Nos impostos reais, a riqueza é revelada pelo patrimônio, estando a capacidade contributiva, neste caso, também relacionada com a função social da propriedade,105 em um ordenamento em que os direitos do proprietário não são absolutos. A função social da propriedade, atualmente, não é mais encarada como um limite extrínseco aos direitos do proprietário, mas como verdadeiro fundamento do direito à proprie-dade. Nesse sentido, uma de suas funções sociais seria a de contribuir, através de uma parcela de seus frutos, para o atendimento das despesas públicas. Desta sorte, a tributação não pode atingir, senão, os rendimentos do patrimônio.106

Ainda segundo Tipke,107 não ofende o princípio da igualdade a tributação dos rendimentos do capital de forma mais onerosa que os rendimentos do trabalho. Ao contrário, em face do primado constitucional do trabalho, trata-se de uma medida da mais alta justiça.

Quanto à sua eficácia, a capacidade contributiva é princípio cogente,108 obrigan-do não só o legislador, mas também o aplicador da lei,109 seja por meio da atividade

101 Manual de Derecho Financie-

ro. Madrid, Tecnos, 1993, vol.

I, p. 92

102 Não que os demais tributos

também não se subordinem

ao princípio da capacidade

contributiva, como abaixo se

demonstrará.

103 PEREZ DE AYALA, Jose Luis,

Derecho Tributario. Madrid,

Editorial de Derecho Financiero,

1968, p. 89.

104 Segundo o referido autor:

“Todo o cidadão deve pagar

impostos em conformidade

com o montante de sua renda

disponível para o pagamento de

impostos; toda empresa deve

pagar impostos de acordo com

o montante de seu lucro.” (Sobre

a Unidade da Ordem Jurídica

Tributária. In SCHOUERI, Luiz

Eduardo & ZILVETI, Fernando

Aurélio. Direito Tributário. Estu-

dos em Homenagem a Brandão

Machado. São Paulo, Dialética,

1999, p. 64).

105 HERRERA MOLINA. Pedro M.,

Capacidad Econômica y Sistema

Fiscal – Análisis del ordenamien-

to español a la luz del Derecho

alemán. Barcelona, Marcial

Pons, 1998, p. 94.

106 TIPKE. “Sobre a Unidade da

Ordem Jurídica Tributária”. In

SCHOUERI, Luiz Eduardo/ZILVE-

TI, Fernando Aurélio (Coordena-

dores). Direito Tributário. Estu-

dos em Homenagem a Brandão

Machado. São Paulo, Dialética,

1998, p. 63

107 Ob. cit. p. 65.

108 Está inteiramente superada

historicamente a tendência de

se considerar a capacidade con-

tributiva um princípio progra-

mático, como salienta CARRERA

RAYA (Ob. Cit., p. 94).

109 TORRES, Ricardo Lobo, Curso

de Direito Financeiro..., cit., p.

81, e CARRERA RAYA. Ob. cit.,

p. 91.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 118

regulamentar ou jurisdicional. Podemos vislumbrar esta característica quando o Po-der Judiciário afasta a aplicação de uma regra que prevê uma isenção que propicia um privilégio odioso;110 ou, no reconhecimento pelo juiz de que, embora o tributo esteja previsto em lei, determinado segmento de contribuintes não revela capacida-de contributiva para suportá-lo, por ter sido violado seu mínimo existencial, ou por aquela situação definida em lei como reveladora de riqueza, não produzir esse efeito em relação ao segmento considerado.

No entanto, tal possibilidade não habilita o juiz, no caso concreto, a reconhecer a ausência de capacidade contributiva de determinado contribuinte, quando a lei, em sua acepção genérica, não se revelar violadora do princípio. Se o tributo é fixado de forma adequada ao signo de manifestação de riqueza, revelado pelo fato gerador previsto em lei, a exclusão de determinado contribuinte por razões individuais se traduziria em privilégio odioso.111 O mesmo não ocorre quando a aplicação da nor-ma se revela inconstitucional para determinado grupo de contribuintes, em sentido genérico. Neste caso, tal norma não deve ser aplicada a esse grupo, sendo válida em relação aos seus demais destinatários.

Também não parece possível a modificação judicial da alíquota do tributo pela declaração parcial de inconstitucionalidade da lei tributária, por apenas em parte superar a capacidade contributiva.112 Se a tributação tornou-se excessiva em razão de um aumento de alíquota, a declaração de inconstitucionalidade da lei teria o condão de restabelecer a legislação anterior do imposto. No entanto, se a fixação desmedida do tributo se der por ocasião de sua instituição primeira, não restará solução senão a declaração de inconstitucionalidade da exação. Caso o Poder Judiciário pudesse reduzir a alíquota do tributo, estaria estabelecendo regra não prevista pelo Poder Legislativo, invadindo o espaço de conformação deste e legislando positivamente.

Quanto à sua extensão, o princípio não se aplica apenas aos impostos, como podem imaginar os intérpretes mais apressados do art. 145,§ 1º da Constituição Federal. Se a capacidade contributiva deriva da igualdade, aplica-se mesmo quando não prevista expressamente na constituição, como é o caso da Alemanha, e do Brasil de 1965 a 1988. Por esse motivo, não se pode afastar sua aplicação em relação aos demais tributos, que não os impostos, pelo simples fato do texto constitucional utilizar a expressão impostos, ao invés da palavra tributos.

Embora a Constituição se refira somente aos impostos, uma vez que nesta espé-cie tributária só há a riqueza do contribuinte a se mensurar, o princípio também é aplicado aos tributos vinculados, como a taxa, conforme já reconheceu o STF,113 e a contribuição de melhoria, por meio da desoneração dos hipossuficientes.114

É bem verdade que nos impostos, dado o seu caráter de tributo não vinculado, o princípio tem uma acepção mais ampla. Afinal, não havendo atividade estatal a se mensurar, o único critério quantitativo a ser levado em conta pelo legislador é a riqueza do contribuinte.

Mas isso não significa que os demais tributos não se subordinem ao referido princípio.115 Ao contrário, devem todos eles apresentar como fato gerador um ato que revele conteúdo econômico. Nas taxas, por exemplo, embora o fato gerador seja relacionado com uma atividade estatal específica em relação à pessoa do contri-

110 Sobre o conceito de privilégio

odioso, vide TORRES, Ricardo

Lobo, Tratado de Direito Consti-

tucional, Financeiro e Tributário.

Vol. III,..., cit. p. 341.

111 Em sentido contrário: OLI-

VEIRA, José Marcos Domingues

(Direito Tributário: Capacidade

Contributiva – Conteúdo e Efi-

cácia do Princípio. 2ª ed. Rio de

Janeiro, Renovar, 1998, p. 147),

que sustenta a possibilidade de

a lei ser considerada constitu-

cional em sentido genérico, mas

ser violadora da capacidade

contributiva de determinado

contribuinte.

112 Em posição divergente a do

texto: OLIVEIRA, José Marcos

Domingues (Ob. cit. p. 155),

onde o autor considera ser

possível a redução da alíquota

pelo magistrado a partir da

declaração parcial da constitu-

cionalidade da lei.

113 STF, Pleno, RE nº 177.835/PE,

Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de

25/05/01, p 18.

114 TORRES, Ricardo Lobo, Curso

de Direito Financeiro..., cit., p.

87.

115 CALVO ORTEGA. Rafael, Curso

de Derecho Financero I – Derecho

Tributario (Parte General). 4.ed.

Madrid, Civitas, 2000., p. 85.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 119

buinte, a capacidade contributiva pode ser reconhecida para a concessão de isenção para aqueles que, embora beneficiários da atividade estatal, não possuam riqueza a ser tributada. É o que ocorre no fornecimento gratuito de certidões de óbito e no registro do casamento civil para os comprovadamente pobres (art. 5º, LXXVI, da Constituição Federal),116 bem como na própria concessão da justiça gratuita.

Por outro lado, o valor a ser exigido em razão da taxa pode também variar de acordo com a capacidade contributiva, como já foi reconhecido pelo STF no julga-mento supracitado, desde que não seja ferida a referibilidade entre o valor exigido e a complexidade da atividade estatal. Ou seja, se a maior capacidade contributiva se dá em decorrência da maior complexidade e onerosidade, para a Administração, da atividade estatal, é possível a sua consideração, como se deu em relação à taxa da CVM, no precedente citado, onde as empresas que demandavam maior fiscalização, de acordo com o critério adotado pelo legislador, eram as empresas de maior patri-mônio líquido, o que não deixa de ser um signo de maior manifestação de riqueza. Segundo ficou assentado na decisão do STF, é essencial que o critério de distinção escolhido pelo legislador para mensurar a taxa, além de atender ao princípio da ca-pacidade contributiva, deve também guardar relação com a atividade estatal.117

Já em relação às contribuições de melhoria, a capacidade contributiva é medida pela própria valorização imobiliária118. Ademais, pode haver isenção para aquelas propriedades que, embora tenham sofrido valorização imobiliária, ainda não reve-lam capacidade para contribuir.

Quanto às contribuições parafiscais e empréstimos compulsórios, que não possuam fatos geradores próprios, utilizando-se dos fatos geradores de impostos e taxas, assim como esses, deverão respeitar a capacidade contributiva, nos termos acima definidos.119

Como princípio que é, a capacidade contributiva apresenta grande fluidez em sua definição, constituindo verdadeiro conceito indeterminado, cujo núcleo é reve-lado pela riqueza disponível.120 E essa indeterminação constitucional, característica do halo conceitual, é enfrentada pela regulação de cada imposto, oferecida pelo legislador, que leva em consideração, não só a definição do fato gerador em seus aspectos material, temporal, espacial e quantitativo, mas também os sub-princípios da proporcionalidade, da progressividade, da seletividade e da personalização.121 É desta forma que a riqueza disponível será revelada em atendimento ao aspecto sub-jetivo do princípio da capacidade contributiva.

A proporcionalidade consiste na variação da tributação em razão da diferença da base de cálculo, a partir da aplicação da mesma alíquota. Nos dias atuais, a propor-cionalidade é saudada como o melhor índice de capacidade contributiva por John Rawls122 e Klaus Tipke.123

Por sua vez, a progressividade se concretiza pela elevação da alíquota na medida em que é aumentada a base de cálculo. Seu fundamento era, originariamente, a distribuição iguali-tária do sacrifício social da tributação conforme defendido por Stuart Mill124. O economis-ta inglês partia da idéia de que na medida que o capital aumentava, sua utilidade para o seu possuidor diminuía, sendo legítima sua apropriação pelo Estado em parcela maior.

Após a retomada da teoria do benefício pelos economistas neoliberais do final do século XX, a progressividade, hoje, não mais deve ser extraída de uma visão

116 SEIXAS FILHO, Aurélio, Taxa.

Doutrina, Prática e Jurispru-

dência. Rio de Janeiro, Forense,

1990, p. 58.

117 RE nº 177.835.

118 OLIVEIRA, José Marcos Do-

mingues, Direito Tributário:

Capacidade Contributiva – Con-

teúdo e Eficácia do Princípio.

2ª ed. Rio de Janeiro, Renovar,

1998, p 109.

119 Ob. cit., Direito Tributário:

Capacidade Contributiva – Con-

teúdo e Eficácia do Princípio.

2ª ed. Rio de Janeiro, Renovar,

1998, p. 112.

120 HERRERA. MOLINA. Ob. Cit.,

p. 145.

121 Os quatro sub-princípios são

enumerados por Ricardo Lobo

Torres (Curso de Direito Financei-

ro..., cit., p. 83).

122 RAWLS, Uma Teoria da Justi-

ça. São Paulo, Martins Fontes,

1997, p. 307.

123 TIPKE, “Princípio da Igual-

dade e a Idéia de Sistema no

Direito Tributário”. In Brandão

Machado (coord.). Estudos em

Homenagem ao Prof. Ruy Barbo-

sa Nogueira. São Paulo, Saraiva,

1984, p. 527.

124 MILL, John Stuart, Princípios

de Economia Política. São Paulo,

Abril, 1983, p.290.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 120

utilitarista de igual sacrifício, mas como importante instrumento de redistribuição de rendas no Estado Democrático e Social de Direito.

O próprio Rawls, embora defenda que os tributos com finalidade arrecadatória incidentes sobre as despesas ou rendas devam ser proporcionais em sociedades com alto grau de respeito aos princípios da justiça como eqüidade, uma vez que essa mo-dalidade de tributação é mais adequada ao estímulo da produção, reconhece tam-bém que nos sistemas tributários de países em que haja maior desigualdade social, a progressividade dos impostos sobre a renda é medida exigida pelos princípios da liberdade, da igualdade eqüitativa de oportunidades e da diferença.125

Nesse mesmo sentido, Tipke entende, na esteira do Tribunal Constitucional Ale-mão, que a progressividade rompe com a igualdade, mas este rompimento é justificado pelo princípio do Estado Social, que tem por objetivo a distribuição de riquezas.126

Deste modo, numa sociedade marcada por profundas desigualdades sociais como a nossa, a progressividade é, em vários impostos, o instrumento mais adequado à aplicação do princípio da capacidade contributiva, baseando-se na justiça social. É que a proporcionalidade, embora seja uma manifestação da capacidade contributi-va, uma vez que não adota um valor fixo na tributação, se traduz num instrumento bastante tímido na distribuição de rendas. Como bem observa Luciano Amaro127, a capacidade contributiva não se esgota na proporcionalidade, uma vez que aquela exige “a justiça da incidência em cada situação isoladamente considerada e não ape-nas a justiça relativa entre uma e outra das duas situações.”

No entanto, o Supremo Tribunal Federal vem entendendo que a progressividade não é decorrência natural do princípio da capacidade contributiva que, por sua vez, se realiza pela proporcionalidade, a não ser que o próprio texto constitucional determine expressamente a utilização de alíquotas progressivas.128

Porém, a posição de condicionar a aplicação da progressividade à expressa pre-visão constitucional esvazia mortalmente o princípio da capacidade contributiva que encontra, no Estado Democrático Social de Direito, a progressividade como mecanismo mais eficaz para sua realização, mormente numa sociedade tão desigual quanto a brasileira.

No entanto, como a tese da necessidade de previsão constitucional expressa para a aplicação da progressividade foi vitoriosa essa posição no STF, este sub-princípio, como instrumento realizador da capacidade contributiva, limita-se ao imposto de renda, e após a EC nº 29/00, ao IPTU.

Por outro lado, também já entendeu o STF pela impossibilidade de aplicação de alíquotas progressivas nos impostos reais.129 No entanto, nos parece inexistir qual-quer óbice à progressividade dos impostos reais, uma vez que o patrimônio do con-tribuinte é índice de riqueza hábil a ser quantificado na fixação do aspecto subjetivo do princípio da capacidade contributiva, como se extrai do próprio art. 145, § 1º da Constituição Federal, e, mais recentemente, da EC nº 29/00, que, dando nova redação ao art. 156, § 1º do Texto Maior, previu a progressividade no IPTU, vincu-lada à capacidade contributiva e calculada em razão do valor venal do imóvel.130

Outro sub-princípio que vai dar efetividade ao princípio em estudo é a seletivi-dade, que se materializa pela variação de alíquotas em função da essencialidade do

125 RAWLS. Ob. Cit., p. 308.

126 TIPKE, “Princípio da Igualda-

de...”, cit., p. 527.

127 AMARO, Luciano, Direito

Tributário Brasileiro. 2ª ed. São

Paulo, Saraiva, 1998, p. 136.

128 STF, Pleno, RE nº 153.771/

MG, Rel. Min. Moreira Alves,

DJU de 05/09/97, p. 41.892, em

relação ao IPTU; e STF, Pleno, RE

nº 234.105/SP. Rel. Min. Carlos

Velloso, DJU de 31/03/00, p. 61,

em relação ao ITBI.

129 STF, Pleno, RE nº 153.771/

MG, Rel. Min. Moreira Alves,

DJU de 05/09/97, p. 41.892. No

mesmo sentido Ricardo Lobo

Torres (Curso de Direito Financei-

ro..., cit., p. 82).

130 Já existem importantes vozes

que se levantam contra a cons-

titucionalidade do IPTU progres-

sivo previsto na EC nº 29/00.

Por todos, Ricardo Lobo Torres

(Curso de Direito Financeiro...,

cit., p. 83). Embora a discussão

do tema não seja objeto desse

trabalho, entendemos não ter a

referida emenda constitucional,

nesse ponto, violado qualquer

cláusula pétrea, sendo compa-

tível com nossa Lei Maior, pelas

razões expostas no texto.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 121

produto, ou da mercadoria, e que representa a modalidade mais adequada à aplica-ção do princípio da capacidade contributiva nos impostos indiretos, como o ICMS e o IPI, pois afere o índice de riqueza do contribuinte de fato, a partir do grau de indispensabilidade do bem consumido. Dentro dessa lógica, o consumo de bens populares é gravado com alíquotas menores, como ocorre com os produtos da cesta básica. Já os bens supérfluos são tributados com base em alíquotas maiores, como se dá com cigarros, bebidas e perfumes.

Em sendo assim, não é difícil perceber que a aplicação da proporcionalidade nos impostos incidentes sobre os bens de consumo popular, como gêneros alimentícios de primeira necessidade, acaba gerando um efeito regressivo, pois retira das classes menos aquinhoadas, relativamente, mais do que é suportado pelos abastados,131 não se resguardando o mínimo existencial.

Por sua vez, situação parecida ocorreria na aplicação da progressividade aos im-postos sobre o consumo, uma vez que não suportando o sujeito ativo a carga tribu-tária, a tributação de acordo com a sua riqueza, teria o condão de transferir para o consumidor, contribuinte de fato, um encargo que não seria necessariamente ade-quado à sua capacidade contributiva.132

Por fim, o sub-princípio da personalização, que segundo a Constituição Federal, no art. 145, § 1º, deve ser aplicável sempre que possível, determina que o legislador leve em consideração dados pessoais da vida do contribuinte para mensurar a tributação, como ocorrem com as deduções de despesas com dependentes, médicas, e de instrução, no imposto de renda. Como parece óbvio, o princípio da personalização terá aplicabilidade plena nos impostos pessoais. Daí a dicção constitucional do sempre que possível. Porém, há hoje uma tendência à personalização também dos impostos reais, quando o legislador leva em consideração dados pessoais do contribuinte, como ocorre na isenção de IPTU para ex-combatentes e aposentados que percebam até determinada renda. Embora tais medidas não importem na transformação do aludido tributo em um imposto pessoal, vez que suas características principais continuam vinculadas ao bem imóvel, há dados de personalização que prestigiam o referido princípio constitucional.

O aspecto subjetivo do princípio da capacidade contributiva encontra como li-mites o mínimo existencial e a vedação do confisco, que se revelam como verda-deiras fronteiras delimitadoras do referido princípio em suas porções mínimas e máximas. Não se pode tributar abaixo do mínimo existencial, pois não há riqueza disponível. Não se tributa acima dos limites confiscatórios, onde a seara da capaci-dade contributiva exaure-se.

Embora não possua dicção constitucional própria, o mínimo existencial deriva, segundo Ricardo Lobo Torres,133 da idéia de liberdade, de igualdade e dos direitos humanos, e tem seus contornos definidos pela linha que separa a vida simples do cidadão humilde da pobreza absoluta que deve ser combatida pelo Estado, não só por meio de abstenção na tributação, como também por prestações positivas, en-volvendo além dos direitos individuais, os sociais, relativos à saúde, à alimentação, à educação e à assistência social. Assim, no campo tributário, o mínimo existencial deixa o contribuinte livre de qualquer tributação até o limite em que sejam atendi-dos os requisitos mínimos para uma vida humana digna.134

131 BALEEIRO, Aliomar, Uma

Introdução à Ciência das Finan-

ças. 14ª edição, Rio de Janeiro,

Forense, 1987, p. 211.

132 VALDÉS COSTA, Ramón, Ins-

tituciones de Derecho Tributário.

Buenos Aires, Depalma, 1996,

p. 455.

133 Tratado de Direito Constitucio-

nal, Financeiro e Tributário. v. III.

2. ed. Rio de Janeiro, Renovar,

1999, p. 146.

134 LEHNER, Moris, “Considera-

ções Econômicas e Tributação

conforme a Capacidade Contri-

butiva. Sobre a Possibilidade de

Uma Interpretação Teleológica

de Normas com Finalidades Ar-

recadatórias”. In SCHOUERI, Luiz

Eduardo/ ZILVETI, Fernando

Aurélio (coord.). Direito Tribu-

tário. Estudos em Homenagem

a Brandão Machado. São Paulo,

Dialética, 1998, p. 151, citando

precedente do Tribunal Consti-

tucional Alemão que delineou

os contornos do mínimo exis-

tencial.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 122

De acordo com Tipke, o mínimo existencial não deve ser fixado em patamar inferior ao estabelecido como benefício de aposentadoria, pois, em regra, o cida-dão ativo possui mais necessidades vitais que o aposentado.135 Sustenta, ainda, o professor emérito da Universidade de Colônia, que o mínimo existencial não se aplica somente ao Imposto de Renda, mas a todos os tributos, e que as parcelas que ficarem isentas do IR não podem ser tributadas por impostos especiais.136 Por seu turno, os impostos indiretos também devem respeitar o mínimo existencial, o que é viabilizado pelo mecanismo da seletividade, por meio da isenção dos bens de primeira necessidade.137

No Brasil, a Constituição Federal contém dispositivo expresso vedando a tributa-ção com efeito confiscatório.138 Confisco é a perda da propriedade em favor do Es-tado em razão de um ato ilícito. Por ser vedado pela Constituição,139 não é admitido que a lei estabeleça a perda da propriedade pela tributação em razão de atos lícitos. Portanto, é confiscatória a tributação excessiva, que supere a capacidade contribu-tiva. Embora não exista na legislação, na doutrina ou na jurisprudência um critério objetivo para identificar o confisco140 – o que permite que, dada a fluidez desse con-ceito, em cada caso o aplicador examine se foi superada a capacidade contributiva – o Supremo Tribunal Federal considerou confiscatória a exigência de contribuição pre-videnciária dos servidores públicos federais no percentual de 25%.141 É interessante perceber que na referida decisão, a Corte Maior considerou, e com acerto, o efeito confiscatório diante da carga tributária como um todo, e não em razão de um único tributo. No entanto, essa apreciação só é exeqüível diante de tributos que incidam sobre bases de cálculo similares, como ocorre com o imposto de renda e a contribui-ção previdenciária do servidor, que incidem sobre a remuneração deste.

Embora a vedação constitucional não se limite aos tributos incidentes sobre a propriedade,142 nestes ela ganha uma maior dimensão. E tais tributos não podem ter alíquotas muito elevadas, sob pena de haver perda da propriedade após alguns exercícios. Assim, por exemplo, se o IPTU tivesse uma alíquota de 20%, em cinco anos haveria a perda da propriedade, revelando-se confiscatória esta tributação.

Durante muito tempo, a doutrina, aqui e alhures, considerou que a existência de uma finalidade extrafiscal afastava a alegação de confisco. No entanto, quando examinarmos a relação da capacidade contributiva com a extrafiscalidade, veremos que os objetivos sociais, econômicos e políticos buscados pela norma tributária devem justificar, por meio de um juízo de proporcionalidade, o afastamento da capacidade contributiva que, como princípio que é, não é dotada de caráter abso-luto, podendo ser ponderada com outros interesses.143 Assim, não basta a simples alegação de extrafiscalidade para que se afaste o exame do caráter confiscatório da norma.

C) PERGUNTAS

Em que consiste o princípio da capacidade contributiva? Qual a relação existente entre a capacidade contributiva e o fato gerador do tributo? Como é que se opera a

135 TIPKE. Klaus, Sobre a Unidade

da Ordem Jurídica Tributária. In

SCHOUERI, Luiz Eduardo & ZIL-

VETI, Fernando Aurélio, Direito

Tributário. Estudos em Homena-

gem a Brandão Machado. São

Paulo, Dialética, 1999, p. 61.

No mesmo sentido, HERRERA

MOLINA (Ob. Cit., p. 144).

136 TIPKE, “Sobre a Unidade...”,

cit., p.67.

137 HERRERA MOLINA, Ob. Cit.,

p. 144.

138 Artigo 150, IV da CF.

139 Exceto nos casos da pena de

perdimento de bens importa-

dos irregularmente; do confisco

das terras onde se produzem

substâncias entorpecentes,

bem como dos instrumentos e

produto da prática criminosa.

140 A Suprema Corte Argentina

fixou o percentual de 33% como

limite à tributação sobre uma

mesma base de cálculo, confor-

me noticia BALEEIRO (Limitações

Constitucionais ao Poder de Tri-

butar. 7ª edição, atualizada por

Misabel Abreu Machado Derzi.

Rio de Janeiro, Forense, 2001, p.

566); já a Corte Constitucional

Federal da Alemanha, como in-

forma TIPKE (“Sobre a Unidade...”,

cit., p. 70) decidiu que o imposto

sobre o patrimônio não pode su-

perar a 50 % da renda bruta.

141 STF, Pleno, ADIMC-2010 / DF,

Rel. Min. Celso de Mello, DJU

de 12/04/02, p. 51. No caso em

questão o Tribunal considerou

que a contribuição previdenciária

dos servidores públicos federais

somada aos outros tributos inci-

dentes sobre a remuneração do

servidor, como o imposto de ren-

da, causava o efeito confiscatório.

142 Note-se que o precedente

do STF acima citado se refere a

tributos pessoais.

143 HERRERA MOLINA, Capacidad

Econômica y Sistema Fiscal –

Análisis del ordenamiento espa-

ñol a la luz del Derecho alemán.

Barcelona: Marcial Pons, 1998,

p. 178.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 123

aplicação do princípio da capacidade contributiva sobre os impostos reais? E sobre os pessoais? A limitação inerente ao princípio da capacidade contributiva é privilé-gio único dos impostos?

D) CASO GERADOR

Uma das principais modificações implementadas pela Emenda Constitucional nº 29/2000 foi a alteração do artigo 156 da CRFB/88, de modo a permitir que a cobrança do IPTU pudesse ser progressiva em razão do valor do imóvel, bem como se realizar por diferentes alíquotas de acordo com a localização do imóvel.

No entanto, mesmo antes da publicação da mencionada Emenda Constitucio-nal, diversos Municípios já exigiam o pagamento do IPTU de forma progressiva, vale dizer, quanto mais caro fosse o imóvel maior seria a alíquota do imposto. Vale destacar, contudo, que sm a aplicação da alíquota progressiva o recolhimento do imposto é realizado a partir de uma alíquota fixa aplicada sobre o valor venal do imóvel.

Sob o enfoque da capacidade contributiva, analise a legitimidade dessas exigên-cias realizadas pelos Municípios antes da EC 29/00. (Súmula 656 e 668 do STF)

E) QUESTÕES DE CONCURSO

1. Acerca dos princípios constitucionais tributários, julgue os seguintes itens.__ Visando implementar a justiça fiscal, a Constituição Federal consagra o prin-

cípio da capacidade contributiva, segundo o qual os tributos devem ser gra-duados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte.

(Advocacia Geral da União – 2004)

2. O princípio da capacidade contributiva significa que:a) nenhum tributo pode ser exigido ou aumentado sem lei anterior que o esta-

beleça;b) é vedado à União, aos estado, ao distrito Federal e aos Municípios instituir

impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;c) qualquer subsídio ou isenção, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só

pode ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o corresponden-te tributo ou contribuição;

d) sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados se-gundo a capacidade econômica do contribuinte.

(24º exame da OAB)

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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F) BIBLIOGRAFIA

AMARO, Luciano, Direito Tributário Brasileiro. 2ª ed. São Paulo, Saraiva, 1998.OLIVEIRA, José Marcos Domingues, Direito Tributário: Capacidade Contributi-

va – Conteúdo e Eficácia do Princípio. 2ª ed. Rio de Janeiro, Renovar, 1998.HERRERA MOLINA, Capacidad Econômica y Sistema Fiscal – Análisis del or-

denamiento español a la luz del Derecho alemán. Barcelona: Marcial Pons, 1998.

RIBEIRO, Ricardo Lodi, Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2003.

TIPKE. “Sobre a Unidade da Ordem Jurídica Tributária”. In SCHOUERI, Luiz Eduardo/ZILVETI, Fernando Aurélio (Coordenadores). Direito Tributário. Estudos em Homenagem a Brandão Machado. São Paulo, Dialética, 1998.

TORRES, Ricardo Lobo, Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributá-rio, vol. V. 2. ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2000, p. 79.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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1.17. AULA 17. AS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS. A IMUNIDADE RECÍPROCA

A) OBJETIVO

O objetivo da aula de hoje consiste em estudar o significado do termo “imuni-dade” no direito tributário, bem como sua abrangência, conteúdo e fundamento constitucional.

B) INTRODUÇÃO

Segundo Ricardo Lobo Torres, as imunidades consistem na intributabilida-de absoluta ditada pelas liberdades preexistentes à própria Constituição Federal. Por isso, as imunidades, derivadas dos direitos fundamentais, sequer precisariam constar do Texto Constitucional, que só as declararia.144 Assim, as regras cons-titucionais que determinassem a não-incidência tributária, mas que não fossem baseadas nos direitos fundamentais, não seriam imunidades, mas meras isenções constitucionais.

Nesse sentido, o citado autor conceitua a imunidade tributária da seguinte forma:

“A imunidade é limitação do poder de tributar fundada na liberdade absoluta, tendo por origem os direitos morais e por fonte a Constituição, escrita ou não; por sua eficácia declaratória, é irrevogável e abrange assim a obrigação principal que a acessória.”145

A originalidade no conceito do professor Ricardo Lobo Torres está na conexão feita entre o conceito de imunidade e a proteção dos direitos humanos fundamentais.

Porém, tem predominado na doutrina e na jurisprudência um conceito mais positivista, no sentido de que a imunidade é uma auto-limitação que a própria Constituição Federal estabelece ao repartir as competências tributárias entre os en-tes federados, excluindo dessa partilha determinadas pessoas (imunidade subjetiva) ou determinadas condutas (imunidade objetiva).

Desse modo, a imunidade tributária pode ser entendida como uma regra expres-sa na Constituição, que estabelece uma não competência da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios de cobrar impostos sobre determinadas entidades e objetos.

Como já é possível notar, o tema das imunidades tributárias, uma peculiaridade de nosso direito positivo, é rico em controvérsias, que remontam desde a sua origem pretoriana até a atualidade.

Sendo conceituada pela doutrina majoritária como uma não-incidência consti-tucionalmente qualificada, é necessária a distinção do instituto da imunidade com outros dois que ensejam a não incidência: a isenção e a não-incidência em sentido estrito.

144 TORRES, Ricardo Lobo, Tratado

de direito constitucional finan-

ceiro e tributário, volume III: os

direitos humanos e a tributa-

ção: imunidade e isonomia. Rio

de Janeiro, Renovar, 1999.

145 Os direitos humanos e a tribu-

tação: imunidades e isonomia.

Rio de Janeiro, Renovar, 1995,

p. 400.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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No fenômeno da não-incidência em sentido estrito, não ocorre a subsunção do fato imponível à hipótese de incidência. O fato está naturalmente fora da regra de incidência. Assim, os bens móveis não serão tributados pelo IPTU, pois estão fora da regra de incidência deste imposto, sem que seja necessária qualquer norma jurí-dica que declare essa não-incidência.

Já na imunidade e na isenção, o fato, em tese, subsume-se à hipótese de incidên-cia, mas uma norma jurídica impede a incidência146. A diferença é que, na imunida-de, essa norma jurídica é a própria Constituição Federal, enquanto na isenção é a lei da entidade tributante.147 Assim, ao atribuir competência para o Município tributar os imóveis urbanos, por exemplo, a Constituição deixa de conferir competência para tributar o imóvel destinado à prática de culto religioso (templo). Por outro lado, a lei municipal que exclui a incidência sobre os imóveis dos ex-combatentes da FEB confere uma isenção.

O artigo 150, VI da Constituição Federal veda à União, aos Estados, ao Distri-to Federal e aos Municípios instituírem impostos sobre: “a) patrimônio renda ou serviços, uns dos outros;” (a chamada imunidade recíproca) “b) templos de qual-quer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”.

As imunidades previstas no artigo 150, VI, da CF, são aplicáveis a todos os im-postos e se baseiam nos direitos fundamentais, sendo, entretanto, afastadas quando o ente imune não for contribuinte de direito do tributo, mas apenas quem suporta o encargo financeiro.

A imunidade recíproca impede os entes da Federação de tributarem o patrimônio, a renda e os serviços uns dos outros (Art. 150, VI, a, CF), sendo também extensível ainda às autarquias e fundações públicas, quando desenvolverem atividades vincula-das aos seus objetivos institucionais. A imunidade recíproca, porém, não se aplica:

a) quando o Estado desempenhar a atividade econômica em regime de econo-mia privada;

b) quando o Estado cobrar tarifas pela prestação de serviços públicos; ouc) em relação ao promitente comprador de um imóvel público.

Não há que se limitar a imunidade aos impostos que diretamente incidam sobre patrimônio, renda e serviços, pois todos os impostos, direta ou indiretamente, one-ram o patrimônio, renda e serviços dos entes imunes.148

O fundamento para a existência dessa limitação ao poder de tributar origi-na-se do princípio da separação dos Poderes, garantindo o sistema federativo brasileiro.

Alguns autores defendem que o fundamento para a imunidade recíproca estaria vinculado à inexistência de capacidade contributiva, o que de fato não parece ser a vontade do legislador constitucional, pois não condicionou a verificação da sufi-ciência econômica para o gozo da regra da imunidade.

146 Hoje é majoritária a doutrina

que sustenta ser a isenção uma

não-incidência legalmente

qualificada, na esteira do en-

tendimento de Souto Maior

Borges (Isenções Tributárias,

Ed. Sugestões Literárias, 1969),

superando a doutrina consa-

grada por Rubens Gomes de

Souza (Compêndio de Legislação

Tributária, Resenha Tributária,

1975), no sentido de a isenção

significar a dispensa legal do

pagamento do tributo.

147 Ou a lei complementar no

caso do art. 156, § 3º, II, da CF.

148 STF, 2ª Turma, AGRAG nº

172.890/RS, rel. Min. Marco

Aurélio, DJU de 19/04/96.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 127

A imunidade foi concedida para a Administração Direta e suas autarquias e fun-dações, não se estendendo o benefício constitucional às empresas concessionárias, às empresas de economia mista e às empresas públicas.

As exceções acima mencionadas traduzem-se no aspecto subjetivo da imunidade recíproca, e visam proteger a livre concorrência, já que em todas as exceções faz-se referência a pessoas jurídicas que exercem atividades preponderantemente privadas, muitas vezes competindo com as demais empresas.

O aspecto objetivo da imunidade recíproca está inserido no §3º do art. 150 da Constituição Federal, que limita o alcance da norma à proibição da cobrança de impostos sobre o patrimônio, a renda ou sobre os serviços vinculados às suas fina-lidade essenciais.

O patrimônio a que se refere o §3º do art. 150 engloba o imobiliário e o mobi-liário, destacando-se a necessidade de vinculação com a atividade do sujeito imune. Nesse sentido, cabe ressaltar que o STF149 já reconheceu o afastamento da regra imunitória no caso de terrenos baldios, pertencentes à autarquia.

Também se discutiu a aplicabilidade da limitação à tributação quando realizada promessa de compra e venda com ente Público dotado de imunidade. Após muita discussão, o STF sumulou a questão, com a edição da Súmula 583 que dispõe, em uma interpretação a contrario sensu, que somente escritura definitiva dará nascimen-to limitação constitucional ao poder de tributar.

A renda, como já observado, só estará dentro do campo da imunidade se estiver ligada com as atividades do ente federativo e não representar exploração de ativida-des privadas.

O caput do art. 150 da Constituição Federal é bastante claro ao conceder a imunidade apenas a uma espécie tributária, qual seja: o imposto. Contudo, alguns autores se insurgiram contra a cobrança de taxas sobre as entidades imunes, pois, para os defensores de que o fundamento da imunidade está atrelado à ausência de capacidade contributiva, não haveria suporte lógico para a exclusão de outras espé-cies tributárias. Argumentam que onde há a mesma razão de direito deve prevalecer a mesma conseqüência jurídica.

Essa tese não foi vencedora, pois as taxas são tributos vinculados, e servem para remunerar serviços públicos, o que não afeta o princípio federativo que se apresenta como o maior fundamento da regra imunitória. O que se afasta, na realidade, é a cobrança da taxa de polícia sobre as empresas públicas.

Outra celeuma que se instaura na seara das imunidades consiste na classificação dos impostos sobre patrimônio, renda e serviços.

O Código Tributário preocupou-se em fazer a divisão dos impostos, sem apre-sentar um critério técnico, tendendo a um critério mais didático, que acarreta uma certa dificuldade para o enquadramento de certos fatos na regra imunitória.

A doutrina consagrou o entendimento de que a divisão do CTN não é válida para a caracterização dos impostos que darão ensejo à aplicação da imunidade, ex vi, o seguinte trecho de Ricardo Lobo Torres150:

149 STF, 2ª Turma, RE nº 98382/

MG, Min. Moreira Alves, j.

12/11/82, DJ. 18/03/1983.

150 TORRES, Ricardo Lobo, Ob.

Cit., p. 231-232

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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“Parece-nos, contudo, na linha de argumentação adotada por Baleeiro, que a imunidade protege contra a incidência de impostos que atingem economicamente o patrimônio, a renda e os serviços, independentemente da classificação técnica levada efeito pelo CTN. Até mesmo porque não se poderia condicionar a interpretação de normas constitucionais que vêm do texto de 1891 às definições da codificação superveniente, tanto mais que tal classificação se fez sob a égide da Emenda Cons-titucional n.º 18/65, não sobreviveu às reformas ulteriores, posto que os textos de 1967/69 e 1988, inclusive do ponto de vista topográfico, retornaram à tradição de proceder à partilha tributária no federalismo. Tornou-se, assim, juridicamente inó-cua a classificação do CTN )(...)”

A respeito da imunidade recíproca, valem citar os seguintes precedentes do Su-premo Tribunal Federal:

“A garantia constitucional da imunidade recíproca impede a incidência de tri-butos sobre o patrimônio e a renda dos entes federados. Os valores investidos e a renda auferida pelo membro da federação é imune de impostos. A imunidade tributária recíproca é uma decorrência pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do Estado brasileiro e pela autonomia dos Municípios.” (AI 174.808-AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 01/07/96)

“Consideram-se relevantes, para o efeito de concessão de medida cautelar, os fun-damentos da ação direta, segundo os quais, com a quebra do princípio da imunidade recíproca entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (art. 150, Vi, a da Constituição), autorizada pelo § 2º do art. 2º da emenda constitucional nº 03, de 18/03/93, ficaria posta em risco a estabilidade da federação, que, em princípio, a um primeiro exame, não pode ser afetada, sequer, por emenda constitucional (arts. 1º, 18, 60, § 4º, I, da Constituição).” (ADI 926-MC, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 06/05/94)

C) PERGUNTAS

Qual a diferença existente entre imunidade, isenção e não-incidência? Explique o conteúdo, fundamento e abrangência da imunidade recíproca. A classificação dos impostos trazida pelo CTN demonstra-se relevante para fins de se verificar o campo de abrangência das imunidades?

D) CASO GERADOR

A COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE SÃO PAULO – CODESP – na qualidade de possuidora precária de imóveis de titularidade da União Federal, desenvolve suas atividades portuárias, com exclusividade, em imóveis situados no

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porto de Santos. Diante do fato de que é a CODESP que se utiliza de tais imó-veis pretende o Município de Santos exigir da mesma o pagamento do respectivo IPTU.

Visto isso, considerando que o fato gerador do IPTU consiste na propriedade de bens imóveis na área urbana, teria a CODESP, na qualidade de possuidora desse bem, que suportar o ônus de efetuar o recolhimento de tal tributo? (RE 357447 AgR / SP)

Ao autorizar a instituição do Imposto sobre Movimentação Financeira (IPMF), a Emenda Constitucional nº 03/1993, em seu artigo 2º, § 2º, dispôs que tal im-posto fosse exigido sem observância ao disposto no artigo 150, VI, da Constitui-ção Federal. Identifique qual princípio constitucional tributário este dispositivo excepciona e analise sua legitimidade. (ADI 939, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 18/03/94)

E) QUESTÕES DE CONCURSO

1. A imunidade tributária, como norma de não incidência, implica a proibição de instituir:

a) contribuição de melhoriab) contribuição socialc) imposto;d) taxa.

(Fiscal da Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro)

2. Não estão abrangidos pela imunidade recíproca:a) o patrimônio, a renda e os serviços das empresas públicas; b) o patrimônio e a renda das fundações instituídas e mantidas pelo poder pú-

blico, vinculados às suas atividades essenciais; c) os templos de qualquer culto; d) os livros, jornais e periódicos.

(23º exame da OAB)

F) BIBLIOGRAFIA

AMARO, Luciano, Direito tributário brasileiro. 9ª edição, São Paulo, Saraiva, 2003.

TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isono-mia. Rio de Janeiro, Renovar, 1995.

______, Tratado de direito constitucional financeiro e tributário, volume III: os direitos humanos e a tributação: imunidade e isonomia. Rio de Janeiro, Renovar, 1999.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 130

1.18. AULA 18. A IMUNIDADE DOS TEMPLOS, DOS PARTIDOS POLÍTICOS, DOS SINDICATOS, DAS ENTIDADES DE ASSISTÊNCIA E DE EDUCAÇÃO

A) OBJETIVO

Após termos estudado o conceito e os fundamentos da imunidade tributária, hoje analisaremos alguns casos em que a Constituição reconhece a determinadas pessoas jurídicas a qualidade de imunes a determinadas espécies tributárias. As cha-madas Imunidades subjetivas.

B) INTRODUÇÃO

b.1 Imunidade dos Templos de qualquer culto

A imunidade, prevista no art. 150, VI, b, CF, relaciona-se ao local destinado à prática do culto (templo), e às atividades intrínsecas ao culto. A extensão da imu-nidade dos templos em relação aos imóveis da igreja e a serviços televisivos divide a doutrina brasileira.

No tocante à extensão da imunidade para a casa paroquial, o Supremo Tribunal Federal, conforme a jurisprudência existente, assim como Aliomar Baleeiro, defen-de a possibilidade do não pagamento de impostos pela casa paroquial, desde que ela se situe em terreno contígüo ao templo. Neste sentido, destaca Aliomar Baleeiro:

“O templo não deve ser apenas a igreja, sinagoga, ou edifício principal, onde se celebra a cerimônia pública, mas também a dependência acaso contígua, o convento, os anexos por força de compreensão, inclusive a casa ou residência especial, do pá-roco ou pastor, pertencente à comunidade religiosa, desde que não empregada com fins econômicos. Pontes de Miranda, entretanto, sustentou interpretação restritiva (Pontes de Miranda, Comentários, cit., vol. 1º, p. 510).

Não se repugna à Constituição inteligência que equipare ao templo-edifício tam-bém a embarcação, o veículo ou avião usado como templo móvel, só para o culto.

Mas não se incluem na imunidade as casa de aluguel, terrenos, bens e rendas do Bispo ou da paróquia, etc.”151

A mesma divergência persiste em relação aos serviços de comunicação radiofôni-ca ou televisiva, onde destacamos a opinião de Ricardo Lobo Torres,152 que entende que tais serviços são desvinculados das finalidades religiosas ou filantrópicas e, por isso, tributáveis.

A abrangência desta imunidade, contudo, deve englobar todo o patrimônio, renda e serviços relacionados à finalidade essencial da entidade.

Baseando-se na liberdade religiosa, todos os cultos são abrigados, não cabendo ao Estado recusar a imunidade a qualquer deles sob a alegação de não se revestir de seriedade.

151 BALEEIRO, Aliomar, Direito

Tributário Brasileiro. 11ª edição,

atualizada por Misabel Abreu

Machado Derzi, Rio de Janeiro,

Forense, 1999. p. 137.

152 Os direitos humanos e a tribu-

tação: imunidades e isonomia.

Rio de Janeiro, Renovar, 1995.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 131

Isto não quer dizer que o Estado não possa exercer o controle sobre as atividades religiosas. Uma vez verificada a existência de simulação ou de atos contrários à mo-ral e aos bons costumes, operar-se-á o cancelamento da imunidade.

b.2. Imunidade dos sindicatos dos trabalhadores

Para garantir a autonomia sindical, o mesmo dispositivo constitucional confere imunidade aos sindicatos de trabalhadores. Sindicatos patronais não estão abrangi-dos. Já as federações e confederações sindicais de trabalhadores são beneficiários da imunidade.

Esta imunidade não está ligada a um direito fundamental, como ressalta o Ricar-do Lobo Torres153, mas a direitos sociais, não constituindo, por via de conseqüência, uma imunidade propriamente dita.

b.3. Imunidade dos partidos políticos e suas fundações

Visando a liberdade de manifestação política, a Constituição Federal consagra no art. 150, VI, c, a imunidade dos partidos políticos. Aqui, não se exige representa-ção no Congresso Nacional, bastando ter registro no Tribunal Eleitoral competente para que já seja considerado como tal.

A imunidade dos partidos políticos se estende às suas fundações, conforme a dicção do art. 150, VI, c, da Constituição Federal. Atualmente, é muito comum a utilização das fundações para o estudo e divulgação da ideologia, o que justificaria a imunidade.

São imunes as doações recebidas, a contribuição recebida por seus filiados, as aplicações financeiras, e todos os demais fatos ligados a seu patrimônio.

b.4. Imunidade das entidades de assistência social

Discute-se na doutrina e na jurisprudência se, conforme já decidido pela 2ª Turma do STF, o conceito de entidade de assistência social adotado pelo art. 150, VI, c, da CF, seria o mesmo do art. 203 do Texto Maior, que insere no conceito de assistência social o caráter altruístico, ou seja, a prestação de serviços a quem de-les necessitar, independentemente de qualquer contraprestação.154 Porém a matéria ainda não é pacífica no STF, não sendo poucas as vozes na doutrina e na jurispru-dência que entendem ser entidade de assistência social qualquer pessoa jurídica que se dedique à saúde, previdência, e à assistência social, desde que sem fins lucrativos e cumpridos os requisitos previstos em lei.155

Os requisitos previstos na lei para que seja imune uma entidade de assistência social sem fins lucrativos são os do art. 14 do CTN:

a) não distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação nos resultados;

b) aplicar os seus recursos integralmente nas atividades institucionais desenvol-vidas no Brasil;

153 Ob. cit. p. 221.

154 STF, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos

Velloso, DJU de 22/11/96, p.

45.703, apud “Revista dos Pro-

curadores da Fazenda Nacional”.

vol. 2, Ed. Forense/CEJ do SIN-

PROFAZ, 1998, p. 196

155 Por todos, ver Misabel Abreu

Machado Derzi, nas notas de

atualização de Direito Tributário

Brasileiro, de Aliomar Baleeiro,

Ed. Forense, 11ª edição, 1999,

pp. 138 e segs.

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c) manter escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de forma-lidades capazes de assegurar sua exatidão.

Cabe lembrar que o artigo 14 do CTN não indica que a gratuidade dos serviços prestados constitui requisito para o gozo da imunidade, como ocorre na Alemanha, por exemplo.

O Supremo Tribunal já reconheceu em várias oportunidades a imunidade de hospitais que não prestam assistência gratuita e a colégios e faculdades que cobram mensalidades compatíveis com outras instituições privadas156, ressaltadas as opi-niões contrárias do próprio Supremo Tribunal Federal157. Vale colocar em desta-que ementa de acórdão do pleno do STF que, ao apreciar a questão envolvendo a imunidade das entidades fechadas de previdência privada, entendeu que “o fato de mostrar-se onerosa a participação dos beneficiários do plano de previdência privada afasta a imunidade prevista na alínea “c” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal”, in verbis:

“Recurso extraordinário. Entidade fechada de previdência social. Imunidade tributária. – O Plenário desta Corte, ao julgar o RE 259.756, firmou o entendi-mento de que a imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, “c”, da Cons-tituição apenas alcança as entidades fechadas de previdência privada em que não há a contribuição dos beneficiários, mas tão-somente a dos patrocinadores, como ocorre com a recorrida (fls. 22). Recurso extraordinário não conhecido.” (RE 259756/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, J. 28/11/2001, TRIBUNAL PLE-NO, DJ 29/8/2003).

Note-se que a intributabilidade das contribuições sociais das entidades benefi-centes de assistência social está condicionada ao atendimento dos requisitos do § 7º da Lei 9.732/98, que, apesar de não adotar o princípio da gratuidade, estabeleceu alguns parâmetros, como, por exemplo, exigiu que a entidade promova, gratuita-mente e em caráter exclusivo, assistência social beneficente a pessoas carentes, em especial, a crianças, adolescentes, idosos e portadores de deficiência.

Outra questão importante que se impõe, no estudo das imunidades, é a possibi-lidade de lei ordinária dispor sobre requisitos para o seu gozo.

Isto porque, a Constituição Federal, em seu artigo 146, II, afirmou, caber à lei complementar a regulamentação das limitações ao poder de tributar, e no art. 150, VI, “c” assegurou a imunidade das instituições de educação e de assistência social, de acordo com os requisitos da lei.

A doutrina tem admitido que a lei complementar é necessária para a legitimação dos requisitos para a imunidade (no caso, o artigo 14 do CTN). Contudo, os requi-sitos referentes à configuração das instituições imunes quanto às relações privadas poderão ser reguladas pela lei ordinária, como, aliás, podemos observar nos artigos 12 e 13 da Lei 9.532/97.

156 RE. N.º 93.463-RJ, Ac da 2ª

Turma, de 16.04.82, Relatório

Min. Cordeiro Guerra.

157 RE 108.796, Ac. Da 2ª Turma,

de 30.06.86, Rel. Min. Carlos

Madeira, RTJ 212:754.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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b.5. Instituições de educação sem fins lucrativos

Segundo leciona Aliomar Baleeiro, instituição de educação não se limita apenas à de caráter estritamente didático, englobando também toda aquela que aproveita à educação e à cultura em geral,158 como o curso de idiomas, o museu, o centro de pesquisas, etc.

O sentido da palavra instituição também é o mais amplo possível, englobando as fundações, associações, sociedades civis sem fins lucrativos, dentre outras, sendo relevante tão somente sua finalidade pública e não a forma jurídica adotada.

O fundamento da imunidade das instituições de educação, assim como as de assistência social é a proteção da liberdade, afinal não se devem tributar atividades que substancialmente se equiparam à própria atuação estatal.

Quanto aos requisitos previstos na lei, são os mesmos já estudados na imunidade das entidades de assistência social.

C) PERGUNTAS

Indique quais são as pessoas jurídicas beneficiadas, expressamente, pela imunida-de tributária e, em breves palavras, discorra sobre a aplicação do benefício sobre as mesmas. O requisito gratuidade é essencial para o enquadramento de determinada PJ como sendo de assistência social, para fins de concessão de imunidade revista no art. 150 – da CRFB/88?

D) CASO GERADOR

Objetivando impedir que as instituições financeiras procedessem à retenção do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre suas operações bancárias, o curso de idiomas “Cultura Inglesa”, entidade de ensino sem fins lucrativos, recorreu à Justiça para impedir que qualquer ato voltado à exigência de tal im-posto viesse a ser praticado pela Fazenda Nacional. Na qualidade de juiz da causa, você julgaria procedente o pedido formulado pela Cultura Inglesa? Justifique: (RE 249980 AgR / RJ)

Determinada entidade religiosa situada no Município de Jales, além do imó-vel no qual realiza os seus cultos religiosos, possui uma série de outros imóveis alugados, cuja renda decorrente desses aluguéis apresenta-se necessária à ma-nutenção de suas regulares atividades. Considerando que nesses outros imóveis não há qualquer prática de atividade religiosa, analise a constitucionalidade da exigência de IPTU sobre os mesmos. (RE 325.822, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 14/05/04)

158 BALEEIRO, Aliomar. Ob. Cit.,

p. 137.

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E) QUESTÕES DE CONCURSO

1. Entidade beneficente de assistência social, sem fins lucrativos e que preencha os requisitos para fruição de imunidade tributária, está sujeita, em princípio:

a) Às taxas, à contribuição de melhoria e à contribuição de seguridade social; b) Aos impostos sobre o patrimônio, às taxas e à contribuição de seguridade

social; c) Às taxas e à contribuição de melhoria; d) Às taxas e à contribuição de seguridade social.

(19º exame da OAB)

F) BIBLIOGRAFIA

Idem à aula passada.

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1.19. AULA 19. A IMUNIDADE DOS LIVROS, JORNAIS, PERIÓDICOS E O PAPEL DESTINADO A SUA IMPRESSÃO. IMUNIDADES ESPECÍFICAS

A) OBJETIVO

Analisaremos hoje a garantia de imunidade reconhecida pela Constituição para alguns bens específicos. É o que se entende por Imunidade Objetiva.

B) INTRODUÇÃO

Na Constituição da República de 1988 são estabelecidas diversas categorias de imunidades, sendo algumas de caráter subjetivo e outras de caráter objetivo. A imu-nidade dos livros, jornais, periódicos e papel destinado a sua impressão é objetiva,159 na medida em que se refere especificamente à coisa: papel de impressão ou livro, jornal, periódico.

Em que pese o caráter objetivo da imunidade em comento, ela está dirigida à proteção de meios de comunicação de idéias, conhecimentos, informações, enfim, os meios de expressão do pensamento, protegendo o veículo, a fim de alcançar a sua finalidade precípua que é a propagação de idéias no interesse sócio-cultural.

A imunidade do livro é tradicional no ordenamento jurídico brasileiro, tendo como fundamento a importância da proteção e divulgação de conhecimentos, in-formações, idéias, enfim, a difusão da cultura.160

Não são imunes os outros insumos, como as máquinas e as tintas, mas somente o papel, tendo o STF englobado, ainda, o filme fotográfico.161

São imunes todos os livros, jornais e periódicos, independentemente do seu conteúdo cultural, ou moral e, até mesmo, pornográfico. Não é dado ao legis-lador estabelecer a censura através da tributação. Considerou o STF imune as listas telefônicas, por sua utilidade pública, negando, porém, o mesmo direito às páginas amarelas, por entendê-las como sendo livro destinado, apenas, a vender produtos.

Visto isto, importa saber se o livro eletrônico está acobertado pela imunida-de tributária do livro tradicional. Sobre o tema, divide-se a doutrina, revelan-do a importância acadêmica do assunto, não se podendo esquecer do aspecto econômico, em face do notório crescimento da indústria informática no Brasil e no mundo.

De acordo com o que defende Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho,162 a norma constitucional teria elegido tão-somente as obras cujo suporte físico seja o papel, não sendo possível, no caso, a utilização da analogia integrativa no sentido de ampliar o alcance da norma constitucional limitadora do poder de tributar. Depreende-se, ainda, da posição em comento, que a única forma de tornar o livro eletrônico imune à tributação seria por meio de uma reforma do texto constitucional.

159 Vide Aliomar Baleeiro. Ob.

cit. p.340. Esse entendimento

prevalece na doutrina e na ju-

risprudência até os dias atuais,

ressalvando-se, entretanto, que

a publicidade paga, veiculada

em livros, jornais e periódicos

também está abrangida pela

imunidade em relação ao Im-

posto Sobre Serviços de Qual-

quer Natureza. A conclusão que

se chegou é que como o objeti-

vo da imunidade é, exatamente,

reduzir o custo de produção de

jornais, livros e periódicos, há

que se estender o seu campo

de incidência ao imposto sobre

serviço que, transferindo-se

ao preço final do produto, cau-

saria, invariavelmente, o seu

aumento.

160 Nesse sentido, observa Ber-

nardo Ribeiro de Moraes: “Esta

imunidade tributária é objetiva

e, para o papel, condicionada,

alcançando os referidos bens.

O escopo dessa vedação de im-

posto é a divulgação de idéias,

a difusão da cultura, de conhe-

cimentos e informações, desde

que o instrumento utilizado

seja o papel (livros, jornais, pe-

riódicos e o papel destinado

à sua impressão). Trata-se de

uma imunidade tributária que

vem sendo consagrada há mais

de 44 (do papel) ou 27 anos

(dos livros) pelas Constituições

brasileiras, o que representa um

princípio constitucional já arrai-

gado na tradição jurídica e na

própria sociedade nacional, que

mantém a proteção dos bens

arrolados”. “A Imunidade Tribu-

tária e seus Novos Aspectos”. In

Revista Dialética de Direito Tribu-

tário, n. 34. São Paulo, Oliveira

Rocha, 1998, p. 35.

161 STF, 1ª Turma, RE 220.154/

RS, Rel. Min. Octavio Gallotti,

DJU de 23/10/98, p. 11.

162 “A Não-Extensão da Imunida-

de aos Chamados Livros, Jornais

e Periódicos Eletrônicos”. In Re-

vista Dialética de Direito Tribu-

tário, n. 33. São Paulo, Oliveira

Rocha, 1998, p. 134.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 136

Vale destacar, ainda, o posicionamento do professor Ricardo Lobo Torres, cor-roborando o entendimento de que os livros eletrônicos estão sujeitos à tributação, em razão, inclusive, da própria vontade do legislador constituinte de 1988. Assim, afirma o ilustre professor que:

“não guardando semelhança o texto do livro e o hipertexto das redes de informá-tica, descabe projetar para este a imunidade que protege aquele.(...)

Não se pode, conseqüentemente, comprometer o futuro da fiscalidade, fechando-se a possibilidade de incidências tributárias pela extrapolação da vedação constitucional para os produtos da cultura eletrônica.(...)

Quando foi promulgada a Constituição de 1988, a tecnologia já estava suficien-temente desenvolvida para que o constituinte, se o desejasse, definisse a não incidência sobre a nova média eletrônica. Se não o fez é que, a contrário sensu, preferiu restringir a imunidade aos produtos impressos em papel.163”

Segundo os autores da tese restritiva, o que está verdadeiramente amparado pela imunidade tributária é apenas a mídia escrita tipográfica, tendo, pois, como base o papel, não sendo acolhida nem mesmo a mídia sonora ou audiovisual, nem tam-pouco os chamados livros eletrônicos.

Divergindo da tese acima exposta, há autores que defendem que a vedação ao poder de tributar em análise também abrange o livro eletrônico. Dentre estes auto-res, encontra-se Roque Antônio Carrazza, que faz as seguintes ponderações:

“São os fins a que se destinam os livros e equivalentes – e, não, sua forma – que os tornam imunes a impostos. Livros, na acepção da alínea d, do inc. VI, do art. 150, da CF, são os veículos do pensamento, vale dizer, os que se prestam para difundir idéias, informações, conhecimentos, etc. Pouco importam o suporte material de tais veículos (papel, celulóide, plástico, etc.) e a forma de transmissão (caracteres alfabéticos, signos Braille, impulsos magnéticos, etc.).164”

Os defensores da imunidade tributária dos livros eletrônicos partem da premissa de que a liberdade de pensamento, expressão e do livre acesso à informação – di-reitos subjetivos públicos – constituem imunidades genéricas. Ou seja, o sistema tributário constitucional reconhece, de um lado, o poder de tributar estabelecendo normas rígidas e inflexíveis de competências. Por outro lado, estabelece normas e princípios que excluem a competência tributária objetivando preservar direitos fundamentais.

Desse modo, a imunidade do papel destinado à impressão não pode acabar por excluir da proteção da norma outros instrumentos de exteriorização e difusão da cultura que, pela evolução tecnológica, não necessitam ser impressos. Neste sentido, salienta Tercio Sampaio Ferraz Junior:

“O importante aqui é sublinhar que a imunidade é, primariamente, para o ve-ículo da mídia escrita e, acessoriamente, para o papel. Assim, se, por exemplo, o

163 TORRES, Ricardo Lobo. “Imu-

nidade Tributária nos produtos

de informática”. In Caderno do

5.º Simpósio Nacional IOB de

Direito Tributário, livro de apoio,

pp. 95, 98, 99.

164 “Importação de Bíblias em Fi-

tas – sua Imunidade – Exegese

do art. 150, VI, d, da Constitui-

ção Federal”. In Revista Dialética

de Direito Tributário, n. 26. São

Paulo, Oliveira Rocha, 1997,

p. 139.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 137

livro é imune, não cabe, aí sim, ao exegeta distinguir onde a norma não distinguiu, isto é, não lhe cabe decompor o livro nos seus elementos materiais e imateriais, para aceitar alguns e excluir outros. Afinal, imune é o livro, com tudo o que o compõe. Sua imunidade é autônoma em relação ao papel, embora possa ser reconhecido que a imunidade do papel, porque acessória, não é autônoma em relação ao livro, ao periódico e ao jornal. Destarte, como assinala Baleeiro, mesmo sem constatar expres-samente, a imunidade é para o papel destinado exclusivamente à impressão, mas não é exclusivamente para o papel!”165

Como se pode notar, para essa corrente, a mídia escrita não se confunde com o seu suporte, mesmo que somente com ela forme uma integralidade. Por esta razão, quando a Constituição garante a imunidade de livros, periódicos e jornais, deve-se estender esta imunidade a toda a mídia escrita, como forma de garantia da liberdade.

C) PERGUNTAS

É correta a afirmação no sentido de que a “Playboy” goza da mesma imunidade fiscal que os códigos jurídicos? Os livros eletrônicos estão abrangidos pela imunida-de concedida pelo artigo 150, VI, “d”, da Constituição Federal?

D) CASO GERADOR

Objetivando ter declarada sua imunidade contra a exigência de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (ICMS) incidente sobre a venda de álbuns de figurinha, a Editora Globo S/A propôs perante ao Poder Judiciário Ação Ordinária Declarató-ria, alegando o disposto no artigo 150, VI, “d”, da CRFB/98. Na qualidade de juiz da causa, você daria provimento à pretensão da empresa? Justifique. (RE 221.239, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 06/08/04)

Utilizando-se do argumento no sentido de que a imunidade conferida pelo ar-tigo 150, VI, “d”, da CRFB/88 volta-se a estimular a produção e disseminação de cultura no País, determinada empresa recorreu ao Poder Judiciário objetivando ter reconhecida a imunidade tributária sobre a importação de tinta para impressão de jornal. Merece a pretensão dessa empresa ser acolhida?

E) QUESTÕES DE CONCURSO

1. Em sede de imunidades tributárias, é correto afirmar que a) os prédios públicos federais ou estaduais são imunes à cobrança de taxa de

serviço. b) as livrarias ou bancas de jornais são imunes à cobrança do IPTU.

165 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sam-

paio. “Livros eletrônicos e Imu-

nidade Tributária”. In Cadernos

de Direito Tributário e Finanças

Públicas. N. 22. São Paulo: Re-

vista dos Tribunais, 1998, p. 36.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 138

c) os entes públicos são imunes ao IPI e ICMS quando adquirem bens no mer-cado interno.

d) somente os entes autárquicos federais são imunes à tributação. e) as empresas públicas e sociedades de economia mista não gozam de imuni-

dade recíproca.(Juiz do Tribunal Regional Federal da 5ª Região)

F) BIBLIOGRAFIA

Idem à aula anterior mais:FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. “Livros eletrônicos e Imunidade Tributá-

ria”. In Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas. N. 22. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 36.

MORAES, Bernardo Ribeiro de. “A Imunidade Tributária e seus Novos Aspec-tos”. In Revista Dialética de Direito Tributário, n. 34. São Paulo, Oliveira Rocha, 1998, p. 35.

TORRES, Ricardo Lobo. “Imunidade Tributária nos produtos de informática”. In Caderno do 5.º Simpósio Nacional IOB de Direito Tributário, livro de apoio, pp. 95, 98, 99.

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1.20. AULA 20. OUTRAS VEDAÇÕES

A) OBJETIVO

O objetivo da aula de hoje consiste em estudarmos algumas outras limitações ao poder de tributar do Estado estabelecidas pela Constituição. A diferença das aulas passadas é que o foco dessas limitações não é a proteção do contribuinte propriamen-te dito, mas a garantia do equilíbrio institucional do Estado. Dessa forma, os princí-pios que fundamentam essas limitações denominam-se princípios institucionais.

B) INTRODUÇÃO

Princípio da uniformidade geográfica ( art. 151,I)

Nos termos dispostos no artigo 151, I da CRFB/88, nota-se que a tributação federal tem que ser nacional e uniforme em todo o país, de modo que, não pode a União criar alíquotas diferenciadas em seus impostos para determinados municí-pios. Tal regra, no entanto, não é absoluta, de fato, nada impede que sejam criados incentivos fiscais vinculados ao desenvolvimento das regiões mais atrasadas do país. Pode-se criar benefícios fiscais que se limitem às regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, bem como fundos como a Sudam, que vão promover o engrandecimento do desenvolvimento da economia dessas regiões.

Princípio da igualdade dos entes da Federação no que tange suas obrigações (art. 151,II)

Tal princípio abrange o conceito da Igualdade, tanto na tributação das obriga-ções da dívida pública de União, Estados e Municípios, quanto na remuneração dos agentes públicos de União, Estados e Municípios.

Vale notar, contudo, que, este dispositivo é de todo desnecessário, visto que sua primeira parte trata de algo já imune (o imposto federal que incidiria sobre as obri-gações da dívida pública seria o IOF - mas não vai incidir o IOF sobre as operações de crédito da União, Estados e Municípios em face da imunidade recíproca). A segunda parte, por sua vez, também é desnecessária, pois é claro que não se pode tributar o servidor público federal em níveis menos elevados que os servidores pú-blicos estaduais e municipais, eis que estar-se-ia violando o princípio constitucional da isonomia.

Art. 151, III

Neste dispositivo a Constituição Federal veda a concessão de isenções heterô-nomas, que são isenções concedidas por quem não tem competência tributária.

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Exemplo: A União isentando impostos de Estados e Municípios. A isenção heterô-noma, de certa forma, contraria os princípios federativos, portanto ela tem que estar expressa na Constituição Federal.

Na Constituição passada havia autorização para a União conceder isenção de tri-butos estaduais e municipais (era uma Constituição centralizadora, um federalismo autoritário, onde prevalecia a figura da União).

A esta vedação, no entanto, contempla duas exceções, quais sejam:

(1) O ICMS na exportação, que pode ser objeto de isenção concedida por lei complementar, segundo o art 155, §2º,XII, e;

(2) O ISS para serviços prestados no exterior, que também pode ter isenção con-cedida por lei complementar, prevista no art. 156, §3º, II.

Princípio da vedação da distinção quanto a origem e o destino das mercadorias (art. 152)

Os Estados e Municípios não podem fazer distinção entre bens de procedência de outros Estados e Municípios, vale dizer: não podem levantar barreiras alfan-degárias.

Será que os Estados podem tributar diferentemente bens provenientes de outros países? Houve um caso famoso do IPVA dos veículos estrangeiros; os Estados do RJ e SP criaram alíquotas diferentes para os veículos de origem estrangeira e a ma-nifestação nos tribunais de justiça foi no sentido de que isso violaria o art. 152. Os Estados alegam que esse artigo 152 veda a discriminação quanto a procedência de outros Estados, e não de outros países. Mas ainda que assim fosse, ainda que o art. 152 só proibisse a distinção quanto a origem de outro Estado ou Município, o Esta-do não poderia tributar o comércio exterior por ausência da competência legislativa e funcional. Então, diante da impossibilidade de se estabelecer tal distinção, hoje as alíquotas são iguais para carros nacionais e estrangeiros.

Quando a União celebra um tratado internacional, não é a União que concede benefício fiscal, é a Federação. Então, a competência da República Federativa do Brasil como uma entidade de direito público internacional, não se limita às com-petências definidas no direito interno e atribuídas à União. Logo, é possível um tratado internacional estabelecer benefícios fiscais em matéria de ICMS e tributos estaduais.

C) PERGUNTAS

O que são princípios institucionais? Pode a União Federal conceder isenção de tributo estadual, tal como o ICMS e o IPVA? Em breves palavras explique os prin-cípios constantes nos artigos 151, I e II, da Constituição Federal.

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FGV DIREITO RIO 141

D) CASO GERADOR

A União Federal, com o especial objetivo de facilitar o acesso à Justiça editou Lei concedendo isenção ao pagamento das custas e emolumentos judiciais na Justiça Estadual. Considerando que tais custas são verdadeiras taxas e, portanto, possuem natureza tributária, analise a constitucionalidade desta isenção. (ADC 5-MC)

E) BIBLIOGRAFIA

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.MACHADO, Hugo de Brito, Curso de direito tributário. 13ª ed., São Paulo,

Malheiros, 1998.PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. 7ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advo-

gado, 2005.TORRES, Ricardo Lobo, Curso de Direito Financeiro e Tributário, Rio de Janeiro

– São Paulo, Renovar, 2003.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 142

1.21. AULA 21 – LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA. AS NORMAS TRIBUTÁRIAS: A CONSTITUIÇÃO E A EMENDA CONSTITUCIONAL. AS CLÁUSULAS PÉTREAS

A) OBJETIVO

A aula de hoje tem por finalidade apresentá-los ao termo “legislação tributária”, bem como ao importante papel desenvolvido pela Constituição Federal e o limite das suas alterações implementadas pelas Emendas Constitucionais.

B) INTRODUÇÃO

A expressão “legislação tributária” é ampla, englobando não só a lei em sentido formal, como também o regulamento. Quando falamos em lei tributária, é a lei em sentido formal. Quando se fala em legislação tributária, é o conceito amplo de lei em sentido material.

Lei, em sentido formal, corresponde à lei emanada pelo Poder Legislativo de acordo com o processo legislativo constitucionalmente previsto; tem força de lei. Lei, em sentido material, tem um sentido mais amplo, que abrange, também, o ato normativo (ato que vai, em caráter abstrato e genérico, dispor sobre relações jurídi-cas, ao contrário do ato de efeitos concretos).

Antes de entrar propriamente na vigência, aplicação, interpretação e integração da lei tributária, que é um tema bastante importante, vamos verificar quais são as espécies normativas existentes no sistema tributário nacional.

Em primeiro lugar, convém evitar a figura da pirâmide de Kelsen. Em nosso ordenamento não há uma hierarquia, o que há é uma repartição de competências; todos os diplomas previstos buscam seu fundamento de validade na Constituição Federal. Pode até se dizer, em direito tributário, que as normas gerais têm hierarquia sobre as leis instituidoras dos tributos, porque estas, obrigatoriamente, devem estar de acordo com aquelas. A Constituição Federal atribui competências privativas ao Poder Executivo que não devem ser reguladas por lei, tal como ocorre na competên-cia conferida ao Presidente da República para nomear seus Ministros.

No que é pertinente ao Direito Tributário, a Constituição Federal desenvolve pa-pel de suma importância, tecendo, em detalhes, importantes considerações sobre:

– repartição das competências tributárias– repartição das receitas tributárias– limitações constitucionais ao poder de tributar (cabe à Constituição Federal

criar essas limitações e à lei complementar regulá-las).

Emenda Constitucional é a alteração de dispositivos constitucionais por obra do constituinte derivado. Essas emendas vão encontrar limitações circunstanciais e limitações materiais. A respeito destas últimas, destaca-se que elas se referem às

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cláusulas pétreas, as quais, embora possam ser alteradas, não podem ter seu núcleo essencial restringido. O art. 60, § 4º, da Constituição Federal prevê as cláusulas pétreas.

Em matéria tributária, pode-se dizer que a repartição da forma federativa de estado e os princípios constitucionais tributários são verdadeiras cláusulas pétre-as, as quais, ao menos em tese, podem ser alteradas por Emenda Constitucional. Diante disso, é correta a afirmação no sentido de que qualquer emenda que altere a distribuição de competência entre União, Estados e Municípios é inconstitucional? Não, toda reforma tributária no Brasil é uma reforma constitucional; o que não pode haver é um desequilíbrio do federalismo fiscal, o pacto federativo financeiro estabelecido pela Constituição Federal de 1988.

Do ponto de vista do direito financeiro e tributário, só violaria a cláusula pétrea a Emenda que deixasse o Estado sem dinheiro (com obrigações, mas sem recursos para adimpli-las). Não basta a Emenda Constitucional manter o equilíbrio de recei-tas, é preciso manter o equilíbrio de competências tributárias, porque a repartição de receitas num sistema tributário de uma federação não pode se basear na reparti-ção de receitas; a repartição de receitas é para equalizar a repartição. Só quem tem competência tributária pode estabelecer uma política fiscal (a autonomia adminis-trativa); quem não tem competência vai governar de acordo com as prioridades do poder central.

Por isso que a idéia de um imposto único não vigora mais; pois o imposto único, naturalmente, não seria estadual nem municipal, mas um imposto da União, que repassaria dinheiro para Estados e Municípios. Se a União resolvesse criar incentivos fiscais, e não incrementar essa arrecadação, ela estaria inviabilizando o funciona-mento de Estados e Municípios. Então, se for conferida uma repartição desigual de competências tributárias, está se fazendo com que a União determine em que medida Estados e Municípios vão atender às suas obrigações constitucionais. Por esta razão é que a Emenda em tramitação no Congresso cujo conteúdo consiste em transferir para a União a competência para fiscalizar, legislar e arrecadar o ICMS afigura-se inconstitucional.

Não é qualquer reforma tributária que viola o pacto federativo, mas somente aquela que inviabiliza a autonomia administrativa. No regime federativo cada enti-dade da federação precisa ter pelo menos um imposto de larga base econômica para poder custear suas despesas.

Nas cláusulas pétreas tributárias há os direitos e garantias individuais. E a pri-meira discussão que se tem é se essas cláusulas pétreas englobam apenas os direitos individuais, ou também os direitos fundamentais, que possuem conceito mais am-plo. Ricardo Lobo Torres, por exemplo, diz que direitos fundamentais são direitos individuais, porque os direitos sociais não podem ser cumpridos pelo Estado se não existirem recursos orçamentários, enquanto os direitos individuais derivam de uma simples abstenção estatal. Então, diz ele, não se pode dar o mesmo tratamento aos direitos sociais e fundamentais.

A rigor, os próprios tratados de que o Brasil faz parte, que incluem os diretos so-ciais no âmbito dos direitos fundamentais, resolvem essa questão ao dizer que os di-

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reitos individuais e políticos são de cumprimento obrigatório e imediato por todos os países signatários, enquanto os direitos sociais e econômicos são de cumprimento progressivo à medida da disponibilidade orçamentária para todos os Estados.

Quando o Supremo teve a oportunidade de declarar os princípios constitucio-nais tributários como cláusulas pétreas, ele inseriu também princípios baseados em direitos sociais, tal como a imunidade sindical, que se baseia em um direito social (que é a autonomia sindical). O Supremo, assim, não fez distinção entre direitos individuais e sociais.

Não é possível ao legislador constituinte derivado excepcionar, extinguir ou res-tringir a aplicação desses princípios em relação a determinados tributos.

C) PERGUNTAS

tributárias?

pétreas. -

das?

D) CASO GERADOR

O artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91 reconheceu às sociedades civis de prestação de serviços profissionais o direito de serem isentas da COFINS. Posteriormente, com a edição da Lei Ordinária nº 9.430/96, o legislador fede-ral determinou a revogação de tal dispositivo, afirmando que, a partir de então, todas essas sociedades deveriam proceder ao regular pagamento da mencionada contribuição.

Diante deste conflito, a OAB, objetivando defender os interesses da classe dos advogados, impetrou mandado de segurança para impedir a prática de quaisquer atos tendentes à exigência da COFINS, uma vez que, tendo o benefício da isen-ção sido concedido por meio de Lei Complementar (cujo quorum de aprovação exige maioria qualificada), não poderia o mesmo ser revogado por simples lei ordinária.

Por outro lado, defende a União Federal que o artigo 6º da LC 70/91, embora formalmente possua natureza complementar, materialmente possui natureza de lei ordinária, e, portanto, seria legítima a revogação em comento.

Deve a segurança pretendida pela OAB ser concedida ao final do processo?

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E) QUESTÃO DE CONCURSO

(Controladoria da Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro)1. No que concerne à delegação de competência para definir os elementos do tribu-to – sujeitos, base de cálculo e alíquota – é correto afirmar que:

a) é livre, passível de definição através de convênios.b) pode ocorrer, desde que disciplinada em lei complementar.c) não é possível, visto inexistir autorização na Constituição Federal.d) é possível, quanto às espécies tributárias cuja receita submete-se à distribuição.

F) BIBLIOGRAFIA

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 13ª ed. São Paulo: Ma-

lheiros, 1998.RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do Contribuinte: Legalidade,

Não-Surpresa, e Proteção à Confiança Legítima. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

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1.22. AULA 22 – OS TRATADOS INTERNACIONAIS E A LEI COMPLEMENTAR.

A) OBJETIVO

Estudaremos o papel desenvolvido pelos tratados internacionais dentro do siste-ma tributário nacional, bem como a sua relação com a legislação tributária interna. Veremos, também, as funções constitucionais das Leis Complementares e a sua importância na regulação da atividade fiscal do Estado.

B) INTRODUÇÃO

O tratado internacional vai ser celebrado pelo Poder Executivo, pelo Presidente da República e seus embaixadores, mas deve ser aprovado pelo Congresso Nacional, através de um decreto legislativo. Depois desse Decreto Legislativo, o tratado pre-cisa ser ratificado pelo Presidente da República, através de um decreto presidencial. Com a publicação desse decreto do Presidente no Diário Oficial, o tratado insere-se dentro da ordem jurídica interna.

Hoje, prevalece no Brasil a teoria dualista, que diz que o tratado tem uma va-lidade na ordem internacional e outra validade na ordem interna. O tratado tem validade na ordem internacional no momento em que o governo brasileiro, depois desses procedimentos, acredita o tratado, depositando o tratado no consulado do outro país contratante. Na ordem interna, o tratado tem validade como lei interna no momento em que o decreto do Presidente é publicado no Diário Oficial.

O Supremo era adepto da teoria monista, mas adotou a teoria dualista a partir do Recurso Extraordinário nº 80.004. Nesse acórdão, não estava em julgamento matéria tributária, mas sim cambial. Então, o Supremo, naquela ocasião, entendeu que não há hierarquia entre o tratado, que é aprovado por um decreto legislativo, e a lei interna. Portanto, prevalece a lei posterior sobre a lei anterior (se o tratado vier depois da lei, revoga a lei; se a lei vier depois do tratado, revoga o tratado). Essa decisão foi criticada pelos internacionalistas, que tendem a defender que, quando o Brasil não tem mais interesse pelo tratado, deve denunciá-lo e não unilateralmente aprovar uma lei modificando o seu conteúdo. Mas essa discussão já está superada pela decisão do Supremo.

No direito tributário temos como peculiaridade o artigo 98 do CTN, que esta-belece entre o tratado e a lei interna uma hierarquia – a hierarquia do tratado sobre a lei interna. O tratado revoga, mas não é revogado. Aqui há uma controvérsia: muitos sustentam que o CTN não poderia fazê-lo, porque a validade das normas jurídicas devem estar estabelecidas na Constituição Federal, e não na lei de normas gerais, e logo não haveria hierarquia entre o tratado e a lei interna.

Quando há duas normas antinômicas, os critérios para a resolução da contradi-ção são:

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– hierarquia;– especialidade;– cronologia;

Se há hierarquia, para aqueles que entendem que o art. 98 do CTN pode estabe-lecer essa hierarquia, não há controvérsias, pois vai prevalecer sempre o tratado. Essa é a doutrina majoritária. Mas há uma outra corrente que nega essa hierarquia, e vai resolver o problema pela questão da especialidade, ou seja, o tratado, geralmente, é especial em relação à lei interna, porque a lei interna é a lei de incidência e o tratado, em regra, é uma lei de isenção; então (o tratado) vai prevalecer não por hierarquia, mas por especialidade.

Existem tratados genéricos, como o GATT. O art. VII do GATT define a base de cálculo do imposto de importação dos países signatários, havendo então uma antinomia entre lei interna genérica e tratado genérico; vale dizer, entre o art. 20, I, do CTN e o art. VII do GATT.

Não existe a figura da União na ordem internacional; ela é pessoa jurídica de di-reito público interno. Assim como os Estados e Municípios, a República Federativa do Brasil é que existe na ordem internacional, sendo composta pelas vontades da União, Estados e Municípios. Não se pode dizer que um país que adote o sistema fe-derativo não pode acordar com outros países matérias que, dentro do âmbito inter-no, sejam matérias dos Estados e Municípios. Isso seria isolar os regimes federativos dentro da ordem internacional, pois para fazer o Mercosul, por exemplo, teríamos que chamar todos os prefeitos, governadores e o Presidente do Brasil... e isso seria um absurdo. Os Estados não aparecem na ordem internacional.

No regime presidencialista, o Presidente da República não é só o chefe do Poder Executivo da União; ele é chefe de Estado, do Estado Federal. A decisão do Supre-mo deve ser no sentido da possibilidade do tratado internacional conceder isenção de tributo estadual e municipal.

Outra discussão interessante a respeito dos tratados internacionais em matéria tributária é o GATT. GATT é o acordo geral de tarifas aduaneiras e comércio – um tratado internacional que tem mais de cem países signatários e que veio ser o em-brião da chamada OMC (Organização Mundial do Comércio). Quando houve a criação da ONU, ocorreu a criação de vários institutos setoriais (FMI, OIT, OIC, etc.). Só que os Estados Unidos nunca aderiram à OIC, a qual nunca saiu do papel. Então o GATT funcionava não só como um tratado internacional, mas como uma instituição informal; não existia como uma pessoa jurídica de direito, ele era um tratado, mas informalmente, na ausência da OIC, vinha fazendo instituições de comércio. Com a criação da OMC na década de 1990, o GATT passa a ser apenas o tratado.

O GATT, entre outras medidas, estabeleceu um tratamento idêntico entre pro-dutos dos países signatários. Então, os países signatários se obrigavam a dar um tratamento ao produto estrangeiro similar ao que dão ao produto nacional, a partir de listas de produtos anexas ao GATT. O exemplo mais famoso é o do bacalhau: o Brasil e a Noruega são signatários do GATT e o bacalhau é um dos produtos na lista

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do GATT; assim, muito embora o Brasil não produza bacalhau, o STJ vislumbrou sua semelhança com o pirarucu, concedendo isenção tributária a este.

D) LEI COMPLEMENTAR

Diz-se que lei complementar é a lei da federação, lei nacional, que vincula as três esferas jurídicas – União, Estados e Municípios –, ao contrário da lei federal que trata só da esfera da União. Essa idéia de lei complementar como lei nacional surge no Brasil no regime federativo.

O critério para escolher entre lei complementar e lei ordinária é casuístico; o constituinte elege determinada matéria como mais importante, exigindo lei com-plementar.

Se o Congresso tratar de matéria atribuída a lei complementar por lei ordinária, essa lei não vale, é inconstitucional. Se o Congresso tratar de matéria atribuída a lei ordinária por lei complementar, essa lei vale, mas formalmente será uma lei comple-mentar, apesar de ser materialmente uma lei ordinária.

Funções da lei complementar na Constituição Federal de 1988

Art. 146, I, C.F.: “Cabe à lei complementar dispor sobre conflitos de compe-tência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.”

Tal dispositivo tem por finalidade esclarecer as zonas cinzentas onde há dúvidas sobre a competência tributária (por exemplo, propriedade imobiliária). Quem tem competência para tributar propriedade imobiliária? Se for rural, é de competência da União; se for urbana, do Município. Mas quem vai poder dar a definição de pro-priedade urbana e rural? Somente uma lei nacional. Então, a lei complementar vai dirimir o conflito de competência entre União, Estados e Municípios. Nesse caso, a lei complementar, que é o CTN, adotou o critério da localização (imóveis situados dentro da zona urbana do Município – IPTU; imóveis situados fora da zona urbana do Município – ITR).

Outro exemplo: há operações que envolvem a prestação de serviços e o forneci-mento de mercadorias (por exemplo, um restaurante). Quem tributa? O Estado ou o Município? O critério utilizado pelo CTN foi o seguinte: o que estiver constante na lista de serviços do ISS é tributado pelo município; por outro lado, o que estiver fora da lista de serviços será tributado pelo Estado através do ICMS.

Art. 146, II, C.F.: “Cabe à lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.”

Da simples leitura de tal dispositivo nota-se que a segunda função da lei comple-mentar não é criar limitações ao poder de tributar, mas regular as limitações cons-

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titucionais ao poder de tributar. Essas limitações consubstanciam-se nos princípios que vimos anteriormente (legalidade, isonomia, irretroatividade etc.).

Todas essas limitações têm que estar expressas no texto constitucional ou nas leis específicas dos entes da Federação, sendo vedado às leis complementares (só nacio-nais) instituir novas limitações, sob pena de suspensão da competência da União, Estado e Municípios.

Art. 146, III, C.F.: “Cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em ma-téria de legislação tributária.”

A lei complementar define conceito de tributos e suas espécies. Em relação aos impostos, é a lei complementar o instrumento legislativo legítimo para definir seus respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. Isso porque, se cada Município brasileiro pudesse definir um fato gerador diferente para o ISS, ou um contribuinte diferente para o ISS, haveria pessoas que pagariam duas ou mais ve-zes o mesmo tributo. É preciso, portanto, uma definição nacional sobre esses três elementos essenciais da obrigação tributária, de modo a garantir uma verdadeira uniformização nacional.

Quando se fala que algumas contribuições têm fato gerador de imposto, como a COFINS, o PIS e a Contribuição Sobre o Lucro, isso não significa que elas sejam impostos, segundo o que o Supremo já definiu.

Lançamento é o procedimento que vai constituir o crédito. Prescrição e deca-dência são modalidades de extinção do crédito. Há decisões do STF e do STJ no sentido de que, em relação aos fatos geradores ocorridos antes de 1988, não havia necessidade de prever causas de suspensão da prescrição em lei complementar.

Quando se fala que cabe à lei complementar dar adequado tratamento tributário ao ato cooperativo, não está-se criando nenhuma imunidade, nem isenção. Aqui, não se diz que o ato cooperativo está livre do pagamento de tributos. Diz-se, tão-somente, que o legislador deve considerar várias especificidades das cooperativas, ou seja, a Constituição Federal reconhece haver uma distinção legítima entre a coope-rativa e as outras pessoas jurídicas.

Há uma questão interessante: a Lei Complementar nº 70, que instituiu a CO-FINS (que não precisava ser instituída por lei complementar, pois não tem eficácia passiva de lei complementar), no art. 6º, tinha uma isenção para a cooperativa, e essa isenção foi revogada por medida provisória. Os contribuintes mais apressados disseram que não pode medida provisória revogar lei complementar por uma ques-tão de hierarquia (neste particular, tendo em vista que a Lei Complementar nº 70 é materialmente ordinária, tal entendimento não se afigura correto). Os contribuin-tes mais tecnicistas, espertos, disseram que a Lei Complementar nº 70, no que trata das cooperativas, é lei complementar por força do art. 150, III, c, da C.F., e sobre isso os tribunais ainda não se manifestaram.

Então, essa é a função da lei complementar, como lei nacional, como lei de nor-mas gerais. Existem outros dispositivos da Constituição Federal que pedem casuis-ticamente lei complementar, como a instituição do imposto sobre grandes fortunas,

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a instituição de empréstimo compulsório, a instituição de impostos e contribuições da seguridade social (de competência residual da União).

C) PERGUNTAS

-nas?

nacional?-

riamente, a respectiva alíquota e base de cálculo?

D) CASO GERADOR

O artigo III do Acordo Geral de Tributação (GATT) estabeleceu que o trata-mento tributário entre produto nacional e seu respectivo ou similar estrangeiro deve ser isonômico em relação às operações internas.

Considerando que as normas provenientes de tratados internacionais ingressam no ordenamento jurídico nacional com força de lei federal, analise a validade de lei estadual que institui a cobrança de ICMS sobre a importação de bacalhau de Por-tugal, quando, nas operações internas, esse produto recebe o tratamento de isento. (AgRg no Ag 438.449-STJ, Súmula 71)

O artigo 7º do Decreto nº 350/91, que deu validade ao Mercosul, estipu-lou que haveria de haver tratamento paritário entre os produtos alienígenas e nacionais no que é pertinente às isenções de impostos, taxas e outros gravames internos.

Considerando que o Estado do Rio Grande do Sul, através da Lei nº 10.908/96, conferiu isenção de ICMS à comercialização de leite neste Estado, a empresa LE-BEN REPRESENTAÇÕES COMERCIAIS impetrou mandado de segurança ob-jetivando impedir a prática de qualquer ato a ser praticado pelas autoridades fiscais gaúchas no sentido de exigi-la o pagamento do ICMS (supostamente) incidente sobre o leite importado do Uruguai.

Na qualidade de juiz da causa, analise a pretensão da empresa. (RESP 480.563)

E) QUESTÕES DE CONCURSO

(Juiz do Tribunal Regional Federal da 5ª Região)1. Em nosso sistema tributário, há consenso no sentido de que os tratados interna-cionais, firmados pelo Presidente da República,

a) se sobrepõem às normas internas de qualquer hierarquia, mesmo constitu-cional.

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b) somente podem dispor sobre matéria tributária de competência da União. c) aplicam-se no âmbito federativo federal, estadual e municipal, desde que

ratificados pelas respectivas Casas Legislativas. d) podem modificar a legislação tributária interna se forem ratificados por de-

creto legislativo do Congresso Nacional. e) não podem dispor sobre exonerações tributárias internas, de qualquer natu-

reza.

(Controladoria da Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro)2. No que se refere à alíquota máxima do ITBI de competência do Município, é certa a afirmação de que lei complementar à Constituição Federal:

a) não pode estabelecê-la, sem que primeiro seja estabelecida a alíquota mínima;b) pode estabelecê-la, se necessário para a harmonização das alíquotas;c) pode estabelecê-la, supletivamente;d) não pode estabelecê-la;

(28º exame da OAB)3. Consoante com a Constituição Federal, caberá à lei complementar disciplinar determinadas matérias, EXCETO:

a) Instituição de impostos pela União com base em sua competência residual; b) Dispor sobre substituição tributária no ICMS; c) Concessão de subsídios ou isenção, redução de base de cálculo de impostos,

taxas e contribuições; d) Regular limitações constitucionais ao poder de tributar.

(19º exame da OAB)4. Com relação aos impostos discriminados na Constituição Federal, precisam ser necessariamente disciplinados por lei complementar:

a) O fato gerador, a base de cálculo e o prazo de recolhimento do tributo; b) O fato gerador, a definição de contribuinte e o prazo de recolhimento do

tributo; c) A definição de contribuinte, o fato gerador e a base de cálculo do tributo; d) O aumento de alíquota, o prazo de recolhimento e a base de cálculo do tri-

buto.

F) BIBLIOGRAFIA

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 13ª ed. São Paulo: Ma-

lheiros, 1998.RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do Contribuinte: Legalidade,

Não-Surpresa, e Proteção à Confiança Legítima. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

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TÔRRES, Heleno Tavares. Tratados e Convenções Internacionais em Matéria Tributária e o Federalismo Fiscal Brasileiro. Revista Dialética de Direito Tri-butário, São Paulo, dez. 2002, nº 86.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6ª ed. Rio de Janei-ro: Forense, 2004.

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1.23. AULA 23 – A LEI ORDINÁRIA E A MEDIDA PROVISÓRIA.

A) OBJETIVO

A aula de hoje tem por finalidade apresentá-los às funções básicas desenvolvidas pelas leis ordinárias em nosso ordenamento tributário, bem como à origem das medidas provisórias e o seu papel como instrumento legislativo posto à disposição do Poder Executivo.

B) INTRODUÇÃO

Lei ordinária é a lei instituidora do imposto, da taxa, da contribuição de melho-ria e da contribuição parafiscal. Assim, temos lei ordinária da União para os tributos da União, lei ordinária do Estados para os tributos dos Estados e lei ordinária dos Municípios para os tributos dos Municípios.

Como já vimos, quem cria o tributo é a lei ordinária. A Constituição Federal, tão-somente, reparte competências entre União, Estados e Municípios, enquanto a lei complementar estabelece normas gerais e, em relação aos impostos, prevê fato gerador, base de cálculo e contribuinte.

O direito tributário insere-se dentro da competência concorrente (não con-fundir competência concorrente no direito tributário com competência tributária concorrente). A competência tributária concorrente é quando a Constituição Fe-deral dá a mais de um ente competência para tributar uma determinada matéria. Por sua vez, a competência concorrente no direito tributário está prevista no art. 24, onde cabe à União estabelecer normas gerais, por lei complementar, e aos Es-tados suplementarem a legislação federal, por lei ordinária. Na competência con-corrente, quando a União não estabelece a lei de normas gerais, o Estado pode exercer a competência de forma plena. O Supremo, utilizando este dispositivo, combinado com o art. 34, § 3º, do ADCT, entendeu que o Estado podia cobrar o IPVA sem lei complementar.

Vale destacar, contudo, que este entendimento do Supremo tem como alicerce fundamental a impossibilidade de haver conflito de competência entre Estados pela ausência de lei complementar, eis que cada indivíduo, independentemente da defi-nição de fato gerador, base de cálculo e contribuinte, só vai registrar o seu carro em um Estado. Tanto é assim que, com o receio de haver conflito entre os Estados, o Supremo declarou inconstitucional a instituição do adicional do Imposto de Renda por parte dos Estados, uma vez que não havia normas gerais prevendo o fato gera-dor, a base de cálculo e o contribuinte.

A fundamental diferença (formal) existente entre lei complementar e lei ordi-nária é o quorum. Enquanto a primeira somente é aprovada por maioria absoluta, a segunda reclama, apenas, maioria simples (que é a maioria absoluta entre os pre-sentes).

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É interessante observar que a lei ordinária, ao instituir determinado tributo, não deve se limitar a tal função. É preciso que preveja, também, todos os elementos necessários à sua cobrança.

Ao prever o fato gerador, base de cálculo e contribuinte, não precisa a lei ordi-nária, simplesmente, copiar o que está na lei complementar. Pode (e deve) descer a minúcias. A lei complementar, nesse mister, é um simples limite dentro do qual o legislador ordinário está autorizado a atuar (exemplo: renda). O CTN é a lei com-plementar que define seu fato gerador como sendo a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda ou provento de qualquer natureza. Diante disso, o legislador ordinário prevê centenas de incidências desse imposto, bem como de possibilidades de sua dedução.

A medida provisória é um instrumento excepcional, por meio do qual o Poder Executivo legisla. Isso na história do Brasil é associado aos momentos de autoritaris-mo. Enquanto instrumento normativo, a medida provisória é pior que o Decreto-Lei (muito utilizado nos períodos ditatoriais).

O Decreto-Lei só podia ser baixado em três casos: finanças públicas, segurança nacional e cargos e salários da União. Já a medida provisória não tem essa limitação material.

Para a instituição do Decreto-Lei havia como requisitos a relevância e a urgência, e já naquela época o Supremo entendia que não cabia o exame dos requisitos de relevância e urgência.

Diante da polêmica, relacionada à (im)possibilidade de se criar tributo por De-creto-Lei, os militares aprovaram uma Emenda onde se afirmou a competência do DL para tratar de assunto relacionado às “finanças públicas, inclusive a instituição de tributos” (art. 55, I). A partir de então, passou a ser possível a instituição de tri-buto por decreto-lei.

Durante a Constituinte de 1988 esperava-se que o Decreto-Lei fosse banido do texto constitucional. Neste sentido, vale destacar que todo o discurso que rodeava a elaboração da nossa nova Carta Constitucional apresentava um caráter parlamenta-rista que, portanto, possuía a previsão da instituição da figura da medida provisória, que era um instrumento importado da Constituição italiana parlamentarista.

No parlamentarismo, a utilização da medida provisória não causa maiores es-tranhezas, uma vez que quem governa é o Parlamento. De fato, sendo o Primeiro-Ministro deputado, e sendo seu gabinete parte do parlamento (que exerce as fun-ções do Poder Executivo), nada mais natural que o Primeiro-Ministro poder baixar medidas provisórias ad referendum dos seus pares, porque ele governa em nome do Parlamento, ele dele (Parlamento) detém a confiança.

A este respeito, destaca-se que o Primeiro-Ministro que baixar uma medida pro-visória que não for aprovada pelo Parlamento cai, e o Parlamento tem que formar um novo gabinete. No momento em que o Parlamento não tem a maioria conso-lidada para formar um novo gabinete, o Presidente da República dissolve o Parla-mento e convoca novas eleições para que o povo forme um novo Parlamento.

A manutenção da medida provisória em um sistema presidencialista como o brasileiro ocasiona uma verdadeira hipertrofia do Poder Executivo. De 1988 para

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cá, o Poder Executivo através das medidas provisórias legislou o dobro que o Poder Legislativo. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Supremo teve uma grande oportunidade de romper com sua jurisprudência passada, e dizer que não se pode criar tributo através de medida provisória. Quando criaram a discussão sobre a possibilidade de examinar os requisitos da relevância e urgência da criação de medida provisória, o Supremo limitou-se a repetir a jurisprudência antiga, afir-mando que apenas em casos teratológicos seria possível esse exame.

O artigo 62, § 1º, da Constituição Federal institui uma série de vedações quanto às matérias que podem ser tratadas através de medida provisória; dentre elas: direito penal e processual civil, organização do Poder Judiciário, as diretrizes orçamentárias e aquelas reservadas a lei complementar.

O prazo de vigência da medida provisória é de sessenta dias, prorrogáveis por uma única vez. Na hipótese de rejeição da medida, ela perde sua eficácia desde a sua primeira publicação e é vedada a sua reedição na mesma sessão legislativa. Na hipótese de ser aprovada, será a mesma convertida em lei e seus efeitos serão consi-derados desde a sua primeira publicação.

Objetivando conter o grande número de medidas provisórias que vinham sendo editadas, vale destacar que a Emenda Constitucional nº 32/2001, dando nova reda-ção ao artigo 246 da CRFB/88, vedou a edição de medida provisória relacionada a artigo da Constituição que tenha sido alterado entre os anos de 1995 e 2001.

Atualmente, o Poder Executivo não tem encontrado maiores entraves na ins-tituição de novas espécies tributárias através de medida provisória, valendo citar como exemplo a instituição das contribuições ao PIS-Importação e COFINS-Im-portação, instituídas pela Medida Provisória nº 164/04, posteriormente convertida na Lei nº 10.865/05.

C) PERGUNTAS

base de cálculo, contribuinte e fato gerador de determinado imposto cons-tante em lei complementar?

da competência residual da União Federal?

D) CASO GERADOR

A impetrante, funcionária pública federal aposentada, ajuizou ação de mandado de segurança contra ato do Ministro da Administração e Reforma do Estado, o qual, com arrimo na MP n. 1.415/96 e respectivas reedições, lhe exigiu contribui-ção previdenciária. Alegou que a MP padecia de inconstitucionalidade, uma vez

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que a CF, em seu art. 195, II, fala em “trabalhadores” (e não “aposentados”). Argu-mentou, mais, que não se pode, a teor do inciso IV do art. 194, reduzir benefícios já adquiridos e incorporados.

Levando em consideração o disposto no artigo 154, I, da Constituição Federal, analise a presente questão. (AI no MS 4.993/DF – Corte Especial do STJ)

Objetivando questionar o momento em que as modificações na exigência do PIS, instituídas pela MP 1.212, entraram em vigor, a empresa MOTOMAQ MO-TORES E MÁQUINAS LTDA. propôs ação junto ao Poder Judiciário requerendo que fosse o prazo da anterioridade nonagesimal contado da data da publicação da reedição da Medida Provisória que logrou em ser convertida em lei, e não da data da sua publicação originária.

Em conformidade com o que estudamos na aula de hoje, merece provimento o pedido formulado pela empresa? Justifique.

E) BIBLIOGRAFIA

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 13ª ed. São Paulo: Ma-

lheiros, 1998.MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do Contribuinte: Legalidade,

Não-Surpresa, e Proteção à Confiança Legítima. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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1.24. AULA 24 – A LEI DELEGADA, O DECRETO LEGISLATIVO E RESOLUÇÕES. O REGULAMENTO

A) OBJETIVO

A presente aula tem por finalidade apresentá-los a espécies normativas diferentes daquelas até hoje estudadas, cuja fiel observância dos seus requisitos formais e ma-teriais afigura-se de extrema importância na verificação da sua validade.

B) INTRODUÇÃO

Lei delegada

Prevista no artigo 68 da CRFB/88, é aquela em que o Presidente da República pede autorização do Congresso Nacional para sua elaboração. Na prática, não existe mais lei delegada no Brasil. De fato, não se precisa de delegação quando se tem competência originária para editar medida provisória.

Alguns autores discutem se é possível regular por medida provisória, convertida em lei por maioria absoluta, matéria reservada à lei complementar. O entendimento é que não, porque medida provisória não se traduz em delegação. Assim, quando a Constituição Federal fala que a medida provisória tem força de lei, refere-se a lei ordinária.

O Congresso confere ao Presidente da República a delegação através de uma re-solução do Congresso. Essa resolução pode conceder uma delegação ampla ou uma delegação restrita. Na delegação ampla, o Poder Legislativo oferecerá ao Poder Exe-cutivo competência para elaborar a lei. Então, o Presidente faz, promulga, sanciona e a publica. Na delegação restrita, o Poder Legislativo confere ao Presidente compe-tência para fazer o projeto de lei delegada, projeto este que voltará ao Congresso. O Congresso, através de votação única e unicameral, aprovará (ou não) o projeto de lei sem possibilidades de emendas.

Resoluções e decretos legislativos

Esses dois institutos são parecidos, eis que ambos tratam de matéria de com-petência exclusiva do Poder Legislativo. Aqui não há que se falar em sanção, iniciativa e veto do Presidente da República. A Constituição Federal separa as matérias de competência do Congresso Nacional (que chama de exclusivas) e as da Câmara e do Senado (que chama de privativas) – artigos 49 e 52. A diferença de competência exclusiva para competência privativa é que a privativa pode ser delegada enquanto a exclusiva é indelegável. Neste particular, vale destacar que o artigo 68 da CRFB, na verdade, está se referindo à competência exclusiva da Câmara e do Senado.

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Quando é usado o decreto legislativo e quando é usada a resolução? Se for com-petência da Câmara, usa-se Resolução; se for competência do Congresso, pode-se usar um ou outro. A Constituição Federal reclama a utilização de um e do outro casuística e indiscriminadamente. Nas hipóteses de silêncio constitucional, deve-se ir ao regimento interno do Congresso Nacional, que estabelece regras residuais.

Regulamento

O Regulamento tem a função de dar execução às leis e aos tratados. O professor Hely Lopes Meirelles prevê a possibilidade não só do regulamento de execução, mas também do chamado regulamento autônomo, que buscaria seu fundamento de validade diretamente na Constituição Federal, e não na lei. Segundo alguns autores, o regulamento autônomo seria aplicado sob três requisitos:

– Ausência de lei;– Reserva de lei;– Supremacia da lei.

Dessa forma, somente poderia ser utilizado o regulamento autônomo na hi-pótese de não existir lei tratando da matéria. Só poderia tratar de matéria se não fosse reservada à lei, como a criação dos tributos, por exemplo. Seria revogado pela superveniência de lei.

Modernamente, a doutrina administrativista não aceita a existência do Regula-mento autônomo no Brasil. Essa é a regra extraída do artigo 84, IV, da CRFB/88. No entanto, é preciso reconhecer que a regra comporta exceções previstas pela pró-pria Constituição Federal (por exemplo, o artigo 237). O Ministério da Fazenda não faz lei. A este respeito, o importante é destacar que corresponde a uma competência atribuída ao Poder Executivo e que, dentro dessa competência, o Poder Executivo baixa atos infralegais que vão buscar seus fundamentos de validade diretamente na Constituição Federal (é uma exceção).

O decreto é ato emanado pelo chefe do Poder Executivo (Presidente, Governa-dor e Prefeito). As normas complementares estão previstas no art. 100 do CTN e correspondem a todos os atos de hierarquia inferior ao decreto, expedidos por autoridades que não o chefe do Poder Executivo – Ministro, que baixa portaria, e Secretário da Receita, que baixa instrução normativa, são exemplos.

As decisões dentro do PAF (Processo Administrativo Fiscal) só valem para o interessado, para aquele contribuinte que impugnou o lançamento. No entanto, a lei poderá prever que uma autoridade atribua eficácia normativa a determinada decisão. Por exemplo: a lei diz que o Ministro da Fazenda pode dar efeitos nor-mativos a uma decisão do Conselho de Contribuintes. Nesse caso, todos os órgãos julgadores vinculados ao Ministério da Fazenda vão ter que adotar a mesma pos-tura. É uma espécie de súmula vinculante na esfera administrativa. Essa decisão normativa vale para todos; a decisão no processo vale só para um determinado contribuinte.

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Não há muito espaço para o costume no direito tributário em face do princípio da legalidade.

C) PERGUNTAS

-siva do Congresso Nacional?

dispense a participação do Presidente da República?

D) CASO GERADOR

O Estado do Rio Grande do Sul, através da Lei Estadual nº 8.820/89, previu a faculdade de redução da base de cálculo do ICMS para até 58,33% ou 41,17% nas operações com mercadorias integrantes da cesta básica.

Objetivando regulamentar a concessão deste benefício, o Regulamento do ICMS deste Estado condicionou sua concessão àquelas hipóteses em que o contribuinte não incorresse na prática de irritualidades fiscais, como a ausência de emissão de notas fiscais, por exemplo.

Tendo a Fiscalização gaúcha percebido que a empresa do Sr. Paulo havia deixado de emitir determinadas notas fiscais, foi lavrado o respectivo Auto de Infração para exigir, além da multa pelo descumprimento de obrigação acessória, o pagamento in-tegral do ICMS devido na operação sem a concessão do benefício fiscal decorrente da venda de mercadorias integrantes da cesta básica.

Considerando que a presente exigência foi realizada, estritamente, com base no que é disposto pelo Regulamento, analise a correção do procedimento levado a cabo pela autoridade fiscal do Estado do Rio Grande do Sul.

E) QUESTÃO DE CONCURSO

(Advocacia Geral da União – 2004)1. Acerca dos princípios constitucionais tributários, julgue o seguinte item: (verda-deiro ou falso):

___ O prazo para o recolhimento do tributo, por se tratar de elemento que tem repercussão na definição do montante a ser recolhido, deve ser definido em lei, não podendo ser estabelecido tão-somente em regulamento.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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F) BIBLIOGRAFIA

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 13ª ed. São Paulo: Ma-

lheiros, 1998.RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do Contribuinte: Legalidade,

Não-Surpresa, e Proteção à Confiança Legítima. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro:Renovar, 2003.

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1.25. AULA 25. VIGÊNCIA E APLICAÇÃO DA LEI TRIBUTÁRIA.

A) OBJETIVO

A presente aula tem por finalidade oferecer-lhes uma noção sobre as especificida-des acerca da vigência da lei tributária, suas hipóteses de retroação, bem como regras básicas sobre sua aplicação.

B) INTRODUÇÃO

Vigência da Norma Tributária

Em princípio, aplicamos as regras de vigência relativas às normas jurídicas. A lei, seja ela tributária ou não, passa a existir depois de sua sanção, promulgação e publi-cação pelo Chefe do Poder Executivo. Promulgada, a lei já existe, mas não está em vigor. A publicação dá ciência a todos os jurisdicionados da existência da lei. Mas a lei pode estar publicada e ainda não estar vigente.

Segundo o artigo 8º da Lei Complementar 95/98, a Lei deve dispor expres-samente sobre a sua vigência, reservada a cláusula “entra em vigor na data de sua publicação” para as leis de pequena repercussão.

Ocorre que quase todas as leis – notadamente as de natureza tributária – por força de seu próprio texto, só entram em vigor na data da publicação. Nesse caso, temos o problema da anterioridade. Observemos: a lei, ao entrar em vigor hoje, já torna possível a cobrança de tributo? Não, porque, embora já esteja vigente, não atingiu ainda sua eficácia plena.

A lei, se não for temporária, permanece em vigor até que seja revogada expressa ou tacitamente por outra. De acordo com o § 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil (DL nº 4.657/42): “A lei posterior revoga a anterior quando expressa-mente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”

O conflito entre duas leis vigentes resolve-se por meio dos critérios da hierarquia, da especialidade e da ordem cronológica. O conflito entre o critério hierárquico e os demais resolve-se pela prevalência do primeiro. Já entre o critério cronológico e o da especiali-dade, prevalece o último. Em relação aos princípios e valores, tais métodos nem sempre são suficientes, devendo o hermeneuta lançar mão da ponderação de interesses.

Do ponto de vista espacial, a lei municipal tem vigência no território do muni-cípio; a estadual, no território do estado; e a lei federal tem vigência no território nacional. Porém, há a possibilidade da extraterritoriedade da lei, ou seja, da vigência da lei fora do território da entidade legiferante. O artigo 102 do CTN prescreve que a lei municipal e a lei estadual terão vigência fora do território das entidades tributantes, se assim for reconhecido em convênio e se for reconhecido em lei de normas gerais.

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Por sua vez, a lei federal vai ter vigência fora do território brasileiro quando assim for reconhecido por tratado internacional, como, por exemplo, nos casos dos trata-dos para evitar a dupla tributação.

Aplicação da Norma Tributária

O art. 105 do CTN prevê que a legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início, mas não esteja completa nos termos do artigo 116. Fato gerador pendente é aquele que começou, mas não terminou.

No entanto, a aplicação da lei tributária ao fato gerador pendente, segundo a doutrina majoritária, viola os princípios da anterioridade e da irretroatividade. A Súmula 584 do STF, porém, consagra a aplicação da lei tributária ao fato gerador pendente.

Por sua vez, o artigo 106 do CTN prevê as hipóteses de retroatividade da lei no direito tributário. Essas hipóteses limitam-se quando seja expressamente interpreta-tiva, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados e, ainda, tratando-se de ato não definitivamente julgado:

a) quando deixe de defini-lo como infração;b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou

omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.

C) PERGUNTAS

se encontra em pleno vigor?

D) CASO GERADOR

Em 09 de fevereiro de 2005, foi publicada a Lei Complementar nº 118, que, com a proposta de estabelecer normas sobre a repercussão da falência no direito tributário, dispôs, expressamente, sobre a interpretação a ser conferida ao artigo 168, I, do CTN.

A este respeito, o seu artigo 3º afirmou que a extinção do crédito tributário ocorre, nos caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do artigo 150 do CTN.

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A letra desse dispositivo veio contrariar posicionamento pacificado do STJ sobre o assunto.

De fato, em se tratando de tributos sujeitos ao lançamento por homologação, vale dizer, tributos cuja atividade de apuração e recolhimento do contribuinte encontra-se sujeita a homologação da autoridade fiscal, a esmagadora doutrina e jurisprudên-cia pátria vinham entendendo que o prazo para o contribuinte requerer a devolução de valores indevidamente recolhidos era de cinco anos contados da ocorrência do fato gerador, acrescido de mais cinco após a sua extinção pela homologação tácita do lançamento, nos termos do artigo 150, § 4º, do CTN.

A nova “interpretação” imposta pelo mencionado artigo 3º da LC 118/05, contudo, ao considerar que o pagamento, por si, extingue o crédito tributário, passou a reduzir esse prazo (que era de dez) para cinco anos (agora, contados do pagamento).

Considerando que o STJ já tinha posicionamento consolidado sobre a concessão do prazo de dez anos para a repetição do indébito tributário e que o artigo 3º, da LC 118/05, embora faça expressa menção ao termo “interpretação”, vem a fixar novo entendimento sobre o assunto, analise a possibilidade deste dispositivo operar efeitos retroativos.

E) QUESTÕES DE CONCURSO

(27º exame da OAB)1. A retroatividade da lei, no Direito Tributário:

a) É impossível.b) É admitida somente quanto a leis meramente interpretativas.c) É admitida quanto a leis meramente interpretativas e relativamente a leis que

reduzam penalidades ou deixem de definir determinados atos como infração tributária.

d) Nenhuma das alternativas acima.

(22º exame da OAB)2 - Tem efeito retroativo, aplicando-se a ato ou fato pretérito, a lei tributária que:

a) Comine penalidade menos severa do que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática;

b) Disponha sobre suspensão ou exclusão do crédito tributário; c) Estabeleça hipóteses de redução de alíquota ou de base de cálculo; d) Defina o fato gerador da obrigação tributária principal.

F) BIBLIOGRAFIA

BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7ª ed. atu-alizada por Misabel de Abreu Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 164

RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

_____. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

_____. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, vol. III, 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

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1.26. AULA 26 – INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEI TRIBUTÁRIA

A) OBJETIVO

Iremos hoje estudar a sistemática de interpretação das normas tributárias, sua relação com o direito privado, bem como os instrumentos postos à disposição da Administração Pública e do contribuinte para solucionarem determinadas opera-ções diante de lacuna legal.

B) INTRODUÇÃO

No direito tributário, onde não há interpretação de acordo com uma metodolo-gia especial, vários autores têm defendido a pluralidade metodológica aqui e alhures. Sendo certo que o processo de interpretação da lei tributária vai seguir os mesmos passos trilhados na teoria geral do direito, é inevitável reconhecer que os métodos de interpretação são concebidos a partir de uma visão pluralista, não havendo que se cogitar de hierarquia entre eles, que têm igual peso, “variando a sua importância de acordo com o caso e com as valorações jurídicas na época da aplicação”.

No entanto, e a despeito da ausência de especificidade em relação à interpreta-ção no direito tributário, não se deve ignorar que os fins almejados pela lei fiscal, a serem perquiridos em atendimento ao aspecto teleológico da interpretação, levam a uma consideração econômica do fato gerador, conforme reconhecido por Engisch, desde que sejam descontados os excessos praticados pelas escolas causalistas domi-nantes na era da jurisprudência dos interesses.

A consideração econômica como reflexo do método teleológico do direito tributário

A partir do sentido literal possível das palavras utilizadas pelo legislador é que podemos pesquisar a influência das acepções já utilizadas pelo direito civil, e que são encontradas na legislação tributária. Assim, Beisse, a partir da metodologia de Larenz e das decisões do Tribunal Federal de Finanças da Alemanha, estabe-leceu uma sistemática cuja aplicabilidade traz benefícios ao tema da relação do direito tributário com o direito civil, não só para aquele país mas também para outros sistemas jurídicos, como o nosso, a despeito das inócuas regras do CTN brasileiro.

Ricardo Lobo Torres, em lição que não discrepa da sistemática de Beisse, sustenta que a interpretação será mais ou menos vinculada ao critério econômico, de acordo com o tributo em exame. Assim, os impostos sobre a propriedade se baseiam numa interpretação que preserva os conceitos de direito privado; já os impostos sobre a renda e o consumo, por se constituírem de conceitos tecnológicos ou elaborados pelo próprio direito tributário, melhor se abrem à interpretação econômica.

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A interpretação da lei tributária no Brasil

No Brasil, os problemas relativos à interpretação da lei tributária devem-se, em grande parte, ao positivismo formalista de nossa doutrina, o que acabou por influen-ciar nossa legislação, em especial o CTN, que, no capítulo relativo à interpretação da lei tributária, cria regras que se chocam, determinando a adoção de métodos hermenêuticos apriorísticos. E o que é pior: métodos inteiramente contraditórios, sendo reivindicados tanto pelos formalistas, defensores de uma interpretação civi-lística, como pelos seguidores da teoria da interpretação econômica do fato gerador, como apontado por Ricardo Lobo Torres.

De fato, a primeira parte do artigo 109 do CTN parece optar por uma inter-pretação civilística, ao determinar que os princípios gerais do direito privado são utilizados para a pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas. Mas sugere conclusão diversa, que acena para o critério econô-mico, ao estabelecer que os efeitos tributários de tais institutos podem ser definidos pela lei tributária.

Qualquer conclusão fica ainda mais tormentosa, se interpretarmos a referida norma juntamente com o art. 110 do CTN, segundo o qual a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, dos Estados e Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias. Assim, num primeiro momento, a norma parece optar pela orientação civilista. Mas limitando sua disciplina aos conceitos consti-tucionais, o art. 110 não estaria autorizando o critério econômico para os demais casos? A resposta é complicada. Os dois artigos são dúbios, contraditórios e inúteis, na medida em que nada contribuem para o intérprete da lei tributária.

Por sua vez, o artigo 118 esvazia a possibilidade de uma interpretação civilísti-ca, ao desconsiderar, na interpretação do fato gerador, a validade jurídica dos atos efetivamente praticados e de seus efeitos efetivamente ocorridos. Nota-se que o dis-positivo revela-se dispensável, como quase todas as normas interpretativas, uma vez que a consideração econômica deriva dos princípios ético-jurídicos e da natureza dos atos econômicos praticados pelo contribuinte.

Se o citado artigo tem um mérito, é o de desautorizar a teoria, dominante en-tre a nossa doutrina positivista, da prevalência da forma jurídica sobre a essência econômica do fato jurídico escolhido pelo legislador como hipótese de incidência tributária.

Porém, deve ser evitado o entendimento, que poderia brotar do exame exclusi-vamente literal do dispositivo em comento, segundo o qual, a ocorrência do fato gerador não depende da eficácia do negócio jurídico (resultados efetivamente ocor-ridos). Se a forma jurídica não é relevante, a ponto de ser tributável o ato ilícito ou inválido, do ponto de vista do direito civil ou comercial, o mesmo não se pode dizer do ato ineficaz.

É que a ineficácia do ato não se prende necessariamente à sua invalidade ou ilicitude, uma vez que a produção de efeitos poderá se dar a despeito de sua irre-

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gularidade jurídica, devendo ser tributado, na forma do art. 108, já que ocorrido o fato gerador. No entanto, se a invalidade do ato evita a sua produção de efeitos no mundo fático, não ocorre o fato gerador, inexistindo capacidade contributiva a ser tributada.

Como bem observa Ricardo Lobo Torres, a disciplina do art. 118 do CTN é despicienda, já que a solução por ele proposta deriva dos próprios princípios da legalidade e da capacidade contributiva.

No entanto, como a atividade hermenêutica, atividade do espírito humano que é, não se vincula a regras interpretativas, há quase consenso, nos meios jurídicos tributários quanto à inserção da norma fiscal no ordenamento jurídico geral, e em conseqüência, à necessidade de superação de uma forma peculiar de interpretar a lei tributária, a despeito das regras interpretativas previstas no CTN.

O passo seguinte será, portanto, a consolidação entre os operadores e estudiosos do direito tributário brasileiro, de uma tendência, ainda muito incipiente nesse iní-cio de século XXI, valorizadora do tema da justiça para a defesa do direito do con-tribuinte, não só sob uma perspectiva individual, para principalmente com vistas à criação de um sistema tributário nacional efetivamente justo.

Reflexo dessa tendência, empurrada pelo princípio da transparência, é a adoção, em nosso país, de medidas já consagradas em várias nações como as cláusulas antie-lisivas, a flexibilização do sigilo bancário e o fortalecimento dos direitos dos contri-buintes como contrapartida às novas armas obtidas pela Administração Tributária.

A partir do elemento lógico-sistemático, torna-se fácil compreender que o fato gerador da lei tributária, fixado em lei ordinária – salvo nos casos de empréstimo compulsório (art. 148, CF), de imposto sobre grandes fortunas (art. 153, VI, CF) e de tributos residuais (art. 154, I, e art. 195, § 4º, ambos da CF), em que sendo a lei de incidência uma lei complementar, esta é que deverá definir o fato gerador –, deve se adequar ao dispositivo constitucional, que confere competência à União, Esta-dos, Distrito Federal e Municípios para instituir tributos, e à lei de normas gerais de direito tributário (CTN), bem como, em relação aos impostos, à lei complementar definidora do fato gerador, da base de cálculo e dos contribuintes (art. 146, III, a, da Constituição Federal).

Aqui, sim, temos uma peculiaridade brasileira que, embora esteja longe de ter os efeitos apontados pelos formalistas, deriva de uma repartição constitucional de competências tributárias bastante detalhada (no direito comparado, só a Consti-tuição alemã apresenta uma repartição constitucional de competências entre os entes da Federação semelhante, embora não tão detalhada como a nossa) e da figura uniformizadora da lei complementar (espécie normativa só encontrada no Brasil).

Se essas singularidades não impõem uma tipicidade fechada ou um maior peso à segurança jurídica, em sua ponderação com a justiça, ao menos recomendam, ao aplicador, uma maior cautela no manejo do método lógico-sistemático, a fim de interpretar o fato gerador do imposto de acordo com a lei complementar definidora do fato gerador, da base de cálculo e dos contribuintes, bem como com o dispositi-vo constitucional definidor da competência tributária.

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Integração da Legislação Tributária

A interpretação sempre pressupõe a existência de norma jurídica a ser analisada. Na verdade, somente se interpreta o que existe para ser interpretado. Todavia, é comum a necessidade de se decidir sobre casos para os quais inexiste previsão legal específica. Daí dizer-se existirem lacunas na lei (ressalve-se que parte da doutrina entende que inexiste lacuna na lei).

Contudo, se a lei tem lacunas, o ordenamento jurídico não as tem. Por isso, o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil estabelece que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do Direito”, consagrando o princípio da inafastabilidade da jurisdição.

A esse sistema de apreciar e revestir de juridicidade, os casos que não estão ex-pressamente previstos em lei chama-se integração.

O CTN estabelece que, na ausência de disposição expressa, a autoridade com-petente para aplicar a legislação tributária utilizará, sucessivamente, na ordem in-dicada, a analogia, os princípios gerais de direito tributário, os princípios gerais de direito público e a eqüidade (art. 108).

Parte da doutrina critica esse dispositivo por entender que a ordem estabeleci-da no artigo não obriga ao intérprete por não ser ela obrigatória, mas meramente exemplificativa, sob o fundamento de que os princípios se sobrepõem às próprias leis e muito mais à analogia, não podendo admitir-se, portanto, que esta venha em primeiro lugar do que aqueles.

Analogia

Quando falta disposição expressa, a autoridade deverá buscar no ordenamento jurídico norma que discipline matéria semelhante, de modo que a razão da disciplina expressa nessa matéria possa aplicar-se àquela: havendo a mesma razão, há de haver a mesma solução. Isso é analogia.

Assim, por exemplo, no caso da restituição do imposto pago indevidamente, há previsão expressa de correção monetária dos débitos fiscais, mas, em determi-nados casos, não havia autorização legal para a correção do tributo na “repetição do indébito” (devolução do indevido). O Supremo Tribunal Federal, empregando a analogia, entendeu devida a correção monetária também nessa última hipótese, pontificando não haver nisso ofensa ao art. 167 do CTN, mas exata aplicação dele, bem como do art. 108 do CTN, que prevê o emprego da analogia (RE 75.239, RTJ 75/482, e os acórdãos nele citados).

Entretanto, o próprio CTN, no seu artigo 108, § 1º, veda que por meio do em-prego da analogia resulte exigência de tributo não previsto em lei. Deve-se observar, todavia, que, por decorrência do princípio da legalidade, igualmente, não poderá ser utilizada a analogia para criar outras obrigações que não se encontrem expressas na lei, sob pena de se criar incerteza e insegurança jurídicas.

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C) PERGUNTAS

-tórico, sistemático e teleológico no direito tributário.

-tário?

D) CASO GERADOR

O ISS é um imposto municipal cuja incidência, prevista constitucionalmente, dá-se sobre a prestação de serviços de qualquer natureza.

Em observância ao princípio da legalidade, faz-se necessário que todos os ser-viços passíveis de incidência desse imposto estejam descritos em lei, que, no caso, deve ser lei complementar.

Posto isso, a Lei Complementar nº 116/03, que atualmente trata de questões relacionadas ao ISS, prevê em sua lista de serviços que o ISS incidirá sobre diversas atividades, como a locação de andaimes. Diante desta previsão complementar, a lei do ISS no Município do Rio de Janeiro, em linha com o texto complementar, também instituiu a exigência do ISS sobre essa atividade.

Irresignada com esta previsão, a empresa “X”, cuja atividade social consiste na locação de andaimes, impetra um Mandado de Segurança preventivo com pedido de liminar voltado a impedir que lhe seja exigido o recolhimento do imposto so-bre sua atividade de alugar andaimes. Como fundamentação ao seu pedido, dentre diversos argumentos, a empresa sustenta que, sendo a prestação de serviços (nos termos em que definido pelo direito privado) uma típica obrigação de fazer, não há como se admitir que o legislador tributário pretenda exigir o recolhimento do ISS sobre a atividade de locação de andaimes, cuja natureza é típica de obrigação de dar (entendimento este pacificado pelo STF).

Diante deste cenário, analise a pretensão manifestada pela empresa.

E) QUESTÕES DE CONCURSO

(Fiscal de Contribuições Previdenciárias do INSS – 1997)1. Com relação à interpretação da legislação tributária, segundo o CTN, julgue os itens a seguir:

a) O emprego da analogia, em algumas hipóteses, pode resultar na exigência de tributo não expressamente previsto na lei.

b) O emprego da equidade não pode resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.

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FGV DIREITO RIO 170

c) Não se admite a utilização de princípios de direito privado no direito tribu-tário, que é de índole estritamente pública.

d) A legislação que disponha sobre outorga de isenção pode ser interpretada ampliativamente, para abarcar situações não-incluídas na previsão legal, de modo a atender o princípio da isonomia.

e) A lei tributária pode, em alguns casos, ser interpretada da maneira mais favo-rável ao contribuinte acusado de infração a dever legal.

(Procurador da Fazenda Nacional de 1998)2. O esclarecimento do significado de uma lei tributária por outra posterior confi-gura a chamada interpretação

a) ontológica;b) científica;c) integrada;d) autêntica;e) evolutiva.

F) BIBLIOGRAFIA

Idem à aula anterior.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 171

LEONARDO DE ANDRADE COSTAMestre em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo (USP)/

International Tax Program - Harvard Law school, Pós-graduado em Contabilidade

pela Fundação Getúlio Vargas-FGV-RJ, Bacharel em Direito e em Economia pela

Pon tifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-RJ. Professor contratado

da Pós-graduação da Universidade Federal Fluminense e da Universidade Federal

do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ). Consultor Tributário na Superintendência de

Tri butação da Secretaria de Estado de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro.

RICARDO LODIDoutor em Direito e Economia pela uGF. Mestre em Direito Tributário pela UCAM.

Professor da FGV e dos cursos de pós-graduação da UFF e da FDC.

Coordenador e professor dos cursos de pós-graduação da FGV.

Procurador da Fazenda Nacional (licenciado). Advogado-Consultor.

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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I

FGV DIREITO RIO 172

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim FalcãoDIRETOR

Fernando PenteadoVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Luís Fernando SchuartzVICE-DIRETOR ACADÊMICO

Sérgio GuerraVICE-DIRETOR DE PÓS-GRADUAÇÃO

Luiz Roberto AyoubPROFESSOR COORDENADOR DO PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO EM PODER JUDICIÁRIO

Ronaldo LemosCOORDENADOR CENTRO DE TECNOLOGIA E SOCIEDADE

Evandro Menezes De CarvalhoCOORDENADOR DA GRADUAÇÃO

Rogério Barcelos AlvesCOORDENADOR DE METODOLOGIA E MATERIAL DIDÁTICO

Paula SpielerCOORDENADORA ATIVIDADE COMPLEMENTAR

Daniela BarcellosCOORDENADORA TRABALHO CONCLUSÃO CURSO

Lígia Fabris e Thiago Bottino do AmaralCOORDENADORES DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

Wania TorresCOORDENADORA DE SECRETARIA DE GRADUAÇÃO

Diogo PinheiroCOORDENADOR DE FINANÇAS

Milena BrantCOORDENADORA DE MARKETING ESTRATÉGICO E PLANEJAMENTO

FICHA TÉCNICA