direitos_humanos - resumo do livro da flavia piovesan[1]

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 Resumo do Livro Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional de Flávia Piovesan Índice PRIMEIRA PARTE – A Constituição Brasileira de 1988 e os Tratados Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos Capítulo I – Introdução Capítulo II – Delimitando e Situando o Objeto de Estudo Capítulo III – A Constituição Brasileira de 1988 e o Processo de Democratização no Brasil – A institucionalização dos direitos e garantias fundamentais Capítulo IV – A Constituição Brasileira de 1988 e os Tratados Internacionais de Proteção aos Direitos Humanos SEGUNDA PARTE – O Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos Capítulo V – Precedentes Históricos do Processo de Internacionalização e Universalização dos Direitos Humanos Capítulo VI – Estrutura Normativa do Sistema Global de Proteção Internacional dos Direitos Humanos Capítulo VII – Estrutura Normativa do Sistema Regional de Proteção dos Direitos Humanos – O Sistema Interamericano TERCEIRA PARTE – O Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos e a Redefinição da Cidadania no Brasil Capítulo VIII – O Estado Brasileiro e o Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos Capítulo IX – A Advocacia do Direito Internacional dos Direitos Humanos: Casos contra o Estado Brasileiro perante a Comissão Interamericana de direitos Humanos Capítulo X – Encerramento: O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a Redefinição da Cidadania no Brasil PRIMEIRA PARTE A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 E OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO A proposta do estudo do livro é analisar o modo pelo qual o direito brasileiro incorpora os instrumentos internacionais de proteçã o dos direitos humanos, bem como em que sentido esses instrument os podem contri buir para o reforço do sist ema de implementação de direitos no Brasil, ou seja, verificar o modo pelo qual as normas de direito internacional podem, em dinâmica com a Constituição Federal, contribuir para a efetivação dos direitos internacionais no Brasil. Ass im, o pri mei ro pas so do tra bal ho é invest iga r a rel ação entre a Constit uiç ão Federal e os tra tad os internacionais de proteçã o dos direitos humanos, vislu mbrand o sempre que a Const ituiç ão é um marco jurídi co de transi ção democrática e da institucionalização dos direitos humanos no Brasil. Para se chegar ao objetivo do trabalho, é importante se analisar se a Constituição, ao estabelecer novos princípios a reger as relações internacionais do Brasil e ao conferir tratamento especial aos Direitos Humanos, contribuiu para uma nova inserção do Brasil na sistemática internacional de proteção e quais as conseqüências e seus impactos.  Neste diapasã o, o livro busca analisar o modo pelo qual a Consti tuição incorpor a os tratados internacionais de proteçã o aos direitos humanos, atribuindo-lhes um  status hierárquico diferenciado, bem como analisando o modo como os tratados internacionais de direitos humanos são capazes de fortalecer o constitucionalismo de direito no país. Os tratado, apesar de serem direcionados aos Estados pactuantes, acabam por  beneficiar os próprios indivíduos. Deste modo, a comunidade internacional tenta obrigar os Estados a melhorar as condições de vida dos indivíduos e a garantir a eles direitos fundamentais. A análise sobre a incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos, lançando mão do exame de suas peculiaridades, limites e  possibilidades, adotará como ponto de partida a reflexão sobre os antecedentes históricos do movimento de internacionalização dos direitos humanos . O estudo permit irá perceber que as atrocidades cometi das durante a Segunda Guerra Mundial foram as grandes impul sionad oras da universalização dos discursos sobre direitos humanos. A comunidade internacional passou a perceber que a proteção aos direitos humanos constitui questão de legítimo interesse e preocupação internacional, sendo motivo de transcender e extrapolar o domínio reservado ao Estado ou a sua competência nacional exclusiva. Sobre o tema, há a explanação de Richard B. Bilder, que assim expõe: “O movimento do Direito Humano é baseado na concepção de que toda nação tem a obrigação de respeitar os direitos humanos de seus cidadãos e de que todas as nações e a comunidade internacional têm o direito e responsabilidade de protestar, se um Estado não cumprir suas obrigações. O Direito Internacional dos Direitos Humanos consiste em um sistema de normas, procedimentos e instituições internacionais desenvolvidos para implementar esta concepção e promover o respeito dos direitos humanos em todos os países, no âmbito mundial. (...) Embora a idéia de que os seres humanos tenham direitos e liberdades fundamentais, que lhe são inerentes, há muito tempo tenha surgido no pensamento humano, a concepção de que os direito humanos constituem objeto próprio de uma regulação internacional, por sua vez, é bastante recente. (...)”

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Resumo do Livro Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional de Flávia Piovesan

Índice

PRIMEIRA PARTE – A Constituição Brasileira de 1988 e os Tratados Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos

Capítulo I – IntroduçãoCapítulo II – Delimitando e Situando o Objeto de EstudoCapítulo III – A Constituição Brasileira de 1988 e o Processo de Democratização no Brasil – A institucionalização dos direitos e garanti

fundamentaisCapítulo IV – A Constituição Brasileira de 1988 e os Tratados Internacionais de Proteção aos Direitos Humanos

SEGUNDA PARTE – O Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos

Capítulo V – Precedentes Históricos do Processo de Internacionalização e Universalização dos Direitos HumanosCapítulo VI – Estrutura Normativa do Sistema Global de Proteção Internacional dos Direitos HumanosCapítulo VII – Estrutura Normativa do Sistema Regional de Proteção dos Direitos Humanos – O Sistema Interamericano

TERCEIRA PARTE – O Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos e a Redefinição da Cidadania no Brasil

Capítulo VIII – O Estado Brasileiro e o Sistema Internacional de Proteção dos Direitos HumanosCapítulo IX – A Advocacia do Direito Internacional dos Direitos Humanos: Casos contra o Estado Brasileiro perante a ComissInteramericana de direitos HumanosCapítulo X – Encerramento: O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a Redefinição da Cidadania no Brasil

PRIMEIRA PARTE

A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 E OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO

A proposta do estudo do livro é analisar o modo pelo qual o direito brasileiro incorpora os instrumentinternacionais de proteção dos direitos humanos, bem como em que sentido esses instrumentos podem contribuir para o reforço do sistema implementação de direitos no Brasil, ou seja, verificar o modo pelo qual as normas de direito internacional podem, em dinâmica comConstituição Federal, contribuir para a efetivação dos direitos internacionais no Brasil.

Assim, o primeiro passo do trabalho é investigar a relação entre a Constituição Federal e os tratadinternacionais de proteção dos direitos humanos, vislumbrando sempre que a Constituição é um marco jurídico de transição democrática e institucionalização dos direitos humanos no Brasil. Para se chegar ao objetivo do trabalho, é importante se analisar se a Constituição, estabelecer novos princípios a reger as relações internacionais do Brasil e ao conferir tratamento especial aos Direitos Humanos, contribuiu pauma nova inserção do Brasil na sistemática internacional de proteção e quais as conseqüências e seus impactos.

 Neste diapasão, o livro busca analisar o modo pelo qual a Constituição incorpora os tratados internacionais de proteção aos direitos humanatribuindo-lhes um  status hierárquico diferenciado, bem como analisando o modo como os tratados internacionais de direitos humanos scapazes de fortalecer o constitucionalismo de direito no país. Os tratado, apesar de serem direcionados aos Estados pactuantes, acabam p

 beneficiar os próprios indivíduos. Deste modo, a comunidade internacional tenta obrigar os Estados a melhorar as condições de vida dindivíduos e a garantir a eles direitos fundamentais.

A análise sobre a incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos, lançando mão do exame de suas peculiaridades, limites possibilidades, adotará como ponto de partida a reflexão sobre os antecedentes históricos do movimento de internacionalização dos direit

humanos. O estudo permitirá perceber que as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial foram as grandes impulsionadoras universalização dos discursos sobre direitos humanos.

A comunidade internacional passou a perceber que a proteção aos direitos humanos constitui questão de legítimo interesse e preocupaçinternacional, sendo motivo de transcender e extrapolar o domínio reservado ao Estado ou a sua competência nacional exclusiva. Sobre o tema, ha explanação de Richard B. Bilder, que assim expõe:

“O movimento do Direito Humano é baseado na concepção de que toda nação tem a obrigação de respeitar os direitos humanos de seus cidadãe de que todas as nações e a comunidade internacional têm o direito e responsabilidade de protestar, se um Estado não cumprir suas obrigações.Direito Internacional dos Direitos Humanos consiste em um sistema de normas, procedimentos e instituições internacionais desenvolvidos paimplementar esta concepção e promover o respeito dos direitos humanos em todos os países, no âmbito mundial. (...) Embora a idéia de que seres humanos tenham direitos e liberdades fundamentais, que lhe são inerentes, há muito tempo tenha surgido no pensamento humano,concepção de que os direito humanos constituem objeto próprio de uma regulação internacional, por sua vez, é bastante recente. (...)”

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A análise das normas internacionais buscará compreender a forma pela qual o sistema normativo de proteção internacional dos direitos humanatribui aos indivíduos status de sujeito internacional, conferindo-lhes diretamente direitos e obrigações no plano internacional, com capacidade

 possuir e exercer direitos e obrigações de cunho internacional. As atrocidades perpetradas contra os cidadãos na Segunda Guerra significarauma verdadeira ameaça à paz e à estabilidade internacional, gerando uma revolução no direito internacional. Um novo Código Internacional fdesenvolvido, enumerando e definindo direitos e garantias fundamentais para todos os seres humanos, sendo certo que esses direitos não ma

 puderam ser concebidos como generosidades dos Estados soberanos, passando a serem inerentes aos indivíduos.

O reconhecimento de que os indivíduos têm os direitos humanos como direitos inerentes à sua existência, implica a mudança na noção soberania nacional. O Estado que se mostra omissa ou falha na tarefa de proteger os direitos humanos internacionalmente assegurados deve responsabilizado na arena internacional, havendo um monitoramento por parte da comunidade internacional. O sistema de proteção internacion

ao constituir uma garantia adicional de proteção, invoca dupla dimensão, quais sejam: a) parâmetro protetivo mínimo a ser observado pelEstados, proporcionando avanços e evitando retrocessos no sistema nacional de direitos humanos, e b) instância de proteção dos direithumanos, quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas no dever de proteção desses direitos.

Desse modo, a violação dos direitos humanos assegurados por meio de tratado internacional, anteriormente ratificado pelo Estado, é matéria legítimo interesse internacional, acarretando a submissão à autoridade das instituições internacionais, o que vem a flexibilizar a noção soberania nacional. Não basta para os princípios regedores dos direitos humanos apenas que o Estado cesse com as violações, mas também queste seja responsabilizado, se garantido os remédios adequados para se assegurar a justiça.

 Na parte final deste trabalho, passasse a analisar a posição do Brasil perante os tratados internacionais de direito humano, completando-seestudo com a observação sobre a advocacia do Direito Internacional dos Direitos Humanos no âmbito brasileiro, com enfoque sobre as lides qtramitam perante a Comissão Internacional de Direito Humanos, analisando-se qual a advocacia exercida, quais os atores sociais envolvidoquais os direitos humanos violados.

CAPÍTULO II – DELIMITANDO E SITUANDO O OBJETO DE ESTUDO

a) Delimitando o Objeto de Estudo: A Constituição brasileira e o Direito Internacional dos Direitos Humanos.

O livro tem como objeto analisar a forma que a Constituição se relaciona com as normas de direito internacional de direitos humanos, a form pela qual incorpora os tratados internacionais de direitos humanos e o  status jurídicos que ela lhes atribui, sendo certo que o trabalho se interesainda, pelo modo pelo qual as normas internacionais de direitos humanos contribuem para a implementação de direitos no âmbito brasileireforçando, neste sentido, o constitucionalismo de direitos inaugurados pela Constituição de 1988.

Adota-se no trabalho o entendimento contemporâneo de que os direitos humanos são concebidos como uma unidade indivisível, interdependene inter-relacionada, na qual os valores de igualdade e liberdade se conjugam e se completam. Tendo a Constituição Federal como marco jurídiinicial da democratização, ao institucionalizar os direitos humanos no país, o estudo busca responder a 3 questões:

1. Qual o impacto do processo de democratização do Brasil, iniciado em 1985, sobre a posição do país perante a ordem internacional?

 processo de democratização implicou a reinserção do Estado brasileiro na arena internacional de proteção dos direitos humanoestimulando a ratificação de instrumentos internacionais para esse fim?

2. Como a Constituição brasileira de 1988 ser relaciona com o direito internacional de direitos humanos? De que modo incorpora instrumentos internacionais de proteção de direitos humanos, como os tratados adotados pelas Nações Unidas e pela Organização dEstados Americanos?

3. Qual o impacto jurídico e político do sistema internacional de proteção dos direitos humanos no âmbito da sistemática constitucion brasileira de proteção de direitos? Como esse instrumento internacional pode fortalecer o regime de proteção de direito nacionalmen previstos e o próprio mecanismo de accountability, quando tais direitos são violados?

A partir dessas questões centrais, este trabalho pretende enfocar a relação entre dois termos: a Constituição brasileira de 1988 e o DireInternacional dos Direitos Humanos.

b) Situando o objeto de estudo: os delineamentos do direito constitucional internacional

O tema que se desenvolve neste item visa a inserir o estudo do livro em um ramo do direito, ponderando se o ramo é do direito internacion público ou no campo do direito constitucional. Ao tentar responder a questão mencionada, pondera, primeiramente, que, enquanto o DireiInternacional Público visa disciplinar relações de reciprocidade e equilíbrio entre Estados, por meio de negociações e concessões recíprocas qvisam ao interesse dos próprios Estados pactuantes, o Direito Internacional dos Direitos Humanos objetiva garantir o exercício dos direitos

 pessoa humana, o que, por si só já afasta o estudo do plano do direito internacional de direito público.

Por sua vez o Direito Internacional de Direitos Humanos, ao concentrar o seu objeto nos direitos da pessoa humana, revela um conteúmaterialmente constitucional, apesar de possuir uma fonte de natureza internacional. Deste modo, o enfoque do trabalho, na verdade,interdisciplinar. É uma interação entre o direito constitucional e o Direito Internacional dos Direitos Humanos, apontando para um resultadDireito Constitucional Internacional. Isto é, o trabalho se atém a uma dialética da relação entre Constituição e Direito Internacional dos DireitHumanos, no qual cada um dos termos da relação interfere no outro, com ele interagindo.

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C) Justificativa para a opção metodológica

Primeiramente, no estudo que resultou no livro, houve uma avaliação dos avanços introduzidos pela Carta Magna de 1988 em relação aos direite garantias fundamentais, examinado como ela interage com os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, bem comoimpacto desses instrumentos no direito brasileiro, suscitando uma abordagem aprofundada a respeito do sistema internacional dos direithumanos.

CAPÍTULO III – A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 E O PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO NO BRASIL – INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS.

O objetivo do presente capítulo é avaliar o modo pelo qual a atual Constituição disciplina os direitos e garantias fundamentais, norma que rompcom o regime autoritário militar, assegurando direitos fundamentais. Para tanto, faz-se necessário a compreensão do processo de democratizaçno Brasil.

a) O processo de democratização no Brasil e a Constituição brasileira de 1988.

Após vinte e um anos de regime militar ditatorial deflagrou-se o processo de democratização no Brasil, sendo certo que, segundo a classificaçde Guillermo O’Donell, no processo de democratização há duas transições: uma primeira do regime autoritário anterior para a instalação de uGoverno Democrático, sendo a segunda deste Governo Democrático para a efetiva vigência de um regime democrático. Neste sentido, sustenta-que, embora a primeira etapa do processo de democratização já tenha sido alcançada, a segunda fase ainda está se concretizando.

Com o processo de abertura iniciado pelos próprios militares em razão desses não mais conseguirem solucionar problemas internos, a sociedacivil começou a se organizar com mobilizações e articulações que permitiram a formação de um controle civil sobre as forças militares, exigindse, ainda, a elaboração de um código que refizesse o paco político-social. Tal processo culminou com a promulgação da Constituição de 1988.

A Constituição de 1988 além de instituir um regime político democrático no Brasil, introduziu um avanço na consolidação legislativa dgarantias e direitos fundamentais e nos setores vulneráveis da sociedade brasileira, sendo certo que, a partir dela, os direitos humanos ganham ugrande relevo. A Carta de 1988 é o documento mais abrangente e pormenorizado sobre direitos humanos já adotado no Brasil.

A consolidação das liberdades fundamentais e das instituições democráticas no país muda a política brasileira de direitos humanos, possibilitanum progresso significativo no reconhecimento dos direitos internacionais neste âmbito. O equacionamento dos direitos humanos na orde

 jurídica interna serviu como medida de reforço para que questões dos direitos humanos se impusessem como tema fundamental na ageninternacional do país. Por sua vez, as repercussões decorrentes dessa nova agenda internacional provocaram mudanças no plano interno e

 próprio ordenamento jurídico brasileiro. Essas transformações geraram um novo constitucionalismo, uma abertura à internacionalização  proteção dos direitos humanos.

b) A Constituição brasileira de 1988 e a institucionalização dos direitos e garantias fundamentais.

Primeiramente, importante salientar que a Constituição de 1988 alargou significativamente o campo dos direitos fundamentais, colocandoentre as constituições mais avançadas do mundo em relação à matéria. Se, no entender de Joaquim Gomes Canotilho, a juridicidadeconstitucionalidade e os direitos fundamentais são as três dimensões fundamentais do Estado de Direito, percebe-se que a Carta Magna de 19consagra amplamente este entendimento.

Em nossa Constituição, dentre os fundamentos que alicerçam o Estado Democrático de Direito destacam-se a cidadania e a dignidade da pesshumana, fazendo-se claro que os direitos fundamentais são elementos básicos para a realização do princípio democrático, além do que, pe

 primeira vez uma constituição nacional assinala especificamente objetivos ao Estado brasileiro, sendo certo que uns valem como base d prestações positivas que venham a concretizar a democracia econômica, social e cultural, a fim de efetivar na prática a dignidade da pesshumana.

Infere-se desses dispositivos a preocupação da Constituição em assegurar os valores da dignidade e do bem-estar da pessoa humana comimperativo da justiça social. Sendo assim, o valor da dignidade da pessoa humana se impõe como núcleo básico e informador de todoordenamento jurídico, como critério de valoração e interpretação e compreensão do sistema constitucional. O valor da dignidade da pesshumana informa a ordem constitucional de 1988, imprimindo-lhe um feição particular.

Observando-se o prisma histórico, a primazia do valor da dignidade humana é uma resposta à profunda crise sofrida pelo positivismo jurídicassociada à derrota do fascismo, na Itália, e do nazismo, na Alemanha, movimentos que promoveram a barbárie em nome da lei. Neste contexao final da Segunda Guerra Mundial, emerge a grande crítica e o repúdio à concepção positivista de um ordenamento jurídico indiferentevalores éticos, confirmando à ótica meramente formal.

É sob o prisma da reconstrução dos direitos humanos que é possível compreender, no Pós-Guerra, de um lado, a emergência do chamado “DireiInternacional dos Direitos Humanos”, e, de outro, a nova feição do direito constitucional ocidental, em resposta ao impacto das atrocidades entcometidas. No âmbito do direito constitucional ocidental, são adotados textos constitucionais abertos a princípios, dotados de elevada caraxiológica, com destaque para o valor da dignidade da pessoa humana. No caso brasileiro, e de toda América Latina, a abertura das constituiçõa princípios e a incorporação do valor da dignidade humana demarcarão o início do processo de democratização política.

Há uma aproximação da ética com o direito, e, neste esforço, surge a força normativa dos princípios, especialmente do princípio da dignidade  pessoa humana. Há um reencontro dos pensamentos de Kant com a idéia de moralidade, dignidade, direito cosmopolita e paz perpétua. Para Ka

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as pessoas são um fim em si mesmas, não podendo ser usadas como meios, devendo tratar-se a humanidade na pessoa de cada ser, sendo cert para Kant, que a autonomia é a base da dignidade humana e de qualquer criatura racional.

Ao definir o que seja uma pessoa autônoma, Kant afirma que “uma pessoa é autônoma somente se tem uma variedade de escolhas aceitávedisponíveis para serem feitas e sua vida se torna resultado das escolhas derivadas destas opções. Uma pessoa que nunca teve uma escolha efetiou, tampouco, teve consciência dela, ou, ainda, nunca exerceu o direito de escolha de forma verdadeira, mas simplesmente se moveu perantevida, não é uma pessoa autônoma”.

O pensamento de Kant teve uma alta ingerência no plano internacional, concretizando a emergência do Direito Internacional dos DireitHumanos, fundamentado no valor da dignidade humana como valor intrínseco à condição humana. Já no plano do constitucionalismo local

vertente “kantiana” concretizou a abertura das constituições à força normativa dos princípios, com ênfase para o Princípio da Dignidade Pessoa Humana. Sendo assim, há uma verdadeira interação do Direito Internacional dos Direitos Humanos com os direitos locais.

Para Canotilho, enquanto o direito do Estado de Direito do século XIX e da primeira metade do século XX é o direito das regras do códigodireito do Estado Constitucional e de Direito leva a sério os princípios, é um direito de princípios. Consagra-se, assim, a dignidade da pesshumana como verdadeiro superprincípio, a orientar tanto o direito internacional como o direito interno. O Princípio da Dignidade da PessHumana, seja no âmbito internacional ou interno, unifica e centraliza todo o sistema normativo, assumindo especial propriedade.

O sistema jurídico define-se, pois, como uma ordem axiológica ou teleológica de princípios jurídicos que apresentam verdadeira funçordenadora, na medida em que salvaguardam valores fundamentais. A interpretação das normas constitucionais advém, desse modo, de critérvalorativo extraído do próprio sistema constitucional. Os princípios morais, são hoje, integrantes do sistema normativo. Sendo assim, o valor dignidade da pessoa humana e dos direitos e garantias fundamentais vêm a constituir princípios constitucionais que incorporam as exigências

 justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico.

A Constituição resguardar a dignidade da pessoa humana ao privilegiar os direitos fundamentais. Desse modo o Texto de 1988 apresenta em se

 primeiros capítulos avançada Carta de direitos e garantias elevadas a cláusulas pétreas, além de alargar a dimensão do que se entende por direite garantias fundamentas, incluindo, além dos direitos civis e políticos, os direitos sociais. Esta foi a primeira constituição brasileira a prevê direitos sociais na declaração dos direitos.

 Nesta ótica, a Carta de 1988 conjuga o direito da liberdade ao da igualdade, não havendo como divorciá-los, além de garantir os direitos difusoscoletivos – aqueles pertinentes a determinada classe ou categoria social e estes pertinentes a todos e a cada um. A Constituição de 1988 estendetitularidade de direitos e, ao mesmo tempo, consolida o aumento da quantidade de bens merecedores de tutela, por meio da ampliação de direitsociais, econômicos e culturais.

Os direitos e garantias fundamentais são, assim, dotados de especial força expansiva, projetando-se por todo o universo constitucional e servincomo critério interpretativo de todas as normas do ordenamento jurídico. A Carta Magna de 1988 reforça, ainda, a imperatividade dos direitosgarantias fundamentais ao instituir o princípio da aplicabilidade imediata de tais normas, nos termos do art. 5º, §1º da CF/88, o que realça a fornormativa de todos os preceitos constitucionais referentes a direitos, liberdades e garantias fundamentais.

Ao tratar do tema J.J. Canotilho afirma que “os direitos, liberdades, garantias, são regras e princípios jurídicos imediatamente eficazes e actua por via direta da Constituição e não através de actoritas interpositivo do legislador. Não são simples norma normarum, mas norma normata, ié, não são meras normas para a produção de outras normas, mas sim normas diretamente reguladoras de relação jurídico-materiais. (...) Aplicaçdireta não significa apenas que os direitos, liberdades e garantias se aplicam independentemente da intervenção legislativa. Significa também qeles valem directamente contra a lei, quando esta estabelece restrições em desconformidade com a Constituição”

É neste contexto que se deve fazer a leitura dos dispositivos constitucionais pertinentes à proteção internacional dos direitos humanos, e nestema a Constituição também registra inéditos avanços.

c) Os princípios constitucionais a reger o Brasil nas relações internacionais.

A Constituição de 1988 é a primeira a constituição nacional a trazer a prevalência dos direitos humanos como princípio a reger o Brasil na ordeinternacional. Na realidade, foi a primeira constituição a fixar valores a orientar a agenda internacional do Brasil. O art. 4º  da CF/88 traz vár

 princípios que devem reger o Brasil nas relações internacionais, dentre eles encontra-se a prevalência dos direitos humanos (inc.II).

De fato, a Constituição de 1988 introduz inovações extremamente significativas no plano das relações internacionais. Se, por um lado, es

Constituição reproduz tanto a antiga preocupação vivida no Império, que se refere à independência nacional e à não-intervenção, como reproduainda os ideais republicanos voltados à defesa da paz, a Carta de 1988 inova ao realçar uma orientação nacionalista jamais vista na histórconstitucional brasileira. A orientação internacionalista se traduz nos princípios da prevalência dos direitos humanos, da autodeterminação d

 povos, do repúdio ao terrorismo e ao racismo e da cooperação para o progresso da humanidade, nos termos do art. 4º, inc. II, III, VIII e IX.

Ao romper com a sistemática das Cartas anteriores, a Constituição de 1988, ineditamente, consagra o primado do respeito aos direitos humancomo paradigma propugnado para a ordem internacional. Esse princípio invoca a abertura da ordem jurídica interna ao sistema internacional

 proteção aos direitos humanos. A prevalência dos direitos humanos, como princípio a reger o Brasil no âmbito internacional, não implica apeno engajamento do País no processo de elaboração de normas vinculadas ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, mas sim a busca p

 plena integração de tais regras na ordem jurídica brasileira. Implica, ademais, o compromisso de adotar uma posição política contrária aEstados em que os direitos humanos sejam gravemente desrespeitados.

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Uma outra conseqüência da adoção da prevalência dos direitos humanos como fundamento das relações internacionais é uma mudança concepção tradicional de soberania absoluta, haja vista que a soberania brasileira fica submetida a regras jurídicas, tendo como parâmetobrigatório a prevalência dos direitos humanos. Há uma relativização e uma flexibilização em prol da proteção dos direitos humanos.Se para o Estado brasileiro a prevalência dos direitos humanos é princípio a reger o Brasil no cenário internacional, está-se conseqüentemenadmitindo a concepção de que os direitos humanos constituem tema de legítima preocupação e interesse da comunicada internacional. Os direithumanos, nesta concepção, surgem para a Carta Magna de 1988 como tema global. Cabe ainda ressaltar que o princípio da prevalência ddireitos humanos contribuiu de forma definitiva para o sucesso da ratificação, pelo Estado brasileiro, de instrumentos internacionais de proteçdos direitos humanos, como foi, por exemplo, com a Convenção Americana de Direitos Humanos – o Pacto de San José.

CAPÍTULO IV - A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 E OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO AODIREITOS HUMANOS

a) Breves Considerações sobre Tratados Internacionais

Os tratados internacionais, enquanto acordos internacionais juridicamente obrigatórios e vinculante (  pacta sunt servanda), constituem hoj principal fonte de obrigação do direito internacional, papel anteriormente ocupado pelo costume internacional. Tal como no âmbito interno, virtude do movimento pós positivista, cada vez mais os princípios gerais do direito passam a ganhar maior relevância no direito internacioncontemporâneo.

Os tratados internacionais não necessariamente consagram novas regras de direito internacional. Há casos em que eles são criados apenas pacodificar as regras preexistentes, consolidando os costumes internacionais ou, ainda, modificando-os. Diante da crescente utilização dos tratadcomo norma imperativa nas relações internacionais surgiu a necessidade de se regular o processo de formação dos tratados internacionais, o quaconteceu na Convenção de Viena, concluída em 1969.

Pode-se dizer que a Convenção de Viena é a Lei dos Tratados Internacionais, contudo ela limitou-se a normatizar os tratados internacioncelebrados entre Estados, não incluindo aqueles dos quais participam organizações internacionais. Para o estudo do trabalho do livro, importa tãsomente os tratados celebrados entre Estados. Sendo assim, importa salientar que os tratados internacionais só se aplicam aos Estados-partes, seja, àqueles Estados que expressamente consentiram em sua adoção, não podendo criar obrigações para os demais Estados.

Enfatize-se que os tratados são, por sua excelência, expressão de consenso. Apenas pela via do consenso podem os tratados criar obrigaçõlegais, uma vez que Estados soberanos, ao aceitá-los, compromete-se a respeitá-lo, é o que prevê o art. 52 da Convenção de Viena. A Convençde Viena determina, ainda, que “Todo tratado em vigor é obrigatório em relação às partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé” e que “Um

 parte não pode invocar disposições de seu direito interno como justificativa para o não-cumprimento do tratado” (art. 27 da Convenção de VienaImportante ressalta que, para contribuir para a adesão do maior número de Estados, permite-se que o tratado seja formulado com reservas. Ntermos da Convenção de Viena, reservas constituem “uma declaração unilateral feita pelo Estado, quando da assinatura, ratificação, acessadesão ou aprovação de um tratado, com o propósito de excluir ou modificar o efeito jurídico de certas previsões do tratado, quando se saplicação naquele Estado”. Entretando, são inadmissíveis reservas que se mostrem incompatíveis com o objeto do tratado, nos termos do art. da Convenção de Viena.

b) O processo de formação dos tratado internacionais

A sistemática de celebração dos tratados internacionais é deixada a critério de cada Estado, o que acarreta uma variação significativa em relaçàs exigências constitucionais para o processo de formação dos tratados. Em geral, o processo dar-se da seguinte forma:

Primeiramente inicia-se com os atos de negociação, conclusão e assinatura, que são de competência do Poder Executivo. A assinatura do tratasignifica um aceite precário e provisório, não implicando efeitos jurídicos vinculantes ao Estado. Via de regra, a assinatura do tratado indiapenas que o tratado é autentico e definitivo. O segundo passo é a apreciação e aprovação pelo Pode Legislativo. Após a apreciação pel

 parlamentares vem a ratificação, sob a competência do Poder Executivo. A ratificação significa a confirmação formal por um Estado de que eobrigado ao tratado no plano internacional. É o aceito definitivo.

A ratificação é um ato necessário para que o tratado passe a ter obrigatoriedade tanto no plano internacional quanto no plano interno. Como etapformal, o instrumento de ratificação deve ser depositado em um órgão que assuma a custódia do instrumento.

 No Brasil, a Constituição de 1988 determina que é de competência exclusiva do Presidente da República celebrar tratados, convenções e acordinternacionais, competindo exclusivamente ao Congresso Nacional resolver definitivamente sobre os tratados, acordos e atos internacionais. Huma colaboração entre os Poderes Executivo e Legislativo na conclusão dos tratados internacionais. Logo, os tratados internacionais demanda

 para seu aperfeiçoamento um ato complexo no qual se integram a vontade do Presidente da República, que os celebra, e a do Congresso Nacionque os aprova por meio de decreto legislativo. A colaboração entre os Poderes Executivo e Legislativo é uma tradição na história daconstituições do Brasil.

O método adotado pelo Brasil é uma forma de descentralizar o poder de celebrar tratados, prevenindo o abuso desse poder. Para os constituinteo motivo principal da instituição de uma particular forma de cheks and balances talvez fosse o de proteger os direitos de alguns Estados, maresultado foi o de evitar a concentração do poder de celebrar tratados no Executivo, como era então a experiência européia.

Importante observar que a Constituição só prevê a sistemática da formação dos tratados internacionais em duas normas, quais sejam, o art. 8inc. VIII e o art. 49, inc. I). Sendo assim, em relação ao tema em apreço a Carta Magna ficou lacunosa, sem haver uma normatização, pexemplo, do prazo para que o Congresso Nacional aprecie o tratado já assinado pelo Poder Executivo, ou um prazo para que o Presidente

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República encaminhe ao Congresso Nacional o tratado já assinado. Essa falta de normas acaba por contribuir para a afronta ao Princípio da boa-que norteia o direito internacional.

c) Hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanosDiferentemente do que ocorria no passado, a relação ente Direito Internacional e Direito Interno não é mais uma problemática apenas acadêmicmas sim bastante pragmática, haja vista a crescente adoção de tratados cujo escopo não é mais a relação entre Estados, mas a relação enEstados e seus próprios cidadãos. A eficácia desses tratados depende essencialmente da incorporação de suas previsões no ordenamento interde cada país.

A Carta de 1988, ao fim da Declaração de Direitos, consagra que os direitos e garantias nelas previstos não excluem outros decorrentes do regim

de princípios por ela adotado, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, conforme art. 5º, §2º da CF/88. Constituição de 1967, previa apenas que os direitos e garantias expressos naquela constituição não outros direitos e garantias decorrentes regime e dos princípios que ela adotava. Sendo assim, a Carta Magna de 1988 inovou ao acrescentar entre os direitos constitucionalmen

 protegidos os direitos enunciados nos tratados internacionais.Pois bem, se a Constituição prescreve que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros direitos decorrentes dos tratadinternacionais, a contrario sensu, a Carta de 1988 está a incluir, no catálogo de direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciadnos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Esse processo de inclusão implica a incorporação pelo Texto Constitucional de tais direitoEla, ao efetuar a incorporação, atribui aos direitos internacionais uma natureza diferenciada, qual seja, uma natureza de norma constitucional.

Fazendo-se uma interpretação axiológica e sistemática no Texto Constitucional, especialmente em face da força expansiva dos valores dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais, chega-se a conclusão de que os direitos enunciados nos tratados de direitos humanos que o Brasil é parte integram, portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados. Um outro argumento que reforça a idéia de que direitos enunciados em tratados internacionais possuem hierarquia constitucional é o fato de que os direitos fundamentais possuem naturematerialmente constitucional.

A Constituição assume expressamente no seu art. 5º, §2º o conteúdo constitucional dos direitos constantes dos tratados internacionais dos quaiBrasil é parte, ainda que não sejam enunciados sob a forma de normas constitucionais. Para J.J. Canotilho, “o programa normativo-constitucionnão pode se reduzir, de forma positivista, ao ‘texto’ da Constituição. Há que densificar, em profundidade, as normas e princípios da constituiçãalargando o ‘bloco de constitucionalidade’ a princípio não escritos, mais ainda reconduzíveis ao programa normativo-constitucional, como formde densificação ou revelação de princípios ou regras constitucionais positivamente plasmadas”. Os direitos internacionais integrariam, assimchamado “bloco de constitucionalidade”, densificando a regra constitucional positivada no §2º do art. 5º da CF, caracterizada como cláusuconstitucional aberta.

José Afonso da Silva também defende o entendimento de que o art. 5º, §2º da CF abre espaço para que hajam cláusulas abertas constitucionais lecionar o seguinte: “a circunstância de a Constituição mesma admitir outros direitos e garantias individuais não enumerados, quando,

 parágrafo 2º do art. 5º, declara que os direitos e garantias previstos neste artigo não excluam outros decorrentes dos princípios e do regimadotado pela Constituição e dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Para o constutucionalista háclasses de direitos individuais: a) os expressos, explicitamente individuados no art. 5º; b) os implícitos, subentendidos nas regras de garantias; os decorrentes do regime e de tratados internacionais subscritos pelo Brasil.

Contudo, a classificação supramencionada peca pelo fato de equiparar os direitos decorrentes dos tratados internacionais aos decorrentes d princípios e dos regimes adotados pela Constituição. Enquanto estes últimos não são nem implícita nem explicitamente enumerados, sendo difícil caracterização a  priori, os direitos constantes dos tratados internacionais dos quais o Brasil seja parte são expressos, enumeradosclaramente elencados, não podendo ser considerados de difícil caracterização a  priori. Observe-se que, diferentemente da ConstituiçPortuguesa, onde a cláusula de abertura faz referência a todo o direito internacional, a Constituição brasileira refere-se especificamente atratados internacionais dos quais o Brasil seja parte.

Há a proposta de uma nova classificação dos direitos previstos pela Constituição: a) os direitos expressos na Constituição; b) os direitos expressem tratados internacionais nos quais o Brasil seja parte e c) os direitos implícitos, que são os direitos que estão subentendidos nas regras garantias, bem como os decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição. Logo, os direitos implícitos são imprecisos, vagoelásticos, enquanto os direitos expressos na Constituição e nos tratados internacionais de que o Brasil seja parte compõem um universo claro

 preciso.

A Constituição de 1988 recepciona os direitos enunciados em tratados internacionais de que o Brasil seja parte conferido-lhes natureza de norm

constitucional. Tal interpretação é consoante com o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais. No dizer de Jorge Mirando, uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê; a cada norma constitucional é preciso conferir, ligada a todas outras normas, o máximo de capacidade de regulamentação”. Para Konrad Hesse, “(...) A dinâmica existente na interpretação construtiva constitcondição fundamental da força normativa da Constituição e, por conseguinte, de sua estabilidade. Caso ela venha a faltar, torna-se inevitávcedo ou tarde, a ruptura da situação jurídica vigente”.Importante salientar que toda norma constitucional são verdadeiras normas jurídicas e desempenham uma força útil no ordenamento. Nenhumnorma constitucional se pode dar interpretação que lhe retire ou diminua a razão de ser. Considerando os princípios da força normativa Constituição e da ótima concretização da norma, à norma constitucional deve ser atribuído o sentido de maior eficácia lhe dê, especialmentratando-se de norma de direito fundamental. Para Canotilho, “(...) no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maieficácia aos direitos fundamentais”. Deste modo, ao entender que os direitos constantes dos tratados internacionais passam a integrar o catálodos direitos constitucionalmente previstos, está-se a conferir a máxima eficácia aos princípios constitucionais, em especial ao princípio do art. 5§2º da CF/88.É de suma importância enfatizar que, enquanto os demais tratados internacionais têm força de norma infraconstitucional, os direitos enunciadem tratados internacionais de proteção aos direitos humanos apresentam valor de norma constitucional. Observe-se que a hierarqu

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infraconstitucional dos demais tratados internacionais é extraída do art. 102, III, b da CF, norma que confere competência ao Supremo TribunFederal para julgar recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida declararinconstitucionalidade de tratado ou lei federal.

Sustenta-se, assim, que os tratados internacionais que não tratem de direitos fundamentais possuem a hierarquia de norma infraconstitucioncontudo com força supralegal. Esse posicionamento busca sua fundamentação no princípio da boa-fé, vigente no direito internacional (o  pac

 sunt servanda), e que tem reflexo no art. 27 da Convenção de Viena, segundo o qual não cabe ao Estado invocar disposições de seu direito interncomo justificativa para o não-cumprimento de tratados.

Contudo, a doutrina brasileira, ao interpretar o mencionado dispositivo constitucional, a tendência é acolher a concepção de que os tratad

internacionais e as leis federais apresentam a mesma hierarquia jurídica, aplicando-se o princípio “lei posterior revoga lei anterior que seja coela incompatível”. Essa concepção compromete não apenas o princípio da boa-fé do direito internacional, mas também afronta a próprConvenção de Viena. O STF, com base no raciocínio da maioria dos doutrinadores, vem adotando desde 1977 o entendimento de que as LFederais e os tratados internacionais têm a mesma hierarquia.

Observe-se que, anteriormente a 1977 há diversos acórdãos consagrando o primado do Direito Internacional em que o tratado internacional n  pode ser revogado por lei interna. Contudo, a tendência mais recente no Brasil é de que uma lei possa revogar um tratado anterio posicionamento adotado a partir do julgamento do recurso extraordinário nº 80.004. Em seu voto, o Ministro Francisco Rezek ponderou que a interna revoga tratado internacional anterior com ele incompatível, sem embargos das conseqüências pelo descumprimento do tratado no plainternacional.

Sendo assim, esse novo posicionamento adotado pelo STF a partir de 1977 desprestigia o princípio da boa-fé vigente no Direito Internacion podendo acarretar sanções pelo descumprimento dos tratados. Vale dizer que, para o regime do direito internacional, apenas o ato de denúncimplica a retirada do Estado de determinado tratado internacional. Sem o mencionado ato de denúncia, persiste a responsabilidade do Estado ordem internacional.

O fundamento utilizado para, que na interpretação do art. 102, inc. III, alínea b da CF, houvesse uma equiparação hierárquica entre as leis e tratados internacionais foi que inexiste, na perspectiva do modelo constitucional vigente no Brasil, qualquer precedência ou primazia hierárquicnormtiva dos tratados internacionais sobre o direito positivo interno, sobretudo em face das cláusulas inscritas no texto Constitucional, eis queordem normativa internacional não se sobrepõe ao que prescreve a Carta Magna. O livro, contudo, defende posicionamento contrário. Acredita-que, ao conferir aos tratados internacionais de direitos humanos a hierarquia constitucional, com observância do princípio da prevalência norma mais favorável, é interpretação que se situa em absoluta consonância com a ordem constitucional de 1988, bem como com a sracionalidade e principiologia.

Além de não concordar com o posicionamento do STF supra, insiste-se que, em relação aos tratados internacionais de direitos humanos não como rechaçar o seu  status constitucional. É aceitável que um tratado internacional comum tenha força de lei, mas em relação aos tratadinternacionais de direitos humanos em que o Brasil seja parte não há como se rechaçar a sua hierarquia de norma constitucional. Este tratamendiferenciado, conferido pelo art. 5º, §2º da CF justifica-se na medida em que, enquanto os tratados internacionais comuns tratam de relações entos Estados-partes, os tratados internacionais de direitos humanos objetivam a salvaguarda dos direitos do ser humano, e não das prerrogativas dEstados. O Estado que firma um tratado internacional de direitos humanos assume compromissos perante os cidadãos que se encontram sob a s

 jurisdição e não em relação ao outro Estado.

Ao lado do caráter especial dos tratados internacionais de direitos humano, pode-se acrescentar o argumento de que os tratados de direithumanos apresentam caráter mais técnico, formando um universo de princípios que apresentam especial força obrigatória, denominada  j

cogens. Na percepção crítica de Hilary Charlesworth e Christine Chinkin, “ Jus cogens é definido como um conjunto de princípios que resguaros mais importantes e valiosos interesses da sociedade internacional, como expressão de uma convicção, aceita em todas as nações, satisfazendosuperior interesse da comunidade internacional como um todo, como os fundamentos de uma sociedade internacional, sem os quais a inteestrutura se romperia. Os direitos humanos mais essenciais são considerados parte do  jus congens”.

Em relação ao tema, os autores André Gonçalves e Fausto de Quadros que “um dos traços mais marcantes da evolução do Direito Internacioncontemporâneo foi, sem dúvida, a consagração definitiva do  jus congens no topo da hierarquia das fontes do Direito Internacional, como um‘supra-legalidade internacional”’.Com base nestes argumentos, pode-se sustentar que o direito brasileiro faz a opção por um sistema misto disciplinador dos tratados. Um regimaplicado aos tratados internacionais de direitos humanos, em que, por força do art. 5º, §2º da CF/88, apresentam hierarquia de norm

constitucional, e um outro regime para os demais tratados internacionais, que apresenta hierarquia de infraconstitucional. Em suma, a hierarquconstitucionais das normas vinculadas por meio de tratados internacionais de direitos humanos emergem de uma interpretação axiológicasistemática do art. 5º, §2º da CF em relação à Carta Magna, particularmente da prioridade que atribui aos direitos fundamentais e ao princípio dignidade da pessoa humana.

Importa salientar que, além das duas correntes já mencionadas, uma que entende que os tratados internacionais de direitos humanos devem recepcionados na norma interna com status de norma constitucional e a outra que, ao revés, entende que deva ser integrado ao sistema normatiinterno com força equivalente a uma lei - esta última a corrente adotada pelo STF - há duas outras correntes. Uma sustenta que os tratadointernacionais de direitos humanos possuem um status supraconstitucional, sendo certo que a outra entende que estas normas possuem forinfraconstitucional, porém supralegal.

Em relação à corrente que entende que os tratados internacionais de direitos humanos, os seus defensores fundamentam as suas teses em que mencionados tratados, em verdade, são normas supranacionais, pois, ao observar que à expressão “não excluem” constante no art. 5º, §2º n

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 pode ser concebido um alcance meramente quantitativo, devendo ser interpretada também em caso de conflito entre as normas constitucionais eDireito Internacional em matéria de direitos fundamentais, devendo ser este último que deve prevalecer.

Para os defensores da última corrente, qual seja, a que entende que os tratados internacionais de direitos humanos devem possuir uma hierarquinfraconstitucional, porém supralegal, equiparar os tratados internacionais de direitos humanos com as leis seria esvaziar em demasia o alcance dart. 5º, §2º da CF. Este grupo recusa a supremacia de qualquer convenção internacional sobre a constituição, porém não se deve chegar ao ponde igualar o  status das leis aos tratados internacionais de direitos humanos, defendendo a tese de que o art. 5º, §2º acabou por traduzir umabertura dos direitos significativa ao movimento de internacionalização de direitos humanos.

 No intuito de dirimir as controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, foi criada na Emenda Constitucional nº 45 o §3º do art. 5º da CF, por me

do qual ficou determinado que os tratados internacionais de direitos humanos que formem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, edois turnos, por três quintos dos respectivos membros serão equivalentes às emendas constitucionais. Contudo, em face das argumentaçõesexpostas, conclui-se que a hierarquia constitucional já se extrai de interpretação conferida ao próprio art. 5º, §2º da CF/88. Por força da indigitanorma, todos os tratados internacionais de direitos humanos são materialmente constitucionais compondo o bloco de constitucionalidade.quorum requerido pelo §3º do art. 5º está apenas proporcionando a constitucionalização formal dos tratados de direitos humanos no âmbiinterno. Sendo assim, á hierarquia dos valores deve corresponder a hierarquia das normas, e não o contrário.

Importa salientar que deve ser rechaçado o entendimento de que os tratados que já foram ratificados devem ser recepcionado com força de lei erazão de não terem o quorum determinado pelo §3º do art. 5º da CF. Observe-se que os tratados internacionais de proteção aos direitos humanratificados anteriormente à EC nº 45 contaram com a ampla maioria dos deputados e senadores, sendo certo que em muitos casos houvesuperação do quorum de 3/5, não havendo apenas a votação em dois turnos porque na época não havia esta previsão.

Celso Lafer, ao defender o entendimento que os tratados internacionais, mesmo os ratificados antes da EC nº 45/2004 já possuem  status de normconstitucional, argumenta que p novo parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição pode ser considerado como uma lei interpretativa, destinadaencerrar as controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais suscitadas pelo parágrafo 2º. Para a doutrina, lei interpretativa é aquela que tão somen

declara uma situação pré-existente, ao clarificar a lei existente.

Os argumentos que fundamentam o entendimento de que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados antes da EC nº 45/20 possuem força constitucional são os seguintes: a) a interpretação sistemática da Constituição, de forma a dialogar os §§ 2º e 3º do art. 5º dCF/88, já que o último não revogou o primeiro, mas deve ser interpretado à luz do sistema constitucional; b) a lógica e racionalidade material qdevem orientar a hermenêutica dos direitos humanos; c) a necessidade de evitar interpretações que apontem a agudos anacronismos da orde

 jurídica; e d) a teoria geral da recepção do direito brasileiro.

Sendo assim, com o advento do §3º do art. 5º da CF/88 por meio da EC 45/2004, surgem dois tipos de tratados internacionais de direitohumanos, quais sejam: a) os materialmente constitucionais, que são os que possuem, que por força do § 2º do art. 5º é norma materialmenconstitucional independentemente do seu quorum de ratificação; b) os materialmente e formalmente constitucional, que são os tratadinternacionais de direitos humanos que tenham sido ratificado com o quorum exigido pelo § 3º do art. 5º da CF/88. Neste último caso, além natureza material constitucional, a norma será formalmente constitucional.

Resta salientar que entre os tratados internacionais de direitos humanos que são meramente materialmente constitucionais e os que smaterialmente e formalmente constitucionais há uma diferença de regimes jurídicos que se aplica aos tratados. Enquanto os tratadmaterialmente constitucionais podem ser suscetíveis de denúncia, os tratados materialmente e formalmente constitucionais não podem ser objede denúncia. Atente-se, ainda, que ao se admitir a natureza constitucional de todos os tratados internacionais de direitos humanos, estar-se-áadmitir que os direitos neles vinculados, assim como os demais direitos e garantias consagrados pela Constituição, tornar-se-ão cláusulas pétrenos termos do art. 60, § 4º da CF, não podendo vir a serem modificados por meio de Emenda Constitucional.

Cabe apontar, contudo, que, embora os direitos internacionais sejam alcançados pelo art. 60, §4º da CF, e não possam ser eliminados por EmenConstitucional, os tratados internacionais de direitos humanos materialmente constitucionais são suscetíveis de denúncia por parte do Estasignatário. Os direitos internacionais apresentam esta peculiaridade. Tendo sido prevista a regra da denúncia no tratado, o Estado parte podenunciá-lo a fim de não mais ficar vinculado às obrigações assumidas quando da ratificação do tratado internacional de direitos humanos semquorum do § 3º.

Devido à peculiaridade mencionada, considera-se mais coerente a aplicação ao ato da denúncia o mesmo procedimento aplicável ao ato dratificação, ou seja, se para a ratificação é necessário um ato complexo, fruto da conjugação das vontades do Poder Executivo com o Legislativ

 para o ato de denúncia mister a aplicação do mesmo procedimento. Entretanto isso não ocorre no Brasil. No direito brasileiro, a denúnccontinua a ser ato privativo do Executivo, sem qualquer participação do Legislativo.

Importante salientar que aos tratados internacionais de direitos humanos materialmente e formalmente constitucionais não podem ser objeto denúncia. Isto se deve ao fato de que os direitos nele enunciados receberam assento no Texto da Constituição não apenas pela materialidade quevincula, mas também pelo alto grau de legitimidade popular contemplado pelo especial e dificultoso processo de sua aprovação. Sendo assim, nãhá como se admitir que, após a passagem por um difícil processo de aprovação, um ato isolado do Presidente da República possa subtrair tdireitos do patrimônio popular.Para finalizar, importa examinar de forma breve o modo pelo qual o direito comparado trata da interação dos tratados internacionais de direithumanos e a ordem jurídica nacional. A sistemática constitucional introduzida pela Constituição de 1988 se situa num contexto em que inúmerConstituições latino-americanas buscam dispensar aos preceitos constantes dos tratados internacionais de direitos humanos uma natureza jurídi

 privilegiada.

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 Na Constituição da Argentina, após a reforma constitucional de 1994, enquanto os tratados internacionais em geral possuem uma hierarquinfraconstitucional, porém supralegal, os tratados internacionais de direitos humanos possuem uma força de norma constitucional, completanos direitos e garantias constitucionalmente reconhecidos. Na Constituição da Venezuela, os tratados internacionais de direitos humanos subscrit

 pela Venezuela têm hierarquia constitucional e prevalecem sobre a ordem interna, na medida que contenham normas sobre o seu gozo e exercícmais favoráveis às estabelecidas pela Constituição e são de aplicação imediata e direta pelos tribunais e demais órgãos do poder público.

 No Peru, a sua atual Constituição de 1993 consagra que os direitos internacionalmente reconhecidos devem ser interpretados consoantDeclaração Universal de Direitos Humanos e os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Peru. Na Nicarágua, a sConstituição confere hierarquia constitucional aos direitos constantes dos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos. Uoutro exemplo é a Constituição da Guatemala, na qual se prevê que os direitos e garantias nela previstos não excluem outros, adicionando, aind

que os tratados internacionais de direitos humanos têm preeminênica sobre o direito interno. Também a Constituição do Chile, reformada e1989, consagra o dever dos órgãos do Estado de respeitar e promover os direitos garantidos pelos tratados internacionais ratificados por aque país.

É nesse contexto que se insere a inovação do art. 5º, § 2º da CF/88. Ao estatuir que os direitos e neles expressos não excluem outros, decorrentde tratados internacionais em que o Brasil seja parte, a Constituição de 1988 passa a incorporar os direitos enunciados nos tratados de direithumanos ao universo dos direitos constitucionalmente consagrados.

d) A incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos

O art. 5º, § 1º da CF/88 consagra o princípio da aplicabilidade imediata dos direitos e garantias fundamentais. Ora, se as normas definidoras ddireitos e garantias fundamentais demandam aplicação imediata e se, por sua vez, os tratados internacionais de direitos humanos têm por obje

 justamente a definição de direitos e garantias, conclui-se que tais normas merecem aplicação imediata.

Sendo assim, diferentemente do que ocorre com os tratados internacionais em geral, para os quais se exige a intermediação pelo Poder Legislativ

de ato com força de lei para que as suas disposições tenham vigência no ordenamento interno, para os tratados internacionais de direitos humanem que o Brasil é parte, os direitos fundamentais neles assegurados passam a integrar os direitos constitucionalmente consagrados imediatamenÉ o que se extrai da interpretação do art. 5º, §§ 2º e 3º. Em outras palavras, não será mais possível a sustentação da tese a qual, com a ratificaçãos tratados obrigam diretamente os Estados, mas não geram direitos subjetivos. Torna-se possível a invocação imediata dos tratados de direithumanos sem a necessidade de edição de ato com força de lei.

A incorporação imediata gera pelo menos 3 conseqüências: a) o particular pode invocar diretamente os direitos e liberdades internacionalmenassegurados; b) proíbe condutas e atos violadores a esses mesmos direitos, sob pena de invalidação e c)a partir da entrada em vigor do tratainternacional, toda norma preexistente que seja com ele incompatível perde automaticamente a sua vigência. Ademais, passa a ser recorrívqualquer decisão judicial que violar as prescrições do tratado, haja vista o Recurso Especial a ser interposto contra decisão contrariar tratados, ntermos do art. 105, III, a da CF.

Importa mencionar a lição de Agustín Gordillo, para quem, “não apenas o Tribunal nacional, mas também e especialmente o Tribuninternacional competente, estão expressamente facultados a declarar a antijuridicidade da conduta e, conseqüentemente, invalidá-la, aplicanainda sanções pecuniárias em favor da pessoa físicas que sofreu violação a direito fundamental, por atos, ações ou omissões de sua país, no plainterno”.

Mister ressaltar que além da sistemática da incorporação automática do direito internacional, há a sistemática da incorporação legislativa. Pe primeira, o Estado reconhece a plena vigência do direito internacional na ordem interna a partir da ratificação do tratado, passando a viger mesmo tempo tanto na ordem jurídica internacional como na interna. Não há a necessidade de uma norma de direito interno. Essa sistemática dincorporação imediata reflete a concepção monista, pela qual o direito internacional e o interno compõem a mesma unidade, uma única orde

 jurídica. Já na sistemática da incorporação legislativa, o Estado recusa a vigência imediata do direito internacional na ordem interna, necessitanda sua reprodução por uma norma interna. Neste sistema a ordem internacional e a interna são duas ordens jurídicas distintas, refletindoconcepção dualista há duas ordens jurídicas independente e autônomas.

Em caso de conflito entre as normas nacionais e as internacionais, há de ser perquirir, inicialmente, qual a sistemática adotada pelo paísmonista ou a dualista. Caso seja a dualista não há maiores esclarecimentos a serem feitos, haja vista que, por este sistema há inteira independêncentre as ordens jurídicas nacionais e internacionais. Vindo a ser adotada pelo Estado a sistemática monista, há de se observar se o monismo é coo primado do direito nacional ou se é um monismo com primado da norma internacional. No primeiro caso, em caso de conflito entre a norm

internacional e a interna, prevalece a norma interna, já no segundo caso, prevalece a norma de direito internacional.Diante dessas duas sistemáticas, conclui-se que no Brasil adota-se uma sistemática mista, na qual, para os tratados internacionais de direithumanos, por força do art. 5º, § 1º da CF/88, têm vigência imediata, enquanto para os demais tratados se aplica a sistemática da incorporaçlegislativa, fazendo-se necessário a intermediação de um ato normativo para tornar o tratado obrigatório na ordem interna. Diferentemente do qocorre em relação aos tratados de direitos humanos, em que há norma expressa na Constituição que determina a sua incorporação imediata sistema jurídico interno, art. 5º, §§ 1º e 2º da CF, em relação aos demais tratados não há qualquer menção sobre a sua vigência no ordenameninterno. Por isso a maioria dos doutrinadores entendem que em relação aos tratados internacionais em geral aplica-se a sistemática dualista, oseja, há a necessidade de uma norma interna a fim de que o tratado passe a ter vigência interna.

Porém para o trabalho, em se tratando de tratados sobre direitos humanos, os mesmos têm aplicação imediata, sem a necessidade da expedição Decreto de Execução, conforme determina o art. 5º, § 1º da CF/88. Já para os demais tratados o Decreto de Execução é imprescindível para que normas internacionais tenham vigência no direito interno. No que pese as argumentação explanadas no presente trabalho, para a jurisprudência STF a expedição do decreto é essencial para que o tratado internacional seja incorporado ao ordenamento interno.

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Em síntese, em relação aos tratados internacionais de direitos humanos, a Constituição, em seu art. 5º, § 1º, acolhe a sistemática da incorporaçãautomática, refletindo a sistemática monista, conferindo-lhes, ainda, o  status de norma constitucional, por força do art. 5º, §§ 2º e 3º. O regimdiferenciado, todavia, não se aplica aos tratados internacionais tradicionais, havendo a necessidade, para a sua vigência no ordenamento jurídicinterno, da expedição de uma norma interna, além de não possuírem força hierárquica constitucional.

Importa salientar que a sistemática de incorporação automática tem sido uma tendência de algumas Cartas Contemporâneas, como ocorre nConstituição portuguesa, na alemã, na espanhola, na francesa, na holandesa. Diante do que foi exposto, cabe ao Poder Judiciário e aos demPoderes Públicos assegurar a implantação no âmbito nacional das normas internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil. As norminternacionais que consagram os direitos humanos tornam-se passíveis de vindicação e pronta aplicação ou execução perante o Poder JudiciárOs indivíduos tornam-se, portanto, beneficiários dos direitos de instrumentos internacionais votados à proteção dos direitos humanos.

e) O impacto jurídico dos tratados internacionais de direitos humanos no direito interno brasileiro.

Em relação ao impacto jurídico dos tratados internacionais de direitos humanos no direito brasileiro, levando-se em conta a hierarquconstitucional desses tratados, três são as hipóteses que podem ocorrer, quais sejam, o direito enunciado no tratado: a) coincidir com o direassegurado na Constituição; b) integrar, complementar e ampliar o universo de direitos constitucionais previstos; ou c) contrariar preceitinternos.

 No caso de coincidir o direito assegurado pelo tratado internacional com o direito assegurado pela Constituição não apenas reflete o fato delegislador nacional buscar inspiração nesse instrumento internacional, como também revela a preocupação do legislador em equacionar o direiinterno, de modo a ajustá-lo, com harmonia e consonância, às obrigações internacionalmente assumidas pelo Estado brasileiro. Nesse caso, tratados internacionais de direitos humanos estarão a reforçar o valor jurídico de direitos constitucionalmente assegurados, de forma que eventuviolação do direito importará em responsabilização não apenas nacional, mas também internacional.O segundo impacto jurídico decorrente da incorporação do Direito Internacional dos Direitos Humanos pelo direito interno resulta alargamento do universo dos direitos nacionalmente garantidos. Vários são os casos em que direitos, embora não previstos no âmbito nacion

encontram-se enumerados nesses tratados, assim, passando a incorporar ao direito brasileiro. Na medida em que os direitos assegurados peltratados não são previstos no direito interno, eles inovam e ampliam o universo de direitos nacionalmente assegurados. O Direito Internaciondos Direitos Humanos inova, estende e amplia o universo dos direitos constitucionalmente assegurados.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos ainda permite, em determinados casos, o preenchimento de lacunas apresentadas pelo dire brasileiro. Um exemplo foi o julgamento pelo Pleno do STF do habeas corpus em que o Ministro Sidney Sanches, relator para o acórdão. O catratava-se da existência jurídica do crime de tortura contra criança e adolescente. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê em seu art. 233crime de prática de tortura contra a criança e o adolescente, porém instaurou-se a polêmica dado o fato de esta ser um “tipo penal aberto”. Ocoque o STF entendeu que os instrumentos internacionais de direitos humanos permitem a integração da norma penal em aberto, a partir do refordo universo conceitual relativo ao termo tortura. Neste caso ficou comprovado que os tratados internacionais de direitos humanos podem integre complementar as normas internas.

Sendo assim, quando as normas dos tratados internacionais de direitos humanos coincidam com os preceitos assegurados na constituição oquando integrem, complementem ou ampliem as normas constitucionais, elas terão a função de reforçar a imperatividade das normas garantidasde preencher as lacunas do direito interno, respectivamente. Contudo ainda se faz possível uma terceira hipótese: eventual conflito entre o DireiInternacional de Direitos Humanos e o direito interno.

Para solucionar o possível conflito entre as normas do tratado internacional de direitos humanos e as normas de direito interno, pode-se imaginacomo primeira alternativa, a adoção do critério “lei posterior revoga lei anterior com ela incompatível”, considerando a natureza constituciondos tratados internacionais de direitos humanos. Porém, um exame mais cauteloso do assunto aponta para outro critério de solução. É a escolha norma mais favorável à vítima. Prevalece a norma que mais beneficia o indivíduo, titular do direito. O princípio da aplicação dos dispositivmais favorável à vítima é consagrado tanto pelos próprios tratados internacionais de proteção aos direitos humanos quanto pela jurisprudêndos órgãos de supervisão internacionais.

 No plano de proteção dos direitos humanos interagem o direito internacional e o direito interno movidos pelas mesmas necessidades de proteçã prevalecendo as normas que melhor protejam o ser humano, tendo em vista que a primazia é da pessoa humana. Os direitos internacionaconstantes nos tratados de direitos humanos apenas vêm a aprimorar e fortalecer, nunca a restringir ou deliberar, o grau de proteção dos direitoconsagrados no plano normativo constitucional. Logo, em caso de conflito entre as normas de direito internacional sobre direito humanos e normas internas, adota-se o critério da prevalência da norma mais favorável.

O próprio art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece que “nenhuma disposição da Convenção pode ser interpretada sentido de limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer Estados-partou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados”. A escolha da norma mais benéfica ao indivíduo é tarefa que cabefundamentalmente aos Tribunais nacionais e a outros órgãos aplicadores do direito, no sentido de assegurar a melhor proteção possível ao humano.

Exemplificando os casos de conflitos entre normas internacionais de direitos humanos e normas de direito interno, coloca-se o caso do PacInternacional dos Direitos Civis e Políticos, que estabelece o direito de toda pessoa a fundar, com outras, sindicatos e de filiar-se ao sindicato sua escolha, sujeitando-se unicamente às restrições previstas em lei e que sejam necessárias para assegurar os interesses de segurança nacional da ordem pública, ou para proteger os direitos e liberdades alheias. Já a Constituição Nacional consagrou o Princípio da unicidade sindical, q

 prevê a proibição de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa da categoria profissional ou econômica, na mesma baterritorial.

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Acolhendo o princípio da prevalência da norma mais favorável ao indivíduo e considerando que os direitos previstos em tratados internacionaincorporam a constituição com aplicação imediata, conclui-se que a ampla liberdade de criar sindicatos merece prevalecer, até porque as exceçõ

 previstas no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos não são observadas no Brasil, ou seja, no Brasil, a restrição à liberdade sindicalização não se dá em razão da necessidade de assegurar os interesses de segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger direitos e liberdades alheias. Como não houve qualquer reserva por parte do Brasil ao ratificar o mencionado pacto internacional, aceitou-se

 plena liberdade de criação de sindicatos.

Um outro caso que merece enfoque refere-se à previsão que consta no art. 11 do Pacto Internacional de Direito Humanos. Pela norma, “Ningué poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual”. Enunciado semelhante é o do art. 7º da Convenção Americanque estabelece que ninguém deve ser detido por dívida, acrescendo apenas uma exceção, qual seja, a dívida de créditos alimentícios.

Constituição Nacional consagra o princípio da proibição por dívida, contudo admite não apenas uma exceção, como na Convenção Americanmas sim duas: dívida de crédito alimentício e depositário infiel.

Pois bem, se o Brasil ratificou os dois instrumentos internacionais sem qualquer reserva no que tange à matéria, é de questionar a possibilidade  prisão civil de depositário infiel. Pelo critério da prevalência da norma mais favorável ao indivíduo no plano da proteção dos direitos humanoconclui-se que merece ser afasta tal possibilidade de prisão. Observe-se que se a situação fosse inversa, se as normas constitucionais fosse ma

 benéfica que a norma internacional, aplicar-se-ia Constituição Federal. As próprias regras de direito internacional levam a esta interpretação afirmarem que os tratados internacionais só se aplicam se ampliarem e estenderem o alcance da proteção nacional de direitos humanos.

Em resumo do presente tópico pode-se afirmar que, considerando a natureza constitucional dos direitos enunciados nos tratados internacionais d proteção dos direitos humanos, três hipóteses poderão ocorrer. O direito enunciado no tratado internacional poderá: a) reproduzir direiassegurados na Constituição; b) inovar o universo dos direitos constitucionalmente previstos e c) contrariar preceito constitucional. Na primeihipótese, os tratados de direitos humanos estarão a reforçar o valor jurídico de direitos constitucionalmente assegurados. Na segunda, esstratados estarão a ampliar e estender o elenco dos direitos constitucionais, complementando e integrando a declaração constitucional de direitPor fim, quanto à terceira hipótese, prevalecerá a norma mais favorável à proteção da vítima. Vale dizer, os tratados internacionais de direi

humanos inovam significativamente o universo dos direitos constitucionalmente consagrados, ora reforçando sua imperatividade, ora adicionannovos direitos, ora suspendendo preceitos que sejam menos favoráveis à proteção dos direitos humanos. Em todas as três hipóteses, os direitinternacionais constantes dos tratados internacionais de direitos humanos apenas vêm aprimorar e fortalecer, nunca restringir ou debilitar o grde proteção dos direitos consagrados no plano normativo interno.

SEGUNDA PARTE

O SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS

CAPÍTULO V - PRECEDENTES HISTÓRICOS DO PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO E UNIVERSALIZAÇÃO DODIREITOS HUMANOS.

Enquanto o objetivo da primeira parte do trabalho foi o modo pelo qual a Constituição de 1988 se relaciona com os tratados internacionais direitos humanos, nesta segunda parte o objetivo é aprofundar os estudos do sistema internacional de proteção dos direitos humanos, tanto âmbito global quanto no regional. Neste primeiro capítulo desta segunda parte, o objetivo é desvendar os precedentes históricos que permitiramdeflagração do processo de internacionalização e universalização dos direitos humanos.

a) Primeiros Precedentes do processo de internacionalização dos direitos humanos – o Direito Humanitário, a Liga das Nações eOrganização Internacional do Trabalho.

Sempre se mostrou intensa a polêmica sobre a natureza dos direitos humanos, se eles são naturais e inatos, direitos positivos, direitos históricou direitos que derivam de determinado sistema moral. Tal polêmica ainda hoje é bastante intensa. O presente trabalho defende a historicidados direitos humanitários, na medida em que estes não são um dado, mas construído, uma invenção humana, em constante processo de construçãe reconstrução. Na lição de Norberto Bobbio, os direitos humanos nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direit

 positivos particulares (quando cada Constituição incorpora Declarações de Direitos) para finalmente encontrar a plena realização como direi positivos universais. Preleciona ainda Bobbio que, não obstante a importância do debate a respeito do fundamento dos direitos humanos, o mai problema hoje “não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los”.

Os primeiros marcos do processo de internacionalização dos direitos humanos foram o Direito Humanitário, a Liga das Nações e a OrganizaçãInternacional do Trabalho. Foi necessário uma nova definição do âmbito e o alcance do tradicional conceito de soberania estatal, a fim de permito advento dos direitos humanos como questão de legítimo interesse internacional. Foi preciso, ainda, a redefinição do  status do indivíduo cenário internacional, para que se tornasse o verdadeiro sujeito de direito internacional.

Direito Humanitário é o direito que se aplica na hipótese de guerra, a fim de limitar a atuação do Estado e assegurar a observância de direitfundamentais. A proteção humanitária se destina, em casos de guerra, a militares postos fora de combate (feridos, doentes, náufrago

 presioneiros) e à população civil. A Liga das Nações foi criada após a Primeira Guerra Mundial, possuindo como finalidade promovercooperação, paz e segurança internacional, condenando agressões externas contra a integridade territorial e a independência política dos semembros. Era também um meio de reforçar a idéia de relativizar a soberania dos Estados, incorporando em seu conceito compromissosobrigações de alcance internacional no que diz respeito aos direitos humanos. Além do Direito Humanitário e da Liga das Nações, a OrganizaçãInternacional do Trabalho também contribuiu para a internacionalização dos direitos humanos. Criada após a Primeira Guerra Mundial, tinha pfinalidade promover padrões internacionais de condições de trabalho e bem-estar.

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Apresentando o breve perfil da Organização Internacional do Trabalho, da Liga das Nações e do Direito Humanitário, pode-se concluir que tainstitutos, cada qual ao seu modo, contribuíram para o processo de internacionalização dos direitos humanos, seja ao assegurar parâmetros globamínimos para as condições de trabalho no plano mundial, seja ao fixar como objetivos internacionais à manutenção da paz e seguraninternacional, seja ainda ao proteger direitos fundamentais em situações de conflito armados. Tais institutos se assemelham na medida em q

 protejam o tema dos direitos humanos na ordem internacional.

Com o advento dos institutos supramencionados, chega-se ao fim a época em que o Direito Internacional era confinado a regular meramenrelações entre Estados. Passa-se a não mais visar apenas arranjos recíprocos, mas sim o alcance de obrigações internacionais a serem garantidcoletivamente. Essas obrigações visam a salvaguardar direitos do ser humano e não prerrogativas dos Estados. Os novos institutos rompem

ainda, com a antiga concepção de soberania nacional absoluta, na medida que admitem intervenções no plano nacional em prol da proteção ddireitos humanos. Aos poucos emerge a idéia de que o indivíduo não é apenas objeto, mas também sujeito do Direito Internacional, passando-sese aceitar a capacidade processual internacional dos indivíduos, bem como a concepção de que os direitos humanos não mais se limitamexclusiva jurisdição doméstica, mas sim constituem matéria de legítimo interesse internacional.

b) A internacionalização dos Direitos Humanos – pós-guerra.

A verdadeira consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos surge em decorrência da Segunda Guerra Mundial. É um movimenextremamente recente que surgiu como resposta às atrocidades e aos horrores durante o nazismo. A barbárie do totalitarismo significou a ruptudo paradigma dos direitos humanos, por meio da negação do valor da pessoa humana como valor fonte do direito. Diante dessa ruptura, emergnecessidade de reconstruir os direitos humanos, como referencial e paradigma ético que aproxime da moral. Nesse cenário, o maior direito passaser o direito a ter direito, ou seja, o direito a ser sujeito de direitos. Se a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o pguerra deveria significar sua reconstrução.

 Neste prisma, nasce a idéia de que a proteção aos direitos humanos não devem se reduzir ao âmbito reservado de um Estado, porque revela temde legítimo interesse internacional. O processo de internacionalização dos direitos humanos – que por sua vez, pressupõe a delimitação

soberania estatal – passa, assim, a ser uma importante resposta na busca da reconstrução de um povo paradigma, diante do repúdio internacionàs atrocidades cometidas no holocausto. Com a decadência do nazismo, a defesa da soberania ilimitada passou a ser duramente atacadespecialmente em razão das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra. Toda essa barbárie fez com que os doutrinadores concluíssem qusoberania estatal não é um princípio absoluto, mas deve estar sujeita a certas limitações em prol dos direitos humanos.

A crescente preocupação com os direitos humanos no pós-guerra é perceptível por meio da criação das Nações Unidas, da adoção da DeclaraçUniversal dos Direitos Humanos pela Assembléia Geral da ONU e com a ocupação de um espaço central na agenda das instituiçõinternacionais. No fim do século XX, não era mais possível se afirmar que o Estado pode tratar os seus cidadãos da forma que quiser, sem sofrqualquer responsabilização na arena internacional. Nesse contexto, o Tribunal de Nuremberg significou um poderoso impulso ao movimento internacionalização dos direitos humanos. Com a competência para julgar os crimes cometidos ao longo do nazismo, seja pelos líderes do partidseja pelos oficiais militares, O Tribunal de Nuremberg teve a sua composição e seus procedimentos básicos fixados pelo Acordo de Londr(Acordo firmado entre os aliados em 1945 para a responsabilização dos alemães pela guerra e pela barbárie cometidas).

O Tribunal de Nuremberg aplicou fundamentalmente o costume internacional para a condenação criminal dos envolvidos na prática de crimes guerra, crimes contra a paz e em crimes contra a humanidade, previstos no Acordo de Londres. Note-se que, segundo o art. 38 do Estatuto Corte Internacional, o costume internacional é fonte do direito internacional, juntamente com os tratados internacionais, com as decisões judiciacom a doutrina e com os princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações “civilizadas”.

Para a existência do costume internacional, faz-se a necessidade de: a) a concordância de um número significativo de Estados em relaçãodeterminada prática e do exercício uniforme dessa prática; b)a continuidade de tal prática por considerável período de tempo; c) a concepção que tal prática é requerida pela ordem internacional e aceita como lei, ou seja, que haja o censo de obrigação. Sendo assim, não resta dúvidas que a prática de tortura, de desaparecimento forçado, de detenções arbitrárias, entre outras práticas, cometidas pelo nazismo constitui violação acostumes. Atente-se para o fato de que o costume internacional tem eficácia erga omnes, enquanto os tratados internacionais só são aplicados aEstados que os tenham ratificados.

As condenações do Tribunal de Nuremberg, que tiveram como fundamento os costumes internacionais, sofreram críticas sob o argumento de qestariam violando o princípio da irretroatividade da lei, pois os atos punidos não eram considerados crimes no momento em que foram cometidHans Kelsen, embora crítico em relação a vários aspectos do Acordo de Londres e ao próprio julgamento, ao tratar da polêmica sobre a possívviolação dos princípios do Direito Penal, de sobremaneira em relação à irretroatividade da lei penal, lecionou o seguinte: “Contudo, este princíp

da irretroatividade da lei não é válido no plano do direito internacional, mas é válido apenas no plano do direito interno, com importantexceções”.

O significado do Tribunal de Nuremberg para o processo de internacionalização dos direitos humanos é duplo: não apenas consolida a idéia necessária limitação da soberania nacional como reconhece que os indivíduos têm direitos protegidos pelo direito internacional. Steiner, ao

 pronunciar sobre o significado do Tribunal de Nuremberg assevera que “(...). Simultaneamente, cada vez mais se reconhece que os indivídu podem ser considerados responsáveis por determinadas condutas. Não mais se acredita que os Estados são os exclusivos perpetradores condutas que violam o direito internacional. A ficção legal que os indivíduos não participam da arena internacional e, conseqüentemente, n

 podem ser considerados responsáveis pelos seus atos, tem sido repensada. (...) Crimes de guerra e genocídios são hoje reconhecidos como at pelos quais os indivíduos são sucessíveis à responsabilização como indivíduos. (...)”

c) A Carta das Nações Unidas de 1945

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Após a Segunda Guerra Mundial, relevantes fatores contribuíram para o fortalecimento da internacionalização do direito internacional ddireitos humanos. Dentre eles a maciça expansão de organizações internacionais com propósito de cooperação internacional. Com a vitória Aliados, surge uma nova ordem com importantes transformações no Direito Internacional, simbolizada pela Carta das Nações e palas suOrganizações. A criação das Nações Unidas, com suas agências especializadas, demarca o surgimento de uma nova ordem internacioninstaurando um novo modelo de condutas nas relações internacionais, com objetivos como a manutenção da paz e segurança internacionaisdesenvolvimento de relações amistosas entre os Estados, a adoção da cooperação internacional no plano econômico, social e cultural, enoutras.

Para a consecução dos objetivos supramencionados, as Nações Unidas foram organizadas em vários órgãos, em que os principais são: AssembléGeral, Conselho de Segurança, Corte Internacional de Justiça, Conselho Econômico e Social, Conselho de Tutela e o Secretariado. Compete

Assembléia Geral discutir e fazer recomendações relativas a qualquer matéria objeto da Carta. Todos os membros das Nações Unidas smembros da Assembléia Geral, com direito a um voto. O Conselho de Segurança é o órgão da ONU com a principal responsabilidade manutenção da paz e segurança internacionais. É composto por cinco membros permanentes e dez não permanentes. Os membros permanentsão China, França, Reino Unido, Estados Unidos e, desde 1992, Rússia, que substituiu a antiga União Soviética. Os não permanentes sescolhidos pela Assembléia Geral para mandados de dois anos, considerando a colaboração dos membros para os propósitos das Nações Unidasa distribuição geográfica eqüitativa.

A Corte Internacional é o principal órgão judicial das Nações Unidas, composto por quinze juízes. Seu funcionamento é disciplinado peEstatuto da Corte, que foi anexado à Carta. Dispõe de competência contenciosa e consultiva, porém apenas Estados são partes em questõ

 pertinentes ela. O Secretariado é chefiado pelo Secretário-Geral, que é o principal funcionário administrativo da ONU, indicando para mandato dcinco anos pela Assembléia Geral, a partir da recomendação do Conselho de Segurança. O Conselho Econômico e Social, composto por vintesete membros, tem competência para promover a cooperação em questões econômicas, sociais e culturais, incluindo os direitos humanos. Cabe Conselho Econômico e Social fazer recomendações destinadas a promover o respeito e a observância dos direitos humanos, bem como elabor

 projetos de convenções serem submetidos à Assembléia Geral. O art. 68 permite que o Conselho Econômico e Social crie comissões necessár para o desempenho das suas funções. Sendo assim, foi criada a Comissão de Direitos Humanos da ONU. Ao tratar da Comissão de Direit

Humanos, Thomas Buergenthal afirma que “esta comissão deve submeter ao Conselho Econômico e Social proposta, recomendações e relatórirelativos aos instrumentos internacionais de direitos humanos, à proteção das minorias, à prevenção da discriminação e demais questões relativaos direitos humanos. (...)”.

Deste modo, a nova agenda internacional passa a conjugar a preocupação na manutenção da paz e de evitar a guerra com preocupação e promover e proteger os direitos humanos. A Carta das Nações de 1945 consolida assim o movimento de internacionalização dos direithumanos, a partir do consenso de Estados que elevam a promoção desses direitos a propósito e finalidade das Nações. Em definitivo, a relaçentre Estado com seus nacionais passa a ser uma problemática internacional, objeto de instituições internacionais e do direito internacional.

Importante salientar que, embora a Carta das Nações apresente uma enfática preocupação em defender, promover e respeitar os direitos humane as liberdades fundamentais, ela não define o conteúdo dessas expressões. Daí o desafio em desvendar o alcance e significado da express“direitos humanos e liberdades fundamentais”. Três anos após o advento da Carta das Nações, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, veio a definir com precisão o elenco dos “direitos humanos e liberdades fundamentais”.

d) A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada por unanimidade e se qualquer reserva ou questionamento, o que confereDeclaração o significado de um código e plataforma comum de ação. A Declaração consolida a afirmação de uma ética universal ao consagum consenso sobre valores de cunho universal a serem seguidos pelos Estados. A Declaração Universal de 1948 objetiva delinear uma orde

 pública mundial fundada no respeito à dignidade humana, ao consagrar valores básicos universais. Desde seu preâmbulo, é afirmada a dignidainerente a toda pessoa humana, titular de direitos iguais e inalienáveis. A dignidade da pessoa humana como fundamento dos direitos humanosconcepção que, posteriormente, viria a ser incorporada por todos os tratados e declarações de direito, que passam a integrar o chamado DireiInternacional de Direitos Humanos.

Além da universalidade dos direitos humanos, a Declaração de 1948 ainda introduz a indivisibilidade desses direitos ao ineditamente conjugarcatálogo dos direitos civis e políticos com o dos direitos econômicos, sociais e culturais. Ao definir o significado do que significa a express“direitos humanos e liberdades fundamentais”, a Declaração Universal estabelece duas categorias: a) direitos civis e políticos e b) direiteconômicos, sociais e culturais, combinando o valor da liberdade com o valor da igualdade.

À luz de uma perspectiva histórica, observa-se que até então era intensa a dicotomia ente o direito à liberdade e o direito à igualdade. No final dSéculo XVIII, as Declarações de Direitos, seja a Declaração Francesa (1789), seja a Declaração Americana (1776), consagravam a ótica liberem que os direitos humanos se reduziam os direitos à liberdade, segurança e propriedade, complementados pela resistência à opressão. Nemomento histórico, os direitos humanos surgem como reação aos excessos do regime absolutista, na tentativa de impor controle e limitesabusiva atuação do Estado. A solução era limitar e controlar a atuação do Estado, que deveria se pautar na legalidade e respeitar os direitfundamentais. A não-atuação estatal significava liberdade.

Caminhando na história, verifica-se que, especialmente após a Primeira Guerra, ao lado do discurso liberal da cidadania, cresce o movimensocial e da cidadania. Sob a concepção marxista e lenilista é elaborada a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, na entRepública Soviética da Rússia, em 1918. Do primado da igualdade se transita para o primado da liberdade. O Estado passa a ser visto comagente de processos transformadores, e o direito à abstenção do Estado, neste sentido, converte-se em direito à atuação estatal, com a emergêncdos direitos à prestação social.

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Essa digressão histórica tem como objetivo demonstrar quão dicotômica se apresentava a linguagem dos direitos: de um lado, direitos civis políticos, de outro, direitos sociais, econômicos e culturais. Considerando neste contexto, a Declaração de 1948 introduz extraordinária inovaçao combinar o discurso liberal com o discurso social, passando a elencar tanto direitos civis e políticos quanto direitos sociais, econômicoculturais. Ao conjugar o valor da liberdade com o da igualdade, a Declaração demarca a concepção contemporânea de direitos humanos, pela quesses direitos passam a ser concebidos como uma unidade interdependente e indivisível. Os direitos da primeira geração não substituem direitos da segunda e nem esses os da terceira, pelo contrário. As três gerações se interagem. Não há mais como cogitar da liberdade divorciada justiça social, como também infrutífero pensar na justiça social divorciada da liberdade. Todos os direitos humanos constituem um compleintegral, único e indivisível.Importa agora observar qual o valor jurídico da Declaração Universal de 1948. Ela não é um tratado, sendo certo que foi adotada pela AssembléGeral das Nações Unidas sob a forma de resolução, que, por sua vez, não apresenta força de lei. O propósito da Declaração, como proclama se

 preâmbulo, é promover o reconhecimento universal dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, por isso a Declaração Universal tesido concebida como a interpretação autorizada da expressão “direitos humanos e liberdades fundamentais”, constante da Carta das NaçõUnidas, apresentando, por esse motivo, força jurídica vinculante. Os Estados membros das Nações Unidas têm a obrigação de promoverrespeito e a observância universal dos direitos proclamados pela Declaração. A Carta das Nações Unidas nunca definiu os direitos humanos e liberdades fundamentais que os Estados da ONU se comprometem a respeitar e observar, mas a Declaração traz a definição, com uma clareferência ao compromisso dos Estados em seu próprio preâmbulo.

Há, contudo, quem entenda que a Declaração teria força jurídica vinculante por integrar o direito costumeiro internacional e/ou os princípigerais de direito, apresentando, assim, força jurídica vinculante. Para essa corrente, três são as argumentações centrais: a) a incorporação d

 previsões da Declaração atinente aos direitos humanos pelas Constituições nacionais; b) as freqüentes referências feitas por resoluções d Nações Unidas às obrigação legal de todos os Estados de observar a Declaração Universal; c) decisões proferidas pelas Cortes Nacionais quereferem à Declaração Universal como fonte de direito. Exemplo é a proibição à escravidão, à tortura, ao tratamento cruel, entre outrdispositivos da Declaração que assumem o valor de direito costumeiro internacional ou princípio geral do direito internacional, aplicando-setodos os Estados e não apenas aos signatários da Declaração.

Para esse trabalho, a Declaração Universal, no que pese não tenha a forma de um tratado internacional, apresenta força jurídica obrigatóriavinculante, na medida em que constitui a interpretação autorizada da expressão “direitos humanos” constante na Carta das Nações. Ressalte-que à luz da Carta das Nações, os Estados assumem o compromisso de assegurar o respeito universal e efetivo aos direitos humanos. Ademais,natureza jurídica vinculante da Declaração Universal é reforçada pelo fato de – na qualidade de um dos mais influentes instrumentos jurídico

 políticos do século XX – ter-se transformado, ao longo dos mais de cinqüenta anos de sua adoção, em direito costumeiro internacional e princípgeral do direito internacional.

e) Universalismo e relativismo cultural

A concepção universal dos direitos humanos pela Declaração sofre grandes resistências por parte dos adeptos do movimento do relativismcultural. Podem as normas de direitos humanos ter um sentido universal ou são culturalmente relativas? Com a internacionalizaçãoconseqüentemente a relativização do conceito de soberania e jurisdição doméstica, o debate ganha força.

Para os relativistas, a noção de direito está estritamente relacionada ao sistema político, econômico, cultural, social e moral vigente edeterminada sociedade, sendo certo que cada sociedade possui seu discurso sobre direitos fundamentais, que está relacionado às específiccircunstâncias culturais e históricas de cada sociedade. Sendo assim, defendem os relativistas que o pluralismo cultural impede a formação de umovimento universa, tornando-se necessário que respeitem as diferenças culturais apresentadas por cada sociedade, bem como seu peculsistema moral, como ocorre, por exemplo, na diferença cultural entre o mundo ocidental e o induísmo ou com o islamismo. No entendimento Jack Donnelly, defensor da corrente relativista, há diversas correntes relativistas: “No extremo, há o que nós denominamos de relativismo culturadical, que concebe a cultura como a única fonte de validade de um direito ou regra moral. (...) Um forte relativismo cultural acredita quecultura é a principal fonte de validade de um direito ou regra moral. (...) Um relativismo cultural fraco, por sua vez, sustenta que a cultura poser uma importante fonte de um direito ou regra geral”.

Para os universalistas o fundamento dos direitos humanos é a dignidade humana, como valor intrínseco à própria condição humana. Nessentido, qualquer afronta ao chamado “mínimo ético irredutível” que comprometa a dignidade humana, ainda que em nome da cultura, importaem violação a direitos humanos. Para se ajustar à classificação das correntes relativistas defendidas por Jack Donnelly, poder-se-ia sustentaexistência de diversos graus de universalismos, a depender do alcance do “mínimo ético irredutível”. No entanto, a defesa, por si só, desmínimo ético, independentemente de seu alcance, apontará para a corrente universalista – seja a um universalismo radical, forte ou fraco.

 Na análise dos relativistas, a pretensão de universalismo desses instrumentos simboliza a arrogância do imperialismo cultural do mundo ocidentque tenta universalizar suas próprias crenças. A noção universal de direitos humanos é identificada como uma noção construída pelo modeocidental. O universalismo induz, nessa visão, à destruição da diversidade cultural. A essa crítica rebatem os universalistas alegando que

 posição relativista revela o esforço de justificar graves casos de violação dos direitos humanos que, com base no sofisticado argumento relativismo cultural, ficariam imunes ao controle da comunidade internacional. Argumentam, ainda, que a existência de normas universarelativas ao valor da dignidade humana é exigência do mundo contemporâneo, bem como que se diversos Estados optaram por ratificinstrumentos internacionais de direitos humanos, é porque consentiram em respeitar os direitos neles assegurados, não podendo isentar-se controle internacional em caso de violação desses direitos.

A Declaração de Viena, de 1993, buscou acabar com esse debate ao estabelecer em seu § 5º: “Todos os direitos humanos são universaiindivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente, de maneira justaequânime, com os mesmo parâmetros e com a mesma ênfase. As particularidades nacionais e regionais e bases históricas, culturais e religiosdevem ser consideradas, mas é obrigação dos Estados, independentemente de seu sistema político, econômico, e cultural, promover e protegtodos os direitos humanos e liberdades fundamentais”. Para Antônio Augusto Cançado Trindade, “Compreendeu-se finalmente que

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universalidade é enriquecida pela diversidade cultural, a qual jamais pode ser invocada para justificar a denegação ou violação dos direithumanos”. Adotando-se a lição de Jack Donnelly, pode-se concluir que a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993 acolheu a correndo forte universalismo ou fraco relativismo cultural.

 Neste debate, destaca-se as ponderação de Boaventura de Souza Santos, o qual entende que há a necessidade de se superar o debate sobuniversalismo e relativismo cultural, a partir da transformação cosmopolita dos direitos humanos. Na medida em que todas as culturas possueconcepções distintas de dignidade humana, mas são incompletas, haver-se-ia que aumentar a consciência dessas incompletudes culturais mútucomo pressuposto para um diálogo intercultural. A construção de uma concepção multicultural dos direitos humanos decorreria desse diálointercultural. Este é o mesmo entendimento defendido por Joaquín Herrera Flores, que sustenta um universalismo de chegada e não de partidnas palavras do doutrinador, “(...) O que negamos é considerar o universal como um ponto de partida ou um campo de desencontros. Ao univer

há que se chegar – universalismo de chegada ou de confluência – depois (não antes de) um processo conflitivo, discursivo de diálogo (...Acredita-se que sem o diálogo entre culturas, respeitando-se a diversidade e com base no reconhecimento do outro, como ser pleno de dignidadecom base no reconhecimento do outro como ser pleno de dignidade e direitos, é condição para a celebração de uma cultura dos direitos humaninspirada pela observância do “mínimo ético irredutível”, alcançado por um universalismo de confluência.

CAPÍTULO VI – A ESTRUTURA NORMATIVA DO SISTEMA GLOBAL DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOHUMANOS.

a) Introdução

O processo de universalização, com o reexame do valor da soberania absoluta do Estado e com a universalização dos direitos humanos, fazendcom que os Estados consentissem em submeter ao controle da comunidade internacional o que até então era de seu domínio reservado, gerounecessidade de implementação desses direitos mediante a criação de uma sistemática internacional de monitoramento – a internationaccountability. O objetivo desse capítulo é enfocar a estrutura normativa do sistema de proteção aos direitos humanos.

Para iniciar este estudo, insta relembrar que a Carta da ONU de 1945 estabelece que os Estados-partes devem promover a proteção dos direithumanos e liberdades fundamentais e que em 1948 a Declaração Universal vem a definir e fixar o elenco dos direitos e liberdades universaiserem garantidos. Todavia, sob o enfoque estritamente legalista, a Declaração Universal não possui força jurídica vinculante. Assumindo a formde declaração e não de tratado, a Declaração atesta o reconhecimento universal de direitos humanos, consagrando um código comum a sseguido por todos os Estados. À luz desse raciocínio e considerando a ausência de força jurídica vinculante da Declaração, discutia-se quamaneira mais eficaz de assegurar o reconhecimento e observância universal dos direitos nelas previstos. Prevaleceu o entendimento de queDeclaração deveria ser “juridizada” sob a forma de tratado internacional, que fosse juridicamente obrigatória e vinculante no âmbito do direiinternacional.

Esse processo de “juridização” iniciou-se em 1949 e foi concluído em 1966 com a elaboração de dois tratados, quais sejam, o Pacto Internacionde Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que passaram a incorporar os direitos constantna Declaração Universal. A conjugação desses instrumentos internacionais simbolizam a mais significativa expressão do movimeninternacional dos direitos humanos. A partir desses pactos se forma a Carta Internacional dos Direitos Humanos,  International Bill of Righintegrada pela Declaração Universal de 1948 e pelos dois tratados internacionais de 1966. A Carta Internacional dos Direitos Humanos inaugurassim, o sisyema global de proteção desses direitos, ao lado do qual já se delineava o sistema regional de proteção, nos âmbitos europeinteramericano e, posteriormente, africano. O sistema global, por sua vez, viria a ser ampliado com o advento de diversos tratado multilateral direitos humanos, pertinentes a determinadas e específicas violações de direitos, como, por exemplo, sobre o genocídio, a tortura e a violação ddireitos das crianças.

Diversamente dos tratados internacionais comuns, os tratados internacionais de direitos humanos não objetivam estabelecer o equilíbrio interesses entre os Estados, mas sim garantir o exercício dos direitos e liberdades fundamentais aos indivíduos. Cabe atentar que o DireiInternacional dos Direitos Humanos, com seus inúmeros instrumentos, não visam substituir o sistema nacional. Ao revés, situa-se como diresubsidiário e suplementar ao direito nacional, no sentido de permitir que sejam superadas omissões e deficiências. Enquanto no sisteminternacional de proteção dos direitos humanos, o Estado tem a responsabilidade primária pela proteção desses direitos, ao passo quecomunidade internacional tem a responsabilidade subsidiária, constituindo garantia adicional de proteção aos direitos humanos, quando falham instituições nacionais.

b) Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos

Embora aprovados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1966, somente em 1976 o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos ePacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais entraram em vigor, quando alcançaram o número de ratificações necessárPrimeiramente, faz-se necessário compreender que houve uma discursão sobre a conveniência da elaboração de dois pactos diversos ou um pacúnico, que pudesse compreender tanto os direitos civis e políticos quanto os direitos econômicos, sociais e culturais. Inicialmente, a Comissão dDireitos Humanos da ONU trabalhou em um único projeto de pacto, que conjugava as duas categorias de direitos. Posteriormente, sobinfluência dos países ocidentais, a Assembléia Geral, em 1951, determinou que fossem elaborados dois pactos em separados.

 Não obstante a elaboração de dois pactos em separado, a indivisibilidade e unidade dos direitos humanos era reafirmados pela ONU, sobargumentação de que sem os direitos civis e políticos, os direitos econômicos, sociais e culturais só poderiam existir no plano nominal, bem comque sem os direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos não deixariam o plano formal.

Um dos principais argumentos adotados pelos países ocidentais em defesa da elaboração de dois pactos distintos foi a forma de implementaçãdas duas categorias de direitos. Enquanto os direitos civis e políticos são direitos auto-aplicáveis e passíveis de cobrança imediata, os direi

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econômicos, sociais e culturais são direitos programáticos, que devem ser implementados de forma progressiva. Esse argumento ganhou força partir de que, para os direitos civis e políticos, o melhor mecanismo seria a criação de um comitê que apreciasse petições contendo denúncia violações de direitos, instrumento este que seria inaplicável para a tutela dos direitos econômicos, sociais e culturais.

Contra esse posicionamento os países socialistas responderam que não era em todos os países que os direitos civis e políticos seriam autaplicáveis e os direitos econômicos, sociais e culturais seriam programáticos. Neste raciocínio, a formação de dois pactos distintos acarretariadiminuição da importância dos direitos econômicos, sociais e culturais. Contudo, ao final prevaleceu o posicionamento ocidental, sendo adotaddois pactos internacionais, cada qual relativo a uma categoria de direitos. Neste contexto nasceu o Pacto Internacional de Direitos CivisPolíticos, com um catálogo de direitos civis e políticos mais extensos do que o previsto na própria Declaração Universal.

O Pacto de Direitos Civis e Políticos, primeiramente, assegura que os Estados-partes possuem o dever de assegurar os direitos nele elencadostodos os indivíduos que estejam em sua jurisdição, adotando medidas necessárias para esse fim. Cabe ao Estado-parte estabelecer um sistemlegal capaz de responder com eficácia às violações dos direitos civis e políticos, sendo certo que as obrigações dos Estados são tanto de natureznegativa quando positiva. Ao impor aos Estados a obrigação imediata de respeitar e assegurar os direitos nele previstos, diversamente do qocorre com o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos apresenta autaplicabilidade.

Quanto ao catálogo de direitos civis e políticos propriamente ditos assegurados, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos não somenincorpora inúmeros dispositivos da Declaração Universal, com maior detalhamento, como também estende o elenco desses direitos. Constata-que o pacto incorpora novos direitos e garantias não incluídos na Declaração. Em relação aos direitos econômicos, sociais e culturais assegurad

 pela Declaração Universal, esses não são assegurados pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, haja vista tratar-se do objeto do PacInternacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos apenas excepcionalmente admitem a derrogação temporária dos direitos que enuncia.derrogação temporária fica condicionada aos estritos limites impostos pela decretação de estado de emergência, ficando proibida qualquer medi

discriminatória fundada em cor, raça, sexo, língua, religião ou origem social. O pacto permite, ainda, limitações em relação a determinaddireitos, quando necessárias à segurança nacional ou à ordem pública.

 No intuito de assegurar a efetividade das determinações do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, foi desenvolvido uma sistemát  peculiar de monitoramento e implementação internacional – uma   special enforcement machinery. Deste modo o pacto oferece supoinstitucional aos preceitos que consagra, impondo obrigações aos Estados-partes. Ao ratificar o pacto, o Estado passa a ter a obrigação encaminhar relatórios periódicos sobre as medidas legislativas, administrativas e judiciárias adotadas, a fim de ver implementados os direienunciados pelo pacto. Por essa sistemática, o Estado-parte esclarece o modo pelo qual está conferido cumprimento às obrigações internacionaassumidas. Os relatórios são apreciados pelo Comitê de Direitos Humanos, instituído pelo pacto, devendo ser encaminhado pelo Estado-parte uano após a ratificação do pacto, bem como toda vez que o comitê solicitar. Ao comitê cabe analisar os relatórios, tecendo comentáriosobservações gerais a respeito, vindo posteriormente a encaminhá-lo, com os comentários, ao Conselho Econômico Social das Nações Unidas.

Além da sistemática dos relatórios, o Pacto prevê a sistemática das comunicações interestatais ( inter-state communications). Por esse mecanismum Estado-parte pode alegar haver outro incorrendo em violação dos direitos humanos enunciados no Pacto. Contudo, o acesso a esse mecanismé opcional e está condicionado à elaboração pelo Estado-parte de uma declaração em separado, reconhecendo a competência do Comitê pareceber as comunicações inter-estatais. Vale dizer, em se tratando de cláusula facultativa, as comunicações inter-estatais só podem ser admitidse ambos os Estados envolvidos ( denunciador e denunciado) reconhecerem a competência do Comitê para recebê-la e examiná-las.

 procedimento das comunicações inter-estatais pressupõe o fracasso das negociações bilaterais e o esgotamento dos recursos internos. A função Comitê é auxiliar na superação da disputa, mediante proposta de solução amistosa.

c) Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos

  Conforme se afirmou no tópico anterior, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos apresentou dois mecanismos de implementaçãomonitoramento: a sistemática dos relatórios encaminhados pelos Estados-partes e a sistemática, opcional, das comunicações interestataSegundo Antônio Augusto Cançado, o sistema de petições, “mediante o qual veio a cristalizar-se a capacidade processual internacional dindivíduos (direito de petição individual), constitui um mecanismo de proteção de marcante significado, além de conquista de transcendênhistórica”.

A importância do Protocolo está em habilitar o Comitê de Direitos Humanos a receber e examinar petições encaminhadas por indivíduos, q

aleguem ser vítimas de violação de direitos humanos enunciados pelo Pacto dos Direitos Civis e Políticos. A petição individual só poderá admitida se o Estado violador tiver ratificado tanto o Pacto como o Protocolo facultativo, já que só assim o Estado estará reconhecendocompetência do Comitê para tanto. Importa salientar que o Comitê possui uma competência investigativa, sendo limitado a receber e considecomunicações de indivíduos sujeitos à jurisdição de Estados-partes, no sentido que são vítimas de violações por parte do Estado, de qualquer ddireitos enunciados no Pacto dos Direitos Civis e Políticos.

Resta salientar que, para o exercício da sistemática das petições, o vínculo exigido, ao invés da nacionalidade, é antes o da relação entrereclamante e o dano ou violação dos direitos humanos que denuncia, sendo certo que o Comitê já determinou que um indivíduo só pode sconsiderado “vítima”, com direito para protocolar reclamação perante o Comitê, se pessoalmente sofreu a violação do direito asseguradContudo, embora na linguagem do Protocolo Facultativo a comunicação seja individual, recentemente concluiu que as comunicações podem sencaminhadas por organizações ou terceiras pessoas que representem o indivíduo que sofreu a violação. Importa ter-se em foco que a petiçdeve respeitar alguns requisitos de admissibilidade, como, por exemplo, o esgotamento prévio dos recursos internos – salvo quando a aplicaçdesses recursos se mostram injustificadamente prolongada, ou ainda se não assegurar à vítima o direito aos recursos de jurisdição interna. Outrequisito é a comprovação de que a mesma questão não está sendo examinada por outra instância internacional.

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Ao receber a petição individual, o Comitê, após analisar a sua admissibilidade, abre o prazo de seis meses para que o Estado apresenesclarecimentos sobre o caso, bem como as medidas que eventualmente tenham sido por ele adotadas. Tais esclarecimentos serão encaminhad

 para o reclamante, a fim de que o mesmo possa enviar ao Comitê informações adicionais. A partir de então o Comitê proferirá uma decisão pevoto da maioria, apesar de sempre buscar uma votação unânime. Essa decisão será publicada no relatório anual do Comitê à Assembléia GeraAo decidir, por vezes, além de declarar a caracterização da violação alegada, o Comitê determina a obrigação do Estado em reparar a violaçcometida e em adotar as medidas necessárias a promover a estrita observância do Pacto.

As decisões do Comitê não possuem força vinculante, não sendo sequer previsto qualquer sanção ao Estado que não cumprir as sudeterminações. Embora não exista sanção no sentido estritamente jurídico, a condenação do Estado no âmbito internacional enseja conseqüênc

no plano político, mediante o chamado  power of embarrassment , que pode causar constrangimento político e moral. Como resultado de for pressões, o Comitê adotou, em 1990, uma série de medidas no sentido de monitorar o modo pelo qual o Estado confere cumprimento às sudecisões. O Comitê solicita informações, no prazo de 180 dias, sobre as medidas adotadas em relação ao caso. Assim, o relatório anual do Comindicará os Estados que se negaram a responder a solicitação, os Estados que não satisfizeram a decisão, bem como os que satisfizeram a decisdo Comitê. Essas novas medidas foram denominadas de Special Rapporteur for the Follow-up of Views. Contudo, ainda é grande a resistência dEstados em consentir que os indivíduos tenham o poder de encaminhar petições individuais.

d) Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

Assim como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o maior objetivo do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, SociaiCulturais foi incorporar os dispositivos da Declaração Universal sob a forma de preceitos juridicamente obrigatórios e vinculantes, além do quda mesma forma que o Pacto de Direitos Civis e Políticos, ele expandiu o elenco dos direitos sociais, econômicos e culturais elencados peDeclaração Universal. Porém, enquanto o Pacto dos Direitos Civis e Políticos estabelece direitos endereçados aos indivíduos, o Pacto de DireiEconômicos, Sociais e Culturais estabelece direitos e deveres endereçados aos Estados. O primeiro o pacto determina que “todos têm direito a.ou “ninguém poderá...”, já o segundo pacto usa a fórmula “os Estados-partes reconhecem o direito de cada um a ....”. Se os direitos civis

  políticos devem ser assegurados de plano pelo Estado, sem escusa ou demora – têm a chamada auto-aplicabilidade – os direitos sociaeconômicos e culturais, por sua vez, nos termos em que estão concebidos pelo Pacto, apresentam realização progressiva.

Como bem observa Thomas Buergenthal, “Ao ratificar esta Pacto, os Estados não se comprometem a atribuir efeitos imediatos aos direitenumerados no Pacto. Ao revés, os Estados se obrigam meramente a adotar medidas, até o máximo dos recursos disponíveis, a fim de alcançare

 progressivamente a plena realização desses direitos”. Os direitos assegurados no Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais são direique exigem, para a sua aplicação, um mínimo  standart  técnico-econômico, não podendo ser aplicado sem que apresentem efetivamente um

 prioridade na agenda nacional. Ressalte-se, todavia, que o Comitê Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais tem enfatizadodever dos Estados-partes de assegurar, ao menos, o núcleo essencial mínimo relativo a cada direito enunciado no Pacto.

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais também apresentam uma peculiar sistemática de monitoramentoimplementação dos direitos que contempla, incluindo o mecanismo dos relatórios a serem encaminhados pelos Estados-partes. Os relatóriexigidos pelo Pacto devem consignar as medidas adotadas pelo Estado-parte no sentido de conferir observância aos direitos reconhecidos pePacto, devendo, ainda, consignar os fatores de dificuldade em implementar as obrigações decorrentes do Pacto. Diversamente do Pacto Direitos Civis e Políticos, o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais não cria um comitê próprio, que foi estabelecido posteriormen

 pelo Conselho Econômico Social.

Uma outra diversidade do Pacto de Direitos Civis e Político, é que no Pacto Econômico, Social e Cultural, não há a previsão do mecanismo dcomunicação inter-estatal, tampouco, mediante Protocolo Facultativo, permite a sistemática das comunicações individuais. Em suma, o únimecanismo de monitoramento continua a se restringir à sistemática dos relatórios, embora a Declaração de Viena tenha previsto a incorporaçde outros métodos, como o direito de petição, por meio de protocolo adicional, e a aplicação de um sistema de indicadores para medir o progresalcançado na realização dos direitos previstos no Pacto.

Contudo, importa salientar que o Pacto estabelece a obrigação dos Estados de reconhecer e progressivamente implementar os direitos neenunciados. Da obrigação da progressividade na implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais, decorre a chamada cláusula d

 proibição do retrocesso social, na medida em que é vedado aos Estados retroceder no campo da implementação desses direitos. Além disso, pótica normativa internacional, os direitos econômicos, sociais e culturais não são direitos legais, mas sim autênticos e verdadeiros direitfundamentais assegurados apenas pela Declaração Universal e pelo Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, mas també

 por diversos outros tratados internacionais.

A obrigatoriedade de implementação desses direitos deve partir do princípio da indivisibilidade dos direitos humanos, além do que, por trás ddireitos específicos consagrados nos documentos internacionais acolhidos pela comunidade internacional, repousa uma visão social do bem-esindividual. A idéia de proteção a estes direitos envolve a crença de que o bem-estar individual resulta, em parte, de condições econômicas, socie culturais, nas quais todos nós vivemos, bem como envolve a visão de que o Governo tem a obrigação de garantir adequadamente tais condiçõ

 para todos os indivíduos. Trata-se de uma idéia adotada, pelo menos no âmbito global, por todas as nações, ainda que exista uma grande discórdacerca do escopo apropriado da ação e responsabilidade governamental e da forma pela qual o  social welfare pode ser alcançado em sistemeconômicos e políticos específicos.

Em relação ao debate sobre a acionabilidade dos direito sociais, econômicos e culturais, compartilha-se do entendimento de que a insistência que as Cortes são incompetentes para tratar de políticas sociais não deve prevalecer. As Cortes criam políticas sociais não apenas quaninterpretam a Constituição, mas também quando interpretam a legislação de direito econômico, trabalhista, ambientalista, entre outros. Nensinamentos de Martha Jackman, “O Comitê já deixou claro que considera muitas previsões do Pacto [sobre Direitos Econômicos, SociaiCulturais] como aptas a ensejar a implementação imediata”. Contudo, continua, o Comitê “é importante, nesse aspecto, distinguir en

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acionabilidade (que se refere àquelas questões que são apropriadamente resolvidas pelos tribunais) e normas que ao auto-executáveis (capazes serem aplicadas pelo tribunais sem maior elaboração). Embora o perfil geral de cada ordenamento jurídico tenha que ser considerado, não nenhum direito do Pacto [sobre direitos econômicos, sociais e culturais] que não poderia, na grande maioria dos ordenamentos, ser consideradcomo possuidor de, ao menos, algumas dimensões passíveis de acionabilidade”. Compartilha-se, pois, do entendimento de que os direitfundamentais –sejam civis, políticos, econômicos, sociais ou culturais – são acionáveis e demandam séria e responsável observância.

Sob o ângulo pragmático, independentemente da retórica, as violações de direitos civis e políticos têm sido consideradas mais sérias e intolerávedo que a maciça e direta negação aos direitos econômicos, sociais e culturais. As violações aos direitos econômicos, sociais e culturais têm siduma conseqüência da ausência de um forte suporte e intervenção governamental como da ausência de pressão internacional em favor desintervenção. É um problema de ação e prioridade governamental e implementação de políticas públicas, que sejam capazes de responder a grav

  problemas sociais. Acrescente-se que, segundo dados da própria Nações Unidas, a globalização econômica tem agravado ainda mais desigualdades sociais, agravando as marcas da pobreza absoluta e da exclusão social. Até o próprio BIRD, em recente relatório, reconheceu que pobreza tem crescido em virtude da globalização econômica. Fico, porém o alerta do Statement to the World Conference on Human Rights  Behalf of the Committee on Economic, Social and Cultural Rights, o qual concluiu que “(...) Direitos sociais, econômicos e culturais devem reivindicados como direitos e não como caridade ou generosidade”.

e) Demais convenções de direitos humanos – breves considerações sobre o Sistema Especial de Proteção.

Após o advento da   International Bill of Rights, inúmeras outras Declarações e Convenções foram elaboradas, algumas sobre direitos novooutros sobre determinadas violações e outros ainda sobre determinados grupos caracterizados como vulneráveis. A elaboração dessas inúmerConvenções pode ser compreendida à luz do processo de “multiplicação de direitos”, para adotar a nomenclatura de Norberto Bobbio. Na visde Bobbio, esse processo envolveu não apenas o aumento dos bens tutelados, mas também aumentou a titularidade de direitos, alargandoconceito de sujeito de direitos, incluindo os indivíduos, as entidades de classe, as organizações sindicais, os grupos vulneráveis e a próphumanidade. O processo de internacionalização dos direitos humanos, conjugado com o processo de multiplicação desses direitos, resultou ucomplexo sistema internacional de proteção, marcado pela coexistência de um sistema geral com um sistema especial de proteção.

Os sistemas geral e especial são complementares na medida em que o sistema especial de proteção é voltado, fundamentalmente, à prevenção discriminação ou proteção de pessoas ou grupos de pessoas particularmente vulneráveis, que merecem tutela especial. Daí se apontar não mais indivíduo genérica e abstratamente considerado, mas ao indivíduo “especificado”, considerando categorizações relativas ao gênero, idade, etnraça, etc. As convenções que integram o sistema especial são endereçadas a determinado sujeito de direito, ou seja, buscam responder a umespecífica violação de direito. Enquanto no âmbito do  International Bill of Rights o endereçamento é a toda e qualquer pessoa, o sujeito é viem sua abstração, no sistema especial o objeto é a proteção de um sujeito ou grupo de sujeitos especificadamente reconhecidos.

 Na esfera internacional, sua primeira vertente de instrumentos nasce como vocação de proporcionar uma proteção geral, refletindo o próptemor da diferença, que na era Hitler foi justificativa para o extermínio e a destruição. Percebe-se, posteriormente, a necessidade de conferideterminados grupos uma tutela especial e particularizada, em face de sua própria vulnerabilidade. A diferença não seria mais utilizada paaniquilamento de direitos, mas sim para promoção de direitos. Destaca-se, assim, as três vertentes no que tange à concepção da igualdade:igualdade formal (“todos são iguais perante a lei”), que ao seu tempo foi crucial para o abolimento de privilégios; b) a igualdade materiacorresponde ao ideal de justiça social e distributiva, orientada pelo critério sócio-econômico; c) igualdade material, correspondente ao ideal

 justiça enquanto ao reconhecimento de identidades, orientada pelos critérios gênero, orientação sexual, idade, raça, etnia e demais critérios.

Boaventura de Sousa Santos, ao abordar o tema afirma o seguinte: “Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temo direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de umdiferença não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”. É nesse cenário que surgem as seguintes Convenções Internacionais sobDireitos Humanos: Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial; Convenção Internacional sobEliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; Convenção sobre os Direitos das Crianças; Convenção contra a TorturConvenção para a Prevenção e Repressão aos Crimes de Genocídio, dente outros.

Essas Convenções mencionadas apresentam, em regra, como mecanismos de proteção dos direitos nelas enunciados a sistemática de relatóriosserem elaborados pelos Estados-partes. Por vezes apresenta o sistema de comunicação interestatais e o sistema de comunicação individual. Cauma delas ainda prevê a instituição do órgão “Comitê”, que é responsável pelo monitoramento dos direitos constantes na Convenção.

f) Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial

O ingresso de 19 países africanos nas Nações Unidas em 1960 e a preocupação dos países ocidentais com o ressurgimento de atividadnazifascistas na Europa, em razão da realização em 1961 da Primeira Conferência dos Países Não-Aliados foram compuseram o panorama influência para a adoção pela ONU, em 21 de dezembro de 1965, da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas dDiscriminação Racial. Desde o seu preâmbulo, a Convenção em tela assinala a intolerância sobre qualquer doutrina que defenda a superiorida

 baseada na raça. Pala Convenção, a discriminação significa toda distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha por objeto ou resultad prejudicar ou anular o exercício, em igualdade de condições, dos direitos humanos ou liberdades fundamentais. Logo a discriminação signifidesigualdade. Ao ratificar esta convenção, o Estado assume a obrigação internacional de, progressivamente, eliminar a discriminação raciassegurando a efetiva igualdade.

 No combate à discriminação, mister, além do combate à própria discriminação, que seja implantada uma política de compensação que aceleremigualdade. Não basta a legislação repressiva. São essenciais estratégias de inserção de grupos socialmente vulneráveis nos espaços sociais.igualdade, buscada na Convenção, significa a inclusão social, enquanto a discriminação implica a violenta exclusão e a intolerância à diferençaà diversidade. A proibição em si mesmo não resulta automática inclusão. Por essas razões a Convenção prevê em seu art. 1º, §4º a possibilidade discriminação positiva, também conhecidas como ações afirmativas. As ações afirmativas constituem medidas especiais e temporárias qu

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 buscando remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o processo de igualdade, com o alcance da igualdade substantiva por parte grupos socialmente vulneráveis.

Em relação ao seu sistema de monitoramento, cabe ressaltar que esta convenção foi o primeiro instrumento jurídico internacional sobre direithumanos a introduzir mecanismo próprio de supervisão. A Convenção instituiu o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação Racial, cabendoeste examinar as petições individuais, os relatórios encaminhados pelos Estados-partes e as comunicações interestatais. Contudo, o sistema

 petições individuais é cláusula facultativa, fazendo-se necessário que o Estado faça uma declaração habilitando o Comitê a recebê-las e examinlas. Para que seja admitida a petição individual, além da habilitação do Comitê, a própria petição tem que responder a determinados requisitodentre eles o esgotamento prévio de recursos internos, requisito este que não é necessário quando os remédios internos se mostram ineficazes injustificadamente prolongados. O Comitê se utiliza do mesmo mecanismo do Comitê de Direitos Humanos: solicita esclarecimentos ao Esta

violador e, à luz dessas informações, formula a sua opinião, fazendo recomendações às partes. Sua decisão também é destituída de força jurídivinculante, contudo é publicada no relatório anual do Comitê, que é, por sua vez, encaminhado à Assembléia Geral das Nações Unidas.g) Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher

Esta Convenção, aprovada pelas Nações Unidas em 1979, teve como impulso a proclamação do ano de 1975 como o Ano Internacional dMulher e pela Conferência Mundial sobre a Mulher, ambos em 1975. Embora seja uma Convenção com ampla adesão dos Estados, a Convençsobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher é o instrumento que recebeu o maior número de reservas formulad

 pelos Estados dentre os tratados internacionais de direitos humanos. Um significado número de reservas está concentrado na cláusula relativigualdade entre homens e mulheres na família. Tais reservas foram justificadas com base em argumentos de ordem religiosa, cultural ou mesmlegal. Alguns países acusaram o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de praticar o imperialismo cultural e intolerâncreligiosa ao impor a igualdade ente homens e mulheres na família.

A Convenção se fundamenta na dupla obrigação de eliminar a discriminação e de assegurar a igualdade. Tal como a Convenção sobreEliminação de todas as formas de Discriminação Racial, esta Convenção prevê a possibilidade de adoção das “ações afirmativas” comimportante medida a ser adotada pelos Estados para acelerar o processo de obtenção da igualdade. São medidas compensatórias que têm com

finalidade remediar as desvantagens históricas. Desse modo a Convenção não objetiva apenas erradicar todas as formas de discriminação contramulher, como também estimular a estratégia de promoção da igualdade. Ao ratificar esta convenção, o Estado assume o compromisso d

 progressivamente, eliminar todas as formas de discriminação no que tange ao gênero, assegurando a efetiva igualdade. Em suma, a Convençreflete a visão de que as mulheres são titulares de todos os direitos e oportunidades que os homens podem exercer; adicionalmente, as habilidade necessidades que decorrem de diferenças biológicas entre os gêneros devem ser reconhecidas e ajustadas, mas sem eliminar das mulhereigualdade de direitos e oportunidades.

Importante observar que a Convenção não enfrenta a problemática da violência contra a mulher de forma explícita, embora a violência seja umgrave discriminação. A violência contra a mulher é concebida como um padrão de violência específico, baseado no gênero, que cause morte, daou sofrimento físico sexual ou psicológico à mulher. Tal preceito rompe com a equivocada dicotomia entre o espaço público e o privado ntocante à proteção dos direitos humanos, reconhecendo que a violação desses direitos humanos não se restringem à esfera pública, mas tambéalcança o domínio privado. A Declaração estabelece, ainda, que é obrigação do Estado eliminar qualquer violência contra a mulher, ninvocando qualquer costume, tradição ou consideração religiosa para afastar tal responsabilidade. Com a Declaração e Programa de Viena (199e a Declaração e Plataforma de Pequim (1995), ao enfatizarem que os direitos da mulher são parte inalienável, integral e indivisível dos direithumanos universais, concluí-se que não há como se conceber os direitos humanos sem a plena observância dos direitos das mulheres.

Quanto aos mecanismos de monitoramento, a Convenção estabelece um Comitê próprio que tem a sua competência limitada a apreciação drelatórios enviados pelos Estados-partes. O único mecanismo de monitoramento previsto pela Convenção reduz-se aos relatórios elaborados pelEstados-partes. Apenas em 1999, com a adoção do Protocolo Facultativo à Convenção é que foi ampliada para receber e examinar petiçõindividuais, bem como para realizar investigações in loco. Há a sugestão de ser adotado o mecanismo de comunicação interestal, que permitirium Estado-parte a denunciar outro Estado que viesse a violar dispositivos da Convenção.h) Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes.

 No art. 1º da Convenção há a definição de tortura, a qual envolve três elementos essenciais: a) inflição deliberada de dor ou sofrimento físicos omentais; b) a finalidade do ato (obtenção de informações ou confissões, aplicação de castigo, intimidação ou qualquer outro motivo baseado ediscriminação de qualquer natureza); c)a vinculação do agente ou responsável, direta ou indiretamente, com o Estado. Ao longo da Convençãsão consagrados, dentre os direitos, a proteção contra atos de tortura e outras formas de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes; o direide não ser extraditado ou expulso para um país em que a probabilidade de sofrer tortura seja grande; o direito de que a denúncia de tortura seexaminada imparcialmente e o direito a não ser torturado para fins de obtenção de prova ilícita. Na Convenção há a previsão em seu art. 2ºde q

“nenhuma circunstância excepcional, seja qual for, pode ser invocada como justificativa para a tortura”.

Considerando que a tortura é um crime que viola o direito internacional, a Convenção estabelece a jurisdição compulsória e universal para indivíduos suspeitos de sua prática. Compulsória porque obriga os Estados-partes a punir os torturadores, independente do território ondeviolação tenha ocorrido e da nacionalidade do violador e da vítima. Universal porque o Estado–parte onde se encontre o suspeito deverá proceslo ou extraditá-lo para outro Estado-parte que o solicite e tenha o direito de fazê-lo, independentemente de acordo prévio bilateral sobextradição.

Em relação ao sistema de monitoramento, esta Convenção estabelece os três mecanismos, quais sejam, as petições individuais, os relatórios e comunicações interestatais. Assim como na Convenção sobre a Eliminação da Discriminação Racial, esta exige que o Estado-parte faça umdeliberação habilitando o Comitê contra a Tortura a receber as comunicações individuais e as interestatais. A comunicação individual deve como fundamento a violação a direito reconhecido pela Convenção contra a Tortura e os critérios de admissibilidade da petição são similares aadotados pelos demais Comitês. As suas decisões, igualmente às decisões dos demais Comitês, também são pautadas nas informações coletadsendo certo que, caso conclua pela existência de violação, solicitará ao Estado violador informações sobre as medidas adotadas no sentido

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satisfazer cumprimento à decisão do Comitê. Importa observar, ainda, que, no que pese as decisões desses Comitês não terem força de decis jurídica vinculante, têm efetivamente auxiliado o exercício dos direitos humanos reconhecidos no plano internacional, em face do chama power of shame ou power os embarrassment.

A diferença mais importante do Comitê contra a Tortura dos demais Comitês é que este tem ainda o poder de iniciar uma investigação própria, hipótese de recebimento de informações que contenham fortes indicadores de que a prática de tortura seja sistemática em determinado Estad

 parte. Acrescente-se que a Declaração de Viena recomenda a adoção de Protocolo Adicional à Convenção contra a Tortura, a fim de que estabeleça um sistema preventivo de visitas periódicas a locais de detenção, para erradicar, de forma definitiva, a prática da tortura.

i) Convenção sobre os Direitos da Criança

A Convenção sobre os Direitos das Crianças, adotada pela ONU em 1989 e vigente desde 1990, destaca-se como o tratado internacional  proteção aos direitos humanos com maior número de ratificações.  Nos termos da Convenção, criança é definida como “todo ser humano comenos de 18 anos, a não ser que, pela legislação aplicável, a maioridade seja atingida mais cedo”. Os direitos assegurados pela Convençãcontemplam tanto direitos civis e políticos, (como o direito de deixar qualquer país e de entrar em seu país, o direito de entrar e sair de qualquEstado-parte para fins de reunião familiar) quanto direitos econômicos, sociais e culturais (como direito à liberdade de pensamento, consciênciareligião, o direito a um nível adequado de vida e segurança social). Neste sentido lecionou Henry Steiner e Philip Alston, para quem Convenção é extraordinariamente abrangente em escopo. Ela abarca todas as áreas tradicionalmente definidas no campo dos direitos humanoscivis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Ao fazê-lo, contudo, a Convenção evitou a distinção entre as áreas e, contrariamente, assumiutendência de enfatizar a indivisibilidade , implementação recíproca e a igual importância de todos os direitos”.

 Note-se que a Conferência de Viena, ao insistir no objetivo da “ratificação universal” e sem reservas dos tratados e protocolos de direithumanos adotados no âmbito das Nações Unidas, urge a ratificação universal da Convenção sobre os Direitos da Criança e sua efetivimplementação por todos os Estados-partes, mediante a adoção de todas as medidas necessárias à sua efetiva implementação, inclusive comalocação do máximo possível de recursos disponíveis. Afirma ainda a Declaração de Viena que a não-discriminação e o interesse superior d

crianças devem ser consideradas fundamentais em todas as atividades dirigidas à infância, levando, na devida consideração, a opinião dinteressados.

Vale ressaltar que, no tocante à exploração econômica e sexual de crianças e à participação destas em conflitos armados, foram adotados, em de maio de 2000, dois Protocolos Facultativos à Convenção dos Direitos da Criança: o Protocolo Facultativo sobre a Venda de CriançProstituição e Pornografia Infantis e o Protocolo Facultativo sobre o Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados. Esses protocolos visafortalecer o rol de medidas protetivas contra as violações sobre as quais discorrem.

Quanto ao mecanismo de controle e fiscalização dos direitos enunciados na Convenção, é instituído o Comitê sobre os Direitos da Criança, qual cabe monitorar a implementação da Convenção, por meio do exame de relatórios periódicos encaminhados pelos Estados-partes. Não há

 previsão de petições individuais nem de comunicações interestatais, sendo certo que o único meio de monitoramento é realmente os relatóri periódicos. Os Protocolos Facultativos sobre a Prostituição Infantil e sobre o Conflitos Armados apresentam a mesma sistemática, exigindo qos Estados-partes apresentem relatórios ao Comitê sobre Direitos da Criança, fornecendo informações sobre as medidas para a implementaçdesses Protocolos. O Comitê fica autorizado, ainda, a requerer, no que concerne à matéria dos Protocolos, maiores informações sobre aqueimplementações.

 j) O Tribunal Penal Internacional e a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio

Como pôde ser comprovado por meio das Convenções já analisadas, no sistema global inexiste qualquer órgão jurisdicional com competênespecífica para julgar casos de violação de direitos internacionalmente assegurados. Apenas em 17 de julho de 1998, em Roma, com a aprovaçdo Estatuto do Tribunal Penal Internacional, o sistema global passou a contemplar um órgão internacional penal competente para julgar os crimmais graves que atentem contra a ordem internacional. Porém, para a análise do Tribunal do Tribunal Penal Internacional, é necessário umanálise anterior da Convenção para a Prevenção e Repressão do Genocídio.

Pode-se afirmar que a Convenção para a Prevenção e Repressão do Genocídio foi o primeiro tratado internacional de direitos humanos aprovano âmbito da ONU, datado de 9 de dezembro de 1948. A Convenção teve como principal motivador as atrocidades cometidas durante a SegunGuerra Mundial, principalmente os genocídios cometidos contra os judeus. O art. 2º da Convenção entende por genocídio “qualquer dos seguintatos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tal como: a) assassinato membros do grupo; b) dano grave a integridade física ou mental de membros do grupo; c) submissão intencional do grupo a condições

existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial; d) medidas destinadas a impedir o nascimento no seio do grupo; e) transferêncforçada de crianças de um grupo para outro grupo.

Acrescenta a Convenção que as pessoas que tiverem cometido genocídio serão punidas, sejam governantes, funcionários ou particulares. Pelo sart. 6º, desde 1948 era previsto a competência de uma Corte Internacional para o julgamento dos crimes de genocídio. O raciocínio era simplconsiderando que o genocídio era um crime que, por sua gravidade, afronta a ordem internacional, e considerando ainda que, em face de sealcance, as instituições nacionais poderiam não ser capazes de processar e julgar seus perpetradores, seria razoável atribuir a uma corinternacional a competência para fazê-lo. Importante notar que a Convenção para a Prevenção e Repressão ao Genocídio, diferentemente ddemais tratados internacionais de direitos humanos, não estabeleceu um sistema próprio de monitoramento.

Como precedentes históricos da criação da Corte Penal Internacional, há que se destacar os Tribunais de Nuremberg e de Tóquio, além dTribunais as hoc da Bósnia e da Ruanda, constituídos por resolução do Conselho de Segurança da ONU, em 1993 e 1994, respectivamente.importância de um sistema internacional de justiça para o julgamento de graves violações de direitos humanos foi também enfatizada pePrograma de Ação de Viena de 1993. Note-se que a importância da criação de uma jurisdição internacional para os graves crimes contra

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direitos humanos foi revigorada na década de 90, em face dos genocídios que a marcaram, como por exemplo nos conflitos da Bósnia, TimLeste, Ruanda, Kosovo, dentre outros.

A respeito da criação de uma jurisdição internacional, observa Norberto Bobbio que as atividades internacionais de direitos humanos podem classificadas em três categorias: promoção, controle e garantia. As atividades de promoção são as atividades correspondentes às ações destinadao fomento e ao aperfeiçoamento do regime de direitos humanos pelos Estados. Já as atividades de controle envolvem as que cobram dos Estada observância das obrigações por eles contraídas internacionalmente. Por fim, a atividade garantia só será criada quando uma jurisdiçinternacional se impuser concretamente sobre as jurisdições nacionais, deixando de operar dentro dos Estados, mas contra os Estados em defedos cidadãos. Neste sentido, conclui-se que, até a aprovação do Estatuto do tribunal Penal Internacional, o sistema global de proteção compreendia as atividades de promoção e de controle dos direitos humanos, não dispondo de um aparato de garantias desses direitos.

Após 50 anos da aprovação da Convenção para a Prevenção e Repressão ao Genocídio, tratado que já previa a adoção de uma Corte PenInternacional, em 17 de julho de 1998, foi aprovado na Conferência de Roma o Estatuto da Corte Penal Internacional, de caráter permanenindependente e vinculado ao sistema das Nações Unidas. A Corte Penal Internacional surgiu como aparato complementar às cortes internacionaDesse modo, a responsabilidade primária, com relação ao julgamento de violação de direitos humanos, é do Estado, tendo a comunidainternacional a responsabilidade subsidiária, ficando, pois, condicionada a incapacidade ou omissão do sistema judicial interno.O Tribunal Penal Internacional é integrado por 18 juízes com mandatos de 9 anos, sendo composto pelos seguintes órgãos: a) Presidênc(responsável pela administração); b) Câmaras (divididas em Câmara de Questão Preliminar, Câmara de Primeira Instância e Câmara Apelação); c) Promotoria (órgão autônomo do Tribunal, competente para receber as denúncias sobre crimes, examiná-las, investigá-las e propação penal junto ao Tribunal); d) Secretaria (encarregada de aspectos não judiciais do Tribunal). Conforme o art. 5º do Estatuto de Roma,Tribunal Penal Internacional é competente para julgar os seguintes crime: I) crime de genocídio (conforme conceituado no art. 2º da Convençã

 para a Prevenção e Repressão ao Genocídio); II) crimes contra a humanidade; III) crimes de guerra (violações ao direito internacionhumanitário, especialmente às Convenções de Genebra de 1949) e IV) crimes de agressão (ainda pendente de definição).

O exercício da jurisdição internacional pode ser acionado mediante a denúncia de um Estado-parte ou do Conselho de Segurança à Promotoria

fim de que esta investigue o crime, propondo a ação pena cabível. Pode, ainda, a própria Promotoria agir de ofício. Em todas as hipóteses,exercício da jurisdição é condicionada à adesão do Estado ao tratado, ou seja, é necessário que o Estado reconheça expressamente a jurisdiçinternacional. Note-se que a ratificação do tratado não comporta reservas, devendo o Estado ratificá-la na íntegra. Como a jurisdição internacioné complementar à jurisdição nacional, o Estatuto de Roma prevê os requisitos de admissibilidade para o exercício de jurisdição internacionDentre os requisitos de admissibilidade estão a indisposição do Estado (ou seja, quando houver demora injustificada ou faltar independência imparcialidade no julgamento interno) ou a incapacidade em proceder a investigação e o julgamento do crime.

Em relação às penalidades, o Estatuto prevê como penalidade máxima a prisão por 30 anos, admitindo excepcionalmente a prisão perpétua. Aléda sanção de natureza penal, o Estatuto impõe sanções de natureza civil, determinando a reparação às vítimas e aos seus familiares. Importanobservar que o Estatuto faz referência à existência de igualdade entre todas as pessoas, isto é, o cargo oficial de uma pessoa, seja ela Chefe Estado ou Chefe de Governo, não o eximirá da responsabilidade penal, tampouco importará em redução da pena.

k) Mecanismos globais não convencionais de proteção dos direitos humanos

Além dos mecanismos tradicionais de proteção aos direitos humanos, já mencionados, são utilizados outros mecanismos não convencionadecorrentes de resoluções elaboradas pelos órgãos criados pela Carta das Nações Unidas, como a Assembléia Geral, o Conselho EconômicSocial e a Comissão de Direitos Humanos, entre outros. Neste tópico tratar-se-á especificamente da a Comissão de Direitos Humanos, haja viesta comissão ocupar posição central no sistema não convencional de proteção aos direitos humanos. Porém, antes de adentrarmos no estudo Comissão de Direitos Humanos, mister fazer-se a diferenciação entre os sistemas convencionais e não-convencionais de proteção aos direihumanos, a fim de se elucidar as vantagens e desvantagens de cada sistema.

O sistema convencional caracteriza-se por possuir uma clientela limitada aos Estados-partes da convenção em questão, um número limitado  procedimentos para lidar com as violações; uma preocupação particular com o desenvolvimento de um entendimento normativo dos direitrelevantes; e um processo decisório baseado preferencialmente no consenso. Já o sistema não-convencional, em contraste, geralmente focalizamse em uma gama diversificadas de temas, insistem que todos os países são clientes em potencial e engajam-se, em último caso, em açõconflitantes no tocante aos Estados; pautam-se mais fortemente nas informações fornecidas pelas ONG’s e na opinião pública para assegurarefetividade de seu trabalho; concedem pouca atenção às questões normativas e são reticentes em estabelecer estruturas procedimentespecíficas, preferindo uma aproximação ad hoc na maioria das situações.

 Nesta linha, a escolha de mecanismos não convencionais, ilustrativamente, poder-se-ia pautar na inexistência de convenções específicas sobdireito violado, na ausência de ratificação pelo Estado-violador de uma convenção determinada ou na existência de forte opinião públifavorável à adoção de medidas de combate à violação. Já a escolha de mecanismos convencionais poder-se-ia pautar-se na efetiva ratificação uma convenção específica pelo Estado-violador, na ausência de vontade política dos membros da Comissão em adotar medidas contra violações cometidas por determinado Estado, na intenção de construir precedentes normativos ou na inexistência de opinião públsuficientemente forte para legitimar um procedimento de elevada natureza política, como são os procedimentos adotados pela Comissão Direitos Humanos.

Adentrando, agora, no tema do tópico, mais precisamente no estudo da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, cumpre assinal primeiramente, a sua composição integrada por 53 membros que são eleitos para mandados de três anos pelo Conselho Econômico Social.Brasil obteve mandatos sucessivos de 1978 a 1998, sendo novamente eleito em 2000. A Comissão foi criada com a competência genérica de atuem quaisquer questões afetas a direitos humanos. Na consideração dos casos em que a comissão possui competência, ela tem seguin

 basicamente dois procedimentos, o 1235 e o 1503.

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O Procedimento 1235 autorizou a Comissão de Direitos Humanos e a Subcomissão sobre Prevenção contra a Discriminação e a Proteção Minorias, hoje denominada de Subcomissão para a Promoção e para a Proteção de Direitos Humanos, a examinarem informações referenteviolações sistemáticas a direitos humanos. Atualmente essa autorização serve tanto de base para a realização de um debate público anual (em qorganizações não governamentais e governos têm a oportunidade de indicar situações que entendem serem relevantes para a análise da Comisse da Subcomissão), como para a investigação e a análise de casos específicos pela Comissão e pela Subcomissão. A análise dos casos poensejar, entre outras medidas, a indicação de serviços de aconselhamento ao Estado, a adoção de uma resolução determinando que o Estaapresente informações ou até o requerimento ao Conselho de Segurança para que este estude o caso e adote eventuais sanções.

Já o Procedimento 1503 foi criado com a finalidade de examinar comunicações relacionadas com violações sistemáticas a direitos humanos. Fcriado um Grupo de Trabalho sobre Comunicações encarregados de selecionar, segundo critérios de admissibilidade, as comunicações que seria

encaminhadas para o Grupo de Trabalho sobre Situações. É este último grupo o responsável pela análise dos casos, pela elaboração recomendações e pela decisão de submeter ou não os casos à Comissão de Direitos Humanos. Preenchido os requisitos de admissibilidadeencaminhado o relatório pelo Grupo de Trabalho e Situações à Comissão de Direitos Humanos, esta pode adotar uma das seguintes medidas: cancelar o estudo sobre a situação determinada; b) manter a situação sob análise, requerendo ao Estado envolvido maiores informações; apontar um especialista independente; ou e) canelar o estudo da situação sob a Resolução n. 1503 e iniciar um procedimento sob a Resolução 1235.Fundamentalmente, há três críticas a serem efetuadas à Resolução n. 1503. Primeiramente se atém ao caráter sigiloso do seu procedimento, eque a única situação em que é excepcionado é na divulgação dos nomes dos Estados que estão sendo investigados e dos que deixaram de analisados. A segunda crítica é sobre o fato de que a Comissão tem-se restringido quase que absolutamente ao exame de violações de direitcivis e políticos, embora não haja na Resolução 1503 qualquer exceção feita à análise dos direitos sociais e econômicos. Por fim a terceira crítienfatiza que não apenas as violações sistemáticas dos direitos humanos devem ser respondidas, mas também as violações graves que não sejasistemáticas.

Tanto o procedimento 1235 quanto o procedimento 1503 podem envolver a indicação, pela Comissão de Direitos Humanos, de um relatespecial com mandato para países específicos, possuindo, ainda a Comissão a atribuição de designar relatores temáticos ou grupos de trabal

com a missão de examinar determinadas violações de direitos humanos.Vários foram os mecanismos temáticos criados, contudo, embora es proliferação de novos mecanismos visem facilitar a solução de casos envolvendo violações, procurando evitar a intransigência política de órgãeventualmente existentes, a proliferação desses mecanismos tem resultado uma série de problemas tangentes a recursos financeiros e humaninadequados à sobreposição de mandados, à insuficiência de coordenação e à diluição da pressão sobre os governos. Um bom exemplo das falhdesses novos mecanismos foi a situação do primeiro mecanismo temático, estabelecido em 1980, a fim de se apurar o desaparecimento forçado nArgentina. Houve uma grande resistência estabelecida por alguns países para a nomeação de um relator, resistência esta que teve como motivo interesses comerciais e o medo de ser o próximo país da lista.

Importante ressaltar que os mecanismos não-convencionais envolvem medidas urgentes de proteção de caráter essencialmente preventivEmbora mais comumente utilizadas nos mecanismos temáticos, as medidas urgentes são, por vezes, requeridas em procedimentos envolvendoindicação de relatores especiais para países determinados. Quando o mecanismo temático refere-se a execuções arbitrárias, o relator espectransmite a apelação aos governos, mesmo nos casos em que não tenham sido exauridos os remédios internos, para que seja efetivada a proteç

 buscada.

O sistema global de proteção aos direitos humanos consiste, portanto, em mecanismos convencionais e não convencionais, que apresentacaracterísticas consideravelmente diversas. Essas características podem ser usadas na escolha do melhor instrumento internacional para cada caespecífico, levando em consideração ser ou não o Estado-violador parte de uma convenção determinada, haver ou não suficiente pressão políti

  para sensibilizar órgãos de proteção essencialmente políticos, existir ou não em construir precedentes normativos. O reconhecimento vantagens a essa possibilidade de escolha não retira a identificação falhas em ambos casos, como por exemplo a inexistência de comunicaçindividual em alguns sistemas de proteção convencional, além da imposição de confidencialidade ao procedimento n. 1503, no sistema nãconvencional. Porém não há como se negar a evolução e eficácia dos procedimentos globais de proteção aos direitos humanos.

CAPÍTULO VII – ESTRUTURA NORMATIVA DO SISTEMA REGIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS –SISTEMA INTERAMERICANO.

a) Introdução

O sistema internacional de proteção dos direitos humanos apresenta diferentes âmbitos de aplicação, por isso fala-se em sistema global e region

de proteção dos direitos humanos. Todos os instrumentos analisados no capítulo anterior fazem parte do sistema global de proteção, sendo cerque seu campo de incidência do aparato global não se limita a determinada região, podendo, em tese, alcançar qualquer Estado na ordeinternacional, a depender da autorização do Estado no que se atém aos instrumentos internacionais de proteção. Ao lado do sistema global, suro sistema regional, particularmente na Europa, América e África.

Ao apontar as vantagens do sistema regional, Rhona K. M. Shimth destaca que, “na medida em que um número menor de Estados está envolvido consenso político se torna mais facilitado, seja com relação aos textos convencionais, seja quanto aos mecanismos de monitoramento. Muiregiões são ainda homogêneas, com respeito à cultura, à língua, às tradições, o que oferece vantagens”. Consolida-se, assim, a conveniência sistema global com instrumentos do sistema regional de proteção, integrado, atualmente, pelo sistema interamericano, europeu e africano

 proteção aos direitos humanos, existindo, ainda, um incipiente sistema árabe e a proposta de criação de um sistema regional asiático.

Cada sistema regional de proteção apresenta um aparato jurídico próprio. O sistema interamericano apresenta como principal instrumentoConvenção Americana de Direitos Humanos de 1969, que estabelece a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamerican

 No sistema europeu, em 1950, foi criada a Convenção Européia de Direitos Humanos, que estabeleceu originariamente a Comissão e a Co

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Européia de Direitos Humanos, havendo a fusão dos dois órgãos em 1998 com a finalidade de haver uma maior justicialização do sistemeuropeu. Já o sistema africano apresenta como principal instrumento a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos de 1981, que estabelea Comissão Africana de Direitos Humanos, sendo criada posteriormente a Corte Africana de Direitos Humanos. Dos três, o sistema europeu émais antigo e mais eficiente, vez que estabelece um mecanismo judicial compulsório para apreciar as comunicações individuais por meio

 jurisdição da Corte Européia. O mais incipiente é o sistema africano, já que África apresenta uma recente história de regimes opressivos e gravviolações aos direitos humanos.

Quanto à conveniência de se adotar o sistema global e/ou o regional, relatório produzido pela Commission to Study the Organization of Pea

acentua que o sistema global e o regional para a promoção e proteção dos direitos humanos não são necessariamente incompatíveis, pecontrário. Ambos são úteis e complementares. Ambos podem ser conciliados em uma base funcional, haja vista que o conteúdo de ambos de

ser similar em princípios e valores, refletindo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é proclamada como um código comum a alcançado por todos os povos. O instrumento global deve conter um parâmetro normativo mínimo, enquanto o instrumento regional deve ir alémadicionando novos direitos, aperfeiçoando outros, levando em consideração as diferenças peculiares de uma mesma região ou entre uma regiãooutra. Os sistemas globais e regionais não são dicotômicos, mas sim complementares.

Ante esse universo de instrumentos internacionais, cabo ao indivíduo que sofreu a violação a escolha do instrumento que lhe é mais favorávetendo em vista que, eventualmente, o mesmo direito pode ser assegurado por dois ou mais instrumentos de alcance regional ou global. Esta é umconseqüência da primazia da norma mais favorável à vítima, que rege o sistema de proteção dos direitos humanos. O propósito da existência distintos instrumentos jurídicos garantindo o mesmo direito é ampliar e fortalecer a proteção aos direitos humanos. O que importa é o grau eficácia da proteção, por isso deve ser aplicada a norma que no caso concreto que melhor proteja a vítima. Na explicação de Henry Steiner sobconflitos entre normas internacionais globais e regionais, “hoje não tem havido grandes conflitos de interpretação entre os regimes regionais eregime das Nações Unidas. Teoricamente, os conflitos devem ser evitados mediante a aplicação das seguintes regras: 1) os parâmetros Declaração Universal e de qualquer outro tratado das Nações Unidas acolhido por um país devem ser respeitados; 2) os parâmetros dos direithumanos que integram os princípios gerais de Direito Internacional devem ser também observados; 3) quando os parâmetros conflitam, o que fmais favorável à vítima deve prevalecer”.

b) Breves considerações sobre a Convenção Americana de Direitos Humanos

O instrumento mais importante no sistema internacional é a Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de SaJosé da Costa Rica, assinado em 1969 e entrou em vigor em 1978. Apenas Estados membros da Organização dos Estados Americanos têmdireito de aderir à Convenção. Substancialmente, ela assegura a um catálogo de direitos civis e políticos similar ao previsto no Pacto Internacionde Direitos Civis e Políticos. A Convenção Americana não enuncia de forma específica qualquer direito social, cultural ou econômico, limitana determinar aos Estados que alcancem, progressivamente, a plena realização dos direitos, mediante a adoção de medidas legislativas e outras qse mostrem apropriadas. Posteriormente, em 1998, a Assembléia da Organização Geral dos Estados Americanos adotou um Protocolo AdicionaConvenção, concernente aos direitos sociais, econômicos e culturais.

Em face ao catálogo de direitos assegurados pela Convenção Americana, cabe ao Estado-parte a obrigação de respeitar e assegurar o livre e plenexercício desses direitos e liberdades, sem qualquer discriminação. Cabe ainda ao Estado-parte adotar todas as medidas legislativas e de outrnaturezas enunciados. Um governo possui obrigações positivas e negativas relativas à Convenção Americana. De um lado há a obrigação de nviolar direitos e liberdades dos indivíduos, e de outro, superando essa obrigação negativa, a obrigação de adotar medidas necessárias e razoáve

  para assegurar o pleno exercício dos direitos garantidos pela Convenção Americana. A convenção Americana estabelece um aparato monitoramento e implementação dos direitos que enuncia, a aparato esse integrado pela Comissão Internacional de Direitos Humanos e pCorte Interamericana.

c) A Comissão Interamericana de Direitos Humanos

A competência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos alcança tanto os Estados-partes da Convenção Americana, em relação adireitos nela consagrado, como aos Estados membros da Organização dos Estados Americanos, em relação aos direitos consagrados Declaração Americana de 1948. A Comissão é composta por sete membros eleitos a título pessoal para um mandato de quatro anos, podendo sreeleito apenas uma vez.

A principal função da Comissão Interamericana é promover a proteção dos direitos humanos na América. Para tanto, cabe à Comissão fazrecomendações aos governos dos Estados membros, prevendo a adoção de medidas adequadas à proteção dos desses direitos; preparar estudorelatórios que se mostrem necessários; solicitar aos governos informações relativas às medidas por eles adotadas concernentes à efetiva aplicaç

da Convenção; e submeter um relatório anual à Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos.

 Na lição de Mônica Pinto sobre os relatórios produzidos pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, “diversamente do que ocorre âmbito universal, em que o sistema de informes é um método de controle regular, que consiste na obrigação dos Estados-partes em um tratado ddireitos humanos de comunicar ao competente órgão de controle o estado de seu direito interno em relação aos compromissos assumidos edecorrência do tratado e a prática que tem se verificado com respeito às situações compreendidas no tratado, no sistema interamericano, oinformes são elaborados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Além de se constituir em um método para determinar atos, precise difundir a objetividade de uma situação, os informes da Comissão servem para modificar a atitude de Governos resistentes à vigência de direithumanos, através do debate interno que eles proporcionam ou, a depender do caso, do debate internacional. A CIDH elabora dois tipos informes: um sobre a situação dos direitos humanos em determinado país e outro que encaminha anualmente à Assembléia da OEA. Os informsobre a situação dos direitos humanos em um Estado membro da OEA são decididos pela própria Comissão, ante situações que afetegravemente a vigência dos direitos humanos. (...) Por outro lado, os informes anuais para a Assembléia Geral da OEA atualizam a situação ddireitos humanos em distintos países, apresentam o trabalho da Comissão, elencam as resoluções adotadas com respeito a casos particularerevelam a opinião da Comissão sobre as áreas nas quais é necessário redobrar esforços e propor novas normas”.

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Conforme Hector Fix-Zamudio, de acordo com César Sepúlveda, atual presidente da Comissão Interamericana, a mesma realiza as seguinfunções: a) conciliadora, entre um Governo e grupos sociais que vejam violados os direitos de seus membros; b) assessora, aconselhando governos a adotar medidas adequadas para promover os direitos humanos; c) crítica, ao informar sobre a situação dos direitos humanos em uEstado membro da OEA; d) legitimadora, quando um Governo, em decorrência do resultado de um informe da Comissão acerca de uma visita oexame, decide reparar as falhas de seus processos internos e sanar as violações; e) promotora, ao efetuar estudos sobre o tema de direithumanos, a fim de promover seu respeito; f) protetora, quando além das atividades anteriores, intervém em casos urgentes para solicitar aGoverno, contra o qual se tenha apresentado queixa, que suspenda a sua ação e informe sobre os atos praticados.

Além do que foi descrito, é também competência da Comissão examinar as comunicações encaminhadas por indivíduos ou grupos de indivídu

ou ainda entidades não governamentais, que contenham denúncias de violação a direito consagrado pela Convenção. Conforme ensina ThomBuerguenthal, diversamente do que ocorre com outros tratados internacionais de proteção aos direitos humanos, na Convenção Interamericanão apenas as vítimas das violações são legítimas a apresentar a comunicação, podendo ser feita também por qualquer pessoa ou grupo de pessoe certas organizações não governamentais. Observe-se que outra diferença dos demais tratados internacionais de proteção aos direitos humanconsiste no fato de que a Convenção Interamericana estabelece que o Estado ao se tornar parte aceita automaticamente e obrigatoriamentecompetência da Comissão para examinar essas comunicações, não se fazendo necessária a elaboração de declaração expressa e específica para fim.

A petição, como ocorre nos sistemas globais, deve apresentar alguns requisitos de admissibilidade, como, por exemplo, o prévio esgotamento drecursos internos, salvo no caso de injustificada demora processual, ou no caso de a legislação doméstica não promover o devido processo legSendo caso de injustificada demora ou de a legislação interna não promover o devido processo legal, é ônus da suposta vítima provar ta

 pressupostos de admissibilidade. Um outro requisito de admissibilidade é a inexistência de litispendência internacional, ou seja, a mesma questnão pode estar pendente em outra instância internacional.

A tramitação das denúncias podem ser divididas em duas partes: a primeira se refere aos requisitos de admissibilidade e a segunda na observânc

do contraditório. Após a análise dos requisitos de admissibilidade, a Comissão examinar as alegações do peticionário, buscar informações respectivo governo, investigar o fato e assegurar a oitiva tanto do peticionário quanto do governo. Caso, após a investigação a Comissão concluque um dos requisitos de admissibilidade não foi observado, ela pode rejeitar o caso que, em retrospecto, nunca deveria ter sido recebido. Poréapós a investigação, sendo observado todos os casos de admissibilidade, a Comissão julgará o mérito.

Feito o exame do caso, a Comissão buscará uma solução amistosa. Se alcançado o acordo, será elaborado um informe que será transmitido  peticionário ao Estado-parte, sendo comunicado posteriormente à Secretaria da Organização dos Estados Americanos para publicação. Não sendalcançado o acordo, a Comissão redigirá um relatório com os fatos e as conclusões pertinentes ao caso e, eventualmente, recomendações Estado-parte, sendo certo que este terá o prazo de três meses para cumprir as recomendações feitas. Durante esse período, o caso pode ssolucionado pelas partes ou encaminhado à Corte Internacional de Direitos Humanos. Observe-se que o encaminhamento à Corte só pode sfeito pelos Estados-partes ou pela Comissão Interamerica, não sendo possível o encaminhamento pelo indivíduo. Se durante esse prazo o canão for solucionado nem remetido à Corte, a Comissão, por maioria absoluta de votos, poderá emitir a sua própria opinião e conclusão. Comissão fará as recomendações pertinentes e fixará um prazo para que o Estado tome as decidas providências. Vencido o prazo, a Comissdecidirá por maioria absoluta se as medidas recomendadas foram adotadas pelo Estado e se publicará o informe por ela elaborado no relatóanual de suas atividades.

Em conformidade com o novo Regulamento da Comissão Interamericana, adotada em 1º de maio de 2001, em seu art. 44, se a Comissconsiderar que o Estado não cumpriu com as recomendações do informe aprovado, o caso será submetido à Corte Interamericana, salvo decisda maioria absoluta dos membros da Comissão. Se anteriormente, caberia a comissão uma análise discricionária sobre a decisão de se remete não o caso à Corte Interamericana, com o novo regulamento, tal decisão ficou mais vinculada, dano uma maior tônica de juridicidade. Cabressaltar que o caso só poderá ser submetido à Corte se o Estado –parte reconhecer, mediante declaração expressa e específica, a competência dCorte no tocante a interpretação e aplicação da Convenção, embora qualquer Estado-parte possa reconhecer a jurisdição da Corte padeterminado caso. Também sob a forma de cláusula facultativa está previsto o sistema de comunicação interestatais. Na lição de ThomBuergenthal, “(...). A Comissão Americana inverte o padrão tradicional, utilizado pela Convenção Européia por exemplo, em que o direito

 petição individual é opcional e o procedimento da comunicação interestatal é obrigatório”.

Por fim, em casos de gravidade e urgência, e toda vez que resulte necessário, de acordo com as informações disponíveis, a Comissão poderá, piniciativa própria ou mediante petição da parte, solicitar ao Estado em questão a adoção de medidas cautelares para evitar danos irreparávePode ainda a Comissão solicitar à Corte Interamericana a adoção de medidas provisórias, em caso de extrema gravidade e urgência, para evi

dano irreparável à pessoa, em matéria ainda não submetida à Corte.

d) A Corte Interamericana de Direitos Humanos

A Corte Interamericana de Direitos Humanos é composta por sete juízes nacionais de Estados membros da OEA, eleitos a título pessoal, sendcerto que a Corte apresenta competência consultiva e contenciosa. No plano consultivo, a qualquer membro da OEA, parte ou não da convençã

 pode solicitar o parecer da Corte em relação à interpretação da Convenção ou de qualquer outro tratado relativo à proteção dos direitos humannos Estados americanos, podendo ainda a Corte opinar sobre a compatibilidade de preceitos da legislação doméstica em face de instrumeninternacionais, efetuando, assim, o “controle da convencionalidade das leis”. Na sua função consultiva, a Corte tem desenvolvido, ainda, análissobre o alcance e o impacto dos dispositivos da Convenção Americana.

Em relação ao plano contencioso, a competência da Corte para o julgamento de casos é limitada aos Estados-partes da Convenção qreconheçam tal jurisdição expressamente, sendo certo que apenas a Comissão Interamericana e os Estados-partes podem submeter um casoCorte Interamericana, não estando prevista a legitimação do indivíduo. A Corte, reconhecendo que efetivamente ocorreu a violação, determinar

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adoção de medidas que se façam necessárias para a restauração do direito violado, podendo, ainda, condenar o Estado a pagar uma juscompensação à vítima. Note-se que a decisão da Corte tem força jurídica vinculante e obrigatória, cabendo ao Estado seu imediato cumprimenSe a Corte determinar uma compensação à vítima, a decisão valerá como título executivo, em conformidade com os procedimentos internrelativos à execução de sentença desfavorável ao Estado.

Dentre os casos já decididos pela Corte, destaca-se o caso do Presídio Urso Branco, em Porto Velho, Rondônia, promovido em face do Bra Neste caso, 37 internos haviam sido brutalmente assassinados entre 1º de janeiro e 5 de junho de 2002. A Corte ordenou medidas provisóriasfim de evitar novas mortes de internos. Pelo art. 63 da Convenção, a Corte pode dispor de medidas provisórias em acasos de extrema gravidadquando necessários para evitar danos irreparáveis a pessoas. Caso trate-se de caso ainda não submetido a seu conhecimento, poderá atuar a pedida Comissão. Note-se que a Convenção Americana de Direitos Humanos é o único tratado internacional de direitos humanos a dispor sob

medidas provisórias judicialmente aplicáveis. Considerando os recentes casos submetidos à Corte e a sua atuação, pode-se concluir que, emborecente a sua jurisprudência, o sistema interamericano está se consolidando como importante e eficaz estratégia de proteção dos direitos humanquando as instituições nacionais se mostram omissas ou falhas.

Ainda que crescente a justicialização do sistema, faz-se necessárias algumas providências para uma maior avanço. As propostas são as seguinteI) Exigibilidade de cumprimento das decisões da Comissão e da Corte, com a adoção pelos Estados de legislação interna relativa à implementaçdas decisões internacionais em matéria de direitos humanos; II) Previsão de sanções aos Estados que de forma reiterada e sistemática, descumpdecisões internacionais; III) Uma maior democratização do sistema, permitindo o acesso direto do indivíduo à Corte Interamericana, hoje restrapenas à Comissão e aos Estados membros; e IV) Instituição de funcionamento permanente da Comissão e da Corte, com recursos financeirotécnicos e administrativos suficientes, pois a justicialização do sistema aumentará o universos de casos submetidos à Corte Interamericana.

TERCEIRA PARTE

O SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E A REDEFINIÇÃO DA CIDADANIA NO BRASI

CAPÍTULO VIII – O ESTADO BRASILEIRO E O SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

 Nesta terceira parte do livro, busca-se avaliar o modo como o Estado brasileiro se relaciona com o Direito Internacional dos Direitos Humanoscomo este último pode contribuir para o reforço do sistema de proteção de direitos no País. Será analisada a forma que o Brasil se abre às normde Direito Internacional de Direitos Humanos e como os instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos são incorporados pordem interna nacional e nela repercutem, sendo utilizados pelos mais diversos atores sociais.

a) A agenda internacional do Brasil a partir da democratização e a afirmação dos direitos humanos como tema global.

Para o estudo da posição do Brasil diante dos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos, haverá uma concentração no período democratização, deflagrado no Brasil em 1985 e que teve a Constituição de 1988 como o grande marco jurídico. O processo de democratizaçnão implicou apenas mudanças no âmbito interno, mas também na agenda internacional do Brasil. Essas mudanças contribuíram para a reinserçdo país no contexto internacional. Esses fatores implicaram um avanço significativo no âmbito do reconhecimento das obrigaçõinternacionalmente reconhecidas.

Ao longo do processo de democratização o Brasil passou a aderir a importantes instrumentos internacionais de direitos humanos, aceitandexpressamente a legitimidade das preocupações internacionais e dispondo-se a um diálogo com as instâncias internacionais sobre o cumprimenconferido pelo país às obrigações internacionalmente assumidas. Uma outra vertente do processo de democratização foi a crescente participaçãomobilização da sociedade civil e de organizações não governamentais no debate sobre a proteção dos direitos humanos.

O fim da Guerra Fria contribuiu para o processo de disseminação do tema de proteção aos direitos humanos como tema global. Com a GueFria, as denúncias sobre ocorrência de violações de direitos humanos eram escondidas sob o argumento de que as denúncias tinham por finalidaddeteriorar a imagem positiva que cada bloco oferecia de si mesmo e, assim, proporcionar vantagens políticas ao lado adversário. Com exceçdos casos mais gritantes, como o da África do Sul, os problemas de direitos humanos, conquanto denunciados, tendiam a ofuscar-se dentro drivalidades estratégicas das duas superpotências.

Pode-se afirmar que o final da polarização significou uma segunda revolução no Direito Internacional dos Direitos Humanos. Se a Segun

Guerra Mundial significou a primeira revolução no processo de internacionalização dos direitos humanos, impulsionando a criação de órgãos monitoramento internacional, bem como a elaboração de tratados de proteção aos direitos humanos, o fim da Guerra Fria significou a segundrevolução, consolidando e reafirmando os direitos humanos como tema global, passando assim a ser preocupação legítima da comunidainternacional. A afirmação dos direitos humanos como tema global vem ainda a acenar para a relação de interdependência existente entredemocracia, desenvolvimento e direitos humanos. A própria Declaração de Viena recomendou que se dê prioridade à adoção de medidnacionais e internacionais para promover a democracia, o desenvolvimento e os direitos humanos. É nesse cenário que o processo democratização do Brasil se conjuga com o processo de afirmação dos direitos humanos como tema global, que se desenha a reinserção do Brano plano do sistema d proteção internacional dos direitos humanos.

b) O Brasil e os tratados internacionais de direitos humanos

Desde o processo de democratização do país e, em particular, da Constituição de 1988, o Brasil tem adotado importantes medidas em prol incorporação de instrumentos internacionais voltados à proteção dos direitos humanos. O marco inicial do processo de incorporação do DireitInternacional dos Direitos Humanos pelo direito brasileiro foi a ratificação, em 1º de fevereiro de 1984, da Convenção sobre a Eliminação

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todas as formas de Discriminação contra a Mulher. Depois desse vários outros se seguiram. A partir da Constituição de 1988, que trouimportantes inovações jurídicas, principalmente no que tange ao primado da prevalência dos direitos humanos como princípio orientador drelações internacionais, a incorporação de tratados internacionais de proteção aos direitos humanos no Brasil se intensificou. Em 1992 foraratificados o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, bem como o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,que realça o caráter indivisível e inter-relacionado dos direitos humanos e sua relação com a democracia e o desenvolvimento.

Além das inovações constitucionais, a necessidade do Brasil de reorganizar a sua agenda internacional de forma mais condizente com transformações internas decorrentes do processo de democratização, foram de suma importância para a ratificação pelo estado brasileiro dtratados internacionais de direitos humanos. Conjuga-se com esse esforço o objetivo de compor uma imagem mais positiva do Estado brasileno cenário internacional, como país respeitador dos direitos humanos. Adicione-se, ainda, que a adesão do Brasil aos tratados internacionais

direitos humanos simboliza o seu aceite para com a idéia contemporânea de globalização dos direitos humanos, bem como para com a idéia legitimidade das preocupações da comunidade internacional no tocante à matéria. Por fim, é de acrescer o elevado grau de universalidade dessinstrumentos, que contam com significativa adesão dos Estados integrantes da ordem internacional.

Enfatize-se que a reinserção do Brasil na sistemática internacional de proteção aos direitos humanos vem a redimensionar o próprio alcance termo “cidadania”, haja vista que, além dos direitos e garantias assegurados pela Constituição, no âmbito nacional, os indivíduos passam a stitulares de direitos assegurados internacionalmente. Assim, o universo de direitos fundamentais se expande e se completa, a partir da conjugaçdos sistemas nacional e internacional de proteção aos direitos humanos. Em razão dessa interação, o Brasil assume, perante a comunidainternacional, a obrigação de manter o Estado Democrático de Direito e de proteger, ainda que em situação de emergência, um núcleo de direit

 básicos. Aceita, ainda, que essas obrigações sejam fiscalizadas pela comunidade internacional mediante o monitoramento efetuado pelo órgão supervisão internacional.

Apesar de ser grande o avanço decorrente das ratificações dos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos, há a necessidade serem tomadas mais providências a fim de uma maior eficácia na proteção dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. Primeiramenmister a ratificação de outros tratados internacionais que ainda se encontram pendentes, bem como a revisão de reservas e declarações formulad

 pelo Estado brasileiro quando ratificaram determinados tratados internacionais. Uma outra providência que deve ser tomada é a reavaliação  posição do Brasil quanto às cláusulas e procedimentos facultativos, que estabelecem, por exemplo, a sistemática de petição individual e comunicação interestatal no âmbito internacional. De todo modo, com a adesão aos três tratados gerais de proteção aos direitos humanos, o Bra

 passou definitivamente a se inserir no sistema de proteção internacional dos direitos humanos.c) Pela plena vigência dos tratados internacionais de direitos humanos: a revisão de reservas e declarações restritivas, a reavaliação posição do Brasil quanto a cláusulas procedimentais e procedimentos facultativos e outras medidas.

A plena vigência dos tratados de direitos humanos requer a adoção de providências adicionais pelo Brasil, entre elas uma profunda revisão dreservas e declarações restritivas feitas pelo Estado brasileiro quando da ratificação de Convenções voltadas à proteção dos direitos humanos.

 própria Convenção de Viena de 1993 encoraja aos Estados a evitar ao máximo a formulação de reservas e, quando formulá-las, que faça da formmais restritiva possível. Além da eliminação das reservas, cabe ao Estado brasileiro rever determinadas declarações feitas no sentido de restrino alcance de mecanismos previstos nos tratados internacionais de direitos humanos.

Um exemplo de uma situação em que Brasil deve rever determinada declaração é a declaração que o Estado brasileiro fez ao ratificarConvenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher. O Brasil declarou não estar submetido à cláusula qestabelece que, em caso de disputa entre dois ou mais Estados sobre a interpretação ou aplicação da Convenção, se não for solucionado mediannegociação a questão será submetida à arbitragem e, se ainda assim, não se encontrar um acordo, o caso pode ser levado à Corte Internacional Justiça por qualquer dos Estados. Ao fazer a essa declaração o Brasil está se furtando de se submeter à Corte Internacional de Justiça parasolução do caso. Sugere-se que o Estado brasileiro modifique essa declaração, até porque é uma situação anacrônica, haja vista que a Convençãsobre a Eliminação de toda as formas de Discriminação Racial possui dispositivo semelhante e que, por sua vez, não foi objeto de qualqudeclaração. O Brasil aceitou a competência da Corte Internacional de Justiça.

Também merece atenção a declaração de interpretação feita pelo Estado brasileiro por ocasião da adesão à Convenção Americana de DireitHumanos. Por ela o Brasil entende que o sistema de inspeção in loco da Comissão Internacional de Direitos Humanos não é automático, mas sdependente de uma expressa autorização do Governo. O Brasil buscou, mediante a declaração feita, evitar que a Comissão tenha o direautomático de efetuar visitas ou inspeções sem a expressa autorização do Governo brasileiro. Acrescente-se que, dos vinte e cinco países qratificaram esta Convenção, o Brasil é o único a fazer tal declaração.

Além da necessária revisão de reservas e declarações restritivas efetuadas pelo Estado brasileiro, é preciso reavaliar a posição do Brasil diante

cláusulas e procedimentos facultativos constantes do sistema internacional de proteção. Lembre-se que o Programa de Ação de Viena de 19recomenda aos Estados-partes de tratados de direitos humanos que considerem a possibilidade de aceitar todos os procedimentos facultativexistentes para a apresentação e o exame de comunicações. Sendo assim, no âmbito do sistema global das Nações Unidas, é importante queBrasil ratifique o Protocolo Facultativo relativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de modo a habilitar o Comitê de DireitHumanos a receber e apreciar comunicações individuais que veiculem denúncias de violação de direitos enunciados pelo Pacto. É importanainda, que o Brasil elabore declaração específica aceitando a competência do Comitê de Direitos Humanos para receber e considerar

 procedimento facultativo das comunicações interestatais, previsto pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

Outras medidas necessárias são o reconhecimento da competência do Comitê contra a Tortura para examinar tanto as petições individuais comas comunicações interestatais relativas às Convenções contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, bem comratificar o seu Protocolo Facultativo que institui um sistema preventivo de visitas regulares a locais de detenção, com o objetivo de preveni

  prática de tortura. O Brasil deve, ainda, enviar aos competentes órgãos internacionais os relatórios pertinentes às medidas legislativadministrativas e judiciais adotadas para dar cumprimento às obrigações relativas à proteção dos direitos humanos assumidas perantecomunidade internacional.

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 Ressalte-se, porém, que junho em 2002, o Brasil ratificou o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas dDiscriminação contra a Mulher e acolheu a cláusula facultativa das petições individuais prevista na Convenção sobre a Eliminação de todas formas de Discriminação Racial. Foram dois significativos avanços para o monitoramento internacional dos direitos humanos. 

 No âmbito do sistema regional, cabo ao Estado brasileiro elaborar a declaração a fim de habilitar a Comissão Interamericana a examincomunicações interestatais, em que um Estado-parte alegue que outro Estado-parte tenha violado um direito assegurado pela Convenção. Erelação ao reconhecimento pelo Brasil da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que ocorreu em 1998, inressaltar que foi exatamente a delegação do Brasil que propôs a Criação da Corte na IX Convenção Internacional Americana, ocorria em Bogono ano de 1948. Deste modo, o reconhecimento da obrigatoriedade pelo Brasil foi uma exigência para que se mantivesse um mínimo de coerênc

no posicionamento do Brasil. Tão relevante quanto o reconhecimento da obrigatoriedade da Corte Interamericana, foi a aceitação pelo Brasil competência do Tribunal Internacional Criminal Permanente, previsto pelo Estatuto de Roma, em 1998, e ratificado pelo Brasil em 2002.

Além das providências supramencionadas, mister que o Estado brasileiro elabore todas as disposições de direito interno que sejam necessári para tornar efetivos os direitos e liberdades enunciados nos tratados de que o Brasil é parte. A omissão estatal viola obrigação jurídica assumino âmbito internacional, importando em responsabilização do Estado. Viola ainda a própria Constituição Federal, na medida em que esses direite liberdades foram incorporados ao Texto Constitucional, por força do art. 5º, §2º da CF, devendo ter aplicabilidade imediata.

A título de exemplo, ilustrou grave caso de omissão do Estado brasileiro, caracterizadora de violação à Convenção contra a Tortura, ratifica pelo Brasil em 1989, a falta, até abril de 1997, de tipificação do crime de tortura, exceto quando fosse em relação à criança ou adolescenteinexistência da tipificação autônoma importou em descumprimento de obrigação assumida internacionalmente, além da omissão importar, ainem violação à própria Constituição, que no seu art. 5º, XLIII, que prevê que a lei considerará a prática de tortura como crime inafiançávelinsuscetível de graça e anistia. Logo, a omissão do legislador constituiu violação tanto ao comando constitucional como à ConvençInternacional contra a Tortura. O preenchimento dessa lacuna por parte do Brasil só veio a ocorrer com o advento da Lei nº 9.455/97, que defino crime de tortura.

Um outro exemplo de grave omissão estatal concernente à obrigação internacional contraída em matéria de direitos humanos, atém-seinexistência de normatividade nacional específica em relação à prevenção, combate e erradicação da violência contra a mulher. Ao ratificaConvenção Internacional para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra Mulher, o Brasil assumiu que, sem demora, iria incluir em slegislação normas penais, civis e administrativas necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher. No entanto, até

 presente data, não houve a elaboração de tal legislação, o que caracteriza violação ao dispositivo internacional.

Diante desse quadro, todas as medidas apontadas mostram-se essenciais para a institucionalização da proteção internacional dos direitos humanno âmbito interno brasileiro. Como já se ressaltou, a democratização implica transformação não apenas no plano interno, mas também internacional, especialmente no momento em que se intensifica o processo de globalização dos direitos humanos. O binômio democraciadireitos humanos se faz premente na experiência brasileira, tendo em vista que o projeto democrático está absolutamente condicionado à garandos direitos humanos.

CAPÍTULO IX – A ADVCACIA DO DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS: CASOS CONTRA O ESTADBRASILEIRO PERANTE A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

A) Introdução.

 Neste capítulo se buscará investigar o modo que a advocacia do Direito Internacional dos Direitos Humanos é exercido no Brasil, quais os atorsociais envolvidos e quais os direitos humanos violados. Para tanto, serão apresentados os casos submetidos à apreciação da ComissInteramericana de Direitos Humanos. Essa opção deveu-se ao fato de que, para o Brasil, a Comissão é relevante instância internacioncompetente para examinar petições individuais que denunciem violações aos direitos assegurados pela Convenção Americana de DireitHumanos ou outro tratado do sistema interamericano. Atente-se que o Brasil, em 1998, reconheceu a competência jurisdicional da CorInteramericana, o que ampliou e fortaleceu as instâncias de proteção dos direitos humanos internacionalmente assegurados. Tendo em vista quereconhecimento da instância jurisdicional ainda é muito recente, bem como que a Corte Interamericana aceita apenas que a ComissInteramericana e os Estados-partes podem submeter casos à ela, verifica-se, até o presente momento, um número reduzido de casos sobapreciação da Corte Interamericana.

Como já mencionado anteriormente, o Brasil não reconhece a competência do Comitê de Direitos Humanos para receber petições individua

 pois não ratificou o Protocolo Facultativo dos Direitos Civis e Políticos, nem acolheu os procedimentos facultativos constantes da Convençcontra Tortura, de modo a reconhecer a competência do respectivo Comitê para examinar petições individuais. Embora o Brasil, desde junho 2002, tenha ratificado o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Discriminação contra a Mulher e acolhido o procedimenfacultativo da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Preconceito Racial, até a presente data não consta qualquer caso contraBrasil pendente de apreciação. Por esses motivos é que o estudo se concentrará nas ações internacionais perpetradas contra o Brasil perantComissão Interamericana de Direitos Humanos, até porque, como já abordado, o Estado membro ao ratificar a Convenção Americana aceautomaticamente a competência da Comissão Interamericana para examinar denúncia de violação de preceito constante na Convençãdispensando-se qualquer declaração expressa por parte do Estado-parte.

As ações internacionais concretizam e refletem a dinâmicaintegrada do sistema de proteção dos direitos humanos, por meio da qual os atinternos dos Estados estão sujeitos à supervisão e ao controle dos órgãos internacionais de proteção, quando os a atuação do Estado se mosomissa ou falha na tarefa de garantir esse mesmo direito. De acordo com o direito internacional, a responsabilidade pelas violações são da Uniãque dispõe de personalidade jurídica na ordem internacional. Nesse sentido os princípio federativo e a separação dos poderes não podem s

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invocados para afastar a responsabilidade da União em relação à violação das obrigações assumidas no âmbito internacional. Segundo LouHenkin, “exceções a esta regra podem ser feitas pelo próprio tratado em determinadas circunstâncias”.

Há 68 casos contra o Brasil pendentes de apreciação, sendo certo que desse universo, apenas dois casos apontam responsabilidade direita União, sendo um deles sobre trabalho escravo (que já foi objeto de solução amistosa) e o outro refere-se à morte de indígena Macuxi em umdelegacia em Roraima, que na época era território federal. Nos demais casos a responsabilidade direta são dos Estados. Todavia, paradoxamentem face da sistemática até então vigente, a União, ao mesmo tempo que detém a responsabilidade internacional, não é responsável em âmbnacional, já que não dispõe da competência de investigar, processa e punir violação pela qual estará internacionalmente convocada a respondeDiante desse quadro é que se infere a federalização dos crimes de direitos humanos.

A federalização dos crimes contra os direitos humanos, introduzida pela EC 45/2004, já era vista como meta do Programa Nacional de DireitHumanos desde 1996. O novo mecanismo permite ao Procurador-Geral da República, nas hipóteses de grave violação a direitos humanos e comfinalidade de assegurar o cumprimento de tratados internacionais de direito humanos ratificados pelo Brasil, requerer ao Superior Tribunal Justiça o deslocamento da competência do caso para as instâncias federais, em qualquer fase do inquérito ou do processo. Com a federalizaçdos crimes de direitos humanos cria-se um sistema mais eficaz de combate à impunidade desses crimes.

Primeiramente, a federalização encoraja firme atuação dos Estados, sob o risco de deslocamento de competência, além do que, aumentaresponsabilidade da União para o efetivo combate à impunidade das graves violações aos direitos humanos. A federalização, entretanto, exigiráelucidação de seus próprios requisitos de admissibilidade (“grave violação dos direitos humanos”, “assegurar o devido cumprimento obrigações decorrentes dos tratados de direitos humanos”, entre outros). A prática permitirá que tais lacunas sejam gradativamente preenchidaImporta salientar, uma vez mais, que o sistema de proteção internacional dos direitos humanos é adicional e subsidiário e, nesse sentid

 pressupõe o esgotamento dos recursos internos para o seu acionamento.

b) Casos contra o Estado brasileiro perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos

 Neste tópico serão analisados 78 casos contra o Estado brasileiro que foram admitidos pela Comissão Interamericana no período de 1970 a 200Desse total, há casos que já foram apreciados pela Comissão, sendo os respectivos relatórios publicados no relatório anual da Comissão, é aqueles – a maioria – que estão pendentes perante a comissão Interamericana. Os 78 casos foram classificados de acordo com o direito que violado: 1) detenção arbitrária, tortura e assassinato cometidos durante o regime autoritário militar; 2) violação dos direitos indígenas; violência rural; 4) violência policial; 5) violação dos direitos da criança e do adolescente; 6) violência contra a mulher; 7) discriminação racial8) violência contra defensores de direitos humanos.

1) Casos de detenção arbitrária, tortura e assassinato cometidos durante o regime autoritário militar

Do total dos 78 casos, 10 envolvem denúncias de detenção arbitrária e tortura cometidas durante o regime autoritário militar, sendo submetidasComissão Interamericana no período de 1970 a 1974, com exceção do caso “guerrilha do Araguaia”, que foi submetido no ano de 199Considerando que na época o Brasil não era signatário da Convenção Americana, todas essas ações foram fundamentadas na DeclaraçAmericana dos Direitos e Deveres do Homem. A prática de detenção arbitrária e de tortura foi denunciada mediante petições encaminhadas pindivíduo ou grupos de indivíduos, não se verificando qualquer caso no qual a petição foi submetida por organização não governamentConstata-se que nesses nove casos, as vítimas eram professores universitários, lideranças da Igreja Católica, líderes de trabalhadores, entre outrque de alguma forma apresentaram resistência ao regime repressivo que perdurou de 1964 a 1985.

Dentre os casos, merece destaque o caso 1684, acerca do qual três comunicações foram enviadas à Comissão, em 1970, denunciando a prática detenção ilegal e de tortura nos anos de 1969 e 1970. Os fatos denunciados foram três: o primeiro denunciou o assassinato de um padre em Reciem 1970; o segundo tratava da detenção arbitrária e tortura de sete pessoas em Belo Horizonte; e o terceiro comunicava a existência de pemenos 12.000 presos políticos. A comunicação solicitava à Comissão uma investigação cautelosa dos fatos por ela denunciados, que apontavam

 prática autoritária do regime militar. Por maioria de votos a Comissão aprovou a Resolução na qual afirmava: “as provas coletadas nestes caslevam à forte presunção de que o no Brasil há sérios casos de tortura, abuso e tratamento cruel de pessoas de ambos os sexos, que foram privadde sua liberdade”. A Comissão recomendou que o Brasil procedesse com uma investigação para que na próxima sessão pudessem avaliar se atos de tortura e abusos foram efetivamente cometidos, solicitando ainda informações sobre o resultado das investigações.

Em sua resposta o governo brasileiro se limitou a considerar que as bases da presunção de violação dos direitos humanos no país erademasiadamente frágeis. A partir dessa resposta a Comissão decidiu publicar em seu relatório anual recomendações endereçadas ao Gover

 brasileiro, reiterando que as provas coletadas no Caso 1684 levam à forte presunção de que no Brasil há sérios casos de tortura, abuso

tratamento cruel de pessoas de ambos os sexos, que foram privadas de sua liberdade. Adicionou, ainda, que o Brasil se recusa a adotar as medidrecomendadas pela Comissão no sentido de esclarecer se os atos de tortura e abuso foram perpetrados por militares ou autoridades policiais.Além do Caso 1684, os outros oito casos foram submetidos à Comissão entre o período de 1973 a 1974. Todos denunciaram a prática d

detenções arbitrárias e tortura cometidos pelo regime militar, sendo os mais contundentes o caso 1788, referente ao assassinato de 104 pessoas e1973, e o caso 1835, que denuncia a detenção arbitrária de 53 pessoas pela polícia em 1974. Contudo, ainda que a Comissão tenha admitido todos oito casos, optou por não publicar em seu relatório anual as respectivas conclusões e recomendações. Adicione-se o caso da guerrilha Araguaia, ocorrida na década de 70 e que desde 1982 familiares tentam, sem sucessos, obter informações sobre o desaparecimento de mais vítimas.

2) Casos de Violação dos direitos dos povos indígenas

Também de grande impacto foi o caso 7615, relativo à violação dos direitos dos povos indígenas no Brasil, particularmente, da comunidaYanomami, em 1980. Este caso se distingue dos demais por ser o primeiro caso submetido por organizações não governamentais de âmb

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internacional contra o Brasil. Nesta denúncia, afirmaram que os direitos dessas populações à vida, à liberdade, à segurança, à saúde e bem-estareducação, ao reconhecimento da personalidade jurídica e à propriedade havia sido afrontados pelo Governo do Brasil.O povo Yanomami, com uma população de 10.000 a 12.000, viviam em terras que ocupavam o território do Estado do Amazonas e de RoraimDevido ao plano do Governo de explorar economicamente a região, os indígenas estavam sendo impelidos a abandonarem suas terras. Diandesse quadro, no período entre 1979 e 1984 esforços foram empenhados para demarcar as terras dos Yanomamis. Em 1982, sob pressinternacional, o Governo brasileiro declarou interdição de uma área de Roraima e do Amazonas para os povos Yanomamis. Em 1984, expediu-um decreto prevendo a definição do chamado “Parque dos Índios Yanomais”, que corresponderia ao território desses índios. Esses fatos, nentendimento dos peticionários implicaram a violação dos direitos fundamentais dos Yanomamis, pois a devastação deixou seqüelas física

 psicológicas, doenças e mortes com a destruição de centenas de índios, o que estava a levar a extinção daquela comunidade.

A comunicação dos peticionários resultou no pedido de informações ao governo brasileiro que respondeu tecendo comentários sobre o estatulegal dos índios no Brasil, seus direitos civis e políticos e projetos do Governo para estender a proteção aos índios e suas terras. À luz dessconsiderações, a Comissão Interamericana resolveu declarar que “há provas suficientes para declarar que, em face do fracasso do Governo Brasil em adotar medidas tempestivas e efetivas concernentes aos índios Yanomamis, caracteriza-se a violação dos seguintes direireconhecidos pela Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem: o direito à vida, à liberdade, à segurança, do direito à residência e amovimento, e do direito à preservação da saúde e bem-estar”. A Comissão resolveu ainda recomendar ao governo brasileiro que adotasse medidde proteção à vida dos Yanomamis, procedesse a demarcação do “Parque dos Yanomamis”, conduzisse programas de educação, proteção médie integração social dos Yanomamis e informasse a Comissão sobre as medidas adotadas em cumprimento às recomendações. Além do caso 761foi submetido à Comissão Interamericana o caso 11745, que denunciou a chacina de dezesseis índios Yanomamis em junho de 1993 em razão negligência e da omissão do governo brasileiro.

3) Casos de violência rural

Dos 78 casos, 13 envolvem situações de violência rural, sendo que a maioria se encontra pendente de apreciação perante a Comissão. Como casos pendentes são processados em regime de confidência, o estudo se limitará a um breve relato destes casos. Primeiramente, cabe observar q

os casos foram encaminhados à Comissão Interamericana por organizações não governamentais de âmbito nacional e internacional.

O primeiro caso foi o do assassinato de João Canuto, presidente dos Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, no Estado do Pará. Peldenunciantes, em razão da insuficiência da resposta governamental no sentido de punir os culpados – a investigação criminal durou oito anoaté o momento não houve culpados – caracterizando-se, assim, o esgotamento dos recursos internos, cabendo à Comissão a declaração violação pelo Estado brasileiro de suas obrigações internacionais. Em março de 1998 a Comissão Interamericana aprovou o relatório final sobrecaso, condenando o Brasil pela violação dos direitos à vida, à liberdade, à segurança, à integridade e à justiça, com a recomendação de queBrasil confira maior celeridade ao processo criminal relativo ao caso, a fim de que os responsáveis sejam devidamente processados. Recomendoainda, que seja efetuado o pagamento de pensão especial em favor dos familiares da vítima, o que foi efetuado pelo Estado do Pará.

Já o caso 11289 denuncia a tentativa de assassinato de um jovem trabalhador rural por ocasião de tentativa de fuga o regime de trabalho escravoque estava sendo submetido em uma fazendo no Estado do Pará, em 1989. Considerando que até 1994 não houve punição dos responsávelevaram o caso à Comissão, onde foi solucionado o caso de em acordo amistoso. Houve o pagamento de indenização à vítima e compromisso serem adotadas medidas para a prevenção e combate do trabalho escravo no Brasil. O caso 12066 também revela denúncia de trabalho escraem fazendas no Estado do Pará. O caso 11405 envolve situação de conflito no campo. Sob a acusação de ocupação de terras e defesa dos direitdos demais trabalhadores rurais, cinco trabalhadores foram assassinados e dois sofreram lesões corporais, um foi seqüestrado e pelo menos quatfamílias foram compelidas a fugir. Com a ineficiência do governo em apurar e responsabilizar os violadores, foi levado o caso à Comissinteramericana.

4) Casos de violência policial

Do universo de 78 casos, 34 são relativos a violência policial, todos ocorridos a partir de 1982. Como os casos ainda encontram-se pendentes por isso sob o regime de confidencialidade, na há como tecer comentários mais aprofundados. Cabe notar que os casos foram submetidosComissão Interamericana por organizações não governamentais de direitos humanos. Todos os casos são fundamentados na ConvençAmericana de Direitos Humanos, ratificanda pelo Brasil em 1992. Em todos os 34 casos, os peticionários denunciaram o abuso e a violênc

 policial, que implica o assassinato, sem justificativa, de vítimas inocentes. Denunciam, ainda, a insuficiência de resposta por parte do gover brasileiro, ou mesmo a inexistência de qualquer resposta, em face de punição dos responsáveis pelas violações cometidas. Em todos os casos qdenunciam a violência cometida pela polícia militar o pedido é o mesmo: a condenação do Estado brasileiro a processar e punir os agentresponsáveis pelas violações cometidas, bem como indenizar as vítimas das violações nos casos em que isso ainda não tenha ocorrido.

A impunidade viola o dever de garantir, por completo, o livre exercício do direito afetado. A respeito, decidiu a Corte Interamericana: “seaparato do Estado atua de modo a que uma violação permaneça impune, não restaurando à vítima, a plenitude de seus direitos, pode-se afirmque o Estado está a descumprir o dever de garantir o livre e pleno exercício de direito às pessoas sujeitas à jurisdição. Com respeito à obrigaçde investigar, deve ser assumida pelo Estado como um dever jurídico próprio e não como uma simples gestão de interesses particulares, qudepende da iniciativa processual da vítima ou de seus familiares, sem que a autoridade pública busque efetivamente a verdade”.

Com relação ao direito à justiça e à sistemática impunidade nos casos de violência da polícia militar, assegurada pelo fato de os agentes militarserem julgados por seus pares, no âmbito da Justiça Militar, cabe ressaltar que as pressões internacionais contribuíram para a adoção de L9.299/96 que transferiu para a Justiça Comum a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida cometidos por policiais militareEnfatize-se que a maioria dos casos admitidos pela Comissão Interamericana envolve o assassinato de pessoas inocentes, por vezes adolescenteem virtude do abuso e violência da polícia militar. Nessas situações se reitera a denúncia de inexistência ou insuficiência de medidas adotad

 pelo Brasil no sentido de processar e punir as autoridades policiais responsáveis. Os peticionários querem a condenação do Brasil em razão

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afronta ao direito á vida, à integridade pessoal, às garantias judiciais, assegurados pela Convenção Americana, com o fim da impunidade, paque os responsáveis sejam investigados, processados e punidos.

5) Casos de violação dos direitos de crianças e adolescente

  No que tange aos casos de violação dos direitos de crianças e adolescente, os que merecem relevância cinco casos. O primeiro é o “Candelária”, no qual oito crianças e adolescente foram encontrados mortos nos arredores da Igreja em julho de 1993. A petição alega que responsáveis são policiais militares. O segundo refere-se a solicitação de medidas de proteção à integridade física e à vida de adolesceninternados em três estabelecimentos do Estado do Rio de Janeiro. Apontam como irregularidades a separação dos adolescentes por critério idade, compleição física e gravidade da infração, à superlotação e às condições subumanas a que são submetidos, vítimas de espancamento

maus tratos e violência sexual. Na mesma direção aponta o terceiro caso, diferindo apenas que o estabelecimento é situado em Taubaté, em SPaulo. Nesses casos a Comissão Interamericana solicitou a adoção de medidas cautelares para proteger a vida e a integridade física dadolescentes.

Por fim, os dois últimos são referentes ao caso dos “meninos emasculados no Marahão”, em que crianças e adolescentes têm sido vítimas asassinato, marcado pela violência e abuso sexual, culminando na extração dos órgãos genitais das vítimas, no Estado do Maranhão. No període 1991 a 2001, dezenove meninos, entre nove e catorze anos, foram vítimas dessa grave violação.

6) Casos de Violência contra a Mulher

Dos 78 casos, 3 denunciam a violência contra a mulher, apresentando como fundamento central a violação à Convenção Interamericana paPrevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Desses três casos, dois denunciam a violência por parte de companheiros contramulher, sendo certo que em um culminou com a morte da vítima e o outro teve como conseqüência a paraplegia da vítima. Em ambos os casos autores encontram-se em liberdade, sem terem cumprido qualquer pena. Já o terceiro caso denuncia o assassinato de uma estudante em que s

algoz, em razão de ser deputado estadual e encontrar-se resguardado pela imunidade parlamentar, só poderia ser processado com a prévia licenda Assembléia Legislativa do Estado. Contudo, por duas vezes a licença foi indeferida, o que resultou no envio do caso à Comissão.

Esses casos distinguem-se dos demais por denunciarem um padrão específico de violência que alcança as mulheres. Trata-se da violência baseano gênero, capaz de causar morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, seja na esfera pública seja na esfera privadRecomenda-se, assim, que o domínio do privado não é mais indevassável quando ocorre violação a direitos humanos. Embora esse padrespecífico de violência seja distinto dos demais padrões até o momento estudados (em que os agentes estatais atuam como agentes perpetradona esfera pública), os casos se assemelham aos demais casos na medida em que, do mesmo modo, requerem o combate à impunidade, acentuao dever do Estado investigar, processar e punir os agentes responsáveis.

Além desses três casos, merece menção a denúncia de discriminação contra mãe adotiva e seus respectivos filhos, em face da decisão definiti proferida pelo Supremo Tribunal Federal que negou direito à licença gestante à mãe adotiva.

7) Casos de Discriminação Racial

Só há um único caso de denúncia de discriminação racial contra o Brasil. Refere-se à discriminação racial sofrida por vítima cujo ingresso eemprego foi recusado em virtude de ser negra. Os peticionários requerem que o Brasil seja responsabilizado pela violação do dever de garantirlivre e pleno exercício de direitos dispostos na Convenção Americana, sem qualquer discriminação, bem como pela afronta aos direitosigualdade perante a lei. Requere, ainda, que seja recomendado ao Brasil que proceda investigação na apuração dos fatos, bem como n

 pagamento de indenização à vítima pelos danos sofridos, tornando públicas as providências tomadas para prevenir futuras discriminações.

8) Casos de violência contra defensores dos direitos humanos

Para este trabalho, defensores de direitos humanos são todos os indivíduos, grupos e órgãos da sociedade que promovem e protegem os direithumanos e as liberdades fundamentais universalmente reconhecidas. Destaca-se o assassinato de Gilson Nogueira Carvalho, advogado do Centde Direitos Humanos e Memória Popular de Natal, por grupo de extermínio. Segunda a denúncia, o advogado tinha destacada atuação em defedas vítimas de violência policial e atuava como assistente do Ministério Público nos processos que examinavam possíveis atuações de grupos extermínio no interior da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Norte. Atente-se para o fato de que a Comissão Interamericana, e

 janeiro de 2005, entendeu por encaminhar o caso à Corte.

c) Análise dos casos – limites e possibilidades da advocacia do Direito Internacional dos Direitos Humanos

Para a análise do quadro de ações internacionais, adotar-se-á como critério a demarcação de dois períodos na história política brasileira: o períoconcernente ao regime militar vigente no período de 1964 a 1985, e o outro concernente ao processo de transição democrática, deflagrado a partde 1985. As mudanças ocorridas nesta transição democrática implicaram mudanças na própria advocacia do Direito Internacional dos DireitHumanos, tendo em vista que outros passaram a ser os direitos violados e outros passaram a ser os atores sociais envolvidos.

Se o objetivo é avaliar o modo como a advocacia do Direito Internacional dos Direitos Humanos tem sido exercida no Brasil, primeiramente que se perquirir quais os atores sociais nela envolvidos. De pronto, será analisado quem são os proponentes das denúncias. Considerando-sedemarcação dos dois distintos períodos, observa-se que durante o regime militar, de 1964 a 1985, 90% das comunicações examinadas foraencaminhadas por indivíduos ou grupos de indivíduos. Em um único caso a denúncia foi encaminhada por entidades não governamentais. Já segundo período, relativo ao processo de democratização, 100% dos casos foram encaminhados por entidades não governamentais de defesa ddireitos humanos, de âmbito nacional ou internacional, e, por vezes, pela atuação conjunta dessas entidades.

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Estes dados, por si sós, ilustram a dinâmica da relação entre o processo de democratização do país e a maior articulação e organização sociedade civil. Tanto o processo de liberalização do regime autoritário permitiu o fortalecimento da sociedade civil, quanto as reinvenção sociedade civil contribuiu para o processo de democratização e para a gradativa formação de um regime civil. Também notável é perceber,

 partir da democratização, o importante papel assumido pelas organizações não governamentais no que tange à defesa e proteção dos direithumanos, mediante a advocacia dos instrumentos internacionais de proteção.

Após a análise de quais são os proponentes das denúncias, passa-se a analisar, agora, quais os direitos que são violados segundo essas denúnciaConsiderando o primeiro período, dos dez casos apreciados, nove denunciam a detenção arbitrária e tortura ocorridas durante o regime autoritármilitar, enquanto um caso envolve a violação dos direitos dos povos indígenas. Já no segundo período, dos 68 casos analisados, 34 envolv

violência policial, 13 revelam violência rural, 5 referem-se à violação ao direitos da criança e adolescente, 3 são denúncia contra a mulher, e umenciona violação aos direitos da população indígena, um discriminação racial e mais seis violência contra defensores de direitos humanos.

Dessa estatística, pode-se extrair que no primeiro período, 90% dos casos denunciaram violência policial, já no segundo a violência policial fora50% dos casos. Esses dados comprova que a democratização ocorrida no Brasil foi incapaz de romper em absoluto com as práticas autoritárias regime militar, apresentando como reminiscência um padrão de violência sistemática praticada pela polícia, que não consegue ser controlada peaparelhamento estatal. A diferença da violência policial do primeiro período para a violência policial do segundo, é que no regime militarviolência era perpetrada direita e explicitamente por ação do regime autoritário. Já no período de democratização, a sistemática violência policapresenta-se não mais como uma ação Estatal, mas sim como uma omissão do Estado, por não ser capaz de deter os abusos de seus agentes. Tcomo no regime militar, não se verifica a punição dos responsáveis. A insuficiência ou até mesmo a inexistência de respostas por parte do Estad

 brasileiro é fator que, a configurar o requisito do prévio esgotamento dos recursos internos, enseja a denúncia dessas violações de direitos perana Comissão Interamericana.

Ao dos 34 casos de violência policial no período de democratização, observa-se que os demais 34 casos são violações aos direitos e liberdadfundamentais em face de grupos socialmente vulneráveis, como os povos indígenas, a população negra, as mulheres, as crianças e

adolescentes.Importa destacar que todos os casos apresentados à Comissão Interamericana, seja no primeiro ou no segundo período, referem-se à violação ddireitos civis e/ou políticos, sendo ainda incipiente a apresentação de denúncias atinentes à violação a direitos econômicos, sociais e culturais.

Além de se analisar quem são os proponentes e quais os direitos violados, examinar quem são as vítimas dessas violências. No período do regimautoritário militar, em 90% dos casos as vítimas eram líderes da Igreja Católica, estudantes, líderes de trabalhadores, professores universitárioadvogados, economistas e outros profissionais, todos, em geral, integrantes da classe média brasileira. No segundo período, relativo ao procesde democratização, 87% dos casos examinados, as vítimas podem ser consideradas socialmente pobres, sem qualquer liderança destacada, o qinclui tanto aqueles que viviam como pedreiros, vendedores, ajudantes de obras ou em outras atividades pouco rentáveis no Brasil. Exceçãofeita aos casos de violência contra defensores de direitos humanos e de contra lideranças rurais. Se no período de autoritarismo militar, aquelque eram acusados de oferecer resistência ao regime eram torturados ou arbitrariamente detidos por razões de natureza política, no processo democratização o padrão de conflituosidade se orienta por outro critério. Não mais pelo critério político, mas sim pelo critério econômico, comqual se conjuga um componente sócio-político. Nesse sentido as vítimas, as vítimas, via de regra, não são mais dos setores da classe média, m

 pessoas pores, por vezes excluídas socialmente e integrantes de grupos sociais vulneráveis.

Importante é a observação feita por Álvaro Ribeiro da Costa, para quem “A chamada violência específica – cujas formas mais visíveis podeaparecer como homicídios, lesões corporais, tortura, seqüestros – é a que habitualmente pode chamar mais atenção. No entanto, a violêncestrutural – a que reside na estrutura econômicas, políticas, sociais, culturais, jurídicas – parecer ser a mais perversa e a de maiores efeitos edetrimento dos direitos humanos e da cidadania, por caracterizar-se pela permanência, pela profundidade e extensão de seu alcance”.Pela análise das datas das proposituras das denúncias, verifica-se que a ratificação da Convenção Americana de Direitos Humanos pelo Bratenha estimulado a iniciativa de ações judiciais internacionais, haja vista que, no período de 1970 a 1992, apenas 11 casos foram impetrado cono Brasil. Já no período de 1992 a 2004, foram 67 as proposituras. Dessa análise, constata-se que a ratificação da Convenção Americana foi ufator que, definitivamente, estimulou e propiciou a propositura de ações internacionais junto à Comissão Interamericana.

Mister analisar, agora, o impacto da litigância internacional na mudança no âmbito interno. A título ilustrativo, cabe a demonstração de semudanças ocorridas por influência direta das litigâncias internacionais. I) os casos de violência policial, especialmente as que denunciamimpunidade de crimes praticados por policiais militares, foram fundamentais para a adoção da Lei 9.299/96, que determinou a transferência dcompetência da Justiça Militar para Justiça Comum para julgamento de crimes dolosos contra vida praticados por policiais militares; II) O cado assassinato da estudante por deputado estadual foi de relevante importância para a adoção da Emenda Constitucional 35/2001m que restringe

imunidade parlamentar no Brasil; III) o caso envolvendo a denúncia de discriminação de mãe adotiva e seus respectivos filhos, em face decisão definitiva do STF que negou o direito da mãe adotiva de gozar de licença maternidade, foi essencial para a aprovação da Lei 10.421/200que estendeu o direito á licença maternidade às mães de filhos adotivos; IV) o caso Maria Penha de Maia Fernandes, que culminou condenação do Brasil por violência doméstica, motivou o encaminhamento, pelo Poder Executivo, ao Congresso Nacional de projeto de ltipificando o crime de violência doméstica e sugerindo meios adequados de tramitação nas instâncias judiciais; V) os casos de violência condefensores de direitos humanos contribuíram para a adoção do Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos; e VI)casos envolvendo violência rural e trabalho escravo, contribuíram para a adoção do Programa Nacional para a Erradicação do trabalho Escravo.

Pode-se concluir que o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos oferece importantes estratégias de ação, potencialmente capazde contribuir para o reforço da promoção dos direitos humanos no Brasil. Verificou-se, ainda, que os instrumentos internacionais constiturelevante estratégia de atuação para as organizações não governamentais, nacionais e internacionais, ao adicionar linguagem jurídica ao discurdos direitos humanos. A experiência revela que a ação internacional tem também auxiliado a publicidade das violações de direitos humanos,que oferece o risco do constrangimento político e moral ao estado violador, e, nesse sentido, surge como significado fator para a proteção d

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direitos humanos. Ademais, ao enfrentar a publicidade e a pressão internacional, o Estado é praticamente compelido a apresentar justificativas suas práticas, vindo a contribuir para reformas internas.

Enfim, considerando a experiência brasileira, pode-se afirmar que, com o intenso desenvolvimento das organizações não governamentais, a parde articuladas e competentes estratégias de litigância, os instrumentos internacionais constituem poderoso mecanismos para a promoção defetivo fortalecimento da proteção dos direitos humanos no âmbito nacional.

CAPÍTULO X – ENCERRAMENTO: O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E A REDIFINIÇÃO DCIDADANIA NO BRASIL

 Neste último capítulo, com base em toda a análise desenvolvida, importa examinar a dinâmica da relação entre o processo de internacionalizaçdos direitos humanos e seu impacto e repercussão no processo de redefinição e reconstrução da cidadania no âmbito brasileiro.

Como foi demonstrado, o direito internacional de direitos humanos é um movimento extremamente recente na história, surgindo no pós-guerrcomo resposta às atrocidades cometidas durante o nazismo. Foi um esforço de reconstrução dos direitos humanos. Neste sentido, uma d

 principais preocupações do movimento foi converter os direitos humanos em tema de legítimo interesse da comunidade internacional, o qimplicou os processos de universalização e internacionalização desses interesses. Tais processos levaram à normatização internacional

 proteção aos direitos humanos, de âmbito global e regional, como também de âmbito geral e específico. Adotando a primazia da pessoa humanesses sistemas se complementam, interagindo como sistema nacional, a fim de proporcionar a maior efetividade na tutela e promoção de direitfundamentais. O sistema internacional institui mecanismos de responsabilização acionáveis quando o Estado se mostra falho ou omisso na tarede implementar direitos fundamentais.

Ao acolher o aparato internacional de proteção, bem como as obrigações internacionais dele decorrentes, o Estado passa a aceitarmonitoramento internacional no que se refere ao modo pelo qual os direitos fundamentais são respeitados em seu território, sendo sempre a aç

internacional uma ação suplementar. As transformações decorrentes do movimento de internacionalização dos direitos humanos contribuíraainda, para o processo de democratização do próprio cenário internacional, já que, além do Estado, novos sujeitos de direito passa a participar arena internacional, como os indivíduos e as organizações não governamentais. Na medida em que guardem relação direta com os instrumentinternacionais de direitos humanos – que lhe atribuem direitos fundamentais imediatamente aplicáveis – os indivíduos passam a ser concebidcomo sujeitos de direito internacional. Nessa condição, cabe ao sujeito o acionamento direto de mecanismos internacionais.

Importa salientar que se faz necessário democratizar determinados instituições internacionais, de modo que possam prover um espa participativo mais eficaz, que permita maior atuação de indivíduos e de entidades não governamentais, mediante a legitimação ampliada n procedimentos e instâncias internacionais. Um exemplo é a própria Convenção Americana que não atribui ao indivíduo ou a entidades ngovernamentais a legitimidade para encaminhar casos à apreciação da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

 No Brasil, a incorporação do Direitos Internacional dos Direitos Humanos e de seus importantes instrumentos é conseqüência do processo democratização, iniciado em 1985. Esse processo possibilitou a reinserção do Brasil na arena internacional de proteção dos direitos humancontudo importantes medidas ainda necessitem ser tomadas para o completo alinhamento do país com a plena vigência dos direitos human

 Nesse sentido, constatou-se a dinâmica e a dialética da relação entre democracia e direitos humanos, tendo em vista que, se o processo democratização permitiu a ratificação de relevantes trtados internacionais de direitos humanos, por sua vez, essa ratificação permitiufortalecimento do processo democrático, por meio da ampliação e do reforço do universo de direitos fundamentais por ele assegurados. Atentose, assim, para o modo pelo qual os direitos humanos internacionais inovam a ordem jurídica brasileira, complementando e integrando o elendos direitos internacionalmente consagrados e nele introduzindo novos direitos, até então não previstos pelo ordenamento jurídico interno.

Enfatize-se que a Constituição de 1988, marco jurídico da institucionalização dos direitos humanos e da transição democrática no paineditamente consagrou o primado do respeito aos direitos humanos como paradigma propugnado para a ordem internacional. Esse princípinvoca a abertura da ordem jurídica brasileira aos sistema internacional de proteção dos direitos humanos e, ao mesmo tempo, exige novinterpretação de princípios tradicionais, como a soberania nacional e a não-intervenção, impondo a flexibilização e relativização desses valorSe a prevalência dos direitos humanos é princípio a reger o Brasil no cenário internacional, conclui-se que se admite a concepção de que direitos humanos é tema global para a CF/88. É tema de legítima preocupação e interesse da comunidade internacional.

O Texto democrático inova em relação às demais constituições quando estabelece um regime jurídico diferenciado aplicável aos tratadinternacionais de direitos humanos. Por força do art. 5º, § 2º da CF, todos os tratados internacionais de direitos humanos, independentemente

quorum de sua aprovação, são materialmente constitucionais, compondo o bloco de constitucionalidade. O quorum qualificado introduzido pelo3º do mesmo artigo (fruto da Emenda Constitucional nº 45/2004), ao reforçar a natureza constitucional dos tratados de direitos humanos, vemadicionar um lastro formalmente constitucional aos tratados ratificados, propiciando a “constitucionalização formal” dos tratados de direihumanos no âmbito jurídico interno. Nesta hipótese, os tratados internacionais de direitos humanos formalmente constitucionais são equiparadàs emendas à Constituição, isto é, passam a integrar o Texto Constitucional. Conclui-se, que a Constituição de 1988 acolheu um sistema mistque combina regimes jurídicos diferenciados: um aplicável aos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos e outro aplicável atratados internacionais tradicionais.

A conclusão da existência desse sistema diferenciado em relação aos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos é umconseqüência de uma interpretação axiológica e sistemática da própria Constituição, especialmente em face da força expansiva dos valores dignidade humana e dos direitos fundamentais, como parâmetros axiológicos a orientar a compensação do fenômeno constitucional. Com eraciocínio se conjuga o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, particularmente das normas concernentes a direitogarantias fundamentais, que hão de alcançar a maior carga de efetividade possível. Já em favor da natureza constitucional dos direitos enunciadnos tratados internacionais, adicione-se também o fato de o processo de globalização ter implicado a abertura da Constituição à normatizaç

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internacional. Tal abertura acarreta a incorporação de preceitos ao bloco de constitucionalidade. Em suma, todos esses argumentos se reúnem sentido de endossar o regime constitucional privilegiado, conferido aos tratados de proteção de direitos humanos.

Quanto ao impacto jurídico do Direito Internacional dos Direitos Humanos no Direito brasileiro, acrescente-se que os direitos internacionais, pforça do princípio da norma mais favorável à vítima, que assegura a prevalência da norma que melhor e mais eficazmente proteja os direihumanos, apenas vêm a aprimorara e fortalecer, jamais a restringir ou deliberar, o grau de proteção dos direitos consagrados no plano normaticonstitucional. A sistemática internacional de proteção vem, ainda, a permitir a tutela, a supervisão e o monitoramento de direitos por organisminternacionais.

Em relação à advocacia dos Direitos Internacional dos Direitos Humanos, embora seja incipiente no Brasil, tem sido capaz de propor relevan

ações internacionais, invocando a atenção da comunidade internacional para a fiscalização e o controle de graves casos de violação de direihumanos. No momento em que tais violações são submetidas à arena internacional, elas se tornam mais visíveis, salientes e públicas. Diante  publicidade casos de violação de direitos humanos e de pressões internacionais, o Estado se vê “compelido” a prover justificativas, o que tendeimplicar alterações na própria prática do Estado em relação aos direitos humanos, permitindo, por vezes, um sensível avanço na forma pela qutais direitos são nacionalmente respeitados e implementados. A ação internacional constitui, portanto, importante estratégia para o fortalecimenda sistemática de implementação dos direitos humanos.

Em razão da sistemática de monitoramento internacional e do extenso universo de direitos que assegura, o Direito Internacional de DireitHumanos vem a instaurar o processo de redefinição do próprio conceito de cidadania no âmbito brasileiro. O conceito de cidadania se vê, assiampliado, na medida em que passa a incluir não apenas direitos previstos no plano nacional, mas também direitos internacionalmente anunciadA sistemática internacional de accountability vem ainda a integrar esse conceito renovado de cidadania tendo em vista que às garantias nacionasão adicionadas garantias de natureza internacional. Hoje se pode afirmar que a realização plena e não apenas parcial dos direitos da cidadaenvolve o exercício efetivo e amplo dos direitos humanos, nacional e internacional assegurados.