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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
THIAGO ANTONIO SOARES PINTO
DIREITO DO TRABALHO E DIREITO DO TERCEIRO SETOR:VÍNCULO DE EMPREGO E VOLUNTARIADO
CURITIBA2013
UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
THIAGO ANTONIO SOARES PINTO
DIREITO DO TRABALHO E DIREITO DO TERCEIRO SETOR:VÍNCULO DE EMPREGO E VOLUNTARIADO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.Orientador: Msc. Luis Eduardo Muñoz Soto
CURITIBA2013
TERMO DE APROVAÇÃO
THIAGO ANTONIO SOARES PINTO
DIREITO DO TRABALHO E DIREITO DO TERCEIRO SETOR:VÍNCULO DE EMPREGO E VOLUNTARIADO
Essa monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, 22 de Novembro de 2013.
___________________________________________________Bacharelado em Direito
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador: Professor Msc. Luis Eduardo Muñoz Soto Universidade Tuiuti do Paraná Faculdade de Ciências Jurídicas
Prof. Jefferson Grey Sant’Anna Universidade Tuiuti do Paraná Faculdade de Ciências Jurídicas
Prof. Helena Rocha Universidade Tuiuti do Paraná Faculdade de Ciências Jurídicas
DEDICATÓRIA
Todo o empenho deste trabalho eu dedico, humildemente, às entidades do Terceiro
Setor que atuam na promoção dos direitos sociais em nosso país e contam com o
apoio de milhares de voluntários que colaboram enormemente para a realização de
suas atividades. Espero que esta pesquisa contribua, ainda que minimamente, para
estimular, fomentar e desenvolver a ação voluntária, especialmente entre as
entidades sociais, fortalecendo o Terceiro Setor e a sociedade brasileira.
AGRADECIMENTOS
Inicialmente, agradeço ao meu orientador, professor Muñoz que, compreendendo a
pertinência da proposta, aceitou conduzir-me neste caminho. Ao amigo, Doutor
Leandro Marins de Souza, advogado especialista em Terceiro Setor, por ter colocado
à minha disposição sua biblioteca particular com inúmeras obras acerca do tema. Ao
eterno amigo Rennan Stelle pela força e estímulo indispensáveis à superação de
mais esta etapa de minha vida acadêmica.
O apoio dos amigos é imprescindível para qualquer conquista e, para mim, foi
gratificante contar com o carinho, compreensão, sensibilidade e parceria de todos
aqueles que, de algum modo, somaram-se nesta minha caminhada.
Eis as palavras do poeta João Cabral de Melo Neto, as quais reproduzo com
absoluto respeito e admiração, pois representam o que penso em relação à parceria
que mencionei acima mas, especialmente, por significarem a essência do Terceiro
Setor e do voluntariado: as relações, metaforicamente chamadas pelo poeta de
gritos de galo:
“Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos...”
João Cabral de Melo Neto
“Não é preciso pedir licença a ninguém para ser voluntário. Cada um pode olhar em volta, identificar problemas, ter ideias, se juntar a outros, inventar novas formas de ação”.
“O voluntariado é a manifestação viva da sociedade, que tem a responsabilidade de apresentar exemplos e exigir políticas sociais mais adequadas”.
Ruth Cardoso
RESUMO
Este trabalho propõem-se à análise dos requisitos necessários ao reconhecimento do vínculo de emprego, tal qual disposto nos artigos 2.º e 3.º da CLT, bem como dos elementos caracterizadores do serviço voluntário, descritos no artigo 1.º da Lei 9.608/98, estabelecendo um paralelo entre eles, de modo a identificar um linear que os separe, proporcionando um campo de segurança jurídica para as entidades integrantes do Terceiro Setor no estabelecimento das relações de voluntariado. Isto porque, apesar de a Lei do Voluntariado (9.608/98) definir que as relações de serviço voluntário não geram vínculo de emprego, tampouco obrigações de natureza previdenciária, trabalhista ou afins, o Poder Judiciário reconheceu, não raras vezes, a relação de emprego onde, ao menos em tese, dever-se-ia encontrar uma relação de voluntariado. Neste sentido, iniciou-se este estudo por um breve resgate histórico do Trabalho, do Direito do Trabalho, especialmente no Brasil, do Terceiro Setor e do Voluntariado, caracterizando o cenário no qual se inseriu a pesquisa e proporcionando ao leitor um ponto de observação para o tema. Ademais, passou-se à análise dos requisitos da relação de emprego e dos elementos do voluntariado encontrando os pontos em comum e buscando um marco divisor entre a vinculação empregatícia e o serviço voluntário. Dentre os resultados encontrados, o mais evidente foi a veemente necessidade de afastar das relações de voluntariado o requisito da onerosidade, visto ser diametralmente oposto à essência do trabalho voluntário. Mas, evidente, a relação estabelecida precisa atender aos ditames do artigo 1.º da Lei 9.608/98, sob pena de caracterizar qualquer outra coisa, menos voluntariado.
Palavras-chave: Vínculo de emprego; direito do trabalho; direito do terceiro setor e voluntariado.
ABSTRACT
This work aims to assess the requirements for the acknowledgment of the employment bond, in conformity with the 2nd and 3rd Articles of the Labor Law, as well as the elements that define volunteer work, described under the 1st article of the Law No. 9.608/98, establishing comparisons and identifying a segregating line between them, providing a legal framework to the entities that make up the Third Sector on their volunteer relations establishments. The reasoning behind this is that, although the Volunteer Work Law (9.608/98) establishes that volunteering does not create an employment bond, neither creates social security commitments, nor similar bonds, the Judiciary Power recognized, on a couple of cases, that relations that should have a volunteer character, were in fact employment relations. In this sense, this study was set in motion with a brief reconstruction of the history of labor, labor laws, of the Third Sector and Volunteering focusing on Brazil, providing a context on this subject, and providing the reader an observation point on this theme. Besides, an analysis of the requirements of the employment relations and volunteering traits has been set in place to identify common grounds and search for a dividing line between employment bonds and the volunteer service. Among found results, the most evident one was the need to deflect any kind of wages from volunteer work, given that remuneration represents the very opposite of volunteering. However, the established relationship needs to be in conformity with the 1st Article of the Law No. 9608/98, under the risk of being branded as anything other than volunteering.
Keywords: Employment bond; Labor Law; Third Sector Laws; Volunteering.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 08
2 ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS 14
2.1 TRABALHO E VÍNCULO DE EMPREGO 14
2.2 TERCEIRO SETOR E VOLUNTARIADO 17
2.2.1 Terceiro Setor: um conceito 17
2.2.2 Elementos Históricos Relevantes 19
3 VÍNCULO DE EMPREGO x VOLUNTARIADO 22
3.1 REQUISITOS DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO 22
3.2 REQUISITOS DO TRABALHO VOLUNTÁRIO 31
4 CONCLUSÃO 43
REFERÊNCIAS 45
ANEXOS 51
ANEXO A - DECLARACIÓN UNIVERSAL SOBRE EL VOLUNTARIADO 51
ANEXO B - RESOLUÇÃO DA ONU 55
1 INTRODUÇÃO
As organizações não governamentais, juridicamente estruturadas como
Associações ou Fundações (art. 44, inc. I e III, Código Civil Brasileiro), compõem o
chamado Terceiro Setor e representam importante elemento no cenário econômico e
social brasileiro, haja vista sua forte identidade local com comunidades e grupos e
sua alta demanda por consumo e serviços para ofertar benefícios aos públicos
atendidos. Mas o que é Terceiro Setor? Em sua tese de doutoramento, Leandro
Marins de Souza trás uma assertiva bastante proeminente na esteira da proposta
aqui ensejada:
O termo Terceiro Setor faz alusão, necessariamente, à existência de dois setores que lhe sejam antecedentes. Expressão importada do cenário sociológico norte-americano [...] pressupõe o Estado como primeiro setor e o mercado como segundo setor... (SOUZA, 2010, p. 60).
Souza reúne em sua tese as palavras de Simone de Castro Tavares Coelho,
a qual define Terceiro Setor
como aquele em que as atividades não seriam nem coercitivas nem voltadas para o lucro. Além disso [...] suas atividades visam ao atendimento de necessidades coletivas e, muitas vezes, públicas. (...) Genericamente, a literatura agrupa nessas denominações todas as organizações privadas, sem fins lucrativos, e que visam à produção de um bem coletivo. (...) Portanto, essa característica [de “prestação de serviço público”] deve vir sempre casada com outras duas: serem privadas, o que as difere das instituições governamentais; e sem fins lucrativos, o que as diferencia das empresas inseridas no mercado... (COELHO, 2000,p. 40, 58, 60 e 69 apud SOUZA, 2010, p. 61 e 62).
É fato que há quem se oponha a esta denominação - Terceiro Setor - por
entender que suas ações remontam a muito antes do Mercado e do próprio Estado,
como se lê em Souza: “outros [...] criticam a utilização do termo por entenderem que
historicamente as ações que fazem parte do Terceiro Setor, localizando-se no seio
da sociedade civil, são anteriores aos próprios conceitos de Estado e mercado
(SOUZA, 2010, p. 60)”.
Independentemente de a terminologia ser a mais adequada, ou não,
entendendo o Terceiro Setor como aquele que congrega as organizações da
sociedade civil, cumpre destacar sua importância para a sociedade e o motivo pelo
qual tem sido tão estudado. Neste sentido, em sua obra sobre os aspectos
8
tributários do Terceiro Setor, Souza, situando-nos acerca da relevância deste
segmento, afirma que “o Terceiro Setor [...] é realidade que na prática tem se
consolidado mundialmente; é fenômeno que se espraia no contexto mundial e
adquire dimensões impressionantes (2004, p. 16)”. Neste contexto, Maria José Reis
Pontoni, no capítulo de sua autoria na obra Direito do Terceiro Setor organizada por
Gustavo Justino de Oliveira, reforçando a essencialidade deste segmento, diz:
O Terceiro Setor é de suma importância para qualquer sociedade que se preocupe com o desenvolvimento social através da erradicação da pobreza e da marginalização, da redução das desigualdades sociais e regionais e da promoção do bem de todos e com a consolidação de valores democráticos, construindo uma sociedade livre, justa e solidária, buscando vida digna para todos (PONTONI, 2008, pg. 57)
Apesar desta abrangência e importância, o Terceiro Setor ainda não
encontra um diploma legal que reúna suas características e regulamente sua
atuação, de modo que inúmeras dificuldades apresentam-se diante desta omissão.
É verdade que já surge, ao menos no âmbito acadêmico e de forma ainda incipiente,
um ramo do direito que se vem chamando de Direito do Terceiro Setor, no qual se
destacam, especialmente, as relações tributárias das entidades sociais. Contudo,
pouco se tem no campo da responsabilidade civil e do Direito do Trabalho. Este
último de interesse nesta pesquisa, pois, segundo dados do IBGE (2008), o Terceiro
Setor emprega 1,8 milhão de pessoas em todo o país e movimenta mais R$5 bilhões
por mês com pagamento de salários. São os empregados que mantém o
funcionamento das organizações e garantem a continuidade e efetividade de suas
ações e não restam dúvidas de que as relações empregatícias no Terceiro Setor
estão reguladas pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.
Todavia, não são apenas os funcionários que importam na consecução das
atividades destas entidades, pois muitas de suas ações são desempenhadas por
pessoas que contribuem de maneira significativa para o cumprimento de sua
missão, mas que não figuram no livro de registro de empregados: são os voluntários.
Conforme destaca Múcio Moraes em sua análise, “o voluntário [...] da mesma
maneira que no contrato de trabalho, presta serviços que vão ser dirigidos por
aquele que assumirá as responsabilidades pelos resultados da atividade1”.
9
1 Lei do Voluntariado X CLT. Texto extraído do sítio http://www.muciomorais.com/artigo16.html em 15 de maio de 2013.
E se chamam a atenção os números quanto à participação do Terceiro Setor
no âmbito das contratações e relações econômicas, são ainda mais impressionantes
os dados relativos ao voluntariado ao redor do mundo, conforme se pode observar
no artigo de Lester Salamon, S. Wojciech e Megan A. Haddock, publicado na Revista
de Direito do Terceiro Setor em 2007:
Em um ano típico, aproximadamente 1 bilhão de pessoas ao redor do mundo trabalham como voluntários em organizações públicas, lucrativas e sem fins lucrativos, ou diretamente para amigos e vizinhos, o que tornaria a “Terra do Voluntariado”, caso esta fosse um país, a segunda maior população do mundo, atrás apenas da China (RDTS, 2007).
É possível crer que o gigantismo do voluntariado se deva à sensibilidade
humana para a causa da transformação social, mas, sem dúvida, também se funda
em sua imprescindibilidade para o alcance da missão de uma entidade do Terceiro
Setor. São estas pessoas que, imbuídas de um sentimento cívico, religioso ou
apenas decididas a colaborar com o crescimento, desenvolvimento e transformação
social, disponibilizam seus conhecimentos e suas habilidades em prol de interesses
coletivos. Neste mesmo sentido:
[...] voluntariado é essencial ao funcionamento da democracia, pois mobiliza uma enorme energia. Quanto mais os cidadãos se envolvem como voluntários em todas as áreas, mais próximos estão em cumprir com os ideais da democracia [tradução do autor2] (ELLIS, NOYES, 1990, apud HODGKINSON, 2003).
A Associação Internacional pelo Esforço Voluntário [tradução literal do autor3]
[IAVE], na abertura de sua Declaração Universal sobre o Voluntariado, adotada em
Janeiro de 2001, na Holanda, afirma que “o voluntariado é um elemento chave para
a sociedade civil. Dá vida às aspirações mais nobres da humanidade [tradução do
autor4].
Importante salientar que, embora o Terceiro Setor venha caminhando para
um nível administrativo cada vez mais profissional, a atividade voluntária permanece
10
2 [...] volunteerism is crucial to a functioning democracy because it mobilizes enormous energy. The more citizens involve themselves as volunteers in all areas, the closer they come to making the ideals of democracy real.
3 International Association for Volunteer Effort [IAVE].
4 El voluntariado es un elemento clave de la sociedad civil. Le da vida a las aspiraciones más nobles de la humanidad... Documento integral em anexo.
sendo essencial para sua manutenção e desenvolvimento. É o que ensinam James
J. Fishman e Stephen Schwarz (2000):
Embora muitas instituições criadas por voluntários, atualmente estão sendo geridas e administradas por profissionais pagos, elas ainda dependem do serviço e da liderança de voluntários. Por exemplo, enquanto os hospitais e as escolas agora dependam predominantemente de funcionários pagos, eles também dependem de voluntários servindo de diversas maneiras, desde doceiros [para entreter crianças] e tutores, até membros do conselho diretor e curadores. [tradução do autor5].
Mas compreender o sentido desta temática - voluntariado - é tarefa
exaustiva. Vários são os conceitos que definem a figura do voluntário. Sérgio Pinto
Martins trás à tona o conceito do Programa Voluntários: “voluntário é o cidadão que,
motivado pelos valores de participação e solidariedade, doa seu tempo, trabalho e
talento, de maneira espontânea e não remunerada, para causas de interesse social
e comunitário (2003, p. 109). Já o Centro de Ação Voluntária de Curitiba ensina em
sua palestra informativa semanal que “voluntário é o indivíduo que, levado pela sua
vontade, assume livremente uma atitude responsável, criativa, comprometida,
prazerosa e transformadora perante o mundo6”. Para Pierluigi Consorti, o
voluntariado é um fenômeno social típico de qualquer sociedade ocidental evoluída.
Ele afirma que
o voluntariado, na verdade, baseia-se principalmente na opção ética do voluntário, que se transformou para expandir a sua personalidade em uma trama de relações mais complexas e atividades sociais entrelaçadas com o espírito de solidariedade [tradução do autor]7 (CONSORTI, 2005, p. 17)
Estes voluntários tanto podem ocupar posições diretivas, (diretores,
conselheiros, coordenações, etc.), como podem atuar em funções operacionais
como instrução de cursos, elaboração de projetos ou atividades finalísticas de um
11
5 Although many institutions created by volunteers are now managed and staffed by paid professionals, they still depend on volunteer service and volunteer leadership. For example, while hospitals and schools now rely predominately on paid staff, these institutions also depend on volunteers serving in various capacities, from candy stripers and tutors to board members and trustees.
6 Calendário de palestras disponível em: <http://www.acaovoluntaria.org.br/index.php?area=noticia&id=22>.
7 Il volontariato, infatti, si fonda soprattutto sulla opzione etica del singolo volontario, che è mosso ad espandere la propria personalità in una trama più complessa di rapporti e attività sociali intessuti dallo spirito di solidarietá.
modo geral. No contexto jurídico, estão submetidos aos dispositivos dos Estatutos
Sociais das entidades às quais se vinculam, bem como à Lei 9.608 de 18 de
Fevereiro de 1998, chamada Lei do Voluntariado que, em 5 artigos, inseriu na
legislação brasileira o vocábulo “voluntário” com o significado que interessa a este
ensaio. Contudo, apesar da existência da lei 9608/98, as relações sociais entre
voluntários e organizações não estão totalmente guardadas pela legislação,
restando enormes vazios entre os dispositivos legais e as situações reais vividas por
gestores, entidades e voluntários.
Em função da ausência de normativas que regulem com clareza e eficiência
estas relações, muitas organizações viram-se diante de reclamatórias trabalhistas
movidas por indivíduos que se ofereceram como voluntários mas que, ao final das
relações sociais, entenderam-se no direito de reclamar benefícios trabalhistas,
iniciando pelo próprio reconhecimento do vínculo empregatício, seja por que, de fato,
desempenharam funções de empregado, seja porque não compreenderam seu
papel na instituição ou porque, ao término da relação, ressentiram-se por qualquer
razão e optaram por demandar judicialmente contra a entidade como forma de
retaliá-la ou de buscar a justiça que acreditaram ser-lhes devida.
O autor Josenir Teixeira que, em sua obra O Terceiro Setor em perspectiva:
da estrutura à função social, abordou com grande profundidade as relações jurídicas
atinentes ao Terceiro Setor, denota-nos a relevância do estudo em comento:
É neste contexto de insegurança jurídica e de indecisão legal quanto à melhor forma de relacionamento entre o Estado e a sociedade civil organizada que estudaremos, do ponto de vista técnico jurídico, a função social desempenhada pelas entidades do Terceiro Setor (TEIXEIRA, 2011).
Ou mesmo no trecho seguinte:
A problemática jurídica reside na dificuldade encontrada, na prática, de aplicação das normas, conceitos e princípios de outros ramos do Direito em questões que dizem respeito especificamente ao Terceiro Setor, o que, não raro, gera equívocos (TEIXEIRA, 2011).
Quando o conflito destacado por Teixeira alcança a seara do Trabalho, cabe
à Justiça Federal do Trabalho resolver a contenda, vez que esta é a competência
firmada pelo artigo 114 da Constituição Federal de 1988:
12
Art. 114: Compete à Justiça do Trabalho, processar e julgar:I - as ações oriundas da relação de trabalho, ... (CF/88).
Sendo o serviço voluntário uma relação de trabalho, é natural que a possível
discussão acerca do reconhecimento do vínculo de emprego numa relação de
voluntariado seja apreciada e julgada pela Justiça Trabalhista. Neste sentido, o
julgado:
SERVIÇO VOLUNTÁRIO. RELAÇÃO DE TRABALHO. COMPETÊNCIA. Com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, a Justiça do Trabalho passou a ter competência para apreciar controvérsias decorrentes de outras relações de trabalho, e não apenas as de trabalho subordinado, ditas de emprego8.
Desta forma, a presente análise busca levantar as características próprias
do vínculo empregatício e do voluntariado para, ao final, inferir um linear capaz de
afastar o reconhecimento do vínculo de emprego nas atividades do trabalho
voluntário, estabelecendo um campo seguro de atuação das entidades do Terceiro
Setor com indivíduos voluntários, fortalecendo esta prática para contribuir com seu
desenvolvimento institucional e somar na transformação social de nosso país.
13
8 Recurso Ordinário 01065001120095010491, Relator (a): Desembargadora do Trabalho Elma Pereira de Melo Carvalho. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA do Tribunal Regional do Trabalho 1.ª Região. Publicação: 30/06/2011.
2 ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS
2.1 TRABALHO E VÍNCULO DE EMPREGO
Veja-se que o trabalho existiu na cultura humana desde o princípio, seja para
o sustento, seja para acumular e proteger-se ou para promover seu próprio
desenvolvimento. Assim nos ensina a Dra. Vólia Bomfim Cassar:
O trabalho sempre foi exercido pelo homem. Na antiguidade, o homem trabalhava para alimentar-se, defender-se, abrigar-se e para construir instrumentos. A formação de tribos propiciou o início das lutas pelo poder e domínio. Os perdedores tornavam-se prisioneiros e, como tais, eram mortos e comidos. Alguns passaram à condição de escravos, executando serviços mais penosos (CASSAR, 2013, p. 4).
Nos primórdios o trabalho existia em sua concepção mais árdua, aplicando-
se como tortura ou punição aos perdedores de uma batalha, por exemplo. Não era
digno trabalhar, mas o era acumular capital sem esforço. O trabalho ficava para os
mais fracos. É o que se lê no Tomo I de Direito do Trabalho:
O trabalho na antiguidade [...] representava punição, submissão, em que os trabalhadores eram os povos vencidos nas batalhas, os quais eram escravizados. O trabalho não era dignificante para o homem. A escravidão era tida como coisa justa e necessária. Para ser culto, era necessário ser rico e ocioso (JORGE NETO, CAVALCANTE, 2008, p. 3).
O caminhar histórico, as manifestações, revoluções e a própria percepção
humana levaram o trabalho a uma nova condição. Se antes ele era penoso e
vergonhoso, hoje é condição de cidadania e carrega um significado de muito valor:
Do ponto de vista histórico e etimológico, a palavra “trabalho” decorre de algo desagradável: dor, castigo, sofrimento, tortura. O termo trabalho tem origem no latim - tripalium, espécie de instrumento de tortura [...]. Se no passado o trabalho tinha conotação de tortura, atualmente significa toda energia física ou intelectual empregada pelo homem com finalidade produtiva [sem grifos no original] (CASSAR, 2013, p. 1).
Sabrina Zein, destacando o entendimento de Amauri Nascimento, ensina
que a gênese do emprego é anterior à Revolução Industrial, pois com a edição da
Lei de Chapelier advinda da Revolução Francesa, constitui-se um “marco para o
surgimento da primeira forma de relação de emprego”:
14
Destruídas as corporações de ofício, para que os empregados e empregadores pudessem pactuar diretamente os acordos trabalhistas e fixar as condições de trabalho sem qualquer interferência exterior, surgiu a locação de serviços. Foi a primeira forma jurídica de relação trabalhista. Consistia no respeito total à liberdade volitiva do trabalhador e do empregador, que se obrigavam um, a prestar serviços e, o outro, a pagar salários... (NASCIMENTO, A., 2001, p. 345, apud, ZEIN, in Rev. TRT - 9ª R).
Zein destaca que com a Revolução Industrial o “desenvolvimento do trabalho
alcançou o seu ápice [...] e transformou o trabalho em emprego” (2006).
No mesmo sentido, Aimoré Woleck9 afirma que o emprego “é fenômeno da
Modernidade”. Segundo o autor, no período anterior à industrialização, “antes que as
fábricas transformassem o trabalho em rotina”, era natural o trabalho, árduo
inclusive, mas antes do Século XIX, “as pessoas não tinham empregos [como
entendido hoje]; faziam serviços na forma de um fluxo constantemente mutante de
tarefas”. O autor ainda assevera que com a Revolução Industrial começa a surgir um
“tímido Direito do Trabalho”.
Sérgio Pinto Martins, em seu Curso de Direito do Trabalho, explica que nas
corporações de ofício, o trabalho era exercido por “três personagens: os mestres, os
companheiros e os aprendizes”. Os mestres, segue ele, “eram os proprietários das
oficinas [...]. Os companheiros eram trabalhadores que percebiam salários dos
mestres. Os aprendizes eram os menores a partir de 12 ou 14 anos que recebiam
dos mestres o ensino metódico do ofício ou profissão (2009, p. 9)”. Pela explicação,
mostra-se que uma modalidade similar à de emprego nos moldes atuais era a de
companheiro nas corporações de ofícios. Martins avança ensinando que à época, a
jornada de trabalho poderia chegar a “18 horas no verão, terminando geralmente
com o pôr-do-sol, pois não havia luz para continuar o trabalho”.
Ives Gandra Martins Filho (1994, p. 3), ressaltando a importância das
corporações de ofício, afirma que é com elas que “o movimento em defesa do
trabalhador tem sua origem mais remota”. Segundo ele, a Revolução Industrial
trouxe consigo o estopim das questões sociais atinentes ao trabalho, oriundas de um
“liberalismo econômico exacerbado”. Neste contexto, Orlando Gomes e Elson
Gottschalk destacam que à Revolução Industrial está vinculada a origem histórica do
Direito do Trabalho que surge, ainda incipiente, na forma de regramentos que se
15
9 Artigo O trabalho, a ocupação e o emprego, disponível em <http://www.iesc.ufrj.br/cursos/saudetrab/trabalho%20ocupa%E7%E3o.pdf>. Acesso em 03 out 2013.
apresentaram, inicialmente como um “Direito Coletivo impulsionado pela consciência
de classe e, em seguida, um Direito Individual do Trabalho (2008, p. 3)”.
No Brasil, a transformação da relação pura de trabalho em uma relação de
emprego teve origem com a Lei Áurea, consoante leciona Maurício Godinho
Delgado pois, com ela,
“eliminou[-se] da ordem sociojurídica [a] relação de produção incompatível com o ramo justrabalhista (a escravidão), como, em consequência, estimulou a incorporação pela prática social da fórmula então revolucionária de utilização da força de trabalho: a relação de emprego [grifo meu] (DELGADO, 2009, p. 99).
Se a Lei Áurea estimulou a incorporação da relação de emprego na prática
social brasileira, é certo que esta nova concepção de trabalho ganha reflexo jurídico
a partir da década de 1930. Segundo José Rodrigues Pinto, a Revolução de 30
trazia consigo um movimento de transformação do país, incluindo um olhar
cuidadoso sobre as questões trabalhistas. Para Jorge Neto e Cavalcante, a
Revolução “inicia a fase da oficialização do Direito do Trabalho (2008, p. 31)”. O
próximo passo para sedimentar a positivação dos direitos trabalhistas e para
determinar a garantia dos direitos atinentes às relações de trabalho foi dado em
1943 com a Consolidação das Leis do Trabalho, conhecida como CLT.
Mas resta inequívoco que é com a Carta Política de 1988 que o trabalho
ganha acento como uma atividade produtiva, importante para a economia e para o
desenvolvimento pessoal e social do indivíduo. Para José Pinto, a “Constituição de
1988 [é] a abertura de mais um ciclo evolutivo cujas características próprias são
facilmente detectáveis (2007, p. 52)”. Justifica apontando como expressão desta
opinião a “parte coletiva dos direitos sociais”, na qual surgem novas perspectivas
que levam o país ao patamar legislativo de nações desenvolvidas no quesito ‘direito
de trabalho’, especialmente o Direito Coletivo de Trabalho. Nascimento afirma, por
outro lado, que a Carta de 1988 “valorizou o direito coletivo com a proibição da
interferência do Poder Público na organização sindical”. Jorge Neto e Cavalcante
ainda destacam que a Constituição estabeleceu como fundamentos do Estado
Democrático brasileiro (art. 170) “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.
Neste contexto, embora o voluntariado não seja mencionado na história do
trabalho (e do Direito do Trabalho), é possível depreender dos elementos supra
relacionados que esta nova interpretação da relação de trabalho e suas garantias
16
jurídicas contribuiu com a sedimentação e ascensão do trabalho voluntário como
prática cívica. Ora, se na antiguidade o trabalho era sinônimo de tortura, por que
alguém trabalharia por livre e espontânea vontade? Todavia, ao passo em que esta
concepção se altera e o trabalho passa a ser encarado pela sociedade como
dignificante, parece prudente estabelecer nesta mudança conceitual a gênese do
voluntariado (ou, pelo menos, o terreno fértil para tal).
2.2 TERCEIRO SETOR E VOLUNTARIADO
2.2.1 Terceiro Setor: um conceito.
Para entender e compreender este Terceiro Setor, importante se faz
compreender a natureza das instituições que o compõe. São, pois, as chamadas
organizações da sociedade civil, aquelas formadas pela reunião de pessoas (ou
bens, a depender do regime jurídico adotado) para o alcance de um objetivo comum.
E o conceito é tão genérico quanto parece ser. José Eduardo Sabo Paes, citando
Ruben César Fernandes, afirma que “o Terceiro Setor é formado de entidades
privadas, porém com finalidade pública (PAES, 2013)”. Parece acertivo dizer que o
Terceiro Setor promove a articulação entre a Sociedade Civil, o Mercado e o Estado,
atuando em paralelo a este para complementá-lo, subsidiá-lo ou, até mesmo, suprí-
lo, se necessário, e estimulando aquele a cumprir com sua função social. Nesta linha
segue Camargos, ao afirmar que “o Estado não tem condições de arcar com a toda
prestação direta de serviços de interesse coletivo, que podem ser executados por
outros sujeitos (2008, p. 3)”. Camargos vai além, enfatizando que a Constituição
Federal de 1988 afirma que “é dever do Estado garantir diversos direitos sociais e
não, necessariamente, prestar o atendimento diretamente [grifo meu] (2008, p. 4)”.
Paes ainda complementa o diversificado rol de características atinentes ao
Terceiro Setor, afirmando que suas entidades devem ter por objetivos “o atendimento
de alguma necessidade social ou a defesa de direitos difusos ou emergentes
(2013)”. E destaca mais adiante que não há, ainda, “no âmbito do ordenamento
jurídico brasileiro, uma definição exata em lei do que seja esse setor, de que se
compõe e em que áreas atua (2013)”.
Oportuno, ainda, o entendimento de Josenir Teixeira sobre o conceito do
Terceiro Setor:
17
O Terceiro Setor, formado por tais entidades [da sociedade civil], não é público nem privado. Ele é uma mescla do Primeiro Setor (representado pelo Estado) com o Segundo Setor (composto pelas entidades que atuam no mercado, com objetivo de lucro), pois sua atuação consiste na realização de atividades públicas por pessoas jurídicas privadas (TEIXEIRA, 2011).
Esclarecedora, também, a conceituação de Paes:
Podemos, assim, conceituar o Terceiro Setor como o conjunto de organismos, organizações ou instituições sem fins lucrativos dotados de autonomia e administração própria que apresentam como função e objetivo principal atuar voluntariamente junto à sociedade civil visando seu aperfeiçoamento (PAES, 2013, p. 87).
Cabe mencionar que Teixeira assevera não ser admissível neste conceito
entidades que, embora sem fins lucrativos, atuam de modo “segmentado”,
atendendo não a um interesse eminentemente difuso, mas específico de uma classe
ou categoria.
O Terceiro Setor é o espaço expoente (mas não exclusivo) para a ação dos
voluntários, haja visto concentrar em sua seara as entidades privadas sem fins
lucrativos a que alude a Lei 9.608/98. Não exclusivo, pois também os órgãos e entes
governamentais podem receber o voluntariado, ainda que estes não sejam tão
atrativos quanto aqueles. Salamon destaca a participação conjunta de voluntários e
governo na cultura social americana:
Cidadãos, tanto quanto o Governo, foram responsáveis pela construção de suas comunidades. [...] Apesar do crescente papel do Governo Federal na assistência social, doações particulares e o voluntariado mantiveram uma parte vibrante da cultura americana. No final do Século XX, voluntariado e ações individuais são maiores do que nunca, em grande parte devido ao crescimento da gestão organizada dos voluntários [tradução do autor10] (SALAMON, 2003, p. 387).
Buscando uma classificação jurídica para o Terceiro Setor, revelam-se as
palavras de Fernando Borges Mânica, em artigo escrito à obra Direito do Terceiro
Setor: Atualidades e Perspectivas: “o Terceiro Setor é tradicionalmente entendido
como a área dentro da qual se encontram todas as entidades que não fazem parte
18
10 Citizens as much as government were responsible for building their communities. [...] Despite the increasing role of the federal government in social welfare, private giving and volunteering have remained a vibrant part of American culture. At the close of the twentieth century, volunteering and individual giving are higher than they have ever been, in large part due to the growth of organized management of volunteers.
do Estado e do mercado (2006, p. 18)”. As entidades que compõem este setor,
devem ter/ser “(i) natureza privada, (ii) ausência de finalidade lucrativa, (iii)
institucionalizadas, (iv) auto-administradas e (v) voluntárias”. Note-se que para o
autor o voluntariado é característica essencial para a configuração das entidades
que adentram ao Terceiro Setor.
2.2.2 Elementos Históricos Relevantes
Paes afirma que a expressão Terceiro Setor teve sua gênese nos idos de
1970, na literatura norte-americana, sendo seguida pelos europeus na década de
1980. O fato é que os registros sobre a terminologia Terceiro Setor, ou de sua
institucionalização, são bastante recentes, mas as ações relativas às entidades que
o compõem remontam aos períodos colonizatórios. É exemplo o que trazem em seu
artigo, publicado na revista Psicologia Política, Marcelo Gustavo Aguillar Calegare e
Nelson Silva Junior:
Assim, apesar das ideias sobre caridade, práticas filantrópicas e algumas formas de associações voluntárias datarem desde o início da colonização norte-americana, a maneira como ela é institucionalmente praticada atualmente é relativamente nova (2009).
De toda forma, se no Brasil a “importação” do termo Terceiro Setor ocorreu
por volta da década de 1990, conforme asseveram Calegare e Silva Junior, não
restam dúvidas que as atividades deste Setor são muito anteriores.
É unânime na literatura brasileira a indicação de que a origem das entidades
filantrópicas no Brasil, bem como do trabalho voluntário, deu-se com a fundação da
Santa Casa de Misericórdia de Santos, nos idos de 1543 por Brás Cubas a qual,
inclusive, permanece em funcionamento ainda hoje, consoante nos ensina Teixeira
(2011, p. 25 e 26). Esta observação quanto à origem da filantropia no país trás à
mente a reflexão quanto ao importante papel desempenhado pela igreja católica na
solidificação deste segmento e de sua relevância para o desenvolvimento do país.
Inclusive, Mânica (2010, p. 11) sinaliza neste sentido, corroborando a ideia de que
ao longo do Século XVI foi da Igreja Católica o papel “restrito” de prestar serviços de
interesse público e, porquanto, gratuitos. Logo, aqui, o surgimento das entidades
19
filantrópicas confunde-se com o surgimento do próprio voluntariado, inerente à
consecução das atividades sociais.
Já as décadas primevas do século XX foram marcadas pela atuação forte
das chamadas damas de caridade, conforme artigo deste acadêmico publicado no
jornal Folha de São Paulo:
[...] [no] início do século 20, [...] o trabalho voluntário era praticado pelas damas de caridade, senhoras de famílias tradicionais que se ocupavam das ações filantrópicas para promover sua imagem por meio da ajuda aos carentes (PINTO, T., 2011).
E, se o período ditatorial sufocou, ao menos institucionalmente, as iniciativas
da sociedade civil, com o advento da Constituição Federal de 1988 os movimentos
sociais passaram a se inserir na sociedade, na política, na mídia e, pouco a pouco,
foram conquistando espaço. É o que leciona Ruth Cardoso:
[...] o Terceiro Setor, é um campo marcado por uma irredutível diversidade de atores e formas de organização. Na década de 80 foram as ONGs que, articulando recursos e experiências na base da sociedade, ganharam visibilidade enquanto novos espaços de participação cidadã (CARDOSO, 1997, p. 8, apud TEIXEIRA, 2011, p. 145).
No início da década de 90 o movimento do voluntariado ganha força e passa
a ocupar espaço na vida cotidiana dos brasileiros a partir da campanha “Ação da
Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida”, liderada pelo sociólogo Herbert de
Souza (o Betinho), a qual, estruturada em comitês por todo o Brasil (o primeiro em
Março de 1993) fez despertar o civismo nos brasileiros11.
É fato, contudo, que antes da década de 90 surgiram iniciativas que foram
delineando a ação voluntária no país. A linha do tempo 12 elaborada pelo Centro de
Voluntariado de São Paulo nos mostra que em 1963 foi criado o projeto Rondom
com o objetivo de levar universitários voluntários ao interior do país para
contribuírem com o desenvolvimento social por meio de suas habilidades e de seus
conhecimentos. Em 1983 foi fundada a Pastoral da Criança que contava com líderes
comunitários (voluntários) para combater a desnutrição e a mortalidade infantil. Em
20
11 Cadernos do Fórum São Paulo Século XXI. Caderno 8: Terceiro Setor. Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br/historia/forum-XXI/cadernos/Terceiro%20Setor.pdf>. Aceso em: 7 set. 2013.
12 Linha do tempo. Fragmentos da história do Voluntariado no Brasil. Disponível em: <http://www.voluntariado.org.br/default.php?p=texto.php&c=linha_tempo>. Acesso em: 07 set. 2013.
1995 o programa Comunidade Solidária do Governo Federal passou a estimular a
participação da sociedade civil em projetos sociais, sendo que em 1997 surgem os
primeiros Centro de Voluntariado no Brasil com a missão de organizar a oferta e a
demanda de serviço voluntário no país. Desta movimentação, em 18 de Fevereiro de
1998 é promulgada a Lei Federal 9.608, denominada Lei do Voluntariado.
E o voluntariado não ganhou esta força e expressividade somente no Brasil.
No mundo todo este movimento tomou corpo, levando a Organização das Nações
Unidas - ONU, por meio da Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas A/
Res/52/17 [anexo II], a declarar o ano de 2001 o Ano Internacional do Voluntariado.
Não se pode olvidar, porém, que já em 1985 a ONU havia instituído o dia 05 de
Dezembro como o Dia Internacional do Voluntariado13, reconhecendo o valor deste
movimento e estimulando todas as nações a fomentarem esta prática entre seus
cidadãos.
21
13 Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/datas-comemorativas/voluntariado.jhtm>. Acesso em: 07 set. 2013.
3 VINCULO DE EMPREGO x VOLUNTARIADO
3.1 REQUISITOS DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO
No campo das relações e do Direito do Trabalho, encontram-se os
elementos que dão base às relações de emprego, as quais são configuradas pela
presença dos requisitos essenciais à formalização do vínculo empregatício.
Segundo Cassar, os requisitos do vínculo de emprego estão elencados nos
artigos 2.º e 3.º da CLT. Veja-se:
Os artigos 2.º e 3.º da CLT relacionam todos os requisitos necessários para a configuração da relação de emprego. Para que um trabalhador [...] seja considerando como empregado, mister que preencha, ao mesmo tempo, todos os requisitos abaixo:a)pessoalidade;b)subordinação;c) onerosidade;d)não eventualidade;e)[...] não correr o risco do empreendimento (2013, p. 29).
José Augusto Pinto, por sua vez, sinaliza que são quatro os elementos do
vínculo de emprego:
Os elementos essenciais ou obrigatórios, assim chamados porque sem eles o trabalhador não será empregado, são:a) subordinação;b) pessoalidade;c) onerosidade;d) permanência ou não eventualidade [grifos do autor] (2007, p. 119).
Para o autor, o alheamento ao risco da empresa não poderia ser
caracterizado como essencial ao vínculo de emprego, pois “pode distinguir o
empregado do empregador, mas não os trabalhadores entre si (2007, p. 121)”. Ele
entende que este elemento encontra-se “embutido no tecido da subordinação, pois é
da força desta que resulta concentrar-se o risco econômico nas mãos do
empregador (2007, p. 122)”. Seja como for, claro está que o empregado não pode
assumir os riscos econômicos da empresa, sendo esta uma obrigação do
empregador. Note-se que a lei do voluntariado previu (e permitiu) o reembolso das
despesas que o voluntário efetuar no curso de suas atividades, justamente para
prevenir que este não assumisse para si, seja por solidariedade ou simplesmente
por se ver constrangido diante das limitações financeiras da entidade, os custos que
a organização demande em razão da efetivação de suas ações, conforme será
22
melhor analisado quando da abordagem sobre os requisitos da relação de
voluntariado.
Também é importante relatar as palavras de Jorge Neto e Cavalcante ao
introduzirem o capítulo sobre a Relação de Emprego:
Relação de emprego é um contrato, cujo conteúdo mínimo é a lei, possuindo como sujeitos, de um lado, o empregado (pessoa natural), que presta serviços e, de outro lado, o empregador, em função de quem os serviços são prestados de forma subordinada, habitual e mediante salário (2008, p. 239).
Se a relação de emprego é contrato em que os serviços são prestados em
favor do empregador com a presença dos requisitos essenciais ao reconhecimento
do vínculo, dentre eles a remuneração, o voluntariado, por outro lado
é a atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada sem fins lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade [grifo meu]14.
De plano, a Lei 9.608/98 (Lei do Voluntariado) deixa claro que a atividade
prestada por pessoa física a entidade pública ou privada sem fins lucrativos, não
sendo remunerada, será tratada como serviço voluntário. Afora a exclusão do
requisito da remuneração, o serviço voluntário equipara-se, ao menos
aparentemente, à relação de emprego. Camargos (2008, p. 67) ensina que a Lei do
Voluntariado “não estabelece qualquer tipo de distinção no que diz respeito à função
a ser exercida pelo voluntário, nem mesmo com relação à existência ou não de
subordinação”. Note-se que, a fim de afastar em definitivo o reconhecimento do
vínculo de emprego nas relações de voluntariado, o legislador ocupou-se de inserir
na Lei do Voluntariado, especificamente no artigo 1.º, um parágrafo para deixar
inequívoco que “o serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação
de natureza trabalhista, previdenciária ou afim”.
Todavia, a clareza pretendida pela Lei do Voluntariado não foi suficiente para
afastar o receio presente nas entidades de que seus voluntários viessem a requerer
na justiça o reconhecimento da relação de emprego, isto porque, mesmo após a
23
14 Lei 9.608/98, art. 1.º, caput. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9608.htm>. Aceso em 06 set. 2013.
edição da Lei do Voluntariado, o estabelecimento em juízo do vínculo empregatício
perdura, como se vê pelos julgados seguintes:
RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. TRABALHO VOLUNTÁRIO. AUSÊNCIA DE REQUISITOS CARACTERIZADORES. VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO. Para que o serviço voluntário prestado por pessoa física seja caracterizado como voluntário, é necessário que o tomador dos serviços enquadre-se nas disposições do artigo 1º da Lei 9.608/1998, que seja celebrado o termo de adesão exigido pelo artigo 2º da citada Lei no qual há de ser consignados o objeto e as condições de exercício do suposto serviço voluntário contratado, e seja comprovado o caráter indenizatório dos valores pagos ao reclamante ao longo da prestação de serviços, na forma do artigo 3º daquele Diploma Legal, que somente permite a onerosidade do contrato quando vinculada ao ressarcimento de despesas comprovadamente realizadas pelo prestador de serviços. Não se pode, pois, enquadrar a hipótese dos autos como prestação de serviço voluntário, [...]. A onerosidade da contraprestação não foi descaracterizada pelo réu. Recurso Ordinário da reclamada conhecido e parcialmente provido15.
Ou no expressivo precedente:
RECURSO ORDINÁRIO. SERVIÇO VOLUNTÁRIO. REMUNERAÇÃO. DESCARACTERIZAÇÃO. Descaracteriza a prestação de serviço voluntário a remuneração paga pelo trabalho prestado por pessoa física à entidade que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade. (art. 1º, da Lei nº 9.608/1998)16.
Observe-se ainda este julgado que presume o vínculo de emprego pela
simples ausência do Termo de Adesão previsto no artigo 2.º da Lei do Voluntariado:
RECURSO ORDINÁRIO. TRABALHO VOLUNTÁRIO. TERMO DE ADESÃO. Como a forma habitual da prestação de serviços pressupõe o vínculo, as hipóteses excepcionais devem ser interpretadas restritivamente - ainda mais quando a lei exige uma formalidade específica, como no caso do trabalho voluntário. Assim, quando não for exibido o termo de adesão, presume-se a configuração do vínculo17.
Entretanto, Estevão Mallet entende de modo diverso aos eméritos julgadores
da Décima Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1.ª Região. Para ele, a
24
15 Recurso Ordinário 00001044920125010541, Relator(a): Desembargadora do Trabalho MÁRCIA LEITE NERY, Julgamento: 19/03/2013. Órgão julgador: SEGUNDA TURMA do Tribunal Regional do Trabalho 1.ª Região. Publicação: 05/04/2013.
16 Recurso Ordinário 01481002820085010206, Relator (a): Alexandre Teixeira de Freitas Bastos Cunha, Órgão Julgador: SÉTIMA TURMA do Tribunal Regional do Trabalho 1.ª Região. Publicação: 22/05/2009.
17 Recurso Ordinário 00002442020115010541, Relator (a): Flavio Ernesto Rodrigues Silva, Órgão Julgador: DÉCIMA TURMA do Tribunal Regional do Trabalho 1.ª Região. Publicação: 06/08/2012.
celebração do Termo de Adesão representa mero mecanismo cujo fim é demonstrar
a gratuidade da prestação: “ainda que não tenha sido celebrado o referido
documento, provada a natureza não onerosa do serviço, não existe a relação de
emprego (MALLET, 2008, p. 78)”18. De qualquer forma, a celebração do termo de
adesão, que será tratada mais adiante, está prevista na Lei do Voluntariado,
expressamente no caput do artigo 2.º:
Art. 2º O serviço voluntário será exercido mediante a celebração de termo de adesão entre a entidade, pública ou privada, e o prestador do serviço voluntário, dele devendo constar o objeto e as condições de seu exercício.
De toda sorte, para compreender, ao menos minimamente, as razões que
levam o judiciário a reconhecer o vínculo de emprego em relações de voluntariado,
imperiosa se faz a análise dos elementos que compõe a relação de emprego para,
então, compará-los à relação de serviço voluntário. Neste contexto, conforme já
demonstrado, o vínculo de empregado é caracterizado pela presença dos seguintes
elementos: pessoalidade, subordinação, onerosidade, não eventualidade e risco do
negócio por conta do empregador.
Quando se fala em pessoalidade é preciso ter em conta que “o contrato de
emprego é pessoal em relação ao empregado [...] [que] é contratado para prestar
pessoalmente os serviços (CASSAR, 2013, p. 30)”. Isto significa dizer que se o
empregador contrata um serviço, pouco importando quem o prestará - por exemplo,
a contratação de serviços de limpeza, na qual o interesse do contratante é ver o
espaço limpo, independente de quem o limpará - não está presente o requisito da
pessoalidade, descaracterizando, portanto, a relação de emprego (não a relação de
trabalho). Para clarificar o entendimento acerca deste elemento, Delgado lança mão
de termo bastante distintivo. Afirma ele que “é essencial à configuração da relação
de emprego que a prestação do trabalho, pela pessoa natural, tenha efetivo caráter
de infungibilidade, no que tange ao trabalhador [grifo do autor] (2009, p. 271)”.
Estabelecendo um paralelo, é inegável a presença da pessoalidade na
relação de serviço voluntário, afinal, a entidade define um perfil necessário ao
desempenho daquelas atividades que contribuirão com o cumprimento de seus
25
18 O autor escreveu um capítulo inteiramente dedicado a analisar o Trabalho Gratuito na obra Aspectos Jurídicos do Terceiro Setor, organizada por Cristiano Carvalho e Marcelo Magalhães Peixoto.
objetivos, de modo que se espera do indivíduo a compatibilidade com tal perfil, o que
o torna apto à realização das ações propostas, logo, seguindo o ensinamento de
Delgado, há certa infungibilidade também no voluntariado. Note-se, ademais, que a
Lei 9.608/98 estabelece a obrigatoriedade da celebração do Termo de Adesão ao
Serviço Voluntário, no qual estarão descritos os objetivos da atividade voluntária,
bem como as partes envolvidas: entidade [pessoa jurídica] e voluntário [pessoa
física]. Aristeu de Oliveira coloca o Termo de Adesão como “requisito fundamental
para a configuração do trabalho voluntário (2006, p. 476)”. Logo, a pessoalidade
também é requisito essencial ao voluntariado, tanto quanto à relação de emprego.
Ainda quanto à pessoalidade, José Pinto afirma que “é elemento
caracterizador da prestação do empregado por derivação direta da subordinação
[grifo do autor] (PINTO, J., 2007, p. 120)”. É dizer que a escolha do empregado (ou
do voluntário) se dá justamente por ele possuir as condições esperadas pelo
tomador para o exercício da prestação e, portanto, este exerce sobre o empregado/
voluntário, desde a contratação, o poder de subordiná-lo às suas necessidades.
Neste contexto, tratando-se da subordinação, o autor ainda entende que ela (a
subordinação) “brota da própria relação de emprego (2007, p. 120)”. Nascimento
contribui com o estudo explicando que “não há definição legal de subordinação
(2009, p. 164)”. Para ele,
[a] subordinação [é] como uma situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da limitação contratual da autonomia de sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que desempenhará (2009, p. 164).
Maurício Godinho Delgado trás o entendimento acerca do qual “transparece
na subordinação uma ideia básica de submetimento [sic], sujeição ao poder dos
outros, às ordens de terceiro, uma posição de dependência (2009, p. 281)”. O autor
afirma ser a subordinação decorrência do próprio contrato de trabalho e da limitação
da vontade do empregado por meio do instrumento contratual. E enfatiza que, neste
caso, o elemento é objetivo e recai sobre o “modo de prestação e não sobre a
pessoa do trabalhador”.
Em sentido similar, Cassar ensina que
a subordinação nada mais é que o dever de obediência ou o estado de dependência na conduta profissional, a sujeição às regras, orientações e
26
normas estabelecidas pelo empregador inerentes ao contrato ou à função, desde que legais e não abusivas (2013, p. 31).
Com efeito, não há como pensar uma atividade voluntária sem o controle
efetuado pela entidade tomadora do serviço. O voluntário não pode fazer o que bem
entender na entidade. Ele precisa de orientação e de limites estabelecidos pela
pessoa responsável pela coordenação dos voluntários na entidade. Assim é o que
nos ensina o Centro de Ação Voluntária de Curitiba em sua palestra semanal “O que
é ser voluntário?”19. Este também é o entendimento de José Affonso Dallegrave Neto
citado por Barros: “na organização de [sic] trabalho voluntário também se exige um
mínimo de ordens para dividir o trabalho e elaborar a escala de comparecimento
(DALLEGRAVE NETO, 1998, p. 95, apud, BARROS, 2012, p. 365)”.
Outro requisito essencial à vinculação empregatícia é a habitualidade, ou
não eventualidade da prestação laboral. Cassar entende que esta expressão - não
eventual - “deve ser interpretada sob a óptica do empregador, isto é, se a
necessidade daquele tipo de serviço ou mão de obra para a empresa é permanente
ou acidental (2013, p. 33)”. A autora ainda ressalta que este entendimento é
deflagrado na teoria mexicana que afirma ser a habitualidade a “necessidade
permanente da mão de obra para o empreendimento (2013, p. 33)”.
Para Delgado, a habitualidade reflete a permanência caracterizadora do
contrato de trabalho, sendo “necessário que o trabalho prestado tenha caráter de
permanência (ainda que por um curto período determinado), não se qualificando
como trabalho esporádico (2009, p. 273)”. Na mesma linha assevera José Pinto
pois, segundo ele, “seria irrisório imaginar um contrato individual de emprego
instantâneo, ou conciliar a eventualidade dessa prestação com a perenidade de fins
característica da empresa (2007, p. 121). Cabe destacar que uma entidade social,
ainda que filantrópica, também trás em seu bojo a perenidade de fins relatada pelo
autor. Logo, absoluto dizer que o serviço voluntário também depende da
habitualidade de seu prestador, pois, ainda que em caráter gratuito (como será visto
adiante), a ação voluntária demanda responsabilidade e comprometimento, além de
suprir uma demanda não eventual da tomadora. Oliveira, A., afirma que “a lei não
27
19 Calendário de palestras disponível em: <http://www.acaovoluntaria.org.br/index.php?area=noticia&id=22>. Acesso em: 06 set. 2013.
estabelece qualquer tipo de distinção quanto à função a ser executada pelo
voluntário [em relação ao empregado] (2006, p. 475)”.
O quarto requisito a ser analisado é o risco do negócio. Já foi dito que é do
empregador todo os riscos inerentes à atividade empresarial que desempenha,
estando o empregado livre deste ônus. Cassar explica que “o trabalhador correrá
alguns riscos, mas não os do empreendimento (2013, p. 35)”. É a própria CLT, em
seu artigo 2.º, que afirma:
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados. [grifos meus].
Se a própria Lei já equiparou ao status de empregador as instituições de
beneficência (ainda que no campo das relações de emprego), por analogia resta
certo que o voluntário, ao prestar serviço para estas entidades, não poderá assumir
qualquer risco relativo à sustentação da ação social ali desenvolvida.
Por fim (e propositadamente deixado para o final), demanda análise o
requisito da onerosidade. José Pinto diz que “a onerosidade é traço essencial da
prestação do empregado por derivação de um dos caracteres do contrato individual
de emprego”, asseverando ainda que “seria, de fato, socialmente insustentável
admitir-se gratuidade nessa classe de contratos [...] [pois] (o salário) é fator de
subsistência do empregado [grifos do autor] (PINTO, J., 2007, p. 121)”.
Cassar, por seu turno, define que a “onerosidde significa vantagens
recíprocas [...] [e] é traduzida pelo pagamento de salário em pecúnia ou em utilidade
(2013, p. 32)”. Este é, por certo, o elemento naturalmente incompatível com a
atividade voluntária. Primeiro porque, se o indivíduo quer prestar o serviço de forma
voluntária (isto é, por sua própria vontade), desde que respeitados os limites da Lei,
não há como sequer pensar em uma prestação pecuniária por parte da entidade
tomadora. Além disso, a própria Lei do Voluntariado é explícita ao afirmar em seu
artigo 1.º que o serviço voluntário é “atividade não remunerada”. Logo, é mister que
a entidade não remunere, sob qualquer hipótese, a voluntário pelas ações que,
nesta condição, desempenhar, salvo se o fizer como ressarcimento pelas despesas
28
que ele, comprovadamente, realizar no desempenho de suas atividades, conforme
autoriza o artigo 3.º da Lei em comento. Este entendimento é pacífico nos Tribunais
de Trabalho, conforme mostra o julgado:
TRT-PR-23-04-2010 VÍNCULO DE EMPREGO. ENGENHEIRO. ATIVIDADE R E M U N E R A D A . C O N S T R U Ç Ã O D E C A T E D R A L . N Ã O CARACTERIZAÇÃO DE TRABALHO VOLUNTÁRIO.I - O trabalho voluntário, nos termos da Lei 9.608/98, é o exercício de atividade não remunerada. A existência de remuneração, mesmo que seja sob outra rubrica ("ajuda de custo"/"honorários") desnatura o trabalho voluntário.II - Presentes os requisitos autorizadores do reconhecimento do vínculo de emprego. Reconhecido que o autor era o engenheiro responsável pela construção da Catedral de Foz do Iguaçu-PR.III - A circunstância da ré fazer parte da Igreja Católica e, portanto, não desenvolver atividade econômica, não afasta a caracterização do liame empregatício entre as partes. Da mesma forma, o fato de a Igreja não ter por atividade fim a construção, não impede que se estabeleça relação de emprego, mormente quando o engenheiro-chefe estava diretamente subordinado à representante eclesiástico, recebendo ordens e tendo seu labor fiscalizado por Padre20.
Também nesta decisão se vê a linha divisória criada pela onerosidade no
limiar da relação de emprego e de voluntariado:
TRT-PR-18-03-2011 VÍNCULO DE EMPREGO - TRABALHO VOLUNTÁRIO - ONEROSIDADE - Ora, se o trabalho realizado era remunerado seja em espécie, seja "in natura" (água, luz, medicamentos), nada tem de "voluntário", pois falta a graciosidade caracterizadora para tanto. Como se depreende do conjunto probatório, a Reclamante percebia remuneração fixa, o que descaracteriza a natureza voluntária da atividade, bem como, constitui o elemento onerosidade, necessário à caracterização da relação de emprego. Emergem os elementos caracterizadores da relação de emprego, quais sejam, onerosidade, pessoalidade, não eventualidade e subordinação, pelo que MANTENHO a r. sentença que reconheceu o vínculo empregatício21.
O entendimento é pacífico no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região,
pelo que se pode aduzir no julgado seguinte:
T RT- P R - 1 4 - 0 3 - 2 0 0 8 T R A B A L H O V O L U N T Á R I O . V Í N C U L O EMPREGATÍCIO INEXISTENTE. Se o Reclamante prestava atividade não remunerada a uma instituição privada sem fins lucrativos, com objetivos educacionais, culturais e recreativos, tendo aderido expressamente à
29
20 Recurso Ordinário TRT-PR-02944-2008-095-09-00-5-ACO-11525-2010. Relatora: Desembargadora do Trabalho Ana Carolina Zaina. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região. Publicação: 23/04/2010.
21 Recurso Ordinário TRT-PR-18826-2009-003-09-00-1-ACO-08884-2011. Relatora: Desembargadora do Trabalho Sueli Gil El-Rafihi. Órgão Julgador: QUARTA TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região. Publicação: 18/03/2011.
prestação de serviços espontânea, resta devidamente configurado o trabalho voluntário, na forma da Lei nº 9.608/98, não se cogitando da existência de vínculo empregatício. Recurso obreiro a que se nega provimento22.
Estevão Mallet, na obra Aspectos Jurídicos do Terceiro Setor, coordenada
por Cristiano Carvalho e Marcelo Magalhães Peixoto, reforça o entendimento de que
quando o trabalho tiver caráter oneroso, poderá ser configurada a relação de
emprego. E ensina que este mesmo entendimento caberá ao indivíduo que “trabalha
em entidade beneficente, procurando, com isso, prover suas necessidades [e]
presta[r] serviços por motivo oneroso (2008, p 67)”. Mas é enfático ao afastar esta
possibilidade (de reconhecimento de vínculo empregatício) quando se trata de
voluntários:
Diversa é, no entanto, a situação de quem trabalha para a mesma entidade beneficente [conforme citação acima] sem desejar receber salário, fazendo-o por espírito de caridade, por altruísmo ou por motivos religiosos. Ainda que pretenda, com o trabalho, elevar-se espiritualmente, não busca vantagem econômica. Não há que falar, consequentemente, em relação de emprego (2008, p. 67).
Ainda na ânsia de afastar o vínculo de emprego na relação de trabalho
voluntário, Mozart Victor Russomano ensina que
“a prestação gratuita de serviços, porque não é onerosa para a empresa, não pode ser considerada como resultado de um contrato individual de trabalho. [...]. Se o trabalhador devota-se ao exercício de sua atividade sem expectativa de receber contraprestação, economicamente mensurável, não há onerosidade [sem grifo no original] (1985, p. 16).
O grifo à expressão “economicamente mensurável” deve-se ao fato de que
ninguém nega a existência de uma contraprestação no serviço voluntário, todavia,
como disse Estevão Mallet, este “ganho” que o voluntário tem é subjetivo - elevar-se
espiritualmente, diz o autor - não pecuniário, portanto não objetivo. E, de fato,
quando se observa o respeito a este quesito - da não onerosidade do trabalho
voluntário, é evidente o afastamento do vínculo e a descaracterização da relação de
emprego. Eis como agem os tribunais nestes casos:
30
22 Recurso Ordinário TRT-PR-00861-2007-303-09-00-7-ACO-07934-2008. Relator: Desembargador do Trabalho Ubirajara Carlos Mendes. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região. Publicação: 14/03/2008.
TRABALHO VOLUNTÁRIO. O reconhecimento do trabalho voluntário se faz à luz da Lei nº 9.608/98. Como a Reclamante se enquadra nos parâmetros estabelecidos na mencionada norma, acomodando-se à faticidade e às provas disponíveis, mantém-se a r. sentença que referenda o voluntariado23.
Ou mesmo:
SERVIÇO VOLUNTÁRIO. REQUISITOS. NÃO PREENCHIMENTO.A noção de serviço voluntário se vincula àquele com caráter de benevolência e sem onerosidade. Além disso, existem requisitos formais que devem ser observados para efeito de sua configuração, não havendo retribuição em razão da atividade desenvolvida, mas apenas ressarcimento de despesas e que se baseia no princípio do enriquecimento sem causa. Não há nos autos termo de adesão celebrado entre a Reclamante e a Reclamada que configure o trabalho voluntário. Por seu turno, a existência de contraprestação, seja por meio de pagamento em dinheiro, ou mesmo reduzida apenas à entrega de gêneros de primeira necessidade, demonstra a existência de vantagem econômica, deixando claro que a motivação obreira não foi a filantropia, mas, o recebimento desta contraprestação pelo trabalho desempenhado. Portanto, em razão da percepção de salário pela Autora, não concedido para ressarcimento de despesas, não há como validar a alegação de que a atividade da Reclamante seria de serviço voluntário. Contudo, emerge do conjunto probatório, que as religiosas para melhor atender seu mister filantrópico, arregimentaram, de forma irregular, mão-de-obra, porém, à mingua de elementos nos autos, não se pode imputar à Reclamada a responsabilidade pela contratação ilícita. Portanto, comprovado nos autos, que o trabalho da Reclamante era executado na distribuição dos donativos, e que a coordenação, fiscalização e remuneração deste trabalho era efetuado única e exclusivamente pelas religiosas, e considerando-se não existir qualquer prova nos autos, de que estas pertencessem aos quadros da Reclamada, não se reconhece vínculo de emprego entre as partes. Recurso da Reclamante a que se nega provimento [grifo meu]24.
3.2 REQUISITOS DO TRABALHO VOLUNTÁRIO
Se resta esgotado o cuidado desta pesquisa para com os requisitos do
vínculo de emprego, cumpre uma perícia sobre os requisitos do serviço voluntário,
quais sejam aqueles trazidos no bojo da Lei 9.608/98 e que devem, ao menos em
tese, configurar a relação de trabalho voluntário afinal, inexistindo estes elementos
na relação de trabalho, tem-se a possibilidade de configuração do vínculo
empregatício, conforme nos mostra a decisão em tela:
31
23 Recurso Ordinário 00010020820125030153, Relatora: Convocada Maria Cristina D. Caixeta. Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA do Tribunal Regional do Trabalho 3.ª Região. Publicação: 22/04/2013.
24 Recurso Ordinário 20208200765109002-ACO110632009, Relatora: Desembargadora do Trabalho Janete do Amarante. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA do Tribunal Regional do Trabalho 9.ª Região. Publicação: 24/04/2009.
TRT-PR-14-03-2008 TRABALHO VOLUNTÁRIO - Não há que se falar em trabalho voluntário se a relação existente entre a autora e o réu não atendeu às disposições contidas na Lei 9.608/98. Na hipótese, foi comprovada a prestação de serviços com subordinação e onerosidade, restando evidente o vínculo empregatício entre as partes, bem como à tentativa de fraude à legislação trabalhista25.
Tais requisitos - os que devem configurar a relação de voluntariado, estão
dispostos no artigo 1.º da Lei Federal 9608/98:
a) atividade não remunerada;
b) prestada por pessoa física;
c) ofertada a entidade pública de qualquer natureza, ou privada sem fins
lucrativos e com finalidades cívicas, culturais, educacionais, científicos, recretativos
ou de assistência social, inclusive mutualidade.
Observe-se, neste sentido, o julgado do TRT9 afirmando os requisitos de
caracterização do serviço voluntário:
TRT-PR-27-04-2007 SERVIÇO VOLUNTÁRIO. ONEROSIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO. Segundo estabelece a Lei nº 9.608/1998, que regula a matéria, considera-se serviço voluntário a atividade não remunerada, prestada por pessoa física à entidade pública de qualquer natureza, ou à instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade. A onerosidade afasta o caráter voluntário da prestação laboral, impondo-se o reconhecimento do vínculo de emprego. Recurso ordinário conhecido e parcialmente provido [grifo meu]26.
O julgado, inclusive, ressalta elemento já afirmado no bojo deste ensaio,
qual seja a absoluta necessidade de afastamento da onerosidade na relação de
trabalho voluntário, sob pena de caracterização do vínculo empregatício. No mesmo
sentido, reafirmando que os elementos descritos no artigo 1.º da Lei do Voluntariado
são requisitos caracterizadores do labor gratuito, o julgamento a seguir:
TRT-PR-05-06-2009 TRABALHO VOLUNTÁRIO. REQUISITOS. DESVIRTUAMENTO. Para que seja reconhecido como voluntário, o trabalho há que ser prestado por pessoa física, que não seja para tanto remunerada, a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição
32
25 Recurso Ordinário TRT-PR-02923-2006-663-09-00-2-ACO-07871-2008, Relator: Celio Horst Waldraff. Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região. Publicação: 14/03/2008.
26 Recurso Ordinário 07164-2004-012-09-00-0-ACO-10513-2007, Relator: Desembargador do Trabalho Altino Pedrozo dos Santos. Órgão julgador: TERCEIRA TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região. Publicação: 27/04/2007.
privada sem fins lucrativos. Nas hipóteses em que o trabalho pactuado entre as partes não foi a título gratuito, mas, ao contrário, foi contratada remuneração dos serviços prestados pelo trabalhador, não se sustenta a tese de trabalho voluntário. E ainda, evidenciados os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT, há que se reconhecer o vínculo de emprego. Recurso a que se nega provimento, no particular, para manter a decisão que reconheceu o vínculo de emprego [sem grifo no original]27.
Em ambos os entendimentos resta evidente que a ausência destes
requisitos enseja o reconhecimento da relação de emprego.
No que diz respeito à expressão serviço voluntário, importante destacar o
entendimento de Estevão Mallet, o qual afirma que se trata de terminologia
“inadequada” (2008, p. 76). Para ele, esta colocação leva ao entendimento de que
qualquer atividade não enquadrada na Lei 9.608/98 não seria trabalho voluntário.
Já para o Juiz Luiz Felipe Haj Mussi,
o conceito legal é amplo. Pretende ser em parte genérico e em parte específico, no que termina encerrando uma contradição em si próprio. É amplo porque inclui, em princípio, diversas atividades, públicas ou privadas, desenvolvidas pela sociedade organizada. É genérico ao tratar do relacionamento do prestador do serviço com entes públicos (entidade pública de qualquer natureza). É específico (e impreciso tecnicamente) ao tratar das entidades privadas sem fins lucrativos porque enumera aquelas que podem ser beneficiárias da legislação (MUSSI, 2010)28.
A crítica tecida pelos autores justifica-se pelo sentimento de que a
legislação, ao tentar regrar as relações de trabalho voluntário, limitou o alcance da
norma às formas nela descrita, excluindo de sua guarida outras situações em que o
voluntariado se insere. Mallet, embora classifique o rol do artigo 1.º como
exemplificativo, reforça sua crítica citando, por exemplo, a ausência de menção da
pessoa física como beneficiária do serviço voluntário. Diz ele: “[a lei] não mencionou
pessoa física. Mas não se afasta o trabalho gratuito, sem relação de emprego,
prestado a doente, por caridade ou amizade (2008, p. 76)”.
Na tentativa de explicar os critérios estabelecidos no primeiro artigo da lei do
voluntariado, Camargos faz uma análise detalhada apresentando áreas que,
segundo ela, podem ser contempladas com o serviço voluntário. Veja-se:
33
27 Recurso Ordinário TRT-PR-24221-2007-011-09-00-2-ACO-17274-2009, Relatora: Desembargadora do Trabalho Marlene T. Fuverki Suguimatsu. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região. Publicação: 05/06/2009.
28 Conteúdo disponível em: <http://www.trt9.jus.br/apej/artigos_doutrina_lfhm_02.asp>. Acesso em: 19 set. 2013.
Como determina a legislação do voluntariado, esse trabalho gratuito deve ser prestado à pessoa jurídica em atividades de proteção à família, à maternidade, a infância, à adolescência e à velhice, no amparo às crianças e aos adolescentes carentes, em ações de habilitação e reabilitação de pessoas portadoras de deficiências, assim como em promoções gratuitas de assistência educacional ou de saúde, além da integração de desfavorecidos ao trabalho (CAMARGOS, 2008, p. 67).
É bem verdade que a autora dedicou-se em desmembrar o conceito de
assistência social proposto na legislação em comento e que o faz de modo, aí sim,
exaustivo e repetitivo, especialmente no quesito da infância e da adolescência pois,
ao afirmar que o serviço voluntário deve ser “prestado [...] [à] proteção [...] da
infância e da adolescência”, é razoável entender que aí já estão compreendidos os
infantes e adolescentes carentes. Todavia, certo é que a situação de vulnerabilidade
social, representada pela autora como ‘carente’, está entre as mais reflexas na
sociedade, haja vista apresentar-se como um campo fértil para a expressão da
solidariedade humana. E assim é entendido o voluntariado, inclusive
internacionalmente, como já demonstrado. Veja-se mais um exemplo, este da
doutrina italiana:
[...] esta moderna visão da dimensão da solidariedade. [...] o voluntariado tem o que se mostrou [eficiente] para responder a um interesse público específico na valorização e no impulso solidário [tradução do autor29] (CONSORTI, 2005, p. 16).
De qualquer forma, certo é que para a doutrina de um modo geral, as
características das atividades prestadas pelas pessoas jurídicas elencadas na lei do
voluntariado são exemplificativas, não consituindo, de per si, elementos distintivos
da relação de emprego e do serviço voluntário. Assim, interessante observar os
demais elementos que a normativa em tela trás quanto à classificação desta espécie
de trabalho gratuito.
Diz a lei que o serviço voluntário será prestado por pessoa física. Embora
não seja evidente na doutrina qualquer abordagem quanto a este quesito essencial
do voluntariado, pelos conceitos já trazidos a esta pesquisa, não é temerário julgar
que a lei afastou a possibilidade da pessoa jurídica prestar serviço voluntário em
34
29 [...] questa moderna visione della dimensione della solidarietà. [...] Il volontariato ha cio è dimostrato di rispondere ad un preciso interesse pubblico alla valorizzazione di una spinta solidaristica.
razão do caráter subjetivo que esta atividade possui - demonstrou-se anteriormente,
quando abordado o requisito da onerosidade, que o voluntariado não pode
pressupor uma remuneração economicamente mensurável, mas que admite aquela
contraprestação de cunho personalíssimo, como a gratidão, o desenvolvimento
pessoal e a elevação da auto-estima. Ora, não é imaginável uma pessoa jurídica
aproveitando destas benécias. Mussi ainda ressalta que
tendo em vista o disposto no artigo 82, combinado com os artigos 145, [inciso] I, e 5º, todos do Código Civil Brasileiro [Lei 10.406/2002], as pessoas consideradas absolutamente incapazes não poderão desenvolver serviços voluntários (MUSSI, 2010).
Também merece cuidado a inclusão das pessoas jurídicas de direito público
como beneficiárias do serviço voluntário. Já se citou a crítica de Mussi a este
elemento, podendo-se acrescentar o fato de que o legislador foi zeloso no sentido de
tornar o mais abrangente possível este requisito, garantindo a inclusão de qualquer
espécie de entidade desde que, evidente, esteja associada à finalidade pública. Para
Mussi, esta amplitude resta retratada “nas expressões entidade e de qualquer
natureza”.
Outro requisito caracterizador do trabalho voluntário, alternativo ao
apresentado no parágrafo anterior, é a prestação a entidade privada sem fins
lucrativos e que atenda a determinadas áreas sociais. A exigência legal da não
lucratividade da entidade privada deve-se à vantagem de contar com uma prestação
de serviços não remunerada. Logo, seria imoral pensar uma pessoa jurídica de
direito privado que aufere e distribui lucros e, portanto, possui condições de
remunerar seus colaboradores, poder beneficiar-se do voluntariado. Outrossim,
demonstrou-se anteriormente que, na visão de Mallet, o serviço voluntário também
pode ser oferecido às pessoas físicas. De toda sorte, nesta seara, cabe uma breve
reflexão acerca das áreas em que devem estar inseridas as atividades das
entidades, especialmente aquelas que ainda não foram tratadas aqui. Eia-las:
I) Cívicos:
Para Mussi, são aquelas ações de caráter patriótico, sejam os valores
pátrios, símbolos, fatos históricos relevantes, integração nacional ou, ainda, aqueles
valorados nos âmbitos estaduais ou municipais.
35
II) Culturais:
Da própria palavra depreende-se que as ações devem fortalecer os aspectos
sócio-culturais, intelectuais, artísticos, entre outros, utilizando-os como estratégia de
desenvolvimento social e comunitário. Luiz Mussi (2010) entende que se trata de
atividades
voltadas para o estudo e divulgação dos padrões de comportamento e das instituições de uma dada sociedade, dos valores intelectuais, artísticos e filosóficos, nas suas mais diversas formas de expressão (pintura, produção literária, cinema, teatro, etc), enfim, tudo o que contribua para o enriquecimento do saber humano.
III) Educacional:
Trata-se da área voltada à capacitação, qualificação e/ou formação
intelectual, inclusive as de caráter moral, profissional ou físico e destinada a pessoas
de qualquer idade, afinal a Lei não faz qualquer restrição neste sentido. Mussi ainda
destaca que são admitidas aqui as “atividades especiais (superdotados,
excepcionais, etc.) ou qualquer tipo de ensino (religioso, militar, sexual,
profissionalizante, etc) (2010)”.
IV) Científico:
Mussi ensina que se trata da dedicação à ciência de um modo geral, seja
seu estudo, divulgação ou aplicação. Esta característica abre espaço para atividades
de cunho acadêmico como, por exemplo, universitários que auxiliam professores em
projetos de pesquisa.
V) Recreativo:
São aquelas propostas voltadas ao esporte, lazer, entretenimento,
congraçamento de pessoas, brincadeiras, festas, enfim, atividades que contribuam
com o bem estar do indivíduo (MUSSI, 2010).
VI) Mutualidade:
Mussi (2010) explica que são as associações que atuam “em regime de
cooperação e na qual os próprios integrantes são diretamente beneficiários dos
haveres”. Por exemplo, uma entidade que acolha pessoas em situação de rua e que
36
proponha, como contrapartida à sua permanência no acolhimento, a colaboração na
realização de determinadas atividades – contribuir com serviços de motorista,
limpeza, cozinha, entre outros.
Interessante decisão encontra-se no acervo do Egrégio Tribunal Regional do
Trabalho da 9.ª Região acerca da vinculação dos objetivos elencados acima.
Entendeu o emérito julgador que estas finalidades estão associadas, não apenas à
entidade tomadora do serviço voluntário, mas também ao próprio prestador, que
deve trazer consigo estes “valores” (assim entendido por este acadêmico), sob pena
de desconfigurar a relação de voluntariado:
TRT-PR-12-09-2006 TRABALHO VOLUNTÁRIO. REQUISITOS. DESVIRTUAMENTO. VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO. Para que seja reconhecido como voluntário, o trabalho há que ser prestado por pessoa física, que não seja para tanto remunerada, a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada sem fins lucrativos. Quando a lei exige "objetivos cívicos, culturais educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social", há que se entender que se refere aos objetivos da pessoa física que presta os serviços, e não apenas aos da instituição auxiliada. Assim, trabalhador que presta serviços de vigilância em entidade voltada à assistência social não pode ser considerado voluntário, pois falta aos seus serviços a conotação de beneficência que têm as atividades da instituição. Recurso a que se nega provimento, no particular, para manter a decisão que reconheceu o vínculo de emprego30.
Outro elemento que merece atenção é a exigência do artigo 2.º da Lei do
Voluntariado, qual seja, a celebração do Termo de Adesão ao serviço voluntário.
Para Mallet (2008, p. 79), a assinatura do termo é “simples meio de prova da
gratuidade do serviço prestado”. Segundo ele, na relação de voluntariado aplica-se o
princípio da primazia da realidade, importando mais a verdade fática da relação que
aquilo pactuado entre elas. O autor sustenta seu ponto de vista, demonstrando, a
título exemplificativo, o julgado do TRT da 2.ª região que compreendeu ser dever do
julgador “analisar o caso concreto em busca da verdadeira intenção das partes31”.
37
30 Recurso Ordinário TRT-PR-04486-2004-008-09-00-9-ACO-25917-2006, Relatora: Desembargadora do Trabalho Marlene T. Fuverki Suguimatsu. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região. Publicação: 12/09/2006.
31 SÃO PAULO. TRT da 2.ª Região. Recurso Ordinário 0093520004020200, da Sétima Turma Julgadora. Relatora: Anelia Li Chum, apud, CARVALHO, Cristiano; PEIXOTO, Marcelo Magalhães(coord). BARBIERI, Carla Bertucci [et al.]. Aspectos Jurídicos do Terceiro Setor. 2. ed. São Paulo: MP Ed., 2008.
Em sentido paralelo entende o TRT da 9.ª região, conforme se pode aferir da
decisão a seguir:
TRT-PR-26-01-2010 TRABALHO VOLUNTÁRIO - ATIVIDADE BENEVOLENTE - AUSÊNCIA DO TERMO DE ADESÃO NÃO DESCONFIGURA O VOLUNTARIADO - No serviço voluntário, mister a caracterização tanto da intenção graciosa daquele que presta o serviço como da causa benevolente da atividade. - A ausência do "termo de adesão", mesmo que previsto em lei (artigo 2º da Lei n. 9.608/98), não é fator determinante para descaracterizar o serviço voluntário, vez que o referido documento não possui valor absoluto, mas tem o escopo de proteger o verdadeiro vínculo de emprego, devendo ser levada em conta a realidade verificada no caso concreto (princípio da primazia da realidade)32.
Também a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, à luz do
reconhecimento, ou não, do vínculo empregatício em relação que se apresentava
como de voluntariado, firmou posição de que a ausência do Termo de Adesão, por si
só, não basta para configurar a relação de emprego, sendo imprescindível analisar o
caso concreto, buscando a presença dos elementos constantes dos artigos 2.º e 3.º
da CLT, razão pela qual o egrégio Tribunal Superior, em sede de Recurso de
Revista, manteve a respeitável decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 8.ª
Região que refutou o vínculo de emprego, reconhecendo a relação de serviço
voluntário no caso em tela. Eis a decisão:
VÍNCULO DE EMPREGO NÃO RECONHECIDO. ENTIDADE FILANTRÓPICA. TRABALHO VOLUNTÁRIO. O Tribunal Regional do Trabalho concluiu, com base em minuciosa valoração da prova produzida, que não ficaram preenchidos os pressupostos fático-jurídicos que autorizariam o reconhecimento do vínculo de natureza empregatícia, porquanto a relação existente entre as partes não era de cunho patrimonial/trabalhista, mas sim filantrópica. Nesse contexto, o conhecimento do recurso de revista revela-se inviável, uma vez que o quadro fático-probatório delineado no acórdão regional não viabiliza o enquadramento jurídico pretendido pelo reclamante, havendo correta distribuição do encargo da prova quanto ao fato impeditivo de seu direito. Incidência da Súmula nº 126 do TST. Recurso de revista não conhecido [sem grifo no original]33.
38
32 Recurso Ordinário TRT-PR-09115-2007-673-09-00-4-ACO-02113-2010, Relatora: Desembargadora do Trabalho Ana Carolina Zaina. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região. Publicação: 26/01/2010.
33 Recurso de Revista TST-RR-24100-86.2007.5.08.0014. Relator: Ministro José Roberto Freire Pimenta. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA do Tribunal Superior do Trabalho. Publicado em: 11/10/2012. Íntegra do Acórdão disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR%20-%2024100-86.2007.5.08.0014&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAKpSAAR&dataPublicacao=11/10/2012&query=NEAR%28%28%20servi%E7o,%20volunt%E1rio%29,%200%29>. Acesso em: 03 nov. 2013.
De qualquer forma, certo é que no Termo de Adesão deve-se aportar alguns
elementos que contribuem com uma gestão eficiente por parte das entidades. Ainda
que não seja o escopo desta pesquisa, cumpre ressaltar que o Termo representa o
contrato estabelecido entre o prestador do serviço gratuito e a entidade tomadora
deste serviço e dele deverá constar a discriminação do horário a ser cumprido pelo
voluntário, suas atividades e em quais dias as desenvolverá. Mallet compreende que
o Termo de Adesão pode ser ferramenta de apoio à entidade no gerenciamento de
seus voluntários, inclusive quanto à proteção jurídica da entidade, se não quanto ao
vínculo de emprego, ao menos quanto às condições em que se estabeleceu a
relação de voluntariado. Segundo ele,
nada obsta, porém, que se estabeleçam, por escrito […], as condições para a prestação do serviço voluntário, determinando horários em que isso ocorrerá e os eventuais períodos de repouso. É, aliás, recomendável que assim se faça, a fim de evitar dúvida sobre a abrangência das obrigações recíprocas [sem grifos no original] (MALLET, 2010. p. 80 e 81).
Já Camargos, por outro lado, vê o Termo de Adesão como indispensável à
formalização da relação de voluntariado. Diz ela que
tal serviço deve ser exercido mediante a celebração de um termo de adesão entre a entidade pública ou privada e o prestador do serviço voluntário, sendo obrigatório constar do instrumento contratual que formaliza a relação o objeto e as condições de se exercício (CAMARGOS, 2008, p. 69).
A autora justifica este entendimento aduzindo que “a relação advinda do
trabalho voluntário é uma exceção à regra do contrato de trabalho, [portanto] a prova
de sua existência depende do documento expresso, ou seja, do termo de adesão
escrito (2008, p. 69)”.
Mussi faz um importante acréscimo ao elemento do Termo de Adesão,
sugerindo que nele conste, “por precaução, que somente serão ressarcidas as
despesas que tenham sido previamente autorizadas pela entidade beneficiária
(2010)”. E o faz guindado pelo Artigo 3.º da Lei 9.608/98 que previu esta
possibilidade por duas razões: a primeira, para evitar que se sobrecarregue o
voluntário com custos no desenvolvimento de sua atividade e, segundo, para deixar
claro que, caso o voluntário efetue alguma despesa no curso de sua atividade e
receba da entidade o devido ressarcimento, esta transação não configurará
39
remuneração, justamente por ser previsão expressa da lei que está permitido o
ressarcimento de despesas. Observe-se o entendimento de Mallet:
na verdade, não pode haver remuneração pelo trabalho [voluntário] em nenhuma hipótese, como é evidente [...]. Respeitada a limitação imposta, o ressarcimento das despesas não se reveste de caráter remuneratório . Destina-se apenas a compensar o gasto do prestador de serviço, não a retribuir o trabalho realizado (MALLET, 2008, p. 81 in ).
A exceção, claro, reside na hipótese da entidade falsear um elemento de
remuneração por meio do instituto do ressarcimento, o que poderá gerar o
reconhecimento do vínculo empregatício, sem prejuízo das demais cominações
legais aplicáveis à suposta fraude. Esta verificação, contudo, não constitui objeto
deste estudo.
Ademais, importante apresentar o entendimento de João Valente
Rothfuchs34 que considera o termo de adesão um instrumento
constitutivo apenas em relação às obrigações acessórias ali tratadas - as especificações e pormenores da relação - e sua ausência geraria somente uma presunção relativa da não ocorrência do trabalho voluntário e, por consequência, de vínculo de emprego (ROTHFUCHS, 2008, p. 181).
Mas o autor destaca que o estabelecimento do termo de adesão, “além de
formalizar uma relação contratual atípica, o chamado contrato de serviços gratuitos,
representa ainda uma tentativa de profissionalização no tratamento do trabalho
voluntário” (2010, p. 180), fortalecendo a argumentação com a posição de a opinião
de Maria Nazaré Lins Barbosa (Voluntariado remunerado: um contra-senso jurídico),
a qual assevera que o termo de adesão “espelha um compromisso entre o voluntário
e a entidade, para o qual se exige, como em qualquer trabalho profissional,
pontualidade, dedicação e empenho”. Contudo, Rothfuchs (2008) reforça que a
relação de voluntariado, estando ausente o termo de adesão, representaria uma
relação constituída, desde que presentes os requisitos do artigo 1.º (e ausentes os
do vinculo empregatício), mas “irregular pelo não cumprimento da obrigação legal
(prevista no artigo 2.º da Lei 9.608/98)”. O que significa dizer: inegável a
necessidade de celebrar o termo de adesão entre o voluntário e a entidade
beneficiária visto sua imposição legal, todavia dispensável em se tratando de afastar
40
34 O autor escreveu um capítulo da obra Aspectos Jurídicos do Terceiro Setor, organizada por Cristiano Carvalho e Marcelo Magalhães Peixoto.
o vínculo de emprego, uma vez que este se configurará estando presentes os
requisitos já estudados, mesmo que presente o documento aludido no artigo 2.º da
lei do voluntariado.
A Lei indica que, do termo de adesão, deverá constar o objeto e as
condições da prestação de serviço voluntário. Mussi esclarece que as condições
“são os modos através dos quais o trabalho deve ser executado, tais como local,
periodicidade, técnicas aplicáveis[...]”, enquanto o objeto “é o fim para o qual será
desenvolvido o trabalho. É a intenção que levou à adesão ao voluntariado”. Nesta
passagem, o doutrinador defende que o termo de adesão deve carregar em seu
conteúdo o objeto da relação, e dota este objeto de caráter subjetivo, entendo-o
como a motivação do indivíduo para a causa voluntária.
Por fim, cumpre revistar o artigo 3.º do diploma normativo regulador do
voluntariado, o qual permite o ressarcimento de despesas. Embora já se tenha
abordado este elemento de modo en passant, falta esmiuçar alguns componentes
deste dispositivo.
Primeiro, o fato de que as despesas a serem ressarcidas devem estar
devidamente comprovadas pelo voluntário, o que significa dizer que ele precisará
municiar-se com os documentos fiscais adequados a demonstrar que a despesa, de
fato, efetivou-se e que derivou de atividade relacionada a seu fim como prestador de
serviço daquela entidade - uma nota fiscal na qual constem os dados da entidade
beneficiária e, por que não, um relatório no qual conste a atividade desenvolvida que
justificou a despesa em tela. Segundo, o comando normativo contido no parágrafo
único do artigo: “as despesas a serem ressarcidas deverão estar expressamente
autorizadas pela entidade a que for prestado o serviço voluntário35”. Significa dizer:
não basta que o voluntário comprove a despesa e sua relação com a atividade
voluntária. É imprescindível que a entidade tomadora do serviço tenha
expressamente autorizado a realização da despesa. Mussi afirma que a “prévia” e
expressa autorização, além de ser um comando legal, contribui para evitar “futuros
dissabores ou discussões desgastantes acerca da existência ou inexistência de
autorização. Não obtendo prévia e expressa autorização para a despesa, o
voluntário assume o risco de não ser ressarcido (2010)”.
41
35 Lei 9.608/98, art. 1.º, caput. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9608.htm>. Aceso em 06 set. 2013.
Note-se que o autor utiliza a expressão “prévia” em seu entendimento e se o
faz, é apenas para endossar a estratégia de “evitar os dissabores” de uma eventual
discussão quanto à existência da autorização. Contudo, ele mesmo afirma que para
o efetivo cumprimento legal, a autorização da entidade “pode ser prévia, ou não ”.
Portanto, o importante é ter-se em vista que a exigência se faz quanto à autorização
da entidade, inclusive como mecanismo protetivo para evitar que a beneficiária seja
forçada a custear despesas que não eram absolutamente necessárias ou que,
ainda, exorbitavam sua capacidade econômica. Ou mesmo pensando na tomadora
como pessoa jurídica de direito público que tem suas relações econômico-
financeiras reguladas por legislações específicas, dentre elas a Lei 8.666/93 que
disciplina o custeio de despesas com compras e serviços pela administração
pública. É dizer, qualquer despesa que o voluntário pretendesse executar em sua
atividade vinculada a uma entidade pública, não só dependeria de autorização
expressa, como deveria seguir estritamente o rito legal aplicável à entidade.
42
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após todas as considerações trazidas no bojo do presente ensaio, restou
evidente a relevância e a importância do serviço voluntário no contexto das
organizações do Terceiro Setor, seja pelo impacto econômico, seja pela
transformação social que geram. Não obstante a expressiva pertinência do
voluntariado no processo de desenvolvimento social, são inúmeros os problemas
que se apresentam no estabelecimento da relação de serviço voluntário,
especialmente na seara do Direito do Trabalho, pela possibilidade de
reconhecimento do vínculo de emprego naquelas relações eivadas de vícios (ou
aparentemente viciadas) e que, portanto, encontram incidência nos requisitos
configuradores da relação de emprego.
Como visto, o requisito da onerosidade, essencial para a configuração do
vínculo de emprego, deve ser veementemente afastado da relação de voluntariado,
haja vista a gratuidade ser requisito essencial da prestação de serviço voluntário. E,
por onerosidade, ficou claro que se entende a remuneração economicamente
mensurável, ao passo em que os benefícios subjetivos (como a gratidão e o
desenvolvimento pessoal) não a caracterizam, inclusive por serem inerentes à
condição de voluntário.
Também restou indubitável que os outros elementos da relação empregatícia
podem (e em alguns casos, devem) estar presentes na relação de voluntariado. Isto
porque o voluntário assume para com a entidade beneficiária determinados
compromissos pertinentes à sua função, gerando à entidade a expectativa de
cumprimento. Logo, pensar em um certo grau de subordinação deste voluntário,
fixando-lhe os dias e horários para o trabalho voluntário é certamente preciso e
adequado. Note-se que uma das condições caracterizadoras da subordinação no
vínculo de emprego é a dependência técnica do empregado em relação ao
empregador. Tal dependência não é usualmente encontrada na prestação do serviço
gratuito, pois em geral é o voluntário que oferece seus conhecimentos e habilidades
em prol da entidade. Certo é, todavia, que a entidade delimitará, previamente ou
não, qual a sua necessidade que pretende ver suprida pelo(s) voluntário(s), não
implicando dizer que o voluntário estará dependendo tecnicamente de seus
gestores. Tampouco o estará na seara econômica, pois já não haverá qualquer
43
remuneração ao voluntário, recordando-se que as despesas que este sofrer no
curso de sua atividade voluntária e que venham a ser ressarcidas pela entidade não
configurarão espécie de remuneração.
Na introdução desta pesquisa, propusemo-nos a criar um limiar capaz de
proteger as entidades do reconhecimento indevido do vínculo de emprego. Destarte,
viu-se que a celebração do Termo de Adesão ao serviço voluntário é razoavelmente
importante nesta busca, pois mesmo que doutrina e a jurisprudência não sejam
pacíficas quanto à sua imprescindibilidade, certo é que a Lei 9.608/98 exige o seu
firmamento como requisito de caracterização do trabalho voluntário, nele devendo
constar objeto e condições de exercício do voluntariado. Ainda, pode-se utilizar o
termo de adesão para assegurar outras garantias à entidade, como especificar as
condições em que se dará o ressarcimento de despesas, estipular os dias e horários
de trabalho, dentre outras possibilidades que se somarão para tornar mais clara e
evidente a relação de trabalho gratuito estabelecida entre o voluntário e a entidade.
Ademais, percebeu-se que a assinatura do Termo de Adesão configura (ou eleva) o
trabalho voluntário à condição de trabalho formal (formalizado pelo Termo,
instrumento que equivale ao contrato de trabalho individual), fato que encontra
respaldo na classificação do voluntariado como relação de trabalho, tal qual o
vínculo de emprego.
Enfim, pretendeu-se com esta exposição demonstrar o cenário em que se
inserem as relações de serviço voluntário no Brasil, delineando-as, comparando-as
com a relação de emprego, outra espécie das relações de trabalho, buscando
demonstrar quais os caminhos para efetivar a afastabilidade do vínculo empregatício
quando a relação é, de fato, voluntária e, desta pesquisa, destacou-se como mais
evidente o fato de que a relação de trabalho (ou serviço) voluntário, ainda que
habitual e subordinada, jamais poderá ser remunerada, bem como não poderá
entregar ao voluntário os riscos econômicos da atividade.
44
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Altino Pedrozo dos Santos. Disponível em: <www.trt9.jus.br>. Acesso em: 02 nov.
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Ubirajara Carlos Mendes. Disponível em: <www.trt9.jus.br>. Acesso em: 02 nov.
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02923-2006-663-09-00-2-ACO-07871-2008, da Terceira Turma Julgadora. Relator:
Celio Horst Waldraff. Disponível em: <www.trt9.jus.br>. Acesso em: 02 nov. 2013.
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50
ANEXO I
DECLARACION UNIVERSAL SOBRE EL VOLUNTARIADO
La Declaración Universal sobre el Voluntariado, fue adoptada por la Junta Directiva
de la Asociación Internacional de Esfuerzos Voluntarios (IAVE) en enero 2001, en
Holanda.
El voluntariado es un elemento clave de la sociedad civil. Le da vida a las
aspiraciones más nobles de la humanidad – la búsqueda de la paz, de la libertad,
de las oportunidades, de la seguridad y de la justicia para todas las personas.
En esta era de globalización y cambio continuo, el mundo se está volviendo más
pequeño, más interdependiente y más complejo. El voluntariado – así sea por
acciones individuales o grupales – es una forma en la que:
• Los valores humanos de fraternidad, cuidado y servicio pueden sostenerse y
fortalecerse
• Las personas pueden ejercitar sus derechos y responsabilidades como
miembros de comunidades, al mismo tiempo que aprenden y crecen a lo largo
de sus vidas, concientes de su pleno potencial humano
• Las personas pueden establecer semejanzas sobre diferencias que nos
separan, de manera que podamos vivir juntos en comunidades saludables y
sostenibles, trabajando juntos para ofrecer soluciones innovadoras a retos
compartidos y para moldear nuestros destinos colectivos.
En el amanecer del nuevo milenio, el voluntariado es un elemento esencial de todas
las sociedades. Se pone en práctica la declaración de las Naciones Unidas de
“Nosotros, la Gente” tenemos el poder de cambiar el mundo.
Esta Declaración apoya el derecho de toda mujer, hombre y niño de asociarse
libremente y de ser voluntario cualquier sea su origen cultural o étnico religión, edad,
género y condición física, social o económica. Todas las personas en el mundo
tienen el derecho de ofrecer a otras personas y a sus comunidades su tiempo,
talento y energía, a través de acciones individuales y colectivas, sin esperar
remuneración económica.
Buscamos el desarrollo del voluntariado que:
51
• Promueve la participación de toda la comunidad al identificar y orientar sus
problemas;
• Estimula y apoya a la juventud para asumir liderazgo a través del servicio
como algo permanente en sus vidas;
• Ofrece una voz para aquellos que no pueden habla por sí mismos;
• Permite que otros participen como voluntarios;
• Complementa pero no reemplaza la acción responsable de otros sectores y
los esfuerzos de trabajadores remunerados
• Permite que las personas adquieran nuevos conocimientos y destrezas y que
desarrollen plenamente su potencial personal, confianza en si mismos y
creatividad;
• Promueve la solidaridad familiar, comunitaria, nacional y mundial.
Creemos que los voluntarios y las organizaciones y las comunidades a las que
sirven tienen una responsabilidad compartida en:
• Crear ambientes en los que los voluntarios tengan trabajo significativo que
ayude a alcanzar resultados acordados;
• Definir los criterios para la participación voluntaria, incluyendo las condiciones
bajo las cuales la organización y el voluntario puedan terminar su compromiso
y desarrollar políticas para guiar la actividad voluntaria;
• Ofrecer protección apropiada contra riesgos que amenacen a los voluntarios y
a las personas a quienes sirven;
• Brindar a los voluntarios capacitación apropiada, evaluación regular y
reconocimiento;
• Asegurar el acceso del voluntariado removiendo las barreras físicas,
económicas, sociales y culturales a su participación.
Teniendo en cuenta los derechos humanos básicos, como se expresan en la
Declaración sobre Derechos Humanos de Naciones Unidas, los principios del
voluntariado y las responsabilidades de los voluntarios y de las organizaciones en
las que participan, hacemos un llamado:
52
A todos los voluntarios para que proclamen su convencimiento en la acción
voluntaria como una fuerza creativa y mediadora que:
• Construya comunidades saludables y sostenibles que respeten la dignidad de
todas las personas;
• Empodere a las personas para ejercer sus derechos como seres humanos y
en esta forma mejorar sus vidas;
• Ayude a solucionar problemas sociales, culturales, económicos y ambientales
y
• Construya una sociedad más humana y más justa a través de la cooperación
mundial.
A los líderes de:
• Todos los sectores que se unan para crear “centros de voluntariado” locales y
nacionales, fortalecidos, visibles y efectivos como la organización primaria y
líder para el voluntariado;
• Gobierno para garantizar los derechos de todas las personas para ser
voluntarios, remover cualquier barrera legal para su participación, vincular
voluntarios en su trabajo, y ofrecer recursos a ONGs para promover y apoyar
la movilización y el manejo de voluntarios en forma efectiva;
• Industria y comercio para fomentar y facilitar la participación de sus
trabajadores como voluntarios en la comunidad y para comprometer recursos
humanos y financieros que permitan desarrollar la infraestructura necesario
para apoyar el voluntariado;
• Los medios para divulgar historias de voluntarios y ofrecer información que
estimule y apoye a personas para ser voluntarios;
• Educación para motivar y apoyar a las personas de todas las edades para ser
voluntarios, creando oportunidades para ellos para que puedan reflejarse y
aprender de su servicio;
• Religión para afirmar que el voluntariado es una respuesta apropiada a la
llamada espiritual a todas las personas a servir a los demás.
• ONGs para crear ambientes organizacionales amistosos hacia los voluntarios
53
y comprometer los recursos humanos y financieros requeridos para la
vinculación efectiva de los voluntarios.
A las Naciones Unidas para:
• declarar que ésta sea la “Década de los Voluntarios y de la Sociedad Civil” en
reconocimiento a la necesidad de fortalecer las instituciones de las
sociedades libres y
• reconocer la “V roja” como el símbolo universal del voluntariado.
IAVE reta a los voluntarios y a los líderes de todos los sectores alrededor del mundo
a unirse como aliados para promover y apoyar el voluntariado efectivo, accesible a
todos, como símbolo de solidaridad entre las gentes y naciones. IAVE invita a la
comunidad mundial del voluntariado a estudiar, discutir, endosar y convertirla en
realidad esta Declaración Universal del Voluntariado
Adoptada por la junta directiva mundial de IAVE – Asociación Internacional de
Esfuerzos Voluntarios en su XVI Conferencia Mundial de Voluntariado, Amsterdam,
Holanda, enero 2001, Ano Internacional de los Voluntarios.
Disponível em: <http://iave.org/node/114>.
54
ANEXO II
Fifty-second sessionAgenda item 12
RESOLUTION ADOPTED BY THE GENERAL ASSEMBLY[without reference to a Main Committee (A/52/L.22 and Add.1)]
52/17. ! ! International Year of Volunteers, 2001
The General Assembly,
Welcoming the recommendation of the Economic and Social Council contained in its resolution 1997/44 of 22 July 1997,
Decides to take the action called for in that resolution, inter alia, proclaiming 2001 the International Year of Volunteers.
50th plenary meeting 20 November 1997Fifty-second sessionAgenda item 12
REPORT OF THE ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL
Andorra. Argentina. Armenia. Australia, Austria, Bangladesh’ Belarus. Belgium. Benin. Bhutan, Bolivia, Bulgaria. Burkina Faso, Burundi, Cameroon. Canada. Cape Verde. Chad. Colombia. Congo. Costa Rica. Côte d’Ivoire. Croatia. Cuba. Cyprus. Czech Republic. Denmark. Djibouti. Ecuador. E1 Salvador, Ethiopia, Fiji, Finland, France. Gabon. Georgia. Germany. Ghana. Greece, Guinea, Guinea Bissau. Guyana, Honduras, Hungary. Indonesia. Iran (Islamic Republic of). Ireland. Israel. Italy. Jamaica. Japan. Jordan. Kazakhstan. Kyrgyzstan. Lao People’s Democratic Republic, Lesotho. Luxembourg. Madagascar. Malawi. Malaysia. Maldives, Malta. Marshall Islands, Mauritius. Mexico. Micronesia (Federated States of), Monaco. Mongolia. Morocco. Mozambique. Myanmar. Namibia. Netherlands. New Zealand, Nicaragua,
55
Pakistan, Panama, Peru. Philippines. Portugal. Republic of Korea, Republic of Moldova. Romania. Samoa, San Marino. Senegal. Sierra Leone. Singapore, Slovakia. Slovenia. Solomon Islands. South Africa. Spain. Suriname. Swaziland. Sweden, Thailand, Trinidad and Tobago. Tunisia. Turkmenistan. Ukraine. United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland, United Republic of Tanzania, United States of America. Yemen. Zambia and Zimbabwe: draft resolution
International Year of Volunteers, 2001
Addendum
Add the following countries to the list of sponsors of the draft resolution:
Barbados. Brazil, Brunei Darussalam, Central African Republic. Democratic Republic of the Congo. Dominican
Republic, Eritrea, Liberia. Mali. Nepal. Norway. Paraguay. Sri Lanka. Tajikistan. the former Yugoslav Republic of
Macedonia and Uruguay
Fifty-second sessionAgenda item 12
REPORT OF THE ECONOMIC AND SOCIAL COUNCILDraft resolution recommended by the Economic and
Social Council
International Year of Volunteers. 2001
The General Assembly,
Recalling its resolutions 2659 (XXV) of 7 December 1970, 31/131 of 16 December 1976, 31/166 of 21 December 1976, 40/212 of 17 December 1985 and 49/139 B of 20 Decem- ber 1994, and bearing in mind decision 96/32 of the Executive Board of the United Nations Development Programme/United Nations Population Fund, in which the Executive Board acknowledged the importance of the contribution made by
56
volunteers worldwide and expressed its support for the efforts of the United Nations Volunteers to promote further volunteer work,
Taking into account its decision 35/424 of 5 December 1980 and Economic and Social Council resolution 1980/67 of 25 July 1980 concerning guidelines for interna- tional years and anniversaries,
Noting the significant contribution that volunteers make in their own countries to improve the welfare and realizing the aspirations of their fellow citizens for improved economic and social well-being, and the financing of their work largely through civil society, including the private sector, as well as the important achieve- ments of volunteers assigned internationally to the attainment of the development goals of Member States,
Noting the assistance provided by the United Nations Volunteers, in particular to United Nations organizations and operations in the fields of social and economic development, humanitarian aid and the promotion of peace, democracy and respect for human rights, and above all in helping to link these efforts closely to the populations for whom they are intended,
Also noting the importance of new players taking the initiative at the local, national and international levels, particularly individuals and organizations of civil society, in partnership with Governments, as emphasized in the Copenhagen Declaration on Social Development and the Programme of Action of the World Summit for Social De- velopment,
Bearing in mind the conclusion of the Fourth World Conference on Women, that women should be enabled to benefit from lifelong learning, including volunteer activ- ity, 2 and noting that much volunteer activity is performed by omen and that such so- cially useful work should be appropriately recognized and supported,
Convinced that the need for volunteer effort is greater than ever in light of the adverse impact of such global problems as environmental degradation, poverty, drug abuse and human immunodeficiency virus/acquired immunodeficiency
57
syndrome on the more vulnerable sectors of society, and of the trend for civil society, in partnership with government and the private sector, to assume ever greater responsibilities in the development process,
Also convinced that a year designed to enhance the recognition, facilitation, networking and promotion of volunteer service, withParticular emphasis upon activity at the local level, could make a significant contri- bution to generating increased awareness of the achievements and further potential of volunteer service, to encouraging offers to service from a greatly expanded number of individuals and to channelling resources to augment the effectiveness of such service,
Noting with satisfaction that the proposal for the year has gained widespread support within civil society,
1. Proclaims 2001 the International Year of Volunteers;
2. Invites Governments, the United Nations system and intergovernmental,volunteer and non-governmental organizations and community-based organizations to col- laborate and identify ways and means of enhancing the recognition, facilitation, net- working and promotion of volunteer service in the preparations for and observance of the Year;
3.Designates the United Nations Volunteers programme, without prejudice to existing priorities, as the focal point for preparations, implementation and follow-up of the Year in close collaboration with other organizations of the United Nations system, and encourages the United Nations Volunteers to continue the process of close collaboration and partnership with Governments and
1 Report of the World Summit for Social Development. Copenhagen. 6-12 March 1995 (United Nations publication, Sales No. E.96.IV.8), chap. I, resolution I.
2 Report of the Fourth World Conference on Women, Beijing, 4-15 September 1995 (United Nations publication, Sales No. E.96.IV.13), chap. I, resolution 1, annex II, pare. 73.
58
international and national volunteer and non-governmental organizations, in particular, with regard to the preparations for and implementation of the Year;
4. Invites policy-making organs and the relevant organizations of the United Nations system to consider, in the context of their substantive mandates, the princi- ples and objectives of the Year, making special efforts through new and existing pro- grammes during the period 1998-2001 and to pursue follow-up action to the Year for the benefit of all countries and peoples;
5. Appeals to Member States, as well as all other participants in the observ- ance of the Year, to highlight 2001 as a special occasion benefiting the peoples of the world in their quest for a better life for all, based on the voluntary commitment of individuals and groups to make available their time and share their resources and skills in the interest of those less advantaged;
6. Calls for a concerted promotional and information campaign on behalf of the Year at the national, regional and international levels, with the strong participation of the mass media;
7. Requests the Secretary-General to take specific measures, within existing resources and with support from voluntary resources, through all the communications media at his disposal, in particular within the mandate of the Department of Public Information of the Secretariat, to give widespread publicity to the preparations for and observance of the Year and to disseminate information on the subject.
[Formatação do original. Disponível em: <http://www.worldvolunteerweb.org/
fileadmin/docdb/pdf/2001/A_RES_52-17_eng.pdf>].
59