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Apostila Pré-oab Júlio Corrêa

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CONCEITO, CARACTERÍSTICAS, DIVISÃO, NATUREZA, FUNÇÕES E AUTONOMIA

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DIREITO DO TRABALHO

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DIREITO DO TRABALHO

CONCEITO, CARACTERÍSTICAS, DIVISÃO, NATUREZA, FUNÇÕES E

AUTONOMIA

1. Conceito de Direito do Trabalho

O Direito do Trabalho é um ramo do Direito que ainda pode ser considerado novo na ciência jurídica, o que, juntamente com o fato de que é intensamente mar-cado por uma dinâmica normativa bastante sensível aos fatores políticos, sociais, econômicos e culturais, conduz à emergência de consideráveis divergências doutrinárias sobre diversas matérias objeto de seu estudo, como é o caso de seu próprio conceito. As dificuldades que se antevêem não devem, contudo, imobilizar o estudante, mas, antes, incentivá-lo aos incríveis desafios e experiências que pode haurir no caminho do conhecimento.

Orlando Gomes e Elson Gottschalk (2001) realçam que há disparidades de pontos de vista entre os au-tores quando tratam de conceituar o Direito do Tra-balho (2001, p. 7). De todo modo, esse ramo da ci-ência jurídica pode ser conceituado partindo de três distintos enfoques: objetivista,subjetivista e misto. O conceito objetivista leva em consideração o objeto de que trata o ramo juslaboral; o subjetivista enfatiza os sujeitos a que se dirige o Direito do Trabalho; o misto, por fim, conjuga os dois enfoques já referidos (adota tanto as pessoas quanto a matéria do Direito do Trabalho).

Os conceitos podem ser mais amplos ou restritos, le-vando em consideração as pessoas de que trata o Direito do Trabalho (várias espécies de trabalhado-res ou apenas os empregados) e a sua matéria de regulação (variadas relações de trabalho ou tão-só a relação de emprego).

Atualmente, predomina na doutrina conceitos mistos, sendo possível citar, entre outros, como expoentes dessa vertente, Maurício Godinho Delgado, José Au-gusto Rodrigues Pinto e Octávio Bueno Magano.

Eis o amplo conceito oferecido por Maurício Godinho:

[...] complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam a relação empregatícia de trabalho e outras relações normativamente especificadas, englobando, também, os institu-tos, regras e princípios jurídicos concernentes às relações coletivas entre trabalhadores e to-madores de serviços, em especial através de suas associações coletivas (DELGADO, 2004, p. 52).

Como se observa, esse conceito transcrito acima é

misto, levando em consideração tanto o objeto do Direito do Trabalho, ou seja, a relação empregatícia e outras relações normativamente especificadas, quanto as pessoas a que se dirige – os trabalhadores e tomadores de serviços. Trata-se de conceito apro-priado para o Direito do Trabalho no Brasil, uma vez que, apesar de haver uma necessária e clara predo-minância da regulação da principal relação de traba-lho que conecta o trabalhador na ordem socioeconô-mica, vale dizer, da relação empregatícia, também são objeto do Direito do Trabalho outras relações de trabalho normativamente especificadas, a exemplo da relação do trabalhador avulso (inc. XXXIV, art. 7o, CR/88).

A título de ilustração, citam-se os seguintes conceitos de Direito do Trabalho, com variados enfoques (sub-jetivista, objetivista e misto):

[...] o sistema jurídico de proteção aos econo-micamente fracos (CESARINO JÚNIOR apud BARROS, 2006, p. 86)

[...] o conjunto de princípios e normas que re-gulam as relações de empresários e trabalha-dores e de ambos com o Estado, para os efei-tos da proteção e tutela do trabalho (BOTIJA apud SÜSSEKIND et al, 2002, p. 100)

[...] o direito de todo e qualquer empregado (HUECK ET NIPPERDEY apud DELGADO, 2003. p. 58)

[...] o conjunto de normas jurídicas que regu-lam, na variedade de seus aspectos, as re-lações de trabalho, sua preparação, seu de-senvolvimento, conseqüências e instituições complementares dos elementos pessoais que nelas intervêm (MARQUES apud SÜSSEKIND et al, 2002, p. 100)

[...] aquele que regula as relações que surgem direta ou indiretamente da prestação contra-tual e remunerada do trabalho humano (PER-GOLESI apud SÜSSEKIND et al, 2002, p. 100)

O Direito do Trabalho é aquela parte do direito que tem por objeto as relações de trabalho su-bordinado (LA LOGGIA apud MORAES FILHO, 1995, p. 41-2)

[...] ramo da ciência do direito que tem por ob-jeto as normas, as instituições jurídicas e os princípios que disciplinam as relações de tra-balho subordinado, determinam os seus sujei-tos e as organizações destinadas à proteção desse trabalho em sua estrutura e atividade (NASCIMENTO, 2002, p. 59)

[...] conjunto de princípios e normas jurídicas destinado a disciplinar as relações entre em-

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pregadores e empregados, nos planos do in-teresse coletivo e individual, e entre estes e o Estado, no plano do controle da observância de seu conteúdo de ordem pública (PINTO, 2003, p. 50)

[...] conjunto de princípios, normas e institui-ções aplicáveis à relação de trabalho e às situ-ações equiparáveis, tendo em vista a melhoria da condição social do trabalhador (MAGANO, 1998, p. 10)

2. Características do Direito do Trabalho

O Direito do Trabalho, ramo autônomo da ciência jurí-dica, é marcado por características que, conjugadas, lhe configuram feição própria. Evaristo de Moraes Fi-lho as sintetiza:

Em resumo, estes são para nós os caracteres fundamentais do Direito do Trabalho, como ramo autônomo e especial da ciência jurídica: a) é um direito in fieri, um werdendes Recht, que tende cada vez mais a ampliar-se; b) tra-ta-se de uma reivindicação de classe, tuitivo por isso mesmo; c) é intervencionista, contra o dogma liberal da economia, por isso mes-mo cogente, imperativo, irrenunciável; d) é de cunho nitidamente cosmopolita, internacional ou universal; e) os seus institutos mais típicos são de ordem coletiva ou socializante; f) é um direito de transição, para uma civilização em mudança (MORAES FILHO, 1995, p. 59).

O Direito do Trabalho é in fieri, ou seja, um direito em vir-a-ser, porque está em constante construção, possui uma intensa tendência expansionista. É cer-to que outros ramos do Direito estão, outrossim, em constante construção, mesmo porque a sociedade evolui, altera-se, exigindo novos padrões de regula-ção, mas quando se trata do Direito do Trabalho, um ramo ainda novo da ciência jurídica, suas alterações são bastante sensíveis. Não se pode deixar de obser-var que há constantes ataques à sua tendência ex-pansionista, com o que se procura vinculá-lo estrita-mente à economia, à lei da oferta e da procura, mas, segundo considerável parte da doutrina, dignidade humana não está sujeita às regras de mercado. Eva-risto de Moraes Filho, a respeito dessa característica expansionista do Direito do Trabalho, lembrando a lição de Granizo e Rothvoss, salienta:

[...] o Direito do Trabalho cresce, realmente, procurando ampliar o seu conteúdo em três di-reções bem nítidas: em intensidade, porque aumenta cada vez mais os benefícios em fa-vor dos sujeitos desta legislação; em extensão territorial, porque se estende sempre mais no espaço geográfico, interno ou internacional; em extensão pessoal, de vez que tende a in-cluir em seu âmbito um número cada vez maior

de pessoas, até então ausentes de sua prote-ção (MORAES FILHO, 1995, p. 60 – negrito acrescido).

Como visto, o Direito do Trabalho possui a caracterís-tica de ser tuitivo (protetivo), porque é preponderan-temente direcionado à proteção de um grupo determi-nado de pessoas (como reivindicação de classe), os trabalhadores. Essa especificidade o leva a derrogar o direito comum, no que se lhe afigurar incompatível.Esse ramo do Direito é caracterizado, também, por ser intervencionista – aliás, se é protetivo (tuitivo), não poderia deixar de ser intervencionista e, sendo assim, interfere na autonomia da vontade dos pro-tagonistas das relações jurídicas por ele reguladas, impondo conteúdo mínimo de direitos a serem ob-servados. Assim, grande parte de suas normas são cogentes, impedindo que as partes avencem de ma-neira distinta da já prevista em lei.

Outra característica que se destaca é a de ser o ramo juslaboral cosmopolita, internacional ou universal. As conquistas na esfera trabalhista, impulsionadas por motivações variadas, normalmente expandem-se, ainda que com a marcha ditada pela realidade social, econômica e política de cada localidade. Há, portanto, uma tendência universalizante do Direito do Trabalho, que, paralelamente à sua característica in fieri, de que está em construção, expande-se com o desiderato de integrar o patrimônio de todo traba-lhador. O Tratado de Versalhes, de 1919, expressou essa preocupação de internacionalização do Direito do Trabalho, conforme se extrai de seu art. 427. Esse mesmo tratado criou a Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência da ONU, que tem por fito in-ternacionalizar normas de Direito do Trabalho. Julpia-no Chaves Cortez (1999, p. 38) acentua que “há uma tendência do Direito do Trabalho para uma relativa uniformização internacional e, para isso, concorrem determinados fatores econômicos (competição dos países no mercado internacional, globalização da economia e criação dos mercados comuns) e a exis-tência de organismos internacionais de que é exem-plo a OIT”.

A existência de peculiares institutos de âmbito co-letivo, como a convenção coletiva, a sindicalização, o dissídio coletivo, a sentença normativa, é outra ca-racterística do Direito do Trabalho que o particulariza na seara jurídica.

Por fim, ainda com arrimo na lição de Moraes Filho (1995, p. 66), direito em transição, resumidamente, é uma característica do Direito do Trabalho de “reali-zar a revolução branca, a reforma social sem sobres-saltos, nem alterações bruscas das atuais posições na vida econômica”.

Concluindo, então, o Direito do Trabalho tem por ca-racterísticas ser in fieri, protetivo (tuitivo), interven-cionista, cosmopolita (universalizante), dotado de

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típicos institutos de ordem coletiva ou socializante e por ser um direito de transição para uma civilização em mudança.

3. Divisão do Direito do Trabalho

Como sói acontecer no cenário doutrinário, há di-vergência quanto à divisão interna do Direito do Tra-balho, o que se verifica, por exemplo, nas lições de Octávio Bueno Magano, de Alice Monteiro de Barros, de José Augusto Rodrigues Pinto e de Maurício Go-dinho.

Magano (1998, p. 11-2) entende que o Direito do Tra-balho compõe-se de três partes: a) direito individual do trabalho; b) direito coletivo do trabalho; e c) direito tutelar do trabalho. Assim, para esse autor, direito in-dividual do trabalho “é a parte do Direito do Trabalho que tem por objeto o contrato individual do trabalho e as cláusulas que lhe são incorporadas em virtude de lei, convenção ou acordo coletivo, decisão norma-tiva e regulamento”, enquanto “direito coletivo do tra-balho é o que se ocupa da organização sindical, da negociação coletiva, dos contratos, das convenções e dos acordos coletivos de trabalho e das soluções dos conflitos coletivos de trabalho”, e, por fim, “direito tutelar do trabalho é a parte do Direito do Trabalho composta de normas de ordem pública, que tem por escopo assegurar a integridade psicossomática do trabalhador”.

Alice Monteiro Barros (2006), em seu Curso de Direi-to do Trabalho, adota divisão mais singela, ou seja, de direito individual do trabalho e de direito coletivo do trabalho.

José Augusto Rodrigues Pinto (2003), por sua vez, divide o Direito do Trabalho em três: a) direito indivi-dual do trabalho; b) direito sindical e coletivo do tra-balho; e c) direito administrativo do trabalho. Esse ju-rista entende que direito administrativo do trabalho é:

constituído pelo conjunto de princípios e nor-mas atinentes à relação entre empregador e empregado, de um lado, e o Poder Público, de outro, este no exercício do controle da ob-servância das normas de ordem pública dos outros dois sub-ramos da divisão interna, e da atividade sancionadora de suas transgressões (2003, p. 54).

Por fim, Maurício Godinho (2003, p. 63-65) parte de duas acepções de Direito do Trabalho, uma ampla e outra restrita. Pela primeira, o Direito do Trabalho seria dividido em direito material do trabalho (com a subdivisão de direito individual do trabalho e direito coletivo do trabalho), direito internacional do traba-lho e direito publico do trabalho (compreendendo o direito processual do trabalho, direito previdenciário e acidentário do trabalho e direito penal do trabalho – este último sob ressalvas, porque não atendidos os

requisitos para o reconhecimento de sua autonomia). Pela segunda acepção, ou seja, a mais restrita, o di-reito material do trabalho se dividiria apenas em direi-to individual do trabalho e direito coletivo do trabalho.

4. Natureza jurídica do Direito do Trabalho

A discussão quanto aos critérios de distinção entre as duas grandes famílias jurídicas, i. é., direito pú-blico e direito privado, é eivada de divergências que se devem, em grande monta, à histórica alteração da concepção do que é âmbito público e do que é esfera privada, que se modificou na Antiguidade, na Idade Média e na Modernidade1. De toda sorte, nascida com os romanos, a dicotomia é ainda hoje adotada. Insta, pois, perquirir a qual grupo pertence o Direito do Trabalho (público ou privado), ou, ainda, saindo desse dualismo, se o Direito do Trabalho seria direito social, misto ou unitário.

É necessário registrar, de pronto, que a doutrina re-conhece, predominantemente, que o Direito do Tra-balho pertence à esfera do direito privado. De se in-dagar, então, qual o critério que se pode adotar para chegar a essa conclusão.

Caio Mário, com espeque, em Ruggiero, afirma:

Parece conseguir resultado satisfatório Rug-giero, com a associação do fator objetivo ao elemento subjetivo: público é o direito que tem por finalidade regular as relações do Estado com outro Estado, ou a do Estado com seus súditos, quando procede em razão do poder soberano, e atua na tutela do bem coletivo; di-reito privado é o que disciplina as relações en-tre pessoas singulares, nas quais predomina imediatamente o interesse de ordem particular. (PEREIRA, 2000, p. 13)

Maurício Godinho (DELGADO, 2003, p. 71) perfilha o entendimento de que a fórmula criada por Ruggiero é a melhor, ao combinar o critério do interesse pre-valecente (público ou privado) e da titularidade do direito.

1- Caio Mário (PEREIRA, 2000, p. 11) salienta que “dos mais árduos e tormentosos é o problema da distinção entre o direito público e o direito privado”. Evaristo de Moraes Filho, no mesmo sentido, é eloquente: “O assunto não é simples, reveste-se, na realidade, da maior importância e de não menor dificuldade. Segundo Gurvitch, conseguiu Holliger reunir, em tese de doutoramento, a bagatela de 104 teorias que procuram distingir o direito público do privado...” (1995). Cite-se, ainda, Maurício Godinho (DELGADO, 2003, p. 70): “há uma dificuldade inicial razoável no que tange a essa pesquisa. É que os autores sequer harmonizam a respeito dos critérios informadores dessa clássica subdivisão, percebendo-se até mesmo o questionamento taxativo sobre a própria validade científica da tipologia Direito Público/Direito Privado.”

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FUNDAMENTOS E FORMAÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DO TRABALHOTENDÊNCIAS ATUAIS DO DIREITO DO TRABALHO

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FUNDAMENTOS E FORMAÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DO

TRABALHOTENDÊNCIAS ATUAIS DO DIREITO

DO TRABALHOFLEXIBILIZAÇÃO E DESREGULA-

MENTAÇÃO

1. Fundamentos e formação histórica do Direito do Trabalho

Direito do Trabalho é um ramo da ciência jurídica, au-tônomo2 em relação aos demais ramos porque é im-pregnado de regras, princípios e institutos peculiares3 e harmônicos, girando em torno de uma finalidade precípua e especial4. Mas ele não nasceu repentina-mente – tem uma história de formação.

Falar de formação do Direito do Trabalho é, pois, tra-tar dos fatos e fenômenos que conduziram à emer-gência de um sistema normativo autônomo, novo na história do Direito.

Ao examinar o surgimento desse sistema normativo, desse ramo autônomo do Direito, não basta pesqui-sar quando, na história da humanidade, houve uma ou outra regulamentação do trabalho sem cunho sistêmico e generalizante. Se, por exemplo, no Có-digo de Hamurabi havia alguma regra disciplinando o trabalho humano5, apesar de instigante estudo, não 2- Maurício Godinho, fazendo referência a Alfredo Rocco, observa que três requisitos são necessários para a obtenção do status de ramo jurídico (alcance de autonomia em face dos demais ramos), ou seja, campo temático vasto e específico, teorias próprias e metodologia particular. Godinho esclarece, ainda, que a esse grupo deve ser acrescida a existência de perspectivas e questionamentos peculiares, mas lembra que “há muito já não se questiona a óbvia existência de autonomia do Direito do Trabalho no contexto dos ramos e disciplinas componentes do universo do Direito e da ciência dirigida a seu estudo” (DELGADO, 2003, p.67-8). 3- Muitas vezes, ainda que haja princípios comuns a variados ramos jurídicos, eles podem se manifestar com distinta intensidade e, também, outras vezes, interagir de maneira peculiar com outras normas dentro do específico ramo dando-lhe identidade.4- A finalidade (aqui imbricada à ideia de função) mais precípua e especial do Direito do Trabalho é a melhoria das condições de pactuação da força de trabalho (DELGADO, 2003, p. 60), o que pode ser identificado, também, sob enfoque mais genérico, com a proteção da dignidade da pessoa do trabalhador.5- José César de Oliveira (in BARROS (coord.), 1997, p. 45) observa que Hamurabi “se ocupou [...] em regular a aprendizagem profissional (§§ 188-189), bem assim direitos e obrigações de classes especiais de trabalhadores, v. g., médicos (§§ 215-223), veterinários (§§ 224-225), barbeiros (§§ 226-227), pedreiros (§§ 228-233) e barqueiros (§§ 234-

interessa para os fins desta pesquisa.6 O que se pro-cura, portanto, é identificar conexões fenomênicas (fatores econômicos, políticos e sociais) estabeleci-das de maneira a criar condições propícias ao sur-gimento de um ramo autônomo do Direito, realidade bem distinta da investigação de normas de regulação do trabalho despontadas espaçadamente e de forma assistemática em diferentes épocas no curso da his-tória, ou seja, eventuais regulações pontuais que não se inseriram em um processo de formação do Direito do Trabalho (sistema jurídico) não interessam para o exame da efetiva gestação e nascimento desse ramo especializado da ciência jurídica.7

O Direito do Trabalho é fruto da sociedade industrial8, produto do século XIX, no qual se congregaram todas as condições necessárias para o surgimento de nor-mas trabalhistas e, igualmente, por antecedente lógi-co, da relação de emprego (categoria nuclear desse ramo da ciência jurídica), com amplitude e intensida-de socialmente relevantes.

Como realçado, a categoria nuclear (central) do Di-reito do Trabalho é a relação de emprego. Sem ela, 240), além de dispor sobre preços e salários (§§ 241-277).6- Nesse sentido, Segadas Vianna (SÜSSEKIND et al., 2002, p.35) ressalta que o “estudo de todos os fatos, de todos os atos jurídicos, de todas as classes de leis, que, direta ou indiretamente, se relacionassem com o trabalho” impediria deter-se “cuidadosamente no exame dos reais antecedentes, isto é, daqueles que, pela sua influência, verdadeiramente vieram a dar um sentido social e humano e finalmente jurídico à conceituação e valorização do trabalho”. Esse mesmo autor, ainda, observa, ao referir-se a elementos que disseram respeito ao trabalho e a soluções pontuais de problemas sociais, que nada “disso era, entretanto, realmente Direito do Trabalho porque a fermentação que daria razão de ser para seu aparecimento só começaria a ser sentida no final do século XVII, com a revolução política e a revolução industrial ou técnico-econômica”.7- Por isso, afigura-se correto afirmar que o Direito do Trabalho, ramo do Direito, não nasceu na Antiguidade nem na Idade Média.8- “O Direito do Trabalho nasce com a sociedade industrial e o trabalho assalariado” (NASCIMENTO, 2002, p. 40). “[...] Este novo ramo do direito é o resultado, o produto direto da técnica moderna, da industrialização destes últimos tempos.” (MORAES FILHO, 1995, p. 74). “O Direito do Trabalho é, pois, produto cultural do século XIX e das transformações econômico-sociais e políticas ali vivenciadas. Transformações todas que colocam a relação de trabalho subordinado como núcleo motor do processo produtivo característico daquela sociedade. Em fins do século XVIII e durante o curso do século XIX é que se maturaram, na Europa e Estados Unidos, todas as condições fundamentais de formação do trabalho livre mas subordinado e de concentração proletária, que propiciaram a emergência do Direito do Trabalho” (DELGADO, 2003, p. 86). “O Direito do Trabalho surge no século XIX, na Europa, em um mundo marcado pela desigualdade econômica e social, fenômeno que tornou necessária a intervenção do Estado por meio de uma legislação predominantemente imperativa, de força cogente, insuscetível de renúncia pelas partes” (BARROS, 2006, p. 62-3).

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não haveria de se falar sequer no surgimento desse ramo especializado da ciência jurídica. É necessário, pois, identificar quando, na história, ela se genera-lizou. A resposta é quase unívoca: durante a socie-dade industrial do século XIX. Antes desse momento não se verifica a disseminação generalizada dessa forma de vinculação do trabalhador ao sistema pro-dutivo. Anteriormente, na Idade Média e na Antigui-dade, preponderava, respectivamente, a servidão e a escravidão. Logo, apenas com a mão de obra livre é possível falar em contrato de emprego9.

Além de haver mão de obra livre para sua utilização nas fábricas, porque os servos já vinham sendo li-bertados das glebas e se acomodando nos centros urbanos, em torno da grande indústria, essa concen-tração de enormes massas humanas em condições bastante adversas de trabalho (jornadas excessivas, rigor demasiado, baixos salários, ambientes insalu-bres e todo o mais que desumaniza), a congregação de trabalhadores em situações tão precárias, fez surgir um sentimento de união que, com o tempo, tornou-se, realmente, um método de atuação para obtenção de condições menos agressivas de traba-lho. Junto a isso, havia um quadro de instabilidade política e o franco risco de disseminação do socia-lismo. Esses fatores geraram reivindicações e, aos poucos, despontaram normas de cunho trabalhista (inicialmente para proteção do trabalho de menores e de mulheres). Essas normas que foram surgindo aos poucos, com o tempo foram se generalizando e intensificado, até chegar ao reconhecimento de que já havia um ramo jurídico novo, com objeto próprio (o que, aliás, foi considerado no Tratado de Versalhes, notadamente ao criar a Organização Internacional do Trabalho – OIT), merecendo, até mesmo, tratamento Constitucional (Constituição de Weimar de 1919).

De forma concisa, então, pode-se dizer que esses fo-ram importantes fatores para o surgimento do Direito do Trabalho.

1.1. Periodização da formação histórica do Direito do Trabalho

O Direito do Trabalho é fruto da convergência de fa-tores sociais, econômicos e políticos. A partir de de-terminado momento histórico inicia-se a formação de um ramo jurídico que, posteriormente, seria o Direito do Trabalho. Como esse ramo do Direito não nasceu subitamente pronto e acabado, mas, diferentemente, 9- Maurício Godinho (DELGADO, 2003, p. 86) bem observa que “apenas a partir do instante em que a relação de emprego se torna a categoria dominante como modelo de vinculação do trabalhador ao sistema produtivo, é que se pode iniciar a pesquisa sobre o ramo jurídico especializado que se gestou em torno dessa relação empregatícia. Esse instante de hegemonia – de generalização e massificação da relação de emprego no universo societário – somente se afirma com a generalização do sistema industrial na Europa e Estados Unidos da América; somente se afirma, portanto, ao longo do século XIX”.

é resultado de um processo de construção paulatina, é comum os autores fazerem uma periodização da formação histórica do Direito do Trabalho uma divi-são em fases, em períodos. Recorrentemente, então, é feita referência à periodização delineada por Grani-zo e Rothvoss: formação, intensificação, consolida-ção e autonomia.10

A fase de formação do Direito do Trabalho se estende de 1802 a 1848, com marco inicial no Peel’s Act (Mo-ral and Health Act), na Inglaterra, proibindo o trabalho de menores à noite e limitando a sua jornada. Entre outros acontecimentos, é possível citar, ainda, nessa fase, que, em 1813, na França, foi proibido o trabalho de menores em minas.

A fase de intensificação é identificada entre 1848 e 1890, apresentando o marco inicial no Manifesto Comunista de Marx e Engels e os resultados da Re-volução de 1848, na França. Dessa Revolução, com tendência universalizante, erigiu o fortalecimento da liberdade de associação.

A fase de consolidação vai de 1890 a 1919, apon-tando-se o seu início com a Conferência de Berlim (1890) e a Encíclica Rerum Novarum (1891), de Leão XIII, que trata da condição dos operários e do risco do conflito de classes (“Não luta, mas concórdia das classes”).

Por fim, a fase de autonomia inicia-se em 1919, mar-cada pela criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e pela constitucionalização do Direito do Trabalho, com a Constituição Alemã de Weimar11.

Maurício Godinho Delgado (2003) também identifica quatro fases do Direito do Trabalho: 1) manifestações incipientes ou esparsas (1802 a 1848); 2) sistema-tização e consolidação (1848 a 1919); 3) institucio-nalização (1919 a 1979/1980); e 4) crise e transição (1979/1980 em diante).

Por essa periodização, a primeira fase é marcada por legislação dirigida à proteção de menores e mulhe-res, em razão de grande exploração a que eram sub-metidas, mas de forma assistemática e dispersa, não surgindo, ainda, um novo ramo jurídico.

A segunda fase (sistematização e consolidação) é o avanço da normatização trabalhista que deixa de ser esparsa e dirigida quase tão-só a menores e a mu-lheres, para abranger, de forma mais generalizante, a figura do trabalhador, contemplando mais variado fei-xe de direitos que já são tratados sistematicamente. Godinho (DELGADO, 2003, p. 95) afirma que essa fase se estende de “1848 até o processo seguinte

10- Entre outros, citam essa periodização Maurício Godinho Delgado (2003, p. 92), Evaristo de Moraes Filho (1995, p. 80) e Alice Monteiro de Barros (2006, p. 63).11- Merece registro que a Constituição Mexicana contemplou direitos trabalhistas já em 1917.

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à Primeira Guerra Mundial, com a criação da OIT e promulgação da Constituição de Weimar, ambos eventos ocorridos em 1919”. São fatores importantes dessa fase o Manifesto Comunista (1848), a Revolu-ção de 1848, na França, e o movimento Cartista, na Inglaterra.

A fase de institucionalização do Direito do Trabalho, terceira fase, tem início após a Primeira Guerra Mun-dial e representa o momento em que esse ramo da ciência jurídica se oficializa, se institucionaliza. Tem por marco inicial a constituição de Weimar (1919) e a criação da OIT.

A quarta fase, crise e transição do Direito do Traba-lho, tem seu marco inicial nos anos de 1979/1980 e é marcada por crise econômica, por renovação tecnoló-gica e reestruturação das estratégias e modelos clás-sicos de gestão empresarial (como descentralização administrativa e repartição de competências interem-presariais). No plano sociopolítico, torna-se hegemô-nico o pensamento de desconstrução do Estado de Bem-Estar Social. Tem por característica essa fase, então, a desregulação, a informalização e a desorga-nização do mercado de trabalho. Godinho (DELGA-DO, 2003, p. 99) acentua, contudo, sobre essa fase, que “o que despontara, no início, para alguns, como crise para a ruptura final do ramo trabalhista, tem-se afirmado, cada dia mais, como essencialmente uma transição para um Direito do Trabalho renovado”.

Seguindo uma ou outra periodização do Direito do Trabalho (a de Granizo e Rothvoss ou a de Godinho), fato é que o Direito do Trabalho não surgiu repenti-namente, não despontou como obra feita e acabada de pronto. Adveio esse ramo especializado de uma construção paulatina e constante. Daí porque, inicial-mente, foram surgindo normas de regulação do tra-balho, espaçadamente e sem uma dinâmica de cria-ção e reprodução específica. Em verdade, surgida a questão social, vale dizer, condições extremamente adversas de trabalho, impunha-se restringir a explo-ração exacerbada, o que se deu com o estabeleci-mento de normas de contenção. Doutrina, corrente-mente, cita o Peel’s Act (Moral and Health Act), de 1802, como um marco histórico das manifestações incipientes, uma vez que esse diploma legal foi res-ponsável por fixar restrições à utilização do trabalho de menores. Essas leis, de espaçadas vão se inten-sificando pelas próprias exigências socioeconômicas e políticas, em um evolver constante que leva à sis-tematização e consolidação do próprio Direito do Tra-balho. Chega um momento em que se reconhecem as normas de regência do trabalho como integrantes de um ramo jurídico, vale dizer, com espaço jurídico certo, já sistematizado e consolidado. Esse momento é seguido de seu reconhecimento institucional, como exemplificam as Constituições Mexicana (1917) e de Weimar (1919), assim como com o Tratado de Versa-lhes e criação da OIT. Posteriormente, com os abalos do Estado de Bem-Estar Social, o Direito do Trabalho

acaba passando por um processo de desregulamen-tação e de flexibilização, com intensidade diferencia-da em cada grupamento social. Hoje, fala-se em um Direito do Trabalho renovado.

2. Tendências atuais do Direito do Trabalho

O Direito do Trabalho, na sociedade contemporânea, passa por um processo de crítica e de tentativa con-certada de desconstrução. Trata-se de considerável influxo de índole neoliberal, que enxerga nas normas cogentes trabalhistas obstáculo à autonomia da von-tade. Assim, surge, pujante, o discurso da necessi-dade de flexibilização (sempre para baixo) e de des-regulamentação. Como o Direito do Trabalho é um meio de assegurar distribuição de riquezas no siste-ma capitalista, porque o trabalhador vive da retribui-ção de seu trabalho, o discurso que propugna por sua franca desregulamentação e flexibilização encontra, ainda, resistência, já se falando em um meio-termo, ou seja, em um Direito do Trabalho renovado: nem tão rígido, mas, também, não tão flexível.

3. Flexibilização e Desregulamentação

Segundo Amauri Mascaro Nascimento (2002, p. 65), flexibilização “É o afastamento da rigidez de algu-mas leis para permitir, diante de situações que o exi-jam, maior dispositividade das partes para alterar ou reduzir os seus comandos”.

Após a Segunda Guerra Mundial, seguiu-se um perí-odo de acumulação de direitos sociais e de sua efeti-vação, notadamente por meio do Estado de Bem-Es-tar Social. Em seguida à primeira grande crise desse Estado, que pode ser identificada em 1973 (Crise do Petróleo), emergiram, contudo, frentes de ataque a uma propalada inflexibilidade do Direito do Trabalho, de maneira que seria necessário flexibilizá-lo, a fim de permitir adaptá-lo a eventuais crises econômicas, notadamente considerando a economia globalizada.

A desregulamentação do Direito do Trabalho é pro-posta que também vem por ocasião do retorno do discurso liberal, economia de mercado. A sua distin-ção reside em propugnar pelo afastamento da regula-ção trabalhista, enquanto que a flexibilização em per-mitir que as partes disponham de forma diversa da regulação já existente. Assim, em uma, a regulação trabalhista existe e permanecerá, franqueando-se, apenas, hipóteses de adoção de regras distintas, em casos especificados; em outra (desregulamentação), a regulação existente deixaria de existir, abrindo um espaço para a aberta negociação dos protagonistas da relação de trabalho.

A propósito, Süssekind vaticina:

A nosso entender, portanto, a desregulamenta-ção do Direito do Trabalho, que alguns autores consideram uma das formas de flexibilização,

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com esta não se confunde. A desregulamenta-ção retira a proteção do Estado ao trabalhador, permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva, regule as condições de trabalho e os direitos e obrigações oriundos da relação de emprego. Já a flexibilização pressupõe a intervenção estatal, ainda que básica, com normas gerais abaixo das quais não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade. Precisamente porque há leis é que determina-dos preceitos devem ser flexíveis ou estabele-cer fórmulas alternativas para sua aplicação. (SÜSSEKIND, 2002, p. 204-5, v. I)

No Brasil, algumas regras permitem a flexibilização, como exemplifica o inc. VI do art. 7o da CR/88: “irre-dutibilidade do salário, salvo o disposto em conven-ção ou acordo coletivo”.

Pontue-se que divergem doutrina e jurisprudência quanto aos limites da autonomia privada coletiva conferida pelo inc. XXVI do art. 7o da CR/88 (“reco-nhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”), para efeito de flexibilizar direitos traba-lhistas, ou seja, se apenas salário ou qualquer outro direito trabalhista poderia ser objeto de flexibilização mediante negociação coletiva. Aqueles que têm uma visão mais permissiva justificam afirmando que, se é possível negociar até salário, qualquer outro direito estaria dentro dessa esfera de negociação; outros, por sua vez, sustentam que a Constituição foi precisa em limitar a negociação coletiva envolvendo salário (inc. VI, art. 7o, CR/88 – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo). De modo geral, tem-se admitido a negociação cole-tiva como verdadeiro instrumento de regulação tra-balhista, inclusive para estabelecer regras distintas daquelas estabelecidas em legislação heterônoma estatal. Há, contudo, claros limites a essa negocia-ção, mesmo porque, muitas vezes, precede a norma jurídica estudos e motivos que não podem simples-mente serem apreendidos e considerados (ou des-considerados) por sindicatos ou sindicato e empresa em mesa de negociação. Assim, existem normas pro-tegidas por uma indisponibilidade absoluta e, pois, imunes à negociação coletiva (a autonomia privada coletiva encontra limite nessa esfera). As normas atinentes a registro de empregado, a salário mínimo legal e a saúde e proteção do trabalhador se encon-tram nesse espaço de proteção maior, vale dizer, de indisponibilidade absoluta12-13.

12- Veja, a propósito, Maurício Godinho Delgado (2003, p. 216-7).13- Nesse sentido, o inc. II da Súmula n. 437/TST: “II - É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva.”

Cons

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