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2020 Dirley da Cunha Júnior Curso de DIREITO CONSTITUCIONAL 14ª edição Revista, ampliada e atualizada

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Page 1: DIREITO CONSTITUCIONAL€¦ · 468 Curso de Direito Constitucional - Dirley da Cunha Júnior Assumindo o poder, os republicanos instalaram o governo provisório, sob a presidência

2020

Dirley da Cunha Júnior

Curso de

DIREITO CONSTITUCIONAL

14ª edição Revista, ampliada e atualizada

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Capítulo VIII

Histórico das Constituições BrasileirasSumário • 1. Antecedentes do constitucionalismo brasileiro – 2. A Constituição de 1824 – 3. A Constituição de 1891: 3.1. A instalação da Primeira República; 3.2. Traços gerais da Constituição de 1891 – 4. A Constituição de 1934: 4.1. A Revolução de 1930; 4.2. Traços gerais da Constituição de 1934 – 5. A Constituição de 1937: 5.1. O Estado Novo; 5.2. Traços gerais da Constituição de 1937 – 6. A Constituição de 1946 – 7. A Constituição de 1967: 7.1. A Revolução de 1964; 7.2. Traços gerais da Constituição de 1967 – 8. A Constituição de 1969 (EC nº 01/69) – 9. A Constituição de 1988: 9.1. Antecedentes; 9.2. Traços gerais e estrutura da Constituição de 1988 – 10. Quadro sinótico.

1. ANTECEDENTES DO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIROComo colônia de Portugal, o Brasil experimentou distintas formas de organização

política e administrativa. Inicialmente, surgiram as chamadas feitorias (1501-1532), en-quanto núcleos políticos onde imperava a vontade do feitor.

Em seguida, sobreveio o período das capitanias (1532-1549), com a organização das chamadas capitanias hereditárias, que consistiu num sistema de divisão do território bra-sileiro em doze porções diferentes, concedidas pelo Rei de Portugal – através de Cartas de Doação – a seus súditos ricos e graduados, que passariam a ser chamados de donatários, para colonizá-las com poderes quase absolutos.

As capitanias se organizavam sem qualquer relação umas com as outras, sem interpe-netração política, proporcionando uma dispersão do poder.

Posteriormente, adota-se o sistema de governadores-gerais (1549-1572) visando conferir uma certa unidade na organização política colonial. O primeiro Governador-Geral nomeado foi Tomé de Sousa, que chegou ao Brasil de posse de um documento político denominado Regimento do Governador-Geral. Esse documento revestiu-se de singular importância para o constitucionalismo brasileiro, devido a sua finalidade de organizar o regime colonial e as instituições políticas da época, não faltando quem o apontasse como a primeira Constituição do Brasil.

Em 1621, a colônia é dividida em dois Estados: o Estado do Brasil (que compreendia todas as capitanias que se estendiam desde o Rio Grande do Norte até São Vicente, ao Sul) e o Estado do Maranhão (que abrangeu as capitanias do Ceará até o extremo norte). O Governo-Geral divide-se, assim, em Governos regionais (Estado do Brasil e Estado do Ma-ranhão) e estes em várias capitanias gerais, das quais decorreram as capitanias secun-dárias, que se tornaram posteriormente centros autônomos locais.

Nesses centos locais, onde era intensa a exploração agrícola, surgiram as organizações mu-nicipais, com a criação do Senado da Câmara ou Câmara Municipal, que correspondia ao órgão do poder local, exercendo a administração local e influenciando na vida política da capitania.

Mas a fase monárquica no Brasil se inicia com a chegada de D. João VI ao Brasil em 1808, com a instalação da Corte no Rio de Janeiro. Em 1815, o Brasil é elevado à categoria de Reino Unido a Portugal, encerrando-se o sistema colonial e o monopólio da Metrópole.

Na sequência, em 07 de setembro de 1822, foi proclamada a Independência do Brasil, com a consolidação do Estado brasileiro sob a forma de governo imperial que assim con-tinuou até 15 de novembro de 1889.

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Com a independência, surge a necessidade de montar uma estrutura política no País que, inspirada no liberalismo, conseguisse reunir a ideia de construir uma unidade nacional com a organização de um poder centralizador que freasse os poderes regionais e locais e a pretensão de assegurar os direitos individuais e um sistema de divisão de poderes.

Essa estrutura foi consagrada com a elaboração da primeira Constituição do País, de 25 de março de 1824.

2. A CONSTITUIÇÃO DE 1824Ainda nem tinha sido proclamada a independência, o príncipe-regente D. Pedro já

havia convocado, em 23 de junho de 1822, uma Assembleia Constituinte, que, no entanto, só veio a ser efetivamente instalada em 03 de maio de 1823, após a independência, sob a presidência de José Caetano da Silva Coutinho, Bispo do Rio de Janeiro. O objetivo indis-farçável era a elaboração de uma Constituição escrita, que estruturasse um poder centra-lizador e organizasse uma forma de governo monárquico representativo.

Contudo, em razão das tendências revolucionárias e excessivamente liberais dos seus trabalhos, começaram a surgir divergências entre D. Pedro I, já consagrado Imperador, e a Assembleia Constituinte, provocando o contragolpe conservador de D. Pedro I, que a dis-solveu, atribuindo ao Conselho de Estado, que ele mesmo havia criado, a elaboração do novo anteprojeto que se transformou na Constituição do Império do Brasil, de 25 de março de 1824, outorgada pelo Imperador ao povo brasileiro1.

Declarou o Brasil como um Império, organizando-o como Estado Unitário (art. 1º); dividiu o seu território em províncias, nas quais foram transformadas as capitanias então existentes, sendo essas províncias administradas por um presidente de livre nomeação do Imperador (arts. 2º e 165) e estabeleceu um Governo Monárquico hereditário, constitu-cional e representativo (art. 3º).

Na organização dos poderes, adotou um sistema de separação de funções, porém na formulação quadripartita de Benjamin Constant, compreendendo o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo e o Poder Judicial (art. 10).

O Poder Legislativo era exercido pela Assembleia Geral (art. 13), que se compunha de duas Casas: a Câmara dos Deputados e o Senado (art. 14); a Câmara dos Deputados, era eletiva e temporária (art. 35); enquanto o Senado era composto de membros vitalícios nomeados pelo Imperador dentre os integrantes de uma lista tríplice eleita pela província (art. 40 e 43).

O Poder Moderador era considerado a chave de toda a organização Política, e exercido privativamente pelo Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Repre-sentante, para que velasse sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia entre os demais Poderes Políticos (art. 98). Com o Poder Moderador, o Imperador dispunha de amplas prerrogativas, pois, no exercício desse poder, o Imperador podia nomear Se-nadores à vista de listas tríplices; podia convocar extraordinariamente a Assembleia Geral nos intervalos das Sessões; sancionar os Decretos e Resoluções da Assembleia Geral, para que tenham força de Lei; aprovar e suspender interinamente as Resoluções dos Conselhos Provinciais; prorrogar ou adiar a Assembleia Geral e dissolver a Câmara dos Deputados,

1. FERREIRA, Pinto. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. 5ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1971, Tomo I, p. 108.

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nos casos em que o exigir o interesse do Estado, e convocar imediatamente outra, que a substitua; nomear e demitir livremente os Ministros de Estado; suspender os Magistrados em caso de queixas contra eles; perdoar e moderar as penas impostas aos réus condenados por Sentença e conceder anistia em caso de urgência (art. 101).

O Poder Executivo também tinha por chefe o Imperador que o exercia por meio de seus Ministros de Estado, de sua livre nomeação e demissão (art. 102).

O Poder Judiciário, considerado independente, era composto do Supremo Tribunal de Justiça, seu órgão superior, com sede na Capital do Império; dos Tribunais de Relação nas províncias, além dos juízes de direito (art. 151).

A Constituição do Império também criou um órgão de consulta superior do Imperador, chamado Conselho de Estado, composto de Conselheiros vitalícios, nomeados pelo Im-perador, que eram ouvidos em todos os negócios graves e medidas gerais da Administração Pública, principalmente sobre a declaração de Guerra, ajustes de paz, negociações com as Nações Estrangeiras, assim como em todas as ocasiões em que o Imperador exercesse qualquer das atribuições próprias do Poder Moderador (arts. 137/144).

As cidades e vilas eram administradas por Câmaras de Vereadores, eletivas e tempo-rárias, sendo o Vereador mais votado o seu presidente e, em consequência, o chefe da ad-ministração municipal (arts. 167 e 168).

Também inspirada pelas ideias liberais da época, a Constituição consagrou, no art. 179, uma declaração de direitos civis e políticos, destacando-se a liberdade, a segurança e a propriedade.

A Constituição de 1824 sofreu duas revisões. A primeira com o Ato Adicional de 12 de agosto de 1834, que extinguiu o Conselho de Estado; criou as Assembleias Legislativas Provinciais; conferiu competência legislativa às Assembleias Provinciais e esboçou uma reação ao poder centralizador do Império, com ideias descentralizadoras ou federalistas2 que posteriormente foram sufocadas. A segunda com a Lei de Interpretação do Ato Adi-cional, de 12 de março de 1840, com forte orientação conservadora, que restabeleceu o Conselho de Estado.

A Carta do Império, em suma, teve forte influência francesa.

3. A CONSTITUIÇÃO DE 1891

3.1. A instalação da Primeira RepúblicaDurante todo o período imperial as ideias descentralizadoras ou federalistas se man-

tiveram presentes, provocando, inclusive, várias rebeliões, como as “Balaiadas”, as “Ca-banadas”, as “Sabinadas” e a “República de Piratini”.

Fatores como a grande extensão do território brasileiro e a criação de poderes locais, efetivos e autônomos, associados a ideias republicanas e democráticas, foram decisivos para, em 15 de novembro de 1889, por meio de um decreto, de nº 01, de 15.11.1889 (art. 1º), proclamar-se entre nós uma República Federativa, com a transformação das províncias em Estados Unidos do Brasil.

2. Nas palavras de Pedro Calmon, Curso de Direito Constitucional Brasileiro. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastas, 1947, p. 09: “O Ato Adicional, de 1834, atenuou o unitarismo da Constituição, admitindo que as províncias tivessem as suas assembleias legislativas, o seu tesouro próprio, a sua justiça municipal. Transigiu assim com as ten-dências de descentralização que eram inerentes à evolução, à história e à geografia do Brasil”.

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Assumindo o poder, os republicanos instalaram o governo provisório, sob a presidência do Marechal Deodoro da Fonseca (Ruy Barbosa foi o vice-presidente). Em 03 de dezembro de 1889, o governo provisório nomeou, por meio do Decreto nº 29, uma comissão de cinco ilustres republicanos (Saldanha Marinho, seu presidente; Américo Brasiliense, seu vice--presidente; Santos Werneck; Rangel Pestana e Magalhães Castro), para a elaboração do projeto de Constituição, que serviria de base para as discussões na Assembleia Consti-tuinte. Em 15 de setembro de 1890 foi eleita a Assembleia-Geral Constituinte, vindo a ser instalada no Palácio São Cristóvão em 15 de novembro do mesmo ano, sob a presidência de Prudente de Moraes, que posteriormente viria a ser Presidente da República.

É importante esclarecer que a Assembleia-Geral Constituinte foi instalada com limi-tações, pois não podia interferir no governo existente à época, nem tocar na República e Fe-deração. A Assembleia-Geral Constituinte durou pouco mais de três meses, promulgando em seguida a primeira Constituição da República Federativa em 24 de fevereiro de 1891.

3.2. Traços gerais da Constituição de 1891Promulgada em 24 de fevereiro de 1891, a nova Constituição brasileira adota como

forma de Governo, sob o regime representativo, a República Federativa, que se constitui por união perpétua e indissolúvel das suas antigas províncias, convertidas em Estados Unidos do Brasil. Cada uma das antigas Províncias formará um Estado membro da nova Federação (arts. 1º e 2º).

Organiza os poderes da República a partir de um sistema de separação tripartite, es-tabelecendo como órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judi-ciário, harmônicos e independentes entre si (art. 15).

O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (art. 16), cujos membros são eleitos para mandatos de 03 e 09 anos respectivamente, sendo que para o Senado renovando-se de três em três anos por um terço. O Vice-Presidente da República será Presidente do Senado, onde só terá voto de qualidade, e será substituído, nas ausências e impedimentos, pelo Vice-Presidente da mesma Câmara (art. 32).

Inspirada no constitucionalismo norte-americano, consagrou um sistema presiden-cialista de governo, em que o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, apenas auxiliado pelos seus Ministros de Estado, sendo substituído, no caso de impe-dimento, e sucedido, no de falta, pelo Vice-Presidente, eleito simultaneamente com ele. No impedimento ou falta do Vice-Presidente, serão sucessivamente chamados à Presidência o Vice-Presidente do Senado, o Presidente da Câmara e o do Supremo Tribunal Federal (art. 41). Mas tanto o Presidente como o Vice-Presidente da República são eleitos, ambos por voto direto e maioria absoluta de votos.

O Poder Judiciário da União terá por órgãos um Supremo Tribunal Federal, com sede na Capital da República, e Juízes e Tribunais Federais; O Poder Judiciário dos Estados compõe-se de Juízes e Tribunais.

Finalmente, garantiu um catálogo de direitos civis e políticos, sobressaindo-se os di-reitos de liberdade, de segurança e de propriedade (art. 72).

Em 07 de setembro de 1926 a Constituição foi reformada. Na opinião de Pedro Calmon, a reforma de 1926 “destinou-se a corrigir certos abusos, que a ambiguidade do texto de 1891 favorecera, em detrimento da honesta realização do regime. Teve o mérito de indicar

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todos os princípios constitucionais, que tinham de ser amparados mediante a intervenção federal nos Estados; de restringir a concessão de ‘habeas-corpus’ aos casos de liberdade individual; e de dar ao governo da União competência para regular o comércio em ocasiões graves, que reclamassem uma atitude de defesa econômica ou de prevenção contra as anormalidades da circulação”3.

4. A CONSTITUIÇÃO DE 1934

4.1. A Revolução de 1930Em 03 de outubro de 1930, do Rio Grande do Sul, eclode a Revolução nacional, que pôs

abaixo a primeira República, rompendo a ordem constitucional anterior. O presidente da época é deposto em 24 de outubro de 1930, constituindo-se em seguida uma Junta Gover-nativa provisória que, já em 03 de novembro de 1930, transmitiu o Governo ao candidato de oposição derrotado nas eleições e principal articulador da Revolução vitoriosa, Getúlio Vargas.

Em 11 de novembro de 1930, Getúlio Vargas editou o Decreto nº 19.398, com vistas a organizar a nova República e por meio do qual se investiu de poderes excepcionais, que lhe permitiram desmantelar as estruturas da República Velha. O Congresso Nacional e todos os órgãos legislativos estaduais e municipais foram dissolvidos e os governadores, afastados, com a nomeação de interventores federais. Comandado por Vargas, iniciava-se o processo de reorganização do Estado brasileiro. No art. 1º desse Decreto constava:

“O governo provisório exercerá discricionariamente, em toda sua plenitude, as funções e atribuições, não só do Poder Executivo, como também do Poder Legis-lativo, até que, eleita a Assembleia Constituinte, estabeleça esta a reorganização constitucional do país”4.

3. CALMON, Pedro. Curso de Direito Constitucional Brasileiro. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastas, 1947, p. 13.4. Em razão do grande interesse histórico, peço licença ao leitor para transcrever todo o Decreto nº 19.398, de 11 de

novembro de 1930, que institui o governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil: “Art.1º. O governo provisório exercerá discricionariamente, em toda sua plenitude, as funções e atribuições, não só do Poder Executivo, como também do Poder Legislativo, até que, eleita a Assembleia Constituinte, estabeleça esta a reorganização consti-tucional do país. § único: Todas as nomeações e demissões de funcionários ou de quaisquer cargos públicos, quer sejam efetivos, interinos ou em comissão, competem exclusivamente ao chefe do governo provisório. Art. 2º. É confirmada, para todos os efeitos, a dissolução do Congresso Nacional, das atuais Assembleias Legislativas dos estados (quaisquer que sejam as suas denominações), Câmaras ou Assembleias Municipais e quaisquer outros órgãos legislativos ou deliberativos, existentes nos estados, nos municípios, no Distrito Federal ou território do Acre, e dissolvidos os que ainda o não tenham sido de fato. Art. 3º. O Poder Judiciário Federal, dos estados, do território do Acre e do Distrito Federal continuará a ser exercido na conformidade das leis em vigor, com as modificações que vierem a ser adotadas de acordo com a presente lei e as restrições que desta mesma lei decorrerem desde já. Art. 4º. Continuam em vigor as constituições federal e estaduais, as demais leis e decretos federais, assim como as posturas e deliberações e outros atos municipais, todos, porém, inclusive as próprias constituições, sujeitas às modificações e restrições estabelecidas por esta lei ou por decreto ou atos ulteriores do governo provisório ou de seus delegados, na esfera de atribuições de cada um. Art. 5º. Ficam suspensas as garantias constitucionais e excluída a apreciação judicial dos decretos e atos do governo provisório ou dos interventores federais, praticados na conformidade da presente lei ou de suas modificações ulteriores. § único. É mantido o habeas corpus em favor dos réus ou acusados em processos de crimes comuns, salvo os funcionais e os da competência de tribunais especiais. Art. 6º. Continuam em inteiro vigor e plenamente obrigatórias todas as relações jurídicas entre pessoas de direito privado, constituídas na forma da legislação respectiva e garantidos os respectivos direitos adquiridos. Art. 7º. Continuam em inteiro vigor, na forma das leis aplicáveis, as obrigações e os direitos resultantes de contratos, de concessões ou outras outorgas, com a União, os estados, os municípios, o Distrito Federal e o território do Acre, salvo os que, submetidos a revisão, contravenham ao interesse público e à mora-lidade administrativa. Art. 8º. Não se compreendem nos arts. 6º e 7º e poderão ser anulados ou restringidos, coletiva ou individualmente, por atos ulteriores, os direitos até aqui resultantes de nomeações, aposentadorias, jubilações,

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Com esse Decreto, fácil é observar que o Governo provisório chefiado por Getúlio Vargas quebra a ordem constitucional anterior e prepara as linhas gerais para a elaboração de uma nova Constituição.

O Governo provisório de Getúlio Vargas teve como foco a questão social, meta, aliás, declarada na Revolução, o que atraiu o apoio popular, principalmente dos trabalhadores. Foram criados dois importantes Ministérios: o do Trabalho e o da Educação, a fim de atender às reivindicações do povo brasileiro.

Contudo, em razão da inequívoca tendência de controlar ditatorialmente o poder, des-considerando, inclusive, alguns de seus compromissos assumidos com o povo, deflagra--se, em São Paulo, em 09 de julho de 1932, um movimento revolucionário, conhecido por Revolução constitucionalista, liderado por Pedro de Toledo, interventor federal no Estado de São Paulo, que exigiu, de forma armada, a restauração do regime democrático. Essa revolução, todavia, foi esmagada pelas forças da União, “mas o significado moral dessa refrega resultou na circunstância de ter o governo federal determinado a data para as eleições, convocando a Assembleia, que se reuniria a 15 de novembro de 1933”5.

Após os trabalhos constituintes (1933-34), foi promulgada em 16 de julho de 1934 a nova Constituição brasileira.

4.2. Traços gerais da Constituição de 1934A Constituição Federal de 16 de julho de 1934, quanto à organização do Estado e dos

poderes, seguiu os traços da anterior. Manteve os princípios fundamentais de organização política: a República, a Federação, a separação de Poderes, o Presidencialismo e o sistema Representativo. Porém, ampliou os poderes da União e dispôs sobre as competências con-correntes entre a União e os Estados (art. 10).

Rompeu com o bicameralismo rígido, atribuindo o exercício do Poder Legislativo somente à Câmara dos Deputados e convertendo o Senado em mero órgão de colaboração

disponibilidade, reformas, pensões ou subvenções e, em geral, de todos os atos relativos a emprego, cargos ou ofícios públicos, assim como do exercício ou o desempenho dos mesmos, inclusive, e, para todos os efeitos, os da magis-tratura, do Ministério Público, ofícios de Justiça e quaisquer outros, da União Federal, dos estados, dos municípios, do território do Acre e do Distrito Federal. Art. 9º. É mantida a autonomia financeira dos estados e do Distrito Federal. Art. 10. São mantidas em pleno vigor todas as obrigações assumidas pela União Federal, pelos estados e pelos municípios, em virtude de empréstimos ou de quaisquer operações de crédito público. Art. 11. O governo provisório nomeará um interventor federal para cada estado, salvo para aqueles já organizados, em os quais ficarão os respectivos presi-dentes investidos dos poderes aqui mencionados. § 1º. O interventor terá, em cada estado, os proventos, vantagens e prerrogativas que a publicidade dos seus atos e dos motivos que os determinarem, especialmente no que se refira à arrecadação e aplicação dos dinheiros públicos, sendo obrigatória a publicação mensal do balancete da receita e da despesa. § 8º. Dos atos dos interventores haverá recurso para o chefe de governo provisório. Art. 12. A nova Cons-tituição Federal manterá a forma republicana federativa e não poderá restringir os direitos dos municípios e dos ci-dadãos brasileiros e as garantias individuais constantes da Constituição de 24 de fevereiro de 1891. Art. 13. O governo provisório, por seus auxiliares do governo federal e pelos interventores nos estados, garantirá a ordem e segurança pública, promovendo a reorganização geral da República. Art. 14. Ficam expressamente ratificados todos os atos da junta governativa provisória constituída nesta capital aos 24 de outubro último, e os do governo atual. Art. 15. Fica criado o Conselho Nacional Consultivo, com poderes e atribuições que serão regulados em lei especial. Art. 16. Fica criado o Tribunal Especial para processo e julgamento de crimes políticos, funcionais e outros que serão discriminados na lei da sua organização. Art. 17. Os atos do governo provisório constarão de decretos expedidos pelo chefe do mesmo governo e subscritos pelo ministro respectivo. Art. 18. Revogam-se todas as disposições em contrário. Rio de Janeiro, 11 de novembro de 1930, 109º da Independência e 42º da República. [Ass.] Getúlio Vargas, Oswaldo Aranha, José Maria Whitaker, Paulo de Moraes Barros, Afrânio de Melo Franco, José Fernandes Leite de Castro, José Isaías de Noronha.”

5. ACCIOLI, Wilson . Instituições de Direito Constitucional, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 81.

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da Câmara (arts. 22 e 88). A Câmara dos Deputados passou a ter uma composição en-volvendo (a) representantes do povo, eleitos mediante sistema proporcional e sufrágio universal, igual e direto; e (b) representantes eleitos pelas organizações profissionais na forma que a lei indicar. Ao Senado Federal foi atribuída a coordenação dos Poderes fe-derais entre si, manter a continuidade administrativa, velar pela Constituição, colaborar na feitura de leis e praticar os demais atos da sua competência.

Criou a Justiça Eleitoral como órgão do Poder Judiciário (art. 63, d e 82) e definiu o sistema eleitoral com a admissão do voto feminino (arts. 108 e ss.).

Dispôs do Ministério Público e dos Tribunais de Contas como Órgãos de Cooperação nas Atividades Governamentais.

E ao lado dos clássicos direitos de defesa (direitos civis e políticos), reconheceu, sob a forte influência da Constituição alemã de Weimar (1919), os direitos sociais e eco-nômicos, em título dedicado à ordem econômica e social (Título IV) e outro sobre a família, a educação e a cultura (Título V), consagrando entre nós um regime de democracia social. A influência alemã foi tão grande a ponto do saudoso mestre baiano Josaphat Marinho6 haver afirmado que o Brasil sofreu um “sopro de socialização”. Esse sopro de socialização perdurou nas constituições seguintes, notadamente nas de 1946 e de 1988.

Enfim, a Constituição Federal de 1934 foi aquela que, entre nós, deu início à era das Constituições sociais, consagrando um Estado preocupado com o bem-estar social.

Mas a Constituição de 1934 durou pouco, em razão da efervescência política da época que motivou a implantação do Estado Novo.

5. A CONSTITUIÇÃO DE 1937

5.1. O Estado NovoEm 1937, quando a sociedade brasileira aguardava as eleições presidenciais marcadas

para janeiro de 1938, que seriam disputadas por José Américo de Almeida, Plínio Salgado e Armando de Sales Oliveira, foi denunciado pelo governo a existência de um plano co-munista para a tomada do poder. Este plano ficou conhecido como Plano Cohen7. Com a comoção popular causada pelo Plano Cohen, além da instabilidade política gerada pela intentona comunista, e com o receio de novas revoluções comunistas, Getúlio Vargas, sem resistência, deu um golpe e instaurou uma ditadura em 10 de novembro de 1937, através de um pronunciamento transmitido por rádio a todo o país, anunciando o Estado Novo. Iniciava-se um período de ditadura na História do Brasil, que se estende até 29 de outubro de 1945, quando Getúlio é deposto pelos militares. Getúlio fechou o Congresso Nacional e impôs ao país uma nova Constituição, que ficaria conhecida depois como “Polaca”, por ter se inspirado na Constituição autoritária da Polônia, de tendência fascista.

O principal acontecimento na política externa foi o desenvolvimento da 2º Guerra Mundial (39-45), responsável pela grande contradição do governo Vargas, que dependia economicamente dos EUA e possuía uma política semelhante à alemã. A derrota do Nazi--fascismo contribuiu decisivamente para o fim do Estado Novo.

6. A Constituição de 1934, Revista de Informação Legislativa, n. 94, pp. 17-28, abr./jun. 1987.7. O Plano Cohen foi elaborado pelo capitão Olympio Mourão Filho como um exercício interno da Ação Integralista

Brasileira, e foi apreendido pelo governo, que o usou como se fosse verdadeiro, encontrando aí uma ótima desculpa para a tomada preventiva do poder por Getúlio. Anos mais tarde foi comprovada a falsidade do documento.

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5.2. Traços gerais da Constituição de 1937A Constituição de 1937 foi a mais autoritária de todas. Outorgada por Getúlio Vargas

em 10 de novembro de 1937, teve a preocupação de fortalecer o Poder Executivo, con-substanciando-se num documento de inegável caráter fascista, em razão especialmente do fechamento do Congresso Nacional (art. 178), da extinção dos partidos políticos e da concentração dos Poderes Executivo e Legislativo nas mãos do Presidente da República, que legislava por meio de decretos-leis.

Declarou, em todo o País, o estado de emergência (art. 186) e determinou a sujeição de seu próprio texto a um plebiscito nacional (art. 188) que nunca ocorreu.

Sob a égide desta Constituição foi convocada eleições presidenciais para 02 de de-zembro de 1945. Precedeu ao pleito, porém, a deposição de Getúlio Vargas (29.10.45). Assumiu interinamente o governo o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro José Linhares, que conduziu, sem problemas, o processo eleitoral.

Venceu as eleições o General Eurico Gaspar Dutra, que convocou uma nova Assembleia Constituinte, instalada em 02 de fevereiro de 1946.

6. A CONSTITUIÇÃO DE 1946Com o fim da 2ª Grande Guerra Mundial intensifica-se em todo o mundo um sen-

timento voltado à valorização do regime democrático. No Brasil, dá-se início, com a eleição do General Eurico Gaspar Dutra, um movimento no sentido da redemocratização do País.

Convocada a Assembleia Constituinte, nela foram representadas várias correntes ideo-lógicas, da situação à oposição. Os debates constituintes tomaram por base a Constituição de 1934.

Em 18 de setembro de 1946 foi promulgada a nova Constituição do Brasil. Nitidamente democrática, recompôs os princípios constitucionais associados aos postulados demo-cráticos, reproduzindo, em essência, o teor da democracia-social inaugurada pela Consti-tuição de 1934, da qual é uma reprodução mais apurada8.

Sob sua vigência sucederam-se crises e conflitos entre os poderes, que se agravaram com o retorno de Getúlio Vargas, por eleição direta, ao poder, com um programa social e econômico que inquietou as forças conservadoras, situação que culminou com o suicídio do estadista. Getúlio Vargas foi eleito em 3 de outubro de 1950, tomando posse na pre-sidência da República em 31 de janeiro de 1951, sucedendo o presidente Eurico Gaspar Dutra. Seu mandato presidencial deveria estender-se até 31 de janeiro de 1956, porém, em meio a crises diversas e pressões políticas para se afastar da presidência, suicida-se na madrugada de 23 para 24 de agosto de 1954.

Após Getúlio, assumiram a presidência do País, sucessivamente, Café Filho, Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros. Este último, depois de ter sido eleito por uma ampla maioria de votos, renunciou sete meses após. Sobe à presidência o seu vice, João Goulart, apesar da forte resistência dos militares. Aprova-se a EC nº 04, de 02 de setembro de 1961, mais conhecida como a emenda parlamentarista, uma vez que implantou no Brasil o parlamen-tarismo com o fim de reduzir os poderes do novo Presidente da República. Todavia, esse

8. FERREIRA, Pinto. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. 5ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1971, Tomo I, p. 114-5.

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sistema durou pouco, em razão da EC nº 06, de 23 de janeiro de 1963, aprovada pelo Con-gresso Nacional após plebiscito popular que se pronunciou contra o sistema parlamentar, revogando a emenda 04.

João Goulart cai do poder em 01 de abril de 1964, com o movimento militar deflagrado no dia anterior.

7. A CONSTITUIÇÃO DE 1967

7.1. O Golpe Militar de 1964Em 31 de março de 1964, no Rio de Janeiro, consumou-se um movimento golpista

liderado por forças militares que conseguiram derrubar o Presidente João Goulart. A ideia do golpe militar nasceu na cidade de Juiz de Fora, de onde saíram caminhões e tanques em direção à cidade do Rio de Janeiro, onde o presidente se encontrava, quando recebeu um manifesto do general Mourão Filho, exigindo sua renúncia.

Jango, como era mais conhecido, tentou sufocar o movimento, porém sem êxito. Teve que deixar o País, indo refugiar-se no Uruguai, onde obteve asilo político.

A chamada Revolução de 1964 foi inegavelmente um golpe de Estado tramado por mi-litares descontentes com as políticas reformistas de João Goulart. O País foi surpreendido por cenas de força e violência. Soldados fortemente armados, tanques, caminhões e jipes de guerra ocuparam as ruas das principais cidades brasileiras. As sedes dos partidos po-líticos, dos sindicatos e associações que apoiavam as reformas do governo Jango foram tomadas pelos soldados. A sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), localizada no Rio de Janeiro, foi incendiada. Implanta-se no País um longo regime de ditadura militar que perdurou até 1985, com violenta repressão política nos anos 60 e 70, quando, sob a égide da Lei de Segurança Nacional, tornaram-se comuns as perseguições políticas, as prisões e as torturas de opositores políticos do regime, além da cassação de seus direitos políticos.

Quebra-se a ordem constitucional em vigor. O que se vê em seguida é uma sucessão de atos institucionais arbitrários, em número de quatro, visando regular a vida política do País9. A finalidade inescondível de tais atos foi a de consolidar, com o amparo na legalidade, o regime militar estabelecido pelo comando golpista.

9. O teor arbitrário que permeou os referidos atos institucionais pode ser, de logo, identificado no primeiro deles, o Ato Institucional nº 01, de 09 de abril de 1964, cujos “considerandos”, a seguir literalmente transcritos, mostram a usurpação do comando militar golpista ao poder constituinte do povo: “É indispensável fixar o conceito de movimento civil e militar que acaba de abrir ao Brasil uma nova perspectiva sobre o seu futuro. O que houve e continuará a haver neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução. A revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz, não o interêsse e a vontade de um grupo, mas o interêsse e a vontade da Nação. A revolução vitoriosa se investe no exercício do poder constituinte. Èsse se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do poder constituinte. Assim, a re-volução vitoriosa, como poder constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o Govêrno anterior e tem a capacidade de constituir o nòvo Govêrno. Nela se contém a fôrça normativa, inerente ao poder constituinte. Ela edita norma jurídica sem que nisso seja limitada pela nova atividade anterior à sua vitória. Os Chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Fôrças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o povo, em seu nome exercem o poder constituinte, de que o povo é único titular. O Ato Institucional que é hoje editado pelos comandantes em chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, em nome da revolução que se tornou vitoriosa com apoio da Nação na sua quase totalidade, se destina a assegurar ao nôvo Govêrno a ser instituído os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração

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No entanto, em face dos vários atos institucionais aos quais se acrescentaram di-versos atos complementares, surgiu a necessidade de emprestar-se um contexto unitário ao sistema político em vigor. Assim, em 07 de dezembro de 1966, é editado o Ato Insti-tucional nº 04, que convocou extraordinariamente o Congresso Nacional e fixou normas para a votação da nova carta constitucional. O Presidente Castello Branco enviou o projeto da Carta Política ao Congresso Nacional que o aprovou com pequenas alterações, pro-mulgando em 24 de janeiro de 1967 mais uma Constituição para o País.

7.2. Traços gerais da Constituição de 1967A Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967 entrou em vigor somente em 15 de

março de 1967. Fruto de um governo arbitrário, ela foi uma Carta igualmente arbitrária, aproximando-se muito da Carta de 1937, cujos traços gerais absorveu. Cumpre sublinhar que, embora “promulgada” pelo Congresso Nacional, a Carta de 67 foi outorgada pelo Exe-cutivo através do Congresso, que só fez cumprir a vontade autoritária daquele poder.

A Carta de 67 preocupou-se muito com a segurança nacional. Manteve as características gerais da organização do Estado e dos Poderes, porém com ampliação das competências da União, exigindo uma maior simetria constitucional dos Estados. Deu mais poderes ao Presidente da República, que passou a ser eleito indiretamente por um colégio eleitoral.

A Constituição de 67, porém, teve duração efêmera. Logo no ano seguinte foi editado o Ato Institucional nº 05, de 13 de dezembro de 1968, que rompeu com a ordem consti-tucional, estabelecendo uma série de poderes discricionários para o Presidente da Re-pública, que expediu o Ato Complementar nº 38, de 13 de dezembro de 1968, decretando o recesso do Congresso Nacional. Em razão de problemas de saúde, o Presidente Costa e Silva foi afastado da presidência pelo Ato Institucional nº 12, de 31 de agosto de 1969, que atribuiu o exercício das funções presidenciais aos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar. Reunidos sob a forma de Junta Militar, os Ministros das três forças prepararam um novo texto constitucional, que foi outorgado, em 17 de outubro de 1969, como EC nº 01 à Constituição de 1967, que entrou em vigor em 30 de outubro de 1969.

da ordem interna e do prestígio internacional da nossa Pátria. A revolução vitoriosa necessita de ser institucio-nalizada e se apressa pela sua institucionalização a limitar os plenos podêres de que efetivamente dispõe. O presente Ato institucional só poderia ser editado pela revolução vitoriosa, representada pelos comandos em chefe das três armas que respondem, no momento, pela realização dos objetivos revolucionários, cuja frus-tração estão decididas a impedir. Os processos constitucionais não funcionaram para destituir o Govêrno, que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o País. Destituído pela revolução, só a esta cabe ditar as normas e os processos de constituição do nôvo Govêrno e atribuir-lhe os podêres ou os instrumentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do poder no exclusivo interêsse do País. Para demonstrar que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário, decidimos manter a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la, apenas, na parte relativa aos podêres do Presidente da República, a fim de que êste possa cumprir a missão de restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do Govêrno como nas suas dependências administrativas. Para reduzir ainda mais os plenos podêres de que se acha investida a revolução vitoriosa, resolvemos, igualmente, manter o Congresso Nacional, com as reservas relativas aos seus podêres, constantes do presente Ato Institucional. Fica, assim, bem claro que a revolução não procura legitimar-se através do Con-gresso. Este é que recebe neste Ato Institucional, resultante do exercício do poder constituinte, inerente a tôdas as revoluções, a sua legitimação. Em nome da revolução vitoriosa, e no intuito de consolidar a sua vitória, de maneira a assegurar a realização dos seus objetivos e garantir ao País um Govêrno capaz de atender aos anseios do povo brasileiro, o comando supremo da revolução, representada pelos comandantes em chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, resolve editar o seguinte: Ato Institucional”.

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8. A CONSTITUIÇÃO DE 1969 (EC Nº 01/69)A rigor, a chamada Emenda Constitucional nº 01, que pretendeu, com essa designação,

“reformar” a Constituição de 1967, impôs ao País, inegavelmente, uma nova Constituição. Nesse sentido são claras as lições de José Afonso da Silva,

“Teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova constituição. A emenda só serviu como mecanismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformulado, a começar pela denominação que se lhe deu: Constituição da República Federativa do Brasil, enquanto a de 1967 se chamava apenas Constituição do Brasil”10.

Esta Constituição, de caráter ostensivamente autoritário11, manteve o regime de repressão, com o que ampliou consideravelmente os poderes do Presidente da República e debilitou o Poder Legislativo, restringindo as imunidades dos parlamentares, entre outras providências.

9. A CONSTITUIÇÃO DE 1988

9.1. AntecedentesEm meio ao regime de ditadura militar imposto desde o golpe de 1964, vários movi-

mentos político-sociais foram deflagrados em direção à redemocratização do País. Depois da eleição dos novos Governadores em 1982, intensifica-se em todo o País, a partir de 1984, uma luta em busca de eleições diretas para Presidente da República e de uma nova Constituição que conseguisse refazer o pacto político-social, com o restabelecimento das liberdades públicas, ceifadas pelo regime de então.

Abre-se eleição para Presidente. Com o apoio dos grupos democráticos, em 15 de janeiro de 1985 elege-se Presidente Tancredo Neves, que prometera convocar uma As-sembleia Constituinte legítima e democrática. Morre antes de assumir a presidência.

Assume o vice, José Sarney. Cumprindo compromisso de Tancredo, enviou ao Con-gresso Nacional proposta de emenda constitucional, com a qual convocou a Assembleia Nacional Constituinte. Foi aprovada como EC nº 26, de 27 de novembro de 1985. Quanto a esse aspecto, cumpre uma anotação. Na forma, inegavelmente se tratou de emenda à Cons-tituição (de 1967); na substância, entretanto, revelou-se como um verdadeiro ato político, que sintetizou a vontade soberana do povo brasileiro.

A EC nº 26/85 estabeleceu, nos pontos que interessam: (i) a reunião unicameral dos Membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em Assembleia Nacional

10. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 89.11. A Carta Política de 1969 foi outorgada por uma Junta Militar composta pelos Ministros das três forças, como se

depreende de seus “considerandos”: “OS MINISTROS DA MARINHA DE GUERRA, DO EXÉRCITO E DA AERONÁUTICA MILITAR, usando das atribuições que lhes confere o artigo 3º do Ato Institucional nº 16, de 14 de outubro de 1969, combinado com o § 1º do artigo 2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, e CONSIDERANDO que, nos têrmos do Ato Complementar nº 38, de 13 de dezembro de 1968, foi decretado, a partir dessa data, o recesso do Congresso Nacional; CONSIDERANDO que, decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo Federal fica au-torizado a legislar sôbre tôdas as matérias, conforme o disposto no § 1º do artigo 2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968; CONSIDERANDO que a elaboração de emendas a Constituição, compreendida no processo le-gislativo (artigo 49, I), está na atribuição do Poder Executivo Federal (...); CONSIDERANDO as emendas modificativas e supressivas que, por esta forma, são ora adotadas quanto aos demais dispositivos da Constituição, bem como as emendas aditivas que nela são introduzidas; CONSIDERANDO que, feitas as modificações mencionadas, todas em caráter de Emenda, a Constituição poderá ser editada de acordo com o texto que adiante se publica, PROMULGAM a seguinte Emenda à Constituição de 24 de janeiro de 1967”.

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Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Na-cional (art. 1º); (ii) que o Presidente do Supremo Tribunal Federal instalará a Assembleia Nacional Constituinte e dirigirá a sessão de eleição do seu Presidente (art. 2º); e (iii) que a Constituição será promulgada depois da aprovação de seu texto, em dois turnos de dis-cussão e votação, pela maioria absoluta dos Membros da Assembleia Nacional Constituinte (art. 3º).

Observa-se, assim, que a EC 26 convocou, na verdade, um Congresso Constituinte, cujos membros – Deputados e Senadores livremente eleitos pelo povo em 1986 – reuniram-se em 01 de fevereiro de 1987, em Assembleia Nacional Constituinte, para a elaboração da nova Constituição do País, que foi promulgada em 05 de outubro de 1988.

Nada obstante, é uma Constituição democrática e legítima.

9.2. Traços gerais e estrutura da Constituição de 1988Era uma tarde de quarta-feira, um dia ansiado por todos os brasileiros, ávidos por um

novo Brasil e uma nova sociedade, plural e aberta, na qual todos, depois de anos de sombra e escuridão, pudessem nascer, viver e conviver livres e iguais em dignidade e direitos. Às 16:00 horas do dia 05 de outubro de 1988, um dia diferente e especial para o Brasil e todos os brasileiros, promulgou-se a nova Constituição do País, a Constituição da esperança, da democracia, da felicidade, do ser humano: a Constituição cidadã, como assim intitulada por quem presidia a tão emocionada e histórica Sessão da Assembleia Nacional Constituinte.

A Constituição de 1988 surge como esperança para o povo brasileiro, suscitando no País um sentimento constitucional jamais visto antes. Sob a sua égide e motivação, acon-tecimentos históricos foram registrados. O brasileiro passou a participar mais ativamente do processo político nacional, a ponto de comover o Congresso Nacional a deflagrar o im-peachment de um Presidente da República, tirando-lhe do cargo; partidos de esquerda assumem o poder político nacional; cidadãos desprovidos de moradia se organizam em movimentos sociais de envergadura, que ganham força e repercussão nacional; o traba-lhador do campo ganha mais proteção; políticas sociais são melhor direcionadas, enfim, o homem passou a ser o centro em torno do qual se edificou um novo modelo de Estado Social, promotor do bem-estar de toda comunidade.

É essa a Constituição que temos; a melhor que tivemos na história política do País e, certamente, a melhor que teremos. Segundo o seu preâmbulo, que sintetiza os valores e propósitos da sociedade brasileira, ela foi promulgada legitimamente para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das contro-vérsias.

Sua estrutura envolve, além do preâmbulo, uma (i) parte permanente, que se compõe de nove títulos (são 250 artigos), e (ii) uma parte transitória, denominada Ato das Dis-posições Constitucionais Transitórias (são atualmente 114 artigos). A parte permanente abrange os seguintes títulos:

• Título I: Dos Princípios Fundamentais, que consolidam as decisões políticas fun-damentais estruturantes do Estado (forma de Estado, forma de Governo, regime político, fundamentos do Estado, objetivos fundamentais, etc.).

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• Título II: Dos Direitos e Garantias Fundamentais, que reúnem os direitos individuais, coletivos, sociais, de nacionalidade, políticos e normas sobre partidos políticos.

• Título III: Da Organização do Estado, que distribui as competências entre as en-tidades da Federação.

• Título IV: Da Organização dos Poderes, que dispõe sobre as atribuições dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, além dos Órgãos responsáveis pelo exercício das funções consideradas essenciais à Justiça.

• Título V: Da Defesa do Estado e Das Instituições Democráticas, que trata do Estado de Defesa, Estado de Sítio, das Forças Armadas e da Segurança Pública.

• Título VI: Da Tributação e do Orçamento, que cuida do Sistema Tributário Nacional e dos princípios orçamentários.

• Título VII: Da Ordem Econômica e Financeira, que disciplina sobre os princípios da atividade econômica e financeira do Estado.

• Título VIII: Da Ordem Social, que organiza os direitos sociais, dispondo sobre o meio ambiente, a família, a criança, o adolescente, o idoso e o índio.

• Título IX: Das Disposições Constitucionais Gerais.

10. QUADRO SINÓTICO

Histórico das Constituições Brasileiras

1. Antecedentes do Constitucionalismo brasileiro

Como colônia de Portugal, o Brasil experimentou distintas formas de organização política e administrati-va. Inicialmente, surgiram as chamadas feitorias (1501-1532), enquanto núcleos políticos onde imperava a vontade do feitor. Em seguida, sobreveio o período das capitanias (1532-1549), com a organização das chamadas capitanias hereditárias. Posteriormente, adota-se o sistema de governadores-gerais (1549-1572) visando a conferir uma certa unidade na organização política colonial. O primeiro Governador-Ge-ral nomeado foi Tomé de Sousa, que chegou ao Brasil de posse de um documento político denominado Regimento do Governador-Geral. Esse documento revestiu-se de singular importância para o constitu-cionalismo brasileiro, devido a sua finalidade de organizar o regime colonial e as instituições políticas da época, não faltando quem o apontasse como a primeira Constituição do Brasil. A fase monárquica no Brasil se inicia com a chegada de D. João VI ao Brasil em 1808, com a instalação da Corte no Rio de Janeiro. Em 1815, o Brasil é elevado à categoria de Reino Unido a Portugal, encerrando-se o sistema colonial e o monopólio da Metrópole. Na sequência, em 07 de setembro de 1822, foi proclamada a Independência do Brasil, com a consolidação do Estado brasileiro sob a forma de governo imperial que assim continuou até 15 de novembro de 1889.

2. A Constituição de 1824

Ainda nem tinha sido proclamada a independência, o príncipe-regente D. Pedro já havia convocado, em 23 de junho de 1822, uma Assembleia Constituinte, que, no entanto, só veio a ser efetivamente instalada em 03 de maio de 1823, após a independência, com o objetivo de elaborar uma Constituição escrita, que estruturasse um poder centralizador e organizasse uma forma de governo monárquico represen-tativo. Contudo, em razão das tendências revolucionárias e excessivamente liberais dos seus trabalhos, começaram a surgir divergências entre D. Pedro I, já consagrado Imperador, e a Assembleia Constituinte, provocando o contragolpe conservador de D. Pedro I, que a dissolveu, atribuindo ao Conselho de Estado, que ele mesmo havia criado, a elaboração do novo anteprojeto que se transformou na Constituição do Império do Brasil, de 25 de março de 1824, outorgada pelo Imperador ao povo brasileiro. Declarou o Bra-sil como um Império, organizando-o como Estado Unitário (art. 1º); dividiu o seu território em províncias,