dionysio lothário chassot: um homem da comunidade

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DIONYSIO LOTHÁRIO CHASSOT NEI AFONSO CHASSOT

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Biografia do meu avô escrita por meu pai

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Page 1: Dionysio Lothário Chassot: um homem da comunidade

DIONYSIOLOTHÁRIOCHASSOT

N E I A F O N S O C H A S S O T

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Dionysio Lothario Chassot: um homem da comunidade

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N E I A F O N S O C H A S S O T

S E G U N D A E D I Ç Ã O

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Capa e projeto gráfico:Sophia Chassot

Preparação e revisão:Felipe Gump

Todos os direitos reservados. Esta publicação não pode ser reproduzida, no todo ou em parte, por quaisquer meios,

sem a prévia autorização por escrito do autor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Chassot, Nei Afonso

Dionysio Lothario Chassot: Um Homem da Comunidade / Nei Afonso

Chassot. — 2. ed. — São Paulo: 2013.

1 . Homens 2. Biografias I . Título.

CDD- 920.71

Um pouco da história do meu pai, Dionysio Lothario Chassot.Nei Afonso Chassot.

ParaRosita

- minha esposaCarolina,

Edgar,Sophia

- meus filhosNeloi,Neida

- minhas irmãs

In memorian, dona Anúncia, minha mãe

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Quero dizer a este povo honrado e trabalhador, que conto com sua indispensável colaboração, e

estou convencido mesmo de que cada taperense é um obreiro de nossa independência econômica.

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Agradeço à Direção, Professores e Alunos do Colégio Dionisio Lothário Chassot por seu trabalho de pesquisa e

suas homenagens a meu pai, que despertaram o desejo de expressar nossa vivência pessoal e experiência

familiar com acervo de documentos e fotos tanto familiares SDWEWcomo produzidos pela instituição.

Agradeço a compreensão de todos os que veem neste livro uma tentativa de complementação da história da cidade, pois enfatizamos principalmente as pessoas já falecidas.

A história, no entanto, se encarregará de lembrar e homenagear os que não foram citados

e os que continuam a construí-la.

Dezembro, 2006.

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SumárIo

IntroDução

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1. AS HomenAgenS

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2. o CIDADão e DentIStA

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3. A lutA DA ComunIDADe

PelA emAnCIPAção

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4. o PrImeIro PrefeIto

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5. o nAtAl

77

6. fInAl

87

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IntroDução

Muito do que aqui se escreve deve-se primeiramente ao convite da Direção e Professores para que os familiares (Ne-loi, Neida e Nei) participassem de um Ato comemorativo do 58º Aniversário da “Escola Dionisio Lothário Chassot”, que se iniciaria com o descerramento da foto do patrono (meu pai), escolhido pela comunidade como nome da Escola em 1976.

Não pude estar presente, mas o fato sensibilizou todos os familiares. Neloi e Neida participaram.

Minha prima Maria Delfina Di Domênico Cerutti soli-citou material sobre meu pai, com fotos e depoimentos, em agosto de 2002. Na época, preparei um material em Power Point e o enviei.

Com as homenagens ao Centenário de nascimento, prome-ti ao Diretor e a alguns professores que escreveria com mais detalhes a vida, os ideais e as obras de meu pai, incluindo fotos e documentos que ficaram comigo.

À época do centenário, devido a dificuldades das mais di-versas, foi inviável tomar de fato todos os cuidados necessá-rios para a elaboração de tão importante material histórico. Contudo, sete anos depois, no segundo semestre de 2013, tomados os cuidados necessários, relança-se em uma versão mais adequada uma segunda edição deste livro.

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1 AS HomenAgenS

Em 23 de agosto de 2006, estive em Tapera a convite da Escola — que festejava o Centenário de Nascimento do cidadão que a comunidade escolheu em Assembleia Geral do Círculo de Pais e Mestres do Grupo Escolar Barão de Caçapava em 06 de abril de 1976 para ser homenageado em-prestando seu nome à instituição —, e prometi ao Diretor e alguns professores que enviaria estes materiais. Revendo-os, fiz uma atualização, pois senti a necessidade histórica destes apontamentos, anexei fotos e alguns documentos e decidi imprimir em edição muito restrita.

À esquerda, no centro: Homenagem prestada pela escola à sua memória, com membros da comunidade na Mostra fotográfica em 12/06/95. Presença de suas filhas Neloi — com lenço no pes-coço — e Neida, à direita.

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um homem da comunidade

Em 23 de agosto de 2006 a Escola prestou homenagem ao Centenário de Nascimento.

Nei recebe homenagem e comenta em depoimento

a dificuldade de se conseguir fundar um Ginásio em Tapera.

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as homenagens

Placa comemorativa do Centenário de Nascimento inaugurada na ocasião.

Acordeonista Alissandro Folmer tocando o “Dobrado Dionysio Lothário Chassot”,de autoria do “Professor Pillar” (partitura na próxima página), durante as homenagens de seu Centenário de Nascimento.

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as homenagens

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um homem da comunidade

Durante o ano letivo de 2006, a Escola tem patrocinado pesquisa sobre a vida de Dionysio, inclusive com visitação ao túmulo onde repousa com sua esposa e familiares; na foto vemos alguns alunos nesse trabalho, quando também prestaram homenagem com flores ao fundador.

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as homenagens

Desenho de mural, em exposição realizada por ocasião da comemoração do Centenário de Nascimento: das 4 fases importantes da vida os alunos da 1ª série, turma 12, ano de 2006, turma da Professora Regina, que nos cedeu o mural, escolhemos este desenho de aluno que esqueceu de se identificar e que representa o trabalho de Dionysio como dentista.

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2o CIDADão e DentIStA

Quando lembro (e muito) do meu pai, penso que ele teve, segundo o que eu pude testemunhar, dois momentos que marcaram a sua vida: primeiro como cidadão e dentista e depois, a partir da eleição para Prefeito de Tapera.

Como cidadão e dentista ele era muito sério e caprichoso, e sempre atualizado.

Teria vindo para estas bandas do Alto Jacuí em busca de um clima melhor, já que estava em recuperação do tifo, doença que na época dizimava muita gente. O Alto Jacuí era uma colônia nova, cheia de oportunidades. Radicou-se em Selbach e montou seu consultório.

Contava que tinha uma “aranha” (carroça rápida puxada por um cavalo) onde levava a cadeira desmontável de den-tista (hoje recuperada e guardada) e os instrumentos neces-sários à sua profissão, para as vilas mais ao interior, onde como um “dentista de família” se aproximava das pessoas, sem que estas tivessem que sair para muito longe de suas comunidades.

À esquerda: Certidão de Nascimento original

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Sua primeira cadeira de dentista, desmontá-vel, ficava guardada numa caixa que servia de suporte. Foi recuperada e serviu de moti-vo para uma foto de seus três filhos em 1990.

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o cidadão e dentista

Desenho de mural, em exposição realizada por ocasião da comemoração do Centenário de Nascimento: das 4 fases importantes da vida os alunos da 1ª série, turma 12, ano de 2006, turma da Professora Regina, que nos cedeu o mural, escolhemos o desenho de Guilherme, que representou o nascimento de Dionysio, sem dúvida com muita realidade.

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Meu pai era filho de pequenos agricultores — vovó Anna só falava o alemão, mas vovô Affonso falava bem o portu-guês — que residiam no interior de Bom Princípio, no “Mor-ro do Tico-Tico”, lá “pelas bandas de Montenegro”, como se dizia na época. Eram onze irmãos e irmãs.

Estudou odontologia na Universidade Federal de P. Ale-gre, conforme se pode constatar pelas fotos e diplomas que ainda conservamos: era “Dentista Prático Licenciado”. As-sim, o deslocamento para uma florescente comunidade ale-mã “nas colônias novas”, era perfeitamente normal no modo de vida e anseios migratórios da época.

Casa em que nasceu, em 25 de dezembro de 1906, em Bom Princípio.

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Casa em que nasceu, em 25 de dezembro de 1906, em Bom Princípio.

Nunca soube como veio a conhecer minha mãe e começar um namoro bem difícil, pois na época ela estaria gostando de um italiano — e isso era, na verdade, muito complicado: a ideia de miscigenação de etnias só foi disseminada anos depois: muito se ouvia de “alemão com ale mão”, “italiano com italiano” “brasileiro com brasileiro” —, mas ele acabou conquistando-a e o casamento aconteceu. Mudou-se para Tapera (ou um pouco antes ou depois, não sei ao certo). Às vezes eu escutava entre olhares espertos, que ele vinha para Tapera e procurava abastecer o seu “auto”, um Ford 1929, na Casa Bervian e que muitas vezes esse trabalho, aos do-mingos, era feito pele minha mãe, ainda moça...

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28 Maria Anuncia Bervian, bem mocinha...

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Este é o Ford 1929 que tanto “furor” fez na época... Dama de companhia que não identifiquei, Anúncia e Lothario. Certamente fase de namoro.

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Notem o romantismo, mas sempre com uma dama de companhia... Nesta

foto Lothario, Anúncia e uma dama não identificada por mim.

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Foto dos noivos, no dia do casamento em 10 de fevereiro de 1934.

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um homem da comunidade

Em Tapera, sempre morou no mesmo lugar, inicialmente com uma casa de madeira pequena (até as telhas eram de ta-buinhas), e que com o passar do tempo foi sendo aumentada conforme as necessidades, até se tornar o que é ainda hoje — e que continua a ser preservado.

Lembro sempre que eles contavam que uma das primeiras coisas que tiveram que fazer foi providenciar a troca do telhado de tábuas para telhas de barro. Isso se deveu aos frequentes in-cêndios no “curtume”, que fazia com que faíscas chegavam até nossa casa. Sempre que isso acontecia, era preciso fazer alguém subir na casa e ficar molhando o telhado com baldes de água...

Bem, eu lembro de meu pai dentista trabalhando muito, sempre com a sala de espera cheia de “clientes”, como eram chamados.

A primeira casa e consultório dentário — instalado “dentro de casa” —, ainda com telhado de tabuinhas de madeira. Dionysio está de avental, Neloi, a primeira filha, está em pé à sua frente,

e minha mãe com uma criança no colo — provavelmente sua segunda filha, Maria Neiva, que veio a falecer aos 18 meses de

idade, de “pneumonia unilateral”, em 18 de janeiro de 1938.

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o cidadão e dentista

Eu gostava muito de acompanhar os trabalhos na “técni-ca”, onde a Ilca Henrich montava as dentaduras. Faziam-se dentes a partir de moldes de gesso, mas trabalhavam muito também com ouro: ter dente de ouro era chique. O ouro meu pai muitas vezes comprava de ciganos em moedas e depois mandava laminar, o que se tornava mais econômico. Não sobrou nenhuma moeda destas para lembrança.

Como disse, eu gostava muito de ficar na técnica, espe-cialmente no inverno: havia um pequeno fogão de pedra para a fundição de materiais que aquecia os ambientes.

Ele tinha também um auxiliar, o “Tite”, que era também conhecido como “Luizinho” (Pezzini), que eu nunca enten-di porque era conhecido como Luizinho, já que era muito grande. Na verdade, o Tite iniciou seus trabalhos de auxiliar

Luiz Pezzini, o “Luizinho” ou “Tite”, em 2006, explicando a alunos e Professores “do Dionísio” sua experiência de vida compartilhada com o Patrono da escola. Ao Lado, Maria Delfina, sobrinha e ex-diretora.

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Primeiro consultório em Tapera, nos anos 30.

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o cidadão e dentista

Seu gabinete dentário, já bem mais moderno. À esquerda a presença do aparelho de Raio-X, na época verdadeira raridade no interior.

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A morte do filho João Nirto, vítima de asfixia por sufocação com areia ao virar acidentalmente um carrinho sobre si, foi marcante na vida da família Chassot e um acontecimento trágico que comoveu Tapera. Para maior desespero, o casal estava em passeio nas “águas” de Irai, costume comum na época. As palavras da oração refletem o abatimento e a tristeza pela perda do “entesinho querido”.

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Sua nova casa — e consultório — já de alvenaria. Há em frente uma pequena escada de tijolos entre a primeira e segunda árvores, para ajudar as pessoas a “montar a cavalo”, além de pequenos postes nos quais os cavalos eram atados.

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o cidadão e dentista

antes de ir ao quartel. Depois voltou, ficando conosco até al-gum tempo após a morte de meu pai. O Luizinho e a Ilca foram fundamentais pois mantiveram o consultório ativo na época de Prefeito, já que o pai só tratava dos casos mais difí-ceis, podendo se dedicar mais ao cargo na Prefeitura.

Esta foto e a escadinha me fizeram lembrar do Solom, motorista —proprietário que não tinha cobrador. Seu ôni-bus “fazia a linha” de Soledade a Tapera (muitos anos de-pois a “Rainha da Serra”, empresa do Emílio Theis comprou a linha com o Solom “junto”). Costumava-se dizer que ele fazia essa viagem em mais ou menos 3 ou 4 horas, o que era considerado muito: a distância era de 54 km. Parava em todos os lugares em que havia um aceno: dizia-se que no ônibus do Solom cabia de tudo, desde galinhas até... Bem, isso não importa. Eu estava contando que certo dia o Solom havia estacionado o ônibus bem na sombra do Cine Avenida (que como vocês todos sabem ficava quase em frente à nossa casa e que tocava todos os dias o “quarto centenário” num grande alto-falante, sempre antes de começar a sessão).

O Solom resolveu manobrar o ônibus em direção de Espu-moso (estava estacionado na contramão) e para isso ele teve que manobrar bem em frente de nossa casa. Eu achei que era bom manobrista e fui fazendo ele vir mais — “pode vir mais” eu abanava — e ele me obedecia pelo retrovisor. Estava longe da minha casa, mas eu não me lembrei da “escadinha”...

Buuum...ploct...ploct....ploct, eu ouvi. Não estranhem porque até o atropelamento e morte da escadinha o Solom conseguia fazer lentamente.

Quando vimos o estrago, eu corri para um lado e o Solom acelerou até a rodoviária em frente ao café, aproveitando a sombra do pé de “ariticum” que ficava em frente à sapataria do Arnolfo Pillar e se amoitou.

Ninguém mais soube sobre essa história. Só estou contan-do hoje, para pouca gente, nesta edição restrita.

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um homem da comunidade

Nunca mais vi o Solom manobrar no meio da quadra.Era muito calmo o Solom. Acho que foi seu único acidente.Nunca mais a escadinha foi reconstruída: já quase não

havia “clientes a cavalo” então.Eu nasci em 09 de novembro de 1947, cerca de três anos

e meio após a morte de João Nirto, numa gravidez onde a mãe teve que fazer “repouso absoluto por muitos meses”, por ameaça de “perder a criança”. Nessa foto, meu pai está comigo e com o “Renô”, como era chamado um pequenino carro de marca Renault. Eu lembro que o pai falava que era bem “valente”, mas que para alcançar o cume de grandes subidas era necessário “ir com a marcha à ré”.

Naquela época era comum um dentista ensinar a outra pessoa as artes do ofício, depois se fazia uma prova de apti-dão e, caso fosse aprovado, ganhava a licença para exercer

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o cidadão e dentista

a profissão: era o “Dentista Prático Licenciado” — entre ou-tros, o dentista Osvaldo Werlang, de Espumoso, foi discí-pulo do meu pai e depois teve a licença aprovada. O tempo do Tite já era outro, e ele não mais conseguiu nem mesmo ser avaliado para conseguir a licença. Mais tarde, veio a se estabelecer com loja de calçados. Era também considerado pela comunidade muito bom dentista...

Eu, mesmo na “técnica”, escutava a conversa de meu pai e lembro que, enquanto tratava os dentes, ele ia explicando muita coisa de política — acho que ele fazia o que hoje cha-mamos de “análise de conjuntura”.

Numa sala de nossa casa também funcionava o escritório de um banco, O Banco Industrial e Comecial do Sul (Sul-banco), que era um posto avançado da agência de Carazi-nho. Lembro que o “Nico” Mariani trabalhava aí.

Esta é a imagem que sempre guardei do meu pai: um amigo de fato, mas enérgico e justo.

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Foto de 12 de setembro de 1953, na época da luta emancipacionista. Ainda na Presidência do Clube Aliança, “Lothario” — como meu pai era conhecido —, entrega o cargo ao novo mandatário “Pupi”, de terno claro. Ao fundo, quase encoberto pelas flores, Edvino Maldaner, e em primeiro plano Hugo Siega. Vejam como o “Clube Aliança” era respeitado. Ele tem esse nome como consenso desses grupos de força, que deixaram suas intrigas de lado e fizeram um só clube para a cidade, com alternância do poder de mando. Reinoldo Saturnino, o “Tio Pupi” casado com a “tia Elide”, era meu padrinho e ficou sendo o administrador da Casa Bervian, uma loja que comercializava de tudo e era muito poderosa. Este faleceu repentinamente em 19 de agosto de 1958 numa reunião política em Arroio Grande, vítima de um infarto fulminante.

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3A lutA DA ComunIDADe PelA emAnCIPAção

Na época em que Tapera era parte do município de Cara-zinho, o “tio Libório” (Bervian, irmão da mãe) era vereador, e chegou até a Presidente da Câmara e Prefeito de Carazi-nho por algumas vezes: era uma liderança incontestável de Tapera. Foi também Presidente da Comissão Emancipacio-nista. Faleceu aos 32 anos, em 30 de novembro de 1954, do coração, possivelmente de Doença de Chagas adquirida no norte do Paraná quando fazia incursões para adquirir infor-mações de terras para plantação de café, que era o ouro da época. Faleceu cedo o tio Libório, grande orador, dizia-se.

Filha Silvia, sua esposa Ilca Righesso (Bervian) de Bento Gon-çalves e filha Sônia. A família do tio Libório foi morar em Bento Gonçalves após sua morte, mas sempre visitavam Tapera. Todos os anos nas férias esperávamos as primas e tia “de Bento”.Esta é uma homenagem a quem amou Tapera de verdade. Tia Ilca faleceu recentemente. Silvia e Sônia têm linda família em “Bento”.

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“Tio Libório”, uma das pessoas de maior importância na história de Tapera. Responsável direto pelo sonho emancipacionista.

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“Tio Libório” e um amigo; informantes o identificaram como Paulino Simon, seu tio, irmão da vovó Maria Delfina “Finchie”

Simon Bervian. Tenho duvidas. Em qual cidade?

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um homem da comunidade

Ele seria o candidato natural para Prefeito de Tapera pelo grupo político ao qual pertencia meu pai.

Os Bervian, na minha infância, costumavam morrer de 4 em 4 anos; a poderosa família Bervian se definhava. Havia até apostas de brincadeira na família de quem seria o próxi-mo, tamanha fatalidade.

Neste início de ano de 2006 tia Lurdes Mombelli, irmã de minha mãe, contou-me mais uma de meu pai quando a visitei no Hospital em Porto Alegre, local em que estava internada a fim de descobrir sua enfermidade. Disse-me:

Um beijo de felicidades. Neida, ainda menina, observa a reação da Tia Nelci; logo atrás, uma prima de Não-Me-Toque, Serena Welter.

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a luta da comunidade pela emancipação

“Nei, teu pai era excepcional, fora de série. Quando mi-nha mãe morreu, eu fiquei sozinha em casa – papai havia falecido primeiro. No dia seguinte, teu pai – foi teu pai, não foi tua mãe ou outra pessoa da família... ele veio e me disse: pegue tuas coisas e daqui para diante tu vai morar na nossa casa, conosco, como uma filha. Eu nunca esqueci.”

De fato, eu era muito pequeno para me lembrar disso, mas tia Lourdes só saiu de nossa casa no dia de seu casa-mento com o “Tio Plínio”.

João Claudius, Nelci, Celso, Lourdes, Libório, Anuncia, Alzira e Pupi.

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um homem da comunidade

Ao convidar a “Tia Lourdes” para ficar lá em casa, meu pai antecipou-se a todos os demais membros da família Ber-vian: ele sabia que todos os motivos os impediam de tomar essa atitude, mesmo que fosse a coisa que mais desejassem fazer. Assim ele era: assumia os problemas. Como foram importantes para todos nós estas atitudes. Como foi impor-tante a tia Lourdes para nós, especialmente após a morte de meu pai. Com que carinho ela cuidou de sua nova mãe, dos seus novos irmãos, sem descuidar de seus irmãos que vemos acima: João Claudius Bervian, Nelci Bervian (Di Domeni-co), Celso Bervian, Lourdes Bervian (Mombelli), a noiva, Libório Bervian, Maria Anuncia (Chassot), Alzira Bervian (Krelling, depois Dias de Castro), Pupi Bervian (Reinoldo Saturnino), os remanescentes de então. Destes, hoje (2006) vive apenas Celso, em Cascavel , no Paraná, com esposa e netos, uma bela família.

Quem não sabe da importância da “Tia Lourdes” na his-tória de Tapera?

Naquela época houve dois grupos de poder na cidade que se dissociaram, nunca soube bem o porquê. O outro gru-po era liderado pelos Steffens. O interessante é que o Dr.

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a luta da comunidade pela emancipação

Avelino Steffens (excelente pessoa e médico) foi trazido pela família Bervian, tendo morado algum tempo na casa da fa-mília de meus avós. A água de nossa casa, inclusive, vinha encanada da fonte de propriedade dos Steffens, até que foi feita a rede de água pública. Sempre preservaram a nossa água, mesmo estando do “outro lado”.

Então, como dizia, Tapera era dividida em dois polos de po-der: hospital de cima e de baixo. Grupos de bolão, lojas, cafés: tudo era meio dividido. Somente o Clube Aliança, o banco e a Igreja eram (às vezes) considerados territórios neutros.

Com a doença e posterior morte do “Tio Libório”, a aten-ção da comunidade do seu lado político se voltou ao meu pai, e este assumiu a liderança Emancipacionista. Depois de uma dura campanha e da vitória do plebiscito que decidiu pela emancipação de Tapera do município de Carazinho, aceitou a disputa política para Prefeito. Acabou se defrontando na disputa justamente com Dr. Avelino Steffens, a quem meu pai, repito, respeitava muito. E foi uma vitória apertada, de pequena diferença de votos: consta-me que de um total de 2.578 votos apurados, pai obteve 1.361. A eleição aconteceu dia 20 de fevereiro de 1955.

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Foto do “Discurso de Posse” do primeiro Prefeito de Tapera profe-rido por Dionysio Lothario Chassot em 28 de fevereiro de 1955.

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4o PrImeIro PrefeIto

Momento de Cordialidade: na Posse do Prefeito, Elaine, filha de Avelino Steffens, parabeniza, em nome de sua família, o novo Prefeito. Ao lado, coçando a cabeça, seu esposo Nelson Krelling, sobrinho do pai. Momento mesmo de coçar a cabeça. Momento histórico, sem dúvida.

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um homem da comunidade

Discurso de posse — adaptado para a ortografia atual

Exmo. Sr. Dr. Juiz de DireitoSr. Representante do Exmo. Governador do EstadoSr. Presidente da Câmara Municipal Srs. Vereadores — Reverendíssimo Cônego João HoffmannMeus Senhores e Minhas Senhoras

Dia de emoção; dia de alegria; dia de satisfação que nem posso traduzir em palavras, porque cheguei ao momento culminante de minha vida. Vida de homem modesto e até bastante simples que sempre respeitou as convicções alheias. Vivo, sim, meus senhores, o dia de maior satisfação de minha vida, não só por ter sido escolhido pelos meus concidadãos como primeiro Pre-feito desta terra que é tanto vossa e que é tanto minha como dos meus e dos vossos filhos.

A alegria que me invade a alma e que me torna tão obrigado como agradecido a vós outros, não é pelo fato puro e simples de terdes me escolhido para vosso primeiro mandatário. Não é somente por ter sido eu o eleito pelo vosso voto, ao invés do meu ilustre e muito digno contendor nesta batalha cívica das urnas — o eminente médico conterrâneo Dr. Avelino Steffens —, a quem rendo merecida homenagem.

Vivo o dia máximo de minha vida porque Tapera conquistou afinal a sua independência política e admi-nistrativa, tornando-se entre outras uma futurosa co-muna do Rio Grande. A vitória da emancipação, meus amigos, é o atestado convincente do quanto pode uma

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o primeiro prefeito

coletividade unida e coesa quando dirige os seus esfor-ços para um objetivo comum.

Taperenses: a eleição de 20 do corrente, transcorreu num ambiente de tranquilidade absoluta em nosso mu-nicípio, onde todos se manifestaram de conformidade com suas ideias, votando nos candidatos de sua prefe-rência. Foi um atestado eloquente do amadurecimento político de nosso povo.

Este ambiente de calma e de respeito, além da compre-ensão de nossa gente, devemo-lo ao meritíssimo doutor Hugulino Uflacker, digníssimo Juiz Eleitoral, que presidiu o pleito a nosso inteiro contento, nada deixando a desejar. Por esta maneira correta com que agiu o íntegro magistra-do, manifestamos à S. Excia. os nossos agradecimentos.

Meus senhores, não falo somente aos meus correli-gionários, porque é diretriz comum e é da tradição dos homens do Rio Grande, quando eleitos para o Poder Executivo, colocar-se equidistante do seu e dos demais Partidos, para melhor servir aos interesses da coletivi-dade. Pois bem, é ao serviço dos taperenses que estarei daqui por diante, na prefeitura ou em minha residên-cia, a qualquer hora, sem fazer diferenciação a cores partidárias. Até aqui fui homem de Partido, porque fui eleito pelo partido social democrático, com o apoio muito honroso da União Democrática Nacional. Doravante, estarei totalmente integrado ao serviço da coletividade taperense.

Nesta oportunidade, quero frisar bem: conto com o auxílio total e imprescindível dos senhores Vereadores

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um homem da comunidade

à Câmara Municipal, com os quais cooperarei sempre e de bom grado, para que sejam atendidas as justas rei-vindicações, direitos e deveres do povo taperense.

O Poder Legislativo é um dos ramos do governo e des-tina-se a legislar, provendo o Executivo dos meios neces-sários à realização de um bom governo em benefício do povo, que é a fonte de todo poder na Democracia.

Senhores Vereadores, vos asseguro que no desempe-nho do mandato que me conferiu o povo deste municí-pio, eu os terei no mais alto conceito e elevado acata-mento, pois que, vós sois os principais e permanentes colaboradores e fiscais do meu governo.

Ainda nesta oportunidade, é-me grato dirigir a pala-vra ao altivo povo de Tapera, aos que me honram com a sua presença nesta cerimônia de posse, aos que estão entregues aos seus trabalhos nas lavouras, nas fábricas e nas oficinas, aos que se encontram em suas residências assistindo a este ato através das ondas da Rádio Cara-zinho. Quero dizer a este povo honrado e trabalhador, que conto com sua indispensável colaboração, e estou convencido mesmo de que cada taperense é um obreiro de nossa independência econômica. É um apelo que faço. Precisamos produzir e produzir mais. Tapera está encra-vada entre três novos municípios sedentos de progresso. O seu território está assediado por todos os lados, e para sobressair precisamos ganhar as alturas, subir na escala da produção, com o trabalho perseverante de nossa gente.

Taperenses! Ao vos fazer este veemente apelo, sinto--me perfeitamente à vontade, porque ao subir à Prefei-

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tura, só não deixei para trás os ódios e ressentimentos políticos, porque são sentimentos que nunca encontra-ram agasalho em meu coração. Subi de coração limpo e com os olhos voltados para Deus, pedindo que conce-da-me a graça de uma gestão feliz e profícua, e quando deixar a prefeitura por terminação do mandato, espero continuar no conceito dos meus concidadãos — a única ambição que alimento.

Meus senhores, os problemas de Tapera são múl-tiplos. Existem, como ninguém ignora, os que dizem mais respeito aos habitantes da cidade, e os que mais afetam os habitantes do grande distrito de Selbach e o interior do distrito de nossa sede. Será preocupação constante do Executivo resolvê-los, pelo menos em par-te e dentro das possibilidades, o que mais necessário seja, para o que, estou certo, contarei com a imprescin-dível colaboração dos senhores Vereadores e boa com-preensão de todos os taperenses.

Para os nossos amigos da colônia, ou seja, para to-dos os contribuintes que cooperam com seus impostos, o que posso dizer é que os reparos das estradas começa-rão desde logo. Quanto aos senhores professores muni-cipais do quadro, lotados em Tapera e Selbach, poderão reiniciar as aulas no dia 1° de março, ou seja, amanhã, pois que lhes asseguro todos os direitos e vencimentos que estavam percebendo da Prefeitura de Carazinho. Para isto, conto com o apoio do Poder Legislativo, pois que é uma medida justa e não se trata de favores, mas um direito que lhes assiste.

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Convoco ainda os senhores professores contratados que tiveram seus contratos cancelados em fins de 1954, para que também reiniciem as aulas amanhã. A juven-tude taperense não pode ser prejudicada. A grande fa-mília taperense está ansiosa para que o município mar-che a passos gigantes pela estrada larga do progresso.

Conto ainda realizar outros pontos constantes de nos-sa plataforma de governo e que constituiu a nossa men-sagem de fé e de esperança ao nobre povo do município.

Para a realização do que consideramos justas aspira-ções do povo taperense, não mediremos esforços jun-to ao Exmo. Senhor Governador do Estado, para que nos proporcione aquilo que pedirmos e que for possível atender, a fim de construirmos uma comuna pujante de acordo com a sua privilegiada situação geográfica.

Congratulo-me ainda com meus ilustres companhei-ros de chapa, Vice-Prefeito Alberto Hilário Henrich e Vereadores Dr. Hugo José Germann, Presidente do Legislativo taperense, Adolfo Albino Werlang, Arthur Graeff e Varonil Costa e, bem assim, os ilustres Vere-adores Dr. Hercílio Steffens, João Maximiliano Batis-tella e Romeu Kloeckner, conclamando-os a pôr mãos à obra para a construção de um município que sirva de orgulho à grande e unida família taperense.

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Desenho de mural, em exposição realizada por ocasião da comemoração do Centenário de Nascimento: das 4 fases importantes da vida, os alunos da 1ª série, turma 12, ano de 2006, turma da Professora Regina, que nos cedeu o mural, escolhemos o desenho de Taila que representa o trabalho de Dionysio como Prefeito de Tapera.

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Momentos da inauguração da “Prefeitura Nova”. Ao fundo, Varonil Costa.

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Depois da posse festiva com a presença da “Rádio de Ca-razinho” e todo o povo taperense, chegou o dia de abrir as portas da prefeitura.

Que prefeitura? Que móveis? Como sentar? Máquina de escrever? Lembro o rebuliço... Então foi alugado um “prédio de dois andares” de madeira, que estava desativado e locali-zado na esquina da atual expedição do curtume. Lá de casa foram algumas cadeiras e umas mesas, que mais tarde foram devolvidas. Das outras coisas eu não sei, eu tinha então sete anos. Mas me lembro do rebuliço...

A compra do prédio e terrenos da “Casa Nova”, uma loja que “tinha fechado as portas”, em “frente da praça” foi um grande avanço para a estrutura do novo municí-pio: tudo cabia lá, desde gabinete do Prefeito, Câmara de Vereadores, garagens, oficinas, futura telefônica, até a fábrica de tubos, que me encantavam quando saíam das formas.

O primeiro carro a ser adquirido pela prefeitura foi um “verdadeiro achado”: lembro-me que à mesa o pai estava muito satisfeito por ter achado um caminhão “quase novo”, em muito bom estado, a preço muito bom, só que “meio antigo”: era um Ford 1937, acho —aestávamos em 1955, o caminhão já tinha 18 anos de uso, mas estava ali, muito bem conservado e barato. Foi boa compra, serviu muitos e mui-tos anos à prefeitura... Acho que as licitações, assim como as conhecemos hoje, vieram depois.

Carro velho ficou o “nosso auto”, da família: um Ford 1946 que estivera muitos anos na garagem e que só era usa-do para passeios ou alguma viagem. Ao final do mandato estava em frangalhos: o município não dispunha de carros para deslocamento de pessoal, isto se fazia com o carro do prefeito ou de outras pessoas da comunidade, a custo zero.

Ele também cuidava dos esportes, vejam esta:Apesar de o América-bolão ser do grupo adversário —

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o pai fazia parte do “Grupo de Bolão dos Quinze” —, o América-futebol era considerado de toda a cidade.

Lembro-me de um ocorrido. O Pai, como prefeito, com mui-ta dificuldade conseguiu em Cruz Alta, junto à Viação Férrea, trilhos de trem já em desuso para doação ao município — a Viação Férrea era estatal e a decisão da doação teve que ser au-torizada no Rio de Janeiro, a Capital do Brasil na época, envol-vendo muita negociação e delongas burocráticas. Esses trilhos serviriam para fixar o alambrado, o que completaria as obras do novo “Estádio do América”, cujas terras foram doadas pela família Steffens, que a prefeitura havia terraplanado totalmen-te e plantado leivas para deixa-lo gramado, tal como hoje se encontra. Só faltava o moderno “alambrado”.

Na época, o alambrado era muito importante, pois no futebol havia sempre muita briga, especialmente entre Ta-pera e Espumoso. Além disso, Tapera passaria à frente de Espumoso em matéria de estádio.

Após terem cortado os trilhos e conseguido fazer a an-gulação na parte superior, a prefeitura mandou cavoucar os buracos e iniciou a concretagem dos postes. Presenciei meu pai em casa bravo porque Dr. Hercílio havia ido ao campo e verificara que o primeiro poste, ainda com o concreto mole, estava virado com a angulação para dentro do campo e, com “um chute” teria brigado com o “tuco” — assim eram cha-mados os empregados mais simples da prefeitura —, mudan-do a posição da angulação para fora do campo. Meu pai não era entendido desses assuntos de estádios e para ele o que valia era o “desaforo do chute”. Tanto fazia se ficasse para dentro ou para fora, no seu entender. Assim, quase o alam-brado do América fica “português”. Hoje vemos que o Dr. Hercílio tinha toda a razão no caso da mudança de ângulo dos postes do alambrado, afinal ele fora um grande jogador, havia passado por grandes estádios e conhecia o que para nós hoje parece tão banal.

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Mas as coisas eram assim, ferventes sempre, cada um ao seu lado... O Dr. Hercílio era vereador e um dos líderes da oposição.

A administração do pai tem que ser entendida também como uma administração que foi ajudada por muitas forças de fora: o pai era muito católico, não diria um “papa-hóstias”, porém prezava muito a prática da missa e principalmente os preceitos da moral cristã. Isso o fez aproximar-se muito da Igreja, tornando-o bastante amigo do Cônego Bento e do Pá-roco Pe. João Hoffmann, que depois ao se tornar Bispo con-vidou o pai e a mãe para padrinhos de sua Ordenação Epis-copal. Lembro-me que quando o Bispo D. Cláudio Colling , de Passo Fundo, vinha a Tapera num reluzente e moderno automóvel, sempre o visitava, e algumas vezes jantou conos-co, como também fazia o já Bispo D. João Hoffman.

Era um tempo onde a Igreja se aproximava do Estado e, tal como hoje se prega, o bom cristão tinha que assumir estas funções. Era um tempo de abertura da Igreja: inicio da JOC, JUC, união de agricultores...

Nesses encontros com o Clero e junto com as Secreta-rias de Governo do Estado, meu pai conseguiu trazer para Tapera o que eu chamo de “Revolução Cultural”: foram as “Semanas...” — que nome teriam? Sociais? Agrícolas? Da saúde? Todas?

Não importa. Nessas “Semanas” a cidade ficava fervi-lhada de técnicos nas respectivas áreas e eram passados filmes muito interessantes, muitos de desenhos animados, com grande poder de comunicação, ao “Ar-Livre” (nunca ninguém tinha visto tal coisa): as projeções eram em frente à praça, onde ficava o antigo Hotel dos Viajantes. O pessoal do interior vinha com caminhões lotados de gente para as-sistir ao “cinema de graça”. Recebiam, por meio de material muito bem elaborado, uma educação e atualização que se-ria de fundamental importância para este nosso povo, pois

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Jantar em nossa casa. Da esquerda para a direita: Pe. Tenário, sa-cerdote que não identifiquei, Bispo D. João Hoffmann, Euclides “Tite” DiDomenico.

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Em primeiro plano Enio Bervian, depois Pe. Tenário, Cônego Bento, sacerdote cujo nome não consta, D. João Hoffmann e Ilca Henrich ajudando a servir, com sua alegria de sempre. Apesar de serem posteriores ao tempo de prefeitura, estas fotos ilustram a relação de Dionysio Lothario com a Igreja.

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já havia várias gerações estava distanciado das informações tecnológicas, sanitárias, sobre a maneira de transmissão de doenças, sobre os cuidados com a água, com o meio ambien-te, com a higiene, com a erosão, com a produtividade, com o adubamento até, porque já muitos afirmavam que a “terra estava ficando velha...”

As “Semanas”, para mim, foram um marco no desenvol-vimento de Tapera, e isso se conseguiu com o apoio da Igre-ja, segundo me consta.

O combate às formigas e às pragas também se intensifi-cava, pois era o tempo da saúva, quando se dizia que “ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com a agricultura do Brasil”. Nesse tempo só se podia plantar a área que fosse possível cuidar da saúva. Lembro que na Prefeitura havia la-tas cuidadosamente empilhadas de “Blenco”, para difundir o uso desse veneno para formigas. Não havia nada orgânico...

Em suas viagens, Dionysio sempre procurava coisas no-vas. Certa vez viu um projeto de reflorestamento que o dei-xou encantado. Logo em seguida, criou o Horto Municipal, projetado numa colônia de terras que o Município havia ad-quirido a um preço também muito bom. O projeto pioneiro certamente lhe custou muitas críticas, já que as matas ainda eram consideradas desnecessárias pela cultura extrativista e agrícola de então, mas produziu mudas de muitas árvores que hoje são úteis, cabendo à comunidade sua preservação, para que assim seja mantida a finalidade para a qual foi criado o Horto Florestal.

Trazia dentro de si a democratização do ensino. Dese-java trazer o “Ginásio” para Tapera. Parece fácil, mas não foi. Tentou por muitos meios, mas a concessão era em nível Nacional, concedida pelo Governo Federal. Nós tínhamos que provar ao Governo no Rio de Janeiro que teríamos um “bom” Ginásio. Nenhuma instituição quis bancar o projeto. Não conseguiu parcerias nem empresariais, nem religiosas.

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Decidiu então que faria por conta própria: Ginásio Municipal e gratuito. E tocou o projeto, mesmo sob muitas críticas.

Lembro meu pai muitas vezes bravo na hora do almoço, por estar sendo duramente criticado e estar convencido da impor-tância do projeto para a cidade. Nessas ocasiões todo mundo almoçava calado, olhando para o prato. Só ele falava...

Lembro-me de um Inspetor Federal cuja função, acredito, era avaliar as condições que a cidade oferecia para o Giná-sio. Ficou hospedado em nossa casa para “maior segurança do projeto”. Esse funcionário me parecia importante. Estava sempre, de manhã à noite, de gravata (em Tapera!), e mais: tinha um diamante — pasmem, um diamante! —, sempre pregado na gravata.

Eu nunca tinha visto algo assim... Um diamante! Na gra-vata!!!

Ficou uma semana em nossa casa, que durante esse tem-po ficou cheia de cerimônias para tudo, o que era muito chato para um moleque como eu...

Neloi, minha irmã, era professora primária e ficava aflita que alunos “tão inteligentes” — lembro-me que ela citava o Iba (Ibanor Anguinoni), o Guido (Loebel) e outros — , “teriam que parar de estudar” caso o Ginásio não fosse instalado.

Tempos depois o ginásio foi aprovado: lembro-me da ale-gria em toda a cidade. O Grupo Escolar Barão de Caçapava foi todo reformado e ampliado pelo município para instalar o “Ginásio Taperense” dignamente.

Havia uma prova para entrar, tipo vestibular: era a “Ad-missão ao Ginásio”. Lembro que muitos que haviam pa-rado de estudar por anos se prepararam para essa prova numa espécie de “cursinho” e entraram no Ginásio para prosseguir em sua vontade de aprender. Que vibração! Eu pertenci à segunda turma e ao final do ano fui reprovado: não havia moleza no Ginásio, mesmo o filho do Prefeito “levava pau”...

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Muitos se formaram desde então. O ginásio foi uma luta que valeu. Tapera se tornaria mais tarde a “Cidade Cultu-ra”, epíteto proposto por Dona Lídia Mombelli da Fonseca, a escritora da cidade.

Lembro-me também de seus auxiliares na Prefeitura, já falecidos, que hoje não são muito lembrados. Lembro-me do Varonil Costa, secretário geral do município, por assim dizer. Era taperense de família pobre e autodidata, muito inteligente, muito comunicativo e político esperto, por isso era encarado com aversão pela oposição. Era muito hones-to, segundo eu sei. Sempre com seus sapatos de duas co-res, óculos escuros, terno branco, muitas vezes de gravata. O pai o considerava muito. Ele fazia o “meio-de-campo” com as Secretarias do Governo do Estado e do Governo Federal, bem como os contatos que se mantinham com os Deputados da região e que apoiavam os projetos, especial-mente Romeu Scheibe e Daniel Faraco.

Eu estava junto quando, muitos anos depois, o pai visitou o Varonil em Uruguaiana. Ele havia passado num concurso público para fiscal de Aduanas do Governo Federal e traba-lhava lá. Após sua morte foi velado na câmara do Município de Tapera com justa homenagem.

Outra pessoa importante foi o seu Vice-Prefeito, Hilário Henrich. Era o homem encarregado das obras e estradas. Muito ativo e trabalhador, possuía muita experiência nesse trabalho, já que antes da emancipação era funcionário por Carazinho — Chefe do Distrito, seria isso? —, encarregado de cuidar do Distrito de Tapera.

Quando chovia, as estradas eram intransitáveis. Mesmo nas estaduais havia cancelas, os “postes do DAER baixa-ram”, escutava-se , e tudo parava até o tempo melhorar. Em Tapera, havia cancelas-postes nas três entradas da cidade. As estradas do município nunca haviam recebido muitos cuidados por parte de Carazinho, por ser este um município

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muito grande: eram estreitas, esburacadas e intransitáveis em dias de chuva. Suas primeiras atividades na Prefeitura fo-ram a de alargar todas as estradas em “mais de um metro”, “encascalhar” os trechos mais críticos e mantê-las em dia, sem buracos.

Não faltavam pontes, pontilhões e bueiros para arrumar. Fizeram uma “fábrica de tubos” na Prefeitura, foram atrás de minas de pedras, e optaram por uma bem próxima à cidade. Ali construíram a britadeira, cujas pedras-ferro vi-nham da Barra do Colorado, e que para nós, molecada, foi um encanto: subíamos por aquela estrutura de eucaliptos como macacos. Optaram no inicio por comprar duas pe-quenas patrolas ao invés de uma grande e adquiriram um caminhão caçamba. Agora Tapera tinha dois caminhões, o velho e o novo. E a caçamba era uma magia funcionando.

Pouco mais de um ano antes do fim do mandato veio a patrola grande, uma “Caterpillar”, com financiamento do Governo do Estado cujo Governador já era Brizola, seu ad-versário político. Lembro que a patrola veio cheia de listras vermelhas. Mandaram pintar todas com listras amarelas, mas a cor mesmo assim ficou diferente.

Lembro-me de uma visita que fiz com o pai a uma destas obras onde o Hilário Henrich estava trabalhando, fazendo um pontilhão na estrada aonde se ia ao rio Jacuí: o pessoal de campo tinha uma “casinha sobre pneus” (como se fosse um “trailer” hoje, mas fabricado ali mesmo nas oficinas da Prefeitura) e ficavam acampados ali a semana toda ou até a obra acabar. E naquele dia, ao chegar o meio-dia, fizeram uma galinhada que até hoje me recordo do sabor e aparên-cia: uma maravilha, a melhor que já comi. Almoçamos todos juntos ali, Prefeito, Vice, “tucos” e eu, sentados na grama ao lado do riozinho e da ponte em construção. Hilário Henrich saiu de Tapera após o mandato, alugou um Hotel existente em São Leopoldo e o administrou, e não tive mais notícias.

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A nossa praça, em 1965, com os ciprestes e a neve. A modernidade fez a diferença.

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Eu era muito amigo de seu filho Irineu, que era motivo de gozação por babar. Ainda assim, Irineu era muito legal. Ele era mais velho que eu e escutava radionovelas de aventura, especialmente a do “Gerônimo, o Herói do Sertão”. Eu apren-dia muito dessas coisas imaginárias. Nós brincamos muito também de “Disco-Voador” sobre um pé de ameixinha ama-rela lá de casa, que era a melhor nave espacial que alguém podia construir... Nunca fiquei sabendo se essa história de disco-voador era outra radionovela ou se fora fonte de nossa própria imaginação.

Meu pai tinha muita confiança em Hilário e eu gostava também muito dele, apesar de que sempre que o encon-

Detalhe da instalação da água em frente à prefeitura. Ele está em pé observando, no meio-fio.

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trava recebia um beliscão bem forte. Ele estava sempre sorrindo e envolvido com seu palheiro, ou fazendo-o ou fumando-o.

Meu pai, que era também preocupado com a comunicação, conseguiu a telefonia para o município. Foi outra luta dura. Tapera só tinha telefone no Curtume Mombelli. De resto, era tudo por recado. O telefone era na base da manivela: lembro-me que na preparação para a inauguração ele man-dou plantar árvores em frente (que ainda estão na beira da calçada, ali no lado do sorvetão), ajudou a plantá-las e fez questão que se cuidasse de uma minhoca que estava junto à muda, porque “era bom”...

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Lembro-me que os telefones eram uma grande novidade. A primeira rede tinha 20 telefones, e foi difícil conseguir esse número mínimo. Muitas vezes eu e meus primos Nenê (Edson Bervian), Quico, (Luiz Paulo Di Domenico), João (Vianei) estávamos brincando e daí combinávamos de parar de brincar, ir para casa e “se telefonar”... E assim fazíamos.

De suas andanças, trouxe muitas mudas de árvores, e algumas estão em nossa praça. Os Ipês são um exemplo, árvores que ele mesmo plantou, e muitas outras. Sempre tive esperança que Tapera produzisse frutos nas Olivei-ras da praça e em frente ao Hospital, que meu cunhado Flávio havia trazido lá de Itaqui. Ele dizia que faltava uma Oliveira-Macho. “Quem sabe Tapera consiga uma Oliveira-Macho para termos azeitonas na praça”, pensava eu. Mas um dia, quando voltei para nossa terra, elas não estavam mais lá: foram arrancadas por algum adminis-trador que destruiu todas as “Oliveiras-fêmeas”, sem a informação técnica necessária e sem o cuidado histórico com as gerações anteriores. Assim também fizeram com os ciprestes ornamentais da praça. Hoje há ciprestes or-namentais na vizinha cidade de Vitor Graeff, que se tor-nou famosa exatamente por isso.

Outra preocupação sua como prefeito foi com o sanea-mento: Tapera tinha muitas casas com água salobra e era muito fácil a contaminação da água no lençol freático pelas fossas, pois ficávamos no “fundo de uma bacia”. Havia um poço artesiano de “água muito boa” lacrado havia anos bem ali na praça, ele então “se mexeu” e conseguiu as verbas necessárias. Os buracos e escavações nas ruas na época da instalação da água foram uma festa para nós crianças: toda aquela terra solta para brincar.

Depois veio o calçamento que também foi difícil: o terre-no de Tapera, no centro da cidade, era muito mole. Tiveram que encontrar a mistura de terra e areia certa, para que não

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Sua casa em 1965, ano em que caiu neve em Tapera. O fusca 62 foi o seu último carro.

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afundasse. Começaram e desmancharam várias vezes, falta-va tecnologia.

E por fim acabou o martírio da poeira no verão e o fim de uma atividade comunitária que envolvia muitos e era uma festa para toda “a tigrada”: o riozinho que passava ao lado da avenida era trancado ao final da tarde em frente ao Moi-nho, e a água era desviada para o lado da rua, até desaguar no rio abaixo do curtume. Em frente a cada casa se fazia uma pequena represa com a própria terra, e com baldes se molhava a rua para aliviar a poeira. Imaginem a festa para nós crianças. Bons tempos esses de se molhar as ruas com baldes e represas...

Outra preocupação foi a saneamento básico, já que as enchentes periódicas castigavam a cidade. Porém as maiores verbas para isso foram liberadas somente após o seu manda-to, graças ao esforço de sua administração.

Uma das coisas que ele mandou fazer foi o “Plano Dire-tor”, que considerava muito importante para o futuro. “Vai organizar a cidade”, dizia.

Nesta análise retrospectiva de sua vida comunitária, não posso esquecer da figura de sua esposa, minha mãe, “Dona Anúncia”, como era chamada por todos. Ela, muito devota que era, orgulhava-se de ter um nome que a remetia a “Ma-ria da Anunciação do Senhor”. Sempre foi um grande apoio a meu pai, e ambos se davam muito bem. Nunca os vi briga-rem, nem mesmo discussões comuns em casais.

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Baile a caipira, momento de descontração na vida social.

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Em Tapera, era prática de todos enfeitarem as árvores de Natal em suas casas, visitadas por toda a população, em espe-cial pelas pessoas do interior do município, que vinham para a missa da noite, a chamada “Missa do Galo”. A mãe tinha um esmero muito grande e já um mês antes começava os pre-parativos para os enfeites da casa (nós crianças, não podía-mos participar da arrumação da árvore: era tudo segredo e sempre estávamos ameaçados de que o “Papai Noel” poderia não dar os presentes caso espionássemos qualquer coisa) e as bolachas pintadas (isso nós ajudávamos a fazer) eram depois oferecidas aos visitantes. Era uma verdadeira romaria, um grande entra-e-sai nas casas. Todos visitavam todos.

As crianças eram divididas em dois grupos: os que acre-ditavam que o Papai Noel existia de fato e outros que já não acreditavam. Os que não acreditavam olhavam superior-mente para os que acreditavam. Eu me lembro de uma “re-volta” dos pais em Tapera quando uma professora falou “em aula” que o Papai Noel não existia... O Natal era mágico.

No Brasil daquela época, só se falava em favelas no Rio de Janeiro, porém havia também muita pobreza em Tapera. Não havia fome, mas era difícil comprar uma camisa nova, uma bola, um brinquedo... Então nós crianças fazíamos mui-tos dos nossos brinquedos. Mas também tínhamos sonhos. Lembro-me que era comum as pessoas trabalharem com grandes remendos de tecidos dos mais diferentes em áreas dos joelhos, nádegas, cotovelos. Lembro que as meias eram costuradas com um “bico de luz” (lâmpada elétrica já quei-mada), em todas as casas da cidade. Nada era jogado fora.

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Natal de 1947. Eu, Nei, com menos de dois meses — sou a criança pequena no colo de minha mãe —, junto com minhas irmãs e meu pai.

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Minha mãe percebeu isso e organizou um “Natal das Crianças Pobres”. Fez pessoalmente um cadastro de cada família que se achava no direito de receber estes presentes para seus filhos: onde moravam, quantos eram, de onde vinha o rendimento familiar, número de filhos, nome de cada um deles, se eram meninos ou meninas e, finalmente, o que cada um queria receber do Papai Noel. Anotava isso em seu fichário.

Eram todos atendidos em nossa casa, sentados na área da frente, a qualquer hora. Assim ela sabia exatamente quantas bolas, bonecas, caminhõezinhos, teria que comprar.

Natal da Criança Pobre de 1957. Detalhe: notar a organização e o nome de cada criança anotado em “seu” presente.

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O Papai Noel era quem entregava todos os presentes.

Creio que comprava com donativos ou com verbas da própria Prefeitura, mas ficava revirando até encontrar os lugares mais econômicos e os melhores presentes em qual-quer lugar do Brasil. Era um Natal dos sonhos: cada um ganhava o presente que havia solicitado. Hoje seria muito difícil fazer igual.

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Flagrante do Natal da Criança Pobre. Todos estávamos envolvidos: eu, de gravata borboleta, ao lado de meu pai, minha irmã Neloi, minha mãe, Papai Noel e, mais à direita, Neida. Mesmo com máscaras “muito feias”, as crianças pequenas acreditavam no “bom velhinho”, que naquele tempo sempre andava com uma “vara de marmelo” na mão.

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Aí vemos Hilário com seu palheiro, até na entrega dos presentes...

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Não tenho a data deste Natal, mas dá para ter uma ideia da abran-gência da iniciativa, que hoje certamente receberia outro nome.

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Quando “Dona Anúncia”, como era conhecida, faleceu serenamente em 1992, já morava em Cascavel (PR), perto de sua filha Neida.

Devido à sua doença, o Mal de Alzheimer, tivemos que levá-la a um lugar onde pudesse ser acompanhada de perto por seus familiares mais íntimos, sem maiores sacrifícios a tantos amigos e amigas que cuidaram tão carinhosamente dela em Tapera por muito tempo. Essa tarefa foi assumida por Neida, já que todos os filhos moravam longe.

Conforme seu desejo, foi sepultada em Tapera junto com o pai. Foi-nos oferecida a Câmara de Vereadores como “Câ-mara Ardente”, já que em Tapera não havia um lugar pró-prio e sua casa não estava disponível para esse último ato, gesto este que certamente a deixaria muito honrada e que a família sempre vai reconhecer. Seu afilhado, Bispo D. João Hoffman, veio de Erexim assim que ficou sabendo de seu falecimento, especialmente para celebrar a missa de corpo--presente de sua Madrinha Episcopal. Mais uma honraria.

Bom, meus pais eram assim, uns amigos mesmo. Eu fica-va espantado como eles tinham amigos em todos os lugares aonde iam. Mesmo em cidades longínquas eles tinham ami-gos de verdade.

Eu achava muito difícil ter tantos amigos quando eu fi-casse grande.

Uma vez, já noite, na Rodoviária que ficava junto ao Café, ao lado de nossa casa, um viajante me confundiu com um “menino de rua” e me solicitou para levar as malas ao hotel. Levei. Eram bem pesadas. Deixei-as no chão, em frente ao

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Sua ultima foto: sua esposa e todos os filhos e netos: abaixo Rossana e Eneida à direita, Iáscara e os gêmeos Marcelo e Adriana. Acima, ao centro, seu genro Flávio, Neloi e Neida grávidas de Flavinho e José Orlando, respectivamente. Era o Natal de 1966, seu último aniversário. Faleceu de câncer gástrico em 19 de fevereiro de 1967, aos 61 anos.

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final

balcão, e saí correndo sem esperar pelo pagamento. Depois ele ficou sabendo que “o moleque” era o “filho do Prefeito”, e teria ficado muito constrangido, segunda o comentário da época. Eu só dei risada.

A maioria dos meus amigos eram pobres, muitos de cor negra, e nós brincávamos no campinho atrás de casa e por aí... A cidade era toda nossa. Não havia limites, mesmo para mim, que dava um jeito (fazia escondido), pois minha mãe tinha muito medo que me acontecesse algo, como a meu ir-mão João Nirton, que morrera sufocado com areia caída de uma gaiota quando ela estava ausente da cidade, antes de eu nascer.

Eu gostava muito de comer um lanche que não havia lá em casa: pão caseiro com banha e açúcar. Era uma delícia, coisa muito boa, além de muito energético.

Estudando fora, contava os dias para retornar a Tapera. Como meus pais eu amo muito a cidade de Tapera e seu

povo. Talvez muitos aí me achem “cheio”, por não visitar mais ninguém e só falar com quem eu encontro. Acho mais justo com todos que eu amo. São todos vocês.

Fico orgulhoso com os cartazes que o Dr. João Vianei cuida tanto, os quais refletem a vida e a beleza deste povo.

Tapera, Viva este lugar!

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Aqui, meu pai conta a história de seu pai. Coube a mim, filha-neta, a tarefa de contar-lhes um pouco de meu pai, que em muito se assemelha ao meu avô-protagonista, Dionysio. Ambos dedicaram-se à saúde — meu avô, dentista, meu pai, médico. A lembrança da sala de espera cheia, relatada aqui, também faz parte das boas lembranças da minha infância. Ambos se dedicaram à ação política, no mais puro sentido da palavra — política como ação na polis, a cidade con-struída por seus cidadãos. Meu pai nunca abandonou o sonho de um país mais justo, e trabalhou em todos os sen-tidos para ajudar a concretizá-lo. Ambos foram, além dis-so, admirados e respeitados em suas comunidades. Seja por sua afetividade, por seu carisma, por sua força, coragem ou por seu grande coração, meu pai sempre conquistou a todos que o cercam. “Enérgico e justo”, mas um “amigo de fato”, é como meu pai se lembra de meu avô, e sem dúvida como também eu e muitos outros vemos meu pai.

Não sei sobre meu avô, mas meu pai é, além de tudo, um contador de histórias. Aqui ele narra suas lembranças de infância, tendo a jovem Tapera como pano de fundo, com seus personagens e suas histórias. Vejo nesta obra, uma bela homenagem de amor a um pai que deixou um legado tão forte, que se transmitiu a uma cidade, e que viveu, de uma certa forma, em seu filho.

Carolina Seibel Chassot