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DINÂMICAS REGIONAIS E A ATUAL FACE DO RURAL ALAGOANO Jaqueline da Silva Lima 1 Odilon Maximo de Morais 2 RESUMO: O presente trabalho versa apresentar reflexões sobre a produção agropecuária no rural alagoano e os sujeitos ali residentes. Sendo o objetivo analisar as dinâmicas de ocupação e desocupação do espaço rural alagoano através dos Censos Agropecuários de 2006 e 2017 (resultados preliminares). Através do levantamento dos dados, buscou-se retratar o rural alagoano e a sua atual face, mostrando assim que as dinâmicas regionais mudam em suas roupagens porém permanecem em suas essências. Ou seja, o rural das Alagoas vivencia e permanece dentro do mesmo contexto histórico da concentração fundiária e da busca incessante por lucro por parte dos grandes produtores. Palavras-chave: Rural alagoano. Dinâmicas regionais. Trabalhadores rurais. Concentração fundiária. Ocupação. ABSTRACT: The present work presents reflections on agricultural production in the rural of Alagoas and the subjects living there. The objective is to analyze the dynamics of occupation and unemployment in the rural area of Alagoas through the Agricultural and Livestock Censuses of 2006 and 2017 (preliminary results). Through the data collection, we sought to portray the rural Alagoan and its current face, thus showing that regional dynamics change in their clothing but remain in their essence. That is, the rural of Alagoas lives and stays within the same historical context of land concentration and the incessant search for profit by the big producers. Keywords: Rural alagoano. Regional dynamics. Rural workers. Land concentration. Occupation. 1 INTRODUÇÃO Este trabalho parte de ponderações realizadas na disciplina eletiva As novas dinâmicas Regionais e a Industrialização Brasileira do Programa de Pós Graduação - 1 Assistente Social; Mestranda em Dinâmicas Territoriais e Cultura (ProDiC) pela Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL). 2 Orientador deste artigo; Reitor da Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL); Prof. Dr. do curso de Geografia e do Mestrado em Dinâmicas Territoriais e Cultura (ProDiC) da Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL).

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DINÂMICAS REGIONAIS E A ATUAL FACE DO RURAL ALAGOANO

Jaqueline da Silva Lima1

Odilon Maximo de Morais2

RESUMO: O presente trabalho versa apresentar reflexões sobre a produção agropecuária no rural alagoano e os sujeitos ali residentes. Sendo o objetivo analisar as dinâmicas de ocupação e desocupação do espaço rural alagoano através dos Censos Agropecuários de 2006 e 2017 (resultados preliminares). Através do levantamento dos dados, buscou-se retratar o rural alagoano e a sua atual face, mostrando assim que as dinâmicas regionais mudam em suas roupagens porém permanecem em suas essências. Ou seja, o rural das Alagoas vivencia e permanece dentro do mesmo contexto histórico da concentração fundiária e da busca incessante por lucro por parte dos grandes produtores.

Palavras-chave: Rural alagoano. Dinâmicas regionais. Trabalhadores rurais. Concentração fundiária. Ocupação.

ABSTRACT: The present work presents reflections on

agricultural production in the rural of Alagoas and the subjects living there. The objective is to analyze the dynamics of occupation and unemployment in the rural area of Alagoas through the Agricultural and Livestock Censuses of 2006 and 2017 (preliminary results). Through the data collection, we sought to portray the rural Alagoan and its current face, thus showing that regional dynamics change in their clothing but remain in their essence. That is, the rural of Alagoas lives and stays within the same historical context of land concentration and the incessant search for profit by the big producers.

Keywords: Rural alagoano. Regional dynamics. Rural workers. Land concentration. Occupation.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho parte de ponderações realizadas na disciplina eletiva “As novas

dinâmicas Regionais e a Industrialização Brasileira do Programa de Pós Graduação -

1 Assistente Social; Mestranda em Dinâmicas Territoriais e Cultura (ProDiC) pela Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL). 2 Orientador deste artigo; Reitor da Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL); Prof. Dr. do curso de Geografia e do Mestrado em Dinâmicas Territoriais e Cultura (ProDiC) da Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL).

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Mestrado Em Dinâmicas Territoriais e Cultura da Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL).

Reflexões que trazem a atual realidade do rural alagoano em nível de produção agropecuária,

ou seja, através dos censos agropecuários de 2006 e 2017 (resultados preliminares), foram

realizadas comparações de como as dinâmicas regionais influenciaram no cotidiano dos

sujeitos ali residentes.

Assim, para entender a atual realidade do rural alagoano é necessário entender como

o capitalismo adentra e interfere na vida dos trabalhadores rurais alagoanos, sendo

necessário conhecer às bases que esteiam esta sociedade, sustentada pela presença

marcante da pecuária, do latifúndio e da monocultura, aliados à concentração e centralização

de terras, como também a exploração extenuante da força de trabalho. Redefinindo a

estrutura socioeconômica e política do trabalhador rural, que se vê forçado a criar e recriar

alternativas que lhe garantam o mínimo para a sua reprodução social.

Dessa forma, o artigo está dividido em introdução, desenvolvimento, este que trará

primeiramente uma compreensão do território alagoano e as características do seu rural, em

nível económico, social e político. Seguido de uma reflexão da atual face do rural alagoano a

partir do exposto no censo agropecuário 2017, fazendo comparações com o censo

agropecuário 2006, para assim chegar as considerações finais que trarão uma síntese do que

fora discutido no desenvolvimento, pontuando que os problemas sociais causados pelas

mudanças nas dinâmicas regionais no território alagoano ainda permanecem com a mesma

essência: concentração de terras.

2 COMPREENDENDO O TERRITÓRIO DO ESTADO DE ALAGOAS

O Brasil, como também o Estado de Alagoas, não pode ser pensado em si, isolado

das dinâmicas mundiais. Necessariamente deve ser compreendido através do externo e do

interno dentro de uma dualidade que influencia nas dinâmicas regionais e nacionais. Para

Rangel (1981) o contexto do território brasileiro é entendido a partir de pontos de tensões e

contradições no meio econômico, político e social. Estes que vivenciaram, desde da “invasão”

portuguesa no Brasil, um processo de dominação externa através da exportação de matérias

prima e a importação de mercadorias e bens duráveis o que atrasou o desenvolvimento do

país.

O Nordeste brasileiro carrega uma falácia sobre sua história, a qual associa a

pobreza generalizada ao drama da seca, de um ambiente semiárido desértico e habitado por

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sujeitos esparsos e raquíticos e que vivem em locais onde a vida não desenvolve. No entanto,

segundo Furtado (1998, p. 7-8), a “pobreza do Nordeste não é, como se afirmava então na

década de 1950, consequência da seca, mas sim do subdesenvolvimento e da exploração da

região pelas próprias elites nordestinas e por grupos diferentes de outras regiões do país”.

Com base em Furtado (1998) e Albuquerque (2013), infere-se que tantos os problema sociais

do rural nordestino em geral, como do rural de Alagoas não são questões de seca e sim de

cerca.

Neste contexto, o estado de Alagoas também sofreu influencias dessa dinâmica

nacional e internacional, que contribuíram para uma cultura conservadora e arcaica, que

segundo Oliveira (2003), o “arcaico”, nesse sentido, é que teria sido responsável por alavancar

o processo de acumulação e expansão do capitalismo moderno brasileiro, ou um capitalismo

a “lá brasileira”. Foi uma dinâmica histórica que utilizou das terras próximas as zonas

litorâneas para monocultura da cana-de-açúcar e posterior com a necessidade de avanços na

dominação do território, adentrou o Estado chegando assim no semiárido (agreste e sertão)

alagoano utilizando suas terras para a pecuária (bovinos, caprinos, suínos) e para a

agricultura de subsistência que abastecia todo o Estado.

Durante a primeira década do século XXI, o rural brasileiro e o alagoano, passaram

por transformações relacionadas as dinâmicas territoriais de permanência e vivencia neste

espaço, assim tem mostrado a emergência de uma nova realidade no rural alagoano, através

de diversas tecnologias sociais de convivência com o rural, as quais vêm sendo replicadas

entre as famílias sertanejas, buscando possibilitar uma condição de vida digna no meio rural

e, assim, construir “a cultura da previdência, em vez da providência” (MALVEZZI, 2007, p.

106).

O estado de Alagoas possui 102 (cento e dois) municípios, com 45,28% no que tange

à extensão territorial do Estado estando sob as condições naturais da semiaridez, o que

equivale a 38 municípios, com uma população de 900.549 habitantes residentes no semiárido,

dos 3,120 milhões do total de alagoanos, os outros residem nas outras mesorregiões (litoral,

zona da mata) segundo Censo Demográfico 2010. O estado tem praticamente a metade de

seu território dentro do semiárido (conforme figura 1), o qual convive com um problema grave

e recorrente, ou seja, o abastecimento de água para consumo e produção das famílias

agricultoras das áreas rurais do agreste e sertão, ressaltando que, “para o semiárido, não é

exatamente a falta de água, mas a sua adequada e eficiente captação e o seu armazenamento

e posterior distribuição de forma equitativa” (ASA, 2016, p. 18).

FIGURA 1 Fonte: Oliveira (2018.)

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O rural alagoano se subdivide em litoral, zona da mata e semiárido (agreste e sertão,

este ainda se subdivide em alto sertão, médio sertão e bacia leiteira), com uma população

total residente no rural alagoano, de acordo com IBGE (2010), de 822. 831 habitantes. Dos

102 municípios do Estado de Alagoas com exceção de Maceió que concentra mais de 900 mil

habitantes, apenas Arapiraca está na classificação de grande porte (100.001 até 500.000

habitantes), e outros sete (Campo Alegre, Coruripe, Palmeira dos Índios, Penedo, Rio Largo,

São Miguel dos Campos e União dos Palmares) estão na classificação de médio porte

(50.001 até 100.000 habitantes); os outros 93 municípios, enquadram-se em pequeno porte

(população de até 50.000 habitantes), no entanto, sua maioria possui até 15 mil habitantes,

de acordo tabela do IBGE (2010), configurando uma realidade econômica, política e social

parecida entre eles.

O rural de Alagoas é caracterizado por uma estrutura social extremamente desigual

e fundamentada na violência e na exploração da força de trabalho. Esta estabelece como

relação social a produção e a reprodução da dominação “coronelista”, observadas nas

fazendas e latifúndios. Uma realidade verificada desde o início da ocupação territorial

alagoana, que ainda hoje persiste em suas terras. Como afirma Lusa, “a formação social

alagoana, como também a brasileira, foi escrita em função dos interesses da classe

dominante” (LUSA, 2012, p. 97). É a classe dominante do latifúndio e da pecuária que dita o

cotidiano das trabalhadoras e trabalhadores alagoanos.

As características do rural contemporâneo em Alagoas são:

[...] a grande propriedade; a monocultura; a violência nas relações sociais e políticas; as desigualdades de classe; os conflitos e lutas de classe e a marginalidade conferida à agricultura de subsistência. (LUSA, 2012, p. 111).

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O mandonismo e o coronelismo ainda são reinantes no rural alagoano em pleno

século XXI, uma relação sociocultural que designa as relações de produção e reprodução do

capital nessa região. O que difere as mesorregiões (Zona da Mata, Litoral e Semiárido) do

rural de Alagoas é o modelo de produção: no Litoral e na Zona da Mata possuem

características semelhantes, pois estão no mesmo contexto social da monocultura da cana-

de-açúcar, vivendo tão só para a reprodução do trabalho.

Já no Semiárido há uma maior diversificação da produção agrícola, familiar, de

subsistência, com destaque para o cultivo do milho, feijão, da mandioca e, posteriormente, a

produção de farinha, como também o cultivo de frutas, verduras e a criação de animais de

pequeno porte (CENSO AGROPECUÁRIO 2006), da criação de gado, que por sua vez

constitui um retrato da realidade “agrestina”3 e sertaneja. Esta se diferencia da litorânea e da

Zona da Mata pelo fato da menor existência do latifúndio, pois no Semiárido alguns sujeitos

possuem um “pedacinho de terra” onde plantam e criam para seu próprio consumo e venda

do excedente, mesmo não cobrindo totalmente suas despesas. Ao menos existe uma

“relativa” autonomia em relação à população submissa ao reinado latifundiário da cana-de-

açúcar. Porém, ambos no mesmo contexto do mandonismo e submissão, vivem a opressão

e a naturalização da negação dos direitos trabalhistas, e de postos de trabalho.

2 “RETRATO” DO AGRÁRIO ALAGOANO: 2006 versus 2017

Para a compreensão do rural alagoano, não há um conceito direto e acabado,

porquanto remete a um contexto histórico cultural e seus determinantes. A partir do método

histórico e dialético, Lusa (2013) analisa o rural alagoano como a diversidade de organização

econômica, política, social e cultural. Com efeito, evidencia-se a produção de um vasto tecido

de desigualdades sociais, pobreza, miséria, e consequentemente, o desemprego. Logo, os

diversos rurais alagoanos4 se diferenciam e concomitantemente se configuram no mesmo

patamar da desigualdade e da submissão à classe dominante.

Diante disso, retratar o rural alagoano através dos resultados preliminares do Censo

Agropecuário 2017, necessitará de uma reflexão em nível nacional dos dados do Censo

3 Denominação da mesorregião do Agreste alagoano. 4 Segundo o IBGE, esta é a divisão geográfica de Alagoas por mesorregiões: Litoral, Zona da Mata e Semiárido (Agreste e Sertão).

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Agropecuário 2006 e 2017, para assim compreender as mudanças e permanências no agrário

alagoano.

Em todo o Brasil, segundo informação do Sistema de Recuperação do IBGE (SIDRA),

foram identificados 5.072.152 estabelecimentos agropecuários, em uma área total de

350.253.329 hectares. Em relação ao Censo Agro 2006, que tinha 5.175.636

estabelecimentos, houve uma redução de 2% (103.484 unidades) no número de

estabelecimentos. No entanto, a área total cresceu 5% (16,5 milhões de hectares, o

equivalente a área do estado do Acre). Esse feito, segundo Albuquerque (2013), decorre do

processo de concentração e centralização de terra. Entre os estabelecimentos com 1.000 ha

ou mais, houve aumento tanto em número (mais 3.287) quanto em área (mais 16,3 milhões

de ha). Sua participação na área total passou de 2006 para 2017 de 45% para 47,5%. Já os

estabelecimentos entre 100 e 1000 hectares viram sua participação na área total cair de

33,8% para 32% (menos 814.574 ha) e tiveram uma diminuição de 4.152 unidades.

Já sobre os produtores, em 2017, havia 15.036.978 pessoas ocupadas nos

estabelecimentos agropecuários, ou seja, em 11 anos, isso representa uma queda de 1,5

milhão de pessoas, incluindo produtores, seus parentes, trabalhadores temporários e

permanentes, que em 2006 somavam 16.536.978 pessoas ocupadas. A média de ocupados

por estabelecimento também caiu de 3,2 milhões de pessoas, em 2006, para 3 milhões de

pessoas, em 2017. Em contra partida, cerca de 734 mil estabelecimentos utilizavam tratores

em 2017.

Nesse contexto, a diminuição das ocupações rurais, que, grosso modo, é composta

por três categorias – agricultores familiares/camponeses, empregadores e empregados – é

reflexo das mudanças ocorridas no campo, caracterizada pela contínua especialização e

mecanização do processo agrícola, possuindo como consequência a redução do número dos

postos de trabalho, uma das expressões mais visíveis da modernização da agricultura.

A pesquisa do DIEESE (2014) justifica esse argumento, ao expor que, em 1970,

havia pouco mais de 160 mil tratores em operação no meio rural. Em 2013 já eram quase 1,1

milhão, e em 2050 estima-se que o número de tratores possa chegar a 1,7 milhão. E se

continuar essa progressão divulgada pelo IBGE (2017), que em quatro anos houve um

aumento de um milhão de tratores, a estimativa cai para o ano de 2037, o qual terá 1,7 milhão

de tratores em funcionamento no Brasil. A elevação do desempenho dessas máquinas (com

maior produtividade) implica a demanda de uma mão de obra mais qualificada e escolarizada,

ao tempo que aumenta o desemprego nesse setor.

Assim, as inovações tecnológicas no campo são aliadas do capital para aumentar a

renda fundiária. Estas inovações auxiliam na intensificação da redução dos postos de

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trabalho, aumentando a desigualdade fundada na má distribuição das terras brasileiras e a

condição “precarizada” da classe trabalhadora desde o período colonial. Não há dúvida de

que as inovações tecnológicas aumentaram a produtividade do trabalho, porém diminuíram a

quantidade de trabalhadores empregados, o que confirma a Lei geral da acumulação

capitalista. Como exemplo, citam-se os trabalhadores do corte de cana, responsável por

metade da produção do estado de Alagoas, uma produção agrícola que absorvia milhares de

proletários do campo, no entanto, com a mecanização de sua produção, reduz seu quadro de

capital variável em mais da metade.

Estima-se que existiam mais de 500 colhedeiras de cana e que cada uma possui capacidade de colher 700 toneladas por dia, o que corresponde à substituição de cem homens. Desse modo, o equivalente a 50 mil trabalhadores seria o saldo das demissões provocadas por essas máquinas. Segundo cálculos existentes, para cada cem demissões, são abertas 12 vagas para funções especializadas, dentre elas, aquelas referentes aos condutores dessas máquinas, pois elas operam durante as 24 horas do dia, subvertendo, portanto, totalmente os limites impostos pela natureza no que tange ao trabalho na agricultura. (SILVA, M., 2010, p. 27).

Assim, percebe-se como as inovações tecnológicas modificam o cenário do trabalho

no rural brasileiro. As máquinas colhedeiras e os tratores representam o momento de um

processo cuja história se caracteriza por várias forças antagônicas, como: exclusão de boa

parte dos trabalhadores; superexploração da força de trabalho; trabalho polivalente aliado ao

processo de controle e acumulação de capital; desapropriação de terras dos pequenos

proprietários para nova plantação de cana. O processo de modernização da cultura canavieira

atinge as várias fases do processo produtivo, desde a preparação do solo, plantio, colheita e

transporte da cana até a área industrial da usina, diminuindo assim mais postos de trabalho

nesses outros setores da produção agrícola da cana-de-açúcar.

A análise feita pela pesquisa do DIEESE (2014) mostra que o número de empregados

ou assalariados no rural (com e sem carteira de trabalho assinada), “no período de 2004 a

2013, passou de 4,9 milhões a 4 milhões (-18,2%) O número de empregadores caiu de 559

mil para 267 mil (-52,2%)” (Pnad/IBGE, 2010 apud DIEESE, 2014, p. 9). Essa diminuição

reflete o quantitativo de desempregados no rural brasileiro, consequência da diminuição nos

estabelecimentos agropecuários, resultado da concentração e centralização da propriedade

de terras, decorrente da elevada capitalização do meio rural nos últimos tempos, inclusive

através da participação de grandes volumes de capital internacional5.

5 O desenvolvimento rural brasileiro no período recente está profundamente marcado pelo modelo

agrícola conduzido pelo agronegócio empresarial, produto histórico da articulação entre o capital financeiro, o capital industrial e a grande propriedade territorial, e fortemente apoiado por intervenções governamentais. (DIEESE, 2012 apud DIEESE, 2014, p. 9).

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É o que fora observado também para o estado de Alagoas através do resultado

preliminar do Censo Agropecuário 2017, que aponta para queda de 2% no número de

estabelecimentos e alta de 5% da área total do país. Em Alagoas, o censo mostra que houve

uma redução em ambos os pontos analisados. Conforme os dados divulgados, Alagoas

passou de 123.332 estabelecimentos agropecuários em 2006, para 98.534 estabelecimentos

em 2017. Sendo 50% dessa área (hectares) dedicada a pastagens; 31% a lavouras, estes se

dividindo entre a grande produção da cana-de-açúcar e o roçado (agricultura familiar) do

pequeno agricultor; 10 % para matas/florestas e 9% a outros. Nesse sentido, observa-se que

o reinado da concentração de terras para pastagens, aumentou no rural alagoano,

comprovando assim, que as reflexões de Marx (1984), ao falar sobre o objetivo da

expropriação da terra para aumento de pastagens estavam certas, isto é, não é para atender

às necessidades sociais dos trabalhadores, que utilizavam a terra como forma de sustento

próprio e da sua família; os motivos dessa expropriação eram econômicos e ficavam longe de

considerações humanas ou sociais. O capital se apropriou das terras para usá-las na

produção de meios de subsistência e do excedente econômico.

[...] muitos senhores viram uma oportunidade de ganhar mais dinheiro da terra transformando-a de terra cultivada em pastos de ovelhas. [...] Enquanto isso significava mais dinheiro, significava também a perda do emprego e do meio de vida dos lavradores que haviam ocupado a terra que passava a ser cercada. Para cuidar de ovelhas, é necessário um número de pessoas menor do que para cuidar de uma fazenda – e os que sobravam ficavam desempregados. (HUBERMAN, 1976, p. 114).

Huberman (1976) quer dizer que para a pecuária o número de pessoas ocupadas é

bem menor que para a plantação. É o processo que Marx (1984) considera como “limpeza”

da população do seu local de origem, dando lugar ao desenvolvimento do capital, no caso do

rural o capital agrário.

Destacando-se em Alagoas, de acordo com IBGE (2017), a predominância da

pecuária de bovinos (785.836 cabeças) distribuídas em 40.519 estabelecimentos dedicados

a esta atividade, quase a metade do total de estabelecimentos (98.534), seguidos por ovinos,

suínos, equinos, caprinos, galináceos e muares. Sendo destaque para a permanência no

semiárido alagoano, pois o litoral e zona da mata o destaque é apenas para a produção da

agricultura da cana-de-açúcar (figura 2).

FIGURA 2 Cana-de-açúcar em Alagoas

Fonte: Censo Agropecuário 2017

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Já a produção da agricultura se dividi entre a pequena produção (feijão, fava,

mandioca, milho, frutas, verduras) e a grande produção de cana-de-açúcar, esta prevalece

como mostra a figura na região do litoral e zona da mata e aquela se subdivide entre o agreste,

sertão e alguns estabelecimentos da zona da mata. Ressaltando que as técnicas de cultivo

utilizadas nestas produções são uso de adubação, seja ela química, orgânica ou ambas, uso

de agrotóxicos e sistema de preparo do solo (cultivo convencional – 69%; cultivo mínimo –

28%; plantio direto na palha – 3%). A pesquisa ressalta que todos os estabelecimentos fazem

uso de algumas dessas técnicas, e que a predominância da adubação química como também

uso de agrotóxicos são para estabelecimentos que produzem a cana-de-açúcar, porém a

produção de milho, feijão, fava, mandioca, frutas e verduras em 34% dos estabelecimentos

pontuaram fazer uso de agrotóxicos e 47% de adubação.

O rural alagoano possui máquinas, tratores e equipamentos que modernizam a sua

produção, no entanto vale ressaltar que pelo número de máquinas essa modernização só

chegou ao grande ou médio produtor, o pequeno produtor não usufrui desse processo, devido

ao alto custo. Assim, foi contabilizado em Alagoas 3.540 unidades de tratores, 603 unidades

de semeadeiras/plantadeiras, 519 unidades de colheitadeiras e 411 unidades de adubadeiras

e/ou distribuidoras de calcário. Estas são distribuídas pelos estabelecimentos, onde apenas

2.147 estabelecimentos fazem uso de tratores; 449 estabelecimentos usam

semeadeiras/plantadeiras; 343 estabelecimentos fazem o uso de colheitadeiras e 284

estabelecimentos utilizam adubadeiras e/ou distribuidoras de calcário, pontuado assim, que

há estabelecimentos com mais de duas máquinas da mesma, disponíveis para sua produção.

Influenciando dessa forma, na indisponibilidade de ocupação para o rural de Alagoas, pois

como afirma Huberman (1976), quanto mais maquinário em um estabelecimento, menos

empregos para os “lavradores” ou trabalhadores do povoado, neste caso, menos ocupação

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para os sujeitos do rural alagoano, visto que, são as propriedades maiores que ofertam algum

tipo de serviço.

A pesquisa preliminar do Censo Agropecuário mostrou, em 2017, que Alagoas tem

um total de 324.040 pessoas ocupadas no setor agropecuário do estado, dos 822.831

habitantes residentes no rural alagoano, inferindo-se assim que 498.791 habitantes do rural

estão sob condições de vivencia de aposentadoria, benefícios assistências e de transferência

de renda. Vale ressaltar, que desses sujeitos ocupados, o que prevalece é ocupação por

informalidade, pagamento por diária ou para próprio consumo. Desse pessoal ocupado,

segundo IBGE (2017), 69% possui laço de parentesco com o produtor; os 31% que não possui

laço de parentesco, 61% são temporários (61.843 pessoas em números exatos), 34%

permanentes (34.826 pessoas) e 5 % são parceiros (5.208 pessoas).

Do total de pessoas ocupadas 62% delas possuem entre 30 a menos de 60 anos,

31% estão com 60 anos ou mais, e menor que 30 anos 7%, revelando assim, que o rural

alagoano possui uma população majoritariamente adulta e mais de um terço de idosos,

vivendo de aposentadoria, inferindo que os jovens em sua maioria estão fora do rural de

Alagoas, pelo processo conhecido como migração a procura de posto de trabalho.

Sobre a escolaridade, o IBGE (2017) pontua que a baixa escolaridade entre os

sujeitos em idade de ocupação ainda é predominante no rural alagoano. A grande maioria dos

ocupados entrevistados eram analfabetos (35,7% não sabiam ler e escrever), 39% sabiam ler

e escrever mas não tinham frequentado a escola ou não possuíam o ensino fundamental

completo (43%), totalizando mais de 80% com baixa escolaridade. Sujeitos que possuem o

fundamental completo 18,5% e ensino médio completo 9%. Aqueles que conseguiram concluir

o nível superior (graduação) no rural alagoano, dos seus 822.831 residentes no rural, apenas

3,5% concluíram e somente 0,5% chegaram ao nível de mestrado e doutorado. Mostrando

assim, que os níveis de escolaridade no rural alagoano para a quantidade de habitantes é

inferior ao esperado, no entanto, observa-se cada vez mais menos escolas nas comunidades

rurais dificultando assim a ida do sujeito até a cidade.

Dessa forma, “retratar” o rural alagoano é desvendar um emaranhado de conflitos

regionais que perduram por anos da história e que apenas mudam suas roupagens, no

entanto, a essência permanece a mesma, é uma vivencia no contexto de submissão a classe

dominante do coronelismo e do reinado latifundiário.

3 CONCLUSÃO

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Diante do que fora exibido neste artigo é possível considerar que as dinâmicas

regionais desempenham um importante papel no processo histórico de determinado território.

Esta constatação se dá a partir de reflexões acerca da intervenção capitalista no rural

alagoano, pois é uma realidade tendencialmente posta pela necessidade do controle do

capital sobre o trabalho. Deste modo, o capital, com seu domínio de expansão e acumulação

no rural, investe mais intensamente em capital constante (meios de produção) que em capital

variável (força de trabalho), gerando assim um contínuo aumento de pessoas desempregadas

nesse ambiente. E as que ainda permanecem no meio produtivo rural é intensamente

explorada para garantir o lucro do capital.

O que fica posto diante dessa reflexão é que o desemprego no rural alagoano é

gerado no mesmo processo da produção de riqueza do grande proprietário da fazenda e da

monocultura. Isto ocorre pelo fato de a economia rural ser regida pelo padrão de acumulação

capitalista, no qual o trabalhador, através de sua força de trabalho, agrega valor à produção,

tornando possível a acumulação do capitalista.

Apesar de pouco discutido e problematizado na bibliografia, um segundo ponto a ser

considerado é que o trabalhador rural vive a opressão e naturalização da negação dos direitos

trabalhistas e dos postos de trabalho, tornando-os desempregados, ou seja, uma grande

massa de força de trabalho, porém pouco absorvida, e quando é, são para os piores postos

de trabalho, vão ser de acordo com Marx (1984), a “infantaria ligeira do capital.

Inferindo-se assim, que o rural alagoano sofre com o processo de concentração

fundiária nas mãos de poucos, como assinala Albuquerque (2013), o problema não é a seca

e sim a cerca, necessitando de uma política de reforma agraria que se efetive neste espaço,

para poder dar visibilidade as expressões da questão social, vivenciadas pelos sujeitos ali

residentes, visando assim a permanência dos sujeitos no seu habitat de origem, mas para

isso precisa também de políticas públicas de trabalho e renda voltadas para essa população.

Por fim, o espaço rural alagoano necessita ser compreendido de forma heterogênea,

diante do modo de vida e produção, pois ele possui elementos socioculturais, sociohistóricos

que necessitam ser preservados, pois carregam diversos significados para os sujeitos que ali

residem e essa preservação, com incentivo sério, auxilia no desenvolvimento econômico da

região e na melhoria das condições de vida de seus habitantes, é a cultura da “previdência

em vez da providência”.

REFERÊNCIAS

Page 12: DINÂMICAS REGIONAIS E A ATUAL FACE DO RURAL …...Reflexões que trazem a atual realidade do rural alagoano em nível de produção agropecuária, ... exatamente a falta de água,

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