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Departamento de Química DINÂMICA MOLECULAR DOS FLAVONÓIDES NARINGIN E NARINGENIN EM MODELO DE SURFACTANTE PULMONAR Aluno: Júlia Barroso do Nascimento Orientador: André Silva Pimentel Introdução Os flavonóides são compostos polifenólicos que constituem um amplo grupo com cerca de 4000 moléculas encontradas em plantas. Nestas, eles possuem um papel defensivo, ajudando-as a sobreviver em ambientes adversos, como em geadas ou secas, e atuando principalmente na parede celular ou membranas. Para os seres humanos, a atratividade dos flavonóides advém do amplo espectro de atividade biológica, que apresenta melhorias a saúde, ou de seus derivados sintéticos, os quais têm potencial terapêutico, como atividade antioxidante, anticarcinogênica, antiviral, anti-inflamatória e antimicrobiana [1,2], além de serem facilmente absorvidos pelo corpo humano através da alimentação. A interação entre esses compostos e bicamadas lipídicas tem sido amplamente investigada e, uma forma de compreender melhor esses sistemas é utilizando membranas modelo [3], as quais são formadas por lipídios que dividem as células e os diferentes componentes celulares. Mesmo em organismos simples as membranas presentes têm alta complexidade em sua composição, devido aos diferentes lipídios, esteróis e proteínas que as formam. Os lipídeos são moléculas anfifílicas, isto é, são divididos em duas partes: uma região hidrofílica, chamada de cabeça polar, e uma região hidrofóbica, que contém cadeias hidrocarbônicas apolares. As cabeças polares podem ter forma e carga elétrica diferentes, zwitteriônica ou negativas, enquanto as caudas podem ter ou não insaturações, variando o seu comprimento. Essas diferenças alteram propriedades importantes das membranas tais como: temperatura de transição de fase, área por cabeça lipídica, espessura, potencial transmembrana, entre outras [4]. A busca de moléculas presentes em produtos naturais e nacionais é interessante por diversos fatores, como a exploração do potencial farmacológico e baixo custo na obtenção. Neste sentido, uma fonte relevante a ser investigada são os flavonóides presentes nas cascas de frutas cítricas brasileiras tais como laranja, lima, morcote, ponkan, entre outras. O Brasil é um grande produtor de sucos naturais e dentro das indústrias são gerados diariamente um grande volume de resíduos, e, através da quantificação do conteúdo destes, cientistas encontraram alguns flavonóides relevantes, como Quercetin, Hesperitin, Hesperidin, Naringin e Naringenin [5]. Dentre os citados, destacam-se dois flavonóides de interesse: o Naringin e o Naringenin. Estas moléculas possuem a estrutura do grupo flavanona semelhante, tendo como diferença que o Naringin possui dois grupos glicosídeos, como mostrado na figura 1. (a) (b) Figura 1 - Estruturas moleculares dos flavonóides (a) Naringin e (b) Naringenin

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Page 1: DINÂMICA MOLECULAR DOS FLAVONÓIDES NARINGIN E … · Departamento de Química Figura 6 - Histograma de amostragem do Naringenin. Figura 7 – Histograma de amostragem do Naringin

Departamento de Química

DINÂMICA MOLECULAR DOS FLAVONÓIDES NARINGIN E

NARINGENIN EM MODELO DE SURFACTANTE PULMONAR

Aluno: Júlia Barroso do Nascimento

Orientador: André Silva Pimentel

Introdução

Os flavonóides são compostos polifenólicos que constituem um amplo grupo com cerca

de 4000 moléculas encontradas em plantas. Nestas, eles possuem um papel defensivo,

ajudando-as a sobreviver em ambientes adversos, como em geadas ou secas, e atuando

principalmente na parede celular ou membranas. Para os seres humanos, a atratividade dos

flavonóides advém do amplo espectro de atividade biológica, que apresenta melhorias a

saúde, ou de seus derivados sintéticos, os quais têm potencial terapêutico, como atividade

antioxidante, anticarcinogênica, antiviral, anti-inflamatória e antimicrobiana [1,2], além de

serem facilmente absorvidos pelo corpo humano através da alimentação.

A interação entre esses compostos e bicamadas lipídicas tem sido amplamente

investigada e, uma forma de compreender melhor esses sistemas é utilizando membranas

modelo [3], as quais são formadas por lipídios que dividem as células e os diferentes

componentes celulares. Mesmo em organismos simples as membranas presentes têm alta

complexidade em sua composição, devido aos diferentes lipídios, esteróis e proteínas que as

formam. Os lipídeos são moléculas anfifílicas, isto é, são divididos em duas partes: uma

região hidrofílica, chamada de cabeça polar, e uma região hidrofóbica, que contém cadeias

hidrocarbônicas apolares. As cabeças polares podem ter forma e carga elétrica diferentes,

zwitteriônica ou negativas, enquanto as caudas podem ter ou não insaturações, variando o seu

comprimento. Essas diferenças alteram propriedades importantes das membranas tais como:

temperatura de transição de fase, área por cabeça lipídica, espessura, potencial

transmembrana, entre outras [4].

A busca de moléculas presentes em produtos naturais e nacionais é interessante por

diversos fatores, como a exploração do potencial farmacológico e baixo custo na obtenção.

Neste sentido, uma fonte relevante a ser investigada são os flavonóides presentes nas cascas

de frutas cítricas brasileiras tais como laranja, lima, morcote, ponkan, entre outras. O Brasil é

um grande produtor de sucos naturais e dentro das indústrias são gerados diariamente um

grande volume de resíduos, e, através da quantificação do conteúdo destes, cientistas

encontraram alguns flavonóides relevantes, como Quercetin, Hesperitin, Hesperidin,

Naringin e Naringenin [5].

Dentre os citados, destacam-se dois flavonóides de interesse: o Naringin e o Naringenin.

Estas moléculas possuem a estrutura do grupo flavanona semelhante, tendo como diferença

que o Naringin possui dois grupos glicosídeos, como mostrado na figura 1.

(a) (b)

Figura 1 - Estruturas moleculares dos flavonóides (a) Naringin e (b) Naringenin

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Objetivos

Deste modo, propôs-se combinar técnicas experimentais de caracterização das

monocamadas de Langmuir e simulações por Dinâmica Molecular Coarse Grained, com o

intuito de estudar a interação entre os flavonóides Naringin e Naringenin com modelos

biomiméticos de membrana formados por monocamadas de modelos de surfactante pulmonar

Curosurf, utilizados na Dinâmica Molecular Coarse Grained.

Metodologia

As simulações foram realizadas utilizando o pacote de programas Gromacs 5.0.6 [6],

com os parâmetros do campo de forças Martini, para o DPPC, POPC, POPG, POPE, DPPI,

DPPS, LPC, DPSM, proteína SPB, octanol e água, onde as moléculas dos lipídeos são

representadas por partículas que agrupam aproximadamente quatro átomos pesados. As

estruturas do Naringin e do Naringenin foram obtidas em banco de dados digitais, tendo sua

topologia para o campo de força Martini gerada através do script em python Martinize [7]. As

representações graficas das moleculas no modelo Coarse Grained podem ser visualizadas no

Anexo I.

Em seguida, um sistema bifásico octanol/água foi preparado em uma caixa retangular,

de dimensões 5x5x25 nm3, para o cálculo de energia livre pelo método umbrella sampling. As

estruturas do Naringin e do Naringenin foram inseridas na fase octanol e na fase água (Figura

2), respectivamente, e suavemente transferidas para a outra fase com espaçamentos de 0,2 nm

em um tempo 100 ns. As simulações umbrella sampling utilizaram constantes de força de 100

kJ mol-1 nm-2 com o intuito de calcular a energia livre de Gibbs da transferência.

(a) (b)

Figura 2 - Sistemas (a) Octanol-água-octanol com o flavonóide Naringin e (b) Água-octanol-agua com o

flavonóide Naringenin

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O sistema de bicamada Curosurf, com 1021 fosfolipídios em cada monocamada foi

construído utilizando o script Insane [8] com a proporção sugerida pela literatura [9], onde as

monocamadas estão separadas por uma distância de 6 nm, preenchida com água, e inseridas

em uma caixa de simulação de dimensões 25x25x40 nm3, como mostrado na figura 3.

(a) (b)

Figura 3 - Sistema do filme Curosurf com os flavonóides (a)Naringenin e (b)Naringin

Em seguida, o sistema foi submetido a etapa de dinâmica molecular por um tempo de 2 µs

utilizando termostatos e barostatos padrões. A descrição do protocolo completo encontra-se

na literatura [10]. Novamente, os sistemas foram submetidos a uma simulação de umbrella

sampling afim de calcular novamente a Energia Livre de Gibbs.

Discussão de resultados

Inicialmente, foi feita uma parametrização do modelo Coarse Grained dos flavonóides

criando um sistema água-octanol em que ambos foram inseridos. As energias livres de Gibbs

de transferência do Naringenin e do Naringin da fase aquosa para octanol foram de -3,50 e de

-0,63 kCal mol-1, respectivamente, como mostrado nas figuras 4 e 5.

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Figura 4 - Gráfico de Energia livre do flavonóide Naringenin com a coordenada de reação.

Figura 5 - Gráfico de Energia livre do flavonóide Naringin com a coordenada de reação.

A partir destes valores, os coeficientes de partição (log P) do Naringenin e do Naringin

foram de 2,56 e -0,46, respectivamente. Estes resultados teóricos estão em excelente acordo

com os dados estimados presentes na literatura [10], apresentando bons histogramas (Figuras

6 e 7) e baixos valores de erro, 1,7% para o Naringenin e 14,7% para o Naringin.

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Figura 6 - Histograma de amostragem do Naringenin.

Figura 7 – Histograma de amostragem do Naringin.

Em seguida, foi preparado um modelo em Coarse Grained do filme do surfactante

pulmonar Curosurf que contém uma mistura complexa de fosfolipídios e proteína surfactante

B (SPB). O modelo desta proteína foi preparado e parametrizado utilizando a modelagem por

homologia, onde obteve-se uma estrutura de equilíbrio bastante estável. Os resultados podem

ser visualizados nas figuras 8 e 9.

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.

Figura 10 - Gráfico de Energia livre do flavonóide Naringenin no modelo de Curosurf.

Figura 11 - Gráfico de Energia livre do flavonóide Naringin no modelo de Curosurf.

Os resultados de parametrização do modelo Curosurf mostraram bom acordo com a

literatura [11]. Ao final da simulação, o valor da energia Livre de Gibbs permaneceu

crescente. Os valores encontrados de variação de energia entre o início e o vale foi de -5,03

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kcal mol-1 para o Naringenin e -4,00 kcal mol-1 para o Naringin, pois os flavonóides

permaneceram na interface. Os histogramas gerados pela dinâmica estão representados

abaixo nas figuras 12 e 13.

Figura 13 - Histograma Naringenin

Figura 14 - Histograma Naringin

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Conclusões

A parametrização dos flavonóides no sistema água-octanol foi feita com sucesso e os

modelos ficaram adequados. A dinâmica molecular Coarse Grained dos flavonóides no

modelo de filme Curosurf mostrou que não há colapso em 2 μs em uma tensão superficial de

30 mN m-1. Conclui-se também que o Naringenin e o Naringin permanecem nas cabeças

polares.

ANEXO I - Modelos Coarse Grained dos fosfolipídeos de dos flavonóides

(a) (b)

(c) (d) (e) (f)

(g) (h) (i) (j)

As estruturas sao: (a) Naringin, (b) Naringenin, (c) DPPC, (d) POPC, (e) POPG, (f) POPE, (g)

DPPI, (h) DPPS, (i) LPC e (j) DPSM

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Referências

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