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Dinˆ amica conservativa com um grau de liberdade Eduardo Colli

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Dinamica conservativa com um grau de liberdade

Eduardo Colli

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A Patrıcia

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Prefacio

Este livro se destina a qualquer estudante ou profissional daarea de Exatas, ou professorde graduacao que busca bibliografia para auxiliar suas aulas. Na maior parte do temposao usados apenas os conhecimentos basicos de Calculo em uma variavel: derivacao,integracao, o conceito de integral indefinida e o Teorema Fundamental do Calculo, assimcomo a Formula de Taylor, que aparece em varias passagens (ver [1] ou outros livrosde Calculo). Os poucos conceitos de Calculo em mais variaveis sao os mais simples:nocao de curvas no plano, curvas de nıvel de uma funcao de duas variaveis e, noultimoCapıtulo, uma integral tripla.

O objetivo do livroe estudar o movimento de uma partıcula restrita a uma “linha”,sujeita a uma forca cuja intensidade e sentido dependa exclusivamente da posicao emque a partıcula se encontra, ao longo dessa linha. Diz-se que a dinamicae conservativaporque a hipotese de que a forca dependa apenas da posicao implica emconservacao daenergia, e que tem apenasum grau de liberdadeporque a partıcula se movimenta numespaco unidimensional.

O modelo matematico desse problemae umaequacao diferencial, que resulta dapura e simples aplicacao da Segunda Lei de Newton. Essa lei diz que a aceleracaoda partıcula e igual a forca aplicada sobre ela dividida por sua massa. Mesmo quea Teoria de Newton sobre o movimento dos corpos esteja suplantada pela Teoria daRelatividade Geral de Einstein, ainda assime uma abordagem extremamente precisasobre os problemas fısicos nas escalas detectaveis pelos sentidos humanos.

Menos desprezıvel do ponto de vista fısico e a desconsideracao doatrito e dadis-sipacao de energiana equacao do movimento. Isso entretanto levaria a percorrer outrorumo no tratamento matematico, que nao correspondea intencao destas notas.

Nao sao perfeitamente claros os motivos que me levaram a escrever este texto. Seique ele nasceu de um segundo capıtulo de uma tentativa frustrada de escrever um livrosobre Equacoes Diferenciais, e andou visitando minhas gavetas e armarios por um certotempo. Sei tambem que meu contacto com cursos de Equacoes Diferenciais mostrou oquanto nos denodamos em apresentar uma teoria matematica rigorosa do assunto sem

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nos preocuparmosas vezes com os exemplos simples e com a intuicao dos alunos. Pelasmais variadas razoes, os alunos se deparam com um curso relativamente tecnico na pos-graduacao que ja pressupoe um certo grau de familiaridade com os temas que estaosendo tratados. Felizmente ha bons textos por aı que tem a preocupacao de sanar essadificuldade, posso mencionar [2] e a bem escolhida bibliografia em seu final.

Por outro lado, quando nos livros de Equacoes Diferenciais a dinamica conserva-tiva com um grau de liberdade merece um certo destaque mesmo assim muita coisaedeixada como exercıcio para o leitor. E claro que isso nao e uma ma postura, afinalsabemos que na praticae que se aprende. Por outro lado, ha varios fatos que poderiamser melhor explorados, mostrando ao aluno todo o potencial que tem o uso do Calculona investigacao de um problema, ee isso o que busco fazer nesse livro. Assim, o livrointeiro pode ser considerado como uma aplicacao do curso de Calculo, e o aluno quecompreende-lo por inteiro certamente tera solidificado seus conhecimentos da materia.

Al em disso, ha uma preocupacao no livro em estudar certos problemas fısicos quepodem ser razoavelmente bem simulados por experimentos cuja analise, por sua vez, seadequaas tecnicas ensinadas num primeiro curso de Calculo Numerico, incluindo ounao a resolucao numerica de equacoes diferenciais.

Gostaria de agradecer a todos os meus colegas de Departamento pelas conversasde corredor que devem estar perdidas nas entrelinhas, e em particular a Clodoaldo G.Ragazzo, que se dispos a ler e discutir o manuscrito, incentivando-me a publica-lo.

Sao Paulo, 09 de abril de 2003Eduardo Colli

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Sumario

1 Forcas conservativas 71.1 Partıcula livre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71.2 Forca constante e queda livre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81.3 Massa-mola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81.4 Equilıbrio deslocado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101.5 Elastico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111.6 Forcas gravitacional e coulombiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131.7 Pendulo e rampas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

2 As equacoes de movimento 152.1 Partıcula livre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162.2 Forca constante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162.3 Massa-mola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182.4 Massa-mola e unicidade de solucoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

3 Amplitude e fase no sistema massa-mola 23

4 O retrato de fases do sistema massa-mola 27

5 A energia e outros sistemas, nao lineares 31

6 O retrato de fases demx = F(x) 376.1 Campos de vetores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 376.2 Esboco do retrato de fases . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

7 Tempo e perıodo 517.1 Tempo decorrido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 517.2 Perıodo limite em mınimos locais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

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6 SUMARIO

7.3 Equilıbrio instavel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 597.4 Obtencao de solucoes explıcitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

8 Rampas 67

9 Rampas: uma mudanca de coordenadas 77

10 O pendulo 8110.1 O perıodo do pendulo e a integral elıptica . . . . . . . . . . . . . . . . 8110.2 O retrato de fases do pendulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83

11 A tautocrona 87

12 Bolinhas em rampas 91

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Capıtulo 1

Forcas conservativas

Considere uma partıcula de massam que se move ao longo de uma linha. A posicao dapartıculae determinada pela coordenadax.

x

Uma forca conservativae uma forca que so depende da posicao x da partıcula naqual atua. E portanto uma funcao F(x) cujo sinal indica o sentido em que a forcaatua, e cujo valor absoluto indica sua intensidade. Veremos mais adiante que as forcasconservativas estao relacionadasa conservacao de energia, o que justifica seu nome.

Em nenhum momento neste livro sera suposta a presenca de atrito, porque em gerala forca de atrito ageem funcao da velocidadeda partıcula. Por exemplo, a resistencia doar para um carro em movimentoe tanto maior quanto maior for sua velocidade. Nestecaso tambem nao ha conservacao de energia, pois estae dissipada para o meio pela forcade atrito.

Vejamos alguns exemplos classicos de situacoes fısicas que, idealmente, sao mo-deladas pelo uso de forcas conservativas. Suporemos evidentemente queF e a unicaforca atuando sobre a partıcula, ou quee a resultante de todas as forcas atuando sobre apartıcula.

1.1 Partıcula livre

Quando nao ha nenhuma forca atuando, istoe, F(x) ≡ 0, dizemos que a partıcula estalivre.

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8 CAPITULO 1. FORCAS CONSERVATIVAS

1.2 Forca constante e queda livre

Agora consideremos uma forca constante mas diferente de zero, independente dex (oque nao deixa de ser uma funcao dex!!): F(x)≡ a .

Isto ocorre por exemplo com a forca gravitacional nasproximidades da superfıcie terrestre. Estamos nos re-ferindo a um movimento vertical, ondex mede a al-tura da partıcula em relacao ao solo. A forca gra-vitacional tem sinal negativo (pois age no sentidocontrario ao crescimento da altura) e sua intensidadee proporcionala massamda partıcula. A constante deproporcionalidadee denotada porg, e vale aproxima-damente 9,8m/s2. Em resumo,

F(x)≡−mg.

F=-mg

x=0

x

solo

Algumas vezes, no entanto, adotaremos a coordenadax como crescente de cima parabaixo, e aı teremosF(x)≡mg.

1.3 Massa-mola

A forcaF(x) =−kx , k > 0

e proporcionala distanciax entre a partıcula e a origemx = 0, com sentido negativoquandox e positivo e positivo quandox e negativo. A forcae nula na origem. Asituacao fısica que melhor caracteriza esse exemploe o sistema “massa-mola”, indicadona figura.

x<0 0 x>0

F

A partıcula e um pequeno corpo atreladoa mola, deslizando sem atrito sobre a ho-rizontal. A origeme determinada pela posicao da partıcula quando a mola esta em sua

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1.3. MASSA-MOLA 9

posicao natural. Se a partıcula esta na posicaox 6= 0, isso significa que a mola foi esti-cada (ou contraıda), e a mola exerce uma forca sobre o corpo de forma a tentar restaurarsua posicao natural.

Em primeira aproximacao, e para deslocamentos pequenos da mola, pode-se dizerque vale aLei de Hooke: a forca da molae proporcional ao deslocamento em relacaoaposicao natural. Isso corresponde a escreverF(x) =−kx, comk > 0.

Tentemos entender um pouco melhor essa lei. Em primeiro lugar, esperamos quenao haja forca quando a mola se encontre em sua posicao natural. Isso significa queF(0) = 0. Alem disso, a mola age sempre no sentido de restaurar o equilıbrio, portantoF(x) < 0 sex > 0 e F(x) > 0 quandox < 0. Finalmente a intensidade da forca deveser tanto maior quanto maior for o deslocamento, se compararmos deslocamentos feitosno mesmo sentido. Isso implica queF deve ser uma funcao estritamente decrescente.Temos entao basicamente tres possibilidades, como mostra a figura.

0x

0x

0x

F F F

Na primeira possibilidade, a derivadaF ′(0) e negativa (estritamente menor do quezero). Em (II),F ′(0) = 0 e em (III) a inclinacao F ′(x) tende a−∞ quandox tendea zero. E claro que estamos supondo sempre queF seja uma funcao suficientementeregular para que possamos falar em derivadas.

Para escolher entre as tres possibilidades so ha dois procedimentos: ou analisamoso funcionamento da mola para prever seu comportamento ou fazemos um experimento.Sendo a primeira opcao um caminho bastante difıcil, ficamos com a segunda.

O experimento mostra que vale a primeira possibilidade. Mas isso nao e o mesmoque dizer queF(x) =−kx! Por exemplo, a funcao

F(x) =−x−x3

tem derivada igual a−1 no zero, satisfaz as exigencias descritas acima mas naoe linear!No entanto podemos, nesse exemplo hipotetico, calcular, para cadax, a proporcio-

nalidade entre a forcaF(x) e o deslocamentox:

F(x)x

=−x−x3

x=−1−x2 .

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10 CAPITULO 1. FORCAS CONSERVATIVAS

Quando a amplitude do deslocamentoe muito pequena, istoe, quandox→ 0, temos

F(x)x

→−1 .

Isso vale sempre queF for diferenciavel emx = 0 e sua derivada for nao-nula. Pois serdiferenciavel em zero significa existir o limite

limx→0

F(x)−F(0)x−0

= limx→0

F(x)x

= F ′(0) .

Em outras palavras, quandox e pequeno temos

F(x)x

≈ F ′(0) .

Tomandok = −F ′(0), isso explica porque a Lei de Hooke vale para deslocamentospequenos.

Se o deslocamento for muito grande, ha um problema adicional: a mola pode sedeformar e perder suas propriedades usuais, inclusive sua posicao natural pode ser alte-rada. Este fenomeno foge porem do escopo destas notas.

1.4 Equilıbrio deslocado

O casoF(x) = ax+b , a 6= 0

inclui o anterior, quandoa < 0 eb = 0. Na verdade, podemos ver que ele de fato nao sediferencia do anterior, pois basta mudar a posicao da origem.

Para tanto, sejay= x+b/a. Istoe,y= b/aquandox= 0 ou, inversamente,x=−b/aquandoy = 0, a nova origem das coordenadas. Se expressarmos a forca na coordenaday, chamando essa funcao deF , teremos

F(y) = F(y−b/a) = a(y−b/a)+b = ay .

-b/a

0

0

b/a

y-b/a

y

x

yF

F

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1.5. ELASTICO 11

Esta situacao aparece naturalmente num sistema massa-mola disposto na vertical(em relacao ao solo), sujeitoa acao da forca gravitacional. A origem da coordenadax ecolocada na posicao de equilıbrio da moladesatreladada massam (ver figura), e agorao crescimento da coordenadax se da no sentido de cima para baixo (por opcao). Nessesistema, quando a massae enganchada, temos

F(x) =−kx+mg.

A situacao de equilıbrio (forca nula sobre a massa) ocorre parax tal que−kx+mg= 0 ,isto e,

x =mgk

.

Assim,e natural usar a coordenaday de tal forma quea origemy = 0 corresponda ax = mg

k . Ou seja,x =y+ mg

k ouy= x− mgk . Agora, na coordenaday, a forca

se escreve como

F(y) = F(y+mgk

) =−k(y+mgk

)+mg=−ky ,

que corresponde exatamente ao modelo da massa-mola (com a mesma mola) sem a forca gravitacional! x y

0

0

mmg/k

E claro que supusemos a validade da Lei de Hooke para valores de deslocamento damola que podem ser razoavelmente grandes. No entanto, desses argumentos surge umaideia para medirF(x) experimentalmente, ao menos para valores dex que correspondama “extensao” da mola (positivos, nos nossos exemplos).

Experimento. Encontre a posicao de equilıbrio natural da mola, sem nenhuma massaacoplada, e pendurada. Depois, aplique forcas (F) de intensidades diferentes (pendu-rando uma massam na ponta da mola, obtem-seF = mg) e obtenha o deslocamentox(F) (a posicao de equilıbrio da mola com a massam pendurada). Pode-se fazer umgrafico dex(F), mas interessa mais a inversaF(x), quee a funcao procurada.

1.5 Elastico

Imagine um elastico pendurado por uma ponta, em repouso, e considerex como sendoa coordenada vertical, com origem em sua ponta livre,crescente de cima para baixo. O

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12 CAPITULO 1. FORCAS CONSERVATIVAS

mesmo experimento do final da Secao anterior pode ser feito com esse elastico, obtendo-se uma funcaox(F), cuja inversa nos interessa.

No caso da mola, a experiencia revela, como mencionamos acima, quex(F) temuma derivada nao nula quandoF = 0 (logo sua inversaF(x) tambem tem derivada naonula quandox = 0), o que permite aproximarx(F) (ou F(x)) por uma funcao linear,pelo menos para valores proximos de zero.

Entretanto um elastico naoe uma mola: se a mola estiver mais contraıda do que suaposicao de repouso entao ela exercera uma forca no sentido de reestabelecer sua posicaode equilıbrio. O elastico, ao contrario, nao tem margem nenhuma para a contracao.

De fato a experiencia mostra que para o elastico a funcaox(F) tem o aspecto mos-trado na figura abaixo, que os fısicos e engenheiros chamam desigmoide.

x

F

E evidente que o grafico nao se prolonga indefinidamente, pois havera um limiar emque o elastico se rompera (ou no mınimo se deformara, perdendo suas caracterısticasoriginais).

Idealmente, no entanto, podemos supor quex(F) tem uma assıntota horizontal (istoe, x(F) tende a um valor constante quandoF vai a infinito), significando que ha umlimite maximo de esticamento do elastico. Alem disso,x(F) tem derivada zero quandoF = 0. Mais precisamente, o experimento mostra quex(F) tem um comportamento defuncao quadratica perto deF = 0.

Para o leitor que gosta de formulas, essas caracterısticas estao presentes nas funcoesx(F) = c(arctan(aF))2 ex(F) = c(tanh(aF))2, mas nao necessariamente a funcao ver-dadeira corresponde exatamente a uma dessas expressoes.

Se quisermos pensar na inversaF(x), teremos uma funcao com derivada infinita emx = 0 que, alem disso, nao esta definida parax maior do que o esticamento maximo doelastico. Por outro lado, podemos estender essa funcao parax < 0 (posicao acima dorepouso do elastico), colocandoF(x) = 0, pois o elastico nao atua nessas posicoes.

O grafico deF(x) tem portanto o formato da figura abaixo.

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1.6. FORCAS GRAVITACIONAL E COULOMBIANA 13

F

x

Finalmente, podemos pendurar uma massam na ponta do elastico. Sobre a massaagira sua forca peso (constante), no mesmo sentido da coordenada, e a forca do elastico,no sentido contrario da coordenada. Entao o grafico da resultante de forcas, em funcaoda posicao da massa, assumira o aspecto da figura abaixo.

x

F

mg

O ponto de cruzamento desse grafico com a abscissa correspondea posicao onde asforcas se anulam.

1.6 Forcas gravitacional e coulombiana

As forcas gravitacional e coulombiana sao proporcionais ao inverso do quadrado dadistancia entre os corpos que se atraem. Isso ocorre no espaco tridimensional. A mesmaideia, no espaco unidimensional, nos daria

F(x) =kx2 ,

fixando a origem das coordenadas em um dos corpos, ex como sendo a posicao do outrocorpo em relacao ao primeiro.

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14 CAPITULO 1. FORCAS CONSERVATIVAS

1.7 Pendulo e rampas

Mais adiante no livro veremos que openduloe um sistema fısico que se encaixa entreesses que estamos considerando. Partıculas emrampas, sem atrito, tambem podemreceber o mesmo tratamento. Se a rampa for sinuosa,e possıvel que haja mais do queum ponto de equilıbrio de forcas, ao contrario dos exemplos de que falamos ate agora.Deixemos essa discussao, no entanto, para mais tarde!

Exercıcio 1.1. Considere um corpo de massa m se movendo na horizontal, preso dosdois lados por molas, diferentes mas ambas satisfazendo a Lei de Hooke. Fixe posicoesde repouso para cada uma das molas e determine a forca resultante em funcao de x.Voce acha que este problema difere, matematicamente, do problema com apenas umamola?

Exercıcio 1.2. Faca o mesmo tipo de analise do Exercıcio anterior com elasticos emvez de molas. Suponha que os elasticos se comportem da forma descrita na Secao 1.5.

Exercıcio 1.3. Suponha duas cargas negativas fixas sobre uma linha e uma partıculapositiva entre as duas. Esboce a resultante de forcas sobre a partıcula. Com outras car-gas fixas,e possıvel construir uma forca que tenha mais do que um ponto de equilıbrio?

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Capıtulo 2

As equacoes de movimento

Nosso objetivo sera obter a evolucao da partıcula em funcao do tempo, sujeita a umaforca conservativa. Essa descricao sera feita atraves de uma funcaox(t).

A velocidadeem cada instantee medida pela derivada ˙x(t) da funcao x(t). Suaaceleracao e dada pela segunda derivada ¨x(t). A Segunda Lei de Newton relaciona aforca que age sobre a partıcula com sua aceleracao. Mais precisamente, ela diz quea forcae proporcionala aceleracao, e a constante de proporcionalidadee a massa dapartıcula:

F = mx .

Temos que pensar, no entanto, que as quantidades envolvidas nessa equacao mudam acada instante. Supondo que a forca seja conservativa, istoe, queF seja uma funcao daposicao, entao sua variacao estara completamente vinculadaa variacao da posicao dapartıcula. Levando isso em conta, escrevemos:

F(x(t)) = mx(t) .

Essa equacao (quee umaequacao diferencial) deve ser interpretada assim: sex(t) des-creve o movimento da partıcula, entao a equacao acima deve ser valida para essa funcao.A recıproca, porem, naoe em princıpio verdadeira, pois muitas funcoes poderiam satis-fazera mesma equacao, mas apenas uma delas descreveria corretamente o movimentoda partıcula. Vejamos como isso acontece atraves de alguns exemplos mencionados noCapıtulo 1.

15

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16 CAPITULO 2. AS EQUACOES DE MOVIMENTO

2.1 Partıcula livre

Examinemos primeiramente o caso da partıcula livre, em queF(x) = 0. Neste caso aSegunda Lei de Newton nos damx(t) = 0, mas como estamos supondom> 0, entao

x(t) = 0 .

Em outras palavras, na ausencia de forcas a aceleracao e nula, istoe, a velocidade dapartıculae constante:

x(t) = v0 , ∀t .

Isso implica que ∫ t

t0x(s)ds=

∫ t

t0v0ds,

ou seja,x(t)−x(t0) = v0(t− t0) .

Qualquer solucao da equacao diferencial ¨x = 0 tem que ser da formax(t) = x0 +v0(t−t0) (uma funcaoafimdo tempo). As constantesx0 ev0 dependem de informacoes adici-onais sobre o problema. Por exemplo,x0 e a posicaox(t0) no instantet = t0.

xx(t)

tt

x

0

0

Esse tipo de movimentoe chamado deretilıneo uniforme.

2.2 Forca constante

O caso de forca constanteF(x) = a corresponde aomovimento uniformemente acele-rado, assunto comumente abordado no Colegio. Neste caso, a equacao diferencial ficasendo

mx(t) = a ,

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2.2. FORCA CONSTANTE 17

isto e, a aceleracao e constante e igual aam. Integrando uma primeira vez, obtemos avelocidade: ∫ t

t0x(s)ds=

∫ t

t0

am

ds,

isto e,x(t)− x(t0) =

am

(t− t0) .

Chamemos dev0 a velocidade emt = t0: v0 = x(t0). Entao

x(t) = v0 +am

(t− t0) .

Integrando novamente, ∫ t

t0x(s)ds=

∫ t

t0[v0 +

am

(s− t0)]ds,

que implica em

x(t) = x(t0)+v0(t− t0)+12

am

(t− t0)2 .

Chamamos dex0 a posicao emt = t0: x0 = x(t0). Entao

x(t) = x0 +v0(t− t0)+a

2m(t− t0)2 ,

isto e, uma parabola, como mostra a figura.

xx(t)

tt

x

0

0

No caso do campo gravitacional, com a coordenadax apontando para cima, a forcaF agindo sobre um corpo de massam e igual a−mg. Substituindo esse valor emaobtemos

x(t) = x0 +v0(t− t0)−g2(t− t0)2 .

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18 CAPITULO 2. AS EQUACOES DE MOVIMENTO

2.3 Massa-mola

QuandoF(x) =−kx (k > 0) a equacao diferencial fica

mx(t) =−kx(t) .

Infelizmente nao adianta integrar a equacao em ambos os lados para obter a solucao:∫ t

t0mx(s)ds=−k

∫ t

t0x(s)ds,

isto e,

m(x(t)− x(t0)) =−k∫ t

t0x(s)ds.

O problemae que no lado direito da equacao nao podemos fazer a integracao, poisterıamos que conhecer justamente a funcao que estamos procurando!

Note no entanto que

x(t) = sen(

√km

t)

e solucao, pois

x(t) =

√km

cos(

√km

t)

e

x(t) =− km

sen(

√km

t) =− km

x(t) .

Por outro lado,

x(t) = cos(

√km

t)

tambeme solucao, pois

x(t) =−√

km

sen(

√km

t)

e

x(t) =− km

cos(

√km

t) =− km

x(t) .

Na verdade, qualquercombinacao lineardessas duas solucoes tambeme solucao:

x(t) = αsen(

√km

t)+βcos(

√km

t) .

Verifique voce mesmo!!Em particular, a solucao nulax(t)≡ 0 e obtida quandoα = β = 0.

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2.4. MASSA-MOLA E UNICIDADE DE SOLUCOES 19

2.4 Massa-mola e unicidade de solucoes

A partir de agora, por facilidade de notacao, chamaremos deb a constante√

km do

sistema massa-mola, de maneira que a equacao diferencial se torna

x(t) =−b2x(t) .

E possıvel mostrar quetodas as solucoesda equacao diferencial ¨x(t) =−b2x(t) saoda forma

αsen(bt)+βcos(bt) .

Chegaremos a esta conclusao a partir das consideracoes que se seguem.O primeiro ponto a observare que embora a equacaox=−b2x tenha uma infinidade

de solucoes, se adicionalmente impusermos ascondicoes iniciais x(0) = x0 e x(0) = v0

(isto e, se fixarmos a posicao e a velocidade iniciais) entao nao pode haver mais de umasolucao. Para sermos mais precisos, sex(t) ey(t) forem duas solucoes para esse mesmoproblema entaox(t) devera ser igual ay(t) para todot.

Para provarmos isto, notamos quez(t) = x(t)− y(t) satisfaz a equacao do sistemamassa-mola (verifique!),z(0) = 0 e z(0) = 0. Ou seja, a diferenca entre duas solucoesda equacao diferencial ¨x(t) =−b2x(t) com as mesmas condicoes iniciaise uma solucaocom condicoes iniciais nulas. Se mostrarmos quea unica solucao para o problemacom condicoes iniciais nulase a propria solucao nulaentao concluiremos quez(t) =x(t)− y(t) deve ser identicamente igual a zero, e portantox(t) deve ser identicamenteigual ay(t).

Faremos logo adiante a demonstracao de que aunica solucao de ¨x=−b2x, x(0) = 0,x(0) = 0 e x(t) ≡ 0. Antes, no entanto, usaremos esses enunciados de unicidade paramostrar que todas as solucoes de ¨x =−b2x sao combinacoes lineares de um seno e umcosseno.

Observe quex(t) = αsen(bt)+βcos(bt) e solucao de ¨x =−b2x, mas as condicoesiniciais x(0) = x0 e x(0) = v0 podem ser satisfeitas com uma escolha adequada doscoeficientesα e β. Basta tomarβ = x0 e α = v0

b . Portanto todo problema de valoresiniciais pode ser resolvido com combinacoes lineares de um seno e um cosseno.

Agora podemos finalizar o argumento. Sex(t) for uma solucao qualquer de ¨x(t) =−b2x nos definimos x0 ≡ x(0) e v0 ≡ x(0). Por outro lado, podemos encontrar umafuncao x(t) que seja combinacao linear de um seno e um cosseno satisfazendo as mes-mas condicoes iniciais, como observamos acima. Usando o fato de que esse tipo deproblema admite no maximo uma solucao, isso obriga a quex(t) seja identicamenteigual ax(t), logox(t) tem que seruma combinacao de um seno e um cosseno!

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20 CAPITULO 2. AS EQUACOES DE MOVIMENTO

A forma x(t) = αsen(bt) + βcos(bt) pode ser usada para resolver problemas decondicoes iniciais para instantest0 arbitrarios. Istoe, determinamosα e β impondo quex(t0) = x0 e x(t0) = v0, ou seja,α e β sao solucoes do sistema linear{

αsen(bt0) + βcos(bt0) = x0

αbcos(bt0) − βbsen(bt0) = v0.

Este sistema temunica solucao se e somente se∣∣∣∣ sen(bt0) cos(bt0)bcos(bt0) −bsen(bt0)

∣∣∣∣ 6= 0 .

Mas o determinante vale−b e e, portanto, sempre diferente de zero!Resta-nos apenas demonstrar a veracidade do enunciado de unicidade para o pro-

blema de condicoes iniciais nulas.

Teorema.Se x(t) satisfazx(t) =−b2x(t) para todo t, a alem disso x(0) = 0 e x(0) = 0,entao x(t) = 0 para todo t.

Prova.Primeiro observamos que sex(t) e solucao entaox(t) e uma funcao infinitamentediferenciavel. De fato,x(t) ja e duas vezes diferenciavel, para comecar, pois satisfaz aequacao x(t) =−b2x(t), que envolve sua segunda derivada. Mas assim−b2x(t) e duasvezes diferenciavel, logo pela equacao x(t) e duas vezes diferenciavel, e portantox(t)e quatro vezes diferenciavel. Da mesma forma, podemos concluir quex(t) e seis vezesdiferenciavel, e assim por diante, mostrando quex(t) pode ser diferenciada quantasvezes quisermos.

Para mostrar quex(t) tem que ser identicamente nula adotaremos a seguinte es-trategia. Mostraremos que, em qualquer intervalo[−a,a], a funcaox(t) e identicamentenula. E para mostrar isso, veremos que para qualquer numeroε > 0 vale

|x(t)| ≤ ε , ∀t ∈ [−a,a] .

Comoε e arbitrario, isso forcara a quex(t)≡ 0 em[−a,a].A desigualdadee obtida usando-se a Formula de Taylor com resto integral. Temos,

para qualquern≥ 1, que

x(t) = x(0)+x′(0)t +x′′(0)

2t2 + . . .+

x(n)(0)n!

tn +Rn(t) ,

onde

Rn(t) =1n!

∫ t

0(t−u)nx(n+1)(u)du .

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2.4. MASSA-MOLA E UNICIDADE DE SOLUCOES 21

A hipotese do Teorema garante quex(0) = 0 = x(0). Alem do mais, da equacaosai que ¨x(0) =−b2x(0) = 0. Diferenciando a equacao, temos tambem

...x(t) =−b2x(t),

logo...x(0) = 0. Continuando, mostra-se por inducao quex(k)(0) = 0 para todok≥ 0.

Entaox(t) e igual ao proprio resto da expansao, istoe,

x(t) =1n!

∫ t

0(t−u)nx(n+1)(u)du ,

e esta formula vale para qualquern.Nossa tarefa se resume a estimar a integral. Primeiro estimaremosx(n) em [−a,a].

Como x(t) e x(t) sao contınuas (toda funcao diferenciavel e contınua), entao existeM > 0 tal que

|x(t)| ≤M , |x(t)| ≤M

para todot ∈ [−a,a]. Porem x(t) =−b2x(t) implica que

|x(t)| ≤ b2M , |...x(t)| ≤ b2M .

Indutivamente (mais uma vez!), obtemos que

|x(2n)(t)| ≤ (b2)nM , |x2n+1(t)| ≤ (b2)nM .

Nao sabemos se|b| e menor ou maior do que 1, mas certamente existeλ > 1 tal que|b|< λ. Assim, segue que

|x(m)(t)| ≤ λmM ,

para todom≥ 0 et ∈ [−a,a].Para estimar a integral assumiremos quet > 0, mas parat < 0 o raciocınio pode ser

adaptado facilmente. Comt > 0 temos

|x(t)| ≤ 1n!

∫ t

0(t−u)nλm+1Mdu=

λn+1Mn!

∫ t

0(t−u)ndu=

λn+1M(n+1)!

tn+1 .

Comot ≤ a, entao

|x(t)| ≤M(λa)n+1

(n+1)!.

Acontece que a expressao do lado direito vai a zero quandon tende a infinito, portantopara todoε > 0 sempre existen tal que

|x(t)| ≤ (λa)n+1

(n+1)!< ε .

E o Teorema esta demonstrado!

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22 CAPITULO 2. AS EQUACOES DE MOVIMENTO

Exercıcio 2.1. Considere uma especie de “anti-mola”, istoe, uma equacao diferencialdo tipo x(t) = kx(t), com k> 0. Comece considerando solucoes do tipo exponencial(ao inves de senos e cossenos) e obtenha resultados analogos aos conseguidos para osistema massa-mola.

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Capıtulo 3

Amplitude e fase no sistemamassa-mola

Sao bastante simples as solucoes da equacao diferencial ¨x(t) = −b2x(t), pois se escre-vem como combinacao linear de um seno com um cosseno, mas ha formas melhoresde expressa-las que levam em conta os dados fornecidos como condicoes iniciais. Porexemplo,

x(t) = αsen(b(t− t0))+ βcos(b(t− t0))

tambeme solucao da equacao para qualquer escolha de coeficientesα e β. Veja que essasolucao pode ser escrita na forma anterior, discutida na Secao 2.3, bastando desenvolvera expressao. Temos

x(t) =[αcos(bt0)+ βsen(bt0)

]sen(bt)+

[−αsen(bt0)+ βcos(bt0)

]cos(bt) ,

ou seja, basta tomar{α = cos(bt0)α + sen(bt0)ββ = −sen(bt0)α + cos(bt0)β

.

O inverso tambem vale. Se tivermos uma solucao escrita na formaαsen(bt)+βcos(bt)entao para escreve-la comoαsen(b(t − t0)) + βcos(b(t − t0)) basta tomarα e β quesatisfacam o sistema linear acima. O sistema temunica solucao pois seu determinanteesempre igual a 1.

A vantagem de se privilegiar o instantet0 e que fica muito mais simples relacionaros coeficientes com os dados das condicoes iniciais. Basta escreverx(t0) = x0, isto e,

x0 = x(t0) = αsen(0)+ βcos(0) ,

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24 CAPITULO 3. AMPLITUDE E FASE NO SISTEMA MASSA-MOLA

que implica emβ = x0, e x(t0) = v0, isto e,

v0 = x(t0) = bαcos(0)−bβsen(0) ,

ou seja,α = v0b . Entao a unica solucao para o problema ¨x(t) = −b2x(t) , x(t0) =

x0 , x(t0) = v0 pode ser escrita como

x(t) = x0cos(b(t− t0))+v0

bsen(b(t− t0)) .

Esta formae muito melhor, mas nao ajuda muito a antevermos o esboco do graficodex(t). Na verdade, podemos suspeitar do esboco desse grafico porque temos algumaintuicao sobre o problema fısico. Imagine a evolucao da posicao da massa quandodistendemos a mola e depois soltamos, ou quando empurramos a massa em algumadirecao: espera-se que ela realize um movimento de vai-e-vem que, se colocado numgrafico, dara algo parecido com uma senoide (ou uma cossenoide), como mostra a figuraabaixo.

t

x

x(t)

Havera um valor maximo de distensao da mola e um valor maximo de contracao,que definira umaamplitudepara o movimento. Essa amplitude, no entanto, nao saltaaos olhos quando escrevemosx(t) da maneira acima.

Observe no entanto que tambem a funcao

x(t) = Acos(b(t− t0)−θ0)

e solucao da equacao diferencial ¨x(t) = −b2x(t). Isso pode ser verificado diretamente(como fizemos em outros casos) ou se desenvolvermos a expressao, para ver quex(t)esta na formaαsen(b(t− t0))+ βcos(b(t− t0)):

x(t) = Acos(b(t− t0))cos(θ0)+Asen(b(t− t0))sen(θ0) ,

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isto e, basta tomarα = Acos(θ0) e β = Asen(θ0). Mais uma vez, podemos nos preo-cupar com o problema inverso: temos uma solucao do problema de condicoes iniciaisdada porx(t) = x0cos(b(t− t0))+ v0

b sen(b(t− t0)), mas queremos escreve-la da formaacima. Entao teremos que encontrar valores deA e deθ0 tais que{

Acosθ0 = x0

Asenθ0 = v0b

Ora, issoe o mesmo que achar as coordenadas polares de(x0,v0b ), como mostra a figura.

0v /b

θ0A

x0

A amplitudeA e a norma

A =

√x2

0 +(v0

b

)2,

eθ0 e oangulo formado entre o semi-eixo positivo da abscissa e a reta que liga a origemao ponto, contado no sentido anti-horario. Oanguloθ0 e chamado defase.

Agora fica muito mais facil visualizar o quee a solucaox(t). Ela e realmente umacossenoide (ou uma senoide, se assim quisermos), com amplitude dada por

A =

√x2

0 +v2

0

b2 .

O valor maximox(t) = A e atingido quando o cossenoe igual a 1, istoe, quando

b(t− t0)−θ0 = 2nπ ,

para algum inteiron. Isto e, quando

t = t0 +θ0

b+

2nπb

.

O movimento se repete a cada intervalo2πb . Essee o perıodoT de oscilacao do sistema

(veja a ilustracao abaixo).

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26 CAPITULO 3. AMPLITUDE E FASE NO SISTEMA MASSA-MOLA

t +0 θ0/b t +0 θ0/b+2π/b

t

x

x(t)T

-A

+A

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Capıtulo 4

O retrato de fases do sistemamassa-mola

Para todos os efeitos e para simplificar as coisas, suporemos a partir de agora quet0 = 0.Pudemos observar que para determinar o movimento no sistema massa-mola linear

(isto e, sujeitoa Lei de Hooke), precisamos informar as condicoes iniciaisx(0) = x0

e x(0) = v0. E de fato intuitivo que nao basta apenas uma delas. Por exemplo, sabersomente a posicao inicialx0 nao nos habilita a prever o movimento nos instantes sub-sequentes: se a velocidade inicial for nula teremos um movimento de menor amplitudedo que se a velocidade inicial nao for nula (basta olhar para a relacao entre a ampli-tude e os dados iniciais do Capıtulo anterior). Para cada velocidade inicial teremos umadiferente solucaox(t), mesmo quex0 seja igual em todos os casos.

Vimos, no entanto, que se forem fornecidos a posicao e a velocidade iniciais, omovimento fica unicamente determinado. Tambem a evolucao da velocidade fica com-pletamente determinada. Ou seja, sem saber o que aconteceu no passado, podemosflagrar o movimento em determinado instante e, sabendo nesse instante a posicao e avelocidade da massa, prever tudo o que acontecera no futuro (e inclusive conhecer oque aconteceu no passado, as solucoes valem parat < 0!).

Isso sugere que, apesar de a evolucao da posicao da partıcula ser emultima instanciaaquilo o que queremos determinar, a velocidade adquire umstatustao importante quantoa posicao como variavel. Assim,e natural a ideia de acompanhar o movimento nao sopela evolucao da posicao mas tambem simultaneamente pela evolucao da velocidade.

O acompanhamentoe feito num diagrama no plano, onde na abscissa representa-se a posicao da partıcula e na ordenada representa-se sua velocidade. Esse diagramae chamado deespaco de fases. Para cada instantet, a partıcula tem uma posicao x(t)e uma velocidade ˙x(t), representada no grafico pelo ponto(x(t), x(t)). A medida que

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28 CAPITULO 4. O RETRATO DE FASES DO SISTEMA MASSA-MOLA

o tempo passa, os pontos(x(t), x(t)) descrevem uma curva no espaco de fases, quechamaremos deorbita ou trajetoria.

(t)x.(t)x

x

x

.

Como ja determinamos as solucoes do problema massa-mola, podemos saber exa-tamente como sao as trajetorias no espaco de fases. Vimos que as solucoes podem sersempre escritas na forma

x(t) = Acos(bt−θ0) ,

e portanto a velocidade tem que ser

x(t) =−bAsen(bt−θ0) .

x(t).

t

x

+bA

-bA

+A

-Ax(t)

Observe que quandox(t) e maximo (ou mınimo), que corresponde aos instantes emque o cossenoe igual a 1 ou -1, a velocidade, ao contrario, e nula. Isso faz todo sentidofısico, pois as posicoes maximas e mınimas correspondem ao instante onde o sentido davelocidadee revertido. Ja os instantes em que a velocidadee maxima (ou mınima) saoexatamente aqueles em que a partıcula esta passando pela origem.

Acompanhe na figura como devem ficar as trajetorias no espaco de fases.

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A-A

bA

-bA

x.

x

No primeiro quadrante, por exemplo, a velocidadee positiva e a posicao tambem.Isso significa que a mola esta se esticando, mas aos poucos a velocidade diminui atese anular. A posicao entao passa a diminuir, e a velocidade fica negativa: a trajetoriaja passou para o quarto quadrante. A seta indica o sentido em que evolui a trajetoria(x(t), x(t)) no espaco de fases.

Num movimento de menor amplitude tudoe semelhante. Podemos desenhar algu-mas amostras de trajetorias no espaco de fases, e chamamos esse esboco deretrato defasesdo sistema. Em particular a solucao nula deve ser incluıda.

x

x.retratode fases

Podemos perceber que, de fato, as trajetorias percorremelipsesno espaco de fases,pois, para todot,

x(t)2

A2 +x(t)2

b2A2 = 1 . (4.1)

O tamanho do semi-eixo correspondentea abscissae a amplitudeA do movimento, ouseja, o maior deslocamento atingido em relacao a origem (note que o maior “estica-

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30 CAPITULO 4. O RETRATO DE FASES DO SISTEMA MASSA-MOLA

mento” e igual a maior “contracao”), e o tamanho do semi-eixo sobre a ordenadaeigual abA, lembrando queb =

√k/m.

Vale ressaltar que a conclusao de queb2x(t)2 + x(t)2 e constante, como mostra aEquacao 4.1, foi obtida depois de apresentada a solucao, mas podemos de fato verifica-lade maneira muito mais facil. Observe queb2x(t)2+ x(t)2 sera constante se sua derivadafor identicamente nula. Derivando em relacao at obtemos

2b2x(t)x(t)+2x(t)x(t) ,

que deve ser nula sex(t) satisfizer a equacao x =−b2x.

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Capıtulo 5

A energia e outros sistemas, naolineares

No Capıtulo anterior vimos que, sex(t) e uma solucao da equacao diferencial ¨x(t) =−b2x(t) entao

x(t)2 +x(t)2

b2 = A2

para todo instantet. Convencionaremos a partir de agora um nome para a variavelvelocidade. Chamaremos dev(t) a funcao x(t). Assim o espaco de fasese o plano(x,v). Com essa notacao, a equacao acima se reescreve como:

x(t)2 +v(t)2

b2 = A2 .

Podemos interpretar a equacao da seguinte forma: a trajetoria no espaco de fasesesta sempre contida no conjunto dos pontos(x,v) tais que

x2 +v2

b2 = A2 .

O valor deA2, como vimos, depende das condicoes iniciais, e de fato vale

x20 +

v20

b2 .

Portanto a trajetoria “vive” completamente dentro de uma curva de nıvel da funcao deduas variaveis f (x,v) = x2 + v2

b2 .

31

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32 CAPITULO 5. A ENERGIA E OUTROS SISTEMAS, NAO LINEARES

Agora lembremos queb =√

k/m, e que portanto

f (x,v) = x2 +mv2

k=

2k(12

mv2 +12

kx2) .

Podemos tambem definir uma nova funcao

E(x,v) =k2

f (x,v) =12

mv2 +12

kx2

que, por ser apenasf multiplicada por um valor constante, tem exatamente as mesmascurvas de nıvel que f tem. A funcaoE e a soma de dois termos, um deles dependendosomente dev e o outro dependendo somente dex. No primeiro termo reconhecemosa energia cineticada partıcula, e o segundoe a chamadaenergia potencial. Quando apartıcula tem velocidade zero, toda sua energia esta na forma “potencial”, e quando elapassa pela origem sua velocidade absolutae maxima, sua energia cinetica e portantotambem maxima e sua energia potenciale mınima. Ao longo de todo o movimentoas energias cinetica e potencial oscilam, mas a soma das duas sempre tem um valorconstante.

Aqui nao nos preocuparemos em demasiado com o significado fısico dos termosque aparecem na funcao “energia”. Seremos muito mais complacentes e de fato cha-maremos de “energia” de uma equacao diferencialmx = F(x(t)) qualquer funcao deduas variaveisE(x,v) tal que as solucoesx(t) exibam, no espaco de fases, trajetorias(x(t),v(t)) contidas em suas curvas de nıvel. O nomeintegral primeira e outro nomebastante comum para esse tipo de funcao.

Sera que para toda equacao diferencialmx(t) = F(x(t)) existe uma integral pri-meira? Ou seja, existe uma “funcao energia”, dependendo da posicao e da velocidade,que seja conservada ao longo do movimento?

Inspirados no que fizemos no final do Capıtulo anterior, podemos multiplicar aequacao diferencial original por ˙x(t):

mx(t)x(t)− x(t)F(x(t)) = 0 .

No primeiro termo reconhecemos a derivada de12mx(t)2 e no segundo reconhecemos a

derivada deU(x(t)), ondeU e qualquer funcao tal que

U ′(x) =−F(x) .

Portantoddt

(12

mv(t)2 +U(x(t)))

= 0

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ao longo do movimento, logo a funcao

E(x,v) =12

mv2 +U(x) ,

ondeU ′(x)=−F(x), e uma integral primeira para a equacao diferencialmx(t)= F(x(t)).Generalizando o que fizemos no sistema massa-mola, a funcaoU(x) e chamada deener-gia potencialassociadaa forcaF .

Analisemos o exemplo de um corpo em queda livre, sujeito somentea gravidade naproximidade da superfıcie terrestre. A equacao e dada pormx(t) = −mg (convencio-namos quex e crescente do solo para o alto). ComoF(x) = −mg (a forca de fato nemdepende dex, e uma funcao constante emx), entaoU(x) = mgxe uma energia potencialparaF , poisU ′(x) = mg=−F(x). Entao a energia total, cinetica mais potencial, dadapor

12

mv2 +mgx,

e preservada no movimento. Isso corresponde exatamente ao que costumamos aprenderno Colegio!Cada curva de nıvel da energia no espaco de fasese oconjunto-solucao de

12

mv2 +mgx= c ,

ondec e uma constante. Aqui, em particular, pode-mos isolarx em funcao dev:

x =c

mg− 1

2gv2 ,

o que mostra que as curvas de nıvel sao parabolas dei-tadas, com abertura voltada para a esquerda. As tra-jetorias no espaco de fase percorrem essas parabolas,de cima para baixo.

mv + mgx = c212

v

x

subida(v>0)

descida(v<0)

Um objeto lancado da altura do solo com velocidade inicial positiva, istoe, para oalto, perdera velocidade, essa velocidade se anulara no ponto culminante da trajetoria,ficara entao negativa, significando que o corpo esta caindo, chegando ao solo com amesma velocidade absoluta com que partiu.

E possıvel tambem deduzir aformula de Torricelli. Suponha que, ao longo da su-bida, o corpo passou da alturax1 num instantet1 para a alturax2 no instantet2. Cha-

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34 CAPITULO 5. A ENERGIA E OUTROS SISTEMAS, NAO LINEARES

maremos de∆x a diferencax2− x1. Ao mesmo tempo sua velocidade, que erav1 noinstantet1, diminuiu parav2 no instantet2.

x

vvv

v

x x xmax2

2

1

1

0

Chamaremos de∆v a diferencav1−v2 (estamos forcando o sinal positivo de∆v parafacilitar). Como a trajetoria esta sempre dentro de uma parabola

x =c

mg− 1

2gv2 ,

para alguma constantec, entao

x2−x1 =− 12g

v22 +

12g

v21 ,

ou seja,

∆x =12g

(v21−v2

2) ,

quee a formula de Torricelli. Sex1 = 0 e v1 = v0, isto e, o corpoe lancado da alturado solo com velocidadev0, e v2 = 0, istoe, o instantet2 correspondea altura maximax2 alcancada pelo corpo, entao podemos calcular essa altura maxima em funcao dev0

usando a formula acima:

xmax=v2

0

2g.

Ha outra forma de se escrever a formula em∆x. Basta notar quev21−v2

2 = (v1−v2)(v1+v2), e entao

∆x =1g

v1 +v2

2∆v =

vmedia∆v

g.

O termo v1+v22 correspondea velocidade media entre o instantet1 e t2 porque sua

evolucao temporale uma funcao afim (lembre-se que a aceleracao e constante). De

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modo geral, a velocidade media entre dois instantest1 e t2 e definida como

vmedia(t1, t2) =1

t2− t1

∫ t2

t1v(t)dt =

x(t2)−x(t1)t2− t1

.

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36 CAPITULO 5. A ENERGIA E OUTROS SISTEMAS, NAO LINEARES

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Capıtulo 6

O retrato de fases demx = F(x)

6.1 Campos de vetores

O leitor pode observar que no tıtulo deste Capıtulo escrevemos a equacao diferencialmx(t) = F(x(t)) omitindo a variavel t. Essae uma forma muito comum de se repre-sentar as equacoes diferenciais, na forma mais sucinta possıvel, omitindo aquilo queedesnecessario. A variavelt tem o sentido de “tempo” para nos, mas poderıamos chama-la deu, por exemplo, que em essencia nada seria diferente.

A equacao mx = F(x) e um, entre muitos exemplos, de uma equacao diferencialde segunda ordem, pois envolve em sua formulacao a derivada segunda. Equacoes deprimeira ordem so envolvem a funcao e a derivada da funcao. Por exemplo, ˙x = ax euma equacao diferencial de primeira ordem, que tem como solucoes todas as funcoesda formax(t) = ceat (verifique!).

Existem tambem os chamadossistemas de equacoes diferenciais de primeira or-dem, que envolvem simultaneamente duas ou mais funcoes e suas respectivas primeirasderivadas. Por exemplo, {

x = 3x2−y+3y = senx+yx3 .

Neste caso, achar uma solucao para o sistema significa encontrar duas funcoesx(t) ey(t) que simultaneamente verifiquem{

x(t) = 3x(t)2−y(t)+3y(t) = senx(t)+y(t)x(t)3 .

Esse tipo de problema parece ser bastantearido, mas se torna mais atraente se o inter-pretarmos do ponto de vista geometrico. Podemos olhar as funcoesx(t) e y(t) como as

37

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38 CAPITULO 6. O RETRATO DE FASES DE MX = F(X)

coordenadas de uma curvaγ : t 7→ (x(t),y(t)) no planoxy. A derivada da curvaγ, dadapor γ(t) = (x(t), y(t)), representa ovetor tangentea curva. O sistema de equacoes dife-renciais diz entao que, em cada instantet, o vetor tangentea curvaγ(t) dado porγ(t) =(x(t), y(t)) tem que ser exatamente igual ao vetor(3x(t)2−y(t)+3, senx(t)+y(t)x(t)3).

(t)=(x(t),y(t))γ

.γ(t)

y

x

Perceba que esse sistema de equacoes diferenciais ja fixa, para cada ponto(x,y), qualsera o vetor tangente de uma solucao que por ali passar em algum instante:(3x2−y+3, senx+yx3). Essa funcao que associa para cada ponto um vetor (que deve ser sempretangenteas solucoes do sistema)e chamada decampo de vetores. Uma maneira deesbocar um campo de vetorese mostrando os vetores correspondentes a alguns pontosdo plano(x,y).

y

x

Para um sistema de equacoes diferenciais tambem podemos estabelecer oproblemade Cauchy: dado um ponto(x0,y0) e um instantet0 achar uma solucao γ(t) tal queγ(t0) = (x0,y0).

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6.1. CAMPOS DE VETORES 39

O leitor agora pode notar que ha um vınculo estreito entre asequacoes diferenci-ais de segunda ordemque estudamos esistemas de equacoes diferenciais de primeiraordemcomo o do exemplo acima. A semelhanca esta no fato de que em ambos oscasos uma boa visualizacao de como o sistema evolui ao longo do tempo se da numespaco bidimensional. De fato, a analogiae muito mais do que uma mera coincidencia:quando definimos a funcao auxiliarv(t) = x(t), podemos reescrever a equacao diferen-cial x(t) = 1

mF(x(t)) como um sistema de duas equacoes. A primeira vem simplesmenteda definicao dev, e a segundae a propria equacao diferencial onde substituımosx(t) porv(t): {

x(t) = v(t)v(t) = 1

mF(x(t)).

Omitindo a variavelt, ficamos com{x = vv = 1

mF(x).

Em outras palavras, sempre que no espaco de fases a trajetoria passar pelo ponto(x,v),seu vetor tangente(x, v) devera ser igual a(v, 1

mF(x)).Neste ponto vale a pena ressaltar que nao e em princıpio obvio se todo problema

de Cauchy dessa equacao admiteunica solucao. Mostramos essa unicidade para o sis-tema massa-mola (F(x) = −kx), no Capıtulo 2, porem nos baseamos na linearidadeda equacao, que nao e valida para uma funcao F qualquer. Intuitivamente falando, aunicidade de solucoes impede que trajetorias distintas se cruzem.

Neste livro nao discutiremos o assunto, mas o leitor pode consultar livros de Equa-coes Diferenciais. Sugerimos [2] (e referencias nele contidas), pela leveza da aborda-gem e pela preocupacao com aplicacoes, embora o ferramental matematico necessariopara a discussao da unicidade esteja em nıvel um pouco mais elevado do que o aquiutilizado. Por exemplo, pode-se mostrar que, seF for uma funcao diferenciavel e comderivada contınua entao vale a unicidade de solucao do problema de Cauchy. Mais adi-ante, na Secao 7.3, veremos um exemplo ondeF nao e diferenciavel em um ponto e aunicidadee violada.

Agora podemos nos utilizar do fato de que as trajetorias tem que ser sempre tan-gentes ao campo de vetores acima mencionado, juntamente com o conhecimento so-bre as curvas de nıvel da energia, para tracar um bom retrato de fases de qualquerequacao diferencial da forma ¨x(t) = 1

mF(x(t)). As curvas de nıvel da funcao energianos fornecem uma forte restricao sobre onde “vivem” as trajetorias. O campo de ve-tores(x,v) 7→ (v, 1

mF(x)) do espaco de fases nos da, adicionalmente, informacao sobrecomo essas curvas de nıvel sao percorridas ao longo do tempo, em particular em quesentido.

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40 CAPITULO 6. O RETRATO DE FASES DE MX = F(X)

Para exemplificar como o campo de vetores nos ajuda a determinar o sentido datrajetoria, recordemos os dois casos dos quais tratamos para ilustrar a existencia de umaintegral primeira.

No sistema massa-mola, as curvas de nıvel da energia sao elipses, centradas na ori-gem. Vimos, por razoes fısicas, que essas elipses devem ser percorridas no sentidoanti-horario. A mesma conclusao podemos chegar pela analise do campo de vetores,que neste casoe (x,v) 7→ (v,−b2x), ondeb2 = k

m. Fixando uma das elipses, observamosque no cruzamento com a abscissa (v = 0), o campo vale(0,−b2x), isto e, e totalmentevertical; alem disso, a componente verticale negativa quandox e positivo, e positivaquandox e negativo.

v

v

xx2-b

Isso mostra que a trajetoria cruza a abscissa do semi-planov > 0 para o semi-planov < 0 quandox e positivo, e de maneira contraria quandox e negativo. Alem disso, osinal dev define o sinal da primeira componente do campo de vetores. Assim, no semi-plano superior as trajetorias devem sempre se mover para a direita, e no semi-planoinferior sempre para a esquerda.

No caso de um corpo em queda livre sob a acao da gravidade, dado por ¨x = −g, ascurvas de nıvel da energia sao parabolas “deitadas”, e com “abertura para a esquerda”.

x

v

(v,-g)

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6.2. ESBOCO DO RETRATO DE FASES 41

O campo de vetorese dado por(x,v) 7→ (v,−g), isto e, tem sempre a segunda compo-nente negativa (implicando que as trajetorias sempre “descem” no retrato de fases, ouseja, ˙v < 0). Como no caso anterior,as trajetorias se movem para a direita no semi-plano superior e para a esquerda no semi-plano inferior.

Essaultima conclusao vale para todas as equacoes que estamos considerando, poisa primeira componente do campo de vetorese sempre igual av!! Ao cruzar a abscissa,a trajetoria e obrigada a mudar de sentido, como mostram as ilustracoes.

6.2 Esboco do retrato de fases

O retrato de fases da equacao mx = F(x) pode ser entao desenhado, se seguirmos aseguinte sequencia de procedimentos:

1. determinar a energia potencialU , que deve ser uma primitiva (qualquer) da funcao−F :

U(x) =−∫

F(x)dx ;

2. desenhar as curvas de nıvel da funcao

12

mv2 +U(x) ;

3. determinar o sentido das trajetorias no espaco de fases usando os argumentosexpostos acima (para a direita no semi-plano superior, para a esquerda no semi-plano inferior).

Faremos com detalhes um exemplo, mas dele ficara claro que muitas ideias se ge-neralizam para outras situacoes. Tambem algumas consideracoes de carater geral seraofeitas ao longo da exposicao desse exemplo.

Deve-se atentar para a importancia de se esbocar o retrato de fases: ele nos da o com-portamentoqualitativo das solucoes. Alem disso, veremos que a partir dele podemosate, em algumas situacoes, obter as solucoesx(t) da equacao diferencial.

Seria natural discutir um exemplo fornecendo a forcaF(x) em primeiro lugar, paradepois seguir os passos listados acima. Podemos, ao inves disso, fornecer diretamenteo potencialU(x) que deveria ser calculado no primeiro passo. Dele obtemos, de modoinverso, a forcaF(x) = −U ′(x). Alem do mais, nao precisaremos queU(x) seja dadopor uma formula: basta um bom esboco de seu grafico!

Observemos em primeiro lugar que a “posicao vertical” deU nao importa. Falandomais precisamente, se tomarmosU(x) =U(x)+C entaoU tambem nos serve para tracar

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42 CAPITULO 6. O RETRATO DE FASES DE MX = F(X)

as curvas de nıvel da energia, pois o conjunto das curvas de nıvel de 12mv2 +U(x) sera

o mesmo de12mv2 +U(x). Ou seja, somar uma constante aU(x) nao altera o conjuntode suas curvas de nıvel, quee afinal o que nos interessa.

Trabalhemos entao com o potencial mostrado graficamente na figura abaixo.

U2

U4

xx

xx

U

U

U

0

1 3

4

0

3

1

2 x

No grafico, marcamos os cinco valores crıticos deU , a saberU0, U1, U2, U3, U4, quesao os valores da funcao nos pontos crıticosx0, x1, x2, x3, x4. ComoF(x) =−U ′(x), es-ses pontos sao exatamente aqueles onde a forca se anula, istoe, saopontos de equilıbrio.

Observe que para qualqueri = 0,1,2,3,4 a funcao constantex(t)≡ xi e uma solucaoda equacao diferencialmx(t) = F(x(t)). Basta fazer a substituicao dos dois lados e verque da o mesmo resultado. No lado esquerdo:

mx(t) = md2

dt2xi = 0 ,

e no lado direito,

F(x(t)) = F(xi) = 0 .

No retrato de fases, as trajetorias(x(t), x(t)) = (xi ,0) sao pontos. Esses pontos, onde ocampo(x,v) 7→ (v, 1

mF(x)) se anula, sao tambem chamados desingularidades.

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6.2. ESBOCO DO RETRATO DE FASES 43

xx

xx

0

1 3

42 xx

v

Podemos fazer uma analogia bastanteutil para aprimorar nossa intuicao sobre oespaco de fases. Imagine o grafico deU como um “perfil montanhoso”. Se colocarmosuma bolinha sobre um dos pontosxi , com velocidade zero (correspondendo ao ponto(xi ,0) do espaco de fases), ela devera ficar parada, no mesmo lugar, indefinidamente.Em x2 e x4 isso e um pouco mais facil de se imaginar, pois sao pontos de “vale” doperfil montanhoso. Sao chamados deequilıbrios estaveis. Ja parax0,x1,x3 o equilıbrioe instavel: um pequeno empurrao faz a bolinha se afastar para sempre de sua posicao.

A analogia vai de fato mais longe. O sinal da forcaF(x) determina seu sentido: seF(x) > 0, entao a forca naquele pontoe exercida para a direita; se, ao contrario,F(x) <0, a forcae para a esquerda. Acontece queF(x) e igual a−U ′(x), donde concluımosque: seU e decrescente, istoe,−U ′(x) > 0, entao a forcae para a direita; do contrario,e para a esquerda. Issoe mesmo o que esperarıamos se a bolinha fosse colocada nasdescidas e subidas da montanha.

Para interpretar esse dado no retrato de fases, devemos pensar que a aceleracao tem omesmo sentido da forca. Logo a velocidade decresce nas subidas da montanha e crescenas descidas, como mostra a figura abaixo.

xx

xx

0

1 3

42 xx

v

E preciso deixar bem claro que se trata apenas de uma analogia, que permite ava-liarmosqualitativamentea correcao do retrato de fases. Mais adiante estudaremos o

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44 CAPITULO 6. O RETRATO DE FASES DE MX = F(X)

problema da montanha propriamente dito e veremos que, apesar de qualitativamente eleter o mesmo retrato de fases, a equacao diferencial envolvidae diferente e as solucoestambem.

Todos esses dados discutidos acima devem se confirmar ao tracarmos o retrato defases. Passemos entao ao desenho das curvas de nıvel da funcaoE(x,v) = 1

2mv2+U(x).Chamaremos deΓc a curva de nıvel c. Isto e,

Γc = {(x,v) ;12

mv2 +U(x) = c} .

Uma maneira de desenha-la e tentar enxerga-la como um grafico (ou uma uniao degraficos) de uma funcaov(x). Para tanto, isolamosv na equacao:

v =±√

2m

(c−U(x)) .

Ou seja, para cadax, existem (no maximo) dois valores dev tais que(x,v) ∈ Γc. Saoeles:

v+(x) = +

√2m

(c−U(x))

e

v−(x) =−√

2m

(c−U(x)) .

Daı concluımos imediatamente queo retrato de fases no semi-plano inferiore umaimagem especular do retrato de fases no semi-plano superior(e vice-versa).

Deve-se atentar para o fato de que as funcoesv+(x) e v−(x) nao estao necessari-amente definidas para todox ∈ R. Mais precisamente, seu domınio coincide com ospontosx tais queU(x)≤ c, senao nao seria possıvel extrair a raiz quadrada.

O que temos que fazer agorae desenhar as curvas de nıvel para varios valores dec diferentes. Para facilitar as coisas, desenhamos primeiro a funcaoc−U(x), em duasetapas.

Primeiro, marcamos a cotac (no desenho abaixo, a tıtulo de exemplo,U0 < c < 0).

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6.2. ESBOCO DO RETRATO DE FASES 45

x

U

0

0

c

Depois, desenhamos apenas a funcao ondec−U(x)≥ 0. Isso corresponde aapagaro grafico acima da cota ce depois refletir o que restou do grafico deU(x) em torno dalinha{y = c}. O resultado esta mostrado na figura abaixo.

x0 1 2xx x3 x4

Agora queremos esbocar as funcoesv± =±√

2m

√c−U(x). Quanto ao termo

√2m

nao ha com o que se preocupar, poise uma constante que so altera a escala vertical dografico. Como se trata de um esboco, importam apenas os valores relativos da funcao.O que precisamose tirar a raiz da funcaoc−U(x).

A raiz nao vai alterar propriedades essenciais do grafico: sec−U(x) e crescente(resp. decrescente) entao o mesmo vale para

√c−U(x). A mudanca mais importante

esta na maneira como o grafico toca a abscissa.Suponha que ˜x seja tal quec−U(x) = 0. Suponha tambem quec−U(x) esteja

definidaa direita de ˜x (outras situacoes sao analogas). Por conveniencia, denotamos

g(x) = c−U(x) .

xx

g(x)

xx

g(x)

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46 CAPITULO 6. O RETRATO DE FASES DE MX = F(X)

Seg′(x) 6= 0 (no caso, deve ser maior do que zero), entao

limx→x

g(x)−g(x)x− x

= g′(x) > 0 .

Comog(x) = 0,

limx→x

g(x)x− x

= g′(x) > 0 .

Isto significa que

limx→x

√g(x)x− x

=√

g′(x) > 0 .

Logo, se calcularmos a inclinacao limite do grafico de√

g teremos:

limx→x

√g(x)

x− x= lim

x→x

1√x− x

·√

g(x)x− x

= ∞ .

A inclinacao do grafico de√

g(x) e infinita em ˜x. Portanto nosso desenho fica como nafigura abaixo, onde ja colocamos as duas funcoesv±.

x0 1 2xx x3 x4

Aı e so colocar as setas, respeitando nossas consideracoes previas.

x0 1 2xx x3 x4

v

x

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6.2. ESBOCO DO RETRATO DE FASES 47

Todo esse procedimento deve ser repetido com varios valores relevantes dec. Nesteexemplo, podemos dizer que ha essencialmente 11 situacoes diferentes, de acordo coma posicao dec em relacao aos valores crıticos deU(x): (i) c < U2; (ii) c = U2; (iii)U2 < c < U4; (iv) c = U4; (v) U4 < c < U0; (vi) c = U0; (vii) U0 < c < U3; (viii) c = U3;(ix) U3 < c < U1; (x) c = U1; (xi) c > U1.

Faremos um esboco que inclui todos esses casos, mase sempre preferıvel que oleitor chegue ao mesmo resultado por si mesmo, analisando cada um deles. Faremosalguns comentarios adicionais sobre os casos em quec e exatamente igual a um dosvalores crıticos, que justificarao a forma como esta esbocada a figura.

U < c < U 13

c < U0

c = U0

c = U1

U < c < U 2 3

U < c < U 4 3

c = U4

c = U2

c = U3

U < c < U 0 1

c > U1

x

v

x2 x3 x4x10x

O primeiro comentario diz respeitoas curvas de nıvel quandoc = U1 e c = U3, emparticular a maneira como elas “tocam” a abscissa. Chame mais uma vez deg(x) afuncaoU1−U(x). Entaog(x) tem o aspecto mostrado na figura abaixo, perto dex1.

g(x)=U -U(x)1

x1

Por ser um ponto crıtico do potencial,g′(x1) = 0, logo

g(x) = g′′(x1)(x−x1)2

2+R(x) ,

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48 CAPITULO 6. O RETRATO DE FASES DE MX = F(X)

onde

limx→x1

R(x)|x−x1|2

= 0 .

O desenho naoe suficientemente preciso, mas podemos supor queg′′(x1) 6= 0 (de fato,g′′(x1) > 0). O leitor sera convidado a examinar o caso em que a derivada segundatambem se anula, como acontece, por exemplo, com o ponto crıtico x0. A funcao

√g(x)

sera igual a √g′′(x1)

2· |x−x1| ·

√1+

2g′′(x1)

R(x)(x−x1)2 .

Pela propriedade deR(x) estabelecida acima, a raiz√1+

2g′′(x1)

R(x)(x−x1)2

tende a 1. Se medirmos a inclinacao, em modulo, quee dada por√g(x)

|x−x1|,

veremos que ela tende a√

g′′(x1)2 6= 0. Isso explica por que os graficos de±

√U1−U(x)

podem ter o aspecto mostrado na figura abaixo.

U -U(x)1

U -U(x)1

x1

+

-

Isso pode parecer,a primeira vista, contraditorio com o que dissemos anteriormente,especificamente que as trajetorias devem cruzar a abscissa verticalmente (pois o campo(x,v) 7→ (v, 1

mF(x)) tem a primeira coordenada nula na abscissa). Na verdade nao hacontradicao, pois aunica trajetoria que toca a abscissa emx1 e a propria trajetoria cons-tante(x(t),v(t)) ≡ (x1,0). As outras se aproximam (ou se afastam) do ponto(x1,0) deforma assintotica, em tempo infinito.

Para entender um pouco melhor esse fato, podemos voltara analogia da bolinhano perfil montanhoso. Suponha que uma bolinhae colocada na posicao x2, dentro do

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6.2. ESBOCO DO RETRATO DE FASES 49

vale montanhoso entrex1 e x3, com uma velocidade inicialv0 positiva (istoe, para adireita). Sev0 for pequena, a bolinha ficara indo e voltando periodicamente no fundo dovale, o que correspondera a uma das trajetorias fechadas mostradas no retrato de fases,semelhanteas elipses do sistema massa-mola. Qualitativamente, de fato, o movimentolembra bastante o do sistema massa-mola. Observe que a energia cinetica inicial 1

2mv20

se anula quando a energia potenciale maxima, mas se for pequena isso naoe suficientepara que ela ultrapasse a cotaU3.

No entanto, se aumentarmos gradualmente o valor dev0, a bolinha chegara cada vezmais perto dex= x3 (ou seja, do topo direito da montanha). O tempo que ela dispenderapara ir e voltar sera cada vez maior. Havera entao um valor exato dev0 (que correspondea energia1

2mv20 =U3−U2) que empurrara a bolinha parax= x3, mas o tempo necessario

para atingir esse ponto sera infinito. Comv0 maior do que esse valor o comportamentomuda: a bolinha passax3, percorre o vale dex4, sobe ate uma altura superior aU3 (poisa energia totale maior do queU3) e retorna todo o caminho, mas naoe capaz de vencero pico emx1, a nao ser que a energia seja bastante alta.

Se o leitor nao se convenceu sobre o “tempo infinito” na cotac = U3, talvez o facano proximo Capıtulo, onde discutimos exatamente como medir o tempo necessario parase percorrer um determinado trecho de trajetoria. E preciso perceber, no entanto, aimpossibilidade de se reproduzir na pratica esse movimento de aproximacao em tempoinfinito de um pico montanhoso. Ha varios impedimentos para isso:

• a forca de atrito, que nao estamos considerando, e da quale impossıvel se livrarna pratica;

• perturbacoes externas: tremor de edifıcio, brisas;

• imperfeicoes do material: em escala muito pequena, ele deixa de ser “liso”;

• a propria dificuldade de se obter uma condicao inicial exatamente igual a(x2,v0).

Daı causar estranheza a existencia desse tipo de trajetoria.

Devemos tambem chamar a atencao para os dois tipos “mais comuns” de singulari-dades que aparecem no retrato de fases. No entorno de(x1,0) e (x3,0) o retrato de fasestem o aspecto mostrado na figura abaixo.

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50 CAPITULO 6. O RETRATO DE FASES DE MX = F(X)

Esse tipo de pontoe chamado desela. Ja perto de(x2,0) e (x4,0) temos o seguinteretrato de fases.

Esses pontos sao chamados decentros. No entorno dos centros, as trajetorias saoperıodicas. Para cada uma delas existe um valorT tal que (x(t + T),v(t + T)) =(x(t),v(t)).

Exercıcio 6.1. Invente potenciais U(x) e desenhe seus retratos de fases. Permita quesuas funcoes tenham assıntotas, e considere pontos crıticos de varios tipos. Lembre-seapenas que suas funcoes devem ser diferenciaveis, com derivada contınua, pois U′(x) =−F(x).

Exercıcio 6.2. Desenhe o retrato de fases proximo de(0,0) para o potencial U(x) = x4,e depois faca o mesmo para U(x) =−x4.

Exercıcio 6.3. Desenhe o retrato de fases para o potencial U(x) = cosx.

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Capıtulo 7

Tempo e perıodo

7.1 Tempo decorrido

Ja comentamos anteriormente que todas as solucoes da equacao x = −b2x tem que serda forma

x(t) = Acos(bt−θ) ,

ondeA e θ sao constantes que dependem das condicoes iniciaisx(0) = x0 e v(0) = v0.Essas solucoes sao periodicas: a cada intervalo de tempo de tamanhoT = 2π

b , tudo serepete. Em “matematiques”, isso quer dizer que

x(t +T) = x(t) , ∀t ∈ R .

O quee marcante, no entanto,e o fato de no sistema massa-mola o perıodonao dependerda amplitude do movimento(ou, se preferir, das condicoes iniciais).

Vejamos agora uma maneira de se calcular esse perıodo usando os conceitos deenergia e espaco de fases introduzidos nos Capıtulos anteriores.

No sistema massa-mola, as trajetorias no espaco de fases estao contidas nas curvasde nıvel da funcao energia

E(x,v) =12

mv2 +12

kx2 .

Como vimos, para uma determinada energia fixadac, a velocidade pode ser obtida comouma funcao da posicaox, a nao ser por uma ambiguidade de sinal:

v(x) =±√

2m

(c− 12

kx2) =±√

2m

√c− 1

2kx2 .

51

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52 CAPITULO 7. TEMPO E PERIODO

Facamos entao uma pequena digressao. Num movimento retilıneo uniforme, o espacopercorrido∆x se relaciona com o tempo decorrido∆t e com a velocidadev pela relacao

v =∆x∆t

.

Saber duas das tres quantidades automaticamente determina a terceira: por exemplo,sabendov e ∆t deduzimos o espaco percorrido∆x = v∆t, ou sabendov e ∆x deduzimoso tempo decorrido∆t = 1

v∆x. Quando o movimento naoe uniforme a velocidade podese expressar como funcao do tempo ou da posicao. See em funcao do tempo, istoe,v = v(t), entao o espaco percorrido no intervalo∆t = t2− t1 e dado por

∆x =∫ t2

t1v(t)dt ,

onde a integral representa a soma dos espacos percorridos infinitesimaisdx = v(t)dt.Analogamente, sev e funcao da posicao, istoe,v = v(x), entao o tempo decorrido parapercorrer∆x = x2−x1 e dado por

∆t =∫ x2

x1

1v(x)

dx ,

onde a integral representa a soma dos intervalos de tempo infinitesimaisdt = 1v(x)dx.

Podemos entao calcular o perıodo T do sistema massa-mola usando essa formula.Suponha que flagremos a massa na posicao de maxima contracao, igual a−x0, e aacompanhemos ate a maxima expansao da mola, emx0. O tempo decorrido no trajetodeveria ser igual aT2 , isto e,

π ·√

mk

.

Lembremos que a trajetoria no espaco de fasese o grafico da funcao

v(x) =

√2m·√

c− 12

kx2 ,

ondec e a energia total do movimento.

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7.1. TEMPO DECORRIDO 53

xx00

x

v

+-

v(x)

De fato,c se relaciona comx0, pois a energia total tem que ser igual a12kx2

0. Entao

v(x) =

√km

√x2

0−x2 .

Se nosso raciocınio estiver certo,√mk

∫ x0

−x0

1√x2

0−x2dx= ∆t =

T2

= π√

mk

,

ou seja,

π =∫ x0

−x0

1√x2

0−x2dx .

Chamando deI a integral, temos

I =1x0

∫ x0

−x0

1√1− ( x

x0)2

dx .

Fazendo a substituicaoy = x/x0, dx= x0dy, temos

I =∫ +1

−1

1√1−y2

dy= sen−1(1)− sen−1(−1) = π ,

confirmando nossa suspeita!Outra situacao simples em que podemos calcular o tempo decorridoe no problema

da queda livre.

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54 CAPITULO 7. TEMPO E PERIODO

v

x

v(x)

h

Imagine que soltemos o corpo da alturah, e ele atinja o solo apos um intervalo detempo∆t. Aqui x1 = h, x2 = 0 e

v(x) =−√

2m

√mgh−mgx=−

√2g√

h−x .

Entao

∆t =− 1√2g

∫ 0

h

1√h−x

dx=1√2g

∫ h

0

1√h−x

dx .

Calculando a integral, obtemos

∆t =− 2√2g

[(h−x)

12

]h

0=

√2hg

.

Isso confere comh =

g2

∆t2 ,

que conseguirıamos atraves da solucao explıcita obtida no Capıtulo 2.

Exercıcio 7.1. Considere um elastico pendurado (com as propriedades descritas naSecao 1.5) e uma massa m presa na ponta inferior. Seja l0 o comprimento do elastico,sem tensao. Seja x a coordenada vertical (crescente de cima para baixo), com x= 0 naponta superior do elastico. Seja f(d) a funcao que da a tensao do elastico em termosde sua dilatacao (d =comprimento menos l0). Sem ter uma formula para f , procureresponder as seguintes questoes.

1. Faca um grafico da resultante de forcas F(x).

2. Diga como achar o ponto de equilıbrio.

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7.2. PERIODO LIMITE EM MINIMOS LOCAIS 55

3. Se a massae solta, em repouso, de x= 0, que velocidade ela tera quando oelastico comecar a exercer algum efeito?

4. Na situacao do item anterior, monte uma equacao em x cuja solucao representeo ponto mais baixo que a massa vai atingir (sugestao: use o fato de que nesseponto a energia cinetica se anula).

5. Chamando de x0 a solucao do item anterior, como se calcula o tempo que a massaleva de x= 0 a x0?

7.2 Perıodo limite em mınimos locais

Suponha uma partıcula sujeita a um campo de forcas conservativo, com energia dadapor 1

2mv2 +U(x). Sejax1 um ponto de mınimo local (nao-degenerado) do potencial,isto e, tal queU ′(x1) = 0 eU ′′(x1) > 0. Para facilitar, podemos supor quex1 = 0 e queU(x1) = 0.

x0

x0U( )

0 x

Analisaremos o perıodo de oscilacao no caso de a partıcula partir da posicao inicialx0 > 0 com velocidade inicialv0 = 0. Para isso, calcularemos o tempoT(x0) que apartıcula leva para ir dex0 ate a origem e mostraremos que, quandox0 tende a zero, essevalor tende ao valor constante

12

π√

mU ′′(0)

.

Isso implica que o perıodo total para que a partıcula retorne ao seu estado inicial tendea

2π√

mU ′′(0)

quandox0 tende a zero.Aqui e preciso tomar um cuidado. Nao necessariamente a funcao U e simetrica

em torno do equilıbrio, portanto a amplitude do movimento no lado esquerdo nao enecessariamente iguala amplitude no lado direito. Em outras palavras, se o movimentoparte do repouso emx0 > 0 ele atingira velocidade nula no lado esquerdo em ˜x0 < 0,

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56 CAPITULO 7. TEMPO E PERIODO

mas nao necessariamente|x0|= |x0|. A unica verdadee que a energia potencial nos doispontose a mesma, istoe,U(x0) = U(x0).

Tambem nao e verdade que o perıodo a direita seja igual ao perıodo a esquerda.O quee verdadee que o perıodo limite quando a amplitude tende a zeroe igual nosdois lados (afinal, o resultado so depende deU ′′(0)). E isso que permite concluir que operıodo limitee igual a quatro vezes o limite

limx0→0

T(x0) .

Outra observacaoe que ha uma maneira pouco rigorosa (porem eficiente) de se obtero perıodo limite, quee fazendo a expansao de Taylor deU em torno de 0, ate ordem 2:

U(x) =U ′′(0)

2x2 +R(x) ,

onde

limx→0

R(x)x2 = 0 ,

e depoisdesprezar o resto, escrevendo

U(x)≈ U ′′(0)2

x2 ,

parax proximo de zero. Comparando com o sistema massa-mola, com potencial12kx2,

a constanteU ′′(0) corresponde aok. Como o perıodo que calculamos para o sistemamassa-mola (que nao depende da condicao inicial)e

2π√

mk

,

inferimos nossa formula substituindok porU ′′(0).A seguir calcularemosT(x0) de forma rigorosa, pois pode interessar tambem obter

essa funcao com exatidao, e nao apenas seu limite. De posse da formula deT(x0),tiraremos o valor limite.

Escrevemos

T(x0) =√

m2

∫ 0

x0

1

−√

U(x0)−U(x)dx=

√m2

1√U(x0)

∫ x0

0

1√1− U(x)

U(x0)

dx .

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7.2. PERIODO LIMITE EM MINIMOS LOCAIS 57

Com a substituicao lineary = x/x0, obtemos

T(x0) =√

m2

x0√U(x0)

∫ 1

0

1√1− U(x0y)

U(x0)

dy . (7.1)

Fazemos em seguida outra substituicao:

sen2ξ =U(x0y)U(x0)

, ξ = sen−1

√U(x0y)U(x0)

,

de forma que1√

1− U(x0y)U(x0)

dy=2U(x0)senξ

x0

1U ′(x0y)

dξ .

Comox0y = U−1(U(x0)sen2ξ) (a inversa deU e considerada apenas paraU restrito aointervalo[0,x0]), entao

T(x0) =√

2mU(x0)∫ π/2

0

senξU ′(U−1(U(x0)sen2ξ))

dξ .

Esta integral, apesar de parecer complicada, tem a vantagem de ser nao-singular e deser tomada num intervalo fixo, independente dex0. Sua nao-singularidade acabara porser justificada nos proximos passos.

A funcaoU(x) se escreve como

U(x) =U ′′(0)

2x2(1+ r1(x)) ,

onder1(x) e uma funcao que vai a zero quandox tende a zero. Essa expressao decorrediretamente da expansao em Taylor deU emx = 0, de ordem 2, levando em conta queU(0) = 0 eU ′(0) = 0.

A derivada deU se escreve como

U ′(x) = U ′′(0)x(1+ r2(x)) ,

onder2(x) vai a zero quandox vai a zero, e sua raiz quadrada (olhando so parax≥ 0),

√U(x) =

√U ′′(0)

2x(1+ r3(x)) ,

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58 CAPITULO 7. TEMPO E PERIODO

onde r3(x) vai a zero quandox vai a zero (basta tirar a raiz deU e observar que√1+ r1(x) pode ser escrita como 1+ r3(x)). Para escreverU−1, primeiro colocamos

U(x) = f (x)2 ,

onde f (x) =√

U(x). Entao

U−1(w) = f−1(√

w) =

√2

U ′′(0)√

w(1+ r4(w)) ,

onder4(w) w→0−→ 0, implicando em

U−1(U(x0)sen2ξ) =

√2

U ′′(0)

√U(x0)senξ(1+ r5(ξ,x0)) ,

onder5(ξ,x0) = r4(U(x0)sen2ξ). Portanto

T(x0) =√

mU ′′(0)

∫ π/2

0

11+ r5(ξ,x0)

dξ .

e para mostrar queT(x0)x0→0−→ π

2

√m

U ′′(0) so nos resta ver que a integral tende aπ2, quando

x0 tende a zero.Observe que, como 0≤ sen2ξ ≤ 1 entao

|r5(ξ,x0)| ≤ maxx∈[U(x0),0]

|r4(x)|x0→0−→ 0 ,

logo r5(ξ,x0) vai a zero quandox0 tende a zerouniformementeemξ. Em outras pala-vras, dado umε > 0 qualquer, sex0 for suficientemente pequeno entao teremos

|r5(ξ,x0)| ≤ ε

para todoξ ∈ [0, π2]. Isso implica que a funcao do integrando esta tao proxima da funcao

constante igual a 1 quanto queiramos, bastando apenas escolherx0 suficientemente pe-queno. Portanto a integral tende aπ

2 quandox0 tende a zero.

Exercıcio 7.2. Num movimento oscilatorio como o que temos considerado, o tempopara se ir de x= 0 ate x0 e o mesmo tempo necessario para se voltar de x0 ate x= 0?

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7.3. EQUILIBRIO INSTAVEL 59

Exercıcio 7.3. Considere U(x) = |x|τ, com1 < τ < 2. Neste caso,

F(x) =−U ′(x) =−τ|x|τ−1 x|x|

,

para x 6= 0, e F(0) = 0. O termo x|x| da apenas o sinal de x, e o que interessa de fato

e que Fe decrescente, e tem derivada infinita em x= 0. Neste caso, Ue simetrico e operıodoe exatamente igual a quatro vezes o tempo T(x0) para se ir de x0 (em repouso)ate x= 0. Mostre que T(x0) vai a zero quando x0 tende a zero (sugestao: parta daEquacao 7.1).

Exercıcio 7.4. Mostre que o resultado do Exercıcio anteriore mais geral, istoe, mostreque o perıodo vai a zero quando a amplitude vai a zero para qualquer potencial da

forma U(x) = |x|τ(1+ r(x)), onde1 < τ < 2 e r(x) x→0−→ 0.

Exercıcio 7.5. Considere agora potenciais onde a segunda derivada se anula, istoe,

U(x) = |x|τ(1+ r(x)), r(x) x→0−→ 0, comτ > 2. Mostre que o perıodo vai a infinito quandoa amplitude tende a zero.

Exercıcio 7.6. Considere U(x) = |x|τ, comτ > 1. Nos casos1 < τ < 2, τ = 2 e τ >2, respectivamente, deduza o que acontece com o perıodo quando a amplitude vai ainfinito.

Exercıcio 7.7. Considere a montagem mostrada na figura: dois elasticos com as pro-priedades descritas na Secao 1.5 se prendem a uma massa m. Os elasticos sao presosnesta ordem: 1) prende-se o de cima no “teto”; 2) pendura-se a massa m e procura-sea posicao de equilıbrio; 3) prende-se o elastico de baixo de maneira que fique esticadomas com tensao zero.Chame de x a coordenada vertical (crescente parabaixo) e defina x= 0 como sendo a posicao deequilıbrio. Faca um grafico da resultante de forcas,destacando o entorno de x= 0. Baseando-se nas con-clusoes desta Secao e nos exercıcios anteriores, des-creva o que acontece com pequenas oscilacoes pertodo ponto de equilıbrio.

0

x

� � � � � �� � � � � �� � � � � �� � � � � �

� � � � � �� � � � � �� � � � � �

� � � � � �� � � � � �� � � � � �

7.3 Equilıbrio inst avel

Agora trataremos de outra questao abstrata, no intuito de explicar o “tempo infinito”do final do Capıtulo anterior. Suponha que entrex0 < 0 e 0 o potencialU(x) tenha oaspecto delineado na figura abaixo.

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60 CAPITULO 7. TEMPO E PERIODO

x0U( )

x0

x

0

0

U(x)

O pontox = 0 e um ponto de equilıbrio instavel. Agora suponha que a partıculatenha condicao inicial x(0) = x0 e v(0) = v0, ondev0 e tal que a energia cinetica sejaexatamente iguala diferenca de potencial entrex0 e 0:

12

mv20 =−U(x0) .

Entao

E(x,v) =12

mv2 +U(x) =12

mv20 +U(x0) = 0 .

Logo

v(x) =

√2m

√−U(x) .

Observe que a funcaoU(x) tem derivada nula emx = 0, portanto podemos escrever

U(x) =−c2x2 +R(x) ,

ondec 6= 0 (assumindo tambem queU ′′(0) 6= 0) e

limx→0

R(x)x2 = 0 .

Entao

−U(x) = c2x2 ·[1− R(x)

c2x2

].

Por causa da propriedade deRdada no limite acima, existex1, comx0 < x1 < 0, tal que

1− R(x)c2x2 ≤ 2 ,

para todox pertencente ao intervalo[x1,0].

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7.3. EQUILIBRIO INSTAVEL 61

Nosso intuitoe calcular o tempo que a partıcula leva para ir dex0 a 0, quee dadopor

T(x0,0) =∫ 0

x0

1v(x)

dx=√

m2

∫ 0

x0

1√−U(x)

dx .

Na verdade, queremos mostrar que esse tempoe infinito. Entao basta observar que otempoT(x0,x) para se ir dex0 ax (comx > x1) e o tempoT(x0,x1) para se ir dex0 ax1

mais o tempoT(x1,x) para se ir dex1 ax. Logo, parax > x1,

T(x0,x)≥ T(x1,x) =√

m2

∫ x

x1

1√−U(u)

du ,

e devemos provar que essa integral vai a infinito quandox tende a 0. Ja temos

T(x1,x) =√

m2

∫ x

x1

1√−U(u)

du=1c

√m2

∫ x

x1

1−u

· 1√1− R(u)

c2u2

du .

Pela escolha dex1 feita acima, vale que√1− R(u)

c2u2 ≤√

2

para todou no intervalo[x1,0]. Logo

T(x1,x)≥√

m2c

∫ x

x1

1−u

du .

Entao

T(x1,x)≥−√

m2c

log(−u)|xx1

=−√

m2c

[log(−x)− log(−x1)] .

Porem− log(−x) vai a+∞ quandox tende a 0, o que demonstra nossa afirmacao.Nos calculos acima foi fundamental a hipotese de que a funcaoU fosse duas vezes

diferenciavel emx = 0. A hipoteseU ′′(0) 6= 0 neme tao importante, pois pode-semostrar, de maneira analoga, queU ′′(0) = 0 tambem implicaT(x0,x)→∞ quandox→0 (ver Exercıcio 7.8). Para ver o que pode dar errado, suponha agora queU(x) =−|x|3/2

ou, mais geralmente, queU(x) =−|x|τ, com 1< τ < 2. Observe que se 1< τ < 2 entao

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62 CAPITULO 7. TEMPO E PERIODO

U e de classeC1 (isto e, derivavel e com derivada contınua), mas nao e duas vezesdiferenciavel emx = 0. Se quisermos calcular o tempo para se chegar dex0 < 0 a 0,como antes, teremos

T(x0,0) =√

m2

∫ 0

x0

1

(−u)τ/2du .

Ora, essa integral converge, e vale√m2|x0|1−

τ2

1− τ2

,

donde se conclui que a partıcula chegaa singularidade em tempo finito!Nao e claro, do ponto de vista fısico, se a partıcula permanecera na origem, apos

esse tempo, ou se permanecera por um tempo e depois continuara a direita, ou mesmoretornara pelo caminho que veio (veja na figura abaixo varias possibilidades parax(t)).

x0

tT

T

t

x

T

x(t)

T

T

Do ponto de vista matematico, todas essas solucoes sao igualmente validas, poissao “pedacos” de solucoes emendados de forma que a funcao resultantee duas vezesdiferenciavel e satisfaz a equacao diferencial, mesmo no ponto de emenda (sugerimosmostrar esse fato no Exercıcio 7.9 da proxima Secao). Entao concluımos que ha mais doque uma trajetoria passando pelo ponto(0,0) do espaco de fases, violando a unicidadede solucoes.

ComoU(x) =−|x|τ, a forca valeF(x) =−U ′(x), istoeF(x) = (τ−1)xτ−1 sex≥ 0eF(x) =−τ|x|τ−1 sex< 0. EntaoF naoe diferenciavel na origem, e naoe possıvel ga-

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7.4. OBTENCAO DE SOLUCOES EXPLICITAS 63

rantir unicidade para o problema de Cauchy (como havıamos comentado no Capıtulo 6).O retrato de fases fica como mostrado na figura acima,a direita. A trajetoria de

aproximacao correspondea linha destacada. Ao chegar na singularidade, a trajetoriapode ali permanecer por um certo tempo e sair, ou para a direita (primeiro quadrante noretrato de fases) ou para a esquerda (terceiro quadrante no retrato de fases).

Voltando ao ponto de vista fısico, as solucoes que permanecem na singularidade porum perıodo de tempo finito e maior do que zero contrariam a Lei de Inercia. Mesmoaquelas que so passam pela singularidade instantaneamente a contrariam. Somente asolucao que chega e permanece na singularidade indefinidamente seria valida. Essa, noentanto, contradiria a Lei de Inercia no sentido reverso do tempo!

Exercıcio 7.8. Analise o tempo de aproximacao ao equilıbrio instavel de U(x) =−|x|τquandoτ > 2. E infinito?

7.4 Obtencao de solucoes explıcitas

Neste Capıtulo vimos como se pode calcular o tempo que uma partıcula leva para sedeslocar de uma posicao inicialx1 para uma posicao finalx2, supondo que se conhecasua velocidade inicialv0. Essa tecnica pode ser levada mais adiante, a ponto de obtermosa propria solucaox(t), de forma explıcita. Infelizmente, isso nao funcionara em todosos casos, pelas razoes que iremos expor.

Mais uma vez, exemplificaremos com o sistema massa-mola, cujas solucoes, noCapıtulo 2, foram obtidas essencialmente atraves de um “chute” (istoe, apenas verifica-mos que as funcoes trigonometricas seno e cosseno serviama equacao diferencial, masnao demos nenhum argumento sobrecomoadivinhamos essas funcoes).

Considere o problema da massa-mola, com a massam presaa mola e se encon-trando, no instantet = 0, na posicao−x0, com velocidade nula, e acompanhemos seumovimento ate o instante em que ela chegaa posicaox0.

t=t*

xx00

x

v

+-

t=0

v(x)

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64 CAPITULO 7. TEMPO E PERIODO

Esse instante chamaremos det∗ (a metade do perıodo de oscilacao). Como vimos,t∗ e calculado pela integral de1v(x) , ondev(x) surge da relacao

12

mv2 +12

kx2 =12

kx20 ,

pois 12kx2

0 e a energia inicial (so em forma potencial). Entao

t∗ =√

mk

∫ x0

−x0

1√x2

0−x2dx .

Poderıamos entretanto calcular o tempo necessario para se cumprir cada etapa do trajeto.Para cadax entre−x0 ex0 definimost(x) como sendo o tempo necessario para ir de−x0

atex (assim,t∗ = t(+x0)). Entao

t(x) =√

mk

∫ x

−x0

1√x2

0−u2du .

Observe a mudanca na variavel de integracao, que agora chamaremos deu. Isso porquex agorae um dos extremos de integracao. Para cadax, calculamos a integral de−x0 ax,e se mantivessemos a variavel de integracao poderıamos nos confundir!

Como antes, podemos simplificar a integral, fazendo uma substituicaow= ux0

. Entao

t(x) =√

mk

∫ xx0

−1

1√1−w2

dw .

A primitiva de 1√1−w2 no intervalo(−1,1) e a inversa da funcao seno no intervalo

(−π2, π

2) (ver figura).

π2

− π2

π2

− π2

sen x-1

sen x

+1

-1

-1 +1

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7.4. OBTENCAO DE SOLUCOES EXPLICITAS 65

Logo

t(x) =√

mk

[sen−1(

xx0

)− sen−1(−1)]

=√

mk

[sen−1(

xx0

)+π2

].

Se invertermos essa relacao, responderemosa pergunta: dadot, qual e a posicao x(t)alcancada? Ora, issoe exatamente encontrar a solucao!

Isolandot na equacao acima, temos

x(t) = x0sen(

√km

t− π2) .

Pronto! Conseguimos a solucao x(t) para o problema de valores iniciaisx(0) = −x0,v(0) = 0.

Essa solucao teria, em princıpio, alcance limitado ao intervalo de tempo[0, t∗], masja sabemos que ela funciona para todot ∈ R. Se nao soubessemos disso, poderıamos“emendar” pedacos de solucao (onde sabemos calcular) e obte-la em intervalos maiores.

O metodo pode, em teoria, ser aplicado de forma geral para todas as equacoes dife-renciaismx = F(x). No entanto seu sucesso depende crucialmente de duas passagens.A primeira e a possibilidade de se expressar a primitiva de1

v(x) em termos de funcoeselementares (polinomios, funcoes trigonometricas, suas inversas, logaritmos, exponen-ciais, e todas as possıveis combinacoes delas atraves de somas, produtos, quocientes ecomposicoes, em numero finito). A segundae a possibilidade de se exprimir a inversadet(x) tambem em termos de funcoes elementares.

E sabido (feliz ou infelizmente?) que ambas as passagens nem sempre sao possıveis.No primeiro caso um exemploe a integral indefinida

∫ x0 e−u2

du, usada em calculo deprobabilidades. No segundo caso encontram-se ate polinomios (de grau pelo menos 5)!

Sugerimos agora que o leitor faca o seguinte Exercıcio, relativoa aproximacao aoequilıbrio instavel do potencialU(x) =−|x|τ, com 1< τ < 2.

Exercıcio 7.9. Seja U(x) = −|x|τ, com1 < τ < 2, como na Secao 7.3. Suponha quex(0) = x0 < 0 e que v(0) = v0 de tal forma que a energia cinetica seja aquela necessariae suficiente para alcancar x= 0, como ja fizemos.

1. Observe que o tempo t para se ir de x0 a x (com x0 ≤ x≤ 0) e

t =√

m2

∫ x

x0

|u|−τ2du ,

e obtenha a solucao explıcita x(t).

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66 CAPITULO 7. TEMPO E PERIODO

2. Usando a hipotese emτ, mostre que x(t) e duas vezes diferenciavel e as duasprimeiras derivadas se anulam no instante em que x(t) = 0. Isso mostra porquepodemos colar essa solucao com a solucao identicamente nula e ainda assimtermos uma legıtima solucao da equacao diferencial de segunda ordem!

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Capıtulo 8

Rampas

No Capıtulo 6 fizemos uma analogia entre o potencial associado a uma forca conserva-tiva e um perfil montanhoso, cuja inclinacao em cada ponto, combinada com a forca dagravidade, regularia o sentido da forca.

Suponha agora que queiramos estudar o movimento de um corpo sobre um perfilmontanhoso propriamente dito, deslizando sem atrito.E claro que comecaremos sim-plificando ao maximo. O corpo idealmente deve ser uma partıcula sem dimensao, poissenao a maneira como ele encosta no perfil montanhoso depende da sua posicao (vejafigura).

Tambem suporemos que a partıcula nao se desgarra da montanha. Podemos imagi-nar que ela esta presa entre duas linhas infinitamente proximas, ou quee uma pequenabolinha com um buraquinho por dentro (uma “conta de colar”) do qual passa a linha doperfil.

67

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68 CAPITULO 8. RAMPAS

t1

t2

t3 t5t4

t1

t2

t3 t4

t5

E desnecessario dizer que, em condicoes ideais, o perfile totalmente liso, nao exis-tindo nem mesmo as imperfeicoes advindas da escala molecular.

Chamaremos deh(x) a funcao que descreve o perfil montanhoso. Para ser maispreciso, o perfile dado pelo grafico dez= h(x).

h(x)

z

x

Do ponto de vista qualitativo ja sabemos descrever o movimento da partıcula, atravesdo retrato de fases. Tudo funciona de maneira analoga aos procedimentos do Capıtulo 6.No entanto, informacoes mais precisas, como por exemplo o tempo necessario para se irde um pontox1 a um pontox2, necessitam de uma descricao mais quantitativa da fısicaenvolvida.

Gostarıamos de descrever o sistema por meio de uma equacao diferencial. Essaequacao diferencial envolveria apenas a variavelx (pois a alturazesta a ela acoplada pelarelacaoz= h(x)). Ela poderia ser deduzida a partir das Leis de Newton, mas deixaremosessa abordagem para mais adiante, por ser a mais complicada. O jeito mais simples dese pensare atraves do Princıpio de Conservacao da Energia: a soma da energia potencialmgzcom a energia cinetica 1

2mV2 deve ser constante ao longo do movimento.Usamos uma letraV maiuscula para denotar a velocidade pois aqui se trata da veloci-

dade absoluta da partıcula no planoxz. Isso nos obriga a olhar, pelo menos no princıpio,para o movimento da partıcula nesse plano.

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A evolucao da partıcula e descrita pelo par ordenado(x(t),z(t)) no planoxz, ondex(t) e a evolucao da projecao do movimento na horizontal ez(t) e a projecao do movi-mento na vertical. A restricao ao perfil montanhoso estabelece a relacaoz(t) = h(x(t)).

A velocidade da partıcula em relacao a horizontale dada pela derivada ˙x(t), en-quanto que em relacaoa vertical elae dada por ˙z(t).

(x(t),z(t)). .

x(t)(1,0)

z(t)(0,1)

.

.

z(t)

x(t)

O vetor velocidade(x(t), z(t)) e formado por essas duas componentes, e seu valorabsoluto, que chamaremos deV, e dado por

V =√

x(t)2 + z(t)2 .

Observe que o vetor velocidade(x(t), z(t)) tem que ser tangente ao perfil montanhoso,o quee equivalente a dizer que sua inclinacao e iguala derivada deh no ponto corres-pondente:

z(t)x(t)

= h′(x(t)) ,

sex(t) 6= 0. De fato, derivando a expressaoz(t) = h(x(t)) em relacao ao tempo, com aregra da cadeia, obtemos

z(t) = h′(x(t))x(t) ,

de onde se conclui o que dissemos. Alem disso, se ˙x(t) = 0 entao z(t) = 0 (nao hamovimento puramente vertical, e nao ha tangentes verticais ao perfil montanhoso).

Agora a velocidade absoluta pode ser expressa exclusivamente em termos dex(t) ex(t):

V(t) =√

x(t)2 + z(t)2 =√

(1+h′(x(t))2)x(t)2 ,

o que implica que tambem a conservacao de energia pode ser assim expressa:

c = mgh(x(t))+12

mV(t)2 = mgh(x(t))+12

mx(t)2(1+h′(x(t))2) .

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70 CAPITULO 8. RAMPAS

Essa equacao ja e uma equacao diferencial de primeira ordem, pois relaciona a funcaox(t) com sua derivada ˙x(t). Derivando os dois lados da equacao em relacao ao tempo emanipulando um pouco, obtemos:

x(t)x(t) =−gh′(x(t))x(t)−h′(x(t))h′′(x(t))x(t)3

1+h′(x(t))2 .

Entao, para cadat, x(t) = 0 ou

x(t) =−gh′(x(t))−h′(x(t))h′′(x(t))x(t)2

1+h′(x(t))2 . (8.1)

Como estamos supondox(t) duas vezes diferenciavel, isso implica em particular quex(t) deve ser contınua. Alem disso, colocaremos como hipotese queh′′ seja contınua,fazendo com que todo o lado direito da equacao seja contınuo.

Al em disso, se ocorresse que ˙x(t) = 0 num intervalo de tempo, a Lei de Inerciaasseguraria que ˙x(t)≡ 0 (nao haveria como surgir movimento de repente se a partıculase encontrasse parada, pois a forca em cada ponto nao se altera com o tempo). Entaoqualquer instante em que a velocidade se anula esta cercado por outros instantes em queela nao se anula.

A equacao acima envolvendo ¨x(t) poderia nao valer para esses instantes, mas comoo lado direitoe contınuo isso implicaria que ¨x(t) seria descontınua.

O problema se resolve se procurarmos apenas solucoesx(t) para as quais ¨x(t) sejauma funcao contınua. Neste caso, a equacao acima se estende mesmo para os instantesem que ˙x(t) = 0.

Deixando o tempo implıcito na equacao, ficamos com

x =− gh′(x)1+h′(x)2 −

x2h′(x)h′′(x)1+h′(x)2 , (8.2)

uma equacao diferencial de segunda ordem. Esta equacao nao corresponde exatamentea uma equacao x = 1

mF(x), pois o lado direito envolve tambem a derivada ˙x!Para entendermos um pouco melhor a equacao, comecemos discutindo um exemplo

simples: oplano inclinado. Pretendemos que, ao final desta discussao, saibamos de-duzir a equacao acima diretamente das Leis de Newton, sem termos que apelar para oPrincıpio de Conservacao da Energia.

Para o plano inclinado,h′(x) = α e a inclinacao do plano, uma funcao constante.Isso implica queh′′(x) = 0 para todox, e a equacao se reduz a

x =−g· α1+α2 . (8.3)

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Como pela Segunda Lei de Newtonmx deve ser a forca atuando na direcao horizontal,concluımos que ela deve ser igual ao peso da partıcula multiplicado pelo fator α

1+α2 .De fato, podemos ver isso decompondo a forca-peso como a soma de dois vetores,

um na direcao paralela e outro na direcao perpendicular (normal) ao plano inclinado.A forca normale anulada pela forca de reacao do plano, que esta fixo, restando a forcaparalela ao plano.

θ

θθ

P=(-0,mg)

b

a

Para calcular a intensidade dessas forcas, observe primeiro a semelhanca entre ostriangulos-retangulos da figura. A inclinacao α e a tangente doanguloθ. Sea for aintensidade da forca paralela eb a intensidade da forca normal, entao

a2 +b2 = m2g2 .

Por outro lado,ab

= α = tanθ .

Logo

a2(1+(ba)2) = m2g2 ,

isto e, a intensidade da forca resultante, paralela ao plano inclinado,e

a = mgα√

1+α2.

Esse vetor de forca resultante tem, por sua vez, componentes horizontal e vertical.

ad

θ

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72 CAPITULO 8. RAMPAS

Aqui estamos interessados na componente horizontal, que determina a aceleracaox. Chamando ded a intensidade dessa componente e observando mais uma vez asemelhanca de triangulos-retangulos, tiramos que

α =

√a2−d2

d,

donded =

a√1+α2

= mgα

1+α2 .

O sentido da forca horizontal sera negativo quandoα for positivo e positivo quandoαfor negativo, o que justifica que a forca horizontal seja dada por

−mgα

1+α2 ,

confirmando a Equacao 8.3.O mesmo raciocınio vale em geral, mesmo para ladeiras com inclinacao variavel,

demonstrando que a forca peso age, na direcao horizontal, de acordo com a expressao

−mgh′(x)

1+h′(x)2 .

Mas e o outro termo da Equacao 8.2, o que significa? Ali esta presente uma outraforca, dada por

−mx2h′(x)h′′(x)1+h′(x)2 ,

que se somaa componente horizontal gerada pela forca-peso. Isto pode a princıpio pa-recer estranho, uma vez que sabemos nao existir mais nenhuma forca agindo no sistemaalem da forca da gravidade. No entanto outras forcas existem, geradas pela reacao darampa ao movimento. Por exemplo, na direcao perpendiculara rampa sempre haverauma forca de reacao contraria a forca gerada pela forca-peso. As duas se anulam nadirecao perpendiculara rampa, e a resultantee uma forca paralelaa rampa.

Al em disso, se a rampa naoe retilınea, a velocidade nao somente sofre um acrescimo(ou decrescimo) na direcao tangente como tambem adirecao do vetor velocidade sealtera a cada instante. Ou seja, o fato de o movimento estar preso ao perfil da rampafaz com que haja mudanca na direcao da velocidade, o que indica a presenca de umaaceleracao tambem na direcao normal, quee conhecida comoaceleracao centrıpeta.

Para quantificar melhor, considere o vetor velocidade(x(t), z(t)) e, para simplificar,suponha ˙x(t) > 0 (tudo sera analogo para ˙x(t) < 0).

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θ(t)

V(t)

x(t).

z(t).

Escreva esse vetor na forma

(x(t), z(t)) = V(t)(cosθ(t), senθ(t)) ,

ondeV(t) e seu valor absoluto (a velocidade absoluta) eθ(t) e o angulo que o vetorforma com a horizontal (como ˙x(t) > 0 consideramosθ(t) ∈ (−π

2,+π2)). No movi-

mento atreladoa rampa, oanguloθ(t) se relaciona com a inclinacao α(t) = h′(x(t))pela relacao

θ(t) = tan−1α(t) .

Derivando o vetor velocidade em relacao ao tempo, obtemos

(x(t), z(t)) = V(t)(cosθ(t), senθ(t))+V(t)θ(t)(−senθ(t),cosθ(t)) .

Enquanto o vetor(cosθ(t), senθ(t)) e unitario e tangentea rampa, o vetor

(−senθ(t),cosθ(t))

e unitario e perpendicular a ele, mais precisamente a 90 graus no sentido anti-horario.Portanto o vetor aceleracao se decompoe numa componente paralela, de intensidadeV(t), quee a taxa de variacao da velocidade absoluta, e numa componente normal, deintensidadeV(t)θ(t).

(x(t),z(t)).. ..

θ(t).

θ(t).

>0 <0

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74 CAPITULO 8. RAMPAS

O sentido dessa componente normal depende do sinal deθ(t): seθ(t) > 0 (istoe, quandoh e concava no pontox(t)) ela esta a 90 graus do vetor velocidade no sentido anti-horario, e estara no sentido oposto seθ(t) < 0.

Estamos interessados em calcular a componente horizontal dessa aceleracao, quevale

−V(t)θ(t)senθ(t) =−V(t)θ(t) tanθ(t)cosθ(t) .

Agora lembremos queθ(t) = tan−1α(t), logo

θ(t) =α(t)

1+α(t)2

e

−V(t)θ(t)senθ(t) =−V(t)α(t)α(t)1+α(t)2 cosθ(t) .

Mas da relacao 1+ tan2θ = sec2θ tiramos

cosθ(t) =1√

1+ tan2θ(t)=

1√1+α(t)2

.

Por outro lado,

V(t) =√

x(t)2 + z(t)2 = x(t)√

1+h′(x(t))2 .

Lembrando queα(t) = h′(x(t)) e α(t) = h′′(x(t))x(t), concluımos que a componentehorizontal da aceleracao centrıpeta vale

− x(t)2h′(x(t))h′′(x(t))1+h′(x(t))2 ,

o que explica o segundo termo no lado direito da nossa equacao diferencial!Para exemplificar, suponhah dada por

h(x) =−√

R2−x2 ,

com |x| < R. Assim, o grafico deh e um semi-cırculo de raioR, com concavidadepositiva.

+R-R 0

h

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Essa situacao tambem pode ser obtida com umpendulo(de haste rıgida). Nessecaso, a rampae imaginaria, mas a partıcula e obrigada a se mover sobre ela por causado vınculo com a haste, que esta presa no centro do cırculo.

A aceleracao centrıpetae dada porV(t)θ(t). Comoθ(t) = V(t)R , entao sua intensi-

dadeeV(t)2

R,

quee uma formula bem conhecida.

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76 CAPITULO 8. RAMPAS

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Capıtulo 9

Rampas: uma mudanca decoordenadas

As formulas complicadas do Capıtulo anterior advem do fato de que estamos usandoa coordenada errada para medir a posicao da partıcula. Observe que o tempo todovimos determinando a posicao da partıcula atraves da sua coordenada horizontal, e quenao faria sentido ter usado a coordenada vertical, porque poderıamos ter ambiguidades,como mostra a figura: duas ou mais posicoes distintas da partıcula podem ter a mesmacoordenada vertical.

h(x)

z

x

z

A coordenada horizontal, no entanto, apesar de possıvel nao e a ideal. Isso porquea resultante gerada pela forca-peso contribuiu com a taxa de variacao da velocidadeabsoluta, enquanto que uma aceleracao centrıpeta teve que ser introduzida para “darconta” da variacao de direcao do vetor velocidade, exclusivamente causada pelo vınculocom a rampa.

Para eliminarmos o problema, introduzimos a coordenadas tal que a distancia∆sentre dois pontos da rampa seja a distancia entre eles medidaao longo da rampa.

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78 CAPITULO 9. RAMPAS: UMA MUDANCA DE COORDENADAS

∆s

A origems= 0 pode ser definida como sendo qualquer ponto (assim como a origemx = 0 e arbitraria). Por exemplo, podemos escolhers= 0 quandox = 0.

No jargao matematico diz-se que a rampa esta sendoparametrizada pelo compri-mento de arco.

Como se relaciona a coordenadas com a coordenadax? Isto e, se a coordenadahorizontal de um pontoex, entao quale a coordenadas= s(x)?

s=0

s(x)

x=0 x

Podemos pensar numa partıcula percorrendo a rampa com velocidade absolutaV(t).Suponha queV(t) > 0, para qualquert, que no instantet = 0 ela passe pors= 0 e queno instantet1 ela passe pors(x). Entao

∆s= s(x) =∫ t1

0V(t)dt .

Vimos, no entanto, queV(t) = x(t)√

1+h′(x(t))2, logo

s(x) =∫ t1

0

√1+h′(x(t))2x(t)dt .

Fazendo a substituicaou = x(t), du= x(t)dt, obtemos

s(x) =∫ x

0

√1+h′(u)2du .

Note que essa formula nao depende mais deV(t). Isso era de se esperar, pois a distanciapercorrida nao pode depender decomoela e percorrida! Na verdade, esta nao e nadamais do que a formula docomprimento do grafico de hentre 0 ex.

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Daqui podemos deduzir a equacao diferencial do movimento, na coordenadas,usando o Princıpio de Conservacao da Energia.

Primeiro temos que saber expressar a energia potencial em termos des. Para tanto,e preciso determinar a funcaoH(s), quee a altura da rampa

s=0

x=0

s

x(s)

H(s)=h(x(s))

correspondentea posicaos. Na pratica, precisamos saber quale a coordenadax corres-pondente, que chamaremos dex(s), que pode ser obtida da inversao da relacao

s=∫ x

0

√1+h′(u)2du .

Assim, a energia totale dada por

12

mV(t)2 +mgH(s(t)) .

ComoV(t) = s(t), o Princıpio de Conservacao da Energia se escreve como

12

ms(t)2 +mgH(s(t)) = E .

Derivando em relacao at obtemos a equacao diferencial

ms(t) =−mgH′(s(t)) ,

ou na forma implıcita,ms=−mgH′(s) .

Agora sim recaımos numa equacao de segunda ordem do mesmo tipo quemx = F(x)!Para calcularH ′(s) lembramos queH(s) = h(x(s)). Aplicando a regra da cadeia,

H ′(s) = h′(x(s))x′(s) .

So precisamos calcular a derivada dex(s), que e a inversa da funcao s(x). Mas “aderivada da inversae a inversa da derivada, calculada na imagem inversa” e

s′(x) =√

1+h′(x)2 ,

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80 CAPITULO 9. RAMPAS: UMA MUDANCA DE COORDENADAS

pelo Teorema Fundamental do Calculo. Entao

x′(s) =1√

1+h′(x(s))2.

Portanto

ms=−mgh′(x(s))√

1+h′(x(s))2,

onde o lado direito corresponde exatamentea resultante da forca-peso, como vimos noCapıtulo 8.

Outra forma de escreve-la e chamando deθ o angulo formado pela reta tangentecom a horizontal:

θ(x) = tan−1h′(x) ,

e depois notar queh′(x)√

1+h′(x)2= senθ(x) .

Entaoms=−mgsenθ(x(s)) .

No caso do plano inclinado, oanguloθ e fixo: ms=−mgsenθ. No caso do pendulo,θ(x(s)) e tambem o angulo que a haste forma com a vertical (inferior). Nesse casopodemos usarθ como coordenada, que se relaciona coms por s = θR. Entao ms =mRθ =−mgsenθ, isto e,

mθ =−mgR

senθ ,

quee a conhecida equacao diferencial do pendulo!

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Capıtulo 10

O pendulo

No final dos Capıtulos 8 e 9 comentamos que um pendulo de haste rıgida pode serolhado como uma rampa, e deduzimos que ele satisfaz a equacao

mθ =−mgR

senθ .

E preciso apenas prestar um pouco de atencao no fato de que o pendulo so pode servisto como rampa na regiao correspondente aθ entre−π

2 e +π2. No entanto, mesmo

considerando outros valores deθ, a equacao diferencial continua valida. Alem disso,ela pode ser deduzida diretamente, seja por exame das forcas presentes e aplicacao daSegunda Lei de Newton, seja descobrindo a energia potencial

U(θ) =−mgR

cosθ+C ,

que decorre de escrever a energia potencialmghem funcao deθ.

10.1 O perıodo do pendulo e a integral elıptica

Podemos aplicar os resultados obtidos ao longo do livro para a equacao diferencial dopendulo. Por exemplo, se quisermos calcular o perıodo limite do pendulo quando aamplitude de oscilacao vai a zero podemos usar as ideias do Capıtulo 7.

O mınimo do potencial ocorre emθ = 0 e aliU ′′(0) = mgR , de forma que o perıodo

de oscilacao tende a

√Rg

.

81

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82 CAPITULO 10. O PENDULO

Podemos tambem ser mais precisos e obter o perıodo do pendulo em funcao daamplitude do movimento, dada por umanguloθ0 de afastamento da posicao de repouso.Na Secao 7.2 deduzimos que, seU(x) e o potencial com ponto de mınimo emx = 0 eU(0) = 0 entao o tempo para se ir do repouso emx0 atex = 0 e

T(x0) =√

2mU(x0)∫ π

2

0

senξU ′(U−1(U(x0)sen2ξ))

dξ .

Se o potencial for simetrico entao o perıodo de oscilacao com amplitudex0 e igual aquatro vezes esse valor.

No caso do pendulo, trocamosx por θ, x0 por θ0, e podemos substituir o potencial

U(θ) =mgR

(1−cosθ)

nessa formula para chegarmos ao perıodo, que chamaremos deP. Observe que o poten-cial foi acrescido de uma constante para que satisfaca a exigenciaU(0) = 0. Considera-remos o ladoθ≥ 0. A funcaoU(θ) e invertıvel entre 0 eπ, com contradomınio [0, 2mg

R ],eU(θ0)sen2ξ forcosamente esta em seu contradomınio, de forma que faz sentido tomarU−1 no pontoU(θ0)sen2ξ. Elegemosρ como variavel do contradomınio e explicitamosU−1:

U−1(ρ) = cos−1(1− Rρmg

) .

Por outro lado,U ′(θ) =

mgR

senθ ,

de forma que

U ′(U−1(ρ)) =mgR

sen(cos−1(1− Rρmg

)) ,

ou ainda

U ′(U−1(ρ)) =mgR

√1− (1− Rρ

mg)2 .

Entao, apos manipulacoes e cancelamentos, chegamos em

P = 4√

Rg∫ π

2

0

1√1− RU(θ0)

2mg sen2ξdξ .

Chamaremos dek2 a constante

k2 ≡ RU(θ0)2mg

=1−cosθ0

2,

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10.2. O RETRATO DE FASES DO PENDULO 83

uma constante positiva e menor do que 1 seθ0 < π.Assim, escrevemos

P = 2π

√Rg· 2

π

∫ π2

0

1√1−k2sen2ξ

dξ ,

evidenciando o fator que corresponde ao perıodo de pequenas amplitudes.Essa integrale conhecida comointegral elıptica de segundo tipo(a de primeiro tipo

tem a mesma raiz no numerador, em vez de no denominador).E sabido que este inte-grando nao tem uma primitiva dada por uma formula explıcita, expressa por um numerofinito de somas, produtos e composicoes de funcoes elementares (istoe, polinomios,funcoes trigonometricas, inversas dessas funcoes, logaritmos, exponenciais, etc).

10.2 O retrato de fases do pendulo

Podemos tambem aplicar as ideias do Capıtulo 6 e desenhar o retrato de fases dopendulo, a partir de seu potencialU(θ) =−mg

R cosθ+C.Se permitirmos queθ varie livremente nos numeros reais, podemos tracar o retrato

de fases, como mostra esquematicamente a figura abaixo (o leitor que fez o Exercıcio 6.3a reconhecera como familiar).

π3π−π−3�� ���� �� � � �

��

θ

θπ

A figura e altamente redundante, pois tudo o que acontece entre−π e +π se repeteem qualquer intervalo da forma[(2n−1)π,(2n+1)π], comn∈Z. Isso era de se esperar,pois osangulosθ e θ+2nπ (n∈ Z) representam a mesma posicao!

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84 CAPITULO 10. O PENDULO

No entanto ha algo de estranho na figura, uma vez que ela da a impressao de que hauma infinidade de pontos de equilıbrio, um em cada ponto da forma(nπ,0), onden parcorresponde aos centros en ımparcorrespondeas selas.

Al em disso, notamos o seguinte. Acima da trajetoria que liga(−π,0) a (π,0) (nestesentido), ha trajetorias que percorrem, na primeira coordenada, todo o eixo dosθ’s.Nelas,θ e sempre positivo, indicando um movimento em sentido anti-horario, segundonossas convencoes. Essa velocidade naoe constante: ela oscila entre um maximo sobreos centros, que correspondema posicao mais baixa do pendulo, e umm mınimo sobre asselas, que correspondem a sua posicao mais alta, como suporıamos baseados apenas emnossa intuicao fısica. Entretanto, o retrato de fases nao nos deixa imediatamente claroque essas trajetorias tambem sao periodicas: se elas sao periodicas entao deveriam sefechar!

Poderıamos alternativamente desenhar apenas a regiao entre−π eπ, como mostra afigura abaixo.

�� ���� �� �

θ

−π� �� πθ

Mesmo isso, porem, seria ainda uma forma imperfeita, poisπ e −π representama mesma posicao! Note que asorbitas de que falamos acima, quando chegam em umponto da forma(π,v), continuam em(−π,v).

A solucao natural desse problema passa por considerar que o espaco de posicoes dopenduloe, de fato, unidimensional, mas nao e uma reta, e sim umcırculo! Assim, a“abscissa” do retrato de fases deve ser um cırculo, quee denotado pelos matematicospor S1. Ja a ordenadae o espaco das velocidades (angulares), logo varia emR. Entao oespaco de fases deve ser o produto cartesianoS1×R, quee umcilindro.

Na pratica, basta tomar o retrato de fases entre−π e π e “colar” as linhas{θ = π} e{θ =−π}, o que pode ser feito com um pedaco de papel. O resultado podemos ver nas

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10.2. O RETRATO DE FASES DO PENDULO 85

figuras abaixo, mostrando o retrato de fases de doisangulos diferentes.

Com esta representacao, todas asorbitas periodicas correspondem a curvas fechadas,como deveria ser.

Exercıcio 10.1. Considere um fio, formando uma curva fechada num plano vertical,como mostra a figura abaixo, com uma conta de colar deslizando sem atrito sobre ela.Como o espaco de posicoese uma curva fechada, ele pode ser representado por umcırculo, e seu espaco de fases por um cilindro. Faca um retrato de fasesqualitativodesse sistema, desenhando sobre uma folha de papel e depois colando os extremos paraformar um cilindro.

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86 CAPITULO 10. O PENDULO

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Capıtulo 11

A taut ocrona

Uma pergunta se faz natural: sera que algum formato de rampa pode resultar numperıodo de oscilacao independente da amplitude, como no sistema massa-mola? Aequacao do sistema massa-molaemx=−kx, portanto deverıamos obter o mesmo resul-tado se a equacao da rampa fosse assim tambem:

ms=−mgsenθ(x(s)) =−ks.

Alternativamente, poderıamos exigir que o potencialU(s) = mgH(s) = mgh(x(s)) fossequadratico, istoe, que para algumK > 0 valesse

h(x(s)) =14

K2s2 ,

para todos (o fator K2

4 e assim escolhido para conveniencia futura). Istoe o mesmo quepedir

h(x) =K2

4s(x)2

para todox. Tirando a raiz quadrada e derivando, ficamos com

12

h′(x)√h(x)

=K2

s′(x) =K2

√1+h′(x)2 . (11.1)

Lembrando que

senθ(x) =h′(x)√

1+h′(x)2,

87

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88 CAPITULO 11. A TAUTOCRONA

a equacao pode ser reescrita como

senθ(x)√h(x)

= K .

Observe que isso forca a que 0≤ h(x)≤ 1K2 .

Como entao encontrarh que satisfaca essa equacao? Elevando os dois lados de(11.1) ao quadrado e isolandoh′, obtemos

h′(x) =±

√K2h(x)

1−K2h(x).

Essae uma equacao diferencial de primeira ordem que pode, ao menos em princıpio, serresolvida por integracao. Resolveremos o “lado crescente”, que corresponde ah′(x)≥ 0,mas o outro ladoe analogo. Temos∫ x

0

h′(w)√K2h(w)

1−K2h(w)

dw=∫ x

01dt = x .

Fazendo a substituicaou = K2h(w), du= K2h′(w)dw,

1K2

∫ K2h(x)

0

√1−u

udu= x .

A integral pode ser calculada com substituicoes apropriadas. Por exemplo, fazendou = sen2θ (inspirados pelo fato de queK2h(x) = sen2θ(x)), recaımos numa integraltrigonometrica. Outra maneira de se chegar ao mesmo resultadoe fazendo a substituicaou = v2, du= 2vdv, o que levaa equacao

K2x = 2∫ K

√h(x)

0

√1−v2dv .

A integrale aarea do subconjuntoA do disco unitario, como assinalado na figura abaixo,quee igual aπ

2 − area(B), ondeB e o complementar deA no semi-disco direito.

A

B

K h(x)

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89

A area deB e aarea do setor entre±cos−1(K√

h(x)), onde cos−1 e tomado entre−1 e+1 com valores em[0,π], que vale cos−1(K

√h(x)), menos aarea dos triangulos-

retangulosT1 eT2 (vide figura abaixo), que totaliza

K√

h(x)√

1−K2h(x) .

T2

T1

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B

Como cos−1(K√

h(x)) = π2 − sen−1(K

√h(x)), entao

K2x = sen−1(K√

h(x))+K√

h(x)√

1−K2h(x) .

Para obter a solucao, bastaria resolver essa equacao emh(x). Infelizmente isso nao epossıvel de ser feito, istoe,h(x) nao pode ser escrita como uma combinacao de funcoeselementares.

O jeito e expressar o grafico deh como uma curva parametrizada. Ou seja, achandofuncoesx(σ) ez(σ) tais que

z(σ) = h(x(σ)) .

Por exemplo, tomandoz(σ) = 1K2 sen2σ teremos

K2x(σ) = σ+ senσcosσ ,

ondeσ deve variar entre 0 eπ2. Como 2sen2σ = 1− cos(2σ), ficamos com a curva(x(σ),z(σ)) dada por

x(σ) = 12K2(2σ+ sen(2σ)) ,

z(σ) = 12K2(1−cos(2σ)) .

Reparametrizando porβ = 2σ, β ∈ [0,π], obtemos

2K2(x(β),z(β)) = (β+ senβ,1−cosβ) .

A curvaβ 7→ (β+ senβ,1−cosβ), comβ ∈ [−π,π], e conhecida comocicloide.

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90 CAPITULO 11. A TAUTOCRONA

β

β

P0z=0

z=2

Ela pode ser obtida geometricamente da seguinte forma. Posicione um disco de raio1 encostado entre as paralelas{z= 0} e {z= 2}, e o disco roda sem deslizar ao longoda linha{z = 2}. Um pontoP e marcado sobre o bordo do disco, de forma tal queao encostar na linha{z= 0} ele o faz parax = 0. Quando o disco rola sob{z= 2} opontoP se desloca no planoxz. Como o disco tem raio 1, o centro do disco se deslocaexatamente do valorβ que e o angulo entre a vertical inferior e a reta que uneP aocentro do disco.E facil ver que a posicao deP e (β + senβ,1− cosβ). A cicloide e atrajetoria deP, parametrizada porβ ∈ [−π,π]. Ela tem o aspecto da figura abaixo.

x

z

z=0

z=2

−π +π0

Tambeme facil ver que quandoβ →±π a inclinacao da curva vai a±∞.A solucao h do problema que propusemose tambem chamada detautocrona, do

gregotauto, que significa “mesmo”, “igual”, comcronos, quee “tempo”, o que se justi-fica pelo que fizemos. Esta mesma curva tambeme conhecida comobraquistocrona, dogregobraqui, que significa “curto”, pois ela tambeme a rampa que minimiza o temponecessario para se ir de um ponto a outro do planoxz.

Para calcular o perıodo (unico) da tautocrona basta fazer analogia com o sistemamassa-mola. No sistema massa-mola, a energia potenciale 1

2kx2, e o perıodo 2π√m

k .Aqui a energia potenciale 1

4mgK2s2, logo o perıodo tem que ser igual a

2πK

√2g

,

se substituirmos12k por 14mgK2.

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Capıtulo 12

Bolinhas em rampas

O quantoe valida em experimentos praticos toda a teoria que expusemos nos Capıtulosanteriores? Sera que se construirmos uma rampa poderemos reproduzir essas formulas,de forma aproximada mas convincente? A rigor a respostae nao! E o motivo principalea dificuldade em se eliminar o atrito nos experimentos! Pode-se reduzi-lo, por exemplo,lubrificando a rampa comoleo, mas nunca elimina-lo completamente.

Neste Capıtulo discutiremos outro recurso para se estudar a dinamica em rampasque reduz bastante os efeitos da (inevitavel) dissipacao de energia: o uso debolinhasoucilindros. Trabalharemos com a suposicao de que a bolinha rola, mas nao escorrega,sobre a rampa. Fisicamente, isso significa que a superfıcie e aspera o suficiente paraque a bola nao escorregue, porem ha que se tomar cuidado para que a aderencia entrea bola e a superfıcie nao seja excessiva, pois senao continuara presente a dissipacao deenergia.

A inclusao do atrito no modelo fısico e objeto de estudo de interesse e deve serfeito de modo empırico, assim como no sistema massa-mola fizemos suposicoes sobre aelasticidade da mola. Os modelos que incluem o atrito recaem, em geral, numa equacaodiferencial de segunda ordem. Perde-se, entretanto, a funcao energia como ferramentaimportante para se estudar o retrato de fases.E preciso entao apelar para um pontode vista mais qualitativo do que quantitativo, na impossibilidade de se obter solucoesexplıcitas, ou senao usar a integracao numerica por meio do computador.

Para estudar a bolinha, assumiremos que nao ha dissipacao de energia. Isso implicaque a energia cinetica somadaa energia potenciale constante ao longo do movimento.A energia cinetica, por sua vez, se divide em duas: a energia cinetica linear, igual a12mV2, e a energia cinetica rotacional, que se escreve como

12

Iω2 ,

91

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92 CAPITULO 12. BOLINHAS EM RAMPAS

ondeω e a velocidade angular de rotacao da bola eI e o chamadomomento de inercia,que calcularemos adiante.

Da suposicao de que a bola rola sem escorregar, tiramos queV = ωR, ondeR e oraio da bola, logo a energia cinetica rotacional vale

12

IR2V2 .

Em vez de definirmos o momento de inercia, calcularemos diretamente a energia ci-netica rotacional da esfera por integracao da energia cinetica linear de cada pedacinhoinfinitesimal que a compoe. Vamos supor que a densidade da bola seja uniforme eigual aρ. A integracao fazemos com tres variaveis: z, ao longo do eixo de rotacao,de−R a +R, r, a distancia ao eixo de rotacao, de 0 a

√R2−z2, e θ, angulo no plano

perpendicular ao eixo de rotacao, de 0 a 2π. Um elemento infinitesimal tem energiacinetica igual a

12(ρrdθdrdz)(ωr)2 .

Entao a energia cinetica rotacional totalEω e

Eω =ω2

∫ +R

−Rdz

∫ √R2−z2

0r3dr

∫ 2π

0dθ .

Logo

Eω =12· 25·ρ4π

3R3 ·R2ω2 ,

escrevendo de forma conveniente. A massa total da bolam e igual aρ4π3 R3, de forma

que o momento de inercia tem que ser igual a25mR2. No caso do qual estamos tratando,V = ωR implica

Eω =15

mV2 .

O mesmo tipo de argumento leva aEω = 14mV2 no caso de um cilindro rolando sem

escorregar na rampa (verifique!).Da conservacao de energia sai

12

mV2 +15

mV2 +mgH(s) = c ,

isto e,710

mV2 +mgH(s) = c .

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93

As curvas do retrato de fases sao os graficos das funcoes

V =±√

107

√1m

(c−mgH(s)) .

Se fosse um corpo escorregando, como nos Capıtulos anteriores, terıamos

V =±√

2

√1m

(c−mgH(s)) ,

ou seja, os retratos de fases nos dois casos sao iguais, a menos de uma mudanca deescala por um fator igual a √

10/7√2

=

√57

.

Como a bolinha tem velocidade√

57 vezes menor que a velocidade do corpo que escor-

rega, os tempos de percurso sao dilatados por√

75 = 1.18. . .. Para o cilindro rolante

esse fatore de√

32 = 1.22. . ..

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94 CAPITULO 12. BOLINHAS EM RAMPAS

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Referencias Bibliograficas

[1] A POSTOL, T. M., Calculus - v.I, Blaisdell Publishing Company.

[2] FIGUEIREDO, D. G. E NEVES, A. F., Equacoes Diferenciais Aplicadas, ColecaoMatematica Universitaria, IMPA, Rio de Janeiro.

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Indice Remissivo

aceleracao, 15centrıpeta, 72, 75

amplitude, 24, 27atrito, 7, 14, 49, 91

bolinha, 91braquistocrona, 90

campode vetores, 38gravitacional, 17

centro, 50, 84cicloide, 89cilindro, 84, 91combinacao linear, 18, 19comprimento de grafico, 78condicoes iniciais, 19, 23, 27, 31cossenoide, 24curva de nıvel, 31, 41, 51

elastico, 11, 14, 54, 59elipse, 29, 40energia, 31, 51

cinetica, 32, 68, 91linear, 91rotacional, 91

conservacao de, 7, 68, 70, 79, 92dissipacao de, 91potencial, 32, 33, 41, 68, 81, 91

equacao diferencial, 15, 32, 37equilıbrio

estavel, 43instavel, 43, 60

espacode fases, 27, 31, 51percorrido, 52

experimento, 11, 12

fase, 25forca

conservativa, 7constante, 8, 16coulombiana, 13gravitacional, 8, 13

formulade Taylor, 20, 56, 57de Torricelli, 33

funcao de duas variaveis, 31

integralelıptica, 83primeira, 32

Leide Hooke, 9, 11, 14, 27de Inercia, 63, 70Leis de Newton, 68, 70Segunda Lei de Newton, 15, 16, 71,

81

massa-mola, 8, 14, 18, 22, 23, 27, 33,51, 56, 63, 87

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INDICE REMISSIVO 97

mınimo local, 55momento de inercia, 92movimento

retilıneo uniforme, 16, 52uniformemente acelerado, 16

orbita, 28

parametrizacao pelo comprimento de arco,78

partıcula livre, 7, 16pendulo, 14, 75, 80, 81pequenas amplitudes, 83perıodo, 25, 51, 90

limite, 56do pendulo, 81

perfil montanhoso, 43, 67plano inclinado, 70, 80ponto

crıtico, 42de equilıbrio, 42

problema de Cauchy, 38, 63

queda livre, 8, 33, 40, 53

rampas, 14, 67, 77, 91retrato de fases, 27, 37

do pendulo, 83

sela, 50, 84senoide, 24sigmoide, 12singularidade, 42sistemas de equacoes, 37solucao, 63

tautocrona, 87tempo, 37, 51

decorrido, 52trajetoria, 28, 31, 39

periodica, 50, 84

unicidade, 19, 62

velocidade, 15, 27, 31, 51absoluta, 68angular, 92

vetortangente, 38velocidade, 69