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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA: CURRÍCULO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES Édina do Socorro Gomes Rodrigues UM ESTUDO SOBRE INTELECTUAIS NEGROS NA ACADEMIA ENTRE 1970 E 1990: trajetória acadêmica de Florentina Silva Souza Belém 2011

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1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO

LINHA DE PESQUISA: CURRÍCULO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Édina do Socorro Gomes Rodrigues

UM ESTUDO SOBRE INTELECTUAIS NEGROS NA ACADEMIA

ENTRE 1970 E 1990: trajetória acadêmica de Florentina Silva Souza

Belém

2011

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Édina do Socorro Gomes Rodrigues

UM ESTUDO SOBRE INTELECTUAIS NEGROS NA ACADEMIA

ENTRE 1970 E 1990: trajetória acadêmica de Florentina Silva Souza

Dissertação de Mestrado apresentada ao

programa de Pós-Graduação em Educação –

Linha de Pesquisa Currículo e Formação de

Professores – do Instituto de Ciências da

Educação, da Universidade Federal do Pará

(UFPA), como exigência parcial para obtenção

do título de Mestre em Educação, sob

orientação da Professora Doutora Wilma Baía

Coelho.

Belém

2011

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

305.8968115

R696 e Rodrigues, Édina do Socorro Gomes.

Um estudo sobre intelectuais negros na academia entre 1970 e 1990: trajetória acadêmica de Florentina Silva Souza/ Édina do Socorro

Gomes Rodrigues. -- 2011.

111 f.

Dissertação (Mestrado Acadêmico em Educação) – Instituto de Ciências da Educação, Universidade Federal do Pará, 2011.

Orientadora Profª. Drª. Wilma de Nazaré Baía Coelho.

1. Relações raciais. 2. Identidade negra. 3. Brasil – discriminação

racial. 4. Souza, Florentina Silva. 5. Universidade – pesquisadores negros. I.

Coelho, Wilma de Nazaré Baía, orient. II. Título.

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ÉDINA DO SOCORRO GOMES RODRIGUES

UM ESTUDO SOBRE INTELECTUAIS NEGROS NA ACADEMIA

ENTRE 1970 E 1990: trajetória acadêmica de Florentina Silva Souza

Dissertação de Mestrado apresentada ao

programa de Pós-Graduação em Educação –

Linha de Pesquisa Currículo e Formação de

Professores – do Instituto de Ciências da

Educação, da Universidade Federal do Pará

(UFPA), como exigência parcial para obtenção

do título de Mestre em Educação, sob

orientação da Professora Doutora Wilma Baía

Coelho.

BANCA EXAMINADORA:

______________________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Wilma de Nazaré Baía Coelho

IFCH/UFPA

ORIENTADORA

______________________________________________________________________

Prof.º Dr. Cezar Luís Seibt

(ICED/ UFPA)

______________________________________________________________________

Prof.º Dr.º Agenor Sarraf Pacheco

(ICA/UFPA)

______________________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Josebel Akel Fares

(UEPA)

Apresentado em: ____/____/_______

Conceito:________________

Belém

2011

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Dedico este trabalho a todos os alunos que

passaram por minha vida ao longo desses

dezoito anos de magistério e contribuíram para

que eu me tornasse a profissional que sou.

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AGRADECIMENTOS

A Deus todo poderoso presente em todos os momentos de minha vida, de onde tirei

forças para superar os períodos mais difíceis dessa caminhada;

À professora Doutora Wilma de Nazaré Baía Coelho, pelo compromisso e dedicação

dispensados para a construção desta pesquisa. Agradeço especialmente por ter apostado em

meu potencial. Minha eterna gratidão a essa grande mulher, exemplo de luta e de

profissionalismo;

À professora Doutora Florentina Souza, pela gentileza com que me recebeu e

concedendo a entrevista, sem a qual não seria possível o desenvolvimento desta dissertação;

Aos componentes da Banca examinadora, Professor Doutor Cezar Luís Seibt,

Professor Doutor Agenor Sarraf Pacheco e a Professora Doutora Josebel Akel Fares, por

acreditarem na relevância deste estudo e terem aceitado participar de um momento tão

importante em minha vida;

A todos os professores do programa de Pós-Graduação do Instituto de Educação da

Universidade Federal do Pará;

Ao GERA – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Professores e

Relações Étnico-Raciais, no qual obtive grande aprendizado sobre relações raciais e educação

no Brasil por meio de estudos, debates e apresentações de trabalhos, que foram muito

importantes para as argumentações teóricas desenvolvidas nesta dissertação;

Aos meus colegas de turma do Mestrado 2009, Adiel, Eliane, Marcelo, Ildilene,

Céres, Margarida, Cíntia, Andreson, Andréaa, Nairo, Natamias, Mariléia, Daiana, Renato,

Márcio, Luís Otávio, pelas trocas de conhecimentos, que me permitiram crescer como

profissional e, acima de tudo, pela lealdade e união;

Aos amigos Felipe Moraes e Rafaela Paiva Costa, pela amizade e pelas horas

compartilhadas de estudo que foram muito profícuas;

Às amigas Samai Serique – que reencontrei depois de dez anos de afastamento – por

todos os momentos que passamos juntas, dividindo angústias, tristezas e alegrias, sempre

dando força uma para outra, sonhando com a conclusão de nossos trabalhos, e Lenise pelo

apoio em todos os momentos em que precisei;

À amiga Rita Cabral pela força e orações constantes;

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Aos meus queridos pais, sem os quais eu jamais teria chegado a esse momento em

minha vida. Agradeço a eles por tudo que fizeram para que eu me tornasse a pessoa que sou

hoje;

Aos meus queridos irmãos Nildo, Léia e Célia que sempre acreditaram e torceram

por mim;

Ao meu marido Júlio César, pela força e compreensão;

Aos meus queridos filhos: Julianne, por escutar pacientemente minhas explicações de

textos e livros mesmo quando o assunto não era de seu domínio e pela força nos momentos de

crise, e Erick Juliano, pelo apoio e compreensão nas horas de isolamento quando não pude lhe

dar a devida atenção;

À filha do coração Elisa Pedreira, pela força e pela admiração que expressa por mim;

Às sobrinhas Ivna, Ivy Laura, Mayara, Maynara e Marynara por estarem sempre

presentes na minha vida;

Aos meus colegas de trabalho da Escola Estadual D. Pedro I, que tanto torceram por

mim;

À Secretaria de Educação (SEDUC) pela bolsa concedida;

Aos funcionários do programa de pós-graduação de ICED, pela gentileza dispensada;

Muito Obrigada!

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RESUMO

Este estudo, a partir da descrição da trajetória acadêmica da professora Florentina da Silva

Souza, apresenta como se deu a entrada dos pesquisadores negros na universidade nos cursos

de Pós-Graduação. Buscou-se a partir da trajetória da pesquisadora compreender como os

estudos desenvolvidos por intelectuais negros repercutem na luta contra a discriminação racial

no Brasil, identificando algumas dificuldades encontradas pelos negros no espaço acadêmico

ao trazer a questão racial como objeto central de suas análises. O recorte temporal da pesquisa

centra-se no final da década de 1970 e as décadas de 1980 e 1990, período em que o Brasil

entra em um processo de redemocratização, posterior a ditadura militar, momento em que o

movimento negro se reorganizou e desenvolveu-se pressionando o governo para que a questão

racial passasse a fazer parte da agenda política. Para descrever a trajetória acadêmica da

professora Florentina da Silva Souza foi utilizado como aporte teórico às noções conceituais

de Bourdieu (2008, 2009) mais especificamente habitus, campo e capital cultural, a fim de

compreender as escolhas que direcionaram a vida da pesquisadora em termos profissionais.

Como aporte metodológico, utilizou-se a Biografia e Contexto, desenvolvida por Giovanni

Levi (2006), que ocorre quando se relaciona as particularidades da biografia e destaca-se a

época, o meio ambiente, fatores capazes de justificar as atitudes de Florentina durante a

trajetória como pesquisadora. Em síntese, constatou-se com este estudo que a experiência

profissional de Florentina soma-se a de muitos negros de sua época e da atualidade que,

apesar de ter ascendido socialmente e ingressado na universidade como professora

pesquisadora, não a livrou de sofrer preconceitos, pois o lugar de subalternidade a que os

negros foram submetidos, como demonstrado nas argumentações desta pesquisa, foi

construído historicamente por meio de teorias que os colocavam como “seres inferiores”.

Apesar de terem sido desqualificadas, essas teorias ainda persistem no imaginário social,

trazendo como consequência o preconceito e a discriminação que se manifestaram nas

diversas instâncias sociais do país.

Palavras-Chave: Relações Raciais; Movimento Negro; Florentina da Silva Souza.

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ABSTRACT

This study from the description of the academic trajectory of professor Florentina da Silva

Souza presents how was the entrance of the black researchers in the university courses of

postgraduate. We sought from the trajectory of the researcher understand how the studies

developed for black intellectuals had impacting in the fight against racial discrimination in

Brazil, identifying some difficulties found by blacks in the academic space to bring the racial

issue as the central object of their analysis. The clipping time of the research focuses on the

end of the 1970s and the 1980s and 1990s, period in which Brazil enter into a process of

democratization after military dictatorship, moment when the black movement was

reorganized and developed pressuring the government for that racial issue would become part

of the political agenda. In describing the academic trajectory of professor Florentina da Silva

Souza was used as it arrives in port theoretical the conceptual notions of Pierre Bourdieu

(2008, 2009), more specifically the concepts of habitus, field and cultural capital in order to

understand the choices that guided the life of the researcher in professional terms. As the

methodological approach was used the concepts of biography and context, developed by

Giovanni Levi (2006), that occurs when the particulars of biography and stands in the season,

the environment, factors capable to justify the attitudes of Florentina during career as a

researcher. In summary, it was found with this study that the professional experience of

Florentina adds to many blacks of his time and today, that although to have ascended socially

and entered on the university as professor researcher, did not exempt to suffer it

preconceptions, because the place of inferiority that blacks were submitted, as demonstrated

in the arguments of this research was built historically by theories that placed them as

"inferior beings". Although to have been disqualified, these theories still persist in the social

imaginary, bringing as a consequence the preconception and discrimination which is

manifested in various social institutions of the country.

Keywords: Racial Relations; Black Movement; Florentina da Silva Souza.

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LISTA DE SIGLAS

ABPN – Associação Brasileira de Pesquisadores Negros

CEAO – Centro de Estudos Afro-Orientais

CECAN – Centro de Cultura e Arte Negra

CNE – Conselho Nacional de Educação

CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

FNB – Frente Negra Brasileira

GERA – Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Formação de Professores e Relações Étnico-

Raciais

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IEP – Instituto de Educação do Pará

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MDA – Ministério de Desenvolvimento Agrário

MEC – Ministério da Educação

MNU – Movimento Negro Unificado

MNUCDR – Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial

MUCDR – Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial

PAEG – Plano de Ação Econômica do Governo

PED – Programa Estratégico de Desenvolvimento

PNAD – Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar

SECAD – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

TEN – Teatro Experimental Negro

TST – Tribunal Superior do Trabalho

UFBA – Universidade Federal da Bahia

UFPA – Universidade Federal do Pará

UFPB – Universidade Federal da Paraíba

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

UHC – União dos Homens de Cor

UNEB – Universidade do Estado da Bahia

UNESB – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

UNESCO – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12

Capítulo I – APRESENTANDO O CONTEXTO................................................................34

1.1 O PANORAMA HISTÓRICO POLÍTICO BRASILEIRO ENTRE OS ANOS DE 1970 E

1990 E O MOVIMENTO NEGRO CONTEMPORÂNEO................................................35

1.2 AS REVINDICAÇÕES DO MOVIMENTO NEGRO NO CAMPO

EDUCACIONAL................................................................................................................44

Capítulo II – A TRAJETÓRIA ACADÊMICA DA INTELECTUAL FLORENTINA

DA SILVA SOUZA.................................................................................................................50

2.1 AS RAZÕES DA ESCOLHA PELA PROFISSÃO DOCENTE.......................................50

2.2 AS PESQUISAS DE FLORENTINA DA SILVA SOUZA E A TEMÁTICA

RACIAL....................................................................................................................................57

Capítulo III – A TEMÁTICA RACIAL COMO CENTRO DAS PESQUISAS DE

FLORENTINA DA SILVA SOUZA.....................................................................................68

3.1 A ENTRADA DOS PESQUISADORES NEGROS NAS UNIVERSIDADES................68

3.2 AS BARREIRAS ACADÊMICAS.....................................................................................76

3.3 A PRODUÇÃO DE FLORENTINA DA SILVA SOUZA................................................86

CONCLUSÕES.......................................................................................................................99

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................102

ANEXOS................................................................................................................................112

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INTRODUÇÃO

A motivação para desenvolver esta pesquisa, que traz a temática étnico-racial como

recorte, surgiu após a participação como aluna especial de uma disciplina do programa de

Mestrado em Antropologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) na

Universidade Federal do Pará (UFPA), chamada Relações Raciais no Brasil, ministrada pela

professora doutora Mônica Prates, no ano de 2004. Nesta disciplina, tivemos a oportunidade

de entrar em contado com trabalhos que nos inseriram na discussão acerca da questão racial

no Brasil. O principal foco de estudo era fazer a análise de como racismo se estruturou ao

longo da história e como o tema era tratado por parte do Estado e da sociedade. Para isso

foram estudados autores como Gilberto Freyre (1933) Oracy Nogueira (1985), Florestan

Fernandes (1995) Carlos Hasenbalg (1994), dentre outros.

As leituras iniciais pela temática aguçaram nossa curiosidade científica, levando-nos a

ir à busca de um maior aprofundamento sobre a questão racial no Brasil, pois nosso nível de

compreensão sobre o assunto ainda estava no senso comum, já que acreditávamos realmente

que em nosso país a questão racial não era um problema.

Na tentativa de buscar aprofundamento no assunto, nossa atividade profissional –

docência na rede Pública Estadual do Estado do Pará – nos motivou a fazer apreciações de

algumas bibliografias que traziam a temática racial no campo educacional.

Uma das leituras a que tivemos acesso foi o livro de Coelho (2009), o qual analisa a

formação de professores do Instituto de Educação do Pará (IEP) entre as décadas de 1970 e

1980.

Por meio de um amplo exame sobre a ausência da discussão racial na formação de

professores, esta pesquisadora demonstra a invisibilidade do tema étnico-racial no currículo

das disciplinas que faziam parte da grade curricular de formação de professores desse instituto

de educação, evidenciando a ausência do próprio negro como ator social. Faz ainda, uma

análise com os egressos do IEP, mostrando como sua formação influenciou no tratamento do

tema, trazendo como consequência a repetição de pressupostos em relação à questão racial em

sua prática profissional.

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Outro estudo que nos deu subsídios para entender como a discriminação acontece no

espaço escolar, foi o de Cavalleiro (2005), que a partir dos dados de uma pesquisa em escolas

na cidade de São Paulo, discute a discriminação sofrida pelas crianças negras em sala de aula.

Este estudo demonstra que o sistema educacional brasileiro apresenta-se imerso em atitudes e

práticas racistas, provocando na criança negra um sentimento de marginalização e

desvalorização, o que dificulta sua permanência ou entrada na escola, sendo levada a

incorporar equivocada ideia de que não é merecedora de respeito e dignidade. Isso faz com

que essas crianças adotem muitas vezes uma atitude introvertida, por medo de serem

rejeitadas ou ridicularizadas por seu grupo.

De acordo com essa autora, muitos aspectos que fazem parte da estrutura educacional

contribuem para que a criança se sinta discriminada, tornando o ambiente escolar hostil e

limitador da aprendizagem. A exemplo disso temos o currículo, o material didático e a prática

pedagógica utilizada pelo professor. E “como consequência, a população negra apresenta os

piores indicadores educacionais nas taxas de analfabetismo” (CAVALLEIRO, 2005, p. 69).

Essas duas obras destacadas dão ênfase a discussão do negro e a educação, mostrando

que a discriminação no ambiente escolar é frequente, apesar de ser negada, pois ela é

dissimulada por meio da ideologia de igualdade que foi internalizada no cotidiano da

sociedade.

Certamente, esse processo de discriminação no universo escolar está indelevelmente

relacionado à forma como o racismo se manifesta na sociedade brasileira, implícita e velada, e

ao modo como ele é justificado ideologicamente a partir da ideia de Democracia Racial1.

Esses constructos acabam sendo reproduzidos nos conteúdos e práticas pedagógicas na escola,

isto é, a escola se configura como uma instância reprodutora, da dinâmica das relações raciais

na sociedade em geral.

Essa internalização pode ser explicada a partir da noção conceitual de “habitus” 2

desenvolvido por Pierre Bourdieu (2009). Dentro dessa formulação, o processo de exclusão

1 De acordo com Guimarães “democracia racial” ao que parece o termo foi usado pela primeira vez por Artur

Ramos em 1941, durante um seminário de discussão sobre a democracia no mundo pós-facista (campos 2002).

Roger Bastide, num artigo do Diário de S. Paulo em 31 de março de 1944, no qual se reporta a uma visita feita a

Gilberto Freyre, em Apipucos, Recife, também usa a expressão, o que indica que apenas nos anos de 1940 ela

começa a ser utilizada pelos intelectuais. Teriam Ramos ou Bastide cunhado a expressão ou ouvido de Freyre?

Provavelmente, trata-se de uma tradução livre das idéias de Freyre sobre a democracia brasileira. Este, como é

sabido, desde meados dos 1930, já falava em “democracia social” com exato sentido que Ramos e Bastide

emprestavam à “democracia racial”, ainda que, nos escritos, Gilberto utilize a expressão sinônima “democracia

étnica” apenas a partir de suas conferencias na Universidade da Bahia, em 1943. (GUIMARÃES, 2002, p. 33-60) 2 De acordo com Bourdieu (2009), habitus é um sistema de disposições, de modos de perceber, de sentir, de

fazer, de pensar que nos faz agir de determinada forma em uma dada circunstância, fazendo com que os

indivíduos atuem sem obedecer a um sistema de regras de forma consciente, sendo uma matriz formadora de

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do negro na sociedade brasileira é constantemente reeditado, uma vez que conceitos e

preconceitos sobre a população negra são internalizados por meio dos vários mecanismos

presentes na estrutura da sociedade.

A escola aparece, insistimos nessa ideia, como uma dessas estruturas reprodutoras,

pois ela se configura como uma instituição legitimadora, comprometida com os interesses das

desigualdades sociais, uma vez que reproduz relações de poder em relação às classes

populares, principalmente por meio do currículo adotado que ignora as diferenças

socioculturais, selecionando valores das classes dominantes que são dados como legítimos

(BOURDIEU, 2009).

As incursões por esses estudos e o entendimento de que a escola é um local em que o

racismo e a discriminação são reproduzidos e também no qual podem ser combatidos nos

permitiram rever nossos conceitos e a repensar nosso papel dentro da sociedade e do sistema

educativo, para não continuar a reproduzir uma educação excludente. “Pois a nossa

responsabilidade social como cidadãos e cidadãs exige mais de nós. Ela exige de todos nós

uma postura e uma tomada de posição diante dos sujeitos da educação, que reconheça e

valorize tanto as semelhanças como as diferenças” (GOMES e SILVA, 2002, p. 30).

No entanto, para que houvesse um real aprofundamento na temática sobre as relações

raciais no Brasil, a busca isolada não nos daria o estofo teórico necessário acerca do assunto,

porque poderíamos incorrer em conclusões ou/e afirmações equivocadas e, para que isso não

acontecesse, precisávamos de rigor científico em nossa investigação e só a entrada no

programa de mestrado poderia prover nossas perspectivas.

Assim, ao tentarmos o acesso ao programa do Mestrado em Educação do Instituto de

Educação na Universidade Federal do Pará, em 2009, optamos pela linha de pesquisa

Formação de Professores com ênfase em Relações Étnico-Raciais e Educação, pois, por ela

estar atrelada ao Núcleo de Pesquisa sobre Formação de Professores e Relações Étnico-raciais

(GERA), poderia nos dar o aprofundamento na temática que tanto se desejava.

Ao ingressarmos no programa, fomos instigados por nossa orientadora, professora

Doutora Wilma Baía Coelho, coordenadora do Núcleo GERA, a trazermos como objeto de

comportamentos, visões de mundo que se incorporam ao indivíduo e, ao mesmo tempo, que se desenvolvem

neles. Assim, o habitus consiste em uma instância de mediação entre estruturas e práticas incorporadas pelos

agentes sociais, sendo um sistema de disposições duradouras e transferíveis, estruturadas de acordo com o meio

social dos sujeitos, pelo seu trajeto de vida nesse meio, gerando práticas, apreciação classificação e estratégias

que os indivíduos e os grupos desenvolvem nos diversos campos da prática social. Como salienta Bonnewitz

(2003), comentarista da obra de Bourdieu, o habitus seria um mecanismo no qual os indivíduos apreendem a

ordem social, assimilando as normas e valores presentes naquela sociedade, sem, no entanto, supor a busca consciente deste fim, funcionando como princípio inconsciente de internalização, que transforma as normas e

valores em naturais, ou seja, um agir sem ser obrigado, sem ser produto de obediência às regras.

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nossa pesquisa o intelectual negro, com o objetivo de examinarmos como se deu o processo

que o tornou produtor de pesquisas com temáticas nas quais eram protagonistas diretos e de

que forma essas pesquisas desenvolvidas por eles contribuiu para que essa discussão passasse

a ter inserção nacional, servindo de base para o desenvolvimento de política públicas de

favorecimento à questão do negro. O que foi aceito de pronto.

Pois, no processo de luta em prol de uma verdadeira Democracia Racial,

conjecturamos que estudos realizados por pesquisadores negros que estavam na academia no

final da década de 1970 e entre as décadas de 1980 e 1990 foram decisivos para as discussões

da questão racial no Brasil. De acordo dados apresentados por Ribeiro (2005), houve um

grande aumento, nesse período, nas produções acadêmicas que traziam a questão racial como

temática, principalmente na área da educação.

O fato de os negros passarem a pesquisar sua própria temática imprimiu uma atitude

mais crítica sobre tudo ao que se produzia a respeito das questões raciais, pois os intelectuais

negros chamaram para si não somente a reflexão, mas procuraram erigir formas de atuação

capazes de reverter sua condição no cerne da sociedade brasileira, principalmente quando a

discussão da problemática racial toma dimensões nacionais e o governo passa a ser

pressionado a tomar decisões diante da discriminação estrutural sofrida pela população negra

ao longo de muitos anos no país (SANTOS, 2008).

Contudo, essa inserção do negro como sujeito pesquisador de sua própria temática não

adveio de forma simples, porque, apesar do processo político democrático que se instalou no

Brasil a partir da década de 1970 favorecer que uma quantidade significante de negros

adentrassem às universidades brasileiras, trazendo como consequência uma mudança na

forma como a questão racial era tratada, muitos obstáculos precisaram ser superados.

Principalmente porque, quando o segmento negro conseguia ingressar nos programas de

mestrado, ficava muitas vezes impossibilitado de conduzir um debate mais profundo sobre a

questão racial sob pena de sofrer retaliações de seus departamentos (SANTOS, 2008).

Mas, a despeito desses obstáculos que mesmo ainda hoje precisam ser superados pelos

pesquisadores negros dentro das universidades, muitos intelectuais negros se destacaram e

têm conseguido produzir estudos com significativa expressividade, que resultam em ações

concretas em favor da população negra nas várias regiões do país, nos vários campos de

conhecimento.

É com essa expectativa que trazemos como objeto dessa pesquisa a trajetória acadêmica

de Florentina da Silva Souza, por acreditarmos que sua vida acadêmica pode nos fornecer

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dados de como a intelectualidade negra adentrou às Universidades, na perspectiva de

identificar de que forma ocupou esses espaços acadêmicos; quais as dificuldades encontradas

por esses pesquisadores nesses programas de pós-graduação ao trazer a questão como objeto

de suas pesquisas e, ao mesmo tempo, argumentar como essas pesquisas ofereceram suporte

na busca da igualdade racial e de visibilização do negro na sociedade brasileira por imprir um

novo entendimento sobre a tão propagada igualdade racial que se supunha existir no Brasil,

que na verdade, escondia as discriminações sofridas pelo negro em todos os segmentos da

sociedade.

Conforme informações retiradas de seu currículo lattes e do Centro de Estudos Afro-

Orientais (CEAO), a professora Florentina Souza é uma pesquisadora que atua na

Universidade Federal da Bahia (UFBA). Direciona seus estudos para afrodescendência,

identidade cultural, literatura afro-brasileira, literatura brasileira e cultura brasileira, estudos

étnicos. Sua produção intelectual é voltada para a literatura afro-brasileira, possuindo 09

artigos publicados em várias revistas acadêmicas; 02 livros, que são: A literatura Afro-

brasileira (2006) e outro sob o título Cadernos negro: Três décadas (2008); 16 capítulos de

livros; 01 texto de jornal; 03 trabalhos completos e 10 resumos publicados em anais e

congressos; 82 apresentações de trabalhos; bem como 15 orientações de mestrado e 11 de

doutorado.

Atua ainda como coordenadora do projeto EtniCidades: escritoras/es e intelectuais

afro-latinos, assim como, entre junho de 2005 a janeiro de 2008 esteve à frente do Projeto de

Ações Afirmativas Conexões de Saberes: diálogos entre a universidade e as comunidades

populares, UFBA/ MEC/SECAD.

Atualmente ela é vice-diretora do Centro de Estudos Afro-Orientais – CEAO, que é

um órgão suplementar da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

Federal da Bahia, que volta suas pesquisas e ação comunitária para a área de estudos afro-

brasileiros e das ações afirmativas em favor das populações afro-descendentes, bem como na

área dos estudos das línguas e civilizações africanas e asiáticas. Também faz parte do quadro

de bolsistas de produtividade do CNPQ.

A escolha da referida pesquisadora se deu após um levantamento feito em dois sítios

virtuais que congregam pesquisadores negros, são eles: Mulheres Negras: do Umbigo para o

mundo, que tem concentrado suas ações no aprimoramento e na apropriação das tecnologias

de informação e comunicação em prol da emancipação política, econômica e cultural das

mulheres negras brasileiras, agregando vários pesquisadores negros como associados.

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E a Associação Brasileira de pesquisadores Negros – ABPN, que constitui um dos

modos fundamentais da rede de instituições que atuam na sociedade brasileira no combate ao

racismo, preconceito e discriminação raciais, com vistas à formulação, implementação,

monitoramento e avaliação das políticas públicas para uma sociedade justa e equânime. A

instituição congrega pesquisadores negros interessados em pesquisas acadêmicas em temas

pertinentes à construção e ampliação do conhecimento humano e outros pesquisadores

compromissados com temas de interesse das populações negras no Brasil, África e Diáspora.

Após o levantamento nesses sítios virtuais, alguns critérios foram utilizados para que

Florentina da Silva Souza fosse escolhida como intelectual objeto de nossa investigação.

Esses critérios seguiram o que indica Santos (2008, p. 03) acerca do que ele classifica como

negro intelectual, em seu artigo De militantes negros a negros intelectuais, que segundo ele

são aqueles que possuem,

[...] uma ética da convicção anti-racismo adquirida ou incorporada dos Movimentos Sociais Negros, bem como um ethos acadêmico-científico

ativo, posicionado pró-igualdade racial e pró-políticas de promoção da

igualdade racial; ethos este oriundo da interatividade daquela ética com uma ética acadêmico-científica adquirida ou incorporada de cursos acadêmico-

científicos.

Dentro desses parâmetros, os critérios de escolha foram estabelecidos da seguinte

forma: a) participação no movimento negro; b) ter adentrado às universidades públicas nas

décadas que representam o recorte temporal em que está inserida esta pesquisa – final da

década de 1979 os anos de 1980 e 1990; c) ter suas pesquisas voltadas de alguma forma para a

área da educação; d) suas pesquisas deveriam ter inserção nacional, colaborando para que os

debates em torno da questão racial ganhassem repercussão tanto no meio científico como na

sociedade em geral.

Portanto, após um quadro traçado a partir dos critérios estabelecidos, detectou-se que

Florentina da Silva Souza apresentava as características que correspondiam com os objetivos

a serem alcançados por nossa investigação.

Assim sendo, a trajetória dessa pesquisadora usada como fio condutor nos

proporcionará o entendimento do papel desses intelectuais dentro da academia no processo de

discussão que a temática das relações raciais toma a partir do final da década de 70.

Discussões essas que objetivavam questionar a exclusão sofrida pelos negros ao longo da

história, as manifestações de preconceitos existentes no país, o Mito da Democracia Racial,

bem como visavam à construção de uma identidade positiva do negro por meio da valorização

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de sua cultura e sua história. Desconstruindo estereótipos negativos e identificando a

educação como um campo no qual as relações raciais poderiam ser combatidas.

O intento deste trabalho é contribuir com outras pesquisas acadêmicas que versam

sobre a necessidade da luta pela igualdade racial ter uma representação intelectual que possa

articular pensamentos e ações que desnaturalizem essas concepções tidas como verdadeiras,

pois, de acordo com Siqueira (2006), o pensamento da intelectualidade negra pode definir

estratégias políticas, conteúdos e métodos para o estudo de uma realidade cotidiana

silenciada, negada, oculta e estigmatizada.

O final da década de 1970 e as décadas de 1980 e 1990 – períodos que representam o

recorte temporal em que se insere nossa pesquisa – foram escolhidos por permitir

observarmos as mudanças da reação do Estado brasileiro quanto à questão racial, fazendo

com que essa questão se tornasse parte da agenda política do governo. E, ao mesmo tempo,

consente avaliarmos as modificações na própria ação do movimento social negro nesse

período.

Alguns acontecimentos importantes ocorreram na ocasião e contribuíram para que os

debates sobre a questão racial tomassem dimensões nacionais, tais como: o centenário da

abolição, em 1988; a Marcha de Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a

Vida, realizada em novembro de 1995; o Seminário Multiculturalismo e Racismo, realizado

em 1996 pelo Governo Federal (HANCHARD, 2001).

Esses acontecimentos foram expressivos para a causa negra, porque deu visibilidade à

questão racial, proporcionando ao movimento negro maior articulação, o que gerou respostas

favoráveis por parte do Governo Federal quanto às reivindicações da população negra. É o

que podemos notar quando Fernando Henrique Cardoso assume o governo em 1995 e inclui a

questão racial na agenda de seu governo. Como nos informa Martins (2004, p. 59):

Fernando Henrique abordou o tema já em seu discurso de posse, apontando a

desigualdade racial como um dos pilares fundadores da desigualdade no

Brasil, e um problema a ser enfrentado com urgência e energia. Essa foi a

primeira vez que um presidente brasileiro falou abertamente sobre esse tabu nacional. Alguns meses mais tarde, Brasília assistiu à maior manifestação

pela igualdade racial jamais vista no país. A Esplanada dos Ministérios foi

tomada por dezenas de milhares de manifestantes que exigiam posicionamento e ação do governo, na “Marcha Zumbi dos Palmares contra

o Racismo, pela Cidadania e pela Vida”, em 20 de novembro de 1995. A

manifestação resultou na criação, no mesmo dia, de uma ambiciosa força tarefa, que reunia vários ministérios e recebeu a missão de realizar estudos e

propor medidas para a promoção da igualdade racial.

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Ressaltamos então que nessas três décadas o movimento negro passa a expressar suas

reivindicações, demonstrando o papel que o Estado brasileiro precisa assumir no sentido de

firmar um compromisso de combate ao racismo e todas as formas de discriminação, tendo por

base a valorização e o respeito à diversidade como uma das condições para o resgate de uma

identidade étnico-racial. Fazendo, com isso, que o país saia de sua posição de inércia frente

aos problemas que envolvem a população negra ao longo de décadas.

Em nossa análise, algumas categorias são de extrema importância para o

desenvolvimento das argumentações acerca do objeto da pesquisa, e precisa ser explicitado de

que forma entendemos essas categorias. “Intelectual” é um deles, portanto é necessário

definirmos o que entendemos por intelectual. Para fazermos isso, partimos do princípio de que

a categoria intelectual não apresenta uma característica homogênea e ahistórica, mas abarca

inúmeras representações. Vários autores desenvolveram teses a respeito do assunto, como

Julien Benda, Antônio Gramsci, Karl Mannheim, Jean Paul Sartre, Norberto Bóbbio dentre

outros.

No entanto, para situarmos a definição de qual categoria de intelectual servirá de base

para nosso trabalho – ressalvando que nosso objeto de estudo não é analisar o intelectual

enquanto tal, mas o indivíduo que se constitui e é constituído em seu meio social como

intelectual –, optamos por trazer os argumentos desenvolvidos por Julien Benda e Antonio

Gramsci acerca do que eles entendem sobre o intelectual no século XX. Esses dois autores

foram escolhidos porque as formulações defendidas por eles são fundamentalmente distintas.

Benda distingue o intelectual como um grupo pequeno de pessoas, sentido estrito, e Gramsci

como um grupo extremamente grande, sentido lato.

Para Benda (2007), os intelectuais devem ser assinalados como aqueles que falam ao

mundo no modo transcendente, como portadores e pregadores de uma verdade e uma moral

universal, que não se dobram aos particularismos, que não se deixam levar por vantagens

concretas ou valores práticos e para os quais o verdadeiro não é determinado pelo útil, nem o

justo pelas circunstâncias. Homens que desempenham um papel público, os intelectuais, para

Benda, não são simplesmente profissionais que cuidam dos interesses de uma classe. Antes,

caracterizam-se por um pensamento independente e pela afirmação da liberdade, sendo

movidos por ideias e causas que escolhem apoiar, porque são coerentes com os valores e

princípios nos quais acreditam.

No entanto, a perspectiva de intelectual defendida por esse autor não está abalizada no

descompromisso total com as causas seculares, pois o intelectual defendido por Benda não

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vive acastelado, alheio ao que ocorre no mundo. Isso significa dizer que o compromisso que

os move são todos os princípios universais abnegativos de justiça e verdade, trazendo como

sua função precípua a denúncia da corrupção, a defesa dos fracos e o desafio das autoridades

imperfeitas e opressoras. Mas, a despeito disso, destaca os intelectuais como diferenciados do

resto da sociedade, por não estarem interessados em vantagens materiais e promoções sociais

(SAID, 2005).

Diferente de Benda, que define os intelectuais em um sentido estrito, a definição de

intelectual para Gramsci (1995) está baseada em um conceito que o determina como um

grupo amplo de pessoas, em um sentido lato, considerando todo homem como intelectual em

potencial, porém deixando claro que nem todos desempenham na sociedade a função de

intelectual.

Assim, em conformidade com o pensamento desse autor, por intelectuais se entendem

não só as categorias usualmente abrangidas com essa designação, mas, de forma geral, todo

conjunto social que desempenha papéis organizativos, tanto no campo da produção, como no

campo da cultura, assim como também no campo administrativo-político. Gramsci destaca

duas concepções de intelectuais: o intelectual orgânico e o intelectual tradicional.

Para Gramsci (1995), o intelectual tradicional é aquele que se atrela a um determinado

grupo social, instituição ou corporação e que expressa os interesses particulares

compartilhados pelo seu grupo, podendo estar vinculado tanto às classes dominadas quanto às

dominantes, adquirindo uma autonomia em relação aos interesses imediatos das classes

sociais, temos como exemplos os professores, os administradores e os clérigos.

Já o intelectual orgânico, é entendido como aquele que provém de sua classe social de

origem e a ela mantém-se ligado ao atuar como porta-voz da ideologia e interesse de classe,

estando ativamente envolvidos na sociedade em uma luta constante para mudar mentalidades.

Conectado ao mesmo tempo ao mundo do trabalho, às organizações políticas e culturais mais

avançadas que o seu grupo social desenvolve para dirigir a sociedade, estando interligado a

um projeto global de sociedade e a um tipo de Estado capaz de operar a conformação das

massas no nível de produção material e cultural.

De acordo com Semeraro (2006, p. 378),

Esses intelectuais são conscientes de seus vínculos de classe, manifestando sua atividade intelectual de diversas formas: no trabalho, no interior da

sociedade civil, na sociedade política, para garantir as funções jurídico-

administrativas e a manutenção do poder do seu grupo social.

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Diante do exposto acerca da categoria intelectual, consideramos para essa pesquisa

que o intelectual negro alinha-se à perspectiva gramsciana de intelectual orgânico, pois foi

gerado em sua classe, portanto tem uma visão aprofundada da causa a qual defende, sendo

um articulador dos interesses pertinentes a essa classe, criando condições mais favoráveis

para que sejam debatidos os assuntos que venham a favorecer a causa negra, na intenção de

dar coesão e consciência à sua classe. Distanciando-se, portanto, da definição que Benda

desenvolve, pois restringe a ação do intelectual apenas a interesses universalistas e

desvinculados de uma classe social específica, pois pertencem a uma categoria homogênea e

restrita.

Contudo, além de proveniente de sua própria classe, dentro dos parâmetros

gramscianos, o que entenderíamos como qualquer intelectual pertencente ao movimento

negro, é necessário deixar evidente que o recorte de nossa pesquisa se centra na caracterização

de intelectual como aquele que atua dentro de um campo intelectual específico que é a

academia e, portanto, é detentor de especialização ligada à produção científica, como a

docência e a pesquisa, com atuações capazes de manipular ideias de conteúdo político. Ideias

essas voltadas para a ampliação de uma perspectiva de transformação da sociedade que

implique na construção de políticas de favorecimento à questão racial no Brasil.

Deste modo, para abordagem da trajetória do intelectual negro na academia,

entendemos a universidade dentro das noções conceituais de campo elaboradas por Bourdieu

(2009). Para ele, denomina-se campo certos espaços de posições sociais em que dominantes e

dominados lutam pela conservação e pela aquisição de determinados postos, sendo

microssomas sociais, nos quais alguns tipos de bens são reproduzidos, consumidos e

classificados.

Todo agente atua dentro de um campo socialmente determinado, tal atuação é

resultado das ações coletivas dos agentes, os quais obedecem a regras, princípios de regulação

que lhes são próprios e que variam de acordo com a natureza do campo. No interior de cada

campo, manifestam-se relações de poder que se estruturam a partir da distribuição desigual de

um quantum de capital social caracterizado pela disputa pelo controle e legitimação desses

bens, chamados por Bourdieu de capita econômico, cultural, e capital social3.

3 O capital econômico é constituído pelos diferentes fatores de produção (terras, fábricas, trabalho) e pelo

conjunto de bens: renda patrimônio, bens materiais. O Capital cultural corresponde ao conjunto das qualificações

intelectuais produzido pelo sistema escolar ou transmitido pela família. Este capital pode existir sob três formas: em estado incorporado, como disposição duradoura do corpo (por exemplo, a facilidade de expressão em

público); em estado objetivado como bem cultural (a posse de quadros, de obras); em estado institucionalizado,

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Dentro desses parâmetros, entendemos a academia como um o campo científico de

atuação do intelectual negro repleto de interesses específicos, no qual se enfrentam distintas

posições políticas na busca da autoridade científica, que é “uma espécie de capital a ser

acumulado, transmitido, e até mesmo, em certas condições convertido em outras espécies”

(BOURDIEU, 1983. p. 130).

Nessa busca por autoridade, são travadas lutas entre os diferentes agentes que

disputam uma legitimidade científica, onde debates epistemológicos encobrem estratégias por

impor uma determinada definição do que é cientifico. Ou seja, vários grupos lutam pelo poder

entre si, na tentativa de tornar as suas ideias e posições políticas hegemônicas e legítimas

frente aos demais grupos, de modo que eles venham a se alinhar ou não às suas posturas.

Ao considerar a atuação do intelectual negro inserido na universidade, com uma

trajetória advinda do movimento negro, que, por meio da sua produção acadêmica, sobretudo,

relacionada à pós-graduação e projetos de pesquisa, encaminha politicamente os interesses do

grupo ou classe social a qual está vinculada, de modo a viabilizar a discussão sobre a questão

étnico-racial na sociedade brasileira, a sua importância no campo educacional, e a necessária

crítica ao preconceito, discriminação e racismo, procuramos articular a noção conceitual de

intelectual orgânico de Gramsci ao de habitus desenvolvido por Bourdieu.

Assim, tomando as noções conceituais de habitus como referência, entendemos que

dentro do campo acadêmico a atuação do intelectual negro tem implicações permanentes da

trajetória individual, com as suas experiências pessoais e profissionais. Nessa trajetória, o

indivíduo intelectual internaliza uma série de constructos sociais que acabam por orientar, em

determinadas situações, as práticas sociais que não são conscientes, são operações quase que

instintivas ou mecânicas; que, via de regra, são pautadas por pré-noções estereotipadas

vinculadas socialmente e consideradas naturais e legítimas, ou, o contrário, uma postura

crítica dessas mesmas construções sociais adquiridas seja pelas experiências pessoais ou a

pela educação escolar.

Faz-se necessário definir ainda o que entendemos sobre Movimento Negro, já que essa

categoria aparece em nossa pesquisa igualmente como de fundamental importância, pois os

progressos conseguidos em favor da população negra no Brasil é o resultado da luta do

movimento negro que ao longo da história vem se organizando, tendo como bandeira de luta

isto é, socialmente sancionado por instituições (como títulos acadêmicos). Capital social, que se define

essencialmente como conjunto das relações sociais de que dispõe um indivíduo ou grupo. A detenção deste capital implica um trabalho de instauração e manutenção das relações, isto é, um trabalho de sociabilidade:

convites recíprocos, lazer comum, etc. (BONNEWITZ, 2003, p. 53 – 54).

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romper com a inércia existente, reverter o estigma sofrido pelo negro, recuperar a autoestima,

afirmar a igualdade de direitos e agir para que a lei garanta as mesmas oportunidades a todos.

Para definirmos o significado dessa categoria para nossos estudos, partiremos

inicialmente do entendimento da origem desse movimento, para depois definirmos o que

entendemos por Movimento Negro nesta pesquisa.

Assim, quanto ao entendimento sobre a origem do movimento negro, adotamos o

pressuposto de que historicamente existe uma continuidade na luta e nos protestos do povo

negro no Brasil, que se originaram ainda no período escravista nas primeiras manifestações de

resistência, materializadas seja por meio de motins, levantes e insurreições coletivas, seja por

meio de revoltas individuais. Podemos citar como uma das manifestações de destaque desse

período as organizações quilombolas, que eram locais de refúgio de escravos fugitivos,

constituindo parte importante do projeto de resgate do povo negro de sua liberdade e

dignidade coletivas maltratadas pela escravidão e suas consequências (MOURA, 1993).

O Quilombo dos Palmares figura entre o mais conhecido e o mais analisado. De

acordo com estudiosos, esse quilombo existiu na Serra da Barriga, hoje município de União

dos Palmares, em Alagoas, entre os anos de 1630 e 1695. Estava localizado no ponto mais

elevado da Serra, entre densas florestas, para dificultar o acesso e impedir uma possível

recaptura dos escravos. Com mais de duas mil habitações, com o passar do tempo foi se

transformando em uma espécie de confederação que abrigava os diversos quilombos que

havia naquela local, sendo a maior tentativa de autogoverno dos negros fora do continente

africano (MOURA, 1993; CARNEIRO, 1988; REIS, 1999).

Além dos quilombos, tínhamos também nesse período outras formas de resistência

tanto cultural, como também as irmandades religiosas e as sociedades beneficentes,

esportivas, culturais, de auxilio mútuo espalhadas por todo país que de alguma forma

contribuíram na luta de contestação do regime escravocrata (MOURA, 1993).

Após a abolição, a situação do negro não logrou mudanças, pelo contrário, eles se

depararam com um novo tipo de situação, pois a falta de preparo profissional e a falta de

escolaridade aliados à substituição de mão-de-obra do negro pela do imigrante europeu foram

motivos que os impediram de ingressar no mercado de trabalho, deixando-os à margem da

sociedade. De acordo com Andrews (1991, p. 32), os negros foram marginalizados,

[...] seja politicamente, em decorrência das limitações da República no que

se refere ao sufrágio e às outras formas de participação política; seja social e psicologicamente, em face das doutrinas do racismo científico e da “teoria

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do branqueamento”; seja ainda economicamente, devido às preferências em

termos de emprego em favor dos imigrantes europeus.

Segundo Cardoso (2002), na tentativa de superar essa situação desfavorável no início

da república, alguns negros começaram a se organizar e propor novas formas de luta. E uma

das possibilidades encontra por eles para a superação dessa terrível condição de exclusão foi a

criação de diversas organizações negras em diversas regiões do país, destacando-se

principalmente as organizações do Rio de Janeiro e de São Paulo.

São alguns exemplos desse período o Clube 13 de Maio dos Homens Pretos (1902), o

Centro Literário dos Homens de Cor (1903), a Sociedade Propugnadora 13 de Maio (1906), o

Centro Cultural Henrique Dias (1908), a Sociedade União Cívica dos Homens de Cor (1915),

a Associação Protetora dos Brasileiros Pretos (1917); no Rio de Janeiro, o Centro da

Federação dos Homens de Cor; em Pelotas/RG, a Sociedade Progresso da Raça Africana

(1891); em Lages/SC, o Centro Cívico Cruz e Souza (1918) (DOMINGUES, 2007).

Em meados de 1931, o movimento alcança um grande avanço qualitativo com o

surgimento da Frente Negra Brasileira, pois a estrutura do movimento se organiza e se renova,

alcançando o mais elevado nível da época. Entretanto, embora a FNB fosse mais inteligível e

sistematizada que as organizações anteriores, alguns estudiosos como Hanchard (2001)

apontam que havia uma falta de clareza ideológica na Frente, o “que sugere a tendência

reativa e rotineira de um movimento social que existiu sem uma base sólida na política

partidária e organizacional no continuum esquerda direita” (HANCHARD, 2001, p. 98). Com

a implantação do Estado Novo por Getúlio Vargas (1937 – 1945), que impossibilitou a

existência de qualquer movimento contestatório, a Frente Negra foi impedida de funcionar.

Entre os anos de 1937 e 1963, foram feitas tentativas de retomada da luta dos negros

contra a discriminação e o racismo e muitas organizações foram criadas, porém, com alcance

limitado, muitas delas se desarticulando ainda em seu processo de formação. Dessa época,

podemos dar destaque para o Centro de Cultura Afro Brasileiro (1937); a Associação dos

Homens de Cor (1943); o Teatro Experimental Negro (1944); o Comitê Democrático Afro

Brasileiro (1945); o Museu de Artes Negras e a Convenção Nacional Negra (1950);

Associação Cultural Negra e a Associação José do Patrocínio (1954). De todas essas

organizações, podemos apontar como a que obteve maior expressividade no cenário nacional

a Associação dos Homens de Cor e o Teatro Experimental Negro (CARDOSO, 2002).

Em 1964, com a instalação do governo militar no Brasil, o movimento negro se

desestrutura devido à forte censura política ditatorial na qual o país mergulhara. Essa

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conjuntura política não favorecia a prática do exercício da cidadania, o que fez com que

vários movimentos sociais entrassem para a clandestinidade ou restringissem seu raio de ação

às questões que não ferissem os interesses políticos do governo. De acordo com Cunha Jr.

(1992, p. 65), “havia uma grande dificuldade do movimento negro em superar essa

desestrutura nesse período, pois tínhamos três tipos de problemas, o isolamento político,

ditadura militar e o esvaziamento dos movimentos passados”.

Diante desse quadro, o movimento negro só volta a se organizar no final da década de

1970 com a abertura política, surgindo o movimento negro contemporâneo, quando

novamente várias organizações negras tomam visibilidade no cenário político do país com

grande amplitude nacional. Caracterizando-se por uma postura mais consciente, com

membros mais bem instruídos e mais radicais em seus posicionamentos, que traziam como

base principal de suas reivindicações a superação do Mito da Democracia Racial, que passa a

ser visto como o principal fator responsável pela invisibilização do negro na sociedade

brasileira (ANDREWS, 1997).

Nesse período, surgiram diferentes organizações negras como o Movimento Negro

Unificado (MNU) e algumas instituições semi-acadêmicas como o grupo André Rebouças na

Universidade Federal Fluminense em Niterói; o centro de estudos Afro-Asiáticos na

Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro; o centro de Cultura Negra do Maranhão; o

Centro de Cultura e Arte Negra (CECAN) em São Paulo; o Grupo Palmares no Rio Grande do

Sul; o Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN) na cidade do Rio de Janeiro

(ALBERTI e PEREIRA, 2005).

A partir dessas considerações, identificamos que o movimento negro historicamente

pode ser qualificado de diversas maneiras e com perspectivas diferentes de acordo com o

momento histórico no qual se inseri. E, nesse aspecto, alguns sentidos foram organizados por

diversos autores que se ocuparam do assunto, como D’Adesky (2001); Hanchard (2001);

Cunha Jr (1992); Santos (1994), entre outros que o caracterizaram como uma forma de

expressão coletiva, que vem a atender as necessidades da população negra em lutar pelos seus

direitos, ora tendo sua luta pautada na integração à sociedade brasileira, ora tendo sua luta

com uma ênfase mais política de denuncia do racismo e da discriminação.

Esse significado abrangente é definido principalmente por Joel Rufino dos Santos

(1994, p. 5), que nos cientifica como movimento negro

[...] todas as entidades, de qualquer natureza, e todas as ações, de qualquer

tempo [aí compreendidas mesmo aquelas que visavam à autodefesa física e

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cultural do negro], fundados e promovidos por pretos e negros [...].

Entidades religiosas [como terreiros de candomblé, por exemplo],

assistenciais [como as confrarias coloniais], recreativas [como “clubes de negros”], artísticas [como os inúmeros grupos de dança, capoeira, teatro,

poesia], culturais [como os diversos “centros de pesquisa”] e políticas [como

o Movimento Negro Unificado]; e ações de mobilização política, de protesto

anti-discriminatório, de aquilombamento, de rebeldia armada, de movimentos artísticos, literários e “folclóricos” – toda essa complexa

dinâmica, ostensiva ou encoberta, extemporânea ou cotidiana, constitui

movimento negro.

Essas argumentações nos permitem entender o movimento negro como um conjunto

de entidades e grupos, de maioria negra, que tem por finalidade exclusiva o combate ao

racismo e à discriminação que os marginalizam no mercado de trabalho, no sistema

educacional, político, social e cultural. Assim como também tem por base a difusão de valores

culturais de matrizes africanas, consistindo em uma multiplicidade de organizações, e não

uma única organização, que existiram e existem em várias regiões do Brasil, apresentando

como atributos principais o caráter ético, cultural e político na composição de uma contra a

ideologia racial, a valorização da participação ativa dos negros na gênese da sociedade

brasileira e um discurso de apego à civilização africana (D’ADESKY, 2001; PINTO, 1993).

Davis (2000) divide tais organizações negras em três tipos principais: entidades e

grupos de pressão governamental, que são todas as instituições públicas governamentais

encontradas em todas as regiões, que representam um importante canal entre a comunidade

negra e o governo, como por exemplo, a Fundação Cultural Palmares; organizações nacionais

de origem popular e as ONGs – organizações não governamentais.

Tomando por base as alegações ditas acima, a definição utilizada por nossa pesquisa

para Movimento Negro considera todos esses aspectos, pois apreendemos que no processo de

luta dos negros contra a discriminação não há um único movimento negro, no singular, mas

sim muitas organizações negras, de várias naturezas, que se constituem nas diversas regiões

de nosso país, em variados momentos históricos, tendo suas raízes nos movimentos de

resistência contra a escravidão, quando os negros buscavam várias formas de tentar não se

submeter às atrocidades de que eram vítimas.

No entanto, o sentido utilizado acerca do movimento negro nas apreciações feitas

neste estudo, se localiza no entendimento estrito dessas organizações, que segundo Santos

(1994) teria suas raízes com a Fundação da Frente negra Brasileira (FNB) na década de 1930

e apresenta como característica principal o cunho político e cultural.

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Assim, dentro desse aspecto o movimento negro que dará base para nossas análises

será aquele que se organiza na segunda metade da década de 1970, no processo de abertura

política e no bojo do crescimento dos movimentos sociais, apresentando como principal

particularidade o cunho político-cultural, marcado pela mobilização racial que coloca a

Democracia Racial como a principal responsável pela discriminação sofrida pela população

negra ao longo de décadas.

Segundo Alberti e Pereira (2005), nesse período além das condições internas que

permitem a reorganização do movimento negro, também há grande influência dos

movimentos antirracistas que estavam ocorrendo na África e nos Estados Unidos.

As referências buscadas nos movimentos desses países serviam de base para a

formulação de um discurso racializado contra a discriminação existente em nossa sociedade,

com o objetivo de se construir uma consciência de que a discriminação racial é tão presente

no Brasil quanto nos países africanos e nos Estados Unidos. Pois apesar de não haver leis

claras que determinassem o lugar entre negros e brancos em nosso país, “era fundamental

chamar a atenção para as desigualdades raciais e para as características do chamado “racismo

à brasileira”, ao mesmo tempo em que se buscavam experiências de outros países a fim de

enriquecer a luta” (ALBERTI e PEREIRA, 2005 p. 232).

Desta forma, a partir do final da década de 1970, o movimento negro passa a ter um

papel fundamental nas discussões acerca das questões raciais, reivindicando principalmente

que o país reconheça que não existe igualdade racial no Brasil e que a existência do racismo e

da discriminação são os fatores responsáveis pela precariedade da situação do negro na

sociedade brasileira. Passando então a pressionar o governo para que ele reconheça o

problema da questão racial e exigindo políticas públicas específicas para a população negra,

baseadas em ações afirmativas que possam dirimir as distâncias existentes entre “negros” e

“brancos” (SILVÉRIO e SILVA, 2003).

Dentro os aspectos citados, procuramos em nossa pesquisa pensar o movimento negro

como movimento de base popular, ligado às reivindicações populares dos negros, que, pela

inserção de seus membros na academia e o encaminhamento de tais interesses em suas obras

acadêmicas, fomentou um contexto de discussão que pressionou o Estado em favor de

políticas públicas afirmativas à população negra.

Levando em consideração as argumentações expostas, apresentamos como objetivo

geral desta pesquisa analisar a trajetória acadêmica da intelectual Florentina da Silva Souza

como manifestação da atuação dos intelectuais negros nas universidades no final da década de

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1970 e décadas de 1980 e 1990. E como objetivos específicos: identificar entre o período de

estudo alguns dos eventos importantes no tocante à temática étnico-racial; demonstrar a

produção sobre a temática étnico-racial de Florentina Souza e sua inserção na Universidade;

elencar alguns entraves enfrentados por Florentina Souza nos programas de pós-graduação

com a discussão sobre a temática étnico-racial.

Para a construção da trajetória acadêmica da intelectual Florentina da Silva Souza, nos

valeremos da análise biográfica como método investigativo, pois a busca por biografias é um

movimento perceptível em diversas correntes recentes da História, por permitir, por meio da

reconstituição da trajetória de uma pessoa ou um grupo, entender os meandros em que aquela

trajetória se desenvolveu, partindo da singularidade para considerar as relações socioculturais.

De acordo com Levilain (1996), esse método incide em uma apreciação que consegue propor

à História uma micro-análise que envolve aspectos da vida cotidiana e, ao mesmo tempo,

global, representando um entrelaçamento entre o indivíduo em suas diversidades, localizadas

em espaços e tempos diferentes.

Borges (2005, p. 213), em suas argumentações acerca da bibliografia, apresenta três

categorias de biografias desenvolvidas por Phillippe Lejeune em sua obra intitulada “Escrita

de si”, são elas:

a) Biografia Pura: aquela na qual o narrador não conheceu seu objeto de estudo e

visa a dar uma imagem completa de sua experiência a partir de documentos e

testemunhos;

b) O testemunho com compreensão de biografia: no qual o narrador conheceu ou

conhece seu personagem; é um testemunho que poderá ser utilizado por um

biógrafo para futuras biografias, com apoio de documentos que possui, como

correspondência do biografado.

c) O testemunho puro: o narrador conhece o indivíduo e participou de momentos de

sua vida; são em geral textos de filhos, amigos e companheiros.

Quanto à tipologia, Giovanni Levi (2006, p. 174 -178) apresenta quatro formas que um

historiador pode utilizar para desenvolver sua pesquisa biográfica. A saber:

a) Prosopografia e biografia modal: é aquele caso que ilustra formas típicas de

comportamentos de certo tempo e espaço;

b) Biografia e contexto: nessa classificação, a biografia conserva a sua

particularidade. Contudo, a época, o meio e o ambiente são fortemente

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valorizados, como fatores suficientes para caracterizar um ambiente que elucidaria

os destinos na sua singularidade;

c) A biografia e os casos extremos: por vezes, as biografias são diretamente

utilizadas para esclarecer o contexto, que não é compreendido na sua integridade e

na sua exaustividade estatística, mas por meio das suas margens;

d) Biografia e hermenêutica: a antropologia interpretativa tem sublinhado o ato

dialógico. Consequentemente, o conhecimento não é o resultado de uma simples

descrição objetiva, mas sim de um processo de comunicação entre duas pessoas

ou duas culturas.

A categoria desenvolvida por Lejeune que melhor se adéqua a nossas investigações é a

chamada Biografia pura, pois não há nenhuma ligação entre o objeto da pesquisa e o sujeito

pesquisador. E a Biografia e contexto será a tipologia indicada por Levi na qual nos

ampararemos, por compreendermos que o ser humano existe somente dentro de uma rede de

relações e que, para avaliar a trajetória acadêmica de Florentina de Silva Souza, deveremos

levar em conta o contexto social no qual essa intelectual está inserida. Buscando “recuperar o

universo social no qual sua personalidade foi formada – seu campo exterior, já que não sendo

um sujeito isolado, o indivíduo faz parte de diversos grupos, de uma sociedade de uma cultura

precisa” (PEREIRA, 2003).

Todavia, tomando o cuidado de buscar não transformar o contexto em algo

determinante, dotado de coerência e lógica intrínseca, que serve unicamente como moldura a

limitar e direcionar a trajetória do biografado que nele não exerce influência ou modificação,

“mas interpretar as vicissitudes biográficas à luz de um contexto que as torne possíveis e,

logo, normais” (LEVI, 2006, p. 176).

Obedecendo à premissa da vinculação do indivíduo com o contexto social, também

como referencial metodológico, seguiremos as indicações de Bourdieu (2006) quando critica

a subjetividade da biografia, apontando que o problema está em conceber o relato do

biografado como uma escrita individual, desvinculado de um contexto social caracterizado de

começo, meio e fim, como uma reconstrução da vida de forma artificial. Afirma Bourdieu

(2006, p. 185):

Produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história, isto é, como um relato coerente de uma seqüência de acontecimentos com significado e

direção, talvez seja conformar-se com uma ilusão retórica, uma

representação comum da existência que toda uma tradição literária não deixou e não deixa de reforçar.

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Assim, de acordo com Bourdieu, não existe uma sequência cronológica da vida de

uma pessoa que siga um processo de causalidade e linearidade progressiva, pois não há uma

unicidade do ser capaz de dar sentido único à existência humana. Portanto, ao utilizar essa

metodologia para reconstituir a trajetória do biografado deveremos “construir os estados

sucessivos nos quais ela se desenrolou e, logo, o conjunto das relações objetivas que uniram o

agente considerado ao conjunto de outros agentes envolvidos ao mesmo tempo” (BOURDIEU

2006, p. 190).

Neste aspecto, ao reconstituir a biografia acadêmica de Florentina Souza, seguiremos

a tipologia desenvolvida por Levi, e também utilizaremos a categoria “trajetória”

desenvolvida por Bourdieu, em seu livro Razões Práticas (1996) , no qual define que para

reconstituir o percurso biográfico, profissional e intelectual de seu objeto de estudo, é

necessário mapear suas relações com outros agentes existentes no campo social em que está

inserido o indivíduo e seus investimentos ao longo da vida. Dessa forma, fazer o estudo de

uma trajetória de vida diferente das biografias comuns é descrever uma série de posições

sucessivas dentro de um campo social, ou seja, acompanhar os desdobramentos históricos dos

grupos sociais ou sujeitos individuais dentro desse campo, o que significa acompanhar o

desenrolar das batalhas entre os limites e a legitimidade dentro do campo a que se inserem.

Portanto, quando levamos em consideração esses aspectos utilizados por Bourdieu na

construção da trajetória acadêmica de Florentina Souza, entendemos que tal trajetória pode

fazer revelar as regras e estruturas internas próprias ao campo acadêmico, como por exemplo,

a dinâmica dos jogos de força e poder que o compõem, protagonizadas pelos diferentes

agentes em interação.

Para efeito de desenvolvimento investigativo desta pesquisa, adotaremos como forma de

abordagem metodológica a pesquisa qualitativa, que compreende um conjunto de diferentes

técnicas interpretativas da realidade.

De acordo com Teis e Teis (2006), esse tipo de pesquisa tem achado campo privilegiado

na área da educação, destacando-se como foco de investigação a compreensão e a

interpretação dos sujeitos e de suas ações dentro de um determinado contexto, que não pode

ser mensurado quantitativamente em unidades estudadas isoladamente, buscando descrever

significados que são socialmente construídos. Não tem a pretensão de obter a verdade dos

fatos, estabelecendo o que é certo ou o que é errado, porém deve pretender a compreensão da

lógica que permeia a prática que se dá na realidade.

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Como procedimento metodológico utilizou-se a pesquisa biográfica como meio de

reconstituir a história acadêmica do sujeito deste estudo e situá-la dentro do contexto da

discussão sobre a inserção do negro nas universidades. Nos dizeres de Levi (2006), é possível

se conhecer o social, partindo-se da especificidade irredutível de uma prática pessoal, porque

o indivíduo, distante de simplesmente refletir o social, coloca-se como esfera ativa perante

esse mesmo social, representando a reassimilação singular do universo histórico que o cerca.

Para desenvolvermos a pesquisa biográfica, precisaremos buscar em vários autores

argumentos coerente para as construções teóricas acerca do objeto de nossa pesquisa. Para

isso, utilizaremos a pesquisa bibliográfica, por desenvolver-se a partir de material já

elaborado, constituído principalmente por livros e artigos científicos. Na concepção de

Lakatos e Marconi, é o “primeiro passo de toda pesquisa científica” cujo fim é “colocar o

pesquisador em contato com tudo aquilo que foi escrito sobre determinado assunto” (1992, p.

44).

As fontes históricas utilizadas neste estudo são todas aquelas que nos permitem

reconstituir, por meio da trajetória acadêmica de Florentina Souza, a forma como os

intelectuais negros adentraram as universidades e ganharam espaços com suas pesquisas que

traziam como foco principal as relações étnico-raciais.

Para tanto, utilizaremos obras impressas especializadas que tratam dos assuntos:

movimento negro, relações étnico-raciais no Brasil, educação e relações étnico-raciais e

pesquisadores negros na universidade, em um recorte temporal que vai do final da década de

70 os anos 80 e 90. Além da bibliografia produzida pela referida pesquisadora, especialmente

seu livro Contracorrentes: o afro-descendente em Cadernos Negros e Jornal do MNU (2005),

os artigos: Intelectual Negro e Medições Culturais: Solano Trindade (2004) e

Autorrepresentação e Intervenção Cultural em Textualidades Afro-brasileiro (2010).

Os dados coletados ocorreram a partir da análise bibliográfica, que nos permitirá

utilizar dados e categorias já trabalhados em pesquisas anteriores, materializados em registros

impressos disponíveis, como livros, artigos, teses, dissertações e periódicos (SEVERINO,

2008). Auxiliando-nos a estabelecer uma discussão acerca dos objetivos propostos pela

pesquisa.

Também foi utilizada a entrevistas semiestruturada com a professora Florentina Souza,

como um instrumento que admitirá a interação entre o pesquisador e o pesquisado, tendo a

palavra como vetor principal “onde o pesquisador visa apreender o que os sujeitos pensam,

sabem, representam, fazem e argumentam” (SEVERINO, 2008, p.124).

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Como recurso teórico-metodológico de análise, este estudo elegeu a Análise de

Conteúdo proposta por Laurence Bardin (2009), por consentir a interpretação do que

verdadeiramente se verifica como relevante nos textos a serem considerados, fazendo uma

análise do conteúdo das mensagens, dos enunciados e dos discursos, buscando o significado

das mensagens.

De acordo com Bardin (2009), podemos identificar diferentes tipos de técnicas que

podem ser adotadas no processo de análise do conteúdo como análise temática ou categorial,

análise de avaliação ou representacional, análise de enunciação, análise expressão, análise das

relações e associações, análise do discurso, análise léxica ou sintática, análise transversal ou

longitudinal, análise segundo o tipo de relação mantida com o objeto de estudo, análise

dimensional, análise de dupla categorização, dentre outras. Cada uma dessas análises admite

que o material a ser analisado se dê por meio da observação de diferentes informações

presentes no texto, conduzindo a resultados distintos em termos de compreensão da

mensagem.

Em nossa pesquisa, optamos por utilizar a análise categorial, que trata do

desmembramento do discurso em categorias, em que os critérios de escolha e de delimitação

orientam-se pela dimensão da investigação dos temas relacionados ao objeto da pesquisa

identificados nos discursos dos sujeitos pesquisados. Orientando-se pelos seguintes

procedimentos: definição das unidades de análise, dividindo-as em unidade de registro e

unidade de contexto.

De acordo com as indicações de Bardin (2009), a unidade de registro é a menor parte

do contexto, sendo registrada sua ocorrência de acordo com as categorias levantadas, já a

unidade de contexto pode ser considerada como a base que imprime significado à unidade de

análise, sendo a parte mais ampla do conteúdo a ser analisado e, por isso, deve ser

considerada como unidade básica para compreensão de codificação da unidade de registro.

Após a definição das unidades de análise, passaremos para o passo seguinte que é a

organização da análise seguindo os seguintes passos: a pré-análise, que consistiu em

estabelecer contato com os documentos, com o objetivo de sistematizar os preâmbulos que

serão agrupados quando da constituição de um esquema conciso para o desenvolvimento das

operações com vistas à preparação de um plano de apreciação. A exploração do material, que

é o momento da codificação, quando os dados brutos serão tratados de forma organizada e

editados em unidades. E, como última etapa, temos o tratamento dos resultados por meio da

inferência e interpretação. As inferências procuram esclarecer as causas da mensagem ou as

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consequências que a mensagem pode provocar, norteadas por vários polos de atenção, que são

os polos de atração da comunicação. E a interpretação e a busca o que se abriga sob a aparente

realidade.

No capítulo I, fazemos um histórico dos acontecimentos políticos que permitiram a

questão racial tornasse pauta de discussões na sociedade brasileira entre o final da década de

1970 até os anos de 1990, dando destaque ao movimento negro nesse processo.

O capítulo II tem como objetivo demonstrar por meio da trajetória de Florentina quais

os desafios e dificuldades encontrados ao se inserir no espaço universitário como

pesquisadora, trazendo como objeto de discussão a temática racial.

No terceiro capítulo, por meio da análise da entrevista realizada com Florentina Souza

e de sua produção bibliográfica, em um período que vai da entrada da referida pesquisadora

no curso de mestrado na década de 1980 até a década de 1990, procuramos demonstrar quais

os meandros da discussão acerca da questão racial no campo acadêmico.

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Capítulo I: APRESENTANDO O CONTEXTO

Para discorremos acerca da trajetória acadêmica de Florentina Souza, que se inicia no

ano de 1974, com sua entrada no curso de Letras da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e

o caminho por ela percorrido até seu ingresso como professora universitária e como

pesquisadora da referida universidade, tornando a questão racial objeto central de suas

pesquisas e sua posição dentro do espaço acadêmico primeiramente, é necessário situarmos o

contexto histórico político no qual essa trajetória se desenvolveu. Neste período permitiu-se o

acesso dos negros as universidades, que deixam de ser apenas objeto de pesquisa para se

tornarem pesquisadores de sua própria temática. Estes se tornaram também agentes ativos das

reivindicações do movimento negro no mesmo período.

Mais especificamente na segunda metade de 1970, o movimento negro voltou a se

organizar e diferente dos anos anteriores passou a apresentar característica mais política,

tendo sua agenda de luta baseada na desmistificação do Mito da Democracia Racial, que foi

uma “poderosa construção ideológica, cujo principal efeito foi manter as diferenças

interraciais fora da arena política, perpetuando-as como conflito latente". (HASENBALG,

1994, p. 2).

Essa reorganização só foi possível devido ao cenário político que se instala no Brasil

ainda na segunda metade da década de 1970, quando o Brasil passa por um processo de

abertura política, depois de vários anos de ditadura militar, quando qualquer manifestação que

fosse contrária aos ideais do governo era punida severamente. Por meio de práticas com

prisões, torturas, exílio e muitas vezes mortes.

É sobre esse período de abertura política, e, nele a reestruturação do movimento negro,

que vamos tratar nesse primeiro capítulo. Ao qual na primeira seção será traçado um quadro

acerca do contexto histórico político das décadas de 1970, 1980 e 1990, períodos em que os

debates envolvendo a questão racial passam a ter inserção no cenário nacional. Tais debates

trazem como bandeira de luta o questionamento do Mito da Democracia Racial, assim como

também, há por parte do movimento negro uma intensa busca por mecanismos que pudessem

promover mudanças nas estruturas sociais do país em relação a questão racial no período

aventado. E na segunda seção serão abordados alguns aspectos sobre os ganhos alcançados

pela população negra no campo educacional que é apontado pelo movimento negro como um

importante espaço de combate ao racismo e a discriminação.

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1.1 - O PANORAMA HISTÓRICO POLÍTICO BRASILEIRO ENTRE OS

ANOS DE 1970 E 1990 E O MOVIMENTO NEGRO CONTEMPORÂNEO

Em 1964, os militares tomaram o poder e implantaram uma ditadura no Brasil. Nesse

período, buscou-se definir essa agressão à democracia como uma “revolução”. Com essa

expressão, eles procuraram legitimar o golpe de Estado que destituiu o presidente João

Goulart, eleito democraticamente pelo voto popular. Foram 21 anos de ditadura militar,

durante os quais a presidência da República foi ocupada sucessivamente por generais do

exército que impuseram seu projeto de governo ao país (FICO, 2005; SKIDMORE, 1988;

GERMANO, 2005).

Nesse período, houve um grande fortalecimento do poder central, especialmente do

poder Executivo, ao qual se atribuiu a função de legislar, em detrimento dos outros poderes

estabelecidos pela Constituição. Para que o regime estabelecido fosse executável, os militares

passaram a emitir decretos chamados Atos Institucionais4, que eram leis elaboradas pelo

gabinete da presidência da República, feitas sem a participação do Congresso, caracterizando-

se como uma série de medidas arbitrárias que estabeleciam condições para legalizar ações

políticas não previstas ou contrárias à Carta Magna do país.

O primeiro Ato Institucional (AI-1) foi redigido pelo jurista Francisco Campos e pelo

advogado Carlos Medeiros da Silva, decretado em 09 de abril de 1964, que trazia como

principal preocupação aumentar o poder do Presidente da República, que poderia, a partir de

então, cassar mandatos de parlamentares, suspender os direitos políticos dos cidadãos pelo

prazo de dez anos, fechar o congresso, decretar estado de sítio, impor investigação sumária

aos funcionários públicos contratados ou eleitos, abrir inquéritos e processos para apurar

responsabilidades pela prática de crime contra o Estado ou contra a ordem política e social

(SKIDMORE, 1988).

Esse primeiro Ato Institucional deixava evidentes as intenções autoritárias que os

governos militares assumiriam, principalmente porque o executivo hipertrofiava seus poderes,

4 Nesse período, também foi decretada a constituição de 1967, que substituiu a constituição de 1946. Germano

informa que a constituição de 1967 criava um Estado que violava o princípio republicano da separação dos

poderes, uma vez que tomava por base, quase que exclusivamente, o Poder executivo. Os principais controles

contidos no AI-1 e no AI-2 e no conjunto dos atos complementares baixados até então foram incorporados e

legalizados. Com isso, esses controles perdiam o caráter de excepcionalidade, de temporalidade e assumiam o caráter permanente de poder constitucional, de regime político institucionalizado e, por conseguinte, de forma de

governo de notório cunho autoritário (GERMANO, 2005, pp. 62-63).

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diminuindo cada vez mais as ações do legislativo e do judiciário. Germano (2005, p. 57)

informa que:

O AI-1 era, ao mesmo tempo, instrumento de fortalecimento do Executivo e

de esvaziamento do Congresso Nacional. As atribuições e os poderes do

Legislativo foram transferidos, em grande parte, para o Executivo, que ganha autonomia e liberta-se de controles sociais e políticos. A ampliação do

espaço de ação do Executivo, por sua vez, confirma, desde a primeira hora, o

caráter autoritário do Regime.

De 1964 a 1968, foram decretados 17 Atos Institucionais, que traziam entre suas

características mais evidentes o cerceamento dos direitos civis. Não obstante, cabe evidenciar

que de todos os Atos Institucionais, o AI-5, decretado durante o governo do general Arthur da

Costa e Silva, publicado em 13 de dezembro de 1968, foi o mais radical dos atos nesse

aspecto. Pois, fortalecia a chamada “linha dura”5 do regime militar, concedendo ao Presidente

o direito de pôr em recesso o Congresso Nacional, decretar intervenção em estados e

municípios, suspender direitos políticos, proibir manifestações sobre assuntos políticos,

suspender a garantia do habeas-corpus. De acordo com Cruz e Martins (1984, p. 37),

Instaurou-se o controle absoluto. [...] As oposições, que tanto tinham falado de ditadura, viam-se agora diante de uma Ditadura com “D” maiúsculo. Para

começar, o novo instrumento de poder por meio do qual se institucionalizava

o arbítrio não tinha data prefixada para deixar de existir. Simplesmente

abolia, por prazo indeterminado, os limites constitucionais antepostos à ação governamental. Dali para diante, o presidente passava a ter à sua disposição

um formidável arsenal de poderes excepcionais. [...]. A repressão abateu-se

sobre o país, atingindo pessoas e instituições. O Congresso foi posto em recesso. Quatro senadores e 95 deputados tiveram seus mandatos cassados.

[...] Os delegados da censura instalaram-se nas redações dos jornais, nas

emissoras de rádio e televisão, nas casas de espetáculo. As forças policiais e os serviços secretos passaram a atuar de forma desabrida e totalmente

irresponsável, violando a privacidade dos lares, da correspondência e das

comunicações, cerceando discricionariamente o exercício de todas as

liberdades públicas. As detenções assumiram o caráter de sequestros e se multiplicaram em ondas sucessivas. Todo cidadão, independentemente de

classe, raça ou credo, tornara-se em princípio suspeito de prática de delitos

contra a segurança nacional. Simplesmente abolia, por prazo indeterminado, os limites constitucionais antepostos à ação governamental. Dali para diante,

5 De acordo com Fico (2005), a chamada linha dura do regime militar correspondia ao grupo de militares que

defendia a definitiva exclusão do regime deposto, para isso conseguiram aprovar no congresso várias medidas

repressivas contra os considerados opositores do regime. Uma das maiores vitórias da linha dura foi a permissão

dada à Justiça Militar para julgar civis pelos chamados "crimes políticos". Defendiam prolongamento do regime

militar enquanto a função "salvadora", surgindo daí o fato dos militares da linha dura denominarem o movimento de 1964 de Revolução Redentora. Os presidentes que seguiam tal linha foram os Generais Artur da Costa e Silva

e Emílio Garrastazu Médici.

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o presidente passava a ter à sua disposição um formidável arsenal de poderes

excepcionais.

Ressaltamos então que, com a decretação do AI-5, a repressão sobre a sociedade civil

é ampliada, com a perseguição daqueles que representassem uma “ameaça” ao Estado de

Segurança Nacional, que quando presos eram submetidos a métodos coercitivos, como por

exemplo, a tortura. “Em tal contexto as pessoas são transformadas em inimigos potenciais do

Estado” (GERMANO, 2005, p. 66).

Portanto, durante a vigência do governo militar, os indivíduos ou grupos que fossem

contrários às prerrogativas do regime ou representassem ameaça ao poder instituído passaram

a ser perseguidos, criando-se um clima de terror e incerteza que sufocou as atividades dos

movimentos sociais organizados, como os movimentos estudantil, camponês e operário que

foram duramente atingidos.

Nessa época, como ocorreu com os demais movimentos sociais que caíram na

clandestinidade, o movimento negro também sofreu desarticulações em suas ações, mormente

no que diz respeito à luta contra o preconceito racial. Tanto que algumas organizações negras

atuantes do período, como a União dos Homens de Cor (UHC)6 e o Teatro Experimental

Negro (TEN)7, sofrem uma baixa em suas atividades. O TEN foi praticamente extinto em

1968, quando um de seus fundadores, Abdias do Nascimento, foi para o exílio nos Estados

Unidos (DOMINGUES 2007). 8

6 Também intitulada Uagacê ou simplesmente UHC, foi fundada por João Cabral Alves, em Porto Alegre, em

janeiro de 1943. Já no primeiro artigo do estatuto, a entidade declarava que sua finalidade central era “elevar o

nível econômico e intelectual das pessoas de cor em todo o território nacional, para torná-las aptas a ingressarem

na vida social e administrativa do país, em todos os setores de suas atividades”. A UHC era constituída de uma

complexa estrutura organizativa. A diretoria nacional era formada pelos fundadores e dividia-se nos cargos de

presidente, secretário-geral, inspetor geral, tesoureiro, chefe dos departamentos (de saúde e educação), consultor

jurídico e conselheiros (ou diretores) (DOMINGUES, 2007, p. 108). 7 No Rio de Janeiro, um pequeno grupo de profissionais liberais, artistas e ativistas negros fundou uma

organização dedicada à estética a ao progresso cultural afro-brasileiro em 1944, apenas um anos antes do término

da guerra. Chamada Teatro Experimental do Negro (TEN), ele foi liderado por Abdias do Nascimento, escritor e

artista plástico de talentos múltiplos [...] O TEN foi fundado com o objetivo primário de ser uma companhia de produção teatral, mas assumiu outras funções culturais e políticas logo depois de criado. Além de montar peças

como Imperador Jones, de Eugene O’ Neil (1945), e Calígula, de Albert Camus (1949), o TEN foi a força

propulsora do jornal Quilombo (1948-1950) e de companhia de alfabetização em pequena escala, além de cursos

de “iniciação cultural” entre 1944 e 1946 (HANCHARD, 2001, p. 129). 8 De acordo com esse autor, a história do movimento negro no Brasil pode ser dividida em três momentos:

República de (1889-1937); Estado Novo de Getúlio Vargas (1945-1964); e o pós-ditadura militar (1978-2000).

Quando a ditadura militar foi implantada no Brasil, o movimento encontra-se no que ele denominou de segunda

etapa (1945-1964). Segundo ele, nesse período, a UHC ou o TEN não eram os únicos grupos que empreendiam a

luta anti-racista, mas foram aqueles cujas ações adquiriram mais visibilidade. Além deles, articulou-se o

Conselho Nacional das Mulheres Negras, em 1950. Em Minas Gerais, foi criado o Grêmio Literário Cruz e

Souza, em 1943; e a Associação José do Patrocínio, em 1951. Em São Paulo, surgiram a Associação do Negro Brasileiro, em 1945, a Frente Negra Trabalhista e a Associação Cultural do Negro, em 1954, com inserção no

meio negro mais tradicional. “No Rio de Janeiro, em 1944, ainda veio a lume o Comitê Democrático Afro-

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Para Domingues (2007, p. 111),

O golpe militar de 1964 representou uma derrota, ainda que temporária, para

a luta política dos negros. Ele desarticulou uma coalizão de forças que palmilhava no enfrentamento do “preconceito de cor” no país. Como

consequência, o Movimento Negro organizado entrou em refluxo. Seus

militantes eram estigmatizados e acusados pelos militares de criar um problema que supostamente não existia, o racismo no Brasil.

Esse refluxo apontado por Domingues é justificado pelo endurecimento por parte do

governo em relação aos movimentos sociais, mas, além disso, porque durante a vigência do

regime militar, a ideologia da Democracia Racial era a representação preponderante das

relações raciais assumidas pelo Estado. Tanto que “a existência do racismo foi duramente

rechaçada pela propaganda do governo, numa tentativa de mostrar que no Brasil reinava a

perfeita harmonia racial” (ALBUQUERQUE e FRAGA FILHO, 2006, p. 281).

Martins (2004) esclarece que essa posição assumida pelo Estado de não reconhecer a

existência da discriminação racial no país é ratificada quando o governo brasileiro participa

ativamente de discussões internacionais que condenavam o racismo. Como exemplo, a

Convenção Geral das Nações Unidas para a Eliminação de Todas as Formas de Racismo

ocorrida em 1966. Assim como também toma parte ativamente da condenação do Apartheid

sul-africano nos fóruns internacionais e nas duas primeiras conferências mundiais contra o

racismo.

Logo, aqueles militantes que insistiam em fazer críticas à ideologia de harmonia racial

difundida pelo Estado e levantar a bandeira da discriminação eram chamados pelos militares

de "impatrióticos", "racistas" e "imitadores baratos" dos ativistas norte-americanos que

lutavam pelos direitos civis. Podendo ser identificados pelos aparatos de informação do

governo como divulgadores de uma imagem negativa do país para o exterior e sofrer acusação

de promover “guerra psicológica adversa”9, conforme o 2º parágrafo do 1º capítulo da Lei de

Segurança Nacional (KÖSSILING, 2007).

Esse cerceamento das atividades políticas do movimento negro em decorrência da

repressão por parte do Estado brasileiro dificultou que a questão racial fosse amplamente

debatida nesse período, no entanto não significou que as atividades desenvolvidas por esse

Brasileiro – que defendeu a convocação da Assembléia Constituinte, a Anistia e o fim do preconceito racial –,

entre dezenas de outros grupos dispersos pelo Brasil” (DOMINGUES, 2007, p. 110). 9 Segundo a Lei de Segurança Nacional, de 11/03/1967, a guerra psicológica adversa é o emprego da

propaganda, da contra propaganda e de ações nos campos políticos, econômico, psicossocial e militar, com a finalidade de influenciar ou provocar opiniões, emoções, atitudes e comportamentos de grupos estrangeiros,

inimigos, neutros ou amigos contra a consecução dos objetivos nacionais (FICO, 2004, p. 164).

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movimento tenham desaparecido. O que pode ser constatado com o surgimento de várias

entidades negras na década de 1970, em plena vigência do AI-5, como exemplo, os “Jornais

como Árvore das Palavras e Sinba, o grupo de teatro Evolução, no interior de São Paulo, o

grupo Palmares, no Rio Grande do Sul, o Centro de Estudos de Arte Negra (CECAN), em São

Paulo, o bloco afro Ilê Ayê, em Salvador” (ALBERTI e PEREIRA, 2005 p. 2-3).

Nos anos de 1970, o Brasil começa a entrar em um processo de profundas

transformações que foram provocadas pelo descontentamento dos vários setores da sociedade,

que, apesar da repressão sofrida, denunciavam a violência praticada pelo regime militar.

Contudo, também porque o Brasil por volta da segunda metade desse período entra em uma

intensa crise econômica, provocada principalmente pelo fim do chamado “milagre

econômico”, que tinha suas bases em uma política econômica que se orientava pela ideia de

que era preciso fazer a riqueza crescer para depois distribuí-la (SKIDMORE, 1988).

Essa lógica era caracterizada pelo crescimento da economia brasileira em regime

bastante acelerado, com o ingresso maciço de capitais estrangeiros que foram investidos nas

empresas privadas brasileiras, estrangeiras (multinacionais) e também pelas empresas estatais,

cada uma se especializando em um determinado ramo de atividade industrial10

, objetivando

aumentar o mercado consumidor, tanto interno quanto externo. Esse modelo econômico

adotado pelo regime militar (1968-1974) foi uma combinação entre o Plano de Ação

Econômica do Governo (PAEG) e o Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED), posto

em prática durante o governo do general-presidente Costa e Silva (1967-1969) (MACARINI,

2005).

De acordo com Skidmore (1988), esse “milagre econômico” promoveu o crescimento da

economia brasileira até meados de 1974, quando então começa a dar indícios de seu

esgotamento, pois, por depender economicamente do capital estrangeiro, a dívida externa

chegou a proporções alarmantes, sendo minimizada pela manutenção das baixas taxas de juros

no mercado internacional e a expansão acelerada do PIB. O que acarretou elevados custos

sociais, principalmente para as camadas mais pobres, que tinham seus salários arrochados

provocando uma acentuada desigualdade da distribuição de renda.

10 De acordo com Skidmore, as empresas privadas brasileiras concentravam-se no setor chamado labour intesive,

isto é, indústria que apresenta fraca demanda de capital e forte demanda de mão-de-obra (têxtil, processamento

de alimentos, ou seja, bens de consumo não duráveis). As empresas multinacionais direcionavam suas atividades

para setores de capital intensive, de forte demanda de capital e relativa demanda de mão-de-obra (indústria

automobilística, eletrodoméstico, de máquinas, ou seja, de bem de consumo duráveis). As empresas estatais voltaram-se para setores ligados à “segurança nacional”, envolvendo indústria pesada, de geração de energia,

telecomunicação e até indústria bélica (SKIDMORE, 1988).

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Assim, nos anos finais do governo militar, o Brasil apresentava uma multiplicidade de

problemas acarretados principalmente pela alta da inflação e a diminuição da atividade

econômica. De acordo com Germano (2004), por volta de 1981, tem início no Brasil um

período de distúrbio econômico que conduziu o país à recessão e trouxe como consequência

uma ampla queda na produção industrial, o que originou um grande aumento na inflação. Esse

aumento acarretou a diminuição dos salários e o aumento do desemprego, que chegou a

patamares elevadíssimos.

Era imprescindível que houvesse uma mudança urgente nos rumos do país. Assim,

diante desses fatos, a sociedade civil se mobiliza e, em 1984, políticos de oposição, artistas,

jogadores de futebol e milhões de brasileiros participam do movimento “Diretas Já”. O

movimento era favorável à aprovação da Emenda Dante de Oliveira, que garantiria eleições

diretas para presidente, o que afiançaria a redemocratização do país, com a volta do governo

para a mão dos civis (FICO, 2005; LEONELLI e OLIVEIRA, 2004).

Apesar da grande reivindicação por eleições diretas, a emenda constitucional não foi

aprovada, mais líderes partidários do PMDB e PDS se articulam formando a Aliança

Democrática para disputar as eleições no Colégio Eleitoral. Como candidato da aliança,

Tancredo Neves vence as eleições por 480 votos contra 180 do candidato Paulo Maluf. A

eleição de Tancredo Neves, apesar de ter sido indireta, foi recebida com grande entusiasmo

pelo povo brasileiro, pois representava a volta dos civis para o governo brasileiro depois de 20

anos de comando militar. O presidente, no entanto, jamais assumiu, pois na véspera de sua

posse foi acometido de uma grave doença vindo a falecer, assumindo em seu lugar o seu vice

José Sarney (SKIDMORE, 1988).

Foi em meio a esse período histórico nacional que emergiram os chamados “novos”

movimentos sociais, que passam a participar da luta pela redemocratização do país,

proporcionando o surgimento de “novos personagens” (SADER, 1988). Como por exemplo, o

movimento feminista, os movimentos sociais populares, o Movimento dos Trabalhadores

Rurais sem Terra – MST, os grupos indígenas e o movimento negro que nesse processo de

redemocratização toma novas configurações.

O que caracteriza esses novos movimentos sociais é a busca pelo direito à cidadania,

por meio da visibilização de práticas de poder até, então, ocultadas na sociedade brasileira. E

as reivindicações que servem de base estão estruturadas na construção de uma sociedade mais

igualitária, não apenas no campo econômico, mas também no campo político, social e

cultural. Portanto, nota-se que os conflitos sociais não se ajustam apenas na esfera do

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tradicional sistema econômico-industrial, mas que as esferas de atuação alternativas dos

movimentos sociais acabariam por se compor, nomeadamente dentro do universo de

referências culturais e simbólicas (MELUCCI, 1989).

É nesse processo de surgimento desses novos movimentos sociais que se estrutura o

chamado movimento negro contemporâneo. Que emerge no ano de 1978, a partir de uma

reunião ocorrida em São Paulo, na qual estavam presentes diversos grupos e entidades negras,

como por exemplo: Grupo Afro-Latino América, Câmara do Comércio Afro-brasileiro, Jornal

Abertura, Jornal Capoeira, Grupo de Atletas e Grupo de Artistas Negros, e decidiram fundar o

Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial – MUCDR.

O MUCDR realizou um ato público nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo

no dia 07 de julho em protesto à discriminação sofrida por quatro jovens que foram proibidos

de entrar no Clube de Regatas Tietê por serem negros e em protesto à morte de Robson

Silveira da Luz, que foi torturado até a morte no 44º distrito de Guaianazes, em São Paulo.

Sendo batizado posteriormente como Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação

Racial (MNUCDR), em 23 de julho, e, em dezembro de 1979, chamado finalmente de

Movimento Negro Unificado (MNU) (BARCELOS, 1992; CARDOSO, 2002; HANCHARD,

2001; PEREIRA, 2010).

O MNU apresenta outra característica do movimento negro, reforçando a identidade

negra como positiva e passando a ter a cultura africana como referencial unificador da luta, e

refutando veementemente o mito da Democracia Racial, por meio de uma postura de

denúncia, demonstrando o caráter excludente produzido por ele, “negando o caráter cordial

das relações raciais e afirmando que, no Brasil, o racismo está entranhado nas relações

sociais” (GUIMARÃES, 2002, p. 56).

Pereira (2010) observa que, a conjuntura em que se formou o MNU – década de 1970

– favoreceu a demanda pela denúncia das condições de vida a que a população negra vinha

sendo submetida, disseminando-se assim, a ideia de transformação das relações sócio-racais.

Essa demanda pode ser observada entre os vários pontos defendidos pela “carta de

princípios”, divulgada alguns dias após o ato público que lançou o MNU, destacados abaixo:

Nós, membros da população negra brasileira […], CONVENCIDOS da

existência de: discriminação racial; marginalização racial, política,

econômica, social e cultural do povo negro; péssimas condições de vida:

desemprego; subemprego; discriminação na admissão em empregos e perseguição racial no trabalho; condições sub-humanas de vida dos

presídios; permanente repressão, perseguição e violência policial; exploração

sexual, econômica social da mulher negra; abandono e mau tratamento dos

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menores, negros em sua maioria; colonização, descaracterização,

esmagamento e comercialização de nossa cultura; mito da democracia racial. RESOLVEMOS juntar nossas forças e lutar por: defesa do povo negro em todos os aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais através da

conquista de: maiores oportunidades de emprego; melhor assistência à

saúde, à educação e à habitação; reavaliação da cultura negra e combate

sistemático à sua comercialização, folclorização e distorção; extinção de todas as formas de perseguição, exploração, repressão e violência a que

somos submetidos; liberdade de organização e de expressão do povo negro

[…] – grifos do documento original, (MNU, 1988, p.19).

Tais denúncias, e a crítica do discurso nacional hegemônico de igualdade racial

podem ser consideradas as grandes diferenças em relação às organizações negras do período

anterior, que traziam em suas bases uma proposta de caráter assimilacionista, que se apoiava

na inserção do negro na sociedade brasileira, todavia sem questionar os mecanismos

ideológicos que estavam presentes na estruturas sociais do país.

O movimento negro contemporâneo tem suas origens em uma rede de relações que se

estabelecem entre as várias entidades negras que se formaram no inicio da década de 1970,

como por exemplo: o Grupo Palmares, no Rio Grande do Sul, o Grupo de Teatro Evolução,

em São Paulo, dentre outros. De acordo com Pereira (2010), essas organizações tinham como

estratégias reuniões pautadas principalmente no estudo acerca da questão da discriminação

sofrida pelo negro ao longo dos séculos na sociedade brasileira, e a necessidade da busca da

construção de uma “consciência” negra, por meio da valorização da herança cultural africana,

com objetivo de edificar uma identidade racial positiva.

Esses debates se espraiam para várias partes do país, principalmente depois da

repercussão do ato público nas escadarias do Teatro Municipal, que marca a instituição do

MNU em 1978. A partir desse episódio, vários ativistas negros se sentem motivados a criar

entidades nos Estados onde ainda não havia organizações negras estabelecidas, esse foi o caso

do Pará, no qual surgiu o Cedenpa – Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará11

– que se

11 O Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará – Cedenpa foi fundado em 10 de agosto de 1980, por

Felisberto Damasceno, Edna Damasceno, Nilma Bentes, Zélia Amador de Deus, Brasilino Corrêa, dentre outros.

Da mesma forma como vinha acontecendo com as outras entidades negras surgidas no Brasil entre o final da

década de 1970 e década de 1980, a ênfase das ações foi a denúncia da discriminação racial e o enfoque a

construção de uma identidade negra positivada, por meio da valorização da cultura e história dos negros. O

Cedenpa desenvolveu várias ações visando promover mudanças quanto à questão racial no Estado do Pará, como manifestações públicas, que tinham o objetivo de desenvolver uma consciência política acerca da situação do

negro no Brasil, articulando-se com as várias entidades negras do Brasil, foi o principal agenciador do encontro

de negros da região norte, em 1987 realizado em Belém. Esses encontros eram fundamentais para a construção

das redes de relacionamento que se estabeleciam entre as várias organizações negras de todo Brasil no período

(BENTES, 2011).

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institui no início dos anos 1980, se destacando como uma das maiores organizações negras da

região norte (PEREIRA, 2010).

Expõe-nos Campos (2003) que, nessa fase, há também, o surgimento da organização

de mulheres afrodescendentes, que tem em sua base de luta tanto o combate à opressão racial,

quanto pela igualdade de gênero, dando forma a uma política feminista antirracista. É nessa

época que surge em São Paulo o Geledés-Instituto da Mulher Negra/SOS racismo, em Minas

gerais a Casa Dandara, que foi fundada visando a trabalhar a autoestima da mulher negra e,

para isso, referenciava-se em imagens belas e positivas da mulher negra.

As reivindicações por parte do movimento negro contemporâneo vão representar uma

quebra do silêncio quanto à questão das diferenças raciais, pois se passa a reconhecer toda

uma estrutura montada que reforça estereótipos negativos em relação ao negro, que foram

internalizados na sociedade brasileira demarcando os espaços por eles ocupados.

Portanto, a mudança na interpretação da situação do negro na sociedade brasileira

passa a ser orientada pela busca de uma consciência negra por meio do fortalecimento de sua

herança cultural que deveria ser recuperada visando à positivação da identidade

afrodescendente. E, também, pelo reconhecimento por parte do Estado de que o país não vive

em um “paraíso racial” e que são necessárias políticas públicas que possam dirimir as abissais

diferenças raciais existentes.

Com essas perspectivas, o movimento negro passa a pressionar o governo para que

desenvolva políticas públicas de reparação à população negra. Assim, o ano de 1995

representa um marco importante para essas reivindicações, pois se aproveitando das

comemorações dos 300 anos de morte de Zumbi dos Palmares, o movimento organizou uma

marcha em direção a Brasília que reuniu 10 mil negros, os quais levaram um documento ao

então presidente Fernando Henrique Cardoso no qual apresentavam suas demandas.

As respostas às pressões exercidas pelo movimento negro não tardaram a ser atendidas

pelo presidente, que criou grupos de trabalhos que tinham a incumbência de discutir as

questões raciais no Brasil. Logo de imediato foram criados dois grupos de trabalhos; de

acordo com Santos (2001, p.26):

No dia 20 de novembro de 1995, ao receber os lideres da Marcha Zumbi dos

Palmares Contra o Racismo, Pela Cidadania e a Vida, o presidente criou, por meio de Decreto, o Grupo Interministerial para valorização da população

negra (GTI) [...].Outro grupo de trabalho também surgiu em virtude da

pressão desses movimentos pela promoção da igualdade racial no Brasil foi

o Grupo de Trabalho para Eliminação da Discriminação no Emprego e na

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Ocupação (GTEDEO), criado por meio de outro Decreto de 20 de março de

1996, no âmbito do Ministério do Trabalho.

Apreendemos então, que esse período proporcionou ao movimento negro uma maior

mobilização, que diante do processo histórico de redemocratização pôde reivindicar seus

direitos e lutar pelo reconhecimento da discriminação racial existente no Brasil. Na busca por

esse reconhecimento, a educação foi eleita pelo movimento negro como um importante

aliado, pois foi constatado que nesse campo são formados e reforçados comportamentos e

ideias carregadas de racismo e preconceito em relação ao negro.

Perante tais constatações, fortaleceu-se o entendimento por parte da comunidade negra

de que era necessária a interferência do Estado, no sentido de criar políticas públicas nessa

área que visassem à superação da divida social para com a população negra. É sobre as

reivindicações por essas políticas que falaremos na seção seguinte.

1.2 AS REIVINDICAÇÕES DO MOVIMENTO NEGRO CONTEMPORÂNEO E O

CAMPO EDUCACIONAL

Para o movimento negro contemporâneo, o discurso apresentado nas escolas,

considerado não arbitrário e socialmente neutro, reproduz estereótipos negativos em relação

aos negros, por meio de mecanismos sutis de conservação das estruturas estabelecidas. Tais

mecanismos são representados pelos currículos adotados pelas escolas e pelos livros

didáticos, pois a ênfase dada tanto em um quanto em outro se centra apenas na cultura

dominante, que é apresentada como naturalmente superior e imposta como única forma

cultural existente. De acordo Theodoro e Jaccoud (2005, p.114):

Os estudantes não encontram no material didático e, em especial, nos livros

de História, um retrato consistente de sua origem e da história de seus

ancestrais. As crianças negras são confrontadas a versões parciais, freqüentemente negativas, quando não claramente racistas, tanto no que diz

respeito a povos que foram trazidos como escravos, sua cultura e história,

como no que se refere à sua luta pela liberdade, por melhores condições de vida e trabalho, pela construção do país e pela afirmação da república. As

imagens dos negros quando presente nos livros e material didático estão

fortemente marcadas por preconceitos e estereótipos inferiorizantes.

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Diante dessas comprovações, o movimento negro passa então a trazer dentre a sua

plataforma de ação a intervenção na educação, que era vista agora como um local no qual

poderiam ocorrer mudanças na visão que a sociedade brasileira construiu sobre o negro,

especialmente porque estereótipos que negativavam o indivíduo negro, colocando-os como

sempre inferiores em relação aos brancos, poderiam ser desconstruídos (CARDOSO, 2002).

Com essa expectativa, o movimento negro passou a pressionar o governo no sentido

de requerer ações que pudessem promover a superação do racismo e da discriminação na

sociedade brasileira. Destarte, tendo o campo educacional como seu principal foco, foi à

busca de políticas que pudessem superar a história de insucesso das crianças e jovens negros

no sistema educacional brasileiro.

A pressão exercida pelo movimento negro contemporâneo sobre as autoridades

brasileiras por mecanismos de superação da discriminação e do racismo no campo

educacional resultou em alguns progressos alcançados. Como exemplo, temos a

implementação de políticas de ação afirmativa12

com a reserva de cotas para negros nas

universidades e uma legislação relacionada à Educação das Relações Étnico-Raciais.

A respeito das políticas de ação afirmativa, destacamos que, para que tais políticas

pudessem se materializar havia uma imprescindível necessidade de o Estado brasileiro

reconhecer a existência do racismo no país, pois esse reconhecimento implicaria na criação

dessas ações públicas de favorecimento à população negra, porque, apesar de a Constituição

brasileira de 1988, em seu art. 5°, inciso XLII, que ganhou regulamentação por meio da Lei

Federal n.º 7.716 de 1989, ter criminalizado o racismo, isso não significou o reconhecimento

governamental da existência dele, pois nenhuma política concreta de benefício à população

negra se efetivou ainda nos anos 80. Somente em 1995 houve esse reconhecimento público.

Sobre esse processo de reconhecimento, assevera Santos (2005, p. 15):

12 As ações afirmativas definem-se como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero, por deficiência

física e de origem nacional, bem como para corrigir ou mitigar os efeitos presentes da discriminação praticada no

passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a

educação e o emprego [...]. Em síntese, tratam-se de políticas e de mecanismos de inclusão concebidos por

entidades públicas, privadas e por órgãos dotados de competência jurisdicional, com vistas à concretização de

um objetivo constitucional universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os

seres humanos têm direito (GOMES, 2003, p. 27). Para Theodoro e Jaccoud (2005, p. 113), a ação afirmativa

tem por objetivo possibilitar o acesso de grupos socais discriminados a certas oportunidades sociais. As políticas

afirmativas visam a estimular a participação destes grupos em determinados espaços sociais nos quais estão sub-

representados. Podem ser elencadas como ações afirmativas o estabelecimento de cotas em concursos públicos, a

fixação de cronogramas e metas para a ampliação da representação destes grupos em instituições ou empresas ou, ainda, em programas diversificados de qualificação de que são exemplo as experiências de concessão de

bolsas de estudos para afrodescendentes.

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Sob pressão dos movimentos negros, o governo Fernando Henrique Cardoso

iniciou publicamente o processo de discussão das relações raciais brasileiras,

em 1995, admitindo oficialmente, pela primeira vez na história brasileira, que os negros eram discriminados. Mais do que isso, ratificou a existência de

discriminação racial contra os negros no Brasil durante o seminário

internacional Multiculturalismo e racismo: o papel da ação afirmativa nos

estados democráticos contemporâneos, organizado pelo Ministério da Justiça em 1996.

No entanto, apesar desse reconhecimento, as discussões efetivas acerca da necessidade

de uma política de reparação à população negra só começam a ganhar substantiva importância

na ordem dos debates políticos no ano de 2001, devido ao processo preparatório para

participação do Brasil na III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial,

Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, realizada em Durban na África do Sul,

quando o Estado adota um discurso antirracista, colocando o tema no centro de sua agenda

política.

A intensificação desse debate se deu durante a Conferência, quando o relatório oficial

do governo brasileiro, elaborado com a participação do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (IPEA), foi divulgado, demonstrando em números oficiais as imensas distâncias

existentes entre negros e brancos no país. Esse mesmo documento foi incluído na indicação da

adoção de cotas para estudantes negros nas universidades públicas brasileiras (HENRIQUES

e CAVALLEIRO, 2005).

Vale destacar que algumas experiências com políticas compensatórias foram de suma

importância para que a discussão acerca da temática ganhasse espaço no Brasil. Como por

exemplo, as vividas em países como Índia, que foi o primeiro a implantar cotas com reserva

de vagas para cargos políticos e nas universidades, em benefício dos membros da “casta dos

intocáveis”, já a partir de 1950; a África do Sul, que, com o término do Apartheid, entrou em

um intenso processo de mobilização por parte das organizações civis com o objetivo claro de

estabelecer políticas de discriminação positiva para a população negra. E, especialmente, a

experiência bem-sucedida estadunidense, pois nesse país esse tipo de política já vinha sendo

implantada desde a década de 1960, representando grandes ganhos para a população afro-

americana, principalmente no que diz respeito ao ingresso no ensino superior que, entre os

anos de 1960 e 1995, alcançou um crescimento substancial de estudantes negros graduados,

que passou 5,4% para 15,4% no período (BERNARDINO, 2002, 2004; MUNANGA 2007).

Assim, após o término da conferência Durban, muitos atos por parte do Governo

Federal foram desempenhados em favor das políticas das ações afirmativas a serem

desenvolvidas pelos vários ministérios que compunham o Governo, como por exemplo, o

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Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), o Ministério da Justiça, Ministério da

Cultura, o Ministério da Educação e o Ministério das Relações Exteriores que criaram

medidas que beneficiavam a população negra (JACCOUD e BEGHIN, 2002).

Na mesma linha seguida por esses ministérios, o Supremo Tribunal Federal passa a

considerar constitucional o princípio das ações afirmativas e inclusive implanta algumas

medidas com esse teor dentro do próprio Tribunal, que também se espraia para o Tribunal

Superior do Trabalho (TST). É o que nos informa Jaccoud e Beghin (2002, p. 35):

No Judiciário, um passo importante é dado pelo Supremo Tribunal Federal

ao considerar constitucional o princípio da ação afirmativa. Ademais, o

próprio Tribunal passa a implementar algumas medidas de ações afirmativas. O mesmo se verifica no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho (TST),

que, a partir de 2002, implementa reserva legal de vagas nos contratos com

serviços de terceiros que garante uma participação de, no mínimo, 20% de

trabalhadores afrodescendentes. O TST também desenvolve atividades de sensibilização e divulgação por meio de publicações oficiais e de realização

de seminários.

Nesse mesmo período, as principais universidades brasileiras também encetaram

intensos debates sobre a inclusão de negros no ensino superior público, pois estudos

comprovavam que a presença de negros nas academias era inexpressível. Como exemplo

desses estudos, podemos citar Henriques (2001), que avaliando dados num período de mais de

70 anos, tomando como referência o ano de 1929, e cruzando dados quantitativos e

qualitativos, concluiu que: do total de universitários, 90% eram brancos e apenas 2% eram

negros; Teixeira (2003), que apresentou o perfil dos estudantes afrodescendentes nas

universidades, e os estudos de Queiroz (2003), dentre outros que demonstravam o quanto a

presença de negros nas academias brasileiras era inexpressível.

Tendo em vista a constatação desse quadro de exclusão do negro no ensino superior, o

movimento negro passa então a se mobilizar, em busca de mecanismos pelos quais esse

segmento populacional pudesse ter acesso a esse nível de ensino. Assim, a política de ação

afirmativa voltada para cotas com reserva de vagas aos negros nas universidades se

configurava como uma forma de reverter essa grande discrepância existente, que desfavorecia

a presença do negro na academia. Essa ausência também corroborava com grande desnível

educacional existente entre negros e brancos no Brasil. De acordo com Munanga (2003a):

[...] se por milagre o ensino básico e fundamental melhorar seus níveis para

que os alunos desses níveis de ensino possam competir igualmente no vestibular com os alunos oriundos dos colégios particulares bem abastecidos,

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os alunos negros levariam cerca de 32 anos para atingir o atual nível dos

alunos brancos. Isso supõe que os brancos fiquem parados em suas posições

atuais esperando a chegada dos negros, para juntos caminharem no mesmo pé de igualdade.

Assim, diante das demandas da população negra, algumas Instituições de ensino

superior começaram a adotar políticas de cotas raciais. O Estado do Rio de Janeiro é apontado

como um dos primeiro a adotar tais políticas em suas instituições de ensino superior. A UERJ

já no final de 2001 destinava 40% de suas vagas para pretos e pardos, seguida em 2004 pela

UNB, que foi a pioneira entre as universidades federais, e, já em 2005, diversas universidades

brasileiras passaram a adotar a política de cotas (QUEIROZ, 2005).

Além da política de cotas, outras medidas foram utilizadas para combater as

desigualdades raciais existentes na educação, como a criação de uma legislação relacionada à

Educação das Relações Étnico-Raciais. Caracterizada como um conjunto de documentos, que

mantendo cada qual sua especificidade, visam a desenvolver alterações da visão negativa que

se erigiu sobre a população negra brasileira, por meio de novas abordagens históricas, sociais

e culturais sobre o continente africano e da cultura afro-brasileira.

Foram elas: A Lei n.º 10.639/200313

, que alterou os artigos 26-A e 79-B da LDB e a

Lei n.º 9394/96, determinando a obrigatoriedade de estudos relacionados à História e Cultura

Afro-Brasileira nos diferentes níveis de ensino da educação básica, estabelecendo como

conteúdo programático nas disciplinas do currículo “o estudo da História da África e dos

Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na sociedade

nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política

pertinentes à História do Brasil”, (BRASIL, 2003). A Lei n.º 10639/2003, foi substituída pela

Lei 11.465/2008, que inclui em seu texto o estudo sobre o povo indígena na rede oficial de

ensino do país.

A Resolução do Conselho Nacional de Educação, CP/CNE n.º 1, de 17 de junho de

2004 instituiu diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e

para o ensino de História e cultura afro-brasileira e africana, a serem observadas pelas

instituições, em todos os níveis de ensino, em especial, por instituições que desenvolvem

13 A Lei n.º 10.639/2003, que teve seu projeto apresentado em 1999 pelos deputados federais Ester Grossi

(educadora do Rio Grande do Sul) e Bem-Hur Ferreira (oriundo do movimento negro do Mato Grosso), foi

sancionada pelo Presidente Lula no dia 09 de janeiro de 2003. Essa lei estabelece conteúdos pertinentes às

disciplinas História do Brasil, Educação Artística, Literatura, incluindo em seus eixos temáticos o estudo da

História da África e dos africanos, como também a cultura negra brasileira e o papel do negro na formação da sociedade brasileira, como um resgate à contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política

(DIAS, 2005).

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programas de formação inicial e continuada de professores. O Parecer 003/2004 do Conselho

Nacional de Educação-CNE/CP, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e

Africana. O Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para

Educação das Relações Étnico-raciais para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e

Africana.

De acordo com Santos (2005), foi pela primeira vez que, na história da política

educacional brasileira, o estudo da História e da cultura africana, bem como a luta dos negros,

são inseridos como eixos a serem evidenciados no currículo. Nessa perspectiva, o negro no

espaço brasileiro é visto não mais como inferior, mas como elo formador da sociedade

nacional, tendo resgatadas suas contribuições nas áreas social, econômica e política da

História do Brasil.

Nesse processo de debates, empreendidos pelo movimento negro contemporâneo de

busca de mecanismos sociais que pudessem promover mudanças nas estruturas da sociedade

brasileira em relação à questão racial, os intelectuais negros que estavam dentro das

universidades foram de fundamental importância.

Sobretudo porque por meio de suas pesquisas foi possível demonstrar ao povo brasileiro

em geral a situação a que a população negra estava submetida e dar suporte à sua luta por

políticas públicas como as ações afirmativas e os marcos regulatórios, bem como eles

desenvolveram trabalhos que lançaram elementos para a construção de uma identidade negra

positivada por meio da valorização de sua história e de sua cultura.

Assim, alguns pesquisadores negros, por volta do final da década de 1970, e décadas de

1980 e 1990, começaram a abordar diversas temáticas relativas à questão do negro nas várias

universidades por todas as regiões do país.

O campo educacional foi o principal foco, onde tais pesquisas se desenvolveram, porém

além dele, outras áreas do conhecimento se ocuparam do assunto, como a Antropologia,

Ciências Sociais e a Literatura com o objetivo tanto elucidar os problemas enfrentados pelo

negro no país, assim como também, lançar elementos para valorização da cultura e a

construção de uma identidade negra positiva, dentro dos parâmetros que indicados pelo

movimento negro contemporâneo.

Dentre esses pesquisadores que desenvolveram trabalhos com a perspectiva cultural e

identitária, destacamos o objeto de nossa pesquisa: Florentina da Silva Souza, a qual, nos

capítulos seguintes terá sua trajetória acadêmica analisada.

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CAPÍTULO II – A TRAJETÓRIA ACADÊMICA DA PESQUISADORA

FLORENTINA DA SILVA SOUZA

Neste segundo capítulo, apresentaremos a professora Florentina da Silva Souza e, por

meio da narrativa da trajetória de sua escolarização inicial, entenderemos as razões que a

levaram a optar em seguir a carreira da docência superior. Para realizar essa análise, partimos

de dois importantes aspectos detectados em sua entrevista: a influência da família em suas

escolhas e a importância da educação para o negro como forma de mudança de status social.

Na segunda seção, falaremos sobre como a temática racial passou a ser ponto central

nas pesquisas da professora Florentina Souza, destacando as ações empreendidas pelo

movimento negro contemporâneo no combate ao racismo e à discriminação na sociedade

brasileira como fator que evidenciará o debate da questão nesse período. Nesse contexto,

daremos ênfase para a marcha pela abolição como referência para o início de suas pesquisas,

já que esse evento é considerado como umas das principais manifestações instituídas pelo

movimento que permitirá as questões raciais ganhem relevo no cenário nacional, pois, em

vários Estados do país, foram organizadas manifestações que questionavam a verdadeira

importância da abolição para os negros.

2.1 AS RAZÕES DA ESCOLHA PELA PROFISSÃO DOCENTE

Para falar da trajetória acadêmica da intelectual Florentina Souza e por meio dela

entender como se deu o acesso dos negros às universidades brasileiras a partir do final da

década de 1970, dando outro caráter às investigações acerca da temática racial, é necessário

buscar em sua trajetória escolar as motivações que a levaram a trilhar pela carreira da

docência superior.

De acordo com os dados da entrevista fornecidos por Florentina Souza, a opção pela

carreira docente se deu por influência familiar, pois sua avó, mãe e irmãs eram professoras

primárias e quando ela terminou o chamado antigo primeiro grau, sua mãe entendia que ela

também deveria fazer o curso normal e se tornar professora, e assim, aos 17 anos, concluiu o

curso e tornou-se professora primária. É o que observamos em seu depoimento14

:

14 A entrevista com a professora Florentina da Silva Souza foi concedida no mês de julho de 2010, na

Universidade Estadual do Rio de Janeiro, durante o encontro da Associação Brasileira de Pesquisadores

(ABPN).

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Terminei o que era o segundo grau do Instituto Normal. Minha mãe é professora primária, minha avó foi professora primária, as irmãs de minha

mãe eram professoras primárias, então ela entendia que o caminho era eu

ser professora primária e depois fazer qualquer coisa. Então, quando eu terminei o segundo grau, me formei professora primária. Eu tinha 17 anos.

Ainda quando cursava o pedagógico, sua mãe dizia que ela deveria seguir uma

profissão além da sua, deveria ser professora de ginásio e, para alcançar esse objetivo, ela já

sabia que deveria fazer uma faculdade. Então, assim que terminou o curso normal decidiu

fazer faculdade de Letras, mas como sua formação inicial em escola pública em um curso

pedagógico não lhe permitia que ingressasse direto na universidade, resolveu fazer cursinho

pré-vestibular, o que então lhe deu condições de ser aprovada, em 1974, no curso de Letras

vernáculas na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Quando ainda estava terminando o segundo ano do curso de letras, candidatou-se a

uma vaga de monitoria da disciplina “Teoria da Literatura”, tendo conseguido o primeiro

lugar, tornou-se monitora de tal disciplina. Essa experiência a levou a descoberta de sua

verdadeira preferência, ela seria professora universitária.

Porém, como precisava ajudar a família, fez concurso para a Prefeitura da Bahia e

começou a trabalhar no ensino básico. Inicialmente, ministrou aula a alunos da alfabetização,

depois passou a trabalhar com o Ensino Médio (nesse período chamado de segundo grau).

Quando terminou sua graduação, decidiu se demitir porque tinha o objetivo de cursar o

mestrado, tendo sido aprovada no ano de 1980 no programa de Pós-Graduação em Letras da

Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Aplicando as noções conceituais de Bourdieu (1989), podemos avaliar a trajetória

inicial de Florentina e sua escolha pela carreira docente dentro da perspectiva que afirma que

a trajetória de um indivíduo (êxitos, fracassos, escolha de estabelecimento de ensino, opção

profissional) sofre influência, por um lado, do capital cultural transmitido diretamente da

família e, por outro, dos traços característicos de cada grupo social (ethos). Como afirma

Bourdieu (1989, p.05):

[...] cada família transmite à sua descendência uma herança cultural. Essa

herança puramente social é constituída pelo capital cultural e pelo ethos, que difere em cada fração de classe, segundo seu meio social de pertencimento.

Se por um lado, o ethos, que é o resultado do processo de apropriação das

probabilidades de êxito escolar, define a relação dos agentes sociais com o

capital cultural e com a escola, por outro, o capital cultural influencia diretamente os seus êxitos escolares.

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Utilizando essas formulações, é possível compreender que a escolha profissional de

Florentina Souza sofreu influência tanto da mecânica do campo social e da posição ocupada

por ela nesse campo, quanto da história da qual ela é o resultado, que permanece inscrita em

sua estrutura subjetiva e, por meio, dela na estrutura cognitiva, constituindo como decorrência

um habitus que estabelecerá uma matriz de percepções que tem como implicação as formas

de como ela percebe o mundo, os seus gostos culturais e as imagens construídas acerca dela

própria como pessoa, que a inclinou a fazer sua opção profissional.

Ou seja, sua preferência profissional como agente social localizada em um campo

social comum acaba sendo determinada pela oferta e a apropriação de capital cultural

socialmente disponível, o que orienta suas práticas sociais em termos de habitus

(BOURDIEU, 1989).

Assim, os princípios que norteiam as práticas, valores e condutas pessoais e

profissionais de Florentina não são inatos e “naturais”, mas sim, dizem respeito a esse habitus

internalizado no seio da família – no caso, o habitus primário; que somado ao habitus

secundário, engendrado em outros espaços sociais, como a escola, a igreja etc., acabam

formando o habitus do agente social adulto.

Isso se construiu com base em incentivos, investimentos na escolarização, pois, desde

cedo, ela já sabia que a docência seria a carreira profissional que deveria ser seguida. E,

apesar de não ser de uma família abastada, foram dadas a ela condições de superar obstáculos

que pudessem impedi-la de alcançar o sucesso escolar e, até mesmo, o incentivo a seguir uma

carreira docente diferente da de sua mãe, que era professora primária, ela por sua vez deveria

ser professora de ginásio. Para que isso ocorresse, deveria ingressar na universidade. É o que

verificamos no seguinte depoimento de Florentina Souza:

[...] antes mesmo de eu entrar na universidade minha mãe já dizia assim:

“eu sou professora primária, então você tem que ser chamada professora de

ginásio”; e pra ser professora de ginásio tinha que fazer a faculdade. Então,

eu já terminei sabendo que eu ia fazer uma coisa diferente do que a minha mãe tinha feito.

Portanto, entrar na faculdade e seguir a carreira docente seria um meio pelo qual ela

alcançaria ascensão social, ou seja, a educação desempenhou um papel importante na

trajetória de Florentina. É imperativo ressaltar que o campo social no qual Florentina Souza

estava inserida, no caso, uma família negra de classe média baixa, possibilitou-lhe o capital

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cultural necessário para que superasse o lugar social ocupado por sua mãe, que era professora

primária, conseguindo chegar a ser inicialmente professora secundária e ter o acesso à

universidade.

Contudo, mesmo ultrapassando esse lugar social, a profissão docente representou a

herança em termos de capital cultural que a sua família lhe transmitiu, no qual a educação é

vista como elemento de ascensão social e profissional – ou seja, de captação crescente de

capital cultural e a possibilidade de modificação progressiva do lugar social por meio do

status profissional.

A história da inserção do negro na sociedade brasileira pode nos dar parâmetros para

explicar a centralidade dada à educação pela família de Florentina como um meio de mudança

de status social. Pois, nos dizeres de Santos (2006), esse foi um dos canais encontrados para a

superação dos obstáculos impostos ao negro pela sociedade brasileira, que mesmo no período

anterior à abolição, sempre deu importância à apropriação do saber, pois lhe possibilitaria

uma forma de integração à sociedade.

De acordo ainda com esse autor, a valorização da educação formal foi, e ainda é, uma

das principais formas sociais empregadas pela população negra, pois “houve uma propensão

dos negros em valorizar a escola e a aprendizagem escolar como um bem supremo”

(SANTOS, 2006, p.21).

Essa valorização pode ser observada na própria história do movimento negro no

Brasil. Em face de perceberem que não havia uma preocupação por parte do governo

brasileiro em criar políticas públicas em benefício da população negra logo após a abolição, é

que as organizações negras do começo do século XX tomam para si a incumbência de educar

os afrodescendentes.

Essas organizações compreendiam que a educação caminhava de mãos dadas com a

conscientização política. Elas traziam como um dos fundamentais objetivos a luta pela

educação, que ora era vista como forma de os negros competirem com os brancos, ora como

forma de ascensão social, ora como meio de conscientização política (GONÇALVES e

SILVA 2002).

Nessa tarefa voltada para a educação do negro, podemos considerar como de vital

importância a ação desempenhada pela imprensa negra, que, nascida das organizações negras,

atuava na difusão de ideias que traziam como objetivo a valorização da raça, a divulgação de

seu patrimônio cultural, reivindicações, protestos, a inserção do negro na sociedade e,

destacadamente, um caráter pedagógico e instrutivo que dava importância à educação como

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uma forma de conquistar espaço em uma sociedade rigidamente hierarquizada. Como

exemplos dessa imprensa, temos alguns nomes de jornais que circulavam em São Paulo, que

eram: O Menelick (1915); A Rua (1916); O Xauter (1916); O Alfinete (1918); O Bandeirante

(1919); A Liberdade (1919); O Kosmos (1922); Getulino (1923), que possuíam um caráter

informativo de forma geral e de controle social do negro (FERRARA, 1982).

Gonçalves e Silva (2002) nos indicam que os artigos desses jornais incentivavam os

estudos, evidenciavam a importância de se preparar para o trabalho, faziam divulgação de

escolas ligadas às entidades negras, traziam mensagem com exortações aos pais que deveriam

encaminhar seus filhos à escola e aos adultos para que completassem ou iniciassem seus

estudos, pois saber ler e escrever seriam a principal condição de ascensão social.

Essa conscientização da população negra a respeito da educação pode ser observada na

citação feita por Santos e Salvadori (2006, p. 3614) do jornal O Alfinete:

[...] o combate ao analphabetismo, essa praga que nos fazem mais escravos do que quando o Brazil era uma feitoria; [...]. Vamos, meus amigos um

pouco de boa vontade, porque combater o analphabetismo é dever de honra

de todo brasileiro. Nós, homens de côr, conscientes dos nossos deveres, para com a nossa muito amada patria, desejamos que os homens, mulheres e

crianças da nossa raça aprendam a ler para obterem um lugar digno no seio

da sociedade brazileira (O Alfinete, n. 8, 9 de mar. de 1919, p. 1).

Por volta dos anos de 1940 do século XX, o discurso do movimento negro em relação

à educação começa a deixar de ter um caráter somente integracionista. A ação das várias

entidades, em especial a do Teatro Experimental Negro – TEN, passa a ter por objetivo o

resgate da memória, da cultura negra e de seus valores que foram sempre negados dentro de

uma sociedade que se escondiam por trás de mitos de igualdade. A partir desse momento, a

educação torna-se o local apropriado para difusão de uma identidade positiva do negro,

exigindo-se assim o reconhecimento da história de resistência dos afro-brasileiros por todos

os anos de escravidão e as suas contribuições na construção da identidade nacional

(NASCIMENTO, 1968).

De acordo com Gomes (2003), a partir da ação do TEN desencadearam-se diversos

focos de discussões e debates acerca das relações raciais no país e, como já vinha ocorrendo

com as organizações negras dos períodos anteriores, a educação continuou sendo uma das

principais bandeiras de luta do movimento.

Essa intensa luta que o TEN vinha promovendo – chegando a ser identificado por

alguns estudiosos, e dentre eles Florestan Fernandes (1978), como uma das organizações mais

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politizadas e ativas do movimento negro no período em que estava em ação, chegando até a

organizar em 1950 o 1º Congresso Negro, no Rio de Janeiro – enfraquece com a instalação da

ditadura militar em 1964, sendo praticamente extinto no ano de 1968, sobretudo porque o seu

principal líder, Abdias do Nascimento, foi mandado para o exílio nos Estados Unidos. Isso

representou uma derrota, mesmo que temporária, para a luta política dos negros, que entrou

em um processo de refluxo quando seus militantes foram perseguidos pelo governo militar,

acusados de criar problemas quando afirmavam que existia racismo no Brasil (DOMINGUES,

2007).

Em 1970, quando o movimento negro volta a se organizar, a educação continua a ser

vista pelos militantes como principal campo de ação, entretanto, além da integração e

valorização da cultura, passava a ser vista agora como um espaço no qual o racismo e a

discriminação poderiam ser combatidos. Como analisa Cardoso (2005, p. 23):

A intervenção no campo da educação marca o ativismo negro-brasileiro pós 70. Os movimentos negros constatam a falência do projeto da modernidade

onde a escola, como espaço democrático de socialização para inclusão

social, não tem efetivamente garantido inclusão com dignidade para uma parcela significativa da população brasileira. Diante do baixo desempenho

da criança e do jovem negro no sistema público de ensino no Brasil e da

responsabilização dos próprios negros na explicação hegemônica para esse critico desempenho, o Movimento Negro constata ser a educação um campo

privilegiado do enfrentamento do racismo.

Esses aspectos históricos ora apresentados nos certificam de que a instrução desponta

como principal meio de mudança de status que o negro poderia alcançar dentro de um espaço

social que, em regra geral, colocou-os em situação de inferioridade frente ao branco. Assim,

consideramos que sair do lugar que historicamente foi destinado aos negros, tendo como meio

a educação, significa romper com a regra social estabelecida, que se fundamenta

principalmente na falta de oportunidades educacionais que afetam diretamente a capacidade

de inserção do negro em setores de prestígio e poder da sociedade brasileira.

Foi o que aconteceu com a professora Florentina Souza, que, ao ingressar na

universidade, teve sua trajetória desviada da maioria dos negros, que tiveram as oportunidades

educacionais negadas e/ou dificultadas. Pois ela, contrariando as expectativas, rompe com os

obstáculos impostos e consegue ter acesso à universidade e passa a ocupar outro lugar social,

o que no período – final da década de 1970 – e ainda hoje, não é considerado comum a todos

os negros. Assim, tal acesso representa de fato uma forma de ascensão social para Florentina

Souza em relação à maioria dos negros no Brasil.

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Essa falta de oportunidades educacionais vivenciada pelos negros brasileiro nesse

período fica expressa em dados apresentados por alguns estudiosos que analisaram as grandes

diferenças educacionais existentes entre negros e brancos em nosso país, como por exemplo,

as pesquisas de Telles (2003) que baseadas em dados estatísticos oficiais que analisaram o

período 1960 e 1999, informa que os brancos diplomados nesse período aumentaram de 1,6%

para 10,5% enquanto os negros aumentaram de 0% para 2%, Isso indica que a taxa média

anual de aumento da titulação dos brancos foi de 0,23%, e a dos negros foi de 0,05% (quase

cinco vezes menor).

Observamos nesse lapso de tempo, um grande descompasso educacional entre negros

e brancos. De acordo com Rosemberg (1997) e Silva (2001, 2004) muitas foram as causas

apontadas para esse descompasso, uma delas passa pela qualidade do ensino das escolas

frequentadas pelos negros, em relação às escolas frequentadas pelos brancos. Outra causa

seria a própria estrutura educacional que mantém essas desigualdades nomeadamente por

meio do currículo que é praticado, de caráter homogeneizador quando valoriza apenas a

cultura dominante.

Porém, o fato da professora Florentina Souza ter superados os obstáculos educacionais

e alcançado um espaço que tradicionalmente não é considerado dos negros, ou seja, ter

ingressado na universidade, não significou que ela tenha se afastado de toda a problemática

vivida por um jovem negro que consegue romper barreiras sociais impostas e adentrar o

espaço acadêmico. Visto que, de acordo com sua entrevista, ela precisou conciliar estudo e

trabalho, pois quando ainda cursava graduação precisou arrumar um emprego como

professora para poder contribuir com a renda familiar. As pesquisas de Teixeira (2003)

indicam que a necessidade de tal conciliação é uma das grandes dificuldades enfrentadas

ainda hoje pela maioria dos estudantes negros que ingressam em uma universidade pública.

Além dessa necessidade de conciliar estudo e trabalho, Queiroz (2002) chama atenção

também para outro os obstáculos que podem ser oferecidos a um aluno negro nas relações

dentro da Universidade, designando essa como uma “aventura intelectual que gera

insegurança, ao estar em um terreno cheio de dúvidas, opacidade e possibilidades de fracasso”

(QUEIROZ, 2002, p. 33). A autora avalia ainda que esses fatores sejam bastante relevantes ao

aluno negro, que já traz consigo uma trajetória prévia marcada por rejeição, inadequação

social e estranhamento territorial.

Porém, a despeito das dificuldades vivenciadas pela professora Florentina em sua

trajetória acadêmica inicial – como, por exemplo, ter que trabalhar enquanto estudava – ela

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conclui seu curso de graduação em Letras, e, como tinha o objetivo seguir a carreira

acadêmica, presta concurso para o programa de Mestrado da Universidade Federal da Paraíba

em 1985, o que oportuniza sua entrada na carreira da docência superior, trabalhando

inicialmente na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UNESB), depois na

Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e, finalmente, em 1994, ingressou na Universidade

Federal da Bahia (UFBA), onde trabalha até o presente momento.

Observamos então que, com muito esforço, a Professora Florentina Souza conseguiu

alcançar os objetivos propostos para sua vida profissional, superou a tradição que vinha se

mantendo em relação às mulheres de sua família, alcançando o status social de professora

universitária.

E isso possui um grande significado, tanto no âmbito pessoal – já que ela pôde romper

as barreiras raciais e adentrar em um espaço no qual no período o negro era invisibilizado –,

quanto no que diz respeito às discussões acerca da temática racial. Pois, a partir do relato de

sua trajetória acadêmica, podemos entender como tal temática passa a fazer parte mais

efetivamente das discussões no espaço universitário.

2.3 AS PESQUISAS DE FLORENTINA SOUZA E A TEMÁTICA RACIAL

Quando a professora Florentina Souza adentrou a Universidade Federal da Bahia no

ano de 1974, as discussões acerca da questão racial eram ainda muito incipientes, pois devido

ao Regime Militar o assunto mais intensamente debatido pelos diretórios acadêmicos nas

universidades era sobre a ditadura e a questão da ausência de liberdade. Só em 1978, período

da fundação do MNU, é que um grupo de pessoas da UFBA começou a discutir a

possibilidade da criação do MNU na Bahia, porém nessa ocasião ela participou apenas de

duas reuniões, por causa de seu envolvimento com “as coisas do trabalho”. Assim nos expõe

ela:

[...] quando eu entrei na universidade foi em 74. Em 74, ainda estava aquela

coisa braba da repressão, da ditadura, então, na verdade, o que eu via mais

intensamente discutir na Universidade nessa época era a questão da ditadura, a questão da ausência de liberdade, isso que era mais discutido

em 74,75. Em 78, quando foi fundado o Movimento Negro Unificado, um

grupo da universidade começou a discutir a questão negra e juntou algumas pessoas, e nós começamos a discutir a possibilidade de fundação do

Movimento Negro Unificado na Bahia. Naquela altura eu participei de duas

ou três. Duas reuniões. Não participei mais ativamente, porque comecei a

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me envolver com as coisas do trabalho, e quando eu retorno a Salvador em

85, aí sim eu começo a me engajar, porque eu fui pra Paraíba, e depois fui

pra Conquista e, quando eu volto, aí sim eu comecei a me engajar no movimento negro [...].

Notamos, a partir de seu depoimento, que seu engajamento efetivo com o movimento

negro só vai ocorrer no final da década de 1980, após a conclusão do mestrado na

Universidade Federal da Paraíba, e a temática racial só começa a ser sistematicamente

trabalhada por ela por ocasião das comemorações dos 100 anos da abolição da escravatura.

Florentina nos diz que

Na década de 80, tinha todo aquele projeto de comemoração dos 100 anos

da abolição. Aí eu volto pra Salvador e naquele contexto de movimento social, de movimento com os meus amigos que estavam lá, estavam

envolvidos com a questão de discussão do movimento negro. 100 anos de

abolição, é abolição, não é abolição. [...] no bojo disso tudo, me pediram

um texto de alguma coisa de literatura de um escritor negro pra participar dessa coisa dos 100 anos de abolição e aí eu comecei a pesquisar.

Essa aproximação com a temática de forma mais intensa ocorreu porque, por ocasião

do centenário da abolição, o movimento negro estava em plena efervescência com um

discurso mais político, que trazia como uma de suas estratégias a denúncia de que o Mito da

Democracia Racial teria servido para sustentar ideologicamente a opressão do branco sobre a

população negra, legitimando a estrutura vigente de desigualdades raciais, por meios de

mecanismos sutis que serviram para excluir o negro dos vários espaços sociais

(HASENBALG, 1994).

Na tentativa de romper com esses mecanismos de exclusão, o movimento negro passa

a empreender uma intensa luta no sentido de demonstrar qual era a condição socioeconômica

a que a população negra vinha sendo submetida. E que essa situação vivenciada era fruto do

racismo e da discriminação que provocava catastróficas implicações sociais e dificultava o

“desenvolvimento de suas potencialidades individuais por não permitir o usufruto da

cidadania dessa parcela de brasileiros à qual era negada a igualdade de oportunidades que um

país deve oferecer” (JACCOUD e BEGHIN, 2002, p. 37).

Tal situação não era resultado do desdobramento de consequências econômicas e

sociais e sim fruto do pertencimento racial que contribuía decisivamente para alocar os negros

nos mais baixos níveis sociais. Ou seja, a marca do preconceito e da discriminação eram os

responsáveis pelas desigualdades de acesso às posições sociais e dos baixos índices

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socioeconômicos, o que evidenciava a necessidade de tornar ampla a compreensão de como o

preconceito atuava na sociedade (JACCOUD e BEGHIN, 2002).

Assim, os debates empreendidos pelo movimento negro desse período passam a

denunciar que o Estado brasileiro, ao se apropriar do discurso do Mito da Democracia Racial,

utiliza-o como uma forma de legitimar o lugar ocupado pelo negro na sociedade e,

naturalmente, de inibir a mobilização rumo à superação dos problemas vivenciados por essa

população ao longo dos anos. Segundo os membros do movimento, o discurso de igualdade

pressuposto por tal mito dificultou ao Estado e à sociedade civil em geral perceber o

preconceito e a discriminação alojados nas estruturas do país, já que pressupôs que a

hierarquização racial da população estava ligada principalmente a fatores econômicos e não à

marca racial.

O fervor nas discussões em torno da questão racial foi possível graças ao

enfraquecimento do regime militar e ao crescente processo de democratização caracterizado

pela abertura política, que permitiu uma nova fase de mobilização negra. Tendo nesse

momento à frente de suas reivindicações o MNU, que procurava demonstrar que a falta de

oportunidades sociais vivida pelos negros estava no racismo e na discriminação que imperava

na sociedade brasileira.

Portanto, quando se instala o processo de abertura política, os alicerces políticos,

sociais, econômicos e ideológicos que sustentavam o Estado passam a ser colocados em

xeque, por meio das ações dos vários movimentos sociais que emergem no período. Nessa

conjuntura, o Mito da Democracia Racial passa a ser questionado, tendo como questão crucial

a denúncia da existência do racismo e da discriminação na sociedade brasileira. Para

Kossiling (2007, p. 31):

Com o clima de “abertura política”, houve novas possibilidades legais para

os movimentos sociais e políticos o que, sem dúvida, foi aproveitado

também pelos movimentos negros que intensificaram suas campanhas. [...]. Foi justamente na “abertura política” em que as lutas anti-racistas ganharam

maior ação com o movimento contra a discriminação racial (MNCDR) e em

seguida, com o Movimento Negro Unificado, MNU.

Em todos os documentos elaborados pelo MNU desde sua fundação, a denúncia do

racismo e a busca de uma verdadeira Democracia Racial aparecem como um dos pontos

principais a ser trabalhado pelos militantes. É o que se pode observar, por exemplo, na “Carta

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Aberta à População”15

divulgada no ato público realizado em 1978 nas escadarias do Teatro

Municipal, que foi considerado a primeira grande manifestação negra do período

contemporâneo, tornando-se um ponto referencial na história dos protestos negros, porque

marca uma nova fase da luta antirracista, que passa a ter a partir desse momento projeção

nacional (HANCHARD, 2001; GUIMARÃES, 1999).

Outra questão reclamada pelo movimento negro contemporâneo foi o papel do negro

como um dos principais agentes da História do país, o que implicava em uma ampla discussão

acerca da história, da cultura e do real lugar do negro na construção da sociedade brasileira.

Foi dentro desse aspecto que o 13 de maio, dia da abolição da escravatura, começa a ser

contestado, pois o protagonismo da abolição passa a ser reivindicado pelos negros, tendo

como principal referência Zumbi dos Palmares e não a princesa Izabel. Dessa forma, a data a

ser comemorada pela liberdade dos negros deveria ser o 20 de novembro, dia da morte de

Zumbi dos Palmares, e não o 13 de maio, que para os negros era vazio de significados

(PEREIRA, 2010).

Portanto, os atos pelo centenário da abolição promovidos pelo Movimento Negro em

todo território nacional traziam como alvos fundamentais as discussões acerca da

desmistificação do constructo histórico do significado da abolição para população negra, que

após ganhar a liberdade foi abandonado à sua própria sorte, sem qualquer política por parte do

Governo que pudesse favorecer sua integração à sociedade.

O questionamento da harmonia racial foi apontado como um dos elementos

responsáveis pelo racismo existente no Brasil, que seria um racismo de natureza silenciosa,

15 Carta Aberta a População, 07 de julho de 1978 – Contra O Racismo – “Hoje estamos nas ruas numa

campanha de denúncia! Campanha contra a discriminação e a discriminação racial, contra opressão policial,

contra o desemprego, o sub-emprego e a marginalização. Estamos nas ruas para denunciar as péssimas condições

de vida da comunidade negra. Hoje é um dia histórico. Um novo dia começa a surgir para o negro! Estamos

saindo das salas de reuniões, das salas de conferência e estamos indo para as ruas. Um novo passo dado na luta

contra o racismo. Os racistas do Clube de Regatas Tietê que se cubram, pois exigiremos justiça. Exigiremos

Justiça! O MOVIMENTO UNIFICADO CONTRA A DISCRIMINAÇÃO RACIAL foi criado para se um

instrumento de luta da Comunidade Negra. Este movimento deve ter como princípio básico o trabalho de denúncia permanente da Comunidade para enfrentarmos todo e qualquer tipo de racismo. [...] É necessário

buscar formas de organização. É preciso garantir que este movimento seja um forte movimento de luta

permanente da comunidade, onde todos participem de verdade, definindo os caminhos do movimento. Por isso

chamamos todos a engrossarem o MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO CONTRA DISCRIMINAÇÃO

RACIAL. Portanto, propomos a criação de CENTRO DE LUTAS DO MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO

CONTRA A DISCRIMINAÇÃO RACIAL, nos bairros, nas vilas, nas prisões, nos terreiros de candomblé, nos

terreiros de umbanda, nos locais de trabalho, nas escolas de samba, nas igrejas, em todo lugar onde o negro vive;

CENTROS DE LUTA que promovam o debate, a informação, a conscientização e organização da comunidade

negra, tornando-nos um movimento forte, ativo e combatente, levando o negro a participar em todos os setores

democráticos da sociedade (para) que nos apóiem, criando condições necessárias para criar uma verdadeira

democracia racial. CONTRA A DISCRIMINAÇÃO RACIAL. CONTRA A OPRESSÃO POLICIAL. PELA AMPLIAÇÃO DO MOVIMENTO. POR UMA AUTENTICA DEMOCRACIA RACIAL” – grifos do autor,

(PEREIRA, 2010, p. 164).

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ocultado por trás de um discurso universalista de igualdade, com procedência na relação

paternalista e clientelista que se instituiu na sociedade brasileira (SCHWARCZ, 1999).

Alguns estudiosos apontam as comemorações do centenário da abolição como de

extrema importância para as discussões acerca das questões raciais no Brasil, por ser pela

primeira vez que tais assuntos tomam tamanha evidência no cenário nacional. Sobre essa a

importância, informa Hanchard (2001, p. 168):

Foi a primeira vez em que múltiplas formas de desigualdade racial contra

afro-brasileiros tornaram-se um tema preponderante do debate nacional. Para os afro-brasileiros, os eventos dessa comemoração representam uma das

poucas ocasiões, no período do pós-guerra, em que eles exerceram ações

coletivas contra as práticas estatais, tanto discursivas e contra as atitudes do

censo comum, na sociedade civil a respeito da história e do legado permanente da opressão afro-brasileira.

Os eventos pela comemoração do centenário sucederam de várias formas, como por

exemplo, manifestações culturais, passeatas, debates acadêmicos nas várias cidades

brasileiras, ocorrendo em vários espaços, tantos institucionais como bibliotecas, museus ou

em espaços públicos. Uma das manifestações de grande repercussão nacional e internacional

foi a manifestação que ocorreu no Rio de Janeiro, no bairro da Candelária, no centro da

cidade, a chamada “Marcha contra a farsa da abolição”, que no seu trajeto passaria em frente

ao busto de Duque de Caxias, patrono do Exército brasileiro.

A evidência dada a essa manifestação foi porque o exército organizou um grande

aparato militar para impedir que ela passasse em frente ao busto de Caxias, que, segundo

informações recebidas pela cúpula do exército, seria desrespeitado pelos manifestantes

(CARVALHO, 2005; PEREIRA, 2010).

Gorender (1991), analisando os jornais da época que traziam notícias sobre os eventos

que envolviam as comemorações do dia 13 de maio, observou que todos os eventos

relacionados com a data traziam como ponto central em vez da comemoração o repúdio

materializado pela negação “não houve abolição”.

Esse autor aponta que os discursos acerca do centenário já eram emocionantes desde o

ano anterior, quando o movimento negro agitava a opinião pública com panfletos e debates

críticos, havendo em várias partes do país algumas manifestações que chegavam ao extremo

de queimar uma boneca para mostrar a morte simbólica da princesa Izabel e,

consequentemente, a morte de uma heroína nacional.

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Assim, como ocorreu por todos os estados do país, na Bahia também as manifestações

foram intensas. E no processo de discussão que ocorreu nesse estado, foi solicitado à

professora Florentina que escrevesse um texto que tivesse como temática algum escritor

negro. Começou então a levantar dados que poderiam servir para a construção desse escrito e

encontrou algum material que poderia lhe ser útil para o desenvolvimento do trabalho, como

por exemplo, os Cadernos Negros16

. No entanto, optou escrever sobre Luiz Gama17

o que ela

chamou de “seu primeiro investimento”; um pequeno texto publicado em uma revista de

educação em Salvador. Sobre esse fato assim nos diz ela:

[...] me pediram um texto de alguma coisa de literatura de um escritor negro pra participar dessa coisa dos 100 anos de abolição, e aí eu comecei a

pesquisar, a pesquisar, e encontrei um Caderno Negro. Nessa época em 85,

86, tinha uma livraria que vendia os cadernos negros; eles fizeram uma exposição, e eu comprei alguns volumes que eu achei, mas não trabalhei

com os cadernos negros. Resolvi trabalhar com O Luiz Gama [...]

A solicitação para que Florentina escrevesse um texto que desse destaque à literatura

negra obedeceu às várias formas de manifestações empreendidas no período das

16 Em 1978, surgiu o primeiro volume da série CADERNOS NEGROS com oito poetas que dividiam os custos

do livro. Publicado em formato de bolso com 52 páginas. A publicação, vendida principalmente em um grande

lançamento, circulou posteriormente de mão em mão, sendo distribuída para poucas livrarias, mas obteve um

expressivo retorno dos que tiveram acesso a ela. Desde então, e ininterruptamente, foram lançados outros

volumes – um por ano – alternando poemas e contos de estilos diversos. A distribuição aperfeiçoou-se

procurando chegar a um público mais amplo e diversificado do que aquele atingido pelos primeiros volumes.

Escritores de vários Estados do Brasil vêm publicando nos Cadernos. É preciso assinalar que não existem outras

antologias publicadas regularmente com textos de autores afro-brasileiros, em grande parte devido às

dificuldades financeiras inerentes às publicações deste tipo. Sendo assim, os Cadernos têm sido um importante

veículo para dar visibilidade à literatura negra. Disponível em:<www.quilobhoje.com.br.>. Acessado em 17 de

setembro de 2010. 17 O poeta Luiz Gama nasceu a 21 de junho de 1830, em Salvador, Bahia. Além do que contou o próprio poeta

sobre a sua vida, nada se sabe sobre a sua infância, alguma coisa se sabe sobre a sua juventude, e há inúmeros

documentos relativos a feitos de sua maturidade. Três características de Luiz Gama são decisivas para

compreender o interesse por sua história tão recontada: era negro, foi escravo, tornou-se herói abolicionista.

Luíza Mahin, sua mãe, negra livre e muçulmana, foi presa várias vezes como suspeita de envolver-se em revolta

de escravos na Bahia; fugiu para o Rio de Janeiro em 1837 e desapareceu anos mais tarde. O pai de Gama, do qual se desconhece o nome, pode ter pertencido a uma importante família de origem portuguesa; em grave crise

financeira, vendeu o filho como escravo em 1840. O escravo Luiz Gama não foi comprado no Rio de Janeiro e

em Campinas por ser “baiano” (como anotou em carta a Lúcio de Mendonça). Rejeitado pelos compradores, foi

conduzido à casa do escravocrata Antônio Pereira Cardoso em Lorena-SP. Em 1847, desenvolveu amizade com

Antônio Rodrigues do Prado Júnior, que o iniciou nas primeiras letras. Após sete anos de cativeiro, aprendeu a

ler e a escrever, reconquistou a liberdade apresentando provas ainda hoje ignoradas, tornou-se militar (época em

que foi preso por insultar um oficial), foi também escrivão, amanuense da Secretária de Polícia até 1868 (quando

foi demitido por “turbulento e sedicioso”), foi jornalista e poeta. Luiz Gama, sob pseudônimo, publicou o seu

único livro de poemas, Primeiras Trovas Burlescas de Getulino, em 1859, animando-se a uma segunda edição

em 1861 (esta já sem o pseudônimo). Nesse mesmo período, já havia começado a advogar (sem diploma),

libertando até o fim da vida inúmeros escravos; segundo seu próprio depoimento, mais de 500 (OLIVEIRA, 2006, p. 20-21).

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comemorações do centenário da abolição, tendo em vista que uma das estratégias do

movimento negro contemporâneo era a positivação da identidade negra, por meio da

valorização de sua história, de sua cultura, na busca da chamada “consciência da negritude”

que enfatizava os valores positivos do povo negro.

A negritude nesse contexto era entendida pelo movimento negro como forma de

mobilização e resistência ao racismo existente no Brasil, por se configurar como combate à

herança assimétrica provinda da escravidão e de teorias racialistas do século XIX.

De acordo com Nascimento (2003), tais teorias produziram um histórico e um

imaginário sobre as representações acerca do negro na sociedade brasileira, se caracterizando

pela construção de estereótipos e estigmas que demarcaram as fronteiras e ganharam formas

nas práticas interpessoais, sociais e institucionais. E mesmo depois que tais teorias foram

superadas, continuou a subsistir no imaginário social.

Vale destacar que o sentido adotado de negritude pelo movimento negro a partir da

década de 1970 adquiriu novas significações, dentro de um sentido mais elástico, que

compreende a cultura, a religião, manifestações lúdicas e estéticas de afirmação racial (bailes

da comunidade negra, grupos de danças e música afro), bem como engajamento antirracista,

instituídos pelas várias entidades do movimento negro contemporâneo, diferente do período

anterior que tinha suas bases centradas na afirmação dos valores negros como uma resposta

dos negros brasileiros em ascensão social à ideologia do branqueamento (DOMINGUES,

2005).

Desse modo, o trabalho que Florentina escreveu sobre Luiz Gama pode ser

compreendido dentro desse processo da consciência da negritude, pois, ao dar destaque a um

autor negro, ela procura legitimar uma cultura que era vista como inferior dentro de um

sistema de valores hegemônicos presentes na sociedade brasileira, e reforçar uma identidade

negra positivada.

É nesse contexto histórico do centenário da abolição que a professora Florentina

Souza passa então a se afirmar na questão étnico-racial, tanto na perspectiva acadêmica como

também de militância participativa, pois, a partir desse momento, passa a ser chamada por

várias entidades para falar acerca da literatura negra como uma forma de resistência à

discriminação e ao racismo.

Nesse momento, também começa a inserir autores negros em suas aulas nos cursos de

graduação da Universidade Católica de Salvador (UCSAL) e na Universidade do Estado da

Bahia (UNEB) onde atuava. No entanto, um trabalho de pesquisa mais sistemático só vai

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ocorrer quando ela ingressa no ano de 1994, na Universidade Federal da Bahia (UFBA) como

docente e passa a desenvolver um trabalho com mulheres negras, fazendo levantamento de

instrutoras negras, que é interrompido quando sai para cursar o doutorado. Somente na sua

volta, já no ano 2000, que ela então constitui seu próprio grupo de pesquisa. Como nos relata:

Em 1985, eu retorno a Salvador. Foi quando me firmei mesmo na questão étnica, tanto na perspectiva acadêmica, como também na atuação, não de

militância diretiva, mas de militância participativa de várias entidades do

movimento negro que eu era convidada para fala. Aí você vai percebendo a demanda. […] em 94, eu ingresso na UFBA, aí sim eu começo a trabalhar.

Primeiro comecei a trabalhar com mulheres negras, fazendo um

levantamento de instrutoras negras em um grupo que já existia lá, mas não

me senti muito bem no grupo, aí foi quando eu saio para o doutorado, e quando eu voltei fiquei com uma outra professora que trabalhava

reconfigurações de identidade, ela trabalhava com questão de índio e tal, aí

ficamos juntas e depois eu organizei meu próprio grupo de pesquisa.

Observamos que, até 1988, as pesquisas da professora Florentina Souza não se

voltaram para a temática racial, tanto que em 1980, quando ingressou no Programa de

Mestrado da Universidade Federal de Pernambuco, a temática desenvolvida em sua

dissertação foi o livro Maíra de Darcy Ribeiro. De acordo com ela, quando ingressou no

programa de pós-graduação da referida universidade levou consigo dois projetos que

poderiam ser desenvolvidos em sua dissertação:

Uma proposta era trabalhar com Clarisse Lispector, gostei muito na

graduação, e a outra era trabalhar com Lima Barreto. Então, eu levei essas

propostas, mas essas duas propostas não tiveram muita, não tiveram muita

não – vou falar bem claramente – elas não foram acolhidas. Então, eu

comecei a procurar outras coisas pra trabalhar, o que é que eu vou

pesquisar? O que é que eu vou pesquisar... E uma pessoa que poderia vir a ser minha orientadora falou: “Por que é que você não faz a pesquisa sobre

índio? tem Kuarupe, tem Maíra”. Aí eu fui lá, li Kuarupe e não gostei muito,

li Maíra e gostei e aí fiz o trabalho sobre Maíra [...]

Podemos justificar o fato de no mestrado ela não ter podido trazer como objeto de

pesquisa o negro em sua dissertação, pelo próprio arcabouço de conhecimento no qual as

universidades estavam embasadas, que privilegiava cânones hegemônicos de cunho

universalista, que enfatizam código e valores ocidentais dados como verdadeiros, em

detrimento dos demais valores que são colocados como inferiorizados. Como nos confirma

Silva (2006, p. 01):

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Na universidade, prevalece um tipo de saber pretensamente científico e

racional, branco, eurocêntrico e excludente da cultura e saber populares. Eis

os alicerces da nossa universidade, os quais foram sedimentados pela colonização que, seguindo a modernidade ocidental, impôs um padrão

dominante, erigido como novo dogma substituto à teologia. Em outras

palavras, na universidade assimilamos acriticamente um modelo racional

científico de saber, oficial e pretensamente neutro, legitimado em si mesmo.

Aliado a isso, por ser a universidade uma das partes da sociedade, tal conhecimento

científico instituído também reflete o ideal de sociedade adotado pelo Estado brasileiro, que

assumiu em termos raciais o princípio da harmonia, fundamentado na ideologia da

democracia racial, que forjou a identidade nacional sem preconceito, discriminação e ódio

raciais, especialmente quando confrontada com a sociedade americana, que, ao contrário,

apresentava fortes antagonismos raciais (SANTOS,1999). Esse princípio obscureceu as

desigualdades raciais, cooperando para que a discussão acerca da questão racial não fosse

considerada relevante na universidade.

Ir de encontro a esses princípios de nação, significava ir contra o próprio Estado

brasileiro. Porque tal discussão poderia contestar a posição adotada claramente pelo Governo

militar, de que no Brasil se viveria em uma harmonia racial. Desta forma, “a democracia

racial acabara por associar-se em demasia ao sentimento de nacionalidade, à ideologia oficial

do regime militar” (GUIMARÃES, 2001, p. 125).

Outro fator que podemos considerar como colaborador para a invisibilidade da

temática racial na academia foi o propósito para o qual a universidade foi criada, pois desde

sua fundação nunca foi um espaço de acesso das minorias, era reservado aos filhos daqueles

que desde a infância são preparados para percorrer os caminhos que lhes permite alcançar

uma formação universitária, porque suas famílias têm condições econômicas e culturais para

tanto, isto é, são depositários de um capital cultural, o que explica o seu caráter fortemente

seletivo (QUEIROZ, 2003).

Segundo Bourdieu (2008), o êxito do aluno tem como elemento determinante a

herança cultural que lhe foi transmitida no seio familiar, por conseguinte, os resultados

obtidos ao longo da trajetória escolar, inclusive nos níveis mais altos de escolarização, como

o ensino superior, estão relacionados às propriedades culturais que são transmitidas pela

família. No caso do estudante negro, a aquisição desse capital cultural é comprometida pela

história de exclusão vivida que dificulta que ele preencha os requisitos necessários para se

inserir no mundo acadêmico.

Assim, podemos entender a universidade como um espaço de elite ao qual a

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população negra teve pouco ou nenhum acesso, porque muitas barreiras foram impostas para

o seu ingresso aos quadros acadêmico. É o que podemos observar dos casos acontecido ainda

na década de 50 com Guerreiro Ramos e Edison Carneiro, que, apesar de apresentarem

notório saber e um grande brilho intelectual, suas entradas como professor na UFRJ foi

barrada sem maiores explicações. É o que nos informa Carvalho (2005, p. 4)

Guerreiro Ramos, sociólogo negro, egresso da primeira turma de filosofia da

Universidade do Rio de Janeiro, apesar de seu brilho intelectual, ele não se tornou professor da UFRJ, tendo sido barrado no concurso para professor.

No final de sua vida contou esse episodio de um modo dramático. Na

verdade ele declarou em uma entrevista histórica, ter sido vitima de racismo, os professores brancos da UFRJ não o queriam em seu meio excludente. [...]

Edison Carneiro também foi outro intelectual negro que tentou ser professor

da UFRJ. Ele tinha sido presidente da Campanha Nacional de defesa do Folclore brasileiro e ia substituir Artur Ramos seu professor de Antropologia.

Ele também perdeu esse concurso para alguém que nem sequer de longe

possuía uma produção cientifica comparável à de Edison Carneiro.

Assim, tanto o saber científico pretensamente neutro difundido pelas universidades, o

propósito de sua criação, quanto o ideal de nação adotado pelo Estado brasileiro colaboraram

para que o debate acerca do racismo e da discriminação contra os negros fosse silenciado no

mundo acadêmico, porque, baseado no pensamento preconizado por Freyre (1963), o Brasil

era um grande caldeirão cultural, onde não havia diferenças entre raças. E se de alguma forma

o preconceito racial viesse a ocorrer no Brasil, dizia respeito apenas a casos extremamente

isolados.

Esses fatores aliados contribuíram para instalação do silenciamento da questão do

racismo no campo acadêmico, com as universidades ficando sempre fora desse debate.

Contudo, lembramos que esse processo começa a ser rompido por volta do final da década de

1970, quando o movimento negro inicia a luta contra a grande exclusão social vivenciada

pelos negros no país, demonstrando que as diferenças e desigualdades sociais entre negros e

brancos acumulados ao longo da história do Brasil, suscitou a existência de dois mundos: o

mundo dos negros e o mundo dos brancos (HASENBALG, 1994).

Os questionamentos e a busca por mudanças no que tange à posição do negro na

sociedade brasileira ganha eco dentro do espaço acadêmico, propiciando uma mudança no

tratamento da temática, refletidas inclusive na abertura de linhas de pesquisas que abordam a

temática, principalmente na área da educação, entendida nesse período, como ponto fulcral

para o combate da discriminação e do racismo.

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Ressaltamos então, que as análises feitas vão demonstrar os anos 1970 e os anos 1980

e 1990 como momentos demarcadores para o ativismo negro, porque vão ser lançadas as

bases para muito do que foi conquistado hoje pela população negra, pois é nesse período que a

questão racial começa a se tornar pauta de debate nas várias instâncias da sociedade.

Tais debates vão ser efetivados principalmente por meio de intelectuais negros que

adentraram as universidades nesse período, pois passam a argumentar sobre a questão racial a

partir de sua própria vivencia e da área de conhecimento na qual estão inseridos.

É o que podemos observar a partir da trajetória acadêmica da professora Florentina

Souza, que passa a centrar suas pesquisas na questão racial, tendo como ponto de destaque de

suas análises a literatura, que é a área da qual ele se ocupa.

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CAPÍTULO III – A TEMÁTICA RACIAL COMO CENTRO DAS PESQUISAS DE

FLORENTINA SOUZA

Este capítulo será apresentado em três seções, na primeira faremos uma análise sobre a

entrada de pesquisadores negros nas universidades no final de 1970 e décadas de 1980 e 1990.

Essa entrada pode ser entendida como consequência das reivindicações do Movimento Negro

ao longo do tempo. Dessa forma, para entendermos esse processo de ingresso dos negros nas

universidades como pesquisadores, faremos uso de dados empíricos retirados do sítio da

Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), que tem cadastrado em seu banco de

dados pesquisadores negros oriundos de diversos pontos do país.

Na segunda seção, falaremos dos obstáculos que a professora Florentina Souza

encontrou desde o início de sua carreira quando ingressou como professora na Universidade

do Sudoeste da Bahia (UNESB) até o momento que se consolidou como professora da

Universidade Federal da Bahia (UFBA). Na terceira seção, abordaremos acerca de sua

produção acadêmica, na perspectiva de explicar como a temática racial foi trabalhada por ela

em seu campo de conhecimento – o campo literário. Tomando como referência seu currículo

lattes, daremos destaque a algumas de suas produções que servem para demonstrar quais os

caminhos teóricos/metodológicos adotados na construção de suas argumentações.

3.1 A ENTRADA DOS PESQUISADORES NEGROS NA UNIVERSIDADE

Por volta do final dos anos 70 em diante, há grande crescimento de pesquisas que

traziam a temática racial como objeto de investigação nas várias universidades brasileiras,

(PINTO, 1987). Esse crescimento é demonstrado nas tabelas abaixo, retirada das pesquisas

sobre o negro e a educação no Brasil, de Cristiane Ribeiro (2005) 18

.

18 Ribeiro (2005) em suas pesquisas analisou 101 trabalhos entre dissertações de mestrado, teses de doutorado e

trabalhos de livre docência, no período de 1970 a 2004, que traziam como objeto de estudo o negro e a educação,

com o objetivo de conhecer quais propostas educacionais esses pesquisadores davam evidencia em suas

análises. Tal trablho foi utilizado como fonte porque o período abrangido por nossa pesquisas se inseri nos

dados estatísticos apresentados pela autora.

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Tabela 1: Distribuição das pesquisas sobre negro e educação por instituição

Universidade Percentual

Universidade de São Paulo 18,8%

Universidade Federal de Minas Gerais 10,8%

Universidade Federal do Rio Grande do Sul 9,9%

Universidade Federal da Bahia 9,9%

Universidade de Campinas 7,9%

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 5,9%

Universidade Federal de São Carlos 3,9%

Universidade Estadual do Rio de Janeiro 2,9%

Universidade Federal do Ceará 2,9%

Pontifícia Universidade Católica do Rio 2,9%

Universidade Federal Fluminense 1,9%

Universidade Federal do Mato Grosso 1,9%

Fundação Getúlio Vargas 1,9%

Universidade Federal de Uberlândia 1,9%

Universidade de Santa Catarina 1,9%

Universidade Federal de Santa Maria 0,9%

Universidade Metodista de Piracicaba 0,9%

Universidade Federal do Piauí 0,9%

UNISINOS 0,9%

Instituto – IUPERJ 0,9%

Universidade Federal do Paraná 0,9%

Universidade Federal da Paraíba 0,9%

Universidade de Brasília 0,9%

Pontifícia Universidade Católica de Campinas 0,9%

Universidade Estadual de São Paulo 0,9%

Universidade Federal de Pernambuco 0,9%

Universidade Federal do Rio de Janeiro 0,9%

Universidade Federal do Mato Grosso do Sul 0,9%

Total 99,85%

Fonte: Ribeiro (2005).

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Tabela 2: Pesquisas sobre o negro, por área de conhecimento.

Área do Conhecimento Percentual

Educação 75,24%

Sociologia 5,94%

Antropologia 3,96%

Psicologia 3,96%

História 3,96%

Comunicação e Artes 1,98%

Educação Física 0,99%

Linguística 0,99%

Integração da América Latina 0,99%

Filosofia 0,99%

Outros 0,99%

Total 99,99%

Fonte: Ribeiro (2005).

As tabelas nos mostram que, no final da década de 1980, novas linhas de investigação

nas várias universidades brasileiras e em diversas áreas do conhecimento surgem. Elas vão

dar ênfase a história do negro que precisaria passar por uma profunda revisão, cujo destaque

não fosse apenas aquele que abordava sua história oriunda de um passado escravista, mas uma

história que demonstrasse a riqueza de sua cultura e promovesse uma construção identitária

positiva do negro e sua visibilidade na construção da sociedade brasileira.

Dentre os pesquisadores que se ocuparam da temática racial nas universidades,

destacamos que a maioria era de origem negra, pois houve um expressivo crescimento do

negro como investigador de sua problemática já no final dos anos 70. É o que nos informa

Consorte (1991, p. 89):

A partir da década de 70, é crescente a presença do negro, como investigador

da problemática que os envolve, e o desenvolvimento de sua parte, de uma

postura crítica em relação a tudo quanto se produziu ou vem se produzindo a seu respeito, evocando para si não apenas a reflexão sobre o negro, mas

também formas de atuação que revertesse sua situação no interior da

sociedade brasileira.

Podemos confirmar tal aumento a partir da análise do currículo lattes de estudiosos

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integrantes da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN). Essa associação, à

qual a professora Florentina Souza é filiada, possui grande inserção no cenário nacional, e

congrega renomados pesquisadores negros, que trazendo para o campo de discussão,

temáticas voltadas à identidade, cultura e educação Como, por exemplo, Eliane Cavalleiro,

Nilma Lino Gomes, Valter Roberto Silvério, Ana Célia da Silva, Helena Theodoro Lopes,

Maria de Lourdes Siqueira, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, Wilma de Nazaré Baía

Coelho.

No quadro abaixo observamos empiricamente que estes pesquisadores adentraram as

Universidades, principalmente nos cursos de mestrados, no final dos anos 1970 e entre os

anos 1980 e 1990.

Nome do Pesquisador Instituição Ano

Helena Theodoro Lopes Mestrado em Educação – Universidade

Federal do Rio de Janeiro.

1978

Petronilha Beatriz Gonçalves e

Silva

Mestrado em Educação – Universidade

Federal do Rio Grande do Sul.

1979

Florentina da Silva Souza Mestrado em Letras – Universidade

Federal da Paraíba.

1985

Maria de Lourdes Siqueira Mestrado em Ciências Sociais –

pontifício Universidade Católica de

São Paulo (PUC/SP)

1986

Ana Célia Silva Mestrado em Educação – Universidade

Federal da Bahia

1988

Walter Roberto Silvério Mestrado em Ciências Sociais –

Universidade Federal Julio de Castilho

1992

Nilma Lino Gomes Mestrado em Educação – Universidade

Federal de Minas Gerais -

1994

Osmundo Santos de Araújo Pinho Mestrado em Antropologia Social –

Universidade Estadual de Campinas

UNICAMP

1996

Sales Augusto dos Santos Mestrado em Sociologia –

Universidade de Brasília UnB

1997

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Eliane dos Santos Cavaleiro Mestrado em Educação – Universidade

de São Paulo USP

1998

Wilma Nazaré Baía Coelho Mestrado em Educação – Universidade

da Amazônia UNAMA

1998

Zélia Amador de Deus Mestrado em Estudos Literários –

Universidade Federal de Minas Gerais

1998

Fonte: Plataforma lattes (2010)

A partir do quadro, ressaltamos que a década de 1990 experimentará expressivo

aumento dos negros como pesquisadores de sua própria temática nas universidades. E nos

gráficos abaixo, tomando como base de análise o ingresso desses estudiosos nos programas de

mestrado, observamos esse crescimento.

Gráfico 1: Pesquisadores negros que ingressaram nos programas de mestrado nas décadas de

1970 e décadas de 1980 e 1990 no Brasil.

Fonte: ABPN (2010).

4,54%

12,12%

83,33%

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

80,00%

90,00%

Anos 70

Anos 80

Anos 90

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Gráfico 2: Crescimento de pesquisadores negros nas universidades tomando-se a década de

1970 como parâmetro.

Fonte:ABPN (2010).

Do total de pesquisadores cadastrados na ABPN até o ano de 2010, que somam um

total de 706, consideramos como parâmetro para análise aqueles professores/pesquisadores

registrados no I catálogo sobre docentes universitários da ABPN, que adentraram a

universidade nas décadas de 1970, 1980, 1990 que corresponde ao número de 133.

Do conjunto desses 133, conseguimos identificar como negros, conforme fotos de

seus currículos lattes, apenas de 66, pois nem todos os pesquisadores registrados no catálogo,

publicaram seus currículos lattes com foto.

Assim, tomando como referência o universo desses 66 pesquisadores, identificamos

que 03 adentraram as universidades nos cursos de mestrado no final da década de 1970, o que

corresponde 4,54%; que 08 ingressaram em 1980, correspondentes a 12,12%; e nos anos de

1990, temos identificados 55 pesquisadores, correspondendo 83,33% desse total. De acordo

com esses dados, se tomarmos os anos de 1970 como parâmetro, perceberemos que nos anos

1980, houve um aumento de 166,66%, e nos anos 90 um aumento 1.233%.

Apesar de, para alguns autores, estes dados ainda serem considerados pequenos, ou

sem expressividade, como por exemplo, para Hasenbalg e Silva (1990) quando analisaram os

dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicilio (PNAD) de 1982 e para Barcelos

167%

1233%

0%

200%

400%

600%

800%

1000%

1200%

1400%

Parâmetro anos 70

Anos 80

Anos 90

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(1992), ao examinar os dados do PNAD de 1987, para a luta negra, esses números

representam uma importante conquista, pois a questão racial adentra as academias dando

evidencia a uma temática que até então era negligenciada por parte dos pesquisadores ou era

abordada de forma periférica.

Assim, os debates se tornaram cada vez mais presentes no cenário nacional, o que

originou uma grande pressão do movimento negro sobre o governo brasileiro para que

reconhecesse a discriminação na qual a população negra estava submetida, e por sua vez,

criasse políticas públicas de favorecimento a esta população.

É com essa perspectiva, que o Governo da União, as escolas e universidades, a mídia e

outros entes estatais e privados começam a discutir mais profundamente o racismo, o

preconceito, a discriminação, a desigualdade racial. Sobre esse processo Silvério (2003, p.

09) nos informa que foi

[...] resultado de uma árdua luta realizada pelos movimentos negros nas duas décadas anteriores à década de 1990, presenciou uma mudança de postura

significativa, em todos os segmentos da sociedade brasileira, em relação ao

tratamento das questões da população negra no País. Entre os fatores que mais contribuíram para a maior visibilidade das desigualdades sociais entre

negros e brancos, podem-se destacar: o aumento e a divulgação de pesquisas

empíricas; o surgimento de vários conselhos de desenvolvimento e participação da comunidade negra nos planos estadual e municipal; e o

reconhecimento oficial, em 20 de novembro de 1995, no plano federal, da

existência da discriminação racial e do racismo, com a implantação por meio

de decreto do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), visando estimular e formular políticas de valorização da população negra. É, portanto,

sintomático que, na década de 1990, alguns intelectuais observavam a

necessidade de ampliar os estudos pós-abolição, tentando mensurar de modo mais sistemático e preciso as desigualdades a que os negros estavam

submetidos em nosso país. E também passaram a se posicionar sugerindo

medidas necessárias para diminuir as distâncias sociais entre negros e brancos.

De acordo ainda com Silvério (2003), uma das medidas exigidas por parte do

movimento negro ao Governo Federal foi a política de ação afirmativa, que seria uma medida

emergencial capaz de promover a integração de significativa parcela da população negra no

mercado de trabalho e nas universidades, o que poderia favorecer a instituição de uma

democracia sem marcadores étnico-raciais, pois parcelas da população negra seriam inseridas

no mercado de trabalho e nas Universidades, iniciando-se assim um processo de

desracialização das posições de status e renda.

Outra exigência que surge como parte das políticas de ação afirmativa, tendo suas

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origens nesse período, fora a necessidade da inserção da História e Cultura da África nos

currículos das disciplinas escolares, com o objetivo de valorizar a cultura do negro e criar

uma identidade positiva.

De acordo com Munanga (2001), a falta de identidade do negro com a educação que

lhe é imposta, pode ser considerada como responsável pelo alto coeficiente de repetência e

evasão escolar do aluno negro em relação ao aluno branco; o que caba por engendrar a

necessidade de uma educação que busque a inclusão dos mesmos a partir de um ensino-

aprendizagem que reflita a realidade da camada excluída.

Um acontecimento de extrema importância para a questão racial que marca esse

período e que esteve diretamente ligado com o início da luta por ações afirmativas foi a

Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, realizada em 20 de

novembro de 1985 em comemoração ao tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares. A

marcha foi organizada pelas várias entidades negras de todo país, além de entidades sindicais

e centrais de trabalhadores (DIAS, 2005).

Mais de 30 mil pessoas participaram do evento, procedendo de todos os cantos do

país entregaram ao então presidente Fernando Henrique Cardoso um documento com várias

reivindicações, incluindo a política de ação afirmativa, com cotas para negros nas

universidades.

Vale ressaltar que tal evento representava uma nova fase do movimento negro, que,

diferente do período anterior aos anos de 1990, contava com maior abertura nas estruturas

estatais, o que permitiu um caráter mais ousado nas propostas. Exemplo disso foi a exigência

da destinação de verbas para o enfrentamento das desigualdades raciais existentes no país

(CARDOSO, 2002, HANCHARD, 2001; PEREIRA, 2010).

Inferimos, que as mudanças ocorridas no panorama brasileiro, entre o final da década

de 1970 e década de 1990, contribuíram para que o movimento negro ganhasse espaço na

esfera pública, saindo do campo da denúncia da discriminação e do racismo para, por meio de

mecanismos políticos e jurídicos, exigir políticas públicas compensatórias capazes de dirimir

os danos causados por uma política de homogeneidades social adotada pelo Governo ao longo

da história. Passando então a construir argumentos capazes de romper com o estado de inércia

em que se encontrava o Governo brasileiro em relação à questão racial.

Foi esse cenário favorável à discussão racial que permitiu que muitos trabalhos

acadêmicos fossem desenvolvidos. Tais trabalhos argumentavam tanto acerca da situação a

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que a população negra vinha sendo submetida, assim como também, objetivavam valorizar a

cultura e história do negro, desenvolvidas, sobretudo por pesquisadores negros.

É precisamente nesse período que a professora Florentina Souza ingressa no programa

de pós-graduação da Universidade Federal de Minas Gerais no curso de doutorado, trazendo

como objeto de análise os cadernos Negros e o Jornal do MNU, que eram publicações

alternativas ligadas ao movimento negro, trazendo como objetivo examinar o processo de

invenção de um discurso de representação de identidade afro-brasileira nesses periódicos.

Porém, o avanço que consentiu a entrada dos intelectuais negros no espaço acadêmico

não significou que as barreiras impostas a eles foram diminuídas, pois para se mover nesse

ambiente foi necessário lutar contra mecanismos sociais que colocavam o negro em posição

inferior ao branco. É sobre essas barreiras que falaremos na seção seguinte.

3.2- AS BARREIRAS ACADÊMICAS

Observamos a partir do relato da professora Florentina, que no desenvolvimento de

seu trabalho sempre encontrou barreiras a serem vencidas, como por exemplo, a dúvida sobre

sua capacidade profissional, ou sobre o caráter de suas pesquisas, que muitas vezes não era

vista como cientifica, é sim como militância.

Isso foi vivido por ela desde o momento que começou a carreira acadêmica, na

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UNESB), até hoje, tendo sempre que provar sua

competência, pois, de alguma forma, um aluno ou algum grupo de alunos sempre quer

demonstrar para a turma que ela não tem aptidão para ocupar aquele lugar. É o que ela nos

informa em sua entrevista.

No primeiro dia de aula, eu tenho que me preparar muito, mas porque eu já

sei que virá uma cobrança, algum aluno ou grupo de alunos sempre vai

querer demonstrar para a turma a minha possível incompetência. Então, eu

sempre fico meio tensa no primeiro dia de aula e, pra não exagerar, pouquíssimas vezes eu não me deparei com isso.

Essa dúvida acerca da capacidade de Florentina Souza nos confirma que os

estereótipos construídos historicamente sobre o negro, que asseveravam que eles por terem

habilidades mentais muito baixas não possuíam competência para desenvolver trabalhos

intelectuais, ultrapassaram os limites do tempo, por ainda estarem muito presentes no

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imaginário social, evidenciando que a estrutura social brasileira é marcadamente

hierarquizada e desigual.

As origens dessas representações inferiorizantes do negro estão nas teses que tinham

por base o darwinismo social19

, que concebiam a divisão dos seres humanos em estirpes

raciais diferenciadas, demonstrando a superioridade da raça branca, que seria o mais avançado

estágio do processo civilizatório da humanidade. A fundamental finalidade dessa perspectiva

teórica era utilizar a seleção natural como uma forma de explicar o imperialismo e o domínio

de um povo sobre outro.20

Tal proposição influenciou em grande medida a intelectualidade brasileira no final do

século XIX e nas primeiras décadas do século XX, marcados pelo final da Monarquia e início

da República. Pois, nesse período, havia a necessidade de pensar a organização do Estado

brasileiro e forjar uma identidade nacional, onde “não tinha espaço para negros, nem mesmo

para indígenas ou mestiços, que na hierarquia biológica dos esquemas classificatórios

fenótipos estavam mais próximos das raças bárbaras” (SEYFERT, 2002, p. 24).

De acordo com Schwarcz (1993), essas teorias demonstravam ser muito oportunas no

período, por darem elementos ao grupo dirigente do país para definir o conceito de nação e

cidadania que se queria para o país, no qual o negro não era bem-vindo. Seguindo essa

perspectiva, as teorias raciologicas encontram campo fértil para serem disseminadas entre a

intelectualidade brasileira. É o que percebemos nas principais obras de estudiosos com grande

inserção nacional da época, como por exemplo, as produções de Raimundo Nina Rodrigues21

,

19 De maneira equivalente ao desenvolvimento do homem, as sociedades, igualmente, seriam sujeitas à lei da

seleção natural. Dentro de uma determinada situação, predominariam as sociedades mais aptas e capazes, sendo

as outras extintas, seja pelo combate com as mais "desenvolvidas" seja pela dificuldade de superar obstáculos

naturais. De tal modo, as sociedades mais capazes foram predominando em detrimento de outras que não

conseguiam prosperar dentro de ambientes hostis. Sociedades menos evoluídas poderiam até resistir, desde que

não fossem submetidas à lei da seleção natural. Determinados evolucionistas chegaram a qualificar as sociedades

tradicionais da África, América e Oceania como verdadeiros fósseis vivos. Seriam exemplares de estágios

atrasados, fazendo parte do passado da humanidade (BRUIT, 1994; DOMINGUES, 2003). 20 Na passagem do século XIX para o século XX, os europeus alicerçavam na ciência a visão de que algumas

raças eram mais evoluídas que outras. Nesse período, houve a colonização europeia da África e da Ásia, de modo que a ciência visava legitimar a escravização e a exploração dos povos africanos considerados primitivos.

Deste quadro histórico resultou a elaboração de teorias com o intuito, consciente ou inconsciente, de mostrar a

inferioridade do negro e a necessidade de civilizá-lo, justificando a empreitada colonialista europeia

(RODRIGUES, 2009, p. 84). 21 O maranhense Raimundo Nina Rodrigues nasceu em Vargem Grande, no Maranhão, em 04 de dezembro de

1862. Seu pai era o proprietário de terras Francisco Solano Rodrigues e sua mãe, Luiza Rosa Solano Rodrigues,

descendente de judeus sefardins vindos para o Maranhão. Ao se transferir para São Luís, estudou “humanidades”

no Seminário das Mercês. Em 1877, fez curso preparatório no Colégio São Paulo. Aos 20 anos de idade, Nina

Rodrigues ingressou na Escola de Medicina da Bahia, transferindo-se depois para a Faculdade de Medicina do

Rio de Janeiro. Em 1888, concluiu o curso, quando estava com 26 anos, defendendo a tese Das amyotrophias de

origem periférica. Ingressou, em 1889, como professor da Faculdade de Medicina da Bahia, sendo um dos intelectuais que se propôs a oferecer uma saída para o problema da mestiçagem brasileira. Foi professor de

medicina legal e fundador da Escola Científica, também conhecida como escola baiana. Dentro da discussão

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nas quais o negro era exposto como categoria inferior, em todos os aspectos, em relação ao

homem branco civilizado. De acordo com Apóstolo Netto (2005, p. 01),

Nina Rodrigues possui uma visão pessimista em relação à presença do negro

na sociedade brasileira. Tenta a todo o momento demonstrar os perigos que

representa a influência direta ou indireta do negro na nossa cultura, bem como a descrença no florescimento da nação brasileira fundada na

miscigenação.

Outro intelectual que foi envolvido pelos valores e pelas concepções de diferenças de

raça em voga na Europa desse período foi Silvio Romero (1914)22

, que também acreditava na

inferioridade do negro em relação ao branco europeu. Porém, diferente de Nina Rodrigues,

via valores positivos na miscigenação, que poderia conduzir ao desenvolvimento de uma

nação majoritariamente branca, já que acreditava que, com a inserção cada vez mais

sistemática na sociedade brasileira de europeus por meio da imigração, haveria um gradual

predomínio de caracteres brancos sobre caracteres negros na população, seria a chamada

teoria do branqueamento23

(SKIDMORE, 1989).

De acordo com Romero (1978, p. 55),

O tipo branco irá tomando a preponderância, até mostrar-se puro e belo

como no velho mundo. Dois fatos contribuiriam largamente para tal

resultado: de um lado a extinção do tráfico africano e o desaparecimento constante dos índios, de outro a imigração européia.

sobre medicina legal, Nina Rodrigues se mostrou profundo conhecedor das investigações científicas de sua

época ao fazer referência a vários trabalhos e pesquisas em desenvolvimento na Europa, especialmente na Itália e

França. Além de trabalhos na área da medicina, inseriu-se no campo da etnografia. Em sua análise acerca das

religiões africanas no Brasil, desenvolveu intensas pesquisas de campo, trazendo importantes aportes para o

estudo dessas religiões, sobretudo, para a antropologia (FILHO, 2005, p. 124). 22

Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero, crítico, ensaísta, folclorista, polemista, professor e historiador

da Literatura Brasileira, nasceu em Lagarto, SE, em 21 de abril de 1851, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 18

de julho de 1914. Formou-se pela faculdade de direito de Recife PE, entre 1968 e 1873. Estreou na imprensa

recifense com a monografia A Poesia Contemporânea e a Sua Intuição Naturalista, em 1869. Na década de 1870,

colaborou como crítico literário, em vários periódicos pernambucanos e cariocas. Foi eleito deputado provincial em 1875, em Estância SE. Publicou seu primeiro livro de poesia, Cantos do Fim do Século, 1869/1873, em 1878.

Mudou-se para o Rio de Janeiro RJ em 1879 e lecionou Filosofia no Colégio Pedro II entre 1881 e 1910. Era

membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, sócio correspondente da Academia das Ciências de

Lisboa e de diversas outras associações literárias. Dentre as obras de Sílvio Romero, destacam-se História da

literatura brasileira, publicada em 1888, Machado de Assis (1897), Ensaios de sociologia e literatura (1901) e

Evolução do lirismo brasileiro, de 1905<www.academia.org.br> acessado em 14712/2010. 23 Skidmore (1989) define o branqueamento “no pressuposto da superioridade branca – algumas vezes implícita,

pois deixava em aberto a questão de saber quão “inata” era a inferioridade negra, e usava os eufemismos “raças

mais avançadas” e “menos avançadas”. Mas a esse pressuposto juntavam-se dois outros. Primeiro, que a

população negra estava se tornando progressivamente menos numerosa que a branca, por razões que incluíam

uma taxa de natalidade supostamente menor, uma maior incidência de doenças e sua desorganização social. Segundo, a miscigenação estaria “naturalmente” produzindo uma população mais clara, em parte porque o gene

branco seria mais resistente e em parte porque as pessoas escolhiam parceiros sexuais mais claros.

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Nesse contexto, a imigração europeia aparece como um meio impulsionador do

embranquecimento da nação, pois nesse processo o negro e o índio estariam fadados ao

desaparecimento gradual, à medida que a raça branca, mais forte, se imporia, o que provocaria

um avanço moral e intelectual da população brasileira, que estaria livre dos atributos de

inferioridades que eram características das raças ditas inferiores. Assim, Romero

“paradoxalmente, ao invés de condenar a hibridação racial, seguindo os modelos

evolucionistas sociais, encontrava nela a futura viabilidade nacional” (SCHWARZ, 1995, p.

154).

Tanto nas teorias de Nina Rodrigues como de Silvio Romero, observamos que, apesar

da divergência entre eles na questão da miscigenação, ambos concordavam que as

contribuições raciais do negro e do índio foram consideradas negativas para a constituição da

sociedade brasileira, que, por serem raças inferiores, representavam a imoralidade, a barbárie

e o atraso em relação ao branco europeu, que era considerado inteligente, inventivo e

fisicamente sadio.

Assim esse modelo racial, que ajustava o darwinismo social ao evolucionismo

monogenista, logo se deslocou dos estabelecimentos científicos de ensino e pesquisa do país

(das áreas de Direito, Medicina, Ciências Naturais e História) para o campo das relações

pessoais e das vivências cotidianas.

Sua introdução nos romances da época e em periódicos de circulação diária exerceu a

função de difundir os argumentos científicos, que foram traduzidos para termos populares,

introduzido seu uso nos discursos do dia a dia e nas representações populares (SCHWACZ,

1995).

Avaliamos que a ideia de classificar a variedade de fenótipos humanos foi responsável

por instituir um conceito capaz a hierarquizar os seres humanos em raças biologicamente

“superiores” e “inferiores”. Mesmo depois de a ciência provar a não existência dessas

diferenças e as pesquisas científicas sobre raça projetaram um novo paradigma baseado na

unicidade racial, ou seja, na existência de uma única raça, “a raça humana”, esse conceito

inferiorizante do negro persistiu na construção ideológica e cultural da sociedade brasileira.

E podemos apontar como a fundamental base para essa persistência a tese da

democracia racial, que passou a ser amplamente propagada no Brasil, como arquétipo ideal

de igualdade, já que havia uma simbiose do branco, do negro e do índio, que apesar de

demonstrar que a miscigenação foi uma vantagem para a formação social brasileira, por haver

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uma convivência pacífica das raças, os estereótipos negativo ainda persistiram, pois essas

diferenças continuaram a ser disseminadas, ou pela exacerbação de características

inferiorizantes sobre o negro, ou pela sua invisibilidade e de sua cultura. Sendo a família, a

escola e meios de comunicação as principais formas de difusão desses estereótipos

(CAVALLEIRO, 2001, 2005; GOMES,1997; COELHO, 2009).

Ou seja, o conceito de democracias racial, na verdade, fez com que a concepção de

raça se incorporasse definitivamente às estruturas da sociedade, deixando de ser uma

abstração teórica para se institucionalizar ideologicamente aos lineamentos do Estado, de tal

modo, que o racismo brasileiro desenvolveu características peculiares, por se resguardar por

trás de uma suposta garantia de universalidade e de igualdade de direitos, que, do ponto de

vista material, impediu a população negra de alcançar posições sociais favoráveis, por terem

sido relegadas às camadas inferiores do estrato social brasileiro. De acordo com Hasenbalg,

(1996, p. 02) esse conceito "é uma poderosa construção ideológica, cujo principal efeito tem

sido manter as diferenças interraciais fora da arena política, perpetuando-as como conflito

latente".

Foi dessa forma que o discurso negativo acerca do negro se enraizou no interior da

sociedade brasileira, que mesmo quando ele alcança posições de prestígio, e

consequentemente ascende socialmente, como no caso de Florentina, na posição de professora

universitária, sua competência é sempre colocada em dúvida, pois a marca racial influência

profundamente o julgamento acerca da capacidade do negro em ocupar esse espaço, que

sempre foi considerado como ambientes “naturalizado” para os brancos. Nesse aspecto,

corroboramos com Santos (2006, p. 173), quando nos diz que

[...] o lugar de professor universitário não é visto de forma natural como

lugar de negros. Esta é uma profissão que exige muito o uso da mente, do argumento, da inteligência, da reflexão. Estes, porém, são atributos

colocados como próprios do branco. O negro que galgou essa posição terá

que viver em constante estado de alerta, como que a responder a todo o tempo questões, mesmo que não verbalmente, mas até através de gestos,

atitudes e sentimentos, como forma de dizer: “olha, eu tenho o direito de

continuar aqui.” Esses questionamentos vêm de várias direções: do

pedagógico, do administrativo, dos colegas e dos alunos

Esse fato ocorre porque o julgamento feito sobre o trabalho do professor universitário

negro, como sucede com os demais profissionais que têm a cor negra como marca, não se dá

pela habilidade que ele possa ter no desenvolvimento do que lhe é proposto pela profissão,

mas sim pela sua pertença racial, que funciona como um mecanismo que lhe confere

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inferioridade em relação aos demais professores que atuam na mesma área que ele. Sendo

lembrado a todo o momento, de forma objetiva ou subjetiva, de que esse lugar não é

naturalmente seu. De acordo com Müller, (1999, p.08) “o esforço em galgar profissões de

maior prestígio sempre esbarra na resistência em aceitar que o negro saísse do seu lugar”.

Diante das expectativas negativas criadas sobre sua capacidade, tem início por parte

do negro um processo para demonstrar que é capaz caracterizado pelas exigências impostas a

si mesmo, procurando desenvolver seu trabalho dentro das regras atribuídas ao

desenvolvimento da profissão, como jornada de trabalho, carga horária etc., sem deixar

margem para críticas. Mesmo tomando todos esses cuidados, ainda assim tais críticas

persistem, não pela negligência no desenvolvimento de suas tarefas acadêmicas, mas pelo

excesso de eficiência. É o que nos diz Florentina Souza.

Para evitar certas coisas, eu sou extremamente exigente comigo e com o

meu trabalho para evitar dar espaço pra que essas pessoas venham a falar.

Então, eu não falto, eu preparo minhas aulas, no primeiro dia já levo os meus textos todos coloco na Xerox. Aí, como não podem falar porque eu

deixo de fazer, falam porque eu faço. “É muito exigente, já no primeiro dia

já está passando texto pra gente ler”.

Outro fator importante a ser destacado são os impedimentos que possam vir a

desqualificar o trabalho do negro dentro do espaço acadêmico. Florentina Souza encontra,

tanto com os alunos, como também com os colegas de trabalho, sempre uma crítica a seu

trabalho, velada ou não, que pode ser representada pelo questionamento de sua prática

pedagógica em sala de aula, ou pela pouca importância dada ao desenvolvimento de suas

pesquisas consideradas fora dos padrões de imparcialidade que a atividade acadêmica supõe,

pelo fato de o pesquisador estar ligado diretamente com o objeto de sua pesquisa, rompendo

com o caráter dogmático da ciência clássica, na qual o universal é considerado mais

satisfatório do que o particular (MARTINS, 2004).

No que tange aos alunos, o questionamento recai sempre nas escolhas de autores que

serão trabalhados no decorrer daquele semestre com uma determinada turma. E, no primeiro

dia de aula, quando vai expor o conteúdo a ser desenvolvido, é sempre questionada por ter

feito opção em dar ênfase a autores negros em detrimento a outros autores pertencentes ao

cânone da literatura, sendo muitas vezes acusada de estar praticando militância ou de ser

racista por ter feito tal escolha. Esse fato foi constante desde o momento que decidiu centrar

suas aulas em autores negros.

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No primeiro dia de aula você mostra o programa aí tem sempre aquelas

perguntas: “por que não tem tal autor? Porque você não colocou tal

autor?” Mas você acha que isso é mais militância? Isso é uma pergunta que eu vou preparada pra responder cada semestre que sempre tem a mesma

questão, é racismo, a professora é racista.

A inserção de autores negros no conteúdo programático a ser ministrado nas aulas da

professora Florentina segue uma tendência adotada pelo movimento negro a partir da década

de 70, que buscava referências para a trajetória do negro no Brasil em uma base sócio-

histórica comum, para construir uma identidade negra positiva utilizada no combate da

exclusão e do racismo. Portanto, a acusação da prática de racismo configura-se como um

argumento comumente utilizado por aqueles que acreditam que não existe discriminação

racial no Brasil, e que, por isso, nenhuma medida diferenciada deve ser tomada em relação à

questão. Dessa forma, concordamos com Silva Jr (2000, p. 23), quando diz que a acusação de

racismo não se ajusta às ações adotadas, sendo um erro teórico falar que o negro pratica o

racismo.

Racismo é uma ideologia supremacista, ou seja, parte sempre de um grupo

étnico-racial que se vê como "superior" e com condições sócio-econômico-culturais capazes de impor seus valores de forma majoritária e oprimir outros

grupos de forma culturalmente sistemática, sendo assim, no Brasil, não há

nem nunca houve condições histórico-sociais de "supremacismo negro", ou "racismo negro", o racismo é e sempre foi uma prerrogativa “branca”,

portanto é um erro teórico falar em "negros racistas" ou "racismo às

avessas".

Assim, a valorização da cultura negra, por meio de autores como Lima Barreto e Luis

Gama, que passam a ser trabalhados sistematicamente por Florentina, cumpre o papel de dar

visibilidade a escritores que, mesmo possuindo reconhecido talento e tendo contribuído com

seus trabalhos para a construção do campo literário brasileiro, nunca tiveram evidencia dentro

do cenário acadêmico, não se enquadrando a acusação de racismo. Porque tal valorização

desempenha a função de dar evidência ao negro como produtor de conhecimento intelectual,

na perspectiva de subverter a ideia negativa sobre ele.

Outra barreira encontrada, segundo Florentina Souza, diz respeito a como suas

pesquisas são vistas por parte de seus pares dentro da academia, que demonstram certo

demérito quanto ao trabalho que desenvolve. Informa-nos ela:

[…] outro dia eu estava falando para um professor do meu projeto, aí ele

disse que era uma luta. O meu projeto é uma luta, mas antes de ser uma luta

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é um projeto de pesquisa. Eu pesquiso, faço o mesmo trabalho que você faz.

Ele pesquisa outra coisa lá de português do período medieval. Então, o dele

é pesquisa, o meu é luta. Então, isso a gente vai encontrando cotidianamente.

Esse desmerecimento se dá pelo julgamento que se faz quando um negro se arvora a

pesquisar acerca de uma temática que tanto lhe é cara, pois, de acordo com as regras

acadêmicas, para um conhecimento ser considerado como ciência é necessário que haja certo

distanciamento entre objeto e pesquisador, pois o envolvimento direto pode engendrar um

julgamento de valor por parte dos pesquisadores diante da problemática apresentada; se não

houver esse distanciamento poderá ocorrer uma parcialidade na condução do objeto a ser

desvendado, o que dificultaria a aplicação das regras do jogo científico, desqualificando suas

pesquisas e restringindo-as à categoria de militância.

Dentro dessa perspectiva, muitas vezes os pesquisadores negros são acusados de tentar

insuflar uma discussão que não diz respeito à realidade brasileira, visto que, se no Brasil não

existe racismo, não há necessidade que o assunto seja debatido pela academia. De acordo com

Carvalho (2006), o grande responsável pelo silenciamento da academia para a questão do

racismo foi a ideia de que o Brasil vivia em uma democracia racial, sendo a universidade a

grande reprodutora dessa ideologia, pois dela saíram intelectuais que, por meio de seus

inúmeros trabalhos, disseminaram os argumentos que solidificaram o discurso de negação do

racismo no cerne da sociedade brasileira. Informa-nos Carvalho (2006, p. 315):

Enfatizemos. A ideologia da democracia racial sobreviveu por décadas, não exclusivamente pelo seu potencial argumentativo inicial, mas também, e

principalmente, porque houve verbas públicas para reproduzir os quadros

intelectuais que a disseminaram: bolsas de estudo e verbas para pesquisa de mestrado, doutorado e de professores que se dispunham a escrever sobre o

assunto […]. Vale lembrar que os autores que assinam esses inúmeros

ensaios publicados constantemente com a finalidade de celebrar e manter vivo o modelo freyreano de relações raciais no Brasil é invariavelmente

brancos. […]. Na verdade, as elites brancas brasileiras fizeram mais que

apenas calar os dados sobre a desigualdade racial no Brasil: elas

contribuíram para a sua reprodução.

A escolha que a universidade fez em corroborar com o conceito de igualdade racial

impediu por muito tempo que pesquisas que fossem contrárias as esses ditames, não

lograssem êxito e a presença de professores e pesquisadores negros fosse ínfima por todo o

século passado, causando uma espécie de confinamento racial acadêmico, utilizando aqui a

categoria desenvolvida por Carvalho (2006) para explicar a pequena presença de professores e

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pesquisadores negros nas várias universidades do Brasil. Esse autor, ao fazer o censo racial –

inicialmente na UnB em 1999, que posteriormente se espraiou para outras universidades

consideradas como referência para pesquisa no Brasil, como UNICAMP, USP, UFRJ,

UFRGS, UFSCAR, UFMG –, chegou à conclusão de que a presença de pesquisadores negro

dentro dessas instituições não passava de pouco mais de 1%, dado que, segundo ele, faz com

que existisse uma inibição aos pesquisadores negros em desenvolver trabalhos com a questão

do racismo e da discriminação, que poderiam ser considerados ilegítimos.

Essa inibição é confirmada por outro obstáculo que pudemos observar da fala da

professora Florentina, que foi a dificuldade encontrada para obter financiamento para o

desenvolvimento de suas pesquisas. No final da década de 90, período em que ela começa

suas investigações, tentou por várias vezes, conseguir apoio das instituições de fomento à

pesquisa, porém sempre recebeu respostas negativas, que tinham como principal justificativa

a indisponibilidade de verba, só conseguindo aprovação depois de várias tentativas Assim nos

diz Florentina Souza:

Sempre que eu apresento trabalho, trabalho pra concorrer, pra várias

situações de fomento há uma resistência, exceto, claro, se eu apresentar pra Fundação Palmares para SEPIR; é claro que isso não vai ocorrer. Por

exemplo, eu tenho, acho que, 4 cartas do CNPq – que eu apresentei o meu

projeto pra ser aprovado e tenho 4 cartas – dizendo: “ o seu trabalho é

muito bom, muito interessante, mas não dispomos de verba pra

financiamento agora”, e uma dessas dizia que “o seu trabalho é

interessante, mas apresenta como produto uma antologia, e antologia não é conhecimento científico”.

Ressaltamos então o quanto o campo científico brasileiro é extremamente elitista e

excludente. Isso é particularmente visível quando observamos tantas negativas recebidas por

Florentina ao financiamento de suas pesquisas, que, por não estarem dentro dos paradigmas

canônicos tidos como legítimos, recebem a acusação de antologia, como observamos em seu

depoimento.

Essa acusação confirma a realidade social desigual experimentada pelos negros e, que

traz como resultado, a subalternização de sua cultura em relação aos paradigmas eurocêntricos

que referenciam a ciência brasileira.

Entretanto, apesar das recusas recebidas, a professora Florentina nunca desistiu de ter

seus trabalhos financiados pelas agências de fomento à pesquisa. Superou todos os entraves e

teve seus projetos aprovados, tornando-se inclusive bolsista produtividade do CNPq no ano

2008.

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3.3 A PRODUÇÃO DA PROFESSORA FLORENTINA

A universidade é um espaço de produção de saber passível de expressar pontos de

vistas teóricos, sociais e políticos de determinadas comunidades cientifica; assim, para

falarmos da produção da professora Florentina dentro desse espaço, torna-se necessário

situarmos o campo de conhecimento do qual ela faz parte dentro da perspectiva da

problemática étnico-racial, para posteriormente fazermos uma análise de algumas de suas

produções dentro do processo empreendido pelo movimento negro e os intelectuais negros na

luta contra o preconceito e a discriminação.

Estudos e pesquisas desenvolvidos por negros intelectuais tornaram-se cada vez mais

amplos a partir da década de 1980, trazendo para o cenário do debate acadêmico as demandas

da população negra, como já foi observado no capítulo anterior. Esse debate caracterizava-se

pela crítica à estrutura excludente vigente na sociedade brasileira, indicando estratégias para o

combate à discriminação e à exclusão.

Podemos assinalar como uma dessas estratégias a recuperação da imagem do negro

enquanto sujeito da História brasileira, na busca por transformar a visão que se tinha dele

como apenas um elemento ligado à escravidão, considerado como um ser de baixa estirpe,

destinado apenas a trabalhos inferiores, proveniente de um continente onde a pobreza e a

incivilidade são as marcas que os definem.

Assim, foram empreendidas nos diferentes campos do conhecimento diversas ações

para que esses valores fossem subvertidos. Um desses campos em que houve o empenho para

reforçar a identidade negra foi o literário, por estabelecer uma relação direta com a produção

do imaginário social, sendo considerado como um dos meios em que se pode erigir a imagem

identitária de uma nação. Como nos informa Souza (2004, p. 278):

Enquanto discurso cultural, a literatura se constitui um espaço privilegiado para a construção de imagens e sedimentação de conceitos e construção de

identidades, nacionais ou outras. Na história da literatura brasileira, foram

diversos os momentos em que setores da intelectualidade e da vida política

se voltaram para a construção de um discurso fundamentado em imagens do país que buscaram promover a uniformização ou a homogeneização de seus

habitantes, com vistas a constituir, na diversidade étnica e social, uma

“comunidade imaginada” denominada Brasil.

Deste modo, o campo literário é concebido como um campo privilegiado no qual os

autores negros passam sistematicamente a contestar a hegemonia identitária da cultura branca

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tida como referência, na busca de reconfigurar a identidade negra e questionar as formas

como os princípios de representação ocidentais a dispuseram na sociedade, dando início a um

processo de desconstrução dos discursos que relegaram o negro e sua cultura ao estrato

hierárquico inferior, por meio do desmantelamento do pensamento racista fundamentado no

determinismo biológico darwinista, amplamente difundido no final do século XIX e início do

XX.

Essa reconfiguração se dá com o questionamento da lógica canônica literária baseada

em padrões europeus enquanto discurso dominante, e, ao mesmo tempo, procurava construir

outra narrativa para o papel do negro em nossa sociedade, buscando na ancestralidade comum

as referências das quais pudesse se orgulhar, e assim dar origem a uma nova versão histórica

construída pelo negro. Para Evaristo (1996, p. 36):

A literatura negra toma como parte do corpus a História do povo negro

vivida e interpretada do ponto de vista negro, propondo uma leitura

transgressora da História oficial e escrevendo a história dos dominados. Reverter os valores, introduzir personagens na história, dar-lhes um espaço/

tempo e uma outra movimentação a partir de uma ótica e de uma criação

próprias, encontrar seus heróis e construir uma épica negra é uma das

constantes que pode ser observada na literatura negra - grifo da autora.

Nesse ponto de vista, a literatura negra encontra nos legados africanos as bases para a

construção do sentimento identitário e, em muitas vezes, utiliza-se do cânone branco para

recolocar o negro como protagonista do discurso e produzir novos valores e significados para

sua existência, por meio da desconstrução de uma simbologia que associava o negro a tudo

que é negativo ou ligado ao pecado (BERND, 1987).

Um exemplo que enfatiza essa perspectiva é o poema a Outra Negra Fulô, (descrito

abaixo) do poeta Oliveira Silveira, publicado nos Cadernos Negros de nº11, que toma por

base o texto Nega Fulô de Jorge de Lima para reverte os valores que até então eram usados

para se falar da mulher negra, que passa a ser descrita não como a serviço de seu senhor e

associada à sensualidade, porém ativa e consciente do direito de ser respeitada (SOUZA,

2005).

O sinhô foi açoitar

a outra negra Fulô

– ou será que era a mesma? a negra tirou a saia,

a blusa e se pelou

O sinhô ficou tarado,

largou o relho e se engraçou

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A negra em vez de deitar

pegou o pau e sampou

nas guampas do sinhô. – Essa nossa Fulô!,

dizia intimamente satisfeito

o velho pai João

pra escândalo do bom Jorge de Lima, seminegro e cristão.

E a mãe-preta chegou bem cretina

fingindo uma dor no coração – Fulô! Fulô! Ó Fulô

A sinhá burra e besta perguntou

onde é que estava o sinhô

que diabo lhe mandou. – Ah, foi você que matou!

– É sim, fui eu que matou –

disse bem longe a Fulô pro seu negro, que levou

ela pro mato, e com ele

e aí sim ela se deitou. Essa nega Fulô!

Essa nossa Fulô! (SIVEIRA, 1988, p. 56-57)

O poema nos mostra que a recriação em cima do poema feito por Jorge de Lima

dentro das estruturas literárias tradicionais dá voz ao negro, rompendo com as características

de submissão ao apropriar-se do discurso dominante para reverter valores negativos

apresentados pelo poeta que afirmava ou naturalizava o racismo. Sobre essa reversão de

valores nos informa Souza (2005, p. 118-119) que:

A “outra nêga Fulô atua de um modo que abala a fixidez do estereótipo, é apresentada como personagem ativa que recusa o assédio do senhor e as

“vantagens” que dele poderia obter – não corresponde ao estereótipo da

negra que ascende por vias de dotes de sua sensualidade. Mantendo e até enfatizando alguns elementos que circunscrevem a história no campo

semântico fálico, o poema faz a “Outra Fulô” inverter, por momentos, as

relações de dominação (quando o senhor cheio de desejo, larga o relho, ela pega o pau, bate e mata o senhor). O texto propõe ainda modificações nas

representações do negro e da negra, com a reconfiguração das personagens

Pai João e Mãe Preta, sempre carregadas de submissão e passividade no

discurso instituído etnocêntrico.

.

Mas, além dessa reconfiguração da produção literária que teve seu embasamento

ideológico nas novas conformações que se estabelecem sob a agência do movimento negro

contemporâneo, assinalada pela denúncia da condição a que o negro até então estava

submetido. Temos ainda no período, por parte de alguns pesquisadores, a retomada de alguns

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escritores negros que desde o século XIX vinham tentando intervir no cenário nacional de sua

época, buscando construir um discurso contrário ao sistema de representações hegemônicas

que se consolidaram no Brasil.

Sobre esses autores e o que escreviam nos informa Sousa (2004, p. 279):

Escritores como Luis Gama e Maria Firmina dos Reis, jornalistas e intelectuais como José do Patrocínio, ilustram algumas das estratégias que

ficaram registradas em jornais, livros e revistas e foram utilizadas por esses e

outros afrodescendentes com o fito de se apossar do sistema de representação, construir suas imagens identitárias e participar da vida

política e cultural da nação da qual se sentiam parte, uma vez que eram

atuantes diretos da produção de sua riqueza. Na sua maior parte, os textos

apontavam para as ansiedades, contradições, problemas e dificuldades de expressão e de inserção em uma sociedade que os rejeitava, já que os

percebia como responsáveis pelo atraso do país. Nomes como os já citados

Luis Gama e Maria Firmina dos Reis, além de Cruz e Sousa, André Rebouças, Teodoro Sampaio, Lima Barreto, Lino Guedes, Abdias do

Nascimento, Solano Trindade, entre outros não registrados pela

historiografia convencional, teceram, nos espaços disponíveis, discursos vários interessados em demonstrar as suas potencialidades político-culturais.

Problematizaram os papéis que exerceram na vida social, colocaram-se

como sujeitos, disputando o poder de construção de imagens e narrativas

auto-representativas. Seus textos e suas atuações ilustram momentos significativos de explicitação do desejo de auto-representação e de fuga da

coisificação imposta pelo sistema escravagista e, posteriormente, da

marginalização imposta pela sociedade brasileira.

Essa retomada pode ser identificada quando tais autores e suas obras passam a ser

analisados e se tornam objeto de investigação em teses e dissertações e também quando são

introduzidos nos conteúdos programático nos cursos nas universidades, dando visibilidade a

produções até então negligenciadas pelo cânone literário adotado nessas instituições.

É inserida nesse processo de valorização do negro por meio da literatura que se

inscreve a produção intelectual da professora Florentina Souza, que traz como objeto de

estudo autores brasileiros afrodescendentes. Nessa perspectiva, de acordo com seu currículo

lattes, ressaltamos algumas de suas produções desenvolvidas entre os anos de 1990 do século

XX e o início da primeira década do século XXI. Assim divididos: 03 livros, 09 artigos, 16

capítulos de livros. Que são destacados nos quadros abaixo:

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Quadro I – Livros publicado/organizações ou edições

TÍTULO ANO DE PUBLICAÇÃO

Cadernos Negros: Três décadas. (Organização) – 2008

A literatura afro-brasileira. (Organização) 2006

Afro-descendência em Cadernos Negros e Jornal do

MNU.

2005

Fonte: Plataforma Lattes (2010).

Quadro II – Capítulos de Livro

TÍTULO ANO DE PUBLICAÇÃO

Cadernos Negros: literatura afro-brasileira. 2010

30 anos de leitura. 2008

Áfricas na literatura brasileiras: esquecimentos e

lembranças.

2008

Apresentação de Livro/ Ari Barroso e a invenção do

Brasil

2008

Memória e performance nas culturas afro-brasileiras. 2007

Viagens e Trânsitos. 2007

Vozes femininas no Atlântico negro. 2006

A flor e a espada. 2003

Laços poéticos forjados pelo Atlântico negro. 2003

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Laços literários forjados no Atlântico negro. 2003

Malês – prefácio do livro Os Malês 2002

Discursos identitários afro-brasileiros: o Ilê-Aiyê. 2002

O Ilê-Ayiê e o discurso de construção identitária na

Bahia.

2001

A importância dos estudos da cultura para a leitura e

análise de textos.

2001

Quilombo de Palavras. 2000

A poesia social de Castro Alves. 1977

Fonte: Plataforma lattes (2010).

Artigos completos Publicados em periódicos

TÍTULO PERIÓDICO ANO DA

PUBLICAÇÃO

Autorrepresentação e

intervenção cultural em

textualidades afro-brasileiras.

Revista da ABPN, v. 1, p.

183-194.

2010

Gênero e raça na literatura

brasileira.

Estudos de Literatura

Brasileira Contemporânea,

v. 32, p. 103-112.

2008

Literatura afro-brasileira:

algumas reflexões.

Revista Palmares (Brasília)

v. 1, p. 64-72.

2006

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Solano Trindade e a produção

literária afro-brasileira.

Afro-Ásia (UFBA),

Salvador, n. 31, p. 277-

293.

2004

Intelectual negro e mediações

culturais.

Scripta (PUCMG), Belo

Horizonte, v. 8, p. 226-

239.

2004

Revertendo lugares e

sentidos: Trovas burlescas de

Luis Gama.

Afro-Ásia, Salvador, v. 24,

p. 397-404.

2001

De contas e rosários. Revista do CRH, Salvador 2001

Trânsitos da diáspora. Jornal a

Tarde - Caderno Cultural.

Caderno Cultural, Salvador,

v. 1, p. 06-06.

2000

A construção de auto-imagens em

textos de literatura africana de

língua portuguesa.

Cadernos CESPUC de Pesquisa,

Belo Horizonte, v. 5, p. 19-28.

1999

A construção de auto-imagens em

textos de literatura africana.

Cadernos CESPUC de

Pesquisa - série ensaios. Belo

Horizonte, v. 1, p. 19 – 28.

1999

Fonte: Plataforma lattes (2010).

E ainda nos anos de 2000 a 2010, desenvolveu 03 projetos de pesquisas:

2000 – 2003 – Afro-Identidades na Bahia.

2003 – 2006 – EtniCidades História e Memória de Afras-descendências.

2007 -20010 – EtniCidades: escritores/a e Intelectuais/a negros no Brasil.

De acordo com a descrição efetuada no Currículo Lattes de Florentina Souza, esses

projetos trazem como objeto central de investigação a produção dos intelectuais não

canônicos, afro-brasileiros que, por meio de suas obras, procuram intervir na vida político

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cultural do país, com uma produção textual que fala de si e de seu grupo étnico, na intenção

de construir um imaginário da brasilidade baseada em uma identidade em que os negros

possam ser recolocados como protagonistas.

Tais discursos literários releem os aspectos da tradição africana que são reelaborados

na diáspora no Brasil, essas produções são, então, catalogadas, avaliadas e permitem ampliar

o conhecimento sobre a ação dos intelectuais negros comumente ausentes da história das

produções textuais e intelectuais do Brasil.

Do total da produção da referida professora destacadas em tela, observamos que suas

análises se voltam para autores e produções literárias afrodescendentes localizadas, sobretudo,

no século XX.

Das obras citadas, daremos evidencia à sua tese de doutoramento intitulada

Contracorrentes: o afro-descendente em Cadernos Negros e Jornal do MNU (2005), que em

seguida se transformou em livro, e aos artigos: Intelectual Negro e Medições Culturais:

Solano Trindade (2004) e Autorrepresentação e Intervenção Cultural em Textualidades Afro-

brasileiras (2010). Essas obras foram escolhidas por oferecerem uma amostra do que a

referida pesquisadora vem desenvolvendo em suas investigações.

No trabalho Contracorrentes: o afro-descendente em Cadernos Negros e Jornal do

MNU, a professora Florentina Souza traz como objeto de pesquisa os Cadernos Negros e o

Jornal do MNU, periódicos que circulavam sistematicamente por volta do final das décadas

de 70 e 80, que esboçam a estratégias desenvolvidas pelos negros brasileiros para produzir e

divulgar um discurso identitário, no intuito de lançar uma contra-narrativa dos negros no

Brasil, embasada em um tom político/pedagógico que evidenciava a necessidade de se

instituir uma memória cultural afro-brasileira, capaz de reverter a posição do negro na

sociedade (SOUZA, 2005).

Ao analisarmos as proposições trazidas no texto da tese de Florentina Souza,

observamos que o referencial teórico empregado para a construção dos argumentos dialoga

teoricamente com Estudos Culturais, Literatura Comparada, História, Sociologia e a

Antropologia, referenciando-se em autores como: Paul Gilroy, Kobena Mercer, Stuart Hall,

Cornel West, entre outros, para fazer suas análises acerca dos afro-descendentes em textos

culturais variados. Tais referenciais estão ligados segundo ela, aos caminhos que percorreu

como pesquisadora desde o ano 1996 a 2000.

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No que diz respeito à metodologia ela utiliza a perspectiva histórico-cultural24

que,

permite-lhe ultrapassar o campo da produção literária, pois a inserção nessa área oferece a

possibilidade de apreender os textos publicados como resultado das significações sociais

negras, aspirando a colaborar “para a ordenação de uma história e de uma memória dos

empreendimentos desenvolvidos por grupos minoritários nas relações de poder no Brasil, com

vistas a alterar as políticas de representação e de organização de poder” (SOUZA, 2005, p.

15).

O entendimento que Florentina Souza desenvolve acerca da cultura afro-brasileira,

nesse trabalho, e também nos outros de sua autoria, se inscreve dentro do conceito de

hibridismo desenvolvido por Homi Bhabha. Tal conceito nessa perspectiva é compreendido

de forma diferente do que utilizavam os intérpretes da cultura brasileira do século XIX, que a

viam como deteriorização da cultura.

Nessa nova visão a hibridização passa a ser entendida como combinação dos produtos

culturais, sendo um processo positivo, pois aponta para a inexistência da pureza cultural. De

acordo com Costa (2006, p. 11), o conceito de hibridismo admite

[...] operar dois movimentos fundamentais. O primeiro é desconstrutivista:

ao revelar o traço híbrido de toda construção cultural, busca-se desmontar a

possibilidade de um lugar de enunciação homogêneo. Qualquer lugar da enunciação é, de saída, um lugar cingido, heterogêneo, de modo que a

pretensão de homogeneidade é sempre arbitrariamente hierarquizadora. O

segundo movimento é, se assim se pode dizer, normativo: o hibridismo define uma condição global cosmopolita. Trata-se da referência a uma

cultura e a um mundo híbrido como alusão a uma ecumene mundial acima

das barreiras raciais, nacionais, étnicas, etc.

Assim, considerando a cultura afro-brasileira como resultante da re-significação da

cultura africana no processo da diáspora negra, que, entrando em contato com a cultura branca

e índia, gerou uma cultura híbrida que não pode ser avaliada nem como essencialmente

africana, nem como imitação da europeia é que a professora Florentina Souza faz a apreciação

dos textos publicados nos Cadernos Negros e no Jornal do MNU.

24 A perspectiva histórico-cultural tem como seu fundamental representante Vygotski. Nessa perspectiva, os

processos humanos têm raízes nas relações sociais do sujeito com o outro e com a cultura. Desse modo, são essas

formas de relações que necessitam ser inquiridas quando se analisa o sentido de ação do sujeito. Vygotski

entende o estudo do homem enquanto ser que se institui mergulhado na cultura, nas experiências e práticas

sociais, assim como nos princípios semióticos. Tal autor sugere o estudo do processo, considerando a dimensão

histórica. Ao partir da proposição principal de que as funções mentais superiores são constituídas no social, em

um processo interativo autorizado pela linguagem e que precede a apropriação pessoal, ao mesmo tempo vê a pesquisa como uma relação entre sujeitos, relação essa que se torna causadora de desenvolvimento advogado

pelo outro (VYGOTSKY, 1991, 2001).

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Para o exame da configuração híbrida da cultura afro-brasileira, fundamenta-se nos

conceitos do chamado Black Atlantic e de diáspora, recorrendo aos estudos de Paul Gilroy. De

acordo com Souza (2005, p. 25), tais conhecimentos apontam

[...] para a existência de uma base desterritorializada e múltipla para as

afinidades e aproximações existentes e construídas entre as populações

negras na diáspora. O conceito enfatiza as viagens, os intercâmbios, as trocas e a circulação intensa através do Atlântico, nos quais forma/são negociadas

mercadorias, tradições e influências que dão o tom e o perfil das identidades

negras na diáspora, simultaneamente díspares e similares, jamais puras,

sempre mutáveis e interconectadas.

Operando com esses conceitos, dividiu seu estudo em três partes: Uma Textualidade

Afro-brasileira, A Áspera Parte e a Palavra Crítica, levando em consideração os temas

recorrentes que lhe pareceram mais significativos encontrados nos periódicos estudados,

como: a) a necessidade de compor uma contra narrativa da história do negro no Brasil; b) a

cunhagem de outro significado para o termo negro; c) O estabelecimento de vínculos com

tradições de origem africana e com outras tradições afrodescendentes da chamada diáspora

negra; d) a discussão dos quadros de identidade cultural forjados para o país e a inserção do

negro nesse quadro como afro-brasileiro.

Essa divisão vai permitir que a professora Florentina Souza, faça um exame do

processo de invenção do discurso de representação e de produção de identidades propostas

pelas publicações feitas nos Cadernos Negros e Jornal do MNU, objetivando entender como

são erigidas as imagens acerca do negro nesses periódicos, como forma de se contrapor e

redesenhar as imagens instituídas e construir uma memória, capaz de subverter a imagem

negativa do negro instituída no pensamento social brasileiro, o que era uma das perspectivas

indicadas pelo movimento negro contemporâneo.

A segunda produção que daremos evidencia é seu artigo Intelectual Negro e Medições

Culturais: Solano Trindade, publicado na revista Scripta25

no ano de 2004. Nele, Florentina

Souza analisa a produção de Solano Trindade dentro do processo de reconfiguração da

identidade negra. Inicia o texto falando que entre as décadas de 15 e 50 do século XX a

imprensa foi utilizada como uma via em que os negros puderam se manifestar, com o intuito

25 A Revista Scripta é uma publicação semestral do Departamento de Letras da PUC Minas, do Programa de

Pós-graduação em Letras e do Centro de Estudos Luso-afro-brasileiros – CESPUC-MG. A revista qualificada

pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) como B1, publica, alternadamente, números com matéria de Literatura ou de Linguística e Filologia, o que se indica no subtítulo:

Literatura; Linguística e Filologia.

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de demonstrar habilidades intelectuais e promover o processo de inclusão sociocultural e

política.

De acordo com Florentina Souza (2004), jornais e revistas produzidos por intelectuais

negros desde o século XIX eram utilizados para a circulação de imagens que visavam a

combater a discriminação e tecer planos de inserção de fisionomias e linguagens afro-

brasileiras na textualidade literária do país. Na contemporaneidade, tais periódicos têm

servido como base para alcançar os mesmos objetivos de difundir suas autoimagens e,

algumas vezes, corrigir essas imagens que eram divulgadas de forma estereotipada.

Assevera ainda, que a imprensa foi um espaço utilizado por esses intelectuais como

um artifício eficaz para expressar sua luta reivindicando sua inserção na vida cultural do país,

pois se apropriando das técnicas de escritura e utilizando uma linguagem simples combatiam

o preconceito racial em suas múltiplas manifestações, afirmando socialmente o negro,

“estabelecendo assim medições políticas e culturais fundamentais para seus projetos de

inclusão sociocultural e política” (SOUZA, 2004).

Considerando essa perspectiva, Florentina Souza tece a trajetória intelectual de Solano

Trindade apresentando sua atuação no Teatro Popular brasileiro e no Grupo de Arte Popular

que eram ligados aos movimentos sociais da época, e sua produção em jornais destinados a

população negra da época, como uma forma de resgatar e preservar aspectos da cultura

popular inseridos no processo de divulgação cultural e política. Nos dizeres da professora

Florentina Souza (2004, p. 229), ele

[...] forjou-se personagem de uma história do teatro, da textualidade e da

vida político-cultural brasileira. Misturando sua história e as heranças da

cultura africana, ele participa da construção de textos moldados na cultura

ocidental e nas culturas populares, textos que circulam entre os grupos negros de cultura popular nas décadas de 1940 e 1950 e também entre

intelectuais canônicos aos quais enviava seus trabalhos e com quem discutia

literatura no bar Vermelhinho, ponto de encontro dos intelectuais no Rio da década de 1950. Poeta e militante, compreendia que a poesia devia

embrenhar-se na vida cotidiana: a pobreza, a fome, a cultura e tradições

negras, o amor, as mulheres negras, as religiões do Brasil, a história dos

africanos e afro-brasileiros, as ansiedades das crianças e jovens marginalizados constituem sua preocupação recorrente.

Observa então que ele emprega sua poesia como um mecanismo contra a exploração e

a marginalização social. Mantendo um diálogo com a sociedade atual e se inserindo em uma

produção que tem por finalidade incluir por meio da palavra poética as classes que estão à

margem da sociedade, reconhecendo-se no escritor as formas contra a discriminação racial.

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Na parte final do artigo, demonstra que a vida intelectual de Solano Trindade e sua

atuação nas décadas de 30 a 50 podem ser consideradas como uma amostra de como os

intelectuais afro-brasileiros vêm se constituindo dentro do campo da literatura, artes plásticas,

tetro e música, que podem ser vistos e entendidos como locais nos quais emerge um

movimento que reivindica para o negro seu lugar de agente no processo histórico brasileiro.

Deduzimos a partir das apreciações feitas sobre esse artigo, que instigada pela vontade

de participar da edificação da história da intelectualidade negra no Brasil, é que Florentina

Souza traz a trajetória de Solano Trindade como objeto de estudo. Pois segundo ela, tal

trajetória serve como exemplo do que ela denomina de “mediador cultural”, que é aquele

indivíduo capaz de tecer espaços de diálogos por meio de sua produção e atividade cultural,

bem como de sua atuação pessoal.

A terceira produção que elegemos para apresentar é o artigo publicado na Revista da

ABPN intitulado: Autorrepresentação e Intervenção Cultural em Textualidades Afro-

brasileiras. Nesse trabalho, a professora Florentina Souza traz como objeto de análise os

dilemas encontrados pelos intelectuais afrodescendentes que decidiram se inserir no universo

intelectual brasileiro e produzir obras que problematizaram a dinâmica da racialização e do

racismo. Demonstra que, desde o século XIX, essa produção foi constante e que no processo

pós-abolição a palavra escrita foi um dos principais meios utilizados pelos afro-brasileiros

para expressar seus anseios e necessidades, buscando com isso participar de debates políticos

de seu tempo na expectativa de afiançar algumas garantias para si e para seu grupo.

Traz para a cena alguns autores como Luiz Gama, André Rebouças, José do

Patrocínio, Maria Firmina dos Reis, Lia Barreto Correia Leite, Arlindo Veiga dos Santos,

Guerreiro Ramos, Martiniano Bonfim, Lélia Gonzáles, Beatriz do Nascimento, Abdias do

Nascimento, Milton Santos para demonstrar que, apesar de todas as barreiras impostas, esses

intelectuais, cada um agindo no seu campo de produção e no seu tempo, romperam as

barreiras culturais hegemônicas e criaram espaços nos quais suas reivindicações puderam se

ouvidas, mesmo que muitas vezes tais reivindicações fossem analisadas em forma de crítica,

dentro de uma sociedade em que a democracia racial era/é tida como expressão socialmente

aceita.

Utilizando-se dos conceitos de Du Bois de “dupla consciência” para argumentar que

esses intelectuais negros, ao desenvolverem seus trabalhos, viram-se frente a uma complexa

situação: a de lidar com a difícil tarefa de inscrever seus trabalhos dentro da tradição

ocidental, que poderia dar legitimidade às suas produções, e a de usá-los para dar visibilidade

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a uma linha de crítica social que denuncia a posição de exclusão a que o negro vinha sendo

submetido na sociedade. Ou seja, “impelidos a apresentar performances legitimadora e, ainda,

empenhados em projetos político-pedagógica foram obrigados a agir em duas frentes”

(SOUZA 2010, p. 02).

Assim, explica Florentina Souza que esses intelectuais foram capazes de integrar essa

duas frentes e criar meios pelos quais seus trabalhos, puderam constituir estratégias para

questionar a estrutura do pensamento vigente como forma a romper com o discurso social que

relegava o negro à posição de brasileiros de segunda classe e, ao mesmo tempo, inscrever sua

produção no cenário intelectual do país.

Trazendo, portanto, como um de seus principais papéis servir como instrumento de

engajamento político por meio da “articulação entre textos caracterizados por certo modo

negro de ver e sentir o mundo e pela utilização de uma linguagem marcada pelo empenho em

resgatar uma memória negra esquecida, tanto ao nível de vocabulário, quanto dos símbolos

usados” (BERND, 1988, p. 18).

Diante dos trabalhos expostos, percebemos a ação que a professora Florentina vem

desenvolvendo em seu campo de conhecimento, produzindo pesquisa acerca de autores e

produções literárias negras, com vistas a examinar os caminhos trilhados pelos intelectuais

negros que tomaram a cultura e especificamente o uso da palavra escrita como espaço de

combate ao racismo e à discriminação que foram colocados à margem da produção literária

por terem tomado outra posição frente aos mitos e à ordem estabelecida, criando um novo

discurso inscrito na contra corrente literárias dominante.

Seguindo os mesmos passos dos autores por ela examinados, Florentina Souza se

submete à empreitada de, por meio de sua produção intelectual, dar voz àqueles que por muito

tempo emudeceram perante a uma sociedade marcada por preconceitos e estereótipos

construídos que retratam o negro pelo crivo da inferioridade, seja por meios dos projetos de

pesquisa que desenvolve, pela sua produção escrita ou ainda em sua atuação em sala de aula

quando insere nos conteúdos programáticos ministrados autores negros.

Assim, ao fazer suas análises em seus trabalhos esboçados acima, que serve como

exemplo das demais produções desenvolvidas por esta pesquisadora, ela deixa visível que a

literatura é um campo fértil para discutir a questão racial, por perceber que tal campo pode ser

utilizado para rediscutir e reconfigurar as identidades. Bem como também, é um local que

possibilita entender as relações de poder que coloca a África e seus aspectos culturais,

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políticos e sociais como subalternos, criando um imaginário de inferioridade acerca de todos

que dela são provenientes.

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CONCLUSÃO

Observamos neste trabalho, que as transformações sucedidas no Brasil, em termos

políticos, com a mudança de um regime de exceção – colocada em prática pelos governos

militares – para uma democracia, ocorrido no final da década de 1970 e os anos 1980 e 1990,

foram primordiais para questão do racismo por permitir que os debates acerca do preconceito

e da discriminação adentrassem o cenário nacional.

Vimos também que nos referidos períodos, se fortaleceu o entendimento de era

necessário a interferência do Estado no sentido de criar políticas públicas que visassem

superar a divida social para com a população negra, como por exemplo, políticas de ações

afirmativas e marcos regulatórios.

Assim, as discussões trazidas à tona apontavam principalmente para a valorização da

cultura negra e a criação de uma identidade positiva para a superação da marca racial.

Neste cenário de debates, de lutas contra o racismo os pesquisadores negros que no

período adentraram as Universidades, foram de suma importância, pois se preocuparam em

estudar a causa negra de forma mais profunda. Passando então, a serem sujeitos pesquisadores

de suas próprias temáticas.

Esses intelectuais por meio de suas produções procuraram demonstrar à sociedade

brasileira a situação em que a população negra estava relegada, e que, principalmente em

termos educacionais, havia uma grande lacuna entre o negro em relação ao branco, que, na

maioria das vezes, nem conseguia concluir o ensino fundamental.

Assim, baseados nos dados empíricos produzidos por eles, o movimento negro foi

capaz de provocar as diversas instâncias do Estado em busca de políticas de combate ao

racismo e a discriminação.

Para entender como se deu a entrada e a permanência desses intelectuais nas

universidades utilizamos a trajetória acadêmica da professora Florentina da Silva Souza como

fio condutor. Tal trajetória nos forneceu subsídios para elucidarmos os obstáculos enfrentados

pelos negros no espaço acadêmico.

Assim, com seu depoimento, Florentina da Silva Souza pode nos demonstrar que as

dificuldades encontradas por ela ao se inserir no espaço universitário foram muitas. E que elas

se iniciaram desde o momento de sua entrada como aluna do curso de Letras na Universidade

Federal da Bahia (UFBA), quando teve que conciliar estudo e trabalho, pela necessidade de

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manter seus estudos e também por ter que ajudar sua família. O que não é uma prerrogativa

estritamente dos negros, porém entre eles esse fato é ainda mais recorrente.

Entretanto, a despeito de todas essas dificuldades enfrentadas por ela, chegou até o fim

de seu curso obtendo título de graduação e, posteriormente pelo seu extremado esforço,

conseguiu ingressar na universidade como docente e seguir a carreira acadêmica.

Porém ao adentrar a universidade como e assumir o status de professora, observou-se

que os desafios não diminuíram. Pelo contrário continuaram a existir.

Um exemplo disso foi o fato de lhe exigirem o tempo todo, a comprovação de sua a

capacidade. Tanto para alguns alunos que duvidavam seu sua competência, colocando à prova

sua aptidão de estar ocupando aquele lugar. Assim como também, por seus colegas de

trabalho, quando hesitavam sobre do caráter de suas pesquisas, que não eram vistas por eles

como ciência, e sim como militância.

Esses desafios enfrentados por Florentina da Silva Souza são corroborados por Coelho

(2005) e Santos (2008), quando asseveram que apesar do negro alcançar prestígio ao adentrar

espaço acadêmico, práticas institucionais os submetem a processos discriminatórios, tendo

que provar a todo o momento que merecem estar nesse ambiente, que, por ser um espaço de

elite branca, originalmente não é considerado lugar de negro.

Isso evidencia as dificuldades enfrentadas pelos intelectuais negros nas universidades,

que vão desde a afirmação de sua identidade, até a transposição de barreiras que são impostas

quando optam em trazer a temática racial como objeto central de suas pesquisas.

Confirmando o lugar de inferiorização a qual os negros foram relegados.

As argumentações de nossa pesquisa demonstraram que essa subalternidade foi

construída historicamente por meio de teorias que os colocavam como seres inferiores. E que

tais teorias, apesar de terem sido desqualificadas, ainda persistem no imaginário social,

trazendo como consequência o preconceito e a discriminação que se manifestaram nas

diversas instâncias sociais do país, inclusive na universidade.

Assim, as barreiras enfrentadas pela professora Florentina da Silva Souza na

academia, confirmam que à própria instituição universitária reflete o preconceito e a

discriminação existentes na sociedade, pois são vários os obstáculos encontrados pelos

professores negros dentro desse espaço.

No entanto, mesmo com todas as dificuldades, a universidade como um local onde se

produz ciência é vista como importante aliado para a luta empreendida pelos negros, onde

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podem produzir conhecimentos capazes de apontar caminhos para que muitas ações sejam

desenvolvidas para combater o racismo na sociedade.

O que foi observado na produção acadêmica de Florentina da Silva Souza, que por

meio da inserção de autores negros em seu campo de estudo, buscou dar voz ao negro como

sujeito da história. Subvertendo assim, a hegemonia identitária da cultura branca tida como

referência.

Porém, apesar da reconhecida importância dos estudos impetrados pelos

pesquisadores negros no que diz respeito à questão racial, continuamos a perceber que a

quantidade deles nas Universidades é considerada pequena, consequentemente pelas

dificuldades enfrentadas na hora do ingresso nas Universidades.

É o que ressalta os estudos realizados por Cunha Jr. (2003), os quais examinam os

históricos de cerca de dois mil mestres e doutores negros existentes no país, revela que a faixa

etária das candidaturas e os regimes de trabalho estão fora dos perfis privilegiados pelas

políticas e pelos programas de pós-graduação. Indicando que os negros sofrem discriminação

dentro da academia, principalmente por não terem orientadores que se disponham a orientar

suas temáticas e por não existir, na grande maioria das Universidades, linhas de pesquisas que

abordem a questão étnico-racial.

Assim, surge a necessidade de se pressionar o Estado na elaboração de políticas

públicas com objetivo de criar e financiar linhas de pesquisas nas Universidades a fim de

permitir a democratização científica. É imperativo também, que obstáculos ideológicos

existentes nessas instituições sejam superados, pois eles dificultam a entrada e a permanência

de pesquisadores nesse espaço.

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ANEXOS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS COMPLETAS DE FLORENTINA DA SILVA SOUZA

Quadro I – Livros publicado/organizações ou edições

SOUZA, Florentina da Silva (Org.); Barbosa, Márcio (Org.); Ribeiro, Esmeralda (Org.).

Cadernos Negros: Três décadas. São Paulo: 2008.

SOUZA, Florentina da Silva. (Org.); LIMA, M. N. (Org.). A literatura afro-brasileira. 1.ed.

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SOUZA, Florentina da Silva. Afra-descendência em Cadernos Negros e Jornal do MNU. 1.ed.

Belo Horizonte: Autêntica, 2005

Fonte: Plataforma Lattes (2010).

Quadro II – Capítulos de Livro

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Esmeralda Ribeiro; Marcio Barbosa. (Org.). Cadernos Negros: três décadas (ensaios, poemas,

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SOUZA, Florentina da Silva.; CHAVES, R.; MACEDO, T.; Eduardo Assis Duarte; Carmem

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Poesia de Castro Alves; antologia comentada. Salvador: 1977.

Fonte: Plataforma Lattes (2010).

Quadro III - Artigos completos Publicados em periódicos

SOUZA, Florentina da Silva Souza. Autorrepresentação e intervenção cultural em textualidades

afro-brasileiras. Revista da ABPN, v. 1, p. 183-194, 2010.

SOUZA, Florentina da Silva.; DALCASTAGNE, R.. Gênero e raça na literatura brasileira.

Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, v. 32, p. 103-112, 2008.

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SOUZA, Florentina da Silva. Intelectual negro e mediações culturais. Scripta (PUCMG), Belo

Horizonte, v. 8, p. 226-239, 2004

SOUZA, Florentina da Silva . Revertendo lugares e sentidos: Trovas burlescas de Luis Gama.

Afro-Ásia, Salvador, v. 24, p. 397-404, 2001

SOUZA, Florentina da Silva. De contas e rosários. Revista do CRH, Salvador, 2001

SOUZA, Florentina da Silva. Trânsitos da diáspora. Jornal A Tarde - Caderno Cultural, Salvador,

v. 1, p. 06-06, 2000.

SOUZA, Florentina da Silva. A construção de auto-imagens em textos de literatura africana de

língua portuguesa. Cadernos CESPUC de Pesquisa, Belo Horizonte, v. 5, p. 19-28, 1999.

SOUZA, Florentina da Silva. A construção de auto-imagens em textos de literatura africana.

Cadernos CESPUC de Pesquisa - série ensaios, Belo Horizonte, v. 1, p. 19-28, 1999.

Fonte: Plataforma Lattes (2010).