diÁlogos sobre a nova lei de licitaÇÕes e contrataÇÕes

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DIÁLOGOS SOBRE A NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATAÇÕES 1

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JULIETA MENDES LOPES VARESCHINI

Coordenadora

DIÁLOGOS SOBRE A NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATAÇÕES

LEI 14.133/2021

2021

Editada e distribuída em todo o território nacional por:

Editora JML.

Rua Mandaguaçu, 534, Sobreloja, Emiliano Perneta.

CEP 83324-430 – Pinhais – Paraná.

Telefone (41) 3595 9999 – Fax (41) 3595 9998.

Portal: www.jmleventos.com.br.

Projeto Gráfico e Diagramação

Studio Bild Design & Fotografia

Marcela Grassi Mendes de Faria

www.studiobild.com.br

Todos os direitos desta edição estão reservados à

EDITORA JML.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D537 Diálogos sobre a nova lei de licitações e contratações

Lei 14.133/2021 [livro eletrônico]. / Coordenadora Julieta Mendes Lopes Vareschini - Pinhais: Editora JML, 2021.

4,3 Mb, PDF

ISBN 978-65-990362-8-6

1.Direito Administrativo. I. Vareschini, Julieta Mendes Lopes

CDD 340

SUM

ÁRIO

NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS:

COMPETÊNCIA LEGISLATIVA, ÂMBITO DE INCIDÊNCIA,

VIGÊNCIA E IMPACTO NAS LEIS ESTADUAIS,

MUNICIPAIS E REGULAMENTOS DO SISTEMA S.......8

Edgar Guimarães

AGENTE E COMISSÃO DE CONTRATAÇÃO:

ATRIBUIÇÕES E RESPONSABILIDADES ...................28

Julieta Mendes Lopes Vareschini

A SUSTENTABILIDADE NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES.

TEORIA E PRÁTICA. .................................................43

Caroline Rodrigues da Silva

NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS: AS NOVAS

COMPETÊNCIAS E RESPONSABILIDADES DO

AGENTE DA CONTRATAÇÃO E A POSSIBILIDADE DE

CONTRATAÇÃO DE ASSESSORAMENTO TÉCNICO ....90

Luiz Cláudio de Azevedo Chaves

A INVIABILIDADE DE COMPETIÇÃO RELATIVA NA NOVA

LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

(LEI N° 14.133/2021): PRINCIPAIS MUDANÇAS E

PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO PARA MAXIMIZAR A

EFICIÊNCIA DA CONTRATAÇÃO DIRETA ....................141

Gabriela Pércio

INEXIGIBILIDADE: SERVIÇOS TÉCNICOS,

NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO E A AUSÊNCIA DE

SINGULARIDADE .....................................................157

Diego Ávila

SUM

ÁRIO

A DISPENSA PELO VALOR NA LEI 14.133/2021 ...... 180

Nyura Disconzi da Silva

UM ENSAIO SOBRE “OBRAS COMUNS DE ENGENHARIA”

NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS

ADMINISTRATIVOS ................................................ 201

Rafael Jardim Cavalcante

A QUESTÃO DA INEXEQUIBILIDADE DAS PROPOSTAS

SEGUNDO A NOVA LEI DE LICITAÇÕES .................. 219

Ana Carolina Coura Vicente Machado

O EXAME PRÉVIO DE LEGALIDADE DOS PROCESSOS

LICITATÓRIOS PREVISTO PARA A NOVA LEI DE

LICITAÇÕES. ..........................................................228

Luiz Cláudio de Azevedo Chaves

A NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS E A

AMPLIAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO DE

MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE ..........................247

Cristiana Fortini e Mariana Bueno Resende

DURAÇÃO E PRORROGAÇÃO DOS CONTRATOS

ADMINISTRATIVOS ................................................ 271

José Anacleto Abduch Santos

A REPACTUAÇÃO NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES E OS

CUIDADOS ESSENCIAIS ......................................... 301

Gustavo Cauduro Hermes

NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS, E SUAS

MEDIDAS ALTERNATIVAS DE RESOLUÇÃO DE

CONTROVÉRSIAS: EVOLUÇÕES SINUOSAS. ......... 327

Thiago Bueno de Oliveira

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APRESENTAÇÃOEm 01 de abril de 2021 foi publicada, em edição extra do Diário

Oficial da União, a nova Lei de Licitações e Contratações, sob o n°.

14.133/2021. O novo marco regulatório trouxe alterações substanciais

no processamento das licitações e algumas modificações nas

contratações diretas e no regime jurídico aplicável aos contratos.

Embora a norma tenha entrado em vigor na data de sua

publicação, nos termos do art. 194, o regime anterior (Leis 8.666/93

e 10.520/02) somente será revogado no prazo de dois anos, a contar

da data de publicação, razão pela qual, durante esse lapso temporal,

a Administração Pública poderá optar por licitar de acordo com o

novo ou com o velho regime. Pode, inclusive, utilizar a nova lei para

algumas licitações e a Lei 8.666/93 para outras, de forma totalmente

discricionária, nos termos do art. 191. O contrato, por seu turno, seguirá

o regime jurídico da legislação adotada no decorrer da licitação.

A referida Lei traz alguns desafios à Administração Pública,

a exemplo da implantação do Portal Nacional de Contratações

Públicas, das regras relativas à designação dos agentes responsáveis

pela condução do certame, o papel da assessoria jurídica no controle

da licitação, a nova modalidade diálogo competitivo, além de diversos

institutos que exigirão regulamentação específica.

Assim, com o intuito de contribuir para a correta compreensão

e aplicação da nova Lei, esse e-book conta com artigos de renomados

juristas que possuem vasta experiência no regime jurídico aplicável

às licitações. Esperamos, assim, contribuir para suas reflexões sobre

a novel Lei 14.133/2021.

JULIETA MENDES LOPES VARESCHINICoordenadora

NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOSCOMPETÊNCIA LEGISLATIVA,

ÂMBITO DE INCIDÊNCIA, VIGÊNCIA

E IMPACTO NAS LEIS ESTADUAIS,

MUNICIPAIS E REGULAMENTOS

DO SISTEMA S

Edgar Guimarães

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NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOSCOMPETÊNCIA LEGISLATIVA, ÂMBITO DE INCIDÊNCIA,

VIGÊNCIA E IMPACTO NAS LEIS ESTADUAIS, MUNICIPAIS

E REGULAMENTOS DO SISTEMA S.

Edgar Guimarães1

1. INTRODUÇÃO

Em 10 de dezembro de 2020 o Senado Federal aprovou

o Projeto de Lei n° 4.253/2020, substitutivo da Câmara dos

Deputados ao Projeto de Lei n° 1.292-E de 1995 do Senado Federal

(PLS n° 163/95 na Casa de origem), que estabelece normas gerais

de licitação e contratação para a Administração Pública Direta,

Autárquica e Fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal

e dos Municípios.

De acordo com o devido processo legislativo, o Presidente

da República, no exercício dos poderes que lhe são conferidos,

vetou alguns dispositivos do referido Projeto de Lei, sancionando

a maioria deles, estabelecendo um novo regime jurídico para as

licitações e contratações públicas por meio da publicação da n° Lei

n° 14.133 na Diário Oficial da União do dia 01/04/2021.

1 Advogado; Pós-Doutor em Direito pela Università del Salento (Itália). Doutor e Mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP; Professor em cursos de Pós-graduação; Consultor Jurídico (aposentado) do Tribunal de Contas do Estado do Paraná; Presidente do Instituto Paranaense de Direito Administrativo; Membro dos Institutos Brasileiro de Direito Administrativo, do Instituto dos Advogados do Paraná e do Conselho Científico do Instituto Romeu Felipe Bacellar. Árbitro da Câmara de Arbitragem e Mediação da FIEP/PR. Conselheiro da OAB/PR.

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Além de novas regras para as licitações e contratos

administrativos, o novel Diploma legal altera as Leis n° 13.105/2015,

(Código de Processo Civil), 8.987/1995 (Lei das Concessões),

11.079/2004 (Lei das PPPs), o Decreto-Lei 2.848/1940 (Código

Penal), e revoga dispositivos da Lei n° 12.462/2011 (Lei do RDC), e

as Leis n° 8.666/1993 (Lei de licitações e contratos) e 10.520/2002

(Lei do Pregão).

A Lei n° 14.133/2021 incorpora grande parte dos dispositivos

da Lei 8.666/1993, da Lei 12.462/2011 (RDC) e da Lei 10.520/2002

(Lei do Pregão), bem como de diversas Instruções Normativas

expedidas pelo Governo Federal.

O que se percebe é uma consolidação de alguns Diplomas

legais e de diversas instruções normativas em um único texto

normativo, o que pode ser considerado algo positivo, pois, até

então, o que se tinha no âmbito federal era uma verdadeira

“colcha de retratos” com diversas leis, decretos, portarias e outros

atos regulamentares estabelecendo regras para o processo de

contratação pública.

Todavia, é lamentável que depois de anos em tramitação

e discussão no Congresso, o resultado não tenha sido aquele

aguardado pela Administração Pública e também pela comunidade

jurídica em geral. Esperava-se uma lei enxuta, menos formalista,

menos burocrática, atual, adequada aos dias de hoje e, sobretudo,

que indicasse, expressamente, todas as prescrições consideradas

“normas gerais” de licitações e contratos, criando, assim, um

ambiente propício e seguro para que Estados, Municípios e

Distrito Federal legislem de forma suplementar tratando das suas

peculiaridades.

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É forçoso reconhecer que nasce uma lei velha e ultrapassada

com um ou outro ponto que merece destaque, como por exemplo,

uma atenção maior para as licitações sustentáveis, regras e

procedimentos para reabilitação de empresas sancionadas; a

utilização de meios alternativos de resolução de controvérsias

(conciliação, mediação, comitê de resolução de disputas e

arbitragem) e a criação de um Portal Nacional de Contratações

Públicas.

Neste ensaio, sem a pretensão de esgotar a temática

proposta, teceremos algumas considerações acerca da

competência para legislar sobre a matéria licitatória e contratual,

o âmbito de incidência e vigência da nova lei, bem como o seu

impacto em leis estaduais e regulamentos de entidades do Sistema

S. É o que faremos adiante.

2. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA

A disciplina jurídica regedora das licitações e contratações

públicas encontra fundamento primário no plano constitucional.

No âmbito da Carta da República cabe destacar dois comandos, o

primeiro relacionado à competência legislativa (art. 22, inc. XXVII)

e o segundo ao dever de licitar (art. 37, inc. XXI).

Em que pese o primeiro deles tratar da competência para

legislar sobre normas gerais e o segundo estabelecer uma regra

geral a ser observada por ocasião das contratações públicas,

entendemos que ambos possuem uma ligação muito próxima,

conforme veremos adiante.

A propósito da distribuição de competências dentro da

organização federativa, cabe assinalar o pensamento de Alice

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Gonzalez Borges2 no sentido de que a Constituição de 1988 deu

um novo tratamento, tornando-a muito mais simples, racional

e intuitiva, preservando a autonomia das ordens federadas e

estabelecendo uma nítida delimitação das competências de cada

qual, tornando induvidosa e objetiva a arrumação e a harmonização

das diversas esferas legislativas, quando incidentes sobre uma

mesma matéria.

De acordo como o conjunto de competências legislativas

instituído pela Constituição de 1988, compete à União legislar de

forma privativa, sobre normas gerais de licitação e contratação para

as Administrações Públicas Diretas, Autárquicas e Fundacionais

da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o

disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades

de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, inciso III.3

A teor do comando constitucional antes citado, as pessoas

políticas que integram a federação estão, nítida e expressamente

subordinadas às normas gerais de licitação e contratação editadas

pela União.

É preciso deixar claro que a União possui competência não

apenas para legislar sobre normas gerais. Cabe a ela editar também

normas específicas, porém, estas de observância obrigatória tão

somente na órbita federal.

Ademais, por obvio, a mencionada competência da União

para legislar privativamente sobre normas gerais de licitação

2 BORGES, Alice Gonzalez. Normas gerais no estatuto de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 16.

3 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:(...)XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; 

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e contratação pública, não exclui, nem poderia excluir, a

competência suplementar dos Estados, Municípios e do Distrito

Federal para disporem sobre normas específicas visando tratar de

suas peculiaridades locais.

Neste sentido, vale mencionar o entendimento externado

no Voto do Ministro Teori Zavascki por ocasião do julgamento da

ADI 3.735 (DJe de 1°/08/2017) em que se analisou a matéria aqui

enfrentada. Vejamos: “esta privatividade, contudo, não elidiu a

competência dos demais entes federativos para legislar sobre o

tema. Na medida em que se limitou ao plano das “normas gerais”,

a própria regra, de competência do art. 22, XXVII, da CF pressupôs

a integração da disciplina jurídica da matéria pela edição de

outras normas, “não gerais”, a serem editadas pelos demais entes

federativos, no desempenho das competências próprias que lhes

cabem, seja com fundamento nos arts. 24 e 25, § 1°, da CF – no caso

dos Estados-membros – ou no art. 30, II, da CF – no tocante aos

Municípios.”

Não remanescem dúvidas de que os Estados-membros se

organizam e se regem pelas Constituições e leis que adotarem e,

de acordo com o § 1°, do artigo 254, estão autorizados a exercer

as competências legislativas que não lhes sejam vedadas pela

Constituição Federal, disposição aplicável de igual forma ao

Distrito Federal.

Quanto aos Municípios, conforme dicção do inciso I, do artigo

305 do texto constitucional, as suas competências legislativas

amparam-se na predominância dos assuntos de interesse local,

4 Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.§ 1° São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.

5 Art. 30. Compete aos Municípios:I - legislar sobre assuntos de interesse local;

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devendo as respectivas Leis Orgânicas guardarem conformidade

com a Constituição Federal e a do respectivo Estado-membro.

De uma interpretação sistemática da Constituição da

República, especialmente com as atenções voltadas para os

dispositivos acima mencionados, é forçoso concluir que compete

à União editar, privativamente, normas gerais de licitação e

contratação pública (art. 22, XXVII) de observância obrigatória

por todos entes da federação, podendo e devendo os Estados-

membros, Municípios e Distrito Federal legislar acerca de normas

específicas adequadas a cada realidade local.

Em razão dos níveis de poderes políticos, independentes

e autônomos estabelecidos pelo regime jurídico-constitucional,

bem como das diferentes realidades socioeconômicas do nosso

País, as normas gerais de licitação e contratação pública editadas

pela União necessitam de leis estaduais e municipais versando

sobre normas específicas voltadas, como dito anteriormente, ao

trato de peculiaridades locais..

Neste sentido, endossamos integralmente as palavras de

Adilson Abreu Dallari6 ao sustentar que “é absurdo uma legislação

única de licitações, tanto para um pequeno Município do interior

quanto para a União, ou para a Capital de São Paulo. Sendo a

licitação matéria de direito administrativo, deve ela ser disciplinada

pela legislação de cada pessoa jurídica de capacidade política, de

acordo com suas peculiaridades.”

É lamentável que no  Brasil,  uma república federativa

formada pela união de 26 estados federados, 5.568 municípios e

do Distrito Federal, apenas os Estados do Paraná, Bahia, Sergipe,

Goiás, São Paulo e o Município de São Paulo, tenham editado leis de

6 DALLARI, Adilson Abreu. Aspectos jurídicos da licitação. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 24.

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licitação e contratação pública. Os demais entes federativos que

até o momento não exerceram a competência suplementar que a

Constituição lhes assegura, adotam, integralmente, as vetustas

disposições da Lei n° 8.666/93.

3. NORMAS GERAIS E NORMAS ESPECÍFICAS DE LICITAÇÃO E

CONTRATAÇÃO PÚBLICA

Consoante o exposto no tópico anterior, é possível afirmar

que a temática das normas gerais é de tamanha importância a

ponto de se constituir em um critério divisor de competências

entre as unidades da Federação7. Assim, a grande questão que

se apresenta é a sua conceituação clara e objetiva em matéria

de licitação e contratação, com a finalidade de se fixar os limites

legislativos conferidos pela Constituição de 1988 aos Estados-

membros, Municípios e Distrito Federal.

Conceituar norma geral trata-se, em verdade, de tarefa

dificílima e que há muito vem sendo discutida no plano da doutrina.

Adilson Abreu Dallari8 reconhece tal dificuldade e anota que “é mais

fácil chegar à norma geral pelo caminho inverso, dizendo o que não

é norma geral. Não é norma geral aquela que corresponde a uma

especificação, a um detalhamento.”

Na visão do mencionado autor “norma geral é aquela que

cuida de determinada matéria de maneira ampla. Norma geral é

aquela que comporta uma aplicação uniforme pela União, Estados e

Municípios; norma geral é aquela que não é completa em si mesma,

mas exige uma complementação.”9

7 Neste sentido é o pensamento de Alice Gonzales Borges, ob. cit., p. 26.

8 Ob. cit. , p. 25.

9 Ob. cit. p. 25.

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Na mesma linha é o pensamento de Alice Gonzalez Borges10

ao sustentar que “são normas gerais aquelas que, por alguma

razão, convém ao interesse público sejam tratadas por igual,

entre todas as ordens da Federação, para que sejam devidamente

instrumentalizados e viabilizados os princípios constitucionais

com que têm pertinência. A bem da ordem harmônica que deve

manter coesos os entes federados, evitam-se, desse modo, atritos,

colidências, discriminações, de possível e fácil ocorrência.”

Reconhecemos que se trata de um conceito fluído, impreciso

comportando uma zona de certeza positiva e outra de certeza

negativa.

Dadas as dificuldades que se apresentam, preferimos adotar

um critério negativista ou residual para se chegar a uma conclusão.

Assim, em outras palavras e de uma forma despretensiosa e

infinitamente mais sintética, podemos afirmar que não são

normas gerais aquelas que descem a detalhes, preciosismos,

especificidades.

De outra sorte, defendemos como critério delimitador de seu

conteúdo a análise dos elementos contidos na Carta da República,

de onde é possível concluir tratar-se de norma geral todas aquelas

relacionadas, por exemplo, à observância dos princípios da

Administração Pública, à obrigatoriedade de contratação somente

mediante processo seletivo prévio de licitação (o dever legal de

licitar), à garantia da competitividade, da moralidade e igualdade

no certame.

Desta forma, será norma geral toda aquela que, relacionada

aos aspectos acima citados, possui um âmbito de incidência

nacional, circunscrevendo-se a qualquer pessoa política, de

10 BORGES, Alice Gonzalez. Ob. cit. p. 26.

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qualquer dos níveis da Federação, como observa Geraldo Ataliba11,

que as define como “leis nacionais; leis que não se circunscrevem

ao âmbito de qualquer pessoa política, mas que os transcendem

aos três. Não se confundem com a lei federal, estadual ou municipal

e têm seu campo próprio e específico, excludente das outras três

e reciprocamente.

De acordo com a nossa percepção, ao interpretarmos a

Lei n° 14.133/2021 podemos elencar na categoria de norma geral

e, portanto, dentro da zona de certeza positiva, a exemplo das

disposições sobre a LC 123/2006, os princípios jurídicos das

licitações, objetivos do processo licitatório, margem de preferência,

os critérios de julgamento, licitações internacionais, os prazos

mínimos para apresentação de propostas/lances, os modos de

disputa, exigências de habilitação, hipóteses de contratação

direta, procedimentos para alienação de bens, formalização do

processo de contratação direta, prerrogativas da Administração,

dos pagamentos, nulidade dos contratos, meios alternativos de

resolução de controvérsias, infrações e sanções administrativas,

impugnações, esclarecimentos e recursos, controle das licitações.

De outro giro, são normas específicas e, sendo assim,

enquadradas na zona de certeza negativa, as disposições que

tratam dos agentes públicos envolvidos no processo licitatório,

o rito procedimental do processo licitatório, a fase preparatória

das licitações, as modalidades de licitação, o planejamento das

compras e até mesmo o portal nacional de contratações públicas.

Com efeito, repisamos que, em virtude da competência

privativa para dispor sobre normas gerais, as demais pessoas

11 ATALIBA, Geraldo. Normas Gerais na Constituição – Leis Nacionais, Leis Federais e seu Regime Jurídico. Estudos e Pareceres de Direito Tributário, vol. 3, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 15.

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políticas integrantes da Federação, quando da edição de leis locais

versando sobre normas específicas voltadas ao atendimento das

respectivas peculiaridades, deverão respeitar as diretrizes gerais

advindas da União.

4. ÂMBITO DE INCIDÊNCIA E VIGÊNCIA DA LEI N°

14.133/2021

O caput do artigo 1° da Lei n° 14.133/2021 contempla redação

no sentido de que “esta Lei estabelece normas gerais de licitação

e contratação para as administrações públicas diretas, autárquicas

e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios (...).”12

De uma interpretação literal deste dispositivo, técnica não

recomendada pela boa hermenêutica, o leitor mais afoito poderia

concluir que a nova lei, em todos os seus artigos, prescreve

apenas normas gerais, o que é um ledo engano. Conclusão neste

sentido seria transformar em geral várias disposições que não são,

subtraindo pela via legislativa a competência suplementar dos

Estados, Municípios e Distrito Federal para tratar da matéria.

Entendemos que a interpretação a ser dada ao caput do

artigo 1°, deve ser conforme a Constituição Federal e tendo como

pano de fundo os comandos dos artigos 22, inciso XXVII, 25, § 1° e 30,

inciso I, eliminando, desta forma, eventual inconstitucionalidade

em razão de uma usurpação de competência.

A bem da verdade, o novel Diploma legal deveria ter

especificado com clareza o conjunto de normas gerais a serem

aplicadas e observadas por todas as pessoas políticas da federação,

12 Vale lembrar que o caput do artigo 1° da Lei n° 8.666/93 contém a mesma prescrição.

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criando, desta forma, um ambiente seguro para que estas pessoas

legislem localmente acerca das normas específicas de licitação e

contratação pública.

Lamentavelmente isto não ocorreu, o que não impede

que Estados, Municípios e Distrito Federal, no gozo de uma

competência suplementar que a Constituição Federal lhes assegura

e respeitando as normas gerais fixadas pela União, editem normas

específicas conformes às peculiaridades locais.

Não restam dúvidas que a Lei n° 14.133/2021 deve ser

observada e aplicada integralmente por todas as entidades que

integram a Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional

da União, pelos Poderes Legislativo e Judiciário da União, bem

como pelo Tribunal de Contas da União. Todavia, os Estados,

Municípios e Distrito Federal estarão obrigados a respeitar tão

somente as normas gerais constantes da nova lei.

Cabe anotar que a observância e aplicação integral da nova

lei fora da órbita da federal, deverá ocorrer quando do manuseio

de recursos transferidos pela União à título de convênios, acordos,

ajustes e outros instrumentos congêneres, na forma estabelecida

em regulamento do Poder Executivo federal.13

A propósito da vigência da Lei n° 14.133/2021, o seu artigo 194

estabelece que a entrada em vigor se dá na data de publicação, não

havendo qualquer período de vacância, como normalmente ocorre

em face da complexidade e inovação de alguns Diplomas legais,

período este voltado para que os aplicadores do direito disponham

de tempo para compreender e subtrair dos textos legais a melhor

interpretação visando sua escorreita aplicação.

13 Artigo 184 da Lei n° 14.133/2021.

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Diante do que dispõe o artigo antes citado, uma vez

publicada, a Lei n° 14.133/2021 passa a produzir efeitos jurídicos

imediatamente, podendo, desde logo, ser aplicada. Porém,

durante o decurso do prazo de 2 (dois) anos contado da data da sua

publicação, a Lei n° 8.666/93 (lei de licitações e contratos), a Lei n°

10.520/02 (lei do pregão) e a Lei n° 12.462/11 (lei do RDC) também

estarão vigendo14. Tal fato se dá em razão de que o legislador criou

um período de convivência entre o regime jurídico antigo e a nova

lei. Assim, durante os 2 anos teremos os dois regimes em pleno

vigor, podendo o administrador público, por ocasião da instauração

de processo licitatório ou de contratação direta, optar por um ou

outro regime jurídico, sendo vedada, apenas, a combinação da

nova lei com o regime antigo.

A opção por um certo regime jurídico não precisa ser

motivada, bastando a indicação expressa no edital ou no

instrumento de contrato. Caso a Administração opte por aplicar

o regime jurídico antigo, este incidirá durante toda a vigência do

respectivo contrato, ainda que o prazo de 2 anos tenha expirado.

5. IMPACTO DA LEI N° 14.133/2021 NAS LEIS ESTADUAIS E

MUNICIPAIS

Consoante sustentamos neste ensaio, Estados, Municípios e

Distrito Federal dispõem de competência legislativa suplementar

em matéria de licitação e contratação pública, podendo, assim,

editarem leis locais, respeitando as normas gerais fixadas pela

União.

14 Conforme disposição do artigo 192, inciso I, o Capítulo dos Crimes e das Penas constante dos artigos 89 a 108 da Lei n° 8.666/93 é revogado na data da publicação da nova lei, sendo inserido no Código Penal. Somente após o biênio é que o restante da Lei n° 8.666/93 (lei de licitações e contratos) e as Leis n° 10.520/02 (lei do pregão) e n° 12.462/11 (lei do RDC) serão automaticamente revogadas.

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Pois bem, neste cenário apenas o Estados do Paraná, Bahia,

Sergipe, São Paulo e o Município de São Paulo, exerceram suas

competências legislativas suplementares e editaram lei próprias

sobre esta matéria. Ocorre que todos os Diplomas legais são

anteriores à Lei n° 14.133/2021. A lei do Estado de São Paulo data

de 1989 (Lei n° 6.544), do Município de São Paulo de 2002 (Lei n°

13.278), da Bahia de 2005 (Lei n° 9.433), Sergipe de 2006 (Lei n°

5.848), Paraná de 2007 (Lei n° 15.608) e Goiás de 2012 (Lei n° 17.928).

De acordo com as nossas teses, é possível sustentar que

a Lei n° 14.133/2021 não revogou, nem poderia revogar as leis

estaduais e municipais até então em vigência. Tais leis continuam

produzindo efeitos no mundo jurídico, ou seja, vigendo, naquilo

que não conflitarem com as normas gerais fixadas pela nova lei

de 2021. Mais uma vez, destacamos a extrema importância de

estabelecer um conceito preciso de norma geral de licitação e

contratação pública, pois se trata de critério que define e delimita

a competência legislativa sobre esta matéria.

Na hipótese de inexistir lei estadual ou municipal sobre

licitação e contratação pública, situação esta atualmente

verificada na maioria dos entes federativos, a alternativa será (i)

continuar aplicando o regime jurídico antigo (Lei n° 8.666/93, Lei n°

10.520/02 e Lei n° 12.462/11) durante o biênio contado da publicação

da Lei n° 14.133/2021, (ii) aplicar integralmente a nova lei ou (iii)

exercer a competência suplementar para legislar sobre licitação

e contratação pública, editando uma lei local, com respeito as

normas gerais fixadas pela União.

Conforme já anotamos em passagem anterior, considerando

que o regime jurídico-constitucional criou níveis de poderes

políticos, independentes e com autonomia para se auto organizarem

política, orçamentária e administrativamente e, ainda, tomando

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em conta as diferentes realidades socioeconômicas do nosso País,

é chegada a hora e vez de Estados, Municípios e Distrito Federal, no

gozo dos poderes que a Constituição da República lhes assegura,

legislarem sobre a matéria licitatória e contratual, disciplinando

normas específicas que atendam a organização administrativa

de cada qual e, sobretudo, adequadas às peculiaridades locais,

respeitando sempre, as normas gerais fixadas pela União.

6. IMPACTO DA LEI N° 14.133/2021 NOS REGULAMENTOS DE

LICITAÇÕES E CONTRATOS DAS ENTIDADES DO SISTEMA S

As entidades integrantes do denominado Sistema “S”15 são

qualificadas como Serviços Sociais Autônomos16, não integrantes

da estrutura organizacional da Administração Pública Brasileira

e, portanto, não se submetem aos rigores da disciplina jurídica

das licitações constante da legislação aplicável à Administração

Pública brasileira.

Tais entidades são pessoas jurídicas de direito privado, sem

fins lucrativos que, em razão de gerirem recursos provenientes de

contribuições parafiscais e possuírem alguns privilégios próprios

das pessoas jurídicas de direito público, não têm ampla liberdade

para contratar bens e serviços, devendo, para tanto, instaurar um

processo prévio denominado licitação, como forma de atender

15 SESC, SENAI, SENAC, SEBRAE etc.

16 De acordo com Hely Lopes Meirelles “Serviços Sociais Autônomos são todos aqueles instituídos por lei, com personalidade de Direito Privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais. São entes paraestatais, de cooperação com o Poder Público, com administração e patrimônios próprios (...). Embora oficializadas pelo Estado, não integram a Administração direta nem a indireta, mas trabalham ao lado do Estado, sob seu amparo, cooperando nos setores, atividades e serviços que lhes são atribuídos, por serem considerados de interesse específico de determinados beneficiários.” (MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 25ª ed. São Paulo, Malheiros, 2000, p. 346)

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os princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade e

isonomia, dentre outros.

Embora estejam obrigadas a licitar, sustentamos que não

se sujeitam aos rigores da ordem jurídica regedora da matéria

aplicada à Administração Pública, mas, a regulamentos próprios

devidamente publicados, consoante manifestação do Tribunal de

Contas da União vazada na Decisão n° 907/1997.

Desta forma, em meados de 2006, os Conselhos Nacionais

de tais entidades, baixaram atos aprovando Regulamentos de

Licitações e Contratos, estabelecendo a disciplina jurídica a ser

observada por ocasião das suas contratações.

Tais regulamentos, assim como a própria lei federal das

licitações, não esgotam totalmente a matéria, sendo possível

encontrar algumas lacunas, espaços em branco que, de acordo

com nosso entendimento, deverão ser colmatados com a aplicação

dos princípios jurídicos aplicáveis ao caso concreto e não com a

adoção obrigatória do regime jurídico da Administração Pública.

A aplicação subsidiária da Lei n° 14.133/2021 aos processos

licitatórios instaurados por entidades do Sistema “S” é, portanto,

absolutamente facultativa, tendo em vista a inexistência de norma

jurídica que as obrigue a se submeterem às regras da Administração

Pública, exceção feita nas hipóteses de transferência voluntária de

recursos da União à título de convênios, acordos, ajustes e outros

instrumentos.17

Em que pese a Lei n° 14.133/2021 não ter causado nenhum

impacto nos Regulamentos das Entidades do Sistema S, esta é

uma boa hora para se promover uma atualização no regime jurídico

licitatório e contratual vigente no âmbito do Sistema S.

17 Lei n° 14.133/2021, artigo 184.

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Considerando que tais regramentos datam de 2006, com

algumas poucas alterações ocorridas ao longo dos últimos anos,

faz-se necessário adequá-los aos avanços sociais, tecnológicos

e econômicos da sociedade. Para tanto, sugerimos subtrair da

Lei n° 14.133/2021 disposições que possam tornar o processo

de contratação mais célere, eficiente e, sobretudo, propiciar o

verdadeiro desiderato de uma licitação que é a seleção da melhor

proposta para o atendimento de certa necessidade.

7. CONCLUSÕES

De todo o exposto no presente estudo, face ao regime

jurídico-constitucional instituído pela Constituição da República,

pessoas políticas que integram a federação estão, nítida e

expressamente subordinadas apenas às normas gerais de licitação

e contratação pública editadas pela União.

Dessa feita, passaremos a pontuar as principais conclusões

extraídas ao longo do texto, em sua respectiva ordem de exposição:

1. à União compete legislar de forma privativa, sobre

de normas gerais de licitação e contratação para

as Administrações Públicas Diretas, Autárquicas e

Fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e

Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para

as empresas públicas e sociedades de economia mista,

nos termos do art. 173, § 1°, inciso III;

2. à União compete também legislar sobre normas

específicas de licitação e contratação pública de

observância obrigatória tão somente na órbita federal;

3. Estados, Municípios e do Distrito Federal podem

e devem exercer uma competência legislativa

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suplementar dispondo sobre normas específicas de

licitação e contratação pública, objetivando tratar de

peculiaridades locais e respeitando as normas gerais

editadas pela União;

4. as normas gerais em matéria de licitação e

contratação pública se constituem em um critério

divisor e delimitador de competências entre as

entidades da Federação;

5. não são normas gerais aquelas que descem a detalhes,

preciosismos, especificidades, minúcias;

6. normas gerais são aquelas relacionadas, por exemplo,

à observância dos princípios da Administração Pública,

à obrigatoriedade de contratação somente mediante

processo seletivo prévio de licitação (o dever legal de

licitar), à garantia da competitividade, da moralidade

e da igualdade no certame, possuindo um âmbito de

incidência nacional, circunscrevendo a qualquer pessoa

política, de qualquer dos níveis da Federação;

7. a Lei n° 14.133/2021 deve ser observada e aplicada

integralmente por todas as entidades que integram a

Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional

da União, pelos Poderes Legislativo e Judiciário da

União, bem como pelo Tribunal de Contas da União;

8. Estados, Municípios e Distrito Federal estarão

obrigados a respeitar tão somente as normas gerais

constantes da Lei n° 14.133/2021, exceto quando do

manuseio de recursos transferidos pela União à título

de convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos

congêneres, na forma estabelecida em regulamento do

Poder Executivo federal;

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9. a Lei n° 14.133/2021, entra em vigor na data de

publicação, não havendo qualquer período de vacância;

10. durante o decurso do prazo de 2 (dois) anos contado

da data da publicação da Lei n° 14.133/2021, a Lei n°

8.666/93 (lei de licitações e contratos), a Lei n° 10.520/02

(lei do pregão) e a Lei n° 12.462/11 (lei do RDC) também

estarão vigendo;

11. durante o citado biênio teremos os dois regimes

em pleno vigor, podendo o administrador público,

por ocasião da instauração de processo licitatório

ou de contratação direta, optar por um ou outro

regime jurídico, sendo vedada a combinação da Lei n°

14.133/2021 com o regime antigo;

12. se no curso do biênio legal a Administração optar por

aplicar o regime jurídico antigo, este incidirá durante

toda a vigência do respectivo contrato, ainda que o

prazo de 2 anos tenha expirado;

13. a Lei n° 14.133/2021 não revogou as leis estaduais e

municipais até então em vigência. Tais leis continuam

produzindo efeitos no mundo jurídico, ou seja, vigendo,

naquilo que não conflitarem com as normas gerais

fixadas pela nova lei de 2021;

14. inexistindo lei estadual ou municipal sobre licitação

e contratação pública, a alternativa será (i) continuar

aplicando o regime jurídico antigo (Lei n° 8.666/93,

Lei n° 10.520/02 e Lei n° 12.462/11) durante o biênio

contado da publicação da Lei n° 14.133/2021; (ii) aplicar

integralmente a nova lei ou (iii) exercer a competência

suplementar para legislar sobre licitação e contratação

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pública, editando uma lei local, com respeito as normas

gerais fixadas pela União;

15. a Lei n° 14.133/2021 não causou nenhum impacto

nos Regulamentos das Entidades do Sistema S, todavia,

esta é uma boa hora para se promover uma atualização

no regime jurídico licitatório e contratual vigente no

âmbito destas Entidades, adequando-os aos avanços

sociais, tecnológicos e econômicos da sociedade.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ATALIBA, Geraldo. Normas Gerais na Constituição – Leis Nacionais, Leis Federais e seu Regime Jurídico. Estudos e Pareceres de

Direito Tributário, vol. 3, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.

BORGES, Alice Gonzalez. Normas gerais no estatuto de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1991.

DALLARI, Adilson Abreu. Aspectos jurídicos da licitação. 7ª ed.,

São Paulo: Saraiva, 2006.

MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 25ª ed.

São Paulo, Malheiros, 2000.

AGENTE E COMISSÃO DE CONTRATAÇÃO: ATRIBUIÇÕES E RESPONSA- BILIDADESJulieta Mendes Lopes Vareschini

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AGENTE E COMISSÃO DE CONTRATAÇÃO: ATRIBUIÇÕES E RESPONSABILIDADES

Julieta Mendes Lopes Vareschini1

1. Introdução

De maneira totalmente inesperada, o projeto da nova lei de

licitações e contratos voltou a tramitar no Senado Federal, por

meio do Projeto de Lei 4253/2020, sendo aprovado pelo Senado

em 10 de dezembro de 2020 e a lei sancionada pelo Presidente da

República em 01 de abril de 2021, sob o n°. 14.133.

Não há dúvidas de que as contratações públicas

necessitavam de urgente reformulação, porquanto a Lei 8.666/93,

extremamente formalista e burocrática, não dava mais conta de

toda a complexidade do tema. Porém, a lei sancionada está longe

de representar inovação e modernização no âmbito das licitações

e contratações, ela inova muito pouco na matéria, reproduzindo

um compilado de normativas já existentes, a exemplo da Lei n°.

13.303, da Instrução Normativa 73, do Ministério da Economia e da

Instrução Normativa 05/2017, do antigo Ministério do Planejamento,

Desenvolvimento e Gestão, sem a adequada sistematização.

De qualquer sorte, a norma entrou em vigor na data de sua

publicação, conforme previsto em seu art. 194, e não nos resta

alternativa que não seja aplicá-la.

1 Advogada, consultora e palestrante na área de contratações públicas. Mestre em Direito Público. Vice-Presidente do Grupo da JML. Professora de cursos de pós-graduação e coordenadora do MBA em Compliance Público, da Faculdade Pólis Civitas. Membro do Instituto Paranaense de Direito Administrativo. Contato: [email protected] e @professorajulieta (instagram).

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Já de plano, cumpre destacar que, embora a norma tenha

entrado em vigor na data de sua publicação, o regime anterior (Leis

8.666/93 e 10.520/02) somente será revogado no prazo de dois

anos2, a contar da data de publicação, razão pela qual, durante esse

lapso temporal, a Administração Pública poderá optar por licitar de

acordo com o novo ou com o velho regime. Pode, inclusive, utilizar

a nova lei para algumas licitações e a Lei 8.666/93 para outras, de

forma totalmente discricionária, nos termos do art. 191. O contrato,

por seu turno, seguirá o regime jurídico da legislação adotada no

decorrer da licitação3.

Embora, em nosso entender, a legislação tenha inovado

pouco, porque muitos institutos já estavam previstos em outras

normas, é forçoso reconhecer que ela impõe desafios aos gestores

públicos, inclusive quanto às atribuições e responsabilidades do

agente de contratação e da comissão. Assim, o intuito deste artigo é

discorrer sobre essa temática, a fim de elucidar tais competências

e as cautelas previstas na novel legislação quanto à designação

desses agentes. Tamanho será o desafio que, para municípios com

até 20 mil habitantes, a lei fixou prazo de 06 anos para atendimento

às novas regras relativas à designação dos agentes responsáveis

pela condução do certame4.

2 Somente os arts. 89 a 108 foram revogados na data da publicação da Lei, a teor do art. 193: “I – os arts. 89 a 108 da Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta Lei”.

3 “Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso. Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei, o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência”.

4 “Art. 176. Os Municípios com até 20.000 (vinte mil) habitantes terão o prazo de 6 (seis) anos, contado da data de publicação desta Lei, para cumprimento: I – dos requisitos estabelecidos no art. 7° e no caput do art. 8° desta Lei; II – da obrigatoriedade de realização da licitação sob a forma eletrônica a que se refere o § 2° do art. 17 desta Lei; III – das regras relativas à divulgação em sítio eletrônico oficial”.

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2. Agente e comissão de contratação

De acordo com a nova Lei de Licitações, o julgamento da

licitação pode ficar a cargo de quatro “atores”: a) pregoeiro; b)

leiloeiro; c) agente de contratação e, por fim; d) comissão de

contratação.

O pregoeiro é o agente responsável pela condução do

certame na modalidade pregão, conforme previsto no art. 8°, § 5°.

O leiloeiro, por seu turno, conduzirá a licitação quando adotada a

modalidade leilão, podendo ser designado para esse fim servidor

público integrante do órgão (que exercerá a função de agente de

contratação) ou leiloeiro oficial (art. 31). Conforme prescreve o § 1°,

do art. 31, do projeto de lei:

“§ 1°. Se optar pela realização de leilão por intermédio

de leiloeiro oficial, a Administração deverá selecioná-lo

mediante credenciamento ou licitação na modalidade

pregão e adotar o critério de julgamento de maior

desconto para as comissões a serem cobradas, utiliza

dos como parâmetro máximo os percentuais definidos

na lei que regula a referida profissão e observados os

valores dos bens a serem leiloados”.

O agente de contratação ficará responsável pelas licitações

processadas nas modalidades concorrência, concurso e leilão

(se não contratado leiloeiro oficial). Tal servidor será auxiliado

por equipe de apoio, mas responderá individualmente pelos

atos praticados, salvo quando induzido a erro pela atuação da

equipe (art. 8°, § 1°). Caberá ao referido servidor tomar decisões,

acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento

licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao

bom andamento do certame até a homologação (art. 6°, inciso LX

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e art. 8°, caput). Ao prescrever a norma que cabe ao agente dar

impulso ao processo, conclui-se que caberá ao referido servidor

adotar as medidas cabíveis para garantir o trâmite do processo,

inclusive cobrando dos demais setores que atuam a execução

das atividades inerentes ao bom andamento do certame. Nesse

sentido, embora a própria lei tenha estabelecido a necessidade

de regulamentação para definir as atribuições dos agentes de

contratação e demais servidores designados, é possível extrair dos

dispositivos citados que tal agente deverá atuar desde a etapa de

planejamento, respeitada, por evidente, a segregação de funções.

Nas licitações que envolvam bens ou serviços especiais, o

agente de contratação poderá, segundo critério de conveniência

e oportunidade da Administração Pública, ser substituído por

comissão de contratação composta por, no mínimo, 03 (três)

membros que responderão solidariamente por todos os atos

praticados pela comissão, ressalvado o membro que expressar

posição individual divergente fundamentada e registrada em ata

lavrada na reunião em que houver sido tomada a decisão (art. 8°, § 2°).

A comissão de contratação atuará, também, no diálogo

competitivo5, conforme estabelece o art. 32, inciso XI: o diálogo

competitivo será conduzido por comissão de contratação composta

de pelo menos 3 (três) servidores efetivos ou empregados públicos

5 Art. 6°, XLII: “modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos”. E o art. 32 assevera: “Art. 32. A modalidade diálogo competitivo é restrita a contratações em que a Administração: I – vise a contratar objeto que envolva as seguintes condições: a) inovação tecnológica ou técnica; b) impossibilidade de o órgão ou entidade ter sua necessidade satisfeita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado; e c) impossibilidade de as especificações técnicas serem definidas com precisão suficiente pela Administração; II – verifique a necessidade de definir e identificar os meios e as alternativas que possam satisfazer suas necessidades, com destaque para os seguintes aspectos:27 a) a solução técnica mais adequada; b) os requisitos técnicos aptos a concretizar a solução já definida; c) a estrutura jurídica ou financeira do contrato”.

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pertencentes aos quadros permanentes da Administração,

admitida a contratação de profissionais para assessoramento

técnico da comissão.

Seguindo as diretrizes adotadas pelo Decreto 10.024/19

(que regulamenta o pregão eletrônico em âmbito federal), a Lei

14.133/2021 conceitua bens e serviços especiais como “aqueles

que, por sua alta heterogeneidade ou complexidade, não podem

ser descritos na forma do inciso XIII do caput deste artigo, exigida

justificativa prévia do contratante” (art. 6°, XIV). Ou seja, são bens e

serviços especiais todos aqueles que não sejam comuns, portanto,

cujas especificações não possam ser definidas objetivamente

a partir de padrões usuais de mercado. São bens e serviços em

que, face ao mercado, há grande heterogeneidade quanto às

características e especificações.

A questão exige razoabilidade, não sendo crível supor

que toda licitação envolvendo bens e serviços especiais deve

ser processada por comissão de contratação. Isso porque, se o

pregão no caso de bens e serviços comuns será processado pelo

pregoeiro, entender que o restante (bens e serviços especiais)

ficará a cargo da comissão de contratação acaba por esvaziar a

figura do agente de contratação. Deve a Administração Pública,

conforme complexidade do objeto, verificar a conveniência em

designar a comissão ou o agente de contratação.

Ademais, o art. 8°, § 3°, da Lei 14.133/2021 prescreve que a

atuação desses agentes deve ser definida em regulamento:

“§ 3°. As regras relativas à atuação do agente de

contratação e da equipe de apoio, ao funcionamento

da comissão de contratação e à atuação de fiscais

e gestores de contratos de que trata esta Lei serão

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estabelecidas em regulamento, e deverá ser prevista a

possibilidade de eles contarem com o apoio dos órgãos

de assessoramento jurídico e de controle interno para

o desempenho das funções essenciais à execução do

disposto nesta Lei”.

Portanto, as atribuições do agente de contratação e da

comissão deverão ser definidas em regulamento, respeitando a

estrutura administrativa de cada órgão.

3. Cautelas para designação.

Quanto às cautelas para designação, cumpre atentar ao

disposto no art. 7°, da Lei 14.133/2021, segundo o qual a autoridade

máxima do órgão ou da entidade (ou outra indicada em norma com

competência para tanto) deve designar agentes públicos para o

desempenho das funções essenciais que preencham os seguintes

requisitos:

a) sejam, preferencialmente, servidor efetivo ou

empregado público dos quadros permanentes da

Administração Pública;

b) tenham atribuições relacionadas a licitações

e contratos ou possuam formação compatível ou

qualificação atestada por certificação profissional

emitida por escola de governo criada e mantida pelo

poder público; e

c) não sejam cônjuge ou companheiro de licitantes ou

contratados habituais da Administração nem tenham

com eles vínculo de parentesco, colateral ou por

afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica,

comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil.

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Embora o dispositivo em tela estabeleça a preferência na

designação de servidor efetivo, induzindo a interpretação de que,

excepcionalmente, pode ser designado profissional que não integre

o quadro permanente, cumpre destacar que o art. 8°, ao contemplar

a figura do agente de contratação, estabelece: “pessoa designada

pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação,

dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras

atividades necessárias ao bom andamento da licitação”. Dessa feita,

em nosso entender, o agente deve ser detentor de cargo efetivo

ou empregado do quadro permanente. Porém, o texto ao destacar

que o agente deverá ser do quadro permanente da Administração

Pública, considerando o disposto no art. 6°, inciso III6, permite

interpretar que o agente pode integrar o quadro efetivo de outro

órgão que não aquele que está realizando a licitação.

Diferente ocorre com os membros da comissão de

contratação, já que o art. 6°, inciso L, não traz qualquer restrição

nesse sentido, aplicando-se, assim, o disposto no aludido art.

7°, ou seja, os membros devem ser preferencialmente efetivos ou

empregados públicos dos quadros permanentes da Administração

Pública7. Em licitação que envolva bens ou serviços especiais cujo

objeto não seja rotineiramente contratado pela Administração, é

possível contratar por prazo determinado, empresa ou profissional

para auxiliar os responsáveis pela condução da licitação.

6 “III - Administração Pública: administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e as fundações por ele instituídas ou mantidas”.

7 Com exceção da comissão que atuará no diálogo competitivo, nos termos do art. 32, da Lei 14.133/2021: “XI - o diálogo competitivo será conduzido por comissão de contratação composta de pelo menos 3 (três) servidores efetivos ou empregados públicos pertencentes aos quadros permanentes da Administração, admitida a contratação de profissionais para assessoramento técnico da comissão”.

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A Lei é omissa quanto ao prazo do mandato, impondo-se a

definição no regulamento interno de cada órgão, nos termos do

art. 8°, § 3°.

Em face da responsabilidade e da importância das funções

desempenhadas pelos membros da comissão de contratação,

pregoeiros e agentes de contratação, devem ser indicados para

essas funções pessoas qualificadas, que detenham conhecimento

da legislação que disciplina a licitação e seu processamento, assim

como a jurisprudência majoritária. Nesse sentido, assevera Marcio

Pestana:

“(...). Todos eles [membros da Comissão], entretanto, deverão reunir qualificação mínima necessária para ali constarem, seja por um ou alguns deles possuírem conhecimentos jurídicos, os quais são costumeiramente úteis e, por que não dizer, necessários a qualquer certame licitatório, seja por deterem conhecimentos específicos no segmento licitado, notadamente, no ponto, nas situações em

que a Comissão for instalada em regime especial em

razão da especificidade do objeto, (...). A qualificação

muito auxilia ao exame dos documentos e de propostas,

imprimindo dinâmica e contribuindo com eficácia na

obediência aos princípios licitatórios, (...).”8 (grifou-se)

Essa necessidade foi incorporada à nova lei de licitações,

que no art. 7°, inciso II, prescreve que a autoridade competente

deve designar os agentes que tenham atribuições relacionadas

a licitações e contratos ou possuam formação compatível ou

qualificação atestada por certificação profissional emitida por

8 PESTANA, Marcio. Licitações públicas no Brasil. Exame integrado das Leis 8.666/1993 e 10.520/2002. São Paulo: Atlas, 2013, p. 232.

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escola de governo criada e mantida pelo poder público. Da leitura

do dispositivo, resta claro que as exigências não são cumulativas,

ou seja, o agente deve ter atribuição relacionada à licitação

ou qualificação atestada por escola de governo ou formação

compatível. Embora o intuito do legislador de estimular a atuação

das escolas de governo seja adequado, a realidade demonstra que

nem todas têm estrutura para esse fim, de sorte que o investimento

em capacitação e formação dos agentes, em parceria com a

iniciativa privada, ainda é relevante9.

3.1. Segregação de funções.

Mesmo não estando presente na Lei 8.666/93, o princípio da

segregação de funções sempre foi recomendado pelos Tribunais

de Contas, por representar boa prática que auxilia no controle

do processo. Segundo a Corte de Contas da União, tal princípio

“consiste na separação de atribuições ou responsabilidades entre

diferentes pessoas, especialmente as funções ou atividades-

chave de autorização, execução, atesto/aprovação, registro e

revisão ou auditoria”.10 Assim sendo,“de acordo com o princípio da

segregação de funções, nenhum servidor ou seção administrativa

deve controlar todas as fases inerentes a uma operação, ou seja,

cada fase deve, preferencialmente, ser executada por pessoas e

setores independentes entre si, possibilitando a realização de uma

9 “Boletim de Jurisprudência 242/2018Acórdão 2449/2018 Plenário (Pedido de Reexame, Relator Ministro Augusto Nardes)Responsabilidade. Débito. Culpa. Agente público. Capacitação. Ausência.EnunciadoA falta de  capacitação  do agente público para a realização de tarefa específica a ele atribuída não impede sua responsabilização por eventual prejuízo causado ao erário. Ciente de sua falta de capacidade para o exercício da tarefa, deve o agente reportar a situação aos seus superiores para se liberar da atividade, uma vez que, ao executá-la, assume os riscos inerentes aos resultados produzidos”.

10 TCU. Acórdão 413/2013. Plenário.

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verificação cruzada.”11

Como regra, portanto, quem executa determinada

função não pode ser incumbido de outra que implique em algum

controle sobre aquela, como fiscalizá-la, de modo a assegurar a

imparcialidade de todos os atos praticados.

A segregação de funções foi alçada a princípio que informa

o processo licitatório, previsto expressamente no art. 5°, caput,

da Lei 14.133/2021 e que deve ser respeitado pela autoridade

competente quando da designação dos agentes responsáveis pela

condução do certame e gestão do contrato. Assim, o que era mera

recomendação, tornou-se dever à luz da nova lei de licitações, já

que o § 1°, do art. 7°, veda a “designação do mesmo agente público

para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de

modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência

de fraudes na respectiva contratação”. Como regra, portanto, o

agente de contratação não pode cumular outras funções no mesmo

processo (como fiscal de contrato, requisitante, etc.).

Embora o princípio da segregação de funções represente

boa prática que contribui para o adequado controle, é de suma

importância analisá-lo à luz da estrutura administrativa de cada

órgão e/ou entidade, pois na prática nem sempre a Administração

Pública consegue aplicá-lo pela limitação de pessoal em seus

quadros. Se a segregação já é prática no âmbito da Administração

Pública Federal, não se pode olvidar que ainda está muito distante

da realidade de muitos municípios brasileiros. Justamente por

isso, conforme já destacado, é que a lei fixou prazo de 06 anos para

atendimento às novas regras relativas à designação dos agentes

responsáveis pela condução do certame para municípios com até

20 mil habitantes.

11 TCU. Acórdão 822/2006. Segunda Câmara.

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4. Responsabilidade dos agentes que conduzem o

certame.

Infere-se, do art. 8°, § 1°, da Lei 14.133/2021, que o agente de

contratação será auxiliado por equipe de apoio, mas responderá

individualmente pelos atos praticados, salvo quando induzido a erro

pela atuação da equipe. Os membros da comissão de contratação,

por seu turno, responderão solidariamente por todos os atos

praticados pela comissão, ressalvado o membro que expressar

posição individual divergente fundamentada e registrada em ata

lavrada na reunião em que houver sido tomada a decisão (art. 8°, § 2°).

A responsabilidade pode decorrer de dolo ou culpa, tanto por

ação quanto por omissão. Como regra, os agentes responsáveis

pela condução da fase de seleção do fornecedor (etapa externa)

respondem pelos atos praticados, não se responsabilizando

por falhas identificadas na etapa de planejamento, cuja

responsabilidade fica a cargo de outros setores.

Sobre o tema, convém citar Acórdão do TCU:

“Boletim de Jurisprudência 261/2019

Acórdão 3213/2019 Primeira Câmara (Pedido de

Reexame, Relator Ministro Benjamin Zymler)

Responsabilidade. Licitação. Comissão de licitação.

Pregoeiro. Habilitação de licitante. Exigência.

Enunciado

Exigências para habilitação são inerentes à etapa

de planejamento da contratação, razão pela qual

irregularidades apuradas nessa fase não devem ser

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imputadas a pregoeiro ou a membros de comissão  de

licitação, designados para a fase de condução do

certame”.

Porém, não se pode perder de vista que a licitação é um

procedimento formal, caracterizado por uma sequência de

fases interligadas entre si, sendo que cada profissional que atua

no processo deve aferir a legalidade e regularidade dos atos

praticados anteriormente, tendo o dever de ofício de apontar

eventuais vícios e tomar as medidas cabíveis para regularização,

devolvendo o processo para o setor responsável. Assim, é possível

que pregoeiro, agente de contratação e membros da comissão

sejam responsabilizados por eventuais atos praticados por outros

setores, caso reste comprovado que qualquer profissional diligente

poderia ter identificado o vício, ou mesmo que foi identificado e

diante dele tenha se mantido inerte, sendo responsabilizado pela

omissão.

Somente uma análise acurada, de cada caso concreto, é que

permitirá aferir a responsabilidade ou não na hipótese de omissão.

O que os órgãos de controle analisam é se o profissional, seguindo

uma diligência mínima, teria condições de identificar a falha.

Assim, vícios relativos à justificativa, à especificação do objeto,

por exemplo, não acarretam, regra geral, a responsabilização

do pregoeiro/agente de contratação e/ou comissão, porquanto

estes não têm conhecimento no objeto e não cabe a eles, de fato,

adentrar no mérito da necessidade.

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Agora, se a falha é flagrante, pode ensejar a responsabilização,

caracterizando a culpa grave (erro grosseiro)12 tipificada no art.

2813, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).

5. Conclusão

Do exposto, é forçoso reconhecer que a nova lei de licitações

trouxe algumas inovações quanto aos agentes responsáveis pela

condução do certame. De positivo, cumpre citar a necessidade de

segregação de funções e a importância da capacitação e formação

dos agentes, face a grande responsabilidade por eles assumidas.

Fica, porém, o desafio para os órgãos que não dispõem de

estrutura administrativa que permita a concretização de todas

as exigências previstas em lei, além da disponibilidade financeira

para a adequada capacitação de tais agentes, muitas vezes tão

carentes de conhecimento e reconhecimento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos

administrativos. 17 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2016.

12 “Boletim de Jurisprudência 275/2019Acórdão 1689/2019 Plenário (Pedido de Reexame, Relator Ministro Augusto Nardes)Responsabilidade. Culpa. Erro grosseiro. Sanção. Deveres.EnunciadoPara fins do exercício do poder sancionatório do TCU, erro  grosseiro  é o que decorreu de grave inobservância do dever de cuidado, isto é, que foi praticado com culpa grave”.

13 “Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”. 

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PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres e DOTTI, Marinês Restelatto. Mil

perguntas e respostas necessárias sobre licitação e contrato

administrativo na ordem jurídica brasileira. Belo Horizonte: Fórum,

2017.

PESTANA, Marcio. Licitações públicas no Brasil. Exame integrado

das Leis 8.666/1993 e 10.520/2002. São Paulo: Atlas, 2013.

A SUSTENTABILIDADE NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES. TEORIA E PRÁTICA.Caroline Rodrigues da Silva

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A SUSTENTABILIDADE NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES. TEORIA E PRÁTICA.

Caroline Rodrigues da Silva14

INTRODUÇÃO

Seguindo uma profusão global, um dos temas de grande

destaque na nova Lei de Licitações (Lei n° 14.133/21), e objeto do

presente estudo, é o da sustentabilidade.

A Lei estabeleceu como princípio que condiciona as

contratações públicas, dentre outros, o do desenvolvimento

nacional sustentável, além de firmá-lo também como objetivo das

licitações.

O tema da sustentabilidade merece uma investigação dos

marcos históricos, que agregam seu fundamento, para posterior

definição e identificação da evolução conceitual até sua inserção

na lei, erigindo-a como objetivo e princípio para as contratações

públicas.

Outrossim, importa analisar como podem ser aplicados

os subtemas tratados na lei como a análise do ciclo de vida do

objeto e a remuneração variável, que estimulam a aplicação

da sustentabilidade nas contratações públicas, bem como, o

14 Caroline Rodrigues da Silva. Consultora Jurídica em Curitiba-PR, com vasta experiência em Licitações e Contratos Administrativos. Mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento na UFPR. Especialista em Direito Socioambiental pela PUC-PR e em Direito e Gestão das Entidades do Sistema S pelo IDP-Brasília. Graduada em Direito pela Unicuritiba-PR. Professora da pós-graduação em licitações da Unibrasil-PR, da UFPR, da PUC-PR e de especializações em outras faculdades. Autora de diversos artigos e livros sobre o tema licitações, contratos administrativos e compliance público. Instrutora de cursos e treinamentos e palestrante na área de licitações, contratos administrativos e compliance público.

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atendimento às normas socioambientais para contratação de

obras e serviços de engenharia.

Por fim, o tema ainda será explorado em relação ao

procedimento adequado após constatação de irregularidade no

procedimento licitatório ou na execução contratual, que exige

avaliação de aspectos socioambientais pela Administração.

1. BASES HISTÓRICAS DA SUSTENTABILIDADE NAS

CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

A revolução industrial inaugurou um desenvolvimento

que se baseava no uso intensivo de combustíveis fósseis, como

o carvão, despejo de lixo urbano e efluentes químicos nos rios e

mares, poluição atmosférica e exploração excessiva dos recursos

naturais, levando ao declínio de muitos deles, além da prática do

imperialismo e colonialismo, para apropriação de riquezas.

Desde que o movimento ambientalista desabrochou

nas décadas de 40 e 50 do século passado, o mundo passou a

conhecer os malefícios causados ao meio ambiente pelo modelo

desenvolvimentista emergente. O movimento tomou envergadura

global na década de 60 com a obra “Primavera Silenciosa” de Rachel

Carson, que apontou o materialismo da ciência e os problemas

relacionados ao uso de pesticidas na agricultura para a saúde

humana e dos animais, no qual passou-se a questionar como

estabelecer um desenvolvimento que não fosse tão predatório

aos recursos naturais a ponto de inviabilizar o atendimento das

necessidades de gerações presentes e futuras.

O que se observou em muitos países foi um crescimento

econômico que não foi acompanhado pelo desenvolvimento social.

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Outrossim, a exploração dos recursos naturais para fazer frente aos

avanços da indústria e aumento nas relações comerciais tornou-se

predatória e os sistemas naturais começaram a colapsar.

Muitas nações passaram a dialogar para instaurar modelos

de desenvolvimento que pudessem atender às necessidades

das gerações presentes sem, contudo, prejudicar a satisfação

das necessidades das gerações futuras. Esse foi o conceito

apresentado pela ONU para o desenvolvimento sustentável na

Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento, em Estocolmo, na Suécia, em 1972.

A sustentabilidade passou a ter presença em agendas

políticas e a comunidade internacional organizou grandes eventos

globais para discutir a questão ambiental e elaborar documentos

que estabelecessem os princípios da sustentabilidade e as ações

para empreendê-los.

Dá-se destaque, nesse plano, à iniciativa da Comissão

Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que elaborou

em 1987 o Relatório Brudtland, intitulado “Nosso Futuro Comum”,

que apontou para a incompatibilidade entre desenvolvimento

sustentável e os padrões de produção e consumo até então

vigentes.

Na sequência a ONU realizou na cidade do Rio de Janeiro,

em 1992, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente

e Desenvolvimento, também conhecida como ECO-92, que

estabeleceu os princípios do desenvolvimento sustentável e um

programa de ações para alcançá-lo. Foram produzidos importantes

documentos oficiais, como a Carta da Terra e a Agenda 21, e

realizadas três convenções para tratar de temas específicos como

biodiversidade, mudanças climáticas e desertificação.

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Através da Agenda 21 muitas nações se comprometeram

a estabelecer e manter diálogo construtivo para alcançar uma

economia mundial mais eficiente e equitativa e viabilizar um padrão

de desenvolvimento ambientalmente racional. Sua implementação

e o comprometimento com os princípios estabelecidos na ECO-

92 foram reafirmados em Joanesburgo, em 2002, durante a

Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável. O Plano de

Implementação de Joanesburgo em seu parágrafo 18 estabelece o

incentivo às autoridades competentes para levar em consideração

as questões do desenvolvimento sustentável nas tomadas de

decisão, incluindo medidas como a promoção de políticas de

aquisição pública que fomentem o desenvolvimento e a difusão de

bens e serviços ambientalmente racionais15.

Nessa mesma Cúpula foi proposta a elaboração de um

conjunto de programas com duração de 10 anos (10 Years

Framework Program) para apoiar e fortalecer iniciativas regionais

e nacionais para promoção de mudanças nos padrões de consumo

e produção.

Referidos programas foram estabelecidos no Processo

de Marrakesh, em 2003, e criados 7 Grupos de Trabalho (Task

Forces), cuja adesão era voluntária, para apoiar a implementação

de programas e projetos-piloto para o conceito de Produção e

Consumo Sustentáveis (PCS)16. Dentre essas forças de trabalho

dá-se destaque a de Compras Públicas Sustentáveis, lançada pelo

governo da Suíça, em 2005. Vários países se propuseram a aderir

a essa força-trabalho, que tinha como objetivo promover e apoiar

a implementação de compras públicas sustentáveis (CPS). Os

15 Disponível em: https://sustainabledevelopment.un.org/

16 Disponível em: http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/producao-e-consumo-sustentavel/plano-nacional/processo-de-marrakesh

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principais resultados se materializaram no desenvolvimento de uma

abordagem em CPS, treinamentos e orientações, implementação

e conscientização. Entre os anos 2009 e 2012 a abordagem foi

testada em 11 países-piloto.

Camila Moraes Baceti et.al. assim relata sobre o resultado da

Abordagem MTF para CPS:

De acordo com a abordagem da Força-tarefa, os

requisitos ambientais e socioeconômicos podem ser

considerados em todas as etapas do processo licitatório,

podendo, entretanto, ser mais facilmente introduzidos

nas etapas iniciais como no caso da definição do objeto

do contrato. As especificações técnicas também

podem incorporar critérios de sustentabilidade, desde

que não haja discriminação contra alguns licitantes.

Além disso, considerações ambientais podem ser em

pregadas como critério de seleção, porém unicamente

se a experiência na área ambiental for essencial ao

cumprimento do contrato. As leis e regulamentos

que disciplinam as licitações públicas podem prever

critérios de exclusão do certame, por exemplo, no caso

de uma empresa ter repetidamente violado as normas

de proteção ao meio ambiente. Na etapa de adjudicação,

se for permitido pela legislação, além do preço, poderão

ser considerados outros critérios para a adjudicação.

Há, ainda, a possibilidade de as autoridades licitantes

incluírem metas mais rígidas, cujo atendimento

acarretará um bônus para o contratado.17

17 BACETI, Camila Moraes, ENMANUEL Carlos-Andrés, YAKER, Farid. O Trabalho do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente na promoção das Compras Públicas Sustentáveis. In VILLAC, Teresa, BLIACHERIS, Marcos Weiss, SOUZA, Lilian Castro de. Panorama de Licitações Sustentáveis: direito e gestão pública. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 35.

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Nesse aspecto, YAKER et al. delinearam como resultados

obtidos pela implementação de CPS por meio da abordagem acima:

Redução específica das emissões de CO2, tanto em

função das metas globais quanto das metas locais;

redução de custos, principalmente por meio do

reconhecimento dos benefícios e custos não tangíveis;

boa governança; criação de empregos; empoderamento

das minorias; criação de riquezas e de transferência de

competências e tecnologia18.

Mas a principal conclusão extraída dessa experiência, além

do desenvolvimento da metodologia em CPS, foi o reconhecimento

de que “boas compras são compras sustentáveis”19.

Por fim, ainda cabe citar a Conferência realizada pela ONU

em Nova York, no ano de 2015, na qual foram estabelecidos 17

Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), para que os

países-membros possam, numa agenda global cunhada para até

o ano 2030, “acabar com a pobreza, promover a prosperidade e o

bem-estar para todos, proteger o meio ambiente e enfrentar as

mudanças climáticas.”20

Dentre os ODS dá-se destaque ao 12.7 que estabelece a

promoção de compras públicas sustentáveis, de acordo com as

políticas e prioridades nacionais.

18 YAKER, Farid, et.al. O trabalho do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente na promoção das Compras Públicas Sustentáveis. In Panorama de licitações sustentáveis: direito e gestão pública. Coord. VILLAC, Teresa; BLIANCHERIS, Marcos Weiss; SOUZA, Lilian Castro de. Belo Horizonte: Fórum 2014, p. 43.

19 UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME – UNEP. Marrakech Task Force on Sustainable Public Procurement led by Switzerland. Activity Report, May, 2011.

20 Disponível no site https://nacoesunidas.org/pos2015/, acesso em 04/03/2020.

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Nesse contexto de agendas globais, no Brasil as compras

públicas sustentáveis foram erigidas a status legal pela Lei 12.349,

de 2010, que incorporou um novo objetivo às licitações, alterando

a Lei 8.666/93. Além da isonomia e da proposta mais vantajosa,

as contratações públicas devem promover o desenvolvimento

nacional sustentável21.

Essa lei foi responsável pela inserção das licitações

sustentáveis no bojo do planejamento das contratações públicas.

Legislações posteriores seguiram a mesma concepção, a exemplo

da Lei que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações, Lei n°

12.462/2011; e, da Lei das Estatais, Lei n° 13.303/16, que define a

proposta mais vantajosa sob a avaliação do ciclo de vida do objeto22.

Por fim, o Decreto 10.024/19, que regulamentou a modalidade

pregão em sua forma eletrônica, na Administração Pública Federal,

acrescentou a dimensão cultural à sustentabilidade.

A nova lei de licitações, Lei n° 14.133, de 1° de abril de 2021,

que revogará a Lei n° 8.666/93, a Lei n° 10.520/02 e parte da Lei

n° 12.462/2011, consagrou o desenvolvimento nacional sustentável

como princípio e objetivo nas contratações públicas.

21 Conforme preceitua a Lei 8.666/93, com a redação dada pela Lei 12.349/10: “Art. 3° A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.” (grifou-se)

22 Além de inúmeras referências quanto à sustentabilidade nas contratações das empresas estatais no corpo da lei.

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2. DEFINIÇÃO E DIMENSÕES DA SUSTENTABILIDADE NAS

CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

Desde a concepção do termo, a sustentabilidade está

embasada em multidimensões, inicialmente trabalhando com

três aspectos: ambientais, sociais e econômicos. Decorre daí a

atribuição da expressão triple bottom line (interpretada como “tripé

da sustentabilidade”). Outras dimensões foram sendo agregadas

ao conceito, mas sem consenso entre autores. A abrangência das

dimensões igualmente não apresenta delimitação clara.

Para a compreensão da sustentabilidade em sua dimensão

ambiental deve ser incluída a manutenção das funções e

componentes dos ecossistemas, a qualidade e equilíbrio dos

recursos ambientais, o respeito à biodiversidade e a manutenção

aos ciclos naturais. A sustentabilidade econômica abrange as

práticas econômicas, financeiras e administrativas que orientam

o desenvolvimento  econômico, como a capacidade de produção,

distribuição e utilização equitativa das riquezas produzidas pelo

homem, avaliação de custos e benefícios e economicidade com

planejamento a longo prazo, subordinando a eficiência à eficácia.

Por fim, quanto à sustentabilidade social, essa dimensão eleva o

equilíbrio social, com redução do nível de pobreza, promovendo o

bem-estar social, os direitos fundamentais sociais, a inclusão e

responsabilidade social, o empoderamento e inclusão de minorias,

o incremento da equidade intra e intergeracional e a aptidão para

desenvolvimento das potencialidades humanas.

Nesse escopo, pode-se afirmar que a sustentabilidade nas

contratações públicas busca satisfazer as necessidades do ente

promotor da contratação, com isonomia e visando a proposta

mais vantajosa ao interesse público e alcançar um equilíbrio

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entre os pilares da sustentabilidade, gerando, de forma direta ou

indireta, benefícios à coletividade e minimizando impactos ao meio

ambiente.

Ainda que a sustentabilidade tenha alicerce constitucional23,

sendo princípio aplicável em diversas searas, a partir de 2010 os

gestores públicos devem conferir prioridade a políticas públicas

que visem garantir o atendimento às necessidades e bem-estar

das presentes gerações, sem impedir a aferição desses mesmos

benefícios às gerações futuras.

Nas palavras de Juarez Freitas, sob o manto da

sustentabilidade “a proposta mais vantajosa será sempre aquela

que, entre outros aspectos a serem contemplados, apresentar-

se a mais apta a causar, direta ou indiretamente, o menor impacto

negativo e, simultaneamente, os maiores benefícios econômicos,

sociais e ambientais”24.

Sobre os pilares da sustentabilidade nas contratações

públicas, Marçal Justen Filho25 aponta dois aspectos que envolvem

a questão:

- A dimensão econômico-social – O fomento às

atividades no Brasil

23 É o que facilmente se conclui de uma interpretação lógico-sistemática da Constituição Federal, dos artigos 3°, inciso II; 170, incisos VI e seguintes; e, 225. Tal concepção, em sua vertente ambiental, foi referendada pelo STF Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADIn 3.540 MC/DF: “O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia [...]”.

24 FREITAS, Juarez. Princípio da Sustentabilidade: Licitações e a Redefinição da Proposta Mais Vantajosa. REVISTA DO DIREITO UNISC, SANTA CRUZ DO SUL N° 38│p. 74- 94│JUL-DEZ 2012. p. 78.

25 FILHO, Marçal Justen. Desenvolvimento nacional sustentado – contratações administrativas e o regime introduzido pela lei n° 12.349/101. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n. 50, abril 2011. Disponível em: http://www.justen.com.br//informativo. php?informativo=50&artigo=528, acesso em 15 de março de 2018.

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Sob esse aspecto, o contrato administrativo é concebido

como instrumento para fomentar atividades materiais realizadas

no Brasil, como o desenvolvimento de ideias, no âmbito do

conhecimento, da ciência e da tecnologia.

Isso significa, em última análise, assegurar um tratamento

preferencial às empresas estabelecidas no Brasil. Haverá

preferência pela contratação de empresas aptas a assegurar

empregos, a pagar tributos e a manter a riqueza nacional do País.

- A dimensão ecológica – Adoção de práticas ambientalmente

corretas

A outra dimensão normativa, segundo o autor, envolve a

adoção de soluções ambientalmente corretas. A contratação

administrativa deve buscar práticas amigáveis ao meio ambiente,

reduzindo ao mínimo possível os danos ou o uso inadequado dos

recursos naturais.

Há benefícios importantes e tangíveis para a realização

de contratações públicas sustentáveis. Pode-se citar a melhoria

da performance ambiental do país, com a redução de emissões

de CO², destinação adequada de resíduos e disposição final dos

rejeitos de forma ambientalmente correta; aquisição de produtos

que não causam ou causam poucos impactos ambientais; redução

de custos a médio e longo prazo, com contratação de produtos e

serviços mais eficientes, inclusive do ponto de vista energético;

criação de empregos, desenvolvimento da economia local, criação

e distribuição de riqueza; maior diálogo com o mercado; estímulo a

concorrência, com a criação de soluções tecnológicas, inovadoras

e sustentáveis; além de estimular novos comportamentos

socioambientais na sociedade26.

26 Como concluiu o Marrakech Process do United Nation Environment Programme (UNEP). Disponível em: http://www.unep.fr/scp/marrakech/about.htm, acesso em 12 de junho de 2018.

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A Administração Pública é um importante consumidor de

produtos e serviços, movimentando a economia em face das

contratações que realiza. Estima-se que as contratações públicas

movimentem cifras equivalentes a aproximadamente 12% do

Produto Interno Bruto. Esse percentual expressivo é suficiente

para a dedução de que as necessidades estatais modelam o setor

privado e o Estado pode, com o desempenho de uma função

indutora da sustentabilidade, implementar políticas públicas

socioambientais por meio dessas contratações.

Mas há muitas barreiras ainda a serem transpostas. Dados

do ano de 2019 apontam que, no âmbito da Administração Pública

Federal, apenas 0,18% das contratações de bens e serviços se

pautaram em critérios de sustentabilidade27.

Essa expressiva baixa adesão pode ser explicada pela

concepção de que as contratações sustentáveis são complexas e

elevam os custos para a Administração.

Aponta-se também a falta de conhecimento e de informação

sobre políticas ambientais e sociais bem como de critérios de

sustentabilidade para incluí-los nas contratações, sendo que

muitos desses critérios podem restringir a competitividade e se

não houver fundamentação técnica pode vir a ser questionada por

órgãos de controle.

A oferta no mercado para determinados produtos e

metodologias é insuficiente; não há ferramentas práticas para

determinação e avaliação de critérios sustentáveis; e, por fim,

a cultura organizacional, pautada no materialismo imediatista,

também podem ser empecilhos para a realização de contratações

sustentáveis.

27 Fonte: Ministério do Planejamento – órgãos integrantes do SIASG, disponível em http://paineldecompras.planejamento.gov.br.

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Sobre essa última questão apontada, a cultura organizacional,

Juarez Freitas discorre que “os critérios estratégicos da

sustentabilidade, no processo de tomada da decisão administrativa,

requerem o maior distanciamento temporal e a capacidade de

prospecção de longo prazo, com o abandono resoluto da visão

reducionista dominante, segundo a qual o sistema jurídico cuidaria

apenas do imediato e da obtenção do “preço míope”.28

3. O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO OBJETIVO E

PRINCÍPIO NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES

A Lei 8.666/93, conforme outrora pontuado, foi alterada pela

Lei 12.249/10 que incluiu como objetivo das licitações públicas a

promoção do desenvolvimento nacional sustentável.

A Lei do Pregão, Lei 10.520/02, não sofreu alteração, mas

conforme dispõe o artigo 9° dessa lei “aplicam-se subsidiariamente,

para a modalidade de pregão, as normas da  Lei n° 8.666, de 21

de junho de 1993.” Associando as normas legais resulta que o

desenvolvimento nacional sustentável também é objetivo para

as contratações realizadas na modalidade pregão, aplicando-se

subsidiariamente o mandamento da Lei n° 8.666/93.

A Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas, Lei

12.462/2011, estabeleceu o desenvolvimento nacional sustentável

como princípio no seu artigo 3°.

A nova lei de licitações, que revogará integral ou

parcialmente os normativos acima, como citado acima, agregou

a sustentabilidade a ser aplicada pelos órgãos e entidades

28 FREITAS, Juarez. Princípio da Sustentabilidade: Licitações e a Redefinição da Proposta Mais Vantajosa. REVISTA DO DIREITO UNISC, SANTA CRUZ DO SUL, N° 38│p. 74- 94│JUL-DEZ 2012. p. 87.

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integrantes da administração pública direta, autárquica e

fundacional, da União, Estados, Distrito Federal e Municípios,

em suas licitações e contratações, cabendo aos mesmos, agora,

incluir em seu planejamento de contratações critérios estratégicos

da sustentabilidade para atender aos clamores globais por uma

sociedade mais justa, equitativa e que respeite o meio ambiente.

Para materializar tal mister, a Lei erigiu o desenvolvimento

sustentável a princípio e objetivo das contratações públicas, como

se observa dos artigos abaixo destacados:

Art. 5° Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da

moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse

público, da probidade administrativa, da igualdade,

do planejamento, da transparência, da eficácia, da

segregação de funções, da motivação, da vinculação

ao edital, do julgamento objetivo, da segurança

jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da

proporcionalidade, da celeridade, da economicidade

e do desenvolvimento nacional sustentável, assim

como as disposições do  Decreto-Lei n° 4.657, de 4 de

setembro de 1942  (Lei de Introdução às Normas do

Direito Brasileiro).

...

Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos:

I - assegurar a seleção da proposta apta a gerar o

resultado de contratação mais vantajoso para a

Administração Pública, inclusive no que se refere ao

ciclo de vida do objeto;

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II - assegurar tratamento isonômico entre os licitantes,

bem como a justa competição;

III - evitar contratações com sobrepreço ou com preços

manifestamente inexequíveis e superfaturamento na

execução dos contratos;

IV - incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável.

...

(grifou-se)

Decorre da novel lei, portanto, que o desenvolvimento

nacional sustentável deve ser aplicado como princípio e objetivo

das contratações públicas.

Diante desse panorama também cabe questionar: será

possível traçar uma diferença entre objetivo e princípio ou

consideram-se expressões sinônimas e podem ser tratadas da

mesma forma?

Na Lei 8.666/93 o legislador definiu que a promoção do

desenvolvimento nacional sustentável constitui finalidade da

contratação pública, incorporando à proposta mais vantajosa novos

contornos consubstanciados na satisfação de políticas públicas

sociais, econômicas e ambientais29. Portanto, a contratação

passou a materializar um incentivo ao desenvolvimento nacional

sustentável.

Por outro lado, esse mesmo desenvolvimento, erigido a

princípio, se apresenta como alicerce e fundamenta todo o sistema

29 Na opinião de Marçal Justen Filho o artigo 3° da Lei 8.666/93 se relaciona especialmente com as dimensões econômicas e ambientais. (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 18. Ed, RT, 2019, p. 97)

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normativo das contratações públicas, tomando o conceito dado

por Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear

de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição

fundamental que se irradia sobre diferentes normas,

compondo-lhes o espírito e servindo de critério para

exata compreensão e inteligência delas, exatamente

porque define a lógica e a racionalidade do sistema

normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido

harmônico”. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Criação

de secretarias municipais. RDP 15/284-286, 1971)

Ao transformar a finalidade da contratação pública da

promoção do desenvolvimento nacional sustentável em um

princípio o legislador elevou a sustentabilidade à categoria de

“norma jurídica de caráter geral e elevada carga valorativa”30,

apresentando, portanto, caráter vinculante, cogente ou obrigatório

e consubstanciando-se na “mais elevada expressão do consenso

social sobre os valores básicos a serem assegurados no Estado

Democrático de Direito”31.

Em outros termos, pode-se afirmar que houve uma evolução

legislativa da aplicação do desenvolvimento nacional sustentável

nas contratações públicas, passando apenas de objetivo atrelado à

vantajosidade da proposta e vinculado ao intervencionismo estatal

de promoção de políticas públicas para também uma categoria

principiológica, que apresenta contornos próprios aplicando-o

em suas dimensões econômica, social e ambiental e criando

autonomia normativa aplicável de forma ampla.

30 NOHARA, Irene Patricia. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Atlas, 2016, p. 32.

31 Idem.

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Seja objetivo, seja princípio, a interpretação legal é

convergente para o mesmo escopo: uma contratação pública

sustentável, promotora de políticas públicas econômicas e

socioambientais que se compatibilizam em prol do interesse

coletivo e de valores consagrados constitucional e globalmente.

4. A AVALIAÇÃO NAS CONTRATAÇÕES DO CICLO DE VIDA DO

OBJETO

Após decifrar a embriogênese da sustentabilidade

nas licitações e a diferença entre o objetivo e o princípio da

sustentabilidade importa explorar um pouco mais sua aplicação

nas contratações, de acordo com o texto legal.

A primeira referência da lei é a expressão “ciclo de vida do

objeto”32, que no artigo 6° estabelece que o termo de referência

deve conter como elemento a descrição da solução como um todo,

considerando o ciclo de vida do objeto:

“Art. 6°. Para os fins desta Lei, consideram-se:

...

XXIII – termo de referência: documento necessário para

a contratação de bens e serviços, que deve conter os

seguintes parâmetros e elementos descritivos:

...

c) descrição da solução como um todo, considerado todo o ciclo de vida do objeto;” (grifou-se)

32 A expressão aplicada nas contratações públicas foi inaugurada pela Lei das Estatais, Lei 13.3030/16, que no art. 31 atribuiu o ciclo de vida do objeto à busca da vantajosidade nas licitações e contratações. Segundo essa lei, a seleção da proposta mais vantajosa deve considerar o ciclo de vida do objeto.

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No artigo 11, a Lei estabeleceu que a vantajosidade da

contratação, como objetivo do processo licitatório, deve considerar

o ciclo de vida do objeto:

Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos:

I – assegurar a seleção da proposta apta a gerar

o resultado de contratação mais vantajoso para a

Administração Pública, inclusive no que se refere ao

ciclo de vida do objeto;”

Por fim, o ciclo de vida ainda teve sua referência ao tratar

a lei da fase preparatória do processo licitatório, devendo ser

considerado um meio apto a gerar o resultado de contratação mais

vantajosa para a Administração:

“Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é

caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-

se com o plano de contratações anual de que trata o inciso

VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado,

e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas

as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão

que podem interferir na contratação, compreendidos:

...

VIII - a modalidade de licitação, o critério de julgamento,

o modo de disputa e a adequação e eficiência da

forma de combinação desses parâmetros, para os

fins de seleção da proposta apta a gerar o resultado

de contratação mais vantajoso para a Administração

Pública, considerado todo o ciclo de vida do objeto;”

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Aprofundando-se melhor na temática, dentro do conceito

de sustentabilidade foi instituída a avaliação do ciclo de vida

do produto para dimensionar em todas as fases e etapas que

contemplam a fabricação, o uso e o descarte, quais os impactos

ambientais que o produto causa em sua cadeia.

Consoante define a Resolução n° 03/2010 do CONMETRO

(Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade

Industrial), ciclo de vida de um produto refere-se aos “estágios

sucessivos e encadeados de um sistema de produto, desde a

aquisição da matéria-prima ou de sua geração a partir de recursos

naturais à disposição final”33.

O mesmo normativo estabelece definições referenciadas à

Análise do Ciclo de Vida:

É um processo para i. Avaliar as cargas ambientais

associadas a um produto, processo ou atividade,

através da identificação e quantificação de energia

e materiais usados e resíduos liberados; ii. Avaliar

o impacto da energia e materiais lançados no meio

ambiente; iii. Identificar e avaliar as oportunidades que

afetam o melhoramento ambiental durante todo o ciclo

de vida do produto, processo ou atividade, envolvendo

a extração e o processamento de matérias-primas

brutas, manufatura, transporte, distribuição, uso,

reuso, manutenção, reciclagem e destinação final.34

O objetivo da ACV de um produto é o de promover a melhoria

do desempenho ambiental de produtos.

33 Item 3.5, do Termo de Referência do PROGRAMA BRASILEIRO DE AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA – PBACV, da IN 03/2010 (CONMETRO).

34 Item 3.6, do Termo de Referência do PROGRAMA BRASILEIRO DE AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA – PBACV, da IN 03/2010 (CONMETRO).

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Nesse aspecto, a Lei estabeleceu a ACV como medida

para implementar a sustentabilidade nas contratações públicas

definindo-o como instrumento de análise das propostas em seu

aspecto de vantajosidade, como expresso no artigo 11, inciso I.

O doutrinador Juarez Freitas discorre que a proposta mais

vantajosa “será sempre aquela que, entre outros aspectos a serem

contemplados, apresentar-se a mais apta a causar, direta ou

indiretamente, o menor impacto negativo e, simultaneamente, os

maiores benefícios econômicos, sociais e ambientais.”35

Agora, questiona-se: como definir essa vantajosidade em

função do menor impacto ambiental no caso concreto sem um

parâmetro adequado para tanto? E mais, como estabelecer essa

análise no âmbito da Administração Pública?

No mercado privado, a ACV tem promovido a competitividade

ambiental da produção industrial brasileira e o acesso aos mercados

interno e externo, bem como, tem sido utilizada por pesquisadores

para ampliar a base científica de sistemas produtivos e suas

relações com o meio ambiente.

Ainda que a Lei de Licitações preveja referido instrumento,

não apresentou ferramentas para essa avaliação nas propostas.

Uma forma de utilizar a ACV nas contratações públicas é

compreender as definições trazidas pela série de normas ISO

14040, que determinam a estrutura, os princípios, os requisitos e

as diretrizes para um estudo ACV que dê subsídios para a tomada

de decisões em relação à definição dos objetos licitatórios e seus

critérios.

35 FREITAS, Juarez. Princípio da Sustentabilidade: Licitações e a Redefinição da Proposta Mais Vantajosa. REVISTA DO DIREITO UNISC, SANTA CRUZ DO SUL N° 38│p. 74- 94│JUL-DEZ 2012. p. 78.

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De forma sumária, sinaliza-se que, segundo a norma acima,

há quatro fases para um estudo: definição de objetivo e escopo,

análise de inventários, avaliação de impactos e interpretação,

assim compreendidas:

Definição dos Objetivos e Escopo

É o momento em que se determinam as fronteiras do

estudo (temporal e geográfica), a quem se destinam os

resultados, os critérios de qualidade, as regras de corte

e as categorias de impacto a serem consideradas.

Análise de Inventários

Consiste na coleta dos dados que representam os

fluxos de massa e energia que entram e que saem das

diversas etapas do ciclo de vida do produto, dentro das

fronteiras estabelecidas na fase anterior.

Avaliação dos Impactos

Nesta fase, os fluxos definidos no inventário são

convertidos em impactos ambientais através da

multiplicação dos valores brutos por fatores de

equivalência que remetem a resultados em unidades

comuns, como por exemplo, kg de CO2 equivalentes

para a categoria de aquecimento global.

Interpretação

Ao final, buscam-se identificar as questões significativas

do estudo, checar a integridade, a sensibilidade e a

consistência dos resultados e definir as conclusões, as

limitações e as recomendações do estudo.36

36 Disponível em: http://acv.ibict.br/acv/o-que-e-o-acv/

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Essa avaliação é voltada para um sistema de produto

específico (bens ou serviços), desde a aquisição da matéria-prima

ou de sua geração a partir de recursos naturais até a disposição

final. Envolve informações do processo produtivo e modelado

pela empresa que o comercializa, tais como o levantamento

quantificado de dados das entradas (materiais, energia e recursos)

e saídas (produtos, subprodutos, emissões, etc.), identificação dos

impactos ambientais e interpretação desses dados ao longo do

ciclo de vida do bem ou serviço.

Em razão disso, nem sempre será possível promover a

ACV com avaliação sistematizada e com base nas metodologias

normatizadas para produtos de terceiros, o que pode trazer

obstáculos a sua aplicação nas licitações.

Porém, no âmbito das contratações públicas a Administração

deve, ao definir o objeto, no mínimo estabelecer as etapas do

seu ciclo de vida para eleger especificações que promovam

menores impactos socioambientais em sua cadeia produtiva,

como referentes à produção e ao consumo de energia, processo

produtivo, aspectos de manutenção, embalagens, transporte e

logística, impactos relacionados ao uso, reuso, aproveitamento,

disposição final, etc.

De uma forma mais pragmática, podemos estabelecer quatro

macroprocessos no ciclo de vida que podem ser aplicados para a

definição das especificações técnicas de produtos e serviços: a)

produção, b) distribuição, c) utilização e d) descarte. Ao escolher

um dado objeto da contratação a Administração deve conhecer

esses macroprocessos para definir os respectivos impactos e as

alternativas mais adequadas à sustentabilidade.

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Vejamos no exemplo abaixo como pode ser estabelecido,

de forma sumária, o ciclo de vida de um copo reutilizável, para

demonstrar os principais impactos (sem quantificação) em cada

macroprocesso:

COPO REUTILIZÁVEL

processo produto principais impactos

PRODUÇÃO

extração da matéria prima

polipropilenoemissão de gases, uso de energia

manufatura tintaemissão de gases, uso de energia

DISTRIBUIÇÃO

embalagem papelão ondu-lado, plástico individual

energia, emissão de gases, à biodiversidade

logística, transportes

  emissão de gases

UTILIZAÇÃO uso, manuten-ção

detergente para lavagem

emissão de efluentes,

energia

DESCARTEdisposição resíduo emissão de gases

reutilização  

Compreendidas as bases da análise do ciclo de vida do

objeto para contratação pública caberá à Administração promover

um diagnóstico dos produtos ou serviços mais utilizados e,

assim, escolher e especificar o objeto que promova menores

impactos socioambientais. No caso do copo reutilizável um dos

principais impactos está na sua utilização, gerando a emissão de

efluentes e ocasionando a necessidade de tratamento da água

em razão da lavagem e uso de detergentes. Como alternativa ao

copo reutilizável, poder-se-ia cogitar no uso de copo descartável,

que representará menor impacto quanto à utilização, mas,

um impacto maior no aspecto do descarte. Há ainda os copos

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produzidos de materiais compostáveis, ou de outros materiais

que permitam sua reutilização, como aço inoxidável e cerâmica,

que podem representar alternativas. No entanto, todas as atuais

possibilidades viáveis (inclusive no aspecto econômico), possuem

impactos socioambientais que devem ser considerados. A escolha

mais adequada deverá espelhar, motivadamente, as condições

geográficas, de mercado, sociais e ambientais, locais e regionais37.

5. NORMAS SOCIOAMBIENTAIS PARA OBRAS E SERVIÇOS DE

ENGENHARIA

Conforme observado acima, o desenvolvimento de

contratações públicas sustentáveis contribui para a melhoria da

performance ambiental e social do Brasil, além de outros benefícios

apontados.

Como forma de estimular, mas de forma cogente, a

Administração Pública, a Lei de Licitações estabeleceu no artigo

45, que as licitações de obras e serviços de engenharia deverão

respeitar a uma série de normas de cunho socioambiental:

Art. 45. As licitações de obras e serviços de engenharia

devem respeitar, especialmente, as normas relativas a:

I - disposição final ambientalmente adequada dos

resíduos sólidos gerados pelas obras contratadas;

II - mitigação por condicionantes e compensação

ambiental, que serão definidas no procedimento de

licenciamento ambiental;

37 Para maior aprofundamento sugere-se leitura de material elaborado pela ACV Brasil intitulado: “AVALIAÇÃO DE CICLO DE VIDA COMPARATIVA ENTRE COPOS DESCARTÁVEIS E REUTILIZÁVEIS”; ou ainda comparativo promovido pela E-Cycle, disponível em: https://www.ecycle.com.br/3475-copo-descartavel.html, acesso em 30 de março de 2021.

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III - utilização de produtos, de equipamentos e de

serviços que, comprovadamente, favoreçam a redução

do consumo de energia e de recursos naturais;

IV - avaliação de impacto de vizinhança, na forma da

legislação urbanística;

V - proteção do patrimônio histórico, cultural,

arqueológico e imaterial, inclusive por meio da avaliação

do impacto direto ou indireto causado pelas obras

contratadas;

VI - acessibilidade para pessoas com deficiência ou

com mobilidade reduzida.

Cabe notar a obrigatoriedade imposta pela lei para o

atendimento às normas acima. Não se traduz em faculdade.

Ao promover qualquer licitação para obras e serviços de

engenharia, deve a Administração utilizar produtos que reduzam

o uso de recursos naturais, garantir acessibilidade a pessoas com

mobilidade reduzida, destinar adequadamente os resíduos sólidos

gerados, etc. É importante se observar, também, que as imposições

acima decorrem de normas constitucionais e infraconstitucionais,

todavia o legislador enfatizou tais políticas e diretrizes como forma

de sobrelevar as políticas públicas socioambientais e incorporá-

las ao texto da Lei de Licitações, numa ação propositiva e inserida

em valores relevantes para a sociedade.

É válido tratar individualmente de tais normas.

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5.1. Disposição final ambientalmente adequada dos

resíduos sólidos gerados pelas obras contratadas.

A geração de resíduos é um dos mais graves problemas da

sociedade contemporânea e tem despertado grandes discussões

em âmbito mundial, nas mais diversas instâncias38, pois está

relacionada a questões de saúde pública, bem-estar e da qualidade

do meio ambiente, intimamente ligados.

A quantidade em que são gerados, a sua composição e o

tratamento que a eles têm sido dado, ocasionam muitos problemas

ambientais, sociais e de saúde pública. Esse aumento deriva do

crescimento acelerado das cidades e da industrialização39.

A geração e o tratamento adequado de resíduos estão

inseridos no Objetivo 12 dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento

Sustentável)40, que visa assegurar padrões de produção e de

consumo sustentáveis, com destaque para o 12.5, 12.6 e 12.7,

respectivamente: “Até 2030, reduzir substancialmente a geração

de resíduos por meio da prevenção, redução, reciclagem e reuso”,

“incentivar as empresas, especialmente as empresas grandes

e transnacionais, a adotar práticas sustentáveis e a integrar

informações de sustentabilidade em seu ciclo de relatórios”,

“promover práticas de compras públicas sustentáveis, de acordo

com as políticas e prioridades nacionais”.41

38 GOUVEIA, Nelson, Resíduos sólidos urbanos: impactos socioambientais e perspectiva de manejo sustentável com inclusão social. Ciência & Saúde Coletiva [en linea] 2012, 17 (Junio-Sin mes): [Fecha de consulta: 8 de diciembre de 2016] Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=63023390015> ISSN 1413-8123, acesso em 15 de fevereiro de 2018.

39 SANTAELLA, Sandra Tédde, et al. Resíduos sólidos e a atual política ambiental brasileira. Fortaleza: UFC/ LABOMAR/ NAVE, 2014.

40 São 17 objetivos e 169 metas aprovados na Cúpula das Nações Unidas Sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada no final de setembro de 2015, em Nova York, com a finalidade de criar uma agenda universal que estimule ações para os próximos 15 anos em áreas consideradas cruciais para a humanidade e o planeta.

41 Disponível em: http://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/, consultado em 1° de outubro de 2016.

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Relaciona-se a tais objetivos, no que se refere aos resíduos, a

necessidade de implantação de uma gestão integrada dos mesmos,

com a finalidade de reduzir o consumo de matéria-prima oriunda

de recursos naturais, com vistas a buscar um equilíbrio entre a

produção e o impacto ambiental correspondente; rever processos

produtivos que geram resíduos; aumentar a reutilização e a

reciclagem; e, promover o tratamento e depósito ambientalmente

adequados dos rejeitos.

As políticas públicas nesse setor são fundamentais para

estabelecer marcos normativos e avanços legais que favoreçam

o engajamento de toda a coletividade e, acrescenta-se, para não

sobrevirem descontinuidades políticas.

Como resposta à crise socioambiental e aos debates globais,

o Brasil criou um aparelhamento jurídico que objetiva regular a

gestão dos resíduos, de forma integrada, com princípios, diretrizes,

fundamentos, instrumentos, planos e programas. Trata-se da

Política de Saneamento Básico, tratada na Lei n° 11.445/2007 e a

Política Nacional de Resíduos Sólidos, disposta na Lei 12.305/2010.

Sobre o tema Yoshida destaca que “A PNRS constitui sem

dúvida um marco legal histórico na gestão compartilhada do

meio ambiente como exigência constitucional, compartilhando a

corresponsabilidade pela gestão e gerenciamento dos resíduos

sólidos entre os poderes estatais dos diferentes níveis federativos

e entre os atores econômicos e sociais”42.

Aqui é possível estabelecer o liame entre a PNRS e a Lei de

Licitações. O Estado define através do entrelaçamento de leis a

42 YOSHIDA, Consuelo. Competência e as diretrizes da PNRS: conflitos e critérios de harmonização entre as demais legislações e normas. In: JARDIM, Arnaldo; YOSHIDA, Consuelo; FILHO, José Valverde Machado. [organ.] Política nacional, gestão e gerenciamento de resíduos sólidos. Barueri, SP: Manole, 2012, p. 12.

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consecução de suas políticas públicas e o que o legislador da Lei

14.133/21 fez foi materializar um dos objetivos da Lei 12.305/10,

qual seja, promover a gestão integrada e o gerenciamento

ambientalmente adequado dos resíduos sólidos, ao determinar no

artigo 45, inciso I, que nas obras43 deve ser respeitada a “disposição

final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos gerados”.

A PNRS apresenta conceituações importantes para melhor

compreensão do seu texto e uniformização de entendimentos

sobre a matéria, que constam no artigo terceiro da lei:

Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por: 

[...]

VII - destinação final ambientalmente adequada:

destinação de resíduos que inclui a reutilização,

a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o

aproveitamento energético ou outras destinações

admitidas pelos órgãos competentes do Sisnama,

do SNVS e do Suasa, entre elas a disposição final,

observando normas operacionais específicas de modo

a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e

a minimizar os impactos ambientais adversos; 

VIII - disposição final ambientalmente adequada:

distribuição ordenada de rejeitos em aterros,

observando normas operacionais específicas de modo

a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e

a minimizar os impactos ambientais adversos; 

[...]

43 Defendemos que a regra deve ser estendida também para compras e serviços em atendimento à Política Nacional de Resíduos Sólidos.

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X - gerenciamento de resíduos sólidos: conjunto de

ações exercidas, direta ou indiretamente, nas etapas de

coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação

final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos e

disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos,

de acordo com plano municipal de gestão integrada de

resíduos sólidos ou com plano de gerenciamento de

resíduos sólidos, exigidos na forma desta Lei; 

XI - gestão integrada de resíduos sólidos: conjunto

de ações voltadas para a busca de soluções para os

resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões

política, econômica, ambiental, cultural e social, com

controle social e sob a premissa do desenvolvimento

sustentável; 

[...] 

XIII - padrões sustentáveis de produção e consumo:

produção e consumo de bens e serviços de forma a

atender as necessidades das atuais gerações e permitir

melhores condições de vida, sem comprometer a

qualidade ambiental e o atendimento das necessidades

das gerações futuras; 

XIV - reciclagem: processo de transformação dos

resíduos sólidos que envolve a alteração de suas

propriedades físicas, físico-químicas ou biológicas, com

vistas à transformação em insumos ou novos produtos,

observadas as condições e os padrões estabelecidos

pelos órgãos competentes do Sisnama e, se couber, do

SNVS e do Suasa; 

XV - rejeitos: resíduos sólidos que, depois de esgotadas

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todas as possibilidades de tratamento e recuperação por

processos tecnológicos disponíveis e economicamente

viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a

disposição final ambientalmente adequada; 

XVI - resíduos sólidos: material, substância, objeto ou

bem descartado resultante de atividades humanas em

sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe

proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados

sólido ou semissólido, bem como gases contidos em

recipientes e líquidos cujas particularidades tornem

inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou

em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica

ou economicamente inviáveis em face da melhor

tecnologia disponível.

Dos conceitos acima é possível observar uma imprecisão

técnica do legislador da Lei de Licitações quanto ao termo

“disposição final” de resíduos sólidos, sendo o correto estabelecer

a destinação final de resíduos sólidos ou a disposição final

de rejeitos nos aterros sanitários. Queremos acreditar que a

destinação final de resíduos é mais apropriada, por incluir as

etapas de reutilização, reciclagem, compostagem, recuperação,

aproveitamento energético dos resíduos e a disposição final dos

rejeitos.

Defende-se que a Administração Pública deve incluir como

obrigação contratual o gerenciamento adequado dos resíduos

gerados, abrangendo dar a destinação adequada dos mesmos.

É possível perceber que na confluência entre a PNRS e a

Lei de Licitações, no que se refere à destinação dos resíduos, a

proposta mais vantajosa deve privilegiar, na análise do ciclo de

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vida, os produtos e serviços que promovam menores impactos

ambientais, inclusive no que se refere à qualidade e quantidade

de resíduos gerados, estabelecendo-se nas especificações dos

produtos utilizados ou adquiridos que os mesmos devem ser

produzidos por materiais reutilizados, ou reciclados ou recicláveis,

ou ainda, biodegradáveis. E que os resíduos gerados nas obras e

serviços de engenharia, segundo a letra legal, devem ser destinados

adequadamente: recicláveis e reutilizáveis para cooperativas

ou associações que promovam a segregação e destinação às

empresas que utilizam a matéria-prima reciclável, e os rejeitos aos

aterros sanitários de acordo com a classificação dos mesmos.

Cabe estabelecer tais aspectos na definição do objeto, com

as obrigações a serem cumpridas pela contratada, e fiscalizar seu

cumprimento, para garantir a efetividade das políticas públicas.

5.2. Mitigação por condicionantes e compensação

ambiental, que serão definidas no procedimento de

licenciamento ambiental

A lei estabelece outro mecanismo de consecução de

políticas públicas ambientais: a mitigação de danos ambientais no

procedimento de licenciamento ambiental.

Todo empreendimento tem potencial de impacto ambiental

que deve ser indenizado, mitigado. Assim, a compensação

ambiental se consubstancia num mecanismo financeiro para

incorporar aos custos globais do empreendimento os custos

sociais e ambientais da degradação por esse gerada. Trata-se

de um importante instrumento de política pública que destina

os custos dos impactos ambientais à sua compensação, visando

reduzir os prejuízos ambientais.

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A Lei 9.985/2000, que dispôs sobre o Sistema Nacional de

Unidades de Conservação e foi regulamentado pelo Decreto n°

4.340/2002, estabeleceu no artigo 36 que:

Art. 36.  Nos casos de licenciamento ambiental de

empreendimentos de significativo impacto ambiental,

assim considerado pelo órgão ambiental competente,

com fundamento em estudo de impacto ambiental

e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor

é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de

unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral,

de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento

desta Lei.

Obviamente o dever da compensação ambiental não decorre

da Lei de Licitações, mas sim da legislação que estabelece

a temática. Contudo, foi de crucial importância enfatizar as

regras estabelecidas nas políticas públicas ambientais com a

ampliação dos interesses coletivos, incorporando interesses

macro e evidenciando a transversalidade da sustentabilidade nas

contratações públicas.

5.3. Utilização de produtos, equipamentos e serviços

que, comprovadamente, reduzam o consumo de

energia e de recursos naturais

Seguindo a mesma linha da sustentabilidade, é crucial

desenvolver políticas e regras internas que preconizem a redução

do consumo de energia e de recursos naturais.

Para tanto, é importante analisar os processos produtivos,

consumos da Administração e estabelecer metas de redução.

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Orienta-se, para tanto, estabelecer melhorias no ambiente

de trabalho; estimular a conscientização dos empregados, clientes

e fornecedores, com a adoção de boas práticas relacionadas

à redução do consumo de energia; promover a manutenção

preventiva de equipamentos que consumam energia reduzindo

ou evitando que falhas prejudiquem o desempenho dos mesmos;

aproveitar iluminação e ventilação naturais nos ambientes; adquirir

equipamentos mais eficientes e que consumam menos energia,

investir em isolamento térmico e automação, etc.

Faz-se necessário envolver gestão e áreas técnicas e de

operação em esforços conjuntos e constantes, estabelecendo as

políticas, normativos, metas, meios de controles e avaliação para

garantir a efetividade das ações e o cumprimento da Lei.

5.4. Avaliação de impactos de vizinhança, na forma

da legislação urbanística

A legislação urbanística, disposta no Estatuto da Cidade, Lei

10.257/2001, estabelece que:

Art. 36.  Lei municipal definirá os empreendimentos

e atividades privados ou públicos em área urbana que

dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto

de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações

de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do

Poder Público municipal.

O Estudo de Impacto de Vizinhança tem por objetivo analisar e

informar de forma prévia à municipalidade quanto às repercussões

da implantação de empreendimentos e atividades impactantes.

Conforme se extrai do Caderno Técnico de Regulamentação

e Implementação de Instrumentos do Estatuto das Cidades,

elaborado pela Universidade de Brasília:

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O Estudo de Impacto de Vizinhança tem o intuito

de analisar e informar previamente à gestão

municipal quanto às repercussões da implantação de

empreendimentos e atividades impactantes, privadas

ou públicas, em áreas urbanas, a partir da ótica da

harmonia entre os interesses particulares e o interesse

da coletividade de modo a: a) evitar desequilıbrios no

crescimento das cidades; b) garantir condições mınimas

de qualidade urbana; e c) zelar pela ordem urbanıstica

e pelo uso socialmente justo e ambientalmente

equilibrado dos espaços urbanos.44

Desse modo, cabe à Administração nas licitações de obras

e serviços de engenharia considerarem a legislação urbanística

ao definirem empreendimentos que demandem a elaboração de

estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV), para obter as licenças

ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento.

5.5. Proteção do patrimônio cultural, histórico,

arqueológico e imaterial, inclusive por meio da

avaliação do impacto direto ou indireto causado

pelas obras contratadas

O patrimônio histórico, cultural, arqueológico e imaterial é

um conjunto de manifestações de um corpo social, numa referência

simbólica e rica que identificam a sociedade. Segundo informações

da UNESCO: “O patrimônio é o legado que recebemos do passado,

44 SCHVARSBERG, Benny; MARTINS, Giselle C.; CAVALCANTI, Carolina B. Estudo de Impacto de Vizinhança: Caderno Técnico de Regulamentação e Implementação/ Benny Schvasrberg, Martins, Giselle C., Kallas, Luana M. E.; Cavalcanti, Carolina B.; Teixeira, Letícia M. Brasília: Universidade de Brasília, 2016.

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vivemos no presente e transmitimos às futuras gerações. Nosso

patrimônio cultural e natural é fonte insubstituível de vida e

inspiração, nossa pedra de toque, nosso ponto de referência,

nossa identidade.”45

As referências normativas de proteção desse patrimônio

decorrem da Constituição Federal que, no artigo 5°, inciso LXXIII,

dispôs que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação

popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de

entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao

meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor,

salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da

sucumbência.”

Foi além a Carta Magna, ao definir a competência dos entes

políticos, a União, Estados, Distrito Federal e Municípios da proteção

de documentos, obras e outros bens de valor histórico, artístico e

cultural, incluindo os monumentos, as paisagens naturais notáveis

e os sítios arqueológicos, inclusive devendo ser impedidas as

destruições e descaracterizações de tais objetos, conforme o art.

23, III e IV.

Por fim, no artigo 216, a CF/88 estabelece que o Patrimônio

Histórico Cultural brasileiro constitui em “bens de natureza material

e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores

de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos

formadores da sociedade brasileira”, incluindo formas de expressão;

modos de criar, fazer e viver; criações científicas, artísticas e

tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e

demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

e,  os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,

artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”.

45 Disponível em: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/culture/world-heritage/heritage-legacy-from-past-to-the-future/. Acesso em 24 de outubro de 2018.

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Cabe, portanto, à Administração Pública estabelecer

a proteção do patrimônio cultural, histórico, arqueológico e

imaterial, avaliando os impactos de seus investimentos em obras

e serviços de engenharia nessas manifestações.

5.6. Acessibilidade para pessoas com deficiência ou

com mobilidade reduzida

A Lei n° 10.098/2000 estabeleceu as normas gerais e

critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas

portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante

a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços

públicos, no mobiliário urbano, construção e reforma de edifícios

e nos meios de transporte e de comunicação.

A lei desenhou um importante eixo para acessibilidade,

dispondo sobre conceitos relevantes, diretrizes, disposições para

as edificações públicas e privadas destinadas ao uso coletivo, de

forma a proporcionar mínimas condições de acesso e conforto das

pessoas com deficiência cujo impedimento seja de longo prazo ou

com mobilidade reduzida permanentemente ou temporariamente,

que demandarem atendimento especializado.

Assim como nas disposições socioambientais citadas acima,

é crucial que a Administração Pública se adapte à legislação que

trata da matéria, observando, em especial, as normas específicas

para suas edificações.

6. REMUNERAÇÃO VARIÁVEL

A sustentabilidade ambiental também é objeto dos

elementos da remuneração variável para contratação de obras,

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fornecimentos e serviços, inclusive de engenharia, como preconiza

o artigo 144:

“Art. 144. Na contratação de obras, fornecimentos

e serviços, inclusive de engenharia, poderá ser

estabelecida remuneração variável vinculada ao

desempenho do contratado, com base em metas,

padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade

ambiental e prazos de entrega definidos no edital de

licitação e no contrato.

§ 1° O pagamento poderá ser ajustado em base

percentual sobre o valor economizado em determinada

despesa, quando o objeto do contrato visar à

implantação de processo de racionalização, hipótese

em que as despesas correrão à conta dos mesmos

créditos orçamentários, na forma de regulamentação

específica.

§ 2° A utilização de remuneração variável será

motivada e respeitará o limite orçamentário fixado pela

Administração para a contratação”.

A remuneração variável também não é novidade na

legislação licitacional, tendo sido empregada anteriormente no

Regime Diferenciado de Contratações (RDC), Lei n° 12.462/11, e na

Lei das Estatais, Lei n° 13.303/16. Seu objetivo é criar incentivos

remuneratórios para melhoria da performance contratual,

vinculados a metas e padrões definidos no edital e contrato. Sobre

o tema, interpretando a Lei das Estatais, Edgar Guimarães e José

Anacleto Abduch dos Santos afirmam que:

“para a adoção da remuneração variável, é necessário o

cumprimento de dois requisitos: um, de ordem formal;

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outro de ordem material. O de ordem formal é a exigência

de que os parâmetros e critérios para a fixação da

remuneração variável estejam previstos no instrumento

convocatório e no contrato. ... O requisito de ordem

material é a atenção ao limite orçamentário fixado para

a respectiva contratação” (GUIMARÃES, Edgar. Lei das

estatais: comentários ao regime jurídico licitatório e

contratual da Lei n° 13.303/2016/ Edgar Guimarães,

José Anacleto Abduch Santos – Belo Horizonte: Fórum,

2017, p. 159).

A remuneração variável pode vincular objetivamente a

obtenção de vantagens adicionais à Administração Pública por

meio da validação de parâmetros de qualidade, metas atingidas e

outros elementos e que ultrapassam as obrigações estabelecidas

para execução do contrato.

A lei de licitações estabeleceu, portanto, que critérios

de sustentabilidade ambiental podem resultar em remuneração

variável ao contratado. Tais critérios, se objetiva e adequadamente

estipulados, podem trazer importantes vantagens à Administração

Pública no que se refere à sua própria performance ambiental.

Vamos a um exemplo para melhor compreensão. Em uma

contratação de gestão para ocupação de imóvel público46, também

conhecida como gestão de facilities, a Administração estabelece

as obrigações e critérios mínimos de execução contratual com o

fornecimento de equipamentos, materiais e outros serviços, além

do atendimento à legislação correlata (trabalhista, ambiental,

técnica, etc.), mas dispõe da remuneração variável para

apresentação e utilização de itens de equipamentos e materiais

46 Definida pela Lei n° 14.011/2020 em seu artigo 7°, §1°, como sendo “a prestação, em um único contrato, de serviços de gerenciamento e manutenção de imóvel, incluído o fornecimento dos equipamentos, materiais e outros serviços necessários ao uso do imóvel pela administração pública, por escopo ou continuados.”

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com melhor desempenho ambiental, como exemplificado no

quadro abaixo:

Item Especificação con-tratual mínima

Maior perfor-mance ambiental

Acréscimo na remu-neração mensal

Aspirador de pó

Potência mínima de 1600 W, capacidade de 30 Litros

Saco para pó em algodão lavável

0,01%

EnceradeiraDC 350, cabo elétri-co com 12m, motor 3/4hp

Selo ruído nível 1 0,02%

Sacos de lixoEm plástico resis-tente com capacida-de de 50 Litros

Fabricado com tecnologia oxi-biodegradável e decomposição em até 6 meses

0,01%

Uniforme lim-peza

Conf. DescriçãoBrim com 100% de algodão

0,02%

Nesse singelo exemplo foi estabelecido no contrato e de

forma objetiva quais os critérios de sustentabilidade que poderão

ensejar a remuneração variável e o percentual respectivo. Dos

itens selecionados percebe-se a preocupação e os ganhos para a

coletividade que podem ser obtidos com a redução dos resíduos

sólidos, que sacos de lixo ou equipamentos como aspiradores de

pó podem gerar, a redução de ruídos e a utilização de uniforme

fabricado com tecido natural.

7. IRREGULARIDADE DO PROCEDIMENTO OU DO CONTRATO

Por fim, o último aspecto que merece apontamentos na

nova lei de licitações quanto à sustentabilidade diz respeito ao

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procedimento adequado após constatação de irregularidade no

procedimento licitatório ou na execução contratual.

Segundo disposto no artigo 147, se não for possível o

saneamento, a decisão sobre a suspensão da execução ou a

declaração de nulidade do contrato apenas será adotada após

avaliação de determinados aspectos, dentre os quais, encontram-

se os riscos sociais, ambientais e à segurança da população local

em vista de atraso na fruição dos benefícios que decorreriam do

contrato; motivação social e ambiental do contrato; fechamento

de postos de trabalho e razão da paralização, dentre outros, como

se observa da letra da lei:

Art. 147. Constatada irregularidade no procedimento

licitatório ou na execução contratual, caso não seja

possível o saneamento, a decisão sobre a suspensão

da execução ou sobre a declaração de nulidade do

contrato somente será adotada na hipótese em que

se revelar medida de interesse público, com avaliação,

entre outros, dos seguintes aspectos:

I - impactos econômicos e financeiros decorrentes do

atraso na fruição dos benefícios do objeto do contrato;

II - riscos sociais, ambientais e à segurança da população

local decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do

objeto do contrato;

III - motivação social e ambiental do contrato;

IV - custo da deterioração ou da perda das parcelas

executadas;

V - despesa necessária à preservação das instalações e

dos serviços já executados;

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VI - despesa inerente à desmobilização e ao posterior

retorno às atividades;

VII - medidas efetivamente adotadas pelo titular do

órgão ou entidade para o saneamento dos indícios de

irregularidades apontados;

VIII - custo total e estágio de execução física e financeira

dos contratos, dos convênios, das obras ou das parcelas

envolvidas;

IX - fechamento de postos de trabalho diretos e indiretos

em razão da paralisação;

X - custo para realização de nova licitação ou celebração

de novo contrato;

XI - custo de oportunidade do capital durante o período

de paralisação.

Parágrafo único. Caso a paralisação ou anulação não

se revele medida de interesse público, o poder público

deverá optar pela continuidade do contrato e pela

solução da irregularidade por meio de indenização

por perdas e danos, sem prejuízo da apuração de

responsabilidade e da aplicação de penalidades

cabíveis.

Tal dispositivo está em harmonia com o estatuído na Lei

de Introdução às normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei n°

4.657/42, com as alterações promovidas pela Lei n° 13.655/2018,

e que dispõe que na esfera administrativa não se decidirá sem que

sejam consideradas as consequências práticas da decisão, com

análise das possíveis alternativas, assim como, que a decisão que

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decretar a invalidação de contrato ou processo deverá indicar as

condições de regularização, como segue:

Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora

e judicial, não se decidirá com base em valores

jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as

consequências práticas da decisão.

Parágrafo único. A motivação demonstrará a

necessidade e a adequação da medida imposta ou

da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou

norma administrativa, inclusive em face das possíveis

alternativas.

Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa,

controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato,

contrato, ajuste, processo ou norma administrativa

deverá indicar de modo expresso suas consequências

jurídicas e administrativas.

Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste

artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições

para que a regularização ocorra de modo proporcional

e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se

podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas

que, em função das peculiaridades do caso, sejam

anormais ou excessivos.

Depreende-se dos dispositivos acima que a autoridade

competente deverá, ao constatar irregularidades no procedimento

licitatório ou no contrato, cujo saneamento seja inviável, analisar

uma série de implicações de ordem prática que possam decorrer

da suspensão da execução ou da declaração de nulidade do

contrato, citando-se alguns aspectos atrelados ao conceito de

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sustentabilidade em seu pilar social, ambiental ou econômico,

como, por exemplo, a análise de riscos sociais que a paralização

de uma determinada obra pública de construção de moradias

populares pode ocasionar à política local de habitação e à

população de baixa renda, ou o impacto ambiental da suspensão

de um importante projeto conservacionista à fauna, financiado por

organismos internacionais, ou ainda, as consequências sociais e

econômicas do fechamento de postos de trabalho utilizados em

obra pública de grande vulto paralisada.

A novel legislação, portanto, impõe ao administrador público

a avaliação dos impactos e consequências práticas de suas

decisões e o exame de possíveis alternativas que estejam alinhadas

ao interesse público envolvido com a medida a ser tomada,

conferindo maior segurança jurídica às decisões, buscando

garantir efetividade social, econômica e ambiental e ponderando o

princípio da razoabilidade para valoração dos impactos da decisão

a ser tomada.

CONCLUSÃO

A expressão desenvolvimento sustentável tem sua

embriogênese estabelecida a partir da percepção de que o modelo

de crescimento econômico cunhado em muitas nações não foi

acompanhado pelo desenvolvimento social, além de materializar a

exploração dos recursos naturais de forma predatória, dando início

ao colapso dos sistemas naturais.

Considerando o poder de compra estatal, após muitas

agendas ambientais globais, foram cunhadas metodologias que

proporcionassem a inserção da sustentabilidade nas contratações

públicas, permitindo que atualmente sejam moldadas visando

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não apenas à satisfação das necessidades materiais de bens,

serviços ou obras dos órgãos ou entidades da Administração

Pública contratante, mas prosperam em desempenhar uma

função extraordinária, socioambiental, pretendendo satisfazer as

necessidades de futuras gerações, materializando o conceito do

desenvolvimento sustentável.

A Lei 14.133/21 seguiu a legítima e global tendência de

amoldar as práticas administrativas aos novos paradigmas da

sustentabilidade em suas multidimensões e criar no núcleo da

administração pública uma cultura de integridade sustentável nas

suas contratações, estabelecendo as contratações sustentáveis

como objetivo e princípio a serem incorporados nos processos

administrativos de aquisições e contratações de serviços e obras.

A pretensão desse breve estudo não permite maior

aprofundamento na dogmática jurídica, mas vale a nota quanto ao

relato histórico da sustentabilidade até o incremento da finalidade

e da categoria principiológica da promoção do desenvolvimento

nacional sustentável nas contratações públicas, assim como

a análise da sua aplicação pelos subtemas tratados na novel

legislação.

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Oficial da União. Brasília, DF, de 22.6.1993, republicado em 6.7.1994

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estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia

mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados,

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NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS: AS NOVAS COMPETÊNCIAS E RESPONSABILIDADES DO AGENTE DA CONTRATAÇÃO E A POSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO DE ASSESSORAMENTO

TÉCNICOLuiz Cláudio de Azevedo Chaves

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NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS: AS NOVAS COMPETÊNCIAS E RESPONSABILIDADES DO AGENTE DA CONTRATAÇÃO E A POSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO DE ASSESSORAMENTO TÉCNICO

Luiz Cláudio de Azevedo Chaves47

Resumo:

Já não era sem tempo que o Congresso Nacional aprovasse, e a

Presidência da República, sancionasse o novo marco legal das

contratações públicas, a regulamentar o art. 37, XXI da CRFB. A

norma anterior (e, diga-se, permanecerá vigente por mais dois

47 Graduado em Administração e Direito, Especialista em Direito Administrativo. Professor Convidado da Fundação Getúlio Vargas-FGV/PROJETOS e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro-PUC-RIO, além de diversas instituições de ensino e Escolas de Governo do País, dentre as quais destacam-se: Escola Nacional de Administração Pública – ENAP, Escola de Administração Judiciária – ESAJ/TJRJ, Escola Nacional de Serviços Urbanos – ENSUR/IBAM. É autor das seguintes obras: Licitações e Contratos da Administração Pública-Legislação Básica Reunida, Expressão Gráfica, 2009; Curso Prático de Licitações, os segredos da Lei 8.666/93, Lumen Juris, 2011;; Licitação Pública, Compra e Venda governamental Para Leigos, Alta Books, 2016; A Atividade de Planejamento e Análise de Mercado nas Contratações Governamentais, Ed JML, 2018; O Novo Pregão Eletrônico (co-autoria), JML, Curitiba, 2019; Gerenciamento de Riscos nas Aquisições e Contratações de Serviços da Administração Direta, Estatais e Sistema S, JML, Curitiba, 2020. É articulista nos seguintes periódicos: Revista do Tribunal de Contas da União, ed. TCU; Revista FCGP, Ed. Fórum; Revista RJML de Licitações e Contratos, ed. JML; ILC-Informativo de Licitações e Contratos, ed. ZÊNITE; Revista Infraestrutura Urbana, ed. PINI; Revista dos Municípios, ed. IBAM; Soluções em Licitações e Contratos-SLC, Ed. SGP e, Revista do Administrador Público, ed. Governet. Sua experiência profissional nas mais diversas funções ligadas às contratações públicas exercidas ao longo de 30 anos junto Tribunal de Justiça/RJ, onde é servidor do quadro efetivo, aliado a seu elevado conhecimento técnico o credenciam como um dos mais expoentes conferencistas em temas do Direito Administrativo.

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anos), há muito necessitava de aperfeiçoamento e modernização,

o que vinha sendo feito, aqui e ali, por normas infra legais, tais

como decretos e instruções normativas. Vários novos institutos

e novas perspectivas são introduzidas e, dentre elas, as novas

premissas para o exercício da função de julgar licitações. Neste

trabalho, iremos abordar as novidades trazidas pela novel Lei

n°. 14.133/2021 no que concerne à atuação dos agentes públicos

que serão investidos nas funções de julgamento dos certames

licitatórios, bem como será examinada a questão da contratação

de consultores para auxiliá-los para o cumprimento deste mister.

Palavras-chaves

Licitação. Contratação Pública. Agente da Contratação. Pregoeiro.

Consultoria.

Summary:

It was about time that the National Congress approved, and the

Presidency of the Republic, sanctioned the new legal framework for

public contracts, to regulate art. 37, XXI of the CRFB. The previous

rule (and, it will be said, will remain in force for another two years),

has long needed improvement and modernization, which was being

done, here and there, by infra legal rules, such as decrees and

normative instructions. Several new institutes and new perspectives

are introduced and, among them, the new premises for the exercise

of the function of judging bids. In this work, we will approach the

novelties brought by the novel Lei no. 14,133 / 2021 with regard to the

performance of public agents who will be invested in the judgment

functions of bidding contests, as well as the question of hiring

consultants to assist them in fulfilling this task will be examined.

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Keywords

Bidding. Public Procurement. Hiring Agent. Crier. Consultancy.

1 - Introdução. 2 - Os condutores do procedimento licitatório no

antigo regime: Decreto no. 200/1967 e Decreto no. 2.300/1986.

3 - Os condutores do procedimento licitatório no regime da Lei

no. 8.666/1993. 4 - Características da Comissão de Licitação.

4.1 - Atribuições do Presidente da CPL. 4.2 - Da Comissão

Especial de Licitação. 5 - O surgimento da figura do Pregoeiro. 6

- Lei no. 14.133/2021: o Agente da Contratação. 6.1 - Requisitos de

investidura. 6.2 - A equipe de apoio. 7 - A previsão de contratação

de consultores no regime da Lei no. 8.666/1993. 8. A previsão de

contratação de consultores na Lei no. 14.133/2021. 9 - Formas

de contratação de serviços de consultoria. 9.1 - Contratação

por licitação. 9.2 – Contratação por dispensa de licitação. 9.3 –

Contratação por inexigibilidade de licitação – 9.4 – Contratação por

via do credenciamento. 10. Natureza do contrato de consultoria. 11

– Conclusões.

1. Introdução

Não é controversa a importância institucional que guardam

os servidores e empregados públicos investidos das funções de

processar e julgar procedimentos licitatórios. Afinal, são eles

que aplicam as normas do edital de licitação, julgam habilitação

e propostas e selecionam o futuro parceiro da Administração.

Estrategicamente, praticamente nada se faz na Administração

Pública que não dependa da aquisição de coisas, contratação

de serviços ou obras. Nesse contexto, pode-se afirmar, com

segurança, que os servidores e empregados públicos são um dos

principais responsáveis pela implementação das políticas públicas

em todos os setores.

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Tal atividade durante muito tempo foi bastante glamourizada.

Dotados de competências bastante abrangentes, sem vinculação

hierárquica o julgador da licitação era considerado uma espécie de

autoridade soberana. O que era por eles decidido, assim ficava.

Com o tempo e o aperfeiçoamento dos métodos de controle

e a modernização do próprio Direito Administrativo, essa atividade,

falando de um modo geral, viu decair seu grau de importância, tanto

no ambiente interno como também perante a sociedade. Tanto

assim, que em sua maioria, considerando o conjunto de órgãos

públicos do País, sequer é remunerada especificamente para tal

função, a despeito da enorme responsabilidade que assumem

junto com a investidura na função.

O fato, inexorável, é que o servidor ou empregado público

investido nas funções de processar e julgar licitações devem ser

valorizados, ante o conjunto de responsabilidades assumidas, bem

como sua importância estratégica para o órgão ou entidade em

que atuam.

A Lei n°. 14.133/2021 não traz nenhum dispositivo que

valoriza esses servidores. Se ocupa apenas em aumentar-lhes as

suas responsabilidades. É uma enorme perda de oportunidade, que

espero seja corrigida, senão por uma nova lei que venha atualizar

a que está para entrar em vigor48; ou, ao menos, no âmbito da

regulamentação interna dos órgãos e entidades do Poder Público.

Nesse texto, que prossegue na série de ensaios sobre a Lei

n°. 14.133/2021, vamos analisar as novidades trazidas em relação

aos agentes públicos que serão responsáveis pela condução dos

processos licitatórios. Antes, porém, iremos analisar a evolução

48 Apenas um ano após entrar em vigor a Lei no. 8.666/1993, é sancionada a Lei no. 8.883/1994, modificando quase metade dos dispositivos originais.

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normativa sobre essa importante figura no cenário público, de

modo a auxiliar a compreensão das novas normas que entrarão em

vigor em breve.

Discorreremos de forma um pouco mais dedicada sobre

a Comissão de Licitação e Pregoeiro, considerando que muitos

de suas características serão reprisadas e/ou aproveitadas pela

nova norma, ao tratar do Agente da Contratação e da Comissão de

Agentes da Contratação.

2. Os condutores do procedimento licitatório no

antigo regime: Decreto n°. 200/1967 e Decreto n°.

2.300/1986

Os representantes da Administração responsáveis pela

condução dos procedimentos licitatórios, desde o Decreto n°.

200/67, com previsão no seu art. 141, é a nossa velha e conhecida

Comissão de Licitação. Neste normativo, havia a previsão de que

a “A habilitação preliminar, a inscrição em registro cadastral e o

julgamento das concorrências e tomadas de preços deverão ser

confiados a comissão de, pelo menos, três membros”. Nada mais

discorria sobre suas competências ou formas e requisitos de

indicação dos membros ou período de investidura.

Já na vigência do Decreto n°. 2.300/86, essa figura se torna

um pouco mais sofisticada. Surgem a expressões permanente ou

especial. A de caráter permanente, não poderia ser reconduzida

para o “biênio” subsequente (art. 41, §4°). Portanto, o período em que

os membros da Comissão Permanente poderiam funcionar seria

de, no máximo, dois anos. Posteriormente, com o Dec. 2.348/87,

esse período de investidura se reduz a um ano.

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Também surge a figura do responsável pelo Convite.

A previsão no §1° do art. 41 era de que para esta modalidade

licitatória, não seria composta Comissão. Seria indicado um

servidor responsável pela condução dos trabalhos. Portanto, a

Comissão teria competência para julgar apenas as licitações nas

modalidades tomada de preços e concorrência.

Também era interessante (e temerosa) o modo de

investidura. Segundo o art. 41, § 2° daquele revogado Decreto, a

designação da Comissão Especial e do responsável pelo Convite

se daria na data da apresentação das propostas. Significava que

os licitantes somente conheceriam os nomes das autoridades que

conduziriam o certame no próprio dia da licitação.

Fácil imaginar que, dependendo da circunstância, se poderia

dirigir a indicação dos membros ou do responsável pelo convite ao

nuto do administrador e de acordo com as proponentes presentes.

Vamos lembrar que eram tempos em que não se imaginava, nem

de longe, os artefatos tecnológicos de que hoje dispomos. As

publicações na imprensa oficial eram encaminhadas por papel

(os mais experientes irão se recordar), e, dependendo da hora

em eram encaminhadas, só seriam publicadas dois dias depois.

Logo, ao dispor que o responsável pelo Convite ou os membros da

Comissão Especial seriam designados na data da apresentação da

proposta, tal indicação poderia se dar minutos antes do início do

certame, já com o conhecimento de quem participaria da licitação,

o que poderia ser objeto de arbitrariedades e desvios de finalidade.

Quanto aos requisitos, o Dec. n°. 2.300/86 nada discorria.

Isto é, qualquer um poderia integrar a Comissão de Licitação.

Poderia ser servidor do quadro efetivo ou do quadro comissionado.

Mas também poderia ser um indivíduo estranho ao serviço público,

contratado para esse fim. Também é importante lembrar que na

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década de 1980 quase não se via o uso da terceirização no serviço

público, uma vez que somente com a Constituição de 1988, é

que passou a prevalecer o princípio do concurso pública para

preenchimento de cargos e empregos públicos.

Somente para os casos de pedidos de inscrição em registro

cadastral, sua alteração ou cancelamento para obras, serviços

ou aquisição de equipamentos é que se exigia perfil específico,

pois a previsão era a que deveria ser “integrada por profissionais

legalmente habilitados”.

3. Os condutores do procedimento licitatório no

regime da Lei n°. 8.666/1993

Com o advento da Lei n°. 8666/1993, que veio regulamentar o

art. 37, XXI49, da Carta Magna de 1988, a regulamentação acerca das

comissões de licitações e do responsável pelo convite ficaram um

pouco mais sofisticadas. Já se percebe um controle maior, mas, ao

mesmo tempo, certa flexibilidade quanto à composição. É o texto

que está em vigor até hoje. Senão vejamos

Art. 51.  A habilitação preliminar, a inscrição em registro

cadastral, a sua alteração ou cancelamento, e as

propostas serão processadas e julgadas por comissão

permanente ou especial de, no mínimo, 3 (três) membros,

sendo pelo menos 2 (dois) deles servidores qualificados

49 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.   

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pertencentes aos quadros permanentes dos órgãos da

Administração responsáveis pela licitação.

§  1o  No caso de convite, a Comissão de licitação,

excepcionalmente, nas pequenas unidades

administrativas e em face da exiguidade de pessoal

disponível, poderá ser substituída por servidor

formalmente designado pela autoridade competente.

§  2o  A Comissão para julgamento dos pedidos de

inscrição em registro cadastral, sua alteração ou

cancelamento, será integrada por profissionais

legalmente habilitados no caso de obras, serviços ou

aquisição de equipamentos.

§ 3o Os membros das Comissões de licitação responderão

solidariamente por todos os atos praticados pela

Comissão, salvo se posição individual divergente estiver

devidamente fundamentada e registrada em ata lavrada

na reunião em que tiver sido tomada a decisão.

§  4o  A investidura dos membros das Comissões

permanentes não excederá a 1 (um)  ano, vedada a

recondução da totalidade de seus membros para a

mesma comissão no período subsequente.

§  5o  No caso de concurso, o julgamento será feito por

uma comissão especial integrada por pessoas de

reputação ilibada e reconhecido conhecimento da

matéria em exame, servidores públicos ou não.

De plano já se percebe que a indicação para integrar a

Comissão de Licitação, seja permanente, seja ela especial, depende

do atendimento a dois importantes requisitos. O primeiro deles

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é ser integrada por ao menos dois servidores pertencentes aos

quadros permanentes do órgão/entidade promotor do certame. O

Segundo, é que estes servidores sejam qualificados. Disso decorre

que a Lei n°. 8.6666/1993 reduz o campo de discricionariedade do

gestor público, pois lhe retira a ampla liberdade que tinha de indicar

membros das comissões de licitação, conforme dispunha até

então. Obrigatoriamente, dois membros terão que ser escolhidos

dentro os servidores do quadro permanente.

Por servidor do quadro permanente deve-se entender

aqueles ocupantes das carreiras dos respectivos planos de cargos

e salários (servidores concursados), bem como aqueles estranhos

ao serviço público, mas detentores de cargo em comissão ou função

de confiança de livre nomeação e exoneração — os chamados 100%

DAS. Isto porque, os cargos em comissão e funções comissionadas

integram o conjunto de cargos do quadro efetivo do órgão. A

distinção entre eles é a natureza da investidura: nos primeiros, é

de provimento efetivo (por concurso); no segundo, de provimento

comissionado, que é de caráter transitório. Nos termos da Lei

8112/90, que cuida do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da

União:

“Art. 3° – Cargo público é o conjunto de atribuições e

responsabilidades previstas na estrutura organizacional

que devem ser cometidas a um servidor.

Parágrafo único.  Os cargos públicos, acessíveis a todos

os brasileiros,  são criados por lei, com denominação

própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para

provimento em caráter efetivo ou em comissão.”

Ao impor que a maioria dos componentes seja do quadro

permanente do órgão, o texto da lei oferece uma impressão

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equivocada sobre a possibilidade de participação de indivíduos

estranhos aos quadros efetivos (provimento efetivo ou

comissionado), como seria o exemplo do empregado terceirizado,

o que não é verdade. As atribuições da Comissão consubstanciam

atos administrativos decisórios, e, para tanto, é necessário que

o membro possua o múnus público que lhe confira a autoridade

necessária. Esse múnus depende justamente da ligação do membro

com a unidade administrativa promotora do torneio. Portanto,

podem fazer parte das CPLs e CELs dos órgãos da Administração

Pública:

a. servidores detentores de cargo das respectivas

carreiras;

b. servidores cujo vínculo com o órgão seja por meio de

cargo em comissão ou função de confiança de livre

nomeação e exoneração (100% DAS); e,

c. servidores requisitados de outros órgãos da

Administração Pública, desde que não sejam maioria na

Comissão e estejam oficialmente cedidos pelo órgão de

origem.

Não podem ser designados para compor as CPLs os

empregados terceirizados ou o particular contratado sem qualquer

vínculo direto com a Administração Pública.

Quanto ao requisito da qualificação, a norma regente da

espécie não discorre sobre a forma, conteúdo ou outro elemento

que regule como se dará o reconhecimento de que a pessoa do

indicado seja qualificado para a função, parecendo, em princípio,

letra morta.

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Como dito nas linhas introdutórias deste trabalho, o elevado

grau de complexidade de seus atos, bem como sua importância

estratégica exige do gestor o cuidado de indicar agentes públicos

devidamente qualificados para o exercício e desempenho dessas

atividades. O mínimo que se espera é que tenham domínio (não

apenas conhecimento) da legislação regedora do instituto da

licitação. Também devem possuir um mínimo de entendimento

técnico (não se exige, nesse caso, o domínio do assunto) que

permita avaliar e julgar com segurança os documentos e propostas

apresentados. Nesse sentido, vejamos as lições de Marçal Justen

Filho50, verbis:

É desejável e usual que ao menos um dos integrantes

tenha conhecimento jurídico que lhe permita adequar

os atos praticados aos dispositivos norteadores

da licitação. Isso, porém, não é obrigatório. Não se

concebe, contudo, a absoluta ausência de capacitação

técnica dos membros da comissão quando o objeto

licitado envolver requisitos específicos ou especiais.

Ainda quando os membros da comissão não necessitem

ser especialistas, é necessário que detenham

conhecimentos técnico-científicos compatíveis com

as regras e exigências previstas no ato convocatório.

Em suma, não se admite que a comissão de licitação

para construção de uma hidrelétrica seja integrada por

nutricionistas. (...). Se a Administração impõe exigências

técnicas aos interessados, não pode invocar sua

discricionariedade para nomear comissão destituída

de condições para apreciar o preenchimento de tais

requisitos. O agente que não está técnica, científica e

50 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 908.

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profissionalmente habilitado para emitir juízo acerca de

certo assunto não pode integrar comissão de licitação

que tenha atribuição de apreciar propostas naquela

área.”14 (grifou-se)

No entanto, ao dispor que o indicado deverá ser qualificado,

acarreta ao gestor, com maior precisão, o grau de responsabilidade

na indicação, pois, caso nomeie servidor não qualificado para

compor a Comissão de Licitação, poderá ser responsabilizado

pelos atos deste nocivos ao interesse público, na modalidade culpa

in elegendo ou culpa in vigilando.

O Tribunal de Contas da União conta com repositório nesse

sentido:

RECURSO ORDINÁRIO — PREFEITO MUNICIPAL —

INSURGÊNCIA CONTRA IMPUTAÇÃO DE MULTA —

PROCEDIMENTO LICITATÓRIO — IRREGULARIDADES

— I. RESPONSABILIZAÇÃO SUBJETIVA DO GESTOR

PÚBLICO — CULPA IN ELIGENDO E CULPA IN VIGILANDO

— II. HOMOLOGAÇÃO DO CERTAME — APROVAÇÃO

DOS ATOS PRATICADOS — III. RECURSO IMPROVIDO —

MANUTENÇÃO DA MULTA APLICADA. O gestor público

pode ser responsabilizado subjetivamente pelos atos

praticados pela comissão de licitação, uma vez que

concorre para as irregularidades por culpa in eligendo

e, ao homologar o certame, por culpa in vigilando,

ratificando os procedimentos adotados”.

O § 1° do art. 51 da Lei Geral de Licitações e Contratos

manteve a previsão de que, no caso da licitação na modalidade

convite, o processo e julgamento poderia se dar por servidor (e

não comissão) formalmente designado. Todavia, deixa de ser

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uma alternativa discricionária como era na legislação anterior

e tal substituição passa a ter caráter excepcional, somente será

aceitável diante da exiguidade de pessoal disponível.

No que concerne à investidura, a mesma passa a ser formal.

Não há mais a previsão de que em certos casos poderia se dar

na data da apresentação da proposta. Ao contrário, é requisito

processual a juntada do ato de designação da Comissão ou do

responsável pelo convite, nos termos do art. 38, III da referida

norma legal.

No que tange à investidura, a Lei Geral passa a ser mais flexível

que o Decreto por ela revogado, mantendo o prazo de investidura

em um ano, mas admitindo a recondução parcial para o período

seguinte ao vedar, no § 4° do art. 51, a recondução da totalidade de

seus membros. Ou seja, se a norma proíbe a recondução total, por

consectário lógico, admite a recondução parcial51. Basta, portanto,

substituir ao menos um membro para o período seguinte.

Assim, analisando a evolução das normas licitatórias

se percebe um bom avanço quanto à regulamentação dos

responsáveis por escolher o parceiro da Administração.

51 Nesse sentido: “Dúvida tem perturbado a aplicação da norma do § 4°: a composição da Comissão há de ser integralmente alterada a cada ano, ou será possível reconduzirem-se seus membros para novo período? Viável a recondução desde que assegurada a renovação parcial anual. Ou seja, alguns dos membros da Comissão poderão ser reconduzidos para segunda investidura consecutiva à primeira desde que outros sejam substituídos após um ano e mantida a proporção do caput do art. 51.” (JUNIOR, Jesse Torres Pereira. Comentários à lei de licitações e contratações da administração pública. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 603); “A Lei permite a recondução de parte dos membros da comissão. Se outra fosse a intenção normativa, seria desnecessário o vocábulo ‘totalidade’. Assim, se o texto legal fosse redigido na forma ‘vedada a recondução de seus membros (...)’, seria indubitável que nenhum dos membros da comissão poderia ser reconduzido. A utilização do vocábulo totalidade produz outro significado na oração, conduzindo à conclusão de que a vedação incide sobre a recondução de todos os membros da comissão.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários..., p. 911)

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4. Características da Comissão de Licitação

A Comissão julgadora, que, conforme já visto, pode ser

permanente ou especial conforme o prazo de designação, é órgão

colegiado, assim sendo, de deliberação coletiva que decide pela

maioria de votos de seus membros. É órgão abstrato destituído

de personalidade jurídica própria, mas possuidora de capacidade

judicial, ou seja, pode demandar ou ser demandada em juízo.

Tanto que é frequente vermos as Comissões de Licitação serem

indicados como autoridade coatora em ações de mandados de

segurança contra atos de sua esfera de competência.

As Comissões devem sempre, por óbvio, ser formada por

número ímpar de membros, sendo o mínimo de três servidores.

Afinal, se a nomeação recair em um servidor apenas não haverá

comissão; se forem dois ou número par, já teremos uma comissão,

mas poderá haver empate nas deliberações.

São figuras das Comissões:

a) Presidente

É a autoridade da Comissão a quem cabe a direção dos

trabalhos. É desejável que o escolhido tenha conhecimento na

matéria, mas não necessariamente deve ser o mais preparado

ou o mais antigo. Muitas vezes o profissional que detém maior

conhecimento não tem facilidade de trabalhar em equipe, o que é

essencial, tratando-se de um colegiado, ou ainda não tem perfil de

liderança, caso das pessoas muito tímidas. Considero fundamental

que a escolha do Presidente deve recair em servidor que, além de

possuir domínio da legislação e do processo licitatório, apresente

perfil de liderança, capacidade de atuar em equipe, equilíbrio e

controle emocional.

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b) Vice-Presidente ou Presidente em exercício

É o servidor indicado pelo Presidente ou pela autoridade

superior para substituir o Presidente em suas faltas ou

impedimentos legais. Poderá ser fixo, no caso da indicação do Vice,

ou eventual, nas hipóteses de atuação “em exercício”. Neste último

caso, a indicação poderá variar entre os membros. Não compete

ao Vice-Presidente a indicação de outro membro para substituí-lo.

c) Membro

É o componente da Comissão investido na função precípua

de proferir voto nas deliberações do colegiado. Cumpre ao membro

atender às determinações do Presidente no que concerne à ordem e

andamento dos trabalhos. Poderá receber do Presidente atribuição

específica tal como examinar recursos e elaborar o relatório

correspondente (relator do recurso), realizar pesquisas e diligências

internas ou externas entre outras funções. Não está subordinado

ao Presidente nas funções de voto, tendo independência técnica

para votar segundo sua convicção pessoal, devendo, em caso de

ter sido voto vencido, elaborar as justificativas que o conduziram a

divergir da maioria (declaração de voto vencido).

d) Secretário

É o membro a quem incumbe a organização do “escritório” da

Comissão. Deve ser escolhido dentre aqueles que possuem maior

sentido de organização. Será o responsável pela lavratura das

Atas das reuniões e das sessões de julgamento, pela elaboração

de relatórios estatísticos, montagem dos processos (apensações,

entranhamentos, juntadas etc.), preparo das correspondências

internas e externas e todos os demais atos típicos de secretaria.

Poderá ou não votar conforme sua designação e seu vínculo com a

Administração. Caso não tenha poder de voto, poderá ser indicado

até mesmo um colaborador terceirizado para esse mister.

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e) Assistente ou Consultor

Não faz parte da Comissão. Em certos casos a Comissão se

verá diante de casos em que se exigirá conhecimento específico e

mais aprofundado sobre questões de natureza técnica relacionadas

ao objeto posto em disputa e que foge ao conhecimento técnico

dos membros componentes. Nessas situações, o Presidente

poderá convocar outros profissionais para funcionarem como

agentes consultivos do colégio, visando balizar futura decisão.

Como dito, são figuras estranhas às Comissões de

Julgamento, não integrando seu corpo. Não se responsabilizam

solidariamente pelas opiniões e pareceres apresentados, nem

tampouco retira dos membros a responsabilidade da legalidade das

decisões em que atuaram com agentes consultivos. A comissão

não estará obrigada a seguir a indicação ou opinião do consultor,

podendo decidir de forma contrária àquela indicada, desde que

fundamentadamente. Contudo, se for pela mesma direção, reduz-

se a responsabilidade ante a eventual declaração de nulidade do

ato que teve apoio em parecer técnico de consultores. Para isso,

é relevante que se convoque profissional cujo conhecimento seja

reconhecidamente profundo o suficiente a justificar sua oitiva.

Caso contrário, a Comissão responderá com culpa in eligendo no

caso de nulidade por parecer despropositado.

4.1 Das atribuições, competências e

responsabilidades

Cumpre às Comissões de Licitação a função básica de

decidir a escolha da proposta mais vantajosa para a Administração,

por meio de deliberação coletiva.

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Os atos da Comissão julgadora são estritamente vinculados

à lei e ao edital, deles não podendo afastar-se em momento algum.

A Comissão não tem poder para alterar os critérios do julgamento

no momento da abertura dos envelopes, ou deixar de exigir

algum documento previsto no edital, salvo se reconhecidamente

irrelevante e impertinente ao específico objeto do contrato, ou

flagrantemente contrário à lei ou ao interesse público.

A responsabilidade pela legalidade das decisões da CPL

é solidária entre seus membros, ou seja, respondem, todos, por

eventual prática ilegal de atos da sua esfera de atuação. Somente

se exime de responsabilidade de tomada de decisão contrária à

lei aquele membro que deixou lavrado em ata posicionamento

contrário por meio de voto fundamentado (voto vencido).

A decisão da Comissão é imutável, salvo no caso de exercício

de juízo de retratação ou por decisão devidamente fundamentada

da autoridade superior. Não responde, pois, hierarquicamente

a qualquer autoridade administrativa, possuindo independência

técnica. Significa dizer que não está obrigada a decidir de um

jeito ou de outro em virtude de ordem superior. A modificação

da decisão da CPL somente se opera por força de outra decisão

fundamentada por autoridade a ela superior.

Muito se diz a respeito da atuação das CPLs em relação a atos

administrativos não ligados diretamente às licitações. Há órgãos

que enfrentam graves problemas de disponibilidade de mão de

obra qualificada e, o mais das vezes, terminam por sobrecarregar

as Comissões de Licitação com funções que não lhes são próprias,

mormente, nos casos de contratação direta.

Em princípio, as Comissões somente possuem competência

para decidir sobre as questões relativas ao Registro Cadastral

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e as relativas ao julgamento das licitações. Na ausência de

regulamentação interna corporis que confira outras atribuições, a

CPL não tem competência para falar sobre processos que não cuide

ou de registro cadastral ou de licitação, devendo ser recusada a

solicitação de intervenção em processos de natureza diversa.

Entretanto, as atribuições de uma CPL, ou de seu Presidente,

podem ser estendidas de acordo com a conveniência da autoridade

superior, que poderá ampliá-las por ato específico.

Dito isto, e com apoio na lição de Gasparini,52 podemos

relacionar quais os atos que, via de regra, não alcançam a

competência natural das CPLs:

a. a convocação dos vencedores do torneio para

a retirada da nota de empenho ou assinatura do

contrato;

b. recebimento do objeto ou fiscalização do contrato53;

c. apuração de ilícitos contratuais, exceto em relação

à instrução do processo;

d. manifestação sobre as hipóteses de dispensa ou

inexigibilidade;

e. aprovação da minuta do edital;

4.1.1 Atribuições do Presidente da CPL

Ao atuarem, as Comissões usam de poder administrativo,

direcionando comandos como verdadeiras autoridades que

são. Nesse passo, suas determinações ganham força coercitiva

52 Comissões de Licitação, NDJ, 2ª. ed., p.15.

53 Há casos em que um dos membros acumula outras funções no órgão, inclusive o de fiscal de contrato, mas a acumulação funcional do servidor não se confunde com o colegiado como um todo, isto é, a CPL não herda as funções de seus membros exercidas fora da Comissão.

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e somente podem ser desfeitas de ofício (sem provocação de

terceiros) pela própria Comissão, por meio de juízo de retratação,

ou reformadas mediante decisão de autoridade superior. Mas não

é só por meio das decisões do colegiado que a CPL se manifesta,

pois a atuação do colegiado depende, em muitos casos, dos atos

típicos de direção, seja na condução das sessões de licitação, seja

na instrução ordinária dos processos que lhes são cometidos. É na

pessoa de seu Presidente que a CPL se expressa em tais hipóteses.

Não há subordinação entre os membros da CPL perante

seu presidente no que se refere às decisões do colegiado. Mas

é ele quem tem a competência de dirigir os trabalhos da equipe,

justamente nas hipóteses acima tratadas. Assim entendido, o

Presidente tem a responsabilidade pela condução dos trabalhos,

decidindo questões atinentes ao desdobramento da sessão,

pois a ele compete o dever de mantê-la em tom de harmonia e

tranquilidade para o desenvolvimento dos trabalhos. Mas, não só.

A licitação é movimentada por meio de processo administrativo,

que tem tramitação orientada também pelo Presidente da CPL, o

qual oficia nos autos por meio de despachos. São, portanto, atos

de competência privativa do Presidente da CPL:

no que se refere à sessão de julgamento

a. designar a data e hora para recebimento dos

envelopes de habilitação e proposta da licitação;

b. convocar os membros que deverão compor a turma

julgadora, bem como outros indivíduos, servidores

ou não, para funcionar como consultor técnico da

Comissão;

c. indicar o membro que o substituirá em faltas ou

impedimentos legais;

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d. indicar o membro que irá secretariar a sessão;

e. dar início aos trabalhos, ou seja, abertura da sala de

sessão e chamamento dos licitantes presentes;

f. votar;

g. promover o anúncio das decisões do colegiado,

falando em nome da Comissão;

h. decidir pela suspensão da sessão, bem como a sua

reabertura, respeitados os prazos legais, quando

for o caso;

i. zelar pela tranquilidade dos trabalhos, podendo

proibir o uso de celulares na sessão, determinar o

número máximo de representantes por licitante,

determinar a retirada de uma ou mais pessoas em

razão de turbação ao ambiente de julgamento,

determinar o esvaziamento do plenário para que

a Comissão possa deliberar, podendo, para tanto

e se for absolutamente necessário, solicitar força

policial para fazer cumprir suas determinações;

j. decidir pedidos de diligência formulados por um

dos membros ou licitante;54

k. submeter os autos, após o julgamento, à autoridade

superior para fins de adjudicação e homologação

do resultado do certame;

54 Alguns autores entendem que a decisão sobre a promoção ou não de diligência é atribuição do colegiado. Discordamos em virtude de se tratar de ato típico de condução de julgamento. O resultado da diligência determinada pelo Presidente poderá ou não ser aproveitado pelos membros no momento de cada um proferir seu voto. No caso de não realização de diligência, o membro insatisfeito poderá consignar em ata que entendia pela sua realização.

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l. delegar qualquer das funções acima a um dos

membros presentes.

na instrução dos processos administrativos cometidos à

CPL

a. receber os processos para deliberação do

colegiado, estabelecendo a pauta das reuniões;

b. presidir a instrução dos processos, determinando

juntadas, entranhamento e desentranhamento de

documentos, apensações de outros autos, abertura

de novos volumes;

c. autorizar extração de cópias;

d. determinar arquivamento e desarquivamento;

e. encaminhar a minuta do edital para aprovação da

assessoria jurídica com o parecer da Comissão;

f. solicitar informações, laudos ou pareceres de

órgãos técnicos;

g. oficiar a outros setores da Administração ou outros

órgãos ou entidades externas no interesse da CPL;

h. dar ciência, por ofício, das informações atinentes

às licitações, tais como resultado do julgamento

das impugnações, respostas aos pedidos de

esclarecimento, adiamentos etc.;

i. assinar as publicações oficiais da CPL;

As determinações do Presidente constituem verdadeiros

atos de império, e, em alguns casos, puro exercício de seu poder

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de polícia. Quando o Presidente determina que na sessão não

se poderá utilizar telefones celulares, os administrados devem

atender à tal determinação sob pena de incursão nas penas do art.

330 do Código Penal, crime de desobediência. A forma de tratar

a CPL, principalmente, seu Presidente, se desrespeitosa, também

poderá ser tida como conduta criminal com previsão previsto no

mesmo Código como crime de desacato.

4.2 Da Comissão Especial de Licitação

É o órgão colegiado que possui a mesma natureza e

competência da CPL. Difere desta, fundamentalmente, pela

transitoriedade da sua designação.

Como o próprio nome diz, a comissão permanente é designada

por um prazo fixo, durante o qual assumirá a competência de

processar e julgar todas as licitações que lhe forem cometidas.

Já a especial é criada, via de regra, com o intuito de processar e

julgar uma licitação específica. Nada obsta, contudo, que lhe seja

atribuída a competência para julgar outras licitações, desde que

arroladas no ato de designação.

É normalmente criada para licitações que envolvem grande

soma de recursos ou de alta complexidade técnica. É formada, na

maioria dos casos, por servidores de alto escalão ou de grande

conhecimento técnico sobre o objeto a ser licitado.

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5. O surgimento da figura do Pregoeiro:

características, competências e distinções em

relação às Comissões de Licitação.

No ano de 2000 entra em vigor a MP 2.026/2000, criando

a modalidade pregão para utilização no âmbito dos órgãos e

entidades da União. No ano de 2020, é convertida na Lei n°.

10.520/2002, estendendo sua utilização por todos os entes da

Federação.

Com o advento dessa novel modalidade, surgem também dois

novo agentes administrativos que passariam a ser a competentes

para processar e julgar as licitações a serem realizadas nesta

modalidade: o Pregoeiro e a equipe de apoio.

Ao contrário das Comissões de Licitação, o Pregoeiro

se constitui em um órgão (ou autoridade) singular. A equipe de

apoio guarda funções de mera de secretaria, não participando

do julgamento, e, consequentemente, não respondendo

solidariamente às decisões do Pregoeiro.

A característica, em termos de julgamento, mais peculiar é

exatamente o fato de que o Pregoeiro decide sozinho. Nada impede

que a entidade designe servidores para a equipe de apoio com

condições de opinar sobre as situações da sessão de julgamento,

seja do ponto de vista jurídico-procedimental, seja do ponto de

vista técnico, o que em verdade considero ato de boa prática.

Porém, será sempre o Pregoeiro a autoridade que expedirá o ato

decisório. Não caberá o argumento de induzimento ao erro em caso

de cometimento de falhas ou ilegalidades em virtude de opinião

técnica ofertada por membro da equipe de apoio ou de consultores

especializados. A atuação de assistentes e consultores técnicos

segue os mesmos princípios já acima vistos para as Comissões de

Licitação.

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As competências e os poderes do Pregoeiro são exatamente

os mesmos do Presidente de Comissões de Licitação, tanto no que

diz respeito ao julgamento do certame em si, como na direção do

rito processual.

São de responsabilidade do pregoeiro:

a. credenciar os interessados;

b. receber as propostas e os lances do pregão;

c. analisar sua aceitabilidade;

d. classificar as propostas e os lances;

e. receber a documentação e proceder à habilitação

do ofertante melhor classificado;

f. admitir e processar os recursos interpostos;

g. adjudicar o objeto do certame ao vencedor;

h. elaborar a ata de julgamento

i. conduzir os trabalhos da equipe de apoio.

j. encaminhar o processo devidamente instruído

para o julgamento dos recursos, adjudicação,

homologação e contratação pela autoridade

competente;

k. zelar pelo bom andamento da sessão, evitando

turbação nos trabalhos; e

l. a prática dos demais atos pertinentes ao

procedimento

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De especial, é bom anotar que o exercício desta função

depende de participação em curso de capacitação específica, sem

a qual a autoridade superior não poderá indicar o servidor, isso,

de acordo com o art. 7°, par. único do Decreto 3.555/2000. Mais

recentemente, o Decreto Federal n°. 10.024/2019 não condiciona

a nomeação para a função de Pregoeiro à capacitação específica,

mas exige dos órgãos que estabeleçam planos de capacitação

continuada nesse sentido (art. 16, §3°).

A lei não fixa um número mínimo de componentes para a

equipe de apoio, cabendo, a cada órgão ou entidade determinar

o que lhe for mais conveniente. Como o Pregão é julgado por

autoridade singular, não haverá a necessidade de quórum mínimo,

podendo a sessão ser iniciada somente com a presença do próprio

Pregoeiro, assim como poderá o mesmo deixar de convocar ou

revogar a convocação de um ou mais membros da equipe de apoio.

A equipe de apoio deverá ser integrada, em sua maioria,

por servidores ocupantes de cargo efetivo ou emprego da

administração, preferencialmente pertencentes aos quadros do

órgão ou entidade promotora do evento. Portanto, se é imperativo,

o Pregoeiro deve ser servidor efetivo ou em comissão da unidade

licitadora e sua equipe de apoio deverá ser formada com a maioria

de servidores do quadro efetivo. Como a lei diz “preferencialmente”

do órgão licitante, subentende-se que somente na impossibilidade

de indicar servidor daquela unidade administrativa é que se poderá

designar servidor de outra unidade à disposição daquele.

Em oposição ao caso do Pregoeiro, a equipe de apoio

não necessita passar por curso de capacitação para funcionar,

exatamente porque exerce atividade auxiliar, de secretaria, não

tomando decisões e, portanto, não assumindo responsabilidades

quanto à legalidade do procedimento.

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6. Lei n°. 14.133/2021: o Agente da Contratação

A nova lei de licitações trouxe uma nova figura que se

constitui na autoridade julgadora de licitações. Ao mesmo tempo,

fez desaparecer a figura da Comissão de Licitação. Trata-se do

Agente de Contratação e da Comissão de Contratação.

Tais agentes se acham assim definidos no art. 6°, incisos L

e LX:

Art.6°. Para os fins desta Lei, consideram-se:

[...]

L - comissão de contratação: conjunto de agentes

públicos indicados pela Administração, em caráter

permanente ou especial, com a função de receber,

examinar e julgar documentos relativos às licitações e

aos procedimentos auxiliares;

LX - agente de contratação: pessoa designada pela

autoridade competente, entre servidores efetivos

ou empregados públicos dos quadros permanentes

da Administração Pública, para tomar decisões,

acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao

procedimento licitatório e executar quaisquer outras

atividades necessárias ao bom andamento da licitação.

Diferentemente do Pregoeiro e da maioria da composição

das atuais Comissões de Licitações, o agente de contratação não

necessita ser do quadro permanente do órgão promotor do torneio,

mas deverá integrar os quadros permanentes da Administração

Pública, que é definida no inciso III do mesmo artigo, verbis:

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III – Administração Pública: administração direta e

indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios, inclusive as entidades com personalidade

jurídica de direito privado sob controle do poder público

e as fundações por ele instituídas ou mantidas;

Em outro dizer, significa que o agente da contratação terá

de ter vínculo com qualquer órgão de qualquer Poder ou esfera de

Governo para ser indicado para processar e julgar a licitação.

Na definição, ainda, se nota um pequeno rol de competências,

o que já significa um avanço em relação à legislação atual, que,

sobre o assunto, é silente. Vê-se que o agente da contratação será

autoridade administrativa, cujos atos expedidos terão os mesmos

pressupostos e gozarão das mesmas prerrogativas de qualquer ato

administrativo, tais como presunção de legalidade e legitimidade

e auto executoriedade. Todavia, sua atuação ficará restrita ao

processo licitatório.

Também fica explícito que o agente da contratação será o

responsável pela condução da instrução do processo licitatório e

responsável “pelo bom andamento da licitação”.

Há muito já vinha defendendo a ideia55 segundo a qual o

Presidente da Comissão de Licitação (ou Pregoeiro) devesse ser

conferida a estas autoridades tão logo deflagrada a licitação.

55 Em nosso Curso Prático de Licitações, os segredos da Lei n. 8.666/93 (IBAM/Lúmen Juris, Rio de Janeiro, 2011), assim manifestei: [...] Para que possa ver sua tarefa facilitada, sem sobressaltos e com pleno conhecimento do objeto, das exigências técnicas e de habilitação, faz-se mister que o Órgão Julgador acompanhe o processo tão logo haja minuta do edital. Deste modo, será ele que irá dirimir dúvidas acerca da interpretação do edital; poderá verificar os critérios de aceitabilidade de preços e de julgamento e, eventualmente corrigir ou esclarecer critérios fixados que se mostrem ambíguos ou obscuros; designar data e hora para a realização da sessão. Com isso, ao receber os envelopes para o julgamento do torneio, o Órgão Julgador terá pleno conhecimento do processo e do objeto e, claro, terá muito menos dificuldade de aplicar as normas do edital.

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Isto porque a rotina administrativa consistente em apresentar

o processo à autoridade julgadora com a licitação já agendada,

edital aprovado pela Assessoria Jurídica, dúvidas e impugnações

já dirimidas por outros servidores que não irão julgar o torneio,

sistema o sistema adotado por muitos órgãos, é contraproducente

e mesmo nocivo ao bom andamento da licitação.

A nova lei também mantém a previsão de instalação de órgão

colegiado, que passará a se chamar Comissão de Contratação.

Esta comissão será responsável por processar e julgar licitações

na modalidade diálogo competitivo (art. 32, §1°, XI) e, em especial,

os procedimentos auxiliares da licitação, a saber: credenciamento;

pré-qualificação; procedimento de manifestação de interesse;

sistema de registro de preços; e registro cadastral (art. 77).

6.1 Requisitos de investidura

Conforme dispõe o art. 7° da Lei n°. 14.133/2021, a autoridade

competente terá de observar os seguintes requisitos para

nomeação de agentes de contratação:

I) ser servidor efetivo ou empregado público dos quadros

permanentes da Administração Pública;

O dispositivo não abre espaço para que sejam designados

servidores 100% comissionados, estranhos ao serviço público,

pois, conforme já explanado alhures, somente os servidores

concursados é que podem ser considerados servidor efetivo

pertencentes aos quadros permanentes do órgão.

II) deverão ser escolhidos dentre aqueles que já tenham

atribuições relacionadas às licitações ou possuam

formação ou qualificação compatível atestada por

escola de governo criada e mantida pelo Poder Público;

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O texto faz parecer que do servidor que já atua em atividade

relacionada às licitações não será exigível que detenha formação ou

qualificação com atestação na forma acima descrita. Por atividade

relacionada às licitações, pode se entender todas as atividades

que que compõe o ciclo da contratação, que parte da definição da

demanda até o recebimento definitivo do objeto do contrato.

Assim, poderão ser designados como agente de contratação

os servidores que atuam: no setor de compras, de contratação

direta; que elaboram estudos preliminares, termos de referência

e projetos básicos; responsáveis pela pesquisa de mercado;

servidores que são lotados nos setores de licitação; claro, os que

já atuam como membros de comissão de licitação ou pregoeiro;

fiscais e gestores de contratos. Mesmo os servidores que não

estejam atualmente atuando em uma dessas atividades, mas que

já possuam experiência, poderão ser imediatamente designados

para a função, devendo o órgão, também como já nos referimos,

priorizá-los no plano de capacitação e atualização que deverá ser

elaborado pelo Gestor.

Em relação a servidores não experimentados no campo das

licitações, a norma parece estabelecer uma espécie de reserva de

mercado às Escolas de Governo, pois estabelece como requisito

de indicação, a certificação por estas entidades.

Nesse contexto, preciso manifestar minha preocupação.

Penso que esta estratégia é muito perigosa em termos de

efetividade das capacitações. Isso considerando dois fatores

primordiais. O primeiro deles é a conhecida falta de estrutura

da maioria dos órgãos públicos para criação e manutenção de

escolas de governo. Considerando que a esmagadora maioria

dos municípios mal têm pessoal qualificado para realizar suas

licitações, bem como autarquias estaduais e ainda o estado de

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pré-falência de muitos estados da Federação, certamente, a curto/

médio prazo, haverá muita dificuldade desses órgãos oferecer o

necessário treinamento.

O outro ponto diz respeito à qualificação do corpo discente

dessas escolas. É cediço que os profissionais mais bem colocados

no mercado, aqueles que gozam de reputação em âmbito nacional

e são os mais prestigiados e requisitados no País, raramente fazem

parte do corpo de instrutores de escolas de governo em razão da

baixa remuneração normalmente oferecida. Esse fato certamente

limitará o nível de qualidade do treinamento, o que importará, em

última análise, em prejuízo à sociedade com servidores capacitados

aquém da qualidade necessária.

III) não sejam cônjuge ou companheiro de licitantes ou

contratados habituais da Administração nem tenham

com eles vínculo de parentesco, colateral ou por

afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica,

comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil;

O que na atual norma geral de licitações e contratos está

colocado no capítulo destinado aos impedimentos de licitar e

contratar com o Poder Público (art. 9°, da L. 8.666/963), aqui se

vê deslocado como condição de indicação de pré-requisito para

investidura na função. Com efeito, o Tribunal de Contas da União

foi levado a decidir inúmeras vezes em processos que culminaram

na caracterização indireta de servidor em razão de, por exemplo,

o Presidente da Comissão ser cônjuge de representante ou

responsável técnico de licitante. Confira-se, à guisa de exemplo:

A relação de parentesco entre o sócio da empresa

vencedora do certame e o autor do projeto caracteriza

a participação na licitação, o que afronta o disposto no

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art. 9°, § 3°, da Lei 8.666/93. (Informativo de Licitações e

Contratos 163/2013)

Diante da relação de parentesco entre agente público,

com capacidade de influir no resultado do processo

licitatório, e sócio da empresa vencedora do certame,

resta configurada grave violação aos princípios da

moralidade, da impessoalidade e da legalidade, assim

como desobediência ao art.9°, inciso III, §3° e §4°, da

Lei 8.666/93, e aos arts.18, inciso I, e 19 da Lei 9.784/99.

(Boletim de Jurisprudência 20/2013)

Portanto, aqui não vemos nenhuma novidade, mas considero

importante ter tornada expressa a vedação à participação indireta.

Já no § 1° do art. 7°, vemos importante destaque ao dever

do Gestor de bem indicar o agente da contratação respeitando o

princípio da segregação de funções.

Sendo uma regra afeta ao controle interno, visa tal princípio

evitar falhas ou fraudes na entidade na medida em que orienta a

descentralização do poder administrativo, segmentando as funções

de execução operacional, custódia física e contabilização. Ninguém

deve ter sob sua inteira responsabilidade todas as fases inerentes

a uma operação. Cada uma dessas fases deve, preferencialmente,

ser executada por pessoas e setores independentes entre si.

No campo das contratações públicas essa orientação não

é inovadora. A uma, porque prevista no art. 70 da CRFB; a duas,

porque presente em vários normativos, tais como IN 01/2019

(contratação de soluções de TI); Lei no. 13.303/2016 (Lei das

Estatais) ente outras.

Na jurisprudência, o dever de segregar funções vem sendo

perseguido pelo TCU há bastante tempo. Confira-se:

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9.1.7. discipline a segregação de funções nos setores que

desempenham as atribuições inerentes às licitações

e contratos, de forma a minimizar a possibilidade de

desvios e fraudes. (Ac. No. 415/2013, Plenário)

Cumpre finalidade de inibir condutas em desarmonia com

os princípios da moralidade e da impessoalidade, bem como

previne conflito de interesses. Por meio da divisão de tarefas, se

obtém especialização das várias atividades que compõe o ciclo

da contratação, o que aumenta a efetividade e qualidade do gasto

público, com sensíveis ganhos de eficiência e de produtividade no

desempenho de rotinas relacionadas à execução das despesas

públicas.

Não se pode deixar de consignar que a atenção à segregação

das funções visa também evitar a sobrecarga de tarefas a que

normalmente é acometido o servidor imbuído nas funções de julgar

licitações. Não raro, um mesmo servidor recebe as atribuições

de elaborar Termos de referência e projetos básicos, pesquisa

de preços, elaboração de editais de licitação e ainda julgar o

procedimento licitatório e, não raro, também o de acompanhar a

execução de vários contratos.

No campo prático, podemos afirmar que, são incompatíveis

com a função de agente de contratação, as funções relacionadas à

execução da despesa e sua regularidade: controladores internos,

ordenadores de despesa, assessores jurídicos.

Também é desejável que não recaia sobre os ombros do

agente de contratação a fiscalização de contratos, salvo se seu

objeto for relacionado justamente a essa atividade.

No que se refere aos atuantes em setores de contratos,

compras e contratação direta, que cuidam de pesquisa de

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mercado e atividades afins, em que pesa não haver, no meu sentir,

impedimento, é desejável que não se sobrecarreguem com a

função de processar e julgar licitações

Nada obstante, é importante reconhecer que a realidade

neste País, aqui já mencionada, em relação à escassez de mão de

obra qualificada, impedirá a adequada segregação de funções.

6.2 A equipe de apoio

Assim como a figura do Pregoeiro, a da equipe de apoio foi

recepcionada na nova lei:

Art. 8°, [...]

§ 1° - O agente de contratação será auxiliado por equipe

de apoio e responderá individualmente pelos atos que

praticar, salvo quando induzido a erro pela atuação da

equipe.

[...]

§ 5° Em licitação na modalidade pregão, o agente

responsável pela condução do certame será designado

pregoeiro.

Note que o dispositivo, de plano, não deixa dúvida de que

a equipe de apoio não responde pelos atos de julgamento da

licitação, a exemplo do que hoje ocorre no pregão. Mas discorre

sobre uma exceção, consistente na hipótese de a equipe de apoio

induzir em erro o agente de contratação.

Tal disposição deve ser interpreta em consonância com

o art. 28 da LINDB, o qual aponta que o agente público somente

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responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas

nos casos de erro grosseiro.

Sendo assim, a indução do agente de contratação em erro

capaz de responsabilizar o componente da equipe de apoio deve

ser cometida com erro grosseiro.

A MP n° 966, de 13.5.2020, apresenta uma proposta de

conceito de erro grosseiro:

Art. 2°: “Para fins do disposto nesta Medida Provisória,

considera-se erro grosseiro o erro manifesto, evidente

e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado

por ação ou omissão com elevado grau de negligência,

imprudência ou imperícia”.

Já seu art. 3°, aponta que a aferição do erro grosseiro deve

considerar vários aspectos, como os obstáculos e as dificuldades

reais do agente; a complexidade da matéria e das atribuições

do agente; a circunstância de incompletude de informações;

as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou

condicionado a conduta; e o contexto de incerteza sobre as

medidas mais adequadas para o combate à pandemia (incisos I a

V).

Nada obstante, certo é que a caracterização de erro grosseiro

sempre será premida de uma dose importante de subjetivismo.

Enquadrar a conduta qualificada como erro grosseiro para fins de

responsabilização do agente, diante da situação concreta será um

árduo desafio.

Sobre as atribuições da equipe de apoio, vide o capítulo 5

supra.

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7. A previsão de contratação de consultores para

auxiliar na condução da licitação

É bastante conhecida a deficiência da imensa e esmagadora

maioria dos órgãos públicos em relação à mão de obra qualificada

no caso específico dos processos de licitação e gestão de contratos

administrativos. Uma série de circunstâncias e patologias crônicas

convergem para esse cenário.

Podemos arrolar as limitações orçamentárias. Boa parte dos

Estados e Municípios estão praticamente falidos, o que impede a

realização de concurso público para preenchimento de cargos

do quadro efetivos. Problema que se torna mais crítico com a

corrida em direção à aposentadoria dos servidores mais antigos.

Consequentemente, tais órgãos acabam por direcionar aos

poucos servidores da ativa que tenham conhecimento sobre tais

processos, uma série de atribuições que culminam por inviabilizar

até sua própria atualização. Os órgãos se tornam tão dependentes

dos poucos servidores disponíveis que dificilmente viabilizam seu

afastamento para participar de cursos de atualização. E quando

“liberam” o servidor, este ainda é obrigado a dar conta de seu

expediente mesmo à distância. Na minha experiência pessoal vejo,

nos eventos de capacitação de que participo, muitos servidores

se ausentando da sala de aula para atender ao celular, demandas

vindas de seus órgãos. Portanto, não se atualizam os que não vão

aos eventos de capacitação; os que vão, têm seu aproveitamento

muito prejudicado.

Também contribui para essa dificuldade o fato de que

os órgãos públicos contratam coisas, obras e serviços dos

mais variados. Como não atuam no segmento econômico, não

conhecem as características técnicas de modo aprofundado de

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muitos produtos ou serviços e, não raro, se veem sem condições

de realizar uma boa contratação.

A Lei n°. 14.133/2021, no § 4°, do art. 8° traz um alento.

Possibilita, para determinados casos, a contratação de consultores

para auxiliar o agente de contratação na condução da licitação.

Nesse texto, vamos examinar mais detidamente esse

dispositivo e abordar a forma como deve se dar a referida

contratação.

8. A previsão de contratação de consultores no

regime da Lei n°. 8.666/1993

A contratação de consultores técnicos encontra previsão,

no atual regime, no art. 13, III, da L. 8.666/93:

Art. 13.  Para os fins desta Lei, consideram-se serviços

técnicos profissionais especializados os trabalhos

relativos a:

[...]

III  -  assessorias ou consultorias técnicas e auditorias

financeiras ou tributárias; (GN)

Por esse dispositivo, vê-se que é possível um órgão público

contratar profissionais ou empresas para prestar consultoria em

qualquer área técnica.

Especificamente sobre o processo de contratação, a

referida norma conta com um dispositivo voltado à contratação

de consultoria para auxiliar a fiscalização dos contratos. Senão

vejamos:

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Lei n°. 8.666/1993

Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada

e fiscalizada por um representante da Administração

especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações

pertinentes a essa atribuição. (GN)

Sendo assim, a contratação de consultores sempre foi

admitida na Administração Pública e, especificamente, em relação

aos procedimentos de fiscalização dos contratos.

Não se vê nada em especial na norma de 1993 em relação

a contratação de consultoria par auxiliar Comissões de Licitação

e/ou Pregoeiros. E, em relação aos fiscais de contratos, dada a

redação do art. 67 acima transcrito, tal hipótese seria excepcional.

Isto porque, tanto o ato de processar e julgar licitações

públicas, como o de fiscalizar contratos, envolve exercício de

Poder de Polícia, que somente pode ser exercido por servidores do

quadro permanente da Administração, detentores, em razão disso,

do necessário múnus público a tal desiderato.

Se assim o é, se espera que a Administração conte com

profissionais devidamente capacitados e preparados para

enfrentar os desafios relacionados às contratações.

Ao se observar o processo legislativo que envolveu a

construção dessa norma, se percebe que o art. 67 da L. 8.666/93

foi pensado mais especificamente em relação a obras e serviços

de engenhar mais complexos, pois, nesses casos, a deficiência de

mãos de obra qualificada já era perceptível no início dos anos 1990.

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Muito embora jamais fora vedada a contratação de consultor

externo para apoiar Comissões de Licitação e Pregoeiros, esses

contratos eram raros, pois a justificativa da contratação teria de

indicar as razões pelas quais o órgão não dispunha de servidores

qualificados nesse tema, quanto mais se considerarmos que a

condução de uma licitação é atividade primária e intrínseca de um

órgão público. Quem, senão os próprios servidores públicos, seriam

mais especializados do que aqueles na condução de processos

licitatórios. Hodiernamente, sabemos que não é bem assim.

9. A previsão de contratação de consultores na Lei

n°. 14.133/2021

O dispositivo que vamos comentar se acha com a seguinte

redação:

Art. 8° Omissis

[...]

§ 4° Em licitação que envolva bens ou serviços especiais

cujo objeto não seja rotineiramente contratado pela

Administração, poderá ser contratado, por prazo

determinado, serviço de empresa ou de profissional

especializado para assessorar os agentes públicos

responsáveis pela condução da licitação.

De plano consigne-se que a contratação de consultores

prevista no texto normativo supra, a exemplo da redação do art. 67

da Lei n°. 8.666/1993, se dará em caráter excepcional. É admitida

para licitações que envolvam objetos mais complexos e que não

possam ser licitados na modalidade pregão, conforme as seguintes

definições do art. 6° da Lei n°. 14.133/2021:

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XIII – bens e serviços comuns: aqueles cujos padrões

de desempenho e qualidade podem ser objetivamente

definidos pelo edital, por meio de especificações usuais

de mercado;

XIV – bens e serviços especiais: aqueles que, por sua

alta heterogeneidade ou complexidade, não podem ser

descritos na forma do inciso XIII do caput deste artigo,

exigida justificativa prévia do contratante;

[...]

XLI – pregão: modalidade de licitação obrigatória para

aquisição de bens e serviços comuns, cujo critério de

julgamento poderá ser o de menor preço ou o de maior

desconto;

Frise-se, desde já, que não quer significar que esteja vedado

contratar consultores para objetos de natureza comum. Aqui, a

interpretação deve ser extensiva, no sentido de que as expressões

“bens ou serviços especiais” e “objeto que não seja rotineiramente

contratado pela administração” não se constituem em requisitos

concomitantes.

A prática tem demonstrado que, mesmo sendo enquadrado

como de natureza comum, algumas licitações envolvem objetos

complexos. Cito como exemplo o caso examinado pelo TCU, no

Acórdão no. 157/2008, Plenário, no qual se julgou improcedente

representação formulada em desfavor da Subsecretaria de

Compras e Licitações, vinculada à Secretaria de Estado de

Fazenda do Distrito Federal, em que o mesmo adquiriu, por pregão,

helicópteros. A representação era no sentido de que tal objeto não

comportaria o conceito de comum. Na oportunidade, o Relator do

caso, Min. Raimundo Carreiro, assim se manifestou em seu voto:

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“6. Considero aplicável a modalidade pregão adotada

para a aquisição em tela, uma vez que não vislumbro,

no caso concreto, infringência ao disposto no art. 1°

da Lei n° 10.520/2002, e nem prejuízos ao resultado

do certame decorrentes do uso do pregão. A aeronave

licitada é um bem cujos padrões de desempenho e

qualidade foram objetivamente definidos pelo edital

mediante especificações usuais adotadas no mercado

aeronáutico, ou seja, são inteligíveis a todos os licitantes

que possuem condições de fornecer o referido bem e

estejam interessados em participar do certame. Assim,

para os fins previstos na lei, a aeronave em tela pode ser

considerada um bem comum.”

Desde então, o TCU vem se posicionando que a expressão

“comum”, não se confunde com “simples”. O que pode ser complexo

aos olhos do indivíduo de conhecimento médio, pode ser comum

dentro do segmento a que pertence. Um objeto pode ser, como foi a

hipótese analisada pela Corte de Contas, ao mesmo tempo complexo

para os servidores envolvidos na licitação, mas de padrão usual no

segmento comercial a que pertence. Há inúmeros exemplo, tais

como os serviços de TIC, equipamentos médico-hospitalares de

grande porte, ente outros, todos, altamente complexos, mas que,

dentro de seus respectivos segmentos, podem ser contratados

por meio de especificações usuais de mercado.

Portanto, mesmo não sendo bem ou serviço especial,

pode ser objeto da contratação de consultoria, um bem ou

serviço que seja considerado comum, mas que não seja adquirido

rotineiramente pela Administração.

Outro importante ponto de destaque é que a consultoria deve

ser destinada ao assessoramento do agente público responsável

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pela condução da licitação, Comissão. Logo, o assessoramento

deverá ser dirigido especificamente ao Agente de Contratação (art.

8°, caput), à Comissão de Contratação (art. 8°, §2°) ou ao Pregoeiro

(art. 8°, §5°). Ou seja, deverá ser destinada a auxiliar o julgador do

certame, podendo atuar desde a fase de divulgação do edital de

licitação (art. 17, II) até a fase recursal (art. 17, VI).

Também se estende aos consultores as vedações previstas

no art. 9°, conforme dicção do seu parágrafo segundo:

§ 2° As vedações de que trata este artigo estendem-

se a terceiro que auxilie a condução da contratação na

qualidade de integrante de equipe de apoio, profissional

especializado ou funcionário ou representante de

empresa que preste assessoria técnica.

10. Formas de contratação de serviços de

consultoria

Uma vez que se estabeleceu as diretrizes da viabilidade da

contratação de consultores externos para auxiliar e assessorar os

agentes de contratação, impõe-se determinar a forma na qual deva

se dar a referida contratação.

Como se sabe, como regra, o fundamento de valide de

qualquer contrato na Administração Pública é a realização

da licitação prévia, que somente pode ser excetuada diante

da presença dos requisitos autorizadores da dispensa ou da

inexigibilidade de licitação.

Sendo assim, vamos abordar cada uma dessas hipóteses,

segundo as novas previsões contidas na Lei n°. 14.133/2021.

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10.1. Contratação por licitação

Esta é a regra geral, conforme já explicitado acima.

No novo regime, os serviços de consultoria são considerados

de natureza predominantemente intelectual nos termos do art. 6°.

XVIII:

Art. 6° Para os fins desta Lei, consideram-se:

[...]

XVIII – serviços técnicos especializados de natureza

predominantemente intelectual: aqueles realizados em

trabalhos relativos a:

[...]

c) assessorias e consultorias técnicas e auditorias

financeiras e tributárias; (GN)

Tal conceito praticamente reproduz o teor do art. 13, da Lei

n°. 8.666/1993, com a inclusão, corretíssima, diga-se, da expressão,

“de natureza predominantemente intelectual”.

Considerando o regime da Lei n°. 8.666/1993, o TCU firmou

entendimento no sentido de que os serviços executados de forma

predominantemente intelectual não se coadunam com o conceito

de comum previsto no art. 1°, par. único da Lei n°. 10.520/2002:

A elaboração de projeto executivo para empreendimento

da complexidade de um hospital com mais de 200

leitos não pode ser classificada como serviço comum.

Em sentido diametralmente oposto, é trabalho

eminentemente intelectivo e complexo, que não

se coaduna com a modalidade licitatória utilizada.”

(Acórdão no. 2.760/2012, Plenário, Rel. Min. Ana Arraes,

julg. em 10/10/2012)

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Como o conceito de serviço técnico especializado

foi recepcionado pela nova lei, com a inclusão da expressão

“predominantemente intelectual”, em razão de sua natureza, certo

é que não se poderá licitá-lo na modalidade pregão, uma vez que,

diante dos conceitos do art. 6°, XVIII, supra transcrito, tais serviços

não comportam definição objetiva por meio de especificações

usuais no mercado.

Não sendo pregão, a modalidade licitatória a ser adotada

deverá ser a concorrência, nos termos do art. 29, par. único da Lei

n°. 14.133/2021:

Art. 29. A concorrência e o pregão seguem o rito

procedimental comum a que se refere o art. 17 desta

Lei, adotando-se o pregão sempre que o objeto possuir

padrões de desempenho e qualidade que possam

ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de

especificações usuais de mercado.

Parágrafo único. O pregão não se aplica às contratações de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e de obras e serviços

de engenharia, exceto os serviços de engenharia de que

trata a alínea a do inciso XXI do caput do art. 6° desta

Lei. (GN)

10.2 Contratação por dispensa de licitação

Também poderá tal serviço ser objeto de dispensa de

licitação, na hipótese de o valor da despesa se situar abaixo do

limite estabelecido no art. 75, II da Lei em análise:

Art. 75. É dispensável a licitação:

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II – para contratação que envolva valores inferiores a

R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), no caso de outros

serviços e compras;

O problema da dispensa em razão do valor ainda será o da

caracterização do fracionamento ilegal de despesa, que vem

definido no art. 75, da Lei n°. 14.133/2021, da seguinte forma:

§ 1° Para fins de aferição dos valores que atendam aos

limites referidos nos incisos I e II do caput deste artigo,

deverão ser observados:

I – o somatório do que for despendido no exercício

financeiro pela respectiva unidade gestora;

II – o somatório da despesa realizada com objetos

de mesma natureza, entendidos como tais aqueles

relativos a contratações no mesmo ramo de atividade.

Sendo assim, o contrato deverá se situar dentro do exercício

financeiro com valor total abaixo de R$ 50.000,00 (cinquenta mil

reais) sob pena de ficar caracterizado o fracionamento ilegal da

despesa.

O limite de valor será dobrado caso o procedimento licitatório

seja realizado por consórcio público, autarquia ou fundação,

qualificadas como agência executiva (art. 75, § 2°).

Quanto à aplicação das demais hipóteses previstas para

a dispensa de licitação, deverá ser verificado, caso a acaso,

o enquadramento nos seus respectivos requisitos, tais como

licitações desertas ou fracassadas realizadas há menos de um ano

(III); situação emergencial ou calamitosa (VIII), entre outros

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10.3 Contratação por inexigibilidade de licitação

Também poderá ser possível a contratação por meio

do instituto da inexigibilidade de licitação, a depender da

especificidade do objeto:

Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a

competição, em especial nos casos de:

III – contratação dos seguintes serviços técnicos

especializados de natureza predominantemente

intelectual com profissionais ou empresas de notória

especialização, vedada a inexigibilidade para serviços

de publicidade e divulgação:

[...]

c) assessorias ou consultorias técnicas e auditorias

financeiras ou tributárias;

De notar que a novel lei não recepcionou a expressão de

natureza singular contida no art. 25, II da norma anterior, o que

dá ensejo à interpretação no sentido de que a norma reconhece,

por presunção, de que os serviços descritos no dispositivo acima

transcrito são incompossíveis de se submeter a competição, por

impossibilidade de fixação de critérios objetivos de julgamento.

Importante destacar, neste caso, não haverá limites

financeiros, que somente se operam quando a contratação se dá

com fulcro na dispensa de licitação em razão do valor, conforme

visto no capítulo anterior.

Neste caso, todavia, o órgão contratante deverá ter o

cuidado de determinar, não só o porquê da inviabilidade da licitação

no caso concreto, mas também indicar quais atributos levaram o

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gestor contratante a considerar o executor escolhido um notório

especialista. Sobre o conceito de notória especialização veja-se a

redação do art. 6°, XIX da Lei n°. 14.133/2021:

XIX – notória especialização: qualidade de profissional

ou de empresa cujo conceito, no campo de sua

especialidade, decorrente de desempenho anterior,

estudos, experiência, publicações, organização,

aparelhamento, equipe técnica ou outros requisitos

relacionados com suas atividades, permite inferir que o

seu trabalho é essencial e reconhecidamente adequado

à plena satisfação do objeto do contrato;

Note-se que a redação é exatamente a mesma do § 1°, do art.

25 da Lei n°. 8.666/1993 e, portanto, se trata de um ato discricionário

em que a escolha será determinada pelo juízo de conveniência e

oportunidade da autoridade competente, bastando a este que

indique qual ou quais atributos conduziram à sua escolha.56

10.4 Contratação por via do credenciamento

Uma outra possibilidade de viabilizar a contratação de

consultores é o procedimento do credenciamento, assim definido

no art. 6°, XLIII, da Lei n°. 14.133/2021:

XLIII – credenciamento: processo administrativo de

chamamento público em que a Administração Pública

convoca interessados em prestar serviços ou fornecer

bens para que, preenchidos os requisitos necessários,

credenciem-se no órgão ou na entidade para executar o

objeto quando convocados;

56 Sobre o conceito de licitação, vide: Revista do TCU, no. 143, págs. 4/31. Disponível em: Um estudo completo sobre a hipótese de inexigibilidade de licitação para contratação de serviços técnicos especializados | Revista do TCU

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Este instituto não encontra previsão na atual lei, mas, no

entanto, há muito é amplamente reconhecida pela doutrina e

também pelos Tribunais de Contas.

No credenciamento, a Administração fixa critérios de

qualificação jurídica e técnica, além das obrigações fiscais

atinentes às contratações públicas e oferece o objeto a todos

aqueles que se interessarem e atenderem a tais critérios.

Uma característica importante do Credenciamento é que,

nele, não há disputa entre os interessados, pois não são eles

que apresentarão ofertas, mas apenas aceitarão o valor que a

própria Administração se propõe a pagar. Além disso, todos os

credenciados serão alvo de contratação futura.

Um bom exemplo de contratação por Credenciamento é o

SUS. O Ministério da Saúde precisa atender a um grande número

de usuários do sistema de saúde pública, mas não dispõe de meios

próprios suficientes para tal fim. Necessita contratar clínicas,

consultórios e hospitais particulares para esse atendimento. Se

realizasse uma licitação, acabaria contratando apenas um (ainda

que por região), o que seria insuficiente para atender à sua grande

demanda.

Para atender a essa necessidade, o que faz o Ministério da

Saúde? Oferece uma lista de serviços médicos; fixa o preço que

se propõe a pagar por cada um desses serviços (que é a tabela do

SUS) e qualifica todos os que tiverem interesse.

A nova lei deu tratamento normativo específico, estando

descrita a forma de sua utilização no art. 79 do referido diploma.

A contratação por meio do credenciamento se dá em duas

etapas: a primeira é a pré-qualificação, ou seja, o credenciamento

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propriamente dito. Nesta etapa, a Administração oferece a

oportunidade, divulgando um edital de chamamento público,

fixando os critérios de qualificação necessários e o valor que será

oferecido a quem se propuser ao credenciamento. Em seguida,

recebe a documentação dos interessados e aprova (ou não) o

seu credenciamento. A segunda etapa é que é a contratação

propriamente dita, ou seja, a convocação do credenciado para

executar o serviço.

No credenciamento, portanto, a ideia é que os profissionais

ou empresas estejam pré-qualificados para contratação futura,

sempre que for necessário a sua atuação. É uma forma assemelhada

ao Sistema de Registro de Preços, em que o vencedor da licitação,

não tem um contrato em mãos para já ir executando, mas apenas

um pré-contrato (a Ata) e somente irá executar quando convocado

pelo Gerenciador.

O vínculo dos profissionais credenciados se forma no

momento em que o ele solicita integrar o credenciamento e tal

solicitação é aprovada. O edital de chamamento público vincula as

partes. Seria uma espécie de pré-contrato, que se aperfeiçoa com

a convocação.

11. Natureza do contrato de consultoria

Celebrado o ajuste, o mesmo não comportará prorrogação.

Isto porque, somente é passível de prorrogação contratual os

contratos de natureza contínua, definidos no art. 6°, XL:

XV – serviços e fornecimentos contínuos: serviços

contratados e compras realizadas pela Administração

Pública para a manutenção da atividade administrativa,

decorrentes de necessidades permanentes ou

prolongadas;

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Como na definição do § 4°, do art. 8°, a contratação se

dará por prazo determinado e para atender a objeto contratado

não rotineiramente, o contrato de consultoria não poderá ser

considerado como sendo destinado a atender as necessidades

da Administração de forma permanente, como o é os serviços de

limpeza, vigilância, manutenção de equipamentos de informática

etc.

12. Conclusões

O funcionamento, a forma de investidura, e regras de atuação

deverão ser alvo de regulamento próprio de cada órgão/entidade,

nos termos do art. 8°, § 3°.

É salutar que cada órgão estabeleça, de acordo com as suas

condições e estrutura administrativa, os pormenores da atuação

desses agentes públicos, bem como estabeleça, de acordo com

cada realidade orçamentária, a necessária remuneração para

atuação nessas funções.

A exemplo das funções de fiscal de contratos, o servidor,

uma vez designado, não pode recusar o encardo sob pena

de cometimento de falta funcional. Mas, não se sentindo em

condições de bem exercê-la, seja por excesso de atribuições; seja

por desconhecimento técnico, poderá comunicar à autoridade

competente tal fato que, insistindo na indicação, assumirá

responsabilidade por culpa in elegendo.

No que concerne à contratação de consultores, deve-se

destacar que o assessoramento ao agente de contratação por

terceiros, não exime a responsabilidade deste, nem tampouco

da autoridade competente por atos ilegais ou antieconômicos.

E, a responsabilização do consultor, em casos tais, dependerá

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de comprovação de dolo ou culpa, em sentido estrito, isto é, ou

vontade livre e consciente de cometer a ilegalidade ou ter agido

com negligência, imperícia ou imprudência.

É fato que a contratação de consultores para apoiar

os agentes de contratação não resolverá todos os problemas

relacionados às deficiências das contratações públicas. Ainda que

possível, na esteira do afirmado no início deste texto, a maioria dos

Entes da Federação estão com orçamentos deficitários e, a verba

para essa despesa é escassa.

Mas sem dúvida alguma, já abre oportunidade para que a

Administração se sirva de profissionais conhecedores de objetos

específicos e complexos, que poderão ser muito úteis na seleção

da proposta efetivamente mais vantajosa para o contrato de seu

interesse, fim último da licitação pública.

A inviabilidade de competição relativa na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei n° 14.133/2021): principais mudanças e proposta de interpretação para maximizar a eficiência da contratação direta Gabriela Pércio

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A inviabilidade de competição relativa na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei n° 14.133/2021): principais mudanças e proposta de interpretação para maximizar a eficiência da contratação direta

Gabriela Pércio57

1. Considerações iniciais

Durante os quase 30 anos de vigência da Lei n° 8.666/1993,

a contratação direta, em especial a inexigibilidade de licitação,

esteve envolta em aura de ilegalidade. Exceção ao dever de licitar,

foi entendida, erroneamente, como solução última que levou

gestores e órgãos de assessoramento jurídico a perseguirem até

o fim uma contratação via licitação ou a buscarem o fundamento

inexorável do menor preço para evitar riscos de responsabilização.

A concepção corrente é a de que deve ser evitada, diante dos riscos

oferecidos. Um equívoco claro, que leva à redução da eficácia da

norma e, na prática, acarreta prejuízos ao interesse público.

57 Advogada e consultora em Licitações e Contratos. Mestre em Gestão de Políticas Públicas. Especialista em Direito Administrativo. Presidente do Instituto Nacional da Contratação Pública (INCP). Membro associado do Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro (IDASAN). Professora convidada do Centro Educacional Renato saraiva (Recife, PE), do Instituto Goiano de Direito (IGD), do Instituto Mineiro de Direito (IMD) e das Faculdades Polis Civitas. Autora de livros e artigos. @gabrielavpercio [email protected]

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Em todo esse tempo, não esteve claro aos gestores que a

contratação direta por inexigibilidade de licitação é uma solução

legítima, pensada para os diversos casos em que os modelos

convencionais de escolha do contratado por meio de disputa em

licitação não são aplicáveis. São situações diversas, em que não há

outro caminho para chegar aos resultados pretendidos. Entre elas

estão as relacionadas nos incisos do art. 25 da Lei n° 8.666/1993,

havendo consenso de que o rol não é exaustivo. É fato, porém,

que o espaço de liberdade concedido ao gestor para analisar

cada caso concreto, concluindo pelo cabimento, ou não, de se

realizar licitação, não foi aproveitado pelo aplicador da lei - o que,

reconhecemos, muito se deve ao receio de reprimenda pelo órgão

de controle externo.

Das dificuldades de entendimento, a mais evidente, em nosso

sentir, é a compreensão da inviabilidade de competição relativa,

cujo cerne é reconhecer a inaptidão da licitação para a escolha

do contratado, mesmo diante de uma pluralidade de possíveis

interessados aptos a atender a demanda da Administração. A

confusão com a inviabilidade de competição absoluta sempre

esteve clara, havendo quem usasse, nas distintas hipóteses, os

mesmos fundamentos para instruir processos e motivar decisões.58

A nova Lei e o novo regime jurídico que ela instaura é

a oportunidade para que tais equívocos sejam superados,

produzindo-se interpretação que conduza à maximização da

eficiência da inexigibilidade de licitação, em especial no que

concerne às situações de inviabilidade de competição relativa.

Trata-se de um importante desafio a ser superado, diante da

58 Inclusive, no âmbito do próprio TCU, era possível encontrar alguma confusão, tal como ocorreu no acórdão n° 2.289/19-1ª Câmara, que entendeu que a presença de pesquisa de preços em um processo de contratação de curso, fundada no inc. II do art. 25 da Lei n° 8.666/1993, descaracterizava a inexigibilidade.

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semelhança textual entre ambas as leis, velha e nova. Porém, há

espaço para avanços.

2. O tratamento do tema na nova Lei n° 14.133/2021

A nova lei de licitações e contratações traz, basicamente,

o mesmo cerne normativo da Lei n° 8.666/93, aumentando,

contudo, o rol de hipóteses exemplificativas da caracterização da

inviabilidade da competição.

Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a

competição, em especial nos casos de:

I – aquisição de materiais, de equipamentos ou de

gêneros ou contratação de serviços que só possam

ser fornecidos por produtor, empresa ou representante

comercial exclusivos;

II – contratação de profissional do setor artístico,

diretamente ou por meio de empresário exclusivo, desde

que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião

pública;

III – contratação dos seguintes serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória

especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de

publicidade e divulgação: (...)

IV – objetos que devam ou possam ser contratados por

meio de credenciamento;

V – aquisição ou locação de imóvel cujas características

de instalações e de localização tornem necessária sua

escolha.

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Pode-se observar, no caput do art. 74, a mesma inviabilidade

de competição genérica presente no caput do art. 25 da Lei n°

8.666/1993 e, nos seus incisos, as mesmas hipóteses que levam

às noções de inviabilidade de competição a que já estávamos

habituados a conviver: a) absoluta, pela ausência material de

competidores (incisos I) e b) relativa, em razão da impossibilidade

de comparação objetiva entre as propostas, com consequente

inaplicabilidade da licitação (incisos II e III).

Os incisos IV e V são novidade, na medida em que não havia,

na Lei n° 8.666/1993, previsão normativa expressa da inexigibilidade

como fundamento jurídico das contratações via credenciamento

e que a aquisição ou locação de imóveis cujas características de

instalações e de localização tornem necessária sua escolha vem

retratada, na referida Lei, como hipótese de dispensa de licitação.

Enquadram-se nas referidas categorias de inviabilidade de

competição, respectivamente, relativa e absoluta.

2.1 A exigência de exclusividade permanente e

contínua de representação para a contratação de

artista

A nova lei trouxe alteração que deverá impactar

significativamente na contratação de artistas, especialmente

pelos municípios, pois incorporou jurisprudência do Tribunal do

Contas da União no sentido de que a inexigibilidade de licitação

apenas se caracteriza com a exclusividade permanente e contínua

da representação do profissional do setor artístico.

§ 2° Para fins do disposto no inciso II do caput deste

artigo, considera-se empresário exclusivo a pessoa física

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ou jurídica que possua contrato, declaração, carta ou

outro documento que ateste a exclusividade permanente e contínua de representação, no País ou em Estado específico, do profissional do setor artístico, afastada

a possibilidade de contratação direta por inexigibilidade

por meio de empresário com representação restrita a

evento ou local específico.

Vale notar que, segundo os argumentos da Corte de Contas

federal59, apenas a existência de um único representante garantiria

a necessária inviabilidade de competição passível de ensejar a

contratação direta por inexigibilidade, num aparente misto entre a

inviabilidade de competição relativa e a absoluta: não cabe licitar,

pela impossibilidade de comparação objetiva relacionada ao objeto

pretendido, mas é necessário que, uma vez escolhido o artista sob

critérios discricionários, seja ele representado por apenas um

empresário, em todo o território nacional, para todos os eventos

dos quais participe, sob pena de inviabilizar a contratação direta.60

A despeito de se concordar, ou não, com essa percepção de

reclassificação da hipótese, fica evidente que a licitação, qualquer

que seja o motivo, não tem serventia como procedimento de

contratação.

59 Vide Acórdão n°1.435/2017-TCU/Plenário e Acórdão n° 1351/2017-TCU/Plenário.

60 A propósito, a doutrina classifica a hipótese do inciso III do art. 25 da Lei n° 8.666/1993 como de inviabilidade de competição relativa. Nesse sentido, Ronny Charles Lopes de Torres enfatiza que “o pressuposto para que profissional do setor artístico seja contratado, através da inexigibilidade licitatória, é a inviabilidade de se realizar uma escolha minimamente objetiva do serviço almejado, bem como o fato de ser pouco provável que um artista, consagrado pela opinião pública, submeta-se a um certame para sua contratação” (TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Públicas Comentadas. 11 ed., Salvador: Ed. Juspodivm, 2021, p. 460). Na mesma linha, Marçal Justen Filho escreve ser “impossível identificar um ângulo único e determinado para diferenciar as performances artísticas”, sendo essa a razão para a inviabilidade de competição (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei 8.666/1993. 18. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 635).

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2.2 A contratação de objetos que devam ou possam

ser contratados por meio de credenciamento

O credenciamento de profissionais ou empresas para

viabilizar a contratação direta por inexigibilidade de licitação já era

uma realidade na vigência da Lei n° 8.666/1993. O fundamento legal

residia no caput do art. 25, já que não havia hipótese específica

delineada em seus incisos. A nova Lei sacramentou essa prática e

criou uma hipótese específica, atribuindo maior segurança ao agir

do gestor.

O credenciamento, segundo o art. 79, poderá ser utilizado

como procedimento auxiliar em três situações distintas, que

estarão diretamente relacionadas ao objeto da contratação por

inexigibibilidade:

a. Na hipótese de contratações paralelas e não

excludentes, quando for viável e vantajosa para

a Administração a realização de contratações

simultâneas em condições padronizadas;

b. Na hipótese de contratação com seleção a critério

de terceiros, quando a seleção do contratado está a

cargo do beneficiário direto da prestação; e

c. Na hipótese de objetos inseridos em mercados

fluidos, assim considerado quando a flutuação

constante do valor da prestação e das condições

de contratação inviabilizar a seleção de agente por

meio de processo de licitação.

Não faz parte do escopo deste trabalho aprofundar o estudo

do credenciamento, mas apenas evidenciar que situações bastante

distintas das convencionalmente vistas como inviabilidade de

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competição podem caracterizá-la. No caso do credenciamento, o

ordenamento jurídico só fez positivar hipóteses que, rigorosamente,

já eram extraíveis do caput do art. 25 da Lei n° 8.666/1993.

2.3. A demonstração da inviabilidade de competição

para contratar profissional ou empresa

notoriamente especializada

A nova Lei trouxe maior clareza no tocante à desnecessidade

de, no caso da inexigibilidade fundada no inciso III (contratação de

serviços técnicos profissionais especializados com profissional

ou empresa de notória especialização), comprovar a exclusividade

por meio de um documento – atestado, carta, contrato, declaração

ou similar - emitido por terceiro.

§ 1° Para fins do disposto no inciso I do caput deste artigo,

a Administração deverá demonstrar a inviabilidade

de competição mediante atestado de exclusividade,

contrato de exclusividade, declaração do fabricante

ou outro documento idôneo capaz de comprovar que o

objeto é fornecido ou prestado por produtor, empresa

ou representante comercial exclusivos, vedada a

preferência por marca específica.

...

§ 3° Para fins do disposto no inciso III do caput deste

artigo, considera-se de notória especialização o

profissional ou a empresa cujo conceito no campo de

sua especialidade, decorrente de desempenho anterior,

estudos, experiência, publicações, organização,

aparelhamento, equipe técnica ou outros requisitos

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relacionados com suas atividades, permita inferir que o

seu trabalho é essencial e reconhecidamente adequado

à plena satisfação do objeto do contrato.

Como se observa, ficou mais claro que tais documentos – a

despeito da crítica quanto à sua efetividade – são exigíveis apenas

na hipótese de fornecedor ou prestador de serviços exclusivo.

Saneou-se, portanto, uma prejudicial distorção praticada na

instrução desses processos, voltada para a comprovação da

ausência de competidores, característica da inviabilidade de

competição absoluta, não relativa.

2.4 A escolha baseada na notória especialização do

profissional ou empresa

Uma sutil, mas importante mudança ocorreu em relação ao

texto do §1° do art. 25 da Lei n° 8.666/1993.

§1° do art. 25 da Lei n° 8.666/1993

“...permita inferir que o seu trabalho é essencial e

indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação

do objeto do contrato.”

§3° do art. 74 da Lei n° 14.133/2021

“...permita inferir que o seu trabalho é essencial e

reconhecidamente adequado à plena satisfação do

objeto do contrato.”

Conforme entendemos, a redação atual é mais consentânea

com a noção de inviabilidade de competição relativa, uma vez que

lhe é inerente a multiplicidade de particulares potencialmente

contratáveis. Ademais, reconhece a importância de um elemento

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interno, atrelado ao requisito da notória especialização, que

orientará o gestor em sua escolha final: a confiança de que a

execução de um dado serviço técnico profissional especializado

se dará de forma satisfatória se executada por um determinado

profissional ou empresa, dentre mais de um notoriamente

especializados.61

Apesar de, na doutrina acerca da Lei n° 8.666/93, não haver

uniformidade quanto à utilidade do uso da confiança para motivar

tais contratações62, acreditamos ser impossível dissociá-lo da

convicção que se forma para o gestor após demonstrada a notória

especialização, figurando, portanto, como elemento implícito final

de escolha. Por isso, parece-nos acertada a mudança trazida pela

nova lei.

2.5 Serviços técnicos especializados de natureza

predominantemente intelectual

A nova lei traz um rol exaustivo de serviços técnicos

especializados considerados de natureza predominantemente

intelectual, passíveis de contratação com base no inciso III do art.

74:

a) estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos ou

projetos executivos;

61 A confiança como elemento interno da contratação por inexigibilidade com base no inciso II do art. 25 da Lei n° 8.666/1993 está presente na jurisprudência do TCU, em especial na Súmula 39: “A inexigibilidade de licitação  para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente  é cabível  quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993.” O STF também já decidiu em favor da confiança na AP 348, julgada pelo Pleno em 15.12/2006.

62 A respeito, ver TORRES, Ronny Charles. Ob. cit., p. 462.

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b) pareceres, perícias e avaliações em geral;

c) assessorias ou consultorias técnicas e auditorias

financeiras ou tributárias;

d) fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou

serviços;

e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou

administrativas;

f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;

g) restauração de obras de arte e de bens de valor

histórico;

h) controles de qualidade e tecnológico, análises, testes

e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e

monitoramento de parâmetros específicos de obras e do

meio ambiente e demais serviços de engenharia que se

enquadrem no disposto neste inciso;

Alguma confusão pode decorrer do texto legal, na medida

em que a expressão “seguintes” pode funcionar, equivocadamente,

como limitadora da contratação por inexigibilidade de licitação

de outros serviços que, na prática, puderem ser caracterizados

como “técnicos especializados de natureza predominantemente

intelectual”. Havendo tal situação caracterizada em concreto,

certamente estarão presentes as mesmas condições autorizadoras

da contratação direta de profissional ou empesa notoriamente

especializado.

Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a

competição, em especial nos casos de:

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...

III – contratação dos seguintes serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória

especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de

publicidade e divulgação: (...)

Sendo assim, parece-nos que a interpretação mais correta

é aquela feita à luz do caput do art. 74, no sentido de que o inciso

III apenas reconhece, de plano, que tais serviços são passíveis de

contratação por inexigibilidade de licitação com profissionais ou

empresas de notória especialização, sem excluir novos serviços

com as mesmas características.

De toda forma, mais uma vez deve ficar claro que sempre

haverá espaço para demonstrar a inviabilidade de competição em

outras situações, diversas das arroladas nos incisos, considerando

os termos do caput do art. 74.

2.6 A omissão, no texto legal, do requisito da

singularidade do serviço

Seguindo a mesma linha já adotada pela Lei n° 13.303/16,

chamada Lei das Estatais, a Lei n° 14.133/2021 não traz como

requisito explícito a singularidade do serviço a ser contratado com

fundamento no inciso III do art. 74. Contudo, conforme entendemos,

ele permanece, de forma implícita.

Com efeito, parece óbvio que a contratação direta de um

profissional ou empresa notoriamente especializada para execução

de serviço ordinário ou que não exija, por suas peculiaridades, a

expertise própria de um especialista, nos termos do §3° do art. 74,

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não se justifica.63 Aparentemente, não há razões para entendimento

diverso no caso da Lei n° 14.133/2021.

Desse modo, o que a nova Lei fez foi eliminar as dificuldades

relacionadas à caracterização da singularidade do serviço,

conceito cuja delimitação se demonstrou difícil na vigência da Lei

n° 8.666/1993, deixando ao encargo da Administração estabelecer,

suficientemente, a relação entre suas peculiaridades e a

necessidade da notória especialização para garantir uma execução

satisfatória64.

3. A inexigibilidade de licitação decorrente da

inadequação dos modelos licitatórios disponíveis:

uma proposta de interpretação ampliativa

Diante de tudo o que foi dito, reside precisamente aqui o

tópico de maior interesse deste breve artigo. O ponto fundamental

para que se busque, conforme de início se incitou, uma ampliação

da utilidade e da eficácia da contratação direta por inexigibilidade

de licitação, é compreender corretamente os contornos do

instituto. A abordagem foi centrada na inviabilidade de competição

relativa por ser a que apresenta maior dificuldade de compreensão,

mas também pelo fato de que comporta uma maior diversidade de

situações concretas, não divisadas por um raciocínio restrito.

63 Em relação às contratações das estatais, parte da doutrina já vinha se manifestando nesse sentido (ex vi ZYMLER, Benjamin... (et al). Novo regime jurídico de licitações e contratos das empresas estatais: análise da Lei n° 13.303/2016 segundo a jurisprudência do Tribunal de Contas da União. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 80 e NIEBUHR, Joel de Menezes e Pedro de Menezes. Licitações e Contratos das Estatais. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 64).

64 Sobre o assunto, Tatiana Camarão e Maria Fernanda Pires discorreram de forma esclarecedora no artigo “A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços jurídicos à luz da nova Lei de Licitações”, divulgado em http://www.novaleilicitacao.com.br/2021/04/07/a-inexigibilidade-de-licitacao-para-a-contratacao-de-servicos-juridicos-a-luz-da-nova-lei-de-licitacoes/, acesso em 8/4/21.

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A proposta de compreensão ampliada envolve,

primeiramente, estabelecer uma premissa maior para a inviabilidade

de competição, caracterizando-a como qualquer situação em que os modelos de licitação disponíveis no ordenamento jurídico não se mostrarem adequados e suficientes para o alcance dos resultados pretendidos pela Administração. É perfeitamente

possível extrair tal compreensão do conjunto de regras dispostas

no art. 74 da nova Lei, uma vez que todas as situações elencadas

nos seus incisos trazem consigo o traço da inaplicabilidade da

licitação como caminho para a contratação.

Num segundo momento, envolve tomar a noção de “natureza

exemplificativa” dos incisos do art. 74 da nova Lei, no sentido de terem por finalidade facilitar a compreensão da inviabilidade de competição para ampliar sua utilização, não para restringi-la. Diante da generalidade de possíveis situações abrangidas pelo

caput, todas as hipóteses que, de alguma forma, impossibilitarem

a utilização da licitação como procedimento apto a selecionar um

contratado, caracterizando a inviabilidade de competição absoluta

ou relativa, estariam albergadas pela contratação direta.65 Dito de

outro modo, envolve reconhecer que o conceito de inviabilidade

de competição está aberto para permitir a contratação direta

por inexigibilidade sempre que, concretamente, a licitação se

mostrar inaplicável para alcançar os objetivos de contratação.

Tal entendimento é perfeitamente compatível com a natureza

65 Esse parece ser, aliás, o entendimento de Marçal Justen Filho quando escreve, a propósito do art. 25 da Lei n° 8.666/1993: “Tratando-se de instituto complexo como se passa com a inexigibilidade, o conceito de inviabilidade de competição pode ser muito mais facilmente reconhecido mediante a análise dos exemplos contidos no elenco legal. Se não existissem os três incisos do art. 25, muitos seriam tentados a restringir a inexigibilidade apenas aos casos de ausência de pluralidade de alternativas de contratação. Mas a existência do dispositivo do inc. III evidencia que o conceito de inviabilidade de competição tem de ser interpretado amplamente, inclusive para abranger os casos de impossibilidade de julgamento objetivo. Em outras palavras, a análise dos incisos do art. 25 permite identificar o conceito de inviabilidade de competição consagrado no caput do dispositivo”(JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit., p. 599).

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constitucional da inexigibilidade de licitação, que não deve

continuar carregando o signo da excepcionalidade como sinônimo

de ilegalidade. Ao contrário, precisa ser considerada como opção

legítima sempre que se mostrar como a melhor dentre todas as

oferecidas pelo ordenamento jurídico.

Por fim, envolve compreender que a inviabilidade de competição relativa não afasta a possibilidade de estímulo à competição entre os interessados por meio de procedimentos outros, obviamente diversos dos modelos de licitação. Isso,

aliás, seria especialmente útil à contratação de soluções

inovadoras, pois permitiria um modelo de incentivo no qual os

particulares interessados, por sua conta e risco, promoveriam os

melhores esforços para apresentar a melhor solução. Não seria

um procedimento licitatório, mas fomentaria, de modo orgânico e

natural, a oferta de boas soluções pelos interessados, propiciando

a melhor escolha pela Administração.66

4. Conclusões

A contratação direta por inexigibilidade de licitação é uma

ferramenta importante no rol dos procedimentos de contratação

disponibilizados pelo ordenamento jurídico brasileiro. Se até agora,

não havia sido compreendida em sua plenitude, o nascedouro

de um novo marco regulatório é o momento oportuno para que

encontremos nas novas regras uma eficácia qualificada pela

eficiência, suficiente, então, para conduzir a uma Administração

Pública cada vez mais efetiva.

66 O assunto foi por nós abordado no artigo “Contratação de soluções inovadoras para o atendimento de demandas administrativas: um caminho à luz do ordenamento jurídico vigente”, in PÉRCIO, Gabriela Verona; FORTINI, Cristiana (Coord.). Inteligência e inovação em contratação pública. Belo Horizonte: Fórum, 2021, pp. 17-38.

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É hora, pois, de deixar de lado o ambiente do Direito

Administrativo do Medo para buscar interpretações que criem um

espaço seguro de atuação ao gestor que porventura identificar, na

contratação direta, uma solução para o problema enfrentado. Deve-

se evitar transportar para o presente entendimentos construídos

no século passado, em função de leis que serão revogadas, sendo

imperioso buscar novas teorias, devidamente fundamentadas, que

representem um avanço hermenêutico e considerem sua utilidade

para a Administração Pública atual.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

PÉRCIO, Gabriela Verona; FORTINI, Cristiana (Coord.). Inteligência

e inovação em contratação pública. Belo Horizonte: Fórum, 2021.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e

Contratos Administrativos: Lei 8.666/1993. 18. ed. rev., atual. e

ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

NIEBUHR, Joel de Menezes; Pedro de Menezes. Licitações e

Contratos das Estatais. Belo Horizonte: Fórum, 2018.

TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Públicas

Comentadas. 11 ed., Salvador: Ed. Juspodivm, 2021.

ZYMLER, Benjamin... (et al). Novo regime jurídico de licitações e

contratos das empresas estatais: análise da Lei n° 13.303/2016

segundo a jurisprudência do Tribunal de Contas da União. Belo

Horizonte: Fórum, 2018.

INEXIGIBILIDADE: SERVIÇOS TÉCNICOS, NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO E A AUSÊNCIA DE SINGULARIDADEDiego Ávila

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INEXIGIBILIDADE: SERVIÇOS TÉCNICOS, NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO E A AUSÊNCIA DE SINGULARIDADE

Diego Ávila67

Aprovada a nova Lei de Licitações n° 14.133/2021, no dia 01

de abril de 2021, oriunda do Projeto de Lei 4253/20, que deu vida

a iniciativas antigas dos Projetos de Lei 1292/1995 da Câmara dos

Deputados e 163/1995 do Senado Federal, não se pode negar que

há tempos existia o debate sobre a necessidade de uma reforma

da Lei de Licitações (8.666/93), por ser considerada ultrapassada e

não mais atender os anseios das contratações públicas.

Neste sentido, com o tema “Lei das licitações está

ultrapassada e precisa de mudanças”68 Luciano Vitor Engholm

Cardoso, em agosto de 2005, já se debruçava e analisava algumas

das razões que reclamavam essa renovação, e, até mesmo antes

disso, verificando que os projetos de iniciativa legislativa foram

criados pouco após a aprovação da Lei 8.666/93, ou seja, em pouco

tempo de vigência já surgiam as críticas.

Mas, muito embora finalmente tenha sido editada uma nova

lei, no ambiente do debate jurídico não encontramos grandes

festejos, como expõe Edgar Guimarães:

67 Advogado em Curitiba. Consultor da JML Consultoria & Eventos Ltda. Graduado em Direito, no UNIBRASIL. Trabalhou na 2ª Promotoria Criminal de Curitiba, na 2ª Promotoria Criminal de Piraquara e no Tribunal de Justiça do Paraná.

68 CARDOSO, Luciano Vitor Engholm. Lei das licitações está ultrapassada e precisa de mudanças. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2005-ago-16/lei_licitacoes_ultrapassada_mudancas>.

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“A nova lei incorpora grande parte dos dispositivos

da Lei 8.666/1993, da Lei 12.462/2011 (RDC) e da Lei

10.520/2002 (Lei do Pregão), bem como de diversas

instruções normativas expedidas pelo governo federal.

O que se percebe é uma consolidação das leis antes

mencionadas e de diversas instruções normativas em

um único texto legal, o que pode ser considerado algo

positivo, pois, até então, o que se tinha no âmbito federal

era uma verdadeira “colcha de retalhos” com diversas

leis, decretos, portarias e outros atos regulamentares

estabelecendo regras para o processo de contratação

pública.

Todavia, é lamentável que, depois de anos em tramitação e discussão no Congresso, o resultado não tenha sido aquele aguardado pela Administração Pública e por parte da comunidade jurídica. Esperava-se uma lei enxuta, menos formalista, menos burocrática, moderna, adequada aos dias de hoje e, sobretudo, que indicasse expressamente todas as prescrições consideradas como “normas gerais” de licitação e contratação, criando um ambiente propício e seguro para que estados, municípios e Distrito Federal

legislem de forma concorrente e suplementar tratando

das suas peculiaridades locais.”69 (grifo nosso)

Assim, vê-se que mesmo após tanto tempo de espera, a

expectativa de uma lei mais objetiva e moderna restou frustrada,

e, obviamente, sem querer generalizar, traz à tona, alguns debates

antes consolidados, como o do tema proposto.

69 GUIMARÃES, Edgar. Nova Lei de Licitações, a hora e a vez de estados e municípios. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-mar-26/edgar-guimaraes-lei-licitacoes>.

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Ora, diferentemente do que previa a Lei 8.666/93, verifica-

se pela redação da Lei 14.133/2021, no artigo que trata das

contratações diretas por inexigibilidade, que a contratação de

notório especialista, se interpretarmos rigorosamente seu texto,

não está mais associada a comprovação da singularidade do

objeto. Respectivamente, suas redações:

“Lei 8.666/93:

Art. 25. É inexigível a licitação quando houver

inviabilidade de competição, em especial:

I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou

gêneros que só possam ser fornecidos por produtor,

empresa ou representante comercial exclusivo, vedada

a preferência de marca, devendo a comprovação de

exclusividade ser feita através de atestado fornecido

pelo órgão de registro do comércio do local em que

se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo

Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou,

ainda, pelas entidades equivalentes;

II - para a contratação de serviços técnicos enumerados

no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização,

vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e

divulgação;

III - para contratação de profissional de qualquer

setor artístico, diretamente ou através de empresário

exclusivo, desde que consagrado pela crítica

especializada ou pela opinião pública.” (grifo nosso)

“Lei 14.133/20:

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Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a

competição, em especial nos casos de:

I – aquisição de materiais, de equipamentos ou de

gêneros ou contratação de serviços que só possam ser

fornecidos por produtor, empresa ou representante

comercial exclusivos;

II – contratação de profissional do setor artístico,

diretamente ou por meio de empresário exclusivo,

desde que consagrado pela crítica especializada ou pela

opinião pública;

III – contratação dos seguintes serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços

de publicidade e divulgação:

(...)” (grifo nosso)

Nesse sentido, é de se ver que a redação da nova legislação

vem de acordo com o que foi editado na Lei das Estatais 13.303/2016,

no que diz respeito à supressão da singularidade de seu texto:

“Art. 30. A contratação direta será feita quando houver

inviabilidade de competição, em especial na hipótese

de: (Vide Lei n° 14.002, de 2020)

I - aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros

que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou

representante comercial exclusivo;

II - contratação dos seguintes serviços técnicos especializados, com profissionais ou empresas de

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notória especialização, vedada a inexigibilidade para

serviços de publicidade e divulgação:” (grifo nosso)

Daí surgem algumas dúvidas: seria apenas uma falha

legislativa; o legislador entende que a singularidade é elemento

inerente a este tipo de contratação e, portanto, pode atuar de

forma implícita; ou então, o legislador entende que o termo e

aplicabilidade realmente devem ser suprimidos.

A propósito, em face da Lei das Estatais, o Tribunal de Contas

da União julgou em duas hipóteses a questão da comprovação da

singularidade:

“8. Relativamente à legalidade da contratação direta

por inexigibilidade de licitação (alínea “a”) , o tema,

conforme destacou o ministro Bruno Dantas no voto

condutor do Acórdão 2993/2018-TCU-Plenário (TC

Processo 031.814/2016-6, a respeito de denúncias sobre

possíveis irregularidades em contratações diretas de

consultorias técnicas especializadas na ECT) , continua

a ser objeto de “contundentes debates doutrinários

e jurisprudenciais”, ainda que já tenha sido objeto da

edição das Súmulas 39 e 252 deste Tribunal.

9. O enunciado da última súmula apregoa que ‘a inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993, decorre da presença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado, entre os

mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado’.

10. O confronto das disposições da Lei 8.666/1993 com as

seguintes da Lei 13.303/2016 indica que a interpretação

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constante da referida súmula também é aplicável neste

caso:

‘Art. 30. A contratação direta será feita quando houver

inviabilidade de competição, em especial na hipótese

de:

(...)

II - contratação dos seguintes serviços técnicos

especializados, com profissionais ou empresas de

notória especialização, vedada a inexigibilidade para

serviços de publicidade e divulgação:

(...)”70 (grifo nosso)

“A contratação direta de escritório de advocacia por empresa estatal encontra amparo no art. 30, inciso II, alínea “e”, da Lei 13.303/2016, desde que presentes os requisitos concernentes à especialidade e à singularidade do serviço, aliados à notória

especialização do contratado.”71 (grifo nosso)

Portanto, vê-se que o TCU determinou, em que pese a

omissão legislativa, que a singularidade do objeto seja verificada

quando das contratações concernentes ao inciso II do artigo 30,

da Lei das Estatais, que se refere às contratações de serviços

técnicos especializados com profissionais ou empresas de notória

especialização.

E, é importante consignar que, o segundo acórdão do TCU

colacionado acima, que diz respeito à contratação direta de

70 TCU. Acórdão 2436/2019 – Plenário.

71 TCU. Acórdão 2761/2020 – Plenário.

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escritórios de advocacia, ocorreu em data posterior à edição da

Lei 14.039/2020 que alterou o estatuto da Ordem dos Advogados

do Brasil para prever que:

“Art. 1°. A Lei n° 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da

OAB), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 3°-A:

‘Art. 3°-A. Os serviços profissionais de advogado são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando

comprovada sua notória especialização, nos termos da

lei.

Parágrafo único. Considera-se notória especialização

o profissional ou a sociedade de advogados cujo

conceito no campo de sua especialidade, decorrente

de desempenho anterior, estudos, experiências,

publicações, organização, aparelhamento, equipe

técnica ou de outros requisitos relacionados com suas

atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial

e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação

do objeto do contrato.’”

Assim, verifica-se que a referida Lei, que alterou o estatuto

da OAB, tentou passar a ideia de que desde que comprovada a

notória especialização, a singularidade estaria presumida, o que,

em nosso sentir, deve ser visto com reservas, devendo, ainda, ser

atrelada a complexidade (singularidade) do objeto para a eleição de

determinado profissional como única solução, como bem aponta

Ana Carolina Coura Vicente Machado:

“Logo, ainda que a partir de agora a singularidade do serviço advocatício e de contabilidade esteja legalmente reconhecida (o que não se concorda com

a generalização in abstrato[4]), o administrador tem

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o dever de justificar porque escolheu determinado profissional em detrimento de outros, demonstrando ser aquele o mais confiável para a regular execução de um objeto complexo, pois detém especialização

e capacitação para o exercício da atividade com

características e habilidades que não são usuais a

qualquer profissional da área, visto que a especialização

agrega ao profissional uma capacitação superior

a usualmente identificada no mercado, conforme

aduz Justen Filho: ‘O especialista é aquele prestador

de serviço técnico profissional que dispõe de uma

capacidade diferenciada, permitindo-lhe solucionar

problemas e dificuldades complexas’.[5]

Entende-se, assim, que o administrador ainda tem o dever de demonstrar a correlação lógica entre a demanda pública que se pretende atender, a qual, por ser complexa e possuir singularidade importante para a Administração, exige a contratação de notório especialista para executá-la satisfatoriamente. Em

outras palavras, não está afastada a necessidade de

a Administração motivar a definição e os contornos

dados ao próprio objeto almejado, fazendo com que se

apresente a necessidade de se contratar um profissional

com capacidade acima da média para executá-lo e

atender plenamente o interesse público envolvido.

Afinal, a Administração não define primeiramente o executor do contrato para depois delinear o objeto de sua demanda. A lógica é inversa. Primeiro se define o objeto, diante de uma necessidade pública a ser atendida. Em face das características desse

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objeto é que a Administração irá selecionar o melhor prestador, o que a rigor, se faz mediante disputa licitatória, mas que no caso de haver complexidade técnica importante para a execução de determinado serviço técnico-profissional admite-se o afastamento do certame para a contratação de notório especialista,

o que acaba por inviabilizar a competição por falta de

critérios objetivos de comparação.”72 (grifo nosso)

Por tais razões, não obstante o texto legal da nova Lei

de Licitações não possua tal previsão (de observância da

singularidade), entendemos que a singularidade é requisito que

deve ser mantido pela Administração quando da verificação

da contratação direta por inexigibilidade em serviços técnicos

executados por notórios especialistas, mesmo porque, o que

justifica a contratação de um profissional que detenha qualificação

diferenciada é a complexidade do objeto, ou seja, a singularidade.

Por isso que o ponto chave para justificar a inexigibilidade

de licitação com fundamento no art. 74, III, da Lei 14.133/2021, é a

singularidade do objeto, pois é a complexidade e o caráter incomum

do serviço que respaldam a busca pelo melhor profissional

existente no mercado. E como a escolha parte do grau de confiança

depositado no profissional, conforme já reconheceu o TCU na

Súmula 26473, é nesse ponto que reside a ausência de parâmetros

objetivos e, portanto, a licitação resta inviável.

72 MACHADO, Ana Carolina Coura Vicente. Reflexões sobre a Lei 14.039/2020 e a contratação direta de serviços prestados por advogados e profissionais de contabilidade. Disponível em: <https://www.blogjml.com.br/?cod=ccbf96f20452053e3c829c85a331ca31>.

73 “SÚMULA N° 264:A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei n° 8.666/1993”. (grifou-se)

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Sobre o tema, Luiz Cláudio de Azevedo Chaves fez detalhado

estudo que, pela relevância, pede-se vênia para colacionar:

“É de se reconhecer que um dos conceitos jurídicos

mais complexos dentre todos os institutos

presentes no arcabouço normativo das contratações

governamentais é, justamente, o de singularidade para

fins de caracterização da inviabilidade de competição.

Isto porque a lei não deixa nenhum traço objetivo

que possibilite sua identificação. Muito embora haja

na doutrina diversas propostas de conceituação

desse instituto, formuladas pela pena de renomados

jurisconsultos, ainda não há entre eles uma uniformidade

que esgote o tema. E o que se verifica, ao se tentar

acomodar tais conceitos aos casos práticos do dia a

dia é que tais proposições terminam por não encerrar

um norte objetivo para o aplicador da norma, abrindo

um perigo espaço de discrição onde a vinculação é

absolutamente imprescindível.

À guisa de exemplo, veja-se a doutrina de Marçal

Justen Filho[5], que entende que a singularidade

‘caracteriza-se como uma situação anômala, incomum,

impossível de ser enfrentada satisfatoriamente por

qualquer profissional ‘especializado’. Envolvem casos que demandam mais do que especialização, pois apresentam complexidades que impedem a obtenção de solução satisfatória a partir da contratação de qualquer profissional (ainda que especializado)’. Já o eminente jurista, Carlos Pinto Coelho Motta[6],

citando Régis Fernandes de Oliveira, concorda com

este último no sentido de que a singularidade ‘implica

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em característica própria de trabalho, que o distingue

dos demais.’ Por sua vez, Jessé Torres Pereira Júnior[7]

acerca do conceito de singularidade, traz escólio a partir

de julgado do TCE/RJ que afirma que ‘não se considera

de natureza singular aquilo que pode ser executado

por numerosos profissionais ou empresas’. Petrônio

Braz[8], conclui que a expressão (singularidade) ‘traz

sentido especial, com peculiaridades que permitem

distinguir a coisa, não podendo a expressão ser

entendida literalmente.’ Para não estender demais,

finaliza-se com a definição de Jacoby Fernandes[9],

que aponta que ‘singular é a característica do objeto

que o individualiza, distingue dos demais. É a presença

de um atributo incomum na espécie, diferenciador.’ O

eminente jurista prossegue a lição oferecendo alguns

exemplos de como, em sua arguta visão, se identificaria

em um serviço o elemento da singularidade. Vale a

transcrição:

‘Por exemplo, é um serviço singular, a aplicação de

revestimento em tinta com base em poliuretano, na

parte externa de um reator nuclear, devido às irradiações

desse objeto; enquanto pintar é uma atividade comum,

as características do objeto que vai receber a tinta

exigem uma forma de aplicação de produto que não

ocorre nos demais; apagar incêndio é uma atividade

que pode ser executada por qualquer bombeiro, mas

debelar um incêndio em um poço de petróleo apresenta-

se como singular; a demolição é uma atividade comum,

mas a necessidade de que seja efetuada por técnica de

implosão pode torna-la singular’[10]

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Não se nega que quando o serviço se mostra peculiar,

especial ou inusitado; que quando o objeto em si possui

características intrínsecas que o diferencie dos demais,

o mesmo possa ser considerado singular. Mas, parece

que dizer isso, apenas isso, se torna insuficiente para se

chegar a uma conclusão definitiva sobre o conceito de

singularidade que possibilite, nos casuísmos da rotina

diária das entidades do Poder Público, a identificação

da presença deste requisito. Pergunta-se: o que é inusitado ou peculiar? Qual atributo específico se exige que o serviço apresente para que nele se reconheça, com precisão, que o mesmo é singular? Que “característica própria de trabalho” distingue um serviço de outro para os fins de nele reconhecer a inviabilidade de comparação objetiva entre as várias possíveis propostas? Inusitado, especial ou peculiar são conceitos abertos e, por isso mesmo, não oferecem resposta objetiva para essas indagações.

Em que pese o reconhecido talento científico do

autor suso citado, parece que os exemplos acima

também não se encaixam com o necessário conforto

no conceito de singularidade, pois, todos, partem da

premissa de que singular é algo incomum. Serviços

realizados em reatores nucleares, muito embora pouco

usuais (principalmente no Brasil, onde só há duas

usinas nucleares em operação), seguem métodos e

padrões técnicos documentados e rigorosamente

observados, porém, executados padronizadamente

pelos respectivos especialistas. O mesmo se diz do

combate a incêndio em poço de petróleo e a demolição

pela técnica de implosão. Estes também são serviços,

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altamente especializados, é claro, mas que seguem

padrões de execução conhecidos dos respectivos

especialistas.

Não se deve confundir singularidade com exclusividade, ineditismo, complexidade ou mesmo raridade. Se fosse único ou inédito, seria caso de

inexigibilidade por ausência de concorrentes e a

contratação seria capitulada na cabeça do art. 25 da

L. 8.666/93, e não em seu inciso II. O fato de o objeto

ser prestado por poucos profissionais ou empresas

não impede que estes disputem o objeto. O serviço de

concessão de canal para transmissão de dados (link

de internet) é prestado, em muitas regiões por duas

ou três operadoras e nem por isso são singulares,

sendo normalmente licitados por todos os órgãos e

entidades da Administração Pública. Ao mesmo tempo,

o fato de haver inúmeros possíveis executores não é

excludente da hipótese de singularidade, pois essa não

é uma condição (objetiva) estipulada na norma legal

regedora da espécie. E nem tampouco a complexidade

induz a singularidade, pois casos haverá que o serviço,

apesar de não complexo, mantém guardada uma certa

característica que lhe tornará singular, conforme se

verá mais adiante.

A despeito de haver opiniões em sentido contrário,

outro conceito que se reputa impróprio é a de que a

singularidade pode decorrer da notória especialização

de seu executor. Para essa corrente doutrinária[11], a

notória especialização envolveria uma singularidade

subjetiva. Todavia, se imaginarmos que a inviabilidade

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pode decorrer da pessoa do contratado, teríamos que

admitir a ideia de que um mesmo objeto seria, a um

só tempo, singular e não singular, conforme a pessoa

que o executar. Ora, o serviço é ou não é singular. Um

projeto arquitetônico para casas populares, não pode

ser classificado como singular apenas porque sua

contratação recaiu em um internacionalmente premiado

escritório de arquitetura. O projeto, em si, continuaria

usual. Jacoby Fernandes[12], de forma bastante lúcida,

salienta que o processo de contratação de obras e

serviços inicia-se, necessariamente, pela definição

do objeto, o que envolve a elaboração do projeto

básico e/ou executivo, e não pela escolha do executor.

Acrescenta que ‘quando os órgãos de controle iniciam a

análise pelas características do objeto, percebe-se quão

supérfluas foram as características que tornaram tão

singular o objeto, a ponto de inviabilizar a competição.’

Como se demonstrou acima, os conceitos existentes

na doutrina pátria, muito embora totalmente corretos,

não esgotam a matéria, deixando larga margem de

subjetivismo para o aplicador da norma. Após muita

reflexão sobre essa questão e análise dos inúmeros

precedentes e casuísmos existentes na rotina diária das

repartições públicas, percebe-se que há um elemento

comum que está presente em todos os serviços

singulares, qual seja, o da imprevisibilidade ou incerteza

do resultado da execução. Pode-se considerar que o

serviço é singular quando seu resultado não é previsível

ou incerto; quando o contratante, apesar de apontar

as características do que pretende contratar, não tem

como saber antecipadamente o que irá receber em

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mãos como resultado da execução; é o serviço cujo

resultado pode variar de executor para executor (e por

isso não é previsível).

Cumpre deixar desde já consignado que não se está

falando da variabilidade da forma de execução, mas

do resultado dela. Um sistema informatizado pode

ser construído a partir de diversas metodologias de

produção (formas de execução), mas o resultado será o

mesmo e é previsível. Se o contratante quer um sistema

que possibilite administrar o estoque e a logística

de distribuição de materiais do almoxarifado, com a

possibilidade de gerar relatórios gerenciais de demanda,

de fluxo, de atendimento entre outros, o resultado será

exatamente esse quem quer que o execute, muito

embora, a arquitetura do sistema possa ser elaborada de

modo variado de acordo com a metodologia empregada

pelos diversos especialistas disponíveis no mercado.

O serviço não seria singular, porquanto previsível seu

resultado. Veja-se outro exemplo.

Imagine que um órgão pretenda contratar um projeto

arquitetônico (art. 13, I da L. 8.666/93), definindo as

características que a edificação deverá apresentar,

tais como: espaço para biblioteca que acomode

20.000 exemplares; um departamento de saúde com

capacidade para atendimento ambulatorial simultâneo

para até 10 pacientes bem como um leito de unidade de

terapia semi-intensiva; vaga coberta para no mínimo 200

automóveis; que o prédio possua sistema de captação

de energia solar para conversão em energia elétrica

e reaproveitamento de águas pluviais e de re-uso. O

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resultado que será apresentado já é sabido mesmo

antes de iniciada a execução, independentemente de

quem ou quantos escritórios de arquitetura venham a

elaborar o projeto. Cada projeto contará com aquelas

características solicitadas e, ainda que se diferenciem

aqui e ali (tipo de fachada, materiais de acabamento etc)

estará possibilitado ao órgão contratante antecipar o

resultado. Logo o resultado é perfeitamente previsível,

e, portanto, viável seria a licitação.

Mas, se o contratante solicitasse o mesmo projeto,

porém, além daquelas características, exigisse que o

mesmo, uma vez executado, fosse capaz de transformar

o prédio em um novo símbolo, uma marca que tornará a

cidade reconhecida internacionalmente. Se a principal

intenção fosse essa, os vários possíveis executores

apresentariam seus respectivos projetos atendendo

a essa exigência cada qual a partir da sua particular

leitura, e o contratante não teria como conhecer

antecipadamente o resultado. No serviço singular o

resultado é, pois, imprevisível, ou seja, o contratante faz

o pedido, mas não sabe exatamente o que irá receber

como resultado da execução. No primeiro caso, a forma

arquitetônica era desimportante; neste, é o elemento

primordial.

A contratação de treinamento e aperfeiçoamento de

pessoal é um excelente exemplo para a confirmação da

tese ora proposta, tendo em vista já citado entendimento

firmado pelo Tribunal de Contas da União.[13] Apesar

de os fundamentos daquele decisum terem estreita

relação com os conceitos doutrinários já anteriormente

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citados, ao se examinar com o olhar ora defendido, se

perceberá que a hipótese se enquadra perfeitamente

à proposição aqui encaminhada. E para esse exame,

bastará que se faça uma análise sobre o que compõe

o resultado da execução do serviço treinamento de

pessoal para identificar se o mesmo é previsível ou

imprevisível.

Nos serviços de treinamento, o resultado que se busca

alcançar, ou seja, aquilo que se perfaz com a execução é

o aprendizado, sendo que dois são os fatores que podem

ser determinantes para seu alcance: a metodologia;

ou, a intervenção direta do docente. As características

do projeto do treinamento, isto é, os objetivos gerais

e específicos, público alvo, metodologia e o conteúdo

programático e recursos instrucionais, constituem

características técnicas do objeto para que o resultado

do serviço seja alcançado.

A execução do serviço de treinamento se materializa,

sem dúvida, com a aula que o docente ministra. É

por meio desta ação que o profissional, fazendo

uso da metodologia didático-pedagógica, utilizando

os recursos instrucionais já definidos e aplicando

o conteúdo programático estabelecido, executa o

objeto com o fito de possibilitar o alcance do resultado

pretendido. Se o resultado, para ser alcançado, depender

essencialmente da intervenção direta e personalíssima

do docente, por óbvio, que o resultado da execução será

imprevisível. Afinal de contas, cada professor possui

sua técnica própria, sua forma de lidar com grupos, sua

empatia e capacidade didática. Fará suas exposições

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com base não só em seus conhecimentos técnicos,

mas também a partir das suas experiências pessoais,

seu ritmo e timbre de voz. Aliás, o próprio professor

poderá executar o serviço de forma distinta a cada

aula proferida, ainda que do mesmo tema, provocado,

por exemplo, por uma mudança de visão e conceitos.

Quer dizer, as aulas sempre serão diferentes, seja

na condução, seja nas conclusões, seja na forma de

exposição. Tudo isso faz com que seja absolutamente

impossível ao contratante desse serviço prever o

resultado que irá receber ao cabo da execução, isto é,

que nível de aprendizado será possível captar. Nestes

casos, não se poderá admitir que, quem quer que seja

o executor, desde que aplicando os recursos didáticos

pre-definidos, vá obter os mesmos resultados. Não há

como negar, diante desse contexto, a singularidade

desse específico objeto.

O mesmo não ocorre com os treinamentos cujo

resultado se alcança primordialmente a partir do

emprego da metodologia e/ou material didático a ser

aplicado. Nesses, a intervenção do professor passa a

ser acessória, não sendo determinante na obtenção dos

resultados esperados. A metodologia, sim, é que seria

o principal elemento responsável pelo alcance desses

resultados, o que induz a percepção de que, seguindo

a metodologia e utilizando os materiais didáticos pré-

definidos, o resultado será sempre previsível, não se

alterando substancialmente mesmo quando executado

por profissionais ou empresas distintas. Cite-se os

cursos de datilografia ou digitação. Nestes, o instrutor é

um condutor da metodologia. Sua intervenção é mínima

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e se resume a verificar se o aluno está executando os

exercícios de forma correta. Se positivo, o instrutor

o autorizará a passar para o próximo exercício, e

assim sucessivamente até que o mesmo esteja

completamente treinado. Qualquer instrutor treinado

na metodologia atrairá resultados muito aproximados

entre os alunos, portanto, perfeitamente previsíveis.

[14]

Diante do acima exposto, é correto afirmar que,

sempre que a intervenção pessoal do instrutor for o

elemento determinante para o alcance dos resultados

pretendidos, revelada estará a natureza singular do

serviço, pois o nível do aprendizado não será previsível.

Em contrapartida, caso o método supere a intervenção

do mestre para esse desiderato, o treinamento será

licitável, porquanto o resultado será basicamente o

mesmo quem quer que o execute (desde que detentor

das habilidades específicas na metodologia). Para

afastar de vez a confusão que ainda possa existir em

relação ao conceito de singularidade, abordemos dois

exemplos: Curso de Atualização em Língua Portuguesa

e o Curso de LIBRAS.

Em nossa vida acadêmica já tivemos professores muito

habilidosos, que, com uma didática excepcional, nos

faziam entender mais facilmente a matéria; e outros, a

despeito de serem detentores de elevado conhecimento

e domínio da matéria, não eram tão capazes de

transmitir adequadamente o conteúdo. No caso, não

seria gramática o principal fio condutor do resultado,

mas a intervenção pessoal do professor de língua

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portuguesa. Apesar de se tratar de um treinamento de

matéria de nível médio (o que significa não ser de alta

complexidade), para o qual há no mercado inúmeros

professores habilitados, ainda sim o mesmo guarda a

característica de singularidade.

Nos cursos de LIBRAS, a linguagem de sinais, o

instrutor não apenas adestra o aluno nas formas que

as mãos devem assumir para sinalizar cada letra do

alfabeto ou sílabas ou expressões; vai muito mais além.

O curso envolve também o aluno saber interpretar o

ritmo com que os sinais são executados, a expressão

facial e corporal do portador da deficiência auditiva,

e outros trejeitos que compõe o universo do idioma

de sinais. Logicamente que cada instrutor apresenta

esse conteúdo de forma personalíssima, e, por isso,

não previsível e incompossível de comparação objetiva

entre os vários possíveis executores”.74 (grifou-se)

74 CHAVES, Luiz Claudio de Azevedo. O CONCEITO DE SINGULARIDADE NA INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO PARA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE TÉCNICOS ESPECIALIZADOS: UMA NOVA PROPOSTA. Disponível em: <https://jmleventos.com.br/pagina.php?area=coluna-juridica&acao=download&dp_id=128>.

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Portanto, em que pese possa comportar divergências75,

entendemos que a singularidade é requisito que deve ser mantido

na análise das contratações diretas quando o objeto for serviços

técnicos que demandam notório especialista. Não obstante a isso,

é de todo recomendável que os órgãos sujeitos à aplicabilidade da

Lei acompanhem a evolução da jurisprudência e doutrina, a fim de

verificar se existirá alguma criação em sentido contrário.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, Aldem Johnston Barbosa. Disponível em: <https://jus.com.

br/artigos/89350/futura-nova-lei-de-licitacoes-a-inexigibilidade-

de-licitacao-para-a-contratacao-de-profissionais-ou-empresas-

de-notoria-especializacao-e-o-fim-da-singularidade-do-servico-

tecnico>.

CARDOSO, Luciano Vitor Engholm. Lei das licitações está

ultrapassada e precisa de mudanças. Disponível em: <https://

www.conjur.com.br/2005-ago-16/lei_licitacoes_ultrapassada_

mudancas>.

75 “Certo, mas e quanto ao art. 74, III do Futuro Novo Código Brasileiro de Licitações e Contratações Públicas? Deverá ele ser interpretado da mesma forma que parte da doutrina e o TCU interpretaram o art. 30, II da Lei n° 13.303/2016?Com a devida vênia entendemos que não.Seguir exigindo que o serviço técnico seja singular para promover a contratação direta por inexigibilidade de licitação de profissionais ou empresas de notória especialização é dar azo a uma interpretação retrospectiva[i] que, por medo de ruptura, finda por impedir inovações e deixe, de forma equivocada[ii], o texto novo tão parecido quanto possível com o antigo numa espécie de tentativa de preservação do status quo ante.Se a futura nova Lei Geral de Contratações Públicas seguiu o exemplo do Estatuto das Estatais para retirar a singularidade do serviço técnico a ser prestado por profissionais ou empresas de notória especialização, a supressão de tal requisito não pode ser entendida como um mero lapso do legislador, restando muito óbvio que se tratou, na verdade, de um silêncio eloquente.” ARAÚJO, Aldem Johnston Barbosa. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/89350/futura-nova-lei-de-licitacoes-a-inexigibilidade-de-licitacao-para-a-contratacao-de-profissionais-ou-empresas-de-notoria-especializacao-e-o-fim-da-singularidade-do-servico-tecnico>.

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CHAVES, Luiz Claudio de Azevedo. O CONCEITO DE SINGULARIDADE

NA INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO PARA CONTRATAÇÃO

DE SERVIÇOS DE TÉCNICOS ESPECIALIZADOS: UMA NOVA

PROPOSTA. Disponível em: <https://jmleventos.com.br/pagina.

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GUIMARÃES, Edgar. Nova Lei de Licitações, a hora e a vez de estados

e municípios. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-

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MACHADO, Ana Carolina Coura Vicente. Reflexões sobre a Lei

14.039/2020 e a contratação direta de serviços prestados por

advogados e profissionais de contabilidade. Disponível em: <https://

www.blogjml.com.br/?cod=ccbf96f20452053e3c829c85a331ca31>.

A DISPENSA PELO VALOR NA LEI 14.133/2021Nyura Disconzi da Silva

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A DISPENSA PELO VALOR NA LEI 14.133/2021

Nyura Disconzi da Silva76

A nova Lei de Licitações – Lei 14.133/2021 –, que foi publicada

no Diário Oficial da União datado de 01 de abril deste ano, prevê:

“Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II

do caput do art. 193, a Administração poderá optar por

licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei

ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a

opção escolhida deverá ser indicada expressamente no

edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta,

vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas

no referido inciso.

76 Advogada em Curitiba/PR. Curso de Pós Graduação pela Escola Nacional de Serviços Urbanos e Instituto Brasileiro de Administração Municipal - IBAM. Participação, em 1993, do Programa Brasília/Miami de Política, Administração Pública, Educação e Saúde. Diversos Cursos de Atualização em Direito Público, em especial na área de licitações e contratos. Exerceu o cargo de Advogada na Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba-COMEC, participando, dentre outros, na elaboração do Manual de Orientação para Licitações realizadas pelas Prefeituras da Região Metropolitana de Curitiba para o Programa EBTU/BIRD; na elaboração de Manual de Orientação de Licitações para o Programa de Investimentos na Região Metropolitana de Curitiba; no Programa de Saneamento Ambiental do Paraná/PROSAM; e na elaboração de Manuais e Editais de Licitação Internacional para o Programa de Saneamento Ambiental/PROSAM. Exerceu o cargo de assessora técnica na Casa Civil da Governadoria do Estado do Paraná, desempenhando atividades na Subchefia de Assuntos Técnicos - Divisão Técnica Jurídica. Exerceu a função de Presidente de Comissão Permanente de Licitação da Casa Civil da Governadoria do Estado do Paraná. Exerceu a função de consultora jurídica na empresa Zênite Informação e Consultoria em Administração Pública Ltda., empresa especializada em consultoria na área de licitações e contratos administrativos. Exerceu a função de Supervisora dos serviços de consultoria na empresa Zênite Informação e Consultoria em Administração Pública Ltda. Exerceu a função de Advogada do Instituto Superior de Administração e Economia do Mercosul – ISAE/ FGV - Fundação Getúlio Vargas. Colaboradora e integrante da equipe de apoio da Revista JML de Licitações e Contratos. Coordenadora da Consultoria do GRUPO JML. Autora de obras e artigos jurídicos.

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Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo,

se a Administração optar por licitar de acordo com as

leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei,

o contrato respectivo será regido pelas regras nelas

previstas durante toda a sua vigência.

Art. 192. O contrato relativo a imóvel do patrimônio da

União ou de suas autarquias e fundações continuará

regido pela legislação pertinente, aplicada esta Lei

subsidiariamente.

Art. 193. Revogam-se:

I - os arts. 89 a 108 da Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993,

na data de publicação desta Lei;

II - a Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei n° 10.520,

de 17 de julho de 2002, e os arts. 1° a 47-A da Lei n°

12.462, de 4 de agosto de 2011, após decorridos 2 (dois)

anos da publicação oficial desta Lei.

Art. 194. Esta Lei entra em vigor na data de sua

publicação.”

Portanto, em que pese a nova Lei de Licitações entrar em

vigor na data de sua publicação, as disposições da Lei 8.666/93 só

serão revogadas após o decurso de dois anos contados dessa data

(data da publicação), ressalva sendo feita aos arts. 89 a 108 da antiga

norma, que cuidam dos crimes e penas, bem como do processo e

do procedimento judicial das mesmas, que restaram revogados na

mesma data em que passou a vigorar o novo normativo.

Nesse período de dois anos cabe à Administração optar

por um dos regimes existente, isso é, contratar nos moldes

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da Lei 8.666/93 ou nos termos da Lei 14.133/2021, conforme

expressamente estatui o art. 191 da nova Lei antes transcrito,

vedada, contudo, a combinação de ambas.

E, tal regra aplica-se às contratações diretas, uma vez que

referido art. 191 é claro a respeito ao aduzir que “(...) a Administração

poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com

esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, (...).”

(grifou-se)

Deverá a Administração, assim, já ao iniciar o seu

procedimento de contratação indicar a qual legislação se

submeterá, de modo a permitir aos interessados a ciência das

regras a que se sujeitarão, sendo essa, aliás, a determinação legal,

que aponta a necessidade de a escolha feita ser indicada no edital

ou no instrumento de contratação direta. Tal medida viabilizará,

também, o controle efetivo da legalidade dos atos praticados

frente aos normativos aplicáveis.

Pois bem. No que tange a contratação direta pelo valor,

aquela que leva em conta o custo não muito elevado da despesa

para viabilizar o afastamento da regra da licitação77, o art. 75 da

nova Lei prescreve:

77 Regra essa que decorre da imposição feita no inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” (grifou-se)

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“Art. 75. É dispensável a licitação:

I - para contratação que envolva valores inferiores a R$

100.000,00 (cem mil reais), no caso de obras e serviços

de engenharia ou de serviços de manutenção de

veículos automotores;

II - para contratação que envolva valores inferiores a

R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), no caso de outros

serviços e compras;

(...)

§ 1° Para fins de aferição dos valores que atendam aos

limites referidos nos incisos I e II do caput deste artigo,

deverão ser observados:

I - o somatório do que for despendido no exercício

financeiro pela respectiva unidade gestora;

II - o somatório da despesa realizada com objetos

de mesma natureza, entendidos como tais aqueles

relativos a contratações no mesmo ramo de atividade.

§ 2° Os valores referidos nos incisos I e II do caput deste

artigo serão duplicados para compras, obras e serviços

contratados por consórcio público ou por autarquia ou

fundação qualificadas como agências executivas na

forma da lei.

§ 3° As contratações de que tratam os incisos I e II do

caput deste artigo serão preferencialmente precedidas

de divulgação de aviso em sítio eletrônico oficial, pelo

prazo mínimo de 3 (três) dias úteis, com a especificação

do objeto pretendido e com a manifestação de interesse

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da Administração em obter propostas adicionais de

eventuais interessados, devendo ser selecionada a

proposta mais vantajosa.

§ 4° As contratações de que tratam os incisos I e II do

caput deste artigo serão preferencialmente pagas por

meio de cartão de pagamento, cujo extrato deverá ser

divulgado e mantido à disposição do público no Portal

Nacional de Contratações Públicas (PNCP).

(...)

§ 7° Não se aplica o disposto no § 1° deste artigo às

contratações de até R$ 8.000,00 (oito mil reais) de

serviços de manutenção de veículos automotores de

propriedade do órgão ou entidade contratante, incluído

o fornecimento de peças.”

Percebe-se, assim, de plano, que os limites utilizados pela

nova Lei – R$ 100.000,00 para obras/serviços de engenharia e

serviços de manutenção de veículos e R$ 50.000,00 para outros

serviços e compras78-79 – são superiores aos contemplados na

Lei 8.666/93, limites esses, ademais, que são duplicados quando

contratados por consórcio público e autarquia ou fundação

qualificadas como agências executivas, fato esse que faz com que

a escolha das suas regras (Lei 14.133/2021) seja mais vantajosa.

78 Mesmos limites previstos na Lei 13.303/2016 (Leis das Estatais) e na Lei 14.065/2020, editada para o período de calamidade pública decretada em vista da pandemia do COVID-19.

79 Não inclui alienações, como o faz a Lei 8.666/93 no inciso II do seu art. 24: “II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea “a”, do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez;” (grifou-se)

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Observa-se, ainda, que o limite atribuído para obras e

serviços de engenharia é estendido para os serviços de manutenção

de veículos, o que causa certa estranheza, quando mais o § 7° do

art. 75 estipule que o contido no § 1° desse mesmo preceito80 não

se aplica a tais serviços, o que significa que para esses pode ser

considerado o custo de cada contratação de forma isolada.

De todo modo, na mesma linha do que preceitua a Lei

8.666/9381 a nova Lei estabelece algumas condicionantes para essa

dispensa de licitação, estatuindo no § 1° de seu art. 75 que para

a aferição do atendimento dos limites dessa (dispensa) deve ser

considerado: “I - o somatório do que for despendido no exercício

financeiro pela respectiva unidade gestora” e “II - o somatório da

despesa realizada com objetos de mesma natureza, entendidos

como tais aqueles relativos a contratação no mesmo ramo de

atividade.” Impõe, em síntese, que a Administração considere, para

os fins de eventual enquadramento na dispensa de licitação pelo

valor, a despesa total no exercício financeiro com a contratação de

bens de mesma natureza.

Tais condicionantes, em verdade, visam preservar a própria

licitação, na medida que buscam afastar o fracionamento indevido

80 Que impõe o somatório das despesas com objetos de mesma natureza no exercício financeiro para os fins apurar-se o limite de dispensa

81 Cujas condicionantes são as que seguem: Art. 24.  É dispensável a licitação: I - para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea “a”, do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente; II  -  para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea “a”, do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez;”(grifou-se)   

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da despesa82 e com isso impedir que a Administração deixe de

cumprir seu dever constitucional de licitar, dar atendimento ao

dever de planejamento adequado da contratação e vão ao encontro

do entendimento do Tribunal de Contas da União, que há muito

tempo vem orientando seus jurisdicionados nesse sentido, como

se vê do teor das manifestações abaixo reproduzidas, exaradas à

luz das disposições da Lei 8.666/93:

“Fracionamento, à luz da Lei de Licitações, caracteriza-

se quando se divide a despesa para utilizar modalidade

de licitação inferior à recomendada pela legislação para

o total da despesa ou para efetuar contratação direta.

(...)

Não raras vezes, ocorre fracionamento da despesa

pela ausência de planejamento da Administração. O

planejamento do exercício deve observar o princípio

da anualidade do orçamento. Logo, não pode o agente

público justificar o fracionamento da despesa com

várias aquisições ou contratações no mesmo exercício,

sob modalidade de licitação inferior àquela exigida para

o total da despesa no ano, quando decorrente da falta

de planejamento.”83

“Não há qualquer impedimento legal para o

parcelamento de compras, o que soluciona a

questão de estocagem de equipamentos e mesmo a

82 Fracionamento que não pode ser confundido com o parcelamento do objeto em itens ou lotes, quando tecnicamente viável e economicamente vantajoso, para ampliação da competitividade, parcelamento esse, inclusive, alçado a princípio na contratação de bens e serviços (arts. 40, V, “b” e 47, II).

83 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU. 4. ed. rev., atual. e ampl. – Brasília: TCU, Secretaria-Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010, p. 104-105.

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dificuldade de desembolso de valores elevados que

seriam necessários para uma única compra. O que se questiona, e configura a irregularidade apontada pelo Controle Interno, é a utilização do parcelamento de compras como pretexto para a não realização de regular procedimento licitatório, sob a alegação de que cada uma das aquisições foi em valores inferiores a R$ 16.000,00, materializadas em 131 processos de compras enquadrados como dispensa de licitação.”84

(grifou-se)

“Realize planejamento de compras a fim de que possam ser feitas aquisições de produtos de mesma natureza de uma so vez, pela modalidade de licitação compatível

com a estimativa da totalidade do valor a ser adquirido,

abstendo-se de utilizar, nesses casos, o art. 24, inciso II, da Lei no 8.666/1993 para justificar a dispensa de licitação, por se caracterizar fracionamento de despesa.”85 (grifou-se)

“Licitação para aquisição de bens: 1 - Fracionamento de despesas para a não realização de licitação, ou para a não adoção da modalidade licitatória adequada

Para o relator, “os serviços executados nas quatro

unidades móveis poderiam caracterizar-se como sendo de mesma natureza, tais como lanternagem,

recuperação de cadeiras e bancos, recarga de

extintores, sinalização visual etc., indicando que uma só empresa poderia realizar os serviços.”86 (grifou-se)

84 TCU. Acórdão 3067/2003. Primeira Câmara.

85 TCU. Acórdão 367/2010. Segunda Câmara

86 TCU. Acórdão 2568/2010. Primeira Câmara.

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“[Prestação de contas da Superintendência Regional

do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

(Incra) no Amazonas (SR(15)AM) referente ao exercício

de 2008.]

[ACÓRDÃO]

9.5. cientificar a unidade jurisdicionada quanto às

seguintes impropriedades:

(...)

9.5.2. reiteradas dispensas de licitação, com fundamento no art. 24, II, da Lei 8.666/1993, indevidas, para aquisição dos mesmos produtos, caracterizando a prática de fracionamento de despesa e deficiencia do planejamento de compras;”87 (grifou-se)

“68. Aspecto relevante relacionado às contratações por pequeno valor é o fracionamento de despesas, que ocorre quando são realizadas, no mesmo exercício, mais de uma dispensa enquadrada nos incisos supracitados, com objetos da mesma natureza, e que somadas ultrapassam os limites estabelecidos.

Exemplo de controle que pode ser adotado para evitar

a ocorrência de fracionamento é a elaboração de plano

anual de aquisições, por meio do qual as organizações

podem identificar possíveis compras recorrentes.”88

(grifou-se)

“23. O plano anual de aquisições pode proporcionar diversos benefícios: a) evitar o fracionamento

87 TCU. Acórdão 10.075/2011. Primeira Câmara.

88 TCU. Acórdão 1796/2018. Plenário.

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de despesa, que é prática irregular normalmente caracterizada quando se divide despesa com a finalidade de utilizar modalidade de licitação inferior

à fixada pela lei (art. 23, § 5o, da Lei 8.666/1993) para o total do gasto, em certames com objetos da mesma natureza, ou para efetuar contratação direta; b)

economia de escala, pois possibilita a identificação de

potenciais compras conjuntas; c) alocação planejada

da força de trabalho da área contratações, com o

mapeamento dos períodos nos quais as diversas

aquisições serão executadas; d) potencial aumento de qualidade e eficiencia dos certames nos casos em que houver publicação do plano para a sociedade, haja vista que, ao conhecer previamente o provável cronograma das licitações, o mercado pode se programar para oferecer melhores condições de fornecimento.”89

(grifou-se)

A Controladoria-geral da União - CGU e a doutrina

corrobaram:

“15. O que é o fracionamento de despesa?

O fracionamento de despesas é caracterizado pela

divisão da aquisição em vários certames ou dispensas

de licitação para compras, obras e serviços de mesma

natureza e execução no mesmo local, que possam

ser realizadas conjunta e concomitantemente, tais

que somados seus valores, demandariam modalidade

licitatória mais complexa. Geralmente, o fracionamento

ocorre pela ausência de planejamento do gasto,

em determinado período, para a execução de obra,

89 TCU. Acórdão 1049/2019. Plenário.

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contratação de serviço, ou compra de determinado

produto.

16. Quais aspectos são importantes para evitar o

fracionamento?

Para evitar o fracionamento de despesas deve ser

observada a natureza do objeto a ser licitado, pois para

aqueles de natureza contínua deverá ser escolhida a

modalidade que proporcione a ampla competitividade

entre os diversos fornecedores e, consequentemente,

selecionar a proposta mais vantajosa, observados os

princípios constitucionais a que estão vinculadas.

Para a escolha da modalidade de licitação é

imprescindível que haja um eficaz processo de

planejamento quanto aos bens a serem adquiridos e dos

serviços a serem contratados pela entidade.

Assim, as aquisições de bens e contratações de serviços

devem estar pautadas nos princípios da eficiência,

economicidade e razoabilidade, bem como sustentadas

em instrumento de planejamento, que possibilite a

escolha da modalidade adequada de licitação, inclusive

o próprio registro de preços, fatores que, devidamente

comprovados nos processos de contratação elidem

a interpretação da ocorrência do fracionamento de

despesas.”90

“121. A realização de contratações frequentes do

mesmo objeto, no mesmo exercício financeiro, em

90 BRASIL. Controladoria-Geral da União (CGU). Entendimentos do Controle Interno Federal sobre a Gestão dos Recursos das Entidades do Sistema “S”. Perguntas e Respostas. ed. revisada. Brasília, 2017, p. 14-15.

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valores globais que excedam o limite legal de dispensa

de licitação, caracteriza fracionamento indevido de

despesas?

A resposta é afirmativa. Caracteriza fracionamento

indevido de despesas a contratação frequente do

mesmo objeto, em processos distintos, no mesmo

exercício, em valores globais que excedam os limites

para a dispensa de licitação, fixados nos incisos I e II do

art. 24 da Lei no 8.666/93.

(...)

O administrador público deve programar as contratações

(obras, serviços e compras) do exercício anual em

sua totalidade, prevendo seus custos atual e final e

considerados os prazos de execução, adotada, como

regra, a licitação, cujo objetivo é franquear o acesso às

contratações públicas a maior número de interessados,

na busca da proposta mais vantajosa que resultará

da competição isonômica entre todos. Incumbe-lhe,

pois, planejar para o efeito de evitar o fracionamento

decorrente de sucessivas contratações parciais de um

mesmo objeto, baseadas no pequeno valor da parcela.”91

91 PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres e DOTTI, Marinês Restelatto. Mil perguntas e respostas necessárias sobre licitação e contrato administrativo na ordem jurídica brasileira. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 244-245.

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O dever de planejamento, aliás, ganhou destaque na nova

Lei de Licitações, que o elevou a princípio,92 e tem sua importância

enfatizada pela doutrina, conforme segue, respectivamente:

“Art. 5° Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da

moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse

público, da probidade administrativa, da igualdade,

do planejamento, da transparência, da eficácia, da

segregação de funções, da motivação, da vinculação ao

edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da

razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade,

da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento

nacional sustentável, assim como as disposições do

Decreto-Lei n° 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de

Introdução às Normas do Direito Brasileiro).” (grifou-se).

“Proíbe-se a aplicação de recursos públicos em

empreendimentos com dimensões não estimadas

ou estimadas em perspectivas irreais, inexequíveis,

onerosas ou não isonômicas. Não poderá ser

desencadeado um empreendimento sem serem

cumpridas todas as exigências prévias. Nem sequer

poderá iniciar-se a licitação sem o cumprimento de tais

92 E ainda prevê: “Art. 12. No processo licitatório, observar-se-á o seguinte: (...) VII - a partir de documentos de formalização de demandas, os órgãos responsáveis pelo planejamento de cada ente federativo poderão, na forma de regulamento, elaborar plano de contratações anual, com o objetivo de racionalizar as contratações dos órgãos e entidades sob sua competência, garantir o alinhamento com o seu planejamento estratégico e subsidiar a elaboração das respectivas leis orçamentárias. § 1° O plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput deste artigo deverá ser divulgado e mantido à disposição do público em sítio eletrônico oficial e será observado pelo ente federativo na realização de licitações e na execução dos contratos. (...) Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos:” (grifou-se)

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requisitos, que se inserem na fase interna da atividade

administrativa.

(...)

2.1) As duas finalidades básicas da etapa interna

A primeira finalidade da Lei é evitar contratações

administrativas defeituosas, assim entendidas aquelas

que se inviabilizem ao longo da execução do objeto ou

que não assegurem o aproveitamento mais eficiente

dos recursos públicos.

Outra finalidade legal é promover uma licitação

satisfatória, reduzindo o risco de conflitos, impugnações

e atrasos.

2.2) A definição do contrato e a fixação das condições

da licitação

Para atingir essas duas finalidades, é imperioso que a

Administração identifique de modo perfeito o objeto

a ser executado, a presença dos requisitos legais

de admissibilidade da contratação e a conveniência

da solução a ser adotada para execução do objeto

contratado. Essa é a primeira etapa a ser cumprida pela

Administração.”93 (grifou-se)

Em atenção a isso é que o art. 72 da Lei 14.133/2021 prevê

também que as contratações diretas devem ser devidamente

formalizadas em processo administrativo que contenha os

documentos necessários para a perfeita identificação da demanda

e do seu custo estimado, dentre outros mais, posto que somente

dessa forma será possível a verificação do procedimento cabível

(licitação ou dispensa):

93 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 220/222.

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“Art. 72. O processo de contratação direta, que

compreende os casos de inexigibilidade e de dispensa

de licitação, deverá ser instruído com os seguintes

documentos:

I - documento de formalização de demanda e, se for o caso, estudo técnico preliminar94, análise de riscos, termo de referência,95 projeto básico96 ou projeto executivo;

94 Conceituado pelo inciso XX do art. 6° da Lei 14/133/2021 como: “XX - estudo técnico preliminar: documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação que caracteriza o interesse público envolvido e a sua melhor solução e dá base ao anteprojeto, ao termo de referência ou ao projeto básico a serem elaborados caso se conclua pela viabilidade da contratação.” 

95 Conceituado pelo inciso XXIII do art. art. 6° da Lei 14/133/2021 como: “XXIII - termo de referência: documento necessário para a contratação de bens e serviços, que deve conter os seguintes parâmetros e elementos descritivos: a) definição do objeto, incluídos sua natureza, os quantitativos, o prazo do contrato e, se for o caso, a possibilidade de sua prorrogação; b) fundamentação da contratação, que consiste na referência aos estudos técnicos preliminares correspondentes ou, quando não for possível divulgar esses estudos, no extrato das partes que não contiverem informações sigilosas; c) descrição da solução como um todo, considerado todo o ciclo de vida do objeto; d) requisitos da contratação; e) modelo de execução do objeto, que consiste na definição de como o contrato deverá produzir os resultados pretendidos desde o seu início até o seu encerramento; f) modelo de gestão do contrato, que descreve como a execução do objeto será acompanhada e fiscalizada pelo órgão ou entidade; g) critérios de medição e de pagamento; h) forma e critérios de seleção do fornecedor; i) estimativas do valor da contratação, acompanhadas dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, com os parâmetros utilizados para a obtenção dos preços e para os respectivos cálculos, que devem constar de documento separado e classificado; j) adequação orçamentária;”

96 Conceituado pelo inciso XXV do art. 6° da Lei 14/133/2021 como: “XXV - projeto básico: conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado para definir e dimensionar a obra ou o serviço, ou o complexo de obras ou de serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegure a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos: a) levantamentos topográficos e cadastrais, sondagens e ensaios geotécnicos, ensaios e análises laboratoriais, estudos socioambientais e demais dados e levantamentos necessários para execução da solução escolhida; b) soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a evitar, por ocasião da elaboração do projeto executivo e da realização das obras e montagem, a necessidade de reformulações ou variantes quanto à qualidade, ao preço e ao prazo inicialmente definidos; c) identificação dos tipos de serviços a executar e dos materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como das suas especificações, de modo a assegurar os melhores resultados para o empreendimento e a segurança executiva na utilização do objeto, para os fins a que se destina, considerados os riscos e os perigos identificáveis, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução; d) informações que possibilitem o estudo e a definição de métodos construtivos, de instalações provisórias e de condições organizacionais para a obra, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução; e) subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendidos a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso; f) orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados, obrigatório exclusivamente para os regimes de execução previstos nos incisos I, II, III, IV e VII do caput do art. 46 desta Lei;”

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II - estimativa de despesa, que deverá ser calculada na forma estabelecida no art. 23 desta Lei;

III - parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o

caso, que demonstrem o atendimento dos requisitos

exigidos;

IV - demonstração da compatibilidade da previsão de

recursos orçamentários com o compromisso a ser

assumido;

V - comprovação de que o contratado preenche

os requisitos de habilitação e qualificação mínima

necessária;

VI - razão da escolha do contratado;

VII - justificativa de preço;

VIII - autorização da autoridade competente.

Parágrafo único. O ato que autoriza a contratação

direta ou o extrato decorrente do contrato deverá ser

divulgado e mantido à disposição do público em sítio

eletrônico oficial.

Art. 73. Na hipótese de contratação direta indevida

ocorrida com dolo, fraude ou erro grosseiro, o

contratado e o agente público responsável responderão

solidariamente pelo dano causado ao erário, sem

prejuízo de outras sanções legais cabíveis.” (grifou-se)

E o custo estimado da contratação deve levar em conta o

valor total da despesa por todo o perí0do da contratação – cujo

prazo deve ser fixado em consonância com as regras contidas no

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Capítulo V da nova Lei –, o mesmo devendo ser observado, a rigor,

quando da aferição do atendimento do limite fixado para a dispensa

do valor, apesar de a Lei 14.133/2021 mencionar apenas o custo na

despesa no exercício financeiro, sob pena de restar caracterizado

o fracionamento indevido da despesa.

Válidos, à propósito, os comentários feitos por Edgar

Guimarães e José Anacleto Abduch Santos acerca da dispensa

pelo valor no regime jurídico das estatais (Lei 13.303/2016),97 que

guarda compatibilidade com a questão ora examinada:

“Logo, para o fim de identificar o cabimento ou não da dispensa em razão do valor, as empresas estatais devem considerar o total do gasto provocado pelo objeto a ser contratado. Consequentemente, se houver

uma demanda que lhes sujeita à necessidade de adquirir

100 mesas a um custo estimado de R$200.000,00, não

poderão dividir o objeto em 10 parcelas de 10 unidades

cada qual e contratar todas elas com dispensa de

licitação, porque, ainda que o valor de cada uma dessas

parcelas, considerado individualmente, fique dentro do

limite do artigo 28, inciso II, o somatório extrapola.

É importante salientarmos que a vedação legal fica

circunscrita ao fracionamento indevido de despesa,

isto é, ao fato de não se considerar o encargo financeiro

gerado pela contratação da totalidade do objeto para

fins da definição do dever de licitar ou do cabimento

97 Art. 29. É dispensável a realização de licitação por empresas públicas e sociedades de economia mista:  I - para obras e serviços de engenharia de valor até R$ 100.000,00 (cem mil reais), desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda a obras e serviços de mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente; II - para outros serviços e compras de valor até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizado de uma só vez;”

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da dispensa em razão do valor. Logo, não significa a

impossibilidade de parcelar o objeto das contratações.

Inclusive, sempre que a divisão do objeto representar

vantagem, ela poderá (e, em alguns casos, deverá) ser

realizada. E mais: a dispensa em razão do valor será

cabível se, retomando o exemplo acima citado, as 10

parcelas, consideradas conjuntamente, traduzirem um

custo inferior aos limites estabelecidos nas disposições

legais em exame (R$100.000,00 ou R$50.000,00,

conforme o caso), variando de acordo com a natureza

da contratação.

É nítido, assim, que a verificação do cabimento da

dispensa em razão do valor não permite que o gestor

público considere as despesas contratuais de modo

aleatório e individual, ou seja, como se cada contrato

fosse próprio e independente. Ao contrário, a questão

está diretamente ligada ao dever de planejamento que

incide sobre toda a Administração Pública.

O planejamento, em síntese, constitui a atividade estratégica dirigida a permitir a execução eficiente da ação pública, ou seja, possibilitar a aplicação da melhor alternativa existente para a satisfação da necessidade com o menor dispendio burocrático (tempo, recursos humanos, entre outros) e financeiro.

Daí porque as estatais devem, ao identificar a necessidade de uma contratação, avaliar o contexto da sua totalidade. Em outros termos, é preciso constatar qual a real demanda e se apenas uma contratação será suficiente para satisfaze-la.

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A identificação da demanda deve naturalmente observar

as diretrizes de mercado. Logo, bens e serviços que

sejam integrantes de um mesmo gênero e, portanto,

circunscritos a idêntico segmento de mercado devem ser

agrupados e considerados conjuntamente. A adoção desse

procedimento permite a obtenção das melhores condições

de contratação.

Essa conclusão, no entanto, projeta outro desafio que

não pode escapar ao exame, qual seja: o de definir

qual referência de tempo deve ser adotada para fins de

planejamento, isto é, qual o período que deve ser tomado

em conta visando à verificação do quanto representa a

demanda da contratação.

Para solucionar o problema, entendemos necessário

relacionar essa atividade de planejamento contratual com

os instrumentos de planejamento orçamentário impostos

constitucionalmente à Administração Pública. Como este

último é definido pela Lei Orçamentária Anual – LOA,98  a

Administração deverá identificar os bens de mesmo gênero

que serão necessários ao longo do exercício financeiro

e realizar a dispensa em razão do valor se a totalidade de

gasto projetado para o período anual observar os limites do

artigo 29, inciso I ou II (conforme a natureza do objeto).99

98 Na forma dos arts. 165 e seguintes, da Constituição da República.

99 Essa orientação não é desconhecida das Cortes de Contas em geral. Os precedentes que seguem, provenientes do Tribunal de Contas da União e exarados à luz da Lei n° 8.666/93, demonstram a existência de uma tendência em segui-la: “Abstenha-se de contratar serviços por dispensa de licitação quando o total das despesas anuais não se enquadrar no limite estabelecido pelo art. 24, inciso II, da Lei n° 8.666/1993 (Acórdão 1705/2003 Plenário)”. “É correta a contratação por dispensa de licitação, quando os valores envolvidos enquadram-se nos limites de que trata o art. 24, II, da Lei n° 8.666/1993. Quando mais de um procedimento tratar da mesma obra, deve ser observada a modalidade de licitação pertinente à soma das contratações ou a contratação direta por dispensa de licitação, caso esse valor se enquadre dentro do limite previsto no inciso I do art. 24 da Lei n° 8.666/1993 (Acórdão 120/2007 Segunda Câmara)”. “Realize planejamento de compras a fim de que possam ser feitas aquisições de produtos de mesma natureza de uma só vez, pela modalidade de licitação compatível com a estimativa da totalidade do valor a ser adquirido, abstendo-se de utilizar, nesses casos, o art. 24, inciso II, da Lei n° 8.666/1993 para justificar a dispensa de licitação, por se caracterizar fracionamento de despesa (Acórdão 367/2010 Segunda Câmara).

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Neste contexto, inserem-se os contratos suscetíveis

de prorrogação. Na hipótese, como o planejamento deve avaliar globalmente as despesas, os contratos passíveis de prorrogação deverão ser considerados a partir da totalidade dos custos que eles podem gerar, o que abrange, consequentemente, tanto o período de duração ordinário para ele previsto como as possíveis vigencias extraordinárias, fruto de prorrogações.”100

(grifou-se)

Outrossim, o  § 3° do art. 75 da Lei 14.133/2021  estabelece

que as contratações diretas pelo valor devem, preferencialmente,

ter aviso divulgado em sítio eletrônico oficial pelo prazo mínimo

de 3 dias úteis, de forma a convocar os particulares que atuam no

ramo do objeto a apresentar propostas, o que se entende salutar,

dado que com isso se confere publicidade aos atos e evita-se

abusos ou desvios. Acresce, ademais, que deve ser selecionada a

proposta mais vantajosa, o que se constitui, aliás, em obrigação do

administrador. 

E por fim, o § 4° do art. 75 da nova Lei estipula que,

preferencialmente também, o pagamento das contratações

diretas pelo valor deve ser feito por intermédio de cartão de

pagamento, cujo extrato deve ser divulgado no Portal Nacional das

Contratações Públicas, norma essa que não se julga de caráter

geral, podendo os demais entes, então, disciplinar a questão de

modo diverso, em face de suas peculiaridades. 

100 GUIMARÃES, Edgar; SANTOS, José Anacleto Abduch. Lei das estatais: comentários ao regime jurídico licitatório e contratual da lei n° 13.303/2016 (Locais do Kindle 719-753). Edição do Kindle.

Um ensaio sobre “obras comuns de engenharia” na Nova Lei de Licitações e Contratos AdministrativosRafael Jardim Cavalcante

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Um ensaio sobre “obras comuns de engenharia” na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos

Rafael Jardim Cavalcante101

RESUMO: A Nova Lei de Licitações e Contratos

Administrativos alçou um conceito inédito afeto a “obras comuns

de engenharia”. Para esses objetos, segundo o texto legal, tanto se

autoriza licitá-los, em alguns casos, sem a feitura de um projeto

básico completo de engenharia, quanto se demanda um prazo

inferior para apresentação das propostas e lances, uma vez

publicado o instrumento convocatório. Em vista da omissão do

texto legal na conceituação de tal termo, o presente artigo ter por

objetivo sugerir uma definição objetiva e instrumental para “obras

comuns de engenharia”. Com base em paralelismos conceituais,

101 Auditor Federal de Controle Externo, é o atual Secretário de Controle Externo do Sistema Financeiro Nacional do TCU e Ex-Secretário de Combate a Corrupção daquela Corte. Coautor dos livros “Obras Públicas: comentários à jurisprudência do TCU” – 4ª Edição, “O RDC e a Contratação Integrada na prática”, “Lei Anticorrupção e Temas de Compliance”, “Empresas Estatais - governança, integridade, compliance e contratações” e “O Controle da Administração Pública na Era Digital”. No TCU desde 2005, foi também titular da Secretaria Extraordinária de Operações Especiais em Infraestrutura, unidade responsável pela condução dos processos relacionados à Operação Lava Jato. Foi ainda Diretor da área técnica responsável pela fiscalização de rodovias. Ocupou os cargos de Secretário de Fiscalização de Infraestrutura de Petróleo e também de Fiscalização de Obras de Energia. Coordenou as fiscalizações do TCU atinentes à Copa do Mundo de 2014. Na área de combate à corrupção e integridade, palestrou em eventos internacionais da ONU, OCDE, além de treinamentos para auditores das Controladorias Gerais de diversos países na América Latina. Palestrante e conferencista em temas afetos à engenharia de custos para o setor público, ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), Empresas Estatais, Compliance, Integridade e a licitações e contratos de obras e serviços de engenharia. Formado em engenharia civil pela Universidade de Brasília, trabalhou por mais de dez anos na coordenação de projetos e execução de obras na iniciativa privada.

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hermenêuticos e frente a particularidades técnicas no universo da

engenharia e a arquitetura, propôs-se conceituar um obra comum de

engenharia como aquela corriqueira, cujos métodos construtivos,

equipamentos e materiais utilizados para a sua feitura sejam

frequentemente empregados em determinada região e apta de ser

bem executada pela maior parte do universo de potenciais licitantes

disponíveis e que, por sua homogeneidade ou baixa complexidade,

não possa ser classificada como obra especial. Por sua vez, obra

especial de engenharia é aquela que cuja parcela de experiência

exigida nos atestados de capacidade técnica refiram-se a obras,

sistemas ou subsistemas construtivos heterogêneos, complexos,

cujos métodos construtivos, equipamentos e/ou materiais tenham

sido realizados com maior raridade e/ou que imponham desafios

executivos incomuns para sua conclusão, suficientes a perfazer

um menor número de empresas aptas a demonstrar experiência na

sua feitura ou a demandar-lhes a medição específica de habilidade/

intelectualidade para a seleção da futura contratada.

Palavras-chave: Obras comuns de engenharia; Nova Lei de

Licitações e Contratos; Obras e serviços de engenharia.

ABSTRACT: The Brazilian New Law of Public Biddings

and Administrative Contracts has presented an unprecedented

concept related to “common engineering public works”. For this

kind of objects, according to new law, as well as the possibility

of bidding, at specific situation, without a complete engineering

design, a shorter term is demanded between the publicization of

auction notice and the bidder proposes presentation. Due the legal

text absence related to this expression, the main objective of this

paper is suggesting an instrumental and concrete definition for a

“common engineering public work”. Supported by conceptual and

hermeneutic parallelisms and in front of technical specificities

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linked to engineering and architecture universe, this article has

conceptualized a common public work like that commonplace,

which constructive methods, equipments and materials to

complete fulfillment are often used in specific region and able

do be correctly built up by the most part of available potential

bidders and, in face of its homogeneity or low complexity, cannot

be classified as a special engineering public work. In turn, a special

engineering public work is one whose share of experience required

in the certificates of technical capacity refer to heterogeneous

and complexes construction works, systems and subsystems,

whose construction methods, equipment and/or materials have

been carried out with greater rarity and/or which impose unusual

executive challenges for their completion, sufficient to make up a

smaller number of companies able to demonstrate experience in

their construction or to demand the specific measurement of skill/

intellectuality for the future contractor selection.

Keywords: common engineering public works; New Law of

Public Biddings and Administrative Contracts; public works and

engineering services.

1. Introdução

No dia 10 de dezembro de 2020 o Senado Federal aprovou,

em caráter definitivo, a Nova Lei de Licitações e Contratos

Administrativos (PL 4253/2020 – Substitutivo da Câmara dos

Deputados ao Projeto de Lei do Senado n° 559, de 2013), sendo o

texto sancionado pelo Presidente da República e publicado em

edição extra do Diário Oficial da União em 01 de abril de 2021.

Dentre as diversas novidades da Lei, encontra-se a aposição

do termo “obras e serviços comuns de engenharia”, jargão até então

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inédito no âmbito da Lei 8.666/93. Para essas “obras comuns”, tanto

se autoriza licitá-las, em alguns casos, sem a feitura de um projeto

básico completo de engenharia (art. 18, §3°, da Lei n°. 14.133/2021),

quanto se demanda um prazo inferior para apresentação das

propostas e lances, uma vez publicado o instrumento convocatório

(art. 55, inciso II, alínea ‘a’, da Lei n°. 14.133/2021).

Apesar dessas relevantes implicações legais e

procedimentais afetas ao procedimento licitatório, o termo “obras

comuns de engenharia” não se encontra definido no escopo de no art. 6°

da Lei n°. 14.133/2021, ou em qualquer de seus dispositivos. Tal omissão

legal e a respectiva imprecisão do conceito tem o condão de conferir

incerteza relevante ao processo licitatório. As consequências de tal

classificação e eventual dubiedade de posicionamento dos órgãos jurídico

e de controle redundam tanto em potencial instabilidade e ineficiência

decisória, quanto um foco de insegurança jurídica no processo.

De todo adequado, pois, discutir uma definição mais objetiva

para o termo obras comuns de engenharia. Deve-se oferecer

ao gestor de obras públicas, com base em princípios e tomando

conceitos técnicos da engenharia e da arquitetura, uma definição

mais instrumental do termo, a conferir maior objetividade ao

processo decisório e, consequentemente, maior segurança jurídica

aos agentes de contratação.

2. “Obras comuns de engenharia” na Nova Lei de

Licitações e Contratos

Consta do art. 55 da Lei 14.133/2021:

Art. 55. Os prazos mínimos para apresentação de

propostas e lances, contados a partir da data de

divulgação do edital de licitação, são de:

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I – para aquisição de bens:

a) 8 (oito) dias úteis, quando adotados os critérios de

julgamento de menor preço ou de maior desconto;

b) 15 (quinze) dias úteis, nas hipóteses não abrangidas

pela alínea a deste inciso;

II – no caso de serviços e obras:

a) 10 (dez) dias úteis, quando adotados os critérios de

julgamento de menor preço ou de maior desconto no

caso de serviços comuns de obras e serviços comuns de

engenharia;

b) 25 (vinte e cinco) dias úteis, quando adotados os

critérios de julgamento de menor preço ou de maior

desconto, no caso de serviços especiais e de obras e

serviços de engenharia;

c) 60 (sessenta) dias úteis, quando o regime de execução

for de contratação integrada;

d) 35 (trinta e cinco) dias úteis, quando o regime de

execução for o de contratação semi-integrada ou nas

hipóteses não abrangidas pelas alíneas a, b e c deste

inciso. (...)

Pelos dispositivos mencionados, “obras e serviços comuns

de engenharia” demandam dez dias úteis para a publicidade após

a edição do instrumento convocatório; e obras (não comuns) e

serviços especiais carecem de quinze dias úteis. De fato, faz-se

natural e alvissareiro que objetos mais complexos demandem ao

mesmo tempo um prazo maior para a análise do objeto – de sorte a

viabilizar propostas mais responsáveis – como um maior tempo para

auscultar eventuais interessados em busca da melhor proposta. É

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bem-vinda a modificação reconhecer que, mesmo obras possam

apresentar diferentes graus de complexidade a exigir-lhe prazos

reduzidos para, quando cabível, oportunizar processos mais

céleres e eficientes, sem prejuízo a princípio da maior vantagem.

As obras comuns de engenharia também são tratadas no art.

18, §3°, da Lei n°. 14.133/2021:

§3° Em se tratando de estudo técnico preliminar

para contratação de obras e serviços comuns de

engenharia, se demonstrada a inexistência de prejuízos

para aferição dos padrões de desempenho e qualidade

almejados, a possibilidade de especificação do objeto

poderá ser indicada apenas em termo de referência ou

projeto básico, dispensada a elaboração de projetos.

Como se vê, obras comuns de engenharia, se assim

classificadas, autorizam a descrição do objeto, caso não haja

prejuízos para a sua perfeita descrição, sem todos os elementos de

projeto básico ínsitas no art. 6°, inciso XXV da Lei n°. 14.133/2021102.

102 Art. 6° (...)XXV – projeto básico: conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado para definir e dimensionar perfeitamente a obra ou o serviço, ou o complexo de obras ou de serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegure a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos:a) levantamentos topográficos e cadastrais, sondagens e ensaios geotécnicos, ensaios e análises laboratoriais, estudos socioambientais e demais dados e levantamentos necessários para execução da solução escolhida;b) soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a evitar, por ocasião da elaboração do projeto executivo e da realização das obras e montagem, a necessidade de reformulações ou variantes quanto à qualidade, ao preço e ao prazo inicialmente definidos; c) identificação dos tipos de serviços a executar e dos materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como das suas especificações, de modo a assegurar os melhores resultados para o empreendimento e a segurança executiva na utilização do objeto, para os fins a que se destina, considerados os riscos e os perigos identificáveis, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução; d) informações que possibilitem o estudo e a definição de métodos construtivos, de instalações provisórias e de condições organizacionais para a obra, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução; e) subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendidos a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso;f) orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados, obrigatório exclusivamente para os regimes de execução previstos nos incisos I, II, III, IV e VII do caput do art. 45 desta Lei;

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Segundo a Nova Lei de Licitações e Contratos, uma obra é

agora conceituada como sendo “toda atividade estabelecida, por

força de lei, como privativa das profissões de arquiteto e engenheiro

que implica intervenção no meio ambiente por meio de um conjunto

harmônico de ações que, agregadas, formam um todo que inova o

espaço físico da natureza ou acarreta alteração substancial das

características originais de bem imóvel” (art. 6°, inciso XII). Trata-se

de um conceito mais “correto”, porém mais impreciso, que o até

então guardado pelo art. 6°, inciso I, da Lei 8.666/83 – a conceituar

uma obra apenas em forma exemplificativa: “Obra - toda construção,

reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por

execução direta ou indireta”.

Voltando a obras comuns de engenharia, exemplifique-se

a troca de piso de um pavimento de determinado edifício por um

revestimento novo, de mesmas características do anterior, em face

precariedade e vida útil já vencida do sistema então assentado:

trata-se de uma obra recuperação, a teor dos conceitos de obra

da Lei 8.666103; ou, a luz da nova Lei de Licitações, uma inovação do

espaço físico – a renovar-lhe a usabilidade e a estética – ocorrida

após um conjunto integrado de ações no sistema construtivo “piso”.

Igualmente uma “obra”, portanto.

O novo piso pode ser tranquilamente descrito por uma

especificação “de catálogo”, com as características técnicas do

material. Se acompanhado do croqui da área de intervenção,

com os respectivos quantitativos da instalação, o objeto está

completamente – e suficientemente – descrito, sem prejuízo

ao bom dimensionamento das ofertas pelos licitantes; nada

obstante não apresentar absolutamente todos os elementos de

103 Recuperar: tem o sentido de restaurar, de fazer com que a obra retome suas características anteriores abrangendo um conjunto de serviços (IBRAOP – Orientação Técnica OT – IBR 002/2009 – OBRA E SERVIÇO DE ENGENHARIA. Primeira Edição revisada).

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um projeto básico, tal qual assevera o art. 6°, inciso XXV, do novel

diploma licitatório. A licitação, com base no art. 18, §3°, da nova

Lei de Licitações, poderia ser realizada somente com um termo de

referência, ainda que se trate de uma obra. Nada mais prático e

produtivo.

Raciocínio similar pode ser empreendido com: perfuração

de poços artesianos; intervenções simples de terraplenagem;

construção de muros; colocação de meios-fios; troca de forros;

impermeabilização de pequenas superfícies; mudança de

revestimentos; construção de guaritas; instalação de cancelas;

e outras obras corriqueiras e de baixa complexidade. Todas essas

obras são aptas a demonstrar a inexistência de prejuízos para

aferição dos padrões de desempenho e qualidade almejados, sem

qualquer dano ao dimensionamento de ofertas responsáveis pelos

pretendentes à contratação.

Ao que importa à discussão sobre o termo obras comuns de

engenharia, no parágrafo anterior citaram-se alguns tipos – em tom

exemplificativo – de objetos incontestavelmente comuns. O caso é

nem sempre tal avaliação será tão simples. Aliás, alerta-se que, por

via comum, mesmo obras comuns demandarão um projeto básico

completo para o seu perfeito conhecimento. Alguns objetos, por

sua extrema simplicidade especificativa – em exceção – é que

dispensam o projeto completo. Urge, assim, uma delimitação mais

precisa do termo, capaz de mitigar o grau de incerteza aos agentes

de licitação que militam com obras públicas. Tal será feito a seguir.

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3. O desafio de conceituar “obras comuns de

engenharia”

No caso de obras; serviços; bens e serviços comuns; bens

e serviços especiais; serviços de engenharia; serviços comuns de

engenharia; e serviços especiais de engenharia, o texto legal do

novo diploma geral licitatório tratou de bem defini-los:

Art. 6° Para fins desta Lei, consideram-se:

(...)

XI – serviço: atividade ou conjunto de atividades

destinadas a obter determinada utilidade, intelectual ou

material, de interesse da Administração;

XII – obra: toda atividade estabelecida, por força de lei,

como privativa das profissões de arquiteto e engenheiro

que implica intervenção no meio ambiente por meio

de um conjunto harmônico de ações que, agregadas,

formam um todo que inova o espaço físico da natureza

ou acarreta alteração substancial das características

originais de bem imóvel;

XIII – bens e serviços comuns: aqueles cujos padrões

de desempenho e qualidade podem ser objetivamente

definidos pelo edital, por meio de especificações usuais

de mercado;

XIV – bens e serviços especiais: aqueles que, por sua

alta heterogeneidade ou complexidade, não podem ser

descritos na forma do inciso XIII do caput deste artigo,

exigida justificativa prévia do contratante; (...)

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XXI – serviço de engenharia: toda atividade ou conjunto

de atividades destinadas a obter determinada

utilidade, intelectual ou material, de interesse para a

Administração e que, não enquadradas no conceito de

obra a que se refere o inciso XII do caput deste artigo,

são estabelecidas, por força de lei, como privativas das

profissões de arquiteto e engenheiro ou de técnicos

especializados, que compreendem:

a) serviço comum de engenharia: todo serviço de

engenharia que tem por objeto ações, objetivamente

padronizáveis em termos de desempenho e qualidade,

de manutenção, de adequação e de adaptação de bens

móveis e imóveis, com preservação das características

originais dos bens;

b) serviço especial de engenharia: aquele que, por sua

alta heterogeneidade ou complexidade, não pode se

enquadrar na definição constante da alínea a deste

inciso;

Como já situado – de forma intencional, ou não – não foi

albergado o conceito de “obras comum de engenharia”.

A alternativa mais sinérgica é buscar um paralelismo entre

obra comum de engenharia¸ com serviço comum de engenharia.

Nessa assertiva, o conceito de obra comum seria o seguinte: “Obra

comum – aquela cujos padrões de desempenho e qualidade podem

ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações

usuais de mercado”. O conceito, além de impreciso, está dissociado

da realidade. A grande diferença, em termo de especificações, entre

uma obra ou serviço especial de um serviço comum está no fato

de a sua especificação não poder ser encontrada simplesmente

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em um catálogo ou em uma “prateleira”. A especificação também

precisa ser “dimensionada”; trata-se de uma descrição específica,

impassível de ser múltiplas vezes replicada; e daí a necessidade

de um projeto básico, para além de um termo de referência. Como

já dito, no mais das vezes, mesmo obras comumente exigem uma

descrição e caracterização única para a sua perfeita definição e

“especificações usuais de mercado” não tem o poder de conceituar

uma “obra comum”.

Busque-se um outro paralelismo. Obra comum seria a

obra que não é especial. Existiriam, assim, dois tipos de obra,

tais quais os serviços: obras comuns de engenharia e obras

especiais de engenharia. Obras especiais, segundo o paralelismo

sugerido com serviços especiais, seriam aquelas que “por sua alta

heterogeneidade ou complexidade, não podem se enquadrar na

definição constante de obra comum”.

Obras comuns são as obras corriqueiras; representam a

maioria. Seus métodos construtivos, equipamentos e materiais

utilizados para a respectiva feitura são frequentemente

empregados naquela região e se apresenta apta de ser bem

executada pela maior parte do universo de potenciais licitantes

disponíveis. A maior parte das obras têm de ser classificadas como

tal. A consequência pela não classificação como obra comum é por

demais custosa! Veja-se: obras comuns são licitadas com apenas

dez dias de prazo de publicidade entre a publicação do instrumento

convocatório e a abertura das propostas. Se não comum, teriam

de ser licitadas com longos 25 dias úteis de prazo; divorciando-se

de uma razoável proporcionalidade interpretativa. Somente obras

especiais careceriam esse prazo mais longo.

Explorem-se, nessa lógica, os termos “heterogeneidade”

e “complexidade”. Obras heterogêneas demandam, também,

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uma heterogeneidade de demonstração de experiências, em

face dos materiais, equipamentos e métodos construtivos

exigíveis. Nessa tônica, obras especiais podem ser tidas como

obras heterogêneas, complexas, cujos métodos construtivos,

equipamentos e/ou materiais tenham sido realizados com maior

raridade e/ou que imponham desafios executivos incomuns para sua

conclusão, suficientes a perfazer um menor número de empresas

aptas a demonstrar experiência na sua feitura ou a demandar-lhes

a medição específica de habilidade/intelectualidade para a seleção

da futura contratada.

Em reafirmação positiva e proporcional: obras comuns são

obras não especiais. Volte-se, então, para uma maior exploração do

conceito “obras especiais de engenharia”.

4. “Obras especiais de engenharia” e proposta final

do conceito de “obra comum de engenharia”

Defendeu-se, como visto, classificar obras especiais de

engenharia com “obras heterogêneas, complexas, cujos métodos

construtivos, equipamentos e materiais tenham sido realizados com

maior raridade e/ou que imponham desafios executivos incomuns

para sua conclusão, suficientes a perfazer um menor número de

empresas aptas a demonstrar experiência na sua feitura ou a

demandar-lhes a medição específica de habilidade/intelectualidade

para a seleção da futura contratada”.

A grande questão no universo de obras é que raramente tal

objeto é complexo por inteiro. Nesse conjunto harmônico de ações

que, agregadas, foram um todo que inova o espaço físico da natureza

ou acarreta alteração substancial das características originais

de bem imóveis (art. 6°, inciso XII, da Nova Lei de Licitações e

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Contratos), conjuminam-se diversos e subsistemas construtivos

para a formação de um objeto único denominado “obra”. Alguns

desses sistemas construtivos, pela sua especialidade e em face

a desafios impostos pelo meio-ambiente ou pelo próprio uso,

demandam soluções pouco usuais; e até únicas. Mas dificilmente

isso se replica na obra por inteiro. Diga-se, inclusive, que via de

regra somente se solicita experiências de capacidade técnica para

uma parcela do objeto. Nessa acepção, surge outra interrogação

relacionada a viabilidade de se classificar uma obra como especial

se apenas alguns de seus sistemas construtivos forem complexos

e não usuais. Para a resposta, necessário o socorro de conceitos

relacionados à habilitação técnica.

Segundo a Nova Lei de Licitações, “A exigência de atestados

[de capacidade técnico-profissional ou técnico-operacional]

será restrita às parcelas de maior relevância ou valor significativo

do objeto da licitação, assim consideradas as que tenham valor

individual igual ou superior a 4% (quatro por cento) do valor total

estimado da contratação” (art. 67, §1°, do novo diploma).

A ideia é que, demonstrada a experiência na execução

de objetos semelhantes – ou de parcelas mais relevantes ou de

valor significativo desse objeto – exista uma razoável certeza de

que a licitante conseguirá entregar a obra pretendida. Se uma

obra é especial (ou complexa) esperado que essa fração de maior

complexidade, se de imprescindível à certeza da boa execução do

objeto, seja exigida em termos de experiência prévia.

Em outras palavras: ainda que se admita que nem todos os

subsistemas da obra exista complexidade suficiente para atestar

que, como um todo, o objeto é uma obra especial de engenharia,

só existirá o reconhecimento da importância absoluta daquele

sistema construtivo, e o consequente “afunilamento” no universo

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de licitantes, quando se solicita a apresentação de atestados

a comprovar a realização de atividade semelhante. As demais

parcelas acessórias – mesmo que atípicas – podem se for o caso

serem subcontratadas, sem o risco para a compleição da obra

como um todo.

Nessa linha e da fusão desses conceitos, oportuniza-

se uma concepção instrumental, concreta e objetiva do termo

obra especial de engenharia, para fins de enquadramento das

possibilidades ínsitas ao art. 18, §3° e ao art. 55, inciso II, da Nova

Lei de Licitações104:

Obra comum de engenharia é aquela corriqueira, cujos

métodos construtivos, equipamentos e materiais

utilizados para a sua feitura sejam frequentemente

empregados em determinada região e apta de ser bem

executada pela maior parte do universo de potenciais

licitantes disponíveis e que, por sua homogeneidade ou

baixa complexidade, não possa ser classificada como

obra especial. Por sua vez, obra especial de engenharia

é aquela que cuja parcela de experiência exigida nos

atestados de capacidade técnica refiram-se a obras,

sistemas ou subsistemas construtivos heterogêneos,

complexos, cujos métodos construtivos, equipamentos

e/ou materiais tenham sido realizados com maior

raridade e/ou que imponham desafios executivos

incomuns para sua conclusão, suficientes a perfazer

um menor número de empresas aptas a demonstrar

experiência na sua feitura ou a demandar-lhes a

medição específica de habilidade/intelectualidade para

a seleção da futura contratada.

104 Possibilidade de se licitar com termo de referência, caso não haja prejuízo à aferição dos padrões de desempenho e qualidade almejados; e prazo entre a publicação do edital e a apresentação das propostas e lances de dez dias.

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Crê-se que a proposição tenha o condão de oferecer maior

segurança jurídica e objetividade aos agentes de contratação nas

decisões afetas à prévia classificação das obras de engenharia,

sem oferecer uma burocratização desmedida no processo.

Conclusão

Entre as novidades albergadas pela Nova Lei de Licitações

e Contratos, está a qualificação da expressão “obras comuns de

engenharia”. Para tais objetos, tanto se autoriza licitá-las sem

a feitura de um projeto básico completo de engenharia (art. 18,

§3°, da Lei 14.133/2021), quanto se demanda um prazo inferior

para apresentação das propostas e lances, uma vez publicado

o instrumento convocatório (art. 55, inciso II, alínea ‘a’, da Lei

14.133/2021).

Apesar dessas relevantes consequências em face de um ou

outro enquadramento, o termo “obras comuns de engenharia” não

se encontra definido no escopo do novo texto legal. Tal ausência

conceitual potencializa eventual instabilidade e ineficiência

decisória, em um foco de insegurança jurídica para o processo.

O presente artigo serviu-se do paralelismo entre os termos

definidos em lei para bens e serviços comuns e serviços especiais

de engenharia, aliado a princípios licitatórios – eminentemente

relativos à habilitação –, e fundamentalmente a aspectos técnicos

da engenharia e arquitetura, para propor uma concepção objetiva

e instrumental para uma obra comum de engenharia.

Obras comuns são as obras corriqueiras; representam a

maioria. Seus métodos construtivos, equipamentos e materiais

utilizados para a respectiva feitura são frequentemente

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empregados naquela região e se apresenta apta de ser bem

executada pela maior parte do universo de potenciais licitantes

disponíveis. A maior parte das obras têm de ser classificadas como

tal.

Obras comuns seriam as obras não especiais. Por sua vez,

obras especiais de engenharia seriam aquelas heterogêneas,

complexas, cujos métodos construtivos, equipamentos e materiais

tenham sido realizados com maior raridade e/ou que imponham

desafios executivos incomuns para sua conclusão, suficientes

a perfazer um menor número de empresas aptas a demonstrar

experiência na sua feitura ou a demandar-lhes a medição específica

de habilidade/intelectualidade para a seleção da futura contratada.

Todavia, ao reconhecer que em um “objeto obra” é

formado por diversos subsistemas e que inexiste, em princípio, a

homogeneidade de complexidade nesses diversos subsistemas

que compõem uma obra, necessário estabelecer qual fração

desses subsistemas teriam o poder de carrear o rótulo de “especial”

para a obra inteira.

Levando em conta o texto licitatório afeto à habilitação

técnica, bem como os princípios respectivos aplicáveis, propôs-

se que obras comuns de engenharia são aquelas corriqueiras,

cujos métodos construtivos, equipamentos e materiais utilizados

para a sua feitura sejam frequentemente empregados em

determinada região e apta de ser bem executada pela maior

parte do universo de potenciais licitantes disponíveis e que,

por sua homogeneidade ou baixa complexidade, não possa ser

classificada como obra especial. Por sua vez, obras especiais de

engenharia são aquelas que cuja parcela de experiência exigida

nos atestados de capacidade técnica refiram-se a obras, sistemas

ou subsistemas construtivos heterogêneos, complexos, cujos

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métodos construtivos, equipamentos e/ou materiais tenham

sido realizados com maior raridade e/ou que imponham desafios

executivos incomuns para sua conclusão, suficientes a perfazer

um menor número de empresas aptas a demonstrar experiência na

sua feitura ou a demandar-lhes a medição específica de habilidade/

intelectualidade para a seleção da futura contratada.

Referências

ALTOUNIAN, Cláudio Sarian – Obras Públicas – Licitação,

contratação, fiscalização e utilização. 5. Ed. Ver e atualizada – Belo

Horizonte: Fórum 2016.

BAETA, André Pachioni – Orçamento e controle de preços de obras

públicas. São Paulo: Pini, 2012.

BONATTO, Hamilton – Licitações e contratos de obras e serviços de

engenharia. Belo Horizonte. 2 ed. Fórum, 2012.

CAMPELO, Valmir / CAVALCANTE, Rafael Jardim – Obras Públicas:

comentários à jurisprudência do TCU. 4. Ed. ver. e atualizada – Belo

Horizonte: Fórum 2018.

MENDES, André – Aspectos polêmicos de licitações e contratos de

obras públicas. 1. Ed. São Paulo. 2013.

REIS, Paulo Sérgio de Monteiro – Obras Públicas: Manual de

planejamento, contratação e fiscalização. 2 ed – Belo Horizonte:

Fórum, 2019.

A questão da inexequibilidade das propostas segundo a Nova Lei de LicitaçõesAna Carolina Coura Vicente Machado

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A questão da inexequibilidade das propostas segundo a Nova Lei de Licitações

Ana Carolina Coura Vicente Machado105

Em geral, no âmbito dos processos licitatórios, o julgamento

das propostas é feito sob dois aspectos. Primeiramente, verifica-

se a compatibilidade das especificações do objeto com as

exigências prescritas no edital, somente sendo classificadas

aquelas que atenderem as condições impostas pelo ente licitante.

Posteriormente, verifica-se a exequibilidade dos preços cotados,

em face dos valores praticados no mercado e do estimado na

etapa de planejamento, cabendo a desclassificação daqueles

excessivos ou inexequíveis, de acordo com os critérios previstos

no instrumento convocatório.106

A questão da inexequibilidade das propostas, entretanto,

sempre foi tema bastante delicado em termos práticos, visto

que não há um critério absoluto para aferir se uma proposta é

inexequível ou não, variando o exame da questão conforme cada

situação concreta, o que acaba por gerar certa dificuldade ao

administrador para fundamentar com segurança a decisão de

desclassificar uma proposta por inexequibilidade.

105 Advogada formada pela Universidade Federal do Paraná e especialista em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. Ao longo dos últimos 7 anos, como consultora jurídica do Grupo JML, já elaborou mais de 1.200 pareceres sobre licitações e contratos, auxiliando diversos órgãos públicos do país e entidades do Sistema “S”.

106 Aqui é importante registrar que no pregão, e agora nas modalidades que adotarem o modo de disputa aberto, o exame da exequibilidade das propostas deve ocorrer, em regra, após o encerramento da fase competitiva do certame (lances), salvo em casos excepcionais, quando os lances ofertados configurarem preços simbólicos, irrisórios ou de valor zero, gerando presunção absoluta de inexequibilidade, situação em que se admitirá a exclusão de lance durante a etapa competitiva da licitação. Nesse sentido, confira-se o Acórdão 674/2020-Plenário/TCU.

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Nas palavras de Marçal Justen Filho, “existe uma grande

dificuldade prática na identificação do patamar mínimo de

inexequibilidade. A Administração não dispõe de condições

precisas e exatas sobre os custos do particular, o que torna a

discussão sempre muito problemática”.107

O Tribunal de Contas da União também já observou que “(...)

a apreciação da exequibilidade de propostas não é tarefa fácil, pois

há dificuldades em se fixar critérios objetivos para tanto e que não

comprometam o princípio da busca da proposta mais vantajosa

para a administração”.108

Assim, o entendimento que prepondera no atual regime

licitatório é que a questão da inexequibilidade da proposta deve

ser aferida diante das peculiaridades de cada caso concreto,

observadas as práticas de mercado e as condições de execução

efetivamente evidenciadas pelo proponente, respeitadas, por

óbvio, as regras estabelecidas no instrumento convocatório para

o julgamento das propostas.

Por isso é que diante de uma proposta com indícios de

inexequibilidade (seja porque muito inferior ao estimado pela

Administração ou em relação às demais apresentadas na licitação)

deve o agente responsável pela condução do certame questionar

o licitante, exigindo dele a comprovação de que tem condições

efetivas de executar o objeto pelo custo apresentado, sob pena de

desclassificação.

Isso significa que, antes de promover a desclassificação

da proposta, deve ser dada oportunidade ao particular para que

107 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 870.

108 TCU. Acórdão 2143/2013. Plenário.

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comprove a exequibilidade do preço apresentado. Nessa linha

segue a jurisprudência do Tribunal de Contas da União:

“3. A desclassificação de proposta por inexequibilidade

deve ser objetivamente demonstrada, a partir de

critérios previamente publicados, e deve ser franqueada

oportunidade de o licitante defender sua proposta

e demonstrar sua capacidade de bem executar os

serviços, nos termos e condições exigidos pelo

instrumento convocatório, antes de ter sua proposta

desclassificada.”109

“3. A proposta de licitante com margem de lucro mínima

ou sem margem de lucro não conduz, necessariamente,

à inexequibilidade, pois tal fato depende da estratégia

comercial da empresa. A desclassificação por

inexequibilidade deve ser objetivamente demonstrada,

a partir de critérios previamente publicados, após dar à

licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade

de sua proposta.”110

“1. Os critérios objetivos, previstos nas normas legais,

de aferição da exequibilidade das propostas possuem

apenas presunção relativa, cabendo à Administração

dar oportunidade ao licitante para demonstrar a

viabilidade de sua proposta.”111

Nesse sentido também é a doutrina de Jessé Torres Pereira

Júnior e Marinês Dotti:

109 TCU. Informativo de Licitações e Contratos n° 174/2017.

110 TCU. Informativo de Licitações e Contratos n° 223/2014.

111 TCU. Informativo de Licitações e Contratos n° 164/2013.

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“534. Como deve proceder a comissão de licitação

ou o pregoeiro diante de indícios de ser inexequível a

proposta?

(...)

Se dúvida houver quanto à exequibilidade da proposta,

deve a comissão de licitação ou o pregoeiro conceder

prazo hábil para que o licitante demonstre que o preço

cotado é capaz de cobrir os custos do contrato, sendo

também prudente averiguar, por outros meios, a

exequibilidade da proposta”.112

E, a nosso ver, tal raciocínio se manterá no contexto da Nova

Lei Geral de Licitações (Lei n° 14.133/2021), a qual trata do tema nos

seguintes termos:

“Art. 59. Serão desclassificadas as propostas que:

I - contiverem vícios insanáveis;

II - não obedecerem às especificações técnicas

pormenorizadas no edital;

III - apresentarem preços inexequíveis ou permanecerem

acima do orçamento estimado para a contratação;

IV - não tiverem sua exequibilidade demonstrada,

quando exigido pela Administração;

V - apresentarem desconformidade com quaisquer

outras exigências do edital, desde que insanável.

112 PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. 1000 perguntas e respostas necessárias sobre licitação e contrato na ordem jurídica brasileira. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 840.

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§ 1° A verificação da conformidade das propostas

poderá ser feita exclusivamente em relação à proposta

mais bem classificada.

§ 2° A Administração poderá realizar diligências para

aferir a exequibilidade das propostas ou exigir dos

licitantes que ela seja demonstrada, conforme disposto

no inciso IV do caput deste artigo.

§ 3° No caso de obras e serviços de engenharia e

arquitetura, para efeito de avaliação da exequibilidade

e de sobrepreço, serão considerados o preço global,

os quantitativos e os preços unitários tidos como

relevantes, observado o critério de aceitabilidade de

preços unitário e global a ser fixado no edital, conforme

as especificidades do mercado correspondente.

§ 4° No caso de obras e serviços de engenharia, serão

consideradas inexequíveis as propostas cujos valores

forem inferiores a 75% (setenta e cinco por cento) do

valor orçado pela Administração.

§ 5° Nas contratações de obras e serviços de engenharia,

será exigida garantia adicional do licitante vencedor

cuja proposta for inferior a 85% (oitenta e cinco por

cento) do valor orçado pela Administração, equivalente

à diferença entre este último e o valor da proposta, sem

prejuízo das demais garantias exigíveis de acordo com

esta Lei.”

Conforme prevê a nova lei, as propostas serão

desclassificadas, dentre outras situações, nos casos em que

apresentem preços inexequíveis (inc. III) ou se não tiverem sua

exequibilidade demonstrada, quando exigida pela Administração

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(inc. IV). Ademais, de modo específico, o art. 59, § 4°, prevê que

“No caso de obras e serviços de engenharia, serão consideradas

inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75%

(setenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração”.

Tais preceitos, em nosso sentir, devem ser interpretados

de modo conjunto com o §2° deste artigo, que trata da realização

de diligências para aferir a exequibilidade das propostas. Muito

embora a redação do dispositivo trate a realização de diligências

como uma faculdade, certamente a interpretação que se dará a

tal previsão será a que vem prevalecendo atualmente, ou seja, de

que a Administração, neste caso, tem um “poder-dever”113, de modo

que a proposta de menor valor não seja de plano descartada, senão

em virtude de diligências prévias, em prestígio a um dos objetivos

primordiais da licitação, qual seja, o da obtenção da proposta mais

vantajosa ao ente licitante.

Mesmo no caso de obras e serviços de engenharia, em que a

própria Lei consignou uma fórmula para calcular a inexequibilidade

113 Tal qual já se interpretava o art. 43, §3°, da Lei 8.666. A respeito, o Acórdão 3418/2014-Plenário/TCU: “[SUMÁRIO] REPRESENTAÇÃO. POSSÍVEIS IRREGULARIDADES OCORRIDAS NA CONDUÇÃO DE CERTAME. INCERTEZAS SOBRE ATESTADO DE CAPACIDADE TÉCNICA DE LICITANTE. NÃO UTILIZAÇÃO DO PODER-DEVER DE REALIZAR DILIGÊNCIAS PARA SANEAR AS DÚVIDAS QUANTO À CAPACIDADE TÉCNICA DA EMPRESA. PRESERVAÇÃO DA CONTINUDADE DO CONTRATO QUE SE ENCONTRA EM FASE DE EXECUÇÃO. DETERMINAÇÃO. 1. O Atestado de Capacidade Técnica é o documento conferido por pessoa jurídica de direito público ou de direito privado para comprovar o desempenho de determinadas atividades. Com base nesse documento, o contratante deve-se certificar que o licitante forneceu determinado bem, serviço ou obra com as características desejadas. 2. A diligência é uma providência administrativa para confirmar o atendimento pelo licitante de requisitos exigidos pela lei ou pelo edital, seja no tocante à habilitação seja quanto ao próprio conteúdo da proposta. 3. Ao constatar incertezas sobre cumprimento das disposições legais ou editalícias, especialmente as dúvidas que envolvam critérios e atestados que objetivam comprovar a habilitação das empresas em disputa, o responsável pela condução do certame deve promover diligências, conforme o disposto no art. 43, § 3°, da Lei 8.666/1993, para aclarar os fatos e confirmar o conteúdo dos documentos que servirão de base para tomada de decisão da Administração nos procedimentos licitatórios.”

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de modo objetivo114, entende-se que irá permanecer a lógica

expressa na Súmula 262/TCU, no sentido de que o critério

matemático, em regra, conduz a uma presunção relativa, devendo

ser oportunizado à empresa a comprovação da exequibilidade da

oferta:

“Súmula 262/TCU: O critério definido no art. 48,

inciso II, §1°, alíneas ‘a’ e ‘b’, da Lei 8.666/93 conduz

a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade da sua proposta.” (grifou-se)

Recentemente, assim se manifestou o Ministro Benjamin

Zymler, em seu voto revisor no Acórdão 169/2021 – Plenário: “Como

bem frisou o relator, a lógica interna do citado art. 48 é a seguinte:

a) se a proposta apresenta valores inferiores a 70% do menor dos

valores previstos nas alíneas ‘a’ e ‘b’, então a proposta é, em regra, inexequível, cabendo à Administração solicitar que a licitante demonstre a exequibilidade do valor ofertado”. (grifou-se)

114 O que também era previsto na Lei 8.666, mas com outros critérios:“Art. 48. (...)§ 1° Para os efeitos do disposto no inciso II deste artigo consideram-se manifestamente inexeqüíveis, no caso de licitações de menor preço para obras e serviços de engenharia, as propostas cujos valores sejam inferiores a 70% (setenta por cento) do menor dos seguintes valores: (Incluído pela Lei n° 9.648, de 1998)a) média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% (cinqüenta por cento) do valor orçado pela administração, ou (Incluído pela Lei n° 9.648, de 1998)b) valor orçado pela administração. (Incluído pela Lei n° 9.648, de 1998)§ 2° Dos licitantes classificados na forma do parágrafo anterior cujo valor global da proposta for inferior a 80% (oitenta por cento) do menor valor a que se referem as alíneas ‘a’ e ‘b’, será exigida, para a assinatura do contrato, prestação de garantia adicional, dentre as modalidades previstas no § 1° do art. 56, igual a diferença entre o valor resultante do parágrafo anterior e o valor da correspondente proposta. (Incluído pela Lei n° 9.648, de 1998)§ 3° Quando todos os licitantes forem inabilitados ou todas as propostas forem desclassificadas, a administração poderá fixar aos licitantes o prazo de oito dias úteis para a apresentação de nova documentação ou de outras propostas escoimadas das causas referidas neste artigo, facultada, no caso de convite, a redução deste prazo para três dias úteis.”

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Enfim, sem deixar de brindar as inovações trazidas em outros

aspectos do processo licitatório e sem querer retirar o brilho da Lei

14.133/2021, dando antigos contornos ao novel texto legal, neste

ponto específico julgamos salutar a manutenção desta ideia, de que

que cabe à Administração, diante de propostas presumidamente

inexequíveis, conceder, antes da desclassificação, oportunidade

para que o particular demonstre a viabilidade dos valores

ofertados, já que o exame dessa questão, como visto incialmente,

pode variar conforme cada caso concreto e a realidade de mercado

em que está inserido o objeto do certame. Dessa maneira, se evita

o excesso de rigor no julgamento da licitação, em benefício dos

princípios que informam esse procedimento, em especial os da

eficiência, economicidade, proporcionalidade e razoabilidade.

O exame prévio de legalidade dos processos licitatórios previsto para a nova lei de licitações.Luiz Cláudio de Azevedo Chaves

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O exame prévio de legalidade dos processos licitatórios previsto para a nova lei de licitações.

Luiz Cláudio de Azevedo Chaves115

Resumo:

Jamais se negou a importância da atuação do advogado público

no controle da legalidade dos atos administrativos, com especial

relevo, aqueles relacionados aos atos de realização de despesa

pública. O art. 38, parágrafo único da Lei no. 8.666/1993, ainda

vigente por mais dois anos, prevê como condição de regularidade

processual que as minutas de editais e de contratos e afins sejam

115 Graduado em Administração e Direito, Especialista em Direito Administrativo. Professor Convidado da Fundação Getúlio Vargas-FGV/PROJETOS e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro-PUC-RIO, além de diversas instituições de ensino e Escolas de Governo do País, dentre as quais destacam-se: Escola Nacional de Administração Pública – ENAP, Escola de Administração Judiciária – ESAJ/TJRJ, Escola Nacional de Serviços Urbanos – ENSUR/IBAM. É autor das seguintes obras: Licitações e Contratos da Administração Pública-Legislação Básica Reunida, Expressão Gráfica, 2009; Curso Prático de Licitações, os segredos da Lei 8.666/93, Lumen Juris, 2011;; Licitação Pública, Compra e Venda governamental Para Leigos, Alta Books, 2016; A Atividade de Planejamento e Análise de Mercado nas Contratações Governamentais, Ed JML, 2018; O Novo Pregão Eletrônico (co-autoria), JML, Curitiba, 2019; Gerenciamento de Riscos nas Aquisições e Contratações de Serviços da Administração Direta, Estatais e Sistema S, JML, Curitiba, 2020. É articulista nos seguintes periódicos: Revista do Tribunal de Contas da União, ed. TCU; Revista FCGP, Ed. Fórum; Revista RJML de Licitações e Contratos, ed. JML; ILC-Informativo de Licitações e Contratos, ed. ZÊNITE; Revista Infraestrutura Urbana, ed. PINI; Revista dos Municípios, ed. IBAM; Soluções em Licitações e Contratos-SLC, Ed. SGP e, Revista do Administrador Público, ed. Governet. Sua experiência profissional nas mais diversas funções ligadas às contratações públicas exercidas ao longo de 30 anos junto Tribunal de Justiça/RJ, onde é servidor do quadro efetivo, aliado a seu elevado conhecimento técnico o credenciam como um dos mais expoentes conferencistas em temas do Direito Administrativo.

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examinadas previamente e aprovadas por parecer jurídico. Tal

condição sempre gerou controvertidos debates acerca do grau de

responsabilização que o advogado público assumiria na hipótese

de o gestor, com fulcro em seu parecer, viesse a realizar ato lesivo

ao erário ou ilegal. A Lei no. 14.133/2021 veio aclarar alguns pontos

sobre a matéria, trazendo um novo olhar sobre a atuação das

Assessorias Jurídicas dos órgãos e entidades do Poder Público.

Palavras-chaves

Licitação. Contratação Pública. Assessor Jurídico.

Summary:

The importance of the performance of the public lawyer in controlling

the legality of administrative acts has never been denied, with

special emphasis on those related to acts of carrying out public

expenditure. Art. 38, sole paragraph of Law no. 8,666 / 1993, still

in force for two more years, provides as a condition of procedural

regularity that the drafts of notices and contracts and the like are

previously examined and approved by legal opinion. Such a condition

has always generated controversial debates about the degree of

accountability that the public lawyer would assume in the event

that the manager, with fulcrum in his opinion, would perform an act

harmful to the purse or illegal. Law no. 14,133 / 2021 clarified some

points on the matter, bringing a new look at the work of the Legal

Advisors of the bodies and entities of the Public Power.

Keywords

Bidding. Public Procurement. Legal Advisor.

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1. O papel da Assessoria Jurídica na Lei n°. 8.666/1993

Uma mudança discreta, porém importante, se confirmou

no texto da Lei n°. 14.133/2021, que carrega a nova lei de licitações

e contratos da Administração Pública. Trata-se do exame prévio

de legalidade dos processos licitatórios, a cargo das assessorias

jurídicas dos órgãos e entidades do Poder Público.

Em trabalho publicado anteriormente116, já havia me

manifestado acerca da importância que exsurge dessa função

para a implementação das políticas públicas e ações de governo,

uma vez que, para cada passo que o Gestor Público percorre (ou

deixa de percorrer), uma de suas principais balizas, é o parecer

jurídico. No campo das contratações públicas, tal função ganha

contornos objetivos mais relevantes, na medida em que a Lei

Geral de Licitações e Contratos impõe, como condição de eficácia

do processo licitatório, a análise prévia e a aprovação do órgão

consultivo jurídico, senão vejamos:

Lei n°. 8.666/1993:

Art. 38

[...]

Parágrafo único. As minutas de editais de licitação, bem

como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes

devem ser previamente examinadas e aprovadas por

assessoria jurídica da Administração. (Redação dada

pela Lei n° 8.883, de 1994)”

Com espeque nesse dispositivo, de alguns anos para cá, a

doutrina e a jurisprudência iniciaram um debate em torno da natureza

116 O exercício da função de Assessor Jurídico nos processos licitatórios: competências e responsabilidades Revista JML de Licitações e Contratos-RJML, Vol. 31. Curitiba: JML, 2014.

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jurídica deste parecer, bem como a extensão da responsabilidade

do parecerista frente às suas orientações, a depender da natureza

de sua manifestação. Isto porque, como se lê da transcrição supra,

o parecer a ser emitido pelo órgão jurídico da Administração seria

de aprovação das minutas de editais, contratos, convênios e seus

aditamentos. Surgiu a pergunta: o Gestor público, de posse do

parecer formulado no exercício da competência do art. 38, par.

único da L. 8.666/1993, estaria obrigado a decidir nos termos

propostos pelo parecerista? A doutrina clássica entende que não.

Gasparini117 e Hely Lopes118 concordavam que o parecer tem

caráter meramente opinativo e que não vincula a Administração

ou os particulares, salvo se aprovado por ato subsequente (da

autoridade administrativa), posição compartilhada por José dos

Santos Carvalho Filho119, que, indo mais além, entende que o parecer

e a decisão subsequente consubstanciam “atos antagônicos” e que

por isso, sequer podem ser emitidos pelo mesmo agente.

Di Pietro120, seguindo doutrina de Oswaldo Aranha Bandeira

de Mello, classifica o parecer em três espécies: facultativo,

obrigatório, e vinculante, definindo-os da seguinte forma:

O parecer é facultativo quando fica a critério da

Administração solicitá-lo ou não, além de não ser

vinculante para quem o solicitou. Se foi indicado como

fundamento da decisão, passará a integrá-la, por

corresponder à própria motivação do ato.

117 GASPARINI, Diógenes, Direito Administrativo.17a. ed., São Paulo: Saraiva, 2012

118 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro.40a ed., São Paulo: Malheiros, 2014

119 Manual de Direito Administrativo. 27ª, São Paulo: Atlas, 2014, p. 139.

120 Direito Administrativo, Atlas 2011, p. 241 e segs., apud MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo. 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 583. No mesmo sentido, MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Op. Cit., 446.

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O parecer é obrigatório quando a lei o exige

como pressuposto para a prática final do ato. A

obrigatoriedade diz respeito à solicitação do parecer (o

que não lhe imprime caráter vinculante). Por exemplo,

uma lei que exija parecer jurídico sobre todos os

recursos encaminhados ao Chefe do Executivo; embora

haja obrigatoriedade de ser emitido o parecer sob pena

de ilegalidade do ato final, ele não perde seu caráter

opinativo. Mas a autoridade que não o acolher deverá

motivar sua decisão [...].

O parecer é vinculante quando a Administração é

obrigada a solicitá-lo e a acatar sua conclusão. Para

conceder aposentadoria por invalidez, a Administração

tem que ouvir o órgão médico oficial e não pode decidir

em desconformidade com sua decisão [...]

Já a Lei 9.784/99, delimita uma variação dos conceitos de

parecer obrigatório e vinculante, abordando as gradações entre

eles e apontando seus efeitos no campo administrativo:

Art. 42. Quando deva ser obrigatoriamente ouvido

um órgão consultivo, o parecer deverá ser emitido no

prazo máximo de quinze dias, salvo norma especial ou

comprovada necessidade de maior prazo.

§ 1° Se um parecer obrigatório e vinculante deixar de ser

emitido no prazo fixado, o processo não terá seguimento

até a respectiva apresentação, responsabilizando-se

quem der causa ao atraso.

§ 2° Se um parecer obrigatório e não vinculante deixar

de ser emitido no prazo fixado, o processo poderá ter

prosseguimento e ser decidido com sua dispensa, sem

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prejuízo da responsabilidade de quem se omitiu no

atendimento.

Como se vê, a norma supratranscrita reconhece a existência

de parecer obrigatório, subdividindo-a em duas subespécies:

vinculante e não vinculante, o que não significa negar as variações

apontadas por Di Pietro, notadamente, a do parecer facultativo e

obrigatório. Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari121 fortalecem a

tese de que vinculante é a própria decisão e, portanto, caracteriza

o parecer que lhe deu causa como peça opinativa:

Parecer jurídico, portanto, é uma opinião técnica dada

em resposta a uma consulta, que vale pela qualidade de

seu conteúdo, pela sua fundamentação, pelo seu poder

de convencimento e pela respeitabilidade científica

de seu signatário, mas que jamais deixa de ser uma

opinião. Quem opina, sugere, aponta caminhos, indica

uma solução, até induz uma decisão, mas não decide.

Por sua vez, o saudoso Carlos Pinto Coelho Motta, abraçando

doutrina de Oswaldo Aranha Bandeira de Melllo, concorda com a

existência, ainda que excepcional, de pareceres de natureza

vinculativa, 122

Resta a hipótese do parecer vinculante em sua acepção

absoluta, ou seja, a execução do ato pelo órgão não

admite qualquer margem discricionária: deve cumprir

exatamente o estabelecido no parecer, não lhe sendo

121 FERRAZ, Sérgio e DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 140-141.

122 Cautelas para Formalização de Parecer Jurídico, apud BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios gerais de direito administrativo. 2ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 577.Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2636

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permitido até mesmo o “deixar de agir”. Nesse caso,

o parecer do órgão consultivo, extrapolando suas

funções usuais consoante regência legal autorizadora,

caracteriza:

(a) uma das partes de um ato complexo; ou

(b) ato ativo autônomo, identificado como autorização

ou aprovação prévia.

Em que pese haver divergência na doutrina quanto à

existência, o fato é que o Supremo Tribunal Federal, a partir do

julgamento do MS n°. 24.584, com fundamento no Voto-vista do

Min. Joaquim Barbosa, adotou a tese da existência do parecer

vinculante e reconheceu, que aquele emitido no exercício da

competência do art. 38, par. único da Lei n°. 8.666/1993 deve ser

observado pelo gestor no que chamou de décider sur avis conforme.

Em seguida, reafirmou tal entendimento no julgamento do MS n°.

24.631, agora como Relator. No primeiro, o que se debatia era o

chamamento do parecerista em razão de parecer emitido em ato

de contratação direta; no segundo, o parecer era de aprovação de

uma minuta de edital. Mais recentemente, no julgamento do MS

29.137-DF, da Relatoria da Min. Cármem Lúcia, ficou assentado que a natureza vinculante do parecer jurídico somente se materializa

quando a manifestação jurídica aponta vício de legalidade, ou seja,

se o parecer indicar que determinada cláusula do edital deve ser

readequada, o gestor se prende à manifestação e tem o dever de

repará-la; se, todavia, o parecer é de aprovação sem ressalvas, o

gestor não é obrigado a dar seguimento ao processo, podendo até

mesmo arquivá-lo.

Nesse ponto importa destacar que o art. 38, par. único

da Lei n°. 8.666/1993 somente se refere às minutas de editais,

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contratos, convênios e seus aditamentos; não faz referência aos

atos de dispensa e inexigibilidade. Os requisitos formais de eficácia

do processo de contratação direta estão descritos no art. 26, par.

único do mesmo diploma legal:

Art. 26. [...]

Parágrafo  único. O processo de dispensa, de

inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste

artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes

elementos:

I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa

que justifique a dispensa, quando for o caso;

II - razão da escolha do fornecedor ou executante;

III - justificativa do preço.

IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa

aos quais os bens serão alocados.  (Incluído pela Lei n°

9.648, de 1998)

Como visto acima, não se exige a emissão de parecer jurídico

para os fins de eficácia da instrução de processos de contratação

direta. E, assim, sendo, quando emitido, o mesmo assume natureza

facultativa, salvo se houver, no órgão ou entidade, norma específica

com outra orientação.

Para a nossa análise comparativa, portanto, é importante

fixar as seguintes premissas, com base na jurisprudência do STF:

pela legislação atualmente em vigor, o parecer emitido a favor da

minuta do edital (ou contrato ou convênio) é de natureza vinculante

quando o parecer aponta ilegalidade; o parecer emitido nos

processos de dispensa e inexigibilidade de licitação, com fulcro no

art. 26, par. único da L. 8.666/1993, é de natureza facultativa.

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2. Análise do papel da assessoria jurídica na Lei n°.

14.133/2021

O texto sancionado pelo Presidente da República, traz novos

contornos quanto às competências do órgão consultivo jurídico. O

novo texto apresenta a seguinte redação:

Art. 53. Ao final da fase preparatória, o processo

licitatório seguirá para o órgão de assessoramento

jurídico da Administração, que realizará controle prévio

de legalidade mediante análise jurídica da contratação. 

§ 1° Na elaboração do parecer jurídico, o órgão de

assessoramento jurídico da Administração deverá: 

I – apreciar o processo licitatório conforme critérios

objetivos prévios de atribuição de prioridade;

II – redigir sua manifestação em linguagem simples

e compreensível e de forma clara e objetiva, com

apreciação de todos os elementos indispensáveis à

contratação e com exposição dos pressupostos de fato

e de direito levados em consideração na análise jurídica;

III – VETADO123

§ 2° VETADO124

123 III - dar especial atenção à conclusão, que deverá ser apartada da fundamentação, ter uniformidade com os seus entendimentos prévios, ser apresentada em tópicos, com orientações específicas para cada recomendação, a fim de permitir à autoridade consulente sua fácil compreensão e atendimento, e, se constatada ilegalidade, apresentar posicionamento conclusivo quanto à impossibilidade de continuidade da contratação nos termos analisados, com sugestão de medidas que possam ser adotadas para adequá-la à legislação aplicável

124 § 2° O parecer jurídico que desaprovar a continuidade da contratação, no todo ou em parte, poderá ser motivadamente rejeitado pela autoridade máxima do órgão ou entidade, hipótese em que esta passará a responder pessoal e exclusivamente pelas irregularidades que, em razão desse fato, lhe forem eventualmente imputadas.

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[…]

§ 4° Na forma deste artigo, o órgão de assessoramento

jurídico da Administração também realizará controle

prévio de legalidade de contratações diretas, acordos,

termos de cooperação, convênios, ajustes, adesões

a atas de registro de preços, outros instrumentos

congêneres e de seus termos aditivos.

§ 5° É dispensável a análise jurídica nas hipóteses

previamente definidas em ato da autoridade jurídica

máxima competente, que deverá considerar o baixo

valor, a baixa complexidade da contratação, a entrega

imediata do bem ou a utilização de minutas de editais

e instrumentos de contrato, convênio ou outros

ajustes previamente padronizados pelo órgão de

assessoramento jurídico.

§ 6° - VETADO125.

Nota-se que a atribuição de controle prévio de legalidade

permanecerá a cargo das Assessorias Jurídicas, porém, com um

pouco mais de sofisticação, pois se ocupou de detalhar com mais

precisão as atribuições e responsabilidades a cargo da assessoria

jurídica.

No texto aprovado pelo Senado Federal (PL n°. 4.253/2020),

o § 2° afastava o caráter vinculante do parecer, pois admitia

expressamente que a manifestação que desaprovasse o ato poderia

ser rejeitado. Com isso, o parecer deixaria de ser vinculante para

se consolidar como obrigatório. A rejeição do parecer desfavorável

acarretaria ao Gestor, responsabilização pessoal e exclusiva pelas

eventuais irregularidades que eventualmente lhe forem imputadas.

125 § 6° O membro da advocacia pública será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude na elaboração do parecer jurídico de que trata este artigo

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Contudo, o Presidente da República houve por bem vetar o

citado dispositivo, considerando que sua interpretação poderia

conduzir à percepção que o parecerista seria corresponsável pelo

ato de gestão. Além disso, entendeu o Presidente que o teor do

dispositivo poderia desestimular o gestor a tomar medidas não

chanceladas pela assessoria jurídica.

O veto, a meu particular aviso, foi muito bem-vindo.

A posição mais recente do STF quanto ao tema em apreço,

é no sentido de considerar que o parecer jurídico que desaprova a

minuta do edital, contrato etc., é vinculante, ou seja, se o órgão de

assessoramento jurídico desaprovar o ato, o Gestor é obrigado a

adotar a manifestação, ou, não expedir o ato (não publicar o edital).

Na hipótese de o Gestor ser legalmente autorizado a rejeitar

o parecer desfavorável, abrir-se-ia caminho para desmandos

e desvios de legalidade, uma vez que a atuação preventiva da

Assessoria Jurídica se esvaziaria. Veja-se que o texto vetado,

admitia a rejeição do parecer, mas não condicionava o ato a novo

parecer.

Daí porque, sem vislumbrar qualquer conflito doutrinário ou

jurisprudencial, mantemos a posição anteriormente assumida126

no sentido de que, apenas excepcionalmente, o Gestor poderia

recusar o parecer, nos casos de inépcia ou ainda quando a matéria

ou a posição doutrinária alvitrada pelo parecerista se mostrasse

vanguardista.

A responsabilização do parecerista se mantém em harmonia

com a atual jurisprudência sobre a matéria, ou seja, nos casos em

que o parecerista agir com erro grosseiro ou dolo, nos termos do

art. 28 da LINDB.

126 O exercício da função de Assessor Jurídico nos processos licitatórios: competências e responsabilidades, Revista do Tribunal de Contas da União, no. 130. Brasília: TCU, 2014

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A redação prevista para o § 4° passa a dar, nas contratações

diretas, o mesmo caráter da análise de juridicidade das minutas

de editais, contratos e convênios que hoje temos na legislação em

vigor. Ou seja, os processos de contratação direta também deverão

ser instruídos com parecer e este terá natureza vinculante caso a

manifestação seja de rejeição.

O veto aposto ao dispositivo que autorizava a rejeição do

parecer desfavorável, sem dúvida, atinge a manifestação sobre os

atos de dispensa e de inexigibilidade de licitação.

O § 5° carrega uma interessante, mas, no campo da

responsabilidade administrativa, perigosa prerrogativa ao

Assessor-Chefe (ou Diretor) da Assessoria Jurídica. Por ato próprio,

poderá dispensar a análise jurídica de certos atos, considerando

o volume da despesa, a baixa complexidade da matéria envolvida,

a entrega imediata do bem ou a utilização de minutas-padrão de

editais e contratos. Já é de praxe, por exemplo, em muitos órgãos

e entidades, a desnecessidade do parecer jurídico nas dispensas

de licitações em razão do valor (atual 24, I e II, da Lei 8.666/93 e art.

74, I e II, da Lei 14.133/2021).

Um bom exemplo é a hipótese de inscrição de servidor

em curso ou evento aberto a terceiro.127 Como se trata de objeto

único, ou seja, cada evento é único e não renovável, não comporta

cotejamento de propostas. Daí porque a contratação deve se dar

por inexigibilidade de licitação, capitulada no caput do art. 25 da L.

8.666/1993128 (art. 74, caput).

127 Sobre o tema, vide o nosso Contratação de serviços de treinamento e aperfeiçoamento de pessoal na Administração Pública: uma breve análise da Decisão 439/98, Plenário do TCU, Revista do TCU, no. 129, Brasília, jan/abr/2014.

128 Para as estatais, art. 30, caput da L. 13.303/2016; para as entidades do Sistema S, art. 10, caput do Regulamento de Licitações e Contratos

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Como em muitos órgãos o volume dessas contratações

é bastante significativo, claro que a quantidade de processos a

serem submetidos à análise jurídica também é elevada. Tratando-

se de matéria massificada (vários processos para serem decididos

pela mesma tese jurídica), o órgão consultivo jurídico pode elaborar

um parecer no qual reconheceria ser hipótese de inexigibilidade de

licitação a inscrição de servidores em cursos e eventos abertos

a terceiros, o que tornaria dispensável, para estes casos, a ida

dos autos ao órgão consultivo para fins de produção de parecer

autônomo, tornando a contratação mais célere e desafogando as

mesas de trabalho dos assessores jurídicos.

Com relação à utilização de minutas-padrão, é entendimento pacificado no Tribunal de Contas da União que nesses casos, havendo mera adaptação do ato convocatório à minuta-padrão, esta, necessariamente aprovada pelo órgão jurídico, tais minutas adaptadas não prescindem de parecer próprio. Veja-se o precedente abaixo:

(...)A despeito de haver decisões do TCU que determinam

a atuação da assessoria jurídica em cada procedimento

licitatório, o texto legal - parágrafo único do art. 38

da Lei n° 8.666/1993 - não é expresso quanto a essa

obrigatoriedade. (...) Assim, a utilização de minutas-

padrão, guardadas as necessárias cautelas, em que,

como assevera o recorrente, limita-se ao preenchimento

das quantidades de bens e serviços, unidades

favorecidas, local de entrega dos bens ou prestação dos

serviços, sem alterar quaisquer das cláusulas desses

instrumentos previamente examinados pela assessoria

jurídica, atende aos princípios da legalidade e também

da eficiência e da proporcionalidade. (Acórdão no.

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1.504/2005, Plenário, Processo n° 001.936/2003-1,

Relator Min. Walton Alencar Rodrigues)

É verdade que em boa parte dos casos, os gabinetes das

Assessorias Jurídicas ficam assoberbadas de trabalho, sentindo

maior dificuldade aquelas unidades que dispõe de poucos

profissionais, sobrecarregando o órgão jurídico. Portanto, permitir

que o Chefe do setor jurídico indique quais processos não exigirão

a ida para parecer autônomo é medida de boa gestão voltada a

desafogar os gabinetes e, com isso, dar maior celeridade na tomada

de decisões. No entanto, surgem duas preocupações.

A primeira delas diz respeito ao uso de minutas-padrão de

editais e contratos. Mesmo em sendo utilizados tais instrumentos,

a cada espécie de objeto haverá modificações significativas no

bojo do edital, que necessitarão ser analisadas, e, não raro, com

forte influência no caráter competitivo e no julgamento objetivo

da licitação. Por exemplo, mesmo que haja cláusulas padrão para

a exigência de amostra para fins de classificação da proposta,

ao variar o objeto a ser adquirido com base nesse critério, a

metodologia de teste e os resultados a serem obtidos também

serão variáveis e poderão afastar a objetividade do julgamento

ou mesmo o caráter competitivo do certame. Assim, a assessoria

jurídica deve ter muito cuidado ao dispensar a análise de minutas

de edital mesmo nos casos em que se utiliza minutas-padrão.

A outra preocupação diz respeito à eventual responsabilização

do Assessor Jurídico por ato omissivo. Ao indicar que determinado

ato estará dispensado de parecer jurídico, poderá, em sede de

controle externo, vir a ser responsabilizado em razão de verificação

de irregularidade de um ato promovido pelo gestor, que, segundo a

norma, deveria ter sido submetida ao controle prévio de legalidade,

mas, por ato do órgão jurídico, foi dispensado.

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Finalmente, o § 6° do art. 53 do PL 4253/2020 não sobreviveu

à sanção presidencial, tendo sido igualmente vetado.

O texto previa a responsabilização do parecerista nos casos

em que agir com “dolo ou fraude na elaboração do parecer jurídico”.

O veto, mais uma vez, foi oportuno e correto tecnicamente. A uma,

porque, havia uma redundância no texto, uma vez que aquele que

frauda o processo, obrigatoriamente age com dolo; a duas, porque,

como bem assentado nas razões de veto, “o advogado, público ou

privado, já conta com diversas outras disposições sobre a sua

responsabilização profissional (Lei n° 8.906, de 1994; art. 184 do

CPC; e, para os profissionais da Advocacia Geral da União, também

na Lei n° 13.327, de 2016), as quais não estão sendo revogadas e

nem harmonizadas com essa propositura.”

No campo do direito civil, dolo, segundo De Plácido e Silva129,

a expressão é indicada para “toda espécie de artifício, engano,

ou manejo, com a intenção de induzir outrem à prática de um ato

jurídico, em prejuízo deste e proveito próprio ou de outrem.” Ainda

segundo o autor, no campo penal, dolo “é o desígnio criminoso, a

intenção criminosa em fazer o mal, que se constitui em crime ou

delito, seja por ação ou por omissão.” Da mesma obra ora citada,

retiramos o conceito de fraude, a saber: “é o engano malicioso ou

ação astuciosa, promovidos de má-fé, para ocultação da verdade

ou fuga ao cumprimento do dever”. Assim, as expressões, da forma

como foi utilizada atraem o mesmo sentido não havendo distinção

entre as mesmas.

Mas o parágrafo em exame segue o disposto no art. 28 da

LINDB, verbis:

129 SILVA, De Plácido e, Vocabulário Jurídico, 25ª ed, at. Nagib Slaibi Filho e Glaucia Carvalho., Forense: 2004.

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Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por

suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou

erro grosseiro.

Portanto, também será responsabilizado o parecerista

(como qualquer outro agente público) se, na emissão de parecer,

agir também com erro grosseiro. De notar que erro grosseiro é

um conceito completamente distinto do dolo (ou fraude), pois,

naquele, não há malícia nem vontade livre e consciente de causar

prejuízo a quem quer que seja, tampouco locupletar-se.

O erro grosseiro é o que decorre de uma grave inobservância

de um dever de cuidado, isto é, que foi praticado com culpa grave,

assim considerado aquele em que o agente poderia perceber com

diligência abaixo do normal.

Seria erro grosseiro, por exemplo, um parecer de aprovação

de uma minuta de edital em que o Termo de Referência, ao

especificar as características técnicas do produto ou equipamento,

indicar marca específica sem a devida justificativa técnica. Mas,

caso houvesse justificativa nos autos, não seria considerado erro

grosseiro do parecerista caso o mesmo não vier a perceber que a justificativa era tecnicamente inconsistente, pois, para isso, necessitaria também ser especialista no objeto da contratação.

O Tribunal de Contas da União aplicou multa ao parecerista

em hipótese na qual a minuta do edital foi aprovada, porém sem

que o processo fosse instruído com a pesquisa de preços que deu

causa ao estabelecimento do valor estimado da contratação:

(...) Cumulativamente ao débito também foi imposta ao

Sr. [...] multa no valor de R$20.000,00, em decorrência

da constatação das seguintes irregularidades: ausência

de pesquisa de preços (...). A simples cotação de

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preços máximos nos editais de licitação não é prova

de que tenha sido realizada pesquisa de preço. Aliás,

a existência comprovada de superfaturamento na

licitação torna óbvio que os valores lançados no edital

não poderiam ter resultado de uma pesquisa de preços

autêntica. VISTOS, (...) julgou irregulares as contas

do responsável, imputando-lhe débito decorrente

da prática de superfaturamento na aquisição de

equipamentos hospitalares com recursos recebidos

por meio dos Convênios n° 1.718/97 e 1.839/97, firmados

com o Fundo Nacional de Saúde – Funasa, bem assim

imputou-lhe a multa prevista no art. 58, inciso II, da Lei

n° 8.443/92 pela prática de inúmeras irregularidades

relativas à execução dos mencionados convênios.

(Acórdão n° 1.498/2005, Plenário)

3. Conclusões

De tudo que foi visto acima, pode-se perceber que houve um

certo avanço em termos normativos, com relação às atribuições

e competências da Assessoria Jurídica no controle prévio de

legalidade dos processos de contratação, com ou sem licitação.

A possibilidade de excluir da apreciação obrigatória certos

atos, conferirá maior dinamismo e desafogo de trabalho nos

gabinetes das assessorias jurídicas, mas deve ser feito com

cautela, a fim de que a autoridade jurídica máxima não atraia

responsabilização por ato omissivo, mesmo nos casos em que se

utiliza modelos padrão de minutas de editais e contratos, dada as

variáveis que podem surgir de um objeto para outro.

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O veto ao § 2° mantem a percepção de que o parecer

permanece com caráter vinculante, desde que desfavorável. Evitou-

se atribuir maior poder de decisão ao Gestor, se considerado que

a Lei no. 8.666/1993 não lhe conferia a prerrogativa de dissentir do

parecer em caso de reprovação do ato.

Nenhuma modificação de entendimento segundo o qual o

parecerista poderá ser responsabilizado caso seu parecer tenha

se pautado com dolo ou erro grosseiro, nos termos do art. 28 do

Decreto-Lei n° 4.657/1942 (Lei de Introdução às normas do Direito

Brasileiro), caso venha a agir com dolo ou erro grosseiro.

A Nova Lei de Licitações e Contratos e a ampliação da utilização do Procedimento de Manifestação de Interesse Cristiana FortiniMariana Bueno Resende

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A Nova Lei de Licitações e Contratos e a ampliação da utilização do Procedimento de Manifestação de Interesse

Cristiana Fortini130*

Mariana Bueno Resende131*

1. Introdução

O nascimento do Direito Administrativo traz consigo o

surgimento do ato administrativo, como manifestação unilateral

sujeita a regime jurídico de direito público, vocacionado ao exercício

da atividade de polícia, tarefa estatal precípua. O elemento da

unilateralidade acaba por marcar a atuação administrativa por

anos, alimentado ainda pela compreensão de que o interesse

público a ser definido intramuros reclamaria postura inconciliável

com a participação privada.132 133 As muralhas a apartar a forma

130 * Professora da Universidade Federal de Minas Gerais e da Faculdade Milton Campos (Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil); Doutora em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais; Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA); Advogada.

131 * Mestra em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Assessora de Conselheiro no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE/MG). Advogada e professora.

132 NETTO, Luísa Cristina Pinto e. A contratualização da função pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 30.

133 Importantes reflexos disso são a dificuldade de diálogo e a constante necessidade de acionamento do Poder Judiciário para o exame de conflitos em que a Administração Pública é parte, bem como a reação tradicionalmente punitiva diante do cometimento de infrações sob a alegação de que o interesse público assim exigiria. A esse respeito, conferir: FORTINI, Cristiana; AVELAR, Mariana. Considerações sobre o PL 4253/20 e a futura lei de licitações. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-14/interesse-publico-consideracoes-pl-425320-futura-lei-licitacoes. Acesso em 10 mar. 2021 e FORTINI, Cristiana. Solução extrajudicial de conflitos com a administração pública: o hoje e o porvir. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-mar-04/interesse-publico-solucao-extrajudicial-conflitos-administracao-publica. Acesso em: 11 de mar. 2021.

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privada de agir daquela considerada imperiosa no cenário público,

bem como a dicotomia entre interesse público e privado a sugerir

que o atingimento do último decorreria do desapreço pelo primeiro

foram erguidas com largo substrato doutrinário134 135

No entanto, no decorrer da história, observa-se processo de

mudança com a crescente valorização da contribuição privada na

execução do interesse coletivo136, bem como o reconhecimento de

que a presença do particular não representa afronta ao interesse

público, mas ao revés pode contribuir para sua salvaguarda.

Nesse sentido, ao contrário da Lei 8.666/93, elaborada em

um cenário de extrema desconfiança em relação à participação da

iniciativa privada no planejamento das contratações públicas137,

134 Alexandre Santos de Aragão ensina que “(...) nos Estados de raiz germânico-latina o interesse público era considerado superior à mera soma dos interesses individuais, sendo superior e mais perene que eles, razão pela qual era protegido e perseguido pelo Estado, constituindo o fundamento de um regime jurídico próprio, distinto do que rege as relações entre os particulares”. (ARAGÃO, Alexandre Santos de. A supremacia do interesse público no advento do Estado de Direito e na hermenêutica do Direito público contemporâneo. Revista Brasileira de Direito Público - RBDP, ano 18, n. 8, jan./ mar. 2005. Disponível em: https://www.forumconhecimento.com.br/periodico/129/344/3463. Acesso em: 4 mar. 2021)

135 Para Hely Lopes Meirelles “enquanto o Direito Privado repousa sobre a igualdade das partes na relação jurídica, o Direito Público assenta em princípio inverso, qual seja, o da supremacia do Poder Público sobre os cidadãos, dada a prevalência dos interesses coletivos sobre os individuais”. (MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 43)

136 FERRAZ, Luciano. Controle e consensualidade. Belo Horizonte: Fórum, 2019.

137 É verdade que a Lei 8.666/93 já assegura algum espaço para atuação privada, quando prevê a submissão do edital à audiência pública sempre que o valor estimado para uma licitação ou para um conjunto de licitações simultâneas ou sucessivas for superior a cem vezes o limite previsto no art. 23, inciso I, alínea “c” da lei (um milhão e quinhentos mil reais). Contudo, nas audiências públicas a que se refere o artigo 39 da Lei 8.666/93 a atuação privada se dá em momento posterior à opção administrativa à definição do objeto e da melhor formatação para a contratação. Portanto, ainda que exista espaço para críticas e sugestões de operadores econômicos e outros particulares, elas ocorrerão após findo, ao menos sob certo aspecto, o procedimento de preparação do certame. A isso se soma que, no âmbito da Lei 8.666/93, a audiência pública é etapa exigida apenas para situações que envolvem contratações com valores estimados elevados. Nesse sentido, importante salientar que o artigo 21 da Lei 14.133/2021 altera, em sentido contrário ao movimento de participação e transparência das contratações públicas, a sistemática das audiências públicas, uma vez que deixa a critério do administrador público, mesmo em contratos de grande vulto, a sua convocação. Assim, resta o recurso à impugnação (art. 164), instrumento destinado à indicação de irregularidades e solicitação de esclarecimentos quando o edital já está concluído e publicado. Em que pese o potencial do mecanismo como contribuição à melhoria dos editais, sua eficácia depende, fundamentalmente, da seriedade dos gestores na análise dos apontamentos e verificação da sua pertinência.

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a Lei 14.133/2021, Nova Lei de Licitações e Contratos, reconhece

que os privados podem agregar informações úteis à produção de

atos convocatórios e seus anexos138 e prevê, em âmbito nacional,

para licitações e contratos em geral, a utilização do procedimento

de manifestação de interesse - PMI, instrumento que surgiu na Lei

8.987/95, como se verá a seguir.

Observa-se que a contribuição privada na tomada de

decisão administrativa possibilita que o administrador tenha

acesso a informações diversas acerca de determinado projeto,

possuindo substrato para ponderar sobre a melhor solução

capaz de atender às demandas da administração e às demandas

sociais, o que contribui para solucionar o problema da ausência ou

insuficiência de capacidade técnica e orçamentária dos governos

para identificar, priorizar, preparar e adquirir projetos de obras

e serviços, além de conferir transparência, segurança jurídica e

legitimidade às ações estatais.

Contudo, a abertura à participação também é acompanhada

de diversos riscos que, se não forem percebidos e evitados, podem

tornar o PMI um instrumento contrário aos seus objetivos. A seguir,

serão abordados os principais aspectos relacionados ao PMI na

legislação brasileira, bem como as inovações trazidas pela Lei

14.133/2021 e os desafios a serem enfrentados para o sucesso da

implementação do procedimento.

138 Ao tratarem da necessidade de reforma da Lei de Licitações e Contratos, Carlos Ari Sundfeld e Floriano de Azevedo Marques Neto defendem que “a outorga às autoridades de poderes para buscar soluções negociadas com particulares, em procedimentos passíveis de controle, é positiva para que se alcance um índice mais elevado de cumprimento de obrigações, para diminuir incertezas e para eliminar ou abreviar conflitos. É viável produzir, em lei, uma disciplina desses poderes que seja capaz de conciliar a flexibilidade de que a autoridade precisa para poder negociar com as limitações indispensáveis à proteção do interesse geral.” (SUNDFELD. Carlos Ari; MARQUES NETO. Floriano de Azevedo. Uma nova lei para aumentar a qualidade jurídica das decisões públicas e seu controle. In: SUNDFELD. Carlos Ari. Contratações públicas e seu controle. São Paulo: Malheiros, 2013. P. 279)

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2. O Procedimento de Manifestação de Interesse no

ordenamento jurídico brasileiro

O procedimento de manifestação de interesse não é novidade

no cenário das contratações públicas brasileiras. Inicialmente

previsto no artigo 21 da Lei 8.987/95, Lei Geral de Concessões e

Permissões de Serviços Públicos, e na Lei 11.079/2004, que institui

as Parcerias Público-Privadas139, seu uso foi se expandindo ao

longo dos anos.

Nesse sentido, a Lei 13.303/2016, que dispõe sobre o

estatuto jurídico das empresas estatais, tratou expressamente

do uso do PMI por referidas entidades, deixando a disciplina para

regulamento específico (art. 31). Mencionada legislação inovou

ao abranger o uso do mecanismo para contratações diversas

realizadas pelas empresas estatais140.

Para além das referidas previsões legais, o PMI possui

embasamento constitucional, uma vez que a possibilidade de que

particulares apresentem estudos, investigações, levantamentos

e projetos para embasar eventual licitação tem fundamento

no princípio da participação popular decorrente do Estado

Democrático de Direito. Da consagração do Estado Democrático de

139 “Art. 3° As concessões administrativas regem-se por esta Lei, aplicando-se-lhes adicionalmente o disposto nos arts. 21, 23, 25 e 27 a 39 da Lei n° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e no art. 31 da Lei n° 9.074, de 7 de julho de 1995”.

140 “Nesse sentido, o art. 71, II, do Decreto federal n° 8.945/16, o regime de licitação e contratação da Lei n° 13.303/16 é autoaplicável, exceto quanto ao procedimento de manifestação de interesse privado para o recebimento de propostas e projetos de empreendimentos de que trata o §4° do art. 31 da Lei, o que significa que as empresas estatais federais devem estabelecer, em regulamento interno, os requisitos e condições necessários à aplicabilidade desse dispositivo.” (PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Comentários - Artigos 28-67.  In:  PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres; HEINEN, Juliano; DOTTI, Marinês Restelatto; MAFFINI, Rafael (Coord.). Comentários À Lei das Empresas Estatais: Lei N° 13.303/16. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 253)

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Direito decorrem exigências de uma atuação estatal transparente,

que possibilite efetiva influência nas decisões, seja por meio da

participação direta ou do controle exercido.

Ocorre que a Lei 8.666/93, baseada na ideia de que o

projetista não deve participar da execução, veda, em seu art. 9°,

incisos I e II, que a pessoa natural ou jurídica responsável pela

elaboração do projeto básico ou executivo participe da licitação

para a execução de obra ou serviço ou para o fornecimento de

bens necessários para a obra ou o serviço141, o que acabou por

desestimular o administrador público na utilização do PMI para as

contratações regidas por referida legislação142.

Ressalta-se que não há, no cenário nacional, tratamento

pormenorizado sobre o tema, motivo pelo qual foram editados

diversos decretos pelos entes federados disciplinando o

procedimento de manifestação de interesse de formas

diferenciadas. Para o presente estudo, importa destacar o Decreto

Federal n. 8.428/2015 que, embora aplicável apenas à administração

pública federal, foi utilizado, em muitos casos, como baliza para

elaboração dos decretos dos demais entes federados.

Em consonância com o já referenciado movimento de

consensualidade na Administração Pública, as hipóteses de

utilização do PMI previstas no decreto federal foram ampliadas com

a edição do Decreto Federal n. 10.104/2019, deixando de prever a

utilização do mecanismo apenas para empreendimentos “objeto de

concessão ou permissão de serviços públicos, de parceria público-

141 BONATTO, Hamilton; OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de. A Admissão do Projetista na Execução do Contrato e a Nova Lei de Licitações. Disponível em: www.licitacaoecontrato.com.br. Acesso em: 11 fev. 2021.

142 Curiosamente, referida previsão de vedação à participação do projetista foi mantida no art. 14, inciso I, da Lei 14.133/2021, conflitando com os dispositivos que permitem participação do responsável pela elaboração dos projetos na licitação (artigos 32 e 81).

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privada, de arrendamento de bens públicos ou de concessão de

direito real de uso” e passando a subsidiar a administração pública

na estruturação de “desestatização de empresa e de contratos de

parcerias, nos termos do disposto no §2° do art. 1° da Lei n. 13.334,

de 13 de setembro de 2016”143.

Nos termos do decreto federal, o PMI é composto por

três fases: (a) abertura, por meio de publicação de edital de

chamamento público; (b) autorização para a apresentação de

projetos, levantamentos, investigações ou estudos; e (c) avaliação,

seleção e aprovação.

A abertura, autorização e aprovação de PMI são de

competência do órgão colegiado máximo do órgão ou entidade

da administração pública federal competente para proceder à

licitação do empreendimento ou para a elaboração dos projetos e

estudos.

Sobre a iniciativa para iniciar o PMI, o decreto federal

permite que seja tanto pública, quanto privada (art. 3°). A vantagem

dessa abertura à iniciativa privada é que o administrador possa ter

conhecimento de ideias inovadoras, capazes de trazer significativos

benefícios para a atuação estatal e, consequentemente para a

coletividade.

143 “Neste ponto cumpre rememorar que contratos de parceria, nos termos da Lei n. 13.334/2016, criadora do Programa de Parcerias de Investimentos – PPI, são ‘a concessão comum, a concessão patrocinada, a concessão administrativa, a concessão regida por legislação setorial, a permissão de serviço público, o arrendamento de bem público, a concessão de direito real e os outros negócios público-privados que, em função de seu caráter estratégico e de sua complexidade, especificidade, volume de investimentos, longo prazo, riscos ou incertezas envolvidos, adotem estrutura jurídica semelhante’ (art. 1°, §2°, Lei n. 13.334/2016).” (FORTINI, Cristina; RAINHO, Renata Costa. Mudanças no procedimento de manifestação de interesse em face do decreto 10.104/2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-nov-28/interesse-publico-mudancas-manifestacao-interesse-diante-decreto-101042019?pagina=2. Acesso em: 11 fev. 2020)

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A primeira fase se dá com a publicação do edital de

chamamento público, que deve delimitar o escopo mediante

termo de referência dos projetos, levantamentos, investigações

ou estudos, podendo se restringir à indicação do problema a ser

resolvido, deixando ao setor privado a possibilidade de sugerir

diferentes meios para sua solução144.

O edital deve indicar também: as diretrizes e premissas do

projeto que orientem sua elaboração com vistas ao atendimento do

interesse público; prazo máximo (que não será inferior a vinte dias,

contado da data de publicação do edital) e forma para apresentação

de requerimento de autorização para participar do procedimento;

prazo máximo para apresentação de projetos, levantamentos,

investigações e estudos, contado da data de publicação da

autorização e compatível com a abrangência dos estudos e o nível

de complexidade das atividades a serem desenvolvidas; critérios

para deferimento da autorização e para avaliação dos estudos

apresentados; contraprestação pública admitida, no caso de

parceria público-privada, sempre que possível estimar, ainda que

sob a forma de percentual; e valor nominal máximo para eventual

ressarcimento.

144 “O objeto da autorização do art. 21 da Lei de Concessões é amplo e a administração pode, por meio desse instrumento, fomentar a elaboração de ‘produtos’ muito variados. O legislador, ao delinear dispositivo com essas características, optou por economizar nas especificações legais, permitindo que o poder público fixe, para cada autorização que concretamente vier a emitir, escopo específico, passível de ser modulado (de forma ampliativa ou restritiva) a depender das suas necessidades e pretensões. Pela lógica da lei, o poder público pode, por exemplo, expedir autorização buscando obter da iniciativa privada apenas uma ideia, um conceito, ligado à futura modelagem da concessão. (...) Mas também pode usar a autorização do art. 21 para o fim mais extenso de obter colaboração na estruturação completa de projetos de concessão bem específicos, e realizar procedimento de estruturação completa da concessão em parceria, em que o particular faz estudos para fornecer todo o amplo leque de subsídios necessários à efetiva realização da outorga (e não simples contribuições específicas para a construção da política pública ou para decisão tópica no contexto mais vasto da modelagem).” (ROSILHO, André; SUNDFELD, Carlos Ari; MONTEIRO, Vera. A estruturação das concessões por meio de parceria com particulares autorizados (art. 21 da Lei n° 8.987/1995). Revista de Direito Administrativo - RDA, ano 15, n. 275, maio/ ago. 2017. Disponível em: https://www.forumconhecimento.com.br/periodico/125/350/3456. Acesso em: 4 mar. 2021)

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O valor para ressarcimento, conforme artigo 4°, §5°,

será fundamentado em prévia justificativa técnica que leve

em consideração a complexidade dos estudos ou a elaboração

de estudos similares, não podendo ultrapassar 2,5% do valor

total estimado previamente pela administração pública para os

investimentos necessários à implementação do empreendimento

ou para os gastos necessários à sua operação e à manutenção

(deve ser utilizado o valor que for maior).

O edital pode condicionar o ressarcimento à necessidade de

atualização e adequação do trabalho, até a abertura da licitação

do empreendimento, em decorrência, entre outros aspectos, de

alteração de premissas regulatórias e de atos normativos aplicáveis,

recomendações e determinações dos órgãos de controle ou

contribuições provenientes de consulta e audiência pública. Essa

regra é importante na medida em que permite o aperfeiçoamento

do projeto apresentado com a contribuição de determinações do

poder público ou oriundas de audiências e consultas públicas.

Ressalta-se a previsão de divulgação no edital de todas

as informações públicas disponíveis e de sua ampla publicidade,

tanto por meio de publicação no Diário Oficial da União quanto por

meio de divulgação no sítio na Internet dos órgãos competentes.

Sobre a autorização para participação do PMI, necessário

destacar que, inicialmente o decreto federal vedava que fosse

conferida com exclusividade a determinado particular. Isso porque,

acreditava-se que a ampla participação e, consequentemente,

a apresentação de maior número de trabalhos e estudos trazia

benefícios à administração pública. Contudo, na prática da

utilização do PMI, a Administração Pública se deparou com

dificuldades para analisar a grande quantidade de projetos

apresentados, o que acabou por comprometer a eficiência da

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utilização do mecanismo145.

Diante disso, o Decreto Federal n. 10.104/2019 alterou

o Decreto n. 8.428/2015 para constar a possibilidade de que a

autorização para apresentação de projetos, levantamentos,

investigações ou estudos no âmbito do procedimento de

manifestação de interesse se dê mediante autorização exclusiva

ou com número limitado de interessados.

No tocante à exclusividade para apresentação de estudos no

PMI, já tivemos a oportunidade de expor que:

Por um lado, importante limitar-se a oferta de estudos,

projetos, levantamentos ou investigações a público alvo

com adequada capacitação técnica e econômica para

tanto, afinal, trata-se de estudos dispendiosos e que

requerem elevada expertise técnica.   De todo modo,

isso é conciliável com PMI em que há participação e

autorização plurais. À redação anterior do Decreto não

se poderia atribuir a responsabilidade pela eventual

baixa qualidade de participantes. A exclusividade

também, por si só, nada garante.

145 Nesse sentido, Carlos Ari Sundfeld, Vera Monteiro e André Rosilho lecionam que: “é exagerada a interpretação de que se deveria, sempre, autorizar todos os interessados em elaborar estudos ‘vinculados à concessão, de utilidade para a licitação’, desde que atendam a requisitos mínimos de qualificação previamente fixados. A ideia de que quanto mais estudos forem desenvolvidos, mais informações se terá para realizar a concessão é um erro. Nem mesmo do princípio da igualdade decorre o dever de o poder público admitir a apresentação de múltiplos projetos e estudos elaborados pela iniciativa privada, para depois escolher entre eles. O art. 21 da Lei de Concessões não criou direito subjetivo aos interessados em elaborar estudos. O instrumento do art. 21 da Lei de Concessões também gera custos ao poder público. Por isso, exigir que o poder público estabeleça, com a iniciativa privada, o maior número possível de relações de colaboração importaria em obrigá-lo a suportar custos elevados e indeterminados toda vez que quisesse se valer do art. 21 da Lei de Concessões para obter subsídios da iniciativa privada relativos a projetos de concessão”. (ROSILHO, André; SUNDFELD, Carlos Ari; MONTEIRO, Vera. A estruturação das concessões por meio de parceria com particulares autorizados (art. 21 da Lei n° 8.987/1995). Revista de Direito Administrativo - RDA, ano 15, n. 275, maio/ ago. 2017. Disponível em: https://www.forumconhecimento.com.br/periodico/125/350/3456. Acesso em: 4 mar. 2021)

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Fato é que a exclusividade pode ser, ainda que assim

possa não parecer, um atrativo a mais à iniciativa

privada. A exclusividade pode florescer o interesse do

mercado e endereça-lo à administração pública, diante

de chances mais reais de influenciar um possível novo

edital, além de potencializar a chance de ressarcimento.

Por outro lado, considerando sobretudo a possibilidade

de participação em futura eventual licitação – a

despeito da ausência de preferência – de se ponderar

possíveis fragilidades, tais como a captura dos gestores

públicos demandantes e a prática de atos coibidos pela

Lei Anticorrupção brasileira, a exemplo da frustração ao

caráter competitivo da licitação.146

Em razão da referida previsão, objetivando evitar a escolha

arbitrária de particulares para apresentar estudos e projetos à

Administração Pública, foi aprovado o seguinte enunciado na I

Jornada de Direito Administrativo realizada pelo STJ e o Centro de

Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal:

Enunciado 1 – A autorização para apresentação de

projetos, levantamentos, investigações ou estudos no

âmbito do Procedimento de Manifestação de Interesse,

quando concedida mediante restrição ao número de

participantes, deve se dar por meio de seleção imparcial

dos interessados, com ampla publicidade e critérios

objetivos.

146 FORTINI, Cristina; RAINHO, Renata Costa. Mudanças no procedimento de manifestação de interesse em face do decreto 10.104/2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-nov-28/interesse-publico-mudancas-manifestacao-interesse-diante-decreto-101042019?pagina=2. Acesso em: 11 fev. 2020.

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Também sobre a autorização, o Decreto n. 8.428/2015 prevê

que ela poderá ser cassada, revogada, anulada ou tornada sem

efeito, sem haver direito de ressarcimento dos valores envolvidos

na elaboração de projetos, levantamentos, investigações e

estudos. 

Atentando para os benefícios do diálogo entre a

administração e os particulares autorizados, o decreto permite a

realização de reuniões sempre que a administração entender que

possam contribuir para a melhor compreensão do objeto e para a

obtenção de projetos mais adequados aos empreendimentos (art.

8°). Observa-se que, embora o decreto não trate expressamente,

referida previsão vem acompanhada do dever de ampla publicidade

dessas reuniões, o que permite a participação de todos os

interessados bem como a transparência de todos os atos.

A avaliação dos estudos considera os seguintes critérios:

a verificação da observância de diretrizes e premissas definidas

pelo órgão; consistência e a coerência das informações; adoção

das melhores técnicas; compatibilidade com a legislação aplicável

ao setor e com as normas técnicas; demonstração comparativa de

custo e benefício da proposta em relação a opções funcionalmente

equivalentes; impacto socioeconômico da proposta para o

empreendimento.

O Decreto prevê, ainda, a possibilidade de que os estudos

sejam rejeitados parcialmente, caso em que os valores de

ressarcimento serão apurados apenas em relação às informações

efetivamente utilizadas em eventual licitação, ou totalmente (art.

12). No caso de a administração entender que os estudos e projetos

apresentados não são satisfatórios, não selecionará nenhum

deles. Logo, mesmo havendo futura licitação para contratação

do empreendimento não haverá ressarcimento pelas despesas

efetuadas no PMI (art. 12, parágrafo único). 

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Em sequência, o resultado do PMI será divulgado por meio de

publicação no Diário Oficial da União e de divulgação na internet.

Em atendimento às diretrizes da lei de acesso à informação (Lei

12.527/11), o decreto determina que os projetos e estudos serão

divulgados após a decisão administrativa.

3. A Lei 14.133/2021 e a expansão da utilização do PMI

Como se viu, o procedimento de manifestação de interesse

já está previsto no ordenamento jurídico brasileiro. A principal

inovação da Lei 14.133/2021 sobre a matéria é a expansão da

utilização do PMI a todos os contratos e a previsão de normas mais

detalhadas aplicáveis a todos os entes federados.

As principais características do procedimento são

expressamente tratadas na nova legislação, assim, há a previsão

de que o vencedor da licitação deverá ressarcir os dispêndios

correspondentes, conforme especificado no edital; de ausência de

preferência para o realizador dos projetos no processo licitatório;

da não obrigatoriedade de que o poder público realize as licitações;

que a participação no PMI não implicará, por si só, direito a

ressarcimento de valores envolvidos em sua elaboração e que

o privado será remunerado somente pelo vencedor da licitação,

vedada, em qualquer hipótese, a cobrança de valores do poder

público (art. 81).

Ressalta-se que, na contramão do previsto no Decreto

Federal n. 8.428/2015, a Lei 14.133/2021 não dispõe sobre a

possibilidade de iniciativa privada para instauração do PMI,

procedimento conhecido como “manifestação de interesse privado

– MIP” em alguns decretos estaduais e municipais, como o Decreto

n. 14.657/2011 do Município de Belo Horizonte, e que, como já se viu,

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configura instrumento benéfico e consentâneo com a participação

democrática.

Atenta à incidência dos princípios incidentes à atividade

administrativa, a Lei 14.133/2021 determina a necessidade

de motivação das decisões, com a elaboração de parecer

fundamentado que demonstre que o produto ou serviço entregue é

adequado e suficiente à compreensão do objeto, que as premissas

adotadas são compatíveis com as reais necessidades do órgão e

que a metodologia proposta é a que propicia maior economia e

vantagem entre as demais possíveis.

O novo regime jurídico das contratações públicas prevê,

também, no âmbito do PMI, medidas atinentes à função social das

contratações públicas, que têm sido utilizadas, cada vez mais,

como mecanismos indutores de comportamento no mercado e na

sociedade147, permitindo a elaboração de PMI restrito a startups148.

Salienta-se que as previsões da Lei 14.133/2021, embora

sejam mais detalhadas quando comparadas ao regramento

da Lei 8.987/95, se restringem a estabelecer os contornos do

PMI, sem adentrar em minúcias do procedimento, deixando

margem considerável de autonomia para que cada ente federado

estabelecer suas próprias regras.

147 FORTINI, Cristiana; RESENDE, Mariana Bueno. A função social das contratações públicas: um olhar para além do Brasil.  In:  PÉRCIO, Gabriela Verona; FORTINI, Cristiana (Coord.). Inteligência e Inovação em Contratação Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2020. Disponível em: https://www.forumconhecimento.com.br/livro/4127/4310/28811. Acesso em: 6 fev. 2021.

148 Para tanto, permite a elaboração de PMI restrito a startups, assim considerados: (...)“os microempreendedores individuais, as microempresas e as empresas de pequeno porte, de natureza emergente e com grande potencial, que se dediquem à pesquisa, ao desenvolvimento e à implementação de novos produtos ou serviços baseados em soluções tecnológicas inovadoras que possam causar alto impacto, exigida, na seleção definitiva da inovação, validação prévia fundamentada em métricas objetivas, de modo a demonstrar o atendimento das necessidades da Administração”.

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Não se pode olvidar que a autonomia vem acompanhada

do ônus de disciplinar o procedimento “estabelecendo padrões que

assegurem tratamento isonômico entre os interessados, a escolha

eficiente dos projetos, a devida publicidade dos atos praticados,

etc.”149 Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União já entendeu

que:

Na visão dessa Corte de Contas, o PMI, embora não

se constitua em licitação propriamente dita, é um

processo seletivo, e, como tal, deve zelar pela isonomia

dos interessados mediante a divulgação de requisitos

mínimos de aceitação e denegação de pedidos de

autorização, bem como critérios de julgamento e de

escolha dos estudos oferecidos.150

Por fim, necessário destacar a distinção entre o procedimento

de manifestação de interesse e o diálogo competitivo, também

previsto pela Lei n. 14.133/2021 nos artigos 6 °, inciso XLII e 32,

uma vez que ambos objetivam a cooperação do setor privado na

modelagem das contratações da nova legislação.

No direito comunitário europeu, desde 2004151, há a previsão

de um procedimento pré-contratual competitivo, denominado

diálogo concorrencial, no qual o poder público utiliza das ideias

149 JURKSAITIS, Guilherme Jardim; ISSA, Rafael Hamze. Notas sobre contratações públicas na Lei das Estatais.  Fórum de Contratação e Gestão Pública - FCGP, ano 19, n. 178, p. página inicial-página final, out. 2016. Disponível em: https://www.forumconhecimento.com.br/periodico/138/21486/54303. Acesso em: 11 fev. 2021.

150 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relator Ministro Walton Alencar Rodrigues. Acórdão n° 273/2016 – TCU – Plenário. Data da Sessão: 17/02/2016.

151 A Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, foi posteriormente revogada pela Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014.

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do setor privado para a elaboração de projetos de concessões.

Referido mecanismo serviu como inspiração para a criação, por

meio da nova legislação, de nova modalidade licitatória denominada

diálogo competitivo.

A diferença primordial em relação ao procedimento de

manifestação de interesse é que o diálogo competitivo se constitui

modalidade de licitação, que culmina na adjudicação do objeto,

enquanto o PMI é um instrumento prévio à licitação.

Além disso, como já tratado no presente estudo, no

procedimento de manifestação de interesse não há restrição

de que outros interessados na contratação, ausentes da fase

de modelagem, participem da licitação. Por sua vez, no diálogo

competitivo, a fase de seleção determina quem poderá participar

da fase de diálogo e competição, que culminará na contratação152.

Ressalta-se, ainda, que o diálogo competitivo não se destina

a qualquer situação, tendo em vista que a Lei 14.133/2021 restringe

sua utilização a contratações complexas153, casos em que a

administração não reúne de antemão elementos para bem definir

a solução154.

152 BONATTO, Hamilton; OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de. A Admissão do Projetista na Execução do Contrato e a Nova Lei de Licitações. Disponível em: <www.licitacaoecontrato.com.br>. Acesso em: 11 fev. 2021.

153 “Art. 32. A modalidade diálogo competitivo é restrita a contratações em que a Administração: I - vise a contratar objeto que envolva as seguintes condições: a) inovação tecnológica ou técnica; b) impossibilidade de o órgão ou entidade ter sua necessidade satisfeita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado; e c) impossibilidade de as especificações técnicas serem definidas com precisão suficiente pela Administração; II - verifique a necessidade de definir e identificar os meios e as alternativas que possam satisfazer suas necessidades, com destaque para os seguintes aspectos: a) a solução técnica mais adequada; b) os requisitos técnicos aptos a concretizar a solução já definida; c) a estrutura jurídica ou financeira do contrato; III - (VETADO).”

154 FORTINI, Cristiana. O avanço do diálogo competitivo no substitutivo apresentado ao PL 6.814/17. CONJUR, 24/05/2018. Disponível em:  <https://www.conjur.com.br/2018-mai-24/interesse-publico-oavanco-dialogo-competitivo-substitutivo-pl681417>. Acesso em: 11 fev 2021.

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4. Principais desafios na utilização do PMI

A análise da jurisprudência do Tribunal de Contas da União

sobre o tema demonstra que questão central nos procedimentos

de manifestação de interesse é a previsão de parâmetros objetivos

para remuneração do privado155.

Além de estar relacionada ao adequado uso dos recursos

públicos, já que o pagamento pelos estudos irá compor o valor

da futura contratação, a previsão pormenorizada da forma de

remuneração impacta diretamente no interesse do setor privado

em colaborar com a Administração Pública e, consequentemente,

no sucesso do procedimento.

Para tanto, o Tribunal de Contas da União tem determinado

que a análise do eventual ressarcimento seja fundada em dados

objetivos, que estejam fundamentados nos custos de elaboração

dos estudos selecionados, considerando-se margem de lucro

compatível “com a natureza do serviço e com os riscos envolvidos,

e baseados em preços de mercado para serviços de porte e

complexidade similares” 156, e que os valores calculados e suas

memórias de cálculo sejam divulgados, conferindo transparência

ao ato.157158

155 Conforme análise do Ministério Público de Contas, “os fundamentos de tais processos precedentes revelam, ademais, que são de longa data os problemas dos PMI’s relacionados a:falta de transparência na condução do processo; direcionamento dos estudos para particulares; sobrepreço no valor de ressarcimento desses estudos; e superestimativa de investimentos dentro dos estudos. Assim, ao ver do MP de Contas, tais questões recorrentes clamam por uma atuação corretiva incisiva por parte da Corte de Contas.” (BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relator Ministro Vital do Rêgo. Acórdão n° 3164/2020 – TCU – Plenário. Data da Sessão: 25/11/2020)

156 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relator Ministro Walton Alencar Rodrigues. Acórdão n° 273/2016 – TCU – Plenário. Data da Sessão: 17/02/2016.

157 No mesmo sentido, o Acórdão n° 1155/2014 – TCU – Plenário.

158 Ainda sobre a remuneração, o Tribunal de Contas da União entendeu que, considerando-se os riscos inerentes à participação no procedimento, “que possui intrínseca a natureza de relação de precariedade entre Poder Público e consultores”, o mercado de consultores de PMI possui contexto de preço diferenciado em relação aos demais consultores. (BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relator Ministro Vital do Rêgo. Acórdão n° 3164/2020 – TCU – Plenário. Data da Sessão: 25/11/2020) Nesse cenário, apontou que “é difícil conceber a ideia de um ressarcimento em que não haja compensação em função dos riscos assumidos, sob pena até de inviabilizar a obtenção de subsídios às futuras concessões.” (BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relator Ministro Walton Alencar Rodrigues. Acórdão n° 273/2016 – TCU – Plenário. Data da Sessão: 17/02/2016)

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Outro fator capaz de enfraquecer a utilização dos

procedimentos de manifestação de interesse em longo prazo é a

frustração da confiança depositada nos administradores públicos

diante da baixa conversão dos procedimentos de manifestação de

interesse em efetivas contratações.159

Embora nos procedimentos de manifestação de interesse não

exista obrigatoriedade de a administração realizar licitação, tendo

em vista que uma das hipóteses de utilização do procedimento é

exatamente colher informações para averiguar a viabilidade ou não

de realizar a contratação, é necessário que o administrador público

atue com seriedade na utilização do procedimento.

Isso significa que a decisão pela instauração do procedimento

deve estar condicionada à necessidade e ao interesse real da

administração naquele projeto. Não há obrigatoriedade de que seja

levado adiante, mas é necessário que existam e que se demonstrem

as razões pelas quais a administração decidiu que aquele projeto

não será realizado.

159 “A principal razão da diminuta efetividade do PMI parece ser o expressivo risco a ser assumido pelos interessados de, mesmo após terem sido autorizados pelo Poder Público, gastarem tempo e recursos para elaborarem estudos que não serão selecionados e, portanto, não serão objeto de ressarcimento, ou realizar estudos que, selecionados, ainda assim não serão ressarcidos, ou serão ressarcidos em valor insuficiente para retribuir os esforços empreendidos.” (BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relator Ministro Walton Alencar Rodrigues. Acórdão n° 1873/2016 – TCU – Plenário. Data da Sessão: 20/07/2016). A esse respeito, salienta-se que “há uma série de procedimentos de manifestação de interesse (PMI) e de manifestações de interesse privado (MIP) dos quais emergiram estudos e projetos que, todavia, não foram utilizados parcial ou totalmente em procedimentos licitatórios, não porque rejeitados, mas porque o Poder Público não avançou. Há situações em que sequer se promoveu a análise crítica do material disponibilizado, revelando-se um desinteresse em se prosseguir.  Sabe-se que o particular assume o risco de investir na preparação de estudos, já que apenas se houver futuro certame e a celebração do contrato dele resultante haverá a contraprestação pelo trabalho executado. Mas, a ausência de obrigação de remunerar pelo trabalho executado tem sido, na prática, compreendida pelo Poder Público como uma oportunidade de solicitar apoio técnico ou recebê-los quando a iniciativa parte do particular, sem que exista uma prévia e real reflexão sobre a possibilidade de progredir futuramente com a instauração de um certame. Endereçar esse assunto é importante e não se identifica mudança a esse respeito e nem perspectivas de que a nova lei de licitações assim avance. Ainda que não se cogite de transformar o certame em algo cogente, o princípio da confiança objetiva reclama postura leal por parte da administração pública. O que se pretende é evitar que se iluda a iniciativa privada, sem que exista avaliação prévia minimamente madura por parte do ente estatal sobre o interesse real na pavimentação da futura licitação”. (FORTINI, Cristina; RAINHO, Renata Costa. Mudanças no procedimento de manifestação de interesse em face do decreto 10.104/2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-nov-28/interesse-publico-mudancas-manifestacao-interesse-diante-decreto-101042019?pagina=2. Acesso em: 11 fev. 2020)

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O interesse público em determinado projeto, portanto,

deve ser avaliado no momento da decisão pela realização do

procedimento de manifestação de interesse. Obviamente que,

diante da análise das informações colhidas, o interesse público

pode deixar de existir, hipótese que exige fundamentação devida

por parte do administrador público.

Ao decidir pela abertura de um procedimento de

manifestação de interesse, a administração cria a expectativa de

que os projetos e estudos apresentados serão analisados com

seriedade e que, caso sejam viáveis, haverá o interesse de que se

dê prosseguimento com a realização de licitação e contratação.

Essas considerações são importantes, tendo em vista

a constatação de que um número elevado de projetos de PPP

estaduais que foram objeto de PMI, mas que ainda não chegaram à

fase de consulta pública, gerando insatisfação na iniciativa privada

que se engajou na realização dos trabalhos. 160

Ao realizar procedimentos de manifestação de interesse

sem o zelo e a preocupação com as expectativas geradas, a

administração afasta aos poucos o interesse dos particulares nos

procedimentos. Assim, o objetivo de ampla participação resta

frustrado e o instrumento perde sua eficiência.

Por fim, a proximidade permitida pelo PMI entre poder público

160 PEREIRA, Bruno Ramos; VILELLA, Mariana; SALGADO, Valério. Procedimento de manifestação de interesse nos estados: Atualização do relatório sobre projetos de PPP em fase de estruturação via PMI. Observatório das Parcerias Público-Privadas, 2013. Disponível em: < http://documents1.worldbank.org/curated/en/560271525341929281/text/WP-BR-Estruturacao-de-Projetos-de-PPP-e-Concessao-no-Brasil-PUBLIC.txt> Acesso em: 14 fev. 2021.

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e iniciativa privada pode facilitar a captura161 da administração

pública, beneficiando-se setores mais organizados, que detém

meios econômicos e políticos de influenciar, de forma desigual, as

decisões administrativas.

Assim, questão crucial para o bom resultado do procedimento

no novo marco legal de licitações é a existência de equipe técnica

capacitada para elaborar, orientar e decidir acerca do PMI162.

Considerando a influência dos resultados na futura contratação e

a possibilidade de participação do privado na licitação, é essencial

que o administrador público tenha capacidade para analisar

criticamente as propostas em consonância com a realização do

interesse público, caso contrário, o instrumento não deverá ser

utilizado.163

161 A influência de determinados atores sobre a decisão administrativa é conhecida como “captura” da administração pública pelo setor privado, teoria que foi formulada nos estudos acerca das agências reguladoras. Dessa forma, a expressão “captura” indica a situação em que a agência reguladora “perde sua condição de autoridade comprometida com a realização do interesse coletivo e passa a produzir atos destinados a legitimar a realização dos interesses egoísticos de um, alguns ou de todos os segmentos regulados” (BAGATIN, Andreia Cristina. Captura das agências reguladoras independentes. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 85.)

162 “O êxito das contratações não depende apenas de variáveis objetivas e, por isso, o legislador também se preocupou com as pessoas que executarão a Lei. Para estimular a profissionalização, outro eixo estruturante do PL, requer que a alta administração promova a gestão por competências, a exigir avaliação da estrutura de recursos humanos, identificação das competências necessárias para cada função, definição clara das responsabilidades e dos papéis a serem desempenhados e, ao final, seleção e designação de agentes públicos que tenham conhecimentos, habilidades e atitudes compatíveis, sem prejuízo das avaliações de desempenho (arts. 7° e 8°, § 3°, do PL).  Nesse contexto, conforme inclusive já tivemos a oportunidade de expor em outra ocasião, o PL determina, no art. 173, que os ‘tribunais de contas deverão, por meio de suas escolas de contas, promover eventos de capacitação para os servidores efetivos e empregados públicos designados para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei, incluídos cursos presenciais e à distância, redes de aprendizagem, seminários e congressos sobre contratações públicas.’ Há, nesse dispositivo, a preocupação do legislador ordinário com a capacitação dos agentes públicos, como forma de contribuir para a profissionalização dos recursos humanos” (FORTINI, Cristina; AMORIM, Rafael Amorim de. Um novo olhar para a futura lei de licitações e contratos administrativos: a floresta além das árvores. Disponível em: <http://www.licitacaoecontrato.com.br/artigo_detalhe.html>. Acesso em: 11 fev. 2020)

163 Nesse sentido, o PMI é apenas uma das formas de que a Administração Pública dispõe para se valer da expertise privada na modelagem das contratações, podendo também utilizar a contratação de consultoria especializada, mediante realização de licitação e, eventualmente, da contratação direta. Sobre esse aspecto, importante mencionar que a Lei 14.133/2021 possibilita a contratação por inexigibilidade dos serviços técnicos especializados discriminados no inciso III do art. 74, entre eles “estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos ou projetos executivos”. Observa-se, contudo, que nas referidas contratações há exigência prévia de disponibilidade orçamentária, uma vez que os valores relativos aos estudos selecionados serão pagos pela administração em sua integralidade e que o consultor não poderá participar da futura licitação.

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5. Conclusões

A expansão do procedimento de manifestação de interesse

– PMI para o âmbito das contratações públicas em geral reflete o

movimento vivenciado na Administração Pública de abertura à

participação privada e consensualidade, permitindo-se a utilização

do conhecimento e experiência da iniciativa privada na modelagem

das contratações públicas.

Para tanto, a Lei 14.133/2021 prevê o PMI como procedimento

auxiliar das licitações e contratações e estabelece as características

e diretrizes fundamentais do mecanismo, conferindo margem de

autonomia para que cada ente federado estabeleça suas próprias

regras de forma pormenorizada.

Contudo, não obstante as potenciais vantagens da utilização

do PMI, não se podem olvidar os riscos envolvidos na aproximação

entre o setor público e privado, sobretudo a possibilidade de que

a decisão do administrador público não seja imparcial, de modo

a privilegiar interesses de setores específicos da sociedade em

detrimento do interesse público.

Nesse aspecto, a escolha pela utilização do PMI deve,

primordialmente, levar em consideração a existência de equipe

técnica capacitada para decidir pela necessidade de abertura

do procedimento, formular o escopo, estabelecer os requisitos

de avaliação e de remuneração dos estudos, investigações,

levantamentos e projetos de soluções inovadoras, bem como para

analisá-los.

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REFERÊNCIAS

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BONATTO, Hamilton; OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de. A Admissão do Projetista na Execução do Contrato e a Nova Lei de Licitações. Disponível em: <www.licitacaoecontrato.com.br>. Acesso em: 11 fev. 2021.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relator Ministro Vital do Rêgo. Acórdão n° 3164/2020 – TCU – Plenário. Data da Sessão: 25/11/2020.

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__________; AMORIM, Rafael Amorim de. Um novo olhar para a futura lei de licitações e contratos administrativos: a floresta além das árvores.

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Disponível em: <http://www.licitacaoecontrato.com.br/artigo_detalhe.html>. Acesso em: 11 fev. 2020.

__________; AVELAR, Mariana. Considerações sobre o PL 4253/20 e a futura lei de licitações. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-14/interesse-publico-consideracoes-pl-425320-futura-lei-licitacoes. Acesso em 4 mar. 2021

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DURAÇÃO E PRORROGAÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOSJosé Anacleto Abduch Santos

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DURAÇÃO E PRORROGAÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

José Anacleto Abduch Santos164

RESUMO

O artigo objetiva a análise das modificações no regime jurídico

referente à duração e prorrogação dos contratos administrativos

que serão produzidas no sistema jurídico brasileiro à luz da nova

Lei de Licitações e Contratações, publicada no Diário Oficial da

União em 01 de abril de 2021 sob o n°. 14.133/2021, que cria um novo

marco legal para substituir as Leis n° 8.666/93, n° 10.520/02 e n°

12.462/11. Será feita uma abordagem sucinta de temas relacionados

à duração dos contratos administrativos, inovações legislativas e

limites e possibilidades relacionados à definição e à gestão dos

prazos contratais.

1. Introdução

Prazo de vigência do contrato é o lapso temporal dentro

do qual as partes devem honrar o cumprimento dos encargos

reciprocamente assumidos quando da celebração. Este prazo

é definido pela Administração Pública na fase de planejamento

da licitação e da contratação, pois é atribuição do Poder Público

definir qual o prazo necessário para a satisfação do interesse

164 Advogado, Procurador do Estado, Doutor e Mestre em Direito Administrativo pela UFPR, Prof. do UNICURITIBA. Coordenador e professor do Curso de Especialização “lato sensu” em Administração Pública com ênfase em contratações públicas da Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDCONST.

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público pela via contratual.165

De acordo com a sistemática prevista na Lei n° 8.666/93, a

vigência dos contratos administrativos é vinculada à vigência dos

créditos orçamentários, como regra geral. Desta feita, nos termos

do disposto no art. 57 desta Lei, a duração dos contratos é adstrita

à vigência dos créditos orçamentários.

Esta vinculação é de suma importância prática e produz

significativa limitação no que tange à definição do prazo dos

contratos administrativos. Um crédito orçamentário tem vigência

durante o exercício financeiro, ou seja, no período compreendido

entre 01 de janeiro até 31 de dezembro de cada ano. Portanto, como

regra geral, os contratos regidos pela Lei n° 8.666/93 tem duração

máxima até 31 de dezembro, com exceção (i) dos contratos relativos

a projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas

estabelecidas no plano plurianual, e dos contratos de escopo em

geral, que terão vigência pelo prazo necessário à realização do

escopo contratual; (ii) dos contratos de prestação de serviços

contínuos, que envolvem obrigação de fazer e uma necessidade

permanente, que podem ser celebrados e prorrogados por até 60

(sessenta) meses; (iii) dos contratos de locação de equipamento

ou de utilização de programas de informática, que podem ser

celebrados e prorrogados por até 48 (quarenta e oito) meses; e (iv)

dos contratos relativos às situações jurídicas previstas nos incisos

IX, XIX, XXVIII e XXXI do art. 24, que podem ter vigência por até 120

(cento e vinte) meses.

Pelo sistema normativo da Lei n° 8666/93, ademais, os

contratos de prestação de serviços contínuos podem ter prazo

165 SANTOS, José Anacleto Abduch. Contratos Administrativos – Formação e Controle Interno da Execução – com particularidades dos contratos de prestação de serviços terceirizados e contratos de obras e serviços de engenharia. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2015, p. 75.

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adicional de 12 meses, em caráter excepcional, devidamente

justificado e mediante autorização da autoridade superior.

Percebe-se que é um sistema de definição de prazos

contratuais dotado de rigidez, e, reitere-se, em especial, que impõe

uma limitação rigorosa e estreita do prazo máximo de vigência

dos contratos. É notável a intenção do legislador de limitar as

contratações públicas a prazos de curta ou de média duração.

É notável, também, neste sistema jurídico de fixação de

prazos de duração dos contratos, uma omissão normativa: aquela

relativa à duração dos contratos de receita celebrados pela

Administração Pública e àqueles em que não há desembolso de

recursos públicos.

A nova lei de licitações traz um regime jurídico bastante

diferente e inovador, em relação àquele regime da vigente Lei

Geral de Licitações, no que diz respeito à duração dos contratos.

O propósito do texto é, exatamente, o de tratar das principais

inovações legislativas referentes à duração e à renovação e

prorrogação dos contratos administrativos.

2. Da vigência e aplicabilidade das normas versando

sobre a duração dos contratos administrativos

A Lei contém uma sistemática jurídica específica e

peculiar no que diz respeito à vigência das normas que contempla.

Consoante previsto no art. 194, entra em vigor na data de sua

publicação. Tal significa que, suas normas podem ser aplicadas

desde logo, a partir da publicação. Ocorre que, outrossim, há uma

previsão de que haverá revogação da Lei n° 8.666, de 21 de junho de

1993, da Lei n° 10.520, de 17 de julho de 2002, e os arts. 1° a 47 da Lei

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n° 12.462, de 4 de agosto de 2011, somente após decorridos 2 (dois)

anos desta referida publicação oficial (art. 193, II).

Por decorrência desta sistemática, pelo prazo de dois

anos, a contar da data de publicação, terão vigência concomitante

a lei nova e as referidas leis que serão revogadas ao final deste

prazo. No decorrer destes dois anos de vigência concomitante,

a Administração poderá optar por licitar de acordo com qualquer

das leis que versam sobre licitações e contratações públicas,

incumbindo-lhe, tão somente, indicar expressamente no processo

administrativo qual a norma foi eleita e adotada para reger a

licitação e a contratação. Em suma, o órgão ou entidade pública

poderá, até o final do referido prazo de dois anos, celebrar contratos

administrativos pelo regime jurídico de prazos previsto na Lei n°

8666/93, ou, a critério de conveniência e oportunidade, no regular

exercício de competência discricionária, com fundamento nas

disposições normativas relativas a prazos contratuais previstas

na Lei nova. Registre-se, contudo, que é vedada a aplicação

combinada de normas da Lei nova com normas das demais Leis166.

3. Inexistência de norma expressa exigindo a

previsão de recursos orçamentários para realizar

licitações

Um aspecto preliminar relevante é que a Lei n° 8666/93

contém disposição normativa expressa determinando que as obras

e os serviços somente podem ser licitados se houver previsão

de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das

obrigações contratuais a serem executadas no exercício financeiro

166 A Administração Pública não pode se valer simultaneamente de uma norma que lhe parecer mais vantajosa de uma lei, e de outra norma, de lei diversa. É vedado, nesta medida, “misturar” os regimes jurídicos ao livre talante administrativo.

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em curso, de acordo com o respectivo cronograma (art. 7°, § 2°,

III)167. No que diz às compras, há a disposição de que “nenhuma

compra será feita sem a adequada caracterização de seu objeto e

indicação dos recursos orçamentários para seu pagamento” (art.

14).168

A nova lei de licitações não contém disposições assertivas

neste sentido, de exigir, com tal clareza, a previsão de recursos

orçamentários como requisito para realizar licitações. Há,

entretanto, previsões expressas de necessidade de comprovação

de recursos orçamentários para fins de celebração do contrato:

“nenhuma contratação será feita sem a caracterização adequada

de seu objeto e sem a indicação dos créditos orçamentários para

pagamento das parcelas contratuais vincendas no exercício em

que realizada a contratação, sob pena de nulidade do ato e de

responsabilização de quem lhe tiver dado causa” (art. 150); e de

que, no momento da contratação e a cada exercício financeiro,

a Administração deverá comprovar a disponibilidade de créditos

orçamentários (art. 105).

Na hipótese de contratação de serviços contínuos ou de

fornecimentos contínuos a Administração deverá atestar, no

início da contratação e de cada exercício, a existência de créditos

orçamentários que lhe dê suporte, sendo que, se não dispuser

de créditos orçamentários para manutenção da continuidade da

execução contratual, terá a opção de desfazer a avença (art. 106,

II e III).

167 Art. 7°. § 2°. As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando:III - houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma;

168 Entendimento já pacificado no âmbito do Tribunal de Contas da União: As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das respectivas obrigações no exercício financeiro em curso. Acórdão 4910/2013-Segunda Câmara, TC 045.505/2012-8, relator Ministro Marcos Bemquerer Costa, 20.8.2013.

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No caso da contratação direta, há referência específica à

necessidade de “demonstração da compatibilidade da previsão de

recursos orçamentários com o compromisso a ser assumido” (art.

72, IV).

Tendo em conta a inexistência de norma específica e taxativa,

a dedução à prima facie seria de que, nos termos da nova Lei, não

é mais necessária a previsão de recursos orçamentários para

realizar processo licitatório, mas apenas para fins de contratação

ou de prorrogação e renovação dos contratos celebrados.

Contudo, a interpretação sistemática das normas induz à

conclusão no sentido de que permanece necessária a previsão

de recursos orçamentários como condição prévia para instaurar

processos licitatórios.

Primeiramente porque a Constituição Federal preceitua, no

art. 167, que “são vedados: I - o início de programas ou projetos não

incluídos na lei orçamentária anual; II - a realização de despesas

ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos

orçamentários ou adicionais. A necessidade de previsão de

recursos orçamentários para realizar licitações é, assim, de índole

constitucional.

Sob outro ângulo, a Lei Complementar n° 101 estabelece que

“a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada

e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios

capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o

cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas

e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de

receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social

e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito,

inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e

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inscrição em Restos a Pagar” (art. 2°). E o planejamento adequado

da realização de despesas públicas, elemento substancial da

gestão fiscal responsável, deve contemplar a previsão de recursos

orçamentários como antecedente à realização de qualquer

despesa.

Ademais, o planejamento, elevado a princípio de observância

obrigatória na aplicação da nova Lei (art. 5°), caracteriza a etapa

preparatória do processo licitatório (art. 18) e deve contemplar

“a análise dos riscos que possam comprometer o sucesso da

licitação e a boa execução contratual” (art. 18, X) – a constatação

superveniente de que inexistem recursos orçamentários

suficientes para dar conta do custeio da futura contratação é

um risco que pode comprometer o sucesso da licitação. Explica-

se: não se insere na noção de gestão adequada dos riscos de

planejamento a conduta de realizar todo o processo licitatório,

inclusive a disputa pública, para ao final haver a constatação de que

inexistem recursos orçamentários para o custeio da contratação

pretendida, com todos os prejuízos ao erário dela (da conduta)

decorrentes.

Defende-se, pelo exposto, que permanece no regime da

nova lei a necessidade de previsão de recursos orçamentários

para realizar licitações, conclusão a que se chega a partir da

interpretação sistemática das normas nela contidas.

4. A fixação do prazo contratual é desvinculada da

vigência dos créditos orçamentários

Outro ponto digno de nota, é que, no novo regime, a

duração dos contratos não é mais vinculada à vigência dos

créditos orçamentários, que, como antes dito, expiram em 31

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de dezembro de cada exercício. Esta vinculação da duração do

contrato administrativo à vigência do crédito orçamentário que dá

suporte à contratação não é adequada e por vezes causa entraves

desnecessários à gestão administrativa, embora certo que ao

longo dos anos se foi dando interpretação à norma mais ajustada

às necessidades administrativas, como aquela produzida pela

Advocacia Geral da União e expressada na Orientação Normativa n°

39/2011, com a seguinte redação:

A vigência dos contratos regidos pelo art. 57, caput,

da lei 8.666, de 1993, pode ultrapassar o exercício

financeiro em que celebrados, desde que as despesas

a eles referentes sejam integralmente empenhadas até

31 de dezembro, permitindo-se, assim, sua inscrição em

restos a pagar.

O regime jurídico de duração dos contratos administrativos

expressado na nova Lei é mais racional e induz a mais eficiência

administrativa, ainda que se possa defender que a previsão de

prazos de contratação muito longos pode gerar distorções e lesões

ao interesse público – o que é contornável mediante adequado

planejamento e gestão dos riscos contratuais. A desvinculação

da duração do contrato à vigência do crédito orçamentário

possibilita maior margem de discricionariedade administrativa

e maior potencialidade de ajustamento da duração do contrato

às reais, concretas e efetivas necessidades públicas. A previsão

normativa de que a duração do contrato será “a prevista em edital”

(art. 105) significa que a duração do contrato será adequada a

cada contratação - em juízo de proporcionalidade, razoabilidade

e devidamente justificada - à satisfação concreta do interesse

público.

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5. Duração dos contratos de prestação de serviços

contínuos e de fornecimentos contínuos, de locação

de equipamentos e utilização de programas de

informática.

A Lei n° 8666/93, como antes visto, preceitua que

os contratos de prestação de serviços contínuos podem ser

celebrados e prorrogados pelo prazo de até sessenta meses

(art. 57, II); e que os contratos de locação de equipamentos e de

utilização de programas de informática podem ser prorrogados por

até 48 (quarenta e oito) meses (art. 57, IV). A nova lei equiparou o

regime de duração destes contratos.

É clássico conceito de serviços contínuos: são aqueles

que conjugam uma obrigação de fazer com uma necessidade

permanente da Administração. No regime da Lei n° 8666/93 os

contratos de fornecimento, que são caracterizados por envolverem

obrigações de dar (compras) não são admitidos por prazo superior

ao da vigência dos créditos orçamentários – no máximo, podem

ser celebrados pelo prazo direto de 12 meses, sem atenção à data

de expiração do crédito orçamentário em 31 de dezembro, algo já

corriqueiro no âmbito da Administração Pública.

Pela novel dicção legal, contratos de prestação de

serviços contínuos e de fornecimentos contínuos são “serviços

contratados e compras realizadas pela Administração Pública

para a manutenção da atividade administrativa, decorrentes de

necessidades permanentes ou prolongadas” (art. 6°, XV). A norma

passa a admitir a existência de uma necessidade administrativa

de receber, de modo contínuo, por prazo superior a 12 meses, o

fornecimento de certos e determinados bens (obrigação de dar).

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Estes contratos de prestação de serviços contínuos ou de

fornecimentos contínuos, bem como os de locação de equipamento

e os de utilização de programas de informática podem, com fulcro

na norma nova, ser celebrados por até 5 (cinco) anos, vale dizer,

o prazo contratual inicial pode ser fixado, de imediato, por tal

prazo169.

A contratação plurianual – contratação inicial superior a

12 meses – é submetida às seguintes diretrizes: prova de maior

vantagem econômica em relação à contratação anual; necessidade

de indicar, para fins de contratação e no início de cada exercício, a

existência de créditos orçamentários para dar cobertura à relação

contratual; e, previsão no instrumento convocatório e no contrato

da opção administrativa de extinguir a avença, sem ônus, quando

não dispuser de créditos orçamentários para a sua continuidade

ou quando entender que a contratação não é mais vantajosa (art.

106, I, II e III).

A extinção do contrato plurianual em razão de inexistência de

créditos orçamentários que lhe deem suporte, nos termos da Lei,

somente pode ocorrer “na próxima data de aniversário do contrato,

e não poderá ocorrer em prazo inferior a 2 (dois) meses, contado da

referida data. É o que preceitua o art. 106, § 1° da Lei. A regra legal

não é adequada ao sistema jurídico constitucional, pois possibilita,

169 Há interpretações no sentido de que, mesmo no regime da Lei n° 8666/93, os contratos de prestação de serviços contínuos podem ser celebrados por prazo superior a 12 meses, sem, por óbvio, superar o prazo de 60 meses. Salvo situações excepcionais devidamente justificadas – sob o argumento, por exemplo, de prazos superiores a 12 meses serem usuais de mercado, ou de economicidade e potencialidade de ampliação da competitividade e de obtenção de propostas mais vantajosas na licitação por força de prazos contratuais superiores a 12 meses. Registre-se, entretanto, que a questão não é pacificada. À guisa de exemplo, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais tem precedente no sentido de que é irregular a fixação do prazo inicial da contratação em 60 meses. Isto porque “em consonância com o art. 57 da Lei n° 8666/93, a duração dos contratos fica adstrita à vigência do respectivo crédito orçamentário. Assim, a vigência inicial do instrumento contratual deverá corresponder à do respectivo crédito autorizado...»(TCE-MG - Representação n° 711.879).

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se aplicada em termos literais, que a Administração Pública realize

despesa sem que exista crédito orçamentário para lhe dar suporte,

ainda que por breve período de tempo. Portanto, é preciso dar à

norma interpretação sistemática e conforme à Constituição.

Antes dito que a Constituição Federal veda a realização

de despesa sem a existência de correspondente crédito

orçamentário. A circunstância de fato – inexistência de créditos

orçamentários para dar suporte à execução do contrato – é, por

si só, condição necessária e suficiente para produzir a extinção

da relação contratual. Ademais, um dos requisitos jurídicos para

a celebração do contrato, com base na nova Lei, é a existência de

crédito orçamentário para dar amparo à realização das despesas

contratuais. Logo, a constatação superveniente de que, por

qualquer razão, os créditos orçamentários deixaram de existir,

caracteriza fato superveniente que autoriza a imediata extinção

do contrato, ou, se for o caso, autoriza que não seja prorrogado,

não se podendo cogitar de interpretação normativa que enseje

realização de despesas sem cobertura de créditos orçamentários

específicos, ainda que por breve período de tempo, repita-se –

como legalmente estipulado.

Da mesma forma é preciso interpretar sistematicamente a

regra contida no art. 106, § 1° no que diz respeito ao desaparecimento

da vantagem da contratação. Ora, se a contratação, por alguma

razão – de fato, jurídica ou de natureza econômica ou financeira

– deixou de ser vantajosa, há autorização legal e constitucional

para que se produza a extinção do contrato, pela via da rescisão

contratual, resguardados e assegurados os direitos legalmente

previstos para o contratado.

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6. Possibilidade de celebração e de prorrogação de

contratos administrativos pelo prazo de até dez

anos

Uma inovação significativa da Lei é a possibilidade de

que os contratos administrativos possam ser celebrados e/ou

prorrogados pelo prazo de até 10 (dez) anos – vigência decenal (art.

107). Um contraste notável em relação ao regime da Lei n° 8666/93,

que, como dito, admite em regra prazos contratuais máximos de

60 meses.

Os contratos de prestação de serviços contínuos e

de fornecimentos contínuos podem, a partir da lei nova, ser

prorrogados (renovados) por até 120 meses, ou dez anos (art. 107).

Para esta vigência máxima decenal (na expressão da Lei)

deve haver previsão expressa no instrumento convocatório

da licitação, e, a cada prorrogação contratual a autoridade

competente deverá atestar que as condições e o preço contratado

permanecem vantajosos para a Administração Pública. Caso o

preço ou qualquer das condições do contrato não se mostrarem

vantajosos para a Administração, devera, como condição para a

prorrogação decenal, haver negociação tendente a devolver ao

contrato a vantajosidade que lhe é imposta por lei.

Podem ser contratados também pelo prazo de dez anos,

já em primeira celebração, (i) bens ou serviços produzidos

ou prestados no País que envolvam, cumulativamente, alta

complexidade tecnológica e defesa nacional; materiais de uso

das Forças Armadas, com exceção de materiais de uso pessoal

e administrativo, quando houver necessidade de manter a

padronização requerida pela estrutura de apoio logístico dos

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meios navais, aéreos e terrestres, mediante autorização por

ato do comandante da força militar (hipóteses de contratação

direta previstas no art. 75, IV, f e g); (ii) contratação com vistas

ao cumprimento do disposto nos arts. 3°, 3°-A, 4°, 5° e 20 da Lei

n° 10.973, de 2 de dezembro de 2004, observados os princípios

gerais de contratação constantes da referida Lei (art. 75, V); (iii)

contratação que possa acarretar comprometimento da segurança

nacional, nos casos estabelecidos pelo Ministro de Estado da

Defesa, mediante demanda dos comandos das Forças Armadas

ou dos demais ministérios (art. 75, VI); (iv) contratação em que

houver transferência de tecnologia de produtos estratégicos

para o Sistema Único de Saúde (SUS), conforme elencados em ato

da direção nacional do SUS, inclusive por ocasião da aquisição

desses produtos durante as etapas de absorção tecnológica, e

em valores compatíveis com aqueles definidos no instrumento

firmado para a transferência de tecnologia (art. 75, XII); e (v)

aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de

insumos estratégicos para a saúde produzidos por fundação

que, regimental ou estatutariamente, tenha por finalidade apoiar

órgão da Administração Pública direta, sua autarquia ou fundação

em projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento

institucional, científico e tecnológico e de estímulo à inovação,

inclusive na gestão administrativa e financeira necessária

à execução desses projetos, ou em parcerias que envolvam

transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o SUS,

e que tenha sido criada para esse fim específico em data anterior

à entrada em vigor da Lei, desde que o preço contratado seja

compatível com o praticado no mercado (art. 75, XVI).

Esta possibilidade de vigência decenal dos contratos

administrativos exigirá conduta proativa e diligente dos agentes

públicos em relação à fixação do prazo inicial e às prorrogações

sucessivas do prazo contratual.

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Contratos de vigência até dez anos podem ser considerados

contratos de longo prazo, com riscos potenciais e proporcionais a

esta duração ampliada. Ou seja, quanto maior o prazo de duração

do contrato, maiores os riscos a que estão expostas a relação

contratual e a própria Administração Pública. Esta relação direta

entre o tempo do contrato e os riscos de execução contratual é

evidenciada, por exemplo, nos contratos de concessão de serviços

públicos, de longuíssimo prazo e potencialmente sujeitos a riscos

maiores, em proporção. A este propósito, o Tribunal de Contas da

União já deliberou que

as contratações públicas devem ter um determinado

prazo de vigência, pois, em decorrência de excessivo

transcurso de tempo, não há como se garantir que os

termos pactuados ainda sejam compatíveis com os

princípios ínsitos à realização de licitação – isonomia,

economicidade e impessoalidade, dentre outros. Em

outras palavras, o passar do tempo impõe a confirmação,

mediante nova licitação, de que estão sendo atendidos

os preceitos constitucionais referentes às contratações

públicas170.

Há inúmeros riscos que podem desde logo ser apontados:

riscos de variação de preço, riscos de variação de qualidade,

riscos de superação da solução técnica que caracterizou o objeto

do contrato, riscos relacionados à pessoa do contratado, riscos

econômico-financeiros, risco de variação das condições de

mercado, riscos regulatórios, riscos de modificação substancial

da necessidade publica que levou à celebração do contrato, dentre

outros.

170 Acórdão n° 1.375/2013, Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, DOU de 10.06.2013, Informativo n° 154, período de 03 a 07.06.2013.

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Esta sujeição maior a risco demandará da Administração

Pública, em primeiro lugar, o correto e adequado gerenciamento

dos riscos, especificamente voltado à duração do contrato; a

elaboração precisa de um mapa de riscos, e, com base nele, a

definição também precisa e correta de uma matriz de riscos

contratuais – instrumentos aptos a mitigar ou prevenir os riscos

futuros, bem como de realizar a correta distribuição deles (dos

riscos) entre as partes contratantes.

Nesta medida, na etapa do planejamento da contratação, é

dever jurídico inafastável dos agentes públicos encarregados dele,

operar de modo suficiente e substancial as etapas do gerenciamento

dos riscos – identificação, avaliação e tratamento – voltadas para

a potencial duração do contrato pelo prazo máximo de dez anos.

Este gerenciamento dos riscos deverá ser renovado previamente

a cada pretensa prorrogação contratual, de modo a possibilitar

o pleno conhecimento de todas as potenciais intercorrências e

situações de fato, técnicas ou jurídicas, que possam influenciar a

tomada de decisão pela prorrogação contratual pelo prazo de até

dez anos.

7. Contratos com vigência por prazo indeterminado

O art. 57, § 3° da Lei n° 8666/93 prevê que é vedada a celebração

de contrato por prazo indeterminado171. Esta regra cogente teve,

171 Os Tribunais de Contas sempre apontaram esta imposição legal de fixação de prazo determinado para os contratos administrativos: Por tratar-se de exigência legal, os contratos, convênios, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados pela Administração Pública, direta e indireta, Estadual e Municipal, incluídas as fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público, os fundos especiais, e demais entidades controladas pelo Estado e pelos Municípios, terão o prazo de vigência determinado.” (TCE/MG, Súmula n° 38, alterada no DOE de 03.06.1997, p. 21, mantida no DOE de 05.05.2011, p. 08.)É vedada a celebração de contrato por prazo indeterminado ou com vigência injustificadamente longa, em toda a Administração Pública Federal, Sociedade de Economia Mista, Fundação Pública e Empresa Pública”. (TCU, Decisão n° 766/1994, Plenário, Rel. Min. Iram Saraiva, DOU de 03.01.1995.) Ver, ainda, TCU, Decisão n° 453/1996, Plenário, Rel. Min. Humberto Guimarães Souto, DOU de 13.08.1996.

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ao longo do tempo, que ceder às realidades do mercado. Certas

espécies contratuais, ou mesmo características de mercado,

levaram à atenuação da regra taxativa, para que se passasse a

admitir a celebração de contratos por prazo indeterminado. É o

caso, por hipótese, da contratação de serviços públicos essenciais

prestados sob regime de monopólio ou de forte restrição de

mercado concorrencial, de modo a tornar a disputa licitatória

descabida, e mesmo inútil – caso, por exemplo do serviço postal

prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.

A contratação, por prazo indeterminado, de serviços

públicos essenciais prestados sob regime de monopólio foi

reputada legítima pela Advocacia Geral da União por intermédio da

Orientação Normativa n° 36 que dispõe que “a Administração pode

estabelecer a vigência por prazo indeterminado nos contratos

em que seja usuária de serviços públicos essenciais de energia

elétrica, água e esgoto, serviços postais monopolizados pela ECT

(empresa brasileira de correios e telégrafos) e ajustes firmados

coma imprensa nacional, desde que no processo da contratação

estejam explicitados os motivos que justificam a adoção do

prazo indeterminado e comprovadas, a cada exercício financeiro,

a estimativa de consumo e a existência de previsão de recursos

orçamentários”.

Antes fruto de interpretação sistemática, a possibilidade

de contratação por prazo indeterminado passou a constituir uma

regra taxativa na nova Lei, que fixa que “a Administração poderá

estabelecer a vigência por prazo indeterminado nos contratos

em que seja usuária de serviço público oferecido em regime de

monopólio, desde que comprovada, a cada exercício financeiro,

a existência de créditos orçamentários vinculados à contratação”

(art. 109) – redação similar àquela da dita Orientação Normativa n°

36 da Advocacia Geral da União.

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8. Definição da duração dos contratos de escopo

A definição do prazo de vigência contratual pode depender

de critérios técnicos. A cada contratação é preciso aferir qual o

período de tempo necessário para que o contratado satisfaça a

necessidade administrativa. Esta definição depende da natureza

do contrato.

Em se tratando de contrato de execução imediata, ou

contratos por escopo, nos quais há um objeto certo e definido

que ao ser realizado esgota a necessidade pública, a definição

da vigência do contrato tem estreito e direto vínculo com o

prazo necessário para a execução integral do escopo ou objetivo

principal, central ou primário, que constitui o especial fim para

o qual se dará a contratação. Neste caso, pode-se referir a uma

objetiva distinção entre prazo de vigência e prazo de execução.

Prazo de execução é aquele estabelecido pela Administração

Pública dentro do qual o contratado deverá realizar integralmente

o especial fim para o qual se deu a contratação, ou, o seu objeto

central e principal. Pode ou não haver coincidência entre o prazo

de vigência e o prazo de execução do escopo, a depender de

análises administrativas objetivas que podem indicar num ou

noutro sentido.

Nesta espécie de contratos, os contratos de execução

imediata ou de escopo, a Administração Pública estabelece o prazo

de vigência em razão da duração necessária para o cumprimento

do escopo contratual (prazo de execução).

O elemento técnico é central: a natureza técnica do objeto,

os projetos e especificações técnicas serão determinantes para

identificar o prazo adequado de execução a ser fixado no edital e

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no contrato. Assim, características técnicas do objeto constituem

parâmetro inafastável para a definição do prazo de execução e

do prazo de vigência do contrato. São exemplos de contratos de

escopo os contratos de obras, de certos serviços de engenharia, e

também aqueles que recebem da nova Lei o conceito de serviços

não contínuos ou contratados por escopo, que são aqueles que

“impõem ao contratado o dever de realizar a prestação de um

serviço específico em período predeterminado, podendo ser

prorrogado, desde que justificadamente, pelo prazo necessário à

conclusão do objeto (art. 6°, XVII).

A duração dos contratos de escopo será aquela necessária

para que o objeto contratual seja satisfatoriamente executado e

concluído, independentemente de qual seja o prazo necessário,

desde que, evidentemente, tecnicamente justificado.

No que tange aos contratos de escopo, há previsão legal

de prorrogação automática da vigência quando o objeto não for

concluído no prazo de execução contratualmente previsto: “na

contratação que previr a conclusão de um escopo predefinido, o

prazo de vigência será automaticamente prorrogado quando seu

objeto não for concluído no período firmado no contrato” (art. 111).

Esta norma incorpora tratativa de muito recomendada em doutrina,

no sentido de que é justificável e possível a concessão de prazo

adicional para a conclusão de escopo contratual não concluído no

prazo fixado no contrato, sem imposição de sanção ao contratado

caso a mora não seja decorrente de conduta a ele atribuível, por

culpa ou dolo. Nesta linha de raciocínio o Tribunal de Contas da

União chegou a expressar um entendimento, de fundamento

jurídico questionável, para defender que, nos contratos de escopo,

a vigência contratual somente expira quando o objeto tiver sido

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concluído e entregue172. Vale dizer: o aspecto material prevalece

sobre eventual disposição formal acerca de vigência expressada

no contrato.

A par da previsão legal de prorrogação automática da

vigência dos contratos de escopo, até que o objeto contratual

seja concluído, a Lei não descuidou da responsabilidade pelo

descumprimento do prazo de execução por conduta culposa

ou dolosa atribuível ao contratado, ao dispor que “quando a não

conclusão decorrer de culpa do contratado: I – o contratado será

constituído em mora, aplicáveis a ele as respectivas sanções

administrativas; II – a Administração poderá optar pela extinção do

contrato e, nesse caso, adotará as medidas admitidas em lei para

a continuidade da execução contratual (art. 111, I e II). Registre-se

que esta era já orientação jurídica pacificada em doutrina.

9. Duração dos contratos celebrados pelo regime

de fornecimento e prestação de serviço associado

Foi criado um novo regime de execução contratual. O regime

de execução diz respeito à forma pela qual se dará a contratação

em relação aos pagamentos devidos pela execução do contrato –

vale dizer: como será aferido o valor devido ao contratado a título

de contraprestação contratual. A lei nova prevê os regimes de

tarefa, empreitada por preço global, empreitada por preço unitário,

empreitada integral, contratação semi-integrada, contratação

integrada e regime de fornecimento e prestação de serviço

integrado.

172 Nos contratos por escopo, inexistindo motivos para sua rescisão ou anulação, a extinção do ajuste somente se opera com a conclusão do objeto e o seu recebimento pela Administração, diferentemente dos ajustes por tempo determinado, nos quais o prazo constitui elemento essencial e imprescindível para a consecução ou a eficácia do objeto avençado. Acórdão 1674/2014-Plenário, TC 033.123/2010-1, relator Ministro José Múcio Monteiro, 25.6.2014.

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Regime de fornecimento e prestação de serviço associado é

o regime de contratação em que, além do fornecimento do objeto,

o contratado responsabiliza-se por sua operação, manutenção ou

ambas, por tempo determinado (art. 6°, XXXIV).

Trata-se de modelagem contratual que conjuga dois objetos

distintos: o fornecimento de um bem, e a prestação de serviços de

operação e/ou de manutenção do objeto fornecido. Este modelo

de contrato – sob a condição de necessidade técnica justificada

- já de muito é realizado pela Administração Pública, mesmo sem

previsão legal expressa173.

A expressão “fornecimento” utilizada pelo legislador não

é correta. Isto porque “fornecimento” é termo tradicionalmente

prestado a indicar a entrega de um bem, como se dá nos contratos

de compras. De toda sorte, o “fornecimento” de que trata a Lei,

neste caso tem sentido lato, para alcançar também a realização de

obras. Fornecimento, na dicção legal, significa entregar um objeto,

que pode, reitere-se, ser uma obra.174

A licitação e contratação conjunta destes dois objetos

contratuais – fornecimento e serviço associado - sob o regime

da Lei n° 8666/93 pode ser realizada, em regra, pelo regime de

empreitada por preço global, que possibilita a contratação conjunta

de objetos distintos. A diferença substancial é que, a partir da

nova Lei, há um regime de execução e um modelo contratual

específico para contemplar esta necessidade administrativa de

uma contratação envolvendo simultaneamente um fornecimento e

um serviço associado a ele.

173 Tome-se por exemplo os contratos de sistemas integrados (TI), que envolvem, em muitos casos, o fornecimento de hardware, software, instalação, operação e manutenção.

174 A norma contida no art. 113 faz referência taxativa a “entrega da obra”.

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A Lei não indica que este regime de execução deva ser

utilizado apenas em relação a contratações de natureza complexa,

que guardem alguma relação lógica com o sistema de concessões

de serviços públicos. São requisitos legais tão somente a

existência de uma necessidade bidimensional: um fornecimento

ou a realização de uma obra, e uma correlata prestação de serviço

de operação e/ou de manutenção. Desta feita, são exemplos de

objetos passíveis de contratação por este regime de execução:

contratação de obra de estação de tratamento de esgoto e sua

manutenção e operação; contratação de sistemas complexos de

climatização e serviços de operação e manutenção; aquisição

de equipamentos hospitalares e serviços de operação; aquisição

de equipamentos industriais de elevada complexidade técnica e

serviços de operação e manutenção; aquisição de equipamentos

(hardware) e sistemas de informática (software) e serviços de

operação e manutenção, dentre tantos outros.

Este regime de execução tem inegáveis vantagens, como a

diminuição dos riscos no que tange ao atingimento das finalidades

públicas. Explica-se: o fornecedor de determinado bem, em tese,

é quem melhor detém conhecimentos técnicos sobre ele, e,

assim será aquele que potencialmente melhor prestará serviços

de operação ou de sua manutenção. Em sentido reverso, quando

o fornecimento do bem é encargo de pessoa diferente da que

prestará serviços de manutenção ou de operação, é possível supor

a elevação dos riscos de prejuízo para o conjunto ou complexo da

execução contratual.

Sobre tal regime de execução, o primeiro aspecto jurídico

de destaque é o necessário contraste com o princípio do

parcelamento previsto no art. 40, V, “b” da nova Lei. Sob o prisma

deste princípio, o objeto de toda contratação deve sempre ser

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parcelado, quando isto for tecnicamente viável e economicamente

vantajoso. Assim, a reunião em um único objeto contratual de um

fornecimento com uma prestação de serviço associado deve ser

devida e suficientemente justificada no processo administrativo da

licitação, na medida em que a licitação conjunta destes dois objetos

produzirá restrições à competição. De outro ângulo, se houver a

devida justificativa técnica e econômico-financeira, em face da

disposição legal expressa, podem ser licitados o fornecimento e a

prestação do serviço associado conjuntamente, de modo legítimo.

De qualquer sorte, sobre a duração dos contratos sob regime

de fornecimento com serviço associado, a nova Lei estabelece que

a sua vigência máxima deve ser definida “pela soma do prazo relativo

ao fornecimento inicial ou à entrega da obra com o prazo relativo

ao serviço de operação e manutenção” limitada esta vigência a 5

(cinco) anos. O termo inicial da contagem deste prazo é a data do

recebimento do “objeto inicial”. Há uma imprecisão normativa neste

aspecto. O objeto contratual, nesta hipótese, é bidimensional, e

envolve um fornecimento ou execução de uma obra – de execução

imediata -, e a prestação de um serviço – de execução continuada.

O objeto a ser considerado para fins de aferição do termo inicial

do prazo de vigência contratual é o fornecimento do bem ou

realização da obra, de execução imediata. Nesta linha, na data do

recebimento definitivo do bem objeto do fornecimento tem início o

prazo de vigência do contrato, que pode ser fixado em até 5 (cinco)

anos. É fundamental que o instrumento convocatório contenha

disposições expressas sobre a vigência de contrato celebrado sob

este regime de execução peculiar.

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Os contratos celebrados sob o regime de fornecimento com

serviço associado podem ser prorrogados por até 10 (dez) anos, na

forma do disposto nos art. 113 e 107 da Lei175

10. Duração dos contratos que tenham como objeto

principal ou acessório a operação continuada

de sistemas estruturantes de tecnologia da

informação

Os denominados contratos de tecnologia da informação

(TI) são gênero que comporta diversas espécies contratuais, como

contratos de hardware, contratos de software, contratos de licença

de uso de software, contratos de transferência de tecnologia,

contratos sob encomenda, contratos de prestação de serviços

e suporte técnico176. Este gênero contratual é indispensável

para a implementação e para a manutenção das atividades

administrativas.

Esta importância é adjetivada quando estão em questão

atividades administrativas essenciais, que não admitem

paralisação ou solução de continuidade, e demandam qualidade

absoluta. A obtenção da excelência administrativa na gestão

de certas informações depende dos denominados sistemas

estruturantes.

175 Art. 107. Os contratos de serviços e fornecimentos contínuos poderão ser prorrogados sucessivamente, respeitada a vigência máxima decenal, desde que haja previsão em edital e que a autoridade competente ateste que as condições e os preços permanecem vantajosos para a Administração, permitida a negociação com o contratado ou a extinção contratual sem ônus para qualquer das partes.Art. 113. O contrato firmado sob o regime de fornecimento e prestação de serviço associado terá sua vigência máxima definida pela soma do prazo relativo ao fornecimento inicial ou à entrega da obra com o prazo relativo ao serviço de operação e manutenção, este limitado a 5 (cinco) anos contados da data de recebimento do objeto inicial, autorizada a prorrogação na forma do art. 107 desta Lei

176 TELES, Vanali. Licitações e Contratos de TI. Brasília: Thesaurus Editora, 2009, p. 222.

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Sistema Estruturante é o “sistema com suporte de tecnologia

da informação fundamental e imprescindível para o planejamento,

a coordenação, a execução, a descentralização, a delegação de

competência, o controle ou a auditoria das ações do Estado, além

de outras atividades auxiliares, comum a dois ou mais órgãos da

administração pública e que necessite de coordenação central”177.

Os sistemas estruturantes oferecem apoio informatizado

a atividades como a execução financeira e orçamentária, a

administração de pessoal, contabilidade, auditoria e serviços

gerais178. São exemplos de sistemas estruturantes, no plano da

Administração Pública Federal, o Sistema Único e Integrado de

Execução Orçamentária, Administração Financeira e Controle –

SIAFIC; o Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais

SIASG – e o Sistema Integrado de Administração de Recursos

Humanos – SIAPE.

Pelo regime da Lei n° 8666/93 qualquer serviço de natureza

continuada somente pode ser contratado pelo prazo máximo de

60 meses. A imposição de realizar licitação, ou mesmo processo

de contratação direta, para contratação de objetos envolvendo

operação continuada de serviços estruturantes a cada cinco anos

constitui por vezes um óbice e um obstáculo administrativo para a

manutenção de serviços essenciais e para a excelência da gestão

administrativa.

Pelo regime da nova lei, estes contratos podem ser celebrados

e prorrogados por até 15 (quinze) anos. Desde que a contratação

seja precedida de todas as condutas administrativas corretas e

177 Decreto Federal n° 10.540/20, art. 2°, XIX.

178 https://www.serpro.gov.br/menu/noticias/noticias-antigas/noticias-2015/voce-sabe-o-que-sao-sistemas-estruturantes#:~:text=Os%20sistemas%20estruturantes%20oferecem%20apoio,contabilidade%2C%20auditoria%20e%20servi%C3%A7os%20gerais.

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adequadas na fase de planejamento, inclusive de substancial e

suficiente gerenciamento dos riscos contratuais, as contratações

envolvendo operações continuadas de sistemas estruturantes de

TI por prazos longos é estratégia que pode ampliar a eficiência

administrativa e a segurança técnica da gestão das informações.

11. Duração dos contratos de receita e dos

contratos de eficiência (sem desembolso de

recursos públicos)

No que tange ao tema da duração dos contratos

administrativos, a Lei n° 8666/93 é omissa em relação a um gênero

contratual da maior relevância – os chamados contratos de receita

da Administração Pública. Contratos de receita são aqueles nos

quais a Administração Pública comparece na relação jurídica sem

a obrigação de realizar pagamentos pela execução contratual,

sendo, ao reverso, titular de direito de receber contraprestação

pecuniária pela execução do objeto contratado.

Não há, tampouco, na Lei n° 8666/93, qualquer referência aos

chamados contratos de eficiência. A Lei nova prevê que contrato

de eficiência é aquele “cujo objeto é a prestação de serviços, que

pode incluir a realização de obras e o fornecimento de bens, com

o objetivo de proporcionar economia ao contratante, na forma de

redução de despesas correntes, remunerado o contratado com

base em percentual da economia gerada” (art. 6°, LIII).

À falta de previsão legal dispondo sobre a duração dos

contratos de receita, é bastante comum que a Administração

Pública, de modo incorreto, estabeleça disposição contratual de

que a duração do contrato terá o prazo máximo de 60 (sessenta)

meses, aplicando a esta hipótese, por analogia, a regra contida no

art. 57, II da Lei n° 8666/93).

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A nova Lei supre esta lacuna normativa referente à duração

dos contratos de receita e dos contratos de eficiência (sem

desembolso, que produzem economia de recursos públicos) ao

estipular um regime específico de sua vigência contratual (art. 110).

Para as situações contratuais em que não houver

investimentos privados, pode ser estabelecida duração do contrato

de receita ou de eficiência pelo prazo de até 10 (dez) anos. São

exemplos de contratos de receita sem investimentos: a concessão

de uso de espaço em bens imóveis públicos para exercício de

determinada atividade econômica ou os contratos de locação de

bens imóveis.

Quando a execução do contrato de receita ou de eficiência

implicar a realização de investimentos privados, que pela dicção

legal devem implicar benfeitorias permanentes a serem realizadas

exclusivamente às custas do contratado particular, pode ser fixado

o prazo contratual de até 35 (trinta e cinco) anos.

Tratam-se de prazos máximos, que não admitem

prorrogação.

12. Prorrogação dos contratos administrativos

Não há seção ou capítulo específico na nova Lei para tratar

do tema das prorrogações contratuais, mas normas esparsas

distribuídas no texto legal que constituem um vetor para orientar

a conduta administrativa direcionada à dilação ou à renovação

dos contratos. Em apertada síntese, tem-se que (i) na etapa

preparatória da licitação o termo de referência deve conter

disposição sobre a possibilidade de prorrogação contratual (art. 6°

XXIII, a); (ii) o instrumento convocatório deve prever a possibilidade

de prorrogação contratual; (iii) a prorrogação contratual não é

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um direito do contratado, mas uma faculdade da Administração;

(iv) a prorrogação da contratação é condicionada à prova de

manutenção da vantajosidade em relação ao preço e a todas as

condições contratadas originalmente; (v) antes de prorrogar o

prazo de vigência do contrato, a Administração deverá verificar a

regularidade fiscal do contratado, consultar o Cadastro Nacional

de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) e o Cadastro Nacional

de Empresas Punidas (CNEP), emitir as certidões negativas de

inidoneidade, de impedimento e de débitos trabalhistas e juntá-

las ao respectivo processo (art. 91, § 4°); (vi) as prorrogações

contratuais serão formalizadas por termo aditivo ao contrato (art.

136).

Por derradeiro, registre-se que a prorrogação do prazo

contratual, ou a renovação do contrato, é marco relevante no que

diz respeito ao direito de recomposição do equilíbrio econômico-

financeiro do contrato, na medida em que a norma contida

no parágrafo único do art. 131 da Lei delimita que “o pedido de

restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro deverá ser

formulado durante a vigência do contrato e antes de eventual

prorrogação nos termos do art. 107”. Portanto, a celebração de

termo aditivo de prorrogação ou renovação contratual sem que

tenha havido pedido de recomposição do equilíbrio econômico-

financeiro do contrato, ensejará a preclusão lógica de que trata o

Tribunal de Contas da União:

Ocorre preclusão lógica do direito à repactuação de

preços decorrente de majorações salariais da categoria

profissional quando a contratada firma termo aditivo de

prorrogação contratual sem suscitar os novos valores

pactuados no acordo coletivo, ratificando os preços até

então acordados179.

179 Acórdão 1601/2014-TCU-Plenário, TC Processo 020.970/2010-2, relator Ministro Benjamin Zymler, 18.6.2014

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13. Conclusões

1. O regime jurídico da duração dos contratos

administrativos previsto na nova Lei de licitações é

substancialmente diferente daquele contido na Lei n°

8666/93;

2. Pelo novo regime, há desvinculação entre o prazo

de vigência do contrato e a vigência dos créditos

orçamentários que lhe darão suporte;

3. Embora não haja previsão legal expressa neste

sentido, a interpretação sistemática da lei induz à

conclusão pela necessidade de previsão de recursos

orçamentários para instaurar os processos licitatórios;

4. Os contratos de prestação de serviços contínuos, de

fornecimentos contínuos, de locação de equipamentos

e de utilização de programas de informática podem

ser celebrados por até 5 (cinco) anos – contratação

plurianual;

5. Os contratos administrativos de prestação de

serviços contínuos ou de fornecimentos contínuos

podem ser prorrogados por até 10 (dez) anos;

6. É admitida expressamente a celebração de contratos

por prazo indeterminado;

7. Há previsão de prorrogação automática dos contratos

de escopo não executados integralmente no prazo

originalmente fixado;

8. É instituído o regime de execução de fornecimento

e prestação de serviço associado, nos casos em que a

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necessidade pública é bidimensional e deve ser atendida

simultaneamente pela execução de um único contrato,

envolvendo o fornecimento de um bem e a prestação

de um serviço de operação e/ou de manutenção dele.

Estes contratos podem ter vigência máxima de até 5

(cinco) anos, podendo ser prorrogados por até 10 (dez)

anos;

9. Os contratos que tenham como obrigação principal

ou acessória uma operação continuada de sistemas

estruturantes de tecnologia de informação podem

ser celebrados por até 15 anos, sem possibilidade de

prorrogação por período que supere este limite;

10. Houve o suprimento de uma lacuna: a previsão legal

de duração dos contratos de receita, aqueles em que

a execução contratual não implica contraprestação

pecuniária por parte da Administração Pública;

11. É prevista a possibilidade de celebração de contratos

de eficiência – por qualquer ente ou órgão público -, que

objetivam a redução de despesas públicas, em especial

as de custeio;

12. Os contratos de receita e os contratos de eficiência

podem ser celebrados por até 10 (dez) anos, no caso de

inexistência de investimentos privados em benfeitorias

permanentes; e por até 35 (trinta e cinco) anos, no caso

de existência de investimentos privados em benfeitorias

permanentes, sem possibilidade de prorrogação

contratual para além destes limites.

A Repactuação na Nova Lei de Licitações e os cuidados essenciaisGustavo Cauduro Hermes

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A Repactuação na Nova Lei de Licitações e os cuidados essenciais

Gustavo Cauduro Hermes180

A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos do

Brasil finalmente foi sancionada e cria um novo marco legal para a

matéria, agora sedimentado na Lei n° 14.133, de 1° de abril de 2021.

A antiga Lei Federal de Licitações (L.8.666/93), de fato

estava muito ultrapassada, sendo apenas sustentada na prática

pela combinação com outras normas legais e infra legais aplicáveis,

que modernizaram os processos de licitação e contratação no

âmbito público.

A bem da verdade, esta nova Lei em pouco inova em relação

a institutos jurídicos, mas é muito diferente da velha Lei de

Licitações. Contradição textual? Não, senão vejamos.

Ocorre que esta Lei, originada de substitutivo elaborado

pela Câmara dos Deputados ao antigo Projeto de Lei do Senado

(PLS) 559/2013, trouxe uma compilação de inúmeras normas e

práticas pertinentes e atuais sobre licitações e contratos, de leis a

instruções normativas ajustadas em interpretação a recorrências

polêmicas avaliadas pelos Tribunais de Contas.

Boas práticas aplicáveis a uns tipos de instituição ou objeto

contratual e a outros não foram incorporadas, exigências formais

180 Advogado e Administrador de Empresas. Consultor de Licitações e Contratos. Coordenador do Núcleo de Estudos de Licitações e Contratos do Instituto Nacional de Gestão Pública – INGEP.

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ou documentais antes exigidas em certas situações específicas

agora foram planificadas para aplicação generalizada. Trata-se,

pois, de uma consolidação normativa com efeito de ampliação

de aplicação institutos à toda esfera pública, fazendo surgir

uma efetiva Nova Lei de Licitações, muito melhor que anterior, e

especialmente dispensando as inúmeras pesquisas e combinações

com outras normas para efetivar uma boa seleção e contratação

pública. Agora está tudo concentrado numa lei só, mais moderna

e completa.

Dentre tantos temas inovados no âmbito da Nova Lei de

Licitações, mas há muito tempo aplicados e avaliados no mundo

jurídico por outras fontes, conceitos e finalidades, se destaca o

instituto da Repactuação de Preços, oportuna e corretamente

agregado à lei que trata dos contratos administrativos, porém

tratado no texto normativo com algumas falhas que podem

gerar polêmica e problemas no futuro, sendo este artigo voltado

aos essenciais esclarecimentos que possam servir a evitar tais

problemas.

A Repactuação consiste num instituto voltado à atualização

financeira de valores. Propõe reavaliar o preço fixado em

contratação onde esteja prevista, em tempo certo e ante possível

variação de custos ao longo do tempo, de modo a repor o equilíbrio

econômico-financeiro inicial, sem que haja delimitação específica

de um único tipo ou categoria de contratos a admitir este tipo de

instituto de atualização financeira ou correção monetária.

A repactuação emergiu com força no Brasil com a

implementação do Plano Real, nos idos de 1994. Vale lembrar que

naquela época o Brasil vivia uma constante de inflação excessiva

e incontrolável com imprecisão de índices reais pelo crescimento

espiral de preços e completo descolamento comparativo de

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valores ou poder de compra da moeda. Tratava-se de um problema

crônico da economia brasileira mesmo depois dos diversos planos

econômicos implementados desde o início dos anos 90.

O Plano Real reeditou algumas medidas econômicas

conhecidas para o combate da hiperinflação, mas de fato inovou

e ganhou eficácia ao prever, entre outros ajustes, uma regra

aparentemente simples: a imutabilidade de preços por períodos

sequenciais de no mínimo 12 (doze) meses. Note-se na redação do

artigo 11 da Medida Provisória 434, de 27 de fevereiro de 1994:

Art. 11. Nos contratos celebrados em URV, a partir de

1° de março de 1994, inclusive, é permitido estipular

cláusula de reajuste de valores por índice de preços ou

por índice que reflita a variação ponderada dos custos

dos insumos utilizados, desde que sua periodicidade

seja anual.

Esta nova regra tinha o claro objetivo de frear os aumentos

de preços por prevenção ou por reação dos agentes econômicos,

o que incrementava à época uma inflação inercial e fictícia sem

fundamentos econômicos concretos para tamanha desvalorização

da moeda.

Juntamente com esta medida de manutenção anual de

valores dos preços contratados, repare-se que foi ressaltada uma

forma alternativa de ajustar os preços e mais precisa de promover

a correção monetária, textualmente indicada pela “variação

ponderada dos custos dos insumos utilizados”. O que seria este

instituto senão de modo efetivo a repactuação? Estabelecia-se,

assim, uma opção ao índice de preços, já que os índices gerais

de preços eram demasiadamente afetados por preços irreais e

mesmo surreais daquele período histórico de hiperinflação.

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Como o plano foi instituído por medida provisória e mantido

por sucessivas reedições, incorporou melhorias redacionais e

culminou em Lei Federal a manter este estabelecimento tanto

de prazo mínimo quanto de dupla opção para a atualização dos

preços – o Reajuste e a Repactuação, sendo que durante muito

tempo logo após a implementação do Plano Real o instituto da

Repactuação era incentivado e mesmo imposto por diversas

instituições públicas do Estado Brasileiro, sobremodo no âmbito

federal, em vistas de encontrar o exato ponto de equilíbrio e acerto

em cada contratação, acertando o valor da moeda e ajudando na

estabilização econômica do Brasil.

Ao final de tantas medidas provisórias, assim restou

assentado na Lei Federal 10.192/2001:

Art. 2o É admitida estipulação de correção monetária ou

de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração

igual ou superior a um ano.

§ 1o  É nula de pleno direito qualquer estipulação de

reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano. (grifos nossos)

E como esta nova realidade fora incorporada nos contratos

administrativos? A partir do seu clausulamento, na medida em que

se trata de atualização financeira do tipo ordinária que precisa

estar prevista na convenção entre as partes para integrar o

arcabouço obrigacional.

Desde junho de 1993 já convivemos com a Lei Federal de

Licitações (L.8666/93), portanto antes mesmo do Plano real, e

no seu bojo, especialmente no artigo 55, inciso III, estabelece

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a obrigatoriedade de constar no contrato “os critérios, data-

base e periodicidade do reajustamento de preços”, que não se

confundem com “os critérios de atualização monetária entre a

data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento”,

que também é outra inclusão impositiva no texto clausular dos

contratos administrativos.

Importante ressaltar que a própria Lei trata em momentos

distintos de reajustamento e de reajuste, respeitando estas

diferenças terminológicas, e convém ainda referir que na época de

sua edição não se utilizava outro instituto que não o reajuste por

índices gerais e setoriais para atualização dos contratos, ante a

dinâmica e velocidade de variação dos preços.

Neste contexto, como primeiro impacto da normatização

do Plano Real, os gestores públicos passaram a ter que identificar

claramente em seus contratos se operar-se-ia reajuste ou

repactuação (ou ainda a interessante e recomendada combinação

de ambos em casos específicos em partes distintas da planilha de

custos), assim como precisaram prever periodicidade em prazos

jamais inferiores a um ano, vindo a sagrar-se praxe nacional as

cláusulas com periodicidade exata de um ano, muitas vezes ainda

adicionadas de condicional possível mudança para período inferior

se sobrevier lei reduzindo ou extinguindo a periodicidade mínima.

Num primeiro momento, a repactuação foi adotada nos

contratos com elevada participação do “item de custo mão-de-

obra”, vez que a imposição de regras novas editadas a cada ano

nas Normas Coletivas (Convenção Coletiva, Acordo Coletivo e

Dissídio Coletivo) impunham efeitos e impactos de difícil, senão

impossível, previsão e efeitos extremamente peculiares a cada

categoria envolvida, sem qualquer condição de efetivo reflexo

por índices gerais e mesmo setoriais do mercado. Esta adoção se

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mostrou bastante eficiente e eficaz, apenas um pouco trabalhosa

dependendo do histórico de estruturação e manuseio das planilhas

de custo no histórico de cada contratação.

O mecanismo da repactuação é bastante simples, embora

nem sempre os cálculos também assim sejam. Basta a detentora e

gestora dos seus próprios custos – a contratada – apresentar uma

nova planilha demonstrando cada item que sofreu modificação e a

origem comprovada destas variações, assim como seus reflexos

na matriz de custos do contrato.

Diante deste demonstrativo planilhado, cabe à Administração

contratante criticar os números e razões de justificativa

apresentados, devendo sua investigação e crítica poder determinar

diligências e recair sobre:

- Ocorrência ou não dos fatos apresentados como

fundamento para a repactuação de cada item (exemplos:

aumento dos salários na nova norma coletiva, aumento

do combustível);

- Efeito financeiro do fato ocorrido (exemplos: quanto

aumentou para qual cargo ou faixa de salários, quanto

aumentou o diesel e a gasolina);

- Pontos de impacto na Planilha (exemplos: quantos

empregados do contratado estão em cada condição

de impacto de qual aumento salarial – lembrando que

certas categorias de trabalhadores vêm sofrendo

aumentos salariais diferentes para as diversas faixas

salariais, buscando aumentar quem ganha menos

e reduzir disparidades, ou ainda, qual proporção de

consumo de diesel e quanto de gasolina);

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- Efeito ponderado e combinado de todas as

modificações no custo do contrato de modo efetivo

(exemplos: se a contratada vinha pagando salário maior

com rubrica de “adiantamento de dissídio” e apenas

editou os números pouco ou nada aumentando o custo

com salários, ou ainda se não mais precisa e nem

aloca certo profissional que ainda constava na planilha

anterior sofreria impactos da norma coletiva, se certos

trajetos foram ajustados e a proporção de consumo

entre diesel e gasolina mudou, e em quanto).

No final de toda esta avaliação, muitas vezes contando

com sucessivas rodadas de análise conjunta e negociação com a

contratada, encontrar-se-á o novo e preciso valor que o preço do

contrato merece acolher para reequilíbrio econômico-financeiro,

partindo-se para a formalização.

Mas como ficou a Repactuação na incorporação à Lei Federal

de Licitações?

Nas definições do artigo 6°, exatamente no inciso LIX, a

Nova Lei de Licitações conceitua Repactuação como sendo:

“forma de manutenção do equilíbrio econômico-

financeiro de contrato utilizada para serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou predominância de mão de obra, por meio da análise

da variação dos custos contratuais, devendo estar

prevista no edital com data vinculada à apresentação

das propostas, para os custos decorrentes do mercado,

e com data vinculada ao acordo, à convenção coletiva

ou ao dissídio coletivo ao qual o orçamento esteja

vinculado, para os custos decorrentes da mão de obra;”

(grifo nosso)

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Trata-se de uma boa definição do instituto, de fácil

assimilação. Contudo, peca ao delimitar aplicação apenas para

contratos com exclusividade ou predominância de mão de

obra, o que pode provocar problemas e utilização restrita de tão

interessante instituto de atualização financeira.

Ora, inúmeros outros contratos possuem insumos muito

representativos e de grande sensibilidade específica, que

justificariam adoção de repactuação mesmo não tendo no item

mão de obra a maior representatividade. À guisa de exemplo,

pensemos nos contratos de transporte onde o insumo combustível,

atrelado à amortização dos veículos, possa representar mais do

que a remuneração e encargos com o motorista. É típico contrato

de grande pertinência à Repactuação, mas em estreita atenção ao

texto legal, não admitido.

Noutra passagem do texto da nova lei, emerge na previsão

de conteúdo básico do edital, no artigo 25, parágrafo 8°, que assim

dispõe em reforço integrado à disposição antes destacada:

§ 8° Nas licitações de serviços contínuos, observado

o interregno mínimo de 1 (um) ano, o critério de

reajustamento será por:

I – reajustamento em sentido estrito, quando não

houver regime de dedicação exclusiva de mão de obra

ou predominância de mão de obra, mediante previsão

de índices específicos ou setoriais;

II – repactuação, quando houver regime de dedicação

exclusiva de mão de obra ou predominância de mão de

obra, mediante demonstração analítica da variação dos

custos.

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Fácil identificar a existência do mesmo problema redacional

de definição do instituto constante no artigo 6°, que provavelmente

passou despercebido pelo legislador; mas enquanto assim perdurar,

imporá limites de utilização do instituto na Administração Pública.

Uma vez assim publicada a Lei, aqueles que querem se

ver bem longe de dar explicações em apontamentos do controle

interno ou externo, deixarão de usar este instituto nos contratos

que não tenham predominância de custo com mão de obra ou

sua exclusividade na matriz de formação do preço, pelo que

perderão os contratos administrativos ferramentas de melhor

desenvolvimento.

Por dever da abordagem, cumpre ressaltar que o mesmo

teor do criticado parágrafo 8°, do artigo 25, é repetido no artigo

92, em seu parágrafo 4°, limitando a utilização do instituto da

repactuação.

Noutra passagem da Nova Lei de Licitações, o artigo

92, em seu inciso X, prevê que no contrato administrativo seja

previsto prazo para resposta ao pedido de repactuação de preços,

adicionada esta exigência legal da expressão “quando for o caso”.

O problema aqui é saber exatamente quando será o caso. A

rigor, a fixação de um prazo para resposta de pedido repactuação

de preços significa adicionar uma obrigação convencional contra a

Administração, em delicado movimento que exige perspicácia na

fixação, pois prazo exíguo pode facilmente colocar a Administração

em mora, e prazo demasiado extenso significará prejuízo ao

contratado, que se apresenta antecipadamente em majoração de

preços no certame, novamente sendo prejudicial à Administração.

A solução para esta questão passa por melhorar o conjunto

redacional do contrato administrativo, prevendo de início e em

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forma completa e detalhada como deve ser instruído o pedido

de repactuação, e, a partir daí, somente do pedido correta e

completamente instruído contar exíguo prazo para avaliação e

resposta. Fato é que a interpretação cautelosa desta passagem

legal incita a que haja previsão de prazo para resposta a pedido de

repactuação, o que somente será seguro se o contrato detalhar

exatamente como instruir o pedido de modo completo e correto,

com informações e documentos precisos para aceitação.

Também do artigo 92 da Nova Lei de Licitações provém

outra previsão acerca da repactuação, no tocante ao referido

prazo de resposta, fixando um transcurso de tempo “preferencial”

de um mês. Ora, a que serve uma norma legal com indicação

textual que sua observância é “preferencial”, sem que delimite

períodos ou imponha critérios de fixação ou justificação? A rigor,

“letra morta”, mas que pode dar um desnecessário trabalho aos

agentes públicos e possível retardo em contratações por conta de

possíveis impugnações ao edital que critiquem fixação porventura

demasiado longa para tal resposta, sobremodo se ultrapassar um

mês, pois repare-se como posto na redação oficial:

§ 6° Nos contratos para serviços contínuos com

regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou

com predominância de mão de obra, o prazo para

resposta ao pedido de repactuação de preços será

preferencialmente de 1 (um) mês, contado da data do

fornecimento da documentação prevista no § 6° do art.

135 desta Lei.

Ante este aspecto, a cautelosa atenção à Lei determinaria

que sempre seja fixado o prazo de resposta de um mês, não

esquecendo de melhor especificar a documentação mínima para

considerar instrução completa e começar a contagem do prazo,

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que há de ser mais detalhada e exata que a previsão legal. Ora, se

um mês é o prazo preferencial, porque impor à Administração um

prazo menor, uma obrigação maior e arriscada? Não tem sentido.

Já no que tange à prazos maiores, de fato existem situações

extraordinárias que envolvem uma matriz de custos muito complexa

e exigem cálculos aprofundados, pesquisas mais extensas e, por

conseguinte, necessariamente mais tempo. Nestes casos, nada

obsta que se fixe desde a minuta do contrato que segue anexa

ao edital de licitação um prazo de resposta superior a um mês.

Contudo, importante que se firme a regra de sempre justificar

no processo de instrução do certame as razões para fixar prazo

superior a um mês. Entendo que a adoção do prazo preferencial

da Lei dispensa respectiva justificativa, somente atraída quando

adotado prazo superior, que possa ensejar irresignação dos

licitantes.

A propósito do mencionado artigo 135, cumpre ressaltar

que contempla os mesmos equívocos das passagens legais

acima criticadas, no que se refere a consideração da repactuação

apenas para contratos com dedicação exclusiva de mão-de-obra

ou predominância desta. Além deste problema de limitação do

instituto, emerge outro relacionado ao texto legal, qual seja, o de

tornar impositiva a repactuação do contrato administrativo nestes

casos a despeito do que possa constar na respectiva cláusula do

contrato administrativo. Ora, a repactuação consiste numa das

modalidades possíveis para atualização financeira do preço dos

contratos, e deveria a lei apenas se limitar a oferecer possibilidades

de aplicação do instituto, instrumentalizando o Gestor Público. Da

forma escrita, só se aplica a contratos com regime de dedicação

exclusiva de mão de obra ou com predominância de mão de obra e

sempre a estes, por força do artigo 135, que assim dispõe:

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Art. 135. Os preços dos contratos para serviços contínuos

com regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou

com predominância de mão de obra serão repactuados

para manutenção do equilíbrio econômico-financeiro,

mediante demonstração analítica da variação dos

custos contratuais, com data vinculada:

I – à da apresentação da proposta, para custos

decorrentes do mercado;

II – ao acordo, à convenção coletiva ou ao dissídio

coletivo ao qual a proposta esteja vinculada, para os

custos de mão de obra.

Além das críticas apresentadas ao seu enunciado, também

pertine criticar a limitação de possibilidades para fixação das

datas-bases, pois percebe-se redação desnecessariamente

redutora de possibilidades, limitando o instituto da repactuação

em relação à sua melhor aplicação de contagem de tempo.

De relembrar a base legal que sustenta o instituto da

repactuação no cenário nacional, donde se percebe clara inspiração

na redação da data-base em referência na Nova Lei de Licitações,

tendo sido também inspiração para as demais normativas que

tratam sobre o instituto. Trata-se do artigo 3°, parágrafo 1°, da Lei

que assentou o Plano Real (L.10.192/2001), que assim dispõe:

§ 1° A periodicidade anual nos contratos de que trata o

caput deste artigo será contada a partir da data limite

para apresentação da proposta ou do orçamento a que

essa se referir. (grifo nosso)

Interessante reparar que a Lei do Plano Real apresenta

duas possibilidades de assentamento da data-base.

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A primeira delas seria a data limite para apresentação da

proposta, hipótese absolutamente não recomendada, pois a rigor

pode significar data posterior à de fixação do preço. E se existe uma

premissa destacada, e existe, sobre atualização financeira, é que

a metodologia de correção deve incorporar todas as ocorrências

após a base de fixação do preço em recálculo.

Logo, se o processo administrativo de seleção admite

apresentação de propostas e preços antes de ultimado o prazo para

tal, podemos nos deparar com preços fixados antes de uma data

na qual poderia ocorrer eventos relevantes de desequilíbrio. Neste

contexto, foi muito bem a Nova Lei de Licitações ao considerar

no inciso I do artigo 135 não a data limite, mas a data da própria

proposta, melhorando a aplicação do instituto.

Contudo, pode causar outro problema: desequilíbrio de

forças no certame e perda da absoluta isonomia competitiva

para a licitação considerando a contratação pretendida, pois

embora os números sejam comparados matematicamente apenas,

quem ofereceu proposta em momento anterior, se não revista

e atualizada com nova data, está em vantagem aos demais, pois

terá direito à atualização financeira em momento antecipado em

relação ao planejamento dos outros competidores interessados,

englobando possivelmente impactos econômicos adicionais e

maior majoração na primeira repactuação, pois eventos relevantes

e então não percebidos podem ter ocorrido no intervalo entre

propostas de licitantes distintos.

Logo, data da proposta é melhor do que data limite para

apresentação da proposta, mas ambos não são exatamente a

melhor alternativa de contagem.

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A segunda possibilidade instituída na Lei do Plano Real diz

respeito à “data-base fixada a partir do orçamento a que a proposta

se referir”. Embora a menção à acordo, convenção coletiva ou

dissídio coletivo, constante na Nova Lei de Licitações, possa

significar uma data-base orçamentária a que se refira a proposta,

acaba por ser limitador, pois existem inúmeros outros marcos que

o orçamento pode se apegar, não somente Normas Coletivas.

Neste aspecto percebe-se um avanço e um reflexo da

anomalia antes apontada, de pensar no instituto da repactuação

apenas para contratos com predominância de mão-de-obra. Ora,

inúmeros outros contratos celebrados no mercado possuem

marcos orçamentários de grande relevância que não estão

atrelados a custos trabalhistas. Não existe justificativa plausível

para esta limitação imposta ao instituto, de ter sido pensado e

limitado somente a contratos com intensiva e mais representativa

mão de obra.

Porquanto, limitar as datas-bases apenas à data da proposta

ou a normas coletivas mostra-se inadequado; operacional, mas

limitante e, por isso, inadequado. Por sorte, a redação do cabeçalho

do artigo 135, com repetição da falha de limitação de hipóteses da

repactuação centrada em contratos com predominância de mão-

de-obra, faz com que a interpretação da lei permita entender as

limitações dos incisos I e II apenas para repactuação nos casos

de contratos com mão-de-obra com dedicação exclusiva ou com

sua predominância nos custos, mantendo-se o disposto na Lei

10.192/2001 para demais contratações, se em algum momento

houver ajuste nesta Lei para ampliar as hipóteses de aplicação da

Repactuação aos demais contratos.

O fato é que a Lei do Plano Real, ao mencionar de modo

aberto data-base fixada a partir do “orçamento que a proposta

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se referir”, abre inúmeras possibilidades ajustadas diretamente

para adequação às peculiaridades de cada contrato. Permite, por

exemplo, aplicar no caso prático a melhor solução identificada no

mercado, qual seja: fixar desde o edital uma data certa para que

todos os licitantes considerem como base orçamentária para

suas propostas, podendo trabalhar com mais opções de datas

para parcelas distintas da composição de custos. Neste caso,

seria planificada a data-base entre todos os licitantes e esta seria

fixada pela Administração desde a publicação do Edital, facilitando

sobremodo a fixação do preço, a disputa entre interessados e

mesmo a promoção da repactuação (por exemplo, indicaria que

todos os preços terão como data base econômica de referência o

dia 1° de janeiro de 2020, sempre indicando data passada, claro).

Seguindo a avaliação das disposições da Nova Lei acerca

da repactuação, cumpre ressaltar a perfeição do disposto no

parágrafo primeiro do mesmo artigo 135, assim redigido:

§ 1° A Administração não se vinculará às disposições

contidas em acordos, convenções ou dissídios coletivos

de trabalho que tratem de matéria não trabalhista, de

pagamento de participação dos trabalhadores nos

lucros ou resultados do contratado, ou que estabeleçam

direitos não previstos em lei, como valores ou índices

obrigatórios de encargos sociais ou previdenciários,

bem como de preços para os insumos relacionados ao

exercício da atividade.

Trata-se de um pertinente regramento sobre tratamento de

questões inseridas em normas coletivas que não devam afetar a

Administração Pública ou possam de alguma forma representar

vantagem indevida ao contratado.

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Uma delas é a inadmissão do repasse da cobrança de valores

por participação dos empregados nos lucros da empresa. Ora,

caso haja previsão deste tipo de este alcance, terá por base ganho,

vantagem, lucro auferido pela empresa, cujo respectivo pagamento

de participação significará apenas uma redução deste, mas jamais

custo da atividade. Trata-se da aplicação da mesma lógica para

não se admitir nas planilhas de custo rubricas de imposto de renda

e contribuição social sobre o lucro líquido. Do contrário, admitir-

se-ia pagar maiores valores para empresas que lucrassem mais.

Já a previsão de desvinculação de qualquer definição

de valores ou índices obrigatórios de encargos sociais ou

previdenciários, bem como de preços para os insumos relacionados

ao exercício da atividade, vem ao encontro de entendimento

crescente e até mesmo evidente, sobre limites de disposições

das normas coletivas. Na contramão da evolução do instituto da

Terceirização, que prevê contratar resultados e não trabalhadores

- o que é feito e não quem vai fazer - alguns sindicatos vinham

de modo impertinente e mesmo incompetente adicionando em

suas normas coletivas especialmente percentual obrigatório de

encargos sociais a serem considerados para atividades envolvendo

empregados de certas categorias; e mais, vinham atrapalhando e

incomodando licitações públicas a exigir tal percentual e mesmo

sua consideração para cálculo de exequibilidade. Por certo que

este tipo de abuso normativo poderia transtornar gravemente o

equilíbrio de um contrato também em momento de repactuação,

razão pela qual o acerto na exclusão expressa mencionada na Lei.

Também merece registro o acerto na desvinculação

obrigacional insculpida no parágrafo seguinte, segundo, como

vemos:

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§ 2° É vedado a órgão ou entidade contratante vincular-

se às disposições previstas nos acordos, convenções ou

dissídios coletivos de trabalho que tratem de obrigações

e direitos que somente se aplicam aos contratos com a

Administração Pública.

Trata-se de evidente repúdio a outra investida de alguns

sindicatos, que buscavam negociação de cláusulas diferenciais na

norma coletiva, estabelecendo certas cláusulas de âmbito geral

e outras exclusivas para empregados alocados na Administração

Pública, fazendo com que a mesma norma coletiva previsse

aplicação diferenciada conforme o tipo de “cliente” do prestador de

serviços que alocasse mão de obra. Neste sentido, estabeleciam

direitos majorados em relação aos respectivos empregados

alocados na Administração Pública, na clara expectativa de

reposição integral dos valores majorados por meio de repactuação

impositiva.

Entretanto, ao contrário dos dois primeiros parágrafos, o

parágrafo terceiro do mesmo artigo 135 vai mal e traz na redação

outro problema relacionado a datas-bases da repactuação, pois

contradiz o próprio enunciado do artigo, elencando marcos

temporais distintos e deixando de fora as normas coletivas da

referência temporal, como se percebe na redação abaixo:

§ 3° A repactuação deverá observar o interregno mínimo

de 1 (um) ano, contado da data da apresentação da

proposta ou da data da última repactuação.

Esta disposição aparentemente teria o condão de apenas

regrar novas repactuações, mas também vai mal quando tenta criar

um marco seguinte em repactuações sucessivas, na medida em

que “data da última repactuação” não é um marco recomendado, já

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que na maioria das vezes a data da última repactuação é a data da

formalização do termo aditivo, lançada após inúmeras discussões

e debates, que podem ter se estendido e determinaram o novo

valor do contrato com base financeira economicamente fixada em

momento anterior.

É certo que toda formalização de repactuação consagra

novo valor calculado em data pretérita, sendo extremamente

recomendado e correto que no termo de formalização da

repactuação seja fixada a nova data-base do novo valor, de modo

explícito, claro, e certamente anterior à data da formalização do

pacto, de modo a inserir no próprio termo de formalização não só

os novos valores, mas suas datas de referência econômica. Esta

uma solução para contornar este equívoco da previsão legal.

Já os parágrafos 4° e 5° do artigo 135 elucidam de forma clara

a possibilidade de multipartição da repactuação, já que pode recair

sobre parcelas distintas do custo em momentos/datas-bases mais

pertinentes a cada insumo. Uma prática de grande valia que deixa

a repactuação ainda mais precisa em vista da realidade contratual.

O parágrafo 6° do artigo 136, por sua vez, regula o

procedimento para promoção da repactuação, onde prevê que

ela será precedida de solicitação da contratada, acompanhada

de demonstração analítica da variação dos custos, por meio de

apresentação da planilha de custos e formação de preços, ou do

novo acordo, convenção ou sentença normativa que fundamenta

a repactuação.

Trata-se de estabelecimento mínimo procedimental e

deinstrução, que admite e merece maior detalhamento dentro

do contrato, conforme cada realidade de objeto convencionado

e insumos dos custos, sendo essencial como previsto na lei a

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participação ativa da contratada informando e comprovando as

variações e impactos efetivos nos custos.

Por final, impende tratar da formalização da repactuação.

O artigo 136 da Nova Lei de Licitações incorpora agora em âmbito

legal a temerária inovação da IN 6/2013 do MPOG ao assemelhar

repactuação ao reajuste para efeito de admissão de apostilamento

na sua formalização.

Aqui reside um importante aspecto de debate há muitos

anos controverso no cenário nacional. Com todo respeito

aos posicionamentos em contrário de alguns juristas e às

determinações de instruções normativas do Poder Executivo,

repactuação não se deve fazer por apostilamento, deve-se fazer

por termo aditivo.

Os ajustes contratuais têm como regra a formalização por

termo aditivo, regra geral para qualquer alteração de contrato, e

por exceção em hipóteses taxativas antes previstas no parágrafo

8° do artigo 65 da “antiga” Lei Geral de Licitações (L.8.666/93), o

apostilamento, in verbis:

§  8°.    A variação do valor contratual para fazer face

ao reajuste de preços previsto no próprio contrato,

as atualizações, compensações ou penalizações

financeiras decorrentes das condições de pagamento

nele previstas, bem como o empenho de dotações

orçamentárias suplementares até o limite do seu valor

corrigido, não caracterizam alteração do mesmo, podendo ser registrados por simples apostila, dispensando a celebração de aditamento. (grifo nosso)

A utilização do apostilamento sempre foi excepcional,

prevista para situações de mero registro de alguma situação

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formal necessária a justificar modificação explícita de algum

valor, nomenclatura ou rubrica contábil, que não tenha potencial

modificativo do ajuste contratual. Não se modifica contrato por

apostilamento, apenas se registra efeitos numéricos necessários e

invariáveis ante as condições contratuais preexistentes, ou corrige

e atualiza alguma informação de referência.

Quanto à admissão do reajuste ser formalizado por

apostilamento, é como se servisse a registrar uma providência

contratual no sentido de que “foi feito o que deveria ser feito,

da única forma admissível a fazer, com o resultado cartesiano

invariável que deveria ter”.

Explica estar o reajuste neste rol porque, na medida em

que estipulado o índice a ser adotado, a data-base e o valor base/

anterior, por certo que o valor reajustado será único e invariável,

pois resultará de uma operação matemática simples, de adicionar

o aumento do índice sobre o preço anterior e identificar o preço

novo. A participação de agentes públicos ou da contratada no

cálculo do reajuste devido não modifica a conta final, jamais

(sem desconsiderar a possibilidade de as partes negociarem

incremento em menor percentual que o indicado no índice, o que

se concretizaria por meio de termo aditivo).

É comum o questionamento se a repactuação não seria o

mesmo processo matemático, não equivaleria ao reajuste só que

mediante identificação de variações e índices individuais nos

custos. E a resposta é invariavelmente não! Reajuste é um instituto

que se faz de um jeito e resulta numa conta certa e invariável,

enquanto a Repactuação é outro instituto promovido de forma

diversa e com resultados menos cartesianos, justamente para

serem tendentes à maior precisão no aso concreto, embora ambos

busquem o mesmo objetivo.

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Repactuação não se assemelha ao reajuste na medida em

que a repactuação não é apenas é aplicar índice(s) sobre os custos

originais da planilha do contrato, pois estes custos podem ter

perdido a proporção original entre si. Impõe adicionalmente que se

atualize as proporções internas de custos na planilha, e, diante de

uma mudança percebida, a necessária identificação do impacto de

mudança dos pesos ponderados de custos antes de se apropriar os

novos valores, o que depende de situações concretas decorrentes

da condução da contratada sobre o período de execução do contrato

que se quer repactuar. Por exemplo, se um dos itens da planilha era

um insumo mais utilizado para o período inicial de execução mas

passava a ser menos significativo na execução de meio do contrato

(e teve significativo aumento de custo); ou se a norma coletiva

tenha imposto diferentes índices de aumento ou premiações para

diferentes faixas salariais da categoria, e a evolução contratual

determinou modificação da distribuição de cargos e salários que

a inicial, ou ainda se houve um incremento de custo de insumo

extremamente elevado e descolado das médias da economia, mas

cujo impacto não ocorrerá nos custos da contratada por aquisição

anterior ou compromisso firme com preço estabelecido junto ao

fabricante; e assim diversas outras situações práticas concretas

que demonstram merecer a repactuação efetiva instrução

documental e planilhada para análise e deliberação. Fosse algo

cartesiano, nem precisaria da participação da contratada para

identificação do novo valor devido por repactuação, pois ante uma

primeira planilha de custos conhecida seria possível identificar o

exato novo valor devido.

De reparar que o próprio nome repactuação indica em suas

raízes verbais a ideia de um novo acordo contratual, de “pactuar

novamente”, o que necessariamente atrai a obrigatoriedade de

participação e concordância de ambas as partes, concordância

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esta que deve ao final ser assentada em documento bilateral,

diverso do que se tem no instituto do apostilamento.

O apostilamento tem como característica básica tratar-

se de mera anotação no processo administrativo, anotação esta

promovida individualmente pelo agente público competente sem

necessidade de participação da contratada ou sua subscrição, e

dispensando a formalidade inerente aos aditivos, que é a publicação

de extrato de sua ocorrência.

Ora, como imaginar uma repactuação sem debate aplicado

sobre a planilha de custos, com suas ponderadas variações, e sem

acordo entre as partes? O próprio essencial processo dinâmico

de instrução da repactuação conduz à dedução de encontrar-se

excluído do rol taxativo de exceções para apostilamento, pois exige

instrução processual.

Tão relevante é essa questão que alguns gestores chegam a

mencionar prática de apostilamento com assinatura de ambas as

partes, criando um instituto intermediário entre apostilamento e

termo aditivo, menos formal que aditivo ao dispensar publicação

e mais formal que o apostilamento ao exigir registro formal

de concordância com assinatura de ambas as partes, mas

absolutamente carente de amparo legal. Por mais anômalo que

possa parecer, ainda é melhor que um apostilamento típico

unilateral. Mas ainda assim, pela inexistência deste instituto

intermediário e ante o Princípio da Legalidade, adequado mesmo é

adotar o formal termo aditivo.

É verdade que desde a Instrução Normativa número 2 do

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, somente após a

redação dada pela Instrução Normativa n° 3 (de 16 de outubro de

2009), se inaugurou uma nova classificação de reajuste em sentido

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estrito e em sentido lato e interpretação jurídica “forçada” para

tentar justificar a repactuação feita por apostilamento, quando

no art. 40, parágrafo 4°, afirmava ser a repactuação espécie

de reajustamento de preços e, por essa razão, dispensaria a

celebração de termo aditivo, o que certamente influenciou na

redação desta Nova Lei de Licitações que agora apresenta esta

anomalia integrada em texto legal.

A partir daquele momento, o Brasil passou a adotar em larga

escala esta instrução, que veio a repercutir inclusive em admissão

por Tribunais de Contas, mas não raras vezes constando nos

mesmos julgados admissivos do apostilamento a recomendação

de uso preferencial de termo aditivo. Vale registrar que a redação

original do mesmo dispositivo normativo do Ministério do

Planejamento indicava que “no caso de repactuação, será lavrado

termo aditivo ao contrato vigente” e não houve mudança na Lei

de Licitações para ter sustentado a “evolução” interpretativa de

extensão do instituto do apostilamento, ainda mais constante em

Instrução Normativa de Órgão do Poder Executivo lá em 2013, e não

em Lei.

Não alheios a esta problemática, o Poder Judiciário

Eleitoral deste país, órgão notoriamente bem administrado e

pelo qual passaram inúmeros presidentes e diretores gerais de

elevado quilate, resolveu redigir e publicar sua própria normativa

para contratações de serviços, pareando com a referida IN 2/08,

visivelmente nela inspirados mas corrigindo os desacertos

jurídicos mais evidentes, dentre eles este ora em foco, pelo que o

Tribunal Superior Eleitoral publicou em 2010 a Resolução 23.234,

que previa, no seu artigo 38, termo aditivo para repactuações,

sendo este um exemplo de interpretação correta para aplicação do

instituto.

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Logo, a previsão constante no artigo 136, inciso I, da Nova

Lei de Licitações mostra-se inadequada no que concerne à

Repactuação, mas ao menos não limitante, vez que apenas insere

esta impropriedade como faculdade ao gestor público, e não

obrigação. Neste sentido, contornar este problema é simples,

basta jamais utilizar apostilamento para formalizar repactuação,

pois dispensar a celebração de termo aditivo não significa que não

possa ser utilizado.

Enfim, a Nova Lei de Licitações foi promulgada e trouxe uma

consolidação de boas práticas acumuladas nas últimas dezenas de

anos, incorporando em um só movimento diversas normas legais e

infra legais esparsas, entendimentos majoritários jurisprudenciais

e doutrinários e mesmo boas práticas comerciais. É um avanço e

tanto.

Entretanto, ante esta complexa evolução legislativa em tão

diversos aspectos das licitações e contratos, dificilmente passaria

ilesa de deslizes, que em nada desmerecem sua qualidade e

proveito ao Brasil.

A necessidade da abordagem deste artigo se dá em vista

de o país se deparar com uma nova lei federal, com concentração

de definições e conceitos, então validados pelo Princípio da

Legalidade.

Conviver com pequenos equívocos emanados em norma

infra legal, exatamente uma Instrução Normativa – como antes

acontecido, em matérias que a lei esclarecia e orientava solução,

permitia fazer o certo com base em lei e diferindo da Instrução

Normativa, sempre elevando o Princípio da Legalidade; mas a nova

realidade legislada não admite mais poder ser considerada ilegal, e

aparece como indução generalizada de impropriedades na matéria

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de repactuação, ou forçará interpretações legais incorretas

para admitir a forma certa de proceder no âmbito prático, como

infelizmente se percebe frequentemente no Brasil, afetando de

certo modo o Estado de Direito erigido em base “Positivista”.

Merece reconhecimento positivo o fato de ter sido incorporado

oficialmente ao texto legal o instituto da repactuação de preços,

mas algumas previsões limitantes reclamam providências de

ajustes legais e certas normatizações inadequadas recomendam

criteriosa aplicação, contornando as inconformidades, então não

mais consideradas ilegalidades, pois o sancionamento tornou legal

aplicações que mereceriam avaliação de ilegalidade, e no plano

da coerência e lógica jurídica está a limitar e deturpar institutos

jurídicos consagrados.

Caberá especialmente aos gestores públicos estudarem

e conhecerem bem a nova lei para poderem aplicá-la com

perspicácia, de modo a contornar os equívocos textuais na prática

em busca das melhores soluções nas licitações e contratos, com

responsabilidade e segurança jurídica.

Seja bem-vinda a Nova Lei de Licitações!

Nova Lei de Licitações e Contratos, e suas medidas ALTERNATIVAS de RESOLUÇÃO de controvérsias: Evoluções sinuosas. Thiago Bueno de Oliveira

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Nova Lei de Licitações e Contratos, e suas medidas ALTERNATIVAS de RESOLUÇÃO de controvérsias: Evoluções sinuosas.

Thiago Bueno de Oliveira181

Não é mentira! No dia 1°/04/2021, a nova lei nacional de

licitações e contratos no âmbito da Administração Pública foi

editada. E com ela, veio a normatização de inquietações atinentes

aos meios alternativos de resolução de controvérsias, em especial

os relacionados aos instrumentos de heterocomposição, uma

vez que instrumentos tradicionais de autocomposição (mediação

181 Advogado, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - Uniceub; Pós graduado em Ordem Jurídica pela Fundação Escola do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto Brasiliense Direito Público - IDP e Pós-graduado em Direito e Gestão dos Serviços Sociais Autônomos pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP. Mestre em Administração Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP. Possui treinamento em negociação realizado em Harvard pela CMI Interser (dos fundadores da Theory and Tools of the Harvard Negotiation Project). Membro da Comissão de Compliance da OAB/DF. Affiliate member of The International Compliance Association (ICA). Membro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Atualmente advogado da Apex-Brasil. Autor de vários artigos em Direito Administrativo, bem como das obras: “O Caráter Regulatório das Licitações Públicas”, com prefácio do Min. Benjamim Zymler; e “Manual das Estatais: Questões jurídicas, práticas e essenciais de acordo com a Lei 13.303/2016”, com prefácio do Phd. Rodrigo Pironti e posfácio do Ex-Advogado Geral da União (AGU), Dr. Fábio Medina Osório. Professor Universitário.

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e conciliação) já eram previstos em outras leis182, inclusive

administrativas, portanto, previstos há bastante tempo no campo

do Direito Administrativo.

Não é preciso ser nenhum expert do direito para constatar

que a positivação dos mecanismos de heterocomposição se

deu de modo genérico e superficial. Talvez aos mais céticos ou

182 a) Decreto-lei Federal 5.452/1943 (Consolidação das Leis do Trabalho), utilizando, para tanto, o instituto da conciliação por meio das Comissões de Conciliação Prévia, que significam a primeira tentativa de solução de conflitos trabalhistas antes do ingresso da ação/reclamação trabalhista; b) Lei Federal 5.869/1973 (Código de Processo Civil revogado pelo CPC/2015), que previa a conciliação endoprocessual, também admitida a extraprocessual mediante posterior homologação do juiz competente; c) Lei Federal 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), que autoriza o Ministério Público, órgãos e entidades públicas legitimados à sua proposição a celebrarem termos de ajustamento de conduta com os infratores dos bens tutelados pela lei em comento; d) Lei Complementar Federal 73/1993 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União), a qual autoriza o Advogado-Geral da União (artigo 4°, inciso VI) a “desistir, transigir, acordar e firmar compromisso nas ações de interesse da União, nos termos da legislação vigente”. Em complemento, a Lei Federal 9.469/1997, que regulamenta o disposto no artigo 4°, inciso VI, da referida Lei Complementar Federal 73/1993, posteriormente alterada pela Lei Federal 13.140/2015, dispõe sobre a prerrogativa de órgãos e entes da Administração Pública Federal (direta e indireta) de celebrarem acordos judiciais. Cumpre registrar que no caso da Administração Federal direta e fundacional/ autárquica, há regulamento à lei que determina o teto financeiro para a celebração de transações e acordos pelo Advogado-Geral da União; e) Lei Federal 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais), por meio dos institutos da conciliação, juízo arbitral, suspensão condicional do processo e transação penal (esses dois últimos, na seara do processo criminal ante a da adoção do princípio da oportunidade). Nessa lei (no campo cível) ainda é admitido o acordo celebrado pelas partes em conflito mediante o referendo do Ministério Público; f) Lei Federal 9.307/1996 (Lei de Arbitragem), alterada pela Lei Federal 13.129/15, que contempla a possibilidade de utilização da ferramenta por ela disponibilizada (juízo arbitral) pela Administração Pública nos conflitos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis; g) Lei Federal 10.259/2001 (Lei dos Juizados Especiais Federais), por meio da aplicação dos mesmos institutos contidos na Lei Federal 9.099/1995, lembrando que a composição prevista nessa lei é direcionada à solução de conflitos que envolvam entidades/órgãos federais em certos tipos de demandas (por exemplo, não se admite a apresentação de mandados de segurança e de ações de improbidade administrativa com a utilização do rito especial previsto na lei em apreço); h) Lei Federal 12.153/2009 (Lei dos Juizados Especiais no âmbito das Fazendas Públicas estaduais, distrital, municipais e dos Territórios), que contempla o instituto da conciliação nos mesmos termos das Leis Federais 9.099/1995 e 10.259/2001; i) Lei Federal 13.140/2015 (Lei sobre mediação como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública), por meio da aplicação dos institutos da mediação judicial e extrajudicial; j) Lei 13.105/2015, que aprovou o novo Código de Processo Civil, prevendo a adoção dos institutos da conciliação e mediação (há, ao menos, 38 ocorrências a esse respeito no novo CPC).

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conservadores, a redação dos artigos 151 a 154 tenha representado

um “grito de liberdade”, de modo a reconhecer formalmente

que a velha Administração Pública pode e merece se valer

de tais instrumentos. Entretanto, aos mais esperançosos ou

vanguardistas, tenha sido apenas uma aspiração normativa de

internalizar mais um instituto na órbita administrativa, e cujos

efeitos podem ser perigosos, caso não sejam imediatamente

regulamentados (e aqui faremos reflexões para reafirmar essa

importância). Senão vejamos:

Art. 151. Nas contratações regidas por esta Lei, poderão

ser utilizados meios alternativos de prevenção e

resolução de controvérsias, notadamente a conciliação,

a mediação, o comitê de resolução de disputas e a

arbitragem.

Parágrafo único. Será aplicado o disposto no

caput deste artigo às controvérsias relacionadas a

direitos patrimoniais disponíveis, como as questões

relacionadas ao restabelecimento do equilíbrio

econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento

de obrigações contratuais por quaisquer das partes e

ao cálculo de indenizações.

Art. 152. A arbitragem será sempre de direito e observará

o princípio da publicidade.

Art. 153. Os contratos poderão ser aditados para

permitir a adoção dos meios alternativos de resolução

de controvérsias.

Art. 154. O processo de escolha dos árbitros, dos

colegiados arbitrais e dos comitês de resolução de

disputas observará critérios isonômicos, técnicos e

transparentes.

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Antes de nos debruçarmos nos pontos de atenção que

merecem ser debatidos para que possa provocar, quem sabe, uma

melhor regulamentação normativa, cumpre destacar que as formas

de composição de conflitos nas quais não haja a intervenção via

“jurisdição estatal”, geralmente afeta ao Poder Judiciário como o

órgão estatal legitimado a “dizer o direito em última palavra”, não

contradizem o princípio do amplo acesso à Justiça (artigo 5°, inciso

XXXV, da Constituição Federal de 1988), eis que este continua

preservado em razão da alternatividade de opções apresentada

pelo Estado para fins de composição dos conflitos.

E nesse aspecto, o art. 151 da Lei Federal n.° 14.133/21 é

claro ao fixar que “Nas contratações regidas por esta Lei, poderão

ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de

controvérsias”.

A lista exemplificativa das formas alternativas de solução de

conflitos passíveis de serem utilizadas pela Administração Pública

visa aliviar a congestionada atuação dos tribunais judiciários

brasileiros, diante da massiva e reconhecida cultura da litigância,

especialmente em matéria de licitações e contratos.

Relevante notar que todos os métodos de solução de

conflitos, judiciais ou não, visam potencializar dispositivo

constitucional atinente ao seguinte objetivo fundamental da

república: Art. 3°. Constituem objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e

solidária.

De outra sorte, tais formas alternativas de composição de

conflitos buscam também atender as seguintes finalidades: a)

Primeira, e a mais óbvia, a de pacificar conflitos e realizar a justiça

(artigo 3°, inciso I, da Constituição Federal de 1988); b) Segunda, a

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de observar o inciso LXXVIII do artigo 5° da Constituição Federal

de 1988183, ou seja, tornar a resolução dos conflitos mais célere e

desafogar o Poder Judiciário.  

Com foco nas ferramentas de heterocomposição, previstas

em prol da solução mais eficiente dos conflitos que envolvam

órgãos/entes públicos/contratados e, em última análise, em prol

da solução pacífica dos conflitos (justiça), poderíamos dizer que a

nova legislação redimensionou essa perspectiva, que passou a ter

a seguinte formatação:

HETEROCOMPOSIÇÃO: conflitos intermediados e

resolvidos por um terceiro estranho às partes em

conflito, cuja decisão vincula as partes, podendo ser

exercitada tanto extra como judicialmente. Senão

vejamos:

• Arbitragem

• Comissões de Prevenção e Resolução de Controvérsias (Dispute Boards)

• Jurisdição Estatal (Poder Judiciário)

Em que pese a necessidade de reconhecimento do esforço

legislativo em positivar os já citados instrumentos alternativos

de prevenção e resolução de controvérsias, que partem da

escorreita premissa de que onde há o empreendimento de riquezas

financeiras, bens e serviços, há de se permitir a celebração de

acordos/transações para os casos que tenham como consequência

conflitos de interesses/entendimentos, algumas ponderações/

reflexões merecem ser aqui compartilhadas, de modo a evitar

183 LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

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distorções/incompreensões/desalinhamentos com a evolução

pretendida.

Nesse sentido, adstritos aos instrumentos de

heterocomposição e nos valendo da excelente interpretação

realizada por Murilo Preve Cardoso de Oliveira quanto aos temas

atinentes à arbitragem lançados na Lei Federal n.° 14.133/21184, a

saber: (i) arbitrabilidade objetiva e direitos disponíveis; (ii) princípio

da publicidade em procedimento arbitral; e (iii) arbitrabilidade de

direito; propomos alguns pontos de discussão. Vejamos.

No que toca à arbitrabilidade objetiva e direitos disponíveis,

o ponto de superação não está mais na indisponibilidade ou não

do interesse público, para que se possa utilizar da arbitragem para

com o Poder Público, mas sim nas matérias “arbitráveis”.

Apesar do parágrafo único, do art. 151, da Lei Federal

n.° 14.133/21, discorrer de modo exemplificativo os tipos de

controvérsias relacionadas à direitos patrimoniais disponíveis

passíveis de serem arbitradas, mais especificadamente,

pertinentes à obrigações, indenizações e reequilíbrio econômico-

financeiro, verifica-se que houve apenas a replicação do conteúdo

já previsto no Decreto Federal n.° 10.025/2019 (art. 2°, parágrafo

único)185, que veio regulamentar a arbitragem em litígios que

envolvam a Administração Pública Federal nos setores portuário

184 OLIVEIRA, Murilo Preve Cardoso de. Meios Alternativos de Resolução de Controvérsias. In: NIEBUHR, Joel de Menezes (org). Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Curitiba: Zênite, 2020, p. 129.

185 Art. 2°. Poderão ser submetidas à arbitragem as controvérsias sobre direitos patrimoniais disponíveis.Parágrafo único. Para fins do disposto neste Decreto, consideram-se controvérsias sobre direitos patrimoniais disponíveis, entre outras:I - as questões relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos;II - o cálculo de indenizações decorrentes de extinção ou de transferência do contrato de parceria; eIII - o inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes, incluídas a incidência das suas penalidades e o seu cálculo.

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e de transporte rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroportuário.

Nessa linha, corroboramos que o legislador federal perdeu

a oportunidade de avançar no debate sobre direitos patrimoniais

disponíveis. E seria, em nosso entendimento, um esforço plausível,

com algumas balizas já definidas na doutrina e na própria legislação

de licitações e contratos.

Na tentativa de uma orientação mais precisa sobre tais

matérias, Gustavo Justino de Oliveira e Felipe Faiwichow Estefam186

lançaram algumas perspectivas interessantes, entre elas (as

demais são as já consignadas no supracitado decreto federal): a) os

termos sacramentados no contrato administrativo, pelas cláusulas

regulamentares que são aquelas que disciplinam o modo e a forma

da prestação do serviço.

Outra construção válida, em nossa opinião, seria adotar

como referência as hipóteses definidas em lei que legitimam a

alteração dos contratos e consequentemente a formalização

de termo aditivo (art. 124, da Lei Federal n.° 14.133/21)187, ou seja,

pertinentes à: a) modificação do projeto ou das especificações,

para melhor adequação técnica a seus objetivos; b) modificação

do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição

quantitativa de seu objeto; c) substituição da garantia de execução;

d) modificação do regime de execução da obra ou do serviço, bem

como do seu modo de fornecimento; e) modificação da forma de

pagamento.

186 OLIVEIRA, G. J. de; ESTEFAM, F. F. Curso Prático de arbitragem e administração pública. São Paulo: Thomson Reuters, 2019, p. 61.

187 Percebam que entre os incisos do referido art. 124, está a previsão do restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato (previsão normativa do art. 151, parágrafo único), bem como do modo e forma da prestação do serviço (previsão doutrinária).

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É esse tipo de exercício que permite a construção de

listas exemplificativas mais robustas, como forma de dar maior

segurança jurídica ao instituto da arbitragem aplicável ao Poder

Público em matéria de licitações e contratos.

Avançando para a questão do princípio da publicidade em procedimento arbitral, devemos inicialmente afastar qualquer

ilação de incompatibilidade entre publicidade e arbitragem, pois

embora o sigilo seja uma prática recorrente da arbitragem, não é

um requisito obrigatório, uma vez que as partes envolvidas podem

abrir mão da confidencialidade que comumente abrange tal tipo de

procedimento.

Nesse sentido, se para a esfera privada um dos grandes

atrativos em se utilizar a arbitragem está no sigilo arbitral; para a

esfera pública, o atrativo estaria na celeridade (concretude ao art.

5°, inciso LXXVIII, da CF/88), bem como na especificidade temática

dos árbitros (tendentes à prolações de decisões mais justas -

concretude ao art. 3°, inciso I, da CF/88), o que leva, em última

hipótese, ao melhor atendimento do interesse público.

De fato, o ponto de reflexão está na maneira/modo como

essa publicidade deve ser colocada em prática. E nesse aspecto,

a nova lei de licitações e contratos é completamente omissa, não

fixando sequer diretrizes para tal “procedimentalização”, uma vez

que se restringe dizer que a arbitragem observará o princípio da

publicidade.

Entre as várias reflexões necessárias para se vislumbrar a

aplicabilidade do princípio da publicidade em procedimento arbitral,

chamamos atenção para a que foca na qualidade/atribuição das

câmaras arbitrais como típicas prestadoras de serviços, diante da

administração do litígio a ela submetido.

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Ora, como “prestadoras de serviço”, entendemos ser relevante

a previsão de dispositivos que versem sobre: a) Forma de escolha

da Câmara Arbitral (credenciamento? Contratação normal?)188; b)

Tipo de procedimento arbitral a ser submetido o Poder Público (via

Institucional - submissão do procedimento às regras fixadas no

regulamento da câmara; ou ad hoc – estabelecimento das regras

procedimentais da avença/conflito pelas partes); c) Critérios/

balizas mínimas que devem constar nos regulamentos das

Câmaras, a depender do tipo de procedimento arbitral escolhido;

d) Rol de documentos e atos sujeitos à publicidade.

Cumpre aqui destacar, mais uma vez, que na obra sobre a

nova lei de licitações e contratos organizada pelo professor Joel de

Menezes Niebuhr189, Murilo Preve Cardoso de Oliveira compartilha

referências do início desse esforço em dar o tom de como se daria

tal publicidade na arbitragem.

Entre elas, destacam-se os vários regulamentos de câmaras

arbitrais brasileiras. A título de exemplo, citamos: Artigos 12.1, 12.2

e 12.3 da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial – CAMARB;

a Resolução n.° 3/2018 da Fiesp/Ciesp; e a Câmara de Comércio

Brasil-Canadá – CCBC, em sua Resolução Administrativa n. 15/2016.

Por fim, no que toca à arbitrabilidade de direito, em que pese

possuir previsão normativa expressa no art. 152, da Lei Federal n.°

14.133/21 (A arbitragem será sempre de direito...), e ser aplicação

direta do princípio constitucional da legalidade que envolve os atos

da Administração Pública (art. 37 da CF/88), de onde se extrai a

lógica de atuação adstrita ao Direito, especificamente à legalidade

188 O art. 154 da Lei Federal n.° 14.133/21 se restringe a fixar que o processo de escolha dos árbitros e dos colegiados arbitrais observará critérios isonômicos, técnicos e transparentes.

189 OLIVEIRA, Murilo Preve Cardoso de. Meios Alternativos de Resolução de Controvérsias. In: NIEBUHR, Joel de Menezes (org). Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Curitiba: Zênite, 2020, p. 133/134.

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estrita, devendo seus conflitos decorrentes serem resolvidos

com base nesse mesmo campo (impedindo assim que se tenha

arbitragens envolvendo a Administração Pública resolvidas por

equidade), entendemos que há margem para reflexão.

Não há dúvida que a restrição da arbitragem ser apenas de

direito, quando envolver a Administração Pública, está focada no

cumprimento do princípio da legalidade estrita, como também, por

consequência, de um dos fundamentos do Estado Democrático de

Direito, a ser garantido pelo Poder Público, qual seja: a segurança

jurídica.

Até porque, infelizmente, a conceituação incerta e ampliativa

de equidade, que acaba por gerar no ordenamento jurídico uma

“margem de tolerância” normativa, uma vez que o julgador (neste

caso o árbitro eleito) estaria apto à proferir decisões sem apoio

normativo, desapegadas de construções legítimas nascidas

do devido processo legislativo, torna frágil/inseguro o campo

decisório, algo incompatível com a rigidez/vinculação normativa

que o Poder Público deve se submeter.

Nas duras palavras de Lenio Streck e Lúcio Delfino190, deveria

a decisão por equidade ser classificada como uma “libertinagem

normativa”, que passa a gerar uma “atmosfera jurisprudencial

esquizofrênica”, com teses para todos os gostos, cuja característica

manifesta é a imprevisibilidade.

Entretanto, nos inclinamos a posições mais avançadas,

que compreendem a equidade como um recurso às insuficiências

da legislação, utilizável no suprimento de lacunas normativas,

ou mesmo para aclarar enunciados abertos (e como vimos, no

190 STRECK, Lenio Luiz. DELFINO, Lúcio. Novo CPC e decisão por equidade: a canibalização do Direito. Dez – 2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-dez-29/cpc-decisao-equidade-canabalizacao-direito#_ftn2. Acesso em: 06 abr 2021.

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campo das medidas alternativas de prevenção e resolução de

controvérsias existem inúmeras situações assim).

Como alertado no referido artigo de autoria de Lenio Streck

e Lúcio Delfino191, nessa ótica não se tem propriamente decisão

por equidade e sim decisão proferida segundo a equidade. Ali,

o julgador estaria obstado de arredar-se do direito positivo,

tampouco poderia corrigir ou retificar a lei, pois seus propósitos,

ainda que nobres, não seriam suficientes para autorizá-lo, a

partir de seu próprio voluntarismo, a amoldar o resultado de suas

decisões a sua própria ideia de justiça.

E por isso, entendemos ser um caminho extremamente

plausível no âmbito da arbitragem envolvendo Administração

Pública. Em outras palavras, eis de haver a possibilidade de uma

arbitrabilidade segundo a equidade, sob pena de travarmos o bom

andamento desse instrumento no âmbito público, especialmente

quando utilizado em sede de controvérsias relacionadas à

licitações e contratos.

Evoluindo para o mecanismo da Comissão de Prevenção e Resolução de Controvérsias (Dispute Board), cumpre registrar

que se trata de comitê composto por um ou mais profissionais

independentes, que acompanham de forma periódica o andamento

do contrato, proporcionando um gerenciamento contratual

qualificado, com foco na prevenção do “escalonamento” das

eventuais divergências/conflitos oriundos do desgaste natural

das relações entre as partes envolvidas, além de ser importante

elemento de transparência, que garante a execução adequada dos

contratos e o bom andamento dos projetos.

191 STRECK, Lenio Luiz. DELFINO, Lúcio. Novo CPC e decisão por equidade: a canibalização do Direito. Dez – 2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-dez-29/cpc-decisao-equidade-canabalizacao-direito#_ftn2. Acesso em: 06 abr 2021.

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E essa concepção tem dado certo, pois a eficiência/eficácia

do referido mecanismo, tanto em termos de obter soluções, quanto

na celeridade do processo, tem sido manifestamente comprovada.

Dados da Dispute Resolution Board Foundation indicam que 99% dos

conflitos que usam dispute boards são encerrados em menos de 90

dias, e que 98% das disputas são resolvidas pelo mecanismo192.

Como se vê, um dos diferenciais desse instrumento está no

momento de sua constituição, quase sempre formalizada no início

da relação jurídica, o que corrobora o caráter preponderantemente

preventivo e técnico, afastando/impedindo extensas discussões

técnicas, atrasos e/ou paralisações em sede de execução

contratual.

Na linguagem negocial construída com base na metodologia

Harvard de negociação, os Dispute Boards são agentes geradores

de “critérios de legitimidade”, por desenvolverem/utilizarem

critérios objetivos, técnicos e imparciais (uma vez que estão de

fora da relação jurídica propriamente dita). Em uma das obras

descritivas do Projeto de Negociação de Harvard, se deixa muito

claro que:

A negociação baseada em princípios produz acordos

sensatos de forma amistosa e eficiente. Quanto mais critérios de imparcialidade, eficiencia ou mérito científico voce aplicar ao problema, maior a probabilidade de produzir uma solução sensata e justa193. (g.f)

192 Informação divulgada pelo Centro de Arbitragem e Mediação (CAM-CCBC), disponível em: https://ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/resolucao-de-disputas/dispute-boards/#:~:text=O%20mecanismo%20pode%20ser%20utilizado,tanto%20emitir%20recomenda%C3%A7%C3%B5es%20n%C3%A3o%20vinculantes. Acesso em: 06 abr 2021.

193 FISHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce. Como chegar ao SIM. Tradução de Rachel Agavino. Ed., ver e atual. Rio de Janeiro: Sextante, 2018, p. 107.

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Apesar de ser considerada uma grande novidade apresentada

pela nova lei de licitações e contratos, positivando pela primeira

vez em nível federal sua “usabilidade” em sede de contratos

administrativos, mais uma vez, acabou não se prevendo diretrizes

mínimas a esse respeito, restringindo-se à afirmar apenas que a

escolha dos comitês de resolução de disputas observará critérios

isonômicos, técnicos e transparentes. Nada mais!

Inicialmente, em nossa concepção, seria necessário ao

menos que se indicasse o formato “desejável” de utilização, uma

vez que se trata de mecanismo que possui três modalidades. Em

resumo: 1) Dispute Review Board (DRB), que aconselha as partes

com sugestões apenas (mas que pode ter caráter vinculativo, caso

não haja qualquer oposição à referida opinião técnica); 2) Dispute

Adjucation Board (DAB), no qual o comitê desempenha função

decisória, impondo as soluções; 3) Combined Dispute Board (CDB),

que pode tanto emitir recomendações não vinculantes quanto

proferir decisões vinculantes194. Ou seja, caberia à Administração

Pública modular a espécie de Dispute Board a ser utilizada.

Naturalmente, insurgem outras reflexões, a saber: a) Como

se daria a nomeação dos membros do comitê, especialmente

quando este for constituído na (ou logo após a) celebração

do contrato? Seria o preenchimento de requisitos para um

credenciamento ou escolha direta das partes?; b) Qual seria a

formação técnica mínima desejável dos membros do Comitê?; c)

Pagamento dos honorários dos membros do Comitê (referências);

d) Previsibilidade/vinculação do Dispute Board à algum tipo

194 Para maior aprofundamento a respeito de cada uma das modalidades, sugerimos a leitura do Regulamento para o Comitê de Prevenção e Solução de Disputas do CAM-CCBC, disponível em: https://ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/resolucao-de-disputas/dispute-boards/regulamento-2018/. Acesso em: 06 abr 2021. Assim como o artigo de Arnoldo Wald, intitulado: Dispute Resolution Boards: evolução recente. Revista de Arbitragem e Mediação, v. 8, n. 30, p.139-151, jul./set. 2011.

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específico de objeto ou à determinada alçada de valor.

Indubitavelmente que a utilização dos comitês de resolução

de disputas (Dispute Boards) no âmbito público contará, em respeito

ao princípio da legalidade, com a respectiva previsão editalícia,

bem como contratual. Entretanto, tal depreensão lógica ainda

carece do detalhamento sugerido nos itens reflexivos tratados

anteriormente.

Nesse sentido, devemos compartilhar a legislação inovadora

da Prefeitura de São Paulo, que desde 2018 positivou a instalação

de Comitês de Prevenção e Solução de Disputas em contratos

administrativos continuados celebrados pela Prefeitura de São

Paulo195.

Naquela oportunidade, já era determinado no âmbito legal

que o comitê seria constituído por um número mínimo de pessoas

(3); que deveria ser composto preferencialmente por algumas

formações acadêmicas (engenharia e direito); que o valor relativo

ao pagamento dos honorários dos membros do Comitê deveria

integrar o orçamento da contratação, arcando o contratado

privado com o pagamento da integralidade dos custos atinentes à

instalação e manutenção do referido comitê, e o órgão contratante,

com a metade de tais custos, pagos via sistemática de reembolso;

e até previsão básica de impedimento de atuação no âmbito do

comitê.

Posteriormente, em 2021, foi editado o Decreto n.° 60.067,

o qual regulamenta a referida Lei n° 16.873/2018, de modo a

dispor, entre outras coisas, sobre: possibilidade de utilização do

referido mecanismo vinculado à determinada alçada de valor (no

caso, contratações superiores à R$ 200.000.000,00 – duzentos

195 Trata-se da Lei n° 16.873/2018.

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milhões de reais) e à objetos delimitados, em regra (contratos de

obras públicas, bem como de concessão ou permissão que tenham

como objeto, ou como parte do objeto, a execução de obras);

possibilidade de constituir Dispute Board permanente ou ad hoc, a

depender da natureza da contratação.

Entretanto, compartilhamos o entendimento de que

a efetividade dos mecanismos alternativos de prevenção e

resolução de controvérsias, especialmente o inovador Dispute

Board, está diretamente conectada à criação/implementação/

acompanhamento de uma Política de Desjudicialização, sob pena,

assim como falamos no início deste ensaio, de servirem apenas

como aspiração normativa para internalização de mais um instituto

na órbita administrativa nacional.

É nesse tipo de política que será possível identificar

claramente os reais objetivos institucionais com a adoção dos

referidos mecanismos196, permitindo em última instância, dar

cumprimento ao comando constitucional aqui já citado atinente

à duração razoável do processo, à celeridade de tramitação, bem

como à criação de uma sociedade/coletividade justa.

Em sede de conclusão, verifica-se que a dicotomia existente

entre intenção e impacto não foi bem calculada, pois o legislador

teve o designo de introduzir instrumentos versáteis e modernos

para prevenção e solução de controvérsias, mas não vislumbrou

196 A título de exemplo, nos baseamos mais uma vez em legislação da Prefeitura de São Paulo – SP, neste caso, a Lei n° 17.324/20, que instituiu no âmbito da Administração Pública Municipal Direta e Indireta de São Paulo, a respectiva política de desjudicialização, fixando entre seus objetivos: I - reduzir a litigiosidade; II - estimular a solução adequada de controvérsias; III - promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos; IV - aprimorar o gerenciamento do volume de demandas administrativas e judiciais. Outra referência relevante é a recente (2019) Estratégia Nacional Integrada para Desjudicialização da Previdência Social, ação liderada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Disponível em: https://www.cnj.jus.br/estrategia-nacional-integrada-para-desjudicializacao-da-previdencia-social/. Acesso em 06 abr 2021.

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os impactos dessa medida, uma vez que não apresentou diretrizes

claras/fortes/suficientes para uma futura regulamentação, o que

é fundamental para garantir a efetividade da aplicação de tais

medidas na rotina administrativa, sob pena dos efeitos da absorção

de tais instrumentos no ordenamento jurídico passarem a não ser

tão positivos assim, diante da imprecisão/vagueza terminológica.

Nesse aspecto, nos faz relembrar a necessidade de ressaltar

a importância da legística, compreendida como a metodologia que

prioriza a racionalização da produção jurídico-normativa, atuando

no processo de construção e decisão sobre o conteúdo de novo

ato normativo, com foco na análise justamente da efetividade

normativa (impacto), ou seja, no nível de concretude dos objetivos

que justificaram o impulso para aquela determinada normatização

e os resultados esperados/obtidos com ela197.

Reiterando o cuidado/zelo necessário na positivação de

instrumentos tão impactantes no cotidiano dos destinatários da

norma, destacamos algumas das diretrizes existentes no programa

da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

(OCDE), intitulado Better Regulation198, o qual reforça o cuidado que

se deve ter na normatização, pois a má produção normativa pode

levar à efeitos nefastos (e é aqui o nosso alerta para que não venha

ocorrer com as medidas alternativas de prevenção e resolução de

controvérsias).

Entre elas, enfatizamos as seguintes: a) A norma deve ser

clara, simples e de fácil cumprimento pelos cidadãos; b) A norma

197 Dentro de uma perspectiva formal e material, poderíamos dizer que a Lei Complementar n.° 95/98 cuida do aspecto formal, e o Decreto Federal n.° 9.191/2017, do material.

198 Disponível em http://www.oecd.org/publications/better-regulation-practices-across-the-european-union-9789264311732-en.htm. Acesso em 06 abr 2021.

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deve ter base legal e empírica; c) a Norma deve ser consistente

com outras regulações e políticas governamentais.

Com efeito, levando em consideração as reflexões

apresentadas ao longo deste ensaio, verificamos nitidamente o

extenso caminho que ainda precisamos seguir, de modo a garantir

efeitos positivos oriundos da normatização dos instrumentos

alternativos de prevenção e resolução de controvérsias.

Até porque, controvérsias/conflitos são elementos

inevitáveis (e úteis) da vida, que costumam levar a mudanças e gerar

descobertas. Estão no cerne do processo democrático, em que

as melhores decisões não resultam de um consenso superficial,

mas da exploração de diferentes pontos de vista e da busca por

soluções criativas. Por essa razão, o grande desafio não está em

eliminar, de per si, as controvérsias/conflitos, mas transformá-los.

Isto é, está em mudar a forma como lidamos com as diferenças,

evoluindo o paradigma de uma luta destrutiva e antagônica para

uma resolução de problemas prática e harmônica199.

Portanto, AVANTE!

199 FISHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce. Como chegar ao SIM. Tradução de Rachel Agavino. Ed., ver e atual. Rio de Janeiro: Sextante, 2018, p. 11.