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O mundo da geração Net Hoje, pela primeira vez na história, as crianças têm mais saber e conhecimento, são mais letradas e sentem-se mais confortáveis do que os seus pais em relação a uma inovação central da nossa sociedade: as novas tecnologias. O que acontecerá ao mundo quando esta geração chegar ao poder? Provavelmente irá torná-lo bem mais justo e interessante. Isto se nós, os adultos, não deitarmos tudo a perder Por Don Tapscott A geração Net acabou de chegar. Ela representa 30% da população, sensivelmente mais, em números, do que os 29 % que pesa a geração dos anos 60. O que torna essa nova geração tão diferente das anteriores é o facto de ser a primeira a crescer rodeada dos media digitais. Nalguns países e em diversos estratos sociais, os computadores estão em casa, na escola, na fábrica e no escritório. Tecnologias digitais como as máquinas fotográficas e de filmar, os jogos de vídeo e os CD-ROM tornaram-se banais para as novas gerações. São miúdos submergidos em bits, que os julgam parte integrante do ambiente em que vivem. Em suma, algo tão natural como a própria vida. Tecnologias: algo tão natural como o ar O visionário Alan Kay descreve esta situação numa sentença que ficou famosa: “A tecnologia só é tecnologia para as pessoas que nasceram antes dela ser inventada. Ela é completamente transparente para os jovens de hoje.” “É como o ar que respiram”, diz Coco Conn, uma das fundadoras do projecto Cityspace na Web. Argumenta, também a este propósito, Idit Harel, do MIT: “Para os miúdos, é como usar um lápis. Os pais não falam dos lápis, falam de escrever. Os miúdos também não falam das novas tecnologias, falam de brincar, criar um site na Web, escrever a um amigo, ou discutir o problema da floresta tropical nos fóruns da Internet.” Chuck Martin, o autor do livro O Estado Digital, usa outra imagem igualmente elucidativa: “Para o meu filho de 8 anos usar o computador é algo que ocorre naturalmente no seu dia-a-dia. Ele pura e simplesmente não pensa que está a usar um computador, tal como quando joga futebol não pensa que está a usar uma bola.” No fundo, os miúdos de hoje olham para os computadores como nós olhávamos para a TV. Para nós ela era um facto da vida. O mesmo se passa hoje com os computadores e a Net para as gerações de jovens nascidos após a sua invenção. A geração Net são os filhos da idade digital. A revolução das comunicações está a moldar uma nova geração e o seu mundo, um fenómeno único e avassalador. Nós — os mais velhos — deveríamos analisar mais em detalhe esta mudança. Pelo contrário, preferimos pintá-la a traços negros sem conhecermos os seus valores e hábitos. Muitos acusam esta geração de egoísta, sem valores sociais e excessivamente materialista. Os jovens são descritos como cínicos, violentos, irritadiços, viciados em preferências musicais exóticas, nas drogas, no exibicionismo e até na pornografia. Para muitos trata-se de uma geração rasca. Por isso, quando se fala do modo como a juventude usa as novas tecnologias, o incómodo é logo maior do que o entusiasmo. O que é que esses jovens depravados vão fazer com ela? Depois, começamos a ficar preocupados com as implicações que estes hábitos da nova geração terão em relação a nós próprios. O que é que estes jovens viciados na Internet vão fazer connosco? Mas, no concreto, quem são afinal estes jovens? O termo “geração Net” que refiro neste livro é relativo aos miúdos que nasceram, na sua maioria, a partir de 1977. Não incluo o que a imprensa catalogou como “Geração X”, a partir do título da novela de Douglas Coupland, um autor canadiano. No meu entender, as características que ele apontou falam de um segmento que está ainda, diríamos, na cauda da geração dos 27/4/2011 Digital - nº0 Capa - O mundo da gera… centroatl.pt/edigest/…/di0cap1.html 1/7

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Tecnologias: algo tão natural como o ar 27/4/2011 Digital - nº0 Capa - O mundo da gera… Por Don Tapscott Internet versus TV 27/4/2011 Digital - nº0 Capa - O mundo da gera… Mundos paralelos, gerações distantes 27/4/2011 Digital - nº0 Capa - O mundo da gera… Uma nova geração de consumidores 27/4/2011 Digital - nº0 Capa - O mundo da gera… fazer um esforço de actualização na fase da maturidade.

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O mundo da geração Net

Hoje, pela primeira vez na história, as crianças têm mais saber e conhecimento, são

mais letradas e sentem-se mais confortáveis do que os seus pais em relação a uma

inovação central da nossa sociedade: as novas tecnologias. O que acontecerá ao

mundo quando esta geração chegar ao poder? Provavelmente irá torná-lo bem mais

justo e interessante. Isto se nós, os adultos, não deitarmos tudo a perder

Por Don Tapscott

A geração Net acabou de chegar. Ela representa 30% da população, sensivelmente

mais, em números, do que os 29 % que pesa a geração dos anos 60. O que tornaessa nova geração tão diferente das anteriores é o facto de ser a primeira a crescerrodeada dos media digitais. Nalguns países e em diversos estratos sociais, oscomputadores estão em casa, na escola, na fábrica e no escritório. Tecnologiasdigitais como as máquinas fotográficas e de filmar, os jogos de vídeo e os CD-ROMtornaram-se banais para as novas gerações. São miúdos submergidos em bits, queos julgam parte integrante do ambiente em que vivem. Em suma, algo tão naturalcomo a própria vida.

Tecnologias: algo tão natural como o ar

O visionário Alan Kay descreve esta situação numa sentença que ficou famosa: “Atecnologia só é tecnologia para as pessoas que nasceram antes dela ser inventada.Ela é completamente transparente para os jovens de hoje.” “É como o ar querespiram”, diz Coco Conn, uma das fundadoras do projecto Cityspace na Web.Argumenta, também a este propósito, Idit Harel, do MIT: “Para os miúdos, é comousar um lápis. Os pais não falam dos lápis, falam de escrever. Os miúdos tambémnão falam das novas tecnologias, falam de brincar, criar um site na Web, escrever aum amigo, ou discutir o problema da floresta tropical nos fóruns da Internet.” ChuckMartin, o autor do livro O Estado Digital, usa outra imagem igualmente elucidativa:“Para o meu filho de 8 anos usar o computador é algo que ocorre naturalmente no seudia-a-dia. Ele pura e simplesmente não pensa que está a usar um computador, talcomo quando joga futebol não pensa que está a usar uma bola.” No fundo, os miúdosde hoje olham para os computadores como nós olhávamos para a TV. Para nós elaera um facto da vida. O mesmo se passa hoje com os computadores e a Net para asgerações de jovens nascidos após a sua invenção.A geração Net são os filhos da idade digital. A revolução das comunicações está amoldar uma nova geração e o seu mundo, um fenómeno único e avassalador. Nós —os mais velhos — deveríamos analisar mais em detalhe esta mudança. Pelo contrário,preferimos pintá-la a traços negros sem conhecermos os seus valores e hábitos.Muitos acusam esta geração de egoísta, sem valores sociais e excessivamentematerialista. Os jovens são descritos como cínicos, violentos, irritadiços, viciados empreferências musicais exóticas, nas drogas, no exibicionismo e até na pornografia.Para muitos trata-se de uma geração rasca. Por isso, quando se fala do modo como ajuventude usa as novas tecnologias, o incómodo é logo maior do que o entusiasmo. Oque é que esses jovens depravados vão fazer com ela?Depois, começamos a ficar preocupados com as implicações que estes hábitos danova geração terão em relação a nós próprios. O que é que estes jovens viciados naInternet vão fazer connosco? Mas, no concreto, quem são afinal estes jovens? O termo “geração Net” que refironeste livro é relativo aos miúdos que nasceram, na sua maioria, a partir de 1977. Nãoincluo o que a imprensa catalogou como “Geração X”, a partir do título da novela deDouglas Coupland, um autor canadiano. No meu entender, as características que eleapontou falam de um segmento que está ainda, diríamos, na cauda da geração dos

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anos 60. Estes são um segmento “ensanduichado” entre essas duas geraçõesmarcantes — a dos anos 60 e a da Net. É uma geração de transição composta poradultos entre os 20 e tal e os 30 e poucos (nascidos entre 1965 e 1976), que játiveram contacto com a informática. Grande parte até já adoptou hábitos de utilizaçãoda Web similares aos dos miúdos da geração Net. Mas tiveram o azar de ser a talgeração de transição. Não são eles que vão mudar o mundo tal como o conhecemos, mas, sim, a geraçãoeducada pela era digital. Hoje, pela primeira vez na história, as crianças têm maissaber e conhecimento, são mais letradas e sentem-se mais confortáveis do que osseus pais em relação a uma inovação central da nossa sociedade. E será através douso dos media digitais que esta nova geração se desenvolverá e acabará por impor asua cultura. Não será apenas um poder que resulta das estatísticas e do factordemográfico. É, de facto, uma força profunda de transformação social. Não há assuntomais importante para pais, professores, políticos, homens do marketing, líderesempresariais e activistas sociais do que procurar conhecer melhor o que é que estanova geração pensa fazer com a sua competência digital.

Internet versus TV

Quando a geração dos anos 60 era adolescente, a TV impôs-se como a tecnologiamais poderosa na história até aquela data. O impacte da TV na sociedade em geral, enaquela geração em particular, foi muito profunda. A geração dos 60 poderia serapelidada da geração da guerra fria, do pós-guerra, ou, mesmo, da economia em fasede crescimento (algo que ocorreu, pelo menos até ao primeiro choque petrolífero).Julgo, no entanto, que foi o impacte de uma revolução das comunicações - aemergência da TV — que moldou essa geração, mais do que qualquer outra coisa.Lembro-me da minha mãe me dizer, quando surgiu a televisão, que era “a inovação doséculo”. Efectivamente, quando a TV chegou a nossa casa por volta de 1953 e foiparar à sala de estar, tanto as cadeiras como os sofás mudaram da disposição emvolta do rádio para ficarem em torno da TV, o novo elemento central da sala. Para os miúdos informados e informatizados de hoje, a TV é uma coisa antiquada. Éunidireccional, o poder de escolha da programação e dos conteúdos está na mão deuns poucos adultos, e, muitas vezes, o produto que lhes oferece é nivelado por baixoem termos de qualidade. Para a geração da Net, a TV terá de ser interactiva eoferecer o que os consumidores pedem, em vez destes serem meros receptores demensagens. Terá de permitir um diálogo e deixar que os cidadãos comuniquem entresi. Esta mudança da radiofusão para a interacção é o ponto central da geração Net. Ela écomposta por miúdos que querem ser utilizadores e não espectadores ou ouvintes.Em geral, a cultura da radiofusão é hierárquica — dita e não dialoga. São meiosabertos apenas à recepção e não à interacção. É suposto sermos observadorespassivos no modelo televisão. A única arma que temos para exprimir as nossapreferências é o zapping (a mudança rápida e sucessiva de canais). Ora, na Net,estes miúdos controlam grande parte desse novo mundo. É algo que eles própriosmoldam à sua imagem, de acordo com as suas preferência e anseios.

O que a ascensão da Net está a mudar

Se há uma coisa que os miúdos percebem (e os adultos não entendem) é que a Netnão é “tecnologia”, é um novo meio de interacção entre pessoas. Arrisco-me a dizerque é o primeiro meio interactivo de transmissão social desde os tempos do contadorde histórias pelas aldeias e vilas. Sem dúvida que os meios tradicionais, como acarta, telégrafo ou telefone, são interactivos, mas não passam de sistemas fechados.São meios de comunicação privada e não de socialização entre pessoas.Por outro lado, a revolução da televisão provocou a mudança da comunicaçãobaseada no texto, fruto da revolução de Gutenberg, para a imagem visual e oral donovo medium. Num livro então famoso, Divertindo-nos até à Morte, Neil Postmanlamenta o declínio da era da tipografia e a ascendência da nova Era (da TV), como ofacto cultural mais importante do século xx. Com essa guinada veio o que muitoschamaram o deserto da leitura. Agora, estamos a assistir a outra viragem, da magiada TV para a magia dos media interactivos. Para mais, as comunicações na Net são

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baseadas, de novo, na palavra escrita. Só que são enviadas de muitos emissores paramuitos receptores, algo radicalmente diferente da lógica, quer da TV, quer daimprensa, que é de um para muitos. A escrita está, de novo, em alta, pois é aprimeira forma de discurso no espaço virtual. Nunca tanto como agora as criançassentem necessidade de aprender a ler, a escrever e a pensar criticamente. Também aeducação está a sofrer um verdadeiro renascimento dourado. Os novos mediaajudaram a criar uma cultura de aprendizagem — em que o professor é hoje apenasum dos participantes nesse esforço mais vasto.Mas, decisivamente, a grande diferença é geracional: pela primeira vez na história, osmiúdos estão a tomar controlo de elementos críticos da revolução das comunicações.A revolução digital, ao contrário de outras anteriores, não é só controlada por adultos. Além disso, há outra diferença. A televisão continha mensagens muito fortes. Àmedida que a geração dos anos 60 subiu ao poder, tomou conta dos media eperpetuou a sua própria ideologia. Ora, os novos media digitais, em virtude da sualógica distribuída e interactiva, são mais indpendentes e democráticos.Segundo uma sondagem do Teenage Research Unlimited, a percentagem deadolescentes que acham que é absolutamente in estar on-line disparou de 50% em1994 para 74 % em 1996 e 88% em 1997! Está agora tão na moda como namorar ouir a festas. Paralelamente, os inquéritos de opinião revelam que o declínio nosespectadores de TV se concentra nas faixas mais jovens da audiência. Segundo umestudo na América da Nielsen Media Research, entre 1991 e 1996 assistiu-se a umaquebra de mais de duas horas por semana de audiência na faixa entre os 2 e os 17anos. Projectando esta tendência para o ano 2000, os jovens estarão a ver menos 100horas de televisão por ano do que hoje.

Mundos paralelos, gerações distantes

Com este choque entre duas culturas — a da TV e a da Net — somos tentados a falarde um agravamento do fosso geracional. Antes dos anos 60, o conflito de geraçõesnão existia. Os jovens entravam na força de trabalho depois de uma infância eadolescência muito breves. Claro que o choque entre pais e filhos sempre existiudesde tempos imemoriais. Mas foi nos anos 60 que se tornou mais agudo e o cismacultural profundo se abriu.Contudo, o que se passa hoje é diferente, é de outra natureza. Estamos a passar deum fosso geracional para dois mundos em paralelo. Na linguagem de slogans, de umgenerational gap (fosso de gerações) para um generational lap (salto de gerações). Asociedade nunca experimentou uma coisas destas: o colocar da hierarquia do saberde pernas para o ar. As crianças são, pela primeira vez, as autoridades e osespecialistas, em algo central para o futuro da humanidade: as novas tecnologias e aascensão da Net. “Este é um período absolutamente único na história, em que o papel da criança está amudar”, afirma John Seely Brown, um dos investigadores do Xerox PARC (o centro deinvestigação da empresa em Palo Alto, Califórnia). No passado, os pais eram aautoridade indiscutível em tudo. Em todos os domínios, os pais eram tido como maissabedores. A única excepção era a dos filhos dos emigrantes que aprendiam maisrapidamente uma nova língua, e em que eram os intérpretes da família. “Pela primeiravez, há coisas que os pais gostariam de saber e de fazer, mas que precisam da ajudados filhos”, conclui Seely Brown.As implicações são devastadoras. Podemos estar a criar a base de famílias maisabertas e consensuais. E, para além da família, pode pensar-se noutras instituições.Veja-se o caso da Finlândia. O Governo, numa medida de grande inteligência,seleccionou 5 mil crianças para desempenharem uma tarefa surpreendente: darformação no uso de computadores aos seus professores. Pela primeira vez, num dadodomínio, os estudantes viraram professores, e estes alunos. A relação de poderalterou-se para sempre. Muitos adultos têm dificuldade em aceitá-lo e, sobretudo, emver o potencial destas transformações. Eles vêem ao espelho a sua própriaobsolescência. E morrem de medo.Hoje sente-se um claro desalinhamento entre quem manda (autoridade) e quempercebe dos assuntos (competência). Como a geração Net nasceu com a novatecnologia, assimila-a. Os adultos, pelo contrário, têm de “acomodar-se” a ela. Háuma grande diferença entre assimilar novos conhecimentos na fase de crescimento e

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fazer um esforço de actualização na fase da maturidade.

Os dez mandamentos da nova geração

Ao longo da investigação para este livro, encontrei dez temas que definem a culturadesta geração Net. O primeiro é o sentimento de independência e uma autonomiaassumida. A geração Net é formada por pesquisadores de informação e não merosreceptores passivos de mensagens. Em segundo lugar, são mais abertos intelectual epessoalmente, ainda que gostem de preservar o anonimato. Na Internet a expressãopessoal é uma prioridade.O terceiro elemento, é uma cultura de proximidade. A Netencoraja os miúdos a passarem de uma orientação local, ou nacional, para global.Oquarto valor, é a liberdade de expressão acompanhada por uma firmeza deconvicções. A geração Net insiste na tolerância pela diversidade, o que beneficia asua afirmação individual com ideias muito fortes.O quinto, é a inovação. Esta capacidade está inclusivamente alguns passos mais àfrente que o próprio vanguardismo de alguns produtores de software. O sexto, é aafirmação da sua maturidade. A geração Net quer ser reconhecida como mais madurado que a pinta os adultos, que, em regra, não a levam muito a sério. O uso dos mediadigitais permite a esta geração falar para os adultos de igual para igual. O sétimo, é oespírito de investigação. Quando usa a tecnologia, a sua reacção não é para sabercomo funciona (capacidade analítica), mas, sim, como usar (óptica funcional). Ooitavo critério, é o do imediatismo. A interactividade exige o just-in-time. Na cultura dageração Net, quando se conversa on-line com alguma celebridade do cinema ou dodesporto, o objectivo é receber respostas naquele instante. O que significa que muitosmais eventos e muito mais rapidamente do que no nosso tempo.O nono valor, é de uma sensibilidade extrema, sobretudo, aos interesses empresariaisquando estes gastam inutilmente o tempo dos miúdos ou os exploramindecentemente. Howard Rheingold, que desenvolveu o conceito de comunidadesvirtuais, acredita nisto: “Promoção exagerada é pura e simplesmente odiada. Enviarmensagens não solicitadas é particularmente odiado. Tentar vender coisas no meiodos grupos de discussão é uma aposta suicida. A nova geração de utilizadores da Netsó darão atenção ao que se quiser fazer passar se se lhes der valor acrescentado.”E, finalmente, como décimo ponto, a necessidade de estruturar a confiança na baseda autenticidade. Em virtude do anonimato, da acessibilidade, da diversidade e daubiquidade, tudo o que se lê ou ouve tem de ser autenticado, ou seja, verificado apente fino. A nova geração perdeu de vez a ingenuidade.

Uma nova geração de consumidores

“Eu gosto de comprar coisas pela Net. Posso encontrar o melhor preço em dezminutos, verificando a oferta de umas 25 lojas de uma assentada. Assim dispenso obalconista, que não percebe o que eu quero ou me impõe restrições à compra devidoà minha idade”, afirma Eric Mandela, de 14 anos.Esta é uma tendência a apontar pelos gestores de marketing e profissionais dosestudos de mercado. Em primeiro lugar, a Net vai tornar-se um canal de vendas cadavez mais importante, ultrapassando, no futuro, as vendas por correio. Em segundo,transformar-se-á numa ferramenta de publicidade muito poderosa. Muitos analistasainda não perceberam o poder desta geração. Ela transformou a Sega e a Nintendo,por exemplo, em fenómenos ainda mais populares do que os estúdios de Hollywood.O passo seguinte é o da migração definitiva da televisão para os media digitais.Para mais, os jovens estão a moldar tendências e modas com real influência nasdecisões de escolha e de compra dos adultos. Muitas estratégias de marketing jápassam pelas crianças com vista a atingir os pais. Eles já não tomam decisõesapenas sobre as compras de computadores, jogos e produtos de alta tecnologia. Coma sua habilidade de uso da Net influenciam áreas impensáveis como a alimentação,vestuário, automóveis, electrodomésticos e produtos financeiros. Os estudos dizemque influenciam cerca de 20 cêntimos por cada dólar gasto em produtos de consumopelas suas famílias.O que podem fazer perante este cenário os homens do marketing? Eis algumasdicas. Os jovens e crianças da geração Net gostam de publicidade rica eminformação. Ou seja, que tenha conteúdo e permita a experimentação ou

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entretenimento. As empresas devem criar sites mais atractivos se não quiseremperder o mercado do comércio electrónico. As mensagens devem ser personalizadase o marketing terá de ser feito à medida do indivíduo (marketing um-para-um). Apublicidade deverá estar mais interligada com as transacções, algo que não é feitocom a mesma eficácia nos media físicos. Por último, os miúdos tolerarão publicidadenão agressiva que patrocine os conteúdos. Mas não se pense em vender a terceirosas informações sobre o jovem cliente obtidas na venda ou por outra forma.

O risco do regresso a Maio de 68

No livro A Economia Digital, escrevi sobre o novo fosso entre info-ricos e info-pobres.Se deixada à lógica do mercado puro e simples, a economia digital poderá cavar aindamais uma sociedade a duas velocidades, criando um fosso ainda maior entre os quetêm, ou não, um acesso expedito à informação. A possibilidade de existir umaexclusão social dos info-pobres é cada vez mais uma hipótese real. Se o juntarmos àpolarização crescente da riqueza, teremos no horizonte a consolidação de umaclasse de pessoas no limiar da pobreza. Isto pode significar, inclusive, que muitosmiúdos da geração Net serão uma não-geração, totalmente desinformada comomuitos adultos o são hoje. Isto chama-se brincar com o fogo. Todos os cidadãos têma obrigação de combater este quadro negro. Mas mais grave ainda é a hipotética colisão entre as duas gerações: a dos anos 60 eda Net. Há vários cenários para o futuro : coexistência pacífica, guerra fria ou colisão.Este último é o mais provável. Assim, iremos assistir, de novo, com outros contornos,a uma explosão similar à de Maio de 68? Para mais, dado o saber e o acesso aferramentas de comunicação imediata, a sua revolta poderá transformar os protestosde 68 em brincadeiras de garotos. Qual será a fagulha que incendeia o conflito? Isso édifícil, se não mesmo impossível, de prever.

As 10 mudanças que se adivinham na educação

1. Do ensino linear à aprendizagem hipermedia, interactiva e não sequêncial.

2. Do ensino guiado pela pedagogia do professor para a aprendizagem experimentale o espírito de descoberta.

3. Do ensino cinzento à aprendizagem e entretenimento apelativos e criativos.

4. De uma geração que absorvia e analisava para uma jovem geração que navega esintetiza.

5. Do ensino como um período exclusivo da vida jovem para a aprendizagem toda avida.

6. Do ensino massificado para a aprendizagem personalizada.

7. Do saber transmitido à aprendizagem pela prática.

8. Do ensino nas instituições escolares para o ensino como indústria e integrado navida empresarial.

Um projecto de investigação sobre a era digital

A génese deste livro do canadiano Don Tapscott foi muito especial e revela um novotendência na investigação e narrativa: foi escrito com base na comunicação via Internet.Uma equipa liderada por Kate Baggot, uma jovem de apenas 24 anos, que foi aassistente de Tapscott para o projecto, interagiu com crianças e adultos localizados emseis continentes através da Net. A investigação envolveu 300 crianças e jovens entreos 4 e os 20 anos durante um ano. Paralelamente, e com o apoio de Ron Owston daUniversidade York (Toronto), desenrolou-se um fórum de discussão durante váriassemanas, que teve a participação de estudantes e professores, e no qual se destacou a

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FreeZone, a casa on-line de 30 mil crianças.O livro tem uma extensão ao vivo na Web (veja páginas de abertura do site em cima àdireita). Além de excertos da obra, contém fóruns permanentes para crianças e adultossobre as suas temáticas centrais. O site foi criado em colaboração com um grupo dejovens denominado Kidsnrg (Kids’Energy). Envolveu dois artistas gráficos (TsiporaMankovsky e Than Phu), dois escritores (Bojan Pavlovic e Javeed Sukhera) e de doisprogramadores (Michael Furdyk e Brad Mills)— entre os 14 e 19 anos de idade.Tapscott foi co-autor do livro The Paradigm Shift e ganhou projecção mundial comoguru da era digital com o mais recente best-seller The Digital Economy. Dirige, a partirde Toronto, um grupo de empresas, caso da New Paradigm Learning Corporation, e épresidente da Alliance for Converging Technologies, um fórum de peritos financiadopor empresasde todo o mundo.

Ficha técnica

Growing Up Digital — The Rise of the Net GenerationAutor: Don TapscottEditora: McGraw-Hill (1997)Número de páginas: 338Site do Livro:www.growingupdigital.com

Quando a verdade esta nas crianças

Eis algumas frases que Don Tapsott e a sua equipa seleccionaram entre asmuitas que foram escutadas no âmbito do trabalho de investigação para o livroGrowing Up Digital. São um retrato fiel dos valores e da cultura de uma novageração.

“Penso que a tecnologia mudou a forma dos adultos nos encaram. Agora tomam asminhas opiniões em linha de conta, porque percebem que eu posso saber algo que elesnão sabem.” Kim Devereau, 16 anos

“A tecnologia é uma coisa absolutamente natural para mim. O que me leva um minutopode levar uma hora aos meus pais!”WWIII (masculino), 14 anos

“Eu gosto da Internet porque é, sobretudo, uma forma de comunicação, de socializaçãoe de fazer amigos por todo o mundo. E também uma maneira de me educar sobre coisasque me interessam.”Darla Crewe, 16 anos

“Eu mudo a minha personalidade sempre que estou a cavaquear na Net. Isso é algoque não posso fazer, obviamente com os meus amigos no mundo real.”SPICEGIRLS (feminino), 11 anos, israelita

“As pessoas na Net julgam-nos pelo que pensamos e pelas opiniões que damos. Otratamento na Net não é baseado na minha aparência, na forma como actuo, na formacomo me visto, ou que cor tenho. Certamente que nem toda a gente gostaria de serigual a mim, mas, pelo menos, na Internet, tenho a possibilidade de me afirmar comosou”.Neasa Coll, 14 anos

“Não concordo de modo nenhum com os adultos quando lamentam que a tecnologia énociva para nós e que está a ser introduzida demasiado cedo junto das crianças. Pensoque nunca é cedo de mais para se entrada no mundo da tecnologia."Melissa Edwards, 15 anos

“Cresci a jogar jogos que muita gente pensa que são violentos, e sinceramente não meafectaram em nada. Na verdade, eu penso até que estes jogos são uma escape para

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aliviar as frustrações, evitando explodir violentamente no mundo real.”Dan Atkins, 17 anos

“A Net transformou-me numa pessoa efectivamente mais influenciável pela publicidadeainda que muito mais exigente e menos conformista em relação ao que me queremvender.”Daniel Castillo, 14 anos

“O que eles (os censores) não vêem é que o que é mau é uma milésima do que é bom naNet.”Austin Locke, 15 anos

“Os que vão liderar uma revolução dos miúdos são todos aqueles que ganharamexperiência (das novas tecnologias) entre os 5 e os 10 anos. São eles que amanhãtirarão o maior proveito deste boom da Net.”Jason Motylinski, 18 anos

“A Net está provavelmente a mudar a natureza da nossa vida de crianças, porque nosabre claramente as portas do mundo."Lauren Verity, 16 anos

Leis da publicidade dirigida à nova Geração

Eis algumas característica do perfil de consumo da geração Net que deverá ser tomadaem linha de conta pelo marketing:Procuram ter o maior número de opções de compra. Odeiam ser forçados a limitaçõesde escolha;Querem coisas mais personalizadas, ou seja, feitas à medida das suas preferências;Premeiam a capacidade das empresas corrigirem os seus erros de uma forma imediata eresponsável;Desejam experimentar muitas vezes os produtos e serviços antes de os comprar ou dese fidelizar às marcas;Querem saber o que a tecnologia faz e não o que ela é. Preferem o conteúdo à forma;Exigem ser tratados como pessoas, não como números. São mais sensíveis aomarketing de relacionamento;Abominam os esforços de publicidade indesejados, ou seja, os que são inseridos nosconteúdos sem autorização do cliente.

Condensado de Growing Up Digital — The Rise of the Net Generation, de Don Tapscott © 1997 McGraw-Hill. Usadocom permissão de McGraw-Hill (Nova Iorque). Adaptado por Jorge Nascimento Rodrigues.

Don Tapscott é um dos gurus mais famosas da era digital. É canadiano, escreveu vários best-sellers caso de Paradigm Shif edeDigital Economy e dirige um grupo de consultoras a partir de Toronto (Canadá).

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