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i PAULA SALVE PELLEGRINETTI JUNQUEIRA DIFICULDADES ESCOLARES: PERCEPÇÕES DAS FAMÍLIAS E DOS EDUCADORES CAMPINAS 2015

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PAULA SALVE PELLEGRINETTI JUNQUEIRA

DIFICULDADES ESCOLARES: PERCEPÇÕES DAS FAMÍLIAS E DOS

EDUCADORES

CAMPINAS

2015

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iii

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Ciências Médicas

PAULA SALVE PELLEGRINETTI JUNQUEIRA

DIFICULDADES ESCOLARES: PERCEPÇÕES DAS FAMÍLIAS E DOS

EDUCADORES

Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Ciências

Médicas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos

requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Saúde,

Interdisciplinaridade e Reabilitação, área de concentração

Interdisciplinaridade e Reabilitação.

ORIENTADORA: Profª Drª Adriana Lia Friszman De Laplane

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO

FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA

ALUNA PAULA SALVE PELLEGRINETTI JUNQUEIRA,

E ORIENTADO PELA PROFª DRª ADRIANA LIA

FRISZMAN DE LAPLANE.

_____________________

Assinatura da Orientadora

CAMPINAS

2015

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vii

RESUMO

A grande quantidade de alunos que apresenta dificuldades no processo de alfabetização

motivou este estudo, que teve como objetivo geral a identificação e compreensão das

queixas escolares e os fatores associados a elas na escola pública. Por meio de um estudo

qualitativo, buscou-se também identificar e compreender a visão dos docentes e familiares

com relação a estas queixas e alunos para assim desenvolver possíveis intervenções e

orientações dentro deste contexto. Identifica-se a necessidade da compreensão de que o

fracasso escolar, decorrente da dificuldade de aprendizagem, deve ser enxergado em sua

multifatoriedade e principalmente dentro de seu contexto de relações. Os sujeitos desta

pesquisa foram oito docentes das turmas de Ensino Fundamental I de uma instituição de

ensino pertencente à rede pública, 21 alunos por elas selecionados devido à queixa escolar,

de ambos os sexos (15 meninos e seis meninas), na faixa etária de sete a nove anos e 22

responsáveis por esses alunos. Foram realizadas entrevistas com os responsáveis, reuniões

informativas com as professoras e observações no contexto de sala de aula, visando

conhecer as relações professor e aluno, aluno e escola, aluno e família e família e escola,

assim como a identificação dos possíveis fatores associados ao processo de aprendizagem e

suas dificuldades. A contribuição teórica da abordagem Sócio-Histórica foi utilizada como

base para a compreensão desses fatores. Os resultados do estudo sugerem que uma

compreensão multifacetada das dificuldades de aprendizagem, que extrapole os aspectos

técnicos do conhecimento específico e incorpore dados da história, identidade e contexto de

desenvolvimento podem ser úteis para o planejamento de atividades pedagógicas.

Palavras-chave: Aprendizagem; Dificuldade de aprendizagem; Ensino público;

Professores; Família.

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ix

ABSTRACT

The large number of students with difficulties in the literacy process motivated this

study, the general purpose of which was to identify and understand school complaints and

factors associated with them in a public school. Using a qualitative study, the purpose was

also to identify and understand the family's and the teachers’ perceptions of the students

and their school complaints to develop possible interventions and guidelines within this

context. The study identifies the need to understand that academic failure due to learning

difficulties must be seen from a multifactorial perspective and especially in the context of

relationships. The subjects of this study were eight teachers from public Elementary School

classes as well as a group of 21 students (15 boys and six girls aged seven to nine years old)

selected by these teachers based on school complaints. The study also included 22 legal

guardians of these students. Interviews were done with the legal guardians, informational

meetings were held with the teachers, and participant observation was done on the context

of the classroom, in an effort to become familiar with the different relations within this

context (teacher-student, student-school, student-family and family-school) and of

identifying possible factors associated with the students’ learning process and their

difficulties. The theoretical contribution of the Socio-Historical approach was used as the

basis for understanding these factors. The results of the study suggest that it may be useful

to plan educational activities using a multifactorial understanding of learning difficulties,

which extrapolates the technical aspects of specific knowledge and incorporates historical

data, identity and the context of development.

Keywords: Learning; Learning disabilities; Public education; Teachers; Family.

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xi

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ................................................................................................................. xiii

LISTA DE QUADROS ................................................................................................................. xv

LISTA DE TABELAS ................................................................................................................ xvii

LISTA DE GRÁFICOS ................................................................................................................ xix

1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 1

1.1. A DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM E O FRACASSO ESCOLAR ..................... 2

1.2. AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM EM PAUTA: .......................................... 6

1.3. O PROCESSO DE APRENDIZAGEM ......................................................................... 16

1.4. O PROCESSO DE APRENDIZAGEM NO ÂMBITO EDUCACIONAL .................... 20

1.4.1 Aquisição da leitura e escrita

1.4.2. Aspectos cognitivos e emocionais no processo de aprendizagem e papel do

erro neste processo.

2. OBJETIVOS ............................................................................................................................. 35

2.1. Objetivo Geral ................................................................................................................. 35

2.2. Objetivos Específicos ..................................................................................................... 35

3. METODOLOGIA ..................................................................................................................... 37

3.1. Participantes .................................................................................................................... 37

3.2. Procedimentos, Coleta e Análise de Dados .................................................................... 38

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO .............................................................................................. 41

4.1. Caracterização dos alunos ............................................................................................... 42

4.2. Caracterização do contexto familiar ............................................................................... 47

4.3. Caracterização das professoras e suas percepções .......................................................... 68

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xii

4.4. Observações das práticas pedagógicas............................................................................ 71

4.4.1. Relato de experiência - O ano letivo de 2013

4.5. Percepções das famílias sobre as crianças com dificuldades escolares .......................... 84

4.5.1. A queixa escolar

Aspectos comportamentais, afetivos e emocionais das crianças

5. CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 121

6. REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 125

APÊNDICE I ............................................................................................................................. 137

APÊNDICE II .............................................................................................................................. 139

APÊNDICE III ............................................................................................................................ 141

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xiii

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço aos meus pais por todo apoio diário (físico, intelectual e

emocional) e por me proporcionarem todas as condições necessárias para que eu consiga

alcançar meus objetivos. São meus maiores exemplos de amor, carinho e educação, assim

como também de persistência, garra e luta pelos sonhos.

Aos meus familiares e amigos, que a todo o momento me animaram, estimularam e

torceram por mim.

À minha orientadora, professora Adriana Lia Friszman de Laplane pelos

ensinamentos, assim como pela paciência e compreensão das minhas dificuldades durante

todo o processo de aprendizagem, tanto no aprimoramento profissional quanto no mestrado.

Às professoras: Ivani Rodrigues Silva, pelo incentivo, apoio e ensinamentos durante

a minha atuação no Programa de Estágio de Docência; Maria Sílvia Pinto de Moura

Librandi da Rocha e Cecília Guarnieri Batista pelas contribuições, aprendizado e atenção

oferecidos durante o exame de qualificação, assim como também da defesa e conclusão do

mestrado.

À escola que me acolheu como parte de sua equipe durante todo o momento da

pesquisa, assim como os responsáveis e alunos participantes da mesma.

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xv

LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Apresentação dos alunos e responsáveis participantes da pesquisa ............................ 42

Quadro 2. Caracterização das professoras participantes da pesquisa ........................................... 68

Quadro 3. Caracterização comportamental e das dificuldades do aluno descritas pelas

docentes das turmas do 3º ano A e D e 5º ano B ........................................................................... 69

Quadro 4. Caracterização comportamental e das dificuldades dos alunos descrita pelas

docentes das turmas do 1º ano D, 2º ano A, B e C ........................................................................ 70

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Distribuição dos alunos por gênero e idade no período das entrevistas. ...................... 43

Tabela 2. Composição das residências: com quem moram as crianças ........................................ 47

Tabela 3. Composição das residências: com quem moram as crianças ........................................ 49

Tabela 4. Alfabetização autodeclarada dos responsáveis ............................................................. 57

Tabela 5. Ajuda nas tarefas escolares, segundo depoimento dos familiares ................................ 59

Tabela 6. Contato do aluno com a leitura e escrita fora do contexto escolar, segundo o

relato dos responsáveis .................................................................................................................. 63

Tabela 7. Descrição do desenvolvimento inicial dos alunos, segundo o relato dos

responsáveis ................................................................................................................................... 84

Tabela 8. Distribuição dos alunos por gênero e queixa, segundo o relato dos responsáveis ....... 92

Tabela 9. Como a criança enxerga suas dificuldades, segundo o relato dos responsáveis ......... 111

Tabela 10. Postura do aluno perante notas baixas e provas, segundo o relato dos

responsáveis ................................................................................................................................. 113

Tabela 11. “O aluno gosta da escola?” – Segundo o relato dos responsáveis ............................ 118

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xix

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1. Distribuição dos alunos por gênero e idade no período das entrevistas. ..................... 43

Gráfico 2. Acompanhamentos terapêuticos e educacionais fora do contexto escolar .................. 46

Gráfico 3. Composição das residências: com quem moram as crianças ...................................... 48

Gráfico 4. Composição das residencias: com quem moram as crianças ...................................... 50

Gráfico 5. Alfabetização autodeclarada dos responsáveis ............................................................ 58

Gráfico 6. Ajuda nas tarefas escolares, segundo depoimento dos familiares ............................... 59

Gráfico 7. Contato do aluno com a leitura e escrita fora do contexto escolar, segundo

depoimento dos familiares ............................................................................................................. 64

Gráfico 8. Descrição do desenvolvimento inicial dos alunos, segundo depoimento dos

familiares. ...................................................................................................................................... 85

Gráfico 9. Distribuição dos alunos por gênero e queixa ............................................................... 93

Gráfico 10. Como a criança enxerga suas dificuldades ............................................................. 111

Gráfico 11. Postura do aluno perante notas baixas e provas ...................................................... 113

Gráfico 12. O aluno gosta da escola? ......................................................................................... 118

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1. INTRODUÇÃO

Desde os anos de graduação em Psicologia, o interesse nos processos de

aprendizagem e o modo como eles ocorrem nas instituições de ensino têm se tornado meus

objetos de estudo para aprimoramento profissional. Antes de iniciar os estudos de mestrado,

elaborei dois trabalhos que têm relação com o tema: no curso de aprimoramento

profissional em Psicologia do Desenvolvimento minha monografia abordou o tema “queixa

escolar” em um levantamento da distribuição da demanda de pacientes com queixa escolar

atendidos em um serviço de atendimento da rede pública de saúde. Em um segundo

momento da minha formação, na minha especialização profissional em Psicopedagogia, o

meu trabalho de conclusão de curso foi elaborado a respeito de um relato de experiência de

atendimentos psicopedagógicos de quatro alunos com queixa de dificuldade de

aprendizagem, de uma instituição de ensino da rede pública.

A presente pesquisa concretiza, no contato com a realidade educacional no

cotidiano da escola pública a busca de conhecimento motivada pela presença, nesse

ambiente, de alunos com queixas escolares que envolvem a aprendizagem e o

comportamento. Nesse sentido, pretende-se investigar os fatores associados a essas queixas,

assim como também o contexto no qual ocorrem: as formas de funcionamento da escola, a

sua organização, as relações professor e aluno e a visão da família em relação aos alunos e

à escola.

Algumas das perguntas que surgiram neste contato com a realidade da educação

brasileira da rede pública de ensino, dizem respeito ao modo como as dificuldades de

aprendizagem na escola são identificadas e quais são as estratégias que os professores e

gestores utilizam para lidar com elas.

A dificuldade de aprendizagem é um tema estudado já há algumas décadas por

inúmeros autores, que pretendem entendê-lo, explicá-lo e desenvolver soluções para os

problemas nessa área. A compreensão do processo de aprendizagem em si e seus fatores

associados são questões experienciadas e inspiradoras para muitos autores, assim como

para o desenvolvimento desta pesquisa.

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2

1.1. A DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM E O FRACASSO

ESCOLAR

Na busca por uma definição do termo dificuldade de aprendizagem, deparei-me

com muitas teorias, diferentes abordagens e inúmeros estudos. Compreende-se que com o

surgimento de alunos com dificuldades de aprendizagem, do fracasso escolar e das queixas

escolares em geral, foram desenvolvidas diferentes teorias para explicar e interpretar tais

fenômenos.

As primeiras explicações e visões, descritas nos trabalhos de Corrêa1 e Patto

2, são as

provenientes da área médica. Posteriormente, apareceram as visões da psicologia, da

psicanálise e, também, da sociologia.

Nas primeiras explicações produzidas no final do século XVIII e no século XIX,

advindas da visão médica com contribuições da neurologia, neurofisiologia e da

neuropsiquiatria, os alunos eram vistos como doentes e anormais, destacando as causas do

fracasso escolar como derivadas de distúrbios de aprendizagem, atribuídos às anomalias

genéticas e orgânicas1, 2

. Corrêa1 faz uma crítica a esta visão e afirma que ela gerou a

patologização do aprender, propiciando a rotulação dos alunos e a conseqüente

classificação e discriminação segundo uma hipotética capacidade de aprender. A concepção

de aprendizagem inatista As concepções inatistas embasavam essa abordagem, e afirmavam

que o problema ocorria na maturação do sistema nervoso central, justificando o não-

aprender na origem genética, o que contribuiu para a exclusão destes alunos. Apesar disso,

a autora argumenta o fato de que para aprender, o indivíduo precisa ter um organismo bem

estruturado como um todo. Essa questão ainda é bastante discutida em obras atuais,

considerando que a medicalização e patologização do aprender, ainda não foram superadas.

Com grande influência da física, da química e da biologia, tanto no que se refere aos

métodos utilizados como às relações entre os aspectos psicológicos e orgânicos, a

psicologia experimental surgiu no final do século XVIII, na Europa. Essa visão psicológica

teve como objetivo central a compreensão das ligações estruturais nas diferentes funções

cerebrais e também a medição dos eventos psicológicos. No século XIX, tais estudos

possibilitaram a criação dos primeiros laboratórios de psicologia e pesquisas1, 2

.

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3

Neste período, com a psicometria do pedagogo e psicólogo Alfred Binet foram

desenvolvidos testes de inteligência, os quais objetivaram determinar a variação das

faculdades mentais nos indivíduos. A partir de então, estudiosos da psicologia buscaram

compreender as relações entre o desempenho nessas provas, a aprendizagem e suas

dificuldades, juntamente com profissionais das áreas da medicina, sociologia e

antropologia. Autores de estudos da psicologia e da pedagogia passam a se complementar

para interpretar e entender a natureza humana, mas, assim como na visão médica, essas

duas áreas atribuem as razões do fracasso escolar ao aluno que não consegue aprender.

Enquanto a visão médica apresentou como causa principal das dificuldades de

aprendizagem, a disfunção cerebral, autores da psicologia situaram-a na deficiência

cognitiva, denominando-a: déficit intelectual ou inaptidão (p.39) 1

.

Ainda no campo da psicologia, a visão psicanalítica, criada pelo médico e

especialista em neurologia Sigmund Freud revolucionou o pensamento a partir do século

XIX. Segundo Corrêa1 e Patto

2, estudiosos com base nesta teoria, trouxeram uma nova

visão de saúde mental para a compreensão do fracasso escolar. A criança que apresentava

problemas de ajustamento ou aprendizagem, que anteriormente na visão médica era vista

como anormal e doente, passou a ser designada como a criança problema/problemática.

Esta nova visão procurou as causas psíquicas das doenças, voltando-se assim para o

ambiente sócio-familiar em busca das causas dos desajustes infantis. O insucesso escolar

era advindo de causas “físicas até as emocionais e de personalidade, passando pelas

intelectuais” (p.421; p.44

2).

Essa visão acrescentou o ambiente familiar às causas de problemas na infância, mas,

apesar disso, ela também contribuiu para a culpabilização da criança. Essas perspectivas

apontam que o aluno inibe seu processo de aprendizagem em situações de conflito com a

escola e a família. Esse comportamento expressaria a presença de mecanismos de defesa.

Compreende-se assim que o foco é deslocado das funções biológicas e intelectuais, para o

campo afetivo, incluindo os problemas familiares e individuais1, 2

.

Por fim, Corrêa1 e Patto

2 descrevem em seus estudos a visão sociológica. Esta visão,

nas primeiras décadas do século XX, questionou o predomínio de resultados pouco

satisfatórios obtidos por alunos pobres e/ou negros nos testes psicológicos e atribuiu esse

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4

desempenho às desigualdades sociais, às diferenças raciais e à influência da cultura no

processo de aprendizagem, considerando como causa do fracasso escolar, a privação

cultural. Essa visão, criticada por Patto2, expõe que as condições ambientais desfavoráveis

propiciariam uma deficiência no desenvolvimento psicológico do indivíduo. As críticas à

teoria da privação cultural apontam para a desvalorização da cultura da qual o sujeito

provém e, consequentemente, para a desvalorização do próprio sujeito. As propostas dos

críticos envolvem a valorização das culturas minoritárias e não hegemônicas como pontos

de partida válidos para a apropriação do conhecimento escolar.

Outros estudos relacionados à ideia de fracasso escolar incluem as obras das autoras

Collares e Moyses3, 4, 5, 6

, as quais estudam e discutem há, aproximadamente, 30 anos essas

questões. Apesar do tempo transcorrido e dos muitos debates sobre essa visão, várias ideias

das autoras continuam extremamente atuais e pertinentes.

Collares e Moysés abordam e criticam a patologização do aprender, denominando-a

inicialmente “medicalização do fracasso escolar”. Esta visão é descrita pelas autoras como

a

“(...) busca de causas e soluções médicas, a nível organicista e individual,

para problemas de origem eminentemente social. Este processo ocorre na

educação quando, frente às altas taxas de fracasso escolar, tenta-se

localizá-lo na própria criança, explicando-o através de doenças. Isentam-

se, assim, de responsabilidade a instituição escolar e o sistema social. A

medicalização é uma resposta que atende a uma demanda da própria

sociedade e é exatamente por isso e por seu caráter simplificador que se

difunde tão rapidamente.” (Collares e Moysés3, 1985 p.10-11).

Devido à participação crescente no contexto educacional de profissionais como: o

médico, fonoaudiólogo, psicólogo, enfermeiro, psicopedagogo, entre outros, a expressão

utilizada passou a ser: “patologização do processo ensino-aprendizagem”3, 4, 5, 6

.

Nessa perspectiva justifica-se o não aprender das crianças devido a possíveis

doenças físicas e/ou emocionais, que motivam seu encaminhamento para serviços de saúde.

Essa visão atualiza as críticas às perspectivas biologizantes da aprendizagem. Transfere-se

assim, a responsabilidade da educação para fora da escola. Da mesma forma, desloca-se a

responsabilidade da aprendizagem, do âmbito institucional e coletivo para o individual e

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culpabiliza-se a criança e sua família por sua situação de pobreza e dificuldade em aprender

na escola. Esse mecanismo exerce um papel “tranquilizador” para a escola e para o sistema

educacional, enquanto o aluno e sua família passam a ser depositários da situação de

fracasso.

As autoras descrevem:

“A medicalização desloca problemas coletivos para a esfera do individual;

problemas sociais e políticos para o campo médico. E o que significam

esses deslocamentos? A biologização e, consequentemente, a

naturalização desses problemas. Esse paradigma, ainda hegemônico em

todos os campos da ciência, enxerga, cada vez mais, o ser humano quase

como um corpo apenas biológico, determinado por seus genes. A esse

paradigma, contrapõe-se um outro, em que o social é concreto, histórico,

construído pelos homens, portanto mutável; nele, o processo saúde e

doença é apreendido como resultante da inserção social das pessoas, da

qualidade (ou falta de) de suas vidas.” (grifo das autoras, Collares e

Moysés4, 2006, p. 14).

A crítica apresentada diz respeito à necessidade de inverter as formas de se

compreender o fracasso escolar, há tanto tempo estudado, porém ainda presente. Os

denominados “problemas de aprendizagem”, deveriam, dentro desta nova perspectiva, se

configurar também como “problemas de ensinagem” (p.28)5, levando em consideração todo

o processo que ocorre dentro da sala de aula, assumindo o fracasso escolar como um

problema social e politicamente produzido.

É importante entender que essa visão não culpabiliza a escola e os professores, mas

os considera como parte do processo complexo que gera o fracasso. As autoras enfatizam

ainda que é necessário compreender que nesse processo de culpabilização, a criança, sua

família e até mesmo o professor, são vítimas que sofrem diante de um sistema educacional

cristalizado e pouco afeito a mudanças.

“Centrar as causas do fracasso escolar em qualquer segmento que, na

verdade, é vítima, seja a criança, a família, ou o professor, nada constrói,

nada muda. Imobilizante, constitui um empecilho ao avanço das

discussões, da busca de propostas possíveis, imediatas e a longo prazo, de

transformações da instituição escolar e do fazer pedagógico. O que

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6

deveria ser objeto de reflexão e mudança — o processo pedagógico —

fica mascarado, escamoteado, pelo diagnosticar e tratar singularizados.”

(6p.24).

Esta estigmatização de crianças, inicialmente sadias, acaba por fazê-las incorporar

esta “doença”, este “rótulo”, tornando-as “doentes”, comprometendo sua autoestima, seu

autoconceito, trazendo consequências negativas e diminuindo suas chances de aprender.

A partir dessas leituras, compreende-se que o fracasso escolar tem sido atribuído

principalmente à criança, à sua família e à sua posição social. Identifica-se a necessidade de

uma compreensão baseada na concepção de que o fracasso escolar é produto da

multifatoriedade e multicausalidade, visto que sua causa está associada a fatores de diversas

ordens que excedem a responsabilidade do aluno que não consegue aprender.

1.2. AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM EM PAUTA:

O ponto de partida do presente estudo foi a realização de um levantamento de

pesquisas publicadas na biblioteca eletrônica SciELO - Scientific Electronic Library

Online, a qual abrange uma coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros. Para a

seleção das publicações, foram utilizados os descritores “Dificuldade(s) de aprendizagem”

e “Problema(s) de Aprendizagem”. Foram analisadas as pesquisas publicadas no período de

Janeiro de 2003 até Julho de 2013, dentre todas as revistas disponíveis no idioma

Português, nas áreas temáticas da Educação e pesquisa Educacional, Psicologia

Multidisciplinar e Psicologia Educacional. Foram excluídas pesquisas com base na

Educação Especial, Educação Superior, outras áreas além da Psicologia e Educação,

pesquisas não realizadas com seres humanos e, por fim, pesquisas com diagnósticos

fechados como síndromes, AIDS, TDAH, Autismo, deficiências, entre outros. A partir

desse levantamento inicial foram selecionados 24 trabalhos, que abordam o tema e

preenchem os critérios antes expostos.

Este levantamento possibilitou a ampliação dos conhecimentos, identificação e

reconhecimento dos aspectos abordados nos estudos da última década em torno dos temas

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de Fracasso e Sucesso Escolar, Processo de Aprendizagem e Desenvolvimento, assim como

também possibilitou a identificação e compreensão do que se tem dito sobre tais questões

na atualidade.

A partir da leitura e análise desses estudos publicados, identificou-se a

multifatoriedade e multicausalidade do fenômeno aqui destacado, a dificuldade de

aprendizagem. Esses estudos procuram conhecer e caracterizar as dificuldades e os sujeitos;

identificar os fatores que influenciam o aparecimento de dificuldades de aprendizagem e

estratégias de intervenções para ajudar a superá-las.

Entre os primeiros, destacam-se estudos que caracterizam os indivíduos. Essas

pesquisas enfocam a influência da família e das escolas, destacando os aspectos culturais e

sociais, além de aspectos próprios dos alunos, como os fatores cognitivos, as questões

afetivo-emocionais e psicossociais.

Com relação às variáveis psicossociais familiares e relações com a escola destaca-se

a pesquisa de Andrada7, a qual estudou a influência destas variáveis no processo de

desenvolvimento e aprendizagem. Ribeiro, Ferrão e Enumo8 também estudaram os aspectos

psicossociais ao relacionarem emoções e saúde, incluindo em sua pesquisa os indicadores

de ansiedade, depressão, estresse, doenças físicas, queixas somáticas, faltas escolares, peso

e altura, concluindo principalmente que os eventos do contexto escolar e familiar

influenciam de forma significativa nos indicadores estudados, o que dificulta o desempenho

acadêmico dos alunos.

Entre outros estudos na perspectiva que aborda a família, destaca-se o estudo de De

Pauli e Rossetti-Ferreira9, que investigaram o processo de construção de dificuldades de

aprendizagem em crianças adotivas, por meio de um levantamento bibliográfico das

produções brasileiras e internacionais. As autoras criticam a visão dos estudos em torno do

tema que indica ser alta a incidência de patologias que indivíduos adotados desenvolvem ao

longo de seu ciclo vital, considerando que a temática não é de fato descrita em quantidade

e/ou profundidade. As autoras concluem ainda que as investigações sobre o processo de

construção de dificuldades de aprendizagem em crianças adotivas são praticamente

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inexistentes, o que indica a necessidade de desenvolvimento de estudos voltados para esse

campo de pesquisa.

Os aspectos afetivo-emocionais também estiveram presentes nas pesquisas

selecionadas. Os trabalhos de Sisto, et al.10

e Marturano, et al. 11

, relacionam as dificuldades

de aprendizagem e os aspectos afetivo-emocionais, incluindo os níveis de dificuldade e o

autoconceito geral, escolar, social, familiar e pessoal das crianças com dificuldade de

aprendizagem. Os autores, apesar de pertencerem a grupos de estudos distintos e de formas

de trabalho não equivalentes, concluíram que o autoconceito, nos escores global e

específico, de crianças com dificuldade de aprendizagem é mais negativo quando

comparado ao de crianças sem queixa de dificuldade de aprendizagem. Além disso, em

outra pesquisa, Sisto et al.12

destacam ainda o aumento da ansiedade, a presença do

autoconceito negativo, sentimentos de inadequação, agressividade, timidez e dificuldades

de comunicação em crianças com esta queixa.

Ainda na discussão dos aspectos afetivo-emocionais inclui-se uma pesquisa que

engloba a percepção do senso de autoeficácia de alunos com dificuldades de

aprendizagem13

. Medeiros, Loureiro, Linhares e Marturano13

concluíram que o baixo

desempenho e o mau comportamento de crianças com dificuldade de aprendizagem, são

indicadores de uma percepção negativa do senso de auto-eficácia.

Santos e Graminha14

também trouxeram em sua pesquisa os fatores emocionais e

comportamentais. Esse estudo abordou, através da comparação entre dois grupos de

escolares, a incidência de problemas emocionais e comportamentais, assim como os tipos

de problemas de comportamento, que aparecem associados ao desempenho escolar. As

autoras aplicaram duas escalas (a Escala Comportamental Infantil e a Escala de Rutter) e o

resultado apontou que a maioria das crianças no grupo de crianças com baixo rendimento

acadêmico, obteve escores indicativos da presença de problemas

emocionais/comportamentais, diferente do grupo classificado com alto rendimento

acadêmico. Segundo as autoras, a incidência da maioria dos problemas específicos de

comportamento foi maior no grupo de baixo rendimento acadêmico. A partir disso, as

autoras concluíram que problemas de comportamento representam uma forte condição de

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risco para dificuldades de aprendizagem, sendo necessário assim que o trabalho com esses

alunos englobe também os aspectos comportamentais.

Dentro deste quadro das caracterizações, outro aspecto que surgiu nesse recorte foi

a respeito das habilidades sociais de alunos com dificuldades escolares. Em sua pesquisa,

Del Prette e Molina15

avaliaram o efeito de atividades visando a promoção de habilidades

sociais sobre o status sociométrico de estudantes com dificuldades de aprendizagem, a

partir do fato de que outros estudos que investigaram a aceitação de alunos com

dificuldades de aprendizagem, concluíram que estes alunos tendem a

apresentar status sociométrico negativo.

Esta pesquisa foi realizada com três grupos de estudantes: um grupo que participou

da intervenção com o Treinamento em Habilidades Sociais (seis alunos com dificuldade de

aprendizagem) e outros dois sem intervenção (seis alunos com dificuldades e 12 alunos

sem). Foram realizadas avaliações com o Protocolo de Indicação Sociométrica antes e

depois da intervenção. Este estudo concluiu que houve mudanças depois da intervenção e

ressaltou a importância das habilidades sociais na produção de um status sociométrico

positivo.

Ainda dentro do tema das habilidades sociais, Bandeira, Rocha, Souza, Del Prette e

Del Prette16

, investigaram em seu estudo as características sócio-demográficas do contexto

em que ocorrem comportamentos problemáticos (como agressividade física e/ou verbal,

isolamento e fobia social, entre outros) e suas relações com as habilidades sociais e

dificuldades escolares. Participaram desta pesquisa 257 crianças, matriculadas em duas

escolas públicas e em uma escola particular do ensino fundamental, 185 responsáveis por

essas crianças e 12 professoras. A partir desse estudo, os autores concluíram que a

ocorrência de comportamentos problemáticos foi mais elevada em meninos, de nível

socioeconômico mais baixo e com desempenho acadêmico mais deficitário. Com relação

aos alunos que apresentaram menor frequência de comportamentos problemáticos,

destacaram-se as crianças que apresentaram um nível mais adequado e elaborado de

habilidades sociais. Os autores concluíram, a partir desses resultados, a necessidade de se

desenvolver intervenções junto à população de nível socioeconômico mais baixo.

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10

Em seguida, destacam-se pesquisas que investigaram as habilidades cognitivas. Mól

e Wechsler17

pesquisaram as habilidades cognitivas de crianças com indicação de

dificuldades de aprendizagem, segundo a visão de professores, através da aplicação da

bateria Woodcock-Johnson III. Esse estudo foi desenvolvido através da análise dos

resultados do teste e comparação de grupos de escolares. Os resultados mostraram que

houve diferença entre as habilidades cognitivas do grupo com dificuldade de aprendizagem

e o grupo de crianças sem dificuldades, segundo a bateria WJ III. As autoras chegaram a

essa conclusão, pois todos os resultados do grupo com dificuldades de aprendizagem foram

claramente inferiores ao outro grupo.

Destaca-se a seguir, mais uma pesquisa que investigou as habilidades cognitivas de

crianças e adolescentes com distúrbio de aprendizagem. Figueiredo, Quevedo, Gomes e

Pappen18

avaliaram 263 crianças com dificuldades de aprendizagem de escolas públicas

através do uso do teste de inteligência WISC-III. As autoras identificaram problemas na

leitura e déficit de atenção como os mais comuns no grupo estudado. Além disso, as

defasagens observadas nos subtestes do grupo de escolares participantes da pesquisa

mostraram fraquezas em diversas habilidades cognitivas, o que indicou um perfil cognitivo

diferente do grupo de padronização do teste, que apresentou escores dentro da média.

Segundo as autoras, a avaliação intelectual permite ao educador obter uma compreensão

mais completa do aluno, identificando suas forças e fraquezas no que se refere à capacidade

intelectual.

Essa afirmação, entretanto, pode ser questionada: o uso de testes de avaliação

intelectual pode contribuir para estigmatizar as crianças e, por serem padronizados, não

consideram a dinâmica da aprendizagem em curso, o que os torna ferramentas parciais, que

ao invés de conduzir e guiar o trabalho pedagógico, apenas classifica e rotula os alunos.

Dois outros estudos foram destacados nesse levantamento, o de Cunha19

e de

Cunha, Brito e Silva20

. As autoras estudaram as possíveis relações entre as dificuldades de

aprendizagem na escrita, o nível intelectual e maturacional de crianças da segunda série do

ensino fundamental. Nesses estudos elas buscaram estabelecer relações entre a tríade

alfabetização-operatoriedade-maturidade dentro do contexto escolar. A pesquisa mostrou

que as relações entre a tríade não são necessárias. Sendo assim, uma criança que apresenta

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dificuldade de aprendizagem na escrita, não necessariamente apresentará problemas

operatórios, ou um nível de maturidade diferente do esperado para a sua faixa etária. A

impossibilidade de se estabelecer relações fortes entre a alfabetização e os fatores

maturacionais e mesmo nas condições operatórias nos leva a pensar na importância do

ambiente social, da cultura e do ensino nesse processo.

Outras pesquisas procuraram compreender as capacidades e conhecimentos para a

aprendizagem da matemática. O estudo de Ribeiro, Assis e Enumo21

examinou as relações

ordinais em 14 pré-escolares com baixo rendimento escolar em uma escola municipal.

Assumindo a perspectiva da análise do comportamento matemático, as autoras concluíram

que as habilidades básicas para o aprendizado da matemática podem ser diretamente

ensinadas, mesmo quando há falhas no repertório inicial da criança. Outro aspecto

destacado pelas autoras foi a importância na identificação precoce das dificuldades,

considerando que com o ensino e suporte, elas podem ser superadas.

O estudo de Corso e Dorneles22

objetivou entender se as dificuldades na matemática

estão associadas a defasagens em componentes específicos da memória de trabalho, ou se

estão relacionadas a um déficit geral desse sistema. As autoras seguiram o modelo de

Baddeley e Hicht para analisar o papel da memória de trabalho nas tarefas de matemática.

As autoras fizeram um levantamento bibliográfico de pesquisas que relacionam memória de

trabalho a dificuldades na matemática. A conclusão deste estudo foi que as pesquisas nesta

área ainda são recentes e apresentam resultados controversos. Apesar disso, elas

identificaram um único aspecto em comum nestes estudos como sendo o fato da memória

de trabalho ser vista como uma habilidade cognitiva fundamental, que apoia o

desenvolvimento das competências em matemática. Por fim, as autoras destacam a

necessidade de uma continuação das investigações, para assim possibilitar progressos nos

processos de prevenção e intervenção nas dificuldades na matemática.

Com relação à caracterização dos indivíduos com dificuldades acadêmicas, em

termos sociais e culturais, as pesquisas estudadas trouxeram que eventos do contexto

escolar e familiar influenciam de forma significativa os indicadores de emoções, saúde e

rendimento acadêmico. Sendo assim, crianças/adolescentes que vivem em situações de

risco estão também sujeitas a apresentar dificuldades de aprendizagem 7, 8

.

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A respeito dos fatores emocionais e comportamentais, estes estudos associam as

dificuldades de aprendizagem com baixo autoconceito, quando comparado ao de crianças

sem queixa de dificuldade de aprendizagem10, 11

e a uma percepção negativa do senso de

autoeficácia13

. Além disso, destacam ainda fatores como: aumento da ansiedade, timidez,

dificuldades de comunicação e mau comportamento12, 14

.

As habilidades sociais também foram consideradas como parte importante das

dificuldades de aprendizagem. Estes estudos apontaram que o nível de aceitação desses

alunos é um fator presente e influente tanto no contexto social, como também no

acadêmico15, 16, 25

.

Por fim, em termos cognitivos, estudos voltados para esse tema, selecionados nesse

levantamento, discutem sobre dificuldades voltadas à leitura e escrita18, 19, 20

, à

aprendizagem da matemática21, 22

, assim como dificuldades de atenção18

. Segundo esses

estudos, a dificuldade de aprendizagem não está necessariamente relacionada ao nível

maturacional da criança/adolescente, mesmo quando há falhas em seu repertório inicial, a

aprendizagem ainda é possível. Os estudos resenhados revelam que o foco das pesquisas

sobre aprendizagem ainda recai sobre o indivíduo e pouca ênfase é colocada no

enfrentamento das condições de vida, desenvolvimento e participação social. Mesmo

quando os estudos consideram fatores extra-individuais (como a família ou a situação

socioeconômica), esses fatores são vistos como explicativos das dificuldades, sem ampliar

as possibilidades de análise que incorpore o papel das instituições no processo de

desenvolvimento individual.

Seguindo este levantamento bibliográfico, destacam-se a seguir os aspectos

envolvidos na superação das dificuldades. Estes estudos apontaram modelos de intervenção

direta com os alunos, apoio escolar e/ou terapêutico e intervenção junto ao docente.

Dentro dessa proposta, encontramos duas pesquisas que abordaram as intervenções

pedagógicas. Por meio de um estudo de caso, Silva e Nista-Piccolo23

investigaram, a partir

da perspectiva das inteligências múltiplas, a possibilidade de ampliar a aquisição, a

manifestação e também a expressão do conhecimento em crianças com dificuldades de

aprendizagem. Após estudos e avaliações dos casos, foram realizadas intervenções

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pedagógicas específicas, obtendo como resultado uma maior motivação, melhor disciplina e

interação, maior autoestima e também melhor expressividade por parte dos alunos

estudados.

Davis e Miranda24

desenvolveram em sua pesquisa-ação um estudo voltado a

propostas pedagógicas diversificadas a partir de diagnósticos psicopedagógicos

previamente realizados. Este trabalho concluiu que um projeto de intervenção na escola

pode contribuir de forma significativa com o desempenho acadêmico de alunos com

dificuldades de aprendizagem, amenizando a evasão e a repetência.

Molina e Del Prette25

examinaram a relação empírica entre desempenho interpessoal

e acadêmico por meio de promoção das habilidades sociais. Este estudo foi realizado por

meio da avaliação dos efeitos do treinamento de habilidades sociais sobre o repertório

acadêmico. Neste estudo, as autoras avaliaram o repertório acadêmico e social de

estudantes com dificuldades na aprendizagem de leitura e escrita antes e depois da

intervenção com o Treinamento em Habilidades Sociais, estes foram distribuídos em três

grupos (um grupo controle e dois experimentais – um em intervenção acadêmica e outro

intervenção em habilidades sociais). O resultado obtido no estudo foi que o grupo que

passou pela intervenção acadêmica melhorou em leitura e escrita, já o grupo que participou

da intervenção em habilidades sociais apresentou ganhos tanto no repertório social como

também no acadêmico. A partir disso, as autoras concluíram que há uma relação funcional

entre habilidades sociais e acadêmicas.

Porcacchia e Barone26

estudaram os efeitos da oficina de leitura sobre o “sujeito

leitor” em crianças com dificuldades de aprendizagem de leitura e escrita. Seguindo a

perspectiva da teoria de Winnicott, as autoras elaboraram um estudo de caso com o método

clínico-qualitativo. A oficina de leitura estudada por elas tem como instrumento principal a

leitura de história de literatura infantil, a qual abre espaços para a participação da criança.

Os resultados deste estudo mostraram que a oficina de leitura criou situações humanas que

possibilitaram a reflexão sobre as próprias condições de vida das crianças participantes.

Segundo as autoras, as oficinas propiciaram a construção de conhecimentos cognitivos e

interesse pelo significado das palavras e a partir disso, houve uma ressignificação do valor

da leitura e escrita e assim um novo desejo para aprender a ler e escrever.

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Seguindo o tema de intervenções, a pesquisa de Nepomuceno e Castro25

que,

através de entrevistas, objetivaram identificar as expectativas que os professores depositam

no uso de computadores para a superação de problemas de aprendizagem escolar. Este

estudo analisou as concepções dos entrevistados (professores, instrutores e coordenadores

de duas escolas públicas e uma particular do estado do Rio de Janeiro) e concluiu que o

recurso tecnológico surge como um mediador, em momentos como uma forma de

disciplinar o aluno, em outros como um meio de expressão, assim como também parte do

processo de ensino-aprendizagem. As autoras observaram o predomínio de diferentes

concepções em relação ao tema dificuldades de aprendizagem e em relação ao uso do

computador, como uma forma de intervenção, para superá-las.

A criatividade também surgiu como tema central em duas pesquisas publicadas no

período selecionado. Dois trabalhos, o de Dias e Enumo28

e o de Dias, Enumo e Junior29

investigaram os efeitos de um Programa de Criatividade sobre o desempenho acadêmico e

cognitivo em alunos da rede pública de ensino. Por meio de uma abordagem Cognitiva, os

autores compararam os resultados entre dois grupos de estudantes (sendo um deles o grupo

controle). A partir de testes como o Teste de Desempenho Escolar (TDE), WISC e Matrizes

Progressivas Coloridas de Raven – Escala Especial (MPC), junto à Prova Assistida (com o

Jogo de Perguntas de Busca com Figuras Diversas), os resultados encontrados revelaram

que os alunos participantes do estudo obtiveram melhoras importantes no desempenho das

habilidades acadêmicas ao longo do ano letivo.

Finalmente, destacam-se intervenções dentro da perspectiva da Psicopedagogia. A

pesquisa de Loureiro e Okano30

identificou o valor de um programa de suporte

psicopedagógico oferecido para crianças com dificuldades escolares no início da

escolarização fundamental. Estes programas psicopedagógicos tiveram como finalidade

tentar ajudar as crianças a superarem suas dificuldades de aprendizagem. Este estudo foi

desenvolvido através de comparações das avaliações antes e depois de três grupos de

escolares (crianças com dificuldades que participaram das intervenções, crianças com

dificuldades que não participaram e crianças sem dificuldades escolares). Nessa pesquisa as

dimensões do autoconceito, desempenho acadêmico e comportamento dos alunos também

foram destacados. Essas dimensões foram avaliadas e discutidas antes e depois das

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intervenções. As autoras concluíram que as crianças com dificuldades que participaram dos

programas psicopedagógicos, em comparação às crianças que não participaram,

apresentaram melhoras tanto no comportamento, no desempenho acadêmico, assim como

também no autoconceito, demonstrando uma efetividade nas intervenções oferecidas na

escola.

A partir deste mapeamento, compreende-se que o tema de dificuldade de

aprendizagem é bastante abordado em diversas áreas do conhecimento, estudado associado

a múltiplos fatores e múltiplas causas em busca de entendimento e de soluções. Pontuamos

que a presente pesquisa bibliográfica restringiu-se aos estudos da área de Educação e

Psicologia. O levantamento bibliográfico permitiu identificar, além dessas, diferentes

perspectivas, em áreas como: Medicina, Enfermagem, Odontologia e Fonoaudiologia, que

também abordam as dificuldades de aprendizagem e as vinculam a diversos problemas de

saúde. Não foi possível incluir esses estudos devido a sua extensão.

As pesquisas identificadas dentro do enfoque da Psicologia pertencem a diferentes

correntes teóricas, conforme apresentadas nos estudos e no campo de pesquisa dos autores:

Sócio-Histórica7, Construtivista

10,

12, 24, 19, 20, 24, Winnicottiana

26, Psicopatologia do

Desenvolvimento13

, Inteligências Múltiplas23

, Cognitivista-Comportamental8, 11, 14, 17, 18, 28,

29 e Análise do Comportamento

15, 16, 21, 25. Dois estudos com enfoque na Psicopedagogia

9, 30

também foram selecionados.

Nas pesquisas estudadas as temáticas presentes foram a verificação das dificuldades

escolares em leitura e escrita19, 20, 26

e na matemática21, 22

e a atribuição de relações das

mesmas a diferentes variáveis, como: fatores psicossociais familiares e o desempenho

escolar7, 8, 9

, aspectos afetivos e emocionais, a saúde e a dificuldade de aprendizagem8, 9, 12,

14, a sua relação com o autoconceito

10, 11, a autoeficácia e as autopercepções de escolares

13,

as habilidades sociais e as dificuldades escolares15, 16, 25

, as habilidades cognitivas17, 18, 19, 20

.

Além dessas, outras questões que surgiram foram relacionadas à eficácia de

intervenções, como as pedagógicas23, 24

, intervenções com recursos tecnológicos25

, com um

programa de Criatividade28, 29

e suporte psicopedagógico30

, sendo possível observar o

predomínio de pesquisas com um recorte centrado no indivíduo com a dificuldade.

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Outro aspecto importante a ser assinalado é a visão de 11 pesquisas que

compreendem a importância em considerar a multifatoriedade associada ao desempenho

acadêmico dos alunos, assim como o presente estudo7, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 17, 18, 19, 20

.

Por fim, vale destacar que as pesquisas estudadas ampliam o conhecimento sobre o

tema proposto e possuem implicações para as práticas educativas. Elas contribuem para dar

visibilidade à multifatoriedade das dificuldades de aprendizagem e chamam a atenção para

a diversidade de abordagens que, seja do ponto de vista da psicologia do desenvolvimento,

da educação ou de outras áreas da saúde, tentam avançar na compreensão dos fenômenos

que nos ocupam e oferecem ferramentas de avaliação, diagnóstico e intervenção. Ainda,

algumas dessas pesquisas destacam as possibilidades de trabalho do psicólogo e de outros

profissionais da saúde na escola.

Observamos que as intervenções propostas decorrem de visões e concepções de

desenvolvimento e aprendizagem presentes nas diferentes teorias que embasam as práticas

escolares. Para discutir e entender estes processos, abordamos a seguir a perspectiva sócio-

histórica, abordagem que inspira, hoje, muitas práticas educacionais.

1.3. O PROCESSO DE APRENDIZAGEM

Entre os autores que enfocam os processos de aprendizagem, Lev Vygotsky e a

teoria da abordagem Sócio-Histórica, apresentam uma visão historicizadora e cultural, na

qual a constituição do ser humano é resultante de suas condições de interação com o meio

social e com a cultura da época em que ele se desenvolve. A relação com o ambiente em

que vive é uma relação dialética, caracterizada pela constante transformação e movimento

que envolve as trocas com o ambiente social, neste sentido, há a integração dos aspectos

biológicos e sociais do indivíduo31

.

Do ponto de vista da dialética marxista, assumida por Vygotsky, na formação do

psiquismo humano, os componentes biológico e social atuam inseparavelmente e em

constante interação. Nesta teoria, no processo de constituição humana identificam-se:

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“duas linhas qualitativamente diferentes de desenvolvimento, diferindo

quanto à sua origem: de um lado, os processos elementares, que são de

origem biológica; de outro, as funções psicológicas superiores, de origem

sociocultural. A história do comportamento da criança nasce do

entrelaçamento dessas duas linhas” (p.42)32.

Vygotsky35

, quando se refere à relação entre a criança e seu meio, utiliza-se do

conceito de “situação social de desenvolvimento”, apontando que esta ocorre de forma

única, particular e irrepetível em seu processo de desenvolvimento. O autor descreve: “La

situación social del desarrollo es el punto de partida para todos los cambios dinámicos que

se producen en el desarrollo durante el período de cada edad (...) ya que la realidad social es

la verdadera fuente del desarrollo, la posibilidad de que lo social se transforme en

individual” (p.264).

Segundo esta perspectiva teórica, é a partir das condições vivenciadas no contexto

Sócio-Histórica, que a criança estabelece suas funções intelectivas. Esta situação é o ponto

de partida para todas as mudanças dinâmicas que ocorrem no desenvolvimento da criança e

determina plenamente as formas e a trajetória que permitirá à criança adquirir novas

propriedades de sua personalidade, na medida em que o social se transforma em individual.

Nas palavras do autor32

“todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas

vezes: primeiro, no nível social, e, depois no nível individual; primeiro entre pessoas

(interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica)” (grifos do autor,

p.57 e p.58).

A respeito da articulação entre os processos de desenvolvimento e aprendizagem,

Vygotsky aponta que o aprendizado deve ser combinado de alguma maneira com o nível de

desenvolvimento da criança.

Oliveira36

, em seu estudo aprofundado da teoria escrita por Vygotsky, descreve o

desenvolvimento do ser humano como um processo marcado pela sua inserção em um

determinado grupo cultural. Segundo esta abordagem, o desenvolvimento ocorre de “fora

para dentro”, ou seja, através das relações sociais, primeiramente o indivíduo realiza ações

externas, para posteriormente essa ação ser interpretada pelas outras pessoas ao seu redor,

seguindo os significados culturalmente estabelecidos. A partir disso, ao longo de várias

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18

experiências semelhantes, o indivíduo incorpora o significado atribuído pelo outro e por seu

grupo cultural e atribui significados às suas próprias ações.

Ao escrever a respeito disso, Vygotsky32, 36

cita o interesse em descobrir as relações

reais entre o processo de desenvolvimento e a capacidade de aprendizado, com isso

apresenta dois níveis de desenvolvimento, descritos a seguir.

Primeiramente o autor apresenta o conceito denominado “desenvolvimento real”,

“efetivo” ou “atual”, este é o nível de desenvolvimento das funções psicointelectuais que a

criança alcançou através de ciclos de desenvolvimento já completados anteriormente e, que

a partir disso, dispensa a ajuda/mediação de outros. Compreende-se que este é o nível de

desenvolvimento que define funções que já amadureceram, e nas palavras do autor são “os

produtos finais do desenvolvimento” (p.97) 32

.

O segundo conceito é denominado: “zona de desenvolvimento próximo” ou

“próximal”, este define as funções que ainda não amadureceram, mas que estão em

processo. O autor32

descreve:

“(é) a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma

determinar através da solução independente de problemas, e o nível de

desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas

sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais

capazes.” (p. 97).

Com relação a isto, Vygotsky também cita que “o aprendizado humano pressupõe

uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida

daqueles que as cercam” (p. 100) 32

. E apresenta ainda que

“a aprendizagem é que engendra a área de desenvolvimento potencial, ou

seja, que faz nascer, estimula e ativa na criança um grupo de processos

internos de desenvolvimento dentro do âmbito das inter-relações com

outros, que na continuação são absorvidos pelo curso interior de

desenvolvimento e se convertem em aquisições internas da criança” (p.15)

37

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Compreende-se assim que os processos de aprendizado movimentam os processos

de desenvolvimento que, segundo esta abordagem, sem o contato do indivíduo com o grupo

cultural em que está inserido, não ocorreriam.

Destacam-se estes conceitos, pois servem como indicadores das capacidades de

aprendizagem acerca de ensinamentos futuros, e possibilitam que o ensino considere o que

a criança já sabe e o que ela necessita para enriquecer e ampliar seu conhecimento. Sendo

as ações educativas nas instituições (tanto no Ensino Infantil, Ensino Fundamental, quanto

em serviços de atendimento a crianças e adolescentes com queixa escolar) algo planejado,

vê-se a necessidade de considerar a particularidade do desenvolvimento na infância neste

planejamento.

Esta relação entre a aprendizagem e o desenvolvimento da criança também aparece

quando Vygotsky apresenta a descoberta da função simbólica da escrita. Segundo o autor, a

maioria das crianças de três anos de idade já seria capaz de dominar uma combinação

arbitrária de sinais e significados, e quase todas as crianças de seis anos já seriam capazes

de realizar essa operação, se elas compreenderem o seu objetivo (por exemplo, representar

a fala por meio da escrita)32

.

Ao se considerar a existência de uma relação entre essa capacidade e o

desenvolvimento da escrita, verifica-se a importância do ensino da leitura e escrita se

organizarem de forma que se tornem necessárias às crianças. Essas atividades devem ter um

significado, visto que as crianças não aprendem simplesmente a ler e escrever, mas sim

descobrem essas práticas nas situações em que sentem necessidade de participar do mundo

letrado, como quando identificam logotipos de marcas de produtos conhecidos (e

desejados), números, letras e palavras que servem como sinais de localização (ônibus,

placas e cartazes, entre outros).

No contexto dessa pesquisa, a visão sócio-histórica que privilegia os aspectos

sociais do desenvolvimento e da aprendizagem contribuiu para tornar evidentes as relações

e a importância das trocas no ambiente escolar, assim como para identificar os aspectos

relacionados às condições únicas que marcam a vida de cada aluno e compreender seus

processos cognitivos e percursos de aprendizagem.

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Essas leituras nortearam a prática tanto no desenvolvimento da própria pesquisa, quanto

no trabalho realizado na escola, visto que ampliaram minha visão de mundo como

pesquisadora, me possibilitando a enxergar as práticas, relações, problemas e queixas

presentes neste contexto. Foram essas leituras, também, que orientaram o desenvolvimento

de intervenções em busca de mudanças significativas nas práticas educacionais.

1.4. O PROCESSO DE APRENDIZAGEM NO ÂMBITO

EDUCACIONAL

A partir da compreensão do desenvolvimento do processo social, afetivo e cognitivo

no indivíduo, identifica-se a importância de um estudo voltado à aprendizagem no âmbito

educacional, processo que envolve a aquisição da leitura e escrita e o raciocínio aritmético,

descritos a seguir com base nas duas perspectivas teóricas apresentadas acima.

1.4.1 Aquisição da leitura e escrita

A linguagem escrita, segundo a abordagem Sócio-Histórica32, 36, 38, 39

, é “um sistema

particular de símbolos e signos cuja dominação prenuncia um ponto crítico em todo o

desenvolvimento cultural da criança” (p.126) 32

. Para Vygotsky, este é um sistema de

simbolismo de segunda ordem, que começa antes mesmo do primeiro contato oferecido

pelo professor na escola. Para compreendê-lo é necessário introduzir primeiramente a

compreensão de simbolismo de primeira ordem (a fala, o gesto, o desenho e o brinquedo),

os quais desempenham um papel fundamental no processo de aquisição da linguagem

escrita.

A linguagem, função superior especificamente humana, caracterizada pelo seu papel

fundamental no desenvolvimento do psiquisamo humano se desdobra na fala e na escrita. A

fala é composta por palavras com significados expressos através de sons articulados pela

voz, utilizada para nomear objetos, pessoas, animais, assim como para nos comunicarmos

com o outro, é algo especificadamente humano. No início da vida de uma criança, mesmo

antes dela começar a falar, as pessoas ao seu redor conversam com ela com a intenção de se

comunicar e interagir, esse comportamento implica na ideia de que logo ela irá começar a

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falar. Essa interação a estimula e a ajuda a compreender os significados dessa forma de

comunicação humana.

Bosco40

descreve em seu estudo que o papel do “outro” no processo de

desenvolvimento da criança vai além de alguém próximo fisicamente, seu papel é de

mediador neste processo, que deve interpretar o que a criança faz ou demonstra, ou seja,

significar seus gestos, olhares, choros, balbucios, etc.

A partir das interpretações do “outro”, da compreensão e nomeação de um gesto da

criança, esta interage com seu meio, comunica-se, assim como amplia seu vocabulário.

Vygotsky32

afirma que

“Embora o uso de instrumentos pela criança durante o período pré-verbal

seja comparável àqueles dos macacos antropoides, assim que a fala e o

uso de signos são incorporados a qualquer ação, esta se transforma e se

organiza ao longo de linhas inteiramente novas. Realiza-se, assim, o uso

de instrumentos especificadamente humano. (...) Antes de controlar o

próprio comportamento, a criança começa a controlar o ambiente com a

ajuda da fala. Isso produz novas relações com o ambiente, além de uma

nova organização do próprio comportamento” (p.12).

Com seus estudos, Vygotsky32

conclui ainda que “as crianças resolvem suas tarefas

práticas com a ajuda da fala, assim como dos olhos e das mãos” (p.13). Entende-se, a partir

disso, que é por meio da fala que a criança passa a controlar seu comportamento e se torna

mais capaz em planejar seus próprios atos. Com a fala, torna-se possível o alcance aos

objetos, que anteriormente estavam fora de seu alcance.

Vygotsky e Luria41

explicam que a criança que fala, tem a capacidade de combinar a

fala e a ação em uma estrutura e isso introduz um elemento social à sua ação. Seu

comportamento é transferido para um novo patamar, este se torna socializado, fator

determinante em seu desenvolvimento intelectual prático.

“The child who speaks as he solves a practical task calling for the use of

tools and who combines speech and action into one structure, in this way

introduces a social element into his action and thereby determines that

action's fate and the future path of development of his behavior. In this

way, the child's behavior is transferred for the first time to an absolutely

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new plane, is guided by new factors and leads to the appearance of social

structures in the child's psychical life. His behavior becomes socialized:

this is the main determining factor of the entire further development of its

practical intellect. The situation as a whole acquires for him a social

meaning, where people act, just as do objects.” (p. 116)

Para Vygotsky32, 36

, os signos, assim como os instrumentos, são mediadores na

relação do sujeito com o mundo. O gesto é o signo visual inicial que antecede a futura

escrita da criança, conforme ele descreve32

, “os gestos são a escrita no ar, e os signos

escritos são, frequentemente, simples gestos que foram fixados” (p.128), o qual constitui a

primeira representação do significado. Um exemplo disso são os rabiscos das crianças cujos

traços constituem basicamente a sua representação gestual.

Dentre outras atividades que vinculam os gestos e a linguagem escrita, está o

brinquedo. Segundo o autor32

,

“o brinquedo simbólico das crianças pode ser entendido como um sistema

muito complexo de ‘fala’ através de gestos que comunicam e indicam os

significados dos objetos usados para brincar. É somente na base desses

gestos indicativos que esses objetos adquirem, gradualmente, seu

significado – assim como o desenho, que de início apoiado por gestos,

transforma-se num signo independente” (p.130).

A função simbólica do jogo da criança está no uso de gestos representativos ligados

à utilização de alguns objetos como substitutos de objetos reais. Assim, a criança atribui aos

objetos e gestos a função de signos que possuem significados.

Dentro desta perspectiva, considera-se que o desenho e a brincadeira simbólica são

grandes contribuidores para o desenvolvimento da linguagem escrita, visto que constituem

formas particulares de linguagem, que se manifestam em um estágio mais precoce, e

posteriormente levam à linguagem escrita.

Com relação ao desenho, esta abordagem afirma que este começa quando a

linguagem falada da criança já teve progresso, pois enquanto faz o desenho, a criança o

descreve oralmente, contando uma história, registrando sua ideia, auxiliando na sua

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interpretação. Nesta etapa do desenvolvimento, o desenho é feito apenas de memória, ou

seja, as crianças não desenham o que veem, mas sim o que conhecem, nas palavras do

autor: “o desenho é uma linguagem gráfica que surge tendo por base a linguagem verbal”

(p.136).

Lúria32, 36, 38, 39

em seus experimentos, constatou que inicialmente as crianças (entre

os três, quatro e cinco anos de idade) estavam interessadas basicamente em “escrever como

os adultos” (36

, p.149). Neste estágio, a “escrita” da criança não a ajuda a lembrar do que

foi feito e “registrado” por ela mesma, pois ela ainda não desenvolveu a função mnemônica

da escrita, no sentido de que a “linguagem escrita é um sistema de signos que serve de

apoio às funções intelectuais, especificamente à memória” (39

, p.148).

Quando a criança passa a empregar a função mnemônica na sua “escrita”, tornando

seus registros um apoio técnico da memória, os símbolos adquirem significados e permitem

que a criança retorne ao conteúdo que inicialmente ela tinha a intenção de registrar.

Luria36

explica:

“(...) o desenvolvimento da escrita na criança prossegue ao longo de um

caminho que podemos descrever como a transformação de um rabisco

não-diferenciado para um signo diferenciado. Linhas e rabiscos são

substituídos por figuras e imagens, e estes dão lugar a signos. Nesta

sequência de acontecimentos está todo o caminho do desenvolvimento da

escrita, tanto na história da civilização como no desenvolvimento da

criança” (p. 161).

Assim, a criança, que inicialmente fazia uso de um rabisco não-diferenciado e sem

significado, passa a fazer uso de um signo diferenciado, com significado, o que demonstra

que ela é capaz de representar a fala através de outra forma, sendo possível a introdução

dos signos socialmente padronizados, que constituem a escrita.

Nesse processo de desenvolvimento, transformação e aquisição da criança, a

mediação é fundamental. Quando a criança chega à escola, ela já traz conhecimentos sobre

a escrita, os quais são adquiridos por suas próprias experiências, mas para a sua aquisição

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formal, é crucial a presença do outro, como o professor na escola, que com sua mediação

auxilia a criança a dar significado a sua escrita.

Os estudos do Letramento se referem ao aprender a ler e escrever no contexto do

grupo cultural em que o indivíduo está inserido e ao impacto da linguagem escrita sobre

ambos. Segundo Kleiman42

e Soares43, 44, 45, 46

, o conceito de Letramento foi criado para

destacar que o uso da língua escrita está presente além do contexto escolar, mas também em

todo ambiente em que o indivíduo vive, constituindo assim uma prática social que requer

reconhecimento. Esse conceito explica o impacto da escrita sobre todas as esferas de

atividades, conforme Kleiman42

descreve:

“emergiu, então, na literatura especializada, o termo letramento, para se

referir a um conjunto de práticas de uso da escrita que vinham

modificando profundamente a sociedade, mais amplo do que as práticas

escolares de uso da escrita, incluindo-as, porém” (grifos da autora, p.

21).

Soares43, 44, 45

apresenta em seu estudo o conceito de Letramento e afirma que este já

era presente no final do século XIX nos Estados Unidos e na Inglaterra, conhecido na

língua inglesa por literacy, com a definição de “estado ou condição que assume aquele que

aprende a ler e escrever. (...) Ideia de que a escrita traz consequências sociais, culturais,

políticas, econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em que seja

introduzida, quer para o indivíduo que aprenda a usá-la” (Soares45

, p. 17). Este conceito

tornou-se foco também no Brasil, na França e em Portugal em meados de 1980. A autora43

afirma que o Letramento surgiu por uma “necessidade de reconhecer e nomear práticas

sociais de leitura e de escrita mais avançadas e complexas que as práticas do ler e do

escrever resultantes da aprendizagem do sistema de escrita” (p. 6).

Este conceito está associado ao conceito de alfabetização, considerando a

alfabetização, como uma prática realizada dentro do contexto escolar, por um profissional

encarregado (o professor) de ensinar as regras de funcionamento e uso do código alfabético

aos alunos. Nas palavras de Kleiman42

, a alfabetização é descrita como um “processo de

aquisição das primeiras letras” (grifos da autora, p.13), Soares44

também apresenta uma

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definição: “alfabetização é o processo pelo qual se adquire o domínio de um código e das

habilidades de utilizá-lo para ler e para escrever, ou seja, o domínio da tecnologia –

conjunto de técnicas – para exercer a arte e ciência da escrita” (p. 91).

Estes dois conceitos são indissociáveis e ocorrem de forma simultânea,

considerando-os interdependentes. Soares43

descreve:

“Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro

das atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de

leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no

mundo da escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela

aquisição do sistema convencional de escrita – a alfabetização – e pelo

desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de

leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita – o

letramento. Não são processos independentes, mas interdependentes, e

indissociáveis: a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de

práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de

letramento, e este, por sua vez, só se pode desenvolver no contexto da e

por meio da aprendizagem das relações fonema–grafema, isto é, em

dependência da alfabetização.” (grifos da autora, p.14).

Entende-se assim que ser alfabetizado (saber ler e escrever, no sentido mais restrito)

não é o suficiente, pois o letramento vai além do reconhecimento do alfabeto, da

codificação de grafemas em fonemas, pois é um processo de apropriação das práticas

sociais de leitura e escrita, que possibilitam ao indivíduo uma inserção social e cultural42, 43,

44, 45, 46.

As ideias sobre Letramento, com a sua perspectiva sociológica e antropológica que

envolve as práticas de leitura e escrita e o contexto social e cultural em que ocorrem,

convergem com a perspectiva Sócio-Histórica porque entendem as práticas de leitura e

escrita como emergentes de um contexto que delimita as suas condições e possibilidades

concretas e porque entendem essas práticas como oriundas da cultura e do coletivo e não do

indivíduo.

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A aquisição da leitura e da escrita, estudada e descrita pelas autoras Ferreiro47

e

Ferreiro e Teberosky48

, diz respeito ao processo constituído a partir de uma aquisição

conceptual, completamente dependente da competência linguística da criança, assim como

de suas capacidades cognitivas. A psicogênese da escrita, elaborada, pelas autoras sobre a

base da teoria do Piaget, atribui ao indivíduo um papel ativo na aquisição da leitura e da

escrita, destacando a apreensão pelo sujeito, das informações relevantes para utilizar a

língua escrita, em um processo progressivo que depende da ação da criança sobre esse

objeto da cultura. A descrição desse processo constitui um dos fundamentos teóricos

utilizados no sistema educacional para avaliar as crianças quanto ao domínio de

informações sobre a língua escrita que elas detêm e para elaborar atividades que incluam as

práticas de escrita.

O processo de evolução da escrita, descrito pelas autoras47, 48

, se dá através de

quatro fases, em um percurso que transita da fase inicial, a Pré-Silábica até a fase final, a

Alfabética. Essas fases se sucedem através da progressão de descobertas que envolvem a

noção de fonema, ou seja, a criança alcança a noção de que as palavras se compõem por

sons, correspondentes a letras.

A primeira delas é denominada Fase Pré-silábica, na qual a criança entende o que o

signo representa, porém não compreende ainda que a escrita representa a fala e, devido a

isso, ela não tenta representar a sonoridade das palavras: sua escrita é uma grafia primitiva,

que se vale de símbolos e pseudoletras (há também a mistura de letras e números) para

representar a fala. Nesta etapa, a criança já entende que a escrita é composta por partes,

embora não saiba exatamente quais são, identifica que as palavras devem ter um número

mínimo de caracteres (duas a três letras) e já demonstra conhecimento da direção da escrita,

fazendo uso da pauta da esquerda para a direita, se tiver sido instruída em relação a esse

fato.

Nesta fase inicial da alfabetização, Ferreiro e Teberosky48

explicam que podem

aparecer “tentativas de correspondência figurativa entre a escrita e o objeto referido”

(p.194), ou seja, é esperado que as crianças tomem como referência os aspectos físicos dos

objetos ao relacionarem estes com o tamanho da palavra que os nomeia. Isto representa

uma dificuldade da criança em dissociar o signo do significado.

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A segunda é a Fase Silábica, a criança aprende que a letra representa uma parte do

que se diz (sílaba). Esta compreensão possibilita que ela faça uma decomposição silábica

através da palavra falada como guia, o que a auxilia a determinar o número de partes e

letras a serem escritas47, 48

. Esta fase caracteriza o avanço da consciência da

correspondência entre os sons e as letras, e há grande importância da mediação e

intervenção do outro alfabético e oralizado, visto que surge a necessidade de nomear e

atribuir sons às letras. Um exemplo de escrita nesta fase, sem valor, seria “TCM” para o

que corretamente seria “cavalo” e, com valor para a mesma palavra, seria “CVO”.

A terceira é a Fase Silábico Alfabética, na qual a criança compreende que uma letra

não é o suficiente para representar a sílaba, e com isso ela passa a acrescentar mais letras na

formação das palavras. Nos casos em que inicialmente eram representadas principalmente

por apenas vogais, a criança começa a inserir algumas consoantes, de preferência na

primeira sílaba da palavra. Esta fase é caracterizada pela noção de que as sílabas são

passíveis de separação e a correspondência entre sons e letras (os fonemas) se apresenta

mais estável47, 48

.

Por fim, a última fase descrita pelos autores é denominada Fase Alfabética. Nesta,

a criança já venceu os obstáculos conceituais para a compreensão da escrita e passa a

escrever considerando em sua escrita a correspondência entre fonemas e grafemas (sons e

letras), o que possibilita que ela expresse graficamente o que pensa e/ou diz. Além disso,

ela demonstra a compreensão da escrita.

Embora a criança avance até a última fase, dominando a correspondência entre

fonemas e grafemas, é importante destacar que apenas esse processo não garante o sucesso

da alfabetização, pois o mesmo demanda a compreensão dos aspectos linguísticos, como os

conhecimentos da gramática normativa (a ortografia, fonologia, morfologia e sintaxe) e a

semântica, integrados com os aspectos psicológicos, cognitivos, sociais e culturais. No

processo de aprendizagem, é essencial a transmissão do valor social e cultural que tanto a

leitura, quanto a escrita representam na sociedade em que o indivíduo vive49, 50

.

Com relação ao processo de aprendizagem da leitura e da escrita, é importante

ressaltar que ele inclui o envolvimento ativo do aluno e seus sentimentos diante da leitura e

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da escrita. Estes podem ser tanto positivos, quanto negativos, advindos de sua familiaridade

com essas práticas, dos conhecimentos prévios, assim como do contexto de uso (se é um

ambiente em que a leitura e escrita são presentes ou não). Sua motivação neste processo,

influenciada por seus sentimentos e vivências, assim como a necessidade da compreensão

do funcionamento linguístico49, 50

.

A atenção necessária para a aprendizagem é influenciada pela motivação. Bzuneck52

descreve a motivação como o que move o indivíduo, o que o faz agir ou a mudar seu curso,

ou seja, ela leva-o a fazer escolhas, instiga-o a iniciar um comportamento direcionado a um

objetivo. No contexto escolar, o autor pontua que é a motivação que faz com que o aluno

preste ou não atenção, faça ou não seu dever de casa, estude, etc.

A motivação é vista como o investimento pessoal para a ação, como a disposição

pessoal de tempo, energia, conhecimentos e habilidades, as quais influenciam a atenção do

indivíduo enquanto os fatores motivacionais estão atuando52

. No entanto, na perspectiva

Sócio-Histórica, a motivação não é vista como atribuição do próprio indivíduo, mas, ao

contrário, como uma função do ambiente social, responsável por gerar condições que sejam

motivadoras.

Para a compreensão do funcionamento linguístico, é de grande importância que a

criança entenda que existe uma grande diversidade de textos e que a leitura e a escrita

possuem uma função social. Deste modo, tornar-se letrado é mais do que simplesmente

desenvolver as habilidades de leitura e escrita, e sim utilizá-las como uma ferramenta

durante outras aprendizagens ou atividades cotidianas, fazendo uso das mesmas para fins

particulares51

.

Para alcançar a fluência, Gomes53

descreve os estágios pelos quais a criança passa.

O primeiro descrito é o de reconhecimento da palavra, o qual se dá através da pista visual.

Este estágio pode ser observado na fase em que a criança tenta “adivinhar” as palavras

escritas e faz-de-conta que está lendo. Em seguida, ocorre a consciência fonética,

possibilitando o reconhecimento da palavra através da pista fonética. Com isso o

reconhecimento se torna controlado e por fim, ocorre praticamente de forma automática.

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Ler é um processo de interação entre autor/leitor mediado pelo texto, além de ser

um processo de construção de significados, dependente dos objetivos do leitor, de suas

expectativas, experiências, entre outros fatores também associados. Sendo assim, a leitura é

um processo interativo e construtivo, no qual estão envolvidas as relações entre os

conteúdos presentes no texto e os conhecimentos prévios do leitor. A compreensão leitora é

vista como um processo complexo de representação mental que exige atenção, memória e

também raciocínio.

Com relação ao processo de interpretação, Gomes53

destaca três momentos: este

processo se inicia com as palavras (as relações sintáticas e semânticas presentes entre elas);

em seguida, é representado o significado e, por fim, a visão de mundo, ou seja, o que vai

além do que está escrito, aquilo a que o texto se refere.

No âmbito educacional, a aquisição da leitura e escrita é fundamental, visto que é

uma ferramenta essencial na aquisição de novos conhecimentos, além de ser um apoio para

as relações interpessoais, a comunicação e a compreensão do mundo em que se vive.

1.4.2. Aspectos cognitivos e emocionais no processo de aprendizagem e papel

do erro neste processo.

O ensino é descrito por Carvalho54

como um ato com três elementos interligados no

processo de aprendizagem: alguém que ensina, algo que é ensinado e alguém a quem se

ensina. Quando o aluno não aprende, é preciso considerar todos os elementos presentes no

processo e levar em conta a multicausalidade das dificuldades. O reconhecimento do

contexto de relações em que o indivíduo está inserido e do papel da interação no processo

de aprendizagem, assim como, a influência dos fatores psicológicos, incluindo as emoções,

sentimentos e a afetividade da criança durante este processo podem colaborar para uma

avaliação inicial que permita elaborar as estratégias de intervenção em cada caso.

Por meio de uma associação entre o erro e o fracasso, Carvalho54

apresenta o tema

“dificuldade de aprendizagem”. Segundo o autor, o erro é um dado, algo objetivamente

detectável, já o fracasso, é uma questão subjetiva, a interpretação desse dado e a maneira

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de o encararmos e não necessariamente a sua consequência. É fundamental a compreensão

desta distinção, principalmente para a tarefa pedagógica do educador.

As autoras Oliveira55, 56

e Serconek57

explicam que o desenvolvimento ocorre

conforme o indivíduo busca entender o que surge de novo em sua trajetória. A

compreensão do novo conhecimento se dá a partir da relação da criança com seus

conhecimentos anteriores e os novos conceitos, construções culturais e experiências com o

mundo social exterior ao indivíduo.

Este processo é descrito por meio de dois conceitos sobre os níveis de

desenvolvimento, apresentados no capítulo anterior. O primeiro é o denominado

“desenvolvimento real”, “efetivo” ou “atual”, que descreve o nível de desenvolvimento das

funções mentais da criança, resultado dos ciclos de desenvolvimento já completados32, 55, 56

.

A teoria apresenta ainda que a apropriação de novos conhecimentos implica

necessariamente na presença de conceitos já adquiridos pela criança em seu processo de

desenvolvimento e aprendizagem55, 56, 57

.

O segundo nível do desenvolvimento é o “desenvolvimento potencial”, este diz

respeito aos processos em que a criança aprende através do que os indivíduos mais

experientes compartilham com ela, levando em consideração seus conhecimentos prévios,

interesses e necessidades. Este define as funções que ainda estão sendo adquiridas,

perceptíveis nas tarefas que a criança consegue realizar com ajuda. A diferença entre os

dois níveis de desenvolvimento consiste no espaço de aprendizagem chamado: zona

proximal de desenvolvimento32, 55, 56, 57

.

A partir disso, entende-se que compreender a zona de desenvolvimento proximal da

criança, possibilita delinear seu “futuro imediato e seu estado dinâmico de

desenvolvimento, propiciando o acesso não somente ao que já foi atingido através do

desenvolvimento, como também àquilo que está em processo de maturação” (p.98)32

.

“O aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento,

que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas

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31

em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. Uma

vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do

desenvolvimento independente da criança.

(...) O aprendizado não é desenvolvimento; entretanto, o aprendizado

adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em

movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma,

seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto

necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções

psicológicas culturalmente organizadas e especificadamente humanas.”

(Vygotsky 32

, p. 103).

O erro nesta abordagem deve ser visto como parte do processo de desenvolvimento

e de aprendizagem da criança. Conforme afirma Vygotsky32

, “aquilo que é zona de

desenvolvimento proximal hoje, será o nível de desenvolvimento real amanhã – ou seja,

aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha

amanhã” (p.89). Entende-se assim que é fundamental a mediação e atuação de outros

indivíduos de seu meio social. Cabe a esses indivíduos reconhecer na criança os conceitos

por ela já adquiridos e os tipos de erros apresentados por ela, para então fornecer a ela

materiais relevantes para impulsioná-la e auxiliá-la, colaborando assim em seu processo de

desenvolvimento mental. A busca não é pela correção do erro e sim a assimilação do

conhecimento em uma nova perspectiva, mais ampla47, 48

.

Vygotsky56, 58, 59

propõe em sua teoria uma abordagem unificadora entre os aspectos

intelectuais e afetivos no funcionamento psicológico. O autor apresenta o pensamento

natural na esfera da motivação, a qual inclui inclinações, necessidades, interesses, impulsos,

afeto e emoção.

Para o autor58

, a organização da inteligência ocorre em uma relação dinâmica, entre

o afeto e o intelecto. A emoção está diretamente relacionada à ação do indivíduo:

“toda emoção é um chamamento à ação ou uma renúncia a ela. (...) As

emoções são esse organizador interno das nossas reações, que retesa,

excitam, estimulam ou inibem essas ou aquelas reações. Desse modo, a

emoção mantém o seu papel de organizador interno de nosso

comportamento” (p. 139).

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32

Magiolino59

em seu estudo das emoções humanas e significação nas obras de

Vygotsky, explica que

“O afeto acompanha o desenvolvimento da criança, está presente em cada

uma de suas etapas mudando de lugar, alterando as conexões que se

estabelecem entre as funções, finalmente, está no início e no fim do

desenvolvimento psíquico e da formação da personalidade. (...) O afeto

marca cada nova etapa do desenvolvimento da criança, relacionado à

linguagem, à consciência e à sua vontade. Em suma, o afeto, o sentimento,

a emoção, têm um lugar, uma função: organizam, orientam, transformam

a atividade, o comportamento e a personalidade” (p.92).

Com base nesta perspectiva59

, entende-se que as emoções humanas “deixam de ter

um estatuto estritamente biológico (...) e assumem uma função no psiquismo humano (...)

de regulação dos estados internos à orientação do comportamento e (trans)formação da

personalidade” (p. 93).

A atenção, com base na teoria vygotskiana, é descrita como uma função psicológica

superior, assim como a memória, o pensamento e a linguagem. Estas são produtos da

atividade cerebral resultantes da interação do indivíduo com o mundo32, 60

.

Oliveira36

descreve,

“inicialmente baseada em mecanismos neurológicos inatos, a atenção vai

gradualmente sendo submetida a processos de controle voluntário, em

grande parte fundamentados na mediação simbólica. Os organismos estão

submetidos a imensa quantidade de informações do ambiente. Em todas as

atividades do organismo no meio, entretanto, ocorre um processo de

seleção das informações com as quais vai interagir: se não houvesse essa

seletividade a quantidade de informação seria tão grande e desordenada

que seria impossível uma ação organizada do organismo no mundo” (p.

75).

Ao longo do desenvolvimento humano, o indivíduo se torna capaz de dirigir sua

atenção voluntariamente para determinados elementos do ambiente, definidos por ele como

relevantes. Este ato de focar a atenção em um estímulo em particular está diretamente

relacionado ao interesse do indivíduo36

. Entende-se assim que no contexto escolar é

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33

importante compreender o que produz interesse nos alunos, já que a dispersão e a falta de

atenção podem ser provocadas pela pouca afinidade dos alunos com as práticas de ensino

ou com os conteúdos das aulas.

Conclui-se que todos os aspectos até aqui discutidos, como os processos de

aquisição dos conhecimentos (aquisição da leitura e escrita e conhecimentos lógico-

matemáticos), os processos de desenvolvimento e os aspectos psicológicos, constituem o

perfil multifatorial do que chamamos de, um modo geral, aprendizagem.

A compreensão das ideias decorrentes da teoria de desenvolvimento na perspectiva

sócio-histórica, assim como a grande quantidade de alunos que apresentam dificuldades no

processo de alfabetização, motivou o desenvolvimento desta pesquisa. Com ela, pretendeu-

se compreender os fatores associados ao sucesso e ao fracasso na escola pública, pois

entende-se que um olhar mais cuidadoso para os diferentes fatores associados ao fracasso e

à dificuldade de aprendizagem possibilita colaborar com o planejamento de atividades

pedagógicas e apoiar o trabalho do professor.

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35

2. OBJETIVOS

2.1. Objetivo Geral

Identificar e compreender os fatores associados às queixas escolares apresentadas

por alunos de uma instituição de ensino pública.

2.2. Objetivos Específicos

Levantar os tipos de queixa presentes na instituição.

Identificar e compreender a visão dos docentes e dos familiares com relação às

queixas e alunos.

Conhecer as relações entre o professor e o aluno, aluno e a escola, aluno e a família

e a família e a escola.

Refletir sobre as possíveis intervenções e orientações dentro deste contexto.

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37

3. METODOLOGIA

O presente estudo foi desenvolvido principalmente por meio de uma metodologia

qualitativa, através de um trabalho de observação participante61

.

Nesta pesquisa, foi utilizada a técnica de observação participante como instrumento

de investigação. Esta foi escolhida por possibilitar interações da pesquisadora com os

sujeitos da pesquisa, considerando que, para obtenção dos dados, foi necessário contato

direto e prolongado entre a pesquisadora e o ambiente estudado. Lüdke61

afirma que esta

técnica permite ao observador chegar mais perto da “perspectiva dos sujeitos”,

possibilitando a apreensão do significado que atribuem às suas realidades e suas próprias

ações. Entende-se assim que a observação implica na análise dos dados obtidos no

ambiente natural do fenômeno observado.

A partir das observações foram registradas em diário de campo as vivências em sala

de aula, incluindo uma descrição detalhada dos sujeitos e das situações, do ponto de vista

da observadora e também do ponto de vista dos docentes. Foram realizadas também

entrevistas com os responsáveis pelas crianças com queixa escolar.

A metodologia qualitativa foi utilizada para a análise dos dados obtidos nessas

entrevistas. As tabelas e quadros agrupam as características dos alunos, assim como as falas

dos informantes (docentes e responsáveis pelas crianças) identificadas como relevantes para

cada um dos temas e apresentam o número de ocorrências.

3.1. Participantes

Os participantes desta pesquisa foram oito docentes das turmas de Ensino

Fundamental I, de uma instituição de ensino estadual na periferia do município de

Campinas, 21 alunos por elas selecionados, de ambos os sexos (15 meninos e seis

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meninas), na faixa etária de sete aos nove anos (no ano de 2013), escolhidos devido à

queixa escolar e 22 responsáveis por estas crianças (18 mães, três pais e uma avó).

Todos os dados utilizados se referem aos sujeitos que assinaram o TCLE (Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido). Foi considerado como critério de exclusão: o

responsável não ter consentido com o TCLE e/ou o aluno não apresentar queixa escolar.

3.2. Procedimentos, Coleta e Análise de Dados

Após a elaboração do projeto desta pesquisa, foi realizada uma reunião com os

dirigentes da escola selecionada a fim de expor a proposta de trabalho, esta foi autorizada

pelo diretor e subdiretora do ano de 2013 e 2014. Posteriormente este mesmo projeto foi

submetido e autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, da Faculdade de Ciências

Médicas, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) seguindo a Resolução do

CNS n˚ 466/12 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), que normatiza a

pesquisa com seres humanos62

, através do parecer número 424.496, obtido em 22/10/2013.

Em um segundo momento, os dirigentes selecionaram os alunos que se

enquadravam nos critérios do projeto de pesquisa: apresentarem queixas de baixo

rendimento escolar e dificuldades de aprendizagem. Após essa seleção, o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice I e II) foi entregue para todos os

participantes escolhidos para a pesquisa, incluindo os responsáveis pelos alunos

selecionados e suas professoras.

Para a coleta de dados, com a obtenção do consentimento e da assinatura de todos

participantes, deu-se início às entrevistas e observações. Através destas, visou-se a

caracterização dos alunos e o conhecimento das relações professor e aluno; família e

escola; aluno e escola, que possibilitam a compreensão da interação dos elementos

identificados no processo de aprendizagem escolar.

No final do segundo semestre do ano de 2013 e no primeiro semestre do ano de

2014, foram realizadas as observações em sala de aula, sendo esta uma observação

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39

participante no ambiente natural dos alunos. O período de observação foi de

aproximadamente 6 horas por dia, sendo de 1 hora a 1h30 minutos por turma selecionada,

totalizando 30 visitas à escola. É importante pontuar que em determinados dias de

observação não foi possível realizar a observação de 1 hora a 1h30 nas seis turmas

selecionadas devido às atividades acadêmicas planejadas pelas professoras no dia da

observação. Nesses casos optou-se por conversar com as professoras para coleta de dados e

atualização da evolução dos alunos participantes da pesquisa.

As entrevistas iniciais com as professoras das turmas selecionadas tiveram como

objetivo conhecer suas principais observações dos alunos destacados, das situações de

aprendizagem e os tipos de atividades desenvolvidas em sala de aula. Além destas

entrevistas, no decorrer da pesquisa, foram realizadas conversas informativas com as

mesmas professoras e com os dirigentes da escola, para discutir questões referentes aos

alunos com queixa escolar: suas evoluções e os trabalhos desenvolvidos em sala de aula.

Além das entrevistas com as professoras, foram realizadas entrevistas com os

responsáveis que autorizaram a participação de suas crianças na pesquisa. As entrevistas

foram semiestruturadas, a partir de um roteiro previamente desenvolvido (Apêndice III),

utilizado como base sobre os aspectos familiares, sociais e do desenvolvimento da criança.

Classifica-se como entrevista semiestruturada, pois a pesquisadora procurou propiciar um

ambiente de acolhimento, que muitas vezes possibilitou o surgimento de temas além do

esperado e descrito no roteiro de entrevista.

A análise de dados foi realizada por meio da interpretação dos registros nos diários

de campo, desenvolvidos durante a observação participante, reuniões/conversas e

entrevistas. Para apresentação dos dados, foram formulados temas a partir dos conteúdos

emergentes das reuniões e entrevistas. Para a discussão, utilizou-se do levantamento

bibliográfico sobre os fatores que influenciam a aprendizagem escolar e, principalmente, os

fatores que influenciam a caracterização dos alunos como “alunos com dificuldades de

aprendizagem”.

Durante o desenvolvimento da pesquisa e principalmente após esta interpretação e

análise de dados, foi possível, junto aos professores, desenvolver um planejamento de

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atividades pedagógicas e apoiá-los em seu trabalho, mesmo que essa parte do trabalho fosse

além da proposta e objetivos da pesquisa.

A presença prolongada da pesquisadora no espaço escolar e a sua participação em

reuniões, observação de sala de aula, entrevistas e conversações com gestores e professores

gerou um clima de confiança e de cooperação que possibilitou também observações e

avaliações de alunos e professoras, além de orientações aos responsáveis, à direção e aos

professores.

Apesar de não serem participantes da pesquisa, foram feitos acompanhamentos,

avaliações e observações de alguns alunos a pedido da direção da escola. Além disso,

durante as entrevistas surgiram oportunidades e necessidades de acolhimento de alguns

responsáveis. Alguns deles utilizaram o espaço não apenas para responder as perguntas,

mas também para refletir e expor suas angústias. Dentre estes, três famílias, dos alunos S10,

S20 e S21, foram orientadas a procurarem atendimentos psicoterapêuticos, pelo fato de

terem relatado suas angústias, problemas e conflitos, os quais, do nosso ponto de vista,

evidenciavam a necessidade de um apoio profissional sistemático.

Além destas, duas mães (responsáveis por S1 e S18) trouxeram para a entrevista as suas

preocupações e tristezas por não conseguirem ajudar seus filhos, por serem analfabetas.

Diante disso, foi possível introduzir a elas o trabalho desenvolvido pela Educação de

Jovens e Adultos (EJA), uma política pública destinada a jovens e adultos que não

obtiveram acesso ou não concluíram seus estudos no Ensino Fundamental63

.

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4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados apresentados a seguir foram coletados no período do segundo semestre de

2013 e primeiro semestre de 2014. Esta coleta se deu através das observações em sala,

entrevistas com seis professoras no ano de 2013 e outras três no ano de 2014 e entrevistas

com 22 responsáveis, dentre estes foram individualmente 17 mães, dois pais e uma avó,

além destes um pai e mãe estiveram presentes juntos na mesma entrevista. A partir disso,

foi possível formular uma caracterização da demanda desta instituição, o que possibilitou a

elaboração de orientações aos responsáveis, docentes e dirigentes da instituição.

Inicialmente, apresentamos a caracterização dos alunos participantes da pesquisa,

contendo: ano escolar, gênero, idade, responsável entrevistado e se a criança faz algum

acompanhamento educacional e/ou terapêutico fora do contexto escolar. Em seguida,

destacamos a caracterização do contexto familiar: constituição familiar, alfabetização dos

responsáveis, se o aluno recebe ajuda nas tarefas escolares e o nível de contato com a

leitura e escrita em casa. Posteriormente descrevemos a caracterização das professoras e

suas percepções: gênero e a turma que lecionou enquanto participante da pesquisa nos anos

de 2013 e 2014 e suas percepções dos alunos com queixa escolar e suas famílias. Após essa

caracterização seguem-se episódios selecionados do nosso diário de campo, que ajudam a

descrever o trabalho das professoras e as dificuldades dos alunos.

Por fim, são apresentadas as percepções das famílias sobre as crianças com

dificuldades escolares: descrição do desenvolvimento inicial dos alunos, a queixa escolar,

características comportamentais e emocionais, como enxerga suas dificuldades, qual a

postura observada perante provas e notas baixas e se gosta ou não da escola. A visão da

família em relação ao desempenho escolar dos alunos, que contribui para a compreensão de

como eles são percebidos e de como essas percepções colaboram para a autoestima desses

alunos e, eventualmente, para o modo como as relações entre a criança e o conhecimento

são estabelecidas. Os discursos das famílias são cotejados, nesse momento, com

observações e episódios registrados no diário de campo.

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4.1. Caracterização dos alunos

Quadro 1. Apresentação dos alunos e responsáveis participantes da pesquisa. Período da

coleta de dados Novembro de 2013.

Aluno Gênero Idade Responsável

Entrevistado

Classe:

Ano letivo 2013

Classe:

Ano letivo 2014

S1 Feminino 8 anos e 4 meses Mãe 1 2º ano A 3º ano B

S2 Masculino 8 anos e 5 meses Mãe 2 2º ano B 3º ano B

S3 Masculino 8 anos Mãe 3 2º ano C 3º ano B

S4 Feminino 7 anos e 10 meses Mãe 4 2º ano C 3º ano B

S5 Masculino (7 anos)* Pai 1 2º ano C **

S6 Feminino 7 anos e 11 meses Mãe 5 2º ano C 3º ano B

S7 Masculino 8 anos e 5 meses Mãe 6 2º ano C 3º ano B

S8 Feminino 8 anos e 2 meses Mãe 7 2º ano C 3º ano B

S9 Masculino 8 anos e 1 mês Mãe 8 2º ano C 3º ano B

S10 Feminino 8 anos e 5 meses Mãe 9 2º ano C 3º ano B

S11 Masculino 7 anos e 9 meses Mãe 10 e Pai 2 2º ano C 3º ano B

S12 Masculino 8 anos e 9 meses Mãe 11 3º ano A 4º ano D

S13 Masculino 9 anos Pai 3 3º ano A 4º ano D

S14 Feminino 9 anos e 5 meses Mãe 12 3º ano A 4º ano D

S15 Masculino 9 anos e 1 mês Mãe 13 3º ano A 4º ano D

S16 Masculino 9 anos e 7 meses Mãe 14 3º ano A 3º ano C

S17 Masculino (9 anos)* Avó 1 3º ano D 4º ano D

S18 Masculino 8 anos e 10 meses Mãe 15 3º ano D 4º ano D

S19 Masculino (8 anos)* Mãe 16 3º ano D 4º ano D

S20 Masculino 8 anos e 10 meses Mãe 17 3º ano D 4º ano D

S21 Masculino 9 anos e 10 meses Mãe 18 5º ano B 5º ano B

Fonte: elaboração própria com base nos dados coletados durante a presença da pesquisadora na escola.

*O responsável não soube dizer a data de nascimento no momento da entrevista, apenas a

idade.

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**O aluno S5 saiu da escola no ano letivo de 2014.

Tabela 1. Distribuição dos alunos por gênero e idade no período das entrevistas.

Idade Masculino Feminino Total

7 anos 2 2 4

8 anos 8 3 11

9 anos 5 1 6

Total 15 6 21

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

Gráfico 1. Distribuição dos alunos por gênero e idade no período das entrevistas.

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

7 anos 8 anos 9 anos

Masculino

Feminino

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É possível observar a partir da tabela 1 e do gráfico 1 a diferença na quantidade de

meninos com relação a meninas com queixa escolar. De um total de 21 alunos que

apresentam queixa escolar no ano de 2013, apenas seis são meninas e 15 são meninos, na

faixa etária entre sete e nove anos. Observa-se que a maioria possui oito anos, em ambos os

sexos, no período das entrevistas (Outubro e Novembro de 2013).

Considerando o contexto em que essas crianças foram destacadas pela dificuldade

escolar, no momento da seleção a turma do 2º ano C, particularmente, apresentou maior

índice de defasagem idade-série. Quase metade dos participantes dessa pesquisa (nove

alunos) encontrava-se nessa situação, destacando dentre estes, quatro crianças com sete

anos e cinco com oito anos, justificando o alto índice de crianças nessa faixa etária.

Com relação às diferenças entre os gêneros masculino e feminino, pode-se observar

uma relação destes resultados com o que a bibliografia estudada aponta. Desde a década de

60, muitas pesquisas mostram que ao relacionar crianças com queixas escolares, incluindo

problemas de desenvolvimento e de comportamento, a prevalência é a do sexo masculino65,

66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74.

Esta ocorrência é justificada a partir da compreensão de que há uma tendência

maior de meninos apresentarem mais problemas de comportamento e agressividade do que

meninas, considerando isto uma questão social e cultural65

.

Segundo Silva et al.65

a educação direcionada a meninos e meninas é diferenciada

tanto no contexto familiar, como no educacional. Isso é apontado em sua pesquisa que

trouxe a percepção dos professores com relação aos seus alunos. Em sua maioria, as

meninas foram descritas como “mais responsáveis, dedicadas, estudiosas, interessadas,

sensíveis, atentas” entre outros, já os meninos foram descritos como os alunos que são

“malandros, não têm hábitos de estudo, não ficam em casa para estudar, saem para jogar

bola, faltam às aulas, ainda que mais inteligentes”. O estudo destaca observações

comportamentais, psicológicas (no que abrange aspectos cognitivos e emocionais) e sociais

no discurso dos 84 professores analisados pelos autores, e uma ausência de comentários a

respeito do desempenho acadêmico, do processo de aprendizagem em si e dos aspectos

cognitivos dos alunos.

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Os estudos indicam que é provável que aspectos relacionados aos preconceitos de

gênero interfiram na avaliação das professoras em relação aos seus alunos e alunos,

atrelando, muitas vezes, comportamento a desempenho acadêmico de forma indevida.

Outro fator importante a ser destacado é a preocupação de muitos pesquisadores,

que estudam as diferenças de raça e gênero nos sistemas de ensino, em mostrar que a

maioria dos alunos que apresentam dificuldades escolares pertence também a minorias

raciais e étnicas, além de provir de famílias de baixa renda66, 69, 70, 74

. A partir disso,

entende-se que além da questão de gênero, é importante observar o fator da renda, a

ocupação dos pais, as práticas culturais e as características desses alunos, as quais fazem

diferença para o seu desempenho escolar. Estas questões são discutidas a seguir. De acordo

com os dados coletados na escola, um número maior de meninos é caracterizado como

“com problemas”.

Para a caracterização dos alunos, identificou-se a importância de verificar se estes

fazem algum acompanhamento terapêutico e/ou educacional fora do contexto escolar,

principalmente se voltado à sua dificuldade na escola.

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Gráfico 2. Acompanhamentos terapêuticos e educacionais fora do contexto escolar.

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

A partir do relato dos responsáveis, foi possível observar que a maioria das crianças

(14) não faz acompanhamento terapêutico ou educacional fora do contexto escolar e nem

viram necessidade em procurar por atendimentos. Apesar disso, três alunos fazem/fizeram

acompanhamento em psicoterapia (a aluna S6 estava em acompanhamento no período da

coleta de dados e os alunos S16 e S21 fizeram acompanhamento em outro momento da

infância, porém haviam interrompido as sessões por motivos de mudança e falta de retorno

do profissional). Dois alunos faziam aulas com professor particular (S14 e S21), até o

momento da coleta de dados, e duas fizeram acompanhamento com fonoaudiólogo (S8 e

S14). Além destes, três alunos seguem em fila de espera do atendimento público em

fonoaudiologia (alunos S7 e S12) e em psicologia (aluna S10).

Diante dessas questões e necessidades dos alunos, a instituição de ensino também

tem papel importante nesse envolvimento com a atenção à saúde dos alunos. Entende-se

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

Meninos

Meninas

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que a própria escola deve manter uma relação ativa com os postos de saúde, para assim

identificar a situação de cada aluno e efetuar encaminhamentos e acompanhamentos sempre

que necessário e não apenas cobrar dos pais que procurem atendimentos por conta própria.

É preciso lembrar que os responsáveis pelas crianças, muitas vezes têm dificuldades ou até

mesmo não identificam possíveis problemas de saúde, alteração no desenvolvimento, entre

outras necessidades da criança e, devido a isso, a escola tem papel importante em

reconhecer isso e tomar frente no acompanhamento também da saúde de seus alunos.

4.2. Caracterização do contexto familiar

Tabela 2. Composição das residências: com quem moram as crianças.

Residentes Meninos Meninas Total

Avó, avô e irmãos(ãs) 1 0 1

Mãe e irmãos(ãs) 3 0 3

Mãe, avó, avô, bisavó, irmã gêmea 1 0 1

Mãe, avó, tio e irmãos(ãs) 1 0 1

Mãe, padrasto e irmãos(ãs) 1 2 3

Mãe, pai 1 2 3

Mãe, pai e irmãos(ãs) 6 0 7

Mãe, pai, tios e primos 1 1 1

Mãe, pai, tio e avó 0 1 1

Total 15 6 21

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

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Gráfico 3. Composição das residências: com quem moram as crianças.

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

3

2

1

3

1 1

6

3

1

Mãe e pai

Mãe, pai, tios e primos

Mãe, pai, tio, avó

Mãe, padrasto e irmãos(ãs)

Avó, avô e irmãos(ãs)

Mãe, avó, avô, bisavó, irmã gêmea

Mãe, pai e irmãos(ãs)

Mãe e irmãos(ãs)

Mãe, avó, tio e irmãos(ãs)

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Tabela 3. Composição das residências: com quem moram as crianças.

Membros Residentes Meninos Meninas Total

Pai 8 4 12

Mãe 14 6 20

Padrasto 1 2 3

Avós/Bisavós 3 1 4

Irmãos (ãs) 14 2 16

Primos (as) 1 1 2

Tios (as) 2 2 4

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

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Gráfico 4. Composição das residências: com quem moram as crianças.

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

As tabelas 2 e 3 e os gráficos 3 e 4 apontam para a presença de vários membros da

família residentes com o grupo estudado. Destaca-se primeiramente a presença da mãe na

maioria das constituições familiares (20 famílias), com exceção de apenas um menino que

vive com os avós. Em apenas cinco famílias, das 21 participantes da pesquisa, há a

presença da estrutura monoparental, com a ausência da figura paterna. Em três famílias

houve o recasamento, tendo assim a presença do padrasto. O pai está presente em 12

famílias.

A presença de irmãos e irmãs tanto mais novos(as) quanto mais velhos(as) também

predominou, considerando que no total dos 21 alunos selecionados, 16 possuem irmão(s).

Em quatro famílias há a presença de tios como membros, assim como também em quatro

famílias também há a presença de avós e bisavós e, por fim, a presença de primos (um em

0

1

2

3

4

5

6

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9

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Meninos

Meninas

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cada grupo estudado, considerando que a menina participante da pesquisa é prima do

menino também participante).

Apesar dessa variação na constituição familiar dos participantes desta pesquisa,

observa-se que o modelo de família nuclear foi o mais presente, em 10 casos, caracterizado

pela presença materna, paterna (pai ou padrasto) e alguns casos com irmão(s) mais velhos

ou mais novos.

Compreender os arranjos familiares dos alunos selecionados para a pesquisa é de

grande importância, pois, segundo a literatura estudada75, 76, 77

, o contexto familiar é visto

como o espaço em que o indivíduo inicia seu processo de formação e socialização. A

família constitui o ambiente em que o indivíduo incorpora padrões de comportamentos,

valores sociais, espirituais, morais e éticos, entre outros, além de possibilitar as suas

primeiras identificações. É nesse contexto que se possibilita a prática das responsabilidades,

de estratégias de sobrevivência e prática da cidadania, sendo este um espaço importante

para o desenvolvimento, sobrevivência e proteção dos seus membros, independente de seu

arranjo e estrutura.

Para a compreensão dessa dimensão, Berthoud77

em seu trabalho, cita a importância

de identificar as possíveis variáveis presentes no conceito de família: primeiramente a

autora apresenta a estrutura familiar, incluindo número de componentes, nível econômico,

escolaridade, tipo de casamento, quem trabalha, entre outras. Seguindo essas variáveis, a

autora destaca a dinâmica familiar como a forma de funcionamento da família e cita a

importância de identificar os motivos e metas que guiam e possibilitam esse

funcionamento, as relações hierárquicas nela estabelecidas, o desempenho dos papéis

familiares e as relações afetivas. Por fim, a autora explica que deve-se buscar constatar os

valores familiares, sendo os aspectos vivenciados no coletivo e/ou individual pelos

membros das famílias estudadas e como essas vivências são transmitidas às novas gerações.

A bibliografia estudada a respeito do tema condiz com os dados obtidos nesta

pesquisa. Esses estudos visam a importância em reconhecer as várias possibilidades de

organizações familiares e, como afirma Neder78

em seu trabalho, é apropriado o uso do

termo “famílias” no plural, considerando a multiplicidade étnico-cultural, ou seja, os

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variados aspectos históricos e culturais que constituem essas diferentes organizações

familiares.

O ciclo de vida da família também é um aspecto importante a ser estudado,

considerando os diferentes momentos por ela vivenciados, reconhecendo a sua trajetória e

etapa do desenvolvimento em que se encontra. Em cada fase da vida, o indivíduo e sua

família se compõem de forma a buscar a sua sobrevivência e bem-estar, influenciados e

guiados, nesses diferentes períodos do ciclo de vida, pela variação em seu número de

membros e suas idades cronológicas79

.

Outro aspecto presente nos estudos aqui destacados, diz respeito ao número de

membros que constituem o arranjo familiar, sendo estes consanguíneos ou não, porém

residentes no mesmo local. Neder78

, Amazonas, et al.75

, Macêdo e Monteiro80

, Ferrari e

Kaloustian76

, Ribeiro et al. 79

e Bilac81

, relacionam o tamanho da família com a sua situação

socioeconômica. Os autores verificaram em seus estudos que quanto menor o poder

aquisitivo, mais numerosos são os arranjos familiares, situação equivalente a dos

participantes dessa pesquisa. Segundo eles, isso se dá devido à busca em comum pela

sobrevivência e bem-estar. Além disso, Ribeiro et al79

destacam ainda a influência que o

nível da renda traz sobre o nível de instrução, o que acarreta prejuízo no planejamento

familiar e nas taxas de natalidade.

Com relação à presença das mães na grande maioria das famílias participantes,

Ribeiro et al79

e Amazonas et al75

também discutiram e destacaram essa predominância.

Para as autoras, as mulheres são vistas como o centro principal quando se discute a respeito

da dinâmica familiar. Nos dados obtidos nessa pesquisa, a única família sem a presença da

mãe na constituição familiar, possui a figura materna presente na avó. Aspecto também

discutido pelas autoras, que atribuem à figura materna, incluindo nela, mães, avós e tias a

função de centro da dinâmica familiar.

Além disso, em casos de recasamento, encontra-se na literatura que a procura de

novos parceiros decorre da busca de novos provedores e companheiros na divisão de

responsabilidades, assim como também da necessidade de apoio emocional75, 79

.

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53

Observa-se nos dados obtidos nessa pesquisa e nos dados estudados em outras

pesquisas pertinentes ao tema75, 76, 77, 78, 79, 80, 81

, que o arranjo familiar pode ser bem diverso

em termos de número de membros familiares consanguíneos ou não, mesmo com a

presença predominante do modelo de família nuclear.

Santos e Graminha14, 82

, em seus estudos mostraram que as adversidades familiares

tendem a estarem mais presentes no contexto familiar dos alunos com rendimento

acadêmico mais baixo. Para as autoras, adversidades familiares dizem respeito desde a

criança não ter sido desejada, dificuldades financeiras, problemas de saúde de outros

membros da família, consumo de drogas e/ou álcool, agressividade, superproteção,

indiferença, rejeição, entre outros.

É importante sinalizar que devido a localização da escola selecionada, na região de

periferia do município de Campinas, com predomínio de famílias de baixa renda sócio-

econômica, a incidência de adversidades familiares também surge em famílias de alunos

sem dificuldades escolares.

Esses aspectos foram observados nos discursos dos responsáveis ao se referirem, em

sua maioria (18 entrevistados) à existência de problemas no ambiente familiar.

Os exemplos que seguem destacam fragmentos das entrevistas em que os

responsáveis relataram detalhadamente as histórias vivenciadas no ambiente familiar:

S1. A mãe relatou que o pai da aluna faleceu no ano de 2010 e ela e as filhas sentiram

muito, “entraram em depressão” (sic). Além disso, a mãe descreveu sua angústia devido ao

uso de drogas por sua filha mais velha (com 13 anos, no período de coleta de dados). Com

relação a S1, ela afirmou “É o tipo de menina que tem que ter ajuda (...) tem falta de

carinho, né?”. Ela afirmou também que atualmente vive com o padrasto de S1 e os dois

não se relacionam bem, brigam constantemente e trocam agressões verbais. [Mãe 1; aluna

S1; 8 anos e 4 meses].

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S6. Durante a entrevista, a mãe relatou que a gravidez da aluna não foi desejada, e no

primeiro mês ingeriu medicamento específico para abortar. Apesar disso, o medicamento

falhou e a gravidez foi levada até o fim. Ela atribui o atraso no desenvolvimento da filha ao

uso do remédio abortivo, ela afirma ainda que “as irmãs tratam normal”, mas ela não

consegue, “eu trato ela diferente, (ela) não é normal”. [Mãe 5; aluna S6; 7 anos e 11

meses].

S10. Durante a entrevista a mãe da aluna desabafou: “a gente precisa de ajuda, o tio dela

‘tá’ internado, o outro precisa também, tem demência, bebe e briga, a minha mãe (avó da

aluna) tem depressão há 11 anos”. A mãe demonstrou sentir-se sobrecarregada, e afirmou

que largou tudo para ajudar a família toda, mas percebe que por causa disso abandonou os

cuidados com a filha, “é uma menina praticamente sozinha, ‘se sente adulta, tomou para

ela os problemas’”.

Além desses pontos, a mãe da aluna ainda relatou: “o pai não dá atenção, chega bêbado, e

ela até me chama para dormir, ‘pro’ pai dela não me chamar, bêbado”. [Mãe 9; aluna

S10; 8 anos e 5 meses].

S16. Segundo a responsável entrevistada, o aluno é muito agressivo. No decorrer da

entrevista, chama a atenção a diferença na maneira da mãe falar do aluno S16, utilizando

uma linguagem mais ríspida, e na maneira de falar de seu irmão mais novo, com um

discurso mais amoroso. Ela afirmou em diferentes momentos da entrevista que “ele é muito

agressivo (...) e eu bato nele mesmo”. Descreveu situações de violência física e verbal

constantes em seu ambiente familiar.

No seu relato, ela afirmou ter depressão e tomar medicamentos. Ela percebe que muitas

vezes “desconta no filho” (sic). Durante seu relato, ela demonstrou irritação com o jeito do

filho. Além disso, disse que, quando mais novo, “(ele) tentou suicídio, e ainda disse que

era por causa do irmão dele, ele fez desenhos com arma ‘pro’ irmão e até tentou matar o

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irmão dele sufocado com travesseiro (...), ele fez um desenho da família e colocou o irmão

bem longe”.

Quando questionada sobre qual foi a postura adotada em relação a tantas questões

preocupantes, ela afirmou apenas que a partir do encaminhamento da professora do pré que

procurou atendimento psicológico para o filho, porém depois de sete sessões o profissional

não deu mais retorno e ela não procurou mais ajuda. [Mãe 14; aluno S16; 9 anos e 7

meses].

S17. A entrevista com a avó revelou muita angústia e um sentimento de pena pelas

adversidades que seu neto já vivenciou e ainda vivencia na vida. Segundo ela, a relação do

aluno com a mãe é bastante problemática: até os quatro anos de idade, ele viveu

exclusivamente com a avó, porém a mãe depois de um período tentou se aproximar mais e

viver junto, mas não conseguiu conviver por muito tempo e se mudou novamente. Do

ponto de vista da avó, a relação com o irmão de oito anos envolve muitas brigas. Sobre o

pai biológico do aluno, a avó relatou que quando o neto tinha apenas dois meses de idade,

ele agrediu a ela e a sua filha (a mãe de S17) fisicamente e verbalmente e ameaçou matar o

próprio filho. Desde então ele é proibido pela família de ver o menino.

Por fim, a avó também relatou que o avô de S17 bebe diariamente e, devido a isso, “(ele)

perdeu o respeito, ele fala para mim ‘manda esse homem embora, por que você fica com

ele?’ ”. Em outro momento da entrevista, a avó assumiu que o aluno é muito nervoso,

afirmando que ele “tem gênio ruim”, e por causa disso, muitas vezes ela perde a paciência e

bate nele com cinta. [Avó 1; aluno S17; 9 anos – a avó não soube informar a data de

nascimento no momento da entrevista, apenas a idade].

S20. No início da entrevista a mãe se apresentou bastante abatida e contou que estava com

quadro de depressão. A mãe relatou que há dois anos (do momento da coleta de dados), seu

filho mais velho de 24 anos havia sido assassinado e que desde então a família toda sofre

com essa perda. Além disso, o pai do aluno tem problemas sérios de saúde e pouco interage

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com o filho. Segundo a mãe, quando não está acamado, ele está trabalhando, “ele é bem

ausente, indiferente sabe?”. Por fim, a mãe do aluno disse que toda sua família é alcoólatra

e, em alguns momentos, ela também bebe. Devido as adversidades que enfrentou na vida,

ela revelou que chegou a pensar em suicídio, porém lembrou-se de seu filho e desistiu, “ele

é uma bencinha, veio suprir minha vida”. [Mãe 17; aluno S20; 8 anos e 10 meses].

S21. Durante o período de coleta de dados, a própria mãe do aluno solicitou participar das

entrevistas com a pesquisadora. Quando soube que havia uma psicóloga na escola, falando

sobre dificuldades de aprendizagem, ela logo pensou no filho. A mãe relatou que o filho

constantemente diz “eu não sou feliz” e a mãe revelou que o menino sofreu abuso sexual

pelo próprio pai, quando mais novo. Desde então, a mãe observou essa mudança no

comportamento do filho, “fica mais rebelde quando vê o pai”. A mãe desconfia de que o

menino tenha um comportamento violento, provavelmente reproduzindo a violência

sofrida. Diz ela: “eu falo para ele, você vai ser igual seu pai”. A mãe contou ainda que ela

também sofreu abuso quando mais nova, e devido a isso ela tem medo e não os deixa sair

de casa sozinhos. [Mãe 18; aluno S21; 9 anos e 10 meses].

Os depoimentos das famílias permitem identificar casos de violência física e verbal,

incluindo violência sexual; consumo de álcool e drogas; existência de membros da família

doentes, com doenças físicas e mentais; indiferença e rejeição dos filhos. Como visto, é

importante entender que esses fatores influenciam de forma significativa os aspectos da

vida de um indivíduo, os aspectos biológicos, psicológicos e sociais.

Alem dos depoimentos anteriores, um grupo de responsáveis se referiu à existência

de problemas na família, mas, optou por não relatá-las (S3, S4, S5, S6, S8, S9, S11, S13,

S14, S15, S18 e S19). A importância de mencionar esses depoimentos reside em que eles

permitem identificar indícios do funcionamento do ambiente familiar, como visto no

trabalho de Berthoud77

: são essas informações que proporcionam o conhecimento da

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estrutura familiar, dinâmica familiar e valores familiares, demonstrando que, muitas vezes,

são de risco para o indivíduo se desenvolver e aprender.

Percebe-se que quando algo no ambiente familiar não vai bem, de certa forma, o

ambiente escolar também é afetado. Maldonado83

descreve em seu estudo que problemas

familiares que se refletem em casa, “quase sempre, também (se refletem) na escola em

termos de indisciplina e de baixo rendimento escolar” (p. 11). A autora explica que o

contexto e as pessoas com que a criança vive, suas experiências de vida, junto a

determinadas predisposições, recursos e características pessoais, contribuem para seu modo

de ser. A partir disso, ela destaca a importância em reconhecer a existência da

multiplicidade de fatores que influenciam na construção desse modo de ser da criança.

Outro aspecto observado nessa população foi a presença de responsáveis

semianalfabetos e até mesmo analfabetos. Dados apresentados e discutidos a seguir.

Tabela 4. Alfabetização autodeclarada dos responsáveis.

Responsáveis alfabetizados? Meninos Meninas Total

Sim 8 3 11

Não 7 3 10

Total 15 6 21

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

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Gráfico 5. Alfabetização autodeclarada dos responsáveis.

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

O rendimento acadêmico está associado a um conjunto de fatores que incluem: o

contexto familiar, as características pessoais dos próprios alunos e dos responsáveis e

outros membros da família, assim como a vivência do aluno na escola e em outros

ambientes que podem favorecer o desenvolvimento e a aprendizagem escolar. A educação

formal recebida pelos familiares que convivem com a criança tem sido apontada também

entre os fatores que condicionam o sucesso escolar. Nesse sentido, as entrevistas revelaram

que, praticamente metade dos familiares foi classificada como analfabeta. Além disso, é

importante pontuar que alguns dos responsáveis, apesar de se apresentarem como

alfabetizados, não finalizaram o ensino fundamental.

Entende-se a importância do envolvimento dos pais, e responsáveis na educação das

crianças, reconhecido como fator que incide na atitude e desempenho escolar da criança.

Esta participação pode ser realizada desde a sua presença nas reuniões e eventos escolares,

até o auxílio no dever de casa e o incentivo à realização das atividades relacionadas à

escola. Devido a isso, a ajuda nas tarefas escolares também foi discutida durante as

entrevistas.

0

2

4

6

8

10

Sim Não

Meninos

Meninas

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Tabela 5. Ajuda nas tarefas escolares, segundo o relato dos responsáveis.

Recebe ajuda nas tarefas escolares? Meninos Meninas Total

Aceita 14 5 19

Não aceita 1 1 2

Total 15 6 21

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

Gráfico 6. Ajuda nas tarefas escolares, segundo o relato dos responsáveis.

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

Apesar do alto índice de pais analfabetos, a maioria das crianças recebe ajuda nas

tarefas escolares em casa, como auxílio na leitura das atividades propostas e explicações

sobre as dúvidas. No grupo dos meninos, 14 aceitam ajuda oferecida em casa. Dentre esses,

sete além de aceitarem, também a solicitam de forma espontânea e apenas um menino não

aceita ajuda de ninguém em casa. No grupo das meninas, também surgiu um caso de uma

0

2

4

6

8

10

12

14

16

Aceita Não aceita

Meninos

Meninas

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menina que não aceita ajuda alguma nas tarefas escolares e, assim como no grupo dos

meninos, a maioria aceita e também pede ajuda de forma espontânea.

Devido ao fato de que muitos pais serem analfabetos, na maioria dos casos, os

irmãos mais velhos são chamados para auxiliar a criança com dificuldade. Em algumas

situações, a presença de uma avó alfabetizada colabora para ajudar nas tarefas escolares da

criança.

Destacam-se abaixo exemplos dos discursos dos responsáveis, que descrevem os

tipos de ajuda e suportes que a criança recebe em casa:

S3: A mãe apresentou a sua dificuldade em ajudar o filho, por ser analfabeta, mas afirmou

que tenta ajudá-lo ao máximo: “(ele) pede ajuda, não é menino que tem preguiça” (...)

“quero que seja alguém na vida”, e o quanto o incentiva a ler: “ele até fala ‘quero ir pra

igreja, para ler os livrinhos’”. Porém, segundo a mãe, o pai já é mais impaciente e

enquanto ajuda o filho, chega a verbalizar: “tu é burro”. [Mãe 3; aluno S3; 8 anos].

S4: A criança busca ajuda e mesmo com as dificuldades dos pais, ambos a ajudam: “(ela)

pede explicação, fica brava quando não ajudam”; “(ela) quer muito estudar”; “o pai ajuda,

eu não sei muito, mas ajudo”. [Mãe 4; aluna S4; 7 anos e 10 meses].

S8: A mãe afirmou ler para sua filha e que ela muitas vezes reproduz o que vivencia: “eu

leio pra ela e ela lê pra boneca”. [Mãe 7; aluna S8; 8 anos e 2 meses].

S10: A mãe, que se apresentou como analfabeta, alegou que a filha não tem paciência com

ninguém em casa, constantemente desrespeita os familiares: “ela não tem paciência, faz

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outras coisas enquanto a pessoa ‘tá’ ajudando”; “ela nem mostra (a tarefa para a mãe),

porque sabe que eu não sei ‘lê’ ”. [Mãe 9; aluno S10; 8 anos e 5 meses].

S11: Os pais do aluno afirmaram que se sentem “perdidos com as dificuldades” do filho,

porém sempre tentam ajudá-lo: “tento pegar livro, brinquedos para estimular ele”. [Mãe

10 e Pai 2; aluno S11; 7 anos e 9 meses].

S14: A queixa principal é a alteração na fala, característica também presente na avó paterna

e no pai, os quais ajudam a criança com frequência: “a família toda ajuda, minha sogra,

meu marido também (...) que eles fizeram ‘fono’ também”; “a gente (mãe e avó) lê bastante

para ela”. [Mãe 12; aluna S14; 9 anos e 5 meses].

S15: A mãe alegou que tanto ela quanto o pai do aluno são analfabetos, porém eles buscam

incentivar seu filho a estudar e pedem com frequência que a sua filha mais velha o ajude

nas tarefas escolares: “a gente (pais) não lê, mas a irmã (mais velha) ajuda ele, manda ele

estudar mais”. [Mãe 13; aluna S15; 9 anos e 1 meses].

S16: A mãe afirmou que normalmente faz a tarefa pelo filho e ele apenas copia. Apesar de

enxergar isso como uma forma de ajuda, ela disse que não se preocupa muito e acaba

atribuindo a responsabilidade à avó do menino, que o criou até os 4 anos (no período da

entrevista a criança estava com 9 anos): “não faço nada, ajudo quando posso, a avó dele

ajuda mais, explica com mais paciência (...) ele depende muito da avó”. [Mãe 14; aluno

S16; 9 anos e 7 meses].

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S17: A avó expressou angústia por ter dificuldades para ajudar seu neto (que reside com

ela): “(eu) tento ajudar, mas não tenho muita leitura. A mãe ajudava, mas ele perdia a

paciência e ficava nervoso, ‘fala’ que está fazendo errado”. [Avó 1; aluno S17; 9 anos – a

avó não soube informar a data de nascimento no momento da entrevista, apenas a

idade].

S18: A mãe mostrou preocupação, por ela ser analfabeta e não conseguir ajudar seu filho:

“eu queria ajudar, mas não dá”. Ela alegou que pede aos seus outros filhos que já sabem

ler e escrever para ajudarem o menino, porém eles não têm paciência com suas

dificuldades: “os irmãos tentam, mas falta paciência”. [Mãe 15; aluno S18; 8 anos e 10

meses].

S19: “Eu tento ajudar ele, mostrando, escrevendo pra ele ver”. [Mãe 16; aluno S19; 8

anos – a mãe não soube informar a data de nascimento no momento da entrevista,

apenas a idade].

S20. A mãe do aluno, apesar de ser analfabeta e não poder ajudá-lo muito nas atividades

escolares, demonstrou o quanto se preocupa com seu futuro: “meu sonho é que ele

aprenda, é ter filho estudado, que tire carteira de motorista”, essa preocupação surgiu pelo

fato dela não poder tirar a carteira de motorista por ser analfabeta. [Mãe 17; aluno S20; 8

anos e 10 meses].

S21: A mãe explicitou como queixa principal o isolamento da criança e a falta de

comunicação entre mãe e filho, o que dificulta a relação entre os dois. Além disso, ela diz

que seu filho não manifesta preocupação com a aprendizagem escolar: “eu tento ajudar,

mas ele fala que não tem lição, nem bilhete. As irmãs tentam ajudar, mas o caderno é em

branco”. [Mãe 18; aluno S21; 9 anos e 10 meses].

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Outro aspecto importante para o rendimento acadêmico e também discutido nas

entrevistas foi o contato com a leitura e escrita fora do contexto escolar.

Tabela 6. Contato do aluno com a leitura e escrita fora do contexto escolar, segundo o

relato dos responsáveis.

Contato com a leitura e a escrita Meninos Meninas Total

Não tem 6 1 7

Pouco - apenas lição escolar 3 1 4

Moderado - revistas e gibis 4 2 6

Bastante - revistas e gibis 1 2 3

Sem resposta 1 0 1

Total 15 6 21

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

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Gráfico 7. Contato do aluno com a leitura e escrita fora do contexto escolar, segundo o

relato dos responsáveis.

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

Com relação ao contato com a leitura fora do contexto escolar, procurou-se

informação sobre leituras que fossem além das tarefas escolares, porém a maioria dos

responsáveis respondeu levando em consideração apenas essas atividades. Os dados da

tabela 6 e gráfico 7 descrevem essa situação. Sete responsáveis afirmaram que a criança

não possui contato algum, alegando que nem a tarefa de casa é feita. Quando questionados,

muitos disseram que a criança esconde a tarefa, mente que não tem ou simplesmente não

mostra para os responsáveis, que também não perguntam se tem.

Das 13 crianças que possuem contato com a leitura, a maioria (seis) ficou em um

grau moderado, considerando que além das tarefas escolares, os responsáveis providenciam

revistinhas e gibis. Quatro responsáveis afirmaram que a sua criança tem pouco contato,

através apenas das tarefas escolares; três, em contrapartida, possuem bastante contato com a

leitura e escrita em casa, algumas dessas crianças gostam de brincar com essas habilidades,

como em brincadeiras de “escolinha”, além do uso de revistas, gibis e tablets. Apenas um

responsável não soube responder.

0

1

2

3

4

5

6

7

Meninos

Meninas

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Mesmo sem ter sido questionado no momento da entrevista, outro aspecto

observado durante os períodos de participação no ambiente escolar e em alguns discursos

dos responsáveis, foi o uso de computadores e celulares pelos alunos da escola, o que

muitas vezes implica em informações escritas e no contato com a leitura e escrita. O uso

dessa tecnologia, principalmente, das redes sociais e internet, levanta suspeitas sobre

algumas das informações fornecidas por familiares em relação ao real contato com a cultura

letrada.

Apesar da importância da presença e apoio dos pais/responsáveis no processo

escolar dos alunos, ainda nos deparamos com situações de dificuldades dos pais em

acompanharem os estudos de seus filhos, ou até mesmo, em situações críticas, descaso e

abandono. Devido a isso, é necessário enfatizar que a escola tem papel crucial na

identificação e enfrentamento dessas situações que interferem fortemente nas condições da

aprendizagem.

Sugere-se às escolas um apoio mais direto aos familiares, com orientações e auxílio

na compreensão de como podem ajudar e apoiar seus filhos fora do contexto escolar. Além

disso, vê-se a importância de se estabelecer relações entre as vivencias dos alunos fora do

ambiente da escola e as atividades de aprendizagem formal.

Segundo os autores14, 82, 84, 85, 86

que também estudam a temática, o sucesso escolar

depende, no atual sistema educacional do apoio direto da família, desde investimentos a

ajudas nas dificuldades individuais e escolares. Sendo assim, a família que é dotada de

recursos econômicos e culturais acaba por privilegiar o aluno em seu processo de

aprendizagem.

Santos e Graminha82

em sua pesquisa confirmaram que crianças que costumam ter

com mais frequência material de leitura em casa, são favorecidos na habilidade de contar e

inventar histórias e produções de texto. Essa ideia reforça a importância da família e seu

ambiente em proporcionar condições e materiais que estimulem o desenvolvimento da

criança. Como forma de auxílio e estímulo, a família pode ajudar a criança a se estruturar e

organizar em casa e também em outros ambientes. Os estudos confirmam a percepção de

que a instituição escolar não assume como própria a responsabilidade pela aprendizagem e

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por isso, não oferece àqueles alunos cujas famílias não têm recursos (educação, tempo

disponível, condições afetivas) que possam apoiar o trabalho escolar, os meios para uma

educação bem sucedida.

Essas questões são apresentadas por Pierre Bourdieu87, 88, 89

, sociólogo francês, que

expõe em sua teoria o poder da sociedade e do contexto familiar em mudar e moldar o

indivíduo, sendo este produto da sociedade que vive e de sua cultura. Para o autor, na

experiência escolar, é de grande importância a valorização das diferenças individuais e

também das diferenças culturais entre os indivíduos, com trocas de experiências.

A herança cultural é apresentada pelo autor como a responsável pela diferença no

rendimento escolar de cada aluno, ou seja, as oportunidades e chances de ser bem sucedido

no processo de escolarização se dão fundamentalmente pelo nível cultural do meio familiar

em que este aluno está inserido.

Bourdieu87

introduz o conceito de capital cultural como essencial para a

compreensão das diferenças no desempenho escolar de indivíduos de diferentes classes

sociais, visto que este é o sistema de valores interiorizados e implícitos, transmitidos pelo

seu meio familiar. São seus gostos, sua linguagem, “é um ter que se tornou ser, uma

propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante da pessoa, um habitus ” (p.74).

Habitus, conceito também apresentado pelo autor, sintetiza o processo de

constituição do sujeito como produto da herança cultural e das suas experiências de vida,

que deixam marcas profundas no indivíduo. Este conceito permite compreender alguns

aspectos da relação do indivíduo e a sociedade. O conceito de habitus, assim como o de

capital cultural, ajuda a entender os fatores que influenciam significativamente o

rendimento escolar dos alunos, assim como as diferenças na aprendizagem e no

desempenho, decorrentes das histórias familiares e das comunidades de origem dos alunos

em interação com as vivências e exigências escolares.

Segundo Bourdieu87, 88, 89

, os alunos provenientes de famílias com maior capital

cultural, provenientes de meios mais favorecidos, possuem maiores chances de apresentar o

sucesso escolar, pois considera-se que a linguagem, as atitudes e habilidades valorizadas

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67

pela instituição escolar, são mais próximas da realidade cultural destes indivíduos, pois

desde cedo possuem contatos em todos os domínios da cultura, como teatros, música,

cinema, pintura, etc, apresentando um conjunto de experiências prévias à experiência

escolar, que permite enfrentar as últimas posteriormente com mais familiaridade. De acordo

com a visão do sociólogo francês, a escola deveria promover ações que contribuíssem para

mudar esse estado de coisas.

Ratner90

relaciona em seu estudo, o conceito de habitus de Bourdieu e a teoria de

Vygotsky, ao enfatizar o papel do social na vida do indivíduo no que diz respeito às

emoções, pensamentos, necessidades, motivações, comportamento e imaginação. Nas

palavras do autor: “Bourdieu states that socially constituted set of understandings guide

perception, thinking, emotions, motives, needs, imagination, and behavior. The socially

constituted set of understandings that form the core of our cultural psychology is called a

habitus” (p.111).

Na perspectiva de Vygotsky32,

33, 34, 35

, há grande importância nas trocas e relações

do indivíduo com seu meio no processo de desenvolvimento e aprendizagem. O autor

afirma que a presença do outro é essencial, já que a criança aprende através de suas

experiências com o meio, assim como também com a assistência e informações

compartilhadas pelas pessoas ao seu redor.

“Desde os primeiros dias do desenvolvimento da criança, suas atividades

adquirem um significado próprio num sistema de comportamento social e,

sendo dirigidas a objetivos definidos, são refratadas através do prisma do

ambiente da criança. O caminho do objeto até a criança e desta até o

objeto passa através de outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o

produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado

nas ligações entre história individual e história social” (Vygotsky32

p.19-

20).

Destacamos, nos depoimentos e relatos das famílias, o interesse, a preocupação e a

tentativa de ajudar a criança, mesmo quando as condições de vida são precárias, no que se

refere a recursos socioeconômicos, saúde física e mental e recursos de educação e cultura.

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Levando em consideração as ideias de Bourdieu, brevemente descritas, ressaltamos

aqui o papel da escola como ambiente que tem o potencial de apresentar às crianças que

podem não ter tido experiências prévias significativas com a leitura, materiais e atividades

que ajudem a tornar os atos de ler e escrever, eventos relevantes, úteis e prazerosos.

4.3. Caracterização das professoras e suas percepções

Quadro 2. Caracterização das professoras participantes da pesquisa. Período da coleta de

dados Outubro/2013 a Abril/2014.

Professora Gênero Classe:

Ano letivo 2013

Classe:

Ano letivo 2014

P1 Feminino 2º ano A ----

P2 Feminino 2º ano B 3º ano C

P3 Feminino 2º ano C ----

P4 Feminino 3º ano A ----

P5 Feminino 3º ano D ----

P6 Feminino 5º ano B 5º ano B

P7 Feminino ---- 3º ano B

P8 Feminino ---- 4º ano D

Fonte: elaboração própria com base nos dados coletados durante a presença da pesquisadora na escola.

Na entrevista com as professoras, que lecionam em turmas com média de 25 a 30

alunos, foi solicitado que elas apresentassem os alunos com dificuldades escolares e a partir

disso, contassem como os enxegavam, o que sabiam a seu respeito e suas dificuldades. Os

aspectos emergentes dessa entrevista são apresentados a seguir em quadros, elaborados a

partir de segmentos dos discursos das próprias professoras. Estes trechos foram

selecionados e destacados devido à caracterização dos alunos, etapa da alfabetização e/ou a

descrição de suas dificuldades.

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Quadro 3. Caracterização comportamental e das dificuldades dos alunos descrita pelas

docentes das turmas do 2º ano A, B e C.

Classe Aluno Gênero Caracterização comportamental e das dificuldades do

aluno

2º ano A

Professora (P1) S1 Feminino

Dificuldade em leitura e escrita e problema no

comportamento.

2º ano B

Professora (P2) S2 Masculino

Melhorou em leitura e escrita, mas ainda tem muita

dificuldade em matemática, além de não ter boa estrutura

familiar.

2º ano C

Professora (P3)

S3 Masculino Dificuldade em reconhecer letras e números. Está no

início do processo de alfabetização.

S4 Feminino Está no início do processo de alfabetização. Começou a

reconhecer letras há pouco tempo.

S5 Masculino Dificuldade em leitura e escrita, desorganização e

comportamento inadequado.

S6 Feminino Não reconhece letras e números e não consegue respeitar

as regras.

S7 Masculino Tem alteração na linguagem e dificuldade em leitura e

escrita.

S8 Feminino Dificuldade em leitura e escrita.

S9 Masculino Dificuldade em leitura e escrita e em matemática.

S10 Feminino Dificuldade em leitura e escrita, ainda não entende

sílabas.

S11 Masculino Dificuldade em leitura e escrita.

Fonte: elaboração própria com base nos dados coletados durante as reuniões com as professoras No período

de Outubro e Novembro de 2013.

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Quadro 4. Caracterização comportamental e das dificuldades do aluno descritas pelas

docentes das turmas do 3º ano A e D e 5º ano B.

Classe Aluno Gênero Caracterização comportamental e das dificuldades

pela professora

3º ano A

Professora (P4)

S12 Masculino

Imaturo para idade, tem alteração na linguagem, não

reconhece números e letras e esquece com facilidade o

que é explicado para ele.

S13 Masculino Apático em aula, dificuldade em leitura e escrita e com

muita desorganização.

S14 Feminino

Alteração na linguagem, leitura e escrita silábica,

dificuldade em reconhecer números e precisa de

estímulo.

S15 Masculino Não consegue ler e escrever sozinho e não tem estrutura

familiar boa.

S16 Masculino Não demonstra interesse, nem motivação para aprender e

não tem boa estrutura familiar.

3º ano D

Professora (P5)

S18 Masculino Dificuldade em leitura e escrita, porém com ajuda

consegue ler e escrever.

S17 Masculino Dificuldade em leitura e escrita. Demonstra boa

compreensão ao que é explicado.

S19 Masculino Dificuldade em reconhecer letras e sílabas, esquece

rapidamente o que lhe explicado.

S20 Masculino

Dificuldade em leitura e escrita, precisa de ajuda para

conseguir ler e escrever, família com problemas

psicológicos, emocionais e estruturais.

5º ano B

Professora (P6) S21 Masculino

(Solicitação da mãe para ajuda psicológica). Apático e

isolado em todos ambientes, dificuldade em leitura e

escrita. Família com problemas estruturais, psicológicos

e emocionais.

Fonte: elaboração própria com base nos dados coletados durante as reuniões com as professoras No período

de Outubro e Novembro de 2013.

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Os aspectos que emergiram dos discursos das professoras foram exclusivamente

centrados nos alunos e em suas famílias: a predominância das dificuldades em leitura e

escrita, um alto índice de dificuldade em raciocínio aritmético, assim como os problemas na

estrutura familiar (nos aspectos emocionais, psicológicos e estruturais), alterações no

comportamento (apatia, agressividade, desmotivação, ansiedade, entre outros) e alteração

no desenvolvimento (atraso no desenvolvimento e alteração na linguagem). Chama atenção

a falta de referências ao processo de ensino, à forma de organização do trabalho escolar e à

história escolar dos sujeitos.

A partir do relato das professoras, entende-se que a grande maioria dos alunos

participantes dessa pesquisa, apresenta dificuldades significativas no processo de

alfabetização. Essa questão é fundamental ser investigada, pois esse resultado também

demonstra uma necessidade por parte da escola de transmitir a importância desses

conhecimentos, os quais são indispensáveis para o sujeito tanto em sua vida acadêmica,

quanto em sua vida social, conforme visto na definição de Letramento43, 44, 45

.

Observa-se que, destes alunos selecionados devido a sua queixa escolar, segundo as

professoras, muitos possuem dificuldades significativas, mesmo depois de dois ou três anos

na escola. Este fato preocupa muito os educadores, os profissionais envolvidos com a

escola e os familiares. Tais questões e preocupações estiveram presentes em todas as

conversas realizadas durante o período de participação da pesquisadora na escola, durante

as observações, conversas com a direção, com as docentes e também nas entrevistas com os

responsáveis. As entrevistas com os responsáveis complementaram as observações e as

entrevistas com as professoras e permitiram construir uma visão mais completa sobre os

alunos.

4.4. Observações das práticas pedagógicas

Após o período de observação no ano letivo de 2013 e entrevistas com os

responsáveis, apesar de não fazer parte da proposta da pesquisa, em parceria com as

professoras, a pesquisadora participou e auxiliou na organização das trocas de turmas dos

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alunos em transição para o ano letivo de 2014, realizada no final de Novembro/2013.

Primeiramente foi feita uma reunião com as professoras dos alunos participantes da

pesquisa para fazer um levantamento da demanda, das queixas e uma análise das fases do

desenvolvimento e da psicogênese da escrita de cada um, descrita por Ferreiro47

e Ferreiro

e Teberosky48

. Esse referencial é utilizado pela escola para classificar os alunos e avaliar as

suas condições de aprendizagem e de participação na série ou ano em que estão

matriculados. A partir dessa análise, junto aos dados das observações como referência, foi

possível organizar duas turmas com foco intensivo nas dificuldades, a turma de 3º ano B e

4º ano D (Turma de Recuperação Intensiva) que reuniram os alunos com as maiores

dificuldades no processo de aprendizagem escolar.

No mesmo dia, junto às professoras, a pesquisadora se reuniu com a dirigente da

escola para apresentar a proposta de distribuição dos alunos com dificuldades escolares

nessas duas turmas. Nesta reunião foi possível discutir os benefícios para os alunos, tendo

em vista o reconhecimento e o respeito à fase de desenvolvimento, aprendizagem e

psicogênese da escrita, o que possibilitaria uma turma de melhor aproveitamento e mais

apropriada em termos de atividades pedagógicas. A dirigente concordou e o ano letivo de

2014 foi iniciado com essa nova meta direcionada aos alunos com queixas escolares.

As observações na escola e as conversações com as professoras e gestoras da escola

foram registradas em diário de campo. Esse relato nos ajuda a compreender a dinâmica

escolar e as diferenças entre as professoras e entre as turmas.

4.4.1. Relato de experiência - O ano letivo de 2013

Com as anotações no caderno de campo, foi possível escrever um relato de

experiência na escola. Primeiramente é descrita a turma que mais demandou atenção,

preocupação e intervenção, a turma de 2º ano C.

No primeiro dia de observação, a minha presença em sala de aula foi vinculada

com a imagem de “fiscal” dos alunos. Isto se deu pela própria apresentação que a

professora P3 fez: “ela veio para anotar o nome de quem estiver se comportando mal,

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hein?” (sic) Foi necessário imediatamente alterar essa ameaça aos alunos e rebati a

apresentação feita pela professora: “vim apenas conhecer o que vocês estão

aprendendo”.

Apesar disso, em mais de um momento nesta mesma aula, a professora continuou

usando a minha imagem para “ameaçar” os alunos, alegando que eu estava anotando o

nome deles em seu caderno de campo. Algumas crianças se levantaram para ir até a minha

mesa e perguntar se eu havia anotado o nome delas e, novamente, mesmo que de forma

repetitiva, continuei afirmando que este não era meu papel, e estava lá apenas para

conhecer o que eles estavam aprendendo.

Essa figura ameaçadora foi “esquecida” apenas depois da terceira vez que eu

estava nesta sala de aula, observando e interagindo com os alunos, demonstrando que não

iria anotar seus nomes para uma possível ameaça ou bronca.

Outro recurso de “ameaça” constantemente utilizado pela professora (P3), caso a

criança não se comportasse, foi o de enviar bilhetes aos pais, assim como agendar

reuniões com eles. Apesar de nunca realizar efetivamente estas propostas, elas eram

frequentemente usadas como ameaças, demonstrando sua falta de autoridade e

insegurança perante uma classe desorganizada e desrespeitosa.

Com o decorrer dos dias de observações dentro desta sala de aula (totalizando 14

visitas no ano 2013), andando em volta das carteiras para folhear os cadernos dos alunos

e acompanhar de perto suas produções nas atividades propostas, observei que mais da

metade da turma (16 alunos) apresentava dificuldades importantes no processo de

aquisição da leitura e da escrita.

Além disso, identifiquei que destes alunos com dificuldades, a maioria tentava

copiar da lousa as informações escritas diariamente pela professora. As informações

apresentadas para os alunos copiarem sempre seguiam o mesmo padrão: nome da escola;

nome do aluno; data; nome dos alunos que faltaram; rotina do dia; uma frase do dia –

como, por exemplo, “Deus te ama” e “Mentir é errado” e como o tempo estava naquele

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momento – como, por exemplo, “hoje o dia está nublado”, seguido pelas atividades

propostas para o dia.

Neste primeiro momento do dia, um aluno que não apresentava dificuldades na

leitura e escrita chegou a pedir para a professora (P3) escrever essas informações mais

devagar, para que assim fosse possível ele a acompanhar na escrita. Esse mesmo pedido

foi feito em mais de um dia de observação. Em uma dessas situações a professora

imediatamente verbalizou o quão absurdo foi esse pedido, considerando que este aluno

conseguia copiar a lousa rapidamente. Em outro dia, quando este mesmo aluno solicitou

que a professora escrevesse mais devagar na lousa, sua resposta, novamente ríspida, foi:

“não tem que esperar ninguém” (sic) e continuou escrevendo em ritmo acelerado. Com

essa atitude verificou-se o despreparo por parte da professora e a desconsideração com a

etapa do desenvolvimento e aprendizagem dos alunos, assim como as suas dificuldades,

além do descarte da motivação que se apresentava para fazer a tarefa.

Enquanto eu andava em volta das carteiras nos 14 dias de observação, identifiquei

que mesmo com a escrita de informações repetidas diariamente, a maioria dos alunos

apresentava erros importantes e constantemente não conseguia terminar a cópia até o

horário do intervalo (duas horas após o início da aula). Alguns destes nem ao menos se

apresentavam na fase Silábica da Psicogênese da escrita, incluindo números e letras

aleatórias em sua escrita, mesmo na cópia da lousa.

Compreende-se que, possivelmente, estes erros e demora na cópia surgem pelo fato

destas crianças ainda estarem no início do processo de aquisição da leitura e da escrita,

novamente possibilitando identificar que suas dificuldades, fase de desenvolvimento e

aprendizagem escolar eram desconsideradas pela professora (P3). As instruções eram

dadas em aula, todo dia da mesma forma, porém a sua execução não era acompanhada

pela professora, fazendo com que muitos alunos fossem embora com os cadernos com

erros importantes ou até mesmo em branco. Neste período de observação, percebeu-se que

muitos destes alunos eram “copistas” e apesar de escreverem no caderno, não

compreendiam de fato o que estavam escrevendo.

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Em contrapartida, o restante da turma (mais precisamente 13 alunos) conseguia

terminar a cópia e a atividade proposta no tempo esperado, porém, após isso, a maioria

destes alunos se levantava, andava pela sala e conversava entre si, inclusive com as

crianças que ainda não haviam finalizado as atividades e até mesmo a cópia do cabeçalho.

Esse comportamento diário das crianças que não apresentavam dificuldades prejudicava

significativamente as crianças que tinham dificuldades, pois as dispersavam

completamente. A professora constantemente interrompia a aula para dar bronca e

chamar a atenção dos alunos dispersos e, por muitas vezes, chamava a criança pelo nome

em voz alta e pontuava seu comportamento na frente da turma inteira.

Uma situação vivenciada que chamou bastante a atenção ocorreu em mais de um

dia de observação. A professora P3 e o aluno S5 constantemente demonstravam

dificuldades em se relacionar e se respeitar. De um lado a professora sem recursos para

lidar com a situação de desorganização da turma e do outro o aluno desmotivado, com

dificuldades importantes em seu processo de aprendizagem e mau comportamento

(desorganização e principalmente desrespeito com os educadores e seus colegas). Uma

frase em particular exemplifica essa situação, dita pela P3 em voz alta na frente da classe

inteira: “ele nunca faz nada... É por isso que não sabe de nada”.

Este aluno (S5) chamou bastante minha atenção, pois em praticamente todos os

dias que o observei em sala, ele se levantava inúmeras vezes para “apontar o lápis” ou

“pedir ao colega uma borracha emprestada”. Presenciei uma situação em que ele recebeu

a borracha de um colega, sentou em sua carteira, mas imediatamente se levantou, a

devolveu e foi pedir para outra criança outra borracha emprestada. Esse movimento se

repetiu nas duas horas de aula, em que cada momento era um objeto: a borracha, o lápis

ou apontador.

Entende-se que este movimento surge como uma possível forma de defesa e fuga da

execução da atividade proposta, pois assim ele não iniciava a cópia da lousa até ser

dispensado para o intervalo, ou até mesmo como uma forma de sentir-se ativo dentro do

contexto de aula. A professora (P3), por muitas vezes não percebia esse comportamento

ou, quando percebia, demorava a chamar a sua atenção. Entende-se que uma postura

adequada seria auxiliá-lo a lidar com essa dificuldade, porém a professora (P3) nunca

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demonstrou tentar compreender este movimento do aluno, apenas dava bronca pelo mau

comportamento ou simplesmente o ignorava.

Um dia, optei por de fato cronometrar quanto tempo efetivamente a sala se

mantinha bagunçada, com as crianças andando entre as carteiras e conversando entre si.

Essa “bagunça” durou das 13h40min (hora que a aula iniciou) até às 14h30min e tudo se

“acalmou” quando a professora pediu que os alunos arrumassem o material para saírem

para o intervalo. Neste momento de arrumação, andei entre as carteiras e detectei que

apenas a minoria dos alunos (13 dos 29 alunos, que não apresentavam maiores

dificuldades), havia copiado o cabeçalho da lousa (o nome da escola, o nome da criança, a

frase do dia, quantos alunos faltaram e como o tempo estava).

Nos dias de observação presenciei situações bastante preocupantes e que

demonstravam a falta de preparo por parte da professora (P3). Um exemplo disso ocorreu

em um dia em que a professora demonstrou não se preparar e organizar para as aulas.

Após escrever o cabeçalho na lousa, ela se dirigiu para o fundo da classe para pegar as

atividades nos armários, mas nesse tempo a classe inteira começou a bagunçar. Mesmo

mandando os alunos sentarem, muitos permaneciam em pé e conversando com os colegas,

ignorando os comandos da professora. Ao presenciar essa situação de desorganização, me

ofereci para ajudá-la. Foi possível observar que o armário estava desarrumado e existiam

várias atividades impressas, porém estavam todas misturadas e em poucas quantidades

(não sendo suficientes para a turma inteira). Após uns 30 minutos tentando se organizar,

optei por intervir e sugerir que a professora pegasse alguma atividade do livro, visto que

todos os alunos o tinham em mãos e disse que em uma próxima situação ela poderia

organizar seu armário durante o intervalo ou antes do início da aula. A professora aceitou

bem a proposta e logo iniciou a leitura de parlendas no livro.

No final do semestre (em Novembro) a professora (P3) começou a inserir a letra

cursiva para as crianças aprenderem. Para tal, ela escreveu na lousa todas as informações

nas duas formas (letra cursiva e letra bastão). Ao andar em volta das carteiras percebi que

as crianças com dificuldades escolares, em sua maioria, copiaram das duas maneiras, em

letra bastão e embaixo em letra cursiva, o que demonstrou que elas não haviam

compreendido que era para escolher apenas uma forma de escrita. Ao copiar duas vezes as

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informações, entende-se que houve também a falta de compreensão do que estavam

escrevendo. Enquanto as crianças copiavam, a professora (P3) ficou na frente da sala

lendo uma estória em voz alta, atividade esta que a impossibilitou de conferir o caderno

das crianças e que, ao contrário, as distraia enquanto copiavam a lousa.

S8 e S10 foram duas alunas que não compreenderam esta orientação. Aproximei-

me delas e perguntei o que elas estavam escrevendo. As duas demonstraram que não

conseguiam ler o que haviam copiado. Solicitei que elas me contassem sobre o que era,

mesmo sem ler e, novamente, elas disseram que não sabiam sobre o que estavam

escrevendo. Senti a necessidade em explicar que na lousa estavam escritas informações do

cabeçalho, mas que a professora havia escrito duas vezes as mesmas informações, uma

para os alunos que sabiam escrever em letra bastão e outra para os alunos que conheciam

a letra cursiva, mas que eram as mesmas informações.

Logo em seguida, me dirigi à professora e relatei a confusão que estava

acontecendo. A atitude imediata da professora foi a de chamar a atenção da turma inteira,

dizendo que ela já havia explicado como era para fazer a cópia e que muitos alunos

estavam errados, pois não haviam prestado atenção nela. Novamente esta atitude

demonstrou a falha desta professora em perceber a dificuldade de seus alunos e, além

disso, falha em sua postura que desconsiderou o processo que o aluno estava vivenciando,

interpretando seus erros e incompreensões como mau comportamento.

Outra situação que presenciei foi a semana preparatória que antecedeu a prova do

Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar de São Paulo), realizada em

Novembro de 2013. Essa prova é organizada pela Secretaria Estadual de Educação. Para

a sua aplicação, as próprias professoras da escola foram escaladas como fiscais de sala,

porém não poderiam fiscalizar a turma que lecionavam. Devido a essa mudança de turma,

na semana preparatória, as professoras selecionadas trocaram de classe no primeiro

período dos dias anteriores à prova, para se apresentarem para a turma e se acostumarem

com os alunos.

As professoras P3 e P5 foram duas professoras escaladas como fiscais. No

primeiro dia de troca de salas, a professora P5 perguntou à P3 se ela havia preparado

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alguma atividade para a sua turma (2ºC), visto que ela ficaria com seus alunos. A resposta

que ela obteve da professora P3 foi: “enrola até o intervalo”. Esse fato chamou muito a

atenção, pois novamente foi possível identificar a falta de preparo da professora P3 e o

descaso com os seus próprios alunos.

Diante dessa situação, percebi que a professora P5 ficou bastante preocupada,

então a chamei para conversar e tentei ajudá-la a resolver esse problema. Expliquei a

situação da turma e os diferentes níveis de aprendizagem e em seguida procuramos

atividades diferentes, que atendessem aos alunos e às suas dificuldades e mais algumas

extras para as crianças que acabassem antes.

Em outro dia de observação, chamei a professora (P3) para conversar fora do

período de aula. Nesse momento foi possível compreender as suas angústias a respeito

dessa classe, descrita por ela como “problemática”. No seu relato, os problemas surgiam

desde o material doado para as crianças (livros já preenchidos e com escritos de outros

alunos que, segundo ela, eram inviáveis de serem utilizados em sala de aula), até o fato de

essa turma ter a presença de muitos alunos com dificuldades escolares, alegando que sabe

que “a professora da outra turma escolheu a dedo quem ela queria na sala dela,

sobrando só os piores” para ela (sic P3). Essas questões aparentemente desmotivaram

essa professora, que verbalizou a sua insegurança e dúvidas em como guiar a aula com

tanta dificuldade e desorganização. Para tentar amenizar essa situação, tentei acolhê-la e

sugerir novas estratégias para uma possível melhoria.

As sugestões dadas foram a respeito das atividades e de como lidar com os alunos,

considerando suas dificuldades e etapa do desenvolvimento e aprendizagem. Como os

livros estavam riscados e preenchidos, foi sugerido que ela digitasse as atividades, visto

que a escola oferecia computador e impressora para as professoras, aproveitando para

adaptá-las às diferentes etapas do processo de aprendizagem dos alunos. No caso dos

alunos que terminavam as atividades antes, sugeri que a professora fizesse algo mais

desafiador e que demandasse mais tempo para execução (como por exemplo, incluir textos

maiores e desenhos para colorir após o término). Já para as crianças com mais

dificuldades, o tema deveria ser o mesmo, porém apresentado de uma forma mais

simplificada e com menos textos escritos, com foco no início do processo de alfabetização.

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Outra proposta foi a de levar sempre mais de uma atividade pronta para o dia, para serem

realizadas pelos alunos que terminassem antes a tarefa. Além disso, pontuei a importância

em se preparar antes do início da aula, pois, com os 29 alunos, a atenção deve ser dada

para eles e não para busca de alguma atividade no armário, por exemplo.

Por fim, aproveitei para sugerir à professora que não falasse a respeito dos alunos

em voz alta na frente de outros educadores, assim como da classe inteira. A proposta era

de extinguir principalmente ofensas, como “você não sabe nada” ou “por isso que você

não aprende”. Expliquei que essas frases desencorajam os alunos, além de prejudicá-los

emocionalmente (diminuindo seu autoconceito e autoestima).

A professora demonstrou gratidão pela atenção dada a ela, porém não modificou

claramente a sua postura em situações adversas na sala de aula. Ela chegou a verbalizar

no encerramento do semestre de 2013: “eu não me responsabilizei muito pelas crianças,

porque sou contratada como professora substituta, e não tinha certeza até quando daria

aula para essa turma” (sic P3). Entretanto, ela acabou dando aula em todo o período do

ano letivo de 2013.

No final do segundo semestre de 2013, a diretora da escola me chamou para

conversar a respeito dessa turma. Nessa reunião, foi possível pontuar algumas

observações, assim como relatar as orientações dadas à professora P3. A diretora afirmou

que apesar das inúmeras conversas com a professora, não houve melhora alguma e, devido

a isso, ela não seria escalada para dar aula no ano letivo de 2014.

Conforme visto na literatura estudada, é possível identificar através do discurso

dessa professora (P3) o que Collares e Moysés5 já descreviam em meados dos anos 90. A

educadora “apresenta-se como vítima de uma clientela inadequada.” (p.16). Trazendo para

o contexto escolar a transformação de questões sociais em biológicas, como crianças com

problemas intelectuais, atraso no desenvolvimento, problemas de aprendizagem e

responsáveis pelas suas dificuldades, o que as autoras nomearam de “biologização”:

“Ao biologizar as questões sociais, atingem-se dois objetivos

complementares: isentar de responsabilidades todo o sistema social,

inclusive em termos individuais (...) Na escola, este processo de

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biologização geralmente se manifesta colocando como causas do fracasso

escolar quaisquer doenças das crianças. Desloca-se o eixo de uma

discussão político- pedagógica para causas e soluções pretensamente

médicas, portanto inacessíveis à Educação” (P.16)5.

Apesar das queixas e da postura inadequada da professora P3, com relação às

outras turmas com alunos participantes da pesquisa, (2ºA, 2º B, 3ºA, 3º D e 5ºB), foi

possível observar que o número de alunos com dificuldades escolares era

significativamente inferior ao da turma relatada anteriormente (2ºC). Além disso, as

professoras dessas turmas (P1, P2, P4, P5 e P6), apresentaram-se mais preparadas para

lidar com as situações adversas em sala de aula. Seguem alguns exemplos.

Nas turmas do 2ºA; 2ºB; 3ºA e 3ºD: as professoras P1, P2, P4 e P5 programavam

atividades distintas para as crianças em sala, seguindo a fase da psicogênese da escrita em

que elas se encontravam, assim como constantemente as estimulavam, fazendo uso

constante de palavras de apoio (“você consegue”, “você é capaz, que eu sei”) e

transmitindo segurança caso precisassem pedir ajuda. Outra estratégia utilizada foi o

trabalho em duplas, colocando as crianças com dificuldades junto a outras mais

adiantadas no processo de aquisição da leitura e escrita, o que possibilitava trocas entre

elas durante a execução das atividades.

Com relação à turma de 5ºB, a professora P6, procurava auxiliar diretamente o

aluno S21, colocando-o em duplas para estimular sua interação social, visto que a maior

queixa era seu isolamento, além de conversar bastante com ele durante as aulas. Com

relação a sua dificuldade de aprendizagem escolar, a professora constantemente verificava

seu caderno, questionava quando algo estava incompleto e o auxiliava a preenchê-lo

corretamente. Além disso, ela chegou a ajudar financeiramente a mãe do aluno para pagar

uma professora particular e a estimulou a procurar ajuda psicológica no posto de saúde. A

professora se mostrou bastante carinhosa, atenciosa e solidária ao histórico do aluno.

Seguindo as observações, verificou-se que grande parte das dificuldades

enfrentadas pelos alunos decorre de um processo de aprendizagem incompleto, que

envolve as experiências escolares prévias e as práticas atuais, nem sempre adequadas às

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necessidades do aprendiz. Em alguns poucos casos, alterações como problemas de visão e

audição ou problemas de desenvolvimento, são parcialmente responsáveis pelas

dificuldades.

A partir dessas observações, é possível afirmar que esta é uma escola que busca

atenuar as situações de dificuldades escolares, assim como problemas nas estruturas

familiares. Apesar da situação crítica ocorrida no ano letivo inteiro de 2013 com a turma

de 2º ano C, o ano letivo de 2014 iniciou de forma muito diferente.

O ano letivo de 2014 (período de observação - Janeiro a Abril/2014)

Com a mudança na distribuição dos alunos com dificuldades escolares, propostas a

partir da reunião realizada no final do mês de Novembro/2013, as observações foram

direcionadas às turmas de 3ºB e 4ºD. Com relação aos alunos S16 e S21 que foram retidos

na turma do ano letivo de 2013 e continuaram com as mesmas professoras (P4 e P6) no

ano de 2014, foram realizadas apenas conversas para acompanhamento da evolução dos

alunos, que segundo as professoras, apresentaram melhoras importantes no processo de

aprendizagem, demonstrando um melhor acompanhamento das atividades, considerando

que estavam fazendo o ano pela segunda vez.

Nas duas turmas, 3ºB (alunos classificados como pré-silábicos, silábicos sem e com

valor) e 4ºD (turma de Recuperação Intensiva), as professoras P7 e P8 procuraram

realizar atividades pedagógicas diferentes das comumente desenvolvidas na escola. A

estratégia de ensino através do uso de jogos com uso de letras e números, sílabas e rimas

foi constantemente utilizada, incorporando a atividade lúdica às práticas pedagógicas.

Além disso, foram incluídas atividades na área externa da escola, como por exemplo, a

professora P8, da turma do 4ºD, trabalhou o primeiro semestre de 2014 inteiro com foco

nos jardins da escola, ensinando sobre os insetos e animais que ali habitavam,

apresentando pessoalmente o que haviam lido em textos na sala de aula através de

observações no jardim.

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Nessas duas turmas, as professoras deram a atenção necessária e formularam

atividades apropriadas para esses alunos. A postura acolhedora, o encorajamento, o

reconhecimento do processo de desenvolvimento como produto das relações sociais e a

proposta de atividades motivadoras e congruentes com a fase de aprendizagem escolar em

que cada aluno se encontrava, teve um resultado bastante positivo. Os alunos

apresentaram evolução importante e, muitos que apresentavam baixa autoestima e

autoconceito negativo, construíram novas percepções de si e autoavaliações.

Aos alunos que apresentaram novas demandas, como aspectos emocionais,

sensoriais ou neurológicas foram sugeridos encaminhamentos tanto pela pesquisadora,

como pelas próprias professoras para outros centros especializados em saúde.

Para discutir as observações das práticas pedagógicas, recorremos à teoria Sócio-

Histórica de Vygotsky. O autor33

apresenta que o processo de aprendizagem é anterior à

inserção da criança na escola, por meio de interações com seu grupo familiar e outras

pessoas ligadas a ele. Entende-se que é nesse ambiente que a criança vivencia a sua

primeira experiência em sociedade. Apesar disso, no decorrer das vivências da criança, o

processo de interação em sua vida é intensificado quando ela ingressa na escola,

considerando que este é um ambiente que promove uma maior variedade de relações

interpessoais e propicia novas experiências, conflitos, partilha de conhecimentos,

informações e construções.

Segundo esta perspectiva, no ambiente escolar o professor e os colegas exercem o

papel de mediadores no processo de aprendizagem. A apropriação da cultura e a

aprendizagem se dão através da transição das funções interpsicológicas para funções

intrapsicológicas, na medida em que o social se transforma em individual32,

33, 34, 35

.

O autor descreve que o aprendizado deve ocorrer de acordo com o nível de

desenvolvimento da criança. A qualidade e quantidade do auxílio advindo do outro, deve

estar em sintonia com a zona de desenvolvimento próximo ou proximal que, delimita as

condições de aprendizagem no que se refere às funções que ainda não amadureceram, mas

estão em processo32, 34, 35

. Segundo esta abordagem, a educação tem como função levar o

aluno adiante, através de uma relação de qualidade entre professor e aluno.

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“a instrução e o aprendizado na escola estão avançados em relação ao

desenvolvimento cognitivo da criança. Vigotski propõe um paralelo entre

o brinquedo e a instrução escolar: ambos criam uma ‘zona de

desenvolvimento proximal’ e em ambos os contextos a criança elabora

habilidades e conhecimentos socialmente disponíveis que passará a

internalizar” (91

p. 162).

“Nessa teoria, o ensino representa, então, o meio através do qual o

desenvolvimento avança; em outras palavras, os conteúdos socialmente

elaborados do conhecimento humano e as estratégias cognitivas

necessárias para sua internalização são evocados nos aprendizes segundo

seus ‘níveis reais de desenvolvimento’ ” (91

p.165).

Identifica-se a extrema importância em entender, além das relações familiares, as

relações no âmbito escolar, entre os professores e alunos, assim como entre os alunos.

Entende-se que para um educador promover ensino de qualidade, ele deve se sensibilizar e

valorizar o aluno enquanto sujeito. De acordo com as observações realizadas no cotidiano

da escola, nem sempre esses critérios são utilizados ou constituem a base das práticas em

sala de aula. Apesar disso, em muitas situações, as professoras se mostraram sensíveis e

atentos às necessidades dos alunos, criando um ambiente propício para o estabelecimento

de boas relações, e valorizando a singularidade de cada um. Essas situações ajudaram aos

alunos a construírem também, boas relações com o conhecimento.

É importante lembrar que, assim como o aluno e seus familiares, o professor

também é um ser singular, que vivencia/vivenciou experiências em sua vida, vive em

diferentes contextos além da escola e tem suas próprias características pessoais e familiares.

A sua relação com os outros ao seu redor também é influenciado por diferentes fatores e,

quando surge algum problema na qualidade de ensino e relação do professor com os alunos,

é de extrema importância a escola considerar esses fatores para tentar entender e

possibilitar um auxílio e apoio para este profissional, tendo em vista o seu papel

fundamental no processo de aprendizagem escolar dos alunos, assim como suas vivências

na escola.

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4.5. Percepções das famílias sobre as crianças com dificuldades

escolares

Como os responsáveis pelos alunos descrevem o desenvolvimento inicial dessas

crianças? Este item é de grande importância, pois pode revelar as circunstâncias em que as

queixas escolares surgem, nem sempre, como produto de alterações identificadas por

diagnósticos específicos ou atrasos percebidos pela família e, muitas vezes, em função de

fatores tais como: modos de escolarização, aspectos comportamentais e emocionais, entre

outros.

Tabela 7. Descrição do desenvolvimento inicial dos alunos, segundo o relato dos

responsáveis.

Desenvolvimento Meninos Meninas Total

Normal 12 3 15

Atraso no desenvolvimento 3 3 6

Total 15 6 21

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

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Gráfico 8. Descrição do desenvolvimento inicial dos alunos, segundo o relato dos

responsáveis.

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

A maioria dos responsáveis descreveu o desenvolvimento da criança como

desenvolvimento dentro da normalidade. Porém, cinco crianças (três meninos – S7, S12,

S13 e três meninas – S4, S6 e S14), segundo os responsáveis, apresentaram

especificadamente atrasos na aquisição da linguagem oral. Dentre estes, dois meninos e

uma menina, até o momento da coleta de dados para a pesquisa, ainda apresentavam como

queixa a alteração na fala, enquanto os outros apontados com atraso no desenvolvimento

inicial, não apresentavam mais essa queixa, conforme verificado nas observações em sala e

a partir do relato dos responsáveis.

Como visto na introdução teórica desta pesquisa, o processo de aquisição da leitura

e da escrita pode ser concebido a partir de uma aquisição conceptual, relacionada às suas

capacidades cognitivas, relação com o meio social e competência linguística. Nessa

perspectiva, a criança inicia seu processo de compreensão da linguagem escrita, a partir da

compreensão mais ampla de que a escrita representa, de alguma maneira, a fala. Depois,

avança na sua compreensão da relação entre fonemas e grafemas e progressivamente

adquire noções sobre o funcionamento do sistema linguístico nos seus aspectos gramaticais,

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2

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8

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Normal Atraso no desenvolvimento

Meninos

Meninas

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semânticos, pragmáticos e fonológicos que fornecem as regras de formação de palavras,

frases e textos47, 48

.

Marturano, Loureiro, Linhares e Machado92

, em seu estudo a respeito de

indicadores de problemas associados a dificuldades escolares e Bishop e Adams93

, em sua

pesquisa sobre a relação entre distúrbios de linguagem e problemas na leitura, concluíram

que alterações na linguagem oral, como por exemplo, trocas ou omissões de fonemas,

podem contribuir de forma significativa para o surgimento de dificuldades acadêmicas,

principalmente no processo de aquisição da leitura e da escrita.

Ambas pesquisas destacaram outros estudos que encontraram a mesma associação

entre os dois fatores e que indicaram que as crianças que apresentam alterações e/ou atraso

na linguagem, tendem a apresentar baixo desempenho em leitura e escrita, assim como

também baixo índice de compreensão de leitura. Estes resultados sugerem que estas

dificuldades e alterações são fatores de risco significativos para o processo de

aprendizagem escolar.

Observa-se assim que a presença de um alto índice de dificuldades na leitura e na

escrita surge devido a problemas na fala. Identifica-se a importância em compreender que a

linguagem oral é dependente do contexto em que a criança está inserida, assim como todo o

processo de desenvolvimento. Vygotsky e Luria41

expõem em seu estudo que toda história

do desenvolvimento da criança, ocorre através de seu meio social e das pessoas que a

cercam. Segundo os autores, a transição do biológico para o social é o elo central no

processo de desenvolvimento e transformação no comportamento da criança.

Deste modo, a linguagem oral surge a partir das relações e interpretações das ações

da criança pelo “outro”. Mesmo antes de começar a falar, os outros ao redor do bebê já

esperam que futuramente ele vá ser capaz de falar e, a partir disso, conversam com ele

mesmo com retorno apenas em forma gesticular, balbucios e expressões faciais, sem a

presença da língua falada. Logo que a criança age, através de um balbucio, choro, gesto,

olhar, etc, a pessoa que convive e se comunica com ela, compreende e interpreta essa ação,

o que lhe possibilita aprender a interagir e a se comunicar com seu meio48

. Por isso, quando

esse processo se apresenta de forma incompleta ou com falhas, os problemas de

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comunicação podem ter consequências também para a interação com os pares, para a

constituição da autoconfiança e para a aprendizagem.

Com relação aos participantes que apresentaram queixas de fala, estes se enquadram

no que se classifica como alterações de origem fisiológica (como alteração neurológica,

anatômica, motora, entre outras)92, 93, 94

. Segundo os responsáveis, quatro destas seis

crianças apresentam alteração na motricidade orofacial e, no momento da coleta de dados,

já haviam sido encaminhados ou haviam feito atendimento fonoaudiológico. Os

responsáveis pelos outros dois alunos destacados pela alteração na linguagem, não

souberam especificar qual tipo de alteração ou atraso a criança apresentou, apesar de

alegarem que houve um atraso na aquisição da linguagem oral.

Destacam-se a seguir alguns trechos de discursos retirados das entrevistas realizadas

com os responsáveis e, a fim de complementar essa informação, pontuam-se também

observações feitas durante as aulas.

S4: A mãe de S4 afirmou que a “linguagem demorou um pouco”. Apesar dessa colocação,

não houve nenhum indício de atraso significativo na aquisição da linguagem oral. [Mãe 4;

aluna S4; 7 anos e 10 meses].

No início das observações em sala no ano letivo de 2013, essa aluna havia acabado

de entrar na escola e inicialmente se apresentou bastante tímida e falando muito pouco.

Apenas depois de aproximadamente um ano de convivência, ela passou a conversar e

interagir mais com a professora, a pesquisadora e os outros alunos. Depois desse período

dentro da sala de aula, foi possível observar que sua linguagem oral estava normalizada.

Esta foi uma aluna que se mudou do Maranhão para Campinas no ano de 2013, para

sua mãe não há relação entre seu desenvolvimento e a sua dificuldade na aprendizagem, ela

afirmou na entrevista que a estrutura da escola anterior foi o que causou essa dificuldade

escolar: “não tinha como aprender, como está aprendendo aqui, lá eles ficavam sem aula

várias vezes, não tinha professor”. No início das observações suas dificuldades eram

significativas, ela misturava números e letras e não os conhecia, porém após a transição do

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2º ano para o 3º, com a mudança de professora (P3 para a professora P7) junto às aulas de

reforço, ela apresentou uma evolução importante e passou a reconhecer as letras, fazendo

relações entre grafemas e fonemas.

S7: A mãe de S7 afirmou que o filho ainda apresenta dificuldades na linguagem: “troca as

palavras. Espero que a ‘fono’ ajude e que cresça e mude. A gente (os pais) ajuda”. A mãe

disse também que pediu para os amigos da escola o ajudar quando ele falar errado. [Mãe 6;

aluno S7; 8 anos e 5 meses].

Durante o período de observações, foi possível verificar que o aluno S7 faltava com

muita frequência. Apesar disso, nos dias em que esteve presente, ele apresentou-se bastante

comunicativo, sendo possível detectar uma alteração na linguagem importante. Sua mãe

disse na entrevista que ele faz trocas nas palavras, como por exemplo, “cata” para “casa”,

“catorro” para “cachorro”, com predomínio no som da letra T na maioria das palavras.

Segundo a professora (P7), apesar de solicitar mais de uma vez para a mãe de S7 levá-lo

para a fonoaudiologia, ela disse que a mãe “não vê problema nisso e não busca ajuda” (sic

P7 – no ano letivo de 2014), porém no discurso da mãe surgiu a expectativa do

atendimento, não sendo possível compreender a real situação deste aluno devido às

contradições. A partir disso, a orientação dada tanto para a professora quanto para a

responsável foi de encaminhar este aluno para atendimento fonoaudiológico o mais rápido

possível.

S12: “Só a fala que não fala direito. Com três anos não falava nada, agora ‘tá’ falando

bem”. [Mãe 11; aluno S12; 8 anos e 9 meses].

Durante o período de contato com os alunos em sala foi possível observar que ele

reconhecia as letras, porém tinha bastante dificuldade em reconhecê-las pelo som. Em

conversa com a professora (P8), ela disse que chegou a questionar os pais dele sobre

alguma possível alteração na audição e solicitou que eles o levassem para uma avaliação

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fonoaudiológica. Até o momento da coleta de dados, não houve nenhuma avaliação

auditiva do aluno.

S13: Segundo o pai: “a linguagem atrasou, ainda tem dificuldade em falar algumas coisas,

em explicá-las”. [Pai 3; aluno S13; 9 anos].

A partir das observações em sala e conversas com as duas professoras que o aluno

S13 teve contato (nos anos letivos de 2013 com a professora P4 e 2014 com a professora

P8), ele sempre foi descrito como uma criança apática, que pouco conversava e pouco se

posicionava perante os colegas. Essa timidez esteve presente durante todo momento de

observação, não sendo possível detectar qualquer alteração em sua linguagem ou

desenvolvimento.

S14: “Teve atraso na linguagem, mas a família toda ajuda, minha sogra e meu marido

também”, segundo a mãe, os dois também tiveram dificuldades na fala e também fizeram

acompanhamento com a fonoaudiologia. [Mãe 12; aluna S14; 9 anos e 5 meses].

A mãe pontuou que a aluna já havia feito acompanhamento com fonoaudiólogo

desde os três anos de idade. Em observação em sala, não foi possível perceber qualquer

alteração em sua fala, porém foi possível observar, neste período, que a aluna apresentava

bastante dificuldade escolar, com uma leitura silabada, apesar de estar no 4º ano (no ano

2014).

Além desses alunos, uma menina, que no momento da coleta de dados já se

apresentava dentro da normalidade com relação à linguagem oral, apresentou atraso

significativo no processo de aquisição da linguagem. Segundo sua mãe (Mãe 5), ela apenas

começou a falar na escola a partir do 1º ano (em torno dos seis anos) e além da linguagem

oral, ela também apresentou atraso em seu desenvolvimento cognitivo, sendo necessário

acompanhamento por profissionais da saúde (pediatra e psicóloga). É importante pontuar

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que apesar de não ter um diagnóstico definido, a psicóloga que a atendia afirmou que ela

tinha “mente de quatro anos” (nas palavras da responsável durante a entrevista) e no

momento da coleta de dados ela estava com sete anos e 11 meses de idade.

Destacam-se a seguir trechos do discurso da mãe durante a entrevista:

S6: A mãe revelou perceber alterações importantes em seu desenvolvimento: “(ela) não é

normal, não fala coisa com coisa, alguma alteraçãozinha ela tem”. [Mãe 5; aluna S6; 7

anos e 11 meses].

No decorrer da entrevista a mãe mencionou que imagina o que pode ter causado

essa alteração no desenvolvimento de sua filha. Para ela foi como um “castigo” por ter

tentado abortar no primeiro mês da gestação, ingerindo um remédio abortivo (nas palavras

da própria mãe).

Durante as observações em sala de aula, foi possível identificar o desafio de manter

a aluna em seu lugar. Ela constantemente se levantava, ia até a lousa e começava a escrever

ou até mesmo a apagar as informações que a professora havia escrito. Algumas alunas

sentavam com ela para pelo menos tentar mantê-la sentada em seu lugar, porém até ajudá-la

no decorrer das atividades era um desafio. Apesar da ausência de diagnóstico, a escola

conseguiu proporcionar a presença de uma educadora especial durante dois dias da semana,

a partir da solicitação da professora da turma no ano letivo de 2013 (P3).

Apesar de um caso específico, um aluno do 2º ano (S2), não ter sido destacado

acima pela alteração na linguagem oral, é importante pontuar que a partir de observações,

entrevista com a responsável e conversas com a docente, a dificuldade desse aluno na

aquisição da leitura e escrita se deu, principalmente, pelo fato dele ter mudado de cidade

(vindo da região nordeste, da Bahia) no início do processo de alfabetização (no 1º ano) e ter

tido dificuldades no processo de adaptação ao novo contexto.

A partir da bibliografia estudada, é possível afirmar que algumas “alterações” na

fala não são de origem fisiológica (como alteração neurológica, anatômica, motora, entre

outras) e sim cultural, portanto não podem ser caracterizadas como alterações e sim como

diferenças que remetem à variedade linguística92, 93, 94

.

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Como discutido antes, muitas dificuldades surgem porque a criança faz uso de

recursos de fala da sua comunidade de origem, exemplo desse aluno. Neste exemplo, desde

a compreensão do alfabeto até a pronúncia das letras (incluindo a sua consciência da

relação fonema e grafema) foram ensinadas inicialmente na Bahia, com uma pronúncia

própria e regionalizada, o que acarretou dificuldades na compreensão da sonoridade do

alfabeto e das palavras na região Sudeste, em Campinas, residência atual desse aluno.

Outro aspecto observado, a partir das entrevistas com docentes, responsáveis e

observações, assim como também na bibliografia estudada93, 94

, frequentemente apenas com

o início da escolarização da criança são identificadas as suas dificuldades na aprendizagem

escolar ou até mesmo no desenvolvimento (como alteração ou atraso na aquisição na

linguagem, atraso no desenvolvimento psicomotor, entre outros). Esse aspecto é

importante, visto que o acompanhamento e a intervenção precoce são cruciais tanto para as

dificuldades de aprendizagem como para qualquer alteração no desenvolvimento humano.

Aguardar o ingresso da criança na creche ou na escola (Ensino Infantil ou Fundamental I)

para a detecção de problemas revela falhas na rede de cuidados responsável pelo

atendimento em saúde e educação anterior a esse momento, ao tempo que posterga o início

de qualquer intervenção.

Observa-se também que apesar de alguns alunos apresentarem problemas na

linguagem oral e/ou alterações no desenvolvimento, a queixa de profissionais e familiares

acaba se direcionando à dificuldade no processo de aquisição de leitura e escrita.

4.5.1. A queixa escolar

O termo “queixa escolar” é empregado neste trabalho com o intuito de apresentar a

condição dos alunos participantes desta pesquisa, que foram identificados como

necessitados de acompanhamentos dentro e fora do contexto de sala de aula, devido ao seu

baixo rendimento acadêmico. Durante a entrevista, a questão apresentada aos responsáveis

foi direcionada às dificuldades que a criança apresenta na escola e em quais áreas, o que

justifica a predominância de queixas voltadas para as habilidades acadêmicas, considerando

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que as queixas comportamentais e emocionais surgiram no momento reservado à

caracterização dos alunos, apresentada anteriormente.

Tabela 8. Distribuição dos alunos por gênero e queixa, segundo o relato dos responsáveis.

Queixa Escolar Meninos Meninas Total

Dificuldade em leitura 14 5 19

Dificuldade em escrita 12 5 17

Dificuldade em matemática 11 4 15

Não memoriza 3 2 5

Alteração na fala 2 1 3

Apatia 1 0 1

Desorganização 2 0 2

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

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Gráfico 9. Distribuição dos alunos por gênero e queixa, segundo o relato dos responsáveis.

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

A análise da entrevista e dos dados apresentados na tabela 8 e no gráfico 9 permite

observar que em todos os casos selecionados e entrevistados, surgiram nos discursos tanto

das docentes quanto dos responsáveis, múltiplas queixas escolares, ou seja, queixas

associadas entre si. Apesar dessa associação, as mais frequentes, tanto no grupo de

meninos, quanto no grupo de meninas, foram: dificuldade em leitura, em escrita e em

matemática, compreendendo assim um problema de transmissão do valor social e cultural

que a leitura e escrita englobam, conforme visto no conceito de Letramento43, 44

, o que

configura um “problema de ensinagem” (p.28), descrito pelas autoras Collares e Moyses5.

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Alguns trechos foram selecionados dos discursos dos responsáveis que

exemplificam a descrição das queixas escolares pelos familiares.

S1: “Tem dificuldade na leitura e na escrita, ela precisa de ajuda (...) tem dificuldade em

tudo, até no alfabeto” [Mãe 1; aluna S1; 8 anos e 4 meses].

Em observação na sala, no ano letivo 2013, foi possível identificar as dificuldades

que a própria mãe da aluna relatou. Em um ditado para sondagem, sua escrita foi

classificada como Pré-Silábica, em que fez uso de letras sem sentido e sem valor sonoro

convencional. Para essa sondagem foi ditada a música do “Cravo e Rosa” e para cada refrão

a aluna escreveu “OETOETHTOODHTOETRTOGI”, entre outras variações utilizando as

mesmas letras.

Nas atividades na sala, a professora P1 sempre propôs atividades diferenciadas para

a aluna, com foco em sua alfabetização. Para a maioria das atividades a aluna S1 pedia para

P1 lhe deixar sentar em dupla com outros alunos, em alguns momentos a professora a

autorizava, porém em outros a professora deixava claro que ela era capaz de fazer a

atividade sozinha e que ela precisava aprender. Em conversa com a professora P1 ela falou

sobre isso, disse que S1 quer sempre fazer com os outros alunos pois eles a ajudam, porém

ela também precisa aprender sozinha: “ela tem que ser mais independente, não pode usar

os outros como ‘muleta’ para sempre”.

S3: “(Ele) não reconhece letras, não sei por que é desse jeito, mistura tudo letra e

número”. [Mãe 3; aluno S3; 8 anos].

Em 2013, durante as observações, folheando seu caderno e conversando com ele,

foi possível perceber que S3 não conhecia nem as letras do alfabeto. Em seu caderno,

apesar de tentar copiar a lousa, não havia nenhuma palavra de fato escrita, apenas letras

aleatórias, como, por exemplo, “OAOAEODOAOFI” e outras variações de misturas de

letras, e muitas vezes até com números no meio.

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Em conversa com a professora P3, ela alegou que o aluno tinha bastante

dificuldade, e que o ano de 2013 era seu primeiro ano na escola, pois ele havia acabado de

se mudar do Maranhão. Desconsiderando sua questão social e cultural e seu histórico na

escola (veio de uma região em que as escolas por muitos dias ficavam sem aulas, sem

professores e não tinham estrutura), quando questionada se ela havia conversado com os

pais sobre as dificuldades do aluno, a professora apenas respondeu: “os pais se negam a

levar ele no médico” (sic P3). Este foi mais um exemplo do que Collares e Moysés5

denominaram “biologização”, mais uma vez culpabilizando e justificando as dificuldades

escolares por “problemas” no aluno.

S5: “Na verdade, não apresenta dificuldade, ele não se interessa... porque passa de ano

mesmo assim... (...) o problema está no sistema, (ele) só vai ficar preocupado se levar

bomba (...) parece lição de pré, é vergonhoso”. [Pai 1; aluno S5; 7 anos – o pai não soube

informar a data de nascimento no momento da entrevista, apenas a idade].

Durante a entrevista, o pai do aluno S5 criticou em muitos momentos o sistema

atual da educação brasileira, principalmente a respeito da progressão continuada. Alegou

que antigamente os alunos sofriam consequências quando não aprendiam por mau

comportamento e que com a progressão continuada, isso não acontece mais, o que apenas

incentiva a desmotivação para aprender. S5 foi um dos alunos que mais chamou a atenção

pela sua constante dispersão, falta de respeito à professora e desmotivação.

S6: “(Tem dificuldade) em tudo, até para dar laço no próprio tênis. Tem dificuldade em

todas as matérias” [Mãe 5; aluna S6; 7 anos e 11 meses].

A mãe da aluna relatou atrasos significativos no desenvolvimento da criança,

pontuando ainda atraso na aprendizagem em geral.

Durante as observações, identificou-se que esta aluna foi o maior desafio para a

escola em geral. A diretora da escola conseguiu contratar uma educadora especial para ficar

com ela duas vezes por semana, porém mesmo esta educadora tinha bastante dificuldades

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em manter a aluna sentada ou fazendo qualquer atividade proposta. Nos dias em que a

educadora não estava em sala, o desafio era ainda maior, porém muitos alunos tentavam

ajudá-la, tratando-a como uma criança bem mais nova (assim como a própria professora

P3).

No ano letivo de 2014, quando a professora P7 assumiu a turma em que S6 estava,

pela mudança nas atitudes direcionadas à aluna e à turma toda, com o uso de regras e

limites, a aluna apresentou-se mais tranquila, conseguia permanecer mais tempo sentada e

até realizar as atividades, apesar de ainda apresentar muitas dificuldades na aprendizagem.

S8: “A gente explica, mas ela não consegue sozinha depois, peço para ela ler, na primeira

vez ela lê, mas na segunda não”. A mãe disse que o pai da aluna acha que isso é falta de

interesse: “ele fala que isso acontece porque ela perde o interesse, ela que não quer”, mas

disse que não concorda com ele e por isso vai procurar uma avaliação neurológica. [Mãe 7;

aluna S8; 8 anos e 2 meses].

Em observação no contexto de aula, no ano letivo de 2013, a aluna constantemente

copiava as atividades de sua colega S10, que também apresentava dificuldades

significativas. A professora P3 solicitou uma avaliação para a pesquisadora, pois achava

que a aluna possuía algum “problema” (sic P3). Fora do contexto de sala, foi realizada uma

sondagem simples, com foco na leitura e escrita, em que a pesquisadora apontou algumas

palavras em uma revista e a aluna leu em voz alta, em seguida, foram ditadas algumas

palavras, a produção da aluna foi: “joga” (jogar); “recelea” (recreio); “mudo” (mundo);

“fofo” (fundo); “carro”; “lifo” (livro) e “familhe” (família). Com essa observação fora do

contexto de aula, foi possível perceber que a aluna apresenta mais um sinal de insegurança

do que de fato dificuldade no processo de aprendizagem, as trocas foram classificadas

como esperadas para a fase inicial da alfabetização.

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S9: “Reconhece letra, mas não consegue juntar, mas não consegue formar palavras e

quando escreve ele só copia”. Quando questionada sobre as outras disciplinas: ”em

matemática eu acho que não é muito bom não”.

Foi possível observar muita dificuldade por parte do aluno. Aparentemente não

conhecia as letras e como consequência dessas dificuldades, se dispersava, ficava

apontando os lápis, andando pela sala e conversando com os outros colegas, sempre como

uma forma de evitação da atividade proposta. Sua irmã gêmea estudava na mesma turma e

por não apresentar dificuldades (sua escrita foi classificada como silábico-alfabética) em

muitos momentos ela tentava ajudá-lo.

S10: “Não sabe nada, não sabe as letras, mês passado que a professora disse que começou

a juntar (as letras)” [Mãe 9; aluna S10; 8 anos e 5 meses].

No ano letivo de 2013, ao folhear seu caderno foi possível identificar que a aluna

conseguia copiar todas as informações da lousa corretamente. Apesar disso, nenhuma

atividade proposta foi realizada, o que indica que a aluna conseguia apenas copiar as

informações. Em conversa individualmente, como realizada com a aluna S8, foram

identificadas dificuldades importantes no processo de aprendizagem de S10, pois a aluna

não conseguiu ler a maioria das palavras solicitadas, e, quando presente, a leitura foi

silabada.

S11: Segundo os pais, ambos presentes na entrevista, o aluno “não lê, reconhece as letras,

mas não memoriza, (ele) esquece rápido”. Quando estavam descrevendo as dificuldades, os

pais afirmaram que se preocupam muito, pois o filho é bastante infantilizado para a idade.

Eles disseram que ele “parece um bebêzão”, e que em alguns momentos em casa ele chega

a evacuar na roupa, questão não detectada na escola. Apesar disso, o pai alegou ter dúvidas

sobre se esse comportamento é devido a ter preguiça ou de fato uma dificuldade em

perceber sua própria necessidade de ir ao banheiro. O pai chegou a afirmar que o filho

“parece que não liga quando está sujo”. [Mãe 10 e Pai 2; aluno S11; 7 anos e 9 meses].

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S14: Segundo a mãe, além da dificuldade na linguagem, a aluna “tem dificuldade na leitura

e na escrita, não consegue ler, junta tudo e troca as letras, tem dificuldade também em

guardar os números e ainda usa o dedo para contar”. [Mãe 12; aluna S14; 9 anos e 5

meses].

Durante a observação no ano letivo de 2013, na turma 3ºA, e no ano letivo de 2014,

na turma 4ºD, a aluna apresentou dificuldades importantes na leitura e na escrita. A todo o

momento, sua leitura era silabada e fragmentada. A aluna foi encaminhada em 2013 para

um atendimento psicopedagógico, porém os pais não retornaram para o atendimento.

S16: “(Ele) não se interessa em aprender, ele mente que não tem lição”. Quando

questionada, disse que a professora conta para ela quando o aluno não faz a tarefa de casa.

[Mãe 14; aluno S16; 9 anos e 7 meses].

S17: “O caderno é todo relaxado, rasga o caderno, desiste da lição, ele é nervoso demais.

Não consegue contar, nem ler”. Quando questionada em quais matérias têm mais

dificuldades: “é péssimo, pelo menos é o que se vê no caderno”. [Avó 1; aluno S17; 9 anos

– a avó não soube informar a data de nascimento no momento da entrevista, apenas a

idade].

S19: “Sim, (tem dificuldades) nas letras, (em) matemática, ele esquece tudo”. [Mãe 16;

aluno S19; 8 anos – a mãe não soube informar a data de nascimento no momento da

entrevista, apenas a idade].

A queixa de dificuldade em memorizar as informações passadas também foi destacada pela

professora P5 (3º ano D em 2013) e P8 (4º ano D em 2014), as duas relataram que o aluno

“esquece tudo” e se preocupavam muito com essa questão.

A professora P8 trabalhou com o aluno de diferentes maneiras, fornecendo

diferentes formas de exposição ao conteúdo, e percebeu que o aluno reconhecia e

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99

memorizava facilmente o som das letras, porém tinha bastante dificuldade em relacioná-los

com as letras escritas, além de apresentar dificuldades em reconhecer as cores. Diante

disso, a professora cogitou haver um problema na visão do aluno e o encaminhou para

avaliação oftalmológica. Durante o período de coleta de dados o mesmo foi diagnosticado

com um alto grau de alteração em sua visão (não foi especificado o tipo de problema) e sua

mãe já estava providenciando óculos, confirmando a suspeita da professora e demonstrando

que a sua dificuldade em memorizar, possivelmente era dificuldade em enxergar.

S21: “A professora diz que ele sabe, mas não faz, é lento, mas consegue ler e escrever”.

[Mãe 18; aluno S21; 9 anos e 10 meses].

A leitura desses exemplos permite observar que as queixas, do ponto de vista dos

responsáveis, surgem por diferentes fatores. Nesses exemplos, nove responsáveis

reconhecem e descrevem a dificuldade no aluno (falas dos responsáveis por S1, S3, S6, S8,

S9, S10, S11, S14 e S21): “não consegue contar, nem ler”; “tem dificuldade na leitura e na

escrita”; “não lê, reconhece as letras, mas não memoriza” entre outros. Apesar desses,

surgiu uma queixa voltada ao sistema pedagógico e a progressão continuada, isentando o

modo de ensinar oferecido pela escola, no discurso do responsável pelo aluno S5: “o

problema está no sistema, (ele) só vai ficar preocupado se levar bomba”; queixas que

apresentam aspectos emocionais, como insegurança, preguiça e desinteresse, destacados

nos discursos dos responsáveis pelos alunos S8, S16 e S17 e por fim queixas voltadas a

outros aspectos do desenvolvimento, como destacado no discurso dos responsáveis pelo

aluno S11: “parece um bebêzão”.

A partir do estudo da bibliografia relacionada ao tema, entende-se que a dificuldade

de aprendizagem é caracterizada como uma condição de risco psicossocial para o

indivíduo, colocando-o em desvantagens educacionais e sociais. Além disso, os problemas

de aprendizagem têm sido frequentemente associados a dificuldades nas condições

familiares e do ambiente mais amplo. Entende-se assim que há grande possibilidade de

estar associada a outras situações de vulnerabilidade pessoal e ambiental. Os alunos com

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100

esse tipo de queixa, em sua maioria, apresentam problemas sociais, emocionais e

comportamentais14, 64, 95, 96, 97, 98, 99, 100

.

Segundo a perspectiva vygotskyana101

, é comum surgirem erros e dificuldades no

início de qualquer nova aprendizagem. A dificuldade é um indício de que as funções

psíquicas da criança ainda estão em processo de construção. É o contato com a informação

e experiência, através das relações, que a aprendizagem irá promover o desenvolvimento.

Entende-se que as funções amadurecem ao longo do processo, e este ocorre de uma

maneira singular em cada criança.

Conforme Vygotsky101

, não há um paralelismo entre o curso da instrução escolar e o

desenvolvimento das funções, a aprendizagem escolar deve sempre levar o aluno adiante,

estimulando-o a aprender mais e a se desenvolver mentalmente. Nas palavras do autor,

sobre a relação entre a instrução escolar e o desenvolvimento da criança “siempre hay

divergencias y que nunca se manifesta paralelismo entre el curso de la instrucción escolar y

el desarrollo de las correspondientes funciones” (p.235). Além disso, ele afirma que: “la

curva de desarrollo no coincide com la del curso del programa escolar. (...) la instrucción se

adelanta en lo fundamental al desarrollo” (p.236-237) e devido a isso, a mediação do outro

mais experiente e a sua instrução são aspectos importantes e decisivos para aprendizagem

da criança.

“(...) en la escuela el niño no aprende a hacer lo que es capaz de realizar

por sí mismo, sino hacer lo que es todavía incapaz de realizar, pero que

está a su alcance en colaboración con el maestro y bajo a su dirección. Lo

fundamental en la instrucción es precisamente lo nuevo que aprende el

niño. Por eso, la zona de desarrollo próximo, que determina el campo de

las gradaciones que están al alcance del niño, resulta ser el aspecto más

determinante en lo que se refiere a la instrucción y el desarrollo” (p. 241)

Diante disso, entende-se que se o professor valorizar o aluno e compreender seu

desenvolvimento (real e potencial), ele se torna capaz de mediar, colaborar e o instruir para

superar suas dificuldades. Novamente, destacando a importância da relação de qualidade

entre professor-aluno no âmbito escolar.

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101

Com relação aos resultados, observa-se que a maioria dos alunos apresenta

dificuldades no processo de aquisição de leitura e escrita, o que indica falhas no processo

de alfabetização e na transmissão dos conhecimentos, valores sociais e culturais, a partir da

concepção de Letramento43, 44

. Dentre esses casos, algumas crianças sequer reconhecem

letras e números, misturando-os quando tentam escrever. Além disso, algumas crianças

também foram descritas como “copistas”: elas apenas copiam da lousa ou de seus colegas,

porém não conseguem ler nem escrever de forma espontânea e independente e nem

entender o que copiam.

Essa questão é muito preocupante porque a cópia não possibilita a apreensão do

sistema de escrita e não permite o uso significativo dessa ferramenta. Por outro lado, é

importante que a escola identifique e atue de forma diferenciada em relação a esses alunos,

que utilizam, na sala de aula, estratégias de fuga para sobreviver. É importante entender,

também, que se o aluno aprendeu a copiar, ele poderá, muito provavelmente, apreender o

sistema de escrita se o ambiente prover os recursos necessários para que a própria cópia

seja significativa e assim para a aprendizagem.

Qualquer indivíduo que vive e convive em uma sociedade letrada, mesmo sendo

criança, tem a capacidade de perceber que a escrita é algo bastante presente e importante.

Devido a isso, o indivíduo que possui contato com essa realidade, desde cedo, busca fazer

suposições e especulações a respeito deste objeto de uso social. Assim, o processo de

letramento da criança está diretamente relacionado com o grau de letramento do contexto

em que vive, o qual proporciona desde a fase inicial da oralidade, uma relação com o

conhecimento da escrita102

.

Apesar de atualmente haver bastante exposição à escrita, por exemplo, através de

rótulos de mercadorias, placas distribuídas nas ruas (outdoors), computador e internet,

celular, televisão, entre outras formas de comunicação, na população estudada

possivelmente ainda falte uma convivência mais significativa com os atos de ler e escrever.

Quando olhamos para o contexto em que vivem, nele podemos identificar que a maioria

convive com pais e familiares analfabetos ou semianalfabetos, os quais não têm o costume

de ler jornais, revistas, livros, etc, e assim, possivelmente, essa atividade não é uma prática

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102

presente em casa. Por isso, é importante que a escola reveja os modos de aproximar as

crianças da escrita e de tornar as atividades de leitura e escrita, algo necessário para elas.

A aprendizagem da leitura e da escrita envolve aspectos psicológicos, cognitivos,

sociais, culturais e linguísticos. Esses aspectos integram a história do aluno como leitor e

aprendiz. Nesse sentido, a familiaridade do indivíduo com a escrita, seus conhecimentos

prévios à entrada na escola e as práticas de linguagem em que está imerso, influenciam as

relações subjetivas que estabelece com a língua49, 50

.

A literatura da área aponta que, em muitos casos, o sistema de ensino tem se

preocupado mais em transmitir a “mecânica” da alfabetização, centrada nas técnicas de

codificação e decodificação, deixando de lado o ensino do valor social e cultural que a

leitura e a escrita representam. Este aspecto está explicado no grande número de

dificuldades de aprendizagem escolar, principalmente no âmbito dos conhecimentos de

leitura e escrita, essenciais para todas as áreas acadêmicas. Considera-se assim que a leitura

e a escrita devem representar para o aprendiz algo a ser descoberto, aprendido, por ter

importância e um valor para si mesmo e para a sociedade49, 50, 103

.

Observam-se ainda queixas como dificuldades de memória, apatia e

desorganização. Estas questões estão diretamente relacionadas aos aspectos motivacionais e

emocionais do indivíduo.

A criança que apresenta dificuldades dentro do contexto de sala de aula,

possivelmente irá manter pouca atenção direcionada ao conteúdo exposto pela professora,

apresentando mais facilidade para a distração, o que pode justificar os comportamentos de

isolamento e apatia ou, até mesmo o oposto, como a agressividade e/ou agitação49, 94, 95, 104

.

Bzuneck52

descreve:

“os efeitos imediatos da motivação do aluno consistem em ele envolver-se

ativamente nas tarefas pertinentes ao processo de aprendizagem, o que

implica em ele ter escolhido esse curso de ação, entre outros possíveis e

ao seu alcance. Tal envolvimento consiste na aplicação de esforço no

processo de aprender e com a persistência exigida por cada tarefa” (p.11).

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103

Com relação à desmotivação, o autor apresenta que o aluno reduz seu investimento

de recursos pessoais, ou seja, não aplica esforços, faz o mínimo necessário, ou até mesmo

desiste mais facilmente de tarefas que demandam mais atenção, esforço e compreensão. A

motivação faz o indivíduo agir ou a mudar seu curso. No contexto escolar, é ela que faz

com que ele preste ou não atenção, faça as atividades, participe ou não das aulas, etc,

demonstrando novamente a importância das professoras e da escola em estarem atentas a

essas questões, para assim intervir quando necessário.

Outra queixa presente foi a desorganização, a qual também surge como um aspecto

comportamental e emocional, pois, como visto, muitas vezes esta encobrindo estratégias de

fuga das dificuldades, ou até mesmo surgindo a partir da desmotivação, que influencia no

envolvimento do aluno nas tarefas acadêmicas, em seu esforço no processo para aprender e

na persistência na tarefa. O aluno desmotivado acaba por apresentar uma queda de

investimento pessoal de qualidade nas tarefas acadêmicas, o que inclui o cuidado com seu

material, o preenchimento de seu caderno, etc52

.

Essa desorganização, muitas vezes originada pela dificuldade, e outras por

condições da vida extraescolar, acaba por também influenciá-la, visto que é necessário que

a criança tenha clareza e organização de seu material, de seu caderno e dos conteúdos

apresentados e ensinados e a desorganização a dificulta.

A partir disso, entende-se que a motivação diz respeito ao envolvimento do aluno e

a atenção está diretamente relacionada ao seu interesse. É importante tentar entender o que

está ocorrendo no contexto escolar que possa causar a desmotivação e dispersão no aluno

durante as aulas. Além de direcionar o olhar cuidadoso ao aluno desmotivado, é

fundamental rever as práticas pedagógicas e identificar como o conteúdo acadêmico é

apresentado, se este desperta o interesse ou o contrário, se causa o desinteresse,

desmotivação e desatenção.

Destacamos, aqui, que os processos de atenção estão estreitamente vinculados ao

interesse nas atividades, o que motiva corriqueiramente, a observação das famílias de que

as crianças não têm problemas de atenção quando se trata de brincar, jogar videogame e

realizar outras atividades prazerosas e escolhidas por elas, mas não prestam atenção na

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104

escola. Nesses casos, não haveria problemas de atenção, propriamente, mas sim um

descompasso entre as práticas propostas pela escola e aquelas que a criança encontra

significativas e interessantes, próximas da sua realidade ou desafiadoras e possíveis de

serem incorporadas.

Essa discussão, tomando como base a perspectiva Sócio-Histórica, possibilita a

compreensão de que as queixas escolares apresentadas pelos familiares estão mais

associadas aos fatores pedagógicos, socioculturais e emocionais – o interesse, atenção e

motivação, do que a fatores biológicos – como problemas e atrasos no desenvolvimento

cognitivo e/ou psicomotor, alteração de linguagem, entre outros.

4.5.2. Aspectos comportamentais, afetivos e emocionais das crianças.

A leitura dos discursos dos responsáveis entrevistados permite destacar que 16 de

21 depoimentos apresentaram como característica da criança o ser carinhosa/amorosa.

Apesar disso, chama atenção o fato de que os aspectos preocupantes surgiram na maioria

dos discursos nas entrevistas, como: ansiedade, agressividade, irritação e isolamento. As

crianças que foram descritas como “isoladas” (seis participantes da pesquisa), inspira

atenção, já que o termo remete a algo além da timidez.

Para a compreensão desses resultados, reconhece-se a importância de levar em

consideração as circunstâncias da coleta de dados, em que os responsáveis foram chamados

para falarem a respeito das dificuldades dos alunos, um assunto corriqueiramente tratado de

forma negativa. Como uma forma de esclarecimento e acolhimento, em toda entrevista

realizada houve a tentativa da pesquisadora em atenuar essa “visão negativa” explicando a

real finalidade da entrevista: a intenção em compreender a criança como um todo, o

contexto em que ela vive, suas características comportamentais, emocionais e afetivas, seu

desenvolvimento, sociabilidade e dificuldades, para ajudar no trabalho das professoras,

assim como, se necessário, orientar os pais para lidarem com as dificuldades dos filhos.

Vale pontuar que, em alguns casos, as observações em sala de aula permitiram

identificar discrepâncias entre a visão da família e da escola em relação ao comportamento

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105

ou características das crianças. Assim, características que vão desde a timidez até a

agressividade ou a falta de respeito foram descritas pelos familiares, mas não observadas

por professores ou pela pesquisadora.

Em muitos discursos os responsáveis apresentaram diferentes características, até

mesmo opostas, em uma mesma descrição. Entende-se que esta “contradição” se dá devido

aos sentimentos humanos naturalmente se contradizerem, visto que o indivíduo age e reage

diferentemente a cada situação a que é exposto.

Esta questão da variação comportamental e emocional nos alunos esteve presente no

próprio discurso de alguns responsáveis. Em alguns casos os entrevistados reconheceram

que apesar da criança ter um mau relacionamento (com desafeto) com um dos familiares,

ela se relaciona de maneira diferente e mostra afeto positivo com outros.

Destacam-se a seguir, alguns trechos de falas, selecionadas das entrevistas com os

responsáveis, que ilustram a descrição anterior:

S1: “Ela não gosta do padrasto, ela xinga muito ele, e ele responde também” (eles

convivem há, aproximadamente, 2 anos). Com relação à mãe: “ela gosta de carinho, é

carinhosa”. [Mãe 1; aluna S1; 8 anos e 4 meses].

Em observação, foi possível verificar uma postura agressiva por parte da aluna.

Constantemente ela implicava com os outros meninos da turma e chegou a agredir um deles

durante um dia de observação. A professora (P1) afirmou que a aluna, além das

dificuldades no processo de aquisição da leitura e escrita, normalmente apresentava

problemas de mau comportamento como dificuldades em respeitar os alunos e em seguir as

regras da sala. Diante disso, pelo fato da professora estar ciente das dificuldades da aluna,

ela constantemente a ajudava a lidar com os desafios que surgiam no processo de

aprendizagem escolar, assim como lidar com seu comportamento agressivo, com esse

acolhimento a aluna se apresentava mais tranquila, carinhosa e respeitosa com a professora.

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106

Este exemplo evidencia as diferentes maneiras em que a criança pode agir e reagir

com diferentes pessoas e contextos. Junto a pessoas que lhe davam atenção e carinho, ela

também se apresentava assim, porém quando a relação era mais agressiva, ela também

respondia com a agressividade.

S2: A descrição desta criança no discurso da mãe foi destacada por sua variação: “(ele é)

bem apimentado, danado, bom, alegre, divertido até demais, agitado”. [Mãe 2; aluno S2;

8 anos e 5 meses].

S16: “Ele responde muito, faz cara de ‘quero te matar’, ele chegou a tentar bater em mim,

roubou minha banca (de jornal), tentou fazer intriga minha com o pai dele, só a avó que faz

tudo pra ele, então ele gosta”. [Mãe 14; aluno S16; 9 anos e 7 meses].

S17: A avó na entrevista disse que a criança não conviveu muito com a mãe, e afirmou: “eu

sou a mãe para ele”, ela disse que ele chega a verbalizar: “(ele) fala que a mãe dele é chata

e que não gosta (dela)” e já com relação a avó: “(ele) gosta muito (do carinho dela)”. [Avó

1; aluno S17; 9 anos – a avó não soube informar a data de nascimento no momento da

entrevista, apenas a idade].

A descrição da criança pela avó também apresentou variações: “(ele) é muito

nervoso, tem gênio ruim, fica nervoso e se irrita muito, mas é carinhoso”.

Em observação na sala, a postura do aluno S17 foi diferente, tanto no ano letivo de

2013 quanto no primeiro semestre de 2014. Apesar de faltar bastante nas aulas, nos dias em

que esteve presente, o aluno apresentou-se tímido, retraído, assim como quieto e falando

bem baixo durante as atividades pedagógicas, além de interagir pouco com a professora e a

pesquisadora.

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107

É importante pontuar que, até o momento da coleta de dados, este era um aluno que

vivenciava constantemente situações adversas em seu contexto familiar, como violência

doméstica e alcoolismo.

S19: “Ele é agitado, bagunceiro, briguento com o primo”, quando questionada sobre a

forma da criança se relacionar com outras crianças: “se dá bem, normal, na escola briga um

pouco, mas se relaciona bem”. [Mãe 16; aluno S19; 8 anos – a mãe não soube informar

a data de nascimento no momento da entrevista, apenas a idade].

S20: No discurso da mãe: “comigo ele é brincalhão, fala que ama, mas com o pai ele não

gostava, agora tem demonstrado mais, mas eles brigam muito, ele (o pai) não dá amor

sabe? Não consegue.” A mãe explicou essa possível indiferença do pai com o filho: “o pai

dele foi criado na roça, na ‘revolta’, sem amor, humilhado por todos, nunca foi de brincar

com o filho, não participa de nada”. [Mãe 17; aluno S20; 8 anos e 10 meses].

S21: “(Ele é) meio fechado, isolado, mas brinca com a prima e com a irmã mais velha (13

anos), mas com a de 11 anos briga muito, mas ela que cutuca”; “comigo é carinhoso, mas

não conversa muito”. A mãe disse que a criança chega a verbalizar a infelicidade e o

quanto modifica seu comportamento quando vai visitar o pai e afirma que o filho “não

gosta dele”, mais uma vez sendo possível observar as diferentes formas de relacionamento

da criança. [Mãe 18; aluno S21; 9 anos e 10 meses].

O discurso da mãe é coerente com as observações, que permitiram constatar

situações de isolamento e evitação de contato social. Este é um aluno que traz marcas

importantes de vivências do passado, que incluem violência física e sexual.

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108

Os exemplos citados permitem vislumbrar o quanto as características e relações

podem estar associadas com o baixo desempenho acadêmico. Na abordagem Sócio-

Histórica, Vygotsky32

enfatiza a importância do outro não apenas no processo de

construção do conhecimento, como também na constituição do próprio indivíduo e suas

formas de agir.

Cole e Cole104

e Coll, Marchesi, Palácios105

trazem em seus trabalhos que o olhar

que se tem sobre o indivíduo, faz com que o mesmo se reconheça. A partir disso, entende-

se que um olhar negativo faz com que o aluno tenha uma visão negativa de si, por isso a

visão das pessoas ao redor dessa criança, a faz ser e agir diferentemente. Isso possivelmente

explicaria porque as crianças agem de forma distinta em ambientes e com pessoas

diferentes.

Cole e Cole104

descrevem que é a partir da experiência de relacionar-se com várias

pessoas que as crianças desenvolvem uma melhor percepção de si. Os autores descrevem

ainda que é possível observar a presença de “Eus múltiplos”, que envolvem o exercício de

papéis sociais diferentes, conforme o contexto em que se está inserido no momento.

O autoconceito e a autoestima são dois conceitos fundamentais quando se discute o

tema abordado neste estudo, o processo de aprendizagem e as dificuldades que podem

surgir nesse processo.

A experiência escolar tem um importante papel na formação do autoconceito e da

autoestima. Muitos estudos têm encontrado relações entre as dificuldades de aprendizagem,

o baixo desempenho acadêmico e o autoconceito e autoestima dos alunos10, 11,

12,

14, 64, 94, 95,

96, 97, 104. Estes mostram que alunos com defasagem escolar tendem a apresentar um

autoconceito e autoestima negativos, visto que se percebem inferiores e com menor

capacidade de aprender do que o restante da turma, que não apresenta maiores dificuldades

e defasagens na aprendizagem escolar.

De acordo com Moysés106

, há um consenso de que o autoconceito diz respeito à

percepção que o indivíduo tem de si e a autoestima à percepção que ele tem de seu próprio

valor. A autora, com base na abordagem Sócio-Histórica, escreve que os adultos costumam

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109

reagir aos comportamentos das crianças pequenas, em momentos com elogios e

aprovações, em outros com repreensões. Com o decorrer do tempo, com a repetição dessas

respostas aos comportamentos da criança, um processo inicialmente interpessoal passa a ser

incorporado por ela à sua própria estrutura cognitiva, e assim torna-se pessoal. Vygotsky32,

106 descreve que a passagem dos conteúdos interpsicológicos ocorre através de uma

interação com os conteúdos existentes na mente da criança, ou seja, ela traz consigo marcas

de sua individualidade e a internalização destes conteúdos ocorre seguindo tais marcas.

Bakhtin107

resumiu: “as palavras dos outros introduzem sua própria expressividade, seu tom

valorativo, que assimilamos, reestruturamos, modificamos” (p. 314).

O autoconceito é visto como um aspecto importante para o indivíduo, pois envolve

a maneira como ele concebe a si em relação aos outros. Este conhecimento de si não está

presente desde o momento do nascimento, porém é o resultado de um processo ativo

presente ao longo do desenvolvimento humano105

.

Compreende-se assim que há grande importância dos pais ou de outros indivíduos

considerados importantes pela criança na formação de seu autoconceito e sua autoestima.

Moysés106

afirma: “é com eles que a criança estabelece as relações mais significativas para

a formação da sua identidade. Nas suas mãos estão o poder e o controle e, em

consequência, a aprovação e a recompensa ou a reprovação e o castigo” (p.26). A

autoestima é vista assim como o nível de satisfação que a pessoa sente quando entra em

contato com seu autoconceito.

Nesta etapa da vida, entende-se que estes sentimentos estão diretamente associados

ao desempenho acadêmico dos alunos, visto que o sentimento de inadequação e

incapacidade, muitas vezes originado pela própria forma da escola e professores tratar os

alunos, traz consigo sentimentos de frustração, inferioridade e insegurança. Estes

sentimentos resultam, muitas vezes, em comportamentos de isolamento e apatia, como

surgiram nas descrições de algumas crianças participantes dessa pesquisa. Em

contrapartida, esses sentimentos também podem acarretar maus comportamentos,

relacionados à agressividade, raiva, irritabilidade e falta de respeito, justamente pela

sensação de inadequação ao contexto, comportamentos também presentes nos discursos dos

responsáveis entrevistados 94,

104

.

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110

O autoconceito negativo e a baixa autoestima são decorrentes, possivelmente, do

fato dessas crianças com queixa escolar receberem feedbacks negativos de seu ambiente,

não apenas com relação ao seu rendimento escolar, mas também no que se refere às suas

habilidades sociais e aos problemas comportamentais95

. Em muitos casos, o mau

comportamento ou a falta de modos considerados adequados no ambiente escolar

predispõem os professores a encontrar, nesses mesmos alunos problemas de aprendizagem.

A partir dessa leitura, é possível compreender que a consciência de si se desenvolve

através um processo longo e contínuo, que sofre mudanças e transformações, as quais são

refletidas nas experiências e nas capacidades sociais, intelectuais e biológicas emocionais

adquiridas ao longo dos anos. Esse processo modifica as dimensões relevantes tanto do

autoconceito, quanto da autoestima. É de grande importância entender esses fatores, pois

estão diretamente relacionados às motivações, comportamentos, sentimentos, escolhas e

relações que o ser humano estabelece com os outros94, 104

.

Os fatores emocionais apareceram em destaque no decorrer de todas as entrevistas

com os responsáveis. Devido a sua grande importância para o rendimento acadêmico,

apresentam-se a seguir as tabelas e gráficos que representam o envolvimento emocional e o

comportamento dos alunos nas atividades escolares e sua relação com a própria escola. A

primeira diz respeito a como o aluno enxerga sua própria dificuldade.

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111

Tabela 9. Como a criança enxerga suas dificuldades, segundo o relato dos responsáveis.

Como a criança enxerga suas dificuldades? Meninos Meninas Total

Reconhece a dificuldade: fica triste,

preocupado(a) e/ou envergonhado(a) 9 4 13

Não manifesta 6 2 8

Total 15 6 21

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

Gráfico 10. Como a criança enxerga suas dificuldades, segundo o relato dos responsáveis.

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

Observa-se que, de acordo com os familiares, pouco mais da metade dos alunos

reconhece e/ou se importa com suas dificuldades escolares. Dos 21 alunos participantes da

pesquisa, no discurso de seus responsáveis, oito alunos não manifestam ou até mesmo

demonstram desinteresse sobre seu baixo rendimento acadêmico e dificuldades.

Os atos das crianças que revelam essas posturas foram descritas pelos entrevistados

como: a mentira e ocultação das tarefas escolares, descuido com o próprio material escolar,

0

2

4

6

8

10

Reconhece a dificuldade Não manifesta

Meninos

Meninas

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112

a verbalização de que não se importam em aprender e ir à escola e/ou até mesmo o silêncio

a respeito de sua vivência escolar.

É importante pontuar que muitas vezes os familiares podem não perceber a

existência do reconhecimento da dificuldade de aprendizagem, mas isso não implica que

ela não exista. Essa questão inspira cuidados, no sentido de se compreender que o

reconhecimento da dificuldade muitas vezes pode ser doloroso e, como forma de defesa, o

indivíduo não se depara com ele explicitamente.

A dificuldade em reconhecer o próprio desempenho e o desinteresse nas atividades

escolares pode estar relacionada com vários fatores já mencionados: a dificuldade em se

apropriar de uma linguagem distante da sua comunidade; a tentativa de evitar situações

desagradáveis - tais como as que se apresentam quando alguém não domina um

conhecimento exigido como pressuposto para adquirir outros conhecimentos; a baixa

autoestima; ou até mesmo a falta de compreensão da importância da leitura e da escrita para

a vida social49

. Diante disso, revela-se a necessidade do envolvimento direto da escola e dos

educadores, devido à importância deles em se responsabilizarem por esses alunos e seus

processos de aprendizagem escolar e assim buscarem novas estratégias de ensino para

atender esse público. Por outro lado, a persistência dos problemas de ensino, aprendizagem,

desempenho acadêmico e progressão no sistema de ensino revela a dificuldade envolvida

nessa empreitada.

Já com relação aos 13 participantes que demonstraram reconhecimento de suas

dificuldades, observamos que esse reconhecimento é importante e positivo. Ele possibilita a

busca de soluções para o problema, além de muitas vezes guiar o indivíduo em busca de

melhoria, motivando-o. O discurso dos responsáveis pelo grupo que reconheceu a

dificuldade acadêmica revelou sentimentos de preocupação, tristeza e vergonha.

Esses aspectos também foram destacados quando os responsáveis foram

questionados sobre a postura do aluno perante provas e notas baixas, apresentados a seguir

na tabela 10 e gráfico 11.

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113

Tabela 10. Postura do aluno perante provas e notas baixas, segundo o relato dos

responsáveis.

Postura perante de provas e notas

baixas Meninos Meninas Total

Demonstra: tristeza; preocupação;

ansiedade e/ou vergonha 4 4 8

Não manifesta 11 2 13

Total 15 6 21

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

Gráfico 11. Postura do aluno perante provas e notas baixas, segundo o relato dos

responsáveis.

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

Demonstra: tristeza;

preocupação; ansiedade

e/ou vergonha

Não manifesta

Meninos

Meninas

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114

A percepção dos familiares em relação à postura dos alunos, no que se refere às

avaliações escolares indica que a maioria dos alunos (13 participantes) não manifestam

mudanças no comportamento quando há provas e/ou notas baixas. Em contrapartida, oito

alunos demonstram tristeza, preocupação, vergonha e ansiedade.

A nossa observação em sala de aula permitiu perceber que algumas das crianças

que, segundo os familiares, não manifestavam nenhum sentimento em relação às provas e

notas, eram também desatentas e desmotivadas a ponto de ignorarem a maioria das

atividades que a classe estava desenvolvendo. Assim, a desmotivação pode ser responsável

pela falta de investimento pessoal e também pela ausência de manifestações em relação ao

trabalho escolar92

. É importante compreender que a desmotivação pode ser apresentada

como um fator responsável nas dificuldades acadêmicas, advindas da falta de investimento

pessoal, porém ela também deve ser vista como uma consequência da falta de estímulo e

interesse no aluno em situações de exposição de conteúdo e atividades pedagógicas, que

muitas vezes não fazem sentido para ele.

No que se refere à ação das professoras diante desses aspectos, no ano letivo de

2013, especificadamente na turma de 2ºC, surgiram fatores que podem ter influenciado nas

dificuldades acadêmicas dos alunos, principalmente dos alunos com dificuldades de

aprendizagem. Dentre esses aspectos, destaca-se a falta de preparo, desmotivação e

angústia por parte da professora (P3), com uma sala com muitos alunos com dificuldades e

com falhas nas práticas pedagógicas.

Apesar disso, é possível afirmar que nesta mesma escola, outras professoras (P1,

P5, P6, P7 e P8) buscaram atenuar as situações de dificuldades dos alunos através de

mudanças nas atividades acadêmicas, como por exemplo, promovendo adaptações

condizentes com a fase de desenvolvimento e aprendizagem da criança e utilizando jogos, o

que representou uma evolução positiva na vivência acadêmica dos alunos.

Com relação aos oito alunos que demonstraram preocupação, ansiedade, vergonha e

tristeza, alguns dos responsáveis chegaram a trazer discursos das próprias crianças que,

quando tiravam notas baixas, afirmaram serem “burras”, ou perto de uma prova agendada,

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115

questionavam ao responsável “o que eu vou fazer?”, demonstrando angústia e ansiedade,

por reconhecer que, possivelmente, não iriam conseguir fazer a prova.

Destacam-se a seguir, mais alguns exemplos de falas e expressões de sentimentos

das crianças a respeito de suas notas baixas e provas previamente agendadas, presentes no

discurso dos responsáveis:

S1: Segundo a mãe, S1 demonstra preocupações quando tem provas na escola: “(ela) fica

com medo, ansiosa, (e fala:) ‘o que vou fazer?’ ”. [Mãe 1; aluna S1; 8 anos e 4 meses].

Em observação, durante uma atividade no ano de 2013, na turma 2ºA, a aluna

constantemente verbalizava para si em voz alta “ ‘tô’ com preguiça”, sendo necessária

intervenção constante da professora para que ela continuasse realizando a atividade. Nesse

mesmo dia, a pesquisadora conversou com a aluna e apontou para algumas letras para

verificar sua compreensão. A aluna aparentemente tentava adivinhar as letras, nomeando-as

aleatoriamente e incorretamente. Em seguida a aluna afirmou “eu não sei ‘lê’, só sei o A, E,

I, O, U, ÃO”. A professora P1 confirmou a dificuldade da aluna em se manter atenta

durante as atividades, disse também que ela constantemente pede para sair da sala e perde o

interesse. P1 disse que conversa bastante com S1, para tentar entender esse processo de

“fuga” (sic P1) e tentar proporcionar atividades mais apropriadas para ela.

S3: A mãe afirmou que a criança chega a verbalizar: “por que sou assim?”;“tenho

problema na cabeça?”. A mãe ainda disse: “(ele) é esforçado, chora quando não

consegue”. [Mãe 3; aluno S3; 8 anos].

S4: “(Ela) fica triste, ela quer coisa melhor, (nota) mais alta”. [Mãe 4; aluna S4; 7 anos e

10 meses].

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116

S6: “Ela não liga para as coisas, não ‘tá’ nem aí” (...)”Vive no mundo dela, no mundo da

lua” [Mãe 5; aluna S6; 7 anos e 11 meses].

S8: A mãe afirmou que a aluna a questiona: “será que sou normal? Porque eu não

aprendo”. Quando há provas agendadas na escola, a mãe disse: “ela fica bem preocupada,

fala ‘não vou saber fazer’”. [Mãe 7; aluna S8; 8 anos e 2 meses].

S9: Na entrevista com a mãe de S9, foi possível observar que em alguns momentos

ocorrem comparações do aluno com a sua irmã gêmea, que estuda na mesma sala. Quando

questionada sobre a postura do aluno em provas e atividades, ela alegou que às vezes a mãe

nem fica sabendo que tem provas e por isso não percebe a diferença, “acho que (ele) não

liga muito” (...) “eu falo para ele ser igual a irmã, para aprender...”. [Mãe 8; aluno S9; 8

anos e 1 mês].

Durante o período de observação no ano de 2013, o aluno constantemente andava

pela sala, dispersava facilmente durante os momentos de cópia da lousa e execução das

atividades, porém em um dia em particular, quando sentou para tentar fazer uma atividade,

ele começou a chorar. Perante essa situação a professora P3 disse apenas que esse choro era

porque ele não conseguia fazer a atividade.

Chamei o aluno para fora da sala e conversei brevemente com ele, para tentar

entender o que estava acontecendo e assim ajudá-lo a se acalmar. A sua irmã, também

aluna da turma, também saiu da sala e conversou com ele, dizendo carinhosamente que ele

não precisava chorar. Depois de um breve momento, apesar do aluno não verbalizar nada, o

acolhimento o ajudou a acalmar e a parar de chorar, e assim retornamos para sua carteira. Já

na sala, me sentei ao seu lado e procurei orientá-lo novamente sobre a proposta da

atividade, além disso, ofereci também exemplos de como deveria ser feita. Apesar disso, a

aula foi interrompida poucos minutos depois, não sendo possível confirmar se ele realizou a

tarefa.

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117

S15: Segundo a mãe, o aluno apresenta “dificuldade na leitura, chora para não ler, fala

‘não consigo ler’ ”. Entretanto, ela afirma também que: “as notas são boas, não liga para a

dificuldade, não liga para a leitura” [Mãe 13; aluno S15; 9 anos e 1 meses].

S16: “(Ele) não se interessa em aprender, mente que não tem lição”; “ele não demonstra,

não ‘tá’ nem aí”. [Mãe 14; aluno S16; 9 anos e 7 meses].

S19: Quando o aluno tem uma prova agendada para o dia seguinte, segundo a mãe: “ele

fica preocupado, ele fala ‘e agora? Que que eu faço?’ ”. Quando questionada sobre como a

criança lida com as notas baixas ela afirmou: “ele fala que tirou nota baixa e que ‘tá’

triste”, porém com relação a como a criança lida com suas dificuldades, ela disse: “ele não

percebe, não tá nem aí”. [Mãe 16; aluno S19; 8 anos – a mãe não soube informar a data

de nascimento no momento da entrevista, apenas a idade].

Esses sentimentos de incapacidade e incompetência pessoal trazem consigo

sentimentos de vergonha, dúvidas sobre si mesmo, baixa autoestima, entre outros

sentimentos negativos. É importante pontuar que a experiência escolar tem papel crucial na

formação do autoconhecimento e autopercepção do indivíduo95

. Como visto e discutido na

caracterização dos participantes, as crianças que apresentam dificuldades escolares,

possuem alto risco de apresentar um autoconceito negativo e baixo autoestima10, 11, 12, 14, 64,

95, 97.

Entende-se assim que quando o indivíduo acredita de fato em suas capacidades e

habilidades e apresenta uma percepção mais positiva de si e de seu potencial intelectual,

desenvolve uma maior motivação e maior eficiência para enfrentar a sua situação de

aprendizagem. Em contrapartida, o oposto ocorre caso o indivíduo se avalie inseguro e

fraco em recursos necessários para a aprendizagem, diminuindo a sua motivação e

aumentando sua dúvida a respeito de suas capacidades intelectuais para resolver problemas,

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118

como ocorre com as crianças participantes dessa pesquisa, quando se deparam

principalmente com situações avaliativas. O indivíduo, diante de situações como provas

e/ou atividades que demandam de suas capacidades e habilidades, tende a, previamente,

simular mentalmente a execução da atividade, avaliando seu possível desempenho e

habilidade.

É possível identificar tal postura nos discursos dos responsáveis, quando eles citam

falas das próprias crianças sobre provas e atividades, o que demonstra que elas adiantam

mentalmente a resolução da futura situação problema com a qual irão se deparar, causando-

lhes angústia e ansiedade por se avaliarem de forma negativa. Além disso, por muitas vezes

essas crianças faltam nos dias das provas ou, até mesmo quando vão, entregam a prova “em

branco”, sem tentativa alguma de resolução.

Nesse processo é essencial a presença do “outro”, visto que a criança tende a

acreditar mais em si quando vive em um contexto de suporte, que reafirme a sua capacidade

e possibilidades de desenvolvimento 104

.

Os dados obtidos por meio das entrevistas com os familiares indicam que tanto o

desempenho escolar como o comportamento e a atitude dos alunos com queixas escolares

influenciam a sua relação com a própria escola. Tal aspecto é apresentado e discutido a

seguir.

Tabela 11. “O aluno gosta da escola?” – Segundo o relato dos responsáveis.

Gosta da escola? Meninos Meninas Total

Gosta 10 4 14

Não gosta 5 2 7

Total 15 6 21

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

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Gráfico 12. “O aluno gosta da escola?” – Segundo o relato dos responsáveis.

Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em

Novembro/2013.

Antes de apresentar a análise dos dados, é necessário refletir sobre o fato de a

entrevista ter sido realizada dentro do próprio contexto escolar. Mesmo com toda

explicação inicial sobre o real motivo da entrevista, isso pode ter acarretado receio por

parte dos responsáveis em fornecer informações que, a seu ver, poderiam prejudicar a

matrícula do filho na escola, como por exemplo, revelar que ele não gosta de frequentá-la.

Apesar disso, optou-se por levar em consideração essa informação, tendo em vista ser

pertinente e importante para a compreensão da percepção dos responsáveis sobre a vivência

e relação dos alunos com a escola.

Apesar das dificuldades, um aspecto positivo identificado pelos familiares

entrevistados é que a maioria das crianças (14 do total de 21 participantes) gosta de

frequentar a escola. É importante compreender que esse fato abre espaço para a intervenção

pedagógica e para um trabalho que resulte na permanência da criança na escola, com

melhoria da qualidade e sucesso acadêmico.

Em contrapartida, os outros sete alunos participantes da pesquisa, segundo seus

familiares, não gostam da escola. Essa postura é coerente com a relação negativa, as

dificuldades, o baixo rendimento, a ansiedade e os comportamentos agressivos e

isolamento, relatados nos depoimentos. Por outro lado, observamos que são esses alunos os

0

2

4

6

8

10

12

Gosta Não gosta

Meninos

Meninas

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120

que constantemente faltam às aulas, o que repercute de forma também negativa nas próprias

possibilidades de superar as dificuldades.

O não gostar está diretamente relacionado ao autoconceito negativo, baixa

autoestima e consequentemente à desmotivação da criança, pois entende-se que com a

dificuldade que ela apresenta na escola, todos esses aspectos são influenciados de forma

significativa e negativa, transformando a vivência nesse ambiente em algo desagradável.

É importante enfatizar que, dentre os responsáveis entrevistados para essa pesquisa,

grande parte não possui uma participação ativa na escola, frequentando raramente reuniões

e mantendo pouco contato com as professoras, embora, alguns se esforcem em auxiliar e

motivar os filhos. É necessário tentar entender o porquê dessa relação família-escola

ocorrer dessa forma, em que muitas vezes as famílias são bastante ausentes e a escola não

traz para si o compromisso pela educação dos alunos. Além disso, é possível observar que

muitas vezes a própria escola não as recebe bem, apenas as chama para criticar seus filhos e

apresentar suas dificuldades e cobrar providências, que, a maioria dos pais, em razão do

baixo nível de escolaridade, entre outras condições, não pode atender.

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121

5. CONCLUSÃO

Este estudo, motivado pela grande quantidade de alunos com dificuldades escolares

na rede pública de ensino do município de Campinas/SP nos possibilitou a ampliação dos

conhecimentos a respeito dos fatores que concorrem para que a aprendizagem escolar

aconteça.

A partir dos resultados do trabalho, que incluiu: observações em sala de aula e

entrevistas com os responsáveis e professoras, caracterização dos alunos e levantamento

das percepções dos responsáveis e professoras, compreendeu-se que o fracasso escolar que

resulta das chamadas dificuldades de aprendizagem, se estabelece a partir de um conjunto

de fatores, os quais, sempre, vão além do ensino e da aprendizagem de conteúdos

específicos e, sempre, envolvem os diferentes contextos de desenvolvimento dos alunos e

suas condições de vida. Assim, os aspectos sociais, culturais, biológicos e psicológicos se

apresentam de forma única para cada sujeito e condicionam as formas de participação da

criança nas atividades escolares, as interações com seus pares e professores e as relações

com o conhecimento.

O olhar sobre a criança e sobre a escola foi construído a partir da convivência com

professores, alunos e familiares. O material resultante dos diversos tipos de registro

realizados foi confrontado com as teorias que se debruçam sobre o desenvolvimento

humano e sobre a aprendizagem escolar.

O estudo revelou a presença de um conjunto de fatores provenientes do contexto

extra-escolar como contribuintes para a gestação dos problemas de aprendizagem. Os

problemas familiares, alguns deles decorrentes da pobreza, do contato com a violência e

com o consumo de álcool e drogas não são responsáveis diretos pelas dificuldades escolares

enfrentadas pelas crianças, mas, eles podem gerar situações adversas para o

desenvolvimento quando afetam de forma negativa a autoestima e autoconfiança, a visão

que as próprias famílias têm sobre a criança e, não menos importante, o conceito que a

escola constrói sobre o aluno.

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122

Além disso, foi possível verificar que essa é uma população com um capital cultural

e habitus87, 88, 89

distantes dos que a escola valoriza, considerando que praticamente metade

dos familiares foi classificada como analfabeta e, dos que se apresentaram alfabetizados,

alguns não chegaram a finalizar o Ensino Fundamental.

Ainda assim, identificou-se que, em sua maioria, são famílias que buscam

melhorias, assim como o oferecimento de um ambiente de suporte para as crianças.

Conforme verificado, com relação ao processo educacional dessas crianças, mesmo com o

alto número de analfabetos dentre os responsáveis, houve auxílio aos alunos nas tarefas

escolares e provisão de situações que envolvem a leitura e escrita em casa.

No que se refere à saúde das crianças, a espera, as tentativas de atendimentos e até

mesmo a falta deles na rede pública também surgiram como questões preocupantes.

Considera-se ainda a falta de apoio, estrutura e suporte à população, tendo em vista que o

diagnóstico e tratamento em saúde são fundamentais para que os alunos possam usufruir da

escola.

Uma questão que emerge com força no presente estudo é a que relaciona interesse e

motivação à participação e desempenho nas atividades escolares. A falta de interesse e

motivação foi uma queixa expressada por familiares e professoras. Diferentes

denominações, exemplos e descrições remetem à ideia de que a criança é responsável pela

sua falta de motivação e interesse.

No entanto, o fato de que, durante entrevista com a pesquisadora, os responsáveis

responderam, em sua maioria, que as crianças gostam da escola e o fato de que elas

expressam de diferentes formas a frustração causada por ocupar o lugar de “alunos

difíceis”, indica possibilidades e espaço para intervenção por parte da escola, e assim

podem ser bem-sucedidas na modificação dessas condições de participação. Exemplo disso

são as práticas de algumas professoras que, durante o ano letivo de 2014, propiciaram a

aprendizagem e o avanço acadêmico dos sujeitos do nosso estudo.

Essa evolução foi descrita tanto pelas professoras como também observada pela

própria pesquisadora. Durante as atividades com uso de jogos, foi possível identificar que

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123

todos os participantes da pesquisa, com dificuldades no processo de alfabetização e assim

em leitura e escrita, já estavam reconhecendo letras e alguns deles até já conseguiam

montar palavras. A atividade no contexto de sala de aula, em que os alunos precisavam se

manter sentados e prestando atenção na professora também evoluiu, considerando que no

ano de 2013, poucos alunos se mantinham sentados e respeitando as regras, já em 2014,

todos se apresentaram mais calmos em sala, respeitando o momento e o tipo de atividade

proposta.

Entende-se assim que com a mudança das atividades pedagógicas, com a inserção

de uso de jogos, visitas ao jardim para compreender o que haviam lido em sala de aula e até

mesmo atividades expostas em sala de aula, foram atividades que proporcionaram maior

atenção, motivação e segurança aos alunos, incentivando-os a serem ativos e pensantes

nesse ambiente.

A partir dos resultados da pesquisa, foi possível entender que a dificuldade de

aprendizagem é um fator potencial de risco, com grande possibilidade de estar associada a

outras situações de vulnerabilidade pessoal e ambiental. Observou-se também que os alunos

com esse perfil, em sua maioria, apresentam problemas sociais, emocionais e

comportamentais. É importante compreender também que a dificuldade pode surgir a partir

de uma vulnerabilidade psicossocial, mas também pode vir a ser responsável por situações

de vulnerabilidade para o indivíduo, caracterizando um círculo vicioso, em que em um

momento é produto, e em outro causa.

Diante disso, pode-se concluir que quando a escola e as professoras modificaram

seu jeito de agir, atendendo às necessidades dos alunos, tomando frente à educação dos

mesmos e se comprometendo por seus processos de aprendizagem, a evolução foi clara e

positiva. Isso evidencia que as dificuldades escolares desse grupo de participantes da

pesquisa podem ser minimizadas ou mesmo superadas por meio da diversificação das

estratégias pedagógicas, entre outros recursos que a escola é capaz de mobilizar.

Por fim, o trabalho desenvolvido na escola nos possibilitou um crescimento pessoal

e profissional, visto que através da parceria e confiança por parte da escola, foi possível

junto às professoras, coordenadora e diretora desenvolver um planejamento de atividades

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124

pedagógicas, apoiá-las em seu trabalho, além de discutir casos e esclarecer dúvidas. Foram

feitas, a pedido da direção da escola, algumas avaliações e observações em sala de aula de

alguns alunos (não participantes da pesquisa), assim como orientações e sugestões de

encaminhamentos aos responsáveis, à direção e aos professores desses alunos e auxílio nas

organizações das turmas na transição do ano letivo de 2013 para o ano de 2014.

A nossa intensa participação na escola, assim como o estudo e a tentativa de

integrar o conhecimento teórico e a experiência prática, no contato com professores,

gestores, familiares e alunos trouxe uma nova perspectiva da realidade escolar, que se

apresentou em toda a sua complexidade e multiplicidade.

Conclui-se que a presença do psicólogo na escola, assim como a de outros

profissionais da área da saúde, possibilita o desenvolvimento de ações em parceria com os

educadores, a fim de considerar essa multifatoriedade e individualidade no processo de

aprendizagem e desenvolvimento de cada aluno.

Sugere-se para futuras pesquisas na área, a inclusão de escuta dos próprios alunos,

dando voz aos próprios participantes da pesquisa, considerando que enxergá-los em sua

totalidade possibilita a compreensão de seu contexto escolar, familiar e pessoal. Neste

estudo em particular não foi possível essa escuta devido às dificuldades encontradas no

ambiente escolar, como o fato da pesquisadora ter sido apresentada inicialmente como uma

“fiscal”, e até mesmo os responsáveis terem pressionado seus filhos a “conversarem com a

psicóloga da escola”, o que modificou de forma clara a relação da pesquisadora com alguns

alunos, que em diversas situações, pouco conversavam ou expressavam seus sentimentos,

apresentando-se tímidos e retraídos.

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125

6. REFERÊNCIAS

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Saúde. In Fracasso Escolar: Uma Questão Médica? Cadernos Cedes, 15, p.7-16. 1985.

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humanos. In: CRP-RJ (Org.). Direitos Humanos: O que temos a ver com isso? Rio de

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Emsantina Galvão G. Pereira revisão da tradução Marina Appenzellerl. São Paulo:

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137

APÊNDICE I

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO -

RESPONSÁVEIS

Título da Pesquisa: “Percursos de aprendizagem: a alfabetização e suas dificuldades”

O Sr. ou Sra._____________________________________________, responsável

pela criança ________________________________ estão convidados a participarem dessa

pesquisa, que tem como finalidade compreender os fatores associados ao sucesso e ao

fracasso escolar na escola pública, sob a responsabilidade de Paula Salve Pellegrinetti

Junqueira, psicóloga, aluna de mestrado do Programa de Pós-graduação em Saúde,

Interdisciplinaridade e Reabilitação, da Faculdade de Ciências Médicas, na Universidade

Estadual de Campinas (UNICAMP) sob a orientação da Profª Drª Adriana Lia Friszman de

Laplane.

A pesquisa será realizada na própria escola durante o período de aula. A

pesquisadora avaliará e observará a criança em sala de aula e você será convidado/a a

participar de uma entrevista com duração de até 1 hora. As entrevistas serão agendadas

conforme seu horário disponível e estas ocorrerão na própria escola.

Os dados pessoais serão mantidos em sigilo e os resultados da pesquisa serão

utilizados apenas para alcançar os objetivos do trabalho, incluindo sua apresentação em

encontros científicos e publicação em revistas especializadas. Os dados da pesquisa serão

mantidos em poder da pesquisadora responsável.

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138

Os procedimentos em questão não oferecem riscos previsíveis para os participantes

e não ferem a integridade moral dos sujeitos. A participação nesse estudo não acarretará

nenhum prejuízo ou benefício terapêutico.

Caso haja interesse ou necessidade será possível interromper sua participação e a

participação de seu/sua filho(a) em qualquer momento da pesquisa, sem que com isso

sofram qualquer tipo de ônus.

Para apresentar recursos, reclamações e/ou denúncias em relação aos aspectos éticos

da pesquisa você pode entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da

Universidade Estadual de Campinas pelo telefone (19) 3521-8936 e/ou com a responsável

pelo estudo, Drª Adriana Lia Friszman de Laplane, pelo telefone (19) 3521-7018 na

Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.

Este termo é feito em duas vias, sendo que uma permanecerá em seu poder e a outra

com a pesquisadora responsável.

___________________________________

Nome do responsável

___________________________________

Nome da criança

___________________________________

Local e data

____________________________________

Assinatura do responsável

___________________________________

Assinatura da responsável pela pesquisa

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139

APÊNDICE II

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO -

PROFESSORAS

Título da Pesquisa: “Percursos de aprendizagem: a alfabetização e suas dificuldades”

A Sra._____________________________________________, professora da turma

_________, está convidada a participar dessa pesquisa, que tem como finalidade

compreender os fatores associados ao sucesso e ao fracasso escolar na escola pública, sob a

responsabilidade de Paula Salve Pellegrinetti Junqueira, psicóloga, aluna de mestrado do

Programa de Pós-graduação em Saúde, Interdisciplinaridade e Reabilitação, da Faculdade

de Ciências Médicas, na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) sob a orientação

da Profª Drª Adriana Lia Friszman de Laplane.

A pesquisa será realizada na própria escola durante o período de aula. Ela envolverá

a realização de uma entrevista de até 1 hora de duração. A entrevista será agendada

conforme seu horário disponível e ocorrerá na própria escola.

Os dados pessoais serão mantidos em sigilo e os resultados da pesquisa serão

utilizados apenas para alcançar os objetivos do trabalho, incluindo sua apresentação em

encontros científicos e publicação em revistas especializadas. Os dados da pesquisa serão

mantidos sob a guarda da pesquisadora responsável.

Os procedimentos em questão, não oferecem riscos previsíveis para os participantes

e não ferem a integridade moral dos sujeitos. A participação nesse estudo não acarretará

nenhum prejuízo ou benefício terapêutico.

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Caso haja interesse ou necessidade será possível interromper sua participação em

qualquer momento da pesquisa, sem que com isso sofra qualquer tipo de ônus.

Para apresentar recursos, reclamações e/ou denúncias em relação aos aspectos éticos

da pesquisa você pode entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da

Universidade Estadual de Campinas pelo telefone (19) 3521-8936 e/ou com a responsável

pelo estudo, Drª Adriana Lia Friszman de Laplane, pelo telefone (19) 3521-7018 na

Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.

Este termo é feito em duas vias, sendo que uma permanecerá em seu poder e a outra

com a pesquisadora responsável.

___________________________________

Nome da professora

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Local e data

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Assinatura da professora

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Assinatura da responsável pela pesquisa

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APÊNDICE III

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM O RESPONSÁVEL

(adaptado de Dell’ Agli BAV. Aspectos afetivos e cognitivos da conduta em crianças com e

sem queixa de dificuldade de aprendizagem. Tese de doutorado, Faculdade de Educação –

UNICAMP, 2008).

HISTÓRIA ESCOLAR DA CRIANÇA

1. Em que idade entrou na escola?

2. Teve dificuldade de adaptação?

3. Quais anos que frequentou?

4. Teve alguma repetência? Se sim, qual foi o motivo?

5. Apresenta e/ou apresentou dificuldades de aprendizagem?

6. Se sim, quais dificuldades? Em quais matérias?

7. Quando elas apareceram?

8. Foi feito algum encaminhamento para especialista? Se sim, quem encaminhou?

9. Como a família lida com as dificuldades da criança? E a própria criança?

10. Há alguma mudança no comportamento da criança nas vésperas de prova? Quais?

11. A criança se sente envergonhado quando não tira boas notas?

12. Ela gosta de ir à escola? E de fazer as lições?

13. Aceita ajuda nas atividades escolares?

14. Como é o contato com a leitura e escrita em casa?

ASPECTOS DO RELACIONAMENTO

1. Como é o relacionamento da criança com seus familiares?

2. Como é o relacionamento da criança com amigos fora da escola? E com os amigos

da escola.

3. Teve ou tem algum problema de relacionamento? Como é resolvido?

4. A criança gosta e aceita ser acariciada?

5. Como a criança reage aos problemas familiares?

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ASPECTOS SOCIAIS

1. Cuida sozinho de si (trocar de roupa, se servir etc.)

2. Gosta de ir a festas e/ou sair para passear?

3. Fica demasiadamente ansioso nas vésperas de algum evento? O que ocorre? (perda de

apetite, agressividade, perda do sono etc.)

4. Prefere brincar sozinho ou com amigos?

5. Tem muitos amigos ou prefere brincar apenas com um?

DESENVOLVIMENTO

1. O desenvolvimento (físico, psicomotor e de linguagem) foi dentro do esperado para

a idade ou teve atrasos? Se houve atrasos em quais aspectos?

2. Houve algum contato com drogas, bebidas alcoólicas e/ou medicamentos durante a

gravidez?

3. Fica doente com frequência?

DESCRIÇÃO DA CRIANÇA

1. De uma maneira geral descreva como é seu filho.