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COMISSÃO CIENTÍFICAJaime Reis José Amado MendesMiguel Figueira de Faria Pedro Lains
COORDENAÇÃO
Miguel Figueira de Faria José Amado Mendes
DICIONÁRIODE HISTÓRIAEMPRESARIALPORTUGUESASéculos XIX e XX
VOLUME I
INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS
Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias 7
ÍNDICE GERAL
Índice das Instituições Bancárias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Apresentação, de Miguel Figueira de Faria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
Introdução, de Jaime Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
Colaboradores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
Entradas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Instituições Bancárias e Caixas de Crédito Agrícola Mútuo sem entrada realizada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 635
Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias 19
INTRODUÇÃO
JAIME REIS
O presente volume compendia uma enorme massa de informação relativa às
instituições de crédito em atividade no território nacional desde os primórdios
do moderno sistema financeiro português até à atualidade. Não sendo exausti-
vo, pois tal seria evidentemente impossível, reúne e organiza, no entanto, tudo
o que se conseguiu saber de relevante sobre as mesmas. Nalguns casos — os
daquelas que tiveram uma longa, bem documentada e eventualmente aciden-
tada vida — as entradas são extensas e desenvolvidas. Noutros, em que a infor-
mação escasseou ou a existência foi efémera, elas são mais curtas e sintéticas.
Em todas elas, porém, procurou-se, esperançosamente, desenhar um retrato
tão completo e informativo quanto possível desta miríade de bancos comer-
ciais, de investimento ou de crédito predial, assim como de casas bancárias,
companhias de crédito, caixas económicas e de crédito agrícola, que habitaram
o País entre os princípios do século XIX e os do século XXI. Sem falsa modéstia,
poder-se-á dizer que este é um instrumento imprescindível para todos os que
pretendam estudar, ou simplesmente conhecer, esta dimensão fundamental
do nosso passado económico.
Esta introdução destina-se a tornar a leitura destas páginas tão proveitosa e
agradável quanto possível. Procura fazê-lo fornecendo, em traços muito largos,
um enquadramento de história bancária portuguesa adequado a este propósito.
Este será resumido, a fim de a sua consulta não se tornar demasiado pesada, nem
acabar por se substituir à matéria das entradas. Ao mesmo tempo, pro curará
tornar mais compreensível o teor das histórias individuais que aqui se juntam,
proporcionando ao leitor uma visão geral da evolução deste sector, assim como
uma definição das principais fases históricas que este atravessou, fundada em
princípios analíticos. São diversos os critérios que se poderiam utilizar para
fazer esta periodização. Se nenhum é satisfatório isoladamente, tão pouco as
suas combinatórias agradarão a todos. Assim, optou-se por uma narrativa inin-
terrupta, sem segmentos claramente diferenciados, mas em que se chama a
atenção para as viragens mais marcantes no longo percurso percorrido pelo sis-
tema bancário português nestes duzentos anos. Nisto, atendemos aos aspectos
políticos e institucionais, não descurámos evidentemente os económicos e finan-
ceiros, e prestámos atenção aos aspectos empresariais, que são cruciais quando
se estuda qualquer conjunto de empresas. Deste modo, emergiram, embora
mesclando-se também entre si, as seguintes épocas: dos inícios até à década de
1860; desde a década de 1860 até 1925; de 1925 até 1974; e de 1974 até à atualidade.
INTRODUÇÃO
20 Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias
Formalmente, o sistema bancário português teve início em 1821, com a
constituição do Banco de Lisboa. Tratava-se de uma sociedade por ações, com
o avultado capital social de 5000 contos de réis. Embora fortemente protegido
pelo governo e a coroa, era pertença de um grupo alargado de acionistas, prin-
cipalmente oriundos da praça de Lisboa, a quem competia escolher os corpos
gerentes da empresa. Gozava de vários privilégios pouco vulgares para aquele
tempo, entre os quais o de emitir notas convertíveis em moeda de ouro ou
prata, que seriam sempre aceites pelo Estado em pagamento de obrigações
fiscais. À semelhança do que acontecia noutros países europeus, uma das suas
principais incumbências era contribuir para sanear o sistema monetário, de
há algum tempo abalado por políticas de emissão excessiva de papel moeda
requeridas pelo esforço de guerra em que as nações se viram envolvidas no
fim do século XVIII e início do seguinte. Para o conseguir, esperava-se que
adquirisse esses bilhetes inconvertíveis, através do mercado, e os amortizasse
em seguida, uma operação que se tornou mais demorada do que o previsto,
uma vez que o «denominado papel-moeda» apenas desapareceu da circulação
durante os anos 1850.
Durante o quarto de século seguinte à sua fundação, foi fraca a concor-
rência de outros bancos que o de Lisboa teve de enfrentar. Apenas um — o
Banco Comercial do Porto (1835) — se apresentou na cena financeira do País
pouco depois da implantação do Liberalismo, com um capital bastante exíguo
e sem constituir ameaça para o seu antecessor, cujas operações se concentra-
vam na capital, não obstante a existência no Porto de uma sua filial. No decur-
so destes anos, o Banco de Lisboa não diferiu dos seus congéneres de outros
países quanto à sua principal vocação, a de fazer empréstimos aos governos
da época, em geral a braços com dificuldades financeiras de natureza mais
ou menos grave. Motivava-o não só o retorno atraente que esta dívida gerava
e a segurança de que gozava o crédito feito ao Estado. Igualmente importante
era a dificuldade em resistir às exigências duma entidade que lhe concedera
privilégios excecionais aquando da fundação, e que tinha na mão o poder de
os renovar quando se extinguisse o contrato ao abrigo do qual fora constituí-
do. Em conformidade, observa-se que a maior parte das atividades de crédito
a particulares passava ao lado do Banco de Lisboa, que por sua vez retirava
dessa atividade apenas 10 % a 30 % dos seus lucros, sendo o restante o resul-
tado de dívidas do Estado.
Com a exceção de uma breve suspensão de pagamentos em 1827-1828, o
Banco de Lisboa atravessou as primeiras duas décadas da sua vida sem atribu-
lações de maior. Conseguiu mesmo resultados bastante satisfatórios. Apesar
de ter tido de conviver durante estes anos com uma guerra civil, constantes
INTRODUÇÃO
Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias 21
perturbações políticas e uma grande fragilidade nas finanças públicas, o que
naturalmente afetava o seu negócio bancário, conseguiu quintuplicar os seus
lucros brutos e multiplicar por três o seu ativo total entre 1823 e 1845. Em
contraste, em 1846, teve de enfrentar uma gravíssima crise de origem política
e financeira, à qual não foi também indiferente um excessivo e imprudente
aumento dos seus créditos sobre o Estado. O resultado foi ter de se fundir com
a Companhia Confiança Nacional, um grupo económico também ele demasia-
damente comprometido com o financiamento da dívida pública, vindo assim a
constituir-se nesse ano o Banco de Portugal. Com privilégios muito parecidos
com os do seu antecessor, incluindo o do monopólio da emissão de notas con-
vertíveis, a nova entidade teria a enorme capitalização de 8000 contos de réis.
Uma vez estabilizado, no entanto, o novo banco deixaria de trilhar o caminho
seguido pelo Banco de Lisboa, mantendo daí por diante numa escala mais
modesta as suas operações com o Estado, e afirmando decididamente a voca-
ção comercial que iria pautar a sua atuação durante as próximas décadas.
Numa economia tão pequena e pouco desenvolvida como a portuguesa,
não surpreenderá que, perante uma entidade desta dimensão e no clima de
incerteza então vivido, o sistema bancário não tenha conseguido atrair novas
instituições financeiras durante toda a década que se seguiu à crise de 1846.
Passada esta fase, porém, começaram a surgir capitais e capitalistas vocaciona-
dos para esta atividade, num crescendo ao longo das décadas de 1860 e 1870,
que só se estancaria com a crise de 1876. Com início em 1856, este autêntico
boom da banca deu azo ao aparecimento, por todo o País, embora com o seu
maior peso em Lisboa e no Porto, de várias dezenas de novos bancos cujos ati-
vos totais se traduziram por um crescimento, entre 1860 e 1875, de 650 %. Na
sua maior parte constituído por bancos puramente comerciais e de dimensão
muito variável, este conjunto incluía duas novas entidades monopolistas, uma
na prestação de crédito predial e outra no âmbito das colónias portuguesas, e
ainda oito bancos, também comerciais, mas com o direito de emissão de notas
convertíveis fora do distrito de Lisboa.
São vários os fatores que terão contribuído para este processo de expansão:
a pacificação da vida política durante a década de 1850, com a Regeneração; a
participação da economia no processo de globalização então em curso e o cres-
cimento interno daí advindo; o rápido aumento da oferta monetária; e a adesão
de Portugal ao padrão ouro (1854), todos terão ajudado a criar um ambiente
favorável a este tipo de iniciativas. Ao mesmo tempo, o saneamento das finan-
ças públicas e a crescente facilidade dos governos em aceder à poupança
nacional e internacional para se financiarem terão libertado novos recursos
financeiros. A estes viria a juntar-se o f luxo cada vez maior de remessas de
INTRODUÇÃO
22 Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias
emigrantes portugueses no Brasil, sobretudo depois do fim da guerra do Para-
guai, igualmente em busca de aplicações promissoras no País.
Um terceiro condicionalismo a considerar aqui é o marco regulatório des-
ta atividade, que até 1867 era bastante dissuasor da entrada no sector. Ao abri-
go do Código Comercial (1833), de Ferreira Borges, a fundação de qualquer
sociedade anónima em Portugal exigia uma autorização legal por decreto e
um processo prévio de aprovações, que eram tudo menos fáceis de obter. Sem
que isto tenha impedido por completo que alguns bancos dotados de grandes
meios e de inf luência política se constituíssem antes daquela data — foram
ao todo nove — é difícil negar que isto tenha colocado um travão a um movi-
mento mais abrangente. Com a Lei de Sociedades Anónimas de 1867 tudo
mudou, passando-se de uma situação altamente restritiva para uma de grande
liberdade em termos da criação deste tipo de entidades, incluindo bancos. Não
surpreende, portanto, a súbita aparição de um grande número destes últimos,
promovidos por interesses, por vezes apenas com recursos fracos e pouco aces-
so ao poder político, eventualmente também menos idóneos para a atividade
bancária.
Em poucos anos o País viu-se assim dotado de uma pletora de bancos,
cerca de 60, mormente sob a forma de sociedades anónimas, e espalhados por
todo o território, para além de um número significativo de bancos privados e
de outras instituições financeiras. Embora subitamente grande, este sistema
era também frágil. Entre os bancos comerciais, muitos eram resultado de pro-
cessos especulativos, pequenos, fracamente capitalizados, inadequadamente
geridos e muitas vezes sobrecarregados de créditos de solidez questionável.
Não tardou por isso que sobre eles desabasse uma crise sistémica em 1876,
precipitada essencialmente por um choque financeiro externo, mas logo pro-
pagada pelas debilidades que os infirmavam. O governo teve de decretar uma
suspensão geral de pagamentos e o Banco de Portugal foi chamado a intervir
para preservar instituições que fossem sólidas, mas estivessem a atravessar
um período de dificuldade. Salvaram-se deste modo quatro quintos do total e,
em particular, os bancos de maior dimensão.
Não obstante o dramatismo desta perturbação, a década e meia que
mediou até à crise bancária seguinte, em 1891, foi novamente um período
de crescimento. Em contraste com o antecedente, porém, este deu-se quase
exclusivamente em termos orgânicos, sendo escassíssima a criação de novas
entidades, o que não impediu que os ativos bancários totais tivessem aumen-
tado, pela via do crescimento interno, em cerca de 50 %. De notar, também,
que, apesar de um debate público vigoroso em torno da questão da regulação
bancária, nada foi alterado no status quo em resposta às dificuldades vividas
INTRODUÇÃO
Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias 23
em 1876. Manteve-se, assim, a postura oficial de grande liberdade de iniciativa
nesta matéria.
No decurso desta fase de consolidação e de amadurecimento, acabariam
por definir-se as características principais do sistema financeiro, que já tinham
começado a emergir antes de 1876. Merece a pena considerá-las aqui, tanto
mais que são elas que em grande parte determinariam, até ao fim da II Guerra
Mundial, os avatares da atividade bancária em Portugal. O primeiro aspecto
a salientar é a escassa dimensão relativa deste sector em termos comparativos
internacionais, o que fez de Portugal um dos países menos «bancarizados»
da época. Medida pelo valor per capita dos ativos financeiros totais, Portugal,
junto com a Espanha, teve sempre, até 1914, uma dimensão inferior e, nalguns
casos, muito inferior aos das restantes economias da periferia europeia (Reis,
2005) 1. O segundo tem a ver com a estrutura desigual do sistema. Neste avul-
tava um número reduzido de grandes instituições comerciais, com o Banco de
Portugal muito à frente dos restantes, e um grande conjunto de pequenos ban-
cos, muitas deles dispersos pela província, para além de algumas caixas eco-
nómicas, em geral de escala diminuta. Uma única entidade de carácter estatal
e vocacionada para a poupança, a Caixa Geral de Depósitos, excecionalmente
representava nos fins do século XIX uns 5 % dos passivos bancários totais. Uma
terceira faceta residia no facto de a esmagadora maioria destas instituições
circunscreverem as suas atividades às respetivas sedes. Ao contrário do que se
passava em muitos outros países, eram raras as que mantinham de uma for-
ma consistente uma rede de filiais, deixando assim de poder usar este instru-
mento para diversificar geograficamente o âmbito da sua ação, reduzir o risco
e alargar a sua capacidade de captação de recursos. Em 1910, a presença de
filiais de instituições financeiras por quilómetro quadrado era, em Portugal,
20 vezes menor do que nas economias periféricas da Escandinávia e 4 vezes
menor do que na Itália.
Uma tal situação propiciava alguma instabilidade e ineficiência, decor-
rendo daqui algumas consequências menos positivas. Uma delas foi uma ten-
dência quase geral para a falta de especialização funcional, traduzindo-se por
participações nos mais variados negócios que nem sempre estes bancos domi-
navam ou mesmo conheciam. Outra foi uma clara propensão para se envolver
em projetos de liquidação demorada, quando não duvidosa, o que acarretava
problemas de vulnerabilidade. Os dados de balanço dos principais bancos reve-
lam que nos anos de 1865 a 1914 os seus rácios de créditos de longo prazo para
1 Os países nesta comparação são a Noruega, a Dinamarca, a Suécia, a Itália e a Espanha.
INTRODUÇÃO
24 Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias
créditos a curto prazo usualmente excediam os 100 %, em vários casos mesmo
os 200 % (Reis, 2003). Os riscos associados a esta situação eram, no entan-
to, atenuados por uma outra característica do sistema bancário português do
pré-I Guerra Mundial, nomeadamente a sua dificuldade em captar depósitos.
Os bancos ficavam, assim, a depender, para a sua atividade, principalmen-
te de capitais próprios, o que lhes conferia maior segurança e estabilidade e
os poupava ao risco de corridas de depositantes quando os negócios não iam
de feição. Fazia também com que os créditos de longo prazo fossem menos
problemáticos, visto que a liquidez de caixa, nestas condições, não seria uma
preocupação excessiva.
A despeito destes defeitos sistémicos, não se poderá dizer que, globalmente,
as primeiras cinco ou seis décadas da moderna história bancária portuguesa
se tenham saldado pelo insucesso. As estatísticas oficiais e os relatórios anuais
das instituições revelam que, fora dos momentos de crise, a maioria dava
lucros, e que na maior parte estes eram razoáveis. Duas notas dissonantes, no
entanto, chamam a atenção para a existência de alguma debilidade estrutural.
Uma delas é a fraca presença em Portugal de capital estrangeiro neste sector,
numa época em que as principais potências económicas europeias canaliza-
vam grandes somas para atividades financeiras além fronteiras. A outra é a
dificuldade persistente deste sector em atrair um volume significativo de pou-
panças internas sob a forma de depósitos, a denotar uma perceção do risco
envolvido negativa e ou que a remuneração que os bancos portugueses ofere-
ciam ficava aquém do que se podia obter em outros investimentos.
Em 1891, Portugal sofreu a sua segunda crise bancária, só que desta vez
a gravidade foi muito maior do que da primeira pela conjugação com ela de
outras crises — financeira, monetária e económica —, todas elas potenciadas
por acontecimentos internacionais adversos. No caso da crise financeira do
Estado português, avultam como causas a rápida acumulação de dívida pública
desde 1880, especialmente a amortizável externa, a instabilidade política no
País e a crise financeira internacional, precipitada pela queda da casa Barings
de Londres. Em conjunto, isto privou o governo da possibilidade de contrair
nova dívida, como costumava acontecer em tais situações, e precipitou uma
moratória parcial nos seus pagamentos e a implementação de políticas severas
de austeridade. Ao mesmo tempo, a queda rápida do câmbio brasileiro levava
à contração das remessas dos emigrantes no Brasil, ao desequilibro da balança
de pagamentos e à fuga de capitais para o estrangeiro na expectativa da depre-
ciação da moeda, o que viria inevitavelmente a ocorrer. Perante o esgotamento
das reservas metálicas do País, foi decretada em maio de 1891 a suspensão do
padrão ouro, iniciando-se, assim, um regime de curso forçado para as notas
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Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias 25
agora emitidas em regime de monopólio pelo Banco de Portugal. Entretan-
to, vinha a descobrir-se que alguns dos principais bancos comerciais tinham
emprestado em excesso para projetos de baixa liquidez e encontravam-se for-
temente comprometidos, o que levaria à suspensão de pagamentos e ao encer-
ramento e ou à fusão de alguns deles, assim como a um pânico generalizado
dos seus depositantes.
O impacto nacional destes acontecimentos foi enorme e prolongado. Em
termos reais, o choque inicial da crise traduziu-se por um recuo de cerca de
8 % do produto interno bruto per capita, o qual só recuperou o seu nível de
antes da crise em 1897. Por causa da suspensão de pagamentos, o Estado viu-
-se excluído dos mercados externos de capitais, apenas conseguindo regressar
a eles onze anos depois e de forma muito contida, após acordo com os credores,
em 1902. A moeda portuguesa nunca mais regressaria à convertibilidade efe-
tiva em ouro, embora tivesse regressado por breve período ao padrão ouro, em
1931, tendo os portugueses doravante de se contentar com o papel moeda e
uma taxa de câmbio sujeita a variações mais ou menos intensas.
No plano do sistema bancário, em contraste com 1876, foram muitas e
importantes as mudanças sobrevindas. Na sequência da crise, o número de
bancos comerciais caiu para cerca de metade, quer por fusões com outros quer
por encerramento, e durante os anos seguintes, até 1914, quase não voltou a
crescer em termos de volume total de ativos. Na praça do Porto, onde foi par-
ticularmente sentido o impacto destes acontecimentos, pouco restou do sector
bancário de antes de 1891. Em consequência, uma parte importante das suas
operações de crédito passou a ser efetuada por casas bancárias de responsa-
bilidade ilimitada, que vieram ocupar este espaço agora deixado livre, e tam-
bém pelo Banco de Portugal, sobretudo no Porto, e com o encorajamento do
Estado, que temia um efeito recessivo se esta intervenção não tivesse lugar.
A nível nacional e apesar de ter perdido uma boa parte das suas reservas de
ouro na voragem, o Banco de Portugal acabou por sair bastante beneficiado
da evolução seguida pelo sistema bancário. Satisfez uma velha reivindicação,
que foi a de acabar com a pluralidade de emissão dos bancos no norte, ficando
assim com o monopólio nacional desta função. Por imperativo das periclitan-
tes finanças do Estado, tornou-se de novo o seu credor interno mais impor-
tante, o que fez aumentar significativamente os seus lucros anuais e a parte
destes que correspondia às operações com o Tesouro. Entretanto e em virtude
da maior vulnerabilidade de muitas instituições financeiras, foi chamado com
mais frequência e maior intensidade a dar apoio, sempre com sucesso, a estas
entidades durante as suas dificuldades cíclicas, o que lhe conferiu um grau
crescente de inf luência e prestígio institucional. Cada vez mais, o Banco de
INTRODUÇÃO
26 Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias
Portugal estava a assumir informalmente as funções de banco central, ainda
que isto nunca fosse declarado publicamente.
Ao contrário do sucedido no pós-1876, desta vez a magnitude da crise
convenceu os políticos acerca da necessidade de rever o enquadramento ins-
titucional, demasiado laxista, em que tinha operado até então o sector finan-
ceiro da economia. Para além de consolidar a função emissora no Banco de
Portugal, cuja dispersão era tida como uma das causas da crise, foi criada, em
dois passos sucessivos, em 1894 e 1896, uma nova moldura regulatória. O traço
mais saliente desta consistia em reconhecer a singularidade desta atividade e
a consequente necessidade de tratar as sociedades anónimas de responsabi-
lidade limitada nela envolvidas de um modo diferente do de todas as outras
sociedades por ações. A principal preocupação era incrementar a transparên-
cia das operações dos bancos, impondo, por exemplo, uniformidade na apre-
sentação dos seus balanços e balancetes, desincentivar operações que envolves-
sem ações próprias ou de outros bancos, dificultar o acesso ao sector a novos
bancos, exigindo a autorização prévia do governo, e permitir a intervenção do
Estado na gestão de qualquer instituição financeira em que se verificassem
irregularidades ou ilegalidades 2.
Os anos da I Guerra Mundial e os imediatamente a seguir caracteriza-
ram-se por um elevado nível de turbulência política e económica em Portugal.
No segundo destes planos, são de destacar um tremendo surto inf lacionista,
com os preços a aumentar 30 vezes entre 1914 e 1924, uma brutal desvaloriza-
ção da moeda, de 7,9 para 134 escudos por libra esterlina no mesmo intervalo,
e uma sucessão de enormes deficits orçamentais que obrigaram a um aumento
de 2000 % na emissão monetária do País. Tudo isto foi acompanhado por um
clima de especulação febril nos mercados, a que não foram alheios, no rescaldo
do conflito internacional, a inf lação citada, mas também o regresso à paz e o
surto de crescimento da economia real a ela associada de cerca de 4 % ao ano
entre 1918 e 1924.
Obviamente, o sistema bancário não podia ficar imune a toda esta agita-
ção. Embora mantendo estável o número das instituições — à volta de 25 — em
apenas sete anos, este experimentou uma elevada e desusada rotação. Foram
criados 17 novos bancos (incluindo a passagem a esse estatuto de algumas
casas bancárias, que tinham responsabilidade ilimitada) e houve 16 liquida-
ções. Ao mesmo tempo, assistiu-se a um aumento astronómico no valor total
dos ativos bancários, embora, devido à inf lação, esta variação, em termos reais,
2 Valério et al. (2007, vol.1).
INTRODUÇÃO
Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias 27
não fosse muito além dos 30 % para o mesmo período. Acrescia uma grande
vulnerabilidade, a qual se viu amplamente demonstrada pela eclosão das três
crises bancárias que se fizeram sentir com alguma severidade em 1920-1921,
1923 e 1925. Dois fatores em particular conduziram a esta fragilidade sistémi-
ca. Um era o facto de os bancos do pós-guerra se terem tornado, em termos
reais, mais pequenos e portanto mais sujeitos à instabilidade do que dantes.
O outro era muitos terem embarcado, a partir do fim do conflito mundial,
numa senda de alavancagem crescente que a prazo os deixou numa posição
difícil de sustentar. Nalguns casos, a esta evolução não foi alheio o acesso
demasiado fácil ao sector de dirigentes com escassa experiência financeira e
ou idoneidade para os respetivos cargos.
A primeira metade da década de 1920 deixou um legado institucional
importante para a evolução do sistema bancário português e que surgiu sob
a forma de um novo quadro regulatório para o sector em reação às crises do
imediato pós-guerra. A Lei Bancária de 1925, aprovada ainda em tempo da
República, ref letiu, por um lado, a impressão generalizada de que uma das
principais causas das crises tinha sido uma apetência excessiva por ganhos,
que era desestabilizadora e devia ser travada, e, por outro, um sentimento
«anti-plutocrático» crescente por parte da opinião pública. Esta apoiou por
isso, contra a oposição veemente dos bancos, um conjunto de medidas drásti-
cas, mas necessárias, que viriam a perdurar por várias décadas. Destas, qua-
tro merecem particular destaque. Uma foi o reconhecimento de que, sendo
o sistema bancário um determinante crucial das variáveis monetárias, a sua
monitorização deveria ser confiada ao ministério das finanças e não ao das
obras públicas, obviamente menos vocacionado para a tarefa. As directrizes
nesta matéria seriam definidas pelo governo, mas a sua implementação com-
petiria ao Banco de Portugal, um reconhecimento adicional do papel de banco
central, que se esperava cada vez mais que este viesse a assumir. A segunda
medida foi o fortalecimento da posição do Banco de Portugal em relação aos
demais, a fim de lhe conferir a necessária capacidade para os disciplinar. Isto
obteve-se restringindo as suas operações comerciais diretas junto do público e
alargando o âmbito do seu redesconto às instituições bancárias. A terceira foi
a constatação de que a intervenção direta das autoridades neste sector prevista
na legislação de 1894-1896 tinha sido insuficiente para atenuar as crises. Para
reforçá-la, aumentaram-se as penalidades por atos irregulares ou delituosos e
aumentaram-se os meios e o campo de ação deste policiamento. Por último,
impuseram-se mínimos de capital conforme os diferentes tipos de banco, que,
para ladear as dificuldades suscitadas pela vertiginosa inf lação do pós-guerra,
foram fixados em ouro.
INTRODUÇÃO
28 Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias
O impacto desta legislação está ainda por averiguar em detalhe, mas tudo
leva a crer que não tenha sido inconsequente. O rácio ativos totais-capital, que
tinha vindo a subir desde 16,4 em 1920 até atingir os 28,7 em 1925, voltou em
1930 ao nível muito mais razoável de 13,6, o que revela um enorme progresso
quanto ao problema da descapitalização bancária. Outro efeito da lei foi a redu-
ção drástica de alvarás para novos bancos. Estes ficaram apenas pelos quatro
entre 1925 e 1930, um sinal claro de uma nova atitude em relação ao exercício
desta atividade, sendo de presumir que as condições da sua atribuição tenham
passado também agora a ser mais exigentes, uma vez que até 1939 nenhuma
destas entidades foi objeto de uma declaração de insolvência.
A atribulada década de 1930 deixou marcas muito menos vincadas no sis-
tema bancário português do que seria talvez de esperar e do que ocorreu efe-
tivamente pelo mundo fora. Duas circunstâncias exógenas foram importantes
para este resultado. Uma foi o desempenho relativamente positivo, apesar da
crise, da economia real. A outra foi o fraco envolvimento internacional das ins-
tituições financeiras portuguesas, o que as pôs a coberto dos piores choques
provindos da crise mundial. Ao mesmo tempo, a maior disciplina imposta
pelas autoridades encarregadas do sector impediu os exageros e sobressaltos
de outras épocas, sendo certo também que as crises bancárias dos anos 1920
tinham libertado o sistema das suas componentes mais fracas. Ao longo des-
tes dez anos, os ativos totais cresceram a uma taxa de 3,6 % ao ano em ter-
mos reais, um crescimento quase inteiramente orgânico, que implicou um
aumento significativo na escala média dos bancos portugueses, tornando-os
obviamente menos frágeis. Esta evolução foi acompanhada por um rácio ativos
totais-capital ligeiramente superior ao de 1929, mas que se manteve sempre
dentro dos limites aconselhados pela prudência. Isto e um controle mais aper-
tado explicam em boa parte que apenas cinco bancos tenham falido durante
este intervalo de tempo tão crítico, ou seja, um terço dos que tinham desapare-
cido na década anterior. É preciso reconhecer também a existência de um claro
aumento da confiança dos agentes económicos nas instituições financeiras do
País, revelada pelo rápido aumento dos depósitos totais no sistema, tornados
assim a principal fonte de aumento dos recursos financeiros da banca portu-
guesa durante esta década.
Às vésperas da II Guerra Mundial, o sistema bancário em Portugal, com
cerca de 45 bancos comerciais, era bastante diferente do que fora no final da
primeira. Grande parte das entidades que o compunham já não eram as mes-
mas, e alguns dos bancos que viriam a liderar o surto desenvolvimentista do
pós-guerra pouco ou nenhum papel desempenhavam em 1918. Em 1939, o
sector estava menos vulnerável, mais concentrado e começava a exibir traços
INTRODUÇÃO
Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias 29
de uma maior especialização funcional. Estava agora também enquadrado por
duas instituições financeiras poderosas — o Banco de Portugal e a Caixa Geral
de Depósitos — com fortes ligações ao Estado e recentemente reformadas por
este no sentido de garantir a estabilidade financeira e cambial e contribuir,
ao mesmo tempo, para o desenvolvimento económico do País. Não obstante,
muitas das características ancestrais perduravam. Havia ainda demasiados
bancos, e muitos deles eram pequenos demais e de base provincial. Conti-
nuavam a faltar bancos comerciais que tivessem um escopo verdadeiramente
«nacional». Segundo alguns analistas, uma regulação apertada impunha uma
rigidez excessiva e custosa em termos de eficiência e de capacidade de apoio à
expansão da economia (Wallich, 1951).
A guerra e os anos que se lhe seguiram no imediato foram conturbados,
mas a partir do fim da década de 1940 este quadro alterou-se profundamente.
O sistema bancário português entrou numa era de crescimento vigoroso e de
transformação estrutural, passando a desempenhar ao longo do período 1950-
-1974 o seu papel de um modo muito mais relevante do que em qualquer época
anterior. Da mesma forma que o foi para a economia como um todo, esta foi
a «época de ouro» do sector financeiro. Os ativos totais tiveram uma evolu-
ção excecional, com uma taxa anual de crescimento de 9 % em termos reais
(1947 -1973), embora o número de entidades se fosse sucessivamente reduzin-
do. Este aumento do sector ocorreu, por um lado, no quadro de um número
apreciável de fusões e de aquisições, permitido pelo regime político e realizado
principalmente à custa de bancos mais pequenos, muitos de província e das
ainda numerosas casas bancárias em existência. Isto levou a que em 1960 já
só sobrevivessem cerca de 20 bancos comerciais. Por outro e contrariamente
à sua história até então, foi principalmente através de uma crescente captação
de depósitos que desta vez a expansão se fez. Para isto contribuiu em medi-
da notável uma outra novidade: o alargamento territorial dos maiores bancos,
mercê da abertura de filiais por todo o País, assim como na Europa, Brasil e
colónias. Isto colocou-os em contacto com uma nova e imensa classe de peque-
nos aforradores nunca antes atraídos pela possibilidade de constituir tais ativos
financeiros, o que os obrigou ao mesmo tempo a uma luta inédita entre eles
pelo novo f luxo de poupanças gerado pelo boom da economia e pela emigração.
Entretanto, a formação de capital no sector crescia aceleradamente também
por alargamento do capital societário alimentado em boa medida pela incorpo-
ração de reservas resultantes de dividendos não distribuídos, e que beneficiou
bastante os rácios de capitalização e reforçou a solidez e estabilidade do mesmo.
Perante um panorama tão dinâmico, não surpreende que, durante esta
época, tenham soprado também importantes ventos de mudança. Uma parte
INTRODUÇÃO
30 Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias
destes afetou a organização interna das instituições financeiras. O alargamen-
to do seu âmbito físico, a extensão e diversificação das operações e um clima
mais competitivo obrigaram-nas a modernizar as suas estruturas organizati-
vas, a mecanizar tarefas, a adotar novas tecnologias de informação e de comu-
nicação e a recrutar e qualificar o seu pessoal em harmonia com as novas
necessidades de funcionamento. Outra resultou da tentativa estatal de redefi-
nir os parâmetros institucionais dentro dos quais o sector deveria atuar. A Lei
Bancária de 1957 e o seu decreto regulador de 1959 constituíram o elemento
fundamental deste projeto, além de vários outros diplomas parcelares, alguns
deles regulatórios da atividade em geral, outros orientados para o crédito e
investimento nas colónias, outros ainda para a criação de mecanismos ligados
ao Estado para o financiamento de investimentos de longo prazo na metrópole.
Várias preocupações estiveram presentes neste esforço legislativo. Uma,
cujas origens remontavam às décadas de 1920 e 1930, ou porventura mesmo à
de 1890, era, claramente, manter o sistema financeiro fortemente controlado
pelo Estado e evitar um excesso de concorrência entre os seus participantes.
Esta era uma abordagem característica em geral das políticas económicas do
Estado Novo e promovia assim um oligopólio bancário, que afinal reproduzia
em Portugal algo que se estava a passar em outros países europeus da altura.
Faziam parte disto a manutenção da proibição de criar novos bancos sem auto-
rização governamental, a fixação das taxas de juro e restrições apertadas ao
emprego que os bancos podiam dar aos seus fundos. Outro objetivo importan-
te foi forçar as instituições a utilizarem mais intensivamente os seus recursos
a bem da atividade económica nacional, algo em que a crítica contemporânea
ao desempenho do sector vinha a insistir. Procurava-se atingir esta finalidade
obrigando-as a baixar o seu rácio de cobertura das responsabilidades à vista e
f lexibilizando o modo pelo qual eram constituídas as suas reservas para este
fim. Se considerarmos todos os instrumentos disponíveis e o poder político
de que dispunha o Estado Novo, pode surpreender que, no seu conjunto, estes
espartilhos tenham contribuído menos do que seria de esperar para os objeti-
vos pretendidos. Em particular, não foi fácil isolar o sector bancário às forças
do mercado e da concorrência. São reveladoras disto as alterações ocorridas no
ranking dos principais bancos portugueses ao longo do período considerado,
assim como o crescente envolvimento destes em operações vultuosas a prazos
mais longos e em sectores eventualmente considerados menos apropriados à
sua vocação económica.
Às vésperas da Revolução do 25 de Abril de 1974, o sistema bancário portu-
guês tinha conseguido atingir um apreciável desenvolvimento. Os seus ativos
totais eram da mesma ordem de magnitude que o produto interno bruto. As
INTRODUÇÃO
Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias 31
suas maiores unidades tinham chegado a uma dimensão nunca vista em Por-
tugal e tinham finalmente conseguido implantar-se a nível nacional e mesmo,
embora mais modestamente, a nível internacional. Havia um grau de inter-
-ligação importante entre as maiores e os sectores mais dinâmicos da econo-
mia real. Por outro lado, em geral, a tutela estatal estava cada vez mais apertada
e a regulação cobria tanto aspectos gerais como muitas questões de pormenor.
Em 1974-1975, o sector sofreu indubitavelmente aquele que foi o maior
choque da sua história e que o iria marcar profundamente. A causa foi uma
viragem à esquerda pronunciada na política nacional, que resultou da queda
do Estado Novo, da implantação dum regime democrático e da descoloniza-
ção. Em menos de um ano o Estado nacionalizou a maior parte do sistema
bancário, deixando de fora apenas as caixas económicas e de crédito agrícola
e três pequenos bancos estrangeiros, estes últimos por conveniência política
do momento. Ao mesmo tempo, foi proibida a criação de novas instituições
privadas de crédito.
Numa primeira fase, ainda em 1974, a reforma atingiu apenas os três
bancos de emissão — o de Portugal, o Nacional Ultramarino e o de Angola —,
o que em termos comparativos nada tinha de notável, visto que a nacionali-
zação de tais entidades já há tempos que se tinha tornado normal nos países
avançados. Num segundo momento, no entanto, em março de 1975, a mesma
medida foi alargada à totalidade da banca nacional, excetuando, evidentemen-
te, a Caixa Geral de Depósitos, a maior instituição financeira do País, que já era
estatizada. Este processo, à época invulgar na Europa, integrava-se num pro-
grama muito mais vasto de nacionalizações, que abarcava os sectores básicos
da economia, todos os grandes grupos económicos e muitas grandes empresas,
assim como uma parcela significativa do território agrícola. Em 1976, mercê
da sua consagração na Constituição da República, veio a tornar-se irreversível.
As repercussões de todas estas transformações político-económicas foram
de vária ordem. A maior e mais dramática foi a transferência compulsiva para
a posse e controle do Estado do capital bancário pertencente aos antigos acio-
nistas. Desde logo, o pessoal dirigente das instituições afetadas passou a ser
nomeado e orientado superiormente de acordo com critérios muito diferentes
dos anteriores e os objetivos empresariais passaram a pautar-se em conformi-
dade. Quanto a estes últimos, isto significou, por um lado, que as operações
de crédito ficaram a ser governadas principalmente de acordo com políticas
governamentais respeitantes ao desenvolvimento económico e «visando a
progressiva socialização da economia» (pelo menos inicialmente). Por outro,
implicou que os bancos comerciais tivessem de dedicar uma parte muito subs-
tancial dos seus recursos ao financiamento, a baixo custo, do muito acrescido
INTRODUÇÃO
32 Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias
deficit das finanças públicas e se tornassem mesmo o principal financiador
interno do Estado português nesses anos.
O novo regime sob cuja égide o sector bancário passou a existir, na ótica
deste, teve aspectos positivos também. Por um lado, permitiu uma racionaliza-
ção do sistema, o que permitiu que desaparecesse cerca de uma dezena de ban-
cos, absorvidos por outros. Embora não isenta das dificuldades naturais nes-
tes processos, isto terá conduzido a uma concentração benéfica em unidades
maiores e mais diversificadas, oferecendo economias de escala e porventura
maior estabilidade sistémica. Por outro, graças ao apoio financeiro do Estado,
ajudou a atenuar o impacto negativo da descolonização sofrido pelas entidades
bancárias mais envolvidas nas chamadas «províncias ultramarinas» durante
o período pré-revolucionário, algumas das quais eram de grande dimensão.
Em terceiro lugar, fez com que os bancos entrassem numa maior dependência
relativamente ao Banco de Portugal, através da sua nova necessidade de redes-
conto, dando assim maior consistência às políticas monetárias mais ativas que
este agora começava a prosseguir, após a sua nacionalização.
Pode-se discutir em que medida o resultado líquido desta evolução terá
sido positivo. Durante a primeira década pós-1974, não há dúvida de que o
funcionamento do sistema bancário deu mostras de ineficiência significati-
va. Muitas vezes, a afetação dos recursos foi feita ao arrepio de critérios de
otimização dos resultados, devido à intrusão de considerandos não-económi-
cos nestas decisões. Isto traduziu-se por níveis de crédito malparado pouco
habituais e recomendáveis. Foi também causa desta ineficiência o ter-se de
impor ao público margens de intermediação exageradas, a fim de permitir
que os bancos cobrissem os prejuízos e, eventualmente, se recapitalizassem.
Em contrapartida, estes e outros defeitos não foram de molde a desencorajar
o aforro e o depósito bancário, agora sobretudo sobre a forma dos depósitos
a prazo, que cresceram em quase 100 %, em termos reais, entre 1974 e 1984.
As mudanças entretanto sobrevindas no ranking dos maiores bancos sugerem
que houve concorrência entre bancos nacionalizados e diferenças nos serviços
que cada um prestava aos seus clientes. Terão contribuído para isto a falta de
alternativas satisfatórias para o investimento dos aforradores, a taxa elevada de
poupança dos portugueses e o enorme crescimento da rede de dependências
bancárias criadas entretanto por todo o País. De qualquer forma, tudo isto
indica elevados índices de confiança no sistema bancário a despeito das con-
vulsões sociais e económicas que caracterizaram o período.
A mudança que ocorreu no enquadramento institucional da atividade
bancária durante a década seguinte foi quase tão rápida e dramática como a
dos anos 1974-1984, mas de sinal contrário e sem os mesmos contornos revo-
INTRODUÇÃO
Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias 33
lucionários. Em consequência, em meados da década de 1990, em quase todos
os principais aspectos a situação tinha praticamente voltado ao status quo ante
1974, com o desfazer da proibição da iniciativa privada neste ramo e a aprova-
ção da reprivatização da banca nacionalizada em 1975. Os dois marcos legisla-
tivos mais importantes neste processo foram o decreto de 1983, que alterou os
limites que separavam os sectores público e privado, o que abriu deste modo a
banca, entre outros sectores, à iniciativa privada, e a revisão constitucional de
1989, que pôs termo ao «princípio da irreversibilidade das nacionalizações e da
reforma agrária» e sancionou por conseguinte a sua reprivatização. Comple-
mentaram-nos todo um conjunto de diplomas legais ao longo de cerca de uma
década, em particular aqueles que transpunham para o ordenamento jurídico
nacional, em virtude da adesão de Portugal às comunidades europeias e União
Europeia, a legislação europeia sobre bancos.
Os resultados destas alterações de enquadramento cedo se fizeram sentir.
Segundo Valério et al. (2010), foram diversos os principais traços do novo sis-
tema bancário que emergiu após o interlúdio socializante das décadas de 1970
e 1980. Em primeiro lugar, surgiram bancos nacionais privados inteiramente
novos, que rapidamente conquistaram posições de relevo no contexto nacional,
em particular o Banco Comercial Português (Faria et al., 2001) e o Banco Por-
tuguês de Investimento. Pela mesma altura, começaram a entrar no País atra-
vés de sucursais, e a ter sucesso, bancos estrangeiros, embora nenhuma destas
mais de 20 instituições se tenha podido ou querido afirmar com particular
destaque. Entretanto, regressavam à ribalta as entidades anteriormente confis-
cadas pelo Estado, embora a sua privatização nem sempre as tenha reposto nas
mãos dos seus detentores originais. Neste contexto, merece atenção o facto de
só alguns dos grandes grupos económicos do Estado Novo terem conseguido
recuperar as suas antigas posições, quer na banca quer em outros domínios.
Por último, é de realçar o esforço que alguns bancos fizeram para se inter-
nacionalizar, através de investimento no estrangeiro, uma experiência nem
sempre bem sucedida e raramente vultuosa.
À entrada da década de 1990, poucos eram os traços do sistema bancário
português que este exibira apenas uma ou duas gerações antes e que conti-
nuavam ainda a persistir. Com a exceção da Caixa Geral de Depósitos, eram
raros os nomes do imediato pós-guerra que se poderiam agora reconhecer. Em
número, era grande também a mudança. Depois da concentração que os redu-
ziu, entre 1950 e 1974, de quase 40 a pouco mais de uma dúzia, os bancos volta-
riam a duplicar, a partir de 1984, logo que as barreiras que o impediam foram
retiradas, chegando de novo o seu total à fasquia dos 30. Mais expressivo do
que tudo, porém, era o aumento na dimensão do sector como um todo. Medido
INTRODUÇÃO
34 Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias
pelos seus ativos reais per capita, este revelava nestes quarenta ou cinquenta
anos um aumento de 1000 %, um indício claro de que a atividade financeira
tinha «conquistado» não só todos os quadrantes da economia, mas tinha entra-
do também em todos os recantos da sociedade portuguesa.
BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA
DAMAS, Carlos Alberto, e ATAÍDE, Augusto de, O Banco Espírito Santo — Uma Dinastia
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FARIA, Miguel Figueira de, TREWINNARD, Carolina Peralta, e FERNANDES, Paulo, Banco
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WALLICH, Henry, The Financial System of Portugal, 2.ª ed., Lisboa, Banco de Portugal, 1951.
Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias 35
COLABORADORES
Sigla Autores Instituição
ABG Ana Bragança Gomes Instituto Superior de Agronomia, Universidade
de Lisboa.
ABM Artur Barracosa Mendonça Investigador.
ABN Ana Bela Nunes Instituto Superior de Economia e Gestão, Universidade
de Lisboa.
AM Alda Mourão Instituto Politécnico de Leiria. Investigadora do Centro
«Ceis 20 da Universidade de Coimbra».
AMC Ana Margarida Cruz Centro de História do Banco Espírito Santo.
APF António Pedro Ferreira Universidade Autónoma de Lisboa/Banco de Portugal.
ARA António Rafael Amaro Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra.
AS Anabela Sérgio Visiting Professor, University of St. Joseph, Macau.
CAD Carlos Alberto Damas Centro de História do Banco Espírito Santo.
CD Cristina Dias Universidade Autónoma de Lisboa.
CGG Carlos Gabriel Guimarães Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil.
CM Clarisse Mendes Professora do Ensino Secundário.
DMF Duarte Manuel Freitas Doutorando da Faculdade de Letras, Universidade de
Coimbra.
ECP Elisa Calado Pinheiro Universidade da Beira Interior.
FL Fernando Lopes Departamento de Economia e Gestão, Universidade
dos Açores.
FP Filipe Pinhal Economista.
FSD Fátima Sequeira Dias Departamento de Economia e Gestão, Universidade
dos Açores.
HAF Hélder Adegar Fonseca Universidade de Évora.
HSP Hugo Silveira Pereira Investigador do CITCEM — Centro de Investigação
Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória»,
Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
IV Irene Vaquinhas Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra.
JAD José Afonso Diz Universidade Autónoma de Lisboa.
COLABORADORES
36 Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias
Sigla Autores Instituição
JAM José Amado Mendes Universidade Coimbra/Universidade Autónoma
de Lisboa.
JLC José Luís Cardoso Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa.
JMLC José Manuel Lopes Cordeiro Universidade do Minho.
MEM Maria Eugénia Mata Nova SBE, INOVA, Faculdade de Economia,
Universidade Nova de Lisboa.
MEN Maria Eugénia Neves Professora do Ensino Secundário.
MF Manuel Faria Professor EB 2,3 de Prado.
MFR Manuel Ferreira Rodrigues Universidade de Aveiro.
MGC Marta Guilherme Cruz Bibliotecária.
MIAM Maria Inês de Abrunhosa
Mansinho
Instituto Superior de Agronomia, Universidade
de Lisboa.
NGC Nuno Guilherme Cruz Investigador.
NV Nuno Valério Instituto Superior de Economia e Gestão, Universidade
de Lisboa.
PEG Paulo Eduardo Guimarães Departamento de História da Universidade de Évora.
PJF Paulo Jorge Fernandes Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade
Nova de Lisboa.
PL Pedro Lains Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa.
PN Pedro Neves Instituto Superior de Economia e Gestão, Universidade
de Lisboa.
ENTRADAS
BANCO AGRÍCOLA, COMERCIAL E INDUSTRIAL DE PONTE DE LIMA (1875-1876)
Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias 39
BANCO AGRÍCOLA, COMERCIAL E INDUSTRIAL DE PONTE DE LIMA (1875 -1876)O Banco Agrícola, Comercial e Industrial de
Ponte de Lima, sociedade anónima de respon-
sabilidade limitada, foi fundado em 1875, tendo
os seus Estatutos sido publicados em 6 de junho
de 1875. Dispunha de um capital nominal de
1 200 000$000 réis, dividido em ações de 50$000
réis. Com sede em Ponte de Lima, podia estabele-
cer caixas filiais, sucursais ou agências em qual-
quer localidade do reino, ilhas adjacentes, e no
império do Brasil ou qualquer praça estrangeira.
O Banco foi fundado por um conjunto de perso-
nalidades notáveis de Ponte de Lima, como Antó-
nio Pereira da Silva de Sousa e Meneses, Tomás
Mendes Norton (comerciante, cônsul de Inglater-
ra em Viana do Castelo, fidalgo cavaleiro da Casa
Real, comendador da Ordem de Nossa Senhora
da Conceição de Vila Viçosa, para além de afilha-
do de batismo de Rodrigo da Fonseca Magalhães
e pai do futuro general Norton de Matos), João
de Abreu Maia (presidente da Câmara Munici-
pal de Ponte de Lima em 1874 -1875), António de
Magalhães Barros de Araújo Queirós (5.º Senhor
da Casa das Pereiras, da Torre de Refoios, juris-
consulto, advogado, administrador do concelho
e presidente da Câmara Municipal de Ponte de
Lima em 1868 -1871), conselheiro João de Barros
Mimoso de Abreu e Lima (morgado da Carcavei-
ra e presidente da Câmara Municipal de Ponte
de Lima em 1866 -1867, Joaquim Gerardo Álvares
Vieira Lisboa (provedor da Santa Casa da Miseri-
córdia de Ponte de Lima e presidente da Câmara
Municipal de Ponte de Lima em 1861 -1865), ou
Narciso Cândido Alves da Cunha, de Paredes de
Coura, então muito jovem, mas que se iria revelar
um advogado e político influente. O Banco Agrí-
cola, Comercial e Industrial de Ponte de Lima foi
um dos numerosos bancos e casas bancárias que
se tinham constituído em resultado da afluência
de capitais ocorrida a partir de 1872. No entan-
to, a sua existência como entidade bancária foi
muito curta, uma vez que faliu e desapareceu na
voragem da crise de 1876, tendo o seu processo
de liquidação demorado anos, como ocorreu com
outros bancos que encerraram naquele período.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Diário do Governo, n.º 122, de 6 de junho de 1875,
pp. 1035 -1036. CORDEIRO, José Manuel Lopes,
«O Banco Agrícola, Comercial e Industrial de Ponte
de Lima e a crise financeira de 1876», in Alexandra
Esteves e Maria Marta Lobo de Araújo (coord.), Ponte
de Lima. Sociedade, Economia e Instituições, Ponte de
Lima, CITCEM/Município de Ponte de Lima, 2012,
pp. 139 -199.
JMLC
BANCO AGRÍCOLA DE SÃO MIGUEL (1935 -1974)Após a falência da firma bancária Raposo d’Ama-
ral Severim & Comandita, Sucessores Limi tada,
foi reconstituída a antiga sociedade sob a desi-
gnação de Banco Agrícola de São Miguel, em
conformidade com o Decreto n.º 26 075, de 21
de novembro de 1935. A nova firma era uma
sociedade anónima de responsabilidade limita-
da, tendo começado as suas operações em 1 de
junho de 1936. A nova empresa tinha por obje-
to «defender o interesse económico da ilha e o
crédito das terras açorianas», efetuando, assim,
todas as operações tendentes a realizar lucros
sobre numerário, penhor público nos títulos
negociáveis, arbítrios, empréstimos com qual-
BANCO AGRÍCOLA DE SÃO MIGUEL (1935-1974)
40 Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias
quer garantia, inclusive a hipotecária, descon-
tos, cobranças, abertura de crédito, depósitos e
todas as demais operações que constituem ou
sejam conexas com o anúncio de indústria ban-
cária e as leis não proíbam, segundo informava a
sua publicidade. Segundo a imprensa enaltecia,
«nasce este novo banco de princípios de honra
de raríssima constatação não só nesta terra, mas
em qualquer parte do globo e nos tempos que
correm. Traz à banca micaelense novas moda-
lidades de crédito e estas baseiam -se numa
riqueza positiva: a propriedade urbana e rústica
que o referido estabelecimento em larga esca-
la detém» (Diário dos Açores, de 2 de junho de
1936). Os diretores da primeira gerência foram
o capitão Luís Faria e Maia Cunha, José Coelho
Chalupa e Manuel Nuno Botelho de Gusmão.
O capital social ascendia a 6 805 000$000 réis,
informando os diretores do Banco, José Carva-
lho Chalupa e Raul Mendonça, em 1938, que
o Banco se encontrava isento de contribuição
industrial por cinco anos. No relatório e con-
tas de 1940, lamentava -se a morte do capitão
Luís Faria e Maia Cunha, informando -se que,
em sua substituição, para presidente da dire-
ção, entrava o acionista Dr. Duarte Manuel de
Andrade Albuquerque Bettencourt. A partir do
exercício de 1943, a direção foi composta por
Augusto de Athayde, José de Carvalho e José de
Athayde Marques Moreira, mas, no ano seguin-
te, Augusto de Athayde era substituído por
Duarte Furtado Castanheira Lobo. A partir de
1945, a direção foi composta por Eduardo Tava-
res de Sousa Teves, Abel Machado Macedo Jr. e
Gil Jacinto Raposo. Quanto ao conselho fiscal,
o primeiro foi composto por António Augusto
Raposo (presidente), Carlos Moniz Borges Cor-
deiro e Belarmino Tavares da Silva. No ano de
1939, o conselho fiscal passou a ser constituído
por António Augusto Raposo, Carlos Moniz
Borges Cordeiro e Nicolau Pereira Raposo Jr.
Por morte de António Augusto Raposo, entrou
Duarte Cabral Amorim da Cunha, em 1942.
A partir do exercício de 1944, o conselho fis-
cal passou a ser constituído por António Gas-
par Read Henriques, Abel Machado Macedo
Jr. e Almino Rego Medeiros. No ano seguinte,
Abel Machado Macedo Jr. foi para a direção e
foi substituído por Manuel Feliciano de Melo.
No relatório de 1937, informava -se que, do ativo
do Banco, «mais de 2 mil contos se acham sem
rendimento na imobilização garantida de suas
propriedades rústicas». Em 1938, criticava -se a
«crise de capitais disponíveis e apatia de negó-
cios, facto este infelizmente do conhecimento
geral de todos nós, açorianos». Em 1939, o rela-
tório especificava que «temos prosseguido nas
tentativas de venda das propriedades transferi-
das para o Banco, sempre pelo seu equitativo e
justo valor, a fim de, com o produto das mes-
mas, habilitar esta nossa instituição, gradual-
mente, à redução do seu capital, avultado para
este nosso pequeno e ainda economicamente
abalado meio insular. Capital, porém, assim
constituído, como de todos vós é sabido, pela
imperiosa força das circunstâncias. A nossa
actividade no sector, ou exercício propriamen-
te bancário, tem sido e continuará a ser restri-
tíssima, dada também a manifesta impossibi-
lidade de podermos acompanhar as condições
privilegiadas dos antigos estabelecimentos de
crédito, dependentes e ligados ao Estado, com
suas filiais e agências nesta ilha». No relatório
referente ao exercício de 1940, lamentava -se a
guerra, facto que exigia «muito maior cautela
na movimentação de empréstimos de capitais e
correlativamente a procura da sua profícua apli-
cação a um maior alargamento de beneficiações
BANCO AGRÍCOLA DE SÃO MIGUEL (1935-1974)
Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias 41
e melhoramentos em propriedades rústicas,
cuja compensação em rendimentos é, sem dúvi-
da, mais lenta e diminuta, porém incontestavel-
mente mais segura».
QUADRO 1 — Contas do Banco Agrícola de São Miguel (1936 -1946)
UNIDADE: ESCUDOS
Anos Lucros e perdas Carteira de títulos Carteira comercial Contas correntes
e empréstimos caucionados
Depósitos em moeda
nacional
1936 40 245$47 47 110$00 274 146$20 470 245$47 215 425$86
1937 101 360$24 37 504$00 267 806$20 692 264$15 267 120$02
1938 141 393$40 35 084$00 473 555$20 632 38$36 342 517$41
1939 140 475$51 28 480$00 657 546$20 564 282$98 243 308$17
1940 102 417$97 s/r 830 295$50 556 983$30 345 124$15
1941 86 719$98 s/r 839 330$00 471 284$48 457 367$67
1942 174 371$88 556 300$00 358 753$28 545 566$20
1943 152 092$93 918 883$00 590 874$28 574 838$84
1944 427 288$97 720 290$00 5 863 662$99 223 602$15
1945 369 494$31 748 600$30 6 017 509$09 256 372$20
1946 635 929$03 703 856$90 11 184 603$40 234 469$55
Fonte: Relatórios e Contas, 1936 a 1946.
A carteira de títulos era constituída por ações
do Banco Lisboa e Açores *, Banco da Madei-
ra *, Banco Português do Continente e Ilhas * e
obrigações da Câmara Municipal de Ponta Del-
gada. Ao longo dos anos, no ativo, incluiu -se a
exploração de propriedades, que nunca deixou
de ser inferior a cinco mil contos de réis, dis-
tribuídos, na rubrica imobilizações, por insta-
lações, móveis e utensílios, e, na rubrica pro-
priedades, por foros e propriedades rústicas e
urbanas. Relativamente ao exercício de 1941,
explicava -se aos membros da assembleia geral
que «julgamos dispensáveis novas referências
às causas que motivaram a constituição deste
nosso estabelecimento de crédito, cujas des-
pesas de organização somaram a 112 289$22,
já liquidadas […]. No prosseguimento, pois,
da nossa orientação administrativa que, sem
descurar a conservação das propriedades urba-
nas, tem ainda abrangido o melhoramento de
algumas importantes propriedades rústicas,
a fim de se obterem um maior rendimento, e
a sua consequente valorização, afigura -se -nos
ter chegado o momento de iniciarmos também
a redução do nosso volumoso capital social».
No relatório de 1945, elucidava -se que, «depois
de feitas algumas amortizações nas contas do
activo, [não tinham sido] descurados os traba-
lhos de beneficiação, arroteamento e plantação,
nas diversas propriedades deste banco…». Nes-
te desiderato, a conta imobilizações regista o
seguinte:
QUADRO 2 — Imobilizações
1936 1939 1941 1945 1946
5 841 556$87 5 364 161$29 5 358 661$29 4 868 375$43 2 679 070$22
BANCO AGRÍCOLA E INDUSTRIAL DA ESTREMADURA (1875-1876)
42 Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias
Quanto ao balanço social do Banco, ao longo
dos anos, verifica -se:
QUADRO 3 — Balanço social
Anos Caixa Contas litígio Débitos s/cobr. Capital Ativo
1936 275 554$03 287 934$25 273 282$96 6 805 000$00 7 944 397$34
1937 183 695$24 s/r 255 575$13 6 805 000$00 7 620 702$00
1938 284 324$44 2 400$00 153 128$16 6 805 000$00 7 522 560$55
1939 312 728$89 124 304$52 134 457$29 6 805 000$00 7 463 892$16
1940 264 158$39 40 420$87 133 657$29 6 805 000$00 7 556 543$97
1941 443 684$50 55 820$87 17 466$05 6 805 000$00 7 667 651$67
1942 1 047 797$91 64 198$97 15 566$05 6 805 000$00 7 823 968$40
1943 489 854$12 41 507$80 14 066$05 6 805 000$00 7 804 928$58
1944 649 028$68 15 503$50 s/r 6 805 000$00 20 091 667$09
1945 433 244$00 11 940$20 s/r 6 805 000$00 23 279 245$51
1946 243 563$34 s/r s/r 6 805 000$00 24 064 766$67
Fonte: Relatórios e Contas, 1936 a 1946.
Após o silêncio das fontes, a 14 de fevereiro de
1974, era cancelada a sua matrícula da firma,
na Conservatória Comercial de Ponta Delgada,
por «ter sido inscrita a dissolução, partilha e
liquidação da respectiva sociedade».
FONTE
Conservatória de Ponta Delgada, Registos Comerciais,
C -I.
FSD
BANCO AGRÍCOLA E INDUSTRIAL DA ESTREMADURA (1875 -1876)O Banco Agrícola e Industrial da Estremadura,
de infeliz memória, nas palavras de Oliveira
Martins, foi criado em 12 de março de 1875,
através de escritura de outorga de estatutos
lavrada no livro n.º 553 (f ls. 41 v. a 44 v.) do
8.º Cartório Notarial do Porto (Rua do Calvário)
do notário Emílio Alberto da Rocha Andrade.
Aproveitou -se a abundância de capitais que se
registou no Porto, entre 1873 e 1875 (provocada
pelo desbloqueio de capitais brasileiros após o
fim da guerra do Paraguai, pela expansão do
sector algodoeiro do Brasil, pela transferência
de fundos espanhóis e peruanos para Portugal,
pela especulação com os títulos de dívida do
Governo, pelo aumento do câmbio do Brasil
sobre Londres e pelas promessas de lucro fácil
dos bancos) e pela facilidade de constituição de
sociedades anónimas (Lei de 22 de junho de
1867). Os estatutos seriam registados no Tribu-
nal do Comércio em 15 de março e publicados
no Diário do Governo, em 20 de março seguinte.
Antes, em 4 de fevereiro de 1875, Eduardo Lyon,
um dos instaladores, indagava junto da Direção-
-Geral de Comércio e Indústria a existência de
BANCO AGRÍCOLA E INDUSTRIAL DA ESTREMADURA (1875-1876)
Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias 43
firma igual ou semelhante. Em 11 de fevereiro,
aquela entidade certificava a inexistência de tal
denominação. E, em 4 de março de 1875, era
depositado na Caixa Filial do Banco de Portugal
no Porto um valor referente a 5 % da primeira
série do capital. A subscrição teve lugar em
fevereiro -março de 1875. Ao contrário de alguns
outros bancos, que ostentavam uma firma
semelhante (os Bancos Agrícolas e Industriais
Vianense *, Farense * e Viseense *), não possuía
ligação à Santa Casa da Misericórdia (apesar de
João Aquiles Ripamonti por o considerar assim,
decerto iludido pela sua designação). Foram
seus fundadores o capitalista Félix Plácido San-
de, casado, morador na Rua dos Guindais, 180
(da freguesia de S. Nicolau do Porto), o proprie-
tário Eduardo Ribeiro Mendes, também casado,
morador na Rua de 9 de julho (da freguesia de
Cedofeita), e o negociante britânico Eduardo
Lyon, igualmente casado, morador na Rua da
Boavista, 350 (também da freguesia de Cedofei-
ta). Estes três indivíduos deveriam servir como
diretores até 31 de dezembro de 1880 (não ser-
viram, porque o banco encerrou portas no ano
seguinte ao da sua fundação), uma vez que fica-
va previsto que os mandatos de cada um dos
três diretores durariam cinco anos. O seu ven-
cimento fixava -se nos 100$000 réis mensais,
aos quais acrescia uma percentagem dos lucros.
As suas responsabilidades incluíam a adminis-
tração ordinária do Banco (até certos limites
monetários fixados nos estatutos), a gestão de
pessoal e a distribuição de dividendos. Os seus
substitutos eram: José Pascoal Galvão de Melo;
José António Ferreira e Manuel Joaquim Teixei-
ra. Na primeira assembleia geral constavam
Flórido Teles de Menezes e Vasconcelos (presi-
dente), Augusto Henrique de Almeida Brandão
(vice -presidente), João Correia Leite Barbosa
Júnior (1.º secretário) e João Baptista Pinto
(2.º secre tário). No conselho fiscal (órgão fisca-
lizador da direção, composto por três vogais efe-
tivos e dois substitutos), António Pinto Cardoso
da Gama, José Baptista Gonçalves Dias, Augus-
to César Ribeiro da Fonte (efetivos), António
Monteiro Leite e Luís Ferreira Alves (substitu-
tos). Estes três órgãos (direção, assembleia geral
e conselho fiscal) constituíam os corpos sociais
do Banco Agrícola e Industrial da Estremadura,
uma sociedade anónima de responsabilidade
limitada, de duração indefinida, com sede no
Porto (Praça de Carlos Alberto, 92), ao invés do
que refere Joaquim Veríssimo Serrão, que o
fixa em Lisboa. No entanto, os estatutos pre-
viam a abertura de filiais em Lisboa, no resto
do País ou no estrangeiro (sendo que cada uma
delas possuía dois diretores), e de agências
(cujos gerentes recebiam à comissão e respon-
diam com o seu património pelos prejuízos
em que incorressem), onde a direção julgasse
conveniente, designadamente na província da
Estremadura, daí a firma da sociedade. Inicial-
mente, o capital era de 1500 contos de réis, divi-
didos em 30 mil ações de 50 000 réis cada,
ficando salvaguardada à direção a possibilidade
de o elevar a 5000 contos de réis. O capital esta-
va ainda dividido em séries de 100 contos de
réis cada, encon trando -se subscrita e realizada,
à data da fundação do Banco, a primeira dessas
séries (mas não na totalidade: somente 52 con-
tos de réis foram realizados), que constituía o
fundo inicial do Banco, com que se daria início
às operações (o que, segundo a estatística ofi-
cial, terá acontecido apenas em maio de 1875).
Todos os acionistas tinham direito a voto
em assembleia geral, independentemente do
número de ações que possuíssem. Quando se
perdesse um terço deste capital efetivo, o Banco
BANCO AGRÍCOLA E INDUSTRIAL DA ESTREMADURA (1875-1876)
44 Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias
entrava em liquidação. Para conseguir sobrevi-
ver a tempos conturbados, ficava previsto que o
Banco tivesse sempre em caixa um terço do que
possuísse e em depósitos, bem como a consti-
tuição de um fundo de reserva, composto pelas
verbas que a direção entender, mas que se consi-
derava completo assim que atingisse o valor de
apenas 50 contos de réis. Ainda segundo os esta-
tutos, os seus capitais deveriam ser emprega-
dos: na compra de terrenos na Rua da Boavista
(morada de Eduardo Lyon) ou noutro qualquer
local, destinados à construção de casas para
arrendar ou vender; na compra e venda de pré-
dios; na compra e venda de aguardente de vinho,
bem como no desenvolvimento e apuro do fabri-
co da mesma, principalmente na província da
Estremadura; no auxílio aos grandes e peque-
nos agricultores e industriais (especialmente da
província da Estremadura) e a qualquer empre-
sa do País, se assim conviesse ao Banco; final-
mente, em operações bancárias ordinárias, de
entre as quais se destacava a faculdade de emitir
notas de 5, 10 e 15 mil réis, uma vez obtida a
necessária autorização governamental, o que
não sucedeu. Além da emissão de notas, o Ban-
co podia: receber depósitos correntes e a prazo;
funcionar como caixa económica, abonando
juros aos depositários; guardar valores nos seus
cofres mediante comissão; receber géneros para
vender à comissão por conta de terceiros; des-
contar títulos do Estado, letras de terra ou de
câmbio e títulos comerciais; emprestar sobre
penhores de ouro, prata, jóias, títulos de dívida
pública, ações e papéis de crédito com cotação,
géneros e mercadorias em depósito ou viagem,
prédios e embarcações construídas ou em cons-
trução e hipotecas; fazer empréstimos ao gover-
no, câmaras municipais, empresas e compa-
nhias mediante juro e segurança; passar letras
de câmbio e risco marítimo; realizar operações
cambiais, transferência de fundos, emprésti-
mos em conta corrente com garantia e opera-
ções de crédito agrícola, comercial e industrial;
e abrir créditos em praças portuguesas e estran-
geiras. Nos seus poucos meses de existência, a
sua principal atividade foi o empréstimo sobre
penhores. O desconto de letras apenas sobrepu-
jou o empréstimo sobre penhores em dezembro
de 1875. Quanto aos depósitos, não são conhe-
cidos quaisquer valores. Em finais de 1875, a
cotação dos títulos de crédito adquiridos com
dinheiro do Banco por Eduardo Lyon e Eduardo
Ribeiro Mendes baixou imenso e de uma manei-
ra imprevisível. Simultaneamente, aqueles dois
diretores tinham aceite letras incobráveis a
conhecidos. Por outro lado, Ribeiro Mendes
tinha também levantado avultadas somas. Uma
vez que o dinheiro investido e perdido era do
Banco, este suspendeu a atividade no ano
seguinte. Em fevereiro de 1876, deixa de publi-
car as suas contas no Diário do Governo e em
maio o diretor Henrique José dos Santos Cardo-
so, eleito em 18 de março de 1876 em substitui-
ção de Eduardo Lyon, promove um inquérito às
contas do Banco, denunciando um escândalo de
desfalque e roubo. Em 3 de junho de 1876, San-
tos Cardoso, juntamente com Félix Plácido de
Sande, levou o caso a Tribunal do Comércio,
acusando o ex -diretor Eduardo Lyon e o diretor
Eduardo Ribeiro Mendes de deterem em seu
poder todo o capital realizado do Banco (deixan-
do no seu lugar valores sem qualquer importân-
cia), pelo que o Banco se via na impossibilidade
de assumir compromissos ou realizar operações
e na necessidade de encerrar. Naturalmente, os
visados negavam as acusações. Mais diziam os
alegados defraudados que nenhum outro banco
perdia com a falência do Banco Agrícola e
BANCO AGRÍCOLA E INDUSTRIAL FARENSE (1873-1901)
Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias 45
Industrial da Estremadura, uma vez que este
não encetara negócios com nenhuma outra ins-
tituição bancária. Quanto a Félix Plácido de
Sande, um dos fundadores, sentia -se atraiçoa-
do pelos outros diretores e afirmava a sua ino-
cência, alegando que não tinha o mais pequeno
conhecimento do giro bancário. Assim, aparen-
temente, o Banco Agrícola e Industrial da
Estremadura já estava ferido de morte desde a
sua criação (aliás, uma das testemunhas da
escritura de outorga de estatutos era um
homem de Oliveira de Azeméis que, acidental-
mente, se encontrava na Rua do Bonjardim no
Porto). Mais tarde, juntou -se um outro homem
— Henrique José dos Santos Cardoso — que
desconhecia, igualmente, os modos do negócio
financeiro. Eduardo Lyon seria preso na Cadeia
da Relação do Porto, enquanto sobre Eduardo
Ribeiro Mendes recaía uma ordem de prisão,
que não tinha sido ainda executada por aquele
se encontrar a monte, algures na província.
Além destes contornos fraudulentos, o Banco
Agrícola e Industrial da Estremadura fracassou
também pela crise que se registou no Porto,
a partir de 1876, tendo o Decreto de 18 de agos-
to de 1876 (concedia moratória por 60 dias para
o pagamento de letras, promissórias, depósitos,
títulos comerciais e fiduciários, suspendendo
os efeitos jurídicos dos protestos) chegado tarde
de mais, para aproveitar ao estabelecimento.
Segundo João Henrique Ulrich, o processo
do Banco foi arquivado em 31 de dezembro de
1899.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
CARNEIRO, Adolfo Cirilo, A Bancocracia, Porto, Impren-
sa Comercial, 1907; MARTINS, Joaquim Pedro de Oli-
veira, A Reorganização do Banco de Portugal, Porto,
Typographia Occidental, 1877; REIS, Jaime, «Bank
Structures, Gerschenkron and Portugal (pre -1914)», in
The Origins of National Financial Systems, 2002, pp. 182-
-199 (www.dse.unive.it; consultado em 1 de setembro
de 2008); RIPAMONTI, João Aquiles, O Crédito Agrícola
e os Bancos Rurais, Lisboa, Tipografia Portuense, 1888;
SOUSA, Fernando de, «A banca do Porto no século
XIX», in A Cor do Dinheiro, Porto, pp. 9 -26; ULRICH,
João Henrique, O Crédito Agrícola em Portugal, Lisboa,
Livraria Ferin Editora, 1908; «Escritura de outorga dos
estatutos do Banco Agrícola e Industrial da Estrema-
dura», in Diário do Governo, n.º 65 (janeiro -junho de
1875), Lisboa, pp. 515 -516; Estatística Bancária (1858 a
1892), Lisboa, Imprensa Nacional, 1894.
HSP
BANCO AGRÍCOLA E INDUSTRIAL FARENSE (1873 -1901)O Banco Agrícola e Industrial Farense foi
fundado em Faro, em 1873, por iniciativa da
Misericórdia local e de um grupo de capitalis-
tas portugueses que reuniram meios para for-
mar uma instituição que anunciava, nos seus
estatutos, o objetivo de favorecer a agricultura
e a pequena indústria. Inspirado porventu-
ra na proposta de criação de bancos munici-
pais, defendida anteriormente por Henriques
Nogueira (O Município no Século XIX, 1856),
esta instituição elegeu a área do concelho de
Faro como o seu campo privilegiado de ação.
A imprensa regional defendia então a multi-
plicação de estabelecimentos de crédito seme-
lhantes por todo o distrito, uma visão que con-
tava com o apoio ativo do governador civil. A
empresa beneficiou da ampla liberdade conce-
dida pela legislação de Andrade Corvo para a
criação de bancos agrícolas e industriais. Esse
quadro legal (§2.º do arti go 5.º da Lei de 22 de
BANCO AGRÍCOLA E INDUSTRIAL FARENSE (1873-1901)
46 Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias
junho de 1867 e artigo 13.º, § único, da Lei de
22 de junho de 1866) permitiu -lhe garantir
as suas operações com os valores desamor-
tizados pertencentes à Misericórdia de Faro
(v. artigo 15 dos Estatutos aprovados pela mesa
da Misericórdia de Faro em 29 de julho de
1873). Porém, o otimismo inicial quanto aos
benefícios da generalização do crédito e à pros-
peridade económica que aquele banco poderia
proporcionar, em especial junto das freguesias
rurais que então se desenvolviam com base na
atividade da extração e da preparação da cor-
tiça, em breve deu lugar a sérias apreensões.
Estas deveram -se ao impacto local da crise
financeira desencadeada a partir das praças de
Lisboa e do Porto, logo no ano seguinte, asso-
ciada ainda à crise agrícola local (por motivos
climatéricos) e às dificuldades emergentes
nos negócios corticeiros. Durante o seu tempo
de vida, o capital do Banco foi composto por
30 contos de réis, sendo 20 contos subscritos
pela Sociedade Geral Agrícola e Financeira de
Portugal *, uma sociedade anónima de respon-
sabilidade limitada formada nessa altura por
capitalistas portugueses e estrangeiros com
sede em Lisboa (Mendonça, 2011), e 10 contos
pela Misericórdia de Faro, representados por
metal, títulos e propriedades. O Banco iniciou
as suas operações num edifício e com mobi-
liário cedidos pela Misericórdia. Só um ano
mais tarde contou com instalações próprias,
onde trabalhavam um guarda -livros, um escri-
turário que servia igualmente de procurador
do Banco junto dos tribunais e um tesourei-
ro, cargo exercido graciosamente pelo segundo
gerente, o barão da Ponte de Marxil. Pratica-
va taxas de juro de 8 % ao crédito, pagava aos
acionistas 7 % e aos depositantes 3 %. A maio-
ria das operações bancárias era realizada com
desconto de letras, enquanto os empréstimos
hipotecários pouco mais representavam do que
20 % da atividade creditícia. Por outro lado, o
movimento anual na Caixa Económica em 1879
não ultrapassava os 680$000 réis. A debilida-
de suscitada pela pequena escala da empresa
num contexto de crise financeira ficou patente
quando, em 1876, o resgate de um grande depo-
sitante obrigou a direção a reclamar o paga-
mento da quarta prestação das ações subscritas.
Entre esta data e 1878, o Banco perdeu capitais
e enfrentou dificuldades de cobrança de crédi-
tos, evitando no entanto recorrer a execuções
judiciais num contexto em que o valor da pro-
priedade rural se tinha depreciado, ao ponto de
cobrir apenas um «preço ínfimo das dívidas»
(Relatório e Contas de 1878). Os prejuízos com
os industriais corticeiros foram talvez ainda
maiores, levando o Banco a proceder a morató-
rias sucessivas de dívidas por letras. Os indus-
triais, que contraíam importantes empréstimos
usavam esse dinheiro para realizar contratos de
arrendamento de montados, a longo prazo, em
condições aparentemente vantajosas. Porém,
naquela difícil conjuntura para a indústria,
muitos conheceram revezes nos seus negócios
corticeiros e, consequentemente, mostravam
dificuldades em cumprir as suas obrigações
com os encargos financeiros assumidos, não
podendo contrair novos empréstimos para
manter esses arrendamentos ou a sua atividade
devido à crise creditícia. As falências de clientes
industriais e as dificuldades dos pequenos agri-
cultores, devido a maus anos agrícolas conse-
cutivos, acabaram por ameaçar a prosperidade
deste empreendimento. O relatório da direção
de 1880 referia explicitamente que o «estado
deplorável em que se acha reduzida a agricul-
tura, o comércio e a indústria em toda esta pro-
BANCO AGRÍCOLA E INDUSTRIAL VIANENSE (1873 -1898)
Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias 47
víncia e especialmente neste concelho de Faro
influiu poderosamente no irregular andamento
que se tem manifestado nos negócios de quasi
todos os estabelecimentos de crédito que direc-
ta ou indirectamente tem realizado emprésti-
mos neste ponto do Algarve, onde a indústria
da cortiça, exercida em grande escala, carecia
de capitais avultados». Segundo esse relatório,
às más colheitas devidas aos anos de estiagem
associou -se a limitada procura no mercado das
cortiças, com ref lexos no aviltamento dos pre-
ços industriais, conduzindo a uma situação em
que eram «raros os devedores dos bancos que
podem satisfazer os seus encargos e cumprir
as suas obrigações». As centenas de execuções
de hipotecas e reformas nas operações de cré-
dito depararam -se com uma situação em que
a depreciação do valor da propriedade rústica
não permitia já ao Banco cobrir os valores que
tinha avançado. Nesta data, os ativos do Banco
mantinham -se no patamar dos 33 contos de
réis, existindo 13,5 contos na rubrica «deve-
dores gerais» e «letras protestadas» e mais de
2 contos em caixa. Dez anos mais tarde, a sua
situação económica não tinha melhorado, visto
que os seus ativos se situavam nos 32,5 contos
de réis, havendo perto de 3 contos de réis de
dinheiro em caixa (balancete de 31 de dezem-
bro de 1890). Os depósitos da Caixa Económica
(pequenos depositantes), remunerados a 3 % de
juro anual, não ultrapassavam os 670$000 réis.
O escasso montante dos depósitos angariados
exprime igualmente a debilidade deste banco
comercial, resultante da pequena escala de ope-
rações, para fazer face a uma conjuntura finan-
ceira e económica adversa. O balancete de 31 de
dezembro de 1901 apresentava perto de 32 con-
tos de réis nos ativos, havendo 4,2 contos de réis
na rubrica «devedores gerais», 5,7 contos de réis
em «letras protestadas», 12,4 contos de réis em
empréstimos sobre letras e apenas 639$000 réis
em caixa.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Arquivo do Ministério das Obras Públicas, Comércio
e Indústria/Direcção -Geral do Comércio e Indústria.
Repartição do Comércio e Indústria/Bancos — Banco
Agrícola e Industrial Farense (1873 -1901); O Districto
de Faro, n.º 154 (13 de março de 1879) e n.º 262 (17 de
março de 1881), Faro; MENDONÇA, Artur Ângelo Bar-
racosa, Contributos para a Expansão do Sistema Bancá-
rio no Espaço Regional (1874 -1930): O Caso do Algarve.
Texto da comunicação apresentada no XXXI Encon-
tro da Associação Portuguesa de História Económica
e Social, Faculdade de Economia da Universidade de
Coimbra, em 18 de novembro de 2011.
HAF
PEG
BANCO AGRÍCOLA E INDUSTRIAL VIANENSE (1873 -1898)O Banco Agrícola e Industrial Vianense (tam-
bém designado de Banco da Misericórdia [de
Viana do Castelo], Banco Agrícola, Banco Agrí-
cola Industrial de Viana ou Banco Industrial
Vianense) foi, a par do Banco Agrícola e Indus-
trial Viseense * e do Banco Agrícola e Indus-
trial Farense *, uma das poucas instituições
que aproveitaram o enquadramento legal cria-
do pelo Ministro Andrade Corvo através das
leis de 22 de junho de 1866 e de 22 de junho de
1867. Através destas, procurava desenvolver -se
o crédito agrícola e industrial ao conceder a
misericórdias, confrarias e irmandades a facul-
dade de empregar os seus valores e capitais
BANCO AGRÍCOLA E INDUSTRIAL VIANENSE (1873 -1898)
48 Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias
mutuados ou possibilitando a constituição de
associações distritais ou provinciais de crédito
agrícola e industrial. Beneficiou também de
condições económicas e financeiras favoráveis
que se verificaram na década de 1870: abun-
dância de capitais no Norte de Portugal,
aumento do câmbio do Brasil sobre Londres,
perspetivas de lucro que os bancos e o jogo com
os títulos de dívida do Estado prometiam e ine-
xistência de instituições bancárias na cidade de
Viana. Surgiu em 1873 por iniciativa do escri-
vão da Santa Casa da Misericórdia de Viana do
Castelo, José Joaquim de Araújo Salgado, que,
após ter consultado jurisconsultos e funcioná-
rios de localidades onde funcionavam bancos
análogos, redigira o projeto de estatutos. Além
disso, conseguira, com a ajuda do membro da
Irmandade e deputado por Viana, Alfredo Pei-
xoto, a necessária autorização do governo para
vender as inscrições pertencentes à Misericór-
dia que haveriam de constituir parte do capital
do Banco. Em sessão da mesa da Santa Casa de
Viana de 9 de fevereiro de 1873, Araújo Salgado
apresentou os estatutos, sendo também autori-
zado a tratar de todas as operações necessárias
para organizar o estabelecimento. No entanto,
dada a seriedade da questão, foi necessário con-
vocar o Definitório da Misericórdia. Em 13 de
fevereiro, em sessão da mesa definitória, o pro-
vedor António Pinto de Araújo Correia reafir-
mou as vantagens económicas e morais do
Banco, quer para o futuro da Santa Casa quer
para a própria cidade de Viana e povoações vizi-
nhas. A possibilidade de emitir ações da insti-
tuição era vista como algo que tornaria o Banco
apelativo a um maior número de indivíduos.
Na sessão seguinte, realizada uma semana
depois (20 de fevereiro), o projeto seria aprova-
do, apesar da oposição de quatro dos definido-
res, que rejeitavam a venda dos títulos de dívida
pública referidos anteriormente e não acredita-
vam na rendibilidade do Banco, o qual, em sua
opinião, apenas serviria para fazer usura.
Segundo Costa Godolphim, em 20 de março de
1873, seria publicado o decreto governamental
que autorizava a criação do Banco Agrícola e
Industrial Vianense. Em 8 de junho, a mesa da
Misericórdia aprovou os estatutos (entretanto
alterados pelo Ministro das Obras Públicas,
o regenerador António Cardoso Avelino), os
quais são redigidos oficialmente em 14 de
junho seguinte e assinados no Paço por aquele
ministro, em 8 de julho. O Banco nascia, mal-
grado a guerra surda movida por ex -irmãos da
Santa Casa. Segundo D. Luís de Castro e João
Aquiles Ripamonti, os estatutos deste Banco
eram um decalque dos estatutos do Banco
Agrícola e Industrial Viseense. A nova institui-
ção, de duração indefinida e que tinha como
firma «Banco Agrícola e Industrial Vianense»,
estava sediada no rés -do -chão do edifício
da Misericórdia (mais precisamente na casa da
cera, ao lado da casa mortuária, da casa de
autópsias, da sala de inspeção das toleradas e
dos quartos para alienados e presos), na Praça
da Rainha, atual Praça da República, de Viana
do Castelo (freguesia de Santa Maria Maior).
Em 1897, pensou -se em estabelecer a sala de
despacho e a casa do Banco no 2.º andar da
Misericórdia, mas a liquidação iniciada em
1898 interrompeu esse projeto. O seu capital
era composto: por 13 100$000 réis representati-
vos de capitais possuídos e administrados
pela Irmandade da Misericórdia; pelo que pro-
duzisse a venda de 38 contos de réis em inscri-
ções de assentamentos possuídas e administra-
das pela Misericórdia e que não resultassem da
desamortização dos seus bens (operação que
BANCO AGRÍCOLA E INDUSTRIAL VIANENSE (1873 -1898)
Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias 49
rendeu 17 424$000 réis); por 25 contos de réis
emitidos em 1250 ações de 20$000 réis cada;
pelas quantias que recebesse na caixa económi-
ca e a título de depósito com juro; e pelo produ-
to dos títulos fiduciários que o Banco negocias-
se nos termos dos estatutos. Era ainda facultado
ao Banco a emissão de obrigações de 25$000
réis cada, representativas dos empréstimos rea-
lizados. O seu fim era auxiliar e fomentar o
progresso agrícola e industrial, por meio de
empréstimos de capitais para o granjeio, arro-
teia, aquisição e melhoramento dos prédios
rústicos e desenvolvimento da pequena indús-
tria. Também deveria desenvolver o princípio
da previdência, através de uma caixa económi-
ca, cujos depósitos seriam destinados às opera-
ções do Banco e garantidos pelo seu capital.
As suas operações limitavam -se a pessoas e
entidades que diretamente exercessem a agri-
cul tura ou a indústria no concelho de Viana do
Castelo ou nos concelhos limítrofes, e incluíam:
empréstimo sobre penhores (bens móveis, gado,
títulos de dívida pública, letras) e em conta-
-corrente, consignação de rendimentos, depó-
sitos (de alfaias, títulos de crédito ou dinheiro) e
emissão de títulos fiduciários representativos
dos empréstimos realizados. Era admi nistrado
por três gerentes efetivos (e três substitutos),
eleitos anualmente: dois pela mesa da Miseri-
córdia e o restante pelos acionistas com três ou
mais ações, sendo que apenas podiam ser elei-
tos os irmãos da Santa Casa ou os acionistas do
Banco. A presença da Santa Casa nos destinos
do estabelecimento era reforçada pelo papel do
provedor como responsável pela convocação da
assembleia geral de acionistas (praticamente
era o presidente daquele órgão social). Por
outro lado, era o conselho de distrito quem ele-
gia anualmente os três membros do conselho
fiscal do Banco e o próprio conselho fiscal
da Santa Casa da Misericórdia era tido e achado
na apreciação do relatório da gerência, a quem
cumpria genericamente administrar e repre-
sentar o Banco, gerir o quadro de pessoal e res-
ponder perante o conselho fiscal, os acionistas
e o provedor da Irmandade. Em 13 de julho
de 1873, tomam posse os gerentes propostos
pelo provedor da Santa Casa, a saber: como efe-
tivos, José Luís Gonçalves Júnior (correspon-
dente, em Viana, do Banco de Guimarães),
Sebastião da Silva Neves e António Maria Bap-
tista Camacho (um dos futuros fundadores do
Banco de Viana); e, como substitutos, José Mar-
tins Barbosa, José Lino Emílio e Vicente José da
Cunha. Nos dias seguintes, são nomeados os
restantes quadros do Banco. As operações ban-
cárias iniciaram -se em 1 de outubro de 1873,
tendo gerado até 30 de junho de 1874 (último
dia do ano económico do Banco) um lucro de
1913$170 réis (ou 495 réis por ação). Se inicial-
mente a sua ação privilegiava o crédito agrícola
e industrial, rapidamente, porém, o Banco alte-
rou a sua natureza, alegadamente para preve-
nir a sua ruína (e a da Misericórdia), causada
pela concorrência movida pelo Banco Comer-
cial de Viana. Por outro lado, tornava -se neces-
sário aumentar os prazos dos empréstimos,
porque nenhum agricultor os conseguia cum-
prir. De igual modo se queixavam os diretores
do Banco da limitação geográfica das operações
imposta pela lei de Andrade Corvo. Deste
modo, em março de 1874, a Sociedade Geral de
Crédito Agrícola e Financeira de Portugal,
sediada em Lisboa, pede para se associar ao
Banco, que veria assim o seu capital acionista
duplicado e se tornava agente daquela socieda-
de para as operações que pelos seus estatutos
estava proibido de realizar. A Sociedade Geral
BANCO AGRÍCOLA E INDUSTRIAL VIANENSE (1873 -1898)
50 Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias
era o resultado da transformação da Compa-
nhia de Crédito e Progresso Agrícola de Portu-
gal, após a entrada de capitais franceses, a qual
deturpara os objetivos iniciais daquela compa-
nhia. De banco agrícola, apenas tinha o nome.
Aquela oferta foi aprovada em sessão da mesa
de 25 de abril de 1874 pelo conselho fiscal e
acionistas do Banco e redundou numa revisão
dos seus estatutos (após autorização régia).
O capital passou a valer 50 contos de réis (total-
mente realizado somente a partir de 1876), divi-
dido em 2500 ações no valor nominal de 20$000
réis, ao qual se acrescia o fundo da Misericór-
dia no valor de 30 524$000 réis. A Sociedade
Geral tornava -se deste modo o principal acio-
nista do Banco e o Banco Agrícola e Industrial
Vianense assumia uma vertente eminente-
mente comercial, aproveitando também a gran-
de latitude concedida às suas operações pela lei
de 1867. Com a entrada da Sociedade Geral no
Banco, as operações deste, que anteriormente
se dirigiram à lavoura (através de empréstimos
sobre penhores), passaram a assumir o carácter
rotineiro de desconto de letras e operações
sobre efeitos comerciais e fundos públicos. A
instituição passou a funcionar mais como ban-
co comercial do que como banco agrícola,
aproveitando -se do facto de a lei não lhe limitar
a taxa de juro praticada. Para completar a meta-
morfose, foram os estatutos alterados e aprova-
dos pelo governo em 30 de junho de 1874. Neles
se declarava que a Municipalidade de Viana do
Castelo, e não a Misericórdia, funda (apesar de
já estar fundado) por tempo indefinido o Banco
Agrícola e Industrial Vianense. A Irmandade
passou a ter apenas direito a eleger um dos
gerentes (e o seu substituto), ficando a eleição
anual dos outros dois (e suplentes) a cargo da
Sociedade Geral e dos acionistas possuidores
de três ou mais ações (muitos dos acionistas
eram membros da Irmandade: destes destaca-
-se, além dos gerentes do Banco, António Ber-
nardino de Meneses, lente de Teologia em
Coimbra). Neste processo eram eleitores e tam-
bém elegíveis os mesários e membros do con-
selho fiscal da Irmandade. Até à liquidação do
Banco iniciada em 1898, foram gerentes, pela
parte da Santa Casa, António Fernando de
Morais (1875/1876 -1877/1878, 1879/1880),
Manuel Joaquim Vieira (1878/1879), José Lino
Emílio (1880/1881 -1886/1887), António Maria
Baptista Camacho (1887/1888 -1891/1892) e
José Júlio Pinto Ribeiro (1892/1893 -1898/
1899). Além destes, foram também gerentes
eleitos pelos acionistas José Luís Gonçalves
Júnior (em 1875 e entre 1877 e 1879 ), Manuel
Joaquim Vieira (em 1874/1875 e 1877/1878),
António Fernando de Morais (1878/1879),
António Maria Baptista Camacho (1894/1895-
-1897/1898), António de Abreu de Lima Pereira
Coutinho (1897/1898 e 1898/1899) e João
Augusto Loureiro da Rocha Páris (1894/1895-
-1898/1899). A importância da Santa Casa na
gestão do Banco mantinha -se evidente. A dis-
cussão dos relatórios da gerência (invariavel-
mente aprovados por unanimidade e sem dis-
cussão) era feita no Consistório da Misericórdia,
perante os mesários, o conselho fiscal da
Irmandade e o seu provedor (como presidente
destas assembleias), além dos acionistas. E tal
como dantes, o conselho fiscal do Banco era
escolhido pelo conselho de distrito da Santa
Casa. No entanto, a própria Misericórdia fazia
concorrência ao Banco no que respeita à con-
cessão de empréstimos a juros e sobre hipote-
cas. Em algumas ocasiões, era levantado
dinheiro à ordem no Banco para se aplicar na
concessão de empréstimos por conta própria.
BANCO AGRÍCOLA E INDUSTRIAL VIANENSE (1873 -1898)
Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias 51
Além disso, a Irmandade recorria também a
instituições concorrentes para depósitos, para
averbamento de títulos financeiros, para des-
conto de letras ou para aplicações financeiras.
Sintomático desta política foi a opção tomada
em 1882 de levantar 365$000 réis da caixa eco-
nómica do Banco para se comprar títulos de
empréstimo da Câmara Municipal de Viana do
Castelo, por se entender que era mais produtiva
a aplicação desse capital em tais títulos. Toda-
via, o Banco chegou a acudir às necessidades
financeiras da Irmandade (1881), quando a des-
pesa desta sobrepujou as suas receitas. Quanto
aos depósitos recebidos, o seu valor andou sem-
pre em torno dos 17 contos de réis. Os valores
em caixa oscilaram entre os 16 contos de réis
em 1874 e os 800$000 réis em 1890, atingindo
uma taxa média de cobertura dos depósitos na
ordem dos 33 %. Os seus lucros, inicialmente,
mostraram -se promissores. Em crescendo até
1876, começaram a cair após a crise e recessão
verificada e iniciada naquele ano. Contudo,
entre 1876 e 1879 os lucros líquidos superaram
os 4 contos de réis, tendo o dividendo sido sem-
pre superior a 1$000 réis por acção (dividendo
de 5 % a 7 %). A partir de 1880 e até 1898 ronda-
ram os 3500$000 réis. Os dividendos não mais
ultrapassaram os 800 réis por acção (3 % -4 %).
Quando esta quebra dos lucros se verificou, a
gerência optou por anular as verbas destinadas
ao fundo de reserva. De facto, entre 1880 e
1884, o fundo de reserva não aumentou. O con-
trário se verificou a partir de 1893. A partir des-
te ano (excetuando o ano de 1895), foram atri-
buídas verbas elevadas para fundo de reserva
(sempre superiores a 500$000 réis e por vezes
superiores a 1000$000 de réis, quando antes o
máximo fora de 200$000 réis). A rentabilidade
média anual (dada pela percentagem do capital
do Banco coberta pelos seus lucros líquidos,
segundo conceito de Jaime Reis) fixou -se nos
7,5 % (atingindo valores máximos naquele qua-
driénio 1876 -1879). Em 1896, o Banco convertia
mais de 5 contos de réis de letras em emprésti-
mos garantidos por bens de raiz por se enten-
der que assim a dívida ficava mais garantida.
No ano seguinte, a gerência liquidava e suspen-
dia os empréstimos sobre penhores, porque,
sendo de pouca monta, eram sobrecarregados
com uma taxa de imposto de selo excessiva e
por vezes superior ao juro que auferiam. Ape-
sar destas medidas, em 1898 iniciar -se -ia o pro-
cesso de liquidação do Banco Agrícola e Indus-
trial Vianense, na sequência da grave crise
económica que afetava a Misericórdia. Em ses-
são da mesa da Santa Casa, realizada em 6 de
outubro de 1898, o provedor João Coelho de
Castro Vilas Boas apresenta as dificuldades
financeiras por que passava a instituição, uma
vez que os géneros de primeira necessidade
vinham encarecendo progressivamente e algu-
mas das suas receitas vinham diminuindo,
incluindo -se nessas receitas o dividendo do
Banco. Sendo considerado impossível conti-
nuar a gerir deste modo a Santa Casa, tornara -se
urgente obstar a que as dificuldades aumentas-
sem. A solução proposta passou pela liquidação
do Banco, providência que parecia ao provedor
poder remediar em grande parte o mal por que
passava a Santa Casa da Misericórdia de Viana
do Castelo e criar uma situação mais desafoga-
da para o futuro, dada a diminuição do rendi-
mento do capital que a Santa Casa tinha empre-
gado no Banco (mais de 1200$000 réis anuais,
verba muito superior às previsões de prejuízos
com a liquidação). Refira -se que dos 44 contos
de réis que constituíam o capital da Misericór-
dia de Viana, 30 estavam empatados no Banco.
BANCO AGRÍCOLA E INDUSTRIAL VISEENSE (1868 -1977)
52 Dicionário de História Empresarial Portuguesa, Séculos XIX e XX Instituições Bancárias
D. Luís de Castro, João Ulrich e João Aquiles
Ripamonti adiantam ainda que o facto de o
Banco se encontrar numa zona de pequenos
proprietários onde a oferta de capitais a preços
cómodos era grande, de ter sofrido a concorrên-
cia de três bancos comerciais (Banco de Viana *,
Banco Mercantil de Viana * e Banco Comercial
de Viana *) e de ter concedido empréstimos com
menos critério (que o obrigaram a execuções
judiciais e à compra de grande porção das suas
próprias ações e de ações de outros bancos)
contribuíram para o seu insucesso. Seja como
for, a proposta de liquidação seria aprovada
por unanimidade, sendo concedidos plenos
poderes ao provedor para proceder à operação.
A comissão liquidatária era composta por João
Augusto Loureiro da Rocha Páris (gerente
suplente do Banco Mercantil de Viana), João
Passos de Oliveira Valença e José Júlio Pinto
Ribeiro. Em fevereiro de 1898, o crédito da
Santa Casa em relação ao Banco ascendia a
30 860$000 réis (29 151$600 réis de capital,
660$000 réis em acções e 1048$400 réis per-
tencentes ao Recolhimento de S. Tiago, admi-
nistrado pela Santa Casa), no entanto, nessa
altura, apenas receberia metade dessa verba,
não em numerário, mas em créditos que o Ban-
co tinha sobre os seus clientes. Em 1907, 174
das suas ações seriam tomadas pelo Banco
Mercantil de Viana em liquidação de uma con-
ta. Estas desapareceriam do rol de fundos f lu-
tuantes daquela instituição em 1914. Segundo
o Anuário Comercial de Portugal, a comissão
liquidatária do Banco subsistiu ainda até 1921.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
CASTRO, D. Luís de, Crédito Agrícola Democrático, Lis-
boa, Livraria Clássica Editora, 1911; GODOLPHIM, Cos-
ta, As Misericórdias, Lisboa, Imprensa Nacional, 1897;
REIS, Jaime, «Os bancos portugueses 1850 -1913»,
in Anais da Conferência Internacional de História de
Empresa, Niterói, 1991, pp. 42 -91; RIPAMONTI, João
Aquiles, O Crédito Agrícola e os Bancos Rurais, Lisboa,
Tipografia Portuense, 1888; TELES, Basílio, O Proble-
ma Agrícola, Porto, Livraria Chardron, 1899; ULRICH,
João Henrique, O Crédito Agrícola em Portugal, Lisboa,
Livraria Ferin Editora, 1908; Banco Mercantil de Viana,
Relatório da Gerência (1907, 1913 -1914), Biblioteca do
Banco de Portugal (BPR/PT -00100/), 1908, 1914 -1915;
«Escritura de sociedade anónima de responsabilida-
de limitada do Banco de Viana», in Diário do Gover-
no, n.º 64 (Janeiro -Junho 1875), Lisboa, pp. 523 -524;
Estatística Bancária (1858 a 1892), Lisboa, Imprensa
Nacional, 1894; Santa Casa da Misericórdia de Via-
na do Castelo, Arquivo Distrital de Viana do Castelo
(3.24.3.22), (3.24.3.7 a 3.24.3.10), 1863 -1908.
HSP
BANCO AGRÍCOLA E INDUSTRIAL VISEENSE (1868 -1977)O Banco Agrícola e Industrial Viseense foi
fundado na cidade de Viseu pela Santa Casa da
Misericórdia da mesma cidade, aproveitando
as oportunidades concedidas pela Lei de 22 de
junho de 1867, de Andrade Corvo, que, entre
outras coisas, regulava, pela primeira vez, a
constituição de sociedades anónimas e visava
incentivar a criação de instituições de crédito
agrícola e industrial pelas irmandades, confra-
rias e misericórdias. Com efeito, seis meses
após a saída da referida lei, em 5 de dezembro
de 1867, já a mesa da Santa Casa da Mise ri-
córdia de Viseu tinha aprovado, junto dos
irmãos, os seus estatutos e reunido os princi-
pais documen tos obrigatórios para a respetiva
aprovação régia. Para além dos estatutos apro-