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C3 CADERNO 3 DIÁRIO REGIONAL | DOMINGO/SEGUNDA-FEIRA, 26 E 27 DE ABRIL DE 2015 | JUIZ DE FORA A educação é um quesito fundamental para a formação de qualquer ser humano, mas tem se tornado uma questão crítica para alguns pais, que veem seus filhos impedidos de entrar no ensino fundamental. O problema, decorrente da controvérsia sobre a idade mí- nima de ingresso, previsto a partir dos seis anos, leva os pais à Justiça para garantirem a matrícula dos filhos antes do prazo. Em fevereiro deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou decisão contrária a essa aceleração do início dos estudos, em análise de um caso de Pernambuco. Depois disso, porém, várias liminares já asseguraram a entrada de crianças no fundamental fora do limite etário, que varia entre as regiões do País, tornando a questão ainda mais complexa. Em Minas Gerais, por exemplo, a Secretaria de Educação permite a matrícula no fun- damental de crianças que façam seis anos até 30 de junho, obrigando as que completam a idade mínima depois dessa data a se manterem matriculadas na pré-escola. Em nota, a pasta informou ainda que se embasa na Lei 20817, de 29 de julho de 2013. Já em outros estados, como Pernambuco, vigora a regra do Conselho Nacional de Edu- cação (CNE), de 2010, que aceita alunos com aniversário até 31 de março. Na briga, as famílias afirmam que a criança já tem maturidade de aprendizado e comportamento para a etapa seguinte. Por outro lado, especialistas defendem que a aceleração pode ser fruto da ansiedade dos pais. “Estudos mostram que as crianças vivem e apresentam determinadas características ao longo do seu desenvolvimento, sendo que estas devem ser conhecidas e respeitadas. Por vezes, ela apresenta uma capacidade de ler e escrever antes de certa idade, mas isso não significa que ela possa conviver em um ambiente com crianças mais velhas e um grau de instrução maior”, pontua a psicopedagoga, Cristina Coronha. “Certas competências não implicam, necessariamente, que ela já possua maturidade para imergir nessa experiência”, alerta a especialista. “Essa é uma questão delicada, que deve ser analisada com muito cuidado pelos especialistas em educação, tais como psicólogos e pedagogos, pois muitas crianças ainda não vivem a realidade psicossocial de uma série elevada”, diz. ESCOLHA CUIDADOSA Para a fisioterapeuta, Pâmela Martins, a decisão cabe aos pais, mas vale a pena procurar um especialista para avaliar o caso. “Não enfrentei essa situação, mas precisei buscar o suporte psicológico para minha filha mais velha quando ela foi ‘adiantada’ e teve que se adaptar a um novo ambiente escolar”, comenta ela, que já tem duas filhas: Gabriela, 15 anos, e Larissa, com nove anos. “Ninguém melhor do que os pais para avaliar o que é melhor para os pequenos, prin- cipalmente quando estes ainda estão numa faixa etária em que não podem tomar suas DA REDAÇÃO / COLABORAÇÃO LUCAS GUEDES Fotos: Ilustrativas PSICOPEDAGOGA PONTUA QUE ENTRADA DEVE SER INCENTIVADA COM CAUTELA P AIS RECORREM À JUSTIÇA PARA ANTECIPAR INGRESSO DOS FILHOS NO ANO próprias decisões, mas onde nossas escolhas serão fundamentais para o seu futuro. Porém, se a segurança escolar dos filhos é a preocupação, acho que buscar o suporte psicopeda- gógico pode ajudar”, diz. “Por questões de vaidade, culturais ou familiares, muitos querem ‘promover’ o filho, quando, na verdade, os especialistas são os mais aptos a indicar e conduzir esse processo. Antes de procurar um advogado, tenha em mente que a criança nem sempre vive as conse- quências daquela escolha no mesmo ano”, enfatiza a psicopedagoga, Cristina Coronha. Já para a dona de casa, Amanda Oliveira, mãe da Clara, de 12 anos, se os progenitores têm confiança de que chegou a hora de iniciar a formação, é possível buscar alternativas que evitem até mesmo os “estressantes” trâmites judiciais. “Antes mesmo de ela entrar na escola, já me preocupava em trazer atividades educativas para dentro de casa”, conta ela. “Minha mãe sempre gostou de livros, então, sempre que podia, comprava um novo para ela (Clara), ensinando-a ler. Foi um exercício muito legal, pois, hoje, as professoras elo- giam muito a facilidade e o interesse que ela tem com textos até mais complexos”, relata Amanda. “No final das contas, entrar na escola como a lei manda não foi tão prejudicial”. Contudo, segundo Cristinha Coronha, os pais precisam ter cautela nesses casos. “Mesmo que a criança demonstre competências mais avançadas, sua desenvoltura social ainda é mínima, o que pode acarretar em problemas sérios no futuro. No vestibular, por exemplo, o jovem precocemente pode ter dificuldades de fazer sua escolha profissional e se adequar a um ritmo intenso de estudo”, explica ela. “A própria condição etária, se não for analisada, pode atrapalhar a normalidade”, pontua a psicopedagoga. “Na minha experiência, vejo 80% dessas escolhas com resultados nega- tivos, manifestando-se em quadros de ansiedade e fobia escolar, uma vez que a exigência é muito maior do que a criança consegue atender, perdendo estímulo e se frustrando. É preciso considerar as consequências em longo prazo”, afirma Cristina. NÍVEL FUNDAMENTAL

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C3 CADERNO 3DiáRiO REgiONAl | DOmiNgO/SEguNDA-FEiRA, 26 E 27 DE AbRil DE 2015 | Juiz DE FORA

A educação é um quesito fundamental para a formação de qualquer ser humano, mas tem se tornado uma questão crítica para alguns pais, que veem seus filhos impedidos de entrar no ensino fundamental. O problema, decorrente da controvérsia sobre a idade mí-nima de ingresso, previsto a partir dos seis anos, leva os pais à Justiça para garantirem a matrícula dos filhos antes do prazo.

Em fevereiro deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou decisão contrária a essa aceleração do início dos estudos, em análise de um caso de Pernambuco. Depois disso, porém, várias liminares já asseguraram a entrada de crianças no fundamental fora do limite etário, que varia entre as regiões do País, tornando a questão ainda mais complexa.

Em Minas Gerais, por exemplo, a Secretaria de Educação permite a matrícula no fun-damental de crianças que façam seis anos até 30 de junho, obrigando as que completam a idade mínima depois dessa data a se manterem matriculadas na pré-escola. Em nota, a pasta informou ainda que se embasa na Lei 20817, de 29 de julho de 2013.

Já em outros estados, como Pernambuco, vigora a regra do Conselho Nacional de Edu-cação (CNE), de 2010, que aceita alunos com aniversário até 31 de março. Na briga, as famílias afirmam que a criança já tem maturidade de aprendizado e comportamento para a etapa seguinte. Por outro lado, especialistas defendem que a aceleração pode ser fruto da ansiedade dos pais.

“Estudos mostram que as crianças vivem e apresentam determinadas características ao longo do seu desenvolvimento, sendo que estas devem ser conhecidas e respeitadas. Por vezes, ela apresenta uma capacidade de ler e escrever antes de certa idade, mas isso não significa que ela possa conviver em um ambiente com crianças mais velhas e um grau de instrução maior”, pontua a psicopedagoga, Cristina Coronha.

“Certas competências não implicam, necessariamente, que ela já possua maturidade para imergir nessa experiência”, alerta a especialista. “Essa é uma questão delicada, que deve ser analisada com muito cuidado pelos especialistas em educação, tais como psicólogos e pedagogos, pois muitas crianças ainda não vivem a realidade psicossocial de uma série elevada”, diz.

ESCOLHA CUIDADOSAPara a fisioterapeuta, Pâmela Martins, a decisão cabe aos pais, mas vale a pena procurar

um especialista para avaliar o caso. “Não enfrentei essa situação, mas precisei buscar o suporte psicológico para minha filha mais velha quando ela foi ‘adiantada’ e teve que se adaptar a um novo ambiente escolar”, comenta ela, que já tem duas filhas: Gabriela, 15 anos, e Larissa, com nove anos.

“Ninguém melhor do que os pais para avaliar o que é melhor para os pequenos, prin-cipalmente quando estes ainda estão numa faixa etária em que não podem tomar suas

DA REDAÇÃO / COLABORAÇÃO LUCAS GUEDES

Fotos: Ilustrativas

PSICOPEDAGOGA PONTUA QUE ENTRADA DEVE SER INCENTIVADA COM CAUTELA

Pais recorrem à Justiça Para anteciPar ingresso dos filhos no 1º ano

próprias decisões, mas onde nossas escolhas serão fundamentais para o seu futuro. Porém, se a segurança escolar dos filhos é a preocupação, acho que buscar o suporte psicopeda-gógico pode ajudar”, diz.

“Por questões de vaidade, culturais ou familiares, muitos querem ‘promover’ o filho, quando, na verdade, os especialistas são os mais aptos a indicar e conduzir esse processo. Antes de procurar um advogado, tenha em mente que a criança nem sempre vive as conse-quências daquela escolha no mesmo ano”, enfatiza a psicopedagoga, Cristina Coronha.

Já para a dona de casa, Amanda Oliveira, mãe da Clara, de 12 anos, se os progenitores têm confiança de que chegou a hora de iniciar a formação, é possível buscar alternativas que evitem até mesmo os “estressantes” trâmites judiciais. “Antes mesmo de ela entrar na escola, já me preocupava em trazer atividades educativas para dentro de casa”, conta ela.

“Minha mãe sempre gostou de livros, então, sempre que podia, comprava um novo para ela (Clara), ensinando-a ler. Foi um exercício muito legal, pois, hoje, as professoras elo-giam muito a facilidade e o interesse que ela tem com textos até mais complexos”, relata Amanda. “No final das contas, entrar na escola como a lei manda não foi tão prejudicial”.

Contudo, segundo Cristinha Coronha, os pais precisam ter cautela nesses casos. “Mesmo que a criança demonstre competências mais avançadas, sua desenvoltura social ainda é mínima, o que pode acarretar em problemas sérios no futuro. No vestibular, por exemplo, o jovem precocemente pode ter dificuldades de fazer sua escolha profissional e se adequar a um ritmo intenso de estudo”, explica ela.

“A própria condição etária, se não for analisada, pode atrapalhar a normalidade”, pontua a psicopedagoga. “Na minha experiência, vejo 80% dessas escolhas com resultados nega-tivos, manifestando-se em quadros de ansiedade e fobia escolar, uma vez que a exigência é muito maior do que a criança consegue atender, perdendo estímulo e se frustrando. É preciso considerar as consequências em longo prazo”, afirma Cristina.

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