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Princípios, Natal, vol. 13, n os . 19-20, jan./dez. 2006, p. 141-160. A substituição do conceito pelo sujeito: genealogia nietzscheana versus dialética socrática Ana Carolina da Costa e Fonseca * ** Resumo: O artigo examina a descrição e a crítica nietzscheanas do método dialético socrático, bem como o método de investigação nietzscheano – a genealogia. Nietzsche considera o ser humano um criador de conceitos e de métodos de investigação. Os métodos de investigação, por sua vez, são associados a tipos humanos e a suas formas de relacionamento com a realidade efetiva. A genealogia analisa a vontade de potência que produz os conceitos e a considera como sintoma de um tipo humano. Nietzsche critica o método dialético socrático, principalmente, por ser criação de um tipo humano decadente. Palavras-chave: Dialética socrática, Genealogia, Métodos de investigação Abstract: The article discusses Nietzsche’s description and criticism of the socratic dialetical method, as well as Nietzsche’s method of investigation – the genealogy. Nietzsche considers the human being a creator of concepts and methods of investigation. The methods of investigation are associated with human types and its way of relationship to the efective reality. The genealogy analises the will to power that produces the concepts and consider it as symptom of one human types. Nietzsche criticizes the Socratic dialectical method, specially, because it is created by a decadent human type. Keywords: Genealogy, Method of Investigation, Socratic Dialectic Entende-se método de investigação como o modo pelo qual o ser humano investiga a realidade. Nietzsche critica o método de investigação socrático, a dialética, e utiliza seu próprio método de investigação, a genealogia. O método genealógico classifica os seres * Doutoranda em Filosofia pela UFRGS, sob orientação do Prof. Dr. Nelson Boeira, bolsista do CNPq, atualmente realiza estágio de doutoramento sob orientação do Prof. Dr. Volker Gerhardt na Humboldt-Universität zu Berlin com bolsa concedida pelo DAAD. E-mail: [email protected] ** O artigo se baseia no segundo capítulo da dissertação de mestrado intitulada “Três aspectos da crítica de Nietzsche a Sócrates: forma de vida, método de investigação e moralidade”.

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  • Princpios, Natal, vol. 13, nos. 19-20, jan./dez. 2006, p. 141-160.

    A substituio do conceito pelo sujeito: genealogia nietzscheana versus dialtica socrtica

    Ana Carolina da Costa e Fonseca* **

    Resumo: O artigo examina a descrio e a crtica nietzscheanas do mtodo dialtico socrtico, bem como o mtodo de investigao nietzscheano a genealogia. Nietzsche considera o ser humano um criador de conceitos e de mtodos de investigao. Os mtodos de investigao, por sua vez, so associados a tipos humanos e a suas formas de relacionamento com a realidade efetiva. A genealogia analisa a vontade de potncia que produz os conceitos e a considera como sintoma de um tipo humano. Nietzsche critica o mtodo dialtico socrtico, principalmente, por ser criao de um tipo humano decadente. Palavras-chave: Dialtica socrtica, Genealogia, Mtodos de investigao Abstract: The article discusses Nietzsches description and criticism of the socratic dialetical method, as well as Nietzsches method of investigation the genealogy. Nietzsche considers the human being a creator of concepts and methods of investigation. The methods of investigation are associated with human types and its way of relationship to the efective reality. The genealogy analises the will to power that produces the concepts and consider it as symptom of one human types. Nietzsche criticizes the Socratic dialectical method, specially, because it is created by a decadent human type. Keywords: Genealogy, Method of Investigation, Socratic Dialectic Entende-se mtodo de investigao como o modo pelo qual o ser humano investiga a realidade. Nietzsche critica o mtodo de investigao socrtico, a dialtica, e utiliza seu prprio mtodo de investigao, a genealogia. O mtodo genealgico classifica os seres

    * Doutoranda em Filosofia pela UFRGS, sob orientao do Prof. Dr. Nelson Boeira, bolsista do CNPq, atualmente realiza estgio de doutoramento sob orientao do Prof. Dr. Volker Gerhardt na Humboldt-Universitt zu Berlin com bolsa concedida pelo DAAD. E-mail: [email protected] ** O artigo se baseia no segundo captulo da dissertao de mestrado intitulada Trs aspectos da crtica de Nietzsche a Scrates: forma de vida, mtodo de investigao e moralidade.

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    humanos em tipos. Os tipos humanos revelam qual realidade investigada ou a efetiva, ou outra criada e como ela investigada ou por perguntas sobre conceitos, ou por perguntas sobre os seres humanos que criam conceitos. Desse modo, o mtodo genealgico permite que se analise o conhecimento como criao humana1 e reinsere o ser humano no centro da investigao filosfica. Discutir sobre a pluralidade dos mtodos de investigao filosfica e sobre o significado da filosofia e dos seus mtodos para os seres humanos revela por um lado a preocupao nietzscheana com o motivo pelo qual os seres humanos pensam em algo e crem nesse algo, ou seja, revela a crtica nietzscheana ao valor atribudo a algo ilusrio, e, por outro lado, revela como o ser humano se relaciona com a vida. Umas das conseqncias desse tipo de investigao o rompimento da relao entre moralidade e metafsica. Quando a maneira como se investiga acerca da realidade passa a ser percebida como reveladora de uma necessidade humana e no de algo que deve ser necessariamente de tal modo, o revelado deixa de ser igualmente necessrio. De modo que no se pode mais esperar conhecer o que em si, o que independentemente do ser humano. Se restar algo que ainda possa ser dito metafsica, deixa de ser algo que se ocupa do ser enquanto ser; bem como a moralidade deixa de ser um conjunto de

    1 De acordo com Foucault em A verdade e as formas jurdicas, Nietzsche retira da idia de conhecimento a caracterstica de algo dado que o homem deve descobrir pela razo. Ao contrrio, o conhecimento foi inventado. Dizer que ele foi inventado dizer que ele no tem origem. dizer .... que o conhecimento no est .... inscrito na natureza humana. (p. 16). O conhecimento .... no faz parte da natureza humana. (p. 17). Dizer que o conhecimento no algo dado e que no faz parte da natureza humana, significa consider-lo algo criado pelo homem em decorrncia de uma necessidade. Essa necessidade corresponde a impulsos que nos colocam em posio de dio, desprezo, ou temor diante de coisas que so ameaadoras e presunosas. (p. 21). Tentar conhecer tentar dominar o objeto (p. 22). O conhecimento, desse modo, relacionado com as necessidades de um momento histrico da humanidade. [Utilizam-se quatro pontos, de acordo com Aurlio Buarque de Holanda Ferreira, para distinguir as reticncias da interpontuao indicativa da supresso de parte de um trecho citado. In: Ferreira, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Dicionrio Aurlio da Lngua Portuguesa, p. VIII, item 14 do prefcio.]

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    regras de conduta a ser descoberto. Percebe-se, ento, que no existe nada bom, nada sublime, nada ruim em si, mas estados de alma em que aplicamos essas palavras (A, 210)2. Percebe-se que no existe uma moral absoluta3 (A, 139). Divide-se o percurso argumentativo do artigo em trs partes: 1) a descrio nietzscheana do mtodo dialtico socrtico; 2) a descrio do prprio mtodo nietzscheano, a genealogia; 3) a crtica de Nietzsche ao mtodo dialtico socrtico e as conseqncias dessa crtica para a relao entre metafsica e moralidade. 1. A descrio nietzscheana da dialtica socrtica A descrio nietzscheana da dialtica socrtica pressupe a existncia de um tipo humano que tem como uma das suas caractersticas o ser dialtico. A partir do modo como o dialtico investiga, Nietzsche identifica o que a dialtica. Para Nietzsche, o dialtico aquele que sabe dar conta de seu saber sob forma de questes e de respostas (ento no de maneira mstica), ela [a dialtica] consiste na formao de conceitos e na sua diviso4, ou seja, a dialtica um mtodo de investigao com o qual se pode conhecer o contedo dos conceitos pela sucesso de perguntas e de respostas formuladas ou sobre o conceito, ou sobre o tema investigado. A dialtica investiga conceitos criados pelo prprio dialtico. Desse modo, o objeto de investigao da dialtica socrtica, isto , os conceitos, origina-se do prprio mtodo de

    2 No original alemo: .... es nichts Guttes, nichts Schnes, nichts Erhabenes, nichts Bses an sich giebt, wohl aber Seelenzustnde, in denen wir die Dinge ausser und in uns mit solchen Worten belegen. (KSA, v. 3, p. 190). 3 No original alemo: .... es giebt keine absolute Moral. (KSA, v. 3, p. 131). 4 Livre traduo de: .... le dialecticien est celui qui sait rendre compte de son savoir sous forme de questions et de rponses (donc pas de manire mystique), elle consiste en la formation des concepts et en leur division. Introduction la lecture des dialogues de Platon, captulo 2, pargrafo 15. Este texto no faz parte do Kritische Studienausgabe organizado por Colli e Montinari, por isso, utiliza-se apenas a traduo francesa.

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    investigao dialtico-socrtico. pergunta quais so esses conceitos?, Nietzsche responde: todos os conceitos5 e lista alguns: Deus, alma, virtude, pecado, alm, verdade, vida eterna6 (EH, Por que sou to inteligente, 10). Conforme se discute a seguir, o considerar os conceitos como criao humana decorre do prprio mtodo de investigao nietzscheano e j faz parte da crtica de Nietzsche dialtica socrtica. Ressalta-se que o Scrates de Nietzsche um tipo ideal, ou, utilizando a terminologia de Nietzsche, um tipo humano. Tipo humano uma construo terica com a qual seres humanos e aes so analisados de modo a destacar a principal caracterstica do tipo. O tipo humano Scrates inspirado no homem Scrates, mas no corresponde ao Scrates histrico. Define-se o tipo humano socrtico por oposio ao tipo humano trgico, que o precede historicamente e caracterizado pelo modo de pensar dual7. Neste artigo, no se discute a correspondncia entre o Scrates de Nietzsche e o Scrates histrico, por ser irrelevante para a filosofia de Nietzsche. A importncia da anlise de Scrates por Nietzsche o revelar um tipo humano decadente. 2. A genealogia nietzscheana A genealogia o mtodo de investigao criado por Nietzsche com o qual se investiga sobre a origem dos conceitos pela busca da motivao psicolgica da criao de conceitos. Segundo Nehamas, a genealogia revela de uma s vez estas origens e os mecanismos sobre os quais as idias em questo atuam para tentar esconder suas

    5 No original alemo: .... alle die Begriffe .... (KSA, v. 6, p. 296). 6 No original alemo: .... Gott, Seele, Tugend, Snde, Jenseits, Wahreit, ewiges Leben... (KSA, v. 6, p. 296). 7 Utilizam-se os termos dual e dualidade em dois sentidos. No sentido trgico, ser dual significa ser uma coisa e o seu contrrio simultaneamente, por exemplo, Antgona e Creonte, na tragdia Antgona, realizam aes que podem ser ditas boas e ms ao mesmo tempo. No sentido socrtico, as dualidades so incompatveis, ou seja, ou algo bom, ou algo mau, no havendo possibilidade de coexistncia entre bondade e maldade na mesma ao.

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    origens.8 Na genealogia, realiza-se a substituio da pergunta o que x? pela pergunta quem criou x?, na qual x equivale a um conceito, ou seja, na genealogia o sujeito que investiga acerca de um conceito, e no mais o prprio conceito, passa a ser objeto de investigao. Sendo os conceitos criaes humanas que expressam a vontade de seu criador, a resposta pergunta quem criou x? permite que se passe a discutir o que representa determinado conceito para quem o cria e para quem reconhece a possibilidade de sua descoberta.9 Desde Scrates at Nietzsche, o mtodo de investigao socrtico parece ter sido substitudo por outros mtodos de investigao. Contudo, a pergunta principal o que x? permanece. Com Nietzsche, [a] questo cardinal da origem dos conceitos surge.10 Perguntar pela origem dos conceitos, para Nietzsche, perguntar pela origem humana dos conceitos, ou seja, investigar sobre quem criou os conceitos e por que, e, com isso, explicitar a vontade do seu criador. Destacam-se dois elementos do modo como Michel Haar e Oswaldo Giacoia Junior se referem ao mtodo genealgico de Nietzsche. Haar enfatiza o carter de investigao do infinito e ao infinito, em oposio ao mtodo platnico que visa a conhecer um todo finito. O que passvel de ser conhecido no mais tido como limitado, constante, e por isso no pode mais ser sistematizado. No h qualquer pretenso de conhecer o em si, o que aparece quando se retira o ltimo vu. Ao contrrio, h o reconhecimento de que o ltimo vu jamais retirado por haver sempre mais um vu. Giacoia

    8 Livre traduo de: La gnalogie rvle la fois ces origines et les mcanismes sur lesquels les ides en questions jouent pour tenter de masquer ces origines. Nehamas, Alexander. Nietzsche: la vie comme littrature, p. 50. 9 Gilles Deleuze em seu livro Nietzsche et la philosophie explica o mtodo de Nietzsche como uma alterao no modo de formular as perguntas, ou seja, como uma substituio da pergunta qui? pela pergunta quest-ce quil veut...?, p. 88-90. 10 Livre traduo de: La question cardinale de lorigine des concepts surgit. Neitzsche, Friedrich. Introduction la lecture des dialogues de Platon, captulo 2, pargrafo 7. Todos os grifos nas citaes de Nietzsche esto no original.

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    Junior apresenta a genealogia como o mtodo capaz de questionar os valores e de analisar as interpretaes como produes histricas, que, por esse motivo, no tm validade absoluta.11

    Enfim, o mtodo crtico descoberto por Nietzsche, a genealogia, que se apresenta como uma arte de decifrar os sintomas infinitamente .... Este mtodo, que contrariamente ao mtodo platnico (consistente em levar a diversidade sensvel unidade da essncia), quer desmascarar, decodificar, mas indefinidamente, ou seja, sem nunca pretender elevar o ltimo vu de qualquer identidade originria, de qualquer fundamento primeiro, manifesta uma profunda repugnncia concernente a qualquer sistematizao. Hostil idia de uma revelao ltima da verdade, recusando qualquer interpretao nica e privilegiada .... a genealogia hostil a qualquer codificao de seus prprios resultados.12 O procedimento metdico a que Nietzsche recorre tambm o mais adequado sua teoria do conhecimento: o procedimento genealgico. Esse consiste em reconstituir as condies de surgimento, transformao, deslocamento de sentido e desenvolvimento dos supremos valores de nossa civilizao. genealogia nietzscheana, como mtodo de investigao, compete desvendar as condies e circunstncias de surgimento de nossos supremos valores e ideais portanto imiscuir-se no

    11 Nehamas, ao comentar a pluralidade de estilos de Nietzsche, afirma ser o perspectivismo uma das conseqncias desta pluralidade. Perpectivismo significa que toute ide nest quune interprtation possible parmi bien dautres, Nietzsche: la vie comme littrature, p. 12. Desse modo, se por um lado, a genealogia permite que se pense as interpretaes como tal, por outro lado, o perspectivismo permite que se interprete a mesma idia de maneiras diferentes. 12 Livre traduo de: Enfin, la mthode critique dcouverte par Nietzsche, la gnalogie, qui se prsente comme un art de dchiffrer des symptmes linfini.... Cette mthode qui, contrairement la mthode platonicienne (consistant ramener la diversit sensible lunit de lessence), veut dmasquer, dcrypter, mais indfinidement, cest--dire sans jamais prtendre lever le drnier voile sur une quelconque identit originaire, sur un quelconque premier fondement, manifeste une rpugnance profonde lgard de toute systmatisation. Hostile lide dune rvlation ultime de la vrit, refusant toute interprtation unique et privilgie (....) la gnalogie est hostile toute codification de ses propres rsultats. Haar, Michel. Nietzsche et la mthaphysique, p. 21. Nesta citao, Haar contrape o mtodo nietzscheano ao mtodo platnico. O mtodo platnico de investigao tem origem no mtodo socrtico de investigao, sendo a distino entre ambos irrelevante neste artigo.

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    que neles existe de interesses, parcialidade, imoralidade ; inclusive e sobretudo naqueles ainda aptos a legitimar pretenses de validez objetiva para juzos e processos cognitivos. Sob o crisol da Genealogia, revela-se todo valor como histrico e culturalmente emergente em configuraes de poder sejam elas de indivduos, grupos, povos ou civilizaes e, portanto, essencialmente como interpretaes.13

    O tomar o objeto de investigao como algo infinito por que diretamente relacionado com um momento histrico, ou seja, infinito porque sempre novo, faz com que tampouco exista um objeto de investigao em si. O em si no apenas no pode ser descoberto, o em si no existe. No h uma impossibilidade epistemolgica, h uma impossibilidade ontolgica. Desaparecendo o antigo objeto de investigao, o prprio sujeito se revela como objeto, sem, contudo, perder seu carter de sujeito. De modo que, so os seres humanos e no os conceitos por eles criados que so conhecidos.14 Com isso Nietzsche, um filsofo, aproxima filosofia e psicologia. Que em meus escritos fala um psiclogo sem igual talvez a primeira constatao a que chega um bom leitor....15 (EH, Por que escrevo to bons livros, 5). Quem, entre os

    13 Giacia Jnior, Oswaldo. Nietzsche: perspectivismo, genealogia, transvalorao, Cult, n. 37, p. 51. 14 Neste sentido, l-se em Nietzsche: Os motivos em que se cr. Por mais importante que seja conhecer os motivos que realmente guiaram a conduta humana at hoje, talvez a crena neste ou naquele motivo, isto , o que a humanidade presumiu e imaginou ser o autntico motor do seu agir at agora, seja algo ainda mais essencial para o homem do conhecimento. Pois a ntima misria e felicidade dada aos homens de acordo com a sua crena nestes ou naqueles motivos no em virtude do que era realmente motivo! Esse ltimo de interesse secundrio. (GC, 44). No original alemo: Die geglaubten Motive. So wichtig es sein mag, die Motive zu wissen, nach denen wirklich die Menschheit bisher gehandelt hat: vielleicht ist der Glaube an diese oder jene Motive, also Das, was die Menschheit sich selber als die eigentlichen Hebel ihres Thuns bisher untergeschoben und eingebildet hat, etwas noch Wesentlicheres fr den Erkennenden. Das innere Glck und Elend der Menschen ist ihnen nmlich je nach ihrem Glauben an diese oder jene Motive zu Theil geworden, nicht aber durch Das, was wirklich Motiv war! Alles diess Letztere hat ein Interesse zweiten Ranges. (KSA, v. 3, p. 410-411). 15 No original alemo: Dass aus meinen Schriften ein Psychologe redet, der nicht seines Gleichen hat, das ist vielleicht die erste Einsicht, zu der ein guter Leser gelangt.... (KSA, v. 6, p. 305).

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    filsofos, foi antes de mim psiclogo, e no o seu oposto superior embusteiro, idealista? Antes de mim no havia absolutamente psicologia.16 (EH, Por que sou um destino, 6). Ao tomar filosofia como psicologia, ao olhar para a histria da filosofia como um psiclogo, Nietzsche dialoga de um modo diferente com o passado. Nesse dilogo, os filsofos que o precederam fazem constantemente confisses de cunho pessoal.

    Gradualmente foi se revelando para mim o que toda grande filosofia foi at o momento: a confisso pessoal de seu autor, uma espcie de memrias involuntrias e inadvertidas; e tambm se tornou claro que as intenes morais (ou imorais) de toda filosofia constituram sempre o germe a partir do qual cresceu a planta inteira.17 (BM, 6)

    Uma confisso pessoal revela no como a realidade verdadeiramente, mas como o autor a v, ou como ele precisa v-la. Ao publicar impresses sobre a realidade com a pretenso de estar explicando definitivamente a realidade, os filsofos mostram como se relacionam com a realidade efetiva e como a interpretam. A aproximao realizada por Nietzsche entre filosofia e psicologia evidentemente no o descaracteriza como filsofo, apenas apresenta um dos pontos em que ele difere dos outros pensadores: o seu mtodo de investigao, que conduzido pela pergunta quem necessita pensar assim?.18 E nisso Nietzsche reconhece sua

    16 No original alemo: Wer war berhaupt vor mir unter den Philosophen Psycolog und nicht vielmehr dessen Gegensatz hherer Schwindler, Idealist? Es gab vor mir noch gar keine Psychologie. (KSA, v. 6, p. 371). 17 No original alemo: Allmhlich hat sich mir herausgestellt, was jede grosse Philosophie bisher war: nmlich das Selbstbekenntnis ihres Urhebers und eine Art ungewollter und unvermerkter mmoires; insgleichen, dass die moralischen (oder unmoralischen) Absichten in jeder Philosophie den eingentlichen Lebenskeim ausmachten, aus dem jedesmal die ganze Pflanze gewachsen ist. (KSA, v. 5, p. 19-20). 18 Neste sentido, Alexander Nehamas afirma que [l]es plus grandes manifestations de la volont de puissance, pour employer le terme de Nietzsche, se trouvent dans les plus grandes ralisations intellectuelles, dans le domaine des arts et oeuvres dart, les thories scientifiques, les ides religieuses, les systmes moraux, politiques et philosophiques expriment et exposent la vision ou linterprtation du

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    originalidade. Por que sei algo mais? Por que sou enfim to inteligente? Nunca refleti sobre problemas que no o so no me desperdicei.19 (EH, Por que sou to inteligente, 1). Os problemas que no o so compem-se dos problemas inventados pelos seres humanos como, por exemplo, o problema de definir o que o ser. Nietzsche no pretende resolver problemas que no existem, pois isso seria um desperdcio. Entre os problemas que existem est o da relao do ser humano com sua vontade. O que a humanidade at agora considerou seriamente no so sequer realidades, apenas construes....20 (EH, Por que sou to inteligente, 10). Mas as construes, ou criaes, no valem nem mais, nem menos por serem construes, apenas devem ser consideradas, desse modo, isto , como algo criado pela vontade humana e no como algo dado. 2.1. Vontade de potncia e genealogia O que distingue os tipos humanos so as vontades que predominam em cada um. Vontade uma pluralidade de instintos, de pulses, em luta incessante pela preponderncia.21 A vontade de potncia um composto de vontade e de potncia. vontade, conforme dito acima, e potncia no sentido de desejar ser algo que pode ser,

    monde dun individu particulier, les valeurs et les prfrences travers lesquelles cet individu parvient le mieux vivre et spanouir. Les plus grands arrivent faire de leurs visions et de leurs prfrences le monde lintrieur duquel et les valeurs travers lesquelles dautres gens en viennent vivre leur vie, sans douter souvent que ceux-ci ne sont pas des faits donns mais les produits ou les interprtations de quelquun dautre. Nehamas, Alexander. Nietzsche: la vie comme littrature, p. 44. No se discute neste artigo sobre o conduzir-se da maioria de acordo com valores impostos por alguns. 19 No original alemo: Warum ich Einiges mehr weiss? Warum ich berhaupt so klug bin? Ich habe nie ber Fragen nachgedacht, die keine sind, ich habe mich nicht verschwendet. (KSA, v. 6, p. 278). 20 No original alemo: Das, was die Menschheit bisher ernsthaft erwogen hat, sind nicht einmal Realitten, blosse Einbildungen.... (KSA, v. 6, p. 295-296). 21 Livre traduo de: .... volont est une pluralit dinstincts, de pulsions, en lutte incessante pour la prpondrance. HAAR, Michel. Nietzsche et la mtaphysique, p. 25.

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    sabendo que pode ser. A vontade que vontade de potncia responde originariamente a seu imperativo interno: ser mais.22

    Toda fora, toda energia, qualquer que ela seja, vontade de potncia, no mundo orgnico (pulses, instintos, necessidades), no mundo psicolgico e moral (desejos, motivaes, ideais) e no mundo inorgnico ele mesmo, na medida em que a vida no mais que um caso particular de vontade de potncia.23

    H duas atitudes possveis em relao vida, a afirmao e a negao. A cada uma dessas atitudes corresponde um tipo humano. A cada tipo humano afirmador ou negador da vida corresponde uma vontade de potncia. Aparecem desde a origem, no seio da vontade de potncia, dois tipos de fora ou de vida: a fora ativa e a fora reativa, a vida ascendente e a vida decadente.24 A cada um destes tipos de fora ou de vida correspondem tipos humanos. Os tipos de vontade de potncia tm tipos distintos de fora, ou de vida, desde a sua origem, que tambm podem ser ditos ou fortes, ou fracos.

    Forte ser a vontade capaz de harmonizar suas prprias foras, nelas mesmas divergentes, de dominar seu constante desenvolvimento. ....

    22 Livre traduo de: La volont qui est Volont de Puissance rpond originairement son impratif interne: tre plus (est grifado no original). Haar, Michel. Nietzsche et la mtaphysique, p. 27. 23 Livre traduo de: Toute force, toute nergie, quelle quelle soit, est Volont de Puissance, dans le monde organique (pulsions, instincts, besoins), dans le monde psychologique et moral (dsirs, motivations, idaux) et dans le monde inorganique lui-mme, dans la mesure o la vie nest quun cas particulier de la Volont de Puissance. Haar, Michel. Nietzsche et la mtaphysique, p. 27. A frase escrita entre aspas referida por Haar como sendo o pargrafo 692, de Wille zur Macht, Krners Taschenausgabe, Alfred Krner Stuttgart, 1956. 24 Livre traduo de: apparaissent ds lorigine, au sein de la Volont de Puissance, deux types de force ou de vie: la force active et la force ractive, la vie ascendente et la vie dcadente (est grifado no original). Haar, Michel. Nietzsche et la mtaphysique, p. 27.

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    Fraca ser, ao contrrio, a vontade incapaz de suportar esta tarefa e que procurar uma soluo na eliminao ou na rejeio de certas foras.25

    A vontade de potncia como indeterminao primordial corresponde ao caos.26 Vontades fracas caracterizam tipos humanos negadores da vida. Vontades fortes caracterizam tipos humanos afirmadores da vida. O mtodo genealgico revela o tipo de vontade de potncia, e desse modo, seu tipo humano correspondente. Os sintomas so manifestaes externas da vontade de potncia que permitem identificar qual tipo humano predomina. 2.2. A vontade como um sintoma A maneira de trabalhar com filosofia, ou de filosofar, tomada por Nietzsche como um sintoma. O que fizeram os filsofos que o precederam passa a ser objeto de investigao. Nietzsche no discuti sobre o contedo dos conceitos, mas sobre o discutir sobre o contedo dos conceitos, e o mtodo genealgico o modo de realizar essa investigao, que consiste em perceber o tipo de vontade a partir dos sintomas apresentados.

    O mtodo consiste no seguinte: relacionar um conceito vontade de potncia, para localizar o sintoma de uma vontade sem a qual ele no poderia sequer ser pensado (nem o sentimento experimentado, nem a ao empreendida). .... O que uma vontade quer, eis o contedo latente da coisa correspondente.27

    25 Livre traduo de: Forte sera la volont capable dharmoniser ses propres forces, en elles-mmes divergentes, de dominer leur constant dveloppement. .... Faible sera au contraire la volont incapable de supporter cette tche et qui cherchera une solution dans llimination ou le refoulement de certaines forces. Haar, Michel. Nietzsche et la mtaphysique, p. 28-29. 26 Conforme Michel Haar em Nietzsche et la mtaphysique, p. 28. 27 Livre traduo de: La mthode consiste em ceci: rapporter un concept la volont de puissance, pour en fair le symptme dune volont sans laquelle il ne pourrait mme pas tre pense (ni le sentiment prouv, ni laction entreprise). .... Ce que veut une volont, voil le contenu latent de la chose correspondante. Deleuze, Gilles. Nietzsche et la philosophie, p. 89.

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    Ao ler as obras de filosofia como uma descrio que um filsofo apresenta de si mesmo, e no do mundo, Nietzsche identifica o tipo humano de quem as escreveu. Os tipos humanos se distinguem pelo modo como agem e pelo que necessitam. Por isso, Nietzsche compara o seu investigar filosfico ao trabalho de um mdico. O mdico pergunta ao paciente o que ele sente, quando sente, ou seja, realiza uma anamnese para identificar qual doena o acometeu. Os pacientes de Nietzsche so filsofos que independente de sua vontade so analisados. As respostas de uma anamnese imaginria esto dadas nas obras destes filsofos e no modo como agiram no mundo. O modo de pensar e de agir so os sintomas que permitem a Nietzsche identificar o tipo humano a que correspondem.28 Dannhauser mais radical na sua avaliao da funo do filsofo como um mdico ao defender que a prpria existncia de filsofos j sintoma de uma sociedade doente, ou seja, a sociedade s precisa produzir quem a cure se antes ela produziu sua prpria doena. Ao comentar as Consideraes Intempestivas, afirma que Nietzsche atua como o mdico da cultura que diagnostica as doenas do seu tempo e procura uma cura29.Um pouco antes afirma que em O nascimento da tragdia e em outros escritos deste perodo, de acordo com Nietzsche, o filsofo no afeta apenas a cultura de seu tempo; ele tambm a reflete. Uma cultura doente produzir uma filosofia doente que aumenta a doena da cultura.... Uma cultura saudvel no ter filosofia para falar sobre....30

    28 Ressalta-se que, se no trato mdico, uma doena corresponde a algo negativo, para Nietzsche os tipos humanos no correspondem a formas necessariamente corrompidas. 29 Livre traduo de: Nietzsche acts as the physician of culture who diagnoses the ills of his time and searches for a cure. Dannhauser, Werner. Nietzsches view of Socrates, p. 140. 30 Livre traduo de: According to Nietzsche, the philosopher not only affects the culture of his time; he also reflect it. A sick culture may produce sick philosophy that increases the sicknes of the culture .... A healthy culture may have no philosophy at all to speak of.... Dannhauser, Werner. Nietzsches view of Socrates, p. 129-130. Em O livro do filsofo, no texto de 1873 intitulado O filsofo como

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    Resumindo, o mtodo genealgico indaga sobre a motivao para idias e aes. Os motivos tm como origem a vontade humana e so analisados como sintomas. A anlise permite a identificao de grupos com vontades semelhantes e de sintomas que correspondem a esses grupos. O nome dado por Nietzsche a esses grupos tipo, por serem grupos humanos, tipos humanos. A tipologia nietzscheana analisa as idias e as aes humanas e as classifica de acordo com o juzo de valor que fazem sobre a vida. O critrio de julgamento para determinar o tipo humano a vida. O lugar em que tem sentido discutir esta tipologia, o lugar em que se vive, ou seja, a realidade efetiva. Apresentadas a descrio nietzscheana da dialtica socrtica e a descrio da genealogia nietzscheana, passa-se crtica de Nietzsche ao mtodo dialtico socrtico. 3. A crtica de Nietzsche ao mtodo socrtico de investigao A crtica de Nietzsche ao mtodo de Scrates parte da seguinte questo: Quanta verdade suporta, quanta verdade ousa um esprito? Cada vez mais tornou-se isto para mim a verdadeira medida de valor.31 (EH, prlogo, 3). A dialtica, especialmente a dialtica socrtica, no suporta a verdade, ela cria a verdade. Por isso, vejo [eu, Nietzsche] a dialtica como sintoma de dcadence, por exemplo no mais famoso dos casos: o caso de Scrates.32 (EH,

    mdico da civilizao, Nietzsche afirma ser a medicina necessria porque h doenas, se no existissem doenas no haveria nenhum ramo do conhecimento que as estudasse, no haveria conseqentemente os que aplicam praticamente este conhecimento, ou seja, os mdicos. Do mesmo modo, apenas quando uma civilizao tem alguma doena ela precisa de filsofos como mdicos. Seguir nessa discusso, porm, implica discutir sobre a funo da filosofia em uma sociedade, o que no se faz neste artigo. 31 No original alemo: Wie viel Wahrheit ertrgt, wie viel Wahrheit wagt ein Geist? das wurde fr mich immer mehr der eigentliche Werthmesser. (KSA, v. 6, p. 259). 32 No original alemo: Meine Leser wissen vielleicht, in wie fern ich Dialektik als Dcadence-Sympton betrachte, zum Beispeil im allerberhmtesten Fall: im Fall des Sokrates. (KSA, v. 6, p. 265).

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    Por que sou to sbio, 1). Destacam-se dois pontos: a suportabilidade da verdade e a decadncia de Scrates. Nietzsche no afirma no haver uma verdade, tampouco no haver critrios de avaliao do que os seres humanos fazem. Nietzsche avalia diferentemente o que a verdade, bem como as aes humanas.33 A verdade um dos critrios para identificar um tipo humano. Verdade neste sentido no se refere a uma crena inquestionvel, mas ao que considerado verdadeiro por algum, ou seja, ao que se cr ser verdadeiro. Para estimar o que vale um tipo de ser humano34 preciso calcular o preo de sua conservao preciso conhecer as condies para a sua existncia. A condio da existncia dos bons a mentira.35 (EH, Por que sou um destino, 4). Mentira no significa apenas um engano deliberado, mas tambm uma iluso dos sentidos. Verdade no significa apenas uma afirmao com validade universal, mas tambm o que considerado verdadeiro por algum. Por este critrio, o grau de mentira necessrio para sobreviver e o quanto de verdade suportvel indicam quo decadente o tipo. A verdade anunciada por Nietzsche insuportvel para muitos. [A] verdade fala em mim. Mas a minha verdade terrvel: pois at agora chamou-se mentira verdade. .... Eu fui o primeiro a descobrir a verdade, ao sentir por inteiro a mentira como mentira....36 (EH, Por que sou um destino,

    33 A referncia a Scrates no indica a data do incio da decadncia, mas o que de exemplar aconteceu no pensamento grego que acarreta o enfraquecer. 34 Altera-se a traduo de Paulo Csar de Souza que usualmente traduz Mensch por homem e no por ser humano. 35 No original alemo: Um abzuschtzen, was ein Typus Mensch werth ist, muss man den Preis nachrechnen, den seine Erhaltung kostet, muss man seine Existenzbedingungen kennen. Die Existenz-Bedingung der Guten ist die Lge.... (KSA, v. 6, p. 368). 36 No original alemo: .... redet aus mir die Wahrheit. Aber meine Wahrheit ist fuchtbar: denn man hiess bisher die Lge Wahrheit. (...) Ich erst habe die Wahrheit entdeckt, dadurch dass ich zuerst die Lge als Lge empfand.... (KSA, v. 6, p. 365-366).

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    1).37 Entre as verdades descobertas por Nietzsche est o ser mentira das pretensas verdades filosficas que tomam a razo como meio necessrio e suficiente para resolver os problemas criados pela prpria razo e, aps a criao, toma-os como se fossem problemas que existissem desde sempre. A crtica dialtica socrtica e o ser Scrates o primeiro decadente decorre de ser ele o primeiro a apresentar a razo como a salvadora de dois problemas: o que se pode conhecer e como se pode conhecer. A maneira de conhecer socrtica baseia-se apenas na razo, elimina o conhecimento instintivo e toma a razo como a estabelecedora dos critrios racionais e dizer isso no ser redundante, pois a prpria razo que estabelece este tipo de critrio e o chama de racional com os quais possvel descobrir a verdade, ou seja, a avaliao das verdades obtidas pela racionalidade baseia-se em critrios que s a prpria razo pode cumprir.

    Dei a entender o que fez com que Scrates exercesse fascnio: ele parecia ser um mdico, um salvador. Faz-se ainda necessrio indicar o erro que repousava em sua crena na racionalidade a qualquer preo? Imaginar a possibilidade de escapar da dcadence atravs do estabelecimento de uma guerra contra ela j um modo de iludir a si mesmo criado pelos filsofos moralistas. O escape est alm de suas foras: o que eles escolhem como meio, como salvao, no seno uma nova expresso da dcadence. Eles transformam sua expresso, mas no a eliminam propriamente. Scrates foi um mal-entendido. .... A luz diurna mais cintilante, a racionalidade a qualquer preo, a vida luminosa, fria, precavida, consciente, sem instinto, em contraposio aos instintos no se mostrou efetivamente seno como uma doena, uma outra doena. Ela

    37 Ressalta-se que ao Nietzsche falar em sua verdade ele no est afirmando que cada um possa ter sua verdade e que desse modo no h mais critrio do que verdadeiro e do que falso e, portanto, a filosofia de Nietzsche eliminaria o conceito de verdadeiro, apesar de ainda restar a tola afirmao de que esta seria a nica verdade da sua filosofia (a verdade de que no h verdade). A crtica de que Nietzsche defende verdades pessoais e sem critrios de avaliao crtica igualmente tola. A sua verdade da qual Nietzsche fala a verdade que ele revela em sua obra, a verdade que os filsofos que o antecederam jogaram para baixo do tapete como quem quer eliminar o que incomoda sem saber, de fato, aonde coloc-lo. A verdade de Nietzsche a verdade que ele revela, no sua verdade pessoal.

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    no concretizou de forma nenhuma um retorno virtude, sade, felicidade... Os instintos precisam ser combatidos esta a frmula da dcadence. Enquanto a vida est em ascenso, a felicidade igual aos instintos.38 (CI, O problema de Scrates, 11)

    Nietzsche percebe estes artifcios racionais como criao de um esprito decadente, que busca argumentos racionais, razes que buscam posteriormente, para mascarar uma inspirao e apresent-la como deduo de modo a esconder a origem inspirada de seu pensar, diferena dos msticos de toda espcie, que so mais honestos e toscos falam de inspirao, eles [os filsofos] so todos advogados que no querem ser chamados assim, e na maioria defensores manhosos de seus preconceitos, que batizam de verdade39 (BM, 5). O tipo decadente utiliza a razo e racionalmente desvaloriza o que no lhe suportvel. Esse processo de se auto-enganar um dos principais alvos da crtica de Nietzsche, e Scrates identificado como o instaurador do novo mtodo de investigao, a dialtica, que fundamenta este processo. Nietzsche critica a dialtica socrtica porque ela foi criada por um tipo humano decadente. A dialtica socrtica e a decadncia

    38 No original alemo: Ich habe zu verstehn gegeben, womit Sokrates fascinirte: er schien ein Arzt, ein Heiland zu sein. Ist es nthig, noch den Irrthum aufzuzeigen, der in seinem Glauben an die Vernnftigkeit um jedem Preis lag? Es ist ein Selbstbetrug seitens der Philosophen und Moralisten, damit schon aus der dcadence herauszutreten, dass sie gegen dieselbe Krieg machen. Das Heraustreten steht ausserhalb ihrer Kraft: was sie als Mittel, als Rettung whlen, ist selbst nur wieder ein Ausdruck der dcadence sie verndern deren Ausdruck, sie schaffen sie selbst nicht weg. Sokrates war ein Missverstndniss .... Das grellste Tageslicht, die Vernnftigkeit um jeden Preis, das Leben hell, kalt, vorsichtig, bewusst, ohne Instinkt, im Widerstand gegen Instinkte war selbst nur eine Krankheit, eine andre Krankheit und durchaus kein Rckweg zur Tugend, zur Gesundheit, zum Glck... Die Instinkte bekmpfen mssen das ist die Formel fr dcadence: so lange das Leben aufsteigt, ist Glck gleich Instinkt. (KSA, v. 6, p. 72-73). 39 No original alemo: .... zum Unterschiede von den Mystikern jeden Rangs, die ehrlicher als sie und tlpelhafter sind diese reden von Inspiration.... sie sind allesammt Advokaten, welche es nicht heissen wollen, und zwar zumeist sogar verschmitzte Frsprecher ihrer Vorurtheile, die sie Wahrheiten taufen.... (KSA, v. 5, p. 19).

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    do esprito grego tm, segundo Nietzsche, ntima relao. Pode-se questionar se o grego decadente tornou-se dialtico, ou se, porque se tornou dialtico, seu esprito enfraqueceu. Em ambos os casos, o sintoma da decadncia est na pretenso de justificar atos, na necessidade de oferecer razes.

    Com Scrates, o paladar grego transforma-se em favor da dialtica: o que acontece a propriamente? Acima de tudo um gosto nobre que cai por terra. A plebe ascende com a dialtica. Antes de Scrates, recusavam-se as maneiras dialticas na boa sociedade: elas valiam como ms maneiras, elas eram comprometedoras. Se advertia a juventude contra elas. Tambm se desconfiava de todo aquele que apresentava suas razes de um tal modo. As coisas honestas, tal como as pessoas honestas, no servem suas razes assim com as mos. indecoroso mostrar os cinco dedos. O que precisa ser inicialmente provado tem pouco valor. Onde quer que a autoridade ainda pertena aos bons costumes, onde quer que no se fundamente, mas sim ordene, o dialtico aparece como uma espcie de palhao: ri-se dele, mas no se o leva a srio. Scrates foi o palhao que se fez levar a srio: o que aconteceu a propriamente?40 (CI, O problema de Scrates, 5)

    Com Scrates inicia uma mudana significativa no modo de pensar da humanidade. A partir de Scrates o ser humano se torna decadente. Contudo, Nietzsche no afirma que Scrates torna a humanidade decadente. Nietzsche considera Scrates um sintoma da

    40 No original alemo: Mit Sokrates schlgt der griechische Geschmack zu Gunsten der Dialektik um: was geschieht da eingentlich? Vor Allem wird damit ein vornehmer Geschmack besiegt; der Pbel kommt mit der Dialektik obenauf. Vor Sokrates lehnte man in der guten Gesellschaft die dialektischen Manieren ab: sie galten als schlechte Manieren, sie stellten bloss. Man warnte die Jugend vor ihnen. Auch misstraute man allem solchen Prsentiren seiner Grnde. Honnette Dinge tragen, wie honnette Menschen, ihre Grnde nicht so in der Hand. Es ist unanstndig, alle fnf Finger zeigen. Was sich erst beweisen lassen muss, ist wenig werth. berall, wo noch die Autoritt zur guten Sitte gehrt, wo man nicht begrndet, sondern befiehlt, ist der Dialektiker eine Art Hanswurst: man lacht ber ihn, man nimmt ihn nicht ernst. Sokrates war der Hanswurst, der sich ernst nehmen machte: was geschah da eigentlich? (KSA, v. 6, p. 69-70).

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    decadncia41 e o mtodo de investigao socrtico, caracterizado pela necessidade de oferecer razes, revela um tipo humano enfraquecido. Ao criticar o tipo humano socrtico e mostrar o que h de decadente nele, Nietzsche critica as crenas que compartilham os seres humanos que pertencem a este tipo. Uma dessas crenas a crena na moralidade, iniciada com o pensamento socrtico e que tem sua fundamentao metafsica desenvolvida por Plato. A etapa seguinte da discusso acerca da crtica de Nietzsche a Scrates tem como ponto fundamental a crtica moralidade socrtica, decorrente do mtodo de investigao desenvolvido e utilizado por Scrates. Ao pretender pensar dialeticamente conceitos como bom, justo, Scrates funda a crena em uma moralidade que pode ser conhecida pela razo e com isso inicia uma parte importante do que se faz em filosofia. Referncias bibliogrficas DANNHAUSER, Werner J. Nietzsches view of Socrates. Ithaca;

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    41 Conforme Werner Dannhauser, I do not mean to suggest that according to Nietzsche Socrates is the sole cause for the decline of Greece. At times Nietzsche thinks of Socrates as the symptom rather than the cause of Greek decline. Nietzsches view of Socrates, p. 138-139.

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