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1 DIAGNÓSTICO SOCIOAMBIENTAL NO LAGO JANAUACÁ - AM: UMA ANÁLISE PARCIAL NA COMUNIDADE DO SÃO JOÃO DO CAAPIRANGA Maria Helena Carvalho Mourão [email protected] Manuel de Jesus Masulo da Cruz [email protected] Resumo Este artigo aborda as mais diversas formas de produção desse espaço, em especial as macroterritorialidades da produção agrícola, como se produz e reproduz nessa localidade as mais diversas formas de ocupação e uso, os conflitos que essa divisão territorial proporciona nesta localidade, mas especificamente entre a pesca e a produção agrícola. Dar-se-á ênfase a produção de goma e a interferência da fécula do Estado do Paraná na produção local. Mostrar como esta produção camponesa resiste a essas interferências e qual a funcionalidade e os motivos das casas de goma estar no lago. Palavras-Chave: Territorialidade. Agricultura. Pesca. Casa de goma. Introdução Entende-se que na Comunidade São João do Caapiranga, situada no Lago Janauacá, as territorialidades estão relacionadas à dinâmica e as relações de produção agropastoril, como unidade territorial de agricultores e pescadores, sendo esta divisão visível pela percepção dos moradores e recentemente pela legislação do Estado. Este espaço é subdividido pelas formas de uso e as relações de produção são os reflexos dos limites estabelecidos nas comunidades. A territorialidade funciona como fator de identificação, defesa, força, laços solidários e de ajuda mútua. Informam um conjunto de regras firmadas sobre uma base física considerada comum, essencial e inalienável, não obstante disposições sucessórias porventura existentes. As diversas relações de produção agrícolas ajudam a explicar esse espaço de produção e reprodução, à medida que o capital interfere nas relações de produção camponesa de suma importância para se entender que a produção campesina no estado do Amazonas tende a se fortalecer com a monopolização do território pelo capital. Essas relações, em especial a produção da fécula 1 (goma), no Lago Janauacá e como esse produto resiste à entrada da fécula do Estado do Paraná produzida em grande escala e com preço mais acessível, é uma proposta de análise desse trabalho. Assim,

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DIAGNÓSTICO SOCIOAMBIENTAL NO LAGO JANAUACÁ - AM: UMA ANÁLISE PARCIAL NA COMUNIDADE DO SÃO JOÃO DO CAAPIRANGA

Maria Helena Carvalho Mourão [email protected]

Manuel de Jesus Masulo da Cruz

[email protected]

Resumo Este artigo aborda as mais diversas formas de produção desse espaço, em especial as macroterritorialidades da produção agrícola, como se produz e reproduz nessa localidade as mais diversas formas de ocupação e uso, os conflitos que essa divisão territorial proporciona nesta localidade, mas especificamente entre a pesca e a produção agrícola. Dar-se-á ênfase a produção de goma e a interferência da fécula do Estado do Paraná na produção local. Mostrar como esta produção camponesa resiste a essas interferências e qual a funcionalidade e os motivos das casas de goma estar no lago. Palavras-Chave: Territorialidade. Agricultura. Pesca. Casa de goma. Introdução Entende-se que na Comunidade São João do Caapiranga, situada no Lago Janauacá, as

territorialidades estão relacionadas à dinâmica e as relações de produção agropastoril,

como unidade territorial de agricultores e pescadores, sendo esta divisão visível pela

percepção dos moradores e recentemente pela legislação do Estado. Este espaço é

subdividido pelas formas de uso e as relações de produção são os reflexos dos limites

estabelecidos nas comunidades. A territorialidade funciona como fator de identificação,

defesa, força, laços solidários e de ajuda mútua. Informam um conjunto de regras

firmadas sobre uma base física considerada comum, essencial e inalienável, não

obstante disposições sucessórias porventura existentes.

As diversas relações de produção agrícolas ajudam a explicar esse espaço de produção e

reprodução, à medida que o capital interfere nas relações de produção camponesa de

suma importância para se entender que a produção campesina no estado do Amazonas

tende a se fortalecer com a monopolização do território pelo capital.

Essas relações, em especial a produção da fécula1 (goma), no Lago Janauacá e como

esse produto resiste à entrada da fécula do Estado do Paraná produzida em grande

escala e com preço mais acessível, é uma proposta de análise desse trabalho. Assim,

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será enfocada toda a etapa de produção da goma, bem como suas relações de produção

dentro e fora da família. O interesse em perceber como se organiza esse espaço de

produção e como ele resiste e se fortalece com a entrada de produtos industrializados

de outros estados.

A partir destas analises fez-se um diagnóstico socioambiental e econômico apriori com

alguns moradores da localidade do Caapiranga para tentar perceber os problemas desta

comunidade e posterior proposta de resolução.

A região do Lago Janauacá situa-se entre dois municípios: Careiro e Manaquiri ambos

no Estado do Amazonas (figura 1).

Figura 1- Imagem de satélite do Lago Janauacá

Fonte: Google earth, 2011

O lago encontra-se a margem direita do rio Solimões por um canal natural, o Paraná2

do Janauacá com extensão de aproximadamente 7 km2 e sua profundidade varia

conforme o regime das águas do rio. Sua dinâmica fluvial é extremamente irregular

margeado na região sul por terra firme, formando uma área de igapó nas épocas de

cheia e, ao norte, por uma restinga3.

Este lago localiza-se, entre as coordenadas a 60◦ 07’ a 60◦ 27’ Longitude Oeste e 3◦ 14’

a 3◦ 37’ Latitude Sul. Pertence a mesorregião Centro Amazonense (n◦ 03) e a

microrregião de Manaus (n◦ 07) na classificação do IBGE. Está situado, segundo as

unidades cronoestratigráficas, em depósitos da era Cenozóica, do período Terciário-

Quaternário, da época plio-plestocênica, entre colinas da unidade litoestratigráfica da

formação Solimões. (Radambrasil apud BORGES, p.18)

Os dados coletados foram frutos de conversas informais e entrevistas semi-estruturadas

e reunião com alguns moradores da localidade do Janauacá em especial: São João do

Caapiranga, no mês de novembro de 2011. Nestas entrevistas foram abordados alguns

questionamentos como: tipo de produção, para onde são vendidos os produtos entre

outros, visando fazer um diagnóstico parcial da realidade desta localidade com o

intuito de formatar uma análise socioambiental e participativa dos moradores quanto a

potencialidade agrícola.

Pode-se constatar que a maioria dos moradores está na faixa de idade entre 0 e 14 anos

(52%) e 14 a 60 (46%), sendo a segunda faixa a principal força de trabalho. Quanto ao

gênero predomina o sexo masculino, mas pode-se constatar a presença das mulheres na

produção a partir do momento que a fécula chega à casa de goma (gráfico 1).

Gráfico 1 – Gênero dos moradores Gráfico 2 – Dados da propriedade

Fonte: Pesquisa de campo, 2011. Fonte: Pesquisa de campo, 2011.

Nas entrevistas constatou-se que 40% dos terrenos foram comprados por seus atuais

proprietários e 60% dos moradores são posseiros (gráfico 2). Nota-se nas culturas

temporarias que 56% destina-se a produção de mandioca. Essa produção aparece com

maior percentual, pois é matéria prima para confecção da fécula (gráfico 3).

Gráfico 3 – Culturas temporarias Gráfico 4 – Culturas perenes

Fonte: Pesquisa de campo, 2011 Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Notou-se em menor escala para a produção do consumo na família o cupuaçu (40%); o

restante (20%),entre elas manga, açai e banana (gráfico 4) e, alguns animais (33%),

com destaque para os bovinos e galináceos (gráfico 5).

Gráfico 5 – Criação de animais. Gráfico 6 – Quantidade da produção de

fécula e outras culturas.

Fonte: Pesquisa de campo, 2011 Fonte: Pesquisa de campo, 2011

No gráfico 6 percebe-se que no Lago Janauacá o predominio é da produção de fécula

(56%) e o restante de farinha de mandioca e tapioca (44%). Na produção pesqueira

constatou-se que as espécies mais capturadas são o curimatã (50%), jaraqui e tucunaré

com (25%) (grafico 7).

Gráfico 7 – Tipos de peixes comercializados Gráfico 8 – Modo de produção

Fonte: Pesquisa de campo, 2011. Fonte: Pesquisa de campo, 2011

No que se refere ao modo de produção no Lago Janauacá constatou-se que a família

produz 83%; 17% é produzido em parceria ou com pagamento de diária quando a

família não consegue dar conta da produção (gráfico 8).

Espaço de produção e diferentes formas de uso Entende-se que no Lago Janauacá a dinâmica e as relações de produção são bem

delimitadas, como unidade territorial de agricultores e pescadores, sendo esta divisão

visível mais pela percepção cultural dos moradores e recentemente pela legislação do

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Estado. Este espaço é subdividido pelas formas de uso e as relações de produção são os

reflexos dos limites estabelecidos nas comunidades.

A localidade objeto da pesquisa foi a São João do Caapiranga, na perspectiva de

compreender como se estabelecem de forma articulada e complexa os espaços de

produção. Outro fator importante a destacar, é que as diferentes formas de produção se

complementam e dão subsidio para a reprodução do mesmo.

Na localidade do Caapiranga (situada dentro do grande lago Janauacá) constatou-se o

predomínio da produção de goma (fig. 2), que se dá de várias formas até chegar no

local de fabricação. A plantação da mandioca pode ser realizada pela família ou por

outro produtor. No segundo caso, ocorre quando o produtor não tem os utensílios para

a confecção do produto, ele vende sua produção para o dono da casa de goma, que por

sua vez pode extrair a mandioca e levá-la até á fábrica pelos familiares ou pagar um

diarista para fazer esse trabalho. Segundo BORGES (2002) o cultivo é feito em

diferentes ambientes, alguns produtores cultivam a mandioca em terra firme, outros em

área de várzea e outros não cultivam, comprando a quadra ou plantação de agricultores

que apenas plantam e vendem sem transformar a matéria-prima em farinha ou goma.

Figura 2: Casa de goma na comunidade Caapiranga no Lago Janauacá

Fonte: Pesquisa de campo, 2008.

No entanto, mesmo o produtor não tendo a casa de goma ele pode arrendar um local

para efetuar sua produção pagando a diária com o produto ou em dinheiro. É

importante considerar que a casa de goma e/ou de farinha localiza-se dentro do lago.

Segundo relato dos moradores isso propicia a diminuição de força de trabalho assim

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como viabiliza maior mobilidade de transporte e posterior comercialização da

produção.

A comercialização da produção de goma é praticada de dois modos distintos. Pode ser

vendida pelo próprio produtor, que transporta e comercializa diretamente nas feiras e,

de forma indireta, revendendo para outro agricultor, neste caso, o Sr. Aldenor (nome

fictício), proprietário de uma pequena embarcação que complementa sua renda

comprando de outros produtores e revendendo nas feiras, figurando como produtor e

atravessador ao mesmo tempo. A função dele é muito importante para o escoamento da

produção, pois a maioria dos produtores não tem como transportar a goma até as feiras

próximas. Desta forma diminui os custos com transporte e aumenta o retorno da renda.

Essa relação de venda e escoamento da produção é complexa permitindo analisar todo

um processo de extração da renda da terra e apropriação desta pelo capital, tanto pelo

transportador como pelo comprador do produto. [...] a renda da terra também tem a sua dimensão oculta; por isso não posso entendê-la [...] se não vejo que a terra, através do proprietário, cobra no capitalismo renda da sociedade inteira, renda que nem mesmo é produzida direta e exclusivamente na sua terra, que sai do trabalho dos trabalhadores do campo e da cidade, que entra e sai do bolso do capitalista, que é paga por todos e não é paga por ninguém e que, em última instância, é uma parte do trabalho expropriado de todos os trabalhadores desta mesma sociedade. (MARTINS apud PAULINO 2006, p.31).

Neste procedimento as relações de comercialização deste lago compõem um reflexo de

monopolização do território dos espaços de produção e ao mesmo tempo a

compreensão da produção camponesa inserida nesse processo. É com a monopolização do território que é assegurada a transferência dessa renda a setores capitalistas, momento em que é convertida em capital, o que explicita a lógica contraditória do modo capitalista de produção, cuja expansão “além de redefinir antigas relações, subordinando-as à sua produção, engendra relações não capitalistas igual e contraditoriamente necessárias à sua reprodução. (PAULINO, apud Martins, 2006. p. 30)

No caso em questão, a renda da terra é gerada pelo trabalho familiar e está contida nos

produtos que os camponeses colocam no mercado. Vimos que interessa aos

capitalistas, nos casos em que tais produtos se constituem matéria-prima para a

indústria, ou simplesmente ao intermediarem a relação entre produtor e consumidor

final, se apropriar da renda da terra. Sabendo-se que apenas o trabalho é capaz de criar

valor, os capitalistas dele se apropriam ao comprar a produção camponesa a um preço

inferior ao valor trabalho nela contido. (PAULINO 2006, p.110).

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As relações de cada forma de produção tanto na agricultura (em especial a produção da

fécula) quanto no pescado são ao mesmo tempo conflituosas e convergentes, pois

propiciam um equilíbrio de sustentabilidade interna do lago, possibilitando manter-se

inserida no mercado em qualquer período do ano. Isso justifica de certa forma, a

resistência a produtos industrializados, como a fécula do Estado do Paraná, pois a

sustentabilidade do camponês não se produz nas relações de mercado, mas na

reprodução interna da produção como renda extra e na venda de seus produtos no

mercado, principalmente voltada para manutenção da família e na diversificação dos

produtos comercializados.

A diversificação da produção é uma maneira de se proteger das formas predatórias de

extração de renda, perpetradas por diferentes agentes do capital. Assim, quanto maior

for à variedade de cultivos, criação e demais atividades afeitas, menor a

vulnerabilidade e maior a possibilidade de os camponeses se apropriarem da renda

gerada internamente. Combinado a isso, um caminho possível de apropriação máxima

da renda se define pela eliminação dos intermediários na comercialização da produção.

(PAULINO 2006, p.112)

Perceber essas territorialidades de produção no Lago Janauacá é compreender a

dinâmica da produção camponesa frente ao capital e revelar a força contraditória nas

relações de mercado e o potencial de reprodução e resistência deste lugar.

A casa de goma e a produção familiar A casa de goma como unidade de produção tem relações complexas desde a extração

da mandioca até chegar no local de confecção da fécula. Essas relações estão

arraigadas na produção familiar camponesa e no trabalho temporário, como se fossem

a única forma de resistência e autonomia produtiva desse espaço de produção.

Cada produtor vai retirar a mandioca cultivada juntamente com seus familiares ou

pagará um diarista para retirar sua produção. Este trabalho fora da família dar-se-á por

meio de diárias, paga em torno de R$10,00 a R$ 15,00 reais.

A diária tem metas a cumprir, cada diarista fica com a tarefa de produzir um “quadro”,

ou seja, durante o dia de trabalho ele tem que arrancar seis paneiros4 de mandioca,

colocar de molho e pisotear/amassar e carregar até a casa de goma, ao fim deste

processo o objetivo cumprido. Esse processo de produção é chamado de tarefa.

Quanto à produção de fécula, pode-se perceber a predominância do trabalho da família

(fig. 4) e a casa de fécula pode ser utilizada por outros produtores que não a possuem,

por meio do pagamento de diárias.

Figura 4. Processo de produção camponesa de farinha na localidade do Caapiranga

Fonte: Pesquisa campo, 2011

Quando o dono da casa de goma compra do produtor de mandioca a sua produção, na

maioria dos casos, ele contrata um diarista para extrair a mandioca e levar até a casa de

confecção. No entanto, se não for confeccionado a fécula pelos membros da família, o

dono da casa de goma pagará outro diarista para produzir uma tarefa de mandioca

transformada em goma no final do dia. A principal produção no Lago Janauacá é de

fécula, mas se produz farinha e o tucupi5, sendo este muito utilizado como molho nos

alimentos, acompanhado principalmente com peixe.

A produção de goma e seus derivados são comercializados principalmente em Manaus

na feira da Manaus Moderna. Essa diversificação de produtos é típica da produção

camponesa, pois desta forma a produção de fécula e seus derivados no Lago Janauacá

está inserida no mercado de forma desorganizada e ao mesmo tempo articulada,

propiciando certo fortalecimento nas relações com o mercado.

Isso de certa forma justifica a autonomia produtiva camponesa e suas relações

complexas de produção, e posterior divisão de ganhos e perdas da produção, conforme

Oliveira: Já no segundo mecanismo, quando monopoliza o território, o capital cria, recria, redefine relações camponesas de produção familiar. Abre espaço

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para que a economia camponesa se desenvolva e com ela o campesinato como classe social. O campo continua povoado, e a população rural pode até se expandir. Nesse caso, o desenvolvimento do campo camponês pode possibilitar, simultaneamente, a distribuição da riqueza na área rural e nas cidades, que nem sempre são grandes. (OLIVEIRA, 2004, p.42).

Essas relações de produção se constroem e perpetuam para as gerações futuras,

alimentando as formas impares da produção camponesa com todos os obstáculos

impostos pelo capital. Manter essas relações de produção não perdendo sua autonomia

e diversidade junto ao mercado é um desafio para o futuro da produção camponesa.

Interferência de produtos industrializados na produção local A fécula no Estado do Amazonas é produzida na sua totalidade pelos camponeses, tendo

como principal produtor, conforme SEBRAE (1996), o lago do Janauacá que está

localizado em parte no município do Careiro e no município de Manaquiri (figura 1).

A produção de goma no lago, só teve destaque quando a produção de farinha entrou

em declínio em meados da década de 1980, devido à inserção no mercado de produtos

industrializados provenientes de outras localidades e a preços competitivos. Desde

então, a fécula ganhou espaço no Lago Janauacá, sendo, a maior parte da produção

vendida em Manaus. Ela destina-se para a venda no varejo e no atacado, em especial

para ambulantes que vendem café da manhã nas ruas de Manaus.

A caixa de goma comercializada nas feiras alcançou o valor de até R$ 80,00 reais. A

partir do final da década de 1990, a venda de fécula vem decaindo e atualmente a

caixa de goma é (re) vendida em torno de 40,00 reais. O motivo desta queda nos

preços é a entrada no mercado amazonense da fécula do Estado do Paraná que é

produzida em grande escala através de cooperativas. O preço deste produto varia de

R$17,00 a R$ 25,00 reais a saca, duas vezes mais barato que a fécula produzida no

lago, possibilitando uma queda expressiva na produção e conseqüentemente a perda de

parte do mercado deste produto.

No entanto, a fécula do Estado do Paraná tem baixa qualidade para os tapioqueiros do

Estado do Amazonas, por possuir uma liga menos densa (a massa de fécula agregada à

água dá uma consistência na hora do preparo do produto), uma especialidade que só a

goma produzida no Lago Janauacá tem e é à base da qualidade na produção de tapiocas

nas barracas de café da manhã. Proporcionando um mercado exclusivo para a fécula

produzida no lago.

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Segundo entrevista com o Sr. José, morador do Caapiranga, com o preço da goma em

queda, ele procurou novas alternativas para se manter da produção de goma. Assim,

volta sua produção para a elaboração de novos produtos, como a fabricação de uma

massa derivada no processo de produção da goma, usada na preparação do bolo

regional conhecido como “pé de moleque” ou “bolo puba”.

Nota-se que os camponeses devido a sua diversidade na elaboração de produção, têm

forte equilíbrio de auto-sustentabilidade quando o capital interfere na sua produção,

desta maneira, consegue se adaptar a novas formas ou brechas que o mercado deixa

para continuar produzindo, reconstruindo e fortalecendo-se no mercado.

As populações ribeirinhas parecem estar fazendo mais do que apenas se acomodando às demandas prevalecentes. Essas pessoas são capazes não apenas de se acomodar aos mercados flutuantes, mas também de se organizar e se reproduzir nas novas condições encontradas a cada vez. Assim, desenvolvem uma capacidade de abraçar a mudança a cada nova fase, sem que isto resulte no fim do seu modo de vida corrente. Ao contrario, sua abertura econômica (isto é, sua capacidade de lidar com mudanças rápidas) satisfaz seu potencial reprodutivo muitíssimo bem, uma vez que essa economia agrária é suficientemente resiliente para se expandir nas épocas de relativa estagnação do mercado.....(ADAMS et al, 2006)

Na Vila do Samaúma, por meio de uma conversa informal com o Sr. José, conhecido

como “delegado”, ele relatou que o Governo do Estado através do IDAAM tentou

instalar uma cooperativa em 2007 com a intenção de fazer concorrência à entrada da

fécula produzida no Estado do Paraná. Esta cooperativa foi inviabilizada por que os

produtores têm dificuldade de transportar a sua produção até a cooperativa. Outro

motivo apontado é a desorganização por parte do Estado no gerenciamento do produto

na cooperativa, na qual cada produtor teria um dia reservado para sua produção.

Destaca-se também, a ineficiência por parte do Estado, no planejamento e

comercialização do produto gerado na cooperativa. Um dos pontos importantes nesse

tipo de cooperativa são as ações de políticas imediatistas em consonância com a perda

da autonomia da produção camponesa, justificativas possíveis para o não êxito da

cooperativa.

Conforme ALTIERI (2000), alguns produtos produzidos pelos camponeses tem

dificuldade de venda no mercado em grande escala, devido o valor agregado ao

produto em concorrência a produtos industrializados que são mais baratos. Todas essas

relações de produção e reprodução camponesa têm características ímpares e o estado

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com os Institutos de Pesquisa tem que fomentar novas estratégias para inserir essa

produção no mercado e propiciar uma melhor qualidade de vida aos camponeses.

Análise e diagnóstico sócio-participativo Este artigo teve por objetivo fazer um diagnóstico sucinto na comunidade de São João

do Caapiranga. Foram feitos contatos com os moradores com a finalidade de organizar

uma reunião, mas o retorno dos comunitários não foi o esperado, apenas algumas

compareceram (mais precisamente 15 moradores).

Conforme Brandão a participação popular é um dos sustentáculos principais em uma

pesquisa comprometida com as pessoas para resolução de seus problemas. Claro o

conhecimento cientifico entra nesta proposta não neutro as ações a serem tomadas,

mas com muita cautela na apropriação dos métodos que vão ser implantados na

realidade criando no espaço real metodologias que possam suprir as necessidades de

cada lugar.

Nesta reunião foram discutidos alguns problemas enfrentados por esta localidade.

Entrada da fécula do Paraná;

Transporte da produção;

Desorganização no gerenciamento da produção pelo Estado/

Cooperativa proposta pelo IDAAM;

Decisão exterior aos problemas dos moradores/ Acordo da pesca;

Produção da goma no lago.

Após os problemas apresentados algumas alternativas de resolução proposta pelos

comunitários foram discutidas nesta reunião. Permitindo desta forma a ação direta dos

moradores na proposição de resolução dos problemas existentes na comunidade.

Desta forma segundo Thiollent a pesquisa-ação é mais flexível na compreensão e na

aplicabilidade dos meios de investigação concreta e condizente com a realidade

desses grupos, sem deixar de lado as exigências cientificas como critério e respaldo

para se afirmar quanto método de pesquisa, não tendo que desta forma se vincular a

modelos padronizados de pesquisa sem levar em consideração as peculiaridades de

cada comunidade.

A metodologia tem papel fundamental na apropriação desta técnica a pesquisa-ação,

pois, está permitira aos pesquisadores alguns esclarecimentos em cada decisão

tomada por meio de princípios da cientificidade quando o empirismo estiver

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caminhando para a explicação dele mesmo, ou seja, a incapacidade explicativa das

soluções pelo senso popular (THIOLLENT p.25, 2004).

Alguns critérios foram estabelecidos à medida que transcorriam os debates sobre os

pontos fortes e fracos desta localidade utilizado para tal a metodologia de análise de

ambiência – FOFA para este diagnóstico socioambiental.

Área ambiental

Pontos Fortes Pontos Fracos Oportunidades Ameaças

Diversidade de

recursos naturais:

lago, fauna e flora

Produção

de goma

dentro do

lago

Turismo

ecológico e

confecção

Contaminaçã

o do lago por

resíduos

tóxicos

Área de Infra-estrutura

Pontos Fortes Pontos Fracos Oportunidades Ameaças

A produção é

transportada

pelo

atravessador da

localidade

Escoamento da

produção sem

incentivo por

parte do Estado

Subsídios no

transporte da

produção e

compra de

parte da

produção pelo

Estado

Atravess

ador de

fora da

localida

de

Área Econômica

Pontos Fortes Pontos Fracos Oportunidades Ameaças

Diversidade da

produção

Autonomia da

produção

Diminuição da

força de trabalho

Pesca e agricultura

- equilíbrio da

Desorganizaç

ão no

gerenciament

o da

cooperativa –

IDAAM

Acordo de

pesca/

Cooperativa

formulada

pelos

moradores

Parte da

produção

requerida pelo

estado direto

Entrada da

fécula do

Paraná

Políticas

públicas

aplicadas

erroneamente

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sustentabilidade decisão

vertical

da cooperativa

Cenário desejável

Área ambiental

Dinamizar o máximo os recursos naturais do lugar através do turismo ecológico e

rural, mostrando apartir da realidade dos moradores os prejuízos que os resíduos

produzidos pela fécula lançados no lago e possíveis alternativas de utilização deste

líquido.

Área infra-estrutura

Incentivar a mínima base de transporte fluvial pelo Estado com intuito de aumentar a

renda dos agricultores em todos os períodos do ano.

Área econômica

Proporcionar uma cooperativa pensada pelos moradores com a dinâmica de produção

do lugar e incentivar a compra de parte da produção pelo Estado. Instituir políticas

públicas condizentes com a realidade do lugar.

Considerações finais Este trabalho tem como base a pesquisa participativa, onde foi possível identificar os

problemas enfrentados pelos moradores da localidade São João do Caapiranga e com

eles construir possíveis soluções. A apropriação do território pelo capital é visível e um

dos fatores que mantem os moradores na base da produção para o autoconsumo e,

neste caso, na produção de fécula para abastecer o mercado local.

Pois não basta, entretanto elaborar estudos, propor projetos e sonhar com melhorias, se

não houver a participação dos comunitários com suas opiniões, questionamentos e

experiências, diante disso, pode-se aplicar a melhor metodologia para a execução de

um projeto para esta comunidade.

Ao fazer este diagnostico algumas propostas surgiram a partir da realidade dos

moradores para a melhoria da mesma:

- Na área ambiental, valorizar os recursos naturais do lugar através do turismo

ecológico e rural, mostrando a partir da realidade dos moradores. E mostrar os efeitos

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que os resíduos produzidos pela fécula lançados no lago causam e dar possíveis

alternativas de utilização deste líquido.

- Na área infraestrutura, dar condições de transporte fluvial com o intuito do

escoamentos de seus produtos assim aumentando a renda dos agricultores em todos os

períodos do ano.

- Na área econômica, oferecer uma cooperativa que vá atender as necessidades

da comunidade com a dinâmica de produção de lugar e incentivar a compra de parte da

produção pelo Estado. Instituir políticas públicas condizentes com a realidade do lugar.

Instituir como instrumento inicial de investigação a partir da realidade são caminhos

que podem nos ajudar no decorrer da pesquisa, pois desta forma teremos uma variável

em vista a ser analisado segundo Freire apud Brandão. Estas formulações da realidade

social vivenciada pelos moradores podem nos revelar a exterioridade do residente

nesta situação, mas, identifica o problema que indiretamente os afeta. Visto que nestes

casos muita objetividade pode enveredar o trabalho a uma analise das pessoas

estaticamente impedindo a sistematização e espacialização do problema.

Considerar essas proposições seria fundamental e um avanço indispensável para

compreender a territorialidade que existe neste complexo lacustre, que perpassa as leis

e mostra que as comunidades tradicionais consegue se manter sempre atuante

Analisar os processos produtivos da agricultura é de fundamental importância para se

entender as macroterritorialidades no Lago Janauacá. Desde a produção de goma

dentro do lago a interferência de produtos industrializados na produção de fécula nesse

espaço revela principalmente a capacidade que a produção familiar camponesa tem de

diversificar a produção e se manter no mercado. Apesar de toda a capacidade de

produção destes camponeses ainda falta por parte do Estado, o investimento e

planejamento necessário para essas populações continuem produzindo e vivendo de

forma digna.

Reformular alguns conceitos sobre a produção camponesa na Amazônia é de suma

importância nesta pesquisa, sendo um dos pontos cruciais, desmistificar as relações

contraditórias de incapacidade produtiva e organização por parte deles. No entanto

formular políticas públicas voltadas para o modo de produção camponesa e não utilizar

as relações de mercado nesta produção são fatores que podem contribuir e fazer valer a

autonomia e dinâmica própria desse espaço.

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A expansão do capital e apropriação da produção camponesa no Amazonas tem

reflexos que muitas vezes nos remetem a pensar na extinção desta e a sua ineficiência

produtiva, mas se verifica que essa relação insere o caboclo ribeirinho neste mercado,

pois ao mesmo tempo em que expropria também fortalece os campesinos pela sua

diversidade produtiva que não esta inserida na lógica capitalista, mas no trabalho

familiar buscando melhorias para a unidade de produção camponesa.

Em síntese, não foi possível encontrar soluções aos problemas diagnosticados pelos

moradores da localidade devido aos mesmos não saberem como solucionar.

Notas

1 Fécula: Termo técnico utilizado pelo IDAM e órgãos em geral; Substância pulverulenta farinácea, extraída de tubérculos e raízes é usado como alimentos. (FERREIRA, 2004) 2 Paraná: Terminologia amazônica de origem indígena que significa o braço de um grande rio, formando uma grande ilha. (GUERRA, 1997, p.463) 3 Restinga: São diques marginais ou pestanas, que se depositam na planície do leito maior, junto ao curso de água. O mecanismo genético de tais dicas o transporte de aluviões por uma corrente fluvial, no momento de inundação. (GUERRA, 1997, p.543) 4 Paneiro: Termo utilizado pelos camponeses a uma armação de cipó de forma esférica com orifícios de 2cm2 X 2cm2, tendo 20cm de largura e 50cm de comprimento. 5 Tucupi é um líquido de cor amarela extraído da raiz da mandioca brava, que é descascada, ralada e espremida, no processo de produção de goma, é colocado para "descansar" para que o amido (goma) se separe do líquido (tucupi). Inicialmente venenoso devido à presença do ácido cianídrico, o líquido é cozido (processo que elimina o veneno), por horas, podendo, então, ser usado como molho na culinária misturado a algumas pimentas e fermentado por alguns dias. Referências ADAMS, Cristina, Ed.; Murrieta, Rui, Ed.; Neves, Walter, Ed. Sociedades caboclas amazônicas: modernidade e invisibilidade./Editado por Cristina Adams, Rui Murrieta e Walter Neves. – São Paulo: Annablume, 2006. ALTIERI, Miguel. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2000. BARBANTI JR. O. Conflitos socioambientais: teorias e práticas. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2006. Tese de Doutorado. BATISTELLA, Alexandre Milaré et al. Conhecimento dos moradores da comunidade de Boas Novas, no Lago Janauacá – Amazonas, sobre os hábitos alimentares dos peixes da região. Acta Amazônica. N. 54, vol. 35(1) 2005; 51-54. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Pesquisa Participante. 2a edição; São Paulo: Editora brasiliense, 1982.

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