dia gra phic editora jornal brasileiro coden jbpsax de ... em saude... · jornal brasileiro de...

77
Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 ISSN 0047-2085 ISSN 0047-2085 ISSN 0047-2085 ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX CODEN JBPSAX CODEN JBPSAX CODEN JBPSAX CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB volume volume volume volume volume 52 52 52 52 52 • mai/jun mai/jun mai/jun mai/jun mai/jun-200 200 200 200 2003 Publicação Publicação Publicação Publicação Publicação bimestral bimestral bimestral bimestral bimestral Alcebíades Gomes Alcebíades Gomes Alcebíades Gomes Alcebíades Gomes Alcebíades Gomes Festa Junina, 1964 Óleo sobre tela Brazilian Journal of Psychiatry 3 3 GRA PHIC ® Jornal Brasileiro de Psiquiatria vol. 52 - nº 3 Maio - Junho 2003

Upload: trinhdiep

Post on 04-Apr-2019

223 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

Jornal Brasileirode Psiquiatria

ISSN 0047-2085ISSN 0047-2085ISSN 0047-2085ISSN 0047-2085ISSN 0047-2085CODEN JBPSAXCODEN JBPSAXCODEN JBPSAXCODEN JBPSAXCODEN JBPSAX

Órgão Of i c ia l do Ins t i tuto de Ps iqu iat r ia da Un iver s idade Federa l do R io de Jane i ro – IPUBÓrgão Of i c ia l do Ins t i tuto de Ps iqu iat r ia da Un iver s idade Federa l do R io de Jane i ro – IPUBÓrgão Of i c ia l do Ins t i tuto de Ps iqu iat r ia da Un iver s idade Federa l do R io de Jane i ro – IPUBÓrgão Of i c ia l do Ins t i tuto de Ps iqu iat r ia da Un iver s idade Federa l do R io de Jane i ro – IPUBÓrgão Of i c ia l do Ins t i tuto de Ps iqu iat r ia da Un iver s idade Federa l do R io de Jane i ro – IPUB

volume volume volume volume volume 5252525252 ••••• mai/jun mai/jun mai/jun mai/jun mai/jun-----20020020020020033333Publicação Publicação Publicação Publicação Publicação bimestralbimestralbimestralbimestralbimestral

Alcebíades GomesAlcebíades GomesAlcebíades GomesAlcebíades GomesAlcebíades GomesFesta Junina, 1964Óleo sobre tela

Brazilian Journalof Psychiatry

33

DIAGRAPHIC

E D I T O R A

®

Jornal Brasileiro de Psiquiatria • vol. 52 - nº 3 •

Maio - Junho 2003

Page 2: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

Jornal Brasileirode Psiquiatria

CORPO EDITORIAL

Naomar de Almeida FilhoMárcio AmaralThomas A. BanOthon BastosJ. M. BertoloteNeury José BotegaMarco Antônio Alves BrasilMax Luiz de CarvalhoRoosevelt M.S. CassorlaJuarez Oliveira CastroAristides CordioliJurandir Freire CostaPaulo DalgalarrondoCarlos Edson DuarteLuiz Fernando Dias DuarteWiiliam DunninghamClaudio Laks EizerickHelio ElkisEliasz EngelhardtRodolfo FahrerMarcos Pacheco de Toledo FerrazIvan Luis de Vasconcellos FigueiraJosimar Mata de Farias FrançaRicardo GattassWagner F. GattazValentim Gentil FilhoClarice GorensteinMauro GusLuiz Alberto HetemMiguel Roberto JorgeFlávio KapczinskiJulio LicinioCarlos Augusto de Mendonça Lima

Maurício Silva de LimaPedro A. Schimidt do Prado LimaAna Carolina LobiancoMário Rodrigues Louzã NetoTheodor S. LowenkronNelson MaculanJair de Jesus MariPaulo MattosCeline MercierEurípedes Constantino Miguel FilhoTalvane M. MoraisAntônio Egídio NardiIrismar Reis de OliveiraMarcos PalatinikAntônio Pacheco PalhaRoberto Ayrton PiedadeJoão Ismael PinheiroAna Maria Fernandes PittaJosé Alberto Del PortoBranca Telles RibeiroFábio Lopes RochaJane de Araújo RussoLuiz Salvador de Miranda Sá Jr.Benedetto SaracenoItiro ShirakawaJorge Alberto Costa e SilvaJoão Ferreira da Silva FilhoFábio Gomes de Matos e SouzaRicardo de Oliveira SouzaYves ThoretGilberto A. VelhoWalter ZinAntonio W. Zuardi

Pede-se permutaSe solicita el canje

Exchange requestedMan bittet um Austausch

On prie l’échangeSi prega lo scambio

ISSN 0047-2085CODEN JBPSAX

volume 52 • mai/jun 2003J.bras.psiquiatr. 52 (3): 161-230, 2003

Publicação bimestral

UNIVERSIDADE FEDERALDO RIO DE JANEIROINSTITUTO DE PESQUISA

Av. Venceslau Brás, 71 Fundos22290-140 Rio de Janeiro RJ BrasilTel: (5521) 2295-2549Fax: (5521) 2543-3101www.ufrj.br/ipube-mail: [email protected]

DIRETORMárcio [email protected]

JORNAL BRASILEIRO DEPSIQUIATRIA

[email protected]

EDITORJoão Romildo [email protected]

EDITORA ASSISTENTEGláucia Azambuja de [email protected]

EDITORES ASSOCIADOSE. Portella Nunes [email protected]

João Ferreira da Silva [email protected]

EDITOR EXECUTIVONewton [email protected]

CIP-BRASIL-CATALOGAÇÃO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

071Jornal brasileiro de psiquiatria / Instituto de

Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. —V.1, nº 1 ( ). — Rio de Janeiro: ECN-Ed. Científica Nacional, 2000

v.50

MensalEditado pela Diagraphic a partir do V.49 (10-12), 2000Descrição baseada em: V.47, nº12 (1998)ISSN 0047-2085

1. Psiquiatria - Periódicos brasileiros. I.Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Psiquiatria

98-1981. CDD 616.89 CDU 616.89

Programação Visual e Produção Gráfica

Diagraphic Editora

Av. Paulo de Frontin 707 – Rio CompridoCEP 20261-241 – Rio de Janeiro-RJ

Telefax: (21) 2502.7405e-mail: [email protected]

www.diagraphic.com.br

DIAGRAPHIC

E D I T O R A®

Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB

Page 3: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

164 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Alcebíades GomesAlcebíades GomesAlcebíades GomesAlcebíades GomesAlcebíades Gomes

Festa Junina, 1964Óleo sobre tela

Junho merece um retorno (não o eterno...) às obras de Alcebíades – Bide – recém-restauradas. Por esta época, Alcebíades estava

em fase muito produtiva, incentivado que era pelos monitores da praxiterapia, principalmente por Otacília, também pintora e

excelente profissional, do grupo de Luiz Cerqueira.

Cerqueira escreveu um artigo correlacionando as melhoras sintomáticas observadas nos pacientes tratados com sua produção

artística, tanto em qualidade como em quantidade, e Bide era um dos casos mais bem analisados no estudo. Apesar de o diagnóstico

de “esquizofrenia residual” indicar, à época, pouca possibilidade de reinserção familiar ou de interação social, Cerqueira acreditava

na arte como ponte para vencer esta crença.

Bide tinha sintomas controlados com doses baixas de neurolépticos associados a fenobarbital noturno. De tempos em tempos,

ensimesmava-se, tornava-se arredio e chegava mesmo a perder sua permanente polidez e lhaneza no trato. Deixava de fazer

obséquios aos médicos e funcionários. Quando ia à praxiterapia, pouco produzia, rabiscava alguma coisa com lápis de cor, saia

rápido. Estas situações eram acompanhadas de insônia, irritabilidade e, por vezes, agressividade.

Quando as doses de neuroléptico eram ajustadas, os sintomas voltavam a ser controlados; Alcebíades voltava ao normal: “Está

tudo ótimo, muito bem mesmo”. Sua produção artística retornava ao nível anterior. Carnavais, festas juninas, maracatus e danças de

roda iam se sucedendo, substituindo os rostos e as paisagens descoloridos.

Interessante notar que Cerqueira já dizia que certas pessoas, como Alcebíades, conseguiam criar coisas tão bonitas apesar da

doença, e não porque eram doentes. Em outras palavras, a esquizofrenia não torna ninguém genial...

Nossa Capa

Page 4: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

166 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Paulo Borini; Romeu Cardoso Guimarães; Sabrina Bicalho Borini

Usuários de drogas ilícitas internados em hospital psiquiátrico: padrões de uso e aspectosdemográficos e epidemiológicosIllicit drug users admitted in psychiatric hospital: patterns of usage, demographic and epidemiologicaspects

Paulo César Ribeiro Barbosa; Paulo Dalgalarrondo

O uso ritual de um alucinógeno no contexto urbano: estados alterados de consciência eefeitos em curto prazo induzidos pela primeira experiência com a ayahuascaThe ritual use of a hallucinogen in an urban context: altered states of consciousness and short-termeffects induced by the first ayahuasca experience

Paulo Dalgalarrondo; Clarissa de Rosalmeida Dantas; Cláudio Eduardo Muller Banzato; Mário Eduardo Costa Pereira

Delírio: características psicopatológicas e dimensões comportamentais em amostras clínicasDelusion: psychopathological characteristics and behavioral dimensions in clinical samples

Diana de Oliveira Frauches; Maria Margarida Pereira Rodrigues

Estudantes de medicina e suas atitudes em relação à Aids em Vitória (ES)Medical students and their attitudes towards Aids, in Vitória, Espírito Santo, Brazil

Clareci Silva Cardoso; Waleska Teixeira Caiaffa, Marina Bandeira, Arminda Lucia Siqueira, Inara Kellen Fonseca, José Otávio PenidoFonseca

Qualidades psicométricas da escala de qualidade de vida para pacientes com esquizofrenia:escala QLS-BRPsychometric qualities of the quality of life scale for schizophrenic patients: scale QLS-BR

Cíntia S. Fuzikawa, Elizabeth Uchôa, Maria Fernanda Lima-Costa

Teste do relógio: uma revisão da literatura sobre este teste para rastreamento de déficitcognitivoClock drawing test: a review on this cognitive screening test

Pedro Gabriel Delgado; Renata Weber

Idéias, Debates e EnsaiosConfigurações dos serviços de atenção diária até 2001: um estudo com 295 serviços

171-179

181-190

Sumário

191-199

201-210

211-222

KNAW – Library of The Royal Netherlands Academy of Arts and SciencesLILACS – Index Medicus Latino-AmericanoNISC Pennsylvania, Inc.Periódica – CICH-UNAMPsychoinfo – American Psychological AssociationUlrich’s International Periodicals DirectoryUMI – University Microfilms International

Academia de Ciências da Rússia Biological AbstractsBLDSC – British Library Document Supply CenterCAS – Chemical Abstracts Service of American Chemical Society Chemical AbstractsEmbase/Excerpta MedicaEMDOCS – Embase Document Delivery ServiceIBICT – Sumários Correntes BrasileirosINIST – Institute de L’information Scientifique et Technique

Fontes de referência e indexação:

223-235

236-242

Errata: No artigo Mania e Gravidez: Implicações para o Tratamento Farmacológico e Proposta de Manejo, publicado no JBP 2003; 52(2): 97-107, a formacorreta da referência nº 7 é: Baptista T, Araujo H, Ruda P, Hernández L. Congenital neuroblastoma in a boy born to a woman with bipolar disorder treatedwith carbamazepine during pregnancy. Prog Neuro-Psychopharmacol Biol Psychiatry, 1998; 22: 445-54.

Page 5: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

168 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Senhor editor,

Gostaria de dar os meus parabéns pela publicação do artigo Revisitando a psicopatologia, de Nivaldo

Duarte Marins, no Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 52(1): 35-41, 2003.

Já era hora de mostrar que psicopatologia não é peça de museu, como pensam psiquiatras americanófilos

agarrados ao spet-scan, à ressonância magnética, ao estudo exclusivo dos fármacos (subsidiados pelos labo-

ratórios multinacionais), que entendem que a clínica não é soberana.

Sim, psicopatologia é fundamental e, se não o fosse, não haveria tantos excelentes psiquiatras contemporâ-

neos, franceses, italianos, espanhóis, portugueses e brasileiros. Infelizmente não são estes os que triunfam

doutrinariamente sobre aqueles que pensam que a psicopatologia está ultrapassada.

Por causa disso ainda vai chegar o dia no qual, por falta de um mínimo de conhecimento de psicopatologia,

vão chamar esquizofrenia de bipolar, arteriosclerose cerebral de doença de Alzheimer, psicose sintomática de

sabe-se lá o quê. Aliás, já chegou. Os americanos não bombardeiam somente o Iraque: suas bombas de há

muito caem na psiquiatria, destroçando o todo e criando estes pechisbeques do saber, que substituem Nobre

de Melo e Jaspers por DSM IV, como se este último fosse a bíblia da psiquiatria, e não um mero catalogão

com códigos para alimentar telas de computador. Podem ter charme cibernético, mas não passam de cobre

e vidro, em vez de ouro e diamante, como se julgam.

Parabéns, professor Nivaldo Duarte Marins, o seu artigo é bom e oportuno.

Guido Arturo PalombaPsiquiatra forense; presidente da Academia de Medicina de São Paulo

Carta ao Editor

Page 6: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

171

R e s u m o

Foram estudados 406 pacientes, 382 (94%) do sexo masculino, usuários de drogas ilícitas internados em hospital psiquiátri-co. Informações sobre as características demográficas e epidemiológicas, tipos de droga, idade de início, padrões e rotas de usoforam obtidas através de instrumento anamnéstico estruturado. No mesmo intervalo de tempo, a prevalência de uso de drogasilícitas foi muito maior entre os homens do que entre as mulheres. Em ambos os sexos, cerca de metade dos pacientes tinhaidade abaixo dos 20 anos e 80%, abaixo dos 30 anos. O início do uso ocorreu antes dos 20 anos de idade em 80% dos homense em 90% das mulheres. A cor da pele não esteve relacionada com a prevalência de uso. O crack, isoladamente ou associado àmaconha, foi a droga de uso mais prevalente: 37,2% e 25,7%, respectivamente, por homens; 58,3% e 29,2%, respectivamente,por mulheres. Eram 207 usuários de monodroga (51%) e 199 de polidroga (49%), sendo a primeira ligeiramente mais freqüenteentre as mulheres. A quantidade de droga consumida por cerca de 98,6% dos usuários de crack, 96,2% dos de maconha e91,7% dos de cocaína era menor ou igual a 15g, 10g e 5g, respectivamente. Os homens consumiam crack e maconha emquantidades significativamente maiores que as mulheres. Tolerância foi observada apenas com relação ao crack.

Unitermosuso de droga; drogas ilícitas; padrões de uso; demografia; epidemiologia

S u m m a r y

Illicit drug users admitted into psychiatric hospital were studied, totaling 406 patients, 382 (94%) of males. Their demographic andepidemiologic characteristics, and information on types of drugs, age at start of usage, patterns and routes of intake were obtained throughstructured anamnestic instrument. Illicit drug usage was much greater among men than among women in the same period. About half of thepatients, of both sexes, were below 20 and 80% below 30 years of age. Usage started before age 20 in 80% of men and 90% of women.There was no skin color effect on prevalence of usage. Most prevalent was the usage of crack, singly or associated to marijuana: 37.2% and25.7%, respectively, among men; 58.3% and 29.2%, respectively, among women. Monodrug users were 207 (51%) and of polydrug 199(49%), the former kind being slightly more frequent among females. Daily amounts consumed were up to 15g of crack, by 98.6% of users;10g of marijuana, by 96.2% of users; and 5g of cocaine, by 91.7% of users. Consumption of crack and cocaine were significantly higher inmales than in females. Only crack usage depicted tolerance.

Unitermsdrug usage; illicit drugs; pattern of usage; demography; epidemiology

1Professor assistente da Faculdade de Medicina de Marília; médico clínico do Hospital Espírita de Marília, Marília-SP.2Professor adjunto do Departamento de Biologia Geral, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG.3Acadêmica em Iniciação Científica, Faculdade de Medicina, Universidade de Marília, Marília-SP.

Usuários de drogas ilícitasinternados em hospital psiquiátrico:

padrões de uso e aspectosdemográficos e epidemiológicos

Illicit drug users admitted in psychiatric hospital: patterns ofusage, demographic and epidemiologic aspectsPaulo Borini1; Romeu Cardoso Guimarães2; Sabrina Bicalho Borini3

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (3): 171-179, 2003

Recebido em: 28.02.03

Aprovado em: 13.02.03

Page 7: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

172 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Introdução sejável30 por alguns, o estudo de pacientes em re-gime de internação hospitalar permite conheceraspectos particulares da epidemiologia das dro-gas e, com mais detalhes, formas e padrões deuso. O conhecimento dos padrões de uso de dro-gas, por sua vez, permite: classificar os usuáriospara a constituição de grupos homogêneos quan-to aos tipos de drogas; estabelecer o nível de con-sumo de cada uma das drogas; identificar as ra-zões de uso; avaliar a gravidade do quadro dadependência; estabelecer critérios que permitirãoavaliar a eficácia dos esquemas terapêuticos, as-sim como os resultados da terapêutica pela mu-dança do padrão e estabelecer correlações entrepadrão de consumo e doenças orgânicas. Emnosso meio, poucos são os estudos envolvendodependentes de drogas ilícitas internados em hos-pitais para tratamento da dependência12, 32, 35.

As estatísticas hospitalares e as informaçõesobtidas dos internados constituem fontes de da-dos úteis para futuras avaliações dos custossocioeconômicos e conseqüências do tratamen-to, permitindo formular ou reformular políticasde tratamento e prevenção.

O objetivo deste estudo é investigar e descre-ver os padrões de uso de drogas ilícitas de usuá-rios internados e avaliar sua associação com ca-racterísticas sociodemográficas desses usuários.

Desde 1995 tem ocorrido acentuado aumentono número de internações de usuários de drogasilícitas no Hospital Espírita de Marília (HEM). É mui-to provável que tal fato seja reflexo do surto epidê-mico de uso que vem grassando em nosso meiodesde os meados dos anos 80. Tem sido admitido,pela incidência crescente e pela relevância dos pro-blemas a ela relacionados, que o uso e a dependên-cia de drogas virão a constituir as doenças psiquiá-tricas características do início do século entrante. Estaascensão tem trazido problemas para os serviços pú-blicos, desde o sistema de justiça criminal até os ser-viços sociais e de saúde, demandando remodelaçõesconceituais e estruturais destes, incluindo a intera-ção em suas ações. Nos EUA tem sido observadaenorme demanda de cuidados hospitalares por par-te dos usuários de drogas ilícitas em decorrência desubstancial morbidade nesta população27.

Para os hospitais psiquiátricos, com as carac-terísticas do HEM, têm sido drenados os usuáriospertencentes a famílias de menor poder aquisiti-vo. A maioria das hospitalizações se faz para de-sintoxicação, embora uma proporção significati-va delas seja de indivíduos, em geral menores deidade, encaminhados por autoridades do minis-tério público, seja por cometerem pequenos deli-tos ou por solicitação dos familiares, que se sen-tem impotentes para controlar a situação. Essesnovos clientes, com perfis psicoemocionais ecomportamentais bastante diferentes dos usuári-os exclusivos de álcool, têm trazido problemaspara as instituições hospitalares adaptadas paratratamento de alcoolistas.

No Brasil, os aspectos demográficos e epide-miológicos de usuários de drogas ilícitas têm sidoabordados em estudos que envolvem grupos es-pecíficos da população, principalmente estudan-tes1,3, 6, 8-11, 20, 21, 28. Tem sido realçado que os le-vantamentos epidemiológicos, realizados porauto-relatos ou por entrevistas auto-administra-das, ainda que obtidos de modo sigiloso, não apre-sentam um quadro acurado da prevalência do usode drogas em geral e de certas drogas em parti-cular18. Já foi observado que, em entrevistas su-cessivas, os usuários pesados de determinadasdrogas se mostravam mais dispostos a discutir oenvolvimento com elas do que os usuários querelatavam níveis mais baixos de consumo19.

Embora a indicação de internação para desin-toxicação seja controversa, considerada não-de-

MetodologiaForam estudados, depois da aprovação do co-

mitê de ética do hospital e de consentimento in-formado dos pacientes, com exclusão dos queapresentavam retardo mental, alucinações e défi-cit auditivo, 382 pacientes do sexo masculino(187 internados durante o período compreendi-do entre outubro de 1996 e dezembro de 1997 e195 internados entre janeiro de 1998 e dezem-bro de 1998). Durante este último período, fo-ram incluídas também 24 pacientes do sexo fe-minino, compondo o total de 406 usuários dedrogas ilícitas que preenchiam os critérios diag-nósticos para dependência química (CID-1016).

Os pacientes foram examinados clinicamente(anamnese e exame físico) e os dados sobre os as-pectos relativos aos tipos de drogas usadas e rotasde uso, idades atual e de início da dependência (ida-de em que o uso tornou-se constante) e padrão deuso foram obtidos por entrevista semi-estruturadabaseada no Addiction Severity Index (ASI)14, realiza-

Usuários de drogas ilícitas internados em hospital psiquiátrico Borini et al.

Page 8: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

173J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

da pelo primeiro autor. A avaliação da quantidadede droga consumida diariamente – gramas, nos ca-sos de cocaína, crack, maconha e álcool, e tempo deinalação (em horas somadas dos episódios de inala-ção de cola de sapateiro), no caso do tolueno – foiobtida através de auto-relato e pela confrontaçãodeste com a informação dos gastos diários na aqui-sição da droga (na ocasião, quando havia equiva-lência entre o real e o dólar americano, o grama demaconha custava R$ 1,00; o de crack, R$ 10,00; ode cocaína, R$ 15,00 a R$ 20,00 e a lata de cola desapateiro, de diversos tamanhos, de R$ 2,00 a R$3,00). A avaliação do consumo diário de álcool, namaioria dos casos na forma de aguardente de cana,foi feita por auto-relato sobre quantidade e freqüên-cia de uso.

Os dados são apresentados como média ± des-vio padrão. Comparações estatísticas foram reali-zadas através do teste qui-quadrado com corre-ção de Yates ou teste bicaudal de Fisher para asvariáveis qualitativas e teste t de Student ou análi-se de variância (Anova) para variáveis quantitati-vas. Adotou-se o nível de significância de 5%. Osdados foram processados e analisados pelo pro-grama estatístico Epi-Info 6.0.

Resultados

Observou-se que a maconha e o crack eramconsumidos por aspiração bucal da fumaça de ci-garro e cachimbo, respectivamente; cocaína, nagrande maioria dos nossos casos, por inalação na-sal por meio de tubos; e tolueno (no nosso estu-do, cola de sapateiro) por inalação, depois de re-tirado da lata e colocado em saco, usualmente dematerial plástico. O tolueno, muito mais freqüen-temente que as outras drogas, era consumido emgrupos, sendo que a lata de maior tamanho temsubstância para aproximadamente cinco usuári-os e era consumida ao cabo de duas a três horas.

A maioria dos pacientes pertencia a classesocioeconômica baixa. As características demo-gráficas e epidemiológicas são apresentadas naTTTTTabela 1abela 1abela 1abela 1abela 1. A proporção sexual nas internações,considerando o período em que ambos os sexosforam incluídos no estudo, foi de aproximada-mente oito homens para uma mulher. Diferençasentre os sexos quanto a idade média, idade deinício do uso e tempo de uso não foram significa-tivas. Cerca da metade dos usuários do sexo mas-culino e pouco menos da metade dos usuários

Tabela 1 – Características demográficas e epidemiológicas de usuários de drogas ilícitas, de ambos os sexos, internadosem hospital psiquiátrico

Variável Homens Mulheres

Número de pacientes 382 24Internações/ano (1998) 195 24Idade média (anos) 21,6 ± 1,6 22,6 ± 8,3Faixa etária n % Acumulado n % Acumulado

10-14 31 8,1 4 16,715-19 164 43 51,1 7 29,2 45,820-24 101 26,4 77,5 6 25 70,825-29 42 11 88,5 3 12,4 83,3• 30 44 11,5 100 4 16,7 100

Idade de início do uso 16,1 ± 3,3 16,4 ± 5,9Faixa etária de início do uso n % Acumulado n % Acumulado

5-9 9 2,3 1 4,210-14 163 42,7 45 8 33,3 37,515-19 137 35,9 80,9 13 54,2 91,720-24 47 12,3 93,2 1 4,2 95,825-29 16 4,2 97,4 1 4,2 100• 30 10 2,6 100 – – –

Cor da pele n % n % População#

Leucodérmicos 217 56,8 15 62,5 64%Feodérmicos 99 25,9 6 25 28,4%Melanodérmicos 66 17,3 3 12,5 6,7%*

#População da Região Sudeste do Brasil (IBGE 1999); p obtido por testes qui-quadrado e t de Student; *p < 0,05.

Borini et al. Usuários de drogas ilícitas internados em hospital psiquiátrico

Page 9: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

174 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

do sexo feminino tinham idades abaixo dos 20anos e, em torno de 80% dos indivíduos de am-bos os sexos estavam abaixo dos 30 anos de ida-de. Cerca de 45% dos homens e 37% das mulhe-res iniciaram o uso de drogas em idades abaixodos 15 anos, e a grande maioria (80% dos ho-mens e 90% das mulheres), abaixo dos 20 anos.

As taxas de distribuição por cor da pele dospacientes de ambos os sexos foram semelhantes.A comparação entre as taxas de distribuição porcor entre indivíduos internados e a da populaçãoda Região Sudeste do Brasil mostrou compareci-mento significativamente maior de melanodér-micos entre os internados.

O crack, isoladamente ou associado à maco-nha, foi a droga de uso mais prevalente para am-bos os sexos. Cerca de metade dos homens faziauso de uma só droga e a outra metade, de poli-drogas. Entre as mulheres observou-se taxa deprevalência de monousuárias discretamente mai-or que a de poliusuárias (TTTTTabela 2abela 2abela 2abela 2abela 2).

O consumo de crack e de maconha por partedos homens foi significativamente maior que odas mulheres (p = 0,026; IC 95% 0,28 a 4,32 ep = 0,001; IC 95% 2,81 a 7,35, respectivamente)(Tabela 2).

Entre os homens, a idade média dos usuáriosde cocaína era significativamente maior que a dos

usuários de crack, maconha e tolueno, enquantoque a idade média dos usuários de crack era sig-nificativamente maior que a dos usuários detolueno. Não se observou diferença significativaentre as idades médias de usuários de maconha ecrack, quer quando usados isoladamente ou demodo associado. Com relação à idade de iníciodo uso, também se observou que a idade médiados usuários de cocaína era significativamentemaior que a dos usuários de crack, maconha etolueno, e que a dos usuários de crack era, porsua vez, significativamente maior que a de usuá-rios de maconha e tolueno. O tempo de uso dosusuários de cocaína era significativamente maiorque o de usuários de crack e tolueno (TTTTTabela 3abela 3abela 3abela 3abela 3).

A análise de usuários de polidrogas mostrouque as idades médias dos usuários de crack/álco-ol e crack/maconha/álcool eram significativamen-te maiores que a dos usuários de crack/maconhae maconha/tolueno. A idade de início de uso dosusuários de crack/álcool era significativamentemaior que a dos demais grupos, inclusive do gru-po crack/maconha/álcool. O tempo de uso dogrupo crack/maconha/álcool foi significativamen-te maior que os dos grupos crack/maconha, crack/álcool e maconha/tolueno. A quantidade deálcool consumida foi semelhante para todos osgrupos em que esta droga fazia parte do consu-mo (TTTTTabela 4abela 4abela 4abela 4abela 4).

Tabela 2 – Prevalência de uso de drogas, lícitas e ilícitas, e padrões de uso de homens e mulheresinternados em hospital psiquiátrico

Homens Mulheres p

Monodroga n % n %Crack 142 37,2 14 58,3 NSMaconha 31 8,1 – –Cocaína 12 3,1 – –

Tolueno 8 2,1 – –Total 193 50,5 14 58,3 NS

PolidrogaCrack + maconha 98 25,7 7 29,2 NS

Crack + álcool 44 11,5 3 12,5 NSCrack + maconha + álcool 25 6,5 – –Maconha + álcool 14 3,7 – –Maconha + tolueno 8 2,1 – –

Total 189 49,5 10 41,7 NSTempo de uso de crack 5,4 ± 2,4 5,9 ± 6,5 NSConsumo de crack (g) 5,7 ± 5 3,4 ± 2,2 0,026Consumo de maconha (g) 6,2 ± 5,7 1,1 ± 0,4 0,001

Consumo de álcool (g) 253 ± 199 215 ± 138 NS

p obtido por testes qui-quadrado e t de Student; NS = não-significativo.

Usuários de drogas ilícitas internados em hospital psiquiátrico Borini et al.

Page 10: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

175J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Não houve diferenças estatisticamente signi-ficantes nas comparações entre o consumo diá-rio de crack isoladamente e o de crack associadoà maconha ou ao álcool. O mesmo foi observadona comparação entre o consumo de maconha iso-ladamente e de maconha associada ao álcool(Tabelas 3 e 4).

A quantidade de droga consumida por cerca de98,6% dos usuários de crack, 96,2% dos de maco-nha e 91,7% dos de cocaína era menor ou igual a15g, 10g e 5g, respectivamente (TTTTTabela 5abela 5abela 5abela 5abela 5).

Relacionando-se tempo de uso e quantidademédia de droga consumida por usuário (FiguraFiguraFiguraFiguraFigura),podem-se observar: aumento da quantidade mé-dia de crack consumido a partir do terceiro anode uso; redução do consumo de maconha após oterceiro ano de uso; aumento de consumo de co-caína após o quarto ano de uso.

socioeconômica ou pelo padrão de uso no to-cante ao tipo e quantidade de droga usada. Di-ferenças regionais quanto a prevalência deinternações e tipos de drogas mais consumidasjá foram observadas32, e as quantidades das di-ferentes drogas consumidas pelos nossos paci-entes poderiam ser, segundo observação anteri-or7, expressões de elevado consumo diário.

O número de pacientes do sexo feminino emnossa amostra pode não ter sido suficiente para for-necer comparações estatisticamente fidedignas, masos dados, em consonância com outros observadosem estudos brasileiros10, 22, 35, indicam que o núme-ro de usuários de drogas ilícitas do sexo masculinoque se submetem a internação em hospital psiquiá-trico para tratamento da dependência é muito mai-or que o de indivíduos do sexo feminino. A razãomédia no ano de 1998, de oito homens para cadamulher, é muito próxima da observada em outroestudo nacional32, dele apenas diferindo quanto aotipo de droga de uso mais prevalente. Esta observa-ção pode decorrer do fato de que estudosepidemiológicos populacionais apontam para umapequena percentagem de mulheres entre os consu-midores de drogas ilegais9-11. Entretanto a observa-ção em estudo epidemiológico brasileiro que apon-ta para semelhanças nas prevalências de uso dedroga, na adolescência, para ambos os sexos21, le-

Tabela 3 – Idade e padrão de uso de monodroga por pacientes do sexo masculino

Crack (Cr) Maconha (M) Cocaína (Co) Tolueno (T) p

n = 142 n = 31 n = 12 n = 8Idade (anos) 20,6 ± 5,8 19,2 ± 5,4 29,7 ± 9,2 13,9 ± 2,5 0,001

Idade de início do uso (anos) 16,6 ± 4,9 13,9 ± 4 21,8 ± 8 11,4 ± 2,4 0,001Tempo de uso (anos) 4 ± 4,4 5,3 ± 4,2 7,8 ± 6,3 2,4 ± 1,8 0,001Consumo diário (g) 5,7 ± 5 4,1 ± 3,3 4,8 ± 8 3,1 ± 1,8 NS

p obtido por Anova = idade: Co > Cr, M, T; Cr > T; idade de início: Co > Cr, M, T; Cr > M, T; tempo de uso: Co > Cr, T.

Tabela 4 – Idade e padrões de uso de polidrogas por pacientes do sexo masculino

Crack + Crack + álcool Maconha + Crack + maconha Maconha +maconha (CrM) (CrA) álcool (MA) + álcool (CrMA) tolueno (MT) p

n = 98 n = 44 n = 14 n = 25 n = 8

Idade (anos) 19,3 ± 5,1 25,9 ± 6,5 22,8 ± 6,6 25,1 ± 6,3 17,5 ± 4,1 0,001Idade de início do uso 15,2 ± 4,1 20,7 ± 7,9 15,2 ± 4,7 15,5 ± 3,9 14,6 ± 2 0,001Tempo de uso 4,1 ± 3,9 5,2 ± 4,4 7,6 ± 6,2 9,6 ± 7,5 2,9 ± 2,9 0,001Consumo diário

1ª droga 6,2 ± 5,7 4,2 ± 2,9 5,1 ± 5,5 6,3 ± 7,9 4,6 ± 0,9 –2ª droga 5,1 ± 6,6 253 ± 199 271 ± 236 4,8 ± 3,7 3 ± 2,43ª droga – – – 305 ± 141 –

Crack foi a droga-índice nos grupos adequados; p obtido por Anova = idade: CrA = CrMA > CrM, TM; idade de início: CrA > CrM, MA, CrMA, TM;tempo de uso: CrMA > CrM, CrA, TM.

Discussão

Algumas características da amostra estuda-da devem ser destacadas. Os dados são limita-dos a uma única instituição e os resultados po-dem não ser passíveis de generalização paraoutros hospitais psiquiátricos. O recorte amostralpode ter sido influenciado por seleção de classe

Borini et al. Usuários de drogas ilícitas internados em hospital psiquiátrico

Page 11: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

176 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

vou outros autores a pensar que tal desproporçãodecorreria do fato de que as conseqüênciascomportamentais do uso de drogas no sexo femini-no são menos evidentes que no masculino22. Alémdisso, à semelhança do que ocorre com alcoolistasdo sexo feminino, os aspectos socialmente negati-vos podem fazer com que mulheres usuárias de dro-gas ilícitas procurem tratamento com menor fre-qüência que homens4. A observação de que oconsumo de crack e maconha por parte da mulherfoi significativamente menor que a dos homens po-deria também ter influenciado nas diferentesprevalências de internações.

A taxa de prevalência do tipo de drogas maisusadas tem variado ao longo dos anos e,também, em função da idade dos usuários, nãosó no Brasil como em outros países. No Brasil,as primeiras observações estatísticas apontavamo uso de inalantes como as pr imeiras epreferenciais drogas de uso26, 28, enquanto queem outras, estas drogas ocupavam o segundolugar2. A maconha, que, no nosso meio, jáocupou o primeiro lugar na preferência pordrogas ilícitas por parte dos adolescentes,ultrapassando o uso de tolueno, ocupa osegundo ou terceiro lugar quando usada isola-

damente20. No México, na Colômbia e no Japão,o uso de inalantes ainda é apontado como aforma mais prevalente de abuso desubstâncias24.

Para ambos os sexos, observamos que cerca demetade dos pacientes tinha idades abaixo de 20 anose a grande maioria (88,5% para os homens e 83,3%para as mulheres) estava dentro da faixa etária de15 a 30 anos. Em percentuais, mesmo consideran-do a pequena diferença entre os limites de faixa etáriaconsiderados, foram significativamente maiores queos apontados por Noto et al.32. Cerca de 80% doshomens e 90% das mulheres iniciaram o uso antesdos 20 anos de idade. A idade média e a idade deinício de uso dos usuários de tolueno foi significati-vamente menor em relação às mesmas variáveis dosoutros grupos, confirmando observação anterior deser o tolueno a primeira droga de uso20. O tempode uso do tolueno foi, relativamente ao de outrasdrogas, bastante curto, sugerindo que os seus usuá-rios logo migram para outros tipos de drogas ditasmais pesadas.

Neste estudo, o crack, isoladamente ou associ-ado à maconha, foi a droga de uso mais preva-lente para ambos os sexos. A taxa de usuários ex-clusivos de crack, do sexo masculino, por nósobservada (37,2%) ficou muito próxima da apon-tada pela Divisão de Prevenção e Educação (Dipe)do Departamento de Investigações sobre Entorpe-centes (Denarc) observada no período compreen-dido entre janeiro e agosto de 1998 com relaçãoaos usuários, de ambos os sexos, na faixa etária de19 a 30 anos de idade (33,7%)17. Por outro lado,verificamos semelhanças entre as nossas taxas deprevalência das principais drogas consumidas emmaior quantidade e/ou freqüência e as observadasem estudo envolvendo adolescentes usuários dedrogas em tratamento ambulatorial39. Estas obser-vações sugerem que a taxa de internação guardarelação com taxas observadas em levantamentoepidemiológico populacional em outros estudos,

Figura – Relação entre a média diária de consumo e otempo de duração do hábito

Usuários de drogas ilícitas internados em hospital psiquiátrico Borini et al.

Tabela 5 – Consumo e prevalência de consumidores de drogas ilícitas

Crack Maconha Cocaína

Quantidade (g) n % Acumulado n % Acumulado n % Acumulado1-5 99 69,8 21 80,8 11 91,7

6-10 31 21,8 91,6 4 15,4 96,2 0 – –11-15 10 7 98,6 0 – – 0 – –16-20 0 – – 1 3,8 100 0 – –> 20 2 1,4 100 0 – – 1 8,3 100

12

10

8

6

4

2

0

1 2 3 4 5 > 5

Duração do hábito (anos)

Crack

Maconha

Cocaína

Cons

umo

diár

io (g

)

Page 12: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

177J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

ou seja, a taxa de internação seria reflexo da taxade uso observada na população, pelo menos comrelação ao crack e ao sexo masculino. O levanta-mento do Denarc indica que, dos 15 aos 18 anosde idade, o maior número de pessoas estava en-volvido com maconha17, enquanto que nossos re-sultados apontam para o predomínio do uso pre-ferencial de crack em todas as faixas etárias.

As primeiras apreensões de crack pela políciaocorreram, em São Paulo, em 199125, e a difusão deseu uso foi considerado fenômeno emergente porvolta de 199431. Em 199835 e em 199932, o cracknão fazia parte nominal da listagem de drogas utili-zadas por pacientes internados em instituições psi-quiátricas brasileiras. Assim, relativamente a pacien-tes internados nos últimos dez anos, o cracksubstituiu a preferência de uso antes ocupada, emordem decrescente, por cocaína, maconha e tolueno.

A maioria dos estudos de levantamento em dife-rentes populações não faz diferenciação entre as ta-xas de uso por sexo. O levantamento realizado em1998 pelo Denarc revelou que, dos 19 aos 30 anos, amaior parte dos rapazes e moças estava envolvida comcrack17. Observamos que, quanto aos indivíduos in-ternados, independentemente de faixa etária, as ta-xas de uso de drogas, as idades média e de início deuso e os tipos de drogas de uso mais prevalente, iso-ladas ou associadas, entre os dois sexos, eram muitosemelhantes. Algumas destas observações estão deacordo com as observadas em estudo envolvendoadolescentes22. Entretanto, em estudo epidemiológi-co relativamente recente, há indicação de que o sexomasculino apresenta maior propensão ao uso detolueno, maconha e cocaína1. Deve ser salientado queas nossas observações dizem respeito ao crack, usadoisoladamente ou associado ao álcool ou à maconha.

Relato sobre estudantes de classe média alta dacidade de São Paulo, com idade média de 18,5 anos,mostrou as seguintes taxas de uso por droga distri-buídas por sexo (masculino e feminino, respectiva-mente): maconha, 48,3% e 41,6%; cocaína, 20,1%e 9,4%; e crack, 5,1% e 2%34. Diferentemente dosindivíduos de classe socioeconômica menosfavorecida, os indivíduos de classe média alta con-somem cocaína preferencialmente ao crack, justifi-cando o jargão empregado pelos pacientes do nos-so estudo de que “a cocaína é droga de rico e ocrack, droga de pobre”.

Relativamente à cor da pele dos indivíduos, acomparação com a população em geral da Re-gião Sudeste do Brasil, admitindo como despro-

vidas de vieses as taxas apresentadas pelo IBGE ea deste estudo, que mostra uma significativa des-proporção entre elas quanto aos indivíduosmelanodérmicos, sugere a realização de estudoscom maior amplidão demográfica quanto a esteaspecto. Nos EUA, a prevalência de uso de cocaí-na é maior entre os indivíduos negros18.

A concomitância de uso de drogas ilícitas e ál-cool é relativamente alta, mas pouco se sabe sobreo padrão de uso de polidrogas com diferentes ní-veis de envolvimento com o álcool. Tem sido apon-tada a existência de um padrão consistente quan-to à idade de início do uso de substânciaspsicoativas: álcool, seguido por maconha, e entãopor outras drogas. A combinação álcool/droga maiscomum era álcool com maconha (58% do total daamostra)29. Em nosso estudo, observamos que ouso de polidrogas era feito por quase a metade detodos os usuários de ambos os sexos. Taxa maiselevada de associação de uso foi observada em es-tudo realizado nos EUA, onde 80% dos usuáriosrelatavam o uso concomitante de crack e álcoolou de crack e maconha13. O padrão de início deuso associado que observamos, por ordem de iní-cio de uso, foi: tolueno/maconha, crack/maconhae maconha/álcool, e, em idade mais tardia, crack/álcool. O uso de crack, em associação com outrasdrogas, prioritariamente maconha e depois álcool,em cerca de 40% dos usuários de ambos os sexos,esteve relacionado, segundo as informações colhi-das dos usuários, com a redução da intensidadedos efeitos alucinatórios do crack – nóia no jargãopopular – que envolvem sensações de medo oualienação. Dizem os usuários de crack que a maco-nha e o álcool acalmam. O abuso de múltiplas dro-gas, incluindo o álcool, constitui fator de recaída ede tratamento com resultado insatisfatório15.

Em experiência com animais de laboratório, aadministração intraperitoneal repetida de cocaínadiminuiu o consumo de álcool sem alterar o meta-bolismo do etanol40. Observamos que a quantidadediária de crack usada isoladamente não diferiu daquantidade desta droga quando usada concomitan-temente com maconha ou álcool. A observação ob-jetiva parece contradizer o relato subjetivo, mas acontradição pode não ser verdadeira para algunsusuários. O conhecimento da combinação do usode drogas ilícitas e álcool é importante para estabe-lecer métodos de tratamento e prevenção. Ao lon-go dos anos, o contato com consumidores de dro-gas ilícitas e álcool deixou-nos a impressão, baseadaem seus relatos, que os indivíduos encontram mais

Borini et al. Usuários de drogas ilícitas internados em hospital psiquiátrico

Page 13: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

178 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

facilidade em abandonar o uso de drogas ilícitas queo de álcool. Depois de alguns anos de uso concomi-tante, os indivíduos permanecem apenas alcoolistas.

Relativamente ao crack, nossos pacientes re-lataram que o efeito forte ou nóia é mais passa-geiro e menos intenso nos que fazem uso da dro-ga por mais tempo e que há necessidade deaumentar a dose para se obter o mesmo efeito.Realmente, no nosso estudo, os resultados obti-dos da relação entre tempo de uso e quantidademédia de droga consumida por usuário revela-ram aumento da quantidade média de crackconsumida a partir do terceiro ano de uso. O in-verso foi observado para a maconha, mas, para acocaína, houve aumento de consumo após oquarto ano de uso.

Legislação que atualiza a política nacionalantidrogas está em vias de ser promulgada, institu-indo diferentes penalidades para consumidores e tra-ficantes de drogas. O cidadão que for flagrado pelapolícia portando pequena quantidade de droga ilí-cita não irá para a prisão. Assim, enquanto o trafi-cante fosse preso, o consumidor seria, entre outrasalternativas, encaminhado para instituição especi-alizada no tratamento da dependência. A decisãosobre ser ou não usuário ou traficante é deixada acargo do juiz que será orientado por toxicologistasobre o que seria pequena quantidade. Desta ma-neira, uma das condições estabelecidas para a dife-renciação de usuário e traficante, entre outras, seriaa quantidade de droga portada no momento do fla-grante. Em nosso estudo, observamos que 98,6%dos usuários de crack consumiam diariamente quan-tidades menores ou iguais a 15g. Apenas dois indi-víduos (1,4%) relatavam consumo maior. Quanto àcocaína e à maconha, embora o número de indiví-duos consumidores seja relativamente pequeno nes-ta amostra, cerca de 92% dos usuários de cocaína e

96% dos de maconha consumiam doses diáriasmenores ou iguais a 10g. Nossos resultados, indi-cando o consumo médio e o consumo máximo di-ário de algumas destas drogas ilícitas pela grandemaioria dos usuários, poderiam, em conjunto comoutros estudos realizados em outras regiões do país,servir para estabelecer o que seria pequena quanti-dade de droga e assim estabelecer a quantidade quediferenciaria o consumidor/usuário de algunssubtipos de traficantes (passadores, entregadores, in-termediários e outras denominações).

A história natural do tratamento de usuáriosde drogas em regime extra-hospitalar revelou queidades mais baixas, múltiplos tratamentos prévi-os e problemas de emprego foram relacionados afalhas no tratamento. A prevalência de falhas cli-nicamente relevantes no tratamento decorreu dafalta de programa de atendimento ou do uso con-tinuado da substância durante o tratamento33. Ainternação hospitalar estaria indicada nos casosem que o impedimento ao livre acesso à drogafosse a causa fundamental da falha terapêutica.Assim, afastar o usuário da droga pode constituirfator importante para o tratamento. Embora nãoseja nossa intenção preconizar prioridade para otratamento em regime de internação, esta condi-ção poderia ser aproveitada para estabelecer pro-gramas e esquemas terapêuticos mais adequadossegundo a existência de comorbidades psiquiá-tricas5, 23, 36-38 e suas influências no uso de drogas,homogeneização de grupos operacionais quantoàs condições socioeconômicas, padrões de uso dasdiferentes drogas e graus de dependência.

Referências

1. Andrade AG et al. Fatores de risco associados ao uso de álcoole drogas na vida entre estudantes de medicina do estadode São Paulo. Rev ABP-Apal 1997; 19: 117-26.

2. Andrade AG et al. Prevalência do uso de drogas entre alunos daFaculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (1991-1993). Rev ABP-Apal 1995; 17: 41-6.

3. Andrade AG et al. Uso de álcool e drogas entre alunos de gra-duação da Universidade de São Paulo (1996). Rev ABP-Apal1997; 19: 53-9.

4. Blume SB. Chemical dependency in women. Important issues.Am J Drug Alcohol Abuse 1990; 16: 297-307.

5. Borini P. O dedo em baioneta e o uso de drogas ilícitas. ArqNeuropsiquiatr 2001; 59: 223-6.

6. Boskovitz EP et al. Uso de drogas em universitários em São José doRio Preto, São Paulo. Rev Psiquiatr Clin 1995; 22: 87-93.

7. Botega NJ. Censo nacional de unidades de psiquiatria em hospitaisgerais: III. Perfil das internações. J Bras Psiq 1997; 19: 91-6.

8. Bucher RE, Totughi ML. Conocimiento y uso de drogas entrealumnos de Brasília. Acta Psiquiatr Psicol América Latina1988; 34: 113-26.

9. Carlini EA et al. Internações por dependência de drogas psico-trópicas em 1987. In: Ministério da Saúde/Ministério da

Agradecimentos

Agradecemos o apoio da Fapemig e do CNPqpara RCG.

Usuários de drogas ilícitas internados em hospital psiquiátrico Borini et al.

Page 14: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

179J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Justiça (editores). Consumo de drogas psicotrópicas no Bra-sil em 1987. Série C: Estudos e Projetos 1987; 5p: 111-51.

10. Carlini EA et al. Levantamento nacional sobre o uso de psico-trópicos em estudantes de 1º e 2º graus, 1989. São Paulo:Cebrid/Escola Paulista de Medicina (Unifesp); 1990a.

11. Carlini-Cotrim B et al. 2. Levantamento nacional sobre o usode psicotrópicos em estudantes de 1º e 2º graus. São Paulo:Cebrid/Escola Paulista de Medicina (Unifesp); 1990b.

12. Carlini-Cotrim B et al. Consumo de drogas psicotrópicas noBrasil em 1987. Brasília: Centro de Documentação do Mi-nistério da Saúde; 1989, p.1-84.

13. Carlson RG, Siegal HA. The crack life: an ethnografic overviewof crack use and sexual behavior among African-Americansin a midwest metropolitan city. J Psychoactive Drugs 1991;23: 11-20.

14. Castel S, Formigoni MLCS. Escalas para avaliação de tratamen-tos para dependência de álcool e outras drogas. In:Gorenstein C et al. (editores). Escalas de avaliação clínicaem psiquiatria e psicofarmacologia. São Paulo: Lemos-Edi-torial; 2000, p. 290-7 (Anexo 1).

15. Catalano RF et al. Evaluation of the effectiveness of adolescentdrug abuse treatment, assessment of risk for relapse, andpromising approaches for relapse prevention. Intern J Addict1990; 25: 1085-140.

16. Classificação de transtornos de doenças mentais e de compor-tamento da CID-10. Descrições clínicas e diretrizes diagnós-ticas. Organização Mundial de Saúde. Porto Alegre: ArtesMédicas; 1993.

17. Divisão de Prevenção e Educação (Dipe) do Departamento deNarcóticos (Denarc) da Polícia Civil (apud Lombard R). Cracké a droga mais consumida por jovens adultos. O Estado deSão Paulo 1998, 21 de Setembro, Secção C: 4.

18. Fendrich M et al. Validity of drug use reporting in a high-riskcommunity sample: a comparison of cocaine and heroin surveyreports with hair tests. Am J Epidemiol 1999; 149: 955-62.

19. Frendrich M, Vaughn CM. Diminished lifetime substance useover time: an inquiry into differential underreporting. PublicOpinion Q 1994; 58: 96-123.

20. Galduróz JCF et al. 3. Levantamento sobre uso de drogas entreestudantes de 1º e 2º graus em 10 capitais brasileiras (1993).São Paulo: Cebrid/Escola Paulista de Medicina (Unifesp); 1994.

21. Galduróz JCF, Noto AR, Carlini EA. Tendências do uso de drogasno Brasil: síntese dos resultados obtidos sobre o uso de dro-gas entre estudantes de 1º e 2º graus em 10 capitais brasilei-ras (1987-1989-1993-1997). São Paulo: Centro Brasileiro deInformações sobre drogas psicotrópicas (Cebrid). Departamen-to de Psicobiologia. Escola Paulista de Medicina; 1998.

22. Giusti JS, Sañudo A, Scivoletto S. Differences in the pattern ofdrug use between male and female adolescents in treatment.Rev Bras Psiquiatr 2002; 24: 80-2.

23. Griffin ML et al. A comparison of male and female cocaineabusers. Arch Gen Psychiatry 1989; 46: 122-6.

24. Howard M et al. Inhalant use among urban American Indianyouth. Addiction 1999; 94: 83-95.

25. Iniciardi JA. Crack cocaine in the Americas. In: Monteiro MG,Iniciardi JA (editores). São Paulo: Brazil/United States.Binational Research, Cebrid; 1993, p. 63-75.

26. Kerr-Corrêa F et al. Uso de álcool e drogas por estudantes demedicina da Unesp. Rev Bras Psiquiatr 1999; 21: 95-100.

27. Laine C et al. Regular outpatient medical and drug abuse careand subsequent hospitalization of persons who use illicitdrugs. JAMA 2001; 285: 2355-62.

28. Magalhães MP, Barros RS, Silva MTA. Uso de drogas entre uni-versitários: a experiência com maconha como fator deli-mitante. Rev ABP-Apal 1991; 13: 97-104.

29. Martin CS et al. Polydrug use in adolescent drinkers with andwithout DSM-IV alcohol abuse and dependence. AlcoholClin Exp Res 1996; 20: 1099-108.

30. Moos RH, Mertens JR, Brennan PL. Rates and predictors of four-year readmission among late-middle-aged and oldersubstance abuse patients. J Stud Alcohol 1994; 55: 561-70.

31. Nappo SA, Galduróz JCF, Noto AR. Uso do crack em São Paulo:fenômeno emergente? Rev ABP-Apal 1994; 16: 75-83.

32. Noto AR et al. Internações por transtornos mentais e de com-portamento decorrentes de substâncias psicoativas: um es-tudo epidemiológico nacional do período de 1988 a 1999.J Bras Psiquiatr 2002; 51: 113-21.

33. Pettinati HM et al. The natural history of outpatient alcoholand drug abuse treatment in a private healthcare setting.Alcohol Clin Exp Res 1996; 20: 847-52.

34. Queiroz S et al. Uso de drogas entre estudantes de uma escolapública de São Paulo. Rev Psiq Clín 2001; 28: 176-82.

35. Raeder RJ, Carlini-Cotrim B. Internações hospitalares no Brasilpor dependência de drogas, álcool e psicoses alcoólicas em1988. Rev ABP-Apal 1990; 12: 33-9.

36. Regier DA et al. Co-morbidity of mental disorder with alcoholand other drug abuse: results from an epidemiologicalcatchment area (ECA) study. JAMA 1990; 264: 2511-8.

37. Ross HE, Glaser FB, Germanson T. The prevalence of psychiatricdisorders in patients with alcohol and other drug problems.Arch Gen Psychiatry 1998; 45: 1023-31.

38. Rounsaville BJ et al. Psychiatric diagnosis of treatment-seekingcocaine abusers. Arch Gen Psychiatry 1991; 48: 43-51.

39. Scivoletto S, Andrade AG. Características sociodemográficas efatores preditivos no tratamento de adolescentes usuáriosde drogas. J Bras Dep Quim 2001; 2: 9-19.

40. Uemura K et al. Effects of repeated cocaine administration onalcohol consumption. J Stud Alcohol 1998; 59: 115-8.

Endereço para correspondência

Paulo Borini

Rua Gabriel Monteiro da Silva 40CEP 17501-150 – Marília-SPTel.: (14) 433-1345/433-4897

e-mail: [email protected]

Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Borini et al. Usuários de drogas ilícitas internados em hospital psiquiátrico

Page 15: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

181

R e s u m o

Objetivos: Investigar os estados alterados de consciência (EACs) e as conseqüências psicológicas em curto prazo decorrentesdo primeiro uso ritual da ayahuasca nos grupos religiosos União do Vegetal e Santo Daime, em relação a variáveis individuaisprévias à experiência alucinógena (set) e variáveis relativas ao contexto do consumo do alucinógeno (setting). Material e méto-do: 28 sujeitos foram avaliados um a quatro dias antes da primeira experiência com a ayahuasca (T0) e uma a duas semanas após(T1). Entrevistas qualitativas semi-estruturadas levantaram as motivações para experimentar a ayahuasca, os EACs, os aspectosbiográficos, comportamentais e psicossociais. A escala de impressão clínica CIS-R avaliou sintomas psiquiátricos menores antes eapós a experiência. Resultados: Constatou-se que, embora em vários aspectos seus efeitos sejam semelhantes aos de alucinóge-nos, os EACs induzidos pelo uso ritual da ayahuasca parecem possuir algumas características próprias. Fenômenos visuais,numinosos, tranqüilidade e a ocorrência de insights autobiográficos e religiosos foram as vivências mais freqüentes do EAC. Nogrupo do Santo Daime, observou-se uma marcante diminuição de sintomas psiquiátricos na semana após a experiência alucinó-gena. Em ambos os grupos religiosos relataram-se mudanças comportamentais relativas a assertividade, serenidade e ânimo/alegria. Conclusões: Os resultados sugerem que a configuração dos EACs deve-se a combinações de alterações estruturais daconsciência operadas pelo psicoativo com determinantes do set e do setting. Sugerem-se ainda algumas hipóteses sobre asmudanças emocionais e comportamentais subseqüentes à experiência: processos relativos à conversão religiosa; processos rela-tivos a alívios e satisfações decorrentes da ruptura com a monotonia cotidiana; e processos sugestivos, envolvendo aspectos doset e do setting ritual.

Unitermosestados de consciência; alucinógenos; ritual; religião; sintomas psiquiátricos

1Professor assistente de Metodologia Científica do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc);doutorando em Biomedicina, Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas(FCM/Unicamp).2Professor livre-docente do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da FCM/Unicamp.Trabalho desenvolvido no Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da FCM/Unicamp.Pesquisa financiada pelo CNPq.Artigo baseado na dissertação de mestrado Psiquiatria Cultural do Uso Ritualizado de um Alucinógeno no Contexto Urbano: uma Investigação dosEstados de Consciência Induzidos pela Ingestão da Ayahuasca no Santo Daime e na União do Vegetal em Moradores de São Paulo, apresentada no ano de2002 na Unicamp.

O uso ritual de um alucinógeno nocontexto urbano: estados alterados

de consciência e efeitos em curto prazoinduzidos pela primeira

experiência com a ayahuascaThe ritual use of a hallucinogen in an urban context: alteredstates of consciousness and short-term effects induced by thefirst ayahuasca experiencePaulo César Ribeiro Barbosa1; Paulo Dalgalarrondo2

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (3): 181-190, 2003

Recebido em: 09.10.02

Aprovado em: 13.02.03

Page 16: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

182 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

S u m m a r y

Aims: To investigate altered states of consciousness (ASCs) and short-term psychological outcomes caused by the first ritual use ofayahuasca in the religious groups União do Vegetal and Santo Daime, and to investigate the association of these phenomena to previousindividual variables (set) and to the variables of the context of the hallucinogen use (setting). Methods: 28 subjects were evaluated 1-4 daysbefore the first ayahuasca experience (T0) and 1-2 weeks after this experience (T1). The motives/expectancies to try ayahuasca, the ASCs,and specific psychosocial, behavioral e biographic aspects were assessed by semi-structured qualitative interviews. Minor psychiatric symptomswere assessed before and after the experience by the scale of clinical impression CIS-R. Results: Although sharing various aspects withhallucinogens, the ASCs induced by the ritual use of ayahuasca seem to produce some unique effects. Visual phenomena, numinosity,peacefulness and religious and biographical insights were the most frequent ASCs experiences. A significant reduction of the intensity ofpsychiatric symptoms occurred in the Santo Daime group after the hallucinogen experience. Subjects of both groups related behavioralchanges towards assertivity, serenity and vivacity/joy. Conclusions: It is suggested that the configuration of ASCs results from a combinationof set and setting aspects and structural consciousness alterations induced by the psychoactive beverage. Some hypotheses concerning thebehavioral and emotional changes post experience are also suggested: processes related to religious conversion; processes related to relievesand satisfactions caused by ruptures of day-to-day monotony, and suggestive processes that involve set and ritual setting aspects.

Unitermsstates of consciousness; hallucinogens; ritual; religion; psychiatric symptoms

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Introdução

A ayahuasca é uma beberagem alucinóge-na cujos pr incipais a lca ló ides são adimetiltriptamina e as betacarbolinas harmina,harmalina e tetraidroarmina15. Desde o séculoXIX, sua ingestão ritual é documentada entrepopulações caboclas e ameríndias da BaciaAmazônica7, 13. O uso ritualizado da beberagementre populações urbanas é decorrente do cres-cimento, nos grandes centros urbanos brasilei-ros, de duas religiões originárias da Amazônia:o Santo Daime e a União do Vegetal (tambémconhecida como UDV)3, 14. Ambas caracterizam-se por um sincretismo baseado na combinaçãode elementos cristãos e reencarnacionistas. Aintrodução desta prática no meio urbano vemcausando preocupação acerca de potenciaisefeitos adversos à saúde mental4.

Sustenta-se que as probabilidades de efeitospositivos ou adversos dos alucinógenos depende-riam largamente do setting – ambiente físico e so-cial em que a substância é consumida – e do set –personalidade, humor, intenções, expectativas ecrenças dos sujeitos em relação ao consumo dasubstância21. Nas pesquisas feitas até o presentemomento sobre o uso da ayahuasca na UDV e noSanto Daime sugere-se que estes settings religio-

sos favoreceriam conseqüências positivas eestruturantes nos que os experimentassem6, 10.Entretanto os estudos investigaram até o presentemomento sujeitos conversos às religiões, que jáestavam familiarizados com os estados de consciên-cia induzidos pelo uso ritual da ayahuasca, bemcomo com as crenças e valores associados. Há umaimportante lacuna sobre um aspecto fundamen-tal envolvido na introdução religiosa da ayahuascano meio urbano, qual seja, a primeira experiênciacom o uso ritual da ayahuasca e os efeitos destaexperiência. Trata-se de um momento de crucialimportância, pois os que experimentam ainda nãopassaram pelo processo de conversão, o que im-plicaria um set não-familiarizado com os estadosde consciência decorrentes da ação da substância,nem familiarizado com o setting ritual no qual eleé consumido, e tampouco com as crenças e valo-res associados.

O presente trabalho centrou a investigaçãoem aspectos relevantes à saúde mental desta pri-meira experiência com a ayahuasca, verificandoo que foi sugerido pela literatura prévia. Para tan-to, optou-se por avaliar os sujeitos antes e após ouso do alucinógeno. Trata-se do primeiro estudoem que se controlam, previamente à primeiraexperiência com a ayahuasca, variáveis relativasà saúde mental, a motivações e a expectativas.

O uso ritual de um alucinógeno no contexto urbano Barbosa & Dalgalarrondo

Page 17: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

183J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Método do esporadicamente por uma só pessoa. Em al-guns períodos predomina o silêncio. Não se usaminstrumentos musicais e a duração dos rituais é,invariavelmente, de quatro horas.

Instrumentos

Inventário de motivações – Inventário de motivações – Inventário de motivações – Inventário de motivações – Inventário de motivações – Trata-se de um ro-teiro de entrevista semi-estruturada em audioteipeaplicada no T0 que levanta as motivações dos su-jeitos para experimentarem a ayahuasca. Entre asperguntas formuladas no roteiro, as mais impor-tantes foram: “Como você teve contato com aUnião do Vegetal/Santo Daime?”; “O que o(a) levaa querer experimentar a ayahuasca?”.

Clinical InterClinical InterClinical InterClinical InterClinical Interview Schedule-Revised editionview Schedule-Revised editionview Schedule-Revised editionview Schedule-Revised editionview Schedule-Revised edition(CIS-R) –(CIS-R) –(CIS-R) –(CIS-R) –(CIS-R) – É uma entrevista estruturada que detecta aocorrência e a intensidade de sintomaspsicopatológicos menores. Validada no Brasil porBotega et al.2, este instrumento foi aplicado no T0 eno T1, avaliando as seguintes dimensões: sintomassomáticos; fadiga; falta de concentração; alteraçõesdo sono; irritabilidade; preocupações com o funcio-namento corporal; depressão; idéias depressivas; pre-ocupações; ansiedade; fobias; pânico; compulsões; ob-sessões. Cada sintoma corresponde a uma seção doinstrumento. Cada seção é composta por quatro itens,com a pontuação variando de 0 a 4 (com exceção dealterações no sono, cuja pontuação varia de 0 a 5).Respostas positivas em dois ou mais itens significam aocorrência do sintoma. A obtenção do total de pon-tos dá-se pela soma do que foi anotado em cada umadas 14 seções; o potencial total dos pontos é 57, e anota de corte para o estabelecimento de casos e não-casos situa-se entre 11 e 12 pontos.

Inventário de mudanças comportamentais re-Inventário de mudanças comportamentais re-Inventário de mudanças comportamentais re-Inventário de mudanças comportamentais re-Inventário de mudanças comportamentais re-lativas a aspectos psicossociais – lativas a aspectos psicossociais – lativas a aspectos psicossociais – lativas a aspectos psicossociais – lativas a aspectos psicossociais – Aplicado no T0e no T1, trata-se de um roteiro de entrevista semi-estruturada em audioteipe elaborado para levantarcognições, sentimentos e ações dos sujeitos em rela-ção a aspectos psicossociais relevantes: vida familiar;vida profissional/financeira; aspectos interpessoais di-versos, que incluem toda gama de relaçõesinterpessoais não-envolvidas no ambiente familiar ouprofissional; auto-estima; influência de eventosestressores, que aborda eventos de vida que exerceminfluências atuais sobre o sujeito; autopercepção doestado físico e da saúde. Iniciava-se a exploração des-tes aspectos com uma pergunta básica: “Como estásua vida em família?”. Em seguida, explorava-se aquestão mais detalhadamente com perguntas como:“Como você está em relação a isso?”.

Desenho

Usou-se um desenho prospectivo no qual 28sujeitos foram avaliados de um a quatro dias an-tes da primeira experiência r itual com aayahuasca (tempo 0 ou T0) e entre sete e 14 diasapós (tempo 1 ou T1). Dezenove experimenta-ram a ayahuasca no Santo Daime e nove, naUnião do Vegetal. O estudo foi realizado em di-versos templos do Santo Daime e da União doVegetal na região da Grande São Paulo e emCampinas, utilizando-se técnicas qualitativas equantitativas.

Recrutamento

O recrutamento deu-se mediante indicação demembros dos grupos religiosos responsáveis pelainstrução prévia aos novatos sobre os procedimen-tos a serem seguidos nos rituais. Os novatos queaceitavam participar do estudo foram encaminha-dos ao pesquisador. As avaliações iniciaram-se coma apresentação do termo de consentimento, no qualse deixavam claras a natureza voluntária da partici-pação e a garantia de anonimato. As avaliações fo-ram feitas em locais escolhidos pelos sujeitos.

Settings rituais da UDV e do Santo Daime

Entre a primeira e a segunda avaliação, todosos sujeitos tiveram uma única experiência ritualcom a ayahuasca. Os rituais caracterizam-se pelaatualização constante de temas do repertório dou-trinário da UDV/Santo Daime e por rigorosas pres-crições comportamentais a serem seguidas duran-te a cerimônia. Os temas versam sobre paz, amore virtudes morais como bondade, fraternidade ejustiça. Elementos míticos, referentes à cosmologiaespecífica das religiões, também são freqüentes.Há algumas importantes diferenças entre os ritu-ais da UDV e do Santo Daime. No Santo Daime, adoutrina é atualizada mediante o hinário/bailado,no qual demanda-se dos participantes uma ativaparticipação na cantoria de hinos e em passos exe-cutados sincronicamente. Instrumentos musicaisresponsáveis pela melodia e por vigorosa percus-são sustentam a melodia e a dança. As cerimôniasduram entre quatro e 12 horas. Na UDV, os pro-cedimentos são mais diversificados, envolvendodos participantes aos oficiantes e músicas execu-tadas em aparelhos de som. O equivalente doshinos na UDV, denominado chamada, é executa-

Barbosa & Dalgalarrondo O uso ritual de um alucinógeno no contexto urbano

Page 18: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

184 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Mapeamento fenomenológico dos estados al-Mapeamento fenomenológico dos estados al-Mapeamento fenomenológico dos estados al-Mapeamento fenomenológico dos estados al-Mapeamento fenomenológico dos estados al-terados de consciência (EACs) produzidos pelaterados de consciência (EACs) produzidos pelaterados de consciência (EACs) produzidos pelaterados de consciência (EACs) produzidos pelaterados de consciência (EACs) produzidos pelaayahuascaayahuascaayahuascaayahuascaayahuasca – – – – – Aplicado no T1, consiste também emum roteiro para entrevista em audioteipe que con-templa os seguintes aspectos acerca dos EACs:afetividade; pensamento; senso de identidade, queconsiste na percepção de elementos psicológicos ecorporais que compõem referenciais para comporimagens de si mesmo enquanto vivência de unida-de ao longo de sua biografia e em oposição ao meio;percepção; cenestesia; cinestesia; volição/controle,que refere-se à capacidade de interação ativa comos diversos aspectos de sua atividade psíquica oumotora; senso espaço-temporal. Os diversos aspec-tos dos EACs foram eliciados mediante perguntascomo “Você sentiu mais calma ou mais excitaçãodurante a experiência?”, “Como era esta calma ouesta excitação?” (afetividade). “Você chegou a sesentir diferente do que é durante o dia-a- dia?”,“Como era isso?” (senso de identidade).

Análise

Para os dados coletados pelos instrumen-tos quantitativos, utilizou-se o programa SASSystem for Windows (Stat is t ica l Analys isSystem), versão 8.218. Na análise da CIS-R foiusado o teste de Wi lcoxon. Nos dados

sociodemográficos, as variáveis categóricas fo-ram analisadas segundo o teste exato de Fischer;na variável contínua idade usou-se o teste exa-to de Mann-Whitney. Todas as variáveis foramanalisadas na amostra como um todo e com-parando-se os grupos do Santo Daime e daUDV. O nível de significância adotado foi de 5%.

Nos dados coletados pelos instrumentos qua-litativos utilizaram-se procedimentos de análisefenomenológica e de conteúdo. A partir do rela-to dos sujeitos, estabeleceram-se os padrõesvivenciais mais freqüentes da amostra, reunidosem categorias dimensionais. Os dados relativosàs motivações foram expostos em tabelas. Os da-dos relativos a mudanças comportamentais e aosestados alterados de consciência foram expostosem forma de texto, com trechos de relatos ilus-trando as categorias.

Tabela 1 – Idade

n Média DP Mín Máx Mediana

Santo Daime 19 33 12,41 18 56 31UDV 9 41,89 10,83 27 56 42

TTTTTotalotalotalotalotal 2828282828 35,8635,8635,8635,8635,86 12,4612,4612,4612,4612,46 1818181818 5656565656 33,533,533,533,533,5

p valor = 0,0734.

Tabela 2 – Outras variáveis sociodemográficas

Variável Categoria Santo Daime UDV Total(n = 19) (n = 9) (n = 28)

Sexo Feminino 11 (57,89%) 5 (55,56%) 16 (57,14%)Masculino 8 (42,11%) 4 (44,44%) 12 (42,85%)

Estado civil* Casado 5 (26,32%) 8 (88,89%) 13 (46,42%)Separado 4 (21,05%) 0 (0%) 4 (14,28%)Solteiro 10 (52,63%) 1 (11,11%) 11 (39,28%)

Instrução Médio 11 (57,89%) 2 (22,22%) 13 (46,42%)Superior 7 (36,84%) 6 (66,67%) 13 (46,42%)

Pós-graduação 1 (5,26%) 1 (11,11%) 2 (7,14%)

*p valor = 0,01.

Resultados

Perfil sociodemográfico

Os dados sociodemográficos da população es-tudada são apresentados nas TTTTTabelas 1 abelas 1 abelas 1 abelas 1 abelas 1 e 2 2 2 2 2. Háuma tendência à diferença entre as faixas etáriasdos grupos (p valor = 0,0734) e uma diferençasignificativa no estado civil (p valor = 0,01).

O uso ritual de um alucinógeno no contexto urbano Barbosa & Dalgalarrondo

Page 19: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

185J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Motivações prévias ao uso

A TTTTTabela 3 abela 3 abela 3 abela 3 abela 3 sumariza as motivações para ex-perimentar a ayahuasca. A seguir descrevem-seas várias dimensões identificadas relacionadas àsmotivações ao uso da ayahuasca.

Autoconhecimento – Autoconhecimento – Autoconhecimento – Autoconhecimento – Autoconhecimento – Doze sujeitos alegam aperspectiva de autoconhecimento como razãopara experimentar a ayahuasca, representando42,9% da amostra (33,3% na UDV e 47,7% noSanto Daime). Além de referências à busca ou àperspectiva de autoconhecimento, esta dimensãotambém é composta de alegações como perspec-tiva de conhecimento interior e encontro consi-go mesmo.

Busca pelo despertar de potenciais espiritu-Busca pelo despertar de potenciais espiritu-Busca pelo despertar de potenciais espiritu-Busca pelo despertar de potenciais espiritu-Busca pelo despertar de potenciais espiritu-ais/psicológicos – ais/psicológicos – ais/psicológicos – ais/psicológicos – ais/psicológicos – É uma dimensão que englo-ba expectativas de que a experiência com aayahuasca poderia desvendar capacidades ou atri-butos latentes dos sujeitos que seriam impercep-tíveis em estados comuns, sendo identificada emoito sujeitos, representando 28,6% da amostra(11,1% na UDV e 36,9% no Santo Daime). Taiscapacidades teriam um caráter transcendente,sobrenatural, sendo expressas em termos de ex-pansão da consciência e percepção de outras di-mensões.

Curiosidade –Curiosidade –Curiosidade –Curiosidade –Curiosidade – A curiosidade em experimentaros efeitos da ayahuasca aparece em terceiro lu-gar, com sete sujeitos, representando 25% daamostra (33,3% na UDV e 21% no Santo Daime).

Aflição associada a problemas correntes –Aflição associada a problemas correntes –Aflição associada a problemas correntes –Aflição associada a problemas correntes –Aflição associada a problemas correntes – Estamotivação é alegada por seis sujeitos, sendo to-dos do Santo Daime, representando 31,6% destegrupo religioso e 21,4% da amostra geral. Estesproblemas envolvem, invariavelmente, estressorespsicossociais.

Busca de mais equilíbrio –Busca de mais equilíbrio –Busca de mais equilíbrio –Busca de mais equilíbrio –Busca de mais equilíbrio – Aqui as problemáti-cas não envolvem estressores específicos; trata-seantes de uma perspectiva de bem-estar genéricoou melhora geral no modo de ser. Esta dimensãoé referida por cinco sujeitos, todos do SantoDaime, representando 17,9% da amostra geral e26,3% deste grupo religioso.

Necessidade de participação em um grupoNecessidade de participação em um grupoNecessidade de participação em um grupoNecessidade de participação em um grupoNecessidade de participação em um gruporrrrreligioso –eligioso –eligioso –eligioso –eligioso – Referida por dois sujeitos da UDV, re-presentando 7,1% da amostra geral e 22% destegrupo religioso.

Respostas a questões existenciais biográficasRespostas a questões existenciais biográficasRespostas a questões existenciais biográficasRespostas a questões existenciais biográficasRespostas a questões existenciais biográficas––––– Referidas por um sujeito de cada grupo, repre-sentado 7,1% da amostra geral, 11,1% da UDV e5,3% do Santo Daime.

Mapeamento fenomenológico dos EACsinduzidos pelo uso ritual da ayahuasca

Fenômenos visuais – Fenômenos visuais – Fenômenos visuais – Fenômenos visuais – Fenômenos visuais – Dezoito sujeitos (64,3%)relataram experiências visuais extraordinárias, en-volvendo luzes caleidoscópicas, figuras geométri-cas, túneis, figuras animais, humanas e de seressobrenaturais. Freqüentemente, tais experiênciasvisuais propiciavam intenso gozo estético: “(...)como se fossem rios que corriam simetricamen-te, uma abóbada grande (...) cores, reflexos”.

Paz – Paz – Paz – Paz – Paz – Quinze sujeitos (57,1%) relataram vivênciasde paz e relaxamento. Chama especial atenção aprevalência de 88,9% (oito sujeitos) desta vivênciano grupo da UDV em relação aos 42,1% (sete su-jeitos) do grupo do Santo Daime.

Numinosidade – Numinosidade – Numinosidade – Numinosidade – Numinosidade – Foram identificados em 12 su-jeitos (42,9%) elementos coerentes com o quetem sido descrito como o numinoso, ou seja, osentimento singular típico da experiência religio-sa, que envolve fascinação e terror decorrentes

Tabela 3 – Motivações alegadas para experimentar a ayahuasca

UDV Santo Daime Total(n = 9) (n = 19) (n = 28)

Autoconhecimento 3 (33,3%) 9 (47,4%) 12 (42,9%)Despertar de potenciais espirituais/psicológicos 1 (11,1%) 7 (36,9%) 8 (28,6%)Curiosidade 3 (33,3%) 4 (21%) 7 (25%)

Aflição em relação a problemas correntes 0 (0%) 6 (31,6%) 6 (21,4%)Busca por melhora ou mais equilíbrio 0 (0%) 5 (26,3%) 5 (17,9%)Necessidade de participação em grupo religioso 2 (22%) 0 (0%) 2 (7,1%)Questões existenciais e biográficas 1 (11,1%) 1 (5,3%) 2 (7,1%)

Outras 1 (11,1%) 2 (10,5%) 3 (10,7%)

Barbosa & Dalgalarrondo O uso ritual de um alucinógeno no contexto urbano

Page 20: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

186 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

da percepção da presença de uma instância as-cendente e poderosa16. Chama a atenção aqui aprevalência de 52,6% (dez em 19 sujeitos) nogrupo do Santo Daime em relação à prevalênciade 22,2% (dois em nove sujeitos) no grupo daUDV: “Me senti em contato com algo que sem-pre existiu (...) muito antigo, muito maior, muitomais vasto, uma presença de algo ancestral, mui-to sábio, muito forte, além do humano”.

Insights –Insights –Insights –Insights –Insights – Onze sujeitos (39,3%) referiram a ocor-rência compreensões repentinas sobre seus pró-prios comportamentos ou sobre sua situação nomundo: “Pensei muito sobre meus relacionamen-tos com namorados, desde quando eu tinha uns17 anos (...) E de repente eu comecei a avaliar omeu comportamento e vi que era parecido comtodos eles (...) Me mostrou que eu sou uma pes-soa muito autoritária, muito exigente”.

Em alguns relatos constata-se intensa fascina-ção decorrente dos insights, aos quais os sujeitosatribuem significações extraordinariamente pro-fundas: “Eu tava pensando na minha ex-namora-da (...) ‘Meu Deus, eu sofro tanto por causa destamulher, eu amo ela tanto’. E aí o pensamento meveio: ‘O amor por ela não me faz sofrer; o que mefaz sofrer é a falta de amor por mim’. Achei umpensamento fantástico”.

Freqüentemente, os insights estiveram associa-dos à atribuição de extraordinária importância atemas atualizados pelo ritual: “O Daime fala mui-to em ajudar, e eram coisas que eu já ouvia desdepequena, mas não entra na tua consciência. E láparece que de repente você fica mais sensívelàquilo (...) fica mais real para você”.

Várias outras experiências foram mencionadascomo indicadores da transição de um estado nor-mal para um estado alterado de consciência: expe-riências de despersonalização/dissociação diversas,tais como uma vivência de desdobramento em queo sujeito era objeto de influxo de intensas experiên-cias concomitantemente à posição de expectadorpassivo de si mesmo (um sujeito; 3,6%) e vivênciasem que se sentia a separação entre consciência ecorpo (seis sujeitos; 21,4%); alterações em percep-ções auditivas, como vozes que falavam ao sujeito(cinco sujeitos; 17,6%), e proprioceptivas, comosensações de leveza e flutuação (11 sujeitos; 39,3%);e vivências de dilatação e/ou condensação no sensode passagem do tempo (nove sujeitos; 32,1%).

Em um sujeito houve uma reação intensamenteestressora, envolvendo extrema angústia decorren-

te da ocorrência de uma idéia que lhe impunha acerteza da morte próxima de sua filha, que na épo-ca estava passando por um tratamento médico emfunção de um tumor benigno no ouvido. Esta im-posição foi atribuída pelo sujeito, no momento desua ocorrência, àquilo que ele denominava seu eusuperior, mencionado como uma das principaismotivações para experimentar a ayahuasca: “(...) eusenti muito desprazer (...) o eu superior falando quea Clara ia morrer (...)”.

Constatou-se ainda que a configuração desta ex-periência envolveu interpretações idiossincráticas dosetting ritual, que passou a ser considerado veículo eparte da manifestação da suposta latência espiritualdenominada eu superior e de sua terrível profecia:“Eu comecei a realmente perceber, a sentir (...) real-mente o significado de toda aquela dança, da letra damúsica, que eu achava que era meio bobo. Aí ele (oeu superior) me mostrou qual era o sentido. Me im-portei com o que realmente tava sendo cantado, nasletras (...) eu não estava preparada para aquilo”.

Mudanças comportamentais após aprimeira experiência com a ayahuasca

Serenidade –Serenidade –Serenidade –Serenidade –Serenidade – Identificaram-se em oito sujeitos(28,6%) atitudes caracterizadas por maior tran-qüilidade em relação a aspectos psicossociaisestressantes. Freqüentemente, tais atitudes envol-viam a mitigação de conflitos e tensões em relacio-namentos interpessoais. Um sujeito cuja princi-pal queixa no T0 centrava-se em dificuldades navida profissional que geravam intensa ansiedadedá o seguinte relato: “Me sinto muito tranqüilo(...) mais aprumado, tenho dado um tempo mui-to bom para as coisas que deixaram-me bemapreensivo (...) Tenho dormido melhor”.

Assertividade –Assertividade –Assertividade –Assertividade –Assertividade – Cinco sujeitos (17, 9%) referi-ram maior assertividade frente a diversos aspec-tos psicossociais, envolvendo menos hesitação ereafirmações da própria vontade: “(...) eu achoque muitas vezes eu deixava as pessoas fazeremo que queriam, me agradasse ou não. Eu percebique eu tô mais determinada. É sim ou não, é oque eu quero; se não é bom para mim, eu bato opé!”.

Ânimo/alegriaÂnimo/alegriaÂnimo/alegriaÂnimo/alegriaÂnimo/alegria – – – – – Quatro sujeitos (14,3%) menci-onaram mais ânimo e alegria: “Estou mais envolvi-da, mais animada com meus afazeres profissionais”.

Outras mudanças comportamentais menciona-das por dois sujeitos (7,1%) incluem maior carinhoou atenção dispensada a familiares e melhor desem-

O uso ritual de um alucinógeno no contexto urbano Barbosa & Dalgalarrondo

Page 21: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

187J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

penho nas atividades profissionais. Outros dois sujei-tos (7,1%) referiram maior irritação, e um (3,6%),muita preocupação. Este último sendo o mesmo noqual foi identificada a reação de extrema angústiadurante o EAC. Chamam a atenção algumas vivênciasocorridas imediatamente após ou no dia seguinte àexperiência alucinógena, que incluem estados de re-laxamento e de inusitada satisfação (oito sujeitos;28,6%). Ressalta-se ainda que sete sujeitos (25%) re-feriram que, com o passar dos dias, havia perdas gra-duais da força das mudanças comportamentais eemocionais observadas; quanto mais dias se passa-vam, mais tênues ficavam as vivências de serenidade,assertividade, ânimo, preocupação, etc.

Sintomas psiquiátricos menores

A evolução dos sintomas psiquiátricos é ilus-trada na TTTTTabela 4abela 4abela 4abela 4abela 4. No total da amostra, há entreo T0 e o T1 uma significativa queda de 4,04 pon-tos (p = 0,0086). O grupo do Santo Daime, coma diminuição de 5,84 pontos, é o responsável poreste resultado (p = 0,0069), uma vez que a dimi-nuição de 0,23 ponto da UDV não é significativa(p = 0,875).

flutuação e dissociações/despersonalizações12, 13.A associação entre experiências religiosas e o usode alucinógenos também é um fenômeno hámuito observado; alucinógenos ingeridos porpessoas com expectativas religiosas, em settingsreligiosos, favoreceriam a ocorrência de experi-ências místicas, numinosas17. O relato de umapaciente constitui um indicador de que o aumen-to da sugestionabilidade típica de EACs12 parecedesempenhar um importante papel nareceptividade aos conteúdos atualizados pelosetting ritual, estruturando a experiência em di-reções positivas que enfatizam qualidades morais3.

Assim, infere-se que a predominância de ex-periências agradáveis, positivas, carregadas deinsights religiosos e pessoais, seria decorrência,em grande parte, de sets marcados por expectati-vas positivas e dos settings rituais da UDV e doSanto Daime, os quais, mediante a atualização demensagens positivas, contribuiriam para a confi-guração constatada nos EACs.

Entretanto, se por um lado alguns dados su-gerem claras determinações de vivências positi-vas por expectativas e contextos rituaisestruturantes, outros dados sugerem que os EACsinduzidos pela ayahuasca são caracterizados porradicais mudanças nas configurações da consci-ência que tornam a análise de suas interações como set/setting algo mais complexa do que a rela-ção linear traçada até o presente momento. Tome-se como exemplo a reação adversa, em queidiossincrasias na recepção dos eventos rituaiscausaram intensa aflição. Ocorre em quem expe-rimenta uma satisfação de suas expectativas demanifestação de potencialidades espirituais laten-tes (o eu superior manifesta-se); no entanto talmanifestação voltou-se contra o sujeito, impon-do-lhe a idéia do iminente falecimento da filha.

Identificam-se nesta experiência alterações for-mais do estado de consciência, de rupturas radi-

Tabela 4 – Escores da média e da mediana da CIS-R antes (T0) e após (T1) a primeira experiênciacom a ayahuasca

n Média MedianaT0 T1 T0 T1

Santo Daime 19 11 ± 8,8 5,2 ± 4,3 13 4*UDV 9 2,6 ± 2,5 2,3 ± 3,9 2 1

TTTTTotalotalotalotalotal 2828282828 8,3 ± 8,38,3 ± 8,38,3 ± 8,38,3 ± 8,38,3 ± 8,3 4,3 ± 4,34,3 ± 4,34,3 ± 4,34,3 ± 4,34,3 ± 4,3 5,55,55,55,55,5 3*3*3*3*3*

*p < 0,05.

Discussão

Os dados relativos às motivações prévias aouso sugerem que a população estudada é sensí-vel aos apelos da ayahuasca como suposto veícu-lo facilitador da satisfação de anseios existenciaise espirituais. Das motivações alegadas,depreendem-se, portanto, atitudes otimistas antea possibilidade de uma experiência positiva de-corrente da ingestão ritual da ayahuasca.

Grande parte dos fenômenos identificados nosEACs estão conforme o que há muito foi descritocomo efeitos invariantes de substâncias alucinó-genas, tais como alterações perceptivas diversas,notadamente fenômenos visuais, sensação de

Barbosa & Dalgalarrondo O uso ritual de um alucinógeno no contexto urbano

Page 22: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

188 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

cais com os estados normais, incluindo vivênciasde perda de controle do fluxo de consciência. Estefenômeno, caracterizado pela vivência da impo-sição de idéias por um agente externo, foi identi-ficado como uma das qualidades transculturaisdos EACs induzidos pela ayahuasca, que ocorre-riam independentemente das diferenças de set/setting19. Nos demais relatos, expressões como meveio e me mostrou denunciam a presença destaqualidade também em EACs positivos, subjazendovivências numinosas e insights, conferindo a elasmaior ressonância emocional e significação. Es-tes fatos indicam que a análise das determinaçõesdas configurações dos EACs sobre os modos comoelementos do set/setting são vivenciados porquem experimenta é tão importante quanto aanálise das determinações do set/setting sobre osEACs.

Não é surpreendente a ocorrência de insights.Desde a segunda metade do século XX, profissio-nais da área da saúde mental vêm defendendo ouso de alucinógenos como adjuntos empsicoterapia, alegando o potencial destas subs-tâncias em facilitar processos de associação e me-mória9, 20. Na perspectiva dos acólitos da UDV edo Santo Daime, insights obtidos durante a ex-periência alucinógena constituem uma das basesdo autoconhecimento e da evolução espiritual6.Pesquisas retrospectivas confirmam os achados daocorrência de insights pessoais na primeiraexperiência ritual com a ayahuasca10.

Embora a alegada propriedade da ayahuascade propiciar insights e autoconhecimento pareçamuito sedutora à primeira vista, os relatos de fas-cínio em relação a aspectos diversos da experiên-cia constituem-se em fortes indícios da atuaçãoda já descrita sugestionabilidade dos estados al-terados12. Assim, há que se ter uma postura cau-telosa e considerar a possibilidade de atribuiçãoàs experiências de uma importância ou significa-ção desproporcionalmente maior do que o realalcance de suas conseqüências na vida daqueleque experimenta.

O achado mais intrigante no mapeamento foia alta incidência de estados de tranqüilidade nosEACs. Embora experiências de paz e silêncio inte-rior já tenham sido observadas como possibilida-des da experiência alucinógena1, 17, a freqüênciade 57,1% contrasta com caracterizações majori-tárias de labilidade emocional e excitações estéti-cas, místicas ou ansiosas atribuídas a esta classe

de substâncias 8, 21, sugerindo que propriedadessedativas observadas nas betacarbolinas15 exerçamuma função específica na configuração geral dosefeitos da ayahuasca, combinando-se com suaação alucinógena. A diferença nas freqüências deestados de tranqüilidade entre os rituais do SantoDaime e da UDV sugere ainda interações entreaspectos do setting e as propriedadespsicofarmacológicas da beberagem: a profusão deestímulos motores e sonoros do Santo Daime es-timularia efeitos mais próximos a excitações alu-cinógenas típicas, ao passo que a ausência de es-tímulos motores e a posição relaxada nos rituaisda UDV favoreceriam efeitos tranqüilizantes.

Os dados da CIS-R indicam uma marcante re-dução nos sintomas psiquiátricos nos dias seguin-tes à primeira ingestão da ayahuasca. Os sujeitosdo Santo Daime, que apresentaram no períodoprévio à ingestão mais sintomas psiquiátricos, sãoos responsáveis por este resultado. Outro interes-sante achado sobre a semana seguinte ao EAC foio estabelecimento de comportamentos mais se-renos, assertivos e alegres levantados pelas entre-vistas semi-estruturadas.

A mitigação de sintomas psiquiátricos e asmudanças comportamentais favorecem interpre-tações baseadas na psicologia da conversãoreligiosa, em que transformações de personalida-de, caracterizadas por maior harmonia, seguran-ça e otimismo, se seguiriam a experiências trans-cendentes, marcadas por excitação emocional eperceptiva11, 22. As perspectivas mais otimistas so-bre os efeitos dos alucinógenos favorecem estemodelo22. Entretanto não seria prudente não le-vantar duas hipóteses mais modestas, que, semnecessariamente excluir a anterior, podem estaratuando nas configurações destes resultados: umaconcernente ao rompimento da monotonia coti-diana, outra a processos de sugestão.

Fenômenos visuais extraordinários eexperiências numinosas podem funcionar, aomenos temporariamente, como antídotos aoaborrecimento causado pela repetição monóto-na do dia-a-dia, carente de eventos excepcionaisque mobilizem entusiasmo. Isto se torna parti-cularmente verdadeiro no perfil de indivíduos declasses médias urbanas da amostra, cujas moti-vações para experimentar a ayahuasca refletemdesejos de transcendência em relação à vida di-ária. Um outro efeito salutar deste rompimentocom o cotidiano consistiria na abrupta interrup-

O uso ritual de um alucinógeno no contexto urbano Barbosa & Dalgalarrondo

Page 23: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

189J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

ção de ciclos ansiogênicos decorrentes de pro-blemas psicossociais diversos; durante os EACs,experiências de numinosidade e paz tomariamo lugar de preocupações decorrentes de proble-mas familiares, profissionais, etc., relegando-osa um plano secundário, o que se estenderia nosdias após os EACs.

Foi mencionado anteriormente o importan-te papel que a sugestionabilidade desempenhana configuração dos EACs. Os relatos sobre asmotivações e as experiências durante e após aintoxicação sugerem combinações sinergísticasde vários processos envolvendo a sugestão naconfiguração das melhoras emocionais ecomportamentais: 1) as motivações alegadas debuscas existenciais, espirituais, etc. denunciamdesejos de mudança em modos de se relacionarcom o mundo e consigo mesmo, o que parecesugestionar o sujeito a se comportar, ou ao me-nos relatar mudanças comportamentais concor-des com aqueles desejos; 2) os eventos marcantesdo EAC, de elação míst ica e excitaçõesperceptuais vivenciadas em contextos rituaisexóticos, satisfazendo o desejo de transcendênciado cotidiano, funcionariam como pretextos aossujeitos para concretizarem mudançascomportamentais anteriormente aspiradas; 3) asugestionabilidade às mensagens rituais inicia-

das no EAC, de valorização de condutas balizadaspor valores morais, perdurariam nos dias seguin-tes ao estado intoxicado, marcando o estadoemocional e os comportamentos.

Por fim, ressalta-se que, na amostra estuda-da, não se registraram, na semana seguinte àexperiência com a ayahuasca, indícios de rea-ções psicológicas graves, o que corrobora osachados de estudos anteriores sobre a relativasegurança da experiência alucinógena quandoingerida em settings estruturantes por sujeitosnão-psicóticos e sem alterações psicopato-lógicas significativas20.

Este é o primeiro estudo prospectivo a avaliaro impacto em curto prazo do uso ritual daayahuasca. Seu caráter exploratório demanda in-vestigações posteriores de seus achados. O n re-duzido é um significativo obstáculo à generaliza-ção, que deve ser superado futuramente comamostras maiores e mais diversificadas.

Referências

1. Barron F, Jarvik ME, Bunnel S Jr. Hallucinogenic drugs. Sci Amer1964; 210: 29-37.

2. Botega NJ, Pereira WAB, Bio MR, Garcia JC, Zomignani MA.Psychiatric morbidity among medical inpatients: astandardized assessment (GHQ-12 and CIS-R) using layinterviewers in a Brazilian hospital. Soc Psychiatry PsychiatrEpidemiol 1995; 30: 127-31.

3. Brissac SCT. A estrela do norte iluminando até o sul: umaetnografia da União do Vegetal em um contexto urbano(dissertação). Rio de Janeiro (RJ): Museu Nacional; 1999.

4. Casenave SOS. Banisteriopsis caapi: ação alucinógena e ritual.Rev Psiquiatr Clín 2000; 27: 32-5.

5. Cole JO, Katz MM. The psychotomimetic drugs: an overview.JAMA 1964; 187: 758-61.

6. Couto FR. Sinais dos tempos: santos e xamãs (dissertação).Brasília (DF): UnB; 1989.

7. Dobkin de Rios, M. A modern-day shamanistic healer in theperuvian amazon: pharmacopoeia and trance. JPsychoactive Drugs 1989; 21: 91-9.

8. Fischer R. A cartography of the ecstatic and meditative states.Science 1971; 174: 897-904.

9. Grinspoon L, Bakalar JB. Psychodelic Drugs Reconsidered. NewYork: Basic Books; 1979.

10. Grob CS, Mackenna DJ, Callaway JC, Brito GS, NevesE S , O b e r l a e n d e r G e t a l . H u m a np s y c h o p h a r m a c o l o g y o f h o a s c a : a p l a n thallucinogen used in ritual context in Brazil. J NervMent Dis 1996; 184: 86-94.

11. James W. As variedades da experiência religiosa. São Paulo:Cultrix; 1992.

12. Ludwig AM. Altered states of consciousness. Arch GenPsychiatry 1966; 15: 225-34.

13. Luz P. O uso ameríndio do caapi. In: Labate BC,Araújo WS, organizadores. O uso ritual da ayahuasca. 1.ed. Campinas: Mercado de Letras; 2002. p. 35-65.

14. MacRae E. Guiado pela lua: xamanismo e uso ritual daayahuasca no culto do Santo Daime. São Paulo: Brasiliense;1992.

Agradecimentos

Gostaríamos de expressar nossa gratidão aAndréa F. Semolini e Helymar C. Machado, daComissão de Pesquisa Estatística, FCM/Unicamp,pelo apoio estatístico.

Barbosa & Dalgalarrondo O uso ritual de um alucinógeno no contexto urbano

Page 24: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

190 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

15. Ott, J. Ayahuasca analogues. Kennewick (WA): Natural ProductsCo.;1994.

16. Otto, R. O sagrado. Lisboa: Edições 70; 1991.17. Pahnke WN, Richards WA. Implications of LSD and experimen-

tal mysticism. In: Tart CT, editor. Altered states ofConsciousness. New York: Anchor Books; 1971. p. 409-39.

18. SAS Institute Inc, 1999-2001, Cary, NC, USA.19. Shannon B. Ayahuasca, mind and consciousness. Noetic Journal

1999; 3: 305-15.

20. Strassman RJ. Hallucinogenic drugs in psychiatric research andtreatment: perspectives and prospects. J Nerv Ment Dis1995; 183: 127-38.

21. Szara, S. The hallucinogenic drugs: curse or blessing? Am JPsychiatry 1967; 123: 1513-8.

22. Unger SM. Mescaline, psilocybin and personality change.Psychiatry 1963; 26: 111-25.

Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Endereço para correspondência

Paulo César Ribeiro Barbosa

A/C DFCHUniversidade Estadual de Santa CruzDepartamento de Filosofia e Ciências HumanasRodovia Ilhéus-Itabuna (BR 415) km 16CEP 45650-000 – Bahia-BA

Tel.: (73) 680-5171Fax: (73) 680-5230

e-mail: [email protected]

O uso ritual de um alucinógeno no contexto urbano Barbosa & Dalgalarrondo

Page 25: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

191

R e s u m o

O delírio é um dos fenômenos mais centrais e intrigantes da psicopatologia. O conhecimento de seus mecanismos etiológicos,assim como de suas implicações clínicas, ainda é insatisfatório. Dá-se ênfase atualmente às chamadas dimensões do delírio (graude convicção, extensão, bizarrice, desorganização, pressão, resposta afetiva e atuação ou comportamento desviante). Este estu-do visou a avaliar tais dimensões, além das características definidas por Jaspers em 24 pacientes intensamente delirantes. Alémdisso, compararam-se características demográficas, clínicas e cognitivas de pacientes delirantes (n = 83) com as de pacientes nãodelirantes (n = 111). Os pacientes delirantes apresentaram um melhor desempenho cognitivo que os não-delirantes. O compor-tamento desviante em função do delírio apresentou-se relacionado à resposta afetiva e ao grau de convicção, e este, por sua vez,relacionou-se à resposta afetiva ao delírio.

Unitermosdelírio; psicopatologia; dimensões; psicose

S u m m a r yDelusion is certainly one of the most important and intriguing phenomena in psychopathology. Knowledge about its causal mechanisms

and clinical consequences is still rather insufficient. Lately, emphasis has been laid upon the so-called dimensions of delusion (conviction,extension, bizarreness, disorganization, pression, affective response and action upon delusion). This study attempted to explore thesedimensions, as well as the Jaspersian characteristics, in 24 highly delusional patients. Besides, delusional patients (n = 83) were comparedto non-delusional ones (n = 111) in terms of demographic, clinical and cognitive variables. A better cognitive performance was found in thedelusional group. The abnormal behavior linked to delusion correlated both to affective response and to the degree of conviction. Affectiveresponse to delusion and conviction were also associated to each other.

Unitermsdelusion; psychopathology; dimensions; psychosis

1Professor livre-docente.2Médica residente.3Professor doutor.Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria (DPMP), Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp).

Delírio: características psicopatológicas edimensões comportamentais

em amostras clínicasDelusion: psychopathological characteristics and behavioraldimensions in clinical samplesPaulo Dalgalarrondo1; Clarissa de Rosalmeida Dantas2; Cláudio Eduardo Muller Banzato3;Mário Eduardo Costa Pereira3

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (3): 191-199, 2003

Recebido em: 21.11.02

Aprovado em: 12.03.03

Page 26: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

192 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Introdução religioso ou mesmo paranóide); assim, a impos-sibilidade de conteúdo pode não estar presenteou ser passível de exame. Da mesma forma, aincompreensibilidade psicológica, à luz de teori-as psicológicas e técnicas de exames mais sofisti-cadas, não parece ser um dado absoluto, varian-do também em graus, de paciente para paciente.

A fim de expandir a noção do delírio e torná-la mais relevante para a clínica, Kendler et al.13

propuseram que a análise da atividade deliranteconsidere algumas dimensões ou vetores, taiscomo: 1. grau de convicção do paciente em seudelírio; 2. extensão (o quanto o delírio envolvediferentes áreas da vida do paciente); 3. bizarrice(grau de não-plausibilidade e impossibilidade oudivergência em relação às crenças culturais cor-rentes); 4. desorganização (grau de inconsistên-cia interna ou de desorganização da narrativa dodelírio); 5. pressão (grau de preocupação eenvolvimento com o delírio). Outros autores2, 22

têm sugerido as dimensões afeto ou respostaafetiva e atuação ou comportamento desviante,decorrentes ou associados ao delírio.

Aspectos práticos mais relevantes em termos dasconseqüências pessoais e sociais do delírio são a atu-ação e o comportamento desviante do paciente as-sociado às idéias delirantes. Comportamentos heteroe auto-agressivos (atos suicidas e homicidas, destrui-ção de objetos) e atos socialmente lesivos perpetra-dos por pacientes delirantes são muito significativose implicam sofrimento e estigmatização para os pa-cientes e seus familiares23, 24.

A fim de avaliar as características psicopa-tológicas do delírio em pacientes em nosso meiosociocultural, assim como algumas das dimensõesclínicas e comportamentais associadas a essa ati-vidade delirante, realizamos a presente pesquisa.

O delírio é considerado um dos fenômenosmais fundamentais e intrigantes da psicopatologiae da clínica psiquiátrica20. Embora tenha sido, nosúltimos dois séculos, um dos temas mais estuda-dos5, a compreensão dos mecanismos produto-res do delírio, assim como de suas mais significa-tivas implicações clínicas e terapêuticas, ainda é,em larga medida, insuficiente17.

Apesar das clássicas contribuições de KarlJaspers (1946/1993)12, a própria definição de de-lírio ainda é tema de sérias controvérsias20, 25. Oconsenso histórico aceito até hoje é de que o de-lírio deva ser considerado um juízo falso, deter-minado por fatores mórbidos. Assim o delírio éum erro do ajuizar, originado na doença mental.Sua base é mórbida; ele deve ser sempre motiva-do por fatores patológicos (e não exclusivamenteculturais, por exemplo)7.

Karl Jaspers12 considera que deva haver algunselementos básicos para o seu reconhecimento, ca-racterísticas externas (nas suas palavras) que in-diquem a presença do delírio, a saber:

1. convicção extraordinária, ou seja, uma certe-za subjetiva incomparável;

2. não ser influenciável pela experiência, haven-do impossibilidade de modificação por provasde realidade;

3. impossibilidade de conteúdo (o delírio é umjuízo falso, incompatível com a realidade).

Ainda, nesta linha, em relação à origem dodelírio, Jaspers12 acrescenta um quarto elemento:

4. incompreensibilidade psicológica (o delírio ver-dadeiro é um fenômeno primário, nãoredutível a fenômenos psicológicos compreen-síveis).

As características do delírio sugeridas porJaspers12, embora fundamentais na evolução his-tórica do constructo delírio, são relativamente rí-gidas e muitas vezes não correspondem exata-mente àquilo que encontramos na prática clínica.

No plano da clínica, ao se cotejar os pacien-tes reais, encontram-se muito freqüentemente, aoinvés da convicção inabalável, graus variáveis deconvicção que se apresentam na forma de umcontinuum. Muitas vezes o tema do delírio nãopermite nenhuma prova de realidade com a qualo paciente possa ser confrontado (é o caso dosdelírios ditos não-bizarros, de conteúdo místico,

Pacientes e métodosEste trabalho dividiu-se em duas fases. Na pri-

meira compararam-se pacientes delirantes comnão-delirantes, e na segunda analisaram-se váriasdimensões do delírio num grupo de pacientes in-tensamente delirantes.

Assim, para a primeira fase foram avaliadas re-trospectivamente 300 internações consecutivas naEnfermaria de Psiquiatria do HC/Unicamp. Os da-dos das internações foram coletados através de umaficha de história psiquiátrica padronizada. Nesta fi-cha constam os seguintes dados e instrumentos de

Delírio Dalgalarrondo et al.

Page 27: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

193J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

avaliação: idade, gênero, tempo de duração da do-ença, número de internações anteriores, Escala deAvaliação Psiquiátrica Breve (BPRS), Escala de Avali-ação de Funcionamento Psicossocial Global (GAS),Escala de Avaliação Familiar Global (Garf),Miniexame do Estado Mental (Cognitivo)(Minimental) e o Teste de Fluência Verbal (TFV).

No BPRS, por convenção, o item Pensamen-tos não-habituais – delírios, na forma por nós uti-lizada, codifica especificamente a presença de idéi-as delirantes. Além disso, este item também avaliaa intensidade das idéias delirantes. Na forma aquiutilizada do BPRS, a pontuação 1 indica ausênciado sintoma; 2, sintoma muito discreto ou ausen-te; 3, discreto; 4, moderado; 5, moderadamentegrave; 6, grave; e 7, extremamente grave.

No total da amostra de 300 casos pudemosidentificar 83 casos com Pensamentos não-habi-tuais – delírio pontuados com 5 ou mais (consi-derados então delirantes); e 111 pacientes compontuação 1 ou 2 (considerados não-delirantes).

A seguir comparamos esses dois grupos (deli-rantes e não-delirantes) em relação às seguintesvariáveis: idade, sexo, tempo de duração dadoença, número de internações anteriores, BPRStotal, GAS e Garf, escore total do Minimental efluência verbal.

Na segunda fase do trabalho, de estudoaprofundado de pacientes intensamente deliran-tes, selecionamos, entre os 83 pacientes do gru-po delirantes, aqueles que obtiveram pontuaçãode 6 ou mais no item Pensamentos não-habituais– delírio do BPRS (ou seja, delírio presente e gra-ve ou extremamente grave). Foram identificados24 pacientes que obtiveram esta pontuação. Aseguir foram localizadas nos prontuários médicosde cada um desses pacientes as descrições deta-lhadas das histórias clínicas e da atividade deli-rante. Os prontuários foram então revisados cui-dadosamente por um dos autores (CRD),aplicando-se a eles um protocolo de avaliação es-pecialmente organizado para esta pesquisa (có-pia deste protocolo está à disposição com os au-tores). Neste protocolo os itens foram, na maiorparte dos casos, quantificados como variáveis dotipo ranking, tendo como possíveis respostas di-ferentes graus de certeza (por exemplo, convic-ção: até que ponto o paciente está convencidoda realidade de seus pensamentos delirantes: 1.forte convicção, 2. convicto, 3. pouca convicção,4. completa ausência de convicção ou crítica em

relação ao delírio). Desta forma, o protocolo deavaliação das histórias clínicas abrangeu os seguin-tes itens:

1. descrição cuidadosa do relato clínico do delí-rio, para confirmação da presença do sintomae detalhamento de suas características;

2. verificação da presença de característicasjaspersianas básicas do delírio12: impossibilida-de do conteúdo, convicção inabalável, impos-sibilidade de modificação pela experiência eincompreensibilidade psicológica;

3. principais conteúdos do delírio: temática dasidéias delirantes como perseguição, ciúme, re-ligioso, auto-referência, sexual, etc.;

4. estrutura do delírio: grau de complexidade ede sistematização;

5. dimensões do delírio2, 13:

• convicção: grau de convencimento da rea-lidade do delírio;

• bizarrice: diferença entre delírio e crenças econvicções culturalmente comuns ou com-partilhadas;

• resposta afetiva do paciente: o quanto o pa-ciente está preocupado e envolvido afetiva-mente com suas idéias delirantes;

• comportamento desviante: o quanto o pa-ciente age em função de seu delírio, assimcomo comportamentos inadequados,aberrantes ou perigosos determinados pe-las idéias delirantes.

Finalmente foram feitos cruzamentos do itemresposta afetiva ao delírio com as variáveis con-vicção e comportamento desviante.

Para análise estatística dos resultados, tanto emrelação à fase 1 como à quantificação operacio-nalizada para a fase 2, utilizaram-se descrição defreqüências, testes de comparação de médias(T-teste) e do teste qui-quadrado (Pearson Chi-Square) para comparação de variáveis descontínuasentre grupos. Consideramos significativos os valo-res de p < 0,05. Utilizou-se o pacote estatístico SPSS10.0 for Windows (1999, SPSS Inc.).

Resultados

Fase 1 – análise dos dois grupos:delirantes (n = 83) em comparaçãocom não-delirantes (n = 111)

Os grupos delirantes e não-delirantes não diferi-ram estatisticamente em relação às seguintes variá-

Dalgalarrondo et al. Delírio

Page 28: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

194 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

veis: idade, número de internações anteriores, tem-po de duração da doença, valor do BPRS total, valo-res do GAS e do Garf (TTTTTabela 1abela 1abela 1abela 1abela 1). Houve uma ten-dência (p < 0,10) a maior freqüência de mulheresno grupo delirantes. Este grupo teve uma pontua-ção significativamente maior no Miniexame do Es-tado Mental e no Teste de Fluência Verbal. Não houvediferença significativa em relação ao diagnóstico psi-quiátrico nos dois grupos (TTTTTabela 2abela 2abela 2abela 2abela 2).

Fase 2: análise descritiva dascaracterísticas do delírio

Os prontuários dos 24 pacientes que obtive-ram pontuação de 6 ou mais no item Pensamen-tos não-habituais – delírio do BPRS foram cuida-dosamente revisados. Através desta revisãoverificou-se que todos estes pacientes apresenta-vam um delírio de forma inequívoca.

Para estes 24 pacientes delirantes a idade médiafoi de 31,7 anos (DP 9,1; mediana 30 anos, mínimo16 e máximo 55 anos), sendo 13 (54,2%) mulherese 11 (45,8%) homens. Os pacientes tiveram altahospitalar com os seguintes diagnósticos: dez(41,7%) transtornos esquizofrênicos (cinco,esquizofrenia paranóide; dois, esquizofreniacatatônica; um, esquizofrenia hebefrênica; dois,transtorno psicótico agudo esquizofreniforme); cin-co (20,8%) episódios maníacos no TAB; cinco(20,8%) depressões (quatro, episódio depressivograve com sintomas psicóticos; um, TAB – episódiodepressivo); dois (8,4%) transtornos psicorgânicos(um, delirium; um, demência subcortical); uma(4,2%) síndrome de dependência do álcool; um(4,2%) transtorno delirante crônico.

Em relação às características jaspersianas dodelírio foi encontrado que: 83% (n = 20) apre-

Tabela 1 – Comparação de características sociodemográficas entre os grupos delirantes (n = 83)e não-delirantes (n = 111)

Característica Delirantes Não-delirantes Valor de psociodemográfica (n = 83) (n = 111) (n = 194)

Idade 34,5 (DP 14) 34,3 (DP 15) NS

Sexo Feminino (57,8%) Feminino (45%) NS (p = 0,061)Tempo de duração da doença (meses) 430,9 (DP 936,7) 295,6 (DP 668,3) NSNúmero de internações anteriores 2,5 (DP 3,3) 2,2 (DP 3,4) NSBPRS total 61,1 (DP 15,4) 53,3 (DP 83,5) NS

GAS 40,4 (DP 17,1) 39,6 (DP 17,3) NSGarf 60,1 (DP 25,9) 60,4 (DP 24,9) NSMinimental 23,7 (DP 5,4) 19,7 (DP 10,5) 0,004Fluência verbal 11,2 (DP 5,6) 9,1 (DP 6,7) 0,045

Testes estatísticos utilizados: para variáveis contínuas, teste de comparação de médias (T-teste); e, para variáveis categoriais, teste qui-quadrado(Pearson chi-square).

Tabela 2 – Comparação entre os grupos delirantes e não-delirantes quanto ao diagnóstico

Diagnóstico Delirantes Não-delirantes Valor de p(n = 83) (n = 111) (n = 194)

Transtornos esquizofrênicos 23 (27,7%) 23 (20,7%) 46 (23,7%)Transtornos depressivos 12 (14,5%) 21 (18,9%) 33 (17%)

Transtorno afetivo bipolar 14 (16,9%) 13 (11,7%) 27 (13,9%)Transtornos mentais orgânicos 6 (7,2%) 6 (5,4%) 12 (6,2%)Transtornos mentais e de comportamento 2 (2,4%) 5 (4,5%) 7 (3,6%) decorrentes do uso de substâncias psicoativasTranstornos neuróticos e de personalidade 6 (7,2%) 11 (9,9%) 17 (8,8%)Outros diagnósticos psiquiátricos 5 (6%) 10 (9%) 15 (7,7%)Pacientes com diagnóstico duvidoso 15 (18,1%) 22 (19,8%) 37 (19,1%) ou sem diagnóstico

Teste estatístico utilizado: teste qui-quadrado (Pearson chi-square); não houve diferença estatística entre os grupos quanto aos diagnósticos psiquiátricos.

Delírio Dalgalarrondo et al.

Page 29: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

195J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

sentavam impossibilidade do conteúdo; 75%(n = 18), convicção inabalável; 71% (n = 17),impossibilidade de modificação pela experiên-cia; e 71% (n = 17), incompreensibilidade psi-cológica do delírio.

Em relação à sistematização e à complexida-de do delírio verificou-se que em 19 casos (79%)os delírios não eram sistematizados, ou seja, erammal organizados, sem uma concatenação consis-tente, e em cinco casos (21%) os delírios eramsistematizados, bem organizados, com históriasricas e bem concatenadas.

Em relação à gravidade de delírio, os indica-dores convicção, bizarrice, pressão, respostaafetiva e comportamento desviante são apresen-tados na TTTTTabela 3abela 3abela 3abela 3abela 3.

Foram analisadas as características do delírioem relação à resposta afetiva do paciente àvivência delirante. Houve uma associação entreresposta afetiva e convicção, comportamentodesviante e impossibilidade de modificação(TTTTTabelas 4 abelas 4 abelas 4 abelas 4 abelas 4 e 5 5 5 5 5).

Temas dos delírios

Finalmente, em relação aos temas dos delírios,encontramos em nossa casuística uma predominân-cia dos delírios persecutórios (75% dos pacientes,n = 18) e de auto-referência (50% dos pacientes, n= 12). Tivemos uma média de dois temas por paci-ente e, como seria de se esperar, em vista da preva-lência dos transtornos de humor na amostra, en-contramos um número correspondente de delíriosde grandeza (25% dos pacientes, n = 6) e de culpa(20% dos pacientes, n = 5). Seis pacientes (25%)apresentaram delírios místicos ou religiosos. Vale apena lembrar aqui a importância para o diagnósticodo conceito jaspersiano de congruência com o hu-mor12. A fim de comparar os temas dos delírios emoutros países e culturas com os dados por nós en-contrados, resumimos na TTTTTabela 6abela 6abela 6abela 6abela 6 os tipos de delí-rios mais freqüentes em diversas culturas.

Tabela 3 – Gravidade de delírio

Convicção Forte convicção 8 (33%) Sim 17 (71%)Convicto 9 (37%)Pouco convicto 2 (8%) Não 7 (29%)Sem convicção (com crítica) 5 (21%)

Bizarr ice Muito bizarro 2 (8%) Sim 14 (58%)Bizarro 12 (50%)Pouco bizarro 6 (25%) Não 10 (42%)Confunde-se com crenças culturais 4 (17%)

Resposta afetiva Muito intensa ou intensa 12 (50%)Pouca resposta afetiva ou indiferente afetivamente ao delírio 12 (50%)

Comportamento desviante Presente 20 (83%) em função do delírio Ausente 4 (17%)

Tabela 4 – Comportamento desviante versus convicção no delírio e comportamento desviante versus bizarrice do delírio

Comportamento Convicção Convicção Total Delírio Delírio Total Resposta Resposta afetiva Totaldesviante presente ausente bizarro não-bizarro afetiva moderada

intensa ou ausente

Muito intenso 5 (20,8%) – 5 (20,8%)5 (20,8%)5 (20,8%)5 (20,8%)5 (20,8%) 3 (12,5%) 2 (8,3%) 5 (20,8%)5 (20,8%)5 (20,8%)5 (20,8%)5 (20,8%) 5 (21%) – 5 (21%)5 (21%)5 (21%)5 (21%)5 (21%)Presente 10 (41,7%) 5 (20,8%) 15 (62,5%)15 (62,5%)15 (62,5%)15 (62,5%)15 (62,5%) 9 (37,5%) 6 (25%) 15 (62,5%)15 (62,5%)15 (62,5%)15 (62,5%)15 (62,5%) 6 (25%) 9 (37%) 15 (62%)15 (62%)15 (62%)15 (62%)15 (62%)Ausente 2 (8,3%) 2 (8,3%) 4 (16,7%)4 (16,7%)4 (16,7%)4 (16,7%)4 (16,7%) 2 (8,3%) 2 (8,3%) 4 (17%)4 (17%)4 (17%)4 (17%)4 (17%) 1 (4%) 3 (12%) 4 (17%)4 (17%)4 (17%)4 (17%)4 (17%)

TTTTTotalotalotalotalotal 17 (70,8%)17 (70,8%)17 (70,8%)17 (70,8%)17 (70,8%) 7 (29,2%)7 (29,2%)7 (29,2%)7 (29,2%)7 (29,2%) 24 (100%)24 (100%)24 (100%)24 (100%)24 (100%) 14 (58,3%)14 (58,3%)14 (58,3%)14 (58,3%)14 (58,3%) 10 (41,7%)10 (41,7%)10 (41,7%)10 (41,7%)10 (41,7%) 24 (100%)24 (100%)24 (100%)24 (100%)24 (100%) 12 (25%)12 (25%)12 (25%)12 (25%)12 (25%) 12 (25%)12 (25%)12 (25%)12 (25%)12 (25%) 24 (50%)24 (50%)24 (50%)24 (50%)24 (50%)

Para o cruzamento de comportamento delirante e convicção, p = 0,031; para o cruzamento de comportamento desviante e bizarrice não houve significância estatística (p = 0,279); parao cruzamento de comportamento desviante e resposta afetiva houve significância estatística (p = 0,037); teste estatístico utilizado: teste qui-quadrado (Pearson chi-square).

Discussão

Embora a presença de delírio constitua, na prá-tica clínica, um dos critérios mais importantes para

Dalgalarrondo et al. Delírio

Page 30: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

196 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

o diagnóstico tanto da esquizofrenia como dosdemais transtornos psicóticos, a definição formalde delírio continua a ser objeto de controvérsia20.Por um lado, as características jaspersianas repre-sentam, no conjunto, elementos aceitos tradicio-nalmente por muitos clínicos e considerados mui-to úteis para a identificação semiológica do delírio.Por outro lado, com os avanços terapêuticos naclínica psiquiátrica (psicofármacos com melhoração antipsicótica e intervenções psicológicas maiseficazes)19, cada uma destas característicasjaspersianas, tomadas isoladamente, revela certafragilidade para uma definição consistente e sa-tisfatória do delírio. Assim, por exemplo, a con-vicção extraordinária e a não-influenciação po-dem diminuir (ou mesmo desaparecer) por açãode drogas antipsicóticas eficazes.

Fase comparativa

Nossos dados da fase comparativa de certomodo reforçam a tese de uma certa inespeci-ficidade do delírio em relação ao diagnóstico psi-quiátrico25. Embora tenha havido predomínio dos

diagnósticos de esquizofrenia (e de outros trans-tornos do grupo das esquizofrenias) na amostrade pacientes estudada, os pacientes esquizo-frênicos representaram apenas uma minoria (cer-ca de um quarto) do total dos casos em quefoi constatada a presença de delírio, e todos osgrupos diagnósticos exibiram taxas razoáveis depacientes delirantes.

Pode-se aventar a hipótese de que a falta de umarelação estreita e específica entre delírio e diagnósticopsiquiátrico seja mais um argumento à tese do delí-rio como alteração psicopatológica inespecífica17.Antes de indicar um transtorno mental específico, odelírio pareceria revelar uma certa autonomiapsicopatológica e ser um indicativo de que se tempor diante um transtorno mental grave7.

O fato de termos encontrado uma correlaçãosignificativa entre desempenho cognitivo/fluên-cia verbal (avaliados, respectivamente, através doMinimental e do TFV) e a presença de delírio me-rece algumas considerações. Deve-se ressaltar queos pacientes delirantes tiveram em média 135meses (11 anos) a mais de duração da doença e

Tabela 5 – Resposta afetiva versus convicção no delírio

Resposta afetiva Convicção presente Convicção ausente Total

Intensa 12 (50%) 0 12 (50%)12 (50%)12 (50%)12 (50%)12 (50%)Moderada ou ausente 5 (21%) 7 (29%) 12 (50%)12 (50%)12 (50%)12 (50%)12 (50%)

TTTTTotalotalotalotalotal 17 (71%)17 (71%)17 (71%)17 (71%)17 (71%) 7 (29%)7 (29%)7 (29%)7 (29%)7 (29%) 24 (100%)24 (100%)24 (100%)24 (100%)24 (100%)

Significância estatística, p = 0,004; teste estatístico utilizado: teste qui-quadrado (Pearson chi-square).

Tabela 6 – Tipos de delírio (em %) em pacientes de Estados Unidos, Áustria e Paquistão

Tipo de delírio EUA* EUA† Áustria¶ Áustria‡ Paquistão‡

(n = 1.136) (n = 111) (n = 639) (n = 126) (n = 108)% % % % %

Perseguição 78,4 80 73,2 79,4 81,5Grandeza ou missão 43 15 4,7 21,4 10,2Religioso 28,4 11 6,6 21,4 4,6

Culpa ou pecado 9,8 2 – 18,9 0Somático, hipocondríaco, 9,1 11 1,4 10,3 3,7 morte

Envenenamento – – – 7,1 13,9Erotomania, erótico – – 2,5 3,1 0,9Ciúmes 0,6 1 4,4 0,8 1,9Gravidez – – – 0,8 0

Estar morto – – – 0,8 1,9

*Appelbaum et al.2; †Andreasen1; ¶Gutiérrez-Lobos et al.11; ‡Stompe et al.21

Delírio Dalgalarrondo et al.

Page 31: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

197J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

um número de internações prévias ligeiramentemaior que o dos não-delirantes. Assim, o melhordesempenho dos delirantes não se explicaria poruma doença supostamente menos grave ou me-nos crônica.

Provavelmente um certo grau de preservaçãocognitiva é condição necessária para que o delí-rio ocorra, ao menos em sua forma mais organi-zada (maior consistência interna)17. Ademais, alémdas habilidades lingüísticas requeridas para aestruturação do delírio, a própria capacidade decomunicação verbal do paciente parece influen-ciar a identificação clínica do fenômeno.

Vale lembrar aqui a tese de Jaspers12, contra-riando a noção predominante no século XIX deque o delírio seria um indicativo de deficiência,de precariedade da capacidade intelectual, e, emconseqüência, um bom nível intelectual pode-ria inibir o surgimento do delírio. Assim, Jaspersrompe com tal postulado, afirmando que, pelocontrário, a inteligência mais desenvolvida nãoimpede o delírio, mas, em certo sentido, traba-lha a favor dele. Nas palavras de Jaspers12: “...há uma concepção que acredita que a condiçãoprévia do delírio é uma debilidade da inteligên-cia. (...) Encontram-se todos os graus de debili-dade intelectual sem idéias delirantes e os delíri-os mais fantásticos e impossíveis são encontradosem inteligências superioras. A crítica não estádestruída nos pacientes delirantes; neles, ela secoloca a serviço do delírio”.

De toda forma, os processos cognitivos en-volvidos no delírio constituem um desafio tantoà psicopatologia como à neuropsicologia6. Vári-os autores4, 14 têm proposto modelosneuropsicológicos do delírio, entretanto eles ain-da são insuficientes para explicar convincente-mente por que indiví-duos inteligentes, com ex-cepcionais habilidades cognitivas, tambémdesenvolvem delírios.

Fase descritivo-analítica

Ao mudarmos a pontuação de corte (de 5para 6) no item Pensamentos não-habituais –delírios do BPRS, ficamos com um grupo de 24pacientes francamente delirantes, objeto de cui-dadosa análise de prontuário. Neste subgrupoencontramos um predomínio bastante acentua-do dos transtornos esquizofrênicos e dos trans-tornos do humor. Não tivemos desta vez paci-

entes com diagnóstico de transtorno neuróticoou de personal idade. Ainda assim, aespecificidade do delírio não foi marcante.

A distinção entre um delírio propriamente dito(primário) na esquizofrenia e um delírio nos trans-tornos do humor (considerado secundário à alte-ração afetiva, também chamado de deliróide oudelírio catatímico) nem sempre é simples18. Naprática diária, a distinção entre delírioesquizofrênico primário e delírio catatímico se-cundário a depressão ou mania vai depender defatores como: a constelação total de sintomas pre-sentes, a história prévia e, fundamentalmente, opadrão evolutivo do quadro (resposta ao trata-mento e grau de recuperação após os episódios)25.

Observamos, portanto, uma interdependênciaentre sintoma e diagnóstico, talvez uma caracte-rística distintiva da psicopatologia3. Por esta ra-zão, inclusive, a tentativa de operacionalizar osdiagnósticos tende a ser problemática, uma vezque os critérios adotados para um dado diagnós-tico dependem dos mesmos diagnósticos para selegitimarem. Em outras palavras, para diagnosti-car o paciente como esquizofrênico, devo identi-ficar o delírio, mas, para identificar o delírio comoverdadeiro, preciso saber que estou diante de umpaciente realmente esquizofrênico. Assim, estabe-lece-se um raciocínio circular no mínimo criticável.

Temas do delírio

A comparação entre a distribuição dos temasdo delírio em outros países (norte dos EUA1,2, Áus-tria11,21 e Paquistão21) e a nossa distribuição é difí-cil e não merece uma explicação simplificada. Osmétodos de coleta do conteúdo dos delírios utili-zados foram distintos, assim como a categorizaçãodos tipos de delírio. Ainda assim, é de se ressaltarque a distribuição de tipos de delírios encontra-dos seja relativamente parecida com a nossa.

Chama a atenção que o tipo de delírio mais fre-qüente em todos os diferentes contextos foi o deperseguição. Esta possível proeminência universal doconteúdo persecutório deve ser mais bem estuda-da. Ela, possivelmente, relaciona-se a aspectos re-correntes do psiquismo humano, tais como o senti-mento básico de vulnerabilidade, o desamparo e operigo diante do mundo16, tão fundamentais nacondição existencial de qualquer ser humano.

Após os delírios de perseguição, encontram-se os de grandiosidade (estes bem mais freqüen-

Dalgalarrondo et al. Delírio

Page 32: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

198 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

tes na amostra norte-americana) e os de con-teúdo religioso. Estes dados também são repro-duzidos por nossos achados. Em outro trabalhorealizado em nossa universidade8, verificamosque os temas religiosos e de grandiosidade esti-veram intimamente associados entre si e associ-ados a quadros maníacos, podendo ter a alta fre-qüência de pacientes com psicoses afetivas emnossa amostra influenciado na distribuição dostemas encontrados no presente estudo. De todaforma, como nossa amostra é relativamente pe-quena, qualquer análise e comparação devemser feitas apenas com extrema cautela.

Embora as características jarpersianas não te-nham sido encontradas em todos os nossospacientes delirantes, elas estavam presentes namaioria deles. A mais freqüente delas foi a impos-sibilidade de conteúdo. Tal fato certamente re-força a pouco refletida assimilação cotidiana en-tre delírio e juízo falso5, a despeito de dificuldadesfilosóficas incontornáveis em se definir segura-mente o que é de fato a realidade15, que proces-sos psicológicos subjazem à dúvida e à certeza eà capacidade de reconhecermos que somos falí-veis9, e como se poderia estabelecer rigorosamen-te a distinção entre falsidade e verdade15.

Em resumo, podemos afirmar que nossos da-dos salientam a utilidade clínica dos parâmetrosjaspersianos, a despeito de, como dissemos ante-riormente, individualmente não constituírem con-dição necessária para a definição (e identificação)do delírio. Mas é a análise das dimensões do delí-rio, discutida a seguir, que talvez represente a prin-cipal contribuição do presente trabalho.

Chama a atenção, como exposto na Tabela 3,que a maioria dos pacientes delirantes estava ple-namente convicta de seus delírios e apresentoualgum tipo de comportamento desviante em fun-ção do delírio. Estes dados seguramente sãoindicativos da gravidade clínica da manifestaçãodelirante na amostra estudada.

Entretanto o que é mais interessante consta-tar é a relação entre as dimensões entre si: o com-portamento desviante (espécie de resultante) as-sociou-se tanto com o grau de convicção nodelírio como com a resposta afetiva ao mesmo.A resposta afetiva intensa, a seu turno, esteveintimamente correlacionada com a convicção nodelírio: todos os pacientes com resposta afetiva

intensa estavam convictos ou fortemente con-victos acerca do delírio. Ela não se mostrou, con-tudo, condição necessária, pois alguns pacien-tes exibiam bastante convicção no delírio adespeito de fraca resposta afetiva. Evidentemen-te, podemos pensar essa relação nos dois senti-dos: convicção levando a uma resposta afetivamais intensa e resposta afetiva determinando ograu de convicção. É provável que ambos osvetores contenham alguma verdade e que a ori-gem do fenômeno delirante permaneça obscu-ra ou ainda não-passível de ser elucidada.

Deve-se ressaltar que o fato de termos en-contrado, em três quartos de nossos pacientesintensamente delirantes, delírios pouco sistema-t izados ou mal organizados ( isto é, semconcatenação consistente) talvez reforce a im-portância da resposta afetiva a uma idéia ou aum pensamento para o efeito de convencimen-to da(o) mesma(o). Ou seja, não seria o graude coerência, o poder persuasivo de um argu-mento bem arquitetado (mesmo que deliran-te), que forneceria a convicção, mas, antes, acarga afetiva vinculada à idéia (mesmo que estaseja incoerente ou mal organizada). O poderde persuasão do delírio, assim como a falta deinsight são questões centrais na psicopatologiado delírio, e sua compreensão ainda necessitade melhor elucidação10.

Embora, como vimos na parte comparativa, umcerto grau de preservação cognitiva pareça impor-tante para a existência do delírio, isto não significanecessariamente que a presença do delírio dependada habilidade cognitiva para estruturar pensamen-tos complexos e consistentes entre si. Tudo pareceindicar que aqueles delírios (bizarros ou não, siste-matizados ou não) capazes de provocar respostaafetiva intensa são justamente os mesmos que tam-bém levam o paciente a atuar em função da convic-ção no mesmo.

Estudos futuros, com instrumental mais refi-nado (por exemplo, uso de escalas sensíveis eabrangentes de avaliação do delírio com confia-bilidade e validade satisfatórias) e amostras depacientes mais amplas e representativas, deverãoser conduzidos para se avaliar de forma mais con-sistente as várias hipóteses sugeridas pelo presenteestudo, que, de resto, propõe-se a ser de nature-za mais descritiva e exploratória.

Delírio Dalgalarrondo et al.

Page 33: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

199J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Referências

1. Andreasen NC. The diagnosis of schizophrenia. Schizoph Bull1987; 13: 9-16.

2. Appelbaum P, Robins PC, Roth LH. Dimensional approach todelusions: comparison across types and diagnoses. Am JPsychiatry 1999; 156: 1938-43.

3. Banzato CEM. Assigning things to their proper class: taxonomicissues and trends in psychiatry. Revista Latino-Americanade Psicopatologia Fundamental 2002; 5: 11-28.

4. Benson DF, Stuss DT. Frontal lobe influences on delusions:a clinical perspective. Schzophrenia Bulletin 1990;16:403-11.

5. Berrios GE. The history of mental symptoms. CambridgeUniversity Press, 1996. p. 85-139.

6. Blackwood HJ, Howard RJ, Bentall RP, Murray RM. Cognitiveneuropsychiatric models of persecutory delusions. Am JPsychiatry 2001; 158: 527-39.

7. Dalgalarrondo P. Psicopatologia e semiologia dos transtornosmentais. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas, 2000.

8. Dantas CR, Pavarin LB, Dalgalarrondo P. Sintomas de conteúdoreligioso em pacientes psiquiátricos. Revista Brasileira dePsiquiatria 1999; 21: 158-64.

9. Fiks JP. Delírio: um novo conceito projetado em cinemas. SãoPaulo: Via Lettera Editora, 2002.

10. Gillett G. Insight, delusion, and belief. Psychiatry, psychologyand philosophy 1994; 1: 227-44.

11. Gutiérrez-Lobos K, Schimid-Siegel B, Bankier B, Walter H.Delusions in first-admitted patients: gender, themes anddiagnoses. Psychopathology 2001; 34: 1-7.

12. Jaspers K. Psicopatología general. México: Fondo de CulturaEconómica, 1993 (tradução da 5a edição alemã, de 1946).

13. Kendler KS, Glazer WM, Morgenstein H. Dimensions ofdelusional experience. American Journal of Psychiatry 1983;140: 466-9.

14. Linney YM, Peters ER, Ayton P. Reasoning biases in delusion-prone individuals. British Journal of Clinical Psychology1998; 37: 285-302.

15. Lopes-Ibor Aliño JJ. El problema de la verdad en psiquiatría.An R Acad Nac Med (Madrid) 2000; 117: 673-86.

16. Pereira MEC. Contribuições à psicopatologia dos ataques depânico. São Paulo: Editora Lemos, 1997.

17. Roberts G. The origin of delusion. British Journal of Psychiatry1992; 161: 298-308.

18. Schneider K. Klinische Psychopatologie. Stuttgart: GeorgThieme Verlag, 1992.

19. Sharp HM, Fear FF, Williams JMG, Healy D, Lowe CF, YeadonH, Holden R. Delusional phenomenology: dimensions ofchange. Behav. Res. Ther. 1996; 34: 123-42.

20. Spitzer M. On defining delusion. Comprehensive Psychiatry1990; 31: 377-97.

21. Stompe T, Friedman A, Ortwein G, Strobl R, Chaudhry HR,Najam N, Chaudhryb MR. Comparison of delusions amongschizophrenics in Austria and in Pakistan. Psychopathology1999; 32: 225-34.

22. Straus JS. Hallucinations and delusions as points on continuafunction. Arch. Gen. Psychiatry 1969; 21: 581-6.

23. Walsh E, Buchanan A, Fahy T. Violence and schizophrenia:examining the evidence. British Journal of Psychiatry 2001;180: 490-5.

24. Wessely S, Buchanan A, Reed A, Cutting J, Everitt B, Garety P,Taylor J. Acting on delusions I: prevalence. British Journalof Psychiatry 1993; 163: 69-76.

25. Winters KC, Neale JM. Delusions and delusional thinking inpsychotics: a review of the literature. Clinical PsychologyReview 1983; 3: 227-53.

Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Dalgalarrondo et al. Delírio

Endereço para correspondência

Paulo Dalgalarrondo

Departamento de Psicologia Médica e PsiquiatriaFaculdade de Ciências MédicasUniversidade Estadual de CampinasCaixa Postal 6111CEP 13081-970 – Campinas-SP

Tel.: (19) 3788-7206Fax: (19) 3289-4819

e-mail: [email protected]

Page 34: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

201

R e s u m oAs atitudes de profissionais de saúde em relação à Aids podem acarretar desvios de conduta técnica, e sua avaliação na

graduação possibilita intervenção em um momento no qual não se concretizou a prática profissional. O objetivo desta pesquisafoi avaliar atitudes em relação à Aids entre estudantes do primeiro e do último ano de medicina nas duas escolas do EspíritoSanto, Brasil, no ano de 2000. Para tanto selecionou-se amostra probabilística, randomizada por sexo, inserção no curso e escola,a qual ficou constituída por 176 estudantes, de um total de 351. As atitudes dos estudantes foram aferidas por meio da Escala deAtitudes sobre Aids (AAS), modificada. Encontrou-se padrão semelhante de atitudes entre os estudantes do início do curso nasduas instituições. Em uma das escolas, a tolerância aumentou no final do curso, em relação ao início, enquanto na outra houvequeda da tolerância. As variáveis sexo, religião e conhecer pessoas com HIV/Aids não se correlacionaram com os escores. Sugere-se o estudo da cultura e dos projetos pedagógicos das instituições pesquisadas.

Unitermosatitude; síndrome de imunodeficiência adquirida; estudantes de medicina

S u m m a r yAids related attitudes of health workers may be responsible for some deviations in technical behavior. Evaluating medical students’

attitudes while they are in medical school may allow eventual corrective actions before graduation. The aim of this report was to evaluateattitudes toward Aids in medical students at the first year and at the last year of two medical schools of Vitória, Espírito Santo, Brazil, in2000. A probabilistic sample of 176 medical students, random by sex, year of the course and school, was selected. A modified Scale ofAttitudes towards Aids (AAS) was applied. The patterns of attitudes were similar among students from the first year of the course in the twomedical schools. At the end of the course there were different changes in attitude: increased prejudice toward Aids patients in students fromone school, that was reduced among students from the other school. Gender, religion and knowing people with HIV/Aids did not havesignificant influence on attitude pattern of medical students. Studies about curriculum and culture in the two medical schools are suggested.

Unitermsattitude; acquired immunodeficiency syndrome; medical students

1Mestre em Psicologia; professora assistente do Departamento de Saúde Coletiva, Escola Superior de Ciências, Santa Casa de Misericórdia deVitória.2Doutora em Psicologia; professora adjunta do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento, Universidade Federal do Espírito Santo.Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo.

Estudantes de medicina esuas atitudes em relação

à Aids em Vitória (ES)Medical students and their attitudes towards Aids, in Vitória,Espírito Santo, BrazilDiana de Oliveira Frauches1; Maria Margarida Pereira Rodrigues2

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (3): 201-210, 2003

Recebido em: 04.11.02

Aprovado em: 25.03.03

Page 35: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

202 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Introdução

O enfoque moral a respeito de doenças não éalgo novo na história da humanidade: lepra, sífi-lis e peste bubônica, para citar as mais notóriasneste grupo, já foram identificadas como casti-gos divinos devidos à corrupção individual e/oucoletiva dos costumes. Atualmente, somam-se aeste elenco a infecção pelo vírus daimunodeficiência humana adquirida (HIV) e asíndrome da imunodeficiência adquirida (Aids).

O contágio pelo HIV envolve inúmeros tabus,como os relacionados à sexualidade, ao medo damorte, do adoecimento e da morte na juventudee à delinqüência8.

Segundo Thuler, a partir de 1981, quando co-meçaram a ser identificados casos de associaçãoentre acentuado comprometimento do sistemaimune e várias afecções oportunistas, em homensque relatavam práticas homossexuais, a doença,cujo agente etiológico só veio a ser identificadodois anos depois, foi incorretamente rotulada comocâncer gay ou gay related immunodeficiency16.

O aumento da transmissão heterossexual ob-servado com o progredir do evento que posteri-ormente se configurou como epidemia, porém,mostrou não haver grupos de risco, mas apenascomportamentos ou práticas relacionadas à trans-missão do HIV.

O Ministério da Saúde do Brasil relacionacomo fatores de risco associados aos mecanismosde transmissão do HIV as variações freqüentes deparceiros sexuais sem uso de preservativos, a uti-lização de sangue ou seus derivados sem contro-le de qualidade, o uso de seringas e agulhas não-esterilizadas (como ocorre entre usuários dedrogas injetáveis), a gravidez em mulher infectadae a recepção de órgãos ou sêmen de doadoresinfectados4.

Embora as pesquisas médicas desenvolvidasdesde o início da epidemia de Aids tenham possi-bilitado a obtenção de diversos medicamentos quese mostraram eficazes para o controle dareplicação viral, melhorando a qualidade de vidae permitindo maior sobrevida aos indivíduos afe-tados, não se conseguiu ainda desenvolver umavacina eficaz contra o vírus, baseando-se a pre-venção no combate aos fatores de risco4. Não seconhece ainda cura para a doença4.

Nesse contexto, muitos estudos têm demons-trado a existência de atitudes negativas em rela-

ção à Aids. Neste trabalho, considerou-se que asatitudes são avaliações referenciadas a um objetode estímulo, objeto este que pode ser concretoou abstrato, têm origem na vida social e são lar-gamente partilhadas2.

No que diz respeito à Aids, as atitudes negati-vas estão presentes tanto na população em geralcomo entre os profissionais de saúde, que não sãoimunes ao estigma que cerca a doença: profissio-nais de saúde resistem em prestar assistência apacientes com HIV/Aids, e seu envolvimento noatendimento tem implicado estresse relacionadoa vários fatores, inclusive os decorrentes do pre-conceito9, 14.

Em revisão da literatura internacional sobreas atitudes dos profissionais de saúde a respeitoda Aids e dos fatores relacionados às mesmas,Horsman e Sheeran registram que tais atitudesvariam segundo a cultura existente no meio ondevivem e atuam os profissionais9.

Entre outras variáveis comentadas, os autoresindicam que, enquanto o nível de educação apa-rentemente não afeta muito as atitudes sobre Aids,existem controvérsias acerca dos efeitos do co-nhecimento específico em HIV/Aids, da idade edo sexo do profissional9. Por outro lado, a não-filiação religiosa ou a existência de laços religio-sos frágeis favorecem atitudes positivas9.

Também em revisão da literatura, Sherman eOuellette discutem as relações entre profissionaisde saúde e pacientes com HIV/Aids de 1984 a1998, período que dividem em quatro segmen-tos, contextualizando, em cada segmento, o pa-drão de conhecimento existente sobre a doença.

De acordo com estas autoras, as atitudes so-bre Aids vêm se tornando cada vez mais positivasà medida que cresceu o conhecimento sobre adoença, seu agente e recursos para enfrentá-los,bem como sobre os riscos de transmissão decor-rentes da prática profissional, e aumentou o nú-mero de pessoas que conhecem, pessoalmente ouprofissionalmente, indivíduos infectados14.

Mais recentemente (1996 a 1998), Shermane Ouellette afirmaram que, apesar de persistir omedo de contágio e de ainda existirem atitudesnegativas, as pesquisas têm indicado que a socia-lização e o treinamento profissional são impor-tantes para definir a qualidade do atendimentoque profissionais de saúde prestam a pacientescom HIV/Aids: atitudes, comportamentos e expec-tativas de professores, bem como o modelo ado-

Estudantes de medicina e suas atitudes em relação à Aids em Vitória Frauches & Rodrigues

Page 36: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

203J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

tado pela instituição de ensino, influenciam a acei-tação do dever de tratar e de prestar cuidados ade-quados aos pacientes14.

Diante do reduzido número de pesquisas exis-tente no Brasil a respeito do impacto da Aids so-bre os profissionais de saúde11, e tendo-se em vis-ta que as atitudes desses profissionais podemacarretar desvios de conduta técnica1, determi-nando distorções e iniqüidade no atendimento aospacientes, é relevante examinar esta questão, pois,em nosso país, a epidemia de HIV/Aids represen-ta problema dos mais graves1, 6, 13, exigindoengajamento intenso dos profissionais, inclusive parafazer face às condições adversas de trabalho.

Avaliar, entre estudantes de medicina, a existên-cia de atitudes que podem comprometer a assistên-cia ao paciente possibilita a intervenção precoce, jáno nível de graduação, visando a levantar discussãosobre o tema em um momento no qual ainda nãose concretizou a prática profissional, que poderia fa-vorecer a cristalização de atitudes negativas10.

sobre as atitudes em relação à Aids9, verificou-sea existência de possíveis diferenças entre estudan-tes homens e mulheres. Pesquisou-se tambémeventual influência de ter ou não ter religião, jáque há indicações sobre a relação entre a não-filiação religiosa e as atitudes sobre a Aids9.

Objetivos

Considerando que o treinamento profissional,visto da perspectiva da cultura institucional e domodelo adotado pela instituição de ensino, podeinfluenciar as atitudes em relação à Aids, da mes-ma forma que o conhecimento de pessoas comHIV/Aids14, o objetivo dessa pesquisa foi detectaras atitudes de estudantes de medicina em relaçãoà Aids, comparando grupos do início e do finaldo curso nas duas escolas médicas do estado doEspírito Santo em 2000.

Paralelamente, diante das controvérsias a res-peito da interferência de questões ligadas a sexo

Tabela 1 – Distribuição do universo e amostra dos estudantes de medicina do Espírito Santo no anode 2000, por instituição, período de inserção no curso e sexo

Instituição Universo Amostrae inserção Sexo Sexo Total Sexo Sexo Totalno curso feminino masculino feminino masculino

Emescam 161 106 267267267267267 82 53 135135135135135Início do curso 82 45 127127127127127 42 22 6464646464Final do curso 79 61 140140140140140 40 31 7171717171

Ufes 39 45 8484848484 19 22 4141414141Início do curso 15 26 4141414141 7 13 2020202020Final do curso 24 19 4343434343 12 9 2121212121

TTTTTotalotalotalotalotal 200200200200200 151151151151151 351351351351351 101101101101101 7575757575 176176176176176

Método

Foi selecionada amostra representativa dosalunos do primeiro e do último ano do curso demedicina das duas escolas existentes no EspíritoSanto em 2000. Na Escola Superior de Ciênciasda Santa Casa de Misericórdia de Vitória(Emescam), foram considerados os estudantes queingressaram e os que saíram no referido ano, en-quanto na Universidade Federal do Espírito Santo(Ufes), sendo o curso semestral, incluíram-se osestudantes que ingressaram e os que saíram dainstituição no primeiro semestre de 2000, mas nãoos que o fizeram no segundo semestre.

Nas duas instituições, a amostra foiestratificada segundo a inserção dos estudantesno curso, controlada a variável sexo. Seu tama-nho foi definido para que fornecesse uma confia-bilidade de 95% e um erro associado às estimati-vas de 5%, e ficou constituída de 176 indivíduos,selecionados com o programa estatístico SPSS,versão 8.0. A distribuição do universo (351 estu-dantes) e dos sujeitos selecionados, segundo asvariáveis consideradas, encontra-se na TTTTTabela 1abela 1abela 1abela 1abela 1.

Utilizou-se uma tradução da Escala de Atitudesobre Aids (AAS), desenvolvida por Shrum, Turnere Bruce15, como base para o instrumento aplica-do na pesquisa.

Escala do tipo Likert, a AAS consiste em 54itens (QuadroQuadroQuadroQuadroQuadro) e oferece aos sujeitos cinco op-

Frauches & Rodrigues Estudantes de medicina e suas atitudes em relação à Aids em Vitória

Page 37: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

204 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Quadro – Itens da AAS segundo tolerância expressa pelo conteúdo

1. Controlar a epidemia de Aids é mais importante do que tentar proteger os direitos das pessoas aidéticas (–)2. Apoiar grupos de pessoas com Aids seria de grande ajuda para elas (+)3. Eu casaria com alguém que tivesse Aids (+)4. Eu pediria demissão de meu trabalho para não ter que trabalhar com uma pessoa com Aids (–)5. As pessoas não deveriam ter medo de pegar Aids em contatos casuais, como abraços e apertos de mão (+)6. Eu gostaria de ficar tranqüilo perto de pessoas com Aids (+)7. Pessoas que recebessem resultado positivo no exame de Aids não deveriam ter permissão para casar (–)8. Eu preferiria não ficar perto de homossexuais por medo de contrair Aids (–)9. Estar perto de uma pessoa com Aids não colocaria minha saúde em risco (+)10. Apenas pessoas desprezíveis contraem Aids (–)11. Acho que as pessoas com Aids têm o que merecem (–)12. Pessoas com Aids não deveriam se afastar das outras pessoas (+)13. As pessoas deveriam evitar ir ao dentista porque podem pegar Aids através dos instrumentos odontológicos (–)14. A idéia de estar perto de alguém com Aids não me incomoda (+)15. Pessoas com Aids não deveriam ser proibidas de trabalhar em locais públicos (+)16. Eu não iria querer estar na mesma sala com alguém que eu soubesse que tem Aids (–)17. Praga dos homossexuais é uma maneira apropriada para descrever a Aids (–)18. Pessoas que transmitem Aids para outras deveriam ser criminalmente punidas (–)19. As pessoas não deveriam ter medo de doar sangue por causa da Aids (+)20. Uma lista das pessoas com Aids deveria estar disponível para o conhecimento de todos (–)21. Eu namoraria com alguém que tivesse Aids (+)22. As pessoas não deveriam culpar os homossexuais pela epidemia de Aids (+)23. Ninguém merece ter uma doença como a Aids (+)24. Não me importaria de assistir a aulas com alguém que tivesse Aids (+)25. Um patrão deveria ter o direito de despedir um empregado que tivesse Aids, independentemente do tipo de trabalho que ele ou ela faça (–)26. Eu permitiria que meus filhos brincassem com os filhos de alguém que tivesse Aids (+)27. As pessoas contraem Aids fazendo sexo anormal (–)28. Pessoas com Aids não deveriam ser olhadas com superioridade pelas outras (+)29. Apenas de olhar para alguém eu poderia dizer se ele ou ela tem Aids (–)30. É constrangedor que haja tantas pessoas com Aids em nossa sociedade (–)31. Profissionais de saúde não deveriam se recusar a tratar pessoas com Aids, não importa quais sejam seus sentimentos pessoais sobre a Aids (+)32. Crianças com Aids não deveriam ser proibidas de ir a escolas ou a creches (+)33. Crianças com Aids provavelmente têm algum dos pais homossexual (–)34. Os resultados dos exames de Aids deveriam ser confidenciais, para evitar discriminações contra as pessoas com soro positivo (+)35. A Aids é uma punição por comportamento imoral (–)36. Eu não teria medo de tomar conta de um familiar com Aids (+)37. Eu não moraria na mesma casa com uma pessoa que tivesse Aids (–)38. Se eu tivesse condições financeiras, daria dinheiro para um projeto de pesquisa sobre Aids (+)39. A melhor maneira de se livrar da Aids é livrar-se do homossexualismo (–)40. As igrejas deveriam tomar uma posição forte contra o abuso de drogas e o homossexualismo, para prevenir a propagação da Aids (–)41. As companhias de seguro não deveriam poder cancelar apólices por causas relacionadas à Aids (+)42. O dinheiro que tem sido gasto em pesquisa sobre a Aids deveria ser usado para controlar doenças que afetam gente inocente (–)43. Uma pessoa que transmite Aids para outra deveria ser legalmente responsável por todas as despesas médicas (–)44. A propagação da Aids prova que o comportamento homossexual deveria ser considerado ilegal (–)45. O governo deveria ter uma lista das pessoas com Aids (–)46. Eu não teria dificuldades para discutir Aids com outras pessoas (+)47. Não vale a pena conhecer pessoas com Aids (–)48. Não tenho simpatia por homossexuais com Aids (–)49. Pais que transmitem Aids a seus filhos deveriam ser processados (–)50. Pessoas com Aids deveriam ser mandadas para isolamento em hospitais, para proteger os outros da doença (–)51. As pessoas não teriam tanto medo da Aids se soubessem mais sobre a doença (+)52. Hospitais e casas de saúde não deveriam recusar-se a admitir pacientes com Aids (+)53. Eu não evitaria um amigo se ele ou ela tivesse Aids (+)54. A propagação da Aids em nossa sociedade mostra o crescimento da imoralidade em nosso país (–)

Sinais convencionais utilizados: (+) afirmativa tolerante; (–) afirmativa intolerante.

Estudantes de medicina e suas atitudes em relação à Aids em Vitória Frauches & Rodrigues

Page 38: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

205J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

ções de posicionamento em relação a cada item,desde forte concordância até forte discordância.A maior concordância com afirmativas tolerantesvale 5, e a maior discordância, 1, distribuindo-seas posições intermediárias em valores dentro desseintervalo, com variação de um ponto entre si. Asafirmativas intolerantes recebem pontuação inver-sa, ou seja, forte concordância vale 1, e forte dis-cordância vale 5.

O escore total obtido por cada sujeito na AASé calculado pela fórmula (25 (ΣX – N))/N, sen-do ΣX o somatório do número de pontos obti-dos pelo participante em cada item e N, o nú-mero de itens respondidos. O total de pontospode variar de 0 a 100 e valores maiores indi-cam atitudes mais tolerantes.

A escala, originalmente desenvolvida e utili-zada pela primeira vez em 1989, mede tolerânciae cobre três áreas de atitudes (proximidade compessoas com HIV/Aids, padrões morais e padrõesde bem-estar social ou legais)15. Novamente apli-cada em 19943, a AAS teve sua validade deconstructo reconfirmada em 19985.

Ao instrumento utilizado na pesquisa, além datradução da AAS, a qual não foi submetida a pro-cedimentos de validação, foram acrescentadasperguntas sobre as variáveis controladas para efei-to de seleção da amostra (instituição, inserção nocurso e sexo).

Também se inseriram perguntas sobre fatoresque a literatura aponta como possíveis variáveisrelevantes nas atitudes em relação à Aids, comoidade, religião (ter ou não ter) e conhecer pesso-almente alguém com HIV/Aids (sim ou não). Em

relação a esta última variável, levantou-se a exis-tência de situações indicativas de maior ou me-nor proximidade com o portador de HIV/Aids co-nhecido (no grupo familiar, no grupo de amigos,no grupo de conhecidos, na prática de atividadesligadas ao curso, em outras situações).

O instrumento foi aplicado aos quatro gru-pos de sujeitos, reunidos em sala de aula segun-do instituição e inserção no curso. Os estudantesnão-localizados nesse primeiro momento foramposteriormente contactados e a maioria respon-deu à pesquisa.

Os dados obtidos foram analisados através dosprogramas estatísticos SPSS, versão 8.0, e Epi-Info,versão 6.04b, adotando-se nível de significânciade 0,05.

Tabela 2 – Distribuição dos estudantes de medicina do Espírito Santo no ano 2000, por instituição eperíodo de inserção no curso, em função do tempo para resposta à pesquisa

Instituição Resposta Percentual Resposta Atraso Atraso Atrasoe inserção na reunião posterior mínimo máximo médio*no curso inicial (dias) (dias) (dias)

Emescam 118 88,7 15 30 30 30Início do curso 64 100 – – – –

Final do curso 54 78,3 15 30 30 30Ufes 30 73,2 11 1 17 8,3

Início do curso 14 70 6 1 17 9,8Final do curso 16 76,2 5 6 7 6,4

TTTTTotalotalotalotalotal 148148148148148 85,185,185,185,185,1 2626262626 11111 3030303030 20,820,820,820,820,8

Sinal convencional utilizado: –: dado numérico igual a zero, não-resultante de arredondamento; *somatório do número de dias de atraso de cadasujeito que respondeu posteriormente à reunião inicial dividido pelo total de sujeitos que responderam posteriormente.

Resultados

Perdas amostrais

Com exceção da Emescam, final do curso,onde dois indivíduos do sexo masculino não res-ponderam à pesquisa, conseguiu-se completar aamostra em todos os grupos, obtendo-se dadosde 174 dos 176 estudantes selecionados.

A maioria dos sujeitos respondeu à pesquisa emreuniões realizadas em sala de aula, segundo insti-tuição e inserção no curso (148, ou 85,1%). O res-tante o fez posteriormente, em diferentes condições(sala de prescrição de hospital, biblioteca acadêmi-ca e residência do estudante) e com atraso médiode 20,8 dias em relação à data da reunião inicial deseu respectivo grupo (TTTTTabela 2abela 2abela 2abela 2abela 2).

Frauches & Rodrigues Estudantes de medicina e suas atitudes em relação à Aids em Vitória

Page 39: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

206 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Houve erro de preenchimento do campo sexopelos sujeitos, pois a comparação da distribuiçãodos sujeitos segundo sexo com a mesma distri-buição elaborada a partir dos formulários preen-chidos mostrou diferença para mais entre os ho-mens, acompanhada de igual diferença paramenos entre as mulheres. Esta situação ocorreuna Emescam, final (dois homens a mais e duasmulheres a menos), e na Ufes, final (um homema mais e uma mulher a menos), e não foi possívelcorrigi-la, ficando impossibilitada a análise dosresultados por sexo nos grupos onde se deu a di-ferença, bem como no total.

Caracterização dos sujeitos

A idade dos sujeitos variou de 17 a 50 anos, commédia de 22 anos. O valor médio foi bastante se-melhante nas duas instituições, mas, como se espe-rava, variou com o período de inserção no curso(19 e 24 anos, respectivamente para o início e parao final), registrando-se diferença significativa ao tes-te t de Student tanto na Emescam (p = 0) como naUfes (p = 0). A distribuição de idade foi mais homo-gênea na Ufes do que na Emescam em ambos osperíodos de inserção no curso.

Disseram ter religião 163 sujeitos (93,7%). Oteste do qui-quadrado (χ2) só indicou diferençasignificativa em relação a esta variável quandocomparados os grupos do final do curso das duasinstituições (χ2 = 5,59; p = 0,002): a variável este-ve mais presente na Emescam, final (68; 98,6%)do que na Ufes, final (16; 76,2%).

Em relação à variável conhecer alguém com HIV/Aids (sim ou não), 92 sujeitos (52,9%) informaramconhecer, com percentuais próximos nas duas insti-tuições estudadas. Este fator esteve mais presente

no final do curso (82,6% e 95,2%, respectivamentena Emescam e na Ufes) e houve diferença significa-tiva em comparação com o início (20,3% e 10%,na mesma ordem): a diferença se fez notar tanto deuma maneira geral (χ2 = 77;22; p = 0) quanto entreos dois grupos da mesma instituição (Emescam:χ2 = 49,22; p = 0; Ufes: χ2 = 26,6; p = 0).

Das opções oferecidas para aferir o grau deproximidade com o portador de HIV/Aids conhe-cido (no grupo familiar, no grupo de amigos, nogrupo de conhecidos, na prática de atividades li-gadas ao curso, em outras situações), apenas asquatro primeiras foram utilizadas. Quando o su-jeito informou conhecer pessoas com HIV/Aids emmais de um grupo, optou-se por considerar o co-nhecimento como existente apenas naquele gru-po de maior proximidade.

Considerando-se apenas os sujeitos que afirma-ram conhecer alguém com HIV/Aids, verificou-se quea maioria conheceu portador(es) na prática de ativi-dades ligadas ao curso (55; 59,8%), situação queocorreu especialmente no final do curso, tanto naEmescam (41; 71,9%) como na Ufes (13; 65%).

Houve diferença significativa entre a propor-ção de sujeitos que disseram conhecer pessoasinfectadas na prática de atividades ligadas ao cursoe aquela dos que informaram conhecer no con-junto das outras formas sugeridas apenas entre oinício e o final do curso de uma maneira geral(χ2 = 18,47; p = 0), particularmente na Emescam(χ2 = 15,62; p = 0).

Escores

As estatísticas referentes aos escores encon-trados na presente pesquisa são apresentadas naTTTTTabela 3abela 3abela 3abela 3abela 3.

Tabela 3 – Escore na AAS dos estudantes de medicina do Espírito Santo no ano 2000, por institui-ção e período de inserção no curso

Instituição e Escore Escore Escore Escore Desvioinserção no curso mínimo máximo mediano médio padrão

Emescam 46,8 97,7 76,4 76 8,3Início do curso 59,7 97,7 77,5 76,7 7,4Final do curso 46,8 93,1 75,5 75,3 9

Ufes 60,6 98,6 81,5 79,9 8,7Início do curso 60,6 93,5 74,1 76,4 8,5Final do curso 66,7 98,6 83,3 83,3 7,6

TTTTTotalotalotalotalotal 46,846,846,846,846,8 98,698,698,698,698,6 77,877,877,877,877,8 76,976,976,976,976,9 8,58,58,58,58,5

Estudantes de medicina e suas atitudes em relação à Aids em Vitória Frauches & Rodrigues

Page 40: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

207J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Os sujeitos tiveram escore médio de 76,9, sen-do o valor observado na Ufes (79,9) 5,3% supe-rior ao da Emescam (76). Isto ocorreu devido àdiferença dos dois grupos no final do curso (75,3e 83,3, respectivamente na Emescam e na Ufes),pois, no início, os sujeitos das duas instituiçõesapresentaram escores médios praticamente iguais(76,7 na Emescam e 76,4 na Ufes).

A diferença entre o escore mais alto e o maisbaixo foi maior na Emescam do que na Ufes (50,9pontos contra 38) para os sujeitos de uma ma-neira geral. Analisando este dado segundo inser-ção no curso de medicina, verificou-se que tal di-ferença esteve concentrada principalmente naUfes, final do curso, onde atingiu 46,3 pontos,contra 38 pontos na Emescam, início (na Ufes, adiferença foi de 32,9 e 31,9 pontos, respectiva-mente para o início e para o final).

Corroborando essa observação, o desvio padrão,similar nas duas instituições (8,3 na Emescam e 8,7na Ufes), variou mais na primeira, crescendo de 7,4no início do curso para 9 no final, do que na segun-da, onde caiu de 8,5 para 7,6.

Portanto, enquanto na Emescam houve pe-queno decréscimo do valor médio do escore eaumento da variabilidade entre os sujeitos, na Ufeshouve crescimento deste valor e caiu a variabili-dade (FiguraFiguraFiguraFiguraFigura).

Análise de variância (Anova), utilizando comofatores explicativos instituição (Emescam e Ufes)e inserção no curso (início e fim), mostrou queestes fatores e suas interações explicavam a varia-bilidade média do escore: foram significativos ofator instituição (F = 6,741; p = 0,01) e a interaçãodos fatores instituição e inserção no curso (F =7,865; p = 0,006), enquanto o fator inserção nocurso (início e fim) ficou bem próximo dasignificância adotada (F = 3,63; p = 0,058).

O teste t de Student mostrou diferenças sig-nificativas apenas entre o início e o final do cursona Ufes (p = 0,009) e entre Emescam e Ufes nofinal do curso (p = 0), esta última com reflexo nacomparação entre as duas instituições de uma ma-neira geral (p = 0,009).

Embora tenham sido registrados escores maio-res entre os sujeitos que informaram ter religião(com exceção da Emescam, final, onde os valoresforam praticamente iguais), o teste de Mann-Whitney não mostrou diferenças significativas re-lacionadas a esta variável.

A presença da variável conhecer pessoalmen-te alguém com HIV/Aids esteve relacionada a es-cores praticamente iguais àqueles encontrados emsua ausência, embora conhecer tenha elevado sig-nificativamente o valor dos escores na Ufes de umamaneira geral (teste de Mann-Whitney, p = 0,025).

Figura – Escore médio e desvio padrão na AAS dos estudantes de medicina do Espírito Santo no ano2000, por instituição e período de inserção no curso

100

90

80

70

60EmescamInício

EmescamFinal

UfesInício

UfesFinal

Escore m

édio ± DP

Inserção no curso

x = 76,7 (s = 7,4)

x = 83,3 (s = 7,6)

x = 76,4 (s = 8,5)

x = 75,3 (s = 9)

Sinais convencionais utilizados: x = média de amostragem; s = desvio padrão.

Frauches & Rodrigues Estudantes de medicina e suas atitudes em relação à Aids em Vitória

Page 41: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

208 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Tal variação, porém, não foi confirmada porAnova, em que se utilizaram como fatores insti-tuição (Emescam e Ufes), inserção no curso (iní-cio e fim), conhecer alguém com HIV/Aids (nogrupo familiar, no grupo de amigos, no grupo deconhecidos, na prática de atividades ligadas aocurso, não conhecer) e suas interações.

Diferenças de sexo

Os dados com base nos quais foram analisadasas diferenças de sexo entre os sujeitos restringem-seao início do curso nas duas instituições pesquisadas.

Embora predominando no total (58,3%), ape-nas na Emescam as mulheres foram grupo majo-ritário (65,6%), enquanto na Ufes os homens re-presentaram 65% dos sujeitos. Não houvediferenças significativas na distribuição dos sexossegundo idade, religião e conhecer alguém comHIV/Aids em nenhuma das instituições.

Os escores do sexo feminino foram sempremaiores e as mulheres apresentaram menor vari-abilidade em relação à média, de uma maneirageral e na Emescam (TTTTTabela 4abela 4abela 4abela 4abela 4). No entanto oteste t de Student não mostrou diferenças signifi-cativas entre os sexos nem entre as instituiçõespareadas segundo sexo.

Embora sem produzir diferenças significativas(teste de Mann-Whitney), em ambos os sexos terreligião relacionou-se a escores mais altos. No en-tanto a diferença em relação ao grupo sem reli-gião foi maior entre as mulheres, que registraramescore médio de 78,4 e 70,7, respectivamente,para ter e para não ter religião, enquanto os ho-mens apresentaram 75 e 69,2.

Também não interferiu significativamente novalor médio dos escores, em nenhum dos sexos,conhecer ou não alguém com HIV/Aids, segundoo teste de Mann-Whitney. Porém os homens quedisseram conhecer (escore médio 76,5 e 74,1,para conhecer e não conhecer, respectivamente)apresentaram escore médio mais baixo do que asmulheres (79 e 77,8).

Tabela 4 – Escore na AAS dos estudantes de medicina em início de curso no Espírito Santo em 2000,por instituição e sexo

Instituição Escore Escore Escore Escore Desvioe sexo mínimo máximo mediano médio padrão

Emescam 59,7 97,7 77,5 76,7 7,4

Feminino 64,9 97,7 78,2 78 6,3Masculino 59,7 88,9 72 74,1 8,8

Ufes 60,6 93,5 74,1 76,4 8,5Feminino 64,4 93,5 74,1 77,6 9,9

Masculino 60,6 89,4 74,1 75,7 8Total 59,7 97,7 77,3 76,6 7,6

Feminino 64,4 97,7 78,2 78 6,8Masculino 59,7 89,4 73,1 74,7 8,4

Discussão

Segundo os dados da literatura, o treinamen-to profissional e conhecer pessoas com HIV/Aidsfavorecem atitudes positivas entre os profissio-nais de saúde14. Considerando-se os grupos doinício do curso livres da influência do fator trei-namento e os dados levantados na presente pes-quisa, ambas as condições encontravam-se maispresentes entre os estudantes do final do curso,sendo esperado, portanto, que os mesmos apre-sentassem escores mais elevados.

Os estudantes que ingressaram nas duas es-colas de Medicina do Espírito Santo em 2000mostraram-se mais tolerantes que os avaliados porShrum, Turner e Bruce15 em 1989 (escore de59,78 em estudantes de educação em saúde) epor Bowman, Brown e Eason3 em 1994 (escorede 73,58 em estudantes de enfermagem), fatoque não surpreende, tendo-se em vista o cresci-mento das atitudes positivas em relação à Aidsobservado em todo o mundo desde o início daepidemia14. Além disso, apresentaram, naEmescam e na Ufes, padrão semelhante de atitu-des em relação à Aids, não havendo correlaçãosignificativa entre a pontuação que alcançaram

Estudantes de medicina e suas atitudes em relação à Aids em Vitória Frauches & Rodrigues

Page 42: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

209J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

na escala e ter ou não religião ou conhecer ounão pessoalmente indivíduos infectados. Não fo-ram detectadas diferenças estatisticamente signi-ficativas entre os sexos nos grupos do início docurso, embora as mulheres tenham apresentadoescores maiores que os homens.

Já os estudantes que concluíram o curso em2000, também com escores médios superiores aoscitados na literatura, mostraram-se diferentes en-tre si quanto às atitudes manifestadas: os daEmescam, ligeiramente menos tolerantes do queos estudantes em início do curso na mesma esco-la, apresentaram crescimento da variabilidade napontuação obtida na escala, enquanto os da Ufes,final, revelaram-se muito mais tolerantes do queos do início, havendo queda da variabilidade en-tre os escores que alcançaram. Da mesma formaque no início do curso, não houve correlação en-tre o valor do escore e ter ou não religião ou co-nhecer ou não indivíduos infectados.

Embora a presente pesquisa não tenha acompa-nhado as mesmas pessoas ao longo do curso demedicina, para medir suas atitudes em relação à Aidsao início e ao final, tratando-se, ao contrário, de umestudo transversal no qual foram avaliadas duaspopulações diferentes, é possível esperar que os gru-pos estudados sejam diferentes entre si em decor-rência apenas de fatores relacionados com a insti-tuição em que estudam e com o período em que seinserem no curso de medicina.

Esta suposição baseia-se na constatação de quea grande concorrência nos vestibulares de medi-cina das duas escolas exige dos estudantes apro-vados alta qualidade de ensino nos níveis funda-mental e médio, sendo a maioria absoluta doscandidatos selecionados originária da rede priva-da de ensino.

Dessa forma, é procedente pensar que osestudantes das duas instituições pertencem a seg-mentos socioeconômicos semelhantes, nos quaistêm origem e dos quais emergem as atitudes – co-nhecimento, afeto e avaliação7 – que manifestam2.

As atitudes que a presente pesquisa detectounos grupos que iniciaram o curso em 2000 sãosemelhantes muito provavelmente porque se for-maram segundo sistemas estruturados de atitu-des também semelhantes, pelos quais os sujeitosdesses grupos continuarão a ser afetados duranteo curso de medicina, em paralelo com as influên-cias que sofrerão no meio escolar.

Da mesma forma, é muito provável que osgrupos que saíram do curso em 2000, assim comoos que o iniciaram, também tenham manifestadoatitudes semelhantes em 1995 e, no decorrer des-ses anos, tenham ficado submetidos a fatores ex-tra-escolares similares, diferenciando-se quantoàqueles vigentes em cada uma das escolas.

Supondo que os estudantes no final do curso,nas duas escolas, tinham atitudes semelhantes em1995, e que o elemento responsável pela diferen-ciação foi a instituição, quais seriam os fatores exis-tentes, nas instituições pesquisadas, que poderiamestar associados às mudanças verificadas entre osdois períodos? Por que aumentou a tolerância emrelação à Aids entre os estudantes da Ufes? O queproduziu a queda da tolerância e o aumento davariabilidade das atitudes expressas pelos estudan-tes da Emescam?

Embora analisar a complexidade da organi-zação didático-pedagógica de uma escola mé-dica exija um estudo aprofundado, que não foitema desta pesquisa, os fatores envolvidos pro-vavelmente estarão aí situados. Vale ressaltar quea questão não se resumirá ao conteúdocurricular, semelhante nas duas instituições, masà amplitude do processo que envolve a constru-ção das relações aluno/professor e aluno/paci-ente, visto este último – o paciente – como ob-jeto de estudo da medicina.

Espera-se que uma escola intolerante produ-za estudantes intolerantes, ocorrendo o inversoem uma escola liberal: esta consideração talvezpossa explicar a queda dos escores na Emescamversus o aumento dos mesmos na Ufes. Porém,qualquer que seja a linha da escola, espera-setambém que tenha um efeito global sobre seusestudantes, que se mostrariam mais ou menostolerantes de forma homogênea, o que não severificou na Emescam.

Diante dos argumentos apresentados, suge-re-se a realização de pesquisas que investiguem acultura e os projetos pedagógicos das duas insti-tuições como possíveis determinantes das diferen-ças encontradas. Também é conveniente que se-jam desenvolvidos estudos referentes àinterferência das questões pertinentes a sexo so-bre as atitudes dos estudantes de medicina emrelação à Aids, tendo-se em vista a importânciado tema, as controvérsias existentes na literatura9

e a limitação dos dados da presente pesquisa.

Frauches & Rodrigues Estudantes de medicina e suas atitudes em relação à Aids em Vitória

Page 43: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

210 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Endereço para correspondência

Diana de Oliveira Frauches

Av. Antônio Borges 80/303 – Mata da PraiaCEP 29065-250 – Vitória-ES

e-mail: [email protected]

Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Referências

1. American Medical Association. Council on Ethical and JudicialAffairs. Gender disparities in clinical decision making. JAMA1991; 266: 559-62.

2. Augoustinos M, Walker I. Attitudes. In: ________. Socialcognition: an integrated introduction. London: Sage, 1995.p. 12-31.

3. Bowman JM, Brown ST, Eason FR. Attitudes of baccalaureatenursing in one school toward acquired immune deficiencysyndrome. Aids Educ Prev 1994; 6: 535-41.

4. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Cen-tro Nacional de Epidemiologia. Doenças infecciosas e pa-rasitárias: guia de bolso. 1. ed. Brasília: Ministério da Saú-de, 1998.

5. Bruce KE, Reid BC. Assessing the construct validity of the AIDSAttitude Scale. Aids Educ Prev 1998; 10: 75-89.

6. Dhalia C, Barreira D, Castilho EA. A Aids no Brasil: situaçãoatual e tendências. AIDS Boletim Epidemiológico 2000; 13:3-13.

7. Fraser C. Attitudes, social representations and widespread beliefs.Papers on Social Representation 1994; 3: 13-25.

8. Hodgson I. Attitudes toward peopple with HIV/Aids: entropyand health care ethics. J Adv Nurs 1997; 26: 283-8.

9. Horsman JM, Sheeran P. Health care workers and HIV/Aids: a criticalreview of the literature. Soc Sci Med 1995; 41: 535-67.

10. Lima ML. Atitudes. In: Vala J., Monteiro MB. (coord.). Psicolo-gia social. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,1997. p. 167-99.

11. Malbergier A, Stempliuk VA. Os médicos diante do pacientecom Aids: atitudes, preconceito e dificuldades. J Bras Psiq1997; 46: 265-73.

12. Monitoring the Aids Pandemic (MAP) Network. The status andtrends of the HIV/Aids/STD epidemics in Latin America andthe Caribbean: final report [on-line]. Rio de Janeiro; 1997.Disponível em: http://www.aids.gov.br [capturado em 09jan. 2000].

13. Moreira-Silva SF. Análise da situação epidemiológica da Aidsno Espírito Santo até novembro de 2000. Boletim Epidemio-lógico DST/Aids/ES 2000; 1: 17-28.

14. Sherman DW, Ouellette SC. Moving beyond fear. Nurs ClinNorth Am 1999; 34: 1-48.

15. Shrum JC, Turner NH, Bruce KEM. Development of aninstrument to measure attitudes toward acquired immunedeficiency syndrome. Aids Educ Prev 1989; 1: 222-30.

16. Thuler LCS, Vaz LFG. Infecção pelo HIV. J Bras Méd 1994; 66:85-108.

Estudantes de medicina e suas atitudes em relação à Aids em Vitória Frauches & Rodrigues

Page 44: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

211

R e s u m oObjetivos: Analisar as qualidades psicométricas de validade e confiabilidade da versão brasileira da Escala de Qualidade de Vida

(QLS) de Heinrichs et al., elaborada especificamente para avaliação da qualidade de vida de pacientes com diagnóstico de esquizofrenia.Método: O estudo das qualidades psicométricas da escala incluiu a avaliação dos seguintes aspectos: 1) validade de constructo daescala através da análise fatorial; 2) análise da sua consistência interna através do coeficiente alfa de Cronbach; 3) correlação dePearson entre os itens e a escala global; 4) validade concomitante através da correlação de Pearson entre as escalas QLS-BR eWHOQOL-bref; 5) confiabilidade teste-reteste por meio da correlação de Spearman; 6) confiabilidade interavaliador através docoeficiente kappa ponderado; e 7) confiabilidade das respostas dos pacientes por meio do teste de McNemar. Resultados: A análisefatorial indicou a distribuição dos itens da escala em três fatores que explicaram 63% da variância, identificados como: 1) rede social,2) nível ocupacional e 3) funções intrapsíquicas e relações interpessoais. O coeficiente alfa de Cronbach para consistência interna doinstrumento mostrou valores acima de 0,85 para a escala global e fatores. As medidas de confiabilidade teste-reteste indicaram umacorrelação significativa de 0,85. Para a confiabilidade interavaliador, a estimativa kappa variou de 0,67 a 1 para os 21 itens da escala.A confiabilidade das respostas dos pacientes foi satisfatória, pois não se obtiveram diferenças significativas entre as respostas dadasàs mesmas questões em dois momentos diferentes da entrevista. Com relação à validade concomitante, a escala QLS-BR nãoapresentou correlação significativa com a escala WHOQOL-bref, provavelmente devido às diferenças de formato, modo de avaliaçãoe de população-alvo. Conclusão: A análise das qualidades psicométricas da versão brasileira da escala QLS mostrou que esta escalapossui índices adequados de fidedignidade e validade. Estes resultados justificam a utilização da escala no contexto brasileiro.

Unitermosescala; qualidade de vida; qualidades psicométricas; validade e confiabilidade

S u m m a r yGoals: This research analyzed the psychometric qualities of the Brazilian version of the Quality of Life Scale (QLS), developed

by Heinrichs et al. specifically for the evaluation of schizophrenic patients’ quality of life. Method: This study included the evaluation of:1) the construct validity of the scale, using factor analysis; 2) the internal consistency of the itens through Cronbach’s alpha coefficient;3) correlation between items and global scale using Pearson’s correlation; 4) the concurrent validity between the QLS and WHOQOL-brefthrough Pearson’s correlation; 5) reliability of the scale by test-retest Spearman’s correlation; 6) interrater reliability through kappa coefficient

1Mestre em Saúde Pública – Epidemiologia – pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).2Médica; professora adjunta de Epidemiologia da UFMG; doutora pela UFMG; pós-doutora pela Johns Hopkins University.3Professora adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei; doutora pela Université de Montreal;pós-doutora pelo Douglas Psychosocial Research Center, afiliado à McGill University.4Professora adjunta do Departamento de Estatística da UFMG; doutora pela University of California, Los Angeles (UCLA).5Aluna de graduação do Departamento de Estatística da UFMG.6Médico; professor adjunto de Saúde Pública e Análise de Serviços em Doenças Crônicas Degenerativas da UFMG; doutor em Saúde Pública pelaUniversité Catholique de Louvain.

Qualidades psicométricas da escala dequalidade de vida para pacientes com

esquizofrenia: escala QLS-BRPsychometric qualities of the quality of life scale forschizophrenic patients: scale QLS-BRClareci Silva Cardoso1; Waleska Teixeira Caiaffa2; Marina Bandeira3; Arminda Lucia Siqueira4;Inara Kellen Fonseca5; José Otávio Penido Fonseca6

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (3): 211-222, 2003

Recebido em: 18.07.02

Aprovado em: 30.04.03

Page 45: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

212 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

and 7) reliability of the patients’ answers using the McNemar’s test. Results: The factorial analyses indicated a distribution of the items of thescale in three factors, which accounted for 63% of the variance. Cronbach’s alpha for internal consistency showed values higher than 0.85for the overall scale and for the three factors. The results for the test-retest reliability showed a significant correlation of 0.85. For interraterreliability the weighed kappa estimate varied from 0.67 to 1 for the 21 items of the scale. The reliability of the patients’ response wassatisfactory, the results showed no significant difference between the patients’ answers to the same question presented in two differentmoments of the interview. No significant correlation was found between the QLS-BR and the WHOQOL-bref- scale, probably due to itsdifferences in formats, evaluation procedures and target-population. Conclusion: The Brazilian version of the QLS showed good validity andreliability qualities, justifying its use in the Brazilian context.

Unitermsscale; quality of life; psychometric qualities; validity and reliability

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Introdução na literatura 3, 15, 17, 20, 23, podendo ser utilizada emsituações clínicas ou de pesquisas.

A escala QLS foi traduzida e adaptada para ocontexto brasileiro seguindo-se os critérios inter-nacionalmente aceitos para adaptação transcul-tural de instrumentos de medidas, cuja descriçãodetalhada do instrumento e da metodologia estádescrita na literatura4.

O objetivo deste trabalho é estudar as quali-dades psicométricas de validade e confiabilidadeda escala QLS-BR, quando aplicada a pacientesbrasileiros com diagnóstico de esquizofrenia.

As novas políticas de saúde mental propõemo tratamento ambulatorial para pacientes psiqui-átricos em substituição ao modelo manicomial.Diante desta reestruturação, o impacto da do-ença sobre a qualidade de vida dos pacientes temsido objeto de escuta e avaliações. A necessida-de de melhor entender as limitações e o sofri-mento ligado às doenças mentais tem motivadovários estudos nesta população15, e os resulta-dos têm influenciado a intencionalidade ética degovernos e prestadores de serviço, que passama considerar a efetividade dos tratamentos doponto de vista dos usuários, bem como da efi-cácia e eficiência das respostas que estão sendoproporcionadas pelo serviço20.

Medidas de qualidade de vida têm sido ampla-mente utilizadas na área de saúde e, conseqüente-mente, várias escalas foram construídas com o ob-jetivo de inferi-la. Entretanto muitas destas escalasforam desenvolvidas para uso em uma situação cul-tural específica. Somente em anos recentes surgiua necessidade de se elaborar instrumentos que per-mitissem a avaliação transcultural da qualidade devida. Para isto faz-se necessário que instrumentoscriados em outros países sejam submetidos ao pro-cesso de validação transcultural14, 24, o que requerum trabalho criterioso, pois o processo de adapta-ção visa essencialmente a produzir um instrumen-to equivalente adaptado de outra cultura, mas queseja capaz de medir um fenômeno similar7.

A escala QLS (Quality of Life Scale), desenvol-vida por Heinrichs et al., é um instrumento espe-cífico para esquizofrenia, cuja elaboração foinorteada pela síndrome deficitária, objetivandoavaliar os aspectos mais insidiosos da doença esua repercussão na vida do paciente8. Trata-se deuma escala amplamente utilizada e referenciada

Método

Sujeitos

Participaram deste estudo 123 pacientes am-bulatoriais de um único serviço de referência emsaúde mental: o Sersam Divinóplis/MG. Trata-sede um serviço que atende a várias cidades da re-gião através do Consórcio Intermunicipal de Saú-de. Estes pacientes apresentavam diagnóstico con-firmado de esquizofrenia (CID-10) com evoluçãomínima de um ano, demarcada a partir da pri-meira consulta registrada no prontuário e confir-mada pelo psiquiatra responsável.

Os critérios de elegibilidade dos pacientes parao estudo foram: estar desinstitucionalizados; teridade entre 18 e 55 anos; apresentar quadro es-tável nas três semanas precedentes à coleta de da-dos, indicados por ausência de hospitalização edepoimento de familiares; estar em uso regularde medicação; não apresentar desordem neuro-lógica, retardo mental ou história de dependên-cia de substância química.

De acordo com o diagnóstico, os pacientes fo-ram distribuídos em três subcategorias: esquizofrenia

Qualidades psicométricas da escala de qualidade de vida para pacientes com esquizofrenia Cardoso et al.

Page 46: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

213J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

hebefrênica (ou desorganizada); esquizofrenia dotipo paranóide e outros subtipos de esquizofrenia.

A idade média dos pacientes incluídos no es-tudo foi de 37,5 anos, sendo a mediana de 38anos. A maioria era do sexo masculino (60,2%) ede escolaridade correspondente ao ensino funda-mental (65%). Quase metade dos pacientes mo-rava com os pais (48,8%), havendo três a quatrohabitantes na mesma residência (36,6%). Umgrande percentual de pacientes era de indivíduossolteiros (69,1%) e a renda familiar mais típicafoi de um a quatro salários mínimos (62,6%).

A maioria dos pacientes possuía diagnósticode esquizofrenia paranóide (87,8%), com dura-ção da doença acima de seis anos (61,1%). Amaioria usava dois a três medicamentos (62,6%),apresentava quadro estável e se mantinha em tra-tamento ambulatorial (82,1%). Em relação à his-tória de internação, cerca de 27% relataram nun-ca terem sido internados. Entre os que haviam sidointernados, quase 50% relataram um tempo deinternação menor que seis meses.

Instrumentos de medida

Foram utilizados dois instrumentos para me-dida da qualidade de vida, descritos a seguir:

Escala QLS-BR

A escala de qualidade de vida (QLS-BR) desenvol-vida especificamente para pacientes com esquizofreniatem como objetivo avaliar a qualidade de vida subje-tiva do paciente nas três semanas precedentes. Estaescala consta de 21 itens abrangendo informaçõessobre sintomatologia e funcionamento. Cada item écomposto por uma escala do tipo Likert de sete pon-tos, onde os escores 5 e 6 indicam o funcionamentonormal ou inalterado do paciente, os escores de 2 a 4revelam um considerável prejuízo e os escores 0 e 1refletem um prejuízo grave no item em questão. OAnexo 1 apresenta como exemplo dois dos 21 itensque compõem a versão brasileira da escala QLS, adap-tada por Cardoso et al.

Entre os vários instrumentos de avaliação da qua-lidade de vida na esquizofrenia, a escala original QLSé um dos mais referenciados na literatura internacio-nal e utilizado em diferentes estudos. Suas qualidadespsicométricas foram testadas nos Estados Unidos8 ena França23. Os resultados dos dois estudos indica-ram boas qualidades de medidas da escala. Nos Esta-dos Unidos, a escala apresentou a distribuição dos 21itens em quatro fatores, explicando 73% da variância,

e mostrou uma confiabilidade interavaliador adequa-da, com correlação intraclasse (ICCS) variando de 0,75a 18. No estudo de validação da versão francesa, os21 itens da escala também foram distribuídos emquatro fatores, explicando 53,5% da variância. Os co-eficientes alfa de Cronbach variaram de 0,9 para aescala global e de 0,6 a 0,9 para os fatores. A escalaQLS foi positivamente correlacionada com a GlobalAssessmente Scale (GAF) (r = 0,56) e com a VisualAnalogue (VAS) (r = 0,3). Apresentou ainda boaconfiabilidade interavaliador, pois o valor de kappavariou de 0,1 a 0,723.

Escala WHOQOL-bref

Esta escala de avaliação da qualidade de vidafoi criada por um grupo de pesquisadores da Or-ganização Mundial de Saúde. Trata-se de um ins-trumento genérico para avaliação da qualidadede vida, podendo ser aplicado a pacientes comdiversas patologias. Possui um total de 26 itens,sendo composto por quatro domínios: físico, psi-cológico, relações sociais e meio ambiente. Cadaitem é composto por uma escala de cinco pontoscom diferentes gradações. Seu uso no Brasil temrevelado boas características de validade e confi-abilidade. Esta escala possui uma consistência in-terna elevada, com o valor de alfa de Cronbachde 0,91. A fidedignidade teste-reteste apresentoucoeficientes de correlação acima de 0,69. Os do-mínios 1 e 2 apresentaram validade discriminanteentre pacientes e controles. No que se refere àvalidade de critério, os resultados da análise deregressão linear múltipla indicaram que todos osdomínios apareceram no modelo linear, explican-do 44% da variância, com exceção do domínio3. A escala WHOQOL-bref apresentou validadeconcomitante com o Inventário BDI e a BHS6.

Coleta de dados

Foi conduzido um estudo transversal aplican-do-se os dois instrumentos acima descritos porum período de oito meses, de setembro de 2000a abril de 2001.

Um total de 230 pacientes, que preenchiam ocritério de inclusão para o estudo, foi encontradono serviço. Todos os pacientes foram convidadosa participar do estudo, sistematicamente, por atétrês vezes, através de telegrama, solicitando seucomparecimento ao ambulatório. Foi incluído noestudo um total de 123 pacientes.

Após assinar o consentimento autorizado, cadapaciente participou de uma entrevista individual

Cardoso et al. Qualidades psicométricas da escala de qualidade de vida para pacientes com esquizofrenia

Page 47: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

214 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

estruturada, durante a qual foram aplicadas as duasescalas. As entrevistas foram realizadas por trêsentrevistadores previamente treinados.

Alguns procedimentos, descritos abaixo, fo-ram implementados visando a avaliar as proprie-dades psicométricas da escala.

Em uma parte da amostra (35 dos 123 paci-entes), a escala QLS-BR foi aplicada por doisentrevistadores em uma mesma entrevista, ondeeles simultaneamente atribuíam um escore paracada um dos itens da escala de forma indepen-dente, sendo que o papel do entrevistador era al-ternado de um paciente para o outro, evitandoassim manter um entrevistador fixo.

A escala QLS-BR foi reaplicada em um segundomomento pelo mesmo entrevistador, respeitando ointervalo máximo de três semanas após a primeiraaplicação. Este reteste foi realizado com 41 dos 123pacientes selecionados aleatoriamente.

Foram selecionadas quatro perguntas de caráterobjetivo da escala QLS-BR para serem repetidas emmomentos diferentes da entrevista, tendo como ob-jetivo testar a confiabilidade das respostas. Este pro-cedimento foi utilizado para todos os 123 pacientes.

Para maior confiabilidade do diagnóstico dospacientes, 15% da amostra foi sorteada de formaaleatória e sua história clínica foi encaminhada a umsegundo psiquiatra para avaliação independente.

Este estudo levou em consideração o cumpri-mento dos princípios éticos contidos na declaraçãode Helsinki (1996) e o projeto foi aprovado pelocomitê de ética em pesquisa da UFMG, sob parecer035/01.

Análise dos dados

Os escores obtidos nas duas escalas foram sub-metidos a testes estatísticos apropriados para analisara validade e a confiabilidade da escala QLS-BR.

Para o estudo da validade da escala QLS-BR,foram realizados os seguintes procedimentos esuas análises estatísticas: 1) validade de constructo:análise fatorial exploratória, usando rotaçãovarimax; 2) correlação entre os itens: pelo coefi-ciente de correlação de Pearson; e 3) validadeconcomitante: utilizando-se a correlação dePearson entre as escalas QLS-BR e a escalaWHOQOL-bref.

Para o estudo de confiabilidade da escala QLS-BR foram feitos quatro tipos de análises: 1) análiseda consistência interna: realizada através do coefici-

ente alfa de Cronbach; 2) confiabilidade teste-reteste:utilizando-se a correlação de Spearman entre os es-cores obtidos nas duas aplicações da QLS-BR (testee reteste); 3) confiabilidade interavaliador: atravésda concordância fornecida pelo coeficiente kappaponderado; e 4) confiabilidade das respostas dos pa-cientes: cujas proporções foram comparadas atra-vés do teste de McNemar com inferência exata.

Neste estudo foram utilizados os seguintessoftwares: StatXact. 4 (1999), SPSS 8.0 (1997),Minitab 13.0 (2000) e o Epi-Info 6.04 (1997).

Resultados

Escores de qualidade de vida

As médias dos escores obtidos na escala QLS-BR para a amostra estudada estão apresentadasna TTTTTabela 1abela 1abela 1abela 1abela 1. Os escores médios para os 21 itensda escala variaram de 1,59 a 3,69, e os escoresobtidos para os três fatores foram: 2,35 para redesocial; 2,4 para o nível ocupacional; e 2,77 parafunções intrapsíquicas e relações interpessoais. Oescore médio para a escala global foi de 2,56. Odesvio padrão para os 21 itens variou de 1,17 a2,24. Observa-se que a maioria dos escores esta-va entre 2 e 4, sugerindo um prejuízo bastantesignificativo para a maioria dos itens avaliados emtermos de qualidade de vida destes pacientes.

Indicadores de validade da escala QLS-BR

Validade de constructo

Estrutura dimensional – Estrutura dimensional – Estrutura dimensional – Estrutura dimensional – Estrutura dimensional – A análise fatorial da ver-são brasileira da escala QLS indicou uma distribui-ção dos 21 itens em três fatores, que, agrupados,respondem por 63% da variância, com porcenta-gens de 21% para cada um dos três fatores. A TTTTTa-a-a-a-a-bela 2bela 2bela 2bela 2bela 2 apresenta os coeficientes de saturação decada um dos itens, bem como sua distribuição nosrespectivos fatores. Os valores destes coeficientesvariaram de 0,43 a 0,92. O índice Kaiser-Meyer-Olkin(KMO) encontrado foi de 0,9.

A estrutura dimensional da escala QLS brasi-leira ficou assim distribuída: fator 1: rede social(itens 1-7); fator 2: nível ocupacional (itens 9-12e 17); e fator 3: funções intrapsíquicas e relaçõesinterpessoais (itens 8, 13, 15,18-21).

Os itens referentes à motivação (14) e anedonia(16) foram eliminados dos fatores na escala brasilei-ra devido à sua ambigüidade, pois estes itens apre-sentaram cargas fatoriais igualmente elevadas em

Qualidades psicométricas da escala de qualidade de vida para pacientes com esquizofrenia Cardoso et al.

Page 48: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

215J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Tabela 1 – Médias e desvios padrões dos escores para os 21 itens da escala QLS-BR (n = 123)

Fatores e escala global Média DP*

Rede social (fator 1) 2,35 1,321. Relações familiares 3,32 1,82. Relações íntimas 2,43 2,133. Amizades ativas 1,93 1,834. Atividade social 2,12 1,65. Rede social 2,21 1,176. Iniciativa social 1,67 1,667. Afastamento social 2,77 1,74

Nível ocupacional (fator 2) 2,4 1,89. Funcionamento ocupacional 2,43 2,1510. Nível de realização 2,17 1,6811. Subemprego 2,41 2,2412. Satisfação ocupacional 2,34 1,9117. Utilização do tempo 2,66 2,13

Funções intrapsíquicas e relações interpessoais (fator 3) 2,77 1,28. Relações afetivo-sexuais 1,59 1,6813. Sentido de objetivos de vida 2,53 1,9615. Curiosidade 2,02 1,6318. Objetos comuns 3,69 1,2619. Atividades comuns 2,46 1,2620. Empatia 3,5 1,7521. Interação 3,64 1,72

Escala global (21 itens) 2,56 1,1714. Motivação 2,92 1,7616. Anedonia 2,89 1,67

*Desvio padrão.

dois fatores. O item motivação entrou nos fatores 2e 3 com as respectivas cargas fatoriais de 0,5 e 0,43,enquanto o item anedonia entrou no fator 1 e nofator 3 com cargas fatoriais 0,51 e 0,54. Entretantoestes dois itens foram mantidos na escala global de-vido às suas elevadas correlações item/total.

CorCorCorCorCorrrrrrelações interelações interelações interelações interelações interfatorfatorfatorfatorfatores e escala global –es e escala global –es e escala global –es e escala global –es e escala global – A TTTTTa-a-a-a-a-bela 3bela 3bela 3bela 3bela 3 apresenta as correlações de Spearman entreos três fatores identificados na escala brasileira, as-sim como suas correlações com a escala global. Osresultados mostraram que as correlações mais ele-vadas estão entre cada fator e a escala global (res-pectivamente, 0,85; 0,78 e 0,85), comparativamenteàs correlações obtidas entre os três fatores (0,46 a0,65), indicando assim a presença de um constructocomum subjacente aos fatores, relacionado à escalaglobal de avaliação da qualidade de vida.

Validade concomitante

A validade concomitante da escala QLS-BR foiavaliada comparando-se seus escores com aque-

les obtidos da escala WHOQOL-bref. Uma corre-lação baixa não-significativa (r = 0,05 e p > 0,55)entre as duas escalas foi encontrada.

Indicadores de confiabilidade da escalaQLS-BR

Consistência interna

Os resultados referentes à homogeneidade ouconsistência interna dos itens de cada fator e daescala global, através do coeficiente alfa deCronbach, estão apresentados na TTTTTabela 4abela 4abela 4abela 4abela 4 e se-rão descritos abaixo.

Primeiro fator: rede social –Primeiro fator: rede social –Primeiro fator: rede social –Primeiro fator: rede social –Primeiro fator: rede social – Este fator contémsete questões que se referem à rede social na qualo paciente está inserido. Pode-se observar que aconsistência interna deste fator foi elevada(α = 0,88). As correlações item/total variaram de0,57 a 0,74. O item 7, que avaliava o afastamentosocial, apresentou-se mais bem correlacionado comos outros neste fator, com uma correlação de 0,74.

Cardoso et al. Qualidades psicométricas da escala de qualidade de vida para pacientes com esquizofrenia

Page 49: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

216 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Tabela 2 – Resultados da análise fatorial* e cargas fatoriais dos itens da escala QLS-BR, utilizando oíndice KMO** (n = 123)

Fatores e escala global Fator 1 Fator 2 Fator 3

Rede social1. Relações familiares 0,622. Relações íntimas 0,683. Amizades ativas 0,774. Atividade social 0,765. Rede social 0,576. Iniciativa social 0,747. Afastamento social 0,79

Nível ocupacional9. Funcionamento ocupacional 0,910. Nível de realização 0,8511. Subemprego 0,8212. Satisfação ocupacional 0,9217. Utilização do tempo 0,75

Funções intrapsíquicas e relações interpessoais8. Relações afetivo-sexuais 0,5213. Sentido de objetivos de vida 0,715. Curiosidade 0,6518. Objetos comuns 0,6919. Atividades comuns 0,6820. Empatia 0,7721. Interação 0,71

Escala global (21 itens)14. Motivação*** 0,5 0,4316. Anedonia*** 0,51 0,54

*Foram suprimidos valores inferiores a 0,4; **KMO (Kaiser-Meyer-Olkin) = 0,9; ***eliminados dos fatores por se mostrarem ambíguos.

Tabela 3 – Coeficientes de correlação de Spearman entre os fatores e a escala global (n = 123)

Fator F1 F2 F3 Global

F1 – 0,46* 0,65* 0,85*0,85*0,85*0,85*0,85*F2 0,46* – 0,49* 0,78*0,78*0,78*0,78*0,78*F3 0,65* 0,49** – 0,85*0,85*0,85*0,85*0,85*GlobalGlobalGlobalGlobalGlobal 0,85*0,85*0,85*0,85*0,85* 0,78*0,78*0,78*0,78*0,78* 0,85*0,85*0,85*0,85*0,85* –––––

*Correlação significante ao nível de 0,01; **correlação significante ao nível de 0,05.

Segundo fator: nível ocupacional – Segundo fator: nível ocupacional – Segundo fator: nível ocupacional – Segundo fator: nível ocupacional – Segundo fator: nível ocupacional – Este fa-tor é composto por cinco itens que visam a ava-liar o funcionamento ocupacional dos pacien-tes. A consistência interna deste fator tambémfoi elevada (α = 0,93) e as correlações item/total variaram de 0,73 a 0,92. O item 12 (satis-fação ocupacional) foi o mais correlacionadocom os demais itens deste fator, com uma cor-relação de 0,92.

TTTTTerererererceirceirceirceirceiro fator: atividades intrapsíquicas e ro fator: atividades intrapsíquicas e ro fator: atividades intrapsíquicas e ro fator: atividades intrapsíquicas e ro fator: atividades intrapsíquicas e re-e-e-e-e-lações interpessoais –lações interpessoais –lações interpessoais –lações interpessoais –lações interpessoais – Este fator é composto por

sete itens que avaliam as atividades intrapsíquicase as relações interpessoais na vida dos pacientes.Sua consistência interna (α = 0,86) foi elevada,com correlações item/total variando de 0,52 a0,74. O item que apresentou correlação mais altacom os outros itens neste fator foi o 18 (empatia),com uma correlação de 0,74.

Escala global –Escala global –Escala global –Escala global –Escala global – A consistência interna da escalaglobal, incluindo os 21 itens, também se mostroualta (α = 0,94) e as correlações item/total para aescala variaram entre 0,48 e 0,72.

Qualidades psicométricas da escala de qualidade de vida para pacientes com esquizofrenia Cardoso et al.

Page 50: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

217J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Confiabilidade teste-reteste

A TTTTTabela 5abela 5abela 5abela 5abela 5 apresenta os dados referentes àestabilidade temporal da escala. Uma correlaçãoalta (r = 0,84, p < 0,01) entre os escores do testee do reteste foi encontrada para a escala global,com intervalo variando entre 0,74 a 0,95.

Quando se comparou a correlação obtida entreos escores do teste e do reteste para cada um dostrês fatores, também se observou uma ótima corre-lação: rede social (r = 0,67; p < 0,01), nível ocupaci-onal (r = 0,81; p < 0,01) e funções intrapsíquicas erelações interpessoais (r = 0,74; p < 0,01).

Confiabilidade interavaliador

Os dados referentes ao grau de acordo com ointeravaliador estão apresentados na TTTTTabela 6abela 6abela 6abela 6abela 6. Os

resultados indicaram uma boa concordância entreobservadores, com estimativa kappa variando de0,67 a 1 para os 21 itens. O item que apresentou amaior concordância foi o de atividades comuns (1),seguido do item relações íntimas, funcionamentoocupacional e objetos comuns, ambos com 0,98 deconcordância. A menor concordância foi apresen-tada pelo item rede social, com 0,67.

Confiabilidade das respostas

A TTTTTabela 7abela 7abela 7abela 7abela 7 apresenta os dados referentes àsrespostas dos sujeitos para as quatro perguntasque se repetiam em momentos diferentes duran-te a entrevista. Os resultados analisados pelo tes-te de McNemar (0,06 a 0,16) mostraram que nãohouve diferença significativa entre as respostas dossujeitos a estas perguntas (p > 0,05). Estes resul-

Tabela 4 – Coeficientes alfa de Cronbach para os fatores e para a escala global e correlações dositens com o fator e com a escala global QLS-BR (n

Fatores e escala global Coeficiente alfa Correlação Correlação item/de Cronbach item/fator* escala global*

Fator 1: rede social 0,881. Relações familiares 0,62 0,61

2. Relações íntimas 0,69 0,643. Amizades ativas 0,72 0,594. Atividade social 0,7 0,615. Rede social 0,57 0,54

6. Iniciativa social 0,7 0,657. Afastamento social 0,74 0,63

Fator 2: nível ocupacional 0,939. Funcionamento ocupacional 0,88 0,63

10. Nível de realização 0,83 0,6811. Subemprego 0,77 0,612. Satisfação ocupacional 0,92 0,717. Utilização do tempo 0,73 0,64

Fator 3: funções intrapsíquicas 0,86 e relações interpessoais

8. Relações afetivo-sexuais 0,52 0,49

13. Sentido de objetivos de vida 0,67 0,5915. Curiosidade 0,67 0,6518. Objetos comuns 0,74 0,6919. Atividades comuns 0,55 0,48

20. Empatia 0,65 0,6421. Interação 0,65 0,6

Escala global (21 itens) 0,9414. Motivação – 0,71

16. Anedonia – 0,72

*Correlação de Pearson.

Cardoso et al. Qualidades psicométricas da escala de qualidade de vida para pacientes com esquizofrenia

Page 51: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

218 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Tabela 5 – Coeficientes de correlação de Spearman entre os escores do teste e do reteste para osdiferentes fatores da escala QLS-BR (n = 41)

Fator Coeficiente* IC (95%)

1. Rede social 0,67 0,51-0,84

2. Nível ocupacional 0,81 0,64-0,963. Funções intrapsíquicas e relações interpessoais 0,74 0,58-0,91

*p valor < 0,01.

Tabela 6 – Coeficientes kappa e intervalos de confiança (IC) para avaliar a confiabilidadeinteravaliador na escala QLS-BR (n = 35)

Itens de cada fator e escala global Coeficiente kappa IC

Fator 1: rede social1. Relações familiares 0,89 0,82-0,962. Relações íntimas 0,98 0,96-0,99

3. Amizades ativas 0,93 0,87-0,994. Atividade social 0,9 0,82-0,995. Rede social 0,67 0,38-0,966. Iniciativa social 0,89 0,82-0,97

7. Afastamento social 0,87 0,78-0,95

Fator 2: nível ocupacional9. Funcionamento ocupacional 0,98 0,96-0,9910. Nível de realização 0,86 0,77-0,95

11. Subemprego 0,89 0,79-0,9912. Satisfação ocupacional 0,95 0,92-0,9817. Utilização do tempo 0,94 0,91-0,98

Fator 3: Funções intrapsíquicas e relações interpessoais

8. Relações afetivo-sexuais 0,95 0,92-0,9813. Sentido de objetivos na vida 0,92 0,86-0,9815. Curiosidade 0,89 0,82-0,9618. Objetos comuns 0,98 0,96-1

19. Atividades comuns 1 1-120. Empatia 0,93 0,88-0,9721. Interação 0,73 0,48-0,98

Escala global (21 itens)14. Motivação 0,87 0,81-0,9416. Anedonia 0,86 0,77-0,96

Qualidades psicométricas da escala de qualidade de vida para pacientes com esquizofrenia Cardoso et al.

tados atestam, portanto, a confiabilidade das res-postas dos sujeitos.

Discussão

Este estudo demonstrou que a versão brasi-leira da escala QLS-BR (Quality of Life Scale) pos-sui propriedades psicométricas adequadas de va-lidade e confiabilidade para avaliar a qualidadede vida de pacientes brasileiros com diagnósticode esquizofrenia.

Os escores obtidos para a qualidade de vida dospacientes brasileiros variaram de 1,59 a 3,64, suge-rindo um prejuízo bastante significativo de qualida-de de vida para a maioria dos itens avaliados. Estesresultados revelam o impacto da doença na percep-ção subjetiva do paciente sobre sua qualidade devida. As menores médias e medianas se referem aositens sobre as relações afetivo-sexuais (1,59 e 1), se-guidas pela iniciativa social (1,67 e 2). As maioresmédias e medianas foram relacionadas aos objetoscomuns (3,69 e 4), o que significa que objetos de

Page 52: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

219J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

uso básico na atividade cotidiana da população ge-ral também fazem parte da rotina dos pacientes. Oitem interação também apresentou uma das maio-res médias e medianas (3,64 e 4), demonstrandouma boa relação do paciente com o entrevistador.

Estes dados se assemelham aos obtidospor Heinrichs et al.8, que também encontraram es-cores com valores entre 2 e 4 para a escala QLS emsua amostra. No entanto a qualidade de vida dospacientes brasileiros se mostrou bem abaixo da mé-dia encontrada para os pacientes americanos. Osescores deste estudo também se assemelham àque-les encontrados em um estudo brasileiro utilizandoa escala QLS, embora este estudo tenha sido realiza-do sem a validação da escala para o Brasil15.

A análise fatorial da escala QLS-BR mostrou adistribuição dos 21 itens em três fatores, explicando63% da variância, enquanto os resultados obtidosna análise fatorial da escala original americana havi-am indicado a presença de quatro fatores, explican-do 73% da variância8. Estes dados coincidem com aliteratura, quando indicam que os índices da versãoadaptada de uma escala tendem a ser menores doque os apresentados na versão original24. Já o estu-do de validação da escala QLS para a França apre-sentou, assim como a versão original, quatro fato-res, mas explicando apenas 53,5% da variância.

Quando se comparou a correlação entre ostrês fatores, observou-se que todos apresentavamcoeficientes de correlação significativos entre si euma correlação ainda mais elevada de cada fatorcom a escala global. Este resultado é esperado navalidação de escalas2 e indica que as dimensõesdistintas ou os fatores de uma escala estão liga-dos a um constructo comum, que, neste estudo,refere-se à qualidade de vida de pacientes comdiagnóstico de esquizofrenia (Tabela 3).

A análise feita através do coeficiente alfa deCronbach demonstrou ótimas características de con-sistência interna da escala QLS-BR para cada fator(valores acima de 0,85). A escala global, com os 21

itens, também mostrou elevada consistência inter-na (α = 0,94), embora o valor de alfa esteja um pou-co acima do limite da faixa ideal sugerida porVallerand24 para avaliar a fidedignidade de uma es-cala (0,7 a 0,85). Os coeficientes alfa para a versãofrancesa apresentaram índices de 0,6 a 0,9.

Todos os 21 itens da escala original forammantidos na versão em português por apresenta-rem ótimas correlações com a escala global (0,48a 0,72), todas acima do critério mínimo requeri-do (< 0,2). Dois dos 21 itens, motivação (item14) e anedonia (item 16), foram eliminados dosfatores por se mostrarem ambíguos, uma vez quetinham apresentado cargas fatoriais elevadas emmais de um fator. Entretanto estes dois itens fo-ram mantidos na escala por terem apresentadocorrelações significativas com a escala global (0,71e 0,72), quando comparados com os outros itens.

O fato de todos os fatores apresentarem umbom coeficiente de correlação levanta a possibili-dade de se utilizar um escore único de qualidadede vida para a escala QLS-BR. Entretanto, consi-derando-se o conceito multidimensional de qua-lidade de vida, somar itens de vários fatores po-deria ocasionar perda de informações do pontode vista clínico5,18. Por outro lado, como demons-tram Fleck et al.5, um escore final poderia simpli-ficar a interpretação. Alguns estudos conduzidoscom este instrumento8, 15, 17 não utilizaram o es-core final, talvez por acreditar que os escores porfatores trariam muito mais informações clínicas,visto que determinado tratamento poderia afetardiferencialmente os fatores ou mesmo afetá-losem sentidos opostos5. Desta forma, o escore totaldeixaria de detectar estas diferenças. Entretantoa utilização do escore total ou do escore por fato-res em estudos brasileiros poderá ser igualmenteou mesmo simultaneamente adotado, por causadas qualidades psicométricas da escala QLS-BR.

Considerando a correlação não-significativa en-contrada entre as escalas QLS-BR e WHOQOL-bref,

Tabela 7 – Confiabilidade das respostas dos pacientes para quatro perguntas da QLS-BR que serepetiam em momentos diferentes durante a entrevista (n =123)

Pergunta Estatística* p valor**

1. Você se dá bem com todas as pessoas com quem atualmente mora, ou com sua família imediata? 0,16 0,512. Você passa muito tempo não fazendo nada, ou sentado aqui e ali? 0,13 0,863. Você tem evitado atender o telefone ou atender pessoas? 0,07 0,21

4. Outras pessoas parecem ser mais alegres ou divertidas do que você? 0,06 0,18

*McNemar utilizando inferência exata.; **p valor para teste de hipótese bilateral.

Cardoso et al. Qualidades psicométricas da escala de qualidade de vida para pacientes com esquizofrenia

Page 53: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

220 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

tais resultados não nos permitem fazer inferênciassobre a validade concomitante da escala QLS-BR.

Várias hipóteses poderiam ser levantadas para oentendimento destes resultados. Uma delas se refe-re ao tipo de instrumento usado para comparação eà população-alvo à qual ele está direcionado. A es-cala WHOQOL-bref, utilizada para comparação coma QLS-BR, consiste em um instrumento genérico dequalidade de vida elaborado para ser aplicado emdiferentes categorias de pacientes. Talvez não sejauma escala adequada para aplicação junto aos paci-entes com esquizofrenia.

Uma outra hipótese poderia estar relacionada àdiferença na forma de avaliação utilizada em ambasas escalas. Na escala QLS-BR, é o entrevistador quematribui uma pontuação a cada item, com base nasrespostas do paciente a um bloco de perguntas. Omesmo não ocorre com a escala WHOQOL-bref, queconsiste em um instrumento de auto-avaliação, sen-do o próprio sujeito quem escolhe uma alternativade resposta entre as várias alternativas possíveis apre-sentadas por cada item da escala. Medidas de auto-avaliação e de heteroavaliação podem estar sujeitasà interferência de diferentes variáveis, podendo re-sultar em baixa correlação entre elas13.

Tendo-se em vista as limitações dos pacientes comesquizofrenia, é possível que a medida através da auto-avaliação, com resposta direta ao item escolhido pelopróprio sujeito, que é inerente à escala WHOQOL-bref, resulte em resultados não-válidos com vieses oubias. Algumas observações do presente estudo apon-tam nesta direção. Foi observado, por exemplo, paraa escala WHOQOL-bref, que os pacientes muitas ve-zes escolhiam a última alternativa de resposta ofereci-da pelo entrevistador, independentemente do seu con-teúdo. Uma vez detectado este problema, foi adotadoum procedimento específico para investigar, de for-ma mais sistemática, esta tendência observada inici-almente. Este procedimento consistia em reaplicar ummesmo item, em momentos diferentes da entrevista,com uma ordem invertida das alternativas de respos-ta. Quando se repetiam os itens, invertendo-se a or-dem das alternativas, os pacientes permaneciam es-colhendo a última alternativa, gerando informaçõesparadoxais para um mesmo conteúdo.

Provavelmente todos os problemas levantados aci-ma tenham contribuído para a obtenção de correla-ções baixas entres os escores das duas escalas. Maioresestudos no contexto brasileiro avaliando a validadeconcomitante da escala QLS-BR são recomendados.

No que se refere à confiabilidade teste-reteste, aescala QLS-BR demonstrou boa estabilidade tempo-

ral para a escala global e para os fatores, com todasas correlações significativas e acima de 0,65, indi-cando que a qualidade de vida dos pacientes nãomostrou variação entre as duas aplicações da esca-la, característica extremamente importante em uminstrumento de medida. Recomenda-se um índicede correlação acima de 0,6 como ideal24.

A confiabilidade interavaliador, através da esti-mativa kappa, variou de 0,67 a 1. Estes índices sãoadequados apesar de menos elevados do que osencontrados para a escala original, cujas estimati-vas (ICCS) variaram de 0,75 a 18. Os resultadosobtidos para o Brasil mostraram índices melhoresdo que os encontrados no estudo francês, onde asestimativas kappa variaram de 0,1 a 0,723. Dessaforma, a escala QLS-BR apresentou uma boa capa-cidade de reprodução entre os entrevistadores.

Quanto à confiabilidade das respostas dos paci-entes, os resultados mostraram uma boa concordân-cia entre os dados obtidos para um mesmo itemrepetido em momentos diferentes da entrevista. Esteresultado nos permite acreditar na consistência dasrespostas dos pacientes psiquiátricos com diagnós-tico de esquizofrenia, o que constitui um dado im-portante, tendo-se em vista que esta questão aindaé objeto de grandes divergências teóricas8, 19.

Uma das preocupações deste estudo foi relacio-nada à certeza diagnóstica, ou definição de casos,que poderia distorcer várias avaliações propostas.Como se tratava da validação de um instrumentopara pacientes com esquizofrenia, procurou-se ame-nizar o erro diagnóstico, utilizando-se um psiquia-tra independente para uma segunda avaliação clíni-ca dos pacientes. Os diagnósticos feitos por umpsiquiatra independente foram confirmados em 95%dos pacientes selecionados para uma segunda ava-liação, o que reduz consideravelmente possíveis er-ros de classificação diagnóstica, e, por conseqüên-cia, possíveis vieses introduzidos por erro de definiçãoda população estudada.

Podemos concluir, portanto, que a versão emportuguês da escala QLS demonstrou um bomdesempenho psicométrico. Esta escala apresen-tou características satisfatórias para validade deconstructo, consistência interna, confiabilidadeinteravaliador e estabilidade temporal teste-retestequando aplicada a uma amostra de pacientes bra-sileiros com diagnóstico de esquizofrenia.

A escala QLS-BR inclui em sua estruturadimensional questões sobre sintomatologia e fun-cionamento atual, considerando a própria percep-ção do paciente, o que possibilita a compreensão

Qualidades psicométricas da escala de qualidade de vida para pacientes com esquizofrenia Cardoso et al.

Page 54: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

221J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

das reais necessidades dos pacientes, oferecendoinformações para o planejamento e a avaliaçãode serviços em saúde mental3, 12.

Este instrumento foi inicialmente propostopara pacientes com esquizofrenia, mas as dimen-sões avaliadas através da escala QLS-BR poderãoser de interesse potencial para outros grupos di-agnósticos dentro da saúde mental8, ou mesmoem outras áreas da saúde.

Este estudo foi uma aplicação inicial do ins-trumento e representa o primeiro passo no senti-do de responder às diversas questões levantadassobre qualidade de vida, que, além de ser um con-ceito extremamente difícil de descrever econceituar, vem sendo incluído na especificidadeda assistência psiquiátrica21 e, mais ainda, na es-pecificidade da esquizofrenia.

Em estudos futuros da escala QLS-BR, as peculia-ridades de algumas situações específicas deverão serestudadas para que este instrumento possa ter aabrangência desejada. Para isto faz-se necessário quea escala seja aplicada a outros subgrupos diagnósti-cos de pacientes com esquizofrenia.

A escala QLS-BR possui qualidades adequadaspara um instrumento de medida tanto no que serefere à metodologia adotada para sua adapta-ção transcultural4 como às suas qualidades psico-métricas de validade e confiabilidade. Os resulta-dos obtidos indicam que ela poderá ter um papelfundamental na avaliação da qualidade de vidade pacientes psiquiátricos no Brasil.

Cardoso et al. Qualidades psicométricas da escala de qualidade de vida para pacientes com esquizofrenia

Referências

1. Agrest A. An introduction to categorical data analysis. New York:J. Wiley, 1996.

2. Bandeira M, Pitta AMF, Mercier C. Escalas da OMS de avaliaçãoda satisfação e da sobrecarga em serviços de saúde men-tal: qualidades psicométricas da versão brasileira. J BrasilPsiq 1999; 48: 233-44.

3. Campos EM, Caetano D. Qualidade de vida de pacientesesquizofrênicos. J Brasil Psiq 1998; 47: 19-22.

4. Cardoso CS et al. Escala de qualidade de vida para pacientescom esquizofrenia QLS-BR: adaptação transcultural para oBrasil. J Brasil Psiq 2002; 51: 31-8.

5. Fleck M et al. Desenvolvimento da versão em português do ins-trumento de avaliação da qualidade de vida da OMS(WHOQOL-100). Rev Brasil Psiq 1999; 21: 19-28.

6. Fleck M et al. Aplicação da versão em português do instrumen-to abreviado de avaliação da qualidade de vida WHOQOL-bref. Rev Saúde Pública 2000; 34, disponível em URL: www.fsp.usp.br/~rsp.

7. Guillemin F, Claire B, Dorcas B. Cross-cultural adaptation ofhealth-related quality of life measures: literature review andproposed guidelines. J Clin Epidemiol 1993; 46: 1417-32.

8. Heinrichs DW, Hanlon TE, Carpenter WT. The quality of life scale:an instrument for rating the schizophrenic deficit syndrome.Schizophr Bull 1984; 10: 388-98.

9. Johnson RA, Wichern DW. Applied Multivariate StatisticalAnalysis. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice Hall; 1998.

10. Kaiser HF. An index of factorial simplicity. Psychometric 1974;39: 31-6.

11. Kuyken W et al. Response to cognitive therapy in depression:the role of maladative beliefs and personality disorders. JConsult Clin Psychol 2001; 69: 560-6.

12. Lehman AF. The well-being of chronic mental patients. ArchGen Psychiatr 1985; 40: 369-73.

13. Lipp MN, Haythornthwaite J, Anderson DE. Medidas diversas deassertividade em adultos. Estudos de Psicologia 1996; 13: 19-26.

14. Mari JJ. Adaptação, validação e confiabilidade de instrumentosde pesquisa aplicados em psiquiatria. In: Escalas de avaliaçãopara monitorização de tratamento com psicofármacos: reu-nião promovida pelo Centro de Pesquisas em PsicobiologiaClínica, Escola Paulista de Medicina, São Paulo, abr. 1989.

15. Marcolin MA. Escala de qualidade de vida em pacientesesquizofrênicos. Rev Psiq Clin 1998; 25: 352-356.

16. Mehta CR, Patel NR. StatXact4 for Windows (version 4.0-1)User Manual; 1999.

17. Morcillo L, Barcia D, Borgonos E. Schizophrenia: quality of lifeand year evolution. Actas Luso-Esp Neurol Psiquiatr CiencAfines 1995; 23: 293-98.

18. Orley J, Saxena S, Herman H. Quality of life and mental illness.Br J Psychiatry 1998; 172: 291-3.

19. Perreaut M. et al. Patient satisfaction with outpatient psychiatricservices: Qualitative and quantitative assessments.Evaluation and program planning 1993; 16: 109-18.

20. Pitta AMF. Qualidade de vida: uma utopia oportuna. Ciência eSaúde Coletiva 2000; Abrasco, 5: 24-7.

21. Silva Filho JF. Os hospitais de ensino: o Fideps e o Instituto dePsiquiatria. J Brasil Psiq 1995; 44: 493-5.

Agradecimentos

Agradecemos à Secretaria Municipal de Saú-de de Divinópolis, MG; ao Sersam, incluindotoda a equipe de profiss ionais; aosentrevistadores Arthur Alves e Maria das GraçasFaria Campos; e um agradecimento especial atodos os pacientes e familiares.

Nota

A escala QLS-BR está à disposição dos seguintesendereços:

• www.medicina.ufmg.br/saudepublica/dissert_teses

• www.funrei.br/saudemental/instrumentos/vida

Page 55: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

222 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

22. Siqueira AL, Soares JF. Introdução à Estatística Médica. BeloHorizonte: Departamento de Estatística da UFMG, 1999.

23. Simon-Abbadi S, Ginester D, Guelfi JD. Psychometric qualitiesof the French version of the Heinrichs quality of life ratingscale. European Psychiatry 1999; 14: 386-91.

24. Vallerand R. Vers une methodologie de validation trans-culturelle de questionnaires psychologiques. CanadianPsychology 1989; 30: 662-80. Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Anexo – Exemplo de dois dos 21 itens da escala QLS-BR

7. Avaliar afastamento socialEste item visa a avaliar em que grau a pessoa evita as interações sociais, devido ao seu desconforto ou desinteresse.

Perguntas sugeridas:• Você tem se sentido incomodado com pessoas? 0. Evitação ativa de praticamente todo contato social.

• Você tem recusado convites para fazer coisas junto 1.com outras pessoas? 2. Tolera aquele contato social exigido para atender a outras• Você tem recusado esses convites mesmo quando necessidades, mas tem muito pouco contato social pelovocê não tem nada para fazer? próprio contato; ou falta de afastamento apenas com a

• Você tem evitado atender ao telefone ou família imediata.evitado atender pessoas? 3.• Você tem lidado com pessoas somente 4. Algum engajamento social agradável e satisfatório, porémquando precisa delas? reduzido devido à evitação.

• Você tem evitado companhia em casa? 5.• Você tem preferido estar sozinho? 6. Nenhuma evidência de afastamento social

• O fato de você querer ficar sozinho tem interferido em sua vida? significativo.

14. Avaliar o grau de motivaçãoEste item visa a avaliar em que grau a pessoa é incapaz de iniciar ou manter atividades dirigidas para um objetivo, devido à sua falta

de motivação.

Perguntas sugeridas:• Você tem se esforçado para atingir seus objetivos ou planos? 0. A falta de motivação interfere significativamente• Você já conseguiu realizar algum plano ou objetivo que na rotina básica.você tinha para sua vida? 1.

• Você tem encontrado muita dificuldade para realizar 2. Capaz de atender às demandas básicas de manutençãoseus planos ou tarefas? da vida, mas a falta de motivação prejudica• Você tem conseguido resolver essas dificuldades? significantemente qualquer progresso ou realização.• Esta experiência de não resolver a dificuldade tem interferido 3.

muito na sua vida? 4. Capaz de atender às exigências rotineiras da vida, mas a• Você tem tido muito entusiasmo, animação, energia e ânimo falta de motivação resulta em realização deficiente empara fazer as coisas? algumas áreas.• Em quais atividades lhe falta ânimo ou motivação 5.

para realizá-las? 6. Nenhuma evidência de falta de motivação• Você costuma deixar sempre as coisas para fazer depois? significante.

Qualidades psicométricas da escala de qualidade de vida para pacientes com esquizofrenia Cardoso et al.

Endereço para correspondência

Clareci Silva Cardoso

Rua Maranhão 1.488/1.101 – FuncionáriosCEP 30150-331 – Belo Horizonte-MG

e-mails:[email protected]@bol.com.br

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Page 56: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

223

R e s u m o

O presente trabalho refere-se a uma revisão sobre o teste do relógio (TR), abordando suas indicações, as funções cognitivaspor ele avaliadas, suas características principais, validade e confiabilidade. Além disso, apontam-se possíveis vantagens do TR emrelação ao Mini-Mental State Examination (MMSE) e descreve-se com maior detalhe a aplicação do TR, segundo a forma propos-ta por Shulman (2000). O levantamento bibliográfico principal foi realizado através do Medline, compreendendo o período dejaneiro de 1980 a setembro de 2001. Utilizando-se a livre expressão clock drawing foram obtidos 108 artigos. As medianas dasensibilidade e da especificidade do TR são iguais a 0,79 e 0,8, respectivamente. O TR possui boa confiabilidade entre observa-dores e teste-reteste, assim como boa correlação com o Mini-Mental State Examination. Na maioria dos estudos, verificou-se piordesempenho no TR com o aumento da idade, com a redução da escolaridade e no sexo feminino. A literatura existente mostraque o TR pode ser facilmente incorporado à prática clínica, melhorando a detecção de quadros de déficit cognitivo comodelirium e demência.

Unitermosteste do relógio; rastreamento; cognição; testes neuropsicológicos; validade; confiabilidade

S u m m a r yThis review on the clock drawing test (CDT) discusses its main features, indications, validity, reliability as well as the cognitive functions it

evaluates. Possible advantages relative to the Mini-Mental State Examination are described as well as the scoring system proposed by Shulman(2000). Articles were obtained mainly through a Medline literature review, spanning the period between January 1980 and September 2001.Research for the expression clock drawing yielded 108 articles. The CDT presents a median sensitivity and specificity of 0.79 and 0.8, respectively.It has good inter-rater and test-retest reliabilities as well as a good correlation with the Mini-Mental State Examination. Most studies found thatageing, lower education and female sex were associated with lower scores. The CDT could easily be incorporated into clinical practice, increasingthe detection of cognitive impairment and thus, the identification of cases of delirium and dementia.

Unitermsclock drawing; screening; cognition; neuropsychological tests; validity; reliability

1Psiquiatra; mestra em Saúde Pública pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); professora substituta do Departamento de Psiquiatria eNeurologia, Faculdade de Medicina da UFMG.2Psiquiatra; doutora em Antropologia pela Université de Montreal; pós-doutora em Antropologia Médica pela McGill University; pesquisadoratitular do Laboratório de Epidemiologia e Antropologia Médica, Centro de Pesquisas René Rachou, Fundação Oswaldo Cruz; professora doDepartamento de Psiquiatria e Neurologia, Faculdade de Medicina da UFMG; pesquisadora do Núcleo de Estudos em Saúde Pública eEnvelhecimento; pesquisadora IC do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).3Epidemiologista; mestra e doutora em Medicina pela UFMG; pós-doutora em Epidemiologia pela Johns Hopkins University; pós-doutora emEpidemiologia pela University of London; chefe do Laboratório de Epidemiologia e Antropologia Médica, Centro de Pesquisas René Rachou,Fundação Oswaldo Cruz; professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Medicina da UFMG; coordenadora do Núcleode Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento; pesquisadora IA do CNPq.

Teste do relógio: uma revisãoda literatura sobre este teste pararastreamento de déficit cognitivo

Clock drawing test: a review on this cognitive screening testCíntia S. Fuzikawa1; Elizabeth Uchôa2; Maria Fernanda Lima-Costa3

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (3): 223-235, 2003

Recebido em: 30.01.03

Aprovado em: 30.04.03

Page 57: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

224 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Introdução de pacientes ambulatoriais20, 31, 51, 57, 58, de hospitalgeral11, 26, 28 e de instituições asilares1, 18, 57, assim comona avaliação cognitiva em estudos populacionais13,

17, 23, 32, 41, 50.

O presente trabalho refere-se a uma revisãosobre o TR. Abordam-se suas indicações, as fun-ções cognitivas por ele avaliadas e suas caracte-rísticas, apontando, inclusive, possíveis vantagensem relação ao MMSE. Descrevem-se também ostrabalhos que determinaram sua validade, confi-abilidade e fatores que podem afetá-las. Para fi-nalizar, descreve-se o sistema de pontuação doTR recentemente proposto por Shulman41.

As funções cognitivas compreendem um con-junto de habilidades intelectuais que facilitam oraciocínio, a percepção, a comunicação e a reso-lução de problemas. Como exemplo de funçõescognitivas podemos citar a atenção, a memória,a l inguagem, o cálculo, as habilidadesvisuespaciais e executivas. O exame destas fun-ções avalia o funcionamento de estruturas cere-brais e pode revelar a presença de doença cere-bral que esteja contribuindo para a expressão desintomas psiquiátricos ou de déficit intelectivo52.

A avaliação das funções cognitivas pode ser rea-lizada por intermédio de testes específicos usadosisoladamente ou em conjunto (bateria de testes).Uma avaliação em maior profundidade exige o usode testes mais longos que, via de regra, não po-dem ser aplicados nem interpretados por leigos.

Na prática clínica, porém, o profissional ne-cessita freqüentemente de uma medida breve egeral da função cognitiva para que possa distin-guir quais indivíduos apresentam maior probabi-lidade de déficit cognitivo (e que, conseqüente-mente, precisam ser investigados de formaaprofundada) daqueles cuja pequena probabili-dade de déficit não justifica uma investigaçãodetalhada. Com este objetivo usam-se os chama-dos testes para rastreamento de déficit cognitivo.

Entre os testes para rastreamento de déficitcognitivo, o mais utilizado mundialmente é o Mini-Mental State Examination (MMSE)14. Trata-se de umquestionário com escore máximo de 30 pontos queavalia: a orientação no tempo e no espaço; o registroe a evocação de três palavras; a atenção e o cálculo; alinguagem e a construção visual. Sua aplicação eminglês leva, em média, de cinco a dez minutos54.

O teste do relógio (TR) também é um teste pararastreamento de déficit cognitivo. Embora já venhasendo utilizado desde o início do século XX57, é pos-sível que seu primeiro uso sistematizado tenha ocor-rido em 1983 como parte de uma bateria para aavaliação de afasia19. Nos últimos 15 anos, têm sidoestudadas suas propriedades como teste pararastreamento de déficit cognitivo1, 3-5, 7, 10-12, 18, 22, 26, 27,

31, 43, 51, 55, 57, 58, como medida de gravidade de de-mência31, 42, 43, 53, suas diferentes formas de aplicaçãoe pontuação41, sua correlação com outros testescognitivos4, 7, 18, 20, 30, 31, 38, 42, 43, 53 e fatores que influ-enciam seu resultado1, 4, 9, 13, 15, 17, 20, 23, 24, 31, 35, 50. Oteste do relógio tem sido empregado na avaliação

Metodologia

O levantamento bibliográfico principal foi re-alizado através do Medline, abrangendo o perío-do de janeiro de 1980 a setembro de 2001. Utili-zando-se a livre expressão clock drawing foramobtidos 108 artigos. Os resumos dos artigos eminglês, francês, espanhol e português foram ana-lisados. Revisão complementar foi feita tambémpor intermédio do Lilacs. Utilizando-se as pala-vras livres relógio e reloj, foram obtidos 33 arti-gos, cujos resumos foram analisados. Para a ob-tenção de outros trabalhos foram consultadas asreferências dos artigos obtidos e as referências delivros-texto também utilizados durante a revisão.Após setembro de 2001, acompanhou-se a lite-ratura acerca do tema pelo Medline, utilizando-se a mesma livre expressão. Uma dissertação demestrado e uma tese de doutorado foram incluí-das por serem, respectivamente, o único estudode base populacional e o único estudo de valida-de do TR em pacientes com demência deAlzheimer realizados no Brasil a cujos resultadostivemos acesso.

Resultados

Formas de aplicação e pontuação

Não existe um TR padrão, mas testes com dife-rentes formas de aplicação e pontuação, que têm emcomum o fato de ser solicitado ao indivíduo que de-senhe um relógio. As principais variações na formade aplicação estão apresentadas no QuadroQuadroQuadroQuadroQuadro. Comrelação à pontuação do TR, mais de 12 formas forampropostas (TTTTTabela 1abela 1abela 1abela 1abela 1), não havendo uma propostaconsensual41. Algumas são breves, avaliando o dese-nho de forma mais global41, ao passo que outras sãomais detalhadas e longas30, 31, 37, 38.

Teste do relógio Fuzikawa et al.

Page 58: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

225J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Funções cognitivas avaliadas

O TR é conhecido basicamente como um tes-te que avalia a praxia visuoespacial38. Entretanto atarefa de desenhar um relógio, que pode parecersimples à primeira vista, envolve várias funçõescognitivas. São necessárias: a compreensão audi-tiva da ordem dada4, 41; a concentração e a aten-ção na execução do desenho4, 30, 38; a utilização damemória numérica13, da memória semântica (paralembrar o que é e como é um relógio)10 e da me-mória episódica (para lembrar todos os elemen-tos da ordem dada)10, 18. O pensamento abstratoestá envolvido na compreensão do conceito detempo55, assim como na recodificação da hora so-licitada: por exemplo, se a hora solicitada for11h10, o elemento 10 (minutos) terá que ser pro-cessado para que seja representado corretamente

com o ponteiro apontando para o número 2 (enão, 10)24. Utiliza-se a praxia visuoespacial paraidentificar e compreender o significado de ima-gens do campo visual (por exemplo, na compre-ensão do significado da circunferência pré-dese-nhada ou dos elementos que vão sendodesenhados) e para manipular e reproduzir infor-mações espaciais (por exemplo, reproduzir a ima-gem de um relógio com seus números e pontei-ros dispostos de forma correta no espaço)4, 10, 11,

18, 21, 24, 30, 31, 38, 41, 55, 58. As funções executivas sãofundamentais. Facilitam a execução de tarefas oucomportamentos complexos, mesmo na presen-ça de estímulos ambientais irrelevantes, novos ouambíguos. Estão envolvidas na motivação paraexecutar a tarefa, no seu planejamento (por exem-plo, em que ordem desenhar os elementos do re-

Quadro – Variações na aplicação do teste do relógio

Item Variação Autores

Contorno do relógio Contorno a ser desenhado pelo indivíduo Sunderland, 1989; Mendez, 1992; Rouleau, 1992;Shua-Haim, 1997; Royall, 1998

Contorno pré-desenhado Shulman, 1986; Wolf-Klein, 1989; Tuokko, 1992;Death, 1993; Watson, 1993; Manos e Wu, 1994;Montani, 1997

Marcação da hora Solicitação de marcação de determinada hora Shulman, 1986; Sunderland, 1989; Tuokko, 1992;Mendez, 1992; Rouleau, 1992; Freedman, 1994;Manos e Wu, 1994; Lee e Lawlor, 1995; Cacho, 1996;Shua-Haim, 1997; Brodaty e Moore, 1997;Royall, 1998; Solomon, 1998; Esteban-Santillan, 1998;Borson, 1999; Shulman, 2000; Storey, 2001

Solicitação de colocação apenas dos números Wolf-Klein, 1989; Death, 1993; Watson, 1993;Montani, 1997

Hora específica a ser marcada 11h10 Tuokko, 1992; Mendez, 1992; Rouleau, 1992;Manos e Wu, 1994; Lee e Lawlor, 1995; Cacho, 1996;Shulman, 2000

Outras: 1h45, 2h45, 3h, 3h40, 8h20, 10h10 Royall, 1998; Sunderland, 1989; Shua-Haim, 1997;Shulman, 1986; Solomon, 1998; Freedman, 1994;Esteban-Santillan, 1998; Borson, 1999; Brodaty eMoore, 1997; Storey, 2001

Comando dado ao indivíduo Inclusão da palavra ponteiros no comando Sunderland, 1989; Tuokko, 1992; Lee e Lawlor, 1995;Cacho, 1996; Royall, 1998; Solomon, 1998

Exclusão da palavra ponteiros no comando Manos e Wu, 1994; Shulman, 2000Ausência de instruções adicionais após o início Garcia, 1993; Royall, 1998 da realização do desenhoIntervenções do entrevistador durante Cacho, 1999; Shulman, 2000 a realização do desenho

Tarefas adicionais além do Cópia de um relógio Rouleau, 1992; Cacho, 1996; Royall, 1998; desenho do relógio Cacho, 1999

Marcação de horas em relógio já desenhado Tuokko, 1992; Okamoto, 2001Leitura da hora marcada em relógio Tuokko, 1992; Okamoto, 2001

Fuzikawa et al. Teste do relógio

Page 59: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

226 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

lógio), na monitorização da resposta, ou seja, naanálise do que está sendo executado, de modo aidentificar erros, realizar correções necessárias oulançar mão de novas estratégias, caso dificulda-des se apresentem durante a execução38, 52.

Pelo fato de requerer a participação coordena-da destas diversas funções cognitivas, o TR é tarefamais complexa que a realização de desenhos maissimples, como, por exemplo, o de uma árvore10.

Indicações e características como teste derastreamento cognitivo

Pelo fato de envolver em sua execução váriasfunções cognitivas, o TR está indicado quando sequer uma impressão geral do funcionamentocognitivo do indivíduo. É importante ressaltar quenão se trata de um teste diagnóstico, mas quevem sendo usado, de forma isolada ou associadoa outros testes5, 45, para rastreamento de déficitcognitivo41. Além de avaliar diversas funçõescognitivas, o TR apresenta outras característicasque o tornam interessante para rastreamento dedéficit cognitivo: é rápido, sendo prático para usono dia-a-dia; simples, fácil de ser lembrado peloprofissional e de ser compreendido pelo pacien-te; existem formas de pontuação simples e rápi-das; não necessita de material especial; é de bai-xo custo; pode ser aplicado por leigos treinados;tem boa aceitação por parte dos pacientes, aocontrário do que às vezes acontece com outrostestes, como o MMSE; permite acompanhar aevolução, pois reflete as alterações que ocorremao longo do tempo; permite uma visualizaçãorápida do quadro cognitivo, de modo que podeser usado como evidência concreta para ajudar aexplicar, tanto para familiares como para outrosprofissionais, qual a situação do paciente5, 18, 31, 41.

O TR também faz parte de baterias de testesvoltadas para a avaliação de possíveis quadrosdemenciais, como a utilizada pelo Consortium toEstablish a Registry for Alzheimer’s Disease(Cerad)33 e o Cambridge Cognitive Examination(Camcog)36. Está incluído também no BostonDiagnostic Aphasia Examination, usado na avali-ação de afasias19.

Validade e confiabilidade

Estudos de validade

Tivemos acesso a 24 estudos de validação doTR (Tabela 1). Nove estudaram a validade do TR

como instrumento de detecção da doença deAlzheimer7, 10, 12, 27, 30, 34, 53, 55, 58 e oito o utilizarampara detectar demência não-especificada1, 4, 28, 29,

32, 39, 51, 57. Destes 17 estudos, 16 foram conduzi-dos em serviços especializados e apenas um32 foide base populacional. Os outros sete estudos abor-daram a validade do TR na detecção de alteraçãocognitiva em pacientes internados11, 18, 26, 43, deambulatório18, 20, 31, 43, asilados18 ou em indivíduosda comunidade3. Nestes últimos, cada autor defi-niu o parâmetro utilizado como critério de evi-dência de alteração cognitiva. A mediana da sen-sibilidade e da especificidade do TR foram 0,79(0,36-0,96) e 0,8 (0,26-1), respectivamente. En-tre os sistemas de pontuação mais estudados(Shulman, Sunderland e Wolf-Klein), o que de-monstrou melhor desempenho foi o de Shulman1,

7, 39, 43, 51, com mediana da sensibilidade e da espe-cificidade de 0,86 (0,79-0,93) e 0,72 (0,54-0,96),respectivamente.

Estudos de confiabilidade

Os dados relativos à confiabilidade entre ob-servadores e teste-reteste do TR estão resumidosna TTTTTabela 2abela 2abela 2abela 2abela 2. A confiabilidade entre observado-res, verificada em 19 estudos1, 4, 7, 12, 28, 30, 31, 35, 37, 38,

42, 43, 45, 47, 51, 53, 55-57, mostrou-se elevada em todoso ssistemas de pontuação utilizados. A confiabilida-de teste-reteste3, 28, 30, 31, 45, 55, 57 também mostrou-se elevada.

A correlação do TR com outras medidas dedesempenho cognitivo tem sido estudada. Namaioria dos estudos encontrou-se boa correla-ção do TR com o MMSE (a mediana do coefici-ente de Pearson entre os trabalhos existentesfoi igual a 0,65) (TTTTTabela 3abela 3abela 3abela 3abela 3)4, 7, 18, 28, 30, 31, 38, 40, 42,

43. Foi demonstrada correlação com escalas degravidade de demência como a GlobalDeterioration Scale30, 42, 53 e a Blessed DementiaRating Scale (TTTTTabela 4abela 4abela 4abela 4abela 4)7, 53.

Influência de variáveis sociodemográficas

Idade

Teoricamente, seria de se esperar um piordesempenho no TR com o aumento da idade,porque a capacidade visuoespacial diminui como envelhecimento normal21. Esta piora foiverificada na maioria dos estudos que avalia-ram a influência deste fator. Ganguli et al.

Teste do relógio Fuzikawa et al.

Page 60: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

227J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Tabela 1 – Estudos que determinaram a validade do teste do relógio*

Primeiro Ano da País Número de Média de idade Origem dos Padrão-ouro Forma de SensibilidadeEspecificidadeautor publicação participantes (anos) (casos/ participantes adotado pontuação (%) (%)

(casos/controles) controles) (casos/controles) adotada

Shulman 1986 Canadá 21/54 76 para o Hospital ou MMSE Shulman 86 72grupo total ambulatório

(casos e controles)

Sunderland 1989 EUA 67/83 68/74 Hospital/ NINCDS- Sunderland 78† 96†

associação ADRDAde idosos

Wolf-Klein 1989 EUA 121/191 79/77 Ambulatório NINCDS- Wolf-Klein 87 93(casos e controles) ADRDA

Tuokko 1992 Canadá 58/62 71/71 Ambulatório/ NINCDS- Tuokko 86 92associação ADRDAde idosos

Mendez 1992 EUA 46/26 71/69 Não-informada NINCDS- Mendez 91† 100†

ADRDA

García 1993 Chile 138 no 78 para o Hospital, MMSE Sunderland 82 71grupo total grupo total ambulatório ou asilo

(casos e controles)

Ainslie 1993 EUA 77/110 77/77 Ambulatório ou asilo NINCDS- Shulman 87 54(casos e controles) ADRDA Sunderland 75 64

Wolf-Klein 48 93

Death 1993 Reino Unido 35/82 79 para o Hospital geral MMSE Death 77 87grupo total (casos e controles)

Watson 1993 EUA 40/36 76 para o Ambulatório NINCDS- Watson 87 82grupo total (casos e controles) ADRDA

Manos 1994 EUA 63/21 78/78 Ambulatório DSM-IIIR Manos 76 78(casos e controles)

Brodaty 1997 Austrália 28/28 73/70 Ambulatório NINCDS- Shulman 86 96(casos e controles) ADRDA Sunderland 57 100

Wolf-Klein 36 100

Manos 1997 EUA 73/48 Não-informada Hospital geral DSM-IV Manos 78† 88†

(casos e controles)

Gruber 1997 EUA 24/121 68 para o Ambulatório SPMSQ Wolf-Klein 75 79grupo total (casos e controles)

Montani 1997 França 163 Não-informada Ambulatório MMSE Montani 87 75(participantes (casos e

com idade • 65) controles)

Esteban- 1998 EUA 41/39 72/72 Ambulatório/ NINCDS- Mendez 46 79Santillan voluntários ADRDA Rouleau 93 42

Manos 1999 EUA 54/23 Não-informada Ambulatório Não-informado Manos 77 82(participantes (casos e

com idade • 70) controles)

Borson 1999 EUA 170/125 77/69 Serviço social/ Cerad Cerad 82 92serviço social e expanded

indivíduos recrutados dementiada comunidade history

CDR

Fuzikawa et al. Teste do relógio

Page 61: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

228 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Tabela 1 – Estudos que determinaram a validade do teste do relógio* (cont.)

Marcopulos 1999 EUA 73/107 76/73 Hospital psiquiátrico/ DSM-IIIR Spreen e 58 75hospital psiquiátrico Strauss

e comunidade

Cacho 1999 Espanha 56/56 73/72 Ambulatório/ NINCDS- Cacho 93 93voluntários ADRDA

Storey 2001 Austrália 72/55 79/78 Ambulatório DSM-IV Shulman 93 55(casos e controles) Mendez 96 26

Sunderland 69 58Watson 69 44

Wolf-Klein 43 86

Okamoto 2001 Brasil 50/43 72/72 Ambulatório, NINCDS- Freedman 80 91consultório/ ADRDAvoluntários ou DSM-IV

Montaño 2001 Brasil 93/60 Não-informada Comunidade CDR Alterado/ 65† 57†

(participantes (casos e não-alteradocom idade • 70) controles)

Ball 2001 EUA 16/154 Não-informada Comunidade SBT Watson 63 79(participantes (casos e

com idade • 65) controles)

Scanlan 2002 EUA 43/25 Não-informada Serviço social/ CDR Mendez 91 76serviço social Cerad 95 64e indivíduos Manos 81 80

recrutados da Leigos 84 76comunidade Shulman 79 80

Sunderland 61 88Wolf-Klein 42 88

*Todos os estudos que determinaram a sensibilidade e a especificidade do teste do relógio foram considerados de validade, independente da adequação do instrumento adotadocomo padrão-ouro; †calculado a partir de dados do estudo; MMSE = Mini-Mental State Examination; NINCDS-ADRDA = National Institute of Neurological and CommunicativeDisorders and Stroke and the Alzheimer’s Disease and Related Disorders Association; DSM = Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders; Cerad = Consortium to Establish aRegistry for Alzheimer’s Disease; SPMSQ = Short Portable Mental Status Questionnaire; CDR = Clinical Dementia Rating; SBT = Short Blessed Test.

cont.cont.cont.cont.cont.

Tabela 2 – Estudos que determinaram a confiabilidade entre observadores e teste-reteste do teste do relógio

Primeiro Ano da País Número de Média Origem dos Forma de Confiabilidade Confiabilidadeautor publicação participantes de idade participantes pontuação entre teste-

(anos) adotada observadores reteste

Shulman 1986 Canadá 75 76 Hospital e Shulman K = 0,75ambulatório

Sunderland 1989 EUA 150 71 Hospital e Sunderland CCI = 0,86-0,97associaçãode idosos

Tuokko 1992 Canadá 30* Não-informada Ambulatório Tuokko 0,9-0,95§§§§§ 0,7§§§§§

32†

Mendez 1992 EUA 72* 70* Não-informada Mendez Coeficiente Coeficiente42† 71† Pearson = 0,94 Pearson = 0,7-0,78

Rouleau 1992 EUA 75 64 Participantes de Rouleau 0,92-0,97§outra pesquisa Sunderland 0,86-0,97§

Ainslie 1993 EUA 187 77 Ambulatório Shulman K = 0,74e asilo Sunderland 0,48

Wolf-Klein 0,73

Teste do relógio Fuzikawa et al.

Page 62: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

229J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Tabela 2 – Estudos que determinaram a confiabilidade entre observadores e teste-reteste do teste do relógio (cont.)

cont.cont.cont.cont.cont.

Shulman 1993 Canadá 46 77 Ambulatório e Shulman Coeficienteserviço social Spearman = 0,94

Watson 1993 EUA 96* Não-informada Ambulatório*; Watson Coeficiente Coeficiente55† unidade de Spearman = 0,92 Spearman = 0,76

reabilitação, asilo, K = 0,63clínica geriátrica,

comunidade†

Manos 1994 EUA 26* 78* Hospital Manos Coeficiente Coeficiente39† Não-informada† Spearman = Spearman = 0,87

0,88-0,96

Coeficiente CoeficientePearson = 0,88-0,97 Pearson = 0,94

Brodaty 1997 Austrália 56 72 Ambulatório Shulman CCI = 0,89Sunderland 0,92Wolf-Klein 0,88

Montani 1997 França 30 Não-informada Ambulatório Montani Coeficiente Teste t de(participantes com Pearson = 0,98 Student: não

idade • 65) houve diferençaestatisticamentesignificante entreescores nas duas

avaliações

Royall 1998 EUA 27 76 Ambulatório e Royall Coeficientecomunidade Pearson = 0,94

Esteban-Santillan 1998 EUA 80 72 Hospital e Mendez 0,96S

comunidade Rouleau 0,94§

Solomon 1998 EUA 120* 78* Ambulatório e Freedman Coeficiente Coeficiente50† 78† comunidade Pearson = 0,92 Pearson = 0,84

Van Hout 1999 Holanda 120 75 Ambulatório Sunderland CoeficientePearson e K =0,88 e 0,58

Watson 0,62 e 0,3

Borson 1999 EUA 295 74 Serviço social e Cerad CCI = 0,97comunidade

Storey 2001 Austrália 10 Não-informada Hospital Shulman Coeficiente Kendall =0,93

Mendez 0,93Sunderland 0,84

Watson 0,81Wolf-Klein 0,93

South 2001 EUA 20 72 Programa de Rouleau CCI = 0,7-0,93reabilitação Libon 0,59-0,9

Freedman 0,52-0,91

Ball 2001 EUA 53 Não-informada Comunidade Watson 0,83§

(participantescom idade • 65)

Paganini-Hill 2001 EUA 179 80 Comunidade Watson 0,99¶

Fuzikawa 2002 Brasil 202 72‡ Comunidade Shulman CCI = 0,96

*Referente à confiabilidade entre observadores; †referente à confiabilidade teste-reteste; §não foi explicitada qual a estatística utilizada; ¶calculado a partir de dados do estudo;‡seleção aleatória de participantes; K = estatística kappa; CCI = coeficiente de correlação intraclasse; Cerad = Consortium to Establish a Registry for Alzheimer’s Disease.

Fuzikawa et al. Teste do relógio

Page 63: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

230 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

(1991) estudaram uma população rural dosEUA, predominantemente caucasiana, com ida-de maior ou igual a 65 anos, e aplicaram o TRem 1.337 indivíduos. Após ajustamento porsexo e escolaridade, observaram uma piora noresultado do teste acompanhando o aumentoda idade. Freedman et al. (1994) estudaramuma população com 20 a 90 anos e verifica-ram que o número de erros no TR aumentoucom a idade. Ao aumento da idadecorrespondeu uma piora no resultado do TR noestudo de homens de duas cidades italianas commédia de idade de 76,5 anos (n = 427)13, assimcomo no estudo de uma população de indiví-duos hispânicos e não-hispânicos (n = 797) comidade maior ou igual a 65 anos23 e no estudode indivíduos afro-caribenhos, com idade mai-or ou igual a 55 anos, residentes em Londres(n = 236)50. O mesmo foi verificado em doisestudos nos quais o TR foi aplicado através de

Tabela 3 – Correlação do teste do relógio com o Mini-Mental State Examination

Primeiro Ano da País Número de Média de Origem dos Forma de Resultadoautor publicação participantes idade (anos) participantes pontuação adotada

Shulman 1986 Canadá 75 76 Hospital e Shulman Coeficienteambulatório Pearson = - 0,65

Mendez 1992 EUA 72 70 Não-informada Mendez CoeficientePearson = 0,45

García 1993 Chile 138 78 Hospital, ambulatório Sunderland Coeficientee asilo Pearson = 0,73

Shulman 1993 Canadá 183 77 Ambulatório e Shulman Coeficienteserviço social Spearman = 0,77

Manos 1994 EUA 63 78 Ambulatório Manos CoeficientePearson = 0,49

CoeficienteSpearman = 0,5

Shua-Haim 1996 EUA 88 77 Não-informada Shua-Haim CoeficientePearson = 0,57

Sunderland CoeficientePearson = 0,55

Brodaty 1997 Austrália 56 72 Ambulatório e Shulman Rank order correlation =participantes de - 0,62outra pesquisa Sunderland 0,73

Wolf-Klein 0,62

Montani 1997 França 30 Não-informada Ambulatório Montani Coeficiente(participantes com Pearson = 0,77

idade • 65)

Royall 1998 EUA 90 76 Ambulatório e Royall Coeficientecomunidade Pearson = 0,82

Borson 1999 EUA 295 74 Serviço social e Cerad Coeficientecomunidade Pearson = - 0,79

Cerad = Consortium to Establish a Registry for Alzheimer’s Disease.

carta. No primeiro, foram retornados 170 tes-tes do total de 305 cartas enviadas a mulherescom 65 ou mais anos residentes na comunida-de3, e, no segundo, de um total de 8.406 car-tas enviadas a uma coorte de idosos de umacomunidade de aposentados, 4.843 indivídu-os com idade média de 80 anos retornaram ostestes35. Okamoto (2001) estudou, no Brasil, 43indivíduos com idade maior ou igual a 55 anossem queixa neurológica e/ou psiquiátrica sig-nificativa, sem uso de medicação psicoativa nosseis meses anteriores, sem deficiência sensorialnão-corrigida ou doença crônica não-tratada oumal controlada, e encontrou piora do desem-penho no TR com o aumento da idade.

Por outro lado, um estudo de 58 indivíduoscom mais 65 anos, sem patologianeuropsicológica ou psiquiátrica, realizado naEspanha9, não encontrou diferença no escore doTR devida a idade. O mesmo foi verificado em

Teste do relógio Fuzikawa et al.

Page 64: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

231J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

um estudo de 163 pacientes ambulatoriais comidade superior a 65 anos feito na França31.

Sexo

Geralmente as mulheres têm melhor desem-penho que os homens em testes que requeremresposta verbal, enquanto o contrário ocorre emtestes que requerem a construção de uma forma,como é o caso do TR. Os homens tiveram desem-penho melhor que as mulheres em dois estudosrealizados no EUA23, 35 e em um realizado na In-glaterra50, mas não foram observadas diferençasentre homens e mulheres em um estudo condu-zido na Espanha9 e em outro realizado nos EUA17.

Escolaridade

Embora não exista consenso quanto à influ-ência da escolaridade sobre o desempenho no TR,a maioria dos estudos mostra um melhor desem-

Tabela 4 – Correlação do teste do relógio com escalas de gravidade de demência e outros testes de avaliação ourastreamento de demência

Primeiro Ano da País Número de Média de Origem dos Forma de Escala/teste Correlaçãoautor publicação participantesidade (anos) participantes pontuação usado para com o teste

adotada comparação do relógio

Shulman 1986 Canadá 75 76 Hospital e Shulman SMSQ Coeficiente Pearson =ambulatório - 0,66

Sunderland 1989 EUA 150 71 Hospital e Sunderland DRS Coeficiente Pearson =associação 0,59de idosos GDS 0,56

BDRS 0,51SPMSQ 0,59

Mendez 1992 EUA 72 70 Não-informada Mendez RCF Coeficiente Pearson =0,66

SDMT 0,65GDS 0,4

Shulman 1993 Canadá 183 77 Ambulatório e Shulman GDS Coeficiente Spearman =serviço social - 0,32

Brodaty 1997 Austrália 56 72 Ambulatório Shulman BOIMC e Rank order correlation =BDRS - 0,57 e 0,48

Sunderland 0,62 e - 0,43Wolf-Klein 0,58 e - 0,38

Gruber 1997 EUA 145 68 Ambulatório Wolf-Klein SPMSQ kappa = 0,4

Borson 1999 EUA 295 74 Serviço social e Cerad Casi Coeficiente Pearson =comunidade - 0,8

Paganini-Hill 2001 EUA 49 80 Comunidade Watson OMC kappa = 0,26*

*Calculado a partir de dados do estudo; SMSQ = Short Mental Status Questionnaire; DRS = Dementia Rating Scale; GDS = Global Deterioration Scale; BDRS = Blessed Dementia RatingScale; SPMSQ = Short Portable Mental Status Questionnaire; RCF = Rey Complex Figure; SDMT = Symbol Digits Modalities Test; BOIMC = Blessed Orientation-Information-Memory-Concentration Test; Casi = Cognitive Abilities Screening Test; Cerad = Consortium to Establish a Registry for Alzheimer’s Disease; OMC= Orientation-Memory-Concentration Test.

penho com o aumento da escolaridade. Ganguliet al. (1991) excluíram da sua amostra os 62 in-divíduos com idade entre 65 e 84 anos que nãohaviam completado a sexta série. Analisando osTR dos outros 1.337 indivíduos, encontraramassociação entre escolaridade e desempenho noteste após ajustamento para idade e sexo. Ainsliee Murden (1993) compararam dois grupos de in-divíduos com mais de 60 anos, sem demência:um com oito anos ou menos de escolaridade eoutro com nove anos ou mais. Verificaram que ogrupo com menor escolaridade obteve escoresmenores no TR. Em estudo realizado na França,163 pacientes ambulatoriais foram classificadosem três categorias, de acordo com a escolarida-de. O grupo com menor escolaridade obteve es-cores menores quando comparado tanto ao gru-po de escolaridade intermediária quanto ao grupode maior escolaridade31. Nos estudos de La Rueet al. (1999), de Stewart et al. (2001) e de

Fuzikawa et al. Teste do relógio

Page 65: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

232 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Paganini-Hill et al. (2001), também foi constata-do que quanto maior a escolaridade, melhor odesempenho no TR.

Por outro lado, não foi encontrada correla-ção entre o nível educacional e o escore do TRem dois estudos: um desenvolvido na Espanha9

com 58 indivíduos com mais de 65 anos e outroconduzido entre 427 homens italianos com mé-dia de idade de 76,5 anos13.

Acredita-se que o impacto da escolaridade so-bre o desempenho no TR possa ser menor quan-do comparado a testes que enfatizam mais a ava-liação da linguagem, como é o caso do MMSE41.Borson et al. (1999), estudando um grupo de ido-sos de diversas etnias e escolaridades, observa-ram melhor performance do TR, em comparaçãoao MMSE, como teste de rastreamento de déficitcognitivo entre os indivíduos com menor escola-ridade e que não falavam inglês.

O teste do relógio proposto por Shulman(2000)

Em 1986, Shulman et al. propuseram umaforma de pontuação do TR classificando os er-ros de 1 a 5, sendo que quanto maior o escore,pior o desenho. Em artigo de 1993, as catego-rias foram ampliadas, passando a ser de 1 a 6,de modo que o escore 1 foi reservado para re-lógios considerados perfeitos (categoria quenão existia no sistema de pontuação anterior)42.Em 2000, Shulman descreveu a forma que vi-nha utilizando: era basicamente igual à anteri-or, exceto pelo fato de que quanto maior o es-core, melhor o desenho.

Optamos por descrever esta forma de apli-cação e pontuação41 pelo fato de ser uma dasmais estudadas e uma das que apresentam me-lhores propriedades psicométricas. Sua sensibi-lidade variou de 0,79 a 0,93 (mediana = 0,86) esua especificidade, de 0,54 a 0,96 (mediana =0,72), de acordo com as características do gru-po estudado1, 7, 39, 43, 51. É uma das formas de pon-tuação mais simples, sendo, conseqüentemen-te, fácil de lembrar e rápida de utilizar. Pareceque o aumento da complexidade do sistema depontuação não melhora os parâmetrospsicométricos de forma expressiva41.

Utiliza-se um círculo pré-desenhado comcerca de 10cm de diâmetro. Diz-se ao pacien-te: “Este círculo representa um relógio. Por fa-vor, coloque os números como num relógio e

então marque onze horas e dez minutos”. Apóso paciente colocar os números, pode-se refor-çar o comando, repetindo: “Por favor, marqueonze horas e dez minutos”. Evita-se intencio-nalmente a menção da palavra ponteiros ao daro comando. O uso de borracha para corrigireventuais erros que o paciente perceba duran-te a execução é permitido. O desenho pode serrepetido se o paciente solicitar, ao se dar contade erros, para tentar fazê-lo de forma mais cor-reta. Pode-se inclusive perguntar ao mesmo sedeseja tentar novamente, se ele expressar re-conhecer erros ao terminar o desenho.

A pontuação varia de 0 a 5, sendo que quan-to maior o escore, melhor o desenho (FiguraFiguraFiguraFiguraFigura). Oescore 5 é dado para um relógio perfeito. Perfei-to não significa milimetricamente perfeito – tole-ram-se pequenos desvios do posicionamento eespaçamento dos números, mas a impressão ge-ral da disposição dos mesmos deve ser de unifor-midade. Os ponteiros precisam estar colocadoscorretamente (novamente, não necessariamenteposicionados de forma milimetricamente perfei-ta), partindo aproximadamente do centro do cír-culo e marcando a hora correta.

O escore 4 corresponde ao relógio que apre-senta erros visuespaciais menores. É imprescindí-vel que a hora esteja marcada corretamente e osnúmeros têm que dar a impressão geral de umrelógio. Exemplos de erros menores incluem: pon-teiros um pouco fora de lugar, por exemplo, quenão partem aproximadamente do centro do cír-culo; números colocados de forma eqüidistanteao centro do círculo, porém mais para o interiorda circunferência; o espaço máximo tolerado en-tre os números ocorre quando o espaço entre elesé aproximadamente uniforme, exceto por haverum espaço maior entre dois deles, como, porexemplo, entre o 11 e o 12 ou entre o 5 e o 6.Este espaço maior deve ser equivalente, no máxi-mo, a um quarto da circunferência. Tolera-se aomissão ou repetição de um número (Figura).

O escore 3 é dado se houver uma representaçãoincorreta de 11h10, quando a organizaçãovisuoespacial está bem-feita. Exemplos: um pontei-ro só, ponteiros inexistentes, pontos ou traços nolugar dos ponteiros, ponteiros que não se encon-tram, desde que a aparência geral seja de um reló-gio, ou seja, que os números estejam distribuídosde forma mais ou menos regular. O máximo deespaçamento que se permite entre dois números éigual ao descrito para o caso de escore 4 (Figura).

Teste do relógio Fuzikawa et al.

Page 66: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

233J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

O escore 2 corresponde a um relógio com de-sorganização visuoespacial moderada dos números,de modo que uma representação precisa de 11h10seja impossível. Exemplos: números de 1 a 12 colo-cados na borda interna da circunferência, mas dis-tribuídos de forma que o intervalo entre dois delesseja maior que um quarto da circunferência; ou bor-da cheia de números que se repetem ou ultrapas-sam muito os 12, mesmo que haja um ponteiroapontando para o 11 e outro para o 2 (Figura).

O escore 1 é para o relógio com nível grave dedesorganização visuoespacial. Inclui os desenhos queguardam semelhança remota com um relógio. Exem-plo: relógio com poucos algarismos, mas começan-do a contornar a circunferência (Figura).

O escore zero é dado quando há incapacida-de de fazer qualquer representação razoável deum relógio, ou seja, quando o desenho não guar-da semelhança com um relógio ou quando o in-divíduo se recusa a fazer uma tentativa (Figura).

Este sistema de pontuação simples e fácil dememorizar fornece, de forma rápida, uma avaliaçãoglobal da qualidade do desenho do relógio, sendoprático para utilização na clínica diária.

Figura – Pontuação do teste do relógio segundo métodode Shulman (2000), exemplificada com testes realizadospor idosos da coorte de base populacional de Bambuí(MG)

ConclusãoO reconhecimento dos quadros de alteração

cognitiva, entre os quais os mais freqüentes são odelirium e as demências, é de fundamental impor-tância. A prevalência de delirium entre indivíduoshospitalizados é de 10% a 30%, podendo chegara 51% no período pós-operatório. O delirium estáassociado a aumento de morbimortalidade, exigin-do intervenção imediata. Após a sua identificaçãoe intervenção apropriada, pode ser útil para o mé-dico acompanhar a evolução do quadro utilizan-do uma medida formal que reflita a sua gravida-de2, 26. A identificação dos indivíduos portadoresde demência tem se tornado cada vez mais rele-vante devido a diversos fatores. A população ido-sa, grupo no qual a prevalência deste quadro é maiselevada, vem crescendo. Portanto espera-se um au-mento do número de portadores de demência8, 44.Seu diagnóstico possibilita intervir caso se encon-tre uma causa reversível, corrigir fatores agravan-tes, adequar as condutas médicas e os cuidadosgerais ao quadro, inclusive orientando os familia-res quanto às suas características e melhor formade lidar com o paciente18. Além disto, os tratamen-tos específicos para determinados tipos de demên-

cia podem ser mais eficazes se iniciados mais pre-cocemente no curso da doença49, e medidas da gra-vidade do comprometimento cognitivo permitemacompanhar a sua evolução, inclusive o impactodestes tratamentos41.

No entanto freqüentemente os quadros de al-teração cognitiva não são reconhecidos2, 39. Em-bora já se tenha demonstrado que a utilização detestes que avaliam a função cognitiva aumenta adetecção destes quadros39, 46, muitos profissionaisnão lançam mão deste recurso devido a desco-nhecimento, escassez de tempo ou receio de rea-ção desfavorável do paciente6, 8, 46. O TR apresen-ta características que o tornam um auxiliar valioso

Fonte: Fuzikawa et al. (submetido para publicação)16

Fuzikawa et al. Teste do relógio

EscoreEscoreEscoreEscoreEscore

5

4

3

2

1

0

Page 67: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

234 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Agradecimentosna prática clínica: é um instrumento derastreamento cognitivo com boa sensibilidade eespecificidade e ao mesmo tempo contorna al-gumas importantes dificuldades encontradas nouso de instrumentos deste tipo, pois é simples,rápido e bem aceito pelos pacientes.

Ao dr. Kenneth I. Shulman pelas orientações re-lativas à aplicação e pontuação do teste do relógio epelas bibliografias fornecidas. Ao dr. Milton Gorzonie à dra. Cláudia Hara pelas valiosas sugestões.

Referências

1. Ainslie NK, Murden RA. Effect of education on the clock-drawingdementia screen in non-demented elderly persons. J AmGeriatr Soc 1993; 41: 249-52.

2. American Psychiatric Association. American PsychiatricAssociation practice guideline for the treatment of patientswith delirium. Washington, DC: American PsychiatricAssociation, 1999.

3. Ball LJ et al. A validation of a mailed health survey for screeningof dementia of the Alzheimer’s type. J Am Geriatr Soc 2001;49: 798-802.

4. Borson S et al. The clock drawing test: utility for dementiadetection in multiethnic elders. J Gerontol 1999; 54A:M534-40.

5. Borson S et al. The mini-cog: a cognitive ‘vital signs’ measurefor dementia screening in multi-lingual elderly. Int J GeriatrPsychiatry 2000; 15: 1021-7.

6. Brodaty H et al. General practice and dementia: a national surveyof Australian GPs. Med J Aust 1994; 160: 10-4.

7. Brodaty H, Moore CM. The clock drawing test for dementia ofthe Alzheimer’s type: a comparison of three scoring methodsin a memory disorders clinic. Int J Geriatr Psychiatry, 1997;12: 619-27.

8. Bush C et al. Screening for cognitive impairment in the elderly.Can Fam Physician 1997; 43: 1763-8.

9. Cacho J et al. El test del reloj en ancianos sanos. Rev Neurol1996; 24: 1525-8.

10. Cacho J et al. Una propuesta de aplicación y puntuación deltest del reloj en la enfermedad de Alzheimer. Rev Neurol1999; 28: 648-55.

11. Death J et al. Comparison of clock drawing with mini-mentalstate examinations as a screening test in elderly acutehospital admissions. Postgrad Med J 1993; 69: 696-700.

12. Esteban-Santillan C. et al. Clock drawing test in very mildAlzheimer’s disease. J Am Geriatr Soc 1998; 46: 1266-9.

13. Ferrucci L et al. Does the clock drawing test predict cognitivedecline in older persons independent of the mini-mentalstate examination? J Am Geriatr Soc 1996; 44: 1326-31.

14. Folstein MF et al. “Mini-mental state”: a practical method forgrading the cognitive state of patients for the clinician. JPsychiatr Res 1975; 12: 189-98.

15. Freedman M et al. Clock-drawing: a neuro-psychologicalanalysis. New York: Oxford University Press, 1994.

16. Fuzikawa CS et al. A population-based study on the intra andinter-rater reliability of the clock drawing test in Brazil: theBambuí Health and Ageing Study. Int J Geriatr Psychiatry(Submetido para publicação).

17. Ganguli M et al. Effects of age, gender, and education oncognitive tests in a rural elderly community sample: normsfrom the Monongahela valley independent elders survey.Neuroepidemiology 1991; 10: 42-52.

18. García CE et al. Prueba del reloj: un método simple para evaluardemencia. Rev Med Chile 1993; 121: 1284-8.

19. Goodglass H, Kaplan E. The assessment of aphasia and relateddisorders. Philadelphia: Lea and Febiger, 1983.

20. Gruber NP et al. A comparison of the clock drawing test andthe Pfeiffer short portable mental status questionnaire ina geropsychiatry clinic. Int J Geriatr Psychiatry 1997;12: 526-32.

21. Hill RD et al. Visuospatial performance in very old dementedpersons: an individual difference analysis. Dementia 1995;6: 49-54.

22. Huntzinger JA et al. Clock drawing in the screening assessmentof cognitive impairment in an ambulatory care setting: apreliminary report. Gen Hosp Psychiatry 1992; 14: 142-4.

23. La Rue A et al. Neuropsychological performance of hispanicand non-hispanic older adults: an epidemiologic survey. ClinNeuropsychol 1999; 13: 474-86.

24. Lee H, Lawlor BA. State-dependent nature of the clock drawingtask in geriatric depression. J Am Geriatr Soc 1995; 43:796-8.

25. Libon DJ et al. Clock drawing as an assessment tool fordementia. Arch Clin Neuropsychol 1993; 8: 405-15.

26. Manos PJ. The utility of the ten-point clock test as a screen forcognitive impairment in general hospital patients. Gen HospPsychiatry 1997; 19: 439-44.

27. Manos PJ. Ten-point clock test sensitivity for Alzheimer’s diseasein patients with MMSE scores greater than 23. Int J GeriatrPsychiatry 1999; 14: 454-8.

28. Manos PJ, Wu R. The ten-point clock test: a quick screen andgrading method for cognitive impairment in medical andsurgical patients. Int J Psychiatry Med 1994; 24: 229-44.

29. Marcopulos BA et al. Neuropsychological assessment ofpsychogeriatric patients with limited education. ClinNeuropsychol 1999; 13: 147-56.

30. Mendez MF et al. Development of scoring criteria for the clockdrawing task in Alzheimer’s disease. J Am Geriatr Soc 1992;40: 1095-99.

31. Montani C et al. Cotation et validation du test du cadran del’horloge en psychométrie chez le sujet âgé. Encephale1997; 23: 194-9.

32. Montaño MBMM. Prevalência de demência em uma popula-ção de idosos residentes na comunidade [dissertação]. São

Teste do relógio Fuzikawa et al.

Page 68: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

235J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Paulo (SP): Escola Paulista de Medicina, Universidade Fede-ral de São Paulo, 2001.

33. Morris JC et al. The Consortium to Establish a Registry forAlzheimer’s Disease (Cerad): Part I. Clinical andneuropsychological assessment of Alzheimer’s Disease.Neurology 1989; 39: 1159-65.

34. Okamoto IH. Aspectos cognitivos da doença de Alzheimer noteste do relógio: avaliação de amostra da população brasi-leira [tese]. São Paulo (SP): Escola Paulista de Medicina,Universidade Federal de São Paulo, 2001.

35. Paganini-Hill A et al. Clock drawing: analysis in a retirementcommunity. J Am Geriatr Soc 2001; 49: 941-7.

36. Roth M et al. Camdex: a standardized instrument for thediagnosis of mental disorders in the elderly with specialreference to the early detection of dementia. Brit J Psychiatry1986; 149: 698-709.

37. Rouleau I et al. Quantitative and qualitative analyses of clockdrawings in Alzheimer’s and Huntington’s disease. BrainCogn 1992; 18: 70-87.

38. Royall DR et al. Clox: an executive clock drawing task. J NeurolNeurosurg Psychiatry 1998; 64: 588-94.

39. Scanlan JM et al. Comparing clock tests for dementia screening:naïve judgements vs. formal systems – what is optimal? IntJ Geriatr Psychiatry 2002; 17: 14-21.

40. Shua-Haim J. A simple scoring system for clock drawing inpatients with Alzheimer’s disease [letter]. J Am Geriatr Soc1996; 44: 335.

41. Shulman KI. Clock-drawing: is it the ideal cognitive screeningtest? Int J Geriatr Psychiatry 2000; 15: 548-61.

42. Shulman KI et al. Clock-drawing and dementia in thecommunity: a longitudinal study. Int J Geriatr Psychiatry2000; 8: 487-96.

43. Shulman KI et al. The challenge of time: clock-drawing andcognitive function in the elderly. Int J Geriatr Psychiatry1986; 1: 135-40.

44. Siu AL. Screening for dementia and investigating its causes.Ann Intern Med 1991; 115: 122-32.

45. Solomon PR et al. A 7-minute neurocognitive screening batteryhighly sensitive to Alzheimer’s disease. Arch Neurol 1998;55: 349-55.

46. Somerfield MR et al. Physician practices in the diagnosis ofdementing disorders. J Am Geriatr Soc 1991; 39: 172-5.

47. South MB et al. Interrater reliability of three clock drawing testscoring systems. Appl Neuropsychol 2001; 8: 174-9.

48. Spreen O, Strauss E. A compendium of neuropsychological tests.2. ed. New York: Oxford University Press, 1998.

49. Stäehlin HB et al. Early diagnosis of dementia via a two-stepscreening and diagnostic procedure. Int Psychogeriatr 1997;9 (suppl. 1): 123-30.

50. Stewart R et al. Cognitive function in UK community-dwellingAfrican Caribbean elders: normative data for a test battery.Int J Geriatr Psychiatry 2001; 16: 518-27.

51. Storey JE et al. A comparison of five clock scoring methodsusing ROC (receiver operating characteristic) curve analysis.Int J Geriatr Psychiatry 2001; 16: 394-9.

52. Sultzer DE. Mental status examination. In: Coffey CE. CummingsJL (eds.). The American Psychiatric Press textbook of geriatricneuropsychiatry. 2. ed. Washington D.C.: AmericanPsychiatric Press, 2000. p.125-41.

53. Sunderland T et al. Clock drawing in Alzheimer’s disease: anovel measure of dementia severity. J Am Geriatr Soc 1989;37: 725-9.

54. Tombaugh TN, Mcintyre NJ. The mini-mental state examination:a comprehensive review. J Am Geriatr Soc 1992; 40:922-35.

55. Tuokko H et al. The clock test: a sensitive measure todifferentiate normal elderly from those with Alzheimer’sdisease. J Am Geriatr Soc 1992; 40: 579-84.

56. Van Houte H, Berkhout S. Inter-rater reliability of the clock-drawing test [letter]. Age Ageing 1999; 28: 327-8.

57. Watson YI et al. Clock completion: an objective screening testfor dementia. J Am Geriatr Soc 1993; 41: 1235-40.

58. Wolf-Klein GP et al. Screening for Alzheimer’s disease by clockdrawing. J Am Geriatr Soc 1989; 37: 730-4.

Endereço para correspondência

Cíntia Satiko Fuzikawa

Centro de Pesquisa René Rachou – FiocruzLaboratório de Epidemiologia e AntropologiaMédicaAv. Augusto de Lima 1.715 – 6o andarBarro PretoCEP 30190-002 – Belo Horizonte-MG

Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Fuzikawa et al. Teste do relógio

Page 69: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

236 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Introdução

1Professor de Psicologia Médica e Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro; coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde.2Psicóloga da Área Técnica de Saúde Mental do Ministério da Saúde (Astec/SAS).Artigo elaborado a partir de dados levantados pelo Disque-Saúde, do Ministério da Saúde, com base em questionário elaborado pela Área Técnicade Saúde Mental, aplicado no período de outubro de 2001 a fevereiro de 2002.

Recebido em: 16.12.02

Aprovado em: 25.03.03

Configurações dos serviços deatenção diária até 2001:

um estudo com 295 serviçosPedro Gabriel Delgado1; Renata Weber2

A necessidade de obter informações sobre oscentros de atenção diária (CAD) em funcionamen-to no Brasil motivou a realização de levantamen-to preliminar, através da Área Técnica de SaúdeMental do Ministério da Saúde, em parceria como Disque-Saúde, para a coleta de dados em 295Caps em funcionamento no país no ano de 2001.

Em outubro de 2001 iniciaram-se as coletasde dados, tendo como base listagens enviadaspelos coordenadores de saúde mental dos esta-dos informando o nome e o telefone das unida-des. Os dados foram colhidos pelo Disque-Saúdeatravés de ligação telefônica e deveriam represen-tar, quando compilados, o perfil da assistênciaoferecida em Naps/Caps em funcionamento nopaís.

O Disque-Saúde é um serviço do Ministérioda Saúde em funcionamento desde 1996 que temcomo missão democratizar a informação de saú-de. O serviço atende gratuitamente o cidadãoatravés de tele-marketing, informando sobre a pre-venção de aproximadamente 130 doenças, e re-aliza pesquisas de monitoramento e acompanha-mento de projetos do Ministério da Saúde, atravésdo serviço de tele-marketing ativo, para a forma-ção de banco de dados.

Para cada um dos 295 Caps em funcionamen-to, os atendentes do Disque-Saúde aplicaram uminstrumento que, além de colher dados de identi-ficação das unidades, buscava identificar caracte-

rísticas gerais dos serviços, tais como tipo de clien-tela, dias de atendimento, território de abran-gência, número de profissionais de nível superi-or, atividades desenvolvidas, etc.

A coleta de dados foi concluída em fevereiro de2002. Das 295 entrevistas telefônicas realizadas (Fi-Fi-Fi-Fi-Fi-gura 1)gura 1)gura 1)gura 1)gura 1), 255 foram consideradas para a consolida-ção e análise de dados, já que diversos coordenado-res das instituições pesquisadas não consideravamCaps o serviço que dirigiam; existiam ainda institui-ções duplicadas nas relações de serviços enviadaspelos coordenadores de saúde mental dos estados.

É altamente bem-vinda a discussão: o que é

Figura 1 – Entrevistas do Disque-Saúde realizadas comserviços designados como Caps

Não se definiram como Caps, oucorrespondiam a serviços de duplicidade

13,56%

86,44%Definiram-se como Caps

na entrevista

Idéias, Debates e Ensaios

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (2): 236-242, 2003

Page 70: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

237J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Delgado & Weber Configurações dos serviços de atenção diária (Caps) até 2001

isto, o Caps? No entanto, para efeito da pesqui-sa, considerou-se provisoriamente que o infor-mante era sabedor do serviço que coordenava: seconsiderasse que coordenava um procedimentoCaps, ainda que num serviço chamado ambula-tório, consideraríamos os dados. Caso entendes-se que não coordenava um Caps, os dados se-quer eram colhidos. Tratava-se sempre de uminformante qualificado, que ocupava a funçãoformal de coordenador do serviço.

Os dados abaixo representam, portanto, umperfil inicial dos serviços/procedimentos Caps.Ainda que apresente imprecisões, trata-se de umprimeiro vislumbre do conjunto de Caps em fun-cionamento no país até final de 2001 – certamentecapaz de subsidiar a formulação de políticas pú-blicas, corrigir rumos ou apenas representar osesforços de tantos na implementação de uma as-sistência extra-hospitalar.

A apresentação dos dados será, no entanto,descritiva. Não serão apresentadas, a princípio,interpretações dos dados, mas apenas uma des-crição comentada deles. Não há dúvida, no en-tanto, de que uma vez no mundo, o presente perfilda assistência extra-hospitalar no país ganhe asmais diversas e proveitosas interpretações. Ela fun-ciona como um primeiro retrato – impreciso po-rém abrangente – destas novas instituições da saú-de mental, até que descrições mais eficazes erigorosas estejam disponíveis.

Apresentação dos dados

Figura 3 – Evolução anual do número de Caps

250

200

150

100

50

06

1980-1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

19

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

Sem

informaçã o

10 12 15 2334

5163

92

112

148

179

208

245

10

Figura 2 – Início das atividades como Caps/Naps

A partir de 200025%

Sem informação4%

De 1980 a 1984%

67%De 1990 a 1999

Uma das primeiras perguntas realizadas ao co-ordenador do serviço pesquisado referia-se ao anode início das atividades do serviço como Caps/Naps. A Figura 2Figura 2Figura 2Figura 2Figura 2 aponta o grande boom da im-plementação dos serviços nos anos 1990, segui-do pelo número significativo de serviços imple-mentados na década que se inicia. A política oficialde expansão da rede e implementação de servi-ços extra-hospitalares, expressiva a partir de 1992,parece ser o fator decisivo para o notável incre-mento da rede (Figura 3)Figura 3)Figura 3)Figura 3)Figura 3).

Page 71: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

238 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Configurações dos serviços de atenção diária (Caps) até 2001 Delgado & Weber

Distribuídos em um histograma, os dadosmostram o progressivo aumento dos serviços anoa ano. É importante ressaltar novamente que estabase de dados é diferente dos dados oficiais doSIA/SUS/Datasus, tendo-se em vista que: a) noDatasus estão presentes todos os serviços que atéa data da pesquisa recebiam do SUS pela execu-ção dos procedimentos Atendimento em Centrode Atenção Psicossocial I e II; b) muitos serviçosde atenção diária que funcionavam efetivamentecomo tal não estavam cadastrados no SIA/SUS.

Para se ter uma idéia da incorporação de no-vos serviços à rede, a Figura 4Figura 4Figura 4Figura 4Figura 4 mostra apenas os

novos Caps que iniciaram efetivamente seufuncionamento, ano a ano.

Observa-se que o incremento mais significa-tivo deu-se no período de 1996 em diante, masde maneira descontínua até 2001. Percebe-seuma evidente inconstância no incremento anu-al, que deve refletir as vicissitudes da políticapública para a área.

O levantamento de dados de identificação dasunidades apontou a grande maioria dos centrosde atenção psicossocial como instituições públi-cas municipais, como indica a Figura 5Figura 5Figura 5Figura 5Figura 5, e cre-denciados aos Sistema Único de Saúde, tal como

Figura 4 – Início do funcionamento de novos Caps, ano a ano, 1988-2001

40

35

30

25

20

15

10

5

0

6

1980-1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

Sem

informaç ão

11 1012

42 3

8

17

36 37

3129 29

20

Figura 5 – Natureza do serviço

250

200

150

100

50

0 Públicoestadual

Privado oufilantrópico

Públicom

unicipal

Públicofederal

ON

G/O

scip

Universitário

Seminform

açã o

213

204 14 0 2 2

Page 72: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

239J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Delgado & Weber Configurações dos serviços de atenção diária (Caps) até 2001

aponta a Figura 6Figura 6Figura 6Figura 6Figura 6. É interessante observar a poucaexpressividade dos Caps privados ou filantrópi-cos ou das organizações não-governamentais/Oscips na assistência à saúde mental.

A pergunta que se referia à clientela atendidapelo Caps obteve respostas bastante diferencia-das dos coordenadores das unidades. As opçõesde respostas, a saber, adultos, crianças e adoles-centes e usuários de álcool e outras drogas, fo-ram insuficientes para registrar a resposta dos en-trevistados. As categorias todos e outros foramnecessárias para capturar a realidade enfrentadapelas unidades, entendendo-se por todos oagrupamento das categorias adultos, crianças eadolescentes e usuários de outras drogas e poroutros combinações destas categorias ou mesmo

Figura 7 – Clientela atendidaFigura 6 – Credenciamento ao SUS

Figura 8 – Existência de território de abrangência doserviço

Figura 9 – Dias de atendimento

Não11%

Sem informação2%

87%Sim

Adultos47%

Outros20%

Sem informação4%

18%Todos 9%

Crianças eadolescentes

2%Usuários de álcool

e outras drogas

Outros1% Sem informação

5%

89%2ª a 6ª-feira

2ª a 6ª-feira e finalde semana

5%Sem informação

3%Não42%

55%Sim

a adição de outro tipo de clientela. Ainda assim, aFigura 7Figura 7Figura 7Figura 7Figura 7 aponta para a clientela adultos como amais beneficiada pelos serviços nos estados.

A pergunta “Existe uma região geográfica de-limitada para a abrangência do serviço?” procu-rava avaliar se a noção de território era referênciapara os coordenadores na gestão dos serviços. AFigura 8Figura 8Figura 8Figura 8Figura 8 aponta a inexistência, em 42% dos ser-viços pesquisados, de uma delimitação ou defini-ção da abrangência do serviço prestado.

O levantamento de dados apontou que os diasprivilegiados para o atendimento nos centros deatenção psicossocial são os dias úteis, sendo insigni-ficante a cobertura dos fins de semana, como mos-tra a Figura 9Figura 9Figura 9Figura 9Figura 9. Ainda, a grande maioria dos serviçosnão estabelece horários ou dias específicos para o

Page 73: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

240 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Configurações dos serviços de atenção diária (Caps) até 2001 Delgado & Weber

atendimento/acolhimento de pacientes novos. AFigura 10Figura 10Figura 10Figura 10Figura 10 aponta que somente 33% dos serviçosdispõem de um horário/dia de acolhimento.

O instrumento aplicado pelo Disque-Saúdesolicitava que o coordenador do serviçopesquisado especificasse a especialidade e o nú-mero dos profissionais de nível superior que fazi-am parte do quadro de pessoal. No tratamentodos dados, registrou-se a porcentagem de Capsque possuem nos seu quadros ao menos um pro-fissional de cada especialidade, apontada na Fi-Fi-Fi-Fi-Fi-gura 11gura 11gura 11gura 11gura 11. Nota-se a presença de ao menos umpsicólogo e ao menos um psiquiatra em quase100% dos centros de atenção psicossocialpesquisados.

A Figura 12Figura 12Figura 12Figura 12Figura 12 aponta que praticamente 100%dos Caps fazem cadastros (prontuários, fichári-os, sistemas informatizados). Os coordenadoresencontraram dificuldades, no entanto, para res-ponder quantos pacientes foram cadastradosdesde o início do funcionamento do serviço – ainformação raramente era de fácil acesso e mui-tas vezes os coordenadores informaram estar res-pondendo um número aproximado (Figura 13Figura 13Figura 13Figura 13Figura 13).Quanto ao número de pacientes que estão efeti-vamente freqüentando o serviço, este foi igual-mente estimado pelos coordenadores. Diversosinformantes explicaram que as estatísticas doCaps eram feitas em conjunto com outras uni-dades (sobretudo ambulatórios); outros informa-ram que as estatísticas eram realizadas por pro-cedimentos, e não por pacientes; outrossimplesmente não colhiam este dado. Os dadosda Figura 14Figura 14Figura 14Figura 14Figura 14, portanto, embora ofereçam umaprimeira aproximação do volume de pacientesatendidos, não correspondem à realidade doscentros de atenção psicossocial.

A pergunta “Quais são as atividades desenvol-vidas?” (Figura 15Figura 15Figura 15Figura 15Figura 15) revelou que quase a totalida-de dos 255 Caps pesquisados realiza atendimentoindividual, atendimento grupal e atendimento àsfamílias. As atividades comunitárias, no entanto,são realizadas por aproximadamente 200 Caps –cerca de 78% das unidades pesquisadas.

Quanto ao atendimento da demanda, a pes-quisa constatou que a maior parte dos coorde-

Figura 10 – Existência de horários específicos paraatendimento de pacientes novos

64%Não

33%Sim

Sem informação3%

Figura 11 – Presença de ao menos um profissional da categoria nos Caps

100%

80%

60%

40%

20%

0%

Médico

generalista

Médico

psiquiatra

Assistentesocial

Terapeutaocupacional

Psicólogo

Enfermeiro

Outros

16,5%

97,3%

75,7%63,5%

89,5%95%

51%

Page 74: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

241J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Delgado & Weber Configurações dos serviços de atenção diária (Caps) até 2001

Figura 12 – Existência de cadastro dos pacientes

Figura 14 – Número de pacientes que estão efetivamentefreqüentando os serviços

nadores considera que seu serviço atende todaa demanda que recebe (Figura 16Figura 16Figura 16Figura 16Figura 16). O procedi-mento adotado pela unidade quando não hávagas para o atendimento, por sua vez, distri-bui-se entre a organização de fila de espera, oencaminhamento para outro serviço e a ausên-cia de procedimento específico da coordenaçãopara a situação (Figura 17Figura 17Figura 17Figura 17Figura 17).

Finalmente, a pesquisa realizada pela ÁreaTécnica de Saúde Mental/Disque-Saúde buscoucolher dados sobre a formação dos nossos in-formantes, isto é, a especialidade dos coorde-nadores dos centros de atenção psicossocial. Amaioria dos coordenadores tem formação empsicologia, conforme informa a Figura 18Figura 18Figura 18Figura 18Figura 18. É

Figura 15 – Número de Caps por tipos de atividades realizadas

Figura 13 – Número de pacientes cadastrados desde oinício do serviço

Não0%

97%Sim

Sem informação3% Sem informação

8%

31%Acima de 2 mil

pacientes

25%De 501 a 2 mil

pacientes

Até 500 pacientes36%

300

250

200

150

100

50

0 Atendim

entoindividual

Visitadom

iciliar

Atividades

comunitári as

Atendim

entogrupal

Atendim

en toà fam

ília

Outras

245 245 244

199

128

236

Até 50 pacientes28%

Acima de 300pacientes

35%

Sem informação5%

5%201 a 300pacientes

16%De 51 a 100

pacientes

11%De 101 a 200

pacientes

Page 75: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

242 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Configurações dos serviços de atenção diária (Caps) até 2001 Delgado & Weber

interessante observar também a presença deprofissionais de outras especialidades, tradici-onalmente afastadas do campo psi, na coorde-nação dos Caps – na categoria outros foramconstatadas especia l idades comofonoaudiologia, publicidade, pedagogia, alémde profissionais com formação secundária.

Figura 16 – Atendimento da demanda Figura 17 – Procedimento adotado quando não há vagaspara atendimento

Referências

1. Delgado PG. Atendimento psicossocial na metrópole: algumasquestões iniciais. Cadernos Ipub – Instituto de Psiquiatriada UFRJ 1999; 14: 113-21.

2. Um lugar para a loucura: retrato da política de saúde mental.In: Políticas públicas de saúde no Brasil. Brasília: Divisão dePublicações do Itamaraty; 2002.

3. Organização Mundial de Saúde. Saúde Mental: nova concep-ção, nova esperança. Relatório Mundial da Saúde. Gene-bra: OMS; 2001.

4. Santos M. O retorno do território. In: Santos M, Souza M, SilveiraM. Território, globalização e fragmentação. São Paulo:HUCIETC/Anpur; 1997.

5. Sistema Único de Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comis-são Organizadora da III Conferência Nacional de SaúdeMental. Relatório Final da III Conferência Nacional de Saú-de Mental. Brasília, 11 a 15 de dezembro de 2001. Brasília:

Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde;2002. p. 213.

Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Endereço para correspondência

Pedro Gabriel Delgado

Instituto de Psiquiatria da Universidade Federaldo Rio de JaneiroAv. Venceslau Brás 71 – FundosCEP 22290-140 – Rio de Janeiro-RJ

Tel.: (21) 2295-2549Fax: (21) 2543-3101

www.ufrj.br/ipub

Sem informação3%

Não39%

58%Sim

Fila de espera22%

Sem informação17%

23%Outros

15%Não há

procedimentosespecíficos

23%Encaminhamentopara outros serviços

Agradecimentos

Os autores agradecem a colaboração inesti-mável de Ellen Zita Ayer, do Disque-Saúde, e deCristina Hoffmann, da Área Técnica de Saúde, naetapa de elaboração do instrumento e levanta-mento dos dados. Figura 18 – Formação do coordenador/responsável pelo

Caps

Sem informação2%Outras

11%

15%Serviço social

5%Enfermagem

Psicologia41%

Terapiaocupacional

6%

20%Medicina

Page 76: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

243J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Instruções aos autores

No Jornal Brasileiro de Psiquiatria são publicados artigosrelevantes em português, inglês ou espanhol. Os requisitospara apresentação de manuscritos foram estabelecidos deacordo com Uniform requirements for manuscripts submittedto biomedical journals do International Committee of MedicalJournals Editors – Grupo de Vancouver – publicado em AnnIntern Med 1997:126:36-47, disponível em versão digital emhttp://www.acponline.org.

Manuscritos e correspondências devem ser enviados para:

Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal doRio de JaneiroAv. Venceslau Brás, 71 Fundos22290-140 Rio de Janeiro RJ BrasilTel: (5521) 2295-2549Fax: (5521) 2543-3101www.ufrj.br/ipube-mail: [email protected]

Uma vez aceito para publicação, torna-se o trabalho pro-priedade permanente da Diagraphic Editora Ltda., que re-serva todos os direitos autorais no Brasil e no exterior.

Carta de autorização• Os manuscritos devem estar acompanhados de carta de

autorização assinada por todos os autores.

Modelo

“Os autores abaixo assinados transferem à DiagraphicEditora Ltda., com exclusividade, todos os direitos depublicação, em qualquer forma ou meio, do arti-go..............., garantem que o artigo é inédito e nãoestá sendo avaliado por outro periódico e que o estu-do foi conduzido conforme os princípios da Declara-ção de Helsinki e de suas emendas, com o consenti-mento informado aprovado por comitê de éticadevidamente credenciado.” (incluir nome completo, en-dereço postal, telefone, fax, e-mail e assinatura de to-dos os autores).

Avaliação por pareceristas(peer review)• Todos os manuscritos submetidos ao JBP serão avaliados

por dois pareceristas independentes.

Estrutura do manuscrito• Os manuscritos devem ser enviados em formato eletrôni-

co, acompanhados de quatro cópias impressas na últimaversão, e não serão devolvidos em nenhuma hipótese.

• Todas as páginas devem estar numeradas, indicando naprimeira o total de páginas.

• A primeira página deve conter o título do trabalho, nomecompleto dos autores e filiação científica.

• Os resumos devem ser apresentados no idioma do tex-to e em inglês, inclusive títulos, com, no máximo, 200palavras.

• Os unitermos, entre três e 10, devem ser apresentadosnos dois idiomas. Recomenda-se o uso de termos da listadenominada Medical Subject Headings do Index Medicusou da lista de Descritores de Ciências da Saúde, publicadapela BIREME, para trabalhos em português.

• Tabelas e ilustrações devem estar numeradas e prepara-das em folhas separadas, com as respectivas legendas emformato que permita sua reprodução e incluídas nodisquete. Os locais sugeridos para inserção deverão serindicados no texto, com destaque.

• Ilustrações não serão aceitas em negativo e impressão defotos em cores será cobrada do autor.

• Agradecimentos deverão ser mencionados antes dasReferências.

ReferênciasDevem ser numeradas e apresentadas em ordem alfabé-

tica. Deve ser usado o estilo dos exemplos que se seguem:

Artigos

• Akiskal HS, Maser JD, Zeller PJ, Endicott J, Coryell W, KellerM, Warshaw M, Clayton P, Goodwin F. Switching from‘unipolar’ to bipolar II. An 11-year prospective study ofclinical and temperamental predictors in 559 patients. ArchGen Psychiatry 1995; 52:114-23.

L ivro

• Goodwin FK, Jamison KR. Manic-Depressive Illness. NewYork: Oxford University Press; 1990.

Capítulo de livro

• Heimberg RG, Juster HR. Cognitive-behavioral treatments:literature review. In: Heimberg RG, Liebowitz MR, HopeDA, Schneier FR, editors. Social phobia – Diagnosisassessment and treatment. New York: The Guilford Press;1995, p. 261-309.

Page 77: DIA GRA PHIC EDITORA Jornal Brasileiro CODEN JBPSAX de ... EM SAUDE... · Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria

244 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 3 • 2003

Instructions for authors

The Jornal Brasileiro de Psiquiatria will consider for publi-cation relevant articles in Portuguese, English or Spanish. Thefollowing guidelines for the submission of manuscripts arein accordance with the Uniform requirements for manuscriptssubmitted to biomedical journals of the InternationalCommittee of Medical Journal Editors – Vancouver Group –published in the Ann Intern Med 1997; 126:36-47, alsoavailable in http:/www.acponline.org.

Send all manuscripts and correspondence to the followingaddress:

Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal doRio de JaneiroAv. Venceslau Brás, 71 Fundos22290-140 Rio de Janeiro RJ BrasilTel: (5521) 2295-2549Fax: (5521) 2543-3101www.ufrj.br/ipube-mail: [email protected]

Once accepted for publication, the manuscript becomespermanent property of the Diagraphic Editora Ltda. whichreserves all the rights in Brazil and in any other foreigncountry.

Authorizing letter• Manuscripts should be accompanied by a letter

authorizing the publications signed by all authors.

Le t te r

“The undersigned authors transfer to Diagraphic Edi-tora Ltda., with exclusiveness, the copyright of thepublication by any means of the manuscriptentitled...................., guarantee that this article is notbeing evaluated by another periodical and that thestudy has been conducted according to the Declarationof Helsinki and its amendments with informed consentduly approved by an independent review board (IRB).”(include the complete name, addresses, telephone, fax,e-mail and signature of all authors).

Peer review• All manuscripts submitted to this Journal will be reviewed

by two independent reviewers.

Structure of the manuscript• The articles should be sent in electronic format plus four

printed copies of the latest version, which will not bereturned to the authors in any instance.

• All pages must be numbered, indicating in the first pagethe total numbers of pages.

• The first page must have: title of the manuscript, comple-te name of the authors and scientific affiliation.

• Abstracts should be presented in the languages of the textand in english with the maximum number of 200 words.

• Key words should be presented in two languages, the oneof the text and in english (between 3 and 10). For thechoice of terms, the list entitled Medical Subject Headingsof the Index Medicus or the Lista de Descritores de Ciên-cias da Saúde of BIREME, for portuguese scientificliterature, are recommended.

• Tables and illustrations should be numbered and placedin separate individual pages, with the legends, in a formatthat allows its reproduction, and its inclusion in a diskette.Places for insertion in the text should be highlighted.

• Illustration in negative will not be accepted and theprinting of coloured material will be charged to the author.

• Acknowledgements should be placed prior to theReferences.

ReferencesShould be numbered and listed in alphabetical order. The

following styles for the references should be employed.

Ar t i c l es

Akiskal HS, Maser JD, Zeller PJ, Endicott J, Coryell W, KellerM, Warshaw M, Clayton P, Goodwin F. Switching from‘unipolar’ to bipolar II. An 11-year prospective study ofclinical and temperamental predictors in 559 patients. ArchGen Psychiatry 1995; 52:114-23.

Book

Goodwin FK, Jamison KR. Manic-Depressive Illness. NewYork: Oxford University Press; 1990.

Book chapter

Heimberg RG, Juster HR. Cognitive-behavioral treatments:literature review. In: Heimberg RG, Liebowitz MR, HopeDA, Schneier FR, editors. Social phobia – Diagnosisassessment and treatment. New York: The Guilford Press;1995, p. 261-309.