devassa nas minas gerais _ observações sobre casos de concubinato

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  • 7/31/2019 Devassa nas Minas Gerais _ Observaes sobre Casos de Concubinato

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    LUNA, Francisco Vidal & COSTA, Iraci del Nero da. Devassa nas Minas Gerais:Observaes sobre casos de concubinato. In: BARRETO, A. E. M. et elii. HistriaEconmica: Ensaios, So Paulo, IPE/USP, p. 43-58, 1983 (Relatrios de Pesquisa,13). Tambm publicado em Anais do Museu Paulista, So Paulo, USP, (31):221-33,1982.

    DEVASSA NAS MINAS GERAIS:OBSERVAES SOBRE CASOS DE CONCUBINATO.

    Francisco Vidal Luna 1Iraci del Nero da Costa

    1. OBJETIVOS DESTE ESTUDO E FONTES PRIMRIAS UTILIZADAS.

    Visamos, neste trabalho, a contemplar algumas caractersticas -- sexo, ocupao,condio social etc. -- das pessoas sobre as quais recaram cominaes decorrentes dedevassa levada a efeito nas Minas Gerais em 1738.(1) Interessaram-nos,especificamente, os indivduos condenados por concubinato porque corresponderam acerca de nove dcimos dos sentenciados. Servimo-nos das informaes propiciadas porcdice pertencente ao acervo da Cria Metropolitana de Mariana e identificado pelo ttulo:Segundo Livro das Devassas da Visita da Capitania das Minas-- 1737. Neste manuscritoarrolaram-se depoimentos e pronncias concernentes a vinte e uma freguesiaslocalizadas em Minas Gerais e vinculadas, jurisdicionalmente, ao Bispado de So

    Sebastio do Rio de Janeiro. (2)

    A devassa em tela no se enquadra na rbita de ao do Santo Ofcio; no se trata,portanto, de uma Visitao do Santo Ofcio da Inquisio como as ocorridas na Bahia,Pernambuco ou Gro-Par, mas de "visita ordinria" promovida no mbito do bispado doRio de Janeiro. Embora efetuada pelo Visitador da Capitania das Minas Gerais (Comiss-rio do Santo Ofcio), a devassa em apreo situa-se na esfera de responsabilidadeepiscopal.

    Como sabido, cabia ao bispo, no mbito de sua diocese, manter a unidade espiritual dorebanho colocado sob seu bculo; competia-lhe, pois, investigar sobre os crimes contra a

    F. As "visitas ordinrias" correspondiam s devassas gerais, assim caracterizadas nasConstituies Primeiras do Arcebispado da Bahia: "As devassas, a que o direito chamouinquiries, so uma informao do delito, feita por autoridade do Juiz ex-officio. Foramordenadas para que no havendo acusador no ficassem os delictos impunidos: e estas,ou so Gerais, ou especiais. As gerais, ou o so totalmente, como aquelas, em que seinquire geralmente dos crimes, excessos, e pecados para se emendarem, e castigarem,quais so as que os Prelados fazem quando visitam as suas Dioceses; ou so geraisquanto s pessoas, e especiais, quanto aos crimes, e delitos, como sucede, quandoconsta ser cometido algum sacrilgio, ou crime grave, cujo conhecimento pertence aoforo Eclesistico, e no se sabe quem o cometeu. As inquiries, ou devassas especiaisso quando se inquire especialmente assim quanto as pessoas, como quanto ao delito,

    especificando pessoas certas, e certo crime. As gerais se podem fazer, ainda quando nohaja infmia, ou indcio contra pessoa alguma, porquanto se fazem para saber se h

    1Professores da Faculdade de Economia e Administrao da Universidade de So Paulo

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    culpas, ou pecados, que se devam emendar, ou castigar, ou outras cousas, que sedevam reformar". (3)

    As devassas realizadas em Minas Gerais, ao que tudo indica, pautavam-se pelasaludidas Constituies e, certamente, regulavam-se pelo Regimento do AuditrioEclesistico do Arcebispado da Bahia, no qual afirma-se: "Os Visitadores seroSacerdotes virtuosos, pudentes, e zelosos da honra de Deus, e salvao das almas, epodendo ser, Letrados, e quando no, ao menos pessoas de bom entendimento, e

    experincia (...). Cada um dos Visitadores, antes que comece a servir, ter provisonossa, a qual com a do Escrivo mandar trasladar no princpio do livro da devassa dasFreguesias que visitar... " (4)

    Nos manuscritos com os quais trabalhamos, os crimes e pecados acima referidosconstam dos "interrogatrios da visita" e correspondem aos inscritos no citado Regimento(5). Tratam-se, efetivamente, de quarenta quesitos, aos quais deveriam oferecerrespostas as pessoas chamadas a depor -- "testemunhas notificadas", conforme osdizeres do cdice. As perguntas abarcavam vrios campos da vivncia em sociedade desorte a cobrir, alm da vida espiritual, aspectos da existncia material.

    Os crimes e/ou pecados previstos nos "interrogatrios" podem ser reunidos em seisgrandes grupos:

    Crimes contra a Santa S ou contra a Doutrina da Igreja: heresia, apostasia, blasfmia,dio entre pessoas, evocao ou pacto com o demnio, adivinhao ou cura por meio depalavras ou bnos, feitiaria ou curandeirismo, deixar de confessar ou comungar naquaresma, trabalhar em dias santos, comer carne em dias proibidos, deixar de ouvir amissa de forma costumeira, no jejuar em dias de preceito, andar excomungado por umano sem pedir o benefcio da absolvio, simonia, possuir ou emprestar bens da Igrejasem a devida solenidade, no pagar os dzimos, usar de violncia contra clrigos oureligiosos, cometer sacrilgio na Igreja ou em seu adro, jurar em falso, deixar de mandardizer missa ou cumprir outras disposies testamentrias, ter ou ler livros no autorizadospela Santa S.

    Crimes cometidos por clrigos ou religiosos: proco negligente ou remisso naadministrao dos sacramentos ou em ir encomendar os defuntos ou que no o fizessesem antes receber algo, proco que no rezasse s horas cannicas, sacerdote relapsono ensino da doutrina ou que injuriasse os fregueses e os tratasse mal, clrigo que fossetratante, rendeiro, negociador, revoltoso, taful, freqentador de tabernas, usasse armasna cidade ou vila, andasse em hbito leigo ou no trouxesse a tonsura e o hbitodecentes, sacerdote que tentasse aproveitar-se de mulher no ato da confisso, clrigo

    que se servisse de mulher suspeita, tivesse filho depois de tornar-se padre ou estivessecasado.

    Crimes de carter econmico: pessoa que fosse usurria dando dinheiro, po, vinho,azeite ou outras coisas semelhantes emprestadas para receber mais do que o principal,ou vendesse mercadorias fiadas por mais do que valessem com o dinheiro na mo,indivduo que exigisse preo rigoroso por razo da espera ou comprasse mercadoria pormenos do que o nfimo por dar dinheiro de antemo, pessoa que alugasse animais com acondio ou pacto de que se morressem nem por isso deixariam de receber o aluguel.

    Crimes contra a instituio da famlia: incesto, bigamia, concubinato, sodomia,

    bestialidade, noivos que coabitassem antes do casamento, casamento em grau proibidosem legtima dispensa, pais ou maridos que consentissem que suas filhas ou mulheres"fizessem mal de si", casais que vivessem apartados sem causa justa, marido que dessem vida mulher.

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    Crimes contra os costumes:prtica de lenocnio, alcoviteirice, jogos de azar.

    Crimes relativos prpria devassa: intimidar testemunhas ou maltrat-las depois dehaverem testemunhado, delitos ou erros cometidos por oficiais da justia eclesistica,provisor, vigrio geral, visitador, vigrio da vara, promotor, meirinho, escrives, notrios,solicitadores e porteiro, por levarem mais do que se lhes devesse ou tomassem peitas oudescobrissem o segredo da justia ou cometessem irregularidades.

    Como avanado, ocuparam-nos neste artigo, particularmente, os concubinatos.Transcrevemos, a seguir, algumas denncias (respostas das testemunhas) referentes acasos de mancebia. O conhecimento de alguns depoimentos parece-nos relevante, poiseste trabalho foi elaborado a partir das informaes proporcionadas pelas"pronunciaes" -- sentenas impostas, pelo visitador, s pessoas julgadas culpadas vista do contedo dos aludidos testemunhos.

    Vejamos, pois, uns poucos espcimes de denncias.

    "Lus Aires Guilham casado que vive de Requerer natural da Cidade da Bahia morador

    nesta vila testemunha notificada a quem o Reverendo Senhor Doutor visitador deu ojuramento dos Santos Evangelhos em que ps sua mo direita e prometeu dizer verdadeao que lhe fosse perguntado de idade que disse ser de cinqenta e nove anos.

    "E perguntado ele testemunha pelos interrogatrios da visita que lhe foram lidos aodcimo stimo disse que Manoel Rodrigues solteiro Ferreiro morador no Par destafreguesia anda amancebado com Thereza Pinta viva Paulista com quem andaconcubinado h dez anos o que ele testemunha sabe pelo dizer o mesmo cmplice.

    "Disse mais que Domingos da Costa Braga Mercador desta vila anda amancebado comMariana negra sua escrava que tem em casa da qual tem filhos causando notrio

    escndalo que por ser pblico ele testemunha o sabe.

    "Disse mais que Joo Vieira de Azevedo solteiro morador junto a Sebastio Barbozadesta freguesia anda amancebado com Maria de Matos negra forra que mora nesta vila,e a tem muitas vezes em sua casa causando notrio escndalo que por ser pblico eletestemunha o sabe.

    "Disse mais que Jos da Silva Gomes solteiro Alfaiate desta vila anda amancebado comGrcia de S preta forra a quem assiste e com ela j ficou culpado na visita passada semfazer cessar o escndalo que por pblico ele testemunha o sabe e mais no disse deste"(Freguesia de N. Sa. do Pilar da Vila de Pitangui - 1738).

    "Manoel Martins... disse que Manoel de Souza solteiro mulato forro do Arraial daContagem desta freguesia anda amancebado com Rosa de tal negra forra que tem omais do tempo em casa causando notrio escndalo que por pblico ele testemunha osabe e que a tem posta h poucos tempos na vila do Sabar aonde ele vai vrias vezes,e a manda buscar e levar a sua casa no seu cavalo e haver inda oito dias que eletestemunha a viu passar no cavalo dele cmplice para a dita vila do Sabar" (Freguesiade N. Sa. da Boa Viagem do Curral d'El Rey - 1738).

    "Bernardo da Silva Esteves... disse que Manoel Mendes Pereira solteiro desta vila anda

    h muitos anos amancebado com Igns de Faria negra forra casada a qual tem em suacasa e vive separada de seu marido por causa deste concubinato com tal escndalo quemandam deitar o marido na senzala, e com ela no dorme e haver mais de um ano quevindo o dito marido para casa lhe deram muitas pancadas a mulher e mais o sobredito

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    Manoel de tal sorte que em uma ocasio se ele testemunha lhe no acudira o matariam einda esteve em perigo de vida o que ele testemunha sabe por ser bem pblico, notrio, eescandaloso, e por ser seu vizinho e o que acudiu bulha" (Freguesia de Santo Antnioda Vila de So Jos do Rio das Mortes - 1738).

    "Antonio Pereira Coimbra... disse que Francisco Moreira dos Santos solteiro sem ofciomorador na outra parte do rio desta freguesia anda amancebado com Francisca negraque h poucos dias forrou e a ps fora de casa depois de forra causando inda notrio e

    pblico escndalo e por isso ele testemunha o sabe" (Freguesia de Santo Antnio do RioAcima - 1738).

    Colocados estes exemplos, passemos anlise dos dados empricos propiciados pelas"pronunciaes".

    2. ANLISE DAS EVIDNCIAS EMPRICAS

    Os resultados inscritos na tabela 1 justificam, desde logo, a nfase por ns emprestadaaos concubinatos, pois 87,4% dos crimes referiram-se a mancebias. Evidentemente, se

    computssemos as pessoas envolvidas, teramos de dobrar a cifra concernente aoscasos de concubinato; isto significa que o porcentual de condenados por mancebia,tomado o nmero total de sentenciados, alcanaria nvel significativamente mais elevadodo que o acima posto.

    Embora ocorressem muitos outros tipos de crime, a participao de cada um delesmostrava-se extremamente modesta -- o incesto, o segundo em termos derepresentatividade quantitativa, correspondia, apenas, a 1,7% do nmero total de crimesarrolados nas "pronunciaes" (Cf. tabela 1).

    Evento digno de nota refere-se ao nmero relevante de crimes que, pela sua natureza,transcendem o campo estritamente espiritual. Neste rol podem ser colocados o lenocnio,a usura, a alcoviteirice etc.

    TABELA 1CRIMES, SEGUNDO A SUA NATUREZA

    Crimes Nmero Absoluto Porcentagem

    Apostasia 3 0,86Concubinato 306 87,43Alcovitagem 2 0,57

    Lenocnio 2 0,57Incesto 6 1,71Usura 5 1,42Benzer com palavras 1 0,29No ouvir missa 5 1,42Enterrar em local no consagrado 1 0,29Trabalhar e no ouvir missa nos dias santos 1 0,29Comer carne em dias proibidos 1 0,29Beber 1 0,29Consentir em calunduz 2 0,57No ensinar a doutrina sagrada 4 1,14Viver indecente ao estado eclesistico 5 1,42Dar m vida a sua mulher 1 0,29

    No fazer vida marital 1 0,29Abster-se da religio sem licena do Prelado 1 0,29Falta de sacramento (proco) 2 0,57

    TOTAL 350 100%

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    Voltemo-nos, pois, aos dados relativos aos casos de mancebia.

    Considerado o estado civil dos sentenciados evidencia-se, desde logo, para ambos ossexos, o predomnio dos solteiros -- 84,6% para os homens e 90,5% com respeito aosexo oposto. A diferena entre tais percentuais deve-se ao fato de que o peso relativo dehomens casados (12,1%) superava o de mulheres casadas (5,9%). Ademais, a relao

    de mancebia maciamente predominante dava-se entre solteiros -- dos casos de con-cubinato, 76,8% correspondiam a unies de homens solteiros com mulheres solteiras (Cf.tabela 2).

    Com respeito condio social nota-se, para os homens, a supremacia numrica doslivres (95,4%), a modesta participao dos forros (4,3%) e a insignificante presena dosescravos (0,3%). Entre as mulheres, dominavam as forras (53,9%); s escravas cabia aexpressiva participao de 27,1% e s livres o marcante peso relativo de 18,3%.

    TABELA 2CASOS DE CONCUBINATO, SEGUNDO O ESTADO CIVIL DOS SENTENCIADOS

    Mulheres Homens Total

    Solteiros Casados Vivos Indeter.

    Solteiras 235 34 6 2 277Casadas 13 3 2 -- 18Vivas 10 -- -- -- 10Indeterminada 1 -- -- -- 1

    TOTAL 259 37 8 2 306

    Ainda com referncia s cativas cabe realar que, embora predominassem as mancebiasentre senhores e respectivas escravas, ocorria significativo nmero de unies entrehomens livres ou forros e escravas de terceiros. Assim, de 83 casos, 62 (74,7%)correspondiam a concubinatos entre senhores e suas prprias escravas, 17 (20,5 %)entre livres e escravas de terceiros e 4 (4,8%) entre forros e escravas de terceiros.

    Cumpre notar, ademais, que 50,7% das ocorrncias trataram-se de relaes entre

    homens livres e mulheres forras; 25,8% entre homens livres e cativas em geral e 18,3%entre homens e mulheres livres.

    Por outro lado, as mulheres livres sentenciadas uniram-se, to somente, a homens damesma condio social. O mesmo no ocorreu com respeito s forras, as quais, em suamaioria (93,9%), relacionaram-se com homens livres (Cf. tabela 3).

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    TABELA 3CASOS DE CONCUBINATO, SEGUNDO A CONDIO SOCIAL DOS SENTENCIADOS

    Mulheres Homens Total

    Livres Forros Escravos

    Livres 56 -- -- 56Forras 155 9 1 165

    Escravas prprias 62 -- -- 62Escravas de terceiros 17 4 -- 21Indeterminadas 2 -- -- 2

    TOTAL 292 13 1 306

    Outra informao constante dos documentos refere-se ao fato de os concubinoscoabitarem, ou residirem em domiclios distintos.

    Na tabela 4 indicamos, para as mulheres, as duas condies acima descritas: "em casa"

    quando ocorria coabitao e "fora de casa" para os demais casos. Ressalta, desde logo,o equilbrio entre as duas situaes: tanto no que se refere aos casos em geral, como noconcernente cor das mulheres. Mesmo com respeito s brancas, para as quais sepoderia esperar que predominasse maciamente a situao "fora de casa", observou-serelativo equilbrio.

    TABELA 4CASOS DE CONCUBINATO, SEGUNDO A COR DAS SENTENCIADAS E AS

    CONDIES: "EM CASA" E "FORA DE CASA"

    Cor das Mulheres Em Casa Fora de Casa Total

    Brancas 11 15 26Mulatas 27 31 58Pardas 7 6 13Pretas 78 81 159Mamelucas e "Carijs" 7 3 10Mestia 1 -- 1Indeterminada 22 17 39

    TOTAL 153 153 306

    Os dados indicados na tabela 5 impem sugestivas concluses. Evidencia-se queelementos originrios dos vrios segmentos sociais, bem como vinculados ampla gamade atividades econmicas desenvolvidas em Minas Gerais, faziam-se presentes no roldas pessoas sentenciadas por crime de concubinato.

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    TABELA 5CASOS DE CONCUBINATO, SEGUNDO A ATIVIDADE DOS SETENCIADOS E O

    ESTADO CONJUGAL E A CONDIO SOCIAL DAS SENTENCIADAS

    Atividade Estado Conjugal das Mulheres Condio Social das Mulheres Total

    dos Homens Solt. Casadas Vivas Indet. Livres Forras Escravas Indet.

    Administrao

    Ouvidor Geral 1 -- -- -- 1 -- -- -- 1Outros 14 -- -- -- 1 9 4 -- 14

    Eclesisticos 3 -- 1 -- 2 2 -- -- 4

    Agricultura eMineraoMineradores 10 1 -- -- 2 6 3 -- 11Roceiros 13 3 1 -- 5 10 2 -- 17

    Ofcios 41 3 1 -- 3 23 17 2 45

    Comrcio

    Mercadores eMascates 20 1 1 -- 3 16 3 -- 22Outros 34 -- 1 -- 4 13 18 -- 35

    ServiosAdvogados eAfins 11 -- 1 -- 2 8 2 -- 12Mdicos eAfins 5 1 -- -- 2 4 -- -- 6Outros 1 -- -- -- -- 1 -- -- 1

    Outras Ativid. 10 -- -- 1 -- 7 3 1 11

    Sem Ofcio 4 -- -- -- 1 3 -- -- 4

    No Especific. 110 9 4 -- 29 63 31 -- 123

    TOTAL 277 18 10 1 55 165 83 3 306

    Poder-se-ia esperar, entre os indivduos sentenciados, uma presena mais expressiva deroceiros e, sobretudo, de mineradores, os quais compunham, poca, parcelasubstancial da populao masculina de Minas Gerais. A reduzida participao de

    mineradores e roceiros entre os sentenciados (9,2%) explica-se, certamente, pelo fato deeles, como decorrncia de suas atividades, manterem-se, em certa medida, relativamenteafastados dos centros mais densamente povoados. (6)

    Ademais, no observamos correlao entre as vrias atividades desempenhadas peloshomens e as caractersticas discriminadas para as mulheres -- estado civil e condiosocial. Neste sentido pode-se afirmar que a mancebia permeava indiscriminadamentetoda a sociedade mineira.

    As colocaes acima postas vem-se corroboradas quando relacionada a cor dasmulheres com a ocupao dos homens. Como se depreende da tabela 6, as unies

    apresentavam carter difuso, no circunscrito, vale dizer: o intercurso sexual derepresentantes das vrias ocupaes com mulheres das distintas cores no obedecia aesquema rgido.

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    TABELA 6CASOS DE CONCUBINATO, SEGUNDO A ATIVIDADE DOS SETENCIADOS

    E A COR DAS SENTENCIADAS

    Atividade Cor das Mulheres Total

    dos Homens Brancas Mulatas Pardas Pretas Mamel/Carijs Mestias Indet.

    Administrao

    Ouvidor Geral 1 -- -- -- -- -- -- 1Outros 1 4 2 7 -- -- -- 14

    Eclesisticos 1 -- -- 1 -- -- 2 4

    Agricultura eMineraoMineradores 2 3 -- 6 -- -- -- 11Roceiros 3 4 2 6 1 -- 1 17

    Ofcios -- 7 3 29 1 -- 5 45

    Comrcio

    Mercadores eMascates 2 4 -- 16 -- -- -- 22Outros 3 8 -- 20 2 -- 2 35

    ServiosAdvogados eAfins 1 4 -- 5 -- -- 2 12Mdicos eAfins 1 3 1 1 -- -- -- 6Outros -- 1 -- -- -- -- -- 1

    Outras Ativid. -- 1 -- 8 -- -- 2 11

    Sem Ofcio -- -- 1 2 -- -- 1 4

    No Especific. 11 19 4 58 6 1 24 123

    TOTAL 26 58 13 159 10 1 19 306

    Outra ilao relevante diz respeito ao alto peso relativo correspondente s mulherespretas. Representaram elas 52,0% do nmero total de sentenciadas. Ademais, as pretasuniam-se a representantes de todos os segmentos ocupacionais nos quais agrupamos oshomens; alm disto, com excluso dos "servios", apareciam majoritariamente em todos

    os segmentos aludidos. Ainda em termos quantitativos, cabia significativa participao smulatas (19,0%) e s brancas (8,5%).A supremacia numrica das pretas prendia-se, comcerteza, sua preponderncia numrica no conjunto da populao feminina das Gerais poca da devassa em estudo. (7)

    3. CONCLUSES

    Relacionamos abaixo algumas das concluses, justamente as que nos pareceram maissignificativas, apresentadas no corpo deste artigo.

    Ressaltam, antes do mais, a variada gama de "crimes" cometidos pelas pessoassentenciadas e o macio peso relativo dos casos de concubinato. Quanto a estes ltimos,impe-se, desde logo, o fato que indivduos pertencentes aos vrios estratos sociais

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    vigentes em Minas poca, bem como vinculados s diversas atividades econmicas,administrativas ou religiosas ali desenvolvidas, apareciam entre os sentenciados. Isto nosleva a crer que a mancebia permeava toda a sociedade mineira e que no havia, comrespeito s devassas, privilgio rgido e estrito de uma ou outra camada social. Nestesentido deve-se lembrar que a aplicao de penalidades a representantes dos segmentossociais dominantes -- mesmo se episdica, ou ainda que se impusesse apenas aindivduos marginalizados pelos demais integrantes dos aludidos segmentos -- operava,em termos do corpo social inteiro, no sentido de impor e fortalecer o respeito devido

    Igreja e, pelos vnculos ento existentes, ao prprio Estado.

    Dos casos de mancebia registrados no cdice de que nos servimos, participaram,majoritariamente, os solteiros. Tomado o conjunto das pessoas sentenciadas, verificou-seo predomnio numrico de livres, entre os homens, e de escravas e forras, entre asmulheres. As mulheres livres uniram-se, to somente, com elementos do seu prprioestrato social; as forras amancebaram-se, maciamente, com indivduos livres, vale dizer,de estrato social que no o delas.

    Cabe lembrar, por fim, que no observamos correlao entre as distintas atividadesexercidas pelos homens e a cor, estado civil ou condio social das mulheres. Da o

    carter difuso e indiscriminado dos casos de concubinato observados neste trabalho.

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    APNDICE

    NMERO DE CASOS REGISTRADOS SEGUNDO A ATIVIDADE EXERCIDAPELOS HOMENS SENTENCIADOS

    ATIVIDADE OCORRNCIAS ATIVIDADE OCORRNCIAS

    Ouvidor Geral 1 Andante 5Sargento-Mor 1 Caixeiro 1Guarda-Mor 1 Marchante 8Capito 4 Mascate 2Meirinho 5 Mercador 20Oficial de Justia 1 Negociante 2Escrivo 1 Taberneiro 3Juiz Ordinrio 1 Vendeiro 15Viandante 1Padre 4Advogado 2Minerador 11 Boticrio 1Agricultor 17 Cirurgio 4

    Mdico 1Alfaiate 11 Mestre-de-Gramtica 1Armador 1 Requerente 6Bateeiro 1 Solicitador 1Carapina 11 Tratante 3Entalhador 1Espadeiro 1 Canoeiro 2Ferrador 1 Capito-do-Mato 1Ferreiro 4 Comboieiro 6Ourives 6 Criado 1Pedreiro 1 Feitor 1Pintor 1Sapateiro 4

    Seleiro 1Telheiro 1

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    NOTAS

    1 Neste trabalho apresentamos alguns resultados preliminares de pesquisa exaustiva sobre as devassasem Minas Gerais. Os autores agradecem a L.R.B. Mott a sugesto do tema e a D. Oscar de Oliveira,Arcebispo de Mariana, o acesso aos manuscritos existentes no Arquivo da Cria Metropolitana deMariana. Nossos agradecimentos estendem-se Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e aoInstituto de Pesquisas Econmicas da USP, cujo apoio financeiro possibilitou a realizao deste estudo.

    2 Os depoimentos e pronncias constantes do cdice em apreo referiram-se s seguintes freguesias: N.Sa. do Pilar da Vi]a de Pitangui, N. Sa. da Boa Viagem do Curral d'EI Rey, Santo Antnio do Bom Retiroda Roa Grande, N. Sa. da Conceio da Vila de Sabar, Santo Antnio da Mouraria do Arraial Velho, N.Sa. da Conceio dos Raposos, N. Sa. do Pilar das Congonhas, Santo Antnio do Rio Acima, N. Sa. daConceio do Rio das Pedras, So Bartolomeu, Santo Antnio da Casa Branca, N. Sa. de Nazar daCachoeira, N. Sa. da Boa Viagem de Itabira, N. Sa. da Conceio das Congonhas, N. Sa. daConceio dos Prados, Santo Antnio da Vila de So Jos do Rio das Mortes, N. Sa. da Conceio doPouso Alto, N. Sa. do Monserrate de Baependi, N. Sa. da Conceio de Ajuruoca, N. Sa. da Conceiodas Carrancas, N. Sa. do Pilar da Vila de So Joo del Rei. Em apenas uma das freguesias (N. Sa. daConceio do Rio das Pedras) no se verificou condenao alguma. Nas demais, o concubinatopredominou maciamente.

    3

    Constituies Primeiras do Arcebispado da Bahia, livro 5, ttulo 39 ("Das Devassas"), n. 1.056, Coimbra,Real Colgio das Artes da Companhia de Jesus, 1720, p. 390-391.

    4 Regimento do Auditrio Eclesistico do Arcebispado da Bahia, titulo 8 ("Dos Visitadores, e do que a seuoficio pertence"), ns. 383 e 384, Coimbra, Oficina do Real Colgio das Artes da Companhia de Jesus,1720, p. 102.

    5 Cf. Regimento do Auditrio..., op. cit., p. 105-109.

    6 Parece-nos plausvel a hiptese segundo a qual, aos integrantes dos segmentos sociais dominantes,abriam-se maiores oportunidades de "escapulirem" tanto das denncias, como das "pronunciaes".

    7 Sobre a questo veja-se: LUNA, Francisco Vidal - Minas Gerais: Escravos e Senhores. Anlise da

    Estrutura Populacional e Econmica de Alguns Centros Mineratrios (1718-1804), IPE-USP, So Paulo,1980, (Ensaios Econmicos, vol. 8), 244 p.