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DEU-NOS O NOME DE MARIA CIRCULARES DOS SUPERIORES Irmão Emili Turú - Superior geral 2 de janeiro de 2012

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DEU-NOSO NOME

DE MARIA

CIRCULARES DOS SUPERIORES

Irmão Emili Turú - Superior geral2 de janeiro de 2012

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Dando-nos o nome de Maria, o Padre Champagnatquis que vivêssemosdo seu espírito.

Constituições, 4

DEU-NOSO NOME

DE MARIA

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Volume XXXII – N° 1

2 de janeiro de 2012

Diretor:Irmão Alberto Ivan Ricica

Comissão de Comunicação:Irmãos Antonio Ramalho,Alberto Ivan Ricica, Luiz Da Rosa

Coordenação dos tradutores:Irmão Josep Roura

Tradutores:Português:Irmão Salvador DuranteFrancês: Irmão Alain DelormeInglês:Irmão Edward Clisby

Fotografia:AMEstaún, Arquivos da Casa geral

Diagrama e fotolitos:TIPOCROM, s.r.l.Via A. Meucci 28,00012 GuidoniaRoma (Itália)

Redação e Administração:P.zale Marcelino Champagnat, 2C.P. 10250 – 00144 ROMATel. (39) 06 54 51 71Fax. (39) 06 54 517 217E-mail: [email protected]: www.champagnat.org

Edita:Instituto dos Irmãos MaristasCasa geral – Roma

Imprime:C.S.C. GRAFICA, s.r.l.Via A. Meucci 28,00012 GuidoniaRoma (Itália)

Janeiro de 2012

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Monograma de Maria,esculpida em pedra,datada de 1824,hoje pode ser vistona verga de uma portada casa de La Valla.

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Índice

O QUE ESTÁACONTECENDO? 8

CHAMADOS A CONSTRUIR O ROSTO MARIANO DA IGREJA 28

TRÊS ÍCONES PARA CARACTERIZAR UMA IGREJADE ROSTO MARIANO 40

• Ícone da Visitação: a Igreja do avental 48

• Ícone de Pentecostes: a fonte da aldeia 54

• Ícone da Anunciação: a beleza salvará o mundo 62

MARIA, AURORA DOS NOVOS TEMPOS 72

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Esta Circular, de número 412 das escritas desde os inícios, situa-se numa tradição que remonta a São Marcelino Champagnat, cuja primeiraCircular data de 1828. Desde então, com estilos próprios de cada pessoa e de cada época, encontramos, em milhares de páginas, notícias de família, informações,mandatos, recomendações, reflexões sobre nossa vida e missão... De qualquer maneira, são a expressão da vontade de construir uma família unida em torno do essencial.Parece-me interessante constatar que a palavra Circular, além do significado que aqui lhe atribuímos, se refere também ao pertencente ou relativo ao círculo. Como sabemos, as mesas circulares forampoderoso símbolo de escuta e diálogo durante o nosso último Capítulo geral, que, pouco a pouco, foi se estendendo por todo o Instituto. Oxalá as páginas seguintes sirvam para continuar construindo família e para manter um diálogo aberto e construtivo,como corresponsáveis que somos na missão que nos foi confiada.

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O QUE ESTÁ ACONTECENDO

CONOSCO?

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Guia-me, Senhor, minha luz,nas trevas que me rodeiam:guia-me para frente!A noite é escura e estou longe de casa: Guia-me, Tu!Dirige Tu meus passos!Não Te peço ver claramente o horizonte distante: basta-me avançar um pouco...Nem sempre fui assim, nem sempreTe pedi que me guiasses.Eu mesmo gostava de escolher e organizar minha vida...mas agora, guia-me Tu!Gostava das luzes deslumbrantese, desprezando todo temor,o orgulho guiava minha vontade:Senhor, não recordes os anos passados...Durante muito tempo tua paciência me esperou:sem dúvida, Tu me guiarás pordesertos e terrenos pantanosos,por montes e torrentes,até que a noite dê passagem ao amanhecer, e me sorria, de madrugada, o rosto de Deus:Teu Rosto, Senhor!

Henry Newman

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Algumas semanas antes de pôr-me a escreveresta Circular, estive em Sevilha (Espanha). Sen-tado à mesa com os Irmãos de uma das comu-nidades presentes nessa cidade, mantivemosinteressante diálogo a respeito de como víamosa situação do Instituto no momento atual e no fu-turo. É algo que vivi em muitos outros lugaresdo mundo, nos encontros com Irmãos, Leigos eLeigas.

Considero essas conversações como momentosprivilegiados, já que nos obrigam a fazer umasíntese e a não ficar pela rama e, por outra parte,a gente sente que se constrói entre todos, vistoque ninguém tem respostas definitivas.

Posso iniciar esta Circular como uma conversa?Talvez seja uma boa maneira de recolher temasque nos preocupam e abordá-los como faríamosnum diálogo descontraído, com o desejo de ilu-miná-los um pouco mais.

O INSTITUTO NO SEU CONTEXTO ATUAL

n Poderíamos dizer muitas coisas sobre a situação do Instituto hoje,

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mas se tivéssemos que escolher umapalavra para caracterizá-lo, qual seria?

A primeira que me vem à mente é fragilidade.Se olharmos os dados objetivos, algumas re-giões do Instituto são frágeis porque a média deidade dos Irmãos é muito alta, e em outras par-tes, pelo contrário, porque é muito baixa. Mastambém fragilidade no compromisso para sem-pre, que se rompe com facilidade. Fragilidadeem muitas de nossas vidas pessoais ou comuni-tárias, como sinônimo de superficialidade e faltade raízes profundas.

Por outra parte, é verdade que participamos deum momento de crise que afeta a maior partedos Institutos de Vida Consagrada, e que não éfácil situar-nos de maneira adequada, peranteesta nova situação: isto nos torna mais frágeis.

De toda a maneira, penso que a fragilidade éuma característica de qualquer tipo de vida talcomo a conhecemos: nasce, se desenvolve,morre... sempre tão frágil!

Creio que devemos ser muito gratos ao Senhorpor tudo quanto realizou e continua realizandopor meio do Instituto, apesar dessa fragilidade(talvez graças a ela!), como também por aquelesIrmãos que, graças à sua coerência e fidelidade,foram e continuam sendo autênticas colunas doInstituto, como dizia o Padre Champagnat.

n O número de Irmãos se reduz: perto de uma centena a menos por ano...isso também seria fragilidade?

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Parece-me que é preciso situar-se com humil-dade e abertura ante o Senhor da História, con-vencidos de que o Espírito Santo não deixou deagir, embora não o faça como teríamos imagi-nado. Um Irmão me contava que, durante seutempo de noviciado, nos anos 60, fez uma pro-jeção de crescimento do Instituto, baseando-senos dados recolhidos desde a fundação: se-gundo a matemática, cresceríamos em número,ano após ano. Bem pouco tempo depois dessecálculo, a realidade contradisse a matemática!

Sim, provavelmente este também seja um sinalde fragilidade: é como a imagem de um barcono meio de um mar enraivecido, que não pode-mos controlar, e do qual vão baixando pessoas(mais do que aquelas que sobem), que respei-tamos em sua liberdade. Se em algum momentoacreditávamos que nosso barco era poderoso einvencível... a travessia nos ensinou que maisvale assumir a própria fragilidade e pôr-se con-

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fiadamente nas mãos d’Aquele que está no meiode nós e que, por vezes, parece estar dormindoem plena tempestade.

n A que se deve essa diminuição numérica?

No passado foi por causa do grande número deIrmãos que deixavam o Instituto; hoje é, sobre-tudo, pelos que morrem: algumas Províncias têmmédia de idade muito elevada e, portanto, essatendência continuará por alguns anos. Contudo,continua sendo preocupante o número de Ir-mãos que pedem para não continuar entre nóscomo religiosos: nestes últimos anos, são quasetantos quanto os que fazem sua primeira profis-são, senão mais.

n Parece-me que muitas pessoas continuamdando muita importância aos númeroscomo critério de êxito evangélico...

É isso. E nossa linguagem reflete bem a menta-lidade que há por trás. Por exemplo, algumasvezes escutei: “somos poucos”... Poderia aceitarque alguém dissesse que “somos menos queantes”, porque esse é um dado objetivo. Mas“poucos” é uma avaliação subjetiva, que refletenosso desejo de ser “mais” ou “muitos”: Porquê? Para quê? Quem disse que há um númeromelhor do que outro para a eficácia evangélica?Ou será que temos saudades dos tempos pas-sados? Poderia ser, talvez, que queiramos ser“mais” que outros?

Essas percepções subjetivas, amiúde incons-cientes, só nos frustram e tiram energia, já que

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as coisas não vão como esperávamos. Em lugarde prestar atenção ao que está emergindo nestehoje de Deus, podemos ficar ancorados na nos-talgia do passado, que distorce também nossavisão de futuro.

Vale a pena compreender que o ponto de refe-rência para essas avaliações é o próprio eu enão são os critérios do Evangelho.

n A tudo isso haveria que acrescentar quequando dizemos “somos poucos”, estamos falando apenas dos Irmãos, esquecendo o grande número de Leigos e Leigas que se identificam com o carisma e a missão maristas.

Com efeito, inclusive a afirmação somos menosque antes pode ser questionada, visto que nuncahouve, como agora, tantos leigos e leigas que sesentem chamados a viver sua vocação cristãcomo maristas de Champagnat. De acordo comisso, o Instituto está diminuindo ou crescendo?

Isso não significa que, diante da crise vocacionalpara a vida religiosa que se vive em muitas re-giões do Instituto, devamos cruzar os braços,aceitando que as coisas sejam assim e quepouco ou nada podemos fazer. Essa atitude, cô-moda e talvez irresponsável, somente coloca osproblemas fora de nós e parece que nos exime,por isso, do compromisso com uma pastoral vo-cacional séria, assim como da autocrítica pe-rante a qualidade de nosso testemunho.

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n Algumas pessoas da Igreja, entre as quaisalguns bispos, afirmam que agora é o tempo dos leigos e dos novos movimentos eclesiais, e que já passou o tempo da vida consagrada...

Na Igreja sempre deveria ser o tempo dos lei-gos, visto ser essa a condição da imensa maioriados seguidores de Jesus, assim como o ponto departida que todos compartimos. Também é ver-dade que, ultimamente, estão no auge os assimchamados novos movimentos, mas isso não sig-nifica que devam substituir as diversas formasde vida consagrada, algumas com mais de 1.500anos de história.

Assim o que afirmava o Papa Bento XVI, em no-vembro de 2010, ao receber a União dos Supe-riores Gerais (USG): O momento atual apresenta,para não poucos Institutos, o dado da diminuiçãonumérica, especialmente na Europa. As dificulda-des, entretanto, não nos devem fazer esquecerque a vida consagrada tem sua origem no Se-nhor: Ele a quer, para a edificação e a santidadede sua Igreja, e por isso a Igreja mesma semprea terá. Animo-os a caminhar na fé e na esperança,pedindo-lhes, ao mesmo tempo, um renovadocompromisso na pastoral vocacional e na forma-ção inicial e permanente.

A Igreja sempre necessitará do estímulo profé-tico das comunidades de vida religiosa. E se al-gumas delas não cumprem sua função, deverãorenovar-se em profundidade ou, simplesmente,desaparecer e ceder o passo a outras comuni-

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dades que aceitem viver responsavelmenteesse encargo.

O tempo da vida religiosa não passou, e a nóscorresponde demonstrá-lo com fatos.

n Entretanto, os “Institutos de Irmãos” não parecem ter muita relevância no conjunto da Igreja.

Durante a audiência do Papa à USG, antes men-cionada, coube-me saudá-lo pessoalmente, emnome dos Institutos de Irmãos. Num breve diá-logo, sublinhou-me que considerava esses Ins-titutos muito importantes para a comunidadeeclesial. Pareceu-me que era muito mais queuma cortesia e que refletia uma convicção sua.

Entretanto, salta aos olhos que em nossa Igrejaperdura uma estrutura muito clerical, o que sig-nifica que se minimiza a participação ativa navida e no governo da Igreja dos que não são clé-rigos, relegando-os a serem observadores pas-sivos ou, no máximo,colaboradores.

Frequentemente, per-guntam-me com in-credulidade por queentre nós não há sa-cerdotes. Não deixade ser uma ironia que,no contexto da vidareligiosa, que nasceulaical, os Institutos deIrmãos apareçam ago-

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ra como uma exceção ou uma raridade, quaseprecisando justificar sua existência. Não caberiaaos Institutos clericais explicar-nos como o serreligioso combina com o ser clérigo?

Esta situação não deveria desalentar-nos, masestimular-nos. Num contexto clericalizado, nossaopção se torna profética.

MORRER PARA DAR VIDA

n Fragilidade, redução numérica,irrelevância... não parecem sercaracterísticas muito estimulantes!

Talvez, poderíamos lê-las como um convite a ir-mos ao essencial de nossas vidas. O Ir. Seán,em sua última Circular, Em seus braços ou emseu coração, aborda este mesmo tema: Os pe-ríodos passados de mudanças significativas navida religiosa nos deveriam ter ensinado quetodo processo, em que o velho precisa morrerpara dar lugar ao novo, exige pelo menos meioséculo para se efetivar. Qualquer grupo precisade todo esse tempo para ‘desconstruir-se’, demodo que seus membros comecem a fazer-se asperguntas certas. E acrescenta: Talvez estejamossuficientemente ‘desconstruídos’ para prestaratenção, desta vez sim, ao que Deus espera donosso modo de vida (p. 46-47).

Seria possível expressar com maior clareza omomento que estamos vivendo? O desafio, na-turalmente, é o de não ficar lamentando as per-das, mas de abrir-se ao inesperado.

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n Esta parece uma lei de vida que vemos nanatureza: podar para ter mais energia;enterrar-se para dar vida...

A renovação da casa de l’Hermitage me parece,nesse sentido, um sinal muito forte. O Sr. JoanPuig-Pey, arquiteto que dirigiu as obras, realizouum pequeno vídeo, com a ajuda de seu filho, noqual se fazia o percurso de um dia inteiro, con-cretamente em 23 de julho de 2009, quando ostrabalhos estavam no auge. Impressionaram-meas imagens da noite, quando todos os trabalha-dores já se haviam retirado: enquanto se contem-plam as ruínas e a desolação de um edifício doqual restaram praticamente apenas as paredesexternas, começa a tocar o Ave, verum Corpus(Salve, Corpo verdadeiro), com música de Mo-zart. Como sabemos, esse hino do século XIV foicomposto para ser cantado durante a Eucaristia,no momento da elevação do Pão consagrado. Omesmo Sr. Joan disse que havia escolhido essamúsica porque teve a intuição de que aquele edi-fício, como o corpo do Senhor, através da morte,se converteria em pão de vida para os Maristasque, no futuro, dele se aproximassem.

Para mim esse símbolo pode aplicar-se não so-mente à casa de l’Hermitage, mas também aoInstituto inteiro. O hino repete o termo verda-deiro duas vezes, nos primeiros versos, subli-nhando que se trata do mesmo Jesus Cristo empessoa e de que o seu sofrimento era real e nãoimaginário. O que foi certo para o Senhor, não oserá menos para nós. Mas ninguém gosta depassar pela noite da desolação, quando senti-

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mos que tudo vem abaixo, e não temos ne-nhuma certeza de que o que virá vai ser melhordo que aquilo que já tínhamos.

No Instituto temos que aceitar que a morte fazparte da vida e que esse processo traz sofri-mento verdadeiro. O que nos resultava familiarestá desaparecendo e ainda não acabamos dever com clareza em que consiste o novo.

n Trata-se, então, de acolher com fé todoesse despojo, confiantes de que, misterio-samente, será fonte de vida.

Mais do que isso, trata-se também de colaborarcom a ação do Espírito! Não se deve esperarque Ele faça todo o trabalho...

Já em 2001 dizia João Paulo II, dirigindo-se aosCapítulos gerais da Família Marista: Ao dirigir-

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se às pressas aos montes da Judeia para encon-trar-se com sua prima Isabel, não nos ensinaMaria a liberdade espiritual? Importa, com efeito,que não se deixem absorver unicamente pelagestão da herança recebida, mas que saibam dis-cernir o que convém abandonar com espírito depobreza, mas, sobretudo, com a liberdade evan-gélica que nos torna disponíveis aos chamadosdo Espírito. Ante a multiplicidade dos chamados,é preciso efetivamente uma autêntica liberdadepara discernir as urgências.

O que é que o Capítulo geral XXI nos pediu?Exatamente como João Paulo II, oito anos antes:Sair depressa, com Maria, para uma nova terra!A palavra novo ou nova aparece muitas vezes nodocumento capitular: nova terra; nova época parao carisma marista; vida consagrada nova; novomodo de ser Irmão; nova relação entre Irmãos eleigos; maristas novos... Tanta insistência na novi-dade deve significar que não estamos satisfeitoscom nossa realidade atual. Entretanto, dá a im-pressão de que, uma vez iluminados pelo Espí-rito e tendo visto claramente que é precisodirigir-se para novas terras... – o que deixamospor escrito! - voltamos às nossas ocupações ha-bituais como se nada houvesse acontecido!

Já sei que estou exagerando um pouco, porquetambém é certo que estamos caminhando emmuitos aspectos; mas, me pergunto onde ficou odepressa do último Capítulo. Quando observoalgumas decisões que tomamos como Conselhogeral, me pergunto que conexão elas têm comnosso caminhar como Instituto para novas terras:

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Pode ser, inclusive, que estejamos a sabotar anós mesmo, tomando decisões contrárias aoque proclamamos por escrito! É possível queisso ocorra também em nível de Conselhos pro-vinciais ou em níveis mais locais ou tambémpessoais?

n Estamos falando de um processo que se vive no Instituto, mas suponho que também poderíamos aplicá-lo à nossa vida pessoal.

O Instituto mudou muito desde a sua fundação,especialmente com o aggiornamento pedidopelo Vaticano II. Estruturalmente, mudamos maise mais profundamente nos últimos 50 anos doque nos 140 anteriores. Ao mesmo tempo nossamaneira de pensar também foi modificada emmuitos aspectos. Quanto à nossa conversão ins-titucional... parece que vai um pouco mais lenta!E não há outro caminho para a conversão insti-tucional que o da conversão pessoal, emboraprovavelmente ambas precisem uma da outra.

Conversão, nascer de novo (Jo 3, 7), significaaderir aos valores do Evangelho e, portanto, ple-nitude de vida e felicidade. Mas não é um cami-nho fácil: significa também renúncia, disciplina,mudança... morte! Quem quiser salvar a sua vida,vai perdê-la; mas quem perde a sua vida porcausa de mim, vai encontrá-la (Mt 16, 25).

Emmanuel Mounier expressava-o assim: É pre-ciso sofrer para que a verdade não se cristalizeem doutrina, mas que nasça da carne.

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n Então, o que está acontecendo conosco?

Todos nós temos um sistema imune que resisteem mudar com todas as suas forças. Comodisse Steve Jobs, em famoso discurso aos uni-versitários de Stanford, quando já se lhe haviadiagnosticado câncer: Ninguém gosta de mor-rer... mas a morte é nosso destino comum: nin-guém escapará dela. E assim deve ser, porque amorte é o melhor invento da vida: é o agente demudança da vida. Elimina o velho e dá lugar aonovo.

Quem de nós não sente profundas resistênciasperante as chamadas à conversão? Não intensi-fico minha oração pessoal, porque isso signifi-caria mudar meus hábitos e rotinas, e vencerminha comodidade. Não me comprometo maisna comunidade, porque teria que superar o in-dividualismo e, talvez, sacrificaria parte de

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minha liberdade. Não quero ir a um novo apos-tolado, porque já mudei bastante na vida eagora devo descansar um pouco... Você conti-nua com sua própria lista? O que é que devemorrer em mim para que a novidade do Espí-rito possa florescer?

MARIA, NOSSA FONTE DE RENOVAÇÃO

n Estamos onde estamos como Instituto e como pessoas; somos os que somos...Quem nos oferece uma visão que nos incentive a continuar construindo nosso futuro?

Durante o último Capítulo geral houve momen-tos em que sentimos intensamente a presençade Maria entre nós. Creio que avaliamos issocomo um sinal de ternura e de acompanha-mento d’Aquela que tudo fez entre nós.

Mas também se converteu em nossa fonte deinspiração: Sentimo-nos impulsionados por Deusa sair para uma nova terra, que favoreça o nasci-mento de uma nova época para o carisma ma-rista. Isso exige que estejamos dispostos amover-nos, a desprender-nos, a comprometer-nos num itinerário de conversão, tanto pessoalquanto institucional, nos próximos oito anos. Per-corremos esse caminho com Maria, como guiae companheira. Sua fé e disponibilidade paracom Deus nos encorajam a realizar esta pere-grinação. (Capítulo geral XXI)

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Já sabemos que o Ir. Seán dedicou a Maria suaúltima Circular, intitulando-a: Em seus braços ouem seu coração. Como ele mesmo disse, umadas finalidades do texto é que cheguemos a acei-tar a Mãe do Senhor como autêntica fonte de re-novação do Instituto hoje, e atuemos de modoque continue a sê-lo, nos anos vindouros. Ela es-teve com Marcelino no início da vida marista; es-teve com os Irmãos na crise de 1903, e estará aonosso lado, hoje, como guia e companheira, aju-dando-nos a realizar a viagem que nos levará aofuturo; para isso, basta que lho peçamos (p. 20).

Para mim é como se o Espírito nos dissesse: Nãoqueríeis uma inspiração e um ponto de referênciafirme para vosso caminho? Pois aí o tendes:Maria! Poderia ser de outro modo entre nós, quelevamos o seu nome?

n A expressão “construir o rosto mariano da Igreja” faz parte dessa visão?

Nas palavras que pronunciei no final do Capítulogeral aludi a essa expressão, porque me pare-ceu muito sugestiva e em continuidade com aexperiência vivida ao longo dessas semanas.Naqueles momentos eu estava ainda sob cho-que, assim que não a desenvolvi muito... Nas se-manas seguintes, especialmente no trabalhocom o Conselho geral, essa imagem se foi con-solidando como princípio inspirador de nossomandato.

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Por outra parte, muitos Irmãos e leigos me co-mentaram que também para eles era uma ima-gem poderosa, e que a sentiam como muitoinspiradora, em conexão com nossas origens ecom o que estamos chamados a ser.

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CHAMADOS A CONSTRUIR O ROSTO MARIANO

DA IGREJA

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Cabe-lhes hoje manifestar de maneiraoriginal e específica a presença de Maria na vida da Igreja e dos homens, desenvolvendo para isso uma atitude mariana, que se caracteriza por uma disponibilidade alegre às chamadas do Espírito Santo, por uma confiança inquebrantável na Palavra do Senhor, por umcaminhar espiritual em relação aos diferentes mistérios da vida de Cristo, e por uma atençãomaternal às necessidades e aos sofrimentos dos homens,especialmente dos mais simples.

João Paulo II aos Capítulos gerais

da Família Marista, 2001

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A expressão rosto mariano da Igreja nunca foiusada nas origens maristas. Apenas recente-mente começou-se a usar, primeiro pelo teólogojesuíta Hans Urs von Balthasar e, depois, inspi-rando-se nele ou citando-o diretamente, pelosPapas João Paulo II e Bento XVI.

Se hoje nós, como maristas, a fazemos nossa éporque sentimos que está em profunda conexãocom nossas origens e porque cremos que sin-tetiza muito bem nossa missão na Igreja.

QUE SIGNIFICA “ROSTO MARIANO DA IGREJA?”

Para captar bem o sentido daquilo que entende-mos por rosto mariano da Igreja, provavelmenteseja bom situar a expressão em seu contexto.

Von Balthasar se refere ao princípio marianopara descobrir a missão de Maria na origem daIgreja. Mas usa também outras expressões,como dimensão mariana, perfil mariano, rostomarian” ou aspecto mariano da Igreja, referindo-se às manifestações históricas da vida da Igrejaderivadas das atitudes com que Maria respondeà sua missão como crente e membro da comu-nidade eclesial. Falar, pois, de rosto mariano da

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Igreja é um convite a participar dessa experiên-cia e missão de Maria.

O teólogo analisa quatro vias que propõe comoarquétipos da vida da Igreja. Os caminhos per-corridos pelos protagonistas dessas quatro histó-rias, que fizeram experiência do Senhorressuscitado no seio de uma comunidade, podemser percorridos por qualquer crente. Cita, em pri-meiro lugar, a experiência de Pedro, que desco-bre que Jesus, com quem conviveu durante anos,foi morto na cruz por seus concidadãos, mas Deuso ressuscitou. A convicção de sua fé servirá deconfirmação e segurança da de seus irmãos. Ahistória da fé de Pedro fundamenta a reflexão teo-lógica do chamado princípio petrino.

A segunda história narra a experiência carismá-tica da vida de Paulo, particularmente sua e quenão pode ser identificada com a dos Doze. Delanascem as reflexões fundadas no princípio pau-lino. A terceira é a experiência mística de João,que nos transmite aquilo que existia desde oprincípio, o que ouvimos, o que vimos com nossosolhos, o que contemplamos e o que nossas mãosapalparam: a Palavra da Vida (1Jo 1, 1). É a cha-mada tradição joanina ou princípio joanino. Emoutros lugares de suas obras, Von Balthasar pro-põe outros esquemas, um tanto mais complexos,incluindo também um quinto arquétipo jacobeu(de São Tiago). Finalmente, e poderíamos dizerem primeiro lugar, num nível muito mais pro-fundo e mais próximo do centro, a experiênciada Mãe do Senhor, experiência íntima e total,flui para a Igreja, a torna fértil, e fundamenta oprincípio mariano.

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O princípio mariano é, em distintos aspectos,mais fundamental que o princípio petrino. Assimo recolheu o Catecismo da Igreja Católica (773):a dimensão mariana da Igreja precede a sua di-mensão petrina e o mesmo João Paulo II (1987):O perfil mariano é tão (se não mais) fundamentale característico da Igreja quanto o perfil apostó-lico e petrino, ao qual está profundamente unido.Isso significa, para todo o cristão, que ser crenteé mais importante que o ministério que se de-sempenha na Igreja.

Em definitivo, a experiência mariana enlaça evincula fé e visão, céu e terra, e supera a tensãoentre a Igreja imaculada e a Igreja de pecado-res. Porque Maria acreditou pela fé e pela fé con-cebeu (Santo Agostinho), é a primeira crente e aMãe de Deus, sem que em Maria se possam se-parar a crente e a Mãe de Deus. Sua experiênciade Cristo é espiritual e corporal ao mesmotempo. Por isso não se pode saltar de uma Igrejavisível, hierárquica, petrina, a uma Igreja invisí-vel e espiritual na qual encontraríamos a dimen-são mariana.

Portanto, esses diferentes caminhos não seopõem, mas se complementam. E creio quenão seria correto enfrentar essas diferentes di-mensões da Igreja e optar por uma Igreja derosto mariano, em contraposição a uma Igrejapetrina. É um argumento fácil, mas para nadaconstrutivo.

Von Balthasar escreveu que quando se rechaçaa dimensão mariana tudo se torna mais polê-mico, mais crítico, mais amargo, menos amável, e

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acaba aborrecido, e as pessoas de missa fogemde uma Igreja assim. Mas seria toda uma ironiautilizar uma Igreja que se inspira em Mariacomo arma contra a hierarquia, convertendo anós mesmos em mais críticos, mais amargos,menos amáveis... Não estamos, portanto, contraninguém nem contra nada; em todo caso, a únicacoisa que poderia ficar em evidência é nossaprópria incoerência em não viver os ideais queproclamamos.

O SONHO DOS PRIMEIROS MARISTAS:UMA IGREJA RENOVADA

Como bem sabemos, na origem da Sociedadede Maria se encontra a inspiração de Jean-ClaudeCourveille, que disse tê-la recebido de Maria, noPuy. Em 1815 explica seu projeto a alguns de seuscompanheiros no Seminário de Santo Irineu -

Colin, Champagnat,Déclas, Terraillon -os quais, em segui-da, se entusiasmamcom a ideia que aca-ba por se concretizarna promessa deFourvière, aos pésda Virgem Negra.

Fazia parte, real-mente, do sonhodesses doze sacer-dotes recém-orde-nados a construçãode uma Igreja ma-

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riana? Para Courveille era claro que se tratavade colaborar na renovação da Igreja; do mesmomodo que em outro momento histórico essamissão foi confiada à Sociedade de Jesus, disseele; neste momento, corresponde à Sociedadede Maria. Jean-Claude Colin, porém, é muitomais contundente: A Sociedade de Maria devereiniciar uma nova Igreja. Não o digo em sentidoliteral, o que seria uma blasfêmia. Porém, numcerto sentido, sim, devemos reiniciar uma novaIgreja.

Esses primeiros Maristas tinham consciência deque o Projeto era parte da missão de Maria: darCristo à luz e estar com a Igreja, em seu nascimento(Água da Rocha, 11). É claro que Champagnattambém participava plenamente desse projeto,mas, como em tantas outras ocasiões, à sua ma-neira. Como homem prático que era, desejaque os ideais se concretizem. De que maneirairá ele contribuir na renovação da Igreja? Segundoos cronistas, repetia uma e outra vez em suasreuniões com os companheiros da Sociedadede Maria: Necessitamos de Irmãos!. Sua maneirade construir uma Igreja diferente, renovada, derosto mariano, se concretiza por meio da fundaçãodos Irmãozinhos de Maria.

NOSSA MANEIRA DE SER E DE CONSTRUIR IGREJA

Construir uma Igreja de rosto mariano é algo aque são convidados todos os cristãos. Mas nós,como maristas, somos convidados a manifestarde maneira original e específica a presença de

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Maria na vida da Igreja e dos homens, tal comono-lo recordou João Paulo II.

Em que consiste essa maneira original e espe-cífica de ser?

Como disse antes, Champagnat quis que nossasimples existência na Igreja fosse já uma contri-buição profética, sendo Irmãozinhos de Maria,quer dizer, religiosos que não participam da es-trutura hierárquica da Igreja, mas que aspiram aviver o Evangelho do jeito de Maria. Ambas aspalavras são importantes: Irmãozinhos e Maria,e ambas recolhem o que somos chamados aser, como disse o Ir. João Batista, o conhecidobiógrafo do Fundador, num retiro que dirigiu aosIrmãos em 1862: Qual é o nosso espírito? Qual omeio particular que o nosso Fundador nos deupara chegar à caridade perfeita? O nome que le-vamos nos diz qual é o nosso espírito. Essa é a

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originalidade de nossa vocação, isso é o que es-pecifica nossa contribuição à Igreja e à socie-dade, não somente pelo que fazemos, mastambém pela maneira como o fazemos e peloque somos. Nossa existência na Igreja e na so-ciedade tem sentido em si mesma, sem neces-sidade de recorrer à nossa função específica.

O mesmo vale para milhares de leigos e leigas- em todo o mundo - que se sentem identificadoscom o carisma, como eu mesmo pude compro-var, ao longo desses dez últimos anos, nos cincocontinentes. Algumas pessoas sentem que Deusas chama a viver sua vida cristã com as carac-terísticas maristas, e então falamos de vocaçãolaical marista; em outros casos, a adesão se dámais no nível de alguns aspectos da espirituali-dade ou no campo da missão.

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Não somos nenhuma multinacional de serviçoseducacionais, nem uma ONG internacional;somos uma comunidade eclesial com caracte-rísticas próprias, onde experimentamos a ale-gria do dom recebido do Espírito Santo esentimos a responsabilidade de oferecer nossapeculiar contribuição.

Queremos aprofundar um pouco as caracterís-ticas desse rosto mariano da Igreja que nos sen-timos impulsionados a construir. Com grandeliberdade de espírito, visto que, como já se su-blinhou anteriormente, tanto os Irmãos como aspessoas leigas, por não sermos membros dahierarquia, não somos chamados a atuar comoagentes da instituição, mas como profetas nomeio do Povo de Deus.

Recordemos que, para muitas pessoas com asquais nos relacionamos de maneira habitual, aúnica possibilidade de contato com a Igreja éatravés de nós: que maravilhosa oportunidadede oferecer uma Igreja de rosto mariano!

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TRÊS ÍCONES PARA

CARACTERIZARUMA IGREJA

DE ROSTO MARIANO

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Nas páginas anteriores:Monograma de Maria localizada na parte frontalo altar da igreja do Hermitage.

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A Igreja grega e as Igrejas eslavas...consideravam a veneração dos ícones como parte integrante da liturgia, à semelhança da celebração da palavra. Como a leitura dos livros permite compreender a palavra viva do Senhor, assim a exposição de um ícone pintado permite aos que o contemplam, de aproximar-se, pela vista, dos mistérios da salvação, que em parte se expressa pela tinta e o papel, e em parte se expressa pelas diversas cores e outros materiais.

João Paulo IIDuodecimum Saeculum

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O ícone é uma palavra para os olhos; o que as pala-vras anunciam ao ouvido, a pintura de um íconeo mostra silenciosamente aos olhos. (Concílio deNicéia)

No Ocidente acentuamos a importância das pa-lavras, da lógica, da necessidade de escutar. NoOriente, porém, se dá importância à imagem, àintuição, à necessidade de contemplar.

Para muitos de nós, que não pertencemos à tra-dição espiritual do Oriente cristão, os íconesnão são fáceis de entender. Entretanto, foramconquistando popularidade inclusive naquelaspartes do mundo que foram influenciadas pelocristianismo ocidental: sabemos que pertencemao primeiro milênio da Igreja, quando estaainda não se havia dividido e que, portanto, re-fletem as crenças e práticas mais antigas da co-munidade cristã. Oxalá os ícones sejam o sinalde uma Igreja novamente indivisa no terceiromilênio!

Vamos contemplar três ícones em que apareceMaria: eles nos levarão a compreender melhoras características de uma Igreja de rosto ma-riano. A Anunciação, a Visitação e o Pentecostessão três acontecimentos que vão nos guiar ecoincidem com os grandes chamados que o Se-

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nhor dirigiu ao Instituto, por meio dos últimosCapítulos gerais.

Creio que, ademais, coincide também com asensibilidade de muita gente que sonha comuma Igreja distinta. No mês de outubro de 2011,enquanto recolhia idéias para escrever esta Cir-cular, se me ocorreu que devia encontrar algummeio para interagir com outras pessoas e reco-lher suas opiniões. O que fiz foi criar uma páginano Facebook, chamada Igreja mariana, e per-guntei: Para você, quais seriam as principais ca-racterísticas de uma Igreja de rosto mariano?.

Para os que estão menos acostumados à Inter-net, direi que Facebook é uma rede social criadapor um estudante da universidade de Harvardcom a intenção de facilitar as comunicações e ointercâmbio de conteúdos entre estudantes, gra-

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tuitamente. Com o tempo, o serviço se estendeuaté estar disponível para qualquer pessoa quedisponha de uma conta de correio eletrônico.Em fins de 2011 está com mais de 800 milhõesde usuários.

No Facebook tudo é muito efêmero, visto que ascomunicações, normalmente muito curtas, sesucedem muito velozmente. Por isso, talvezesse meio não seja o mais adequado para a in-teração que eu desejava, mas, mesmo assim,embora as respostas não fossem muitas, me pa-receram significativas porque representavamum leque bem plural de pessoas: diversas lín-guas, culturas, idades...

Pois bem, que aportes houve, como resposta àminha pergunta? Creio que poderiam ser clas-sificadas em três grandes compartimentos:

a. Serviço. Atenção às pessoas mais neces-sitadas. Justiça social, libertação do ser hu-mano.

b. Mãe: que cria família, em que todos têmigual dignidade; respeita-se a diversidadee se acolhe a diferença. Simplicidade ehumildade. Vive o amor, a ternura, a com-paixão. Acompanha, consola, acolhe emvez de condenar. Humana.

c. Fé em ação. Abertura ao Espírito Santo,sem medos. Medita nas palavras de Jesus,guarda-as em seu coração e as põe emprática.

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Em conexão com ostrês ícones a que antesaludi, poderíamos di-zer que o serviço estácaracterizado pelo íco-ne da Visitação; o as-pecto maternal e fa-miliar, por Pentecostes;e a fé em ação, peloícone da Anunciação.

Vamos deter-nos emcada um desses íco-nes, visto que reco-lhem o essencial da

vida religiosa: A busca de Deus, uma vida de co-munhão e o serviço aos demais, são as três ca-racterísticas principais da vida consagrada (JoãoPaulo II, Ecclesia in Asia, 44). Estes são os três as-pectos que vamos destacar, válidos também, aseu modo, para o laicato marista.

Nós nos deixamos interpelar por cada um dosícones, conscientes de que as atitudes de Maria,que queremos assumir em nossas vidas, se con-vertem em presença do rosto materno de Deus(Capítulo geral XIX).

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ÍCONE DA VISITAÇÃO: A IGREJA DO AVENTAL

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Mons. Tonino Bello, poeta e profeta, usou fre-quentemente esta imagem da Igreja do avental,a Chiesa del grembiule, porque, dizia, esse é oúnico ornamento litúrgico que podemos atribuira Jesus. E afirmava em uma de suas conversasespontâneas: O Senhor ‘se levantou da mesa,tirou o manto e, tomando uma toalha, amarrou-ana cintura’: eis aí a Igreja do avental. Quem qui-sesse desenhar a Igreja como a sente o coraçãode Jesus, teria que desenhá-la cingida com umatoalha. Alguém poderia objetar que é uma ima-gem muito serviçal, demasiado banal, uma foto-grafia que não se mostra aos parentes quando

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Com Maria, que parte depressa,sentimo-nos chamadosa viver nossa vida como serviço e a levar Jesus aos demais.Nesse serviço, crianças e jovens mais vulneráveis têm nossa preferência.Com eles e por eles, juntamente com muitas outras pessoas de boa vontade,contribuímos para um mundomelhor, mais habitável e fraterno.Nossa perspectiva para olhar o mundo é a de Jesus,que, ao pôr-se a lavar os pés, o olha de baixo.

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vêm à casa para tomar chá. Mas a Igreja do aven-tal é a Igreja que Jesus prefere porque a fez assim.Fazer-se servos do mundo, ajoelhar-se como fezJesus... e se pôs a lavar os pés das pessoas, domundo. Isso é a Igreja. E nós, a quem lavamos ospés?.

Depois de usar a imagem da Igreja do avental,num Simpósio sobre a vocação do religioso Irmão,em Madri, um Irmão me recordou que estapoderia representar-se pelo Irmão Henri Vergès,cuja imagem com avental foi reproduzida emmuitas estampas e pôsteres: é verdade! Não podiahaver melhor imagem que a desse Irmãozinho,amantíssimo de Maria, que soube enterrar-se, de

maneira simbólica, mastambém literal, em ter-ras do Islã. Evangelizarno silêncio, discretamen-te, com esse maravilho-so sorriso que o carac-terizava.

Participamos da mater-nidade espiritual de Ma-ria ao assumirmos nossaresponsabilidade em le-var os valores cristãosàs pessoas com quempartilhamos nossa vida.Contribuímos para ocrescimento da comu-nidade eclesial, cuja co-munhão fortalecemospela oração fervorosae pelo generoso serviço

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ao próximo (Água da Rocha, 26). Servir é nossavocação. De fato, creio que somos conhecidosna Igreja e na sociedade, sobretudo, por esseserviço que estamos oferecendo há quase 200anos. Um serviço feito com grande dedicação eentrega, e que, normalmente, é muito bem ava-liado e recebido.

Como bons filhos de Champagnat, somos genteprática e em cada momento histórico temos pro-curado oferecer o serviço que se nos pedia.Hoje, nesta sociedade globalizada em que vive-mos, temos acesso imediato às informações quenos recordam a pobreza, o sofrimento, a margi-nalização de milhões de crianças e jovens emtodo o mundo. Por isso mesmo, o último Capítulogeral nos recordou que devemos continuar au-mentando e qualificando nossa presença entrecrianças e jovens pobres, de maneira que estaseja fortemente significativa.

Isso quer dizer que cada Província e cada Dis-trito deveriam perguntar-se se estão fazendotodo o possível para atender os que vão ficandoà margem de nossas sociedades. Mas tambémcada obra marista pode fazer-se essa mesmapergunta. De fato, deveríamos ser reconhecidos,onde quer que estejamos presentes, comoaqueles que têm preferência pelas crianças e jo-vens mais vulneráveis, e isso, não porque reco-lhemos dinheiro para eles, mas por meio denossas políticas de admissão, nossa prática edu-cacional, nossa maneira de entender a disciplinae de resolver os conflitos, nosso currículo, etc.Um bom teste para saber como estamos fa-zendo, poderia ser este: perguntar a estranhos

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como é que nos identificam... Será que veem emnós o rosto materno da Igreja?

Estivemos comprometidos, desde a nossa ori-gem, na defesa dos direitos das crianças e jo-vens por meio de nosso serviço educacional.Hoje entendemos que é preciso fazer essa de-fesa de maneira mais estrutural e política, pro-curando intervir lá onde se tomam as decisõesque podem mudar as estruturas que geram ouperpetuam as violações desses direitos. Daí anossa presença, nas Nações Unidas, com nossospróprios valores, e daí a presença que devemoster nas instituições sociais ou políticas que tra-balham em defesa dos direitos da criança, nospaíses em que estamos presentes.

Seja em nossas próprias instituições educacionaisou em outros âmbitos onde trabalhamos, com-partilhamos nosso caminho com as pessoas deboa vontade, fazendo do serviço um valor prio-ritário em nossas sociedades, apesar de que abusca de prestígio, de poder ou de dinheiroseja um competidor muito poderoso. A presença,entre nós, de pessoas de outras confissões cristãsou de outras religiões, ou de pessoas em busca,nos permite oferecer o testemunho da Igrejaaberta e servidora que nos sentimos chamadosa construir.

Olhar o mundo a partir da perspectiva de outrapessoa significa ser capaz de pôr-se no lugardela; deixar-se tocar por ela; compreendê-la,embora nem sempre se possa aprovar suasações. Quando Jesus se ajoelha para lavar ospés de seus discípulos, sua perspectiva é de

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baixo: trata-se de servir, não, porém, como pro-tagonistas ou como quem tem todas as respos-tas, mas de joelhos, quer dizer, com a humildadede quem serve porque ama, sem buscar nadaem troca. Quantos testemunhos escutei de pes-soas cuja visão do mundo mudou quando acei-taram pôr-se de joelhos, perto dos que já estão”abaixo” em nossa sociedade, e se deixarameducar por essas pessoas, sem preconceitosnem medos. Sim, é verdade que é perigosofazê-lo. Sua visão do mundo e da vida jamais tor-nará a ser como antes.

Aqueles que nos governam deixam-se guiar peloespírito da Serva do Senhor. A seu exemplo,ouvem, refletem e agem (Constituições, 120).Essa é a liderança mariana que todos comparti-lhamos, uma liderança de baixo, não com res-postas pré-fabricadas, mas com escuta atenta,com a atitude humilde de Maria, que sabe dei-xar-se interpelar por Deus e pelos demais.

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ÍCONE DE PENTECOSTES: A FONTE DA ALDEIA

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A Igreja católica não é um museu de arqueologia.É a antiga fonte da aldeia que dá água às gera-ções de hoje, como a deu às do passado (JoãoPaulo II, 1960). A Igreja como uma fonte, comoos famosos nasoni de Roma (bebedouros seme-lhantes a grandes narizes recurvados), mais de2.000 fontes que, por todos os cantos da cidade,de dia e de noite, oferecem sua água generosa-mente a quem queira beber. Muitos turistas sesurpreendem de tanta generosidade e se per-guntam se a água é boa; alguns observam que

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Construímos comunidade em torno de Maria, como os apóstolos em Pentecostes.Nossas comunidades religiosas ou leigas são lugares onde se desenvolvem nossas qualidadeshumanas e espirituais,e são evangelizadoras por meio de seu testemunho de amor fraterno.Fiéis ao nosso espírito de família,acolhemos como irmão ou irmã,de maneira incondicional, qualquer pessoa.De Maria, nossa Boa Mãe,aprendemos a exercitar a ternura e a compaixão.

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algum tubo, por fora, está um pouco oxidado, ouque a pia onde cai a água está um pouco rota ousuja... mas isso não tem importância para os ro-manos, que bem sabem que essa água continuasendo fresca e boa, como na época dos aque-dutos: assim é a Igreja, conforme o Papa João!

Nossas comunidades, portanto, não são museuspara visitar, mas lugares vivos onde se pode de-salterar a sede e partilhar a água da vida comoutras pessoas. Sabemos que nós somos fontese não a água que sacia; isso nos torna humildese o sentimos como um convite permanente amanter-nos abertos e generosos. É a comuni-dade de Pentecostes, reunida em torno deMaria, que se sabe portadora de um dom que asupera.

A comunidade é algo essencial na vida dos Ir-mãos, como nosso próprio nome já indica, em-bora nem sempre sejamos capazes de situar avida comunitária no centro de nossas priorida-des. Por outra parte, construir comunidade, sejacomo religiosos ou como leigos, é nosso pri-meiro meio de evangelização. Assim no-lo re-cordou nosso Fundador em seu testamentoespiritual: Que se possa dizer dos Irmãozinhos deMaria como dos primeiros cristãos: ‘Vejam comoeles se amam!’ É o voto mais ardente do meu co-ração neste último instante de minha vida. Os jo-vens necessitam de modelos visíveis de que épossível levar a cabo o sonho de Jesus: construiruma sociedade alternativa, o Reino, aqui eagora. Mostrar que um grupo de pessoas de di-ferentes procedências, culturas, idades... são ca-pazes de viver juntas, respeitar-se, amar-se,

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mesmo sem terem-se escolhido mutuamente. Acomunidade, ponto de partida de nossa pastoralcom jovens, se oferece também como ponto dechegada: o espaço que, de maneira normal, de-veria coroar nossos esforços pastorais.

Em mais de um lugar, em minhas visitas ao Ins-tituto, recordei o fato de que, no meu parecer,com frequência nos temos deixado levar pelatendência espontânea de reproduzir, no seio denossas comunidades, Províncias ou instituições,as divisões que existem na sociedade. Porexemplo, amiúde temos originado separaçãoentre os que trabalham com crianças e jovensde classes abastadas, e aqueles que atuam comos que pertencem a classes mais pobres. Nãotemos contribuído, portanto, a superar essa di-visão social, antes, reproduzimo-la entre nós. Emlugar de ser profetas de unidade e reivindicaresse profetismo, nos temos limitado a reproduziro esquema social existente. São situações quenão devemos permitir entre nós, sob nenhumconceito. Podemos mudar essa tendência? Claro

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que podemos mudá-la, sempre que nos cons-cientizemos dela e estejamos dispostos a cons-truir pontes de diálogo e de encontro, primeiroentre nós mesmos, e depois em nível social.

Certamente ouviram de muitas pessoas, comotambém eu, que entre nós é bem visível o sen-tido de acolhida e de trato afável, que reconhe-cemos como espírito de família. É uma acolhidamútua, no seio de nossas comunidades, que nosajuda a desenvolver-nos plenamente como pes-soas (ou pelo menos é isso que teríamos direitoa esperar). Mas é também uma acolhida quepraticamos, de maneira incondicional, com qual-quer pessoa que se achegue às nossas comuni-dades ou às nossas instituições educacionais,como o faria a mãe com seus filhos:

Venha, venha, quem quer que seja, venha!Infiel, religioso ou pagão, pouco importa.Nossa caravana não é de desilusão!Nossa caravana é de esperança!Venha, ainda que tenha rompido mil vezes suas promessas!Venha, apesar de tudo, venha!

Jalal ad-din Rumi, místico muçulmano do século XIII

Sempre que estive em Lourdes impressionou-me ver como as pessoas enfermas ou com algumtipo de deficiência têm preferência em tudo:pelo menos há um lugar na terra onde isso acon-tece, e é bonito que seja na Igreja! De maneirasemelhante, não poderiam nossas comunidades

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e instituições ser como oásis onde qualquerpessoa possa sentir-se bem-vinda, simplesmenteporque é pessoa, sem necessidade de dar ex-plicação alguma? Maria inspirou aos primeirosIrmãos uma nova visão de Igreja, segundo omodelo dos primeiros cristãos. Essa Igreja marianatem um coração materno: ninguém é abandonado.A Mãe acredita na bondade intrínseca das pessoase perdoa sem hesitação. Demonstramos respeitopela caminhada pessoal de cada um. Por issoacolhemos quem apresenta dúvidas e incertezasespirituais. Há lugar para todos. Oferecemos escutae diálogo (Água da Rocha, 114).

Recebendo-a em nossa casa, aprendemos o modode amar as pessoas e nos tornamos, por nossavez, sinais vivos da ternura do Pai (C 21). A estátua

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da Boa Mãe, herdadade nosso Fundador, éuma imagem cheia deternura: o menino estáchupando o dedo, sig-nificando que descansaconfiante nos braços damãe. Sabemos que tan-to na vida de Cham-pagnat como na dosprimeiros Irmãos en-contramos passagensque transpiram ternurae delicadeza. Recorde-mos o testemunho doIr. Lourenço, um dosprimeiros Irmãos, falan-

do do Padre Champagnat: A ternura de uma mãepara seus filhos não é maior que a do Padre Cham-pagnat para conosco... Nosso bom Superior, comoo mais terno dos pais, tratava-nos com o maior cui-dado.

Muitos Irmãos souberam manter essa ternura edelicadeza, apesar de nem sempre terem sidosocialmente valorizadas. Recordo que, faz al-guns anos, visitei um Irmão muito enfermo queestava nos seus últimos dias; acompanhava-ouma religiosa, irmã sua. De repente entrou oIrmão marista que cuidava do enfermo e, depoisde dar-lhe alguns remédios e animá-lo comboas palavras, beijou-o na fronte com toda a na-turalidade, e saiu do quarto. Recordo a emoçãoque me transmitiu a religiosa: nunca havia vistohomens se tratarem com tanto respeito, mastambém com tanta ternura.

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Como dizia a Irmãzinha Magdeleine de Jesus,fundadora das Irmãzinhas de Jesus: O amor ge-neroso se encontra mais facilmente, mas o amordelicado e respeitoso para com toda a criatura épouco freqüente. Somos, portanto, convidados aviver o que o profeta Miqueias nos recomenda:O que Deus quer de você é isto: praticar o direito,amar a misericórdia, caminhar humildementecom o seu Deus (6, 8).

Com prazer assumimos a responsabilidade dedar continuidade à herança recebida de nossosprimeiros Irmãos, que, junto à Boa Mãe, aprofun-davam o sentido da fraternidade, da dedicação eda abnegação a serviço dos demais (C 49). Nos-sas comunidades e obras educacionais, célulasvivas da Igreja, são chamadas a continuar sendoum reflexo desse rosto materno.

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ÍCONE DA ANUNCIAÇÃO: A BELEZA SALVARÁ O MUNDO

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A beleza salvará o mundo, faz afirmar Dos-toievski a um personagem de uma de suas no-velas. O mesmo Dostoievski nos explica: Ahumanidade pode viver sem a ciência, pode viversem pão, mas sem a beleza não poderia conti-nuar, porque não haveria nada a fazer no mundo.Todo o segredo está aqui, toda a história estáaqui. Nossa experiência nos demonstra de ma-neira confiável que, nem a violência, nem os quedetêm o poder em seu próprio benefício salva-rão o mundo.

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Maria na Anunciação é nosso modelo de abertura ao Espírito, a quemescuta atentamente no silêncio e a cuja ação se abandona.Como Ela “que guardava e meditavatodas as coisas em seu coração”,buscamos ser contemplativos na ação.Nossa oração, fiéis à tradição marista,é simples, inserida na vida cotidiana, mas também com tempos específicospara a contemplação.Nós nos educamos e educamos para a interioridade,promovemos a sensibilidade e a abertura para a beleza.

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Então, de que necessita nosso mundo, tão estru-turalmente injusto e com tanta violência? Abrir-se à beleza do silêncio, da admiração, dagratuidade. O coração humano está sedentodisso, embora nem sempre acerte no caminhopara consegui-lo.

No dia em que se inaugurou o Concílio VaticanoII, milhares de pessoas concordaram em acudirà Praça São Pedro com tochas, peregrinando dediversos lugares da cidade. O Papa João XXIIIrelutava em aparecer à janela de seu aparta-mento particular e dirigir-se à multidão, porquenão queria esse protagonismo para si. Final-mente, Mons. Capovilla, seu Secretário, conse-gue convencê-lo, e o Papa começa a falar demaneira espontânea. Trata-se do mundialmenteconhecido discurso da Lua, imortalizado pelaRAI. Por que se lhe deu esse título da Lua, se ele,de fato, falou de muitas coisas? Porque tocou ocoração das pessoas, emocionando-as, comonos emociona ainda hoje, quando tornamos aescutar suas palavras: Olhem com está bonita aLua nesta noite: dir-se-ia que se apressou paracontemplar este espetáculo, que nem sequer aBasílica de São Pedro, que tem quatro séculos dehistória, pôde contemplar. Minha pessoa nãoconta para nada; é um irmão que lhes fala...Quando chegarem em casa, encontrarão as crian-ças: acariciem-nas e digam-lhes que é a caríciado Papa. Encontrarão algumas lágrimas a enxu-gar. Digam: o Papa está com vocês, especialmentenas horas de tristeza e de amargura... .

Numa época de crise da Igreja e da sociedade,o Papa fala da beleza da Lua, de acariciar as

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crianças, de enxugar lágrimas... E isso é a únicacoisa que a maioria das pessoas recorda dessedia tão importante!

Falando com alguns jovens que participaram daJornada Mundial da Juventude, em Madri emagosto de 2011, perguntei-lhes o que mais oshavia impressionado: sem duvidar um mo-mento, disseram que foi o silêncio vivido pormais de um milhão e meio de jovens em adora-ção. A mesma coisa havia escutado de jovensque participaram em Sidnei, em 2008. Não seise recordarão algo das palavras do Papa, masesse silêncio, certamente, tocou profundamentesuas vidas, de maneira tal que nem eles sabiamexplicar. Provavelmente aqui se cumpra o quedizia Von Balthasar: A primeira coisa que capta-mos do mistério de Deus não costuma ser a ver-dade, mas a beleza. E nós... o que fazemos? Falar,falar, falar...

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Tudo isso não estará nos indicando uma nova di-reção para nós mesmos e para nossa maneirade educar e evangelizar? Edgar Morin (2010)usa a imagem da metamorfose para descreveras mudanças que se devem produzir na socie-dade: É preciso começar de novo. De fato, tudocomeçou, mas sem que nos tenhamos dadoconta. Estamos nos começos, modestos, invisí-veis, marginais, dispersos. Pois, já existe, emtodos os continentes, uma efervescência criativa,uma multidão de iniciativas locais, no sentido deregeneração econômica, social, política, cognitiva,educacional, ética ou de reforma da vida. Nesseprocesso de metamorfose, afirma Morin, aorientação desdobrar e dobrar-se significa que oobjetivo já não é fundamentalmente o desenvol-vimento dos bens materiais, a eficácia, a rentabi-lidade e o calculável, mas o retorno de cada uma suas necessidades interiores, o grande regressoà vida interior e à primazia da compreensão dopróximo, o amor e a amizade.

O grande regresso à vida interior. Em cada pes-soa humana há uma aspiração insaciável quesurge do mais profundo de seu ser. O poeta JoséÁngel Valente chamava-a de nostalgia das brân-quias, porque ... estamos na superfície apenaspara fazer uma inspiração profunda que nos per-mita voltar ao fundo. Em muitas partes do mundoexistem sinais desse retorno à vida interior, àbusca espiritual. Onde é que eu me situo nestabusca?

Em nossas sociedades de hoje, não importa ocontinente em que estejamos, vivemos no meiode forças muito poderosas que, se não nos do-

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tarmos de uma séria disciplina, nos levarão aviver numa superficialidade permanente. Essafoi talvez a experiência de Santo Agostinho, talcomo a descreve em suas Confissões: Tarde teamei, Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei!E eis que tu estavas dentro de mim e eu fora, epor fora te buscava; e disforme como era, me lan-çava sobre essas coisas formosas que criaste. Tuestavas comigo, mas eu não estava contigo. Reti-nham-me longe de ti aquelas coisas que, se nãoestivessem em ti, não existiriam.

Até debaixo da aparência de compromissoapostólico, podemos viver engolidos numa es-piral de ativismo: Os anos nas favelas foram ex-cepcionais. Pude salvar crianças da morte. Foiextraordinário. Entretanto, o que faço hoje no si-lêncio e no ‘ocultamento’ não é menos apaixo-nante. Vivo em meu corpo o sofrimento dapobreza. Não a pobreza material. Hoje minha po-

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breza é a ‘inação’. A ação me dava a sensação deexistir. Quanto mais ação, mais viva me sentia. Efoi ‘embriagante’. Era somente uma miragem,mas não me dei conta enquanto estava na ativi-dade. Tive que sofrer a prova da incapacidade, li-gada ao fato de que sou uma anciã, paradescobrir esta verdade essencial. E talvez se tratede uma das maiores graças de minha vida, por-que agora estou na pura verdade. Já não possomais esconder-me por trás da Sœur Emmanuelle,‘ativa’ em todas as frentes. (Sœur Emmanuelle,conhecida como a Irmãzinha dos trapeiros.) Omundo não necessita de ativistas frenéticos, masde pessoas pacificadas: este é o fundamentomais sólido para a paz em nossas sociedades.

Uma vez mais, Maria nos indica o caminho a se-guir. Maria do silêncio, da acolhida, da escutaatenta. Ela guardava e meditava tudo em seu co-ração.

Há uns meses, me encontrei, em nossa comuni-dade de Paris, com um Irmão que havia passadoalguns dias em Lisieux. Contou-me que se haviaemocionado muito naquele lugar, porque en-controu muita semelhança entre a espirituali-dade de Teresa e a espiritualidade marista; semsaber formulá-lo muito bem, esse Irmão tinha aconvicção de que nossa oração deve ser sim-ples, confiada, de abandono.

Frequentemente, dou graças ao Senhor porabençoar-nos com pessoas maravilhosas que,com grande simplicidade, vivem sua fidelidadecotidiana, alimentando sua fé e pondo essa féem ação: são pessoas cuja biografia talvez ja-

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mais se publique ou cujo nome não sairá nas no-tícias, mas que são o melhor tesouro de que dis-põe o Instituto.

Quantos Irmãos, disso estou seguro, viveram evivem como autênticos místicos, agarrados aseu rosário! Pode haver oração mais simplesque o rosário? É a oração da gente simples, semcomplicações, que expressa seu amor e suaconfiança na repetição das mesmas palavras,uma e outra vez. Faz alguns anos, querendo sal-var o rosário, o intelectualizamos e carregamosde ideias, de maneira que se tornou indigerívelpara muitos de nós. Não nos situa o rosário natradição da oração do coração dos primeiros sé-culos, uma tradição que nunca deixou de estarpresente na Igreja? O Pe. Champagnat ia ao es-sencial, e encontrou no rosário uma maneira es-tupenda de expressar confiança e abandono:sabemos que recomendava rezar o rosário in-teiro; se não fosse possível, ao menos uma de-zena; e se nem isso se podia, ao menos sebeijasse o rosário antes de ir dormir, como sinalde amor.

Estou recomendando a volta às práticas devo-cionais? A única coisa que quero sublinhar éque, da maneira que seja, devemos absoluta-mente orar, e orar como maristas. E o caminhoque Maria nos ensina é o contemplativo: aban-dono, como um menino nos braços de sua mãe.Um abandono ativo, visto que abre o coração àspessoas e aos acontecimentos, deixando-setocar por eles no mais íntimo, como Maria, quetrata de discernir em tudo as pegadas do Deusdas surpresas.

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Por esse caminho nos convertemos em contem-plativos na ação. Com Teresa de Calcutá, pode-mos afirmar que o fruto do silêncio é a oração; ofruto da oração é a fé. Somente se soubermosdedicar tempos específicos ao silêncio, à oraçãopessoal, à contemplação, nossos olhos se abri-rão à realidade de maneira nova: tudo é igual,mas tudo é diferente.

O Papa nos recorda a todos os religiosos que,por vocação, somos buscadores de Deus. A essabusca consagrais as melhores energias de vossavida. Passais das coisas secundárias às essenciais,ao que é verdadeiramente importante; buscais odefinitivo, buscais a Deus, mantendes o olhar di-rigido a ele. Como os primeiros monges, cultivaisuma orientação escatológica: por trás do provisó-rio buscais o que permanece, o que não passa.Buscais a Deus nos irmãos que vos deu, com osquais compartis a mesma vida e missão. Vós o

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buscais nos homens e nas mulheres de nossotempo aos quais sois enviados para oferecer-lhes,com a vida e a palavra, o dom do Evangelho. Vóso buscais particularmente nos pobres, primeirosdestinatários da Boa-nova. Vós o buscais na Igreja,onde o Senhor se torna presente, sobretudo naEucaristia e nos demais sacramentos, e na sua Pa-lavra, que é caminho primordial para a busca deDeus; ela nos introduz no colóquio com ele e nosrevela sua verdadeira face. Sede sempre busca-dores e testemunhas apaixonadas de Deus!.(Bento XVI, 2010)

Como vamos desenvolver essa dimensão mís-tica de nossa vida? Pagando o preço necessáriopara que possa brotar, desenvolver-se, florescer:silenciar, dedicar tempo à contemplação, à es-cuta atenta da Palavra, à celebração da fé... Compaciência e constância, sem pretensões. Aindaque nossos esforços de anos de atenção nos pa-reçam sem resultado, um dia uma luz, exatamenteproporcional a esses esforços, inundará a alma(Simone Weil).

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MARIA,AURORA

DOS NOVOS TEMPOS

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Hoje não precisamos de grandes profetas,mas de pequenos profetas que vivam com simplicidade, sem ruído e sem integralismos, a radicalidade e o paradoxo do Evangelho na vida cotidiana.

Johann Baptist Metz

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A 2 de janeiro de 2017 cumprir-se-ão 200 anosda fundação do Instituto. Um excelente momentopara celebrar e agradecer ao Senhor e à nossaBoa Mãe todo o bem realizado no mundo pormeio do Instituto durante esse tempo. Será tam-bém uma ocasião para recordar nomes, aconte-cimentos e pessoas...

Que podemos dizer sobre o futuro? Certamentenão está em nossas mãos e provavelmente nosequivoquemos em qualquer previsão que fizer-mos; o que, sim, podemos fazer, o que já esta-mos fazendo, é agir no presente. Não seriamaravilhoso que em nosso caminho para essebicentenário pudéssemos sentir o entusiasmo euma espécie de contágio coletivo, animando-nos uns aos outros em nossa fidelidade ao pro-jeto marista? Maria, aurora dos novos tempos,continua ao nosso lado para ser fonte de reno-vação.

Sentimo-nos chamados a construir uma Igrejade rosto mariano. Não se trata de uma constru-ção intelectual para mostrar aos visitantes;muito menos de uma bandeira para arvorar pe-rante outras visões de Igreja. Uma Igreja derosto mariano é o que nos comprometemos aconstruir.

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Marina, leiga italiana, desenhou-a assim no Fa-cebook, respondendo à minha pergunta:

Uma Igreja capaz de acolher, sempre e de modo incondicional.Uma Igreja que sorri, partilha e enxuga as lágrimas.Uma Igreja que oferece ternura e vive a misericórdia.Uma Igreja que perdoa.Uma Igreja que ama com os olhos e com o coração. Uma Igreja que leva ao encontro, e ao abraço totalizante com Jesus.

Essa Igreja, para que possa existir, necessita quetu e eu tomemos a firme decisão de torná-la rea-lidade; não a estamos reclamando aos demais:nosso sonho nos compromete.

É um projeto maravilhoso pelo qual vale a penaentregar a vida.

Assim o fizeram tantas outras pessoas, antes quenós. Por exemplo, o Ir. Émile François, que mor-reu em dezembro de 2005 em Beijing, e comquem tive ocasião de encontrar-me uns mesesantes, quando já estava muito enfermo.

Citar esse autêntico Irmãozinho de Maria querser um reconhecimento e uma homenagem amuitos outros que, como ele, foram fiéis à suaconsciência e a seus compromissos, em situaçõesmuito difíceis. Sem dar-se importância, sem tes-temunhas que anotassem o que hoje nós consi-

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deramos heroísmo, masque eles simplesmenteconsideraram normal: Fizo que qualquer outro te-ria feito, disseram, maisde uma vez, sem nenhu-ma teatralidade.

O Ir. Émile François,quando chegaram ostempos difíceis em queestava proibido viver emcomunidade, regressou

a seu povoado, mas continuou, como bom marista,catequizando. Isso lhe valeu falsas acusações erepetidos encarceramentos, tantos que nem elemesmo recordava. Cada vez que saía do cárcere,o Irmão, fiel a seus princípios, tornava a cate-quizar; assim, novas acusações falsas caíamsobre ele. No total, provavelmente, esteve presomais de 15 anos. Só o deixaram em paz quandojá estava muito enfermo e fraco.

Segundo explicava nosso Irmão, inclusive quandoestava no cárcere, tratou de disseminar o Evan-gelho, mas com muito tato e prudência. De fato,havia batizado vários companheiros de prisão,em cuja conversão havia contribuído. Até con-denados à morte, com os quais, às vezes, com-partilhou cela, afrontaram a sentença com a pazem seus corações.

Os funcionários do cárcere sabiam que o Irmãofora falsamente acusado, e tinham grande respeitopor ele. Tanto era assim, que chegou a tornar-sebom amigo de um deles que tinha mais respon-

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sabilidade na cadeia. Quando este se aposentou,se deu ao trabalho de viajar até o povoado doIr. Émile François para encontrar-se com ele econversar por muito tempo; antes de despedir-se, o ex-funcionário lhe pediu se podia dar-lheum exemplar da Bíblia Sagrada.

Um Irmão, que conheceu bem Émile François,disse dele que era um homem muito inteligente,de grande calma e simplicidade, e que nuncamanifestou nenhum tipo de ressentimento paraos que o haviam acusado falsamente ou condenado.E acrescenta: Estou certo de que, graças à sua in-quebrantável fidelidade à fé e a seus compromissosreligiosos, teve enorme influência sobre qualquerpessoa que entrasse em contato com ele. Final-

mente, nos diz: Estoumuito impressionadopor sua aceitação daenfermidade no finalda vida. Em resumo,posso dizer que o Ins-tituto Marista e a Igrejacatólica tiveram sempreo PRIMEIRO lugar emseu coração.

A imagem que está re-produzida no iníciodeste capítulo é a deNossa Senhora da Chi-na, cujo original temosem Roma, recebidodas mãos de um dosatuais líderes da Igreja,nesse grande país. Jun-

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tamente com a Circular, recebem também umacópia dessa imagem, em forma de estampa,como recordação de todos os que nos precederamna fé e como estímulo para nosso compromisso:Portanto, estamos rodeados dessa grande nuvemde testemunhas. Deixemos de lado tudo o quenos atrapalha e o pecado que nos envolve. Corramoscom perseverança na competição, mantendo osolhos fixos em Jesus, autor e consumador da fé.Em vista da alegria que o esperava, ele se submeteuà cruz, desprezando a vergonha, e assentou-se àdireita do trono de Deus. Para que vocês não secansem e não percam o ânimo, pensem atentamenteem Jesus, que suportou contra si tão grande hosti-lidade por parte dos pecadores (Hb 12, 1-4).

Cada vez que tomarmos essa imagem entre asmãos, poderemos sentir-nos em profunda co-munhão com tantas testemunhas da fé de onteme de hoje, que se alegram de levar o nome deMaria e que querem ser sua presença, demaneira original e específica, na vida da Igrejae de nossas sociedades.

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Convido-os a rezar com frequência a Maria ecom Ela, renovando nossa confiança e nossocompromisso:

Maria,aurora dos novos tempos,dou-te graças porque semprefizeste tudo entre nós, e assim continua sendo até o dia de hoje.Ponho-me confiadamente entre tuas mãose me abandono à tua ternura.Confio-te também cada uma das pessoas que, como eu, se sentem privilegiadas em levar teu nome.Renovo neste dia minha consagração a ti e também minha firme vontadede contribuir na construção de uma Igreja, reflexo de teu rosto.Tu, fonte de nossa renovação, acompanhas minha fidelidade,como acompanhaste a dos que nos precederam.Neste caminho para o bicentenário marista,sinto tua presença junto a mime por isso te agradeço.

Amém

Maria, aurora dos novos tempos que já estãodespontando. Guiados por Ela, seremos capa-zes de lançar-nos para novas terras, apesar detodas as nossas resistências e medos. Permitam-me terminar estas páginas citando W. H. Murray,que sabia muito bem, por experiência própria,o que significa ter resistências em pôr-se a ca-

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minho, sobretudo quando a meta é o Himalaia!Comprometer-se, nos diz, abre as portas ao mi-lagre impossível.

Até o momento em que alguém não se compromete, há hesitação, possibilidade de voltar para trás, e falta de eficácia em qualquer iniciativa ou ato criativo. Existe uma verdade elementar cuja ignorância mata inumeráveis ideias e planos esplêndidos: no momento em que me comprometo definitivamente, a providência também se fará presente.Acontece uma infinidade de coisas para ajudar, o que, de outro modo, nunca teria ocorrido...Tenho um profundo respeito por um dístico poético de Goethe:Tudo o que você pode fazer ou sonha poder fazer, comece a fazê-lo, agora.A audácia contém algo de gênio, de poder e de magia. Comece agora mesmo!

The Scottish Himalayan Expedition

Que Maria seja tua companheira de caminho,tua bênção.

Roma, 2 de janeiro de 2012

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Impresso em janeiro de 2012em CSC Grafica - Guidonia (Roma)

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