desregramento e puniÇÃo - uma análise histórica dos sistemas penitenciários clássicos
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7/23/2019 DESREGRAMENTO E PUNIÇÃO - Uma Análise Histórica Dos Sistemas Penitenciários Clássicos
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DESREGRAMENTO E PUNIÇÃO: uma análise histórica dossistemas penitenciários clássicos - Classificação Decimal de Direito (CDDir ) 341.58
Márcio Eduardo da Silva Pedrosa Morais
Advogado em Minas Gerais, Especialista em Ciências Criminais, Mestrando emTeoria do Direito na Puc/MG.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 2
2 A REALIDADE CARCERÁRIA NO BRASIL: CRÍTICA E DESILUSÃO ........ 8
3 O SISTEMA DA PENSILVÂNIA OU DA FILADÉLFIA................................. 12
4 O SISTEMA AUBURNIANO ......................................................................... 14
5 O SISTEMA PROGRESSIVO ....................................................................... 175.1 O sistema progressivo inglês – “mark system ” .................................... 175.2 O sistema progressivo irlandês .............................................................. 195.3 O sistema de Montesinos ........................................................................ 20
6 O MÉTODO APAC........................................................................................ 23
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 28
REFERÊNCIAS................................................................................................ 31
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1 INTRODUÇÃO
Desde eras remotas o homem tem convivido com a dualidade da lei da Física que
reflete em suas relações sociais: a uma ação sempre corresponderá uma reação.
Assim também se dá na esfera jurídica, presumidamente, ao se cometer um ilícito
penal o homem sofrerá uma sanção, seja através de sua vida, seja através do
cerceamento de sua liberdade. Günther Jakobs e Manuel Cancio Meliá afirmam que
“todo Direito se encontra vinculado à autorização para empregar coação, e a coação
mais intensa é a do Direito Penal”: (JAKOBS, MELIÁ, 2003, p.26, tradução nossa). 1
Em matéria penal sempre haverá o debate entre os defensores do Direito Penal
como instrumento do valor justiça , outros defendendo o Direito Penal como
instrumento a favor do valor utilidade . Nestes moldes afirma Enrique Bacigalupo:
O enfrentamento radical destes pontos de vista deu lugar a partir do últimoquarto do século passado, à chamada "luta de escolas", que não é emverdade outra coisa que uma disputa em torno dos princípios legitimadoresdo Direito Penal. Enquanto a chamada Escola Clássica manteve o critériolegitimador da justiça através das teorias absolutas da pena, a EscolaPositiva propunha como único critério o da utilidade, expressando-o porintermédio das teorias relativas modernas da pena. (BACIGALUPO, 1996,p.11 e 12, tradução nossa).2
A pena é instituto jurídico dos mais importantes, a qual tem o condão de limitar a
liberdade do ser humano: um dos seus direitos naturais por excelência. Deste modo,
para sua real efetividade, retribuição e prevenção, é necessário um estudo crítico e
aprofundado, sob pena de não o ocorrendo, termos total desequilíbrio social. A
criminalidade assola a sociedade, o homem vive atemorizado. Assim, um sistema
prisional que realmente ressocialize o delinqüente e retribua o mal por ele feito é
necessário, com vista à própria garantia do Estado Democrático de Direito.
A prisão como utilização de pena somente surge no século dezoito, antes disso
temos a prisão como local para o condenado esperar seu derradeiro dia, quando
então seria morto. Os primeiros sistemas penitenciários surgem nos Estados Unidos
1 Todo Derecho se halla vinculado a la autorización para emplear coacción, y la coacción más intensaes la del Derecho penal.2 El enfrentamiento radical de estos puntos de vista, dio lugar a partir del último cuarto del siglopasado, a la llamada "lucha de escuelas", que no es en verdad otra cosa que una disputa en torno alos principios legitimantes del derecho penal. Mientras la llamada Escuela Clásica mantuvo el critériolegitimante de la justicia a través de las "teorías" absolutas de la pena, la Escuela Positiva proponíacomo único criterio el de la utilidad expresándolo por medio de las "teorías" relativas modernas de lapena.
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e podem, via de regra, ser divididos em três espécies: o sistema penitenciário
pensilvânico (ou da Filadélfia), o sistema penitenciário auburniano e o sistema
penitenciário progressivo. Apesar de esses primeiros sistemas penitenciários terem
surgido nos Estados Unidos, não podemos, de acordo com Cezar Roberto
Bitencourt, afirmar que a prisão tenha surgido nesse país:
Os primeiros sistemas penitenciários surgiram nos Estados Unidos, emboranão se possa afirmar, como faz Norval Morris, “que a prisão constitui uminvento norte-americano”. Esses sistemas penitenciários tiveram, além dosantecedentes inspirados em concepções mais ou menos religiosas, járeferidas, um antecedente importantíssimo nos estabelecimentos deAmsterdam, nos Bridwells ingleses, e em outras experiências similaresrealizadas na Alemanha e na Suíça. (BITENCOURT, 2008, p.125).
Nos tempos coloniais norte-americanos, o crime era visto como pecado e o simples
confinamento era previsto para miseráveis, órfãos, loucos. Esses eramindiscriminadamente recolhidos às “jaulas”. Cesare Beccaria é um dos responsáveis
pelo movimento que mudou essa visão sobre a prisão, defendendo critérios justos
para o confinamento, e não seu uso abusivo, pois do contrário, a sociedade poderia
ser desestruturada, pois não se previa níveis de desregramento para sua aplicação,
o que acabaria gerando mais crimes e também reincidência, um dos mais graves
problemas ao se tratar de punição.
Importante também para a reforma penitenciária é o pensamento de John Howard,
apresentado em sua obra “The State of the Prisons in England and Wales” , datadade 1777, na qual Howard propõe uma reformulação das prisões, embasada nos
princípios da humanidade, eqüidade e utilidade. A obra de Howard é fruto da
pesquisa feita pelo mesmo em suas visitas pela maioria dos cárceres britânicos e
por inúmeros cárceres na Europa, visitas essas ocorridas entre os anos de 1773 e
1790.
O caráter humanizador da obra de Howard prevê condições de higiene e hábitos
alimentícios que respeitem a saúde do preso, ele também advoga o isolamento
celular como modo de reflexão acerca da conduta do criminoso e de suas
conseqüências. Deste modo, o mesmo poderá refletir e se arrependerá do seu ato, o
qual infringiu a lei.
Temos propostas magníficas de reformulação, essas apresentadas já no passado.
Porém, a reincidência demonstra que as mesmas não estão cumprindo o objetivo
para o qual surgiram, qual o problema, qual a falha? Em relação a essa reincidência,
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sabe-se que a mesma é uma constante em todas as prisões, não só no Brasil, mas
mundialmente, conforme afirma Piotr Kropotkin:
Quando um homem passa por uma prisão uma vez, volta. É inevitável, as
estatísticas o demonstram. Os informativos anuais da administração de justiça penal da França mostram que a metade daqueles comparecem anteos jurados e duas quintas partes dos que comparecem anualmente ante osórgãos menores por faltas recebem sua educação nos cárceres. Quase ametade dos julgados por assassinato e três quartos dos julgados por roubosão reincidentes. Em relação aos cárceres-modelo, mais de um terço dospresos que saem destas instituições supostamente corretivas voltam a serencarcerados em um prazo de doze meses depois de sua liberdade.(KROPOTKIN, 1877, site , tradução nossa).3
Este estudo de Kropotkin, apesar de ser do século dezenove, não traz dados
diferentes do nosso século atual, ao contrário, o nosso século, especialmente no
Brasil, há, além do problema da reincidência, este em grande escala, o problema da
superlotação, da saúde entre os recuperando, dentre outros não menos graves,
como o desrespeito com que são tratados aqueles que ali estão cumprindo uma
pena, ou esperando seu julgamento.
Erving Goffman em seu trabalho “Manicômios, prisões e conventos” (1961), nos
mostra o desrespeito com que são tratados os presos nas cadeias, seja pelos
próprios colegas, seja pelos membros da equipe dirigente e mantenedora:
[...] pessoas da equipe dirigente ou outros internados dão ao indivíduo
nomes obscenos, podem xingá-lo, indicar suas qualidades negativas, “gozá-lo”, ou falar a seu respeito com outros internados como se não estivessepresente. (GOFFMAN, 2005, p.30-31).
Goffman enquadra a prisão entre as chamadas instituições totais, ou seja, “um local
de residência onde um grande número de indivíduos com situação semelhante,
separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma
vida fechada e formalmente administrada” (GOFFMAN, 2005, p.11). Nas chamadas
instituições totais o indivíduo tem a perda de parte de sua identidade, agindo de
acordo com as regras da instituição. Deste modo, ao retornar ao convívio fora das
3 Cuando un hombre ha estado en la cárcel una vez, vuelve. Es inevitable, las estadísticas lodemuestran. Los informes anuales de la administración de justicia penal de Francia muestran que lamitad de los que comparecen ante los jurados y dos quintas partes de los que anualmentecomparecen ante los órganos menores por faltas reciben su educación en las cárceles. Casi la mitadde los juzgados por asesinato, y tres cuartas partes de los juzgados por robo con allanamiento sonreincidentes. En cuanto a las cárceles modelo, más de un tercio de los presos que salen de estasinstituciones supuestamente correctivas vuelven a ser encarcelados en un plazo de doce mesesdespués de su liberación.
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grades o mesmo não consegue mais viver como pessoa livre, pois a cultura da
instituição está a lhe “marcar” profundamente.
Nessa relação há diversos problemas como a dificuldade de se retornar ao convívio
social de maneira harmônica, a reincidência, por intermédio da qual aquele autor do
crime estará a praticar, muitas vezes, o ato criminoso por dificuldade de se despir da
carga de desumanidade e de deformação sofrida na instituição total. Ainda em
relação à questão da reincidência, o penalista argentino Eugenio Raul Zaffaroni nos
traz a seguinte afirmação:
É certo que estes dados põem em crise muito mais que o conceito dereincidência e indicam a urgência de compatibilizar o discurso jurídico-penal com dados elementares das ciências sociais, mas particularmenteneste âmbito da reincidência resultam demolidores de várias teses jurídicas, cujo conteúdo, desde a perspectiva das ciências sociais resulta
tragicamente ingênuo. (ZAFFARONI, 1992, tradução nossa).4
A reincidência é a mais manifesta comprovação da ineficiência da prisão em
recuperar o criminoso, sendo, atualmente e principalmente no caso brasileiro, uma
instituição falida, que demonstra o descaso do Poder Público com a recuperação do
ser humano. Uma segunda falha desse Poder: após não conseguir garantir uma vida
digna, na qual o homem possa se desenvolver como pessoa, trabalhar em prol do
desenvolvimento comunitário, ele também falha ao não conseguir ressocializá-lo, ou
criticamente, tentar ressocializar aquele que nunca foi socializado. E nesse aspecto,
ressocialização, o Estado, principalmente o brasileiro, é notadamente falho. Não
consegue cumpri-lo de maneira eficaz, dando-se azo à proliferação de movimentos
de presos dentro dos presídios, como exemplos, para não apresentar muitos outros,
o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital, os quais têm em seus
quadros um número considerável de detentos, estendendo sua atuação para fora
dos muros dos presídios. Essas organizações criminosas ocupam um vazio
institucional deixado pelo Estado, devido à ausência de políticas adequadas. Nesse
sentido, o Padre Valdir João, coordenador da Pastoral Carcerária da CNBB noEstado de São Paulo nos traz:
Os grupos e facções do crime surgiram pela lacuna do Estado. Numprimeiro momento, para se protegerem contra a violência e a tortura com
4 Es cierto que estos datos ponen en crisis mucho más que el concepto de reincidencia e indican laurgencia de compatibilizar el discurso jurídico-penal con datos elementales de las ciencias sociales,pero particularmente en este ámbito de la reincidencia resultan demoledores de varias tesis jurídicas,cuyo contenido, desde la perspectiva de las ciencias sociales, resulta trágicamente ingenuo.
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que o Estado agia. Depois, para criar uma ordem entre os presos, poishavia extorsão, exploração e violência sexual de preso para com preso,então o crime se estruturou para impedir essa desordem toda. (VALDIRJOÃO, 2007, p.210).
Ou seja, fica claro o descaso do Governo com a situação carcerária, o que gera a
legitimidade do líder criminoso em relação, não só, aos colegas, mas também aos
parentes dos mesmos, os quais são beneficiados por seus favores. Haja vista serem
seus familiares, via de regras, pessoas de baixo poder aquisitivo, não tendo muitas
vezes, sequer, um vale-transporte para ir visitá-lo no presídio, o que é fornecido por
esse líder criminoso, dentre muitos outros favores e produtos prestados ao preso e
aos seus familiares. Deste modo, o Estado cada vez se distancia mais do homem,
deixando essa brecha para o crime organizado. Ou seja, apresentando novamente
as palavras do Padre Valdir João: “o Estado abandonou o presídio”. (VALDIR JOÃO,
2007, p.210).
Assim, diversos problemas macros surgem: o Poder Judiciário que devia fiscalizar os
presídios não o faz; o Poder Legislativo não cria leis para o sistema carcerário; os
servidores que deveriam trabalhar para a ressocialização do preso não o fazem,
pior, muitas vezes ele é até inibido, devido à sua origem demográfica e social,
aquele servidor vive no mesmo bairro dos familiares de muitos presos, ou seja, a
origem social, geográfica, do preso e do servidor encarregado do trabalho no
presídio é a mesma.Jeremy Bentham nos faz um questionamento interessante no “Panopticum ”, acerca
do verdadeiro objetivo da prisão, nos seguintes termos:
O que deve ser uma prisão? A permanência em um lugar onde se priva deliberdade indivíduos que abusaram da mesma, para prevenir novos crimesde sua parte e para dissuadir os outros mediante o terror do exemplo. É,ademais, uma casa de correção onde há que se propor a reforma doshábitos dos indivíduos detidos, com o fim de que o seu retorno à liberdadenão seja uma desgraça, nem para a sociedade, nem para eles mesmos.(BENTHAM, 1791, pp.2-3, tradução nossa).5
E continua expondo que as prisões são lugares infectos, escolas do crime,amontoados de todas as mazelas humanas e misérias, onde só se pode visitar com
terror. (BENTHAM, 1791, p.3). É de se salientar que Bentham está escrevendo ainda
5 ¿Qué debe ser una prisión? La permanencia en um sitio donde se priva de la libertad a individuosque han abusado de ella, para prevenir nuevos crímenes de su parte y para disuadir a otros medianteel terror del ejemplo. Es, además, una casa de corrección en donde hay que proponerse reformar lãscostumbres de los individuos detenidos, a fin de que su regreso a la libertad no sea una desgracia, nipara la sociedad ni para ellos mismos.
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no século dezoito, ou seja, o problema da desumanidade das prisões não é apenas
atual, mas também de outrora.
Assim, resta ao Direito no século vinte e um o encargo de alterar o “status quo ”, para
que a prisão seja um local no qual o recuperando reflita sobre seus atos, transforme-
se num homem novo, homem melhor e volte ao convívio social renovado. Deste
modo, a beneficiária dos frutos colhidos pela recuperação será toda a sociedade no
qual este indivíduo está inserido, que terá um meliante a menos e um homem a
mais.
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2 A REALIDADE CARCERÁRIA NO BRASIL: CRÍTICA E DESILUSÃO
Loïc Wacquant inicia sua obra “As prisões da miséria ” com uma frase impactante
que nos apresenta a verdadeira faceta de nosso sistema penitenciário, nos
seguintes termos:
A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediarcom um “mais Estado” policial e penitenciário o “menos Estado” econômicoe social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurançaobjetiva e subjetiva em todos os países, tanto do Primeiro como do SegundoMundo. (WACQUANT, 2001, p.4).
Uma afirmação pertinente à questão da pena, principalmente em relação ao caso
brasileiro, que demonstra a fragilidade de nosso ordenamento político, seja em
relação ao legislativo, ao administrativo ou ao judiciário, em tratar da questão do
crime e do criminoso, fazendo com que os indicadores do crime aumentem a cada
ano, e de maneira assustadora. De acordo com o Departamento Penitenciário
Nacional, havia no ano de 2007 um total de 422.590 presos no Brasil (INFOPEN,
2007, site ), valor bem superior em relação ao ano anterior de 2006, quando havia
401.236 presos no sistema penitenciário (INFOPEN, 2006, site ), o que demonstra
um aumento de aproximadamente cinco por cento nos índices.
Isso demonstra claramente, conforme afirmação de Wacquant, que há uma
alternativa do Estado em se dedicar ao tratamento penal e não ao tratamento social
da miséria, o que faz com que o Estado regrida em relação à escalada da
criminalidade (WACQUANT, 2001, p.4). E somado a isso, há o desrespeito aos
direitos humanos no Brasil, ou seja, além de se punir uma classe social
desprestigiada, há uma segunda punição, quando estes já dentro de um sistema
excludente, são vítimas de maus-tratos por parte do Estado. Um texto interessante
da Anistia Internacional, intitulado “Las Cárceles del Terror ”, traz uma passagem
impressionante, e que ao mesmo tempo faz com que sintamos vergonha de nossarealidade:
Em 10 de dezembro de 1998, dia do 50º aniversário da DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos, 400 reclusos da cadeia municipal deOsasco, em São Paulo, foram arrastados para fora de suas celas pelapolícia e obrigados a correr entre duas filas de policiais que, à medida emque passavam, lhes aplicavam golpes e chutes, observados pelo juiz que
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autorizou a “operação. (AMNISTÍA INTERNACIONAL, site , traduçãonossa).6
A passagem lembra os tempos de barbárie vividos no holocausto nazista, ou o
período militar no Brasil, onde espancamentos eram comuns, e a tortura era
empregada como “meio eficaz” de se investigar crimes e descobrir autores, como se
o corpo humano fosse imune a todo o tipo de humilhação e não resistisse à dor, ou
seja, uma confissão sob tortura era natural e capaz de se demonstrar o verdadeiro
criminoso. Coisas que deveriam ter sido apagadas de nossa memória e que teriam
que ficar apenas gravadas em páginas de livros de História, o que de fato não
acontece. No Brasil há um paradoxo interessante, este se referindo à situação de
que:
[...] a insegurança criminal no Brasil tem a particularidade de não seratenuada, mas nitidamente agravada pela intervenção das forças da ordem.O uso rotineiro da violência letal pela polícia militar e o recurso habitual àtortura por parte da polícia civil (através do uso da “pimentinha” e do “pau-de-arara” para fazer os suspeitos “confessarem”), as execuções sumárias eos “desaparecimentos” inexplicados geram um clima de terror entre asclasses populares, que são seu alvo, e banalizam a brutalidade no seio doEstado. (WACQUANT, 2001, p.5).
É uma situação visível, inclusive para pesquisadores estrangeiros, como é o caso de
Wacquant. Ou seja, a violência perpetrada pela polícia brasileira não é conhecida
apenas aqui, é algo que extrapola nossas fronteiras, sendo alvo de críticas de toda a
comunidade internacional. Wacquant continua discorrendo e nos mostra dados
assustadores: “durante o ano de 1992, a polícia militar de São Paulo matou 1.470
civis – contra 24 mortos pela polícia de Nova York e 25 pela de Los Angeles -, o que
representa um quarto das vítimas de morte violenta da metrópole naquele ano.”
(WACQUANT, 2001, p.5).
Deste modo, é comum a privatização da segurança pública, a classe abastada se
defende como pode, contratando seguranças particulares, com cercas eletrificadas.
Mas os locais mais suscetíveis à violência sempre estão desprotegidos, como
exemplo os subúrbios e as favelas. A situação brasileira é de iminente guerra civil!
A Human Rights Watch , organização internacional de direitos humanos, divulgou no
ano de 1998 um estudo intitulado “O Brasil atrás das grades ”, estudo este fruto de
6 El 10 de diciembre de 1998, día del 50 aniversario de la Declaración Universal de DerechosHumanos, 400 reclusos de la cárcel municipal de Osasco, en São Paulo, fueron arrastrados fuera desus celdas por la policía y obligados a correr entre dos filas de policías que, a medida que pasaban,les propinaban golpes y patadas, observados por el juez que autorizó la “operación”.
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uma pesquisa levada a cabo de setembro de 1997 a abril de 1998, quando então
foram visitados cerca de quarenta presídios, delegacias, cadeias, sendo
entrevistados presos, juízes, advogados, promotores, membros da Pastoral
Carcerária. Já no prefácio da obra há a seguinte afirmativa:
Os problemas nas prisões do Brasil representam uma conseqüência lógicade duas décadas de elevadas taxas de criminalidade, aumento da pressãopública em favor do ‘endurecimento" contra o crime e a contínua negligênciados políticos. (HUMAN RIGHTS WATCH , 1998, prefácio).
Todavia, há que se afirmar que não é objetivo principal do presente trabalho
discorrer sobre a realidade prisional no Brasil, sob pena de se o atrevermos,
elaborarmos um tratado sobre o tema, mas temos que deixar algumas pinceladas
sobre a realidade prisional brasileira, preocupante e decepcionante, estando o Brasil
entre os piores índices em relação aos direitos humanos em relatórios anuais
apresentados pela Human Rights Watch .
Entre os problemas mais graves apontados pela organização no Brasil, destacam-se
a superlotação, execução sumária de presos, condições horríveis de detenção. Com
o fim do regime militar ditatorial, esperava-se que o país saísse da fase de
desrespeito aos direitos humanos, principalmente em relação aos presos e
condenados, mas o que tem sido percebido é uma violência institucionalizada no
Brasil, sem-terra, negros, pobres, todos são vítimas de um sistema prisional
excludente e elitista.
Ainda no prefácio do relatório, há alguns dados comparativos que demonstram a
escalada do crime no Brasil:
No estado do Rio de Janeiro, onde a onda de crimes no Brasil é maisvisível, o número de homicídios triplicou durante os anos de recessão eestagnação econômica, subindo de 2.826 homicídios em 1980 para 8.408homicídios em 1994. De forma paralela, o índice de homicídios no estado deSão Paulo subiu de 14,62 por 100.000 habitantes em 1981 para 44,89 por100.000 habitantes em 1995. (HUMAN RIGHTS WATCH , 1998, prefácio).
Interessante notar que o relatório comenta abusos cometidos em cadeias,
delegacias em diversos Estados do Brasil, em Minas Gerais há relatos de violência
cometidos na Penitenciária Nelson Hungria e no Departamento de Investigações.
Um preso do Departamento de Investigações relata:
Quando teve uma tentativa de fuga aqui em outubro a Polícia Civil entrou. Acela número sete estava cavando um túnel. Tinha uns trinta de nós em umacela. A polícia levou a gente para o pátio completamente nus. Havia uns
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quinze policiais com uma mangueira. Eles armaram um corredor polonês ea gente teve que correr através dele. Eles batiam na gente com paus tipobastões de beisebol. Todos os policiais participaram. A gente teve quepassar por isto, um por um. (HUMAN RIGHTS WATCH , 1998).
Um jovem preso da penitenciária Nelson Hungria na cidade de Contagem também
relata:
Eu estava no pátio com os outros presos quando aconteceu. Eles melevaram para minha cela e fizeram eu tirar minhas roupas. Havia três deles,Juscelino, que é o chefe da segurança, Milton e um outro rapaz, e elescomeçaram a bater em mim e a me chutar. Eles também me deram um"telefone". Meus ouvidos ainda estão doendo daquilo. Então eles melevaram para o prédio da administração para falar com o diretor. Foi entãoque a minha irmã me viu, porque ela estava lá tentando me visitar e saberonde eu estava. Eles não me deixaram ver minha irmã. (HUMAN RIGHTSWATCH , 1998).
Esses são apenas alguns relatos sobre a realidade prisional no país: violência física,violência moral, péssimas condições de higiene, contágio de doenças, superlotação,
falta de ocupação, ausência de terapia laboral, dentre outros, são os principais
problemas apontados pelo relatório, e que são também apenas o retrato de uma
situação que piora a cada dia. Salientamos ainda que, não irá se discutir aqui o
Massacre do Carandiru e outros não menos impactantes que ocorreram nos últimos
anos em nosso país, pois do contrário, todo um tratado surgiria!
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3 O SISTEMA DA PENSILVÂNIA OU DA FILADÉLFIA
O Sistema da Pensilvânia, ou da Filadélfia, também chamado de celular ou de
isolamento solitário, em inglês (solitary confinement ), foi adotado pela primeira vez
no ano de 1776 em Walnut Street Jail , prisão essa construída pelos quacres ,
inspirados pelas idéias de Beccaria e de Howard. No ano de 1787 foi fundada a
Philadelphia Society for Alleviating the Miseries of Public Prisons . É de se ressaltar o
caráter filantrópico de sua instituição, estando insculpido no ato constitutivo da
sociedade:
Quando nós consideramos que – afirma-se no prefácio – que os deveres decaridade que se fundam nos preceitos e nos exemplos do Fundador da
Cristandade não podem ser apagados pelos pecados e pelos delitos dosnossos irmãos criminosos (...) tudo isso nos induz a estender a nossacompaixão àquela parte da humanidade que é escrava dessas misérias.Mas com humanidade o seu injusto sofrimento deve ser prevenido (...)(MELOSSI e PAVARINI, 2006, p.187).
Este sistema previa o isolamento do recuperando durante todo o dia, não havia
trabalho, ficando o mesmo em total ociosidade, permanecendo confinado em cela
individual, sendo também proibido o uso de bebidas alcoólicas. Visitas eram
proibidas, a não ser a do capelão, dos membros da Pennsylvania Prison Society ,
entidade que administrava o presídio, ou do diretor do estabelecimento. Assim, orecuperando ficava em oração durante grande parte do dia, com leitura constante da
Bíblia Sagrada, com o objetivo de que o recuperando refletisse sobre o seu crime,
para isso, o silêncio era fundamental. Nesses moldes, César Barros Leal nos traz:
O regime, que alguns qualificavam como “morte em vida”, foi usado pelaprimeira vez na Walnut Street Jail , erguida em 1776, e depois na EasternPenitentiary , edificada em 1829, sendo adotado em outras prisões dosEstados Unidos e especialmente na Europa. (BARROS LEAL, 2001, p.13).
O mesmo César Barros Leal continua, afirmando que tal sistema existia em alguns
países até início do século vinte e um, (BARROS LEAL, 2001, p.13). Ou seja, um
sistema tão severo e improdutivo, no qual não havia trabalho, sendo efetivado em
alguns países, ferindo assim, a dignidade da pessoa humana, que mesmo estando
privada de seus direitos políticos, tem o direito de poder exercer atividade laboral,
não somente para sua auto-estima, como também para seu desenvolvimento
humano, gerando efeitos benéficos a toda o país, que terá mais um cidadão
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consciente e “recuperado”, e não mais um formando da “faculdade do crime”, na
expressão de Nelson Hungria. Já Cezar Robert Bitencourt citando Marco del Pont,
afirma que:
Entre as pessoas que mais influenciaram podem-se citar Benjamin Frankline William Bradford. Benjamin Franklin difundiu as idéias de Howard,especialmente no que se refere ao isolamento do preso, que será uma dascaracterísticas fundamentais do sistema celular pensilvânico.(BITENCOURT, 2008, p.125).
O isolamento em celas individuais foi previsto apenas para os presos de maior
periculosidade, os outros foram mantidos em celas comuns, onde então oravam e
trabalhavam durante o dia, com o intuito de se “salvar tantas criaturas infelizes”.
(MELOSSI e PAVARINI, 2006, p.168).
A experiência em Walnut Street com o passar do tempo, foi fracassando, a causaprincipal, de acordo com BITENCOURT, foi o aumento excessivo da população
penal que lá se encontrava recolhida. (BITENCOURT, 2008, p.126).
Com a pressão ocasionada por esse fracasso, foram construídos mais dois
estabelecimentos prisionais, nos quais os prisioneiros seriam encarcerados
separadamente: a Western Penitentiary , situada em Pittsburg, terminada em 1818, e
a Eastern Penitentiary , esta terminada em 1829. Na Western Penitentiary (prisão
ocidental), o isolamento era absoluto, não era admitido o trabalho, já na Eastern
Penitentiary , o trabalho era permitido, o que não aliviava a questão do isolamento,visto serem os trabalhos insossos.
MELOSSI e PAVARINI, citados por BITENCOURT, afirmam que o sistema
pensilvânico, pelo fato do isolamento e silêncio absolutos, satisfaz as exigências de
instituições que requeiram a presença de pessoas sob uma vigilância única, o que
se aplica também a fábricas, hospitais, escolas. Tal sistema não tem o desiderato de
recuperar o preso, mas sim de mantê-los como eficiente meio de dominação.
(BITENCOURT, 2008, p.127). Há, notadamente, um caráter místico e religioso nesse
sistema, tendo caráter punitivo e retributivo, não se preocupando com a recuperaçãodo homem.
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4 O SISTEMA AUBURNIANO
O sistema auburniano, ou “silent system ”, tem como características o trabalho em
comum durante o dia, esse no mais absoluto silêncio e o recolhimento isolado no
período da noite. Os detentos não podem conversar entre si, apenas com os
carcereiros e com a direção do estabelecimento. Michel Foucault vê nesse sistema
uma relação de poder, no qual poucos podem controlar muitos, não percebendo
nenhum caráter pedagógico no mesmo. (FOUCAULT, 1995).
BITENCOURT registra, historicamente, o ambiente americano antes da construção
da prisão de Auburn nos seguintes termos:
Em 1796 o governador Jhon Jay, de Nova Iorque, enviou uma comissão àPensilvânia para estudar o sistema celular. Nesse mesmo ano ocorrerammudanças importantes nas sanções penais, substituindo-se a pena demorte e os castigos corporais pela pena de prisão, conseqüência direta dasinformações colhidas pela comissão anteriormente referida. Em 1797 foiinaugurada a prisão de Newgate . Como referido estabelecimento era muitopequeno, foi impossível desenvolver o sistema de confinamento solitário. E,diante dos resultados insatisfatórios, em 1809 foi proposta a construção deoutra prisão no interior do Estado para absorver o número crescente dedelinqüentes. (BITENCOURT, 2008, p.127).
Newgate , a primeira prisão nova-iorquina, não é lembrada nos dias atuais, não tendo
gerado frutos para o sistema correcional do futuro, além de não ter durado por muito
tempo, tendo sido fechada trinta e um anos depois de construída. Essa foi
construída como esperança para o crime, e em pouco tempo demonstrou suas
mazelas, já estando fadada ao fracasso.
Como Newgate não conseguiu absorver todos os delinqüentes, estes em número
crescente nos Estados Unidos de então, foi autorizada, no ano de 1816, a
construção da prisão de Auburn , a qual havia sido solicitada ainda no ano de 1809.
Parte do edifício era destinada ao isolamento, Bitencourt nos conta que: “De acordo
com uma ordem em 1821, os prisioneiros de Auburn foram divididos em três
categorias [...]”. (BITENCOURT, 2008, p.127). A primeira das categorias era a dos
delinqüentes contumazes, os quais ficariam em celas individuais continuamente; a
segunda era a dos menos contumazes, os quais ficariam isolados por três dias e
teriam autorização para o trabalho; e a terceira era a daqueles presos que tinham
um comportamento razoável, os quais poderiam ser integrados à sociedade de
maneira mais fácil, esses últimos ficavam isolados apenas no período noturno,
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podendo trabalhar em conjunto durante o dia. Mas, diante de um sistema tão severo
e brutal, percebe-se o fracasso do mesmo, Bitencourt nos traz:
Essa experiência de estrito confinamento solitário resultou em grande
fracasso: de oitenta prisioneiros em isolamento total contínuo, com duasexceções, os demais resultaram mortos, enlouqueceram ou alcançaram operdão. (BITENCOURT, 2008, p.128).
Após a investigação do problema por uma comissão, o sistema de confinamento foi
abolido no ano de 1824. Mas foram mantidos o trabalho em comum durante o dia,
sob o mais absoluto silêncio e o recolhimento solitário à noite.
O sistema auburniano surge como tentativa de se corrigir as mazelas e erros
peculiares ao sistema da Pensilvânia, o qual como exposto, não tinha o objetivo
primário de recuperar o preso, mas somente manter a ordem sob vigilância única. O
homem não era o fim, o sujeito do sistema, mas sim seu objeto. Auburn ganhou
notoriedade internacional, sendo denominada pela influente Boston Prison Discipline
Society como “provavelmente a melhor prisão no mundo… um modelo valioso para
ser copiado”. O sistema auburniano foi estudado por autores do quilate de Alexis de
Tocqueville e Gustave de Beaumont, os quais iriam levar o modelo para a França.
É de se salientar que o trabalho no sistema auburniano, posteriormente, em
decorrência dos movimentos sindicais contrários aos trabalhos nas cadeias, entra
em estágio de falência. O trabalho em presídios não é bem visto pelo fato de o
mesmo prejudicar os empresários asseclas do trabalho livre, pois o trabalho do
preso é mais barato do que o trabalho na iniciativa livre, o que faz com que o mesmo
perca espaço de comércio para o trabalho gerado pelos encarcerados. Esse é
inclusive um dos fatores da própria crise do sistema auburniano, somada à
característica eminentemente militar do sistema, o que fazia com que castigos
desumanos e desnecessários fossem corriqueiramente praticados, não gerando
nenhum resultado benéfico, apenas sendo fator demonstrador do ódio humano, e o
desejo de estabelecer uma relação de poder egoísta, trazendo novamente a filosofia
de Foucault. (FOUCAULT, 1995).
Pode-se afirmar, de acordo com Bitencourt, traçando um paralelo entre os sistemas
celular e auburniano, que o sistema pensilvânico (ou celular) tem inspiração mística
e religiosa, enquanto que o sistema auburniano visa atender interesses econômicos.
Todavia, ambos têm em comum o aspecto de se instituir um conceito punitivo e
retributivo de pena, não se preocupando com a reinserção social do apenado.
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(BITENCOURT, 2008, p.129). E vai além ao explicar esse caráter punitivo dos dois
sistemas:
As concepções variam de propósitos de acordo com o desenvolvimento
histórico-social. Para os homens do século XIX, o castigo dentro de certascondições era considerado como um meio apropriado para a correção dodelinqüente. Não negavam a necessidade do castigo e consideravam queeste podia conseguir a reforma e o arrependimento do delinqüente. Essaconcepção nasce a partir do momento em que a pena privativa de liberdadeconverteu-se em sanção penal propriamente dita. (BITENCOURT, 2008,p.129).
A finalidade ressocializadora se dava através do isolamento, a prática cristã,
orações, trabalho. Há de se salientar que a Europa preferiu adotar o sistema
pensilvânico, pois não precisava, à época, de trabalho prisional, havendo bastantes
forças produtivas, estando interessada em um sistema que primasse pelo caráter
punitivo. De outro lado, os Estados Unidos aderiram ao sistema auburniano. Há de
se salientar que o sistema auburniano, o qual é uma das bases do sistema
progressivo, traz mais vantagens ao Estado em comparação com o sistema
pensilvânico.
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5 O SISTEMA PROGRESSIVO
Antes de apresentar a definição de sistema progressivo, deve-se salientar que na
verdade não há somente um sistema progressivo, mas sim sistemas progressivos,
ou seja, sendo todos espécies do gênero sistema progressivo. O sistema
progressivo é decorrência do período de humanização do Direito Penal ocorrido no
século dezoito, abandonando-se a pena de morte e sendo consolidada a pena
privativa de liberdade, por intermédio da qual o recuperando poderá progredir de
regime. Busca-se novamente os ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt:
A essência deste regime consiste em distribuir o tempo de duração dacondenação em períodos, ampliando-se em cada um os privilégios que o
recluso pode desfrutar de acordo com sua boa conduta e o aproveitamentodemonstrado do tratamento reformador. (BITENCOURT, 2008, p.130).
É de curial importância salientar que, por intermédio do sistema progressivo, o
recuperando poderá retornar ao convívio social antes mesmo do término da sua
pena, o que traz ao mesmo um sentimento de valorização, ao contrário do que
ocorre em sistemas desumanos, nos quais o recuperando perde a esperança de um
dia poder voltar ao convívio em sociedade, não sobrando a ele nada mais que viver
o momento atual de sua expiação, com essa valorização humana, o recuperando
sentirá tentado a ter boa conduta carcerária e assim poder esperar o grande dia, odia de sua volta ao convívio social fora dos muros, quando então toda sua família
estará por ele esperando, e ele se imagina saindo da penitenciária levando de volta
para casa sua sacola com os pertences e olhando para trás e despedindo dos
companheiros de cadeia. São espécies do sistema progressivo: o sistema
progressivo inglês ou “mark system ”, o sistema progressivo irlandês e o sistema de
Montesinos, ambos importantes para a solidificação do modelo progressivo. Dentre
um sistema progressivo atual destacamos o Método APAC, à frente estudado.
5.1 O sistema progressivo inglês – “mark system ”
O sistema progressivo inglês, ou também chamado de “mark system ”, foi instituído
no ano de 1840 pelo capitão Alexander Maconochie na Ilha Norfolk na Austrália,
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colônia inglesa à época de sua criação. A Austrália foi durante muito tempo local de
encaminhamento dos condenados ingleses, antes disso, o destino de muitos era os
Estados Unidos da América. Porém, com a Independência Norte-Americana no
século dezoito, o destino passou a ser a Austrália.
O primeiro desembarque de apenados se deu no ano de 1788, quando então foram
fundadas duas colônias, uma no local posteriormente conhecido como Sidney e
outra na Ilha de Norfolk, conforme afirma Beatriz Tébar Vilches em sua tese de
doutoramento pela Universidade Autônoma de Barcela: “El modelo de libertad
condicional español”. (VILCHES, 2004, p.27).
É de se ressaltar que outras colônias penais são instituídas posteriormente em
outras localidades da Austrália, mas é na Ilha de Norfolk onde Maconochie institui
seu sistema progressivo. De acordo com Vilches
Maconochie ocupa seu primeiro posto na administração penitenciária emVan Diemen´s Land, colônia fundada no ano de 1803, à qual Maconochiechega no ano de 1837. A partir de sua observação sobre o funcionamentodesta colônia penitenciária, Maconochie começa a refletir sobre aorganização, disciplina, cuidado dos presos, elaborando um sistemapenitenciário que divulga em diversos escritos. Em 1839, o governobritânico oferece a Maconochie a oportunidade de colocar em prática o seusistema em Norfolk. Em 6 de março de 1840, Maconochie chega a Norfolkcomo governador da referida colônia penitenciária. Inicialmente, seencarrega de aplicar seu sistema unicamente aos novos deportados nãoreincidentes, mas finalmente Maconochie aplica suas idéias em toda acolônia penitenciária. (VILCHES, 2004, pp.32-33, tradução nossa).7
O sistema de Maconochie dividia-se em três períodos: o primeiro o isolamento
celular diurno e noturno, durante o qual o apenado iria refletir sobre o seu crime,
chamado período de provas. Durante esse período o apenado podia ser submetido a
trabalho obrigatório e receber comida escassa; após essa primeira fase, o apenado
era recolhido às public workhouses , onde havia o trabalho comum em silêncio
absoluto e o recolhimento durante o período noturno de modo isolado. Essa fase era
dividida em “marcas”, daí o nome mark system , o condenado ia recebendo marcas,
após receber a terceira marca, ele então era encaminhado à terceira fase do
7 Maconochie ocupa su primer puesto en la administración penitenciaria em Van Diemen´s Land,
colonia fundada en el año de 1803, a la que Maconochie llega en 1837. A partir de su observación delfuncionamiento de esta colonia penitenciaria, Maconochie empieza a reflexionar sobre laorganización, disciplina y cuidado de los presos, elaborando un sistema penitenciaria que divulga endiversos escritos. En 1839 el gobierno británico ofrece a Maconochie la oportunidad de poner enpráctica su sistema en Norfolk. El 6 de marzo de 1840 Maconochie llega a Norfolk como gobernadorde dicha colonia penitenciaria. En principio se le encarga que aplique su sistema únicamente a losnuevos deportados no reincidentes, pero finalmente Maconochie aplica sus ideas en toda la coloniapenitenciaria.
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sistema, a liberdade condicional, quando então o condenado era agraciado com uma
liberdade condicional, respeitando as condições, ele após certo tempo, recebia a
liberdade definitiva.
5.2 O sistema progressivo irlandês
O sistema progressivo inglês de Maconochie alcançou relativo sucesso. Porém, mais
do que isso, é necessário preparar o recluso para a vida após a liberdade. Esse foi o
grande mérito de Walter Crofton, o diretor das prisões na Irlanda, de acordo com
Bitencourt “tido por alguns como o verdadeiro criador do sistema progressivo.”.(BITENCOURT, 2008, p.132). Crofton aperfeiçoou o sistema de Maconochie, criando
o estabelecimento das “prisões intermediárias”, as quais são um período
intermediário entre as prisões e a liberdade condicional, como meio de prova de
aptidão do recluso para retornar à vida livre. O sistema de Crofton se divide em
quatro fases: na primeira fase havia a reclusão celular diurna e noturna, ficando os
reclusos incomunicáveis, recebendo alimentação reduzida; na segunda fase com a
reclusão celular noturna e trabalho diurno em comum, assim como no sistema
auburniano, havendo a obrigação do silêncio absoluto. Nesta fase há a divisão dosreclusos em classes e a progressão através de marcas. Após superar essa fase, o
recluso evoluía para uma fase mais liberal, de acordo com Bitencourt:
A passagem de uma classe para outra, aqui como no sistema inglês,significava uma evolução do isolamento celular absoluto para um estágiomais liberal, propiciando a aquisição gradual de privilégios e recompensasmateriais, maior confiança e liberdade. (BITENCOURT, 2008, p.133).
A terceira fase consistia no período intermediário, a novidade de Crofton, sendo o
intermédio entre a prisão comum fechada e a liberdade condicional. A pena aqui era
cumprida em prisões especiais, exercendo o recluso trabalho ao ar livre, fora do
estabelecimento, preferencialmente trabalho agrícola. O trabalho era cumprido “em
prisões sem muro nem ferrolhos, mais parecidas com um asilo de beneficência do
que com uma prisão”. (NEUMAN apud BITENCOURT, 2008, p.133). Os reclusos
dormiam em barracas desmontáveis, como verdadeiros trabalhadores itinerantes.
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Após cumprida essa fase, o condenado entrava na fase da liberdade condicional,
aqui nos mesmos moldes do sistema inglês, tendo inicialmente algumas restrições,
sendo as mesmas diminuídas progressivamente, até que o condenado receba a
liberdade plena.
É de se ressaltar, de acordo com Bitencourt, que o sistema obteve grande sucesso,
sendo adotado em diversos países. (BITENCOURT, 2008, p.133). Porém, o sistema
progressivo começou a ser questionado no século vinte:
Apesar da difusão e do predomínio que o sistema progressivo alcançou, nasúltimas décadas (especialmente a partir do Congresso de Berlim em 1933),sua efetividade tem sido questionada e sofreu modificações substanciais.Por exemplo, na ordenança alemã de 22 de julho de 1940, prescindiu-sedesse regime de execução penal. Também na Suécia foi abandonado,especialmente a partir da Lei de Execução Penal, de 21 de dezembro de1945, embora sem suprimir o conceito de progressividade no tratamentodos reclusos. Também na Dinamarca, a partir de 1947, o regimeprogressivo foi simplificado e recebeu maior flexibilidade. (BITENCOURT,2008, p.133).
O sistema irlandês alcançou sucesso considerável, tal sucesso foi ocasionado pela
inteligência de Walter Crofton e pelas freqüentes melhorias introduzidas por ele na
prática do sistema inglês. (RIBOT apud BITENCOURT, 2008, p.133), tendo sido
marcante em sua época, mas com algumas falhas, incompletudes, como por
exemplo, a omissão em relação à educação dos condenados. Não há como mudar
um homem sem prepará-lo educacionalmente e culturalmente, aqui um dos trunfosdo Método APAC, o qual será estudado no próximo capítulo.
5.3 O sistema de Montesinos
A experiência do coronel Manoel Montesinos y Molina data de 1835 a 1850 como
diretor do presídio de Sán Agustín de Valencia na Espanha. Seu sistema impõecomo última fase a liberação dos detentos que tenham dado mostras de trabalho e
boa conduta, sendo seu trabalho precursor de vários dos princípios penitenciários
contemporâneos. O sistema de Montesinos tem como postulados básicos os
seguintes: em primeiro lugar, o objetivo principal da pena deve ser a reforma,
ressocialização do condenado, sendo este o sustentáculo de seu sistema.
Montesinos também admite como objetivo da pena a prevenção geral negativa. Em
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segundo lugar, o trabalho deve ser ponto chave no processo de ressocialização do
preso, não um trabalho qualquer, mas um trabalho que o mesmo possa exercer ao
deixar o presídio; por último, o respeito à dignidade do preso e o tratamento
igualitário ao mesmo. O preso voltará à convivência social, afirma Montesinos, por
isso não deve ser incutido no mesmo, raiva e ódio, gerando no mesmo sentimento
de vingança, o qual será manifestado quando o mesmo sair, prejudicando mais a
ordem social.
Conforme afirma Beatriz Tébar Vilches em sua tese de doutoramento pela
Universidade Autônoma de Barcela: El modelo de libertad condicional español :
Com o tratamento digno e igualitário aos condenados Montesinos pretendetrês finalidades. Por uma parte ser conseqüente com o fim reformador dapena e facilita-lo. Por outra, legitimar-se ante os condenados, pois esses
vêem que são tratados como pessoas e que não existem favoritismos, oqual gera sua confiança ante o sistema. Finalmente esta confiança ajuda amanter a disciplina no centro penitenciário. (VILCHES, 2004, p.27, traduçãonossa).8
Montesinos não teve nenhuma experiência penitenciária antes de trabalhar como
diretor do presídio de Sán Agustín de Valencia, como ele mesmo escreve em suas
memórias:
Sem modelo algum na Espanha para imitar, e também sem antecedentesonde me instruir de um ramo da administração desconhecido entre nós,
qualquer um compreenderá os obstáculos que vão rodear meu empenhode aprender a teoria pela prática, e de inventar (por assim dizer) umsistema, que sem ser o mais acertado, foi ao menos conveniente para queo governo o aceitasse como tolerável. (MONTESINOS, 1846, p.250,tradução nossa).9
Montesinos estuda o livro “Descripción de los más célebres establecimientos de
Europa y Estados Unidos” de autoria de Marcial Antonio López, por intermédio da
mesma, Montesinos toma conhecimento da realidade carcerária da Europa e dos
Estados Unidos, seus acertos e fracassos. A obra serve como referencial para que o
mesmo formule o seu sistema penitenciário.
O sistema de Montesinos se divide em três fases: a fase dos ferros, a fase do
trabalho e a fase da liberdade intermediária. Durante a primeira fase, o preso deve
8
9 Sin modelo alguno en España que imitar, y sin antecedentes tampoco, donde instruirme de un ramo
de administración, desconocido entre nosotros, cualquiera comprenderá los obstáculos que iban árodear mi enpeño de aprender la teoria por la práctica, y de inventar (por decírlo así) un sistema, quesino el más acertado, fuera al menos bastante conveniente, para que lo aceptase el gobierno comotolerable.
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carregar grilhões de ferro, esses de acordo com o tempo de condenação. Com o seu
desenvolvimento, o peso dos ferros vão sendo diminuídos, tudo em decorrência do
trabalho. O trabalho desempenhado pelos condenados será de acordo com suas
aptidões e talentos, os mesmos desempenharão ofícios pertinentes à sua vida
profissional, ou dentro daquilo que mais lhes atraem. É importante que o sistema de
Montesinos fez com que os índices de reincidência fossem diminuídos em todos os
países onde o mesmo foi adotado.
Bitencourt afirma que “entre suas qualidades mais marcantes encontram-se a
poderosa força de vontade e sua capacidade para influir eficazmente no espírito dos
reclusos.” (BITENCOURT, 2008, p.133). Montesinos conseguiu o respeito dos
encarcerados não pelo castigo, o que é comum nos dias atuais, mas sim pelo seu
valor moral, sendo um líder autêntico entre os mesmos.As relações entre os reclusos se davam pelo respeito e confiança mútuos, criando
sentimentos de cordialidade entre os recuperandos, os quais então percebiam que
todos estavam com um mesmo objetivo, a ressocialização.
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6 O MÉTODO APAC
O método apaqueano, tradicionalmente conhecido por Método APAC – Associação
de Proteção e Assistência aos Condenados – genuinamente brasileiro, nasceu na
cidade paulista de São José dos Campos, no ano de 1972, tendo como fundador o
advogado Mário Ottoboni. É “um método de valorização humana, portanto de
evangelização, para oferecer ao condenado condições de recuperar-se, logrando,
dessa forma, o propósito de proteger a sociedade e promover a justiça”.
(OTTOBONI, 2004, p.23). Quando surgiu, o objetivo se restringia ao trabalho com os
recuperandos da cadeia pública de São José dos Campos, não tendo a pretensão
de ser difundido mundialmente, como hoje o é verdade, conforme afirma o próprio
Ottoboni.
Naquela oportunidade, pensamos em desenvolver um trabalho com apopulação prisional da única cadeia existente na mencionada cidade, como objetivo único de amenizar as aflições de uma população sempresobressaltada com as constantes rebeliões e atos de inconformismo dospresos que viviam amontoados no estabelecimento situado na regiãocentral da cidade. (OTTOBONI, 2004 p.23).
O Método APAC com o passar do tempo, ganhando dimensão e legitimidade devido
a seus empolgantes índices, começou a se expandir para outros Estados dafederação e até para o exterior, sempre tendo a experiência do próprio recuperando
como exemplo principal do trabalho, o qual busca através do respeito ao mesmo seu
retorno paulatino, sua volta ao convívio social. Inicialmente a sigla APAC tinha outro
significado: “Amando o Próximo, Amarás a Cristo ”, demonstrando o caráter religioso
do método, o qual tem como bases a fé cristã e o conhecimento pelo homem do
amor de Deus.
É de se ressaltar que o Método APAC tem uma característica bastante semelhante
aos postulados defendidos por Alessandro Baratta, que, dentre outros, defende aabolição da prisão, sugerindo novas formas de autogestão social em relação à
delinqüência. Conforme leciona Bitencourt:
A abolição da prisão supõe o desenvolvimento de formas alternativas deautogestão da sociedade no campo de controle da delinqüência. Taisformas autogestionárias de controle da delinqüência exigiriam acolaboração das entidades locais e das associações obreiras , a fim de evitaro isolamento social que sofre o infrator quando é recolhido a uma instituição
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penitenciária. Essa transformação implicaria a abolição da instituiçãopenitenciária fechada e a utilização da prisão aberta. (BITENCOURT, 2008,p.119).
Bitencourt não acredita que essa possibilidade seja alcançada num futuro próximo,
mas sim num futuro distante, arrolando empecilhos à sua rápida efetivação, dentre
os quais o mesmo cita: em primeiro lugar, a prisão não pode ser suprimida, deve
haver a sua reforma, mas como meio de controle social é imprescindível à
sociedade; em segundo lugar, os obreiros e as associações comuns não estariam
dispostos a assumir o controle da delinqüência; por último, afirma que a pena
privativa de liberdade não pode ter sua execução aberta, haja vista existirem presos
com índole mais perigosa que outros. Deste modo, não há como dar tratamento
igual a todos os tipos de atos criminosos.
Em relação ao segundo argumento de Bitencourt, é de se concordar com o mesmo.
Realmente e, infelizmente, a APAC não é bem recebida por algumas camadas da
sociedade. Em localidades onde a APAC está instalada, muitas pessoas afirmam
que a mesma serve para defender criminosos, e os voluntários são vistos pela
comunidade de maneira negativa, a qual não entende a filosofia do método.
A APAC defende a participação da sociedade no cuidado com seus recuperandos,
gerando assim a possibilidade efetiva de ressocialização dos mesmos, os quais
perceberão o zelo e interesse social pelo seu retorno ao convívio social. E considera
a apatia e o distanciamento da população em relações às questões prisionais como
elemento perturbador de tal ressocialização, principalmente, nos dias atuais em que
a população se encontra aterrorizada com os altíssimos índices de violência,
mormente no Brasil, muitas vezes defendendo a efetivação da pena de morte e o
uso da tortura como condicionantes da paz social, da diminuição da criminalidade.
Obviamente que de maneira ingênua e até mesmo como modo de retirar de si a
parcela, mesmo que seja mínima, de responsabilidade com os problemas sociais.
Dentre os nomes do método apaqueano está o do advogado Franz de CastroHolzwarth, morto metralhado pela polícia em 1981, quando era refém de presos
rebelados. Existindo, inclusive, proposta de canonização do mesmo, tornando-se
patrono dos presos e condenados da justiça, conforme entrevista com a participação
de Mário Ottoboni, Mário Celso Candelária Bernardes Ottoboni, e Padre Dimas de
Paula Inácio e da Irmã Célia Cardorin da Congregação Irmãzinhas da Imaculada
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Conceição, realizada na capital paulista no dia 5 de maio de 2008, conforme
noticiado na Gazeta Apaqueana de junho de 2008.
Estruturalmente, o Método APAC se baseia no sistema progressivo, com o intuito de
devolver o recuperando realmente recuperado à sociedade. Tendo como elementos
principais a participação da comunidade, aqui a semelhança mais uma vez com a
teoria de Baratta, a comunidade deve despertar para o fato de que o Estado não
conseguiu tomar conta da função essencial da pena. Dentro do método, os
voluntários (pessoas da comunidade, familiares dos recuperandos, médicos,
psicólogos, advogados, pedreiros, etc) têm função primordial, auxiliando na
manutenção estrutural do estabelecimento prisional.
O método prima também pelo lado espiritual. Nesses moldes, há diversos retiros
espirituais, com a participação dos recuperandos e de suas famílias, as famíliasparticipam ativamente do processo de recuperação, inexistindo aquela angústia de
outros estabelecimentos prisionais, nos quais há distância efetiva entre os presos e
seus familiares, fazendo aumentar os índices de fuga e reincidência, gerando nos
presos o sentimento de vingança.
Um segundo item importante é o fato de o próprio recuperando ajudar ao outro, os
mais saudáveis ajudam os doentes, assim como os mais novos os mais velhos. Nos
dizeres de Ottoboni:
É fundamental ensinar o recuperando a viver em comunidade, a acudir oirmão que está doente, a ajudar os mais idosos e, quando for o caso, aprestar atendimento no corredor do presídio, na copa, na cantina, nafarmácia, na secretaria etc. (OTTOBONI, 2004, P.67).
Ao se entrar num estabelecimento com o método implantado, já de início será
notada a administração desse pelos próprios recuperandos, com um recuperando
responsável pela portaria. Não há polícia, mas sim a vigilância pelos próprios
recuperandos. A cozinha é de responsabilidade dos mesmos, assim como o auxílio
em assuntos burocráticos e administrativos.
Para efetivar esse quesito, foram criados diversos alguns órgãos internos, dentre os
quais a Representação de Cela que tem o objetivo de manter a harmonia entre os
recuperandos, manter a higiene das celas, treinando líderes, havendo o rompimento
dos tradicionais “códigos de honra”.
Há também o Conselho de Sinceridade e Solidariedade, órgão opinativo, cujo
representante é escolhido pela diretoria da APAC por prazo indeterminado. O
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Conselho tem como funções principais opinar sobre a disciplina, segurança,
distribuição de tarefas, realização de reformas, promoção de festas, celebrações,
etc. Outro item fundamental do método é o trabalho. Mas, nos dizeres de Ottoboni,
ele não é o único elemento recuperador do ser humano.
Existem muitas pessoas que pensam, de forma equivocada, que tão-somente o trabalho recupera o ser humano. Mas isso não é verdade. Se ofosse, muitos países do primeiro mundo, sobretudo aqueles que instituíramas prisões privadas, teriam encontrado a solução para o problema.(OTTOBONI, 2004, p.69).
O trabalho deve começar no regime fechado, sendo recomendados os trabalhos
laborterápicos (artesanais) para esse regime. Deste modo, existe uma oficina
laborterápica dentro do estabelecimento. No regime semi-aberto haverá o trabalho
através de oficinas, aqui já inicializando a fase da especialização. É de se ressaltar
que é frutífero o trabalho dentre do Método que diversas entidades industriais
possuem convênio dentro dos estabelecimentos, inclusive ministrando cursos
profissionalizantes. Já no regime aberto, os recuperandos, já preparados para o
mercado de trabalho, exercem diversas tarefas em estabelecimentos dentro da
própria sociedade.
A assistência jurídica é outro trunfo do método. Nele todos os recuperandos
cumprem seu prazo de maneira correta, chegando o dia do término de sua
condenação, estão livres, inexistindo a possibilidade de já tendo cumprido suas
penas, continuarem presos, como é comum no sistema comum. No método, o
departamento jurídico acompanha de perto, um por um, o cumprimento da pena.
Sabemos que quase a totalidade da população carcerária não possui condições
financeiras para contratar um advogado, isso faz com que a situação acima narrada
continue ocorrendo.
Além da assistência jurídica, é prestado aos recuperandos assistência médica,
odontológica e psicológica dentro do próprio estabelecimento, todos esses serviçossão prestados voluntariamente pelos voluntários, os quais passam por um curso
dentro da própria APAC
O ponto alto da metodologia é a Jornada de Libertação com Cristo, a qual se
compõe de três dias de reflexão entre os recuperandos, familiares, voluntários.
Durante a jornada são apresentados testemunhos, palestras, músicas, mensagens,
tais atos têm por objetivo apresentar e repensar o verdadeiro sentido da vida, sendo
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de extrema importância para a recuperação daqueles que transgrediram as regras
da sociedade. Ottoboni explica o procedimento da Jornada:
A Jornada se divide em duas etapas: a primeira preocupa-se em revelar
Jesus Cristo aos jornadeiros. Sua bondade, autoridade, misericórdia,humildade, senso de justiça e igualdade. Para Deus todos são iguais etitulares dos mesmos direitos. A parábola do filho pródigo é o fio condutor daJornada, culminando com o retorno ao seio da família, num encontroemocionante do jornadeiro com seus parentes. (OTTOBONI, 2004, p.69).
Deste modo, percebe-se a preocupação do método com a dignidade do
recuperando, o que reflete nos altos índices de recuperação, muito superiores aos
do sistema comum, atingindo os motivantes índices de noventa e dois por cento na
APAC da cidade mineira de Itaúna, uma das APAC’s modelo em todo o mundo,
ensejando assim a implantação do método em várias outras comarcas do Brasil e
até mesmo em outros países. O que anima toda a sociedade a trabalhar e acreditar
que há solução, basta matar o criminoso e fazer nascer o homem que existe dentro
de cada um!
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com as passagens anteriores, explorando os sistemas penitenciários, dos clássicos
ao método brasileiro APAC, viu-se, de maneira sucinta, a realidade carcerária ao
longo da história. Com uma reflexão, a qual não necessariamente tem que ser
profunda, dá-se para concluir pela falência da prisão, a qual não ressocializa e, nos
dias atuais, não previne os crimes, visto ser de praxe frases como: “prisão é para
pobre!” e “não tenho medo de cometer crime, pois sei que não serei preso!”.
Infelizmente, temos que aceitar que o senso comum in casu não é inverídico em
muitos casos.
Seguindo a inteligência de John Howard, as prisões não devem servem para destruir
as vidas das pessoas, mas como local de reeducação e preparo para o retorno à
sociedade, e em caso de ainda não haver sentença condenatória, como um local
para se esperar até o julgamento definitivo. Mas, o que se tem visto através da
história das prisões é o contrário, a prisão tem servido como um local sujo,
desumano, diabólico, onde o recluso será submetido a todos os tipos de
desrespeitos, seja aos direitos humanos, seja em sua dignidade. E depois, de
maneira hipócrita e sensacionalista, espera-se que ele saia da mesma como um
“homem novo”, mas um homem pior, amargurado e que quer se vingar do sistema
que o colocou naquele local, de onde todas as suas lembranças são negativas.
Uma reforma há de ser feita, principalmente no Brasil, onde todos os tipos de
barbaridades são cometidos contra a população carcerária. Sendo inclusive comum,
mulheres serem encarceradas juntos com os homens, tudo com a conivência e a
omissão, em alguns casos, dos altos escalões do poder, incluindo polícia, Ministério
Público e Poder Judiciário, o que foi, há pouco tempo, manchete de jornal em âmbito
nacional.
Conforme o ensinamento apaqueano, matar o criminoso e ressucitar o homem,deve-se trabalhar em prol de um sistema penitenciário humano e ressocializador, de
onde os encarcerados possam sair e produzir frutos benéficos a toda sociedade,
trabalhando em prol da melhoria e desenvolvimento social. Enquanto os
encarcerados forem preparados para serem “animais humanos”, verdadeiras feras, e
que um dia irão sair das jaulas e voltar para as ruas, a criminalidade continuará a
crescer ainda mais.
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Dos diversos tipos de sistemas penitenciários tira-se uma lição: do sistema
pensilvânico, conclui-se que o homem não nasceu para viver em solidão e muito
menos permanecer sem trabalho, improdutivo. O trabalho dignifica o homem,
conforme nos ensina o dito popular. Ademais, pode-se ressaltar que a relação entre
desemprego, desocupação, ócio, e crime é nítida. Ensina-nos outro dito popular que:
“mente vazia é oficina do diabo”! Assim, o sistema pensilvânico peca por manter o
preso em total isolamento e por não dar a ele a oportunidade de exercer um
trabalho, do qual o mesmo poderá tirar o sustento para sua subsistência.
Do sistema auburniano conclui-se que há muito mais forças por detrás da tentativa
de ressocializar, trazer o preso de volta para a sociedade, do que podemos imaginar.
O sistema foi, aos poucos, sendo combatido pelo fato de fazer com que os produtos
produzidos pelos encarcerados ganhassem o mercado com preços menores, devidoà mão-de-obra mais barata, o que desagradou os empresários. Assim, as molas do
capitalismo são movidas, o ser humano perde espaço às regras do sistema
capitalista, capitalismo perverso e excludente.
O sistema progressivo, em tese, é uma solução bastante razoável para a tentativa
de ressocialização do condenado, usando as palavras de Ferri, afirmamos também
que “é menos pior que os outros”, apesar de também esse sistema hoje encontrar
em crise.
Em relação à APAC, podemos nos orgulhar. Além de ser modelo brasileiro, é ummodelo que tem apresentado bons resultados, apesar das também inúmeras críticas
que lhe são endereçadas. Hoje, com o modelo apaqueano tem se preocupado com
a vida do recuperando não só intra-muros, mas também extra-muros, após a sua
saída. É valorizada a atividade laboral, os talentos podem ser trabalhados, para
aqueles que tiveram a oportunidade de conhecer muitos trabalhos artesanais feitos
por vários recuperandos, é impressionante e motivante.
Todavia, fica provado que se não houver vontade efetiva por parte do poder público,
tudo não passa de utopia. Continuar-se a tratar o encarcerado como uma fera, feraque deve ser afastada do convívio social, pois são criminosos, desrespeitaram a lei,
lei dos homens ou a lei divina, muitas das vezes ambas, outras, somente a lei dos
homens.
E a sociedade tem que ter em mente que tratar desumanamente um condenado é
maléfico à mesma. Pois quando este condenado ganhar a liberdade, voltará a
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cometer outros crimes, ficando desestabilizada a paz social, aumentando os já
altíssimos índices da criminalidade, mormente no Brasil.
Nenhum ser humano quer ser anulado, mas sim tratado com o devido respeito. E há
condenados que podem trabalhar em prol da sociedade, basta dar uma chance ao
homem que há dentro de cada um. Esta é verdadeira missão do sistema
penitenciário!
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