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DESPORTO (e lazer)
Introdução
MEMÓRIAS DOS PRIMEIROS TEMPOS
Pode afirmar-se, sem exagero, que o desporto foi, naturalmente, o agente aglutinador
da Academia. Sobretudo nos dois primeiros anos dos, então, Estudos Gerais
Universitários de Moçambique. A facilidade de mobilização advinha da tradição
arreigada da prática desportiva que o clima propiciava.
As instalações didácticas, na generalidade, aproveitaram edifícios existentes ou
adaptados. Dispersos e distantes uns dos outros. Na baixa, junto ao hospital central,
os laboratórios de química e física a uns largos quilómetros, próximos das pré-existes
instalações de mecânica dos solos da Junta Autónoma de Estradas e, a Veterinária
ainda mais isolada. Estádio universitário ou recintos desportivos próprios e, bem
assim, cantinas, espaços de convívio, ou edifício para uma Associação de estudantes,
não foram disponibilizados. Pese a compreensível prioridade dada, o certo é que as
condições não facilitavam a formação de um espirito de corpo, enfim, de uma
Academia. A prática desportiva, porque óbvia, tornou-se assim o ponto de encontro.
A primeira geração que inaugurou a Universidade, apesar da sua ingenuidade política,
todavia, intuía que o desporto que pretendia praticar não devia, por qualquer modo, ter
dependência e, menos ainda, enquadramento do que era promovido e facilitado pela
Mocidade Portuguesa. Aliás, grande parte daqueles pioneiros fizeram parte do
primeiro sétimo ano do Liceu Salazar que, em bloco, se recusou a vestir a farda verde
para a tradicional fotografia dos finalistas. Não que o gesto revelasse uma particular
formação política, mas tão só, um acto de rebeldia a um dirigismo que não queriam.
Assim, o desporto como são convívio, lazer e elo de união, foi praticado fora dos
circuitos daquela organização. Aos poucos, veio a consciencializar o embrião da
Academia da sua capacidade de mobilização e organização.
Recordem-se aqui:
--- As “Futeboladas”, com equipas ad-hoc dos diversos cursos, no campo da Capitania
(abrilhantadas pela frequente presença da Ana Maria Rosende e, nos intervalos, pelas
divertidas estórias da Manuela Mealha). A foto [1], mostra a primeira selecção que
defrontou uma equipe externa, a legenda identifica estes pioneiros, o “galhardete”
oferecido aos adversários demonstra a precariedade dos meios e a necessária
imaginação.
Foto [1] De pé: João Leite Martins; Carlos Braga; Júlio Nunes Neto; Aires Soares; José Eduardo Paradinha; Ulrich
Stanislau Carrasco; Manuel Jorge Silva Ferreira (Tigre); Carlos Carmo; Carlos Morgado (Querrico); Em baixo: José
Manuel Lopes Pereira; Luis Serpa Santos; Luis Avertano Viegas; António Murinelo; Domingos Serpa Santos; Carlos
Guilherme; António Souto e Silva.
--- Os torneios de Badmington, a primeira modalidade a manter treinos organizados,
dirigidos pelo docente Dr. Ângelo Pereira, e praticados pela, ágil Zulmira Branco, José
Manuel Lopes Pereira, Jorge Alves, Alex Rosário, Carlos Braga e outros. A foto [2],
identifica a selecção que durante o segundo ano lectivo (1964/65) nos representou em
Lisboa, pela primeira vez, nos Campeonatos Nacionais Universitários, juntamente com
o Andebol, e atingiu a final.
Foto [2] José Manuel Lopes Pereira; Carlos Braga; Alexandre Victor do Rosário; Jorge Alves; Ângelo Pereira.
--- Os disputados campeonatos de Futebol de Salão, entre as diferentes faculdades,
no recinto do Malhangalene, envolvendo já uma grande percentagem dos estudantes.
--- Os excelentes jogadores de Ténis (onde pontificava o “china maravilha” Alex
Rosário, bem acompanhado pelos Carlos Braga, António Carlos Sousa, gémeos Luís
e Domingos Serpa Santos, Maria da Luz Portugal, Eunice Abreu e outros).
--- Os entusiastas da perigosa Caça Submarina, praticada nas proximidades da
estação de Biologia Marítima da Inhaca (complementada com ternas boas vindas às
estudantes sul africanas, sobressaindo, neste particular, os êxitos do Emílio Cerejo,
não negligenciando nenhum dos outros, o impagável “Pichas” Ferreira, João Branco
da Fonseca, Ruben Demétrio, Pedro Veludo, irmãos José Carlos e Manuel Jorge Silva
Ferreira – o “pantera” e o “tigre”- Júlio Neto, irmãos Cerqueira e Serpa, os seus
créditos por mãos alheias…). A foto [3] mostra (o possível) da hospitalidade prestada,
e dela se intui a prioridade, então, atribuída.
Foto [3] Júlio Neto; “Pichas” Ferreira; Ruben Demétrio; Gaspar Cerqueira; Pedro Cerqueira; José Carlos Silva Ferreira
(Pantera); Domingos Serpa Santos; João Branco da Fonseca; estudantes de biologia “Bifas”.
--- O Remo, treinado ao romper do dia no Clube Naval, com o objectivo de bater os
clássicos campeões da Polícia, beneficiando a nossa equipe dos longilíneos irmãos
Cerqueira e Serpa e do levíssimo timoneiro – por isso, recrutado à má fila – Júlio
Figueiredo. Só a súbita doença do Pedro, a poucos dias da prova, nos impediu de a
vencer.
--- Os informais torneios de Bilhar e Senuca, disputados no salão do primeiro andar do
vizinho café Nicola, (aliciante alternativa a algumas maçudas aulas), onde a perícia do
“Pichas”, do Eduardo Paradinha, e de alguns outros, recomendava que o principiante
evoluísse rapidamente, para que não visse o seu capital reduzir-se num
repente…Lugar favorito do pérfido Rui Pires explorar o daltonismo do Zé Morais,
indicando-lhe como jogável a bola verde, quando ela era a azul, e depois reclamar a
sua penalização pelo falhanço…Cinicamente, depois, apelidava-o de “brailinho”! Já
nas tardes dançantes, o discreto “charme” deste levava larga vantagem…
--- O Andebol, desporto muito praticado no ensino secundário, cedo iniciou a sua
actividade. A foto [4], identifica a primeira selecção da Universidade, e a [5], a equipe
que nos representou nos Campeonatos Nacionais Universitários, em Abril de 1965.
Foto [4] De pé: Eduardo Rebelo; Carlos Murinelo; Domingos Serpa Santos; Aires Soares; Souto e Silva; Luis Serpa
Santos; Armando Madeira Alves. Em baixo: Rui Leitão; Gomes Pedro; António Murinelo; Fernando Jardim de Almeida
(Pinóquio); Carlos Cepêda; Alex Rosário.
Foto [5] De pé: “Chico Pipa”; Manuel Barreto; José Rodrigues (Zebu); Rui Leitão; Alex Rosário; Aires Soares; Rui Pires.
Em baixo: José Carlos Ferreira (Pantera); Zeca Neiva; Carlos Cepêda; António Murinelo; Carlos Murinelo; Eduardo
Rebelo.
--- O Lazer, visitas de estudo à reserva do Maputo, bairros suburbanos e propriedades
agro-pecuárias e industriais, Garraiadas na Manhiça, Rali Papers, e várias
confraternizações, (onde nasceu o embrião do “Conjunto Académico”) desenvolveram
capacidades organizativas e proximidade entre a comunidade estudantil. Verdadeiro
emblema itinerante da nossa Universidade, foi a célebre “carripana” que logo no
Carnaval de 1964 abriu o corso pelas avenidas da baixa. Fotos [6] a [13].
Foto [6] : “Currus Universitariorum” puxando carroça – Fev./1964
Foto [7] Panfleto da 1ª Garraiada na Manhiça (23 de Maio de 1965)
Foto [8]: Em pé: Eduardo Rebelo (Dadinho), Carlos Morgado (Kerrico), Carlos Cepêda, …?.., Rui Pires, “Aficionado
Instrutor”, …?..., João Branco, Carlos Braga, …?..., Corbal ; Sentados : “Cauteleiro marreco Já Lá Vai”, Domingos
Serpa, Emílio Cerejo, Carlos Gonçalves, Rui Leitão, Rui Madeira, “ Puto Desconhecido”, Manuel Magalhães, Júlio
Figueiredo, “Fox”, “Pichas Ferreira, Luís Matos Santos ( Galinha) ; Deitado: Manuel Barreto. ( O cauteiro “Já Lá
Vai”, convidado especial, alvo da curiosidade do seu vizinho de urinol, retorquiu rápido: ó filho, queres a “taluda”
?....)
Foto [9]: Primeira Garraiada na Manhiça
23 de Maio de 1965
Emílio Cerejo, Domingos Serpa Santos,
João Branco da Fonseca, Manuel
Magalhães, (ao fundo à direita, como
convidado especial, o cauteleiro “Já Lá
Vai”, que batendo na marreca dizia “isto é
como o Volkswagen, tem motor atrás e
não mete água”)
Foto [10]: Primeira Garraiada na Manhiça
23 de Maio de 1965
Em primeiro plano, de costas, o
“bandarilheiro” Manuel Barreto, a meio o
“matador” Domingos Serpa Santos e ao
fundo junto às tábuas, o João Branco da
Fonseca e o “Fox”, no primeiro “touro” da
tarde. (O João Branco, já recuperado,
depois de ter cumprido escrupulosamente as instruções recebidas de um aficionado:” O matador cita o touro, junta os
pés e não sai do sítio! No último momento, afasta a capa do seu corpo, o “touro” investe contra ela e, com suavidade e
elegância, fá-la deslizar sobre o dorso. Foi evidente que ninguém se certificou que o nobre animal não tinha a
frequência da necessária formação profissional… Dois mortais no ar, meia dúzia de marradas, e o socorro do
Domingos – suposto entrar só no quarto da tarde -, ainda antes do bandarilheiro Manuel Barreto mostrar, com superior
mestria, que os tinha negros…).
Foto [11]: Carlos Braga em plena faena.
Foto [12] Primeiro Baile de Gala da Universidade - 2 de Maio de 1964
Foto [13] Primeiro “Conjunto Académico”: Manuel Barreto; Luis Jorge Matos Santos (Galinha); Alex Rosário
--- O Futebol de onze, inaugurou a apresentação pública da nossa Universidade.
Beneficiando de uns dinheiros libertos pelo excepcional Reitor que foi o Professor
Veiga Simão, (ainda antes do desporto federado) estreámos o primeiro equipamento
negro e as moderníssimas botas Puma. O campo do Ferroviário assistiu a uma
vexante derrota contra a equipe dos seminaristas da Macia. Três a zero, a nosso favor
ao intervalo, e derrota por cinco a três no final. De facto, não foi prudente termos
convidado adversários habituados a jogar no areal da Macia, sendo a nossa
preparação física mais concentrada no apreço pela cerveja Laurentina… Tudo isto
apesar do virtuosismo do António Murinelo, do superior posicionamento do central
Aires Soares, do dilatado conceito de canela dos gémeos Serpa, da estonteante
velocidade do extremo Carlos Guilherme e do empenho de outros cerebrais
praticantes. Até o nosso guarda-redes João Leite Martins, depois de uma bem-
sucedida saída e chutada a bola, quando calmamente regressava aos postes
saboreando os aplausos, sofreu um traiçoeiro golo ainda de costas para o meio
campo… Já nesse tempo, mesmo os mais puros, por vezes, pecavam no “fair play”…
Valha-nos a geração seguinte que, com assinaláveis êxitos, veio a redimir este
percalço!
--- Os primórdios do Basquetebol, datam logo do primeiro ano lectivo de 1963/64. Os
confrontos mais frequentes foram com a equipe do Instituto Industrial de Lourenço
Marques. A foto [14] exibe, com equipamento negro, os “ voluntários” do momento,
escorados no “profissionalismo” do Quim Neves.
Foto[14] Primeira Selecção de Basquetebol (camisola negra). De pé: Quim Neves; Carlos Morgado; Júlio Neto; João
Branco; Manuel Jorge Ferreira (Tigre). Em baixo: …; João Meireles; Pedro Cerqueira.
No ano lectivo seguinte, já com a equipe mais consolidada, atingimos a final dos
Campeonatos Nacionais Universitários, em Setúbal. Viemos mesmo a vencer, na
Páscoa de 67, os realizados em Coimbra. Foto [15]. Ficaram na memória a genica do
“rodas baixas” Pinóquio – Fernando Jardim de Almeida – do Joaquim Neves, o “poste”,
um “prima-dona”, verdadeiro bastião da equipa, o CHN – Carlos Heitor Neves –, o
“cerebral” Amoroso Lopes, o virtuosismo do Ken Gui e do Baganha. Os enormes
sucessos nesta modalidade são abundantemente documentados mais adiante.
Foto [15]: Equipa de Basquetebol que se classificou em 2º lugar nos Campeonatos Nacionais Universitários;
Em cima: Mário Encarnação, Edmundo Nobre, Carlos Lopes, José Frade e treinador Octávio Bagueiro; Em baixo:
Fernando Jardim de Almeida (Pinóquio), Fernando Lopes, Joaquim Neves, Alex Rosário, Guilherme Wilson.
Após a difícil aprovação dos estatutos da Associação Académica de Moçambique,
(que a lucidez dos seus primeiros dirigentes - João Schwalback, Armando Madeira
Alves, António Souto e Silva, irmãos Rui e Luís Gonzalez, entre outros - nunca
permitiu que ficasse circunscrita às actividades desportivas, como as Autoridades fora
do âmbito da Universidade pretendiam), passou-se à formalização e cumprimento das
regras do desporto federado.
O eclectismo no fenómeno desportivo foi manifesto num curtíssimo prazo, a par de
muitas outras áreas. Assim, a AAM veio a estar presente, com dignidade e sucesso,
como a seguir parcialmente se documenta, em modalidades tão diversas como:
Basquetebol, Futebol, Badmington, Atletismo, Ténis, Ténis de Mesa, Remo, Hóquei
em Patins, Caça Submarina, Esgrima, Ginástica, Judo, Automobilismo, Aeronáutica,
Andebol, Tiro, Vela e Rúgbi.
Em particular, o Basquetebol e o Futebol, como modalidades mais populares e
visíveis, animaram os anos subsequentes. Consolidaram o espírito de união da
Academia e, algumas vezes, serviram para expressar publicamente valores e ideais
que borbulhavam em mentes generosas e inconformistas com a ultrapassada e
imobilista visão oficial oriunda do Estado Novo. Noutros locais desta publicação,
referem-se alguns destes “ incidentes “.
Concluindo esta introdução, o Desporto na Academia foi determinante na sua coesão,
na afirmação de sólidas amizades que perduram 50 anos depois e, em muito, facilitou
uma intervenção dinâmica e profunda nos domínios paraescolar, cultural e
sociopolítico. Enfim, influenciou, decisivamente, a formação cívica dos estudantes da
Universidade de Moçambique.
Versão DOIS da “Introdução ao Desporto e Lazer” / “Memórias dos Primeiros Tempos”
Domingos Serpa dos Santos
06 / Maio / 2014.