despedidas de belém lusíadas em prosa

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AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE CASTRO DAIRE 9º ANO - LÍNGUA PORTUGUESA Despedidas de Belém Como era habitual, o dia começou com uma cerimónia religiosa em Santa Maria de Belém, com missa e comunhão geral, seguida de procissão até à praia do Restelo, onde nos aguardavam as naus. A gente da cidade estava toda na praia, ou porque eram amigos, ou parentes, ou simplesmente por curiosidade. Estavam já saudosos na vista e descontentes -todos nos tinham por perdidos e o manifestavam com suspiros, os homens, com lágrimas, as mulheres. Particularmente sofredoras eram as Mães, Esposas, Irmãs - que o temeroso amor mais desconfia, isto é, torna desconfiadas - e que se encontravam desesperadas, com receio de não nos tornar a ver. Dizia uma das Mães: - Ó filho, com quem eu contava para refrigério e doce amparo na velhice, porque me abandonas, em troco de uma morte no mar, para seres mantimento de peixes? E uma Esposa: - Ó doce e amado esposo / sem quem não quis amor que viver possa porque aventurais no mar essa vida que não é já vossa, mas minha? Como é possível que esqueçais a afeição tão doce nossa? / Nosso amor, nosso vão contentamento, / Quereis que com as velas leve o vento? Também os velhos e os meninos acompanhavam com lamentos estas mulheres e a própria Natureza parecia apiedar-se. Foi por isso que dei ordens para partirmos de imediato, sem as despedidas habituais, antes que mudássemos de ideias. Os Lusíadas em prosa, de Amélia Pinto Pais (Adaptação da obra de Luís de Camões)

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AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE CASTRO DAIRE

9º ANO - LÍNGUA PORTUGUESA

Despedidas de Belém

Como era habitual, o dia começou com uma cerimónia religiosa em Santa Maria de Belém, com

missa e comunhão geral, seguida de procissão até à praia do Restelo, onde nos aguardavam as naus.

A gente da cidade estava toda na praia, ou porque eram amigos, ou parentes, ou simplesmente

por curiosidade. Estavam já saudosos na vista e descontentes -todos nos tinham por perdidos e o

manifestavam com suspiros, os homens, com lágrimas, as mulheres. Particularmente sofredoras eram as

Mães, Esposas, Irmãs - que o temeroso amor mais desconfia, isto é, torna desconfiadas - e que se

encontravam desesperadas, com receio de não nos tornar a ver.

Dizia uma das Mães:

- Ó filho, com quem eu contava para refrigério e doce amparo na velhice, porque me abandonas,

em troco de uma morte no mar, para seres mantimento de peixes?

E uma Esposa:

- Ó doce e amado esposo / sem quem não quis amor que viver possa porque aventurais no mar

essa vida que não é já vossa, mas minha? Como é possível que esqueçais a afeição tão doce nossa? /

Nosso amor, nosso vão contentamento, / Quereis que com as velas leve o vento?

Também os velhos e os meninos acompanhavam com lamentos estas mulheres e a própria

Natureza parecia apiedar-se. Foi por isso que dei ordens para partirmos de imediato, sem as despedidas

habituais, antes que mudássemos de ideias.

Os Lusíadas em prosa, de Amélia Pinto Pais (Adaptação da obra de Luís de Camões)