desistência da tentativa

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A chamada desistência da tentativa, tentativa abandonada ou tentativa qualificada engloba tanto a desistência voluntária quanto o arrependimento eficaz. Está previsto no artigo 15 do Código Penal. Por Irving Marc Shikasho Nagima CONCEITO, ELEMENTOS, DISTINÇÃO E FUNDAMENTOS Para melhor entender os institutos da desistência voluntária e do arrependimento eficaz, espécies da desistência da tentativa, necessário se faz a diferenciação entre tentativa inacabada e acabada. Nas palavras de Juarez CIRINO dos Santos: Na tentativa inacabada as ações realizadas são representadas como insuficientes para o resultado – ou seja, o autor ainda não realizou todo o necessário para produção do resultado, sendo suficiente a desistência das ações futuras para evitar o resultado: facada no pescoço reconhecida como sem perigo para a vida da vítima. Na tentativa acabada as ações realizadas são representadas como suficientes para o resultado – ou seja, o autor já realizou todo o necessário para produção do resultado, cuja ocorrência depende, apenas, da ação normal dos fatores causais postos pelo autor, sendo necessária nova atividade para evitar o resultado: a ação de estrangulamento é cessada porque o autor acreditava que a vítima morrerá. (CIRINO, 2011, p. 219). Ponderadas as diferenças entre tentativa inacabada e tentativa acabada, passa-se a conceituar os institutos componentes da tentativa abandonada. A desistência voluntária é “a atitude do agente que, podendo chegar à consumação do crime, interrompe o processo executivo por sua

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D. Penal

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Page 1: Desistência Da Tentativa

A chamada desistência da tentativa, tentativa

abandonada ou tentativa qualificada engloba tanto

a desistência voluntária quanto o arrependimento

eficaz. Está previsto no artigo 15 do Código Penal.

Por Irving Marc Shikasho Nagima

CONCEITO, ELEMENTOS, DISTINÇÃO E FUNDAMENTOS

Para melhor entender os institutos da desistência voluntária e do

arrependimento eficaz, espécies da desistência da tentativa,

necessário se faz a diferenciação entre tentativa inacabada e

acabada. Nas palavras de Juarez CIRINO dos Santos:

Na tentativa inacabada as ações realizadas são representadas como

insuficientes para o resultado – ou seja, o autor ainda não realizou

todo o necessário para produção do resultado, sendo suficiente a

desistência das ações futuras para evitar o resultado: facada no

pescoço reconhecida como sem perigo para a vida da vítima.

Na tentativa acabada as ações realizadas são representadas como

suficientes para o resultado – ou seja, o autor já realizou todo o

necessário para produção do resultado, cuja ocorrência depende,

apenas, da ação normal dos fatores causais postos pelo autor, sendo

necessária nova atividade para evitar o resultado: a ação de

estrangulamento é cessada porque o autor acreditava que a vítima

morrerá. (CIRINO, 2011, p. 219).

Ponderadas as diferenças entre tentativa inacabada e tentativa

acabada, passa-se a conceituar os institutos componentes da

tentativa abandonada.

A desistência voluntária é “a atitude do agente que, podendo chegar

à consumação do crime, interrompe o processo executivo por sua

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própria deliberação” (DOTTI, 2010, p. 413). Ou seja, o agente

quando inicia “a realização de uma conduta típica, pode,

voluntariamente, interromper a sua execução” (BITENCOURT, 2007,

P. 406), conduta essa impunível. Em outras palavras, “o agente,

voluntariamente, abandona seu intento durante a realização dos atos

executórios” (CUNHA, 2010, p. 69).

Desse conceito, pode-se extrair que para a ocorrência da desistência

voluntária é necessária a paralisação concreta da execução do fato

delituoso (critério objetivo) e que essa desistência seja voluntária

(critério subjetivo). Havendo a cessação (abstenção) da execução do

crime, por deliberação própria do agente, ele só responderá pelos

atos até então praticados, se infrações penais forem considerados

tais atos.

Já o arrependimento eficaz, também chamado de arrependimento

ativo, ocorre “quando o agente, tendo já ultimado o processo de

execução do crime, desenvolve nova atividade impedindo a produção

do resultado” (JESUS, 2006, p. 343/344). Exige uma ação positiva do

agente, pois “o processo de execução do delito se encontra esgotado

(ação típica realizada)” (PRADO, 2010, p. 84), com a finalidade de

evitar a produção do resultado.

Destarte, para que se configure o arrependimento eficaz é imperioso

que haja o impedimento eficaz do resultado (critério objetivo) e que

seja de forma voluntária (critério subjetivo).

A desistência voluntária está para a tentativa inacabada do mesmo

modo que o arrependimento ativo está para a tentativa acabada. A

fim de demonstrar as diferenças entre os dois institutos, eis o

magistério de Celso DELMANTO e outros:

Na desistência voluntária, o agente interrompe o processo de

execução que iniciara; ele cessa a execução, porque a quis

interromper (mesmo que haja sido por medo remorso ou decepção) e

Page 3: Desistência Da Tentativa

não porque tenha sido impedido por fator externo à sua vontade. No

arrependimento eficaz, embora já houvesse realizado todo o processo

de execução, o agente impede que o resultado ocorra. Em ambos os

casos, sempre voluntariamente. (DELMANTO, 2010, p. 141/142).

Quanto ao fundamento da tentativa abandonada, há quem entenda

que se trata de política criminal (verdadeira “ponte de ouro”), outros

que se trata de graça (ou prêmio ao agente por evitar o resultado

lesivo), e ainda àqueles que creem pela desnecessidade de pena,

ante seu caráter de prevenção geral ou especial. Novamente reporta-

se, com a devida permissão, às lições de Juarez CIRINO dos Santos:

Existem várias teorias para explicar a exclusão da pena da

desistência da tentativa, como a teoria de política criminal, a teoria

da graça (ou do prêmio) e a teoria dos fins da pena.

1. A teoria de política criminal formulada por FEUERBACH, define a

exclusão da pena da desistência da tentativa como ponte de ouro

para regresso do autor à esfera do Direito: a promessa de exclusão

de pena seria um estímulo ao autor para desistir da tentativa ou

evitar o resultado. A crítica apresenta várias objeções: a) a promessa

de exclusão de pena não exerceria influência sobre a decisão do

autor, e seria desconhecida da população; b) a prática judicial parece

indicar que a desistência da tentativa pode ter todos os motivos

possíveis, menos suprimir uma pena já efetiva.

2. A teoria da graça considera a exclusão de pena da desistência da

tentativa uma recompensa ao autor por suspender a execução ou

evitar o resultado do tipo de injusto: a supressão do perigo para o

bem jurídico justificaria a indulgência sobre o autor – ou a atitude do

autor seria compensada pelo mérito da desistência ou da evitação do

resultado, desde que voluntária, mas independentemente de motivos

de valor ético.

Page 4: Desistência Da Tentativa

3. A teoria dos fins da pena reconhece na desistência da tentativa

uma insuficiente vontade antijurídica para prosseguir na execução do

fato ou permitir a produção do resultado; logo a pena não se

justificaria por motivo de prevenção geral ou especial, nem por

qualquer outra existência de justiça. (CIRINO, 2011, p. 218).

Em uma análise breve de direito comparado, ainda sobre o

fundamento do abandono da tentativa, Santiago MIR PUIG instrui que

“A doutrina germânica admite geralmente a denominada teoria do

prêmio, segundo a qual a desistência voluntária apresenta-se como

um mérito que pesa tanto quanto a tentativa subsistente e que deve

ser premiado com o perdão ou a suspensão da punição que

reclamaria a tentativa não desaparecida. Na Espanha, entretanto,

geralmente são acolhidas fundamentações de cunho político-criminal,

seja no sentido da teoria da prata ao inimigo que foge (Feuerbach),

seja na linha das teorias que fundamentam a impunidade no

desaparecimento da necessidade preventiva de pena”. (MIR PUIG,

2007, P. 319).

NATUREZA JURÍDICA – TEORIAS E CRÍTICAS

A grande questão envolvendo a tentativa abandonada certamente é a

sua natureza jurídica. Seria a tentativa abandonada causa de

extinção de punibilidade ou causa de exclusão de tipicidade

(inadequação típica)?

Para Nelson Hungria, Magalhães Noronha, Aníbal Bruno, Eugênio Raul

Zaffaroni, José Henrique Pierangeli, Luiz Regis Prado e Rene Dotti,

embora não catalogada no rol exemplificativo do artigo 107 do

Código Penal, a desistência da tentativa caracteriza-se como

verdadeira causa de extinção de punibilidade, vez que “há uma

renúncia do Estado do jus puniendi (...), inspirada por motivos de

oportunidade” (HUNGRIA, 1978, P. 93).

Page 5: Desistência Da Tentativa

Neste sentido, confira-se o ensinamento de Eugênio Raul Zaffaroni e

José Henrique Pierangeli sobre a matéria:

No caso de desistência voluntária e de arrependimento eficaz cria-se

em favor do autor uma causa pessoal de isenção da pena. A razão

pela qual esta causa pessoal de exclusão de pena ocorre encontra-se

na própria finalidade da pena: a pena cumpre uma função preventiva,

que no caso, a atitude do autor demonstra não ser necessária. Por

isto o direito penal estende esta “ponte de ouro” ao delinquente

(Liszt).

(...)

Optamos pela causa pessoal de isenção de pena, porque entendemos

que o delito tentado encontra-se completo em todos os seus

elementos apesar da mediação da desistência voluntária.

(ZAFFARONI e PIERANGELI, 2004, p. 672).

Por outro lado, para Damásio de Jesus, Cezar Bitencourt, Miguel

Reale, Celso Delmanto, Julio Mirabete e Fernando Capez, a tentativa

abandonada não é causa de “extinção de punibilidade, pois esta

pressupõe a causa da punibilidade, que, na hipótese, seria a

tentativa, que não existiu. Não havendo tentativa, pela falta de um

dos seus elementos (não-ocorrência por circunstâncias alheias à

vontade do agente), não se pode falar em extinção da punibilidade,

mas deve-se falar tão-somente em inadequação típica”

(BITENCOURT, 2007, P. 405).

A propósito, eis a doutrina de Damásio de Jesus:

Na verdade, a desistência voluntária e o arrependimento ativo são

causas de exclusão da adequação típica. A tentativa constitui um dos

casos de adequação típica de subordinação indireta. Através da

norma de extensão que a descreve, iniciada a execução do crime, e

não se consumando por circunstâncias alheias à vontade do agente,

os atos por ele cometidos tornam-se típicos. Assim, quando o agente

Page 6: Desistência Da Tentativa

não atinge o momento consumativo por força da vontade do agente,

não incide a norma de extensão e, em consequência, os atos

praticados não são típicos em face do delito que pretendia cometer.

Se a tentativa é a execução iniciada de um crime que não se

consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente, é evidente

que não há conatus quando o delito não atinge o seu momento

consumativo em face da própria vontade do sujeito. (JESUS, 2006, p.

342).

Dependendo da natureza jurídica escolhida, haverá consequências

próprias quanto ao concurso de pessoas, analisado a frente.

VOLUNTÁRIO, ESPONTÂNEO, INVOLUNTÁRIO E MOTIVAÇÃO

Comum à desistência voluntária e ao arrependimento eficaz é o

elemento subjetivo da voluntariedade. Voluntário é aquilo que se faz

por vontade própria, sem coação (moral ou física) de ninguém. Isto

é, o agente, de moto própria (livre vontade) deixa de praticar o

delito, fazendo não produzir o resultado outrora esperado.

Todavia, não se exige que a desistência seja espontânea.

“Espontânea ocorre quando a ideia inicial parte do próprio agente, e

voluntária é a desistência sem coação moral ou física, mesmo que a

ideia inicial tenha partido de outrem, ou mesmo resultado de pedido

da própria vítima” (BITENCOURT, 2007, p. 403/404). “Por

conseguinte, se o agente desiste ou se arrepende por sugestão ou

conselho de terceiro, subsistem a desistência voluntária e o

arrependimento eficaz” (CAPEZ, 2007, p. 250).

Importante deixar consignado que a voluntariedade é, aqui, sinônima

de autonomia, ou seja, o agente para de realizar os atos executórios

do delito porque quer, e não por circunstâncias alheias à sua vontade

(o que caracteriza a tentativa) ou pela impossibilidade da

consumação do delito (crime impossível, tentativa falha). Tais

circunstâncias caracterizam a involuntariedade do agente. Juarez

Page 7: Desistência Da Tentativa

CIRINO dos Santos aconselha que “a desistência é involuntária se

para evitar o flagrante, ou por receio de bloqueio das vias de fuga, ou

porque o fato foi descoberto etc.” (CIRINO, 2011, p. 220).

Ainda, nesse raciocínio, vale lembrar a famosa frase de Frank, citada

por Nelson Hungria, no livro de Fernando CAPEZ “a desistência é

voluntária quando o agente pode dizer: ‘não quero prosseguir,

embora pudesse fazê-lo’, e é involuntária quando tem de dizer: ‘não

posso prosseguir, ainda que o quisesse’” (CAPEZ, 2007, p. 251).

Neste diapasão, eis o aresto do Superior Tribunal de Justiça sobre um

caso concreto envolvendo a voluntariedade do agente:

PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO. TENTATIVA OU DESISTÊNCIA

VOLUNTÁRIA. AGENTE QUE NÃO SUBTRAI OUTROS OBJETOS DO

ESTABELECIMENTO COMERCIAL OU DEMAIS CLIENTES, DEPOIS DE

VERIFICAR NÃO HAVER DINHEIRO NO CAIXA. TIPIFICAÇÃO CORRETA: CRIME TENTADO. INEXISTE DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA

QUANDO A CIRCUNSTÂNCIA DE INTERRUPÇÃO DO ITER CRIMINIS

OCORRE INTEIRAMENTE À REVELIA DO AGENTE. PRECEDENTES.

PARECER MINISTERIAL PELO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. Se o crime não se consuma

por circunstância alheia à vontade do agente, o fato é tentado; não

há desistência voluntária. 2. Há tentativa de roubo e não desistência

voluntária se, depois de descoberta a inexistência de fundos no caixa da casa comercial alvo da pilhagem, o larápio nada leva desta ou de

seus consumidores. Precedentes desta Corte. 3. Em hipóteses como

a tal, o agente não leva ao fim o feito que havia planejado por

circunstância que lhe corria inteiramente a revelia, sua vontade não concorre para evitar a subtração como planejada; não pode, por isso,

ser premiado pela interrupção criminosa para a qual não contribuiu.

4. Recurso Especial desprovido. (STJ. REsp 1109383 / RN. Relator(a)

Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. Órgão Julgador T5. Data do

Julgamento 23/03/2010 Data da Publicação/Fonte DJe 03/05/2010).

Deste modo, não importam os motivos que levaram o agente a

desistir do crime (i.e., não se exige a demonstração do conteúdo de

valor ético), seja pelo medo, piedade, receio, remorso, etc., contudo,

deve-se mostrar de forma voluntária pelo agente.

Page 8: Desistência Da Tentativa

CRIMES CULPOSOS, UNISSUBISISTENTES, DE MERA CONDUTA

E FORMAIS

É possível o reconhecimento da desistência da tentativa (ou tentativa

abandonada) nos crimes culposos, unissubsistentes, de mera conduta

ou formais?

Em uma rápida pincelada, o crime culposo é aquele cometido sem

dolo do agente, porém, resultou por motivos de negligência,

imprudência ou imperícia (a lei deve prever a punibilidade como

crime culposo, como, p. ex., homicídio, lesão corporal, etc.). Crime

unissubisistente é aquele que se realiza com um ato só (p. ex., injúria

verbal). Nos crimes de mera conduta não há resultado naturalístico,

pois o legislador descreve como delituoso o simples comportamento

do agente (p. ex. invasão de domicílio, porte ilegal de arma de fogo,

desobediência). Já o crime formal o tipo penal menciona o

comportamento e o resultado, porém, não é necessária sua

ocorrência para a consumação (p.ex. injúria, difamação, ameaça,

etc.).

Assim, a tentativa abandonada é incompatível com os crimes

culposos, posto que a desistência da tentativa pressupõe a vontade

de querer realizar o resultado (DOTTI, 2010, pp 413 e 415).

Nos delitos unissubsistentes “não se admitem desistência voluntária,

uma vez que, praticado o primeiro ato, já se encerra a execução,

tornando impossível a sua cisão” (CAPEZ, 2007, p. 249). Já os crimes

de mera conduta e os formais “não comportam arrependimento

eficaz, uma vez que, encerrada a execução, o crime já está

consumado, não havendo resultado naturalístico a ser evitado”.

(CAPEZ, 2007, P. 249)

Page 9: Desistência Da Tentativa

ARREPENDIMENTO INEFICAZ

Dá-se o nome de arrependimento ineficaz o ato, voluntário, pelo

agente, que tenta evitar a sua consumação, porém, por

circunstâncias alheias, o delito produz o resultado quisto inicialmente.

Esse tipo de arrependimento é típico e não constitui causa de isenção

de pena. Assim, o agente responde pela infração penal praticada,

embora, na dosimetria da pena, o arrependimento ineficaz deve ser

relevado para fins da valoração da culpabilidade (ZAFFARONI e

PIERANGELI, 2004, p. 675).

TENTATIVA QUALIFICADA - EFEITOS

A nomenclatura tentativa qualificada se dá pelo fato de que o agente

responderá criminalmente pelos atos já praticados, que, por si só,

constituam outros delitos menores. Dessa maneira, embora seja o

agente isento do crime que voluntariamente evitou seu resultado,

deverá responder pelos atos até então praticados, desde que

relevantes do Direito Penal, vez que “não podem ser desfeitos tipos

de injusto consumados na tentativa de realizar outro delito maior”

(CIRINO, 2011, p. 222).

A título ilustrativo, no caso em que o agente inicia sua investidura

criminosa para matar seu desafeto, e dela desiste, responderá

somente pela lesão corporal ou vias de fato, dependendo do caso.

Outro exemplo, no caso em que o ladrão invade a casa da vítima e

desiste de consumar o furto, responderá pela violação de domicílio.

Nesses casos, advertem Eugênio ZAFFARONI e José PIERANGELI que

“persiste a pena dos delitos que foram consumados em seu curso. Em

outras palavras, o que fica impune é a tentativa em si mesma, mas

não os delitos consumados em seu curso, cuja tipicidade sofria

interferência somente por efeito da punibilidade da tentativa, mas

que ressurge com o desaparecimento desta” (ZAFFARONI e

PIERANGELI, 2004, pp. 676/677).

Page 10: Desistência Da Tentativa

No mesmo sentido é o posicionamento do Superior Tribunal de

Justiça:

(...) DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA. CONFIGURAÇÃO. AFASTAMENTO DA TENTATIVA. RESPONSABILIDADE PELOS ATOS JÁ PRATICADOS.

IMPOSSIBILIDADE DE ACOLHIMENTO DO PLEITO. 1. A configuração

da desistência voluntária afasta, inevitavelmente, o delito na sua

forma tentada, respondendo o agente pelos atos já praticados. 2. "Não há dúvida, entretanto, que na tentativa o resultado não se

consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. No caso, há

esgotamento de todos os atos executórios ou o agente é impedido de

exauri-los. O dolo inicialmente pretendido, entretanto, remanesce. Já na desistência voluntária e no arrependimento eficaz, por

opção/escolha do agente, o fim inicialmente pretendido pelo agente

não se realiza. Ou seja, ao alterar o dolo inicialmente quisto, enseja a

ocorrência da atipicidade, respondendo, entretanto, pelos atos já

praticados" (REsp 497.175/SC). (...) (STJ. HC 184366 / DF. Relator(a) Ministro JORGE MUSSI. Órgão Julgador T5. Data do

Julgamento 02/08/2011 Data da Publicação/Fonte DJe 29/08/2011.

Damásio de JESUS, a propósito, disserta que a tentativa qualificada

se fundamenta no princípio da consunção. Veja-se:

Entendemos, porém, que o problema deve ser resolvido pelo princípio

da consunção. Se a norma consuntiva (a que define a tentativa) não

tem aplicação por força da desistência ou do arrependimento, a lei

inicialmente consumida (a que descreve os atos anteriores) readquire

sua autonomia. Não é possível declarar impune o autor de um

comportamento delituoso só porque pretendia cometer outro de

maior gravidade. (JESUS, 2006, p. 346).

CONCURSO DE PESSOAS – COAUTORIA E PARTÍCIPE

Há quem entenda (para a corrente que vê a tentativa abandonada

como extinção de punibilidade) que a desistência voluntária e o

arrependimento eficaz possui caráter personalíssimo e, portanto, não

pode beneficiar os coautores e/ou partícipes do delito.

Já para os que seguem a corrente de que a desistência da tentativa é

causa de atipicidade, o benefício se estende aos demais partícipes.

Page 11: Desistência Da Tentativa

Deste modo, “se os atos tornam-se atípicos, por eles não podem

responder os partícipes” (JESUS, 2006, p. 346).

Resumindo: “a consequência mais importante a respeito de sua

natureza jurídica de causa pessoal de exclusão de pena é que a

desistência do autor não beneficia aos partícipes e nem vice-versa.

Para aqueles que entendem que é uma causa de atipicidade, a

desistência do autor beneficia o partícipe, embora a do partícipe não

beneficie o autor (dado que a participação é acessório da autoria,

mas não a autoria da participação)”. (ZAFFARONI e PIERANGELI,

2004, p. 673).

Finalizando, não é demais inserir a síntese do estudo de Juarez

CIRINO dos Santos sobre o concurso de pessoas e a tentativa

abandonada:

Hipóteses de participação: a) no caso de participação por instigação

só é possível o arrependimento eficaz mediante neutralização dos

efeitos psíquicos produzidos sobre o autor – ou sério esforço para

evitação do fato; b) no caso de participação por cumplicidade, o

cúmplice deve, voluntariamente, (a) omitir sua contribuição para o

fato e (b) demover o autor do propósito de realizar o fato – ou,

alternativamente, impedir a produção do resultado, gerando situação

de tentativa inidônea ou falha, ou se esforçar seriamente para

impedir o resultado, de modo que o fato concreto apareça como obra

exclusiva do autor.

Hipóteses de coautoria: no caso de coautoria, caracterizada pelo

domínio comum do fato, o coautor deve, voluntariamente, impedir o

resultado – ou, alternativamente, se esforçar seriamente para evitar

o fato, mediante (a) omissão de sua contribuição causal para o fato

comum e (b) comunicação da posição ao(s) outro(s) coautor(es)

antes da realização do fato comum, de modo que o fato concreto

apareça como exclusiva obra alheia. (CIRINO, 2011, p. 223).

Page 12: Desistência Da Tentativa

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Geral. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 1.

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www.stj.jus.br/SCON acesso em 30.05.2012.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 11. Ed. São

Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 1.

CUNHA, Rogério Sanches. CP para Concursos. 3. Ed. Salvador: Jus

Podivm, 2010.

DELMANTO, Celso. Et al. Código Penal Comentado. 8. Ed. São

Paulo: Saraiva, 2010.

DOTTI, Rene Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 3. Ed. São

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HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 5. Ed. Rio de

Janeiro: Forense, 1978. Vol. 1. Tom. 2.

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: Parte Geral. 28. Ed.

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São Paulo: RT, 2007.

PRADO, Luiz Régis. Comentários ao Código Penal. 5. Ed. São

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