desinformação, a técnica

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Marcílio de Mello DESINFORMAÇAO, A TÉCNICA Belo Horizonte Centro Universitário Newton Paiva Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais 2010

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Autor: Marcílio de Mello Orientador: Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais (FESMPMG). Orientador: Prof. Dr. Denilson Feitoza Pacheco. Este trabalho de pesquisa analisa quais são os principais elementos, as características e as formas de implementação da desinformação como instrumento de preservação e promoção de interesses. A partir das funções normalmente desempenhadas pelos serviços de inteligência, estabelece onde a desinformação é empregada. Também apresenta situações concernentes à política, à defesa nacional e à segurança interna para demonstrar o quanto as diferentes formas de desinformação podem contribuir para a preservação dos segredos e interesses do Estado. O objetivo é demonstrar o que é desinformação para os serviços de inteligência, isto é, quais os elementos, as características e as formas de implementação da desinformação no âmbito desses serviços?

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Page 1: Desinformação, a técnica

Marcílio de Mello

DESINFORMAÇAO, A TÉCNICA

Belo Horizonte

Centro Universitário Newton Paiva

Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais

2010

Page 2: Desinformação, a técnica

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2010

Page 3: Desinformação, a técnica

Marcílio de Mello

DESINFORMAÇAO, A TÉCNICA

Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação

Lato Sensu de Especialização em Inteligência de

Estado e Inteligência de Segurança Pública,

oferecido pela Escola Superior do Ministério

Público de Minas Gerais em parceria com o Centro

Universitário Newton Paiva, na disciplina

Metodologia da Pesquisa, Metodologia do Trabalho

Científico e Orientação Monográfica.

Orientador: Prof. Dr. Denilson Feitoza Pacheco

Belo Horizonte

Centro Universitário Newton Paiva

Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais

2010

Page 4: Desinformação, a técnica

Centro Universitário Newton Paiva

Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais

Curso de Pós-Graduação de Especialização em Inteligência de Estado e Inteligência de

Segurança Pública

Monografia intitulada ―Desinformação, a técnica‖, de autoria de Marcílio de Mello,

considerado aprovado, com a nota 95 (noventa e cinco), pela banca examinadora

constituída pelos seguintes professores:

____________________________________________________________

Prof. Dr. Denilson Feitoza Pacheco – Orientador

____________________________________________________________

Profa. Dr

a. Marta Macedo Kerr Pinheiro

____________________________________________________________

Prof. Especialista José Eduardo da Silva

____________________________________________________________

Prof. Especialista Vladimir de Paula Brito

Belo Horizonte/MG, 22/maio/2010.

Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais

Rua Timbiras, 2928, 4º. andar, Bairro Barro Preto

30140-062 - Belo Horizonte - MG

Tel: 31-3295-1023

www.fesmpmg.org.br

Page 5: Desinformação, a técnica

AGRADECIMENTOS

A Deus por tudo que sou e a minha família pelo apoio nas horas

difíceis. A meus amigos e colegas de trabalho pelo apoio

recebido. A todos os professores pela contribuição no

aprimoramento de meus conhecimentos. Especialmente, à

Juliana Chaves por todo apoio, carinho e companheirismo a

mim dedicados.

Page 6: Desinformação, a técnica

A mente humana é uma criação humana, e

todas as criações humanas podem ser

modificadas.

Howard Gardner

Toda a arte da guerra tem por base o logro.

Sun Tzu

Page 7: Desinformação, a técnica

RESUMO

Este trabalho de pesquisa analisa quais são os principais elementos, as características e

as formas de implementação da desinformação como instrumento de preservação e

promoção de interesses. A partir das funções normalmente desempenhadas pelos

serviços de inteligência, estabelece onde a desinformação é empregada. Também

apresenta situações concernentes à política, à defesa nacional e à segurança interna para

demonstrar o quanto as diferentes formas de desinformação podem contribuir para a

preservação dos segredos e interesses do Estado. O objetivo é demonstrar o que é

desinformação para os serviços de inteligência, isto é, quais os elementos, as

características e as formas de implementação da desinformação no âmbito desses

serviços? Para isso, faz um estudo de casos onde são analisados os acontecimentos com

base nos elementos apresentados nesta pesquisa. Por fim, conclui-se estabelecendo o

quanto a desinformação é importante para promover os interesses desses serviços.

Palavras chave: Desinformação; Serviços de Inteligência; Política; Defesa Nacional;

Segurança Interna.

Page 8: Desinformação, a técnica

ABSTRACT

This research examines what are the main elements, characteristics and ways of

implementation of deception as a tool for preservation and promotion of interests. From

the functions normally performed by the Intelligence Services establishes where

deception is used. Also presents situations concerning policy, national defense and

internal security to demonstrate how the various forms of deception can help preserve

the secrets and State interests. The goal is to demonstrate what is disinformation to the

intelligence services, i.e. which are the elements, characteristics and ways of

implementing disinformation within these intelligence services? For this meaning

promotes a study of cases where the events are analyzed based on the information

presented in this research. Finally, this study is concluded establishing how much

deception is important to promote the interests of those services.

Keywords: Deception; Intelligence Services; Policy; National Defense; Homeland

Security.

Page 9: Desinformação, a técnica

LISTA DE FIGURAS

Fig.1 – Caixas de ressonância.....................................................................................28

Fig.2 – Faixa de percepção humana...........................................................................33

Fig.3 – Estrutura das operações de informação........................................................62

Page 10: Desinformação, a técnica

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 10

2 DESINFORMAÇÃO ....................................................................................................................... 14

2.1 CONCEITO DE DESINFORMAÇÃO ................................................................................................... 14

2.2 ELEMENTOS DA DESINFORMAÇÃO ................................................................................................ 23

2.3 COMO DESINFORMAR .................................................................................................................. 31

2.4 OBJETIVOS DA DESINFORMAÇÃO .................................................................................................. 45

2.5 DESINFORMAÇÃO COMO TÉCNICA DA INTELIGÊNCIA ..................................................................... 47

2.6 CATEGORIAS DE DESINFORMAÇÃO ............................................................................................... 64

2.7 QUANDO DESINFORMAR .............................................................................................................. 70

2.8 FALHAS A CONSIDERAR ............................................................................................................... 73

2.9 CIRCUNSTÂNCIAS QUE AFETAM A DESINFORMAÇÃO...................................................................... 74

3 DESINFORMAÇÃO NA HISTÓRIA ............................................................................................. 81

3.1 INSTITUCIONALIZAÇÃO DA DESINFORMAÇÃO ............................................................................... 81

3.2 GUERRA FRIA ............................................................................................................................. 83

3.3 CASOS OCORRIDOS ...................................................................................................................... 83

4 ESTUDO DE CASO ........................................................................................................................ 89

4.1 DESINFORMAÇÃO POLICIAL: OPERAÇÃO (?) ................................................................................. 89

4.2 DESINFORMAÇÃO MILITAR: OPERAÇÃO MINCEMEAT ..................................................................... 92

5 CONCLUSÃO ............................................................................................................................... 113

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................... 116

Page 11: Desinformação, a técnica

10

1 INTRODUÇÃO

A mentira, a fraude e o logro há muito são utilizados pelo homem como

instrumento para obtenção de vantagens. Embora o emprego de tais recursos

praticamente permeie a história do homem, não é só no contexto das relações humanas

que se pode verificar o uso de meios para enganar adversários.

De fato, na natureza existem vários animais que se defendem, enganando

seus predadores. As variações cromáticas, por exemplo, constituem um dos recursos

mais comuns que algumas espécies utilizam para se proteger. As lulas são verdadeiras

mestras nesse tipo de disfarce, também conhecido como camuflagem. Elas alteram sua

cor para fugir de predadores como os golfinhos.

É nesse contexto de medidas de proteção que surge a desinformação, ou as

operações de desinformação. Englobando uma variedade de recursos orais, verbais,

visuais, dentre outros, é a desinformação uma das principais ferramentas empregadas

por políticos, empresários, governantes, comandantes para manipular audiências, ou

alvos específicos, de acordo com seus interesses.

Pode-se dizer, de certo modo, que a desinformação é uma forma natural de

proteção e um meio eficaz para se obter vantagem em conflitos de interesse, isto é,

vários seres vivos, além do homem, empregam-na como forma de proteger a si e a seus

objetivos contra inimigos e predadores de todo tipo.

Na história da humanidade, a desinformação ocupou um papel de maior

relevância, sobretudo, durante a Segunda Guerra Mundial e o período da Guerra Fria.

Foi a partir da Segunda Guerra Mundial, com o surgimento dos serviços de inteligência,

que as técnicas de desinformação foram substancialmente aprimoradas.

Segundo Cepik (2003, p. 13), esses serviços de inteligência são agências

especializadas em lidar com informações que auxiliam o processo de tomada de

decisões no âmbito governamental, além de desempenharem outras funções:

Serviços de inteligência são agências governamentais responsáveis pela coleta, pela análise e pela disseminação de informações consideradas

relevantes para o processo de tomada de decisões e de implementação de

políticas públicas nas áreas de política externa, defesa nacional e provimento

de ordem pública. Essas agências governamentais também são conhecidas

como serviços secretos ou serviços de informação.

Page 12: Desinformação, a técnica

11

Como essas agências eram especializadas na busca de informações de difícil

obtenção, aumentaram as chances de desinformar audiências especificamente difíceis.

Isso porque o conhecimento de como costuma se comportar o alvo ou mesmo saber em

que ele acredita representam elementos essenciais para que a efetividade da

desinformação não dependa exclusivamente da sorte ou da ignorância alheia. Assim, a

desinformação nesses períodos integrou os enfrentamentos como medida estratégica e

tática tanto nos ambientes políticos como militares, configurando um dos principais

expoentes nas disputas de poder e influência.

No período da Guerra Fria, os serviços de inteligência das superpotências

utilizaram a desinformação em escala mundial, buscando conquistar aliados nos

diferentes setores sociais. Por um lado, os EUA difundiam os perigos de uma

dominação comunista. De outro, a URSS denunciava os males do capitalismo.

Certamente os modos de influenciar pessoas e governos não se limitavam às

informações manipuladas, contudo, esse método constituía uma das principais formas

de se conquistarem mentes.

Os efeitos dessa polarização ideológica talvez possam ser sentidos até hoje. No

Brasil, por exemplo, os serviços de inteligência podem ter sido moldados tendo como

foco o ambiente interno como extensão da política estadunidense de conter o avanço

comunista (BRITO, 2009). Talvez isso explique por que ainda não se vêem estruturas

capazes, em termos qualitativos e quantitativos, de garantir os interesses nacionais no

ambiente externo. Além de serem poucas1 as representações dos serviços de inteligência

brasileiros no exterior, ainda não fazem parte da cultura estatal atividades concernentes

à espionagem ou mesmo à promoção de influência política por meios ocultos, as

denominadas ações encobertas.

Talvez, como consequência direta do pouco emprego de medidas de

desinformação ou da não utilização de meios ocultos para influenciar, os serviços de

inteligência brasileiros possam ter menos habilidade para lidar com tais práticas

promovidas por organizações internacionais, criminosas ou não, ou por Estados

estrangeiros. Por exemplo, até mesmo uma prática comum em muitos países como a

1 Disponível em: <http://www.abin.gov.br/modules/articles/article.php?id=1958>. Acesso em: 20 fev. 2010.

Page 13: Desinformação, a técnica

12

infiltração de agentes estatais (policiais ou de inteligência), que é uma atividade que

emprega a desinformação, ainda é realizada de forma incipiente no Brasil, uma vez que

não está plenamente regulamentada.

Em decorrência dessa possível inabilidade das agências de inteligência

brasileiras para lidar com questões concernentes à desinformação, infere-se que as

medidas de proteção de conhecimentos sensíveis, desenvolvidas no contexto de

segurança das informações, possam não estar aptas a lidar com o elo mais fraco da

maioria dos sistemas, que é o fator humano. Dessa forma, ainda que sejam elaborados

excelentes planos de segurança, sua implementação pode não ser concretizada pela

simples ausência de recursos financeiros, em decorrência de influência política

promovida por um grupo interessado.

Em função do exposto, surge o seguinte problema de pesquisa: o que é

desinformação para os serviços de inteligência? Busca-se, para tanto, identificar os

elementos, as características e as formas de implementação de uma forma geral e, a

partir daí, estudar particularidades verificadas em circunstâncias específicas

concernentes às atividades de inteligência.

Por meio de exemplos, faz-se uma análise do emprego da desinformação em

situações de guerra e em situações de segurança interna. Da mesma forma, inicia-se

uma comparação entre o modelo estadunidense e o brasileiro de emprego da

desinformação na inteligência policial, de modo a frisar algumas diferenças nos

métodos utilizados para prevenção e identificação de crimes.

Com isso, o objetivo do presente trabalho é analisar a desinformação, sob a

perspectiva dos serviços de inteligência, seus componentes, sua estrutura, e,

paralelamente, trazer à tona a discussão sobre a pouca importância que os serviços de

inteligência brasileiros aparentemente dão a esse tema, o que pode ser verificado pela

ausência ou escassez de material acadêmico e doutrinário.

Assim, na primeira parte, discorre-se sobre o conceito de desinformação, seus

elementos, características, tipos, modos de implementação e pressupostos, tomando-se

como parâmetro trabalhos de origem anglo-saxã. Essa preferência deveu-se à facilidade

de entendimento da língua inglesa associada à grande disponibilidade de material sobre

Page 14: Desinformação, a técnica

13

esse tema, escrito em inglês, em sítios da rede mundial. Acresente-se também a falta de

domínio de outro idioma.

Na segunda parte, citam-se circunstâncias históricas que envolveram o emprego

da desinformação, abrangendo tanto guerras como atividades para manutenção da

ordem e segurança internas, onde é feita uma análise dos fatores e condições

envolvidos.

Na terceira parte, efetuam-se análises de dois casos de desinformação à vista dos

elementos abordados neste trabalho. Assim, tem-se um caso na esfera policial, em que

policiais dos EUA utilizaram a desinformação para obter a confissão de um suspeito de

homicídio, e outro na esfera militar, em que a inteligência britânica conseguiu enganar

as forças alemãs e promover a invasão da Sicília, durante a Segunda Guerra Mundial,

com muito menos resistência.

Por último, conclui-se que a desinformação pode ser uma valiosa técnica para os

serviços de inteligência.

Page 15: Desinformação, a técnica

14

2 DESINFORMAÇÃO

2.1 Conceito de desinformação

Segundo Michaelis2, desinformação significa ―[...] estado de uma pessoa ou

grupo de pessoas não-informadas ou mal-informadas a respeito de determinada coisa‖.

Desinformação, nesse contexto popular, constitui um estado de fato de uma pessoa ou

de um grupo, isto é, a ignorância que esses possuem sobre algum assunto, como

também uma mensagem que pode conter erros propositais. Tal assertiva, embora

adequada a dar uma noção básica sobre o vocábulo, não oferece maiores recursos para

um entendimento que subsidie sua implementação prática como técnica utilizada pelos

serviços de inteligência, pois, além de não estabelecer uma diferenciação entre

informação e conhecimento3, não estabelece qual o propósito de se fazê-la. Há autores

nacionais, no entanto, que estabelecem uma diferença ao considerarem que a

informação imprecisa ou falseada transmitida sem intenção seria deformação.

Do conceito inicial pode-se, todavia, considerar que a desinformação

representa tanto o conteúdo de uma comunicação, isto é, a mensagem que é transmitida,

como também a condição cognitiva de alguém, que pode desconhecer algum assunto ou

conhecê-lo total ou parcialmente.

Quando se informa, instrui-se alguém sobre um determinado assunto,

compartilha-se uma informação. Quando se desinforma, por outro lado, introduzem-se

erros na informação ou ocultam-se informações relevantes (SCHEPPELE, 1953, p. 11)

com o propósito de influenciar as ações e sentimentos de alguém em proveito do

desinformador. A esse interesse do desinformador em obter vantagem fazendo com que

alguém se comporte de acordo com um plano previamente estabelecido pode ser

denominado como função manipuladora ou desinformadora.

2 Definição de desinformação, segundo o dicionário Michaelis on line. Disponível em: < http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=desinforma%E7%E o>. Acesso em: 29 maio 2010. 3 ―Conhecimento‖ pode ser entendido como produto da Inteligência, isto é, resultado do processo de coleta, análise e disseminação de informações e ―informação‖ pode ser entendida como algo que é conhecido (Gonçalves, 2009). Informação também pode ser entendida como produto da Inteligência (KENT, 1967, p. 17).

Page 16: Desinformação, a técnica

15

A desinformação costuma ser confundida com os conceitos de propaganda e

de publicidade, sobretudo pelo caráter manipulador que envolve as três atividades.

Esses temas, então, serão abordados de forma a tentar estabelecer uma diferenciação

entre desinformação e a função desinformadora/manipuladora que integra as demais.

A palavra propaganda surgiu pela primeira vez no século XVII por ocasião

da difusão da fé cristã: congregatio de propaganda fide4. Com o passar dos anos o uso

desse vocábulo afastou-se do objetivo inicial de evangelização passando ao de

influenciar pessoas a determinadas ideias políticas e sociais. Não raro emprega-se a

propaganda como meio para defender determinados governos ou representantes

(VOLKOFF, 2004, p. 13).

Publicidade, por outro lado, tem origem em público, diz respeito ao que é

relativo ou destinado ao povo, isto é, à coletividade.

A propaganda e a publicidade empregam várias técnicas de persuasão, no

entanto a propaganda costuma ser utilizada para divulgar ideias religiosas, propostas

políticas, crenças, ideais etc. Já a publicidade costuma ser empregada para fins

comerciais, isto é, na divulgação de produtos para venda. Assim, de forma simples, a

distinção reside na natureza das atividades desenvolvidas. Se a intenção é divulgar algo

em termos genéricos, conquistando a adesão, temos a propaganda. De outro modo, se o

objetivo for vender alguma coisa, temos a publicidade (VOLKOFF, 2004). Como toda

regra tem exceção, não é raro o uso da publicidade fora do que seria a essência

comercial. Um exemplo costumeiro disso é a tentativa de lançarem-se candidatos a

cargos políticos como se fossem produtos à venda.

Tanto a propaganda quanto a publicidade têm por meta atingir mais o

inconsciente do que a consciência das pessoas. Usando palavras, símbolos e/ou

imagens, difundem ideias ou informações buscando influenciar, ou manipular, aqueles

contra os quais são dirigidas.

Segundo Volkoff (2004, p. 14):

4 Congregação para a propagação da fé.

Page 17: Desinformação, a técnica

16

Uma característica principal da propaganda é fingir que procura convencer a

nossa inteligência, mas na realidade atinge a eficácia máxima quando se

dirige às nossas faculdades mais irracionais.

A função desinformadora, ou manipuladora, presente na propaganda e na

publicidade pode materializar-se em diversas formas. Estandartes, desfiles, palavras de

ordem, saudações padronizadas, enfim, vários recursos podem ser utilizados para privar

o indivíduo do senso crítico e levá-lo, não da doutrina ao comportamento, mas do

comportamento à doutrina (VOLKOFF, 2004). Na Alemanha nazista de Goebells e

Hitler, por exemplo, não foram poucos os esforços promovidos para ―doutrinar‖ o povo.

Tanto a propaganda quanto a publicidade costumam ser adjetivadas por

vários motivos. Adjetiva-se para determinar o assunto, identificar o protagonista,

identificar o meio pelo qual é promovida etc. Assim, temos a propaganda: religiosa,

ideológica, política, eleitoral, governamental, institucional, virtual e várias outras. Como

qualificação da publicidade tem-se: a publicidade de produto, de serviços, comparativa,

industrial, de promoção etc.

A questão de se qualificar, ou não, a propaganda ou a publicidade atende

mais a fins didáticos, de forma a facilitar a identificação por aqueles que se dedicam ao

estudo dessas técnicas, do que a diferenciar aspectos das atividades em si, uma vez que

os métodos são os mesmos. Ambas mantém sua essência ainda que realizadas sob um

regime político onde haja o controle dos veículos de comunicação. Um dos aspectos que

poderá representar uma diferença, nessa condição, será o maior número de canais de

transmissão da desinformação. Isso porque, aumentando o número de canais de

transmissão, aumentam as chances de êxito, pois cresce a capacidade de persuasão.

No caso específico da propaganda, sobretudo a relativa à política, costuma

haver uma classificação quanto à origem da transmissão, isto é, a fonte transmissora.

Para Godson (1984, p. 42), por exemplo, classifica-se em: direta ou disfarçada. Para

outros, no entanto, classificam-na em: branca, negra e cinza5.

5 Segundo Cepik (1999), as cores branca, cinza e negra são tradicionalmente associadas com o grau de segredo implicado em uma informação, fonte ou operação. Designando também o quão protegidas ("escondidas") estão as informações buscadas e, portanto, indicando algo sobre o grau de dificuldade para obtê-las.

Page 18: Desinformação, a técnica

17

Na propaganda direta não há qualquer tentativa de ocultar as verdadeiras

fontes da informação e na propaganda disfarçada a informação emana de um veículo

falsamente identificado ou não identificado, tais como: organizações internacionais de

fachada ou emissoras de rádio clandestinas.

Segundo Godson e Shultz (1984, p. 41-43), durante o período da guerra fria,

os soviéticos utilizavam a propaganda disfarçada, publicando matérias de autoria ou de

inspiração soviética nos veículos de informação de outros países, sem indicação da

fonte ou atribuindo-as a autores não soviéticos para influenciar os acontecimentos, o

comportamento e as ações de países estrangeiros. Relevante frisar que a propaganda

assim realizada é classificada como disfarçada porque proveniente de uma fonte que não

se pode identificar ou que está com uma identificação falsa, independente da natureza

da mensagem transmitida, embora esta, como já dito, seja de natureza costumeiramente

política.

A propaganda será branca se vier de uma fonte transmissora identificada;

será negra se proveniente de uma pretensa fonte "amiga", mas na verdade vier de um

adversário e será cinza se vier de uma suposta fonte neutra, mas na verdade vier de um

adversário.

É fácil, portanto, verificar por que a propaganda e a publicidade estão

associadas à desinformação. A função manipuladora ou desinformadora está presente

nos três conceitos, mas há diferenças pelo menos no emprego. Como de modo geral a

publicidade é mais associada a atividades comerciais, ela não mais será considerada

para o presente estudo. Quanto à propaganda e à desinformação, por outro lado, por

estarem historicamente associadas às atividades típicas de Estado, procura-se comparar

as concepções de alguns autores de forma a tentar estabelecer qual é a melhor relação,

considerando as atividades dos serviços de inteligência .

Godson e Wirtz (2008, p. 18), por exemplo, estabelecem que a propaganda e

a desinformação são praticamente iguais:

O objetivo da desinformação é induzir um alvo a fazer algo que é do interesse

do desinformador, mas não necessariamente do alvo. A propaganda, por

outro lado, tenta influenciar as crenças de um alvo mais genericamente e

Page 19: Desinformação, a técnica

18

costuma ser direcionada para a população em geral, ao invés das lideranças

de um governo [tradução nossa].6

Segundo esse entendimento, a propaganda assemelha-se à desinformação,

diferenciando-se quanto a três aspectos: a amplitude do alvo, isto é, se é direcionada a

uma pessoa ou a um grupo; quanto à especificidade da influência, ou seja, se o fim

pretendido é específico ou genérico, e quanto à função exercida pelo alvo, isto é, se este

é uma pessoa comum ou alguém do governo.

Volkoff (2004, p. 14-15), por outro lado, considera que há uma grande

diferença entre a desinformação e a propaganda. Para ele, a propaganda mesmo

falaciosa não se confunde com a desinformação porque esta seria promovida por meios

―ocultos‖, isto é, não se conseguiria discernir o verdadeiro interesse, e aquela é

executada evidenciando quais são os reais interesses. Dessa forma, segundo Volkoff,

seria propaganda Lenin incitar as massas contra os burgueses, Hitler excitar os arianos

contra os judeus ou mesmo o governo dos EUA implicar o comunismo com práticas

criminosas, porque o interesse seria óbvio.

As diferenças conceituais verificadas podem servir de parâmetro para se

estabelecer uma relação entre os temas abordados, no entanto elas parecem estar

influenciadas pelas perspectivas históricas consideradas por cada autor. Para estabelecer

definições ou diferenças adequadas ao contexto brasileiro, portanto, seria melhor

pesquisar o que autores brasileiros dispõem a respeito, com base na história de seus

serviços de inteligência. Uma vez que há pouca ou nenhuma produção teórico-

acadêmica ou doutrinária sobre esses temas no Brasil, os conceitos e exemplos adotados

baseiam-se em informações de origem estrangeira, onde a propaganda constitui uma das

técnicas empregadas nas operações de desinformação, ou deception operations, que

serão vistas a seguir.

Na terminologia dos serviços de inteligência estadunidenses, os termos

misinformation, disinformation7 e propaganda são normalmente utilizados quando se

6 The aim of deception is to induce a target to do something that is in the deceiver‘s interest but not necessarily the target‘s. Propaganda attempts to influence a target‘s beliefs more generally. Propaganda also targets the populace at

large, rather than the nation‘s leadership. 7 No idioma inglês, costuma-se empregar misinformation para se referir à desinformação sem intenção de enganar e disinformation onde há a intenção.

Page 20: Desinformação, a técnica

19

fala em operações civis ou militares com fins específicos de manipulação. São as

operações D&D, também chamadas de denial and deception operations ou

simplesmente deception operations, cuja função é basicamente disfarçar ou ocultar

outros tipos de operações através da manipulação da percepção de alvos específicos.

Com base em suas pesquisas, Cepik (1999, p. 11) estabelece que deception

operations refere-se a:

Medidas táticas e/ou estratégicas para desorientar e induzir ao erro um

inimigo através do uso de logro, engano, dolo, ocultação e dissimulação pela

indução a uma análise consistente mas equivocada da situação. Como estão

voltadas principalmente para a degradação da capacidade analítica de um adversário, frustrando-lhe as próprias operações de inteligência, essas

deception operations são consideradas parte da área de segurança de

informações (infosec). 8

Tomando como parâmetro a definição proposta por Cepik, não haveria por

que estabelecer uma distinção entre propaganda e desinformação, uma vez que o que

importa são as atividades desenvolvidas. Nesse sentido, ambas integrariam um conjunto

de medidas empregadas pelos serviços de inteligência para enganar e manipular

adversários, ou seja, avança-se a discussão tomando como foco os fins pretendidos.

Posteriormente será abordada novamente a questão da propaganda, no entanto convém

ressaltar outro aspecto dessa proposta. Cepik estabelece a existência de um inimigo

como elemento condicional, ou seja, busca-se enganar um inimigo ou frustrar suas

análises pela indução. A questão é: deixa de ser operação de desinformação, se não

houver um inimigo? O que seria então? Considerações morais ou legais à parte, a

resposta a essas perguntas parte da premissa de que uma operação de desinformação

também pode ser usada para fazer com que alvos ―amigos‖ sejam compelidos a atender

às vontades de um desinformador. Para promover uma mobilização, por exemplo,

informações poderiam ser divulgadas para manipular uma determinada audiência,

cooptando seus integrantes. A própria manutenção das atividades de uma agência de

inteligência pode depender de informações que manipulem alvos ―aliados‖

(governantes, diretores, políticos etc.) para garantir recursos e apoio político.

8CEPIK. Marco A. C. Glossário de Termos, Siglas e Acrônimos. 1999. Mimeografado.

Page 21: Desinformação, a técnica

20

Por outro lado, pode-se considerar que o conjunto de interações

interpessoais ou internacionais envolva vários níveis de relações adversariais que não

estam restritas às palavras amigo e inimigo. Inimigo, em uma acepção mais conhecida,

pode ser entendido como o nível mais elevado de interesses antagônicos a que

chegariam as partes, como nas guerras. Em um contexto mais brando, o uso do

vocábulo inimigo poderia estar se referindo tão somente àqueles que possuem interesses

distintos, mas não antagônicos. De fato, no mundo real os interesses podem se

antagonizar, distinguir ou identificar em diferentes níveis o que se contrapõe a idéia de

amigos e inimigos, que apresenta uma perspectiva maniqueísta. Assim, acredita-se que

o uso do termo, em questão, vise a contextualizar a desinformação no seio de relações

entre partes que tenham interesses distintos do que propriamente entre aqueles com

interesses expressamente antagônicos.

Ainda segundo Cepik, a operação de desinformação pode ser executada

através de medidas táticas ou estratégicas. Essa distinção estabelece a possibilidade de

que as informações fornecidas ao ―adversário‖ não sejam necessariamente falsas, nem

manipuladas. Isso porque se entende que esse tipo de operação também possa ser

utilizada para mudar a correlação de forças, fazendo o alvo acreditar ou aumentar sua

credibilidade em determinada fonte.

Segundo Clauzewitz, citado por Ávila e Rangel (2009, p. 62), o aspecto

tático compreende o planejamento e a execução dos enfrentamentos ou o uso da força

no enfrentamento e o aspecto estratégico compreende a coordenação dos

enfrentamentos ou o uso desses de forma a atingir determinados objetivos políticos.

Assim, enquanto uma unidade de estudos estratégicos seria responsável por adequar os

meios disponíveis (recursos humanos e materiais) aos objetivos políticos pretendidos,

uma organização militar ou de segurança pública teria como funções planejar e executar

ações para atingir os fins estabelecidos. Dessa forma, pode-se almejar com uma

operação de desinformação, ao invés de enganar ou manipular diretamente o alvo

principal ou frustrar suas análises, criar condições para que seja possível fazê-lo em

outra ocasião. Fornecer informações verdadeiras e relevantes para o alvo, por exemplo,

antes de desinformá-lo poderia ser uma forma de levá-lo a confiar em determinada fonte

Page 22: Desinformação, a técnica

21

ou aumentar a confiança, se já existente. Terroristas9, por exemplo, podem dar

evidências de que têm intenções hostis contra determinadas instituições, mas

supostamente falhar ao concretizar as medidas. O objetivo, no caso, pode não ser

enganar determinado governo, nem induzi-lo a fazer ou deixar de fazer algo, talvez

consista simplesmente em fazer com que passem a acreditar ou desacreditar que aquele

grupo tenha capacidade para fazê-lo.

Saliente-se que, para desorientar ou fazer com que o alvo de uma operação

de desinformação aja de acordo com os desígnios de um desinformador, não só ―o

logro, o engano, o dolo, a ocultação e a dissimulação‖ 10

podem ser empregados. A

divulgação da própria verdade pode alcançar o objetivo pretendido. Como o objetivo de

uma operação de desinformação não é mentir, nem falsear a verdade, sendo essas

atividades apenas meios para tentar manipular o alvo, até mesmo a divulgação de fatos

completamente verdadeiros pode ensejar a manipulação pretendida. Para tanto, basta

que haja ignorância do alvo sobre o assunto tratado.

Ladislav Bittman, ex-funcionário da inteligência da Tcheco-Eslováquia,

especialista em operações de desinformação, contrariando especialistas da CIA e da

KGB que insistiam que a desinformação seria sempre constituída de informação falsa,

traça uma interessante observação sobre essa questão (GODSON; SHULTZ, 1984, p.

42): ―[...] a mensagem pode conter uma informação tanto verdadeira quanto falsa,

vazada para um antagonista com a finalidade de o confundir.‖

É de relevante importância essa observação de Bittman, uma vez que auxilia

a compreensão da diferença entre desinformação e operação de desinformação,

possibilitando também retomar-se a questão da propaganda.

Segundo Cepik (1999, p. 12), disinformation refere-se a:

O objetivo de uma campanha de desinformação é desacreditar, confundir e causar danos à imagem, percepção, informação e análise de um adversário.

Isso é feito através da fabricação e disseminação de informações falsas,

derrogatórias ou supostamente reveladoras das "reais intenções" do inimigo.

Embora a prática de se "forjar documentos" para fins de propaganda seja

antiga e disseminada, alegadamente o termo teve origem entre os

profissionais soviéticos/russos da área (dezinformatsiya).

9 Forma específica de luta com propósito político. (DINIZ, 2002b apud ÁVILA, RANGEL, 2009, p.103). 10 Conceito de deception operation (CEPIK, 1999, p. 11).

Page 23: Desinformação, a técnica

22

Com base nessa definição, pode-se dizer que desinformação em sentido

restrito consiste basicamente no emprego de informação falsa ou falseada para enganar

um adversário. As operações de desinformação, por outro lado, resultariam da

conjugação da desinformação com a propaganda. Isso porque, neste tipo de operação, a

manipulação não se restringiria à utilização de informações falsas ou falseadas, pois até

mesmo a divulgação de informações verdadeiras poderia confundir o alvo de modo a

paralisar suas ações, tudo no interesse do desinformador.

Para disinformation, a exemplo do conceito estabelecido para deception, é

de extrema importância a contribuição do professor, mas novamente retoma-se a

questão se é realmente necessário que o alvo que se pretenda desacreditar, confundir ou

causar danos seja um adversário ou inimigo. Outro ponto é se seria exclusivamente

através da fabricação e disseminação de informações falsas ou derrogatórias que se

poderia confundir ou causar danos à imagem de um alvo. Ainda que causar danos ou

desacreditar um amigo ou aliado possam parecer atos impraticáveis, são recursos que

poderiam ser utilizados como forma de compeli-lo a integrar uma ação conjunta que em

uma situação anterior ele se mostrava relutante. Por outro lado, acredita-se que

informações verdadeiras também possam desacreditar, confundir e danificar a imagem

de um alvo.

Analisando as definições de deception operations e disinformation,

portanto, vislumbra-se que uma relação adequada entre propaganda e desinformação

seria identificar operações de desinformação com operações de propaganda, ou com

propaganda simplesmente, uma vez que há a divulgação de informações verdadeiras,

falsas ou falseadas para manipular um alvo. A identificação da desinformação, em

sentido restrito, com a propaganda então seria um erro, pois aquela se refere à

mensagem falsa ou falseada para manipulação e esta se refere à difusão de mensagens

de qualquer natureza com fins de manipulação.

Assim, para o presente estudo adotam-se os seguintes conceitos, com base

nas definições propostas por Cepik (1999):

Desinformação, em sentido restrito, consiste na fabricação e disseminação de informações falsas, ou falseadas com o fim de desacreditar, confundir e

causar danos à imagem, à percepção, às informações e análises de um

Page 24: Desinformação, a técnica

23

determinado alvo. Operação de desinformação compreende medidas táticas

e/ou estratégicas para desorientar, enganar e induzir ao erro um alvo através

do uso de informações verdadeiras, falsas ou falseadas.

A desinformação, para o presente trabalho, não se resume a uma ―técnica

operacional‖ utilizada ou utilizável pelos serviços de inteligência. Isso porque, ao

empregar a adjetivação operacional, acredita-se que o espectro de atuação da

desinformação estaria sendo restrito a esse âmbito, o que não seria verdade. Ao longo

deste trabalho refuta-se essa qualificação restritiva demonstrando-se que a

desinformação pode ser empregada nos níveis estratégico e tático. Acrescente-se a isso

o fato de que o nível operacional é mencionado somente em transcrições literais, onde

são consideradas as doutrinas militares do Canadá e dos EUA. Isso porque foi adotada

uma concepção de desinformação baseada em Cepik (―medidas táticas e estratégicas‖) e

na concepção de Clausewitz, citado por Ávila e Rangel (2009), para quem só existiria os

níveis de atuação tático e estratégico.

Assim, na concepção militar dos EUA e do Canadá a desinformação poderia

ser utilizada em três níveis e na concepção de Clausewitz11

em apenas dois. Dessa

forma, parece pouco recomendável reduzir a desinformação à denominação de técnica

operacional, por restringi-la a um só dos âmbitos de atuação.

2.2 Elementos da desinformação

De acordo com o grau de complexidade da desinformação, poderão estar

presentes um ou mais dos elementos que seguem abaixo, segundo Volkoff (2004, p.

101-107).

2.2.1 O cliente

No período da Guerra Fria um dos principais clientes das operações de

desinformação era o partido comunista soviético. A operação Transfert (VOLKOFF,

2004, p. 85), realizada em 1965 e descrita abaixo, dá a dimensão das práticas de então:

11 Citado por Ávila e Rangel (2009).

Page 25: Desinformação, a técnica

24

Antes da II Guerra Mundial, mais de três milhões de alemães viviam na

Checoslováquia. Após a guerra, três milhões foram deportados para a

Alemanha ocidental e oriental restando tão somente 170.000 alemães em

território Checo. Devido aos maus tratos 70.000 dos remanescentes

oficializaram pedido para deixar o país. [...] O tenente coronel Michel, do

serviço secreto checoslovaco (Statni Bespecnost), teve então a ideia de

recrutar centenas de alemães como agentes, ou melhor, como pseudo-agentes.

A ideia de Michel baseava-se na certeza de que muitos se interessariam pela

proposta e de que mal atravessassem a fronteira iriam comunicar aos agentes

do serviço secreto alemão sua condição. Tal situação poderia causar uma

sobrecarga de pessoas a entrevistar. Michel sabia que os alemães perceberiam

que se tratava de uma encenação, no entanto poderiam acreditar que, dentre inúmeros falsos agentes, alguns poderiam ser verdadeiros. Com o êxito da

operação proposta por Michel, o Serviço Federal de Informação

(Bundesnachrichtendienst) e o Departamento Federal para Defesa da

Constituição (Bundesamt für Verfassugsschutz) ficaram por um bom tempo

desviados de outras tarefas.

Uma característica basilar das atividades de inteligência é que seus produtos

destinam-se especificamente a atender às demandas de governantes, dirigentes,

comandantes e outros, aos quais as respectivas agências estejam subordinadas, isto é, o

foco das atividades é auxiliar usuários na solução de problemas. Deve-se evitar,

portanto, desvios de finalidade que se prestem a atender aos anseios pessoais daqueles

que irão executar as medidas. Tais desvios podem materializar-se de diversas formas.

Um exemplo não raro, verificado empiricamente no meio da inteligência policial, é a

confecção de relatórios, ou planos de ação, onde o autor, estando mais preocupado em

expor seus conhecimentos jurídicos e/ou acadêmicos do que os fatos ou propostas em si,

emprega uma linguagem pouco adequada para os fins previstos. Outro exemplo consiste

em esquecer que o cliente também precisa ser estudado e convencido. A importância

dessa observação reside no fato de que serviços de inteligência e seus agentes não são

autônomos. Como se destinam a atender usuários, ainda que intermediários, a palavra

final sobre a execução ou não de uma determinada operação normalmente não cabe aos

executores diretos. Assim, por mais que os agentes da Inteligência acreditem que

determinada proposta seja a melhor linha de ação a ser adotada, se o usuário final, ou

mesmo o encarregado imediato, não concordar poucas chances o plano terá de ser posto

em prática. A proposta talvez não seja nem lida, ou mesmo considerada.

Washinton Platt (1974, p. 46) estabelece também que deve ser considerado

o tempo que o cliente dispõe para ler os trabalhos ou projetos apresentados:

Page 26: Desinformação, a técnica

25

Nas presentes condições, em que todo mundo é superocupado, em que o

fluxo de papéis é enorme e o tempo para leitura limitado, qualquer

documento tem logo contra si uma carga considerável de resistência.[...] O

analista pode conseguir muito, no sentido de tornar uma Informação digna de

leitura, se ao produzi-la tiver em mente sua finalidade sempre com vistas à

plateia.

2.2.2 O dinheiro

O dinheiro é quase uma condição elementar para o desenvolvimento de

qualquer atividade no mundo que conhecemos, de forma que, em uma operação desse

tipo, deve haver previsão de recursos necessários para pagar informantes, agentes de

influência, dentre outros. Por outro lado, não é o dinheiro, ou qualquer outra vantagem

de caráter financeiro, o fator a motivar àqueles que serão envolvidos no planejamento

ou na execução das medidas de desinformação. Na verdade, para alguns, o dinheiro não

seria um fator motivador. Valores pessoais, éticos e morais, dentre outros, seriam os

verdadeiros fatores motivadores, de modo que uma pessoa trabalharia motivada não

porque seu salário é atraente, mas sim porque o conteúdo do trabalho em si lhe é

agradável e desafiador.

Com base nessas considerações, o dinheiro é considerado aqui sob um

prisma conotativo que, apesar de relativamente impróprio, tem a finalidade de

representar um conjunto de fatores capazes de estimular àqueles que irão participar

tanto do planejamento quanto da execução das operações de desinformação.

2.2.3 A análise de situação

Não se desinforma uma agência de inteligência adversária da mesma forma

que se faz com um traficante local. A análise de situação implica o conhecimento de

quais meios deverão ser utilizados para implementar a ação de forma a produzir o

resultado esperado. A função da inteligência é essencial nessa fase. É necessário buscar

informações sobre qual ―produto‖ o alvo aceitará e sobre como fazê-lo aceitar. Segundo

Howard Gardner (2005, p. 28): ―[...] a coleta de dados relevantes complementa o uso da

argumentação‖. Pode-se entender, então, que a desinformação deve basear-se,

sobretudo, nas informações obtidas do próprio alvo. A relevância desse aspecto pode

Page 27: Desinformação, a técnica

26

traduzir-se na preservação de vidas ou mesmo no sucesso de uma operação principal

que esteja em andamento.

2.2.4 Os suportes

Os suportes da desinformação dizem respeito aos fatos verdadeiros ou que o

alvo julga como verdadeiros, que são tomados como base para a manipulação de

informações. Com base nesses fatos, o bom desinformador deve ser capaz de

contextualizar a desinformação de forma que esta adquira um ar de veracidade ou de

verossimilhança, isto é, o desinformador deve ser capaz de ―pegar o bonde andando12

e, a partir daí, trabalhar a informação para obter o resultado esperado.

2.2.4.1 As falsificações (suportes especiais)

A desinformação não precisa se restringir a acontecimentos verdadeiros

como ponto de partida para sua difusão, basta apenas que o alvo acredite que o sejam.

Um dos reflexos almejados por uma operação de desinformação deve ser a confusão

mental que possa causar no alvo. Dessa forma, mesmo havendo um desmentido da

informação inicialmente difundida, a desinformação deve ser capaz de suscitar no alvo a

dúvida.

2.2.5 Os retransmissores

Todos os meios capazes de reproduzir a palavra e/ou a imagem podem ser

utilizados como retransmissores de desinformação. Pessoas, de forma consciente ou

não, jornais, revistas, panfletos, cartas, transmissões de rádio, comunicações de internet,

programas de televisão, enfim há inúmeros canais que podem ser utilizadas pelo

desinformador para difundir sua mensagem. Quanto maior o número de canais maiores

são as chances de que o alvo seja desinformado. Aumentar os canais também pode

ajudar a ocultar a verdadeira origem da desinformação.

12 Linguagem popular, que significa tirar proveito de algo que esteja em curso, ou seja, se o alvo acredita em alguma informação que recebeu, sendo ela verdadeira ou não, é a partir daí que se criará todo um contexto para manipulá-lo.

Page 28: Desinformação, a técnica

27

Quanto ao emprego de homens e mulheres, estes podem ser infiltrados de

forma a conquistar a confiança do alvo e servir como agentes de influência, tentando

reforçar o alvo a acreditar no que lhe foi informado.

Um importante retransmissor é a opinião pública. A desinformação, uma

vez apoiada na opinião pública, potencializa-se e aumenta suas chances de efetivamente

manipular o alvo. Isso porque a opinião pública constitui-se de várias pessoas que,

muitas vezes, acabam retransmitindo determinadas informações de forma inconsciente e

acrítica.

2.2.5.1 As caixas de ressonância (retransmissores especiais)

Ressonância13

é a oscilação provocada em um determinado sistema físico

quando sobre ele age outro sistema que oscila em uma freqüência específica. Um

balanço, por exemplo, vai alcançar alturas mais altas se cada novo empurrão estiver

sincronizado com seu ritmo.

Frequência de ressonância é a própria oscilação em que se encontra o

balanço. Quanto mais próximo estiver a freqüência de excitação que é imposta (os

empurrões, no caso) a uma coisa ou objeto da frequência de ressonância que lhe é

característica (oscilação originária) mais este irá responder à vibração. Do contrário, a

frequência de excitação poderá não ter efeito algum, como no caso de se tentar empurrar

o balanço fora do momento adequado.

Essas questões não são diferentes para o corpo humano, se consideramos

cada segmento corporal como um objeto isolado. Cada elemento do corpo responderá

de maneira distinta ao estímulo vibratório externo, pois possui sua própria freqüência de

ressonância. Na figura 7 temos três situações14

onde um mesmo sinal é transmitido em

frequências diferentes de forma a passar por um mesmo objeto. Somente na situação

central a frequência de transmissão coincide com a frequência de ressonância do objeto,

de modo que este deixa o sinal passar sem atenuá-lo.

13 Disponível em: < http://www.thefreedictionary.com/resonance>. Acesso em: 28 fev. 2010. 14 Disponível em: < http://w3.ualg.pt/~rguerra/Acustica/ressonancia.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2010.

Page 29: Desinformação, a técnica

28

Fig.1: Caixas de ressonância

Fonte: GUERRA, 2005.

Em outras palavras, se houver uma coincidência de frequências entre o

estímulo externo e a frequência de ressonância de um determinado objeto, o sinal

transmitido não perderá sua intensidade.

Aplicando-se tais conceitos à desinformação, temos que as caixas de

ressonância são pessoas que transmitirão o conteúdo da desinformação sem atenuá-lo,

podendo até mesmo ampliá-lo, pois este atende a seus fins. Frequências de ressonância,

então, poderiam ser associadas aos interesses e ideologias dessas pessoas. Homens e

mulheres da mídia escrita e falada em geral costumam estar nesta categoria. Sua

predisposição às operações de desinformação baseia-se no fato de que a emoção vende

melhor do que os fatos. Embora o jornalista deseje informar e o desinformador almeje

desinformar, ambos buscam a emoção. Ao desinformador interessa a manipulação e ao

jornalista, o lucro.

2.2.7 O tema

O tema, ao contrário do suporte, deve ser o mais simples, ilógico e

inverossímil possível, pois um tema verossímil ou lógico pode dar lugar a contestação,

que deve ser evitada (VOLKOFF, 2004, p. 41). Consiste basicamente em associar ou

identificar uma entidade (pessoa, grupo, instituição etc.) com qualidades, práticas,

grupos ou indivíduos de forma quase irracional com o intuito de fazer com que o alvo

da desinformação a desacredite ou a repudie. O tema em muito se parece com a técnica

Page 30: Desinformação, a técnica

29

de propaganda denominada transferência que será vista mais adiante, no entanto, como

já exposto anteriormente, uma coisa é o produto desinformação e os elementos que a

compõem, outra é a forma de sua divulgação. Pode-se dizer que a diferença reside em

quem faz a associação ou identificação, isto é, se promovida pelo desinformador é tema,

se a desinformação foi divulgada com a associação ou identificação promovida

deliberadamente pelos elementos retransmissores é propaganda com transferência. É

muito difícil para quem recebe a desinformação saber identificar se é tema ou

propaganda com transferência, isto é, saber a verdadeira origem da associação ou

identificação. Já para quem irá promover uma operação de desinformação é importante

saber a diferença de forma a tentar controlar todo o processo.

A título de ilustração de temas ou propagandas com transferência, os

seguintes exemplos ocorridos por volta do ano 2009. Ex.1: Em uma emblemática

entrevista, amplamente veiculada na mídia, o entrevistado informava que o sistema de

interceptação telefônica utilizado pela Polícia Federal brasileira atuava como um vírus,

de forma que centenas de milhares de pessoas poderiam ter sido e ainda estarem sendo

ilegalmente interceptadas. (Neste caso houve também outra técnica denominada apelo à

autoridade) Ex.2: Em outra ocasião, foi atribuída a prática de atividades fascistas à

Polícia Federal brasileira. Ex.3: Outro tema amplamente veiculado dizia que o Brasil

estaria se tornando um ―Estado Policialesco‖. Ex.4: OAB nacional cobra de Tarso fim

da pirotecnia nas ações da PF 15

.

2.2.8 O alvo

O alvo de uma operação de desinformação logicamente deverá estar

previamente definido. Na verdade o que está indefinido é se a operação de

desinformação será realizada ou não, pois isso depende da análise de sua viabilidade. A

desinformação a ser empregada deve tomar como parâmetro informações a respeito do

próprio alvo, ou seja, informações do tipo, grau de escolaridade, cultura geral,

relacionamentos, comportamentos etc. A receptividade à desinformação é diretamente

proporcional à ignorância sobre determinado assunto e inversamente proporcional às

15 Matéria disponível no sítio Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-jul-11/oab_cobra_tarso_fim_pirotecnia_acoes_pf>. Acesso em: 13 mar. 2010.

Page 31: Desinformação, a técnica

30

ideias pré-concebidas desfavoráveis a sua implementação, o que se traduz na resistência

em acreditar nas informações recebidas. Dessa forma, talvez seja necessário, antes de

efetivamente iniciar uma operação de desinformação, apresentar informações

verdadeiras para diminuir os preconceitos do alvo à futura campanha de desinformação.

2.2.9 A visão maniqueísta

A desinformação procura criar no pensamento do alvo categorias

antagônicas sem gradações (VOLKOFF, 2004, p. 106-107). Assim temos: bom e mau,

abstrato e concreto, subjetivo e objetivo, todo e parte, verdadeiro e falso, pois isso torna

mais fácil a assimilação. Nesse sentido, busca-se criar a impressão no alvo de que se

uma coisa é boa, verdadeira ou objetiva, a outra é ruim, falsa ou subjetiva, ou seja, trata-

se de uma forma de simplificação.

2.2.10 A psicose

Segundo o dicionário Michaelis16

, a psicose é tanto uma doença mental com

perturbação das funções intelectuais como uma inquietação mental extrema de um

indivíduo ou de um grupo social.

A psicose é, neste trabalho, um dos efeitos que o sucesso de uma operação

de desinformação pode criar no alvo. Traduz-se, dentre outros aspectos, em uma

desorganização psíquica onde o alvo deixa de perceber criticamente o caráter estranho

da informação que lhe é transmitida (VOLKOFF, 2004, p. 107). Como resultado, o alvo

se autodesinforma, isto é, além de acreditar na desinformação recebida, ainda cria

argumentos que a sustentam e até mesmo difunde a desinformação, passando-a a outros.

Uma forma de manipular indiretamente um alvo, principalmente se este for suscetível à

opinião pública, consiste em criar uma psicose pública através de uma operação de

desinformação. A título de exemplo, infere-se que a seguinte matéria possa ser capaz de

gerar psicose:

16 Definição de psicose, segundo o dicionário Michaelis on line. Disponível em: <

http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=psicose>. Acesso em: 29 maio 2010.

Page 32: Desinformação, a técnica

31

Até o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal suspeitam ter sido

alvo de espionagem. Ninguém está a salvo. É o fim da privacidade no Brasil

[ESCOSTEGUY; JUNIOR, 2008].

2.2.11 A retroinformação

A concretização da desinformação pode não se restringir a uma única

intervenção, isto é, talvez seja necessário reforçar as informações fornecidas ao alvo

para que este aja de acordo com os interesses do desinformador. Para isso é necessário,

portanto, saber qual a resposta à informação recebida. Em outras palavras, pode-se dizer

que é melhor, antes de se implementar a ação principal, saber como o alvo se comportou

diante da informação que lhe foi fornecida. Se a notícia lhe foi indiferente ou se o

sensibilizou e, neste caso, de que forma são aspectos importantes que devem ser

considerados. Tem-se, então, o quanto é importante para esse tipo de atividade o

monitoramento ou o acompanhamento do comportamento daqueles que se pretenda

desinformar, o que pode ser promovido através de recursos eletrônicos ou mesmo por

informantes.

2.3 Como desinformar

Em uma operação de desinformação, os fatos (suportes) e os temas podem

ser tratados de várias formas, segundo Volkoff (2004, p. 108-114), no entanto o objetivo

principal deve ser atingir a sensibilidade do alvo desviando de sua racionalidade. Para

isso diferentes técnicas podem ser empregadas, tais como: negar uma informação,

difundir uma informação incompleta, tendenciosa ou falsa, saturar o alvo com

sobreinformação, empregar comentários direcionados etc.

De forma simplista, deve-se jogar com as palavras e/ou explorar a imagem,

isto é, fazer associações entre vocábulos ou contextualizar desenhos, fotos e vídeos de

acordo com os interesses do desinformador.

Segundo Volkoff (2004, p. 124-129), são exemplos de jogos de palavras: 1.

Utiliza-se a expressão ―inimigos do povo‖ para buscar a solidariedade de todo o povo

contra um determinado grupo; 2. Empregam-se ―terroristas árabes‖ e ―criminosos de

guerra‖, para se referir àqueles que fazem a guerra no lado adversário, isto é, busca-se a

Page 33: Desinformação, a técnica

32

visão maniqueísta, estabelecendo mocinhos e bandidos; 3. O termo ―revisionista‖ é

empregado para insultar quem põe em dúvida a história como é ensinada. Por exemplo,

aqueles que negam o holocausto nazista. O vocábulo ―fascista‖, da mesma forma, tem

por fim insultar o inimigo atribuindo-lhe supostas práticas autoritárias e

antidemocráticas etc.

A exploração da imagem pode ser promovida através de desenhos, gravuras,

fotos, vídeos etc., ou seja, tudo que possa induzir o alvo a nutrir um determinado

sentimento (positivo ou negativo) por um determinado objeto de trabalho (grupos,

pessoas, ideais etc.). Uma imagem ou um vídeo, por exemplo, podem ser explorados

amplamente, mesmo se reproduzirem acontecimentos reais. Basta construir o contexto

onde serão inseridos.

Durante a segunda Guerra Mundial, por exemplo, ambos os lados do

conflito elaboraram inúmeros cartazes, gravuras e desenhos, explorando negativamente

a imagem adversária.

2.3.1 A questão subliminar

O ser humano, segundo Merikle (2000), é continuamente submetido aos

mais diferentes estímulos, havendo uma faixa de percepção que variaria de pessoa para

pessoa. Em outras palavras, alguns estímulos não podem ser percebidos de forma

nenhuma, ao passo que outros seriam perceptíveis para algumas pessoas. Isso pode

acontecer por vários motivos. Por exemplo: estímulos sonoros podem estar fora do

espectro de audição humana (de 20 hz a 15 khz), ou serem demasiadamente fracos;

estímulos visuais podem ter um tempo de exposição demasiadamente curto. De acordo

com essa concepção, alguns estímulos seriam percebidos de forma consciente e outros

não.

Para Merikle (2000), a percepção dos estímulos pode ser entendida como a

capacidade de entender esses estímulos, ou seja, se alguém vê algo, sabe que viu, se

sente algo, sabe que sentiu. A pessoa pode até não saber o que viu ou não lembrar o que

sentiu, mas tem a noção de ter visto ou sentido algo. Essa percepção seria influenciada

por fatores fisiológicos, psicológicos, sociais e outros.

Page 34: Desinformação, a técnica

33

A ideia de percepção dos estímulos, para a psicologia, está associada com a

resposta que se dá a eles, isto é, só se poderia dizer que um determinado estímulo foi

percebido quando este é forte o suficiente para causar uma resposta consciente a ele.

Assim, perceber um estímulo não se resume à capacidade do corpo humano para

detectar algo. É mais que isso. Representa a capacidade que o corpo humano tem de

responder ativamente aos estímulos que lhe são feitos (MERIKLE, 2000).

A psicologia considera, então, que haveria uma divisão dentro da faixa de

percepção humana, um limiar. A figura 2 a seguir caracteriza essa divisão:

Fig.2: Faixa de percepção humana

Fonte: Arquivo pessoal

Com base nesse quadro, pode-se dizer que a psicologia emprega o termo

subliminar para se referir ao que está abaixo do limiar da percepção consciente. Dessa

forma, um estímulo subliminar é um estímulo percebido, isto é, que deu causa a uma

reação, mas esta é tão pequena que a mente não é capaz de analisar essa informação de

forma consciente. Pode-se dizer, em outras palavras, que o limiar da percepção separa

os estímulos, dentro da faixa de percepção humana, de acordo com a sua intensidade.

Estímulos fracos, mas perceptíveis, produzem reações fracas inconscientes denominadas

subliminares e estímulos fortes produzem reações fortes de forma consciente.

A percepção subliminar, portanto, pode ser entendida como a capacidade

humana de receber, interpretar e guardar inconscientemente informações (MERIKLE,

2000). Embora essa teoria seja cientificamente comprovada, há controvérsias se esse

armazenamento inconsciente de informações seria maior que a capacidade consciente.

PERCEPÇÃO CONSCIENTE

PERCEPÇÃO INCONSCIENTE LIMIAR LIMIAR

ESTÍMULOS

ESTÍMULOS

UL

Page 35: Desinformação, a técnica

34

Há também controvérsias quanto à questão da persuasão subliminar, isto é, se as

mensagens subliminares teriam o poder de influenciar os pensamentos, sentimentos ou

as ações de um receptor. Ao contrário da percepção subliminar a persuasão não foi

comprovada cientificamente, todavia muitos acreditam na possibilidade de seu uso

como forma de manipulação da mente humana. Para isso utilizam estímulos sonoros

e/ou visuais tentando influenciar determinados alvos.

A questão subliminar pode ser dividida em dois segmentos, que são:

2.3.1.1 Imagens subliminares

São estímulos visuais que possuem um tempo de exposição demasiadamente

pequeno para serem percebidos conscientemente, contudo podem ser recebidos,

interpretados e guardados pela mente humana. Ex.: Imagem introduzida em filmes.

2.3.1.2 Mensagens auditivas subliminares

São estímulos sonoros contidos em gravações, geralmente musicais, que não

são percebidos de forma consciente, embora possam ser recebidos e armazenados na

mente humana. Ex.: Gravação de mensagens de forma inversa em faixas musicais,

também conhecida como backmasking, isto é, a mensagem é gravada no sentido inverso

ao da música e pode ser claramente identificada quando se toca a música ao contrário.

2.3.2 O emprego da retórica

Para Aurélio (1975, p. 1230), retórica refere-se à eloquência, isto é, a arte de

persuadir pelas palavras. Embora a retórica constitua uma técnica para comover o

interlocutor a qual é expressa principalmente através de forma verbal, seu emprego

também costuma materializar-se no discurso escrito, na música17

, na pintura18

e na

publicidade.

17 Exemplos de retórica na música podem ser verificados no site:<http://www.cchla.ufpb.br/claves/ pdf/claves02

/claves_2_tres_exemplos.pdf>. Acesso em: 24 jan. 2010. 18 Exemplos de retórica na pintura podem ser verificados no site:<http://www.dezenovevinte.net/ensino_artisti co/ea_ret_reg.htm>. Acesso em: 24 jan. 2010.

Page 36: Desinformação, a técnica

35

2.3.2.1 As falácias

No discurso retórico, verbal ou escrito, busca-se convencer a audiência

empregando técnicas de argumentação, como as falácias19

. Falácias são argumentos

cujas razões alegadas (premissas) não sustentam de forma lógica as conclusões

(FERRATER MORA, 2005). Argumentos falaciosos buscam persuadir a audiência mais

por questões emotivas que racionais.

Ao informarmos algo fazendo argumentações, podemos expor as razões

(premissas) que sustentam nossas conclusões. Se as argumentações forem logicamente

inválidas, mas parecerem válidas, de forma a tentar convencer alguém de que estamos

certos, estaremos diante das falácias. Assim, um argumento será falacioso quando as

razões apresentadas aparentarem sustentar uma dada conclusão, mas na realidade não o

fazem.

São várias as categorias de falácias, porém são citadas abaixo apenas

algumas (DOWNES, 1996):

19 O termo ―falácia‖ às vezes é utilizado como equivalente de sofisma, isto é, no sentido de ―argumentação aparente‖

ou argumento que não é, realmente, um argumento, ou seja, um bom argumento [...]. Uma falácia, assim como um sofisma, é uma forma de argumento não válida. [...] de fato, impõe-se cada vez mais em português a tendência a utilizar ―falácia‖ em vez de ―sofisma‖. [...] Algumas vezes se distingue ―sofisma‖ de ―falácia‖ indicando que, enquanto o primeiro se caracteriza por ser ―intencional‖ – por ser o tipo de raciocínio produzido por um ―sofista‖ com o fim de derrotar e confundir o opositor – a segunda se caracteriza por ser simplesmente um ―erro‖ ou ―descuido‖ no raciocínio. De acordo com essa distinção, o sofisma é uma argúcia retórica, enquanto a falácia é um tipo de argumento não-válido. Todavia, como o ―sofista‖ produz no curso de seu sofisma esse tipo de argumento, não há razão para estabelecer uma distinção entre sofisma e falácia. Disponível em: < http://books.google.com.br/books?id=arWu04Gg_uAC&pg=PA990&lpg=PA990&dq=categorias+de+fal%C3%A1ci

as&source=bl&ots=-UkTnTw1As&sig=Qa5GEWQuqyVZDeDJy6_k91ztXrY&hl=pt-BR&ei=WjpcS6OwNIKQuAe 5i4HAAg&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=7&ved=0CCAQ6AEwBg#v=onepage&q=categorias%20de%20fal%C3%A1cias&f=false>. Acesso em: 24 jan. 2010.

Page 37: Desinformação, a técnica

36

Falácias de dispersão: 1. Falso dilema [...]; 2. Exploração da ignorância

alheia ou negação dos fatos [...]; [...] Apelo a Motivos (em lugar das

evidências): 1. Apelo à força ou apelo ao medo [...]; 2. Apelo à piedade [...];

3. Alerta sobre as possíveis consequências ou desaprovação; 4. Apelo a

preconceitos ou transferência; 5. Apelo à opinião pública. Fugindo do

Assunto: 1. Ataques pessoais (Ad hominem); 2. Apelo à autoridade. [...]

Falácias de Indução: 1. Generalização precipitada ou generalização da

conduta; 2. Amostra não representativa do todo ou partes desiguais; 3.

Indução preguiçosa ou simplificação [...] [tradução nossa].20

2.3.3 Métodos que podem ser usados

Para ilustrar recursos que podem ser utilizados nas informações, foram

utilizadas considerações de Volkoff (2004) e outras constantes do Manual21

de

Operações Psicológicas 33-1 (1979) do Exército dos EUA. Embora este manual se

refira especificamente a técnicas de propaganda (Psychological Operations – PSYOP),

seu emprego fundamenta-se na relação simbiótica que há entre a desinformação e a

propaganda, já comentada em fase anterior deste trabalho.

2.3.3.1 Afirmações

Afirmações, segundo o Manual estadunidense (1979, p. 1) são declarações

baseadas em fatos verdadeiros ou falsos, apresentadas como fatos concretos, isto é, o

que foi dito é tão evidente que não precisa de maiores provas. Ex.: ―Protógenes:

espionagem ilegal‖. (PORTELA, 2009) O uso de uma afirmação tem por objetivo

estabelecer que o fato realmente aconteceu.

2.3.3.2 Apelo à autoridade

Segundo o Manual estadunidense (1979, p. 1), ―emprega-se uma figura

proeminente para apoiar um posicionamento, uma ideia, um argumento ou um curso de

20Fallacies of Distraction: 1.False Dilemma: two choices are given when in fact there are three options; 2. From

Ignorance: because something is not known to be true, it is assumed to be false; […] Appeals to Motives in Place of Support: 1. Appeal to Force: the reader is persuaded to agree by force; 2. Appeal to Pity: the reader is persuaded to agree by sympathy; 3. Consequences: the reader is warned of unacceptable consequences; 4.Prejudicial Language: value or moral goodness is attached to believing the author; 5. Popularity: a proposition is argued to be true because it is widely held to be true. Changing the Subject: 1. Attacking the Person […]; 2. Appeal to Authority […];Inductive Fallacies: 1. Hasty Generalization the sample is too small to support an inductive generalization about a population;

2. Unrepresentative Sample: the sample is unrepresentative of the sample as a whole; […] 3. Slothful Induction: the conclusion of a strong inductive argument is denied despite the evidence to the contrary […]. 21 Disponível em: <http://milresource.ru/US_Army_FM_%2033-1.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2009.

Page 38: Desinformação, a técnica

37

ação‖. Pode-se também citar o apoio da figura proeminente à proposta elaborada, porém

corre-se o risco de contestação.

Para Ferraz Jr. (2001, p. 333), o apelo à autoridade ―trata-se de um

argumento que procura provar uma tese qualquer, utilizando-se dos atos ou das

opiniões de uma pessoa ou de um grupo que a apóiam‖. Ferraz Jr. (2001, p. 333)

considera que esse método pode se basear tanto no prestígio da autoridade, isto é, em

sua qualificação, como também na quantidade de pessoas que a sustentam: ―[...] no

primeiro caso a autoridade tem por função sustentar um acordo. No segundo, é o

acordo mesmo das autoridades que fortalece a tese sustentada‖.

2.3.3.3 Apelo ao medo

Segundo o Manual estadunidense, as pessoas temem as mudanças (1979, p.

9). Em especial, se essas forem repentinas. Dessa forma, pode-se buscar o apoio a uma

ideia, a uma causa ou a uma pessoa, instigando o medo na audiência-alvo. A

desinformação, nesse caso, teria por fim provocar o apoio a uma determinada solução

apresentada como aceitável para a situação, isto é, o alvo seria direcionado para um

modo de resistir a possíveis mudanças atuais ou futuras. Como exemplo, tem-se o

seguinte título de reportagem: Milhares de telefones podem estar sendo grampeados

ilegalmente. Com esse tipo de notícia, uma determinada audiência poderia se sentir

ameaçada por ter seu nível de privacidade subitamente alterado. A intenção inicial, aqui,

poderia ser incitar a opinião pública para exigir que medidas fossem tomadas de forma a

coibir supostos abusos praticados por agentes de organismos estatais. Por outro lado, o

objetivo real poderia ser apresentar uma saída que dificultasse ou mesmo inibisse o uso

de tal medida de investigação, facilitando a vida dos que se prestam a cometer

atividades ilícitas.

2.3.3.4 Apelo ao povo

Segundo o Manual estadunidense (1979, p. 1), ao ―apelar ao povo‖ tenta-se

ganhar uma argumentação alegando que a versão apresentada é apoiada por uma

determinada coletividade. Ex.: Especialistas são unânimes em dizer que muitos dos

Page 39: Desinformação, a técnica

38

métodos utilizados no Brasil para proceder às investigações criminais contrariam as

regras democráticas.

O apelo ao povo pode ser visto como uma forma de apelo à autoridade se

considerado o aspecto quantitativo. Essa inferência poderia ser feita partindo-se da idéia

concebida por Ferraz Jr. (2001, p. 333), que cita como exemplos o uso de expressões do

tipo ―doutrina dominante‖ e ―sobre o assunto a doutrina é pacífica‖ para

argumentações cuja sustentação é a quantidade de pessoas que aprovam determinada

tese.

2.3.3.5 Ataques pessoais (Ad hominem)

Ao usar ataques pessoais, segundo preconiza o Manual estadunidense (1979,

p. 11), busca-se atacar a própria pessoa que faz as alegações, procurando desqualificá-

lo, ao invés de tentar provar a falsidade do que é alegado. Ferraz Jr. (2001, p. 334), por

outro lado, dispõe que a tentativa de desqualificar um adversário seria o argumento ad

personam e que o argumento ad hominem seria, na verdade, uma forma de sustentar

determinada tese restringindo informações para o alvo chegar a uma conclusão em

sintonia com a tese defendida.

Para o presente trabalho adota-se o ataque pessoal como um método de

desinformar através da desqualificação pessoal de um determinado alvo. A despeito de

eventuais correspondências da expressão em outro idioma, considera-se tão somente a

tentativa de desqualificar o argumento atacando-se direta ou indiretamente a pessoa que

o faz com o fim de fazer prevalecer uma determinada tese.

2.3.3.6 Desaprovação

Consiste, segundo o Manual estadunidense (1979, p. 1), em desaprovar uma

ação ou uma déia sugerindo que ela é popular entre grupos odiados, ameaçadores ou

que estejam em conflito com o alvo e sugere-se que as atitudes ou ações contrárias à

referência comportamental proposta resultará na rejeição social, na desaprovação, ou no

ostracismo absoluto.

Page 40: Desinformação, a técnica

39

2.3.3.7 Encobrimento

Para Volkoff (2004, p. 110), o encobrimento consiste em afogar uma

informação sobre determinado fato em um mar de outras sem relação com ela, de

preferência mais suscetíveis de captar o interesse público. Escândalos envolvendo

governantes costumam ser abafados assim.

2.3.3.8 Generalidades de efeito moral

Para o Manual estadunidense (1979, p. 2), generalidades de efeito moral

consistem no emprego de frases com apelo emocional intenso associadas a conceitos e

crenças tão intimamente valorizados que convencem a despeito dos fatos ou da razão.

Elas apelam para emoções como o amor à pátria, o amor ao lar, o desejo de paz, de

liberdade, a busca de glória, o respeito à honra etc. Solicitam o apoio sem o exame da

razão. Embora as frases sejam vagas e sugiram coisas diferentes para pessoas diferentes,

sua conotação é sempre favorável. Ex.: ―Noventa milhões em ação, pra frente Brasil, do

meu coração [...] todos juntos vamos, pra frente Brasil, salve a Seleção!‖ (SOUZA

MARTINS, 1970)22

2.3.3.9 Generalização da conduta

Para Volkoff (2004, p. 112), ao generalizar alguma conduta, procura-se

reduzir a responsabilidade de alguém mostrando que seu caso não é isolado. Ex.: Todo

político rouba mesmo. Esse pelo menos faz.

2.3.3.10 Homem Comum

O "homem do povo" ou "homem comum", segundo a doutrina militar

estadunidense (1979, p. 3), é uma tentativa de convencer o alvo de que as proposições

do desinformador refletem o senso comum das pessoas. Para tanto, o desinformador

pode comunicar-se utilizando o mesmo estilo de linguagem da audiência ou agir

conforme os modos daquele a quem se pretenda desinformar. Nesse sentido, a tentativa

pode incluir, inclusive, o mesmo tipo de roupas.

22 Trecho da música de Miguel Gustavo, criada por ocasião da Copa do Mundo de 1970, que ficou conhecida como hino ―Pra frente Brasil. Disponível em: <http://letras.terra.com.br/hinos/394819/>. Acesso em: 01 mar. 2010.

Page 41: Desinformação, a técnica

40

2.3.3.11 Insinuação

A insinuação consiste, segundo o Manual estadunidense (1979, p. 5), em:

[...] criar ou acirrar as suspeitas do alvo contra ideias, grupos ou indivíduos.

O desinformador sugere, implica e faz insinuações permitindo que o alvo tire

suas próprias conclusões. Suspeitas latentes do alvo devem ser exploradas de

forma a parecerem concretas em uma tentativa de enfraquecer seu grupo. O

fornecimento parcial de informações pode levar o alvo a preencher as lacunas

de conhecimento baseado em suas próprias convicções, ou seja,

autodesinformando-se [tradução nossa].23

2.3.3.12 Interpretação

Para Volkoff (2004, p. 111), na interpretação comentam-se os fatos de

forma favorável ou desfavorável, consoante os interesses do desinformador: ―Os fatos,

mesmo sem serem negados, modificados, encobertos ou camuflados, podem ser

apresentados e comentados favorável ou desfavoravelmente‖.

2.3.3.13 Inversão dos fatos

Embora alguma informação tenha ―vazado‖ para o conhecimento do alvo,

ainda é possível inverter a sequência em que os fatos ocorreram, segundo Volkoff

(2004, p. 108). Para o ex-oficial de inteligência do Exército francês, embora esse

método pareça radical, sua aplicação é válida, ainda mais se o alvo for a opinião

pública. Esse método sustenta-se na possibilidade de se explorar a propensão à

moralização e à condição de vítima. Em outras palavras, aquele que primeiro aparecer

sofrendo ou como vítima tende a ganhar a simpatia do alvo, tornando o outro,

concomitantemente, antipático.

23 Insinuation is used to create or stir up the suspicions of the target audience against ideas, groups, or individuals in order to divide an enemy. The propagandist hints, suggests, and implies, allowing the audience to draw its own

conclusions. Latent suspicions and cleavages within the enemy camp are exploited in an attempt to structure them into active expressions of disunity which weaken the enemy's war effort.

Page 42: Desinformação, a técnica

41

2.3.3.14 Menor dos males

Para a doutrina militar estadunidense (1979, p. 2), ao aplicar o discurso de

menor dos males, alega-se que o curso de ação a ser adotado talvez seja indesejável, no

entanto qualquer alternativa produzirá um resultado muito pior. Esta técnica é

geralmente usada para explicar a necessidade de sacrifícios do público-alvo e está

normalmente associada à projeção de culpa sobre um adversário, de modo a justificar a

adoção de medidas desagradáveis ao público.

2.3.3.15 Mistura verdadeiro com falso em diferentes gradações

Para Volkoff (2004, p. 109), acontecimentos verdadeiros, ou que o alvo

julgue como verdadeiros, podem ser utilizados em outras fases da operação de

desinformação. Embora tais informações devam ser utilizadas como suporte de uma

operação de desinformação, isto é, como elemento inicial, podem ser utilizadas ao longo

da operação de forma a sustentá-la. Um exemplo dessa técnica verifica-se na inexatidão

de números divulgados pela mídia. Exagera-se: no número de vítimas de um acidente,

no de presos em uma operação, no de policiais etc. Ex.: Polícia Federal brasileira

intercepta mais de 400 mil telefones.

2.3.3.16 Modificação das circunstâncias

Para Volkoff (2004, p. 110), pode-se mudar a correlação de forças ou

demais circunstâncias. No ―Massacre de Katyn‖, por exemplo, ocorrido em 1940, onde

praticamente toda a elite militar polonesa foi eliminada, os russos atribuíram aos

nazistas o feito. Os alemães negaram a acusação, alegando que haviam sido os próprios

russos. Só em 1990 os russos reconheceram oficialmente a culpa (SUNDERMEYER,

2008).

2.3.3.17 Modificação do motivo

Não se negam os fatos. Ao contrário, segundo Volkoff (2004, p. 109),

modificam-se os motivos, invocando princípios éticos e morais para legitimar sua

prática. Ex.: Extermínio dos judeus por vários motivos ao longo da história, desde serem

geneticamente inferiores até serem perigosos.

Page 43: Desinformação, a técnica

42

2.3.3.18 Negação dos fatos

Para Volkoff (2004, p. 108), se o alvo não tiver como checar a veracidade

dos fatos pode-se simplesmente negar sua ocorrência. Isso porque, é possível considerar

que um fato será verdadeiro enquanto não for provado que é falso, ou seja, explora-se a

ignorância do alvo sobre o assunto.

2.3.3.19 Negação seletiva

De uma variedade de fatos selecionam-se tão somente aqueles que servirão

para reforçar e autenticar o ponto de vista da desinformação. Isto inclui o recolhimento

de material disponível em fontes abertas relativos ao assunto em questão de modo a

reforçar a linha de atuação.

2.3.3.20 Palavras virtuosas

Segundo o Manual estadunidense (1979, p. 4):

Usam-se palavras do sistema de valores do público-alvo, que tendem a

produzir uma imagem positiva quando associadas a uma determinada pessoa

ou a uma determinada questão. Ex.: Paz, felicidade, segurança, sábia

liderança, liberdade etc. [tradução nossa].24

2.3.3.21 Partes desiguais

Procura-se transmitir ao alvo uma informação aparentemente imparcial, mas

os aspectos negativos de um determinado objeto ou pessoa ocuparão muito mais tempo

no rádio ou na televisão, ou muito mais espaço nas revistas e jornais, que os aspectos

positivos apresentados, ou vice-versa, segundo Volkoff (2004, p. 113).

2.3.3.22 Partes iguais

Novamente procura-se manter a ideia de imparcialidade. Segundo Volkoff

(2004, p. 113), um lugar onde é comumente empregada essa técnica são as seções de

―opinião de leitores‖. Nesse caso o jornal, revista, ou sítio de internet anuncia que

24 Virtue Words. These are words in the value system of the target audience which tend to produce a positive image when attached to a person or issue. Peace, happiness, security, wise leadership, freedom, etc., are virtue words.

Page 44: Desinformação, a técnica

43

reserva o mesmo número de linhas para acusação e defesa, contudo tentará manipular a

opinião do alvo publicando acusações robustas e contundentes ao mesmo tempo que

publica defesas pouco persuasivas, ou vice-versa.

2.3.3.23 Racionalização

Segundo o Manual estadunidense (1979, p. 2), racionalização consiste em:

[...] indivíduos ou grupos podem usar afirmações genéricas para racionalizar

situações complexas, de modo a justificar atos e crenças questionáveis.

Frases genéricas de cunho agradável são frequentemente usadas para

justificar essas ações ou crenças [tradução nossa].25

Um exemplo de racionalização ocorre quando impostos são sonegados sob a

alegação de que o governo desperdiça o dinheiro ganho a custa de muito trabalho.

2.3.3.24 Repetição nauseante

A repetição nauseante é comumente conhecida pelo jargão: ―Uma ideia

repetida inúmeras vezes pode tornar-se verdadeira‖. Inúmeros são os casos do uso desse

método nos meios de comunicação. A título de ilustração, têm-se os seguintes

exemplos: Ex.1: ―Espionagem: PF e CPI enquadram o delegado Protógenes‖ (FILHO,

2009a); Ex.2: ―Espionagem: Ministro admite participação da Abin26

‖ (FILHO, 2009b).

Houve muitas outras reportagens com o mesmo tema, mas estas bastam.

Bastante apropriado o comentário de Priscila Antunes (2002, p. 19) sobre a

associação que erroneamente se faz entre inteligência e espionagem no Brasil: ―O senso

comum normalmente associa a atividade de inteligência à espionagem, trapaças e

chantagens, imagem amplamente incentivada pela literatura ficcional e pela mídia‖. Isso

porque talvez houvesse alguma intenção dos responsáveis por aquela revista de reforçar

o estigma aos serviços de inteligência no Brasil, de forma a tentar coibir suas atividades.

25 Rationalization. Individuals or groups may use favorable generalities to rationalize questionable acts or beliefs.

Vague and pleasant phrases are often used to justify such actions or beliefs. 26 ABIN - Agência Brasileira de Inteligência.

Page 45: Desinformação, a técnica

44

2.3.3.25 Simplificação

Conforme o Manual militar estadunidense (1979, p. 8), empregam-se

generalidades favoráveis para fornecer respostas simples para complexos problemas

sociais, políticos, econômicos ou militares. Os fatos de uma situação são reduzidos de

modo que o certo ou o errado, o bom ou o mau, de um ato ou decisão são óbvios para

todos.

2.3.3.26 Slogan

Para o Manual estadunidense, (1979, p. 4), slogans consistem em criar

frases curtas e impactantes a partir de determinadas ideias. Essas ideias costumam se

perpetuar de forma que, se houver a possibilidade de seu emprego, seu uso deve ser

priorizado. Ex.: ―O povo unido jamais será vencido‖.27

2.3.3.27 Testemunho

Promovem-se citações, dentro ou fora de um contexto, especialmente para

apoiar ou rejeitar uma ideia, ação, programa ou personalidade, de acordo com o Manual

estadunidense (1979, p. 4). Explora-se a reputação ou papel (especialista, figura pública

respeitada etc.) daquele que é citado. O testemunho de uma pessoa ou autoridade

respeitada dá maior credibilidade ao conteúdo da propaganda. Isso é feito em um

esforço de causar no público-alvo uma identificação com a autoridade ou para que

aceite a opinião da autoridade como sua própria. Caso se empregue o testemunho de

autoridades assemelha-se ao apelo à autoridade.

2.3.3.28 Transferência

Conforme disposto no Manual do Exército dos EUA, (1979, p. 4), a técnica

de transferência consiste em projetar qualidades positivas ou negativas (elogios ou

censuras) de uma pessoa, entidade, objeto ou valor (individual, de grupo,

organizacional, nacional, patriótico etc.) para outra a fim de tornar o segundo mais

aceitável ou desacreditá-lo. Esta técnica é geralmente usada para transferir culpa de um

27Adaptação para o português do título da canção ―El pueblo unido jamas sera vencido‖ composta por Sérgio Ortega e Quilapyún.

Page 46: Desinformação, a técnica

45

elemento de um conflito para o outro. Evoca-se uma resposta emocional, que estimule o

público-alvo a identificar-se com autoridades reconhecidas. Ex.: ―Reforma agrária: A

cartilha dos guerrilheiros do MST‖ (CABRAL, 2009). Os membros do MST são

guerrilheiros? Há interesse em criminalizar movimentos sociais? A questão aqui não é

entrar no mérito desses problemas, tão somente evidenciar a associação de ideias

promovida com objetivo bem definido.

2.3.3.29 Vaguidade intencional

Afirmações deliberadamente vagas são feitas de tal forma que a audiência

possa interpretá-las pessoalmente, segundo o Manual estadunidense (1979, p. 2). A

intenção é mobilizar a audiência pelo uso de frases indefinidas, sem que se analise sua

validade ou determine sua razoabilidade ou aplicação.

2.3.3.30 Vitória inevitável

O Manual estadunidense preconiza que na vitória inevitável (1979, p. 1)

tenta-se convencer a audiência a colaborar com uma ação com a qual todos estariam

colaborando. Essa técnica reforça o desejo natural das pessoas de fazer parte do lado

vitorioso. A "vitória inevitável" incita aqueles que ainda não aderiram a um

determinado projeto a fazê-lo, pois a vitória é certa. Os que já aderiram se sentem

confortados com a ideia de que tomaram a decisão correta e apropriada.

2.4 Objetivos da desinformação

Tomando como base os conceitos de desinformação e operação de

desinformação adotados, surgem os seguintes objetivos primários pelos quais

desinformar: desacreditar, desorientar, confundir, enganar, causar danos à percepção, às

informações e análises de um alvo, assim como para induzi-lo em erro. Pode-se dizer,

portanto, que a desinformação é empregada para que um ou mais atores sociais

obtenham vantagem informacional em relação a outro ou a outros atores sociais.

Em um ambiente de relações humanas, a vantagem informacional pode ser

entendida, então, como a posse de segredos por um lado em detrimento do outro.

Page 47: Desinformação, a técnica

46

Segundo Scheppelle (1953), os segredos28

constroem grande parte do mundo social à

medida que criam alianças e divisões entre os homens, isto é, criam espaços sociais que

são compartilhados por algumas pessoas em detrimento de outras. Ainda segundo

Scheppelle (1953), os segredos são armas de poder que possibilitam arrancar vantagens

da ignorância dos outros. Nesse sentido, o que se desconhece pode servir para prejuízo

próprio, beneficiando aqueles que se dispõem a explorar essa circunstância.

Com base nas proposições de Scheppelle (1953), tem-se que um dos

objetivos de se criarem e manterem segredos é a proteção de interesses. Isso porque, ao

fazer alianças, ou ao manter outros na ignorância, o que de fato se busca é uma forma de

proteger a si e aos próprios interesses. O outro objetivo diz respeito à promoção de

interesses.

Sun Tzu (2007, p. 36), por outro lado, aborda a questão da vantagem

informacional, estabelecendo sua importância em um campo de batalhas como forma de

se alcançar a vitória:

Conheça o inimigo e conheça a si mesmo; assim, em uma centena de

batalhas, você nunca correrá perigo. Quando se desconhece o inimigo, mas se

conhece a si mesmo são iguais as suas oportunidades de ganhar ou perder.

Mas [sic] desconhecer-se a ambos, certamente se estará em perigo em todas

as batalhas.

Embora as proposições de Sun Tzu não explicitem a questão da vantagem

no ambiente de informações, essa dedução é feita baseando-se no fato de que se ambos

tiverem o mesmo nível de conhecimento sobre as próprias capacidades e sobre as

capacidades adversárias as chances de ganhar ou perder serão as mesmas. Nesse

sentido, ainda que suas recomendações sejam de grande valia, não se pode garantir que

a vantagem informacional sempre resultará na vitória das batalhas. De fato, há casos

históricos em que esse tipo de vantagem representou o diferencial. Nas batalhas da

Inglaterra e do Atlântico, ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, as

informações obtidas tanto pelos radares britânicos, que eram um grande diferencial para

a época, quanto pelos esforços aliados, decodificando os códigos secretos das

28 Um segredo é um pedaço de informação que é intencionalmente negada por um ou mais atores sociais de outro ou outros atores sociais (SCHPPELLE, 1953, p.12).

Page 48: Desinformação, a técnica

47

comunicações alemães, representaram, respectivamente, (CEPIK, 2003, p. 31)

vantagens informacionais decisivas para as vitórias, contudo isso nem sempre ocorre.

Ter vantagem informacional não significa necessariamente saber aproveitá-la, ou seja,

para fazer alguma diferença as informações teriam que ser pelo menos utilizadas

oportuna e adequadamente.

Das proposições de Sun Tzu pode-se, todavia, abstrair a seguinte ideia: para

alcançar a vitória, que é o principal interesse, deve-se tentar ocultar ou disfarçar as

próprias fraquezas ou deficiências, ao mesmo tempo em que se busca conhecer as

fraquezas de um oponente. Em outras palavras, as informações militares relevantes

devem constituir segredos militares, ou seja, devem ser compartilhados exclusivamente

entre aqueles que precisam conhecê-los e não pelos inimigos.

Assim, considerando que a capacidade de manutenção de segredos é

inversamente proporcional ao número de atores sociais que os conhecem, tem-se que

pode ser muito difícil garantir o não vazamento de informações secretas29

. Dessa forma,

deve-se tentar, pelo menos, ter mais informações de eventuais oponentes do que eles

possam adquirir.

A desinformação, portanto, pode ser utilizada pelos serviços de inteligência

, seja no ambiente de relações internacionais ou mesmo no ambiente doméstico, para os

seguintes objetivos finais: dificultar o conhecimento de informações relevantes, proteger

segredos, preservar e promover30

os interesses do Estado e outros.

2.5 Desinformação como técnica da Inteligência

Na lógica dos serviços de inteligência estadunidenses a desinformação está

associada às ações encobertas, às atividades de segurança das informações (Infosec –

informations security), assim como as de contrainformação, de forma que é necessário

conhecer esses conceitos para um melhor entendimento do contexto prático onde a

desinformação se insere.

29 Informações secretas são aquelas que constituem segredos, isto é, cujo conhecimento é restrito a grupos determinados. 30 Não se trata de uma recomendação, mas sim de uma dedução.

Page 49: Desinformação, a técnica

48

2.5.1 Ações encobertas ou medidas ativas

Ações encobertas31

, medidas ativas ou ações políticas especiais32

são

tentativas de um governo ou grupo de influenciar eventos em outro Estado ou território

sem revelar o seu próprio envolvimento. Através da manipulação de aspectos

econômicos, políticos e sociais procura-se influenciar as diretrizes políticas e os

acontecimentos no Estado-alvo de forma a atender aos interesses do país que as

promove.

As ações encobertas não seriam atividades típicas dos serviços de

inteligência , uma vez que sua função precípua seria lidar com informações relacionadas

à segurança do Estado, às atividades desempenhadas no sentido de obtê-las ou à

implementação de medidas para impedir que outros países as obtenham (ANTUNES,

2001, p. 19). A alocação das ações encobertas sob a responsabilidade dos serviços de

inteligência dever-se-ia a dois fatores, segundo Cepik (2003, p. 63): 1. Motivos

históricos; 2. Rede de fontes humanas que os serviços de inteligência já possuíam e

administravam.

Para Michael Herman, citado por Priscila Antunes (2002, p. 18), por outro

lado, as ações encobertas se enquadrariam entre as funções dos serviços de inteligência ,

tão somente porque estes podem executar esse tipo de atividades: ―atividades de

inteligência e conhecimentos de inteligência são, respectivamente, o que os serviços de

inteligência ou a comunidade de inteligência, no âmbito governamental, fazem ou

produzem‖.

Considerando o fato de que tanto a desinformação quanto a ação encoberta

possam ser exercidos por outros atores estatais, além dos serviços de inteligência , o

motivo da presente abordagem reside no fato de que grande parte deste trabalho foi

baseado em artigos e textos da literatura anglo-saxã, onde autores como Roy Godson

costumam considerá-la como uma das atividades próprias dos serviços de inteligência .

31 Ações encobertas são utilizadas por um governo ou organização para tentar influenciar sistematicamente o comportamento de outro governo ou organização através da manipulação de aspectos econômicos, sociais e políticos relevantes para aquele ator, em uma direção favorável aos interesses e valores da organização ou governo que

patrocina a operação. (Cepik, 2003, p.61) 32 Covert Actions, Aktivnye Meropriiatiia, Special Political Actions – respectivamente nos E.U.A, na Rússia e na Inglaterra.

Page 50: Desinformação, a técnica

49

Da mesma forma, isto é, com base na literatura predominantemente consultada, adotou-

se a concepção de ―Inteligência‖ em que se baseia este trabalho. Ou seja, para o

presente estudo a ―Inteligência‖ compreende os produtos desenvolvidos pelos serviços

de inteligência , os processos envolvidos nesse contexto, assim como esses próprios

serviços (KENT, 1967).

Tomando-se, então, as ações encobertas como atividades executadas pelos

serviços de inteligência , considera-se que podem ser divididas em quatro categorias

(GODSON, 2008, p. 3), que são:

Operações de propaganda – uso de agentes de influência, de

propaganda encoberta e outras técnicas psicológicas para influenciar desenvolvimentos estrangeiros [...];

Ações políticas – uso de meios políticos (conselhos, agentes de

influência, informações, suporte material) para influenciar eventos

estrangeiros [...];

Atividades paramilitares – envolve o uso da força. Inclui apoio ou

defesa contra terrorismo, movimentos de resistência, insurgentes,

outras forças não convencionais e o uso de força para negar ou

degradar informações relevantes para adversários;

Apoio às atividades de inteligência de governos aliados mediante

convênios – procura-se influenciar as decisões ou os eventos em

outros países mediante treinamento de pessoal, apoio financeiro,

fornecimento de assistência material, tecnológica etc. [tradução nossa].33

Dessa forma, a desinformação estaria incluída nas operações de propaganda,

representando uma das atividades voltadas para manipular governos ou organizações

estrangeiras.

33 Propaganda uses words, symbols, and other psychological techniques to influence foreign developments […]; Political action uses political means (advice, agents of influence, information, material support […]; Paramilitary activity involves the use of force. This includes support for or defense against terrorism, resistance movements, insurgents, other unconventional forces, and the use of force to deny or degrade significant information to

adversaries; Intelligence assistance aids the intelligence activities of another group or government beyond normal liaison. It attempts to influence events or decisions in other countries by training personnel, providing material or technical assistance, or passing information and ideas to achieve intended effects.

Page 51: Desinformação, a técnica

50

2.5.2 Segurança das informações

Como já mencionado, o conhecimento das intenções e capacidades de um

oponente pode não bastar para se chegar à vitória em um conflito, também é preciso

impedir que o inimigo conheça informações sensíveis que possam ajudá-lo. Mesmo que

não se consiga uma proteção total contra possíveis ―vazamentos‖ de informação, ainda é

possível confundir, retardar ou neutralizar as atividades ofensivas inimigas para se obter

alguma vantagem informacional. Embora várias medidas de proteção possam ser

adotadas, certamente as mais eficientes dependerão do conhecimento da capacidade

adversária de obtenção de informações, ou seja, ainda que medidas genéricas possam

surtir efeito, é possível obter uma proteção maior ao se conhecerem quais meios um

determinado oponente pode empregar.

A ideia de que a superioridade ou vantagem informacional possa contribuir

para um desfecho positivo para quem a possui remonta aos tempos de Sun Tzu, no

entanto ela assumiu novos contornos na doutrina34

militar estadunidense, sobretudo,

após a Guerra do Golfo. Após esse evento, a informação assumiu uma nova relevância

na concepção das forças armadas estadunidenses, deixando de ser um acessório ao

processo de tomada de decisões para se tornar, em algumas situações, um dos principais

instrumentos de ataque ou um dos principais alvos dos ataques, conforme se pode

depreender do seguinte trecho:

[…] a informação evoluiu deixando de ser apenas um complemento apoiando sistemas primários de armas para, em muitos casos, ser ela própria uma arma

ou um alvo. [EUA, 1998, p. 2]35

Essa função de proteger informações sensíveis, identificar fraquezas e

neutralizar iniciativas adversárias, concernentes ao Estado, cabe à área de segurança dos

serviços de inteligência , também conhecido como área de segurança das informações.

34 Referência aos manuais do Exército (FM 3-13) e da Força Aérea dos EUA (AFDD 2-5). 35 […] information has evolved from being only an adjunct supporting primary weapon systems to, in many cases, being itself a weapon or target.

Page 52: Desinformação, a técnica

51

Segundo Cepik (2003, p. 57), ―a área de segurança das informações

(infosec36

ou informations security) procura proteger as informações que, uma vez

obtidas por um adversário ou inimigo – por exemplo, através das operações de

inteligência de um governo estrangeiro –, poderiam tornar vulneráveis e inseguros o

Estado e os cidadãos‖, subdividindo-se em três componentes relativamente autônomos,

que são: contramedidas de segurança (security countermeasures – scm),

contrainteligência37

e segurança de operações (operations security – opsec).

As atividades desenvolvidas na área de segurança das informações são

simétricas às atividades de coleta, processamento e análise de informações

desenvolvidas pelos serviços de inteligência , contudo mutuamente dependentes

(CEPIK, 2003, p. 57). Isso porque umas são praticadas para obter informações

relevantes sobre os oponentes enquanto as outras buscam proteger as informações

próprias e o conjunto dessas atividades tem como objetivo maior a conquista de uma

superioridade informacional.

Pode haver, no Brasil, uma aparente confusão quanto à natureza das

atividades concernentes à segurança das informações, mais precisamente em relação ao

uso dos termos ativo, passivo, ofensivo e defensivo para as medidas adotadas. Por

exemplo, para Priscila Antunes (2001, p. 23) a ―segurança defensiva‖ seria uma

―técnica ofensiva de inteligência‖ de natureza passiva, como se pode verificar no trecho

a seguir:

A segurança de informações está relacionada com medidas de proteção que

se pautam por técnicas ofensivas de inteligência [...] a área de segurança de informações que fica dividida, basicamente, em três componentes: segurança

defensiva; detecção e neutralização de ameaças; e fraude. Todas elas são

disciplinas de defesa que, no entanto, podem envolver atitudes ativas e/ou

passivas. A Segurança defensiva passiva se divide em Segurança de

Comunicações, Segurança de Computadores e Controle de Emissão. [...]

Detecção e neutralização são disciplinas defensivas de segurança que têm

postura ativa e que podem envolver a eliminação física de agentes, contra-

espionagem e contrainteligência. [...] Fraude ou Deception, como é conhecida

36 Consiste na proteção da informação e de sistemas de informação contra o acesso não autorizado ou a alteração de informação, quer no armazenamento, no processamento, ou em trânsito, e contra a negação de serviço a usuários autorizados. A segurança da informação inclui as medidas necessárias para detectar, documentar e combater essas ameaças. A segurança da informação é composta de segurança da informática e segurança das comunicações.

(Tradução nossa). Disponível em: <http://www.militaryterms.info/about/glossary-i.shtml>. Acesso em: 29/01/2010. 37 Para alguns autores, no entanto, há uma inversão conceitual onde a contrainteligência passa a abranger a infosec ao invés de constituir um ramo desta.

Page 53: Desinformação, a técnica

52

no jargão anglo-saxão, é uma disciplina defensiva e ativa.

Da mesma forma, a desinformação ou fraude (deception) seria uma ―técnica

ofensiva de inteligência‖ de natureza ―defensiva e ativa‖, o que pode levar a uma

confusão de conceitos.

Cepik (2003, p. 58) também estabelece a diferença entre os conjuntos de

medidas ativas e passivas, no entanto não define o que significa o caráter ativo ou

passivo nesse contexto: ―Embora opsec envolva também alguns programas de redução

de ruídos e emissões não-intencionais, silêncio de rádio, camuflagem contra imint e

outros, que poderiam tornar confusas as fronteiras entre esse componente e as

contramedidas de segurança (scm), essa área de segurança de operações destaca-se

fundamentalmente por sua dimensão ativa, especialmente aquilo que a literatura militar

chama de deception operations [...]‖.

Tomando-se como base as divisões supracitadas entre medidas ativas e

passivas e as considerações dos autores citados, haveria realmente a possibilidade de se

falar no caráter ofensivo de algumas medidas defensivas, contudo isso não está claro

nos textos verificados. Analisando-se aspectos da doutrina militar anglo-saxã, verificou-

se que o caráter defensivo da área de segurança das informações não fica prejudicado

ainda que se adotem algumas ações de caráter ofensivo. Esse é o caso específico da

desinformação, por exemplo. Embora sua natureza seja defensiva, isto é, tenha como

um de seus objetivos proteger os interesses de quem a emprega, ela envolve o uso

limitado de ações ofensivas para enganar, iludir e induzir a erro o inimigo. Em outras

palavras, a desinformação não perde o caráter defensivo por ser utilizada para ―atacar‖

um oponente, enganando-o. Sua classificação como medida ativa decorre, então, dessa

peculiaridade ofensiva. Essa é, então, a diferença entre os aspectos ativo e passivo das

medidas de segurança das informações. Há, contudo, em outra parte deste trabalho, uma

diferente concepção dos aspectos ativo e passivo empregados em conjunto com a

desinformação. Nesse caso serão abordadas a desinformação ativa e a passiva.

Assim, considerando a importância das informações e da obtenção da

superioridade informacional, serão analisados os componentes da área de segurança das

informações estabelecendo como a desinformação é ou poderia ser empregada.

Page 54: Desinformação, a técnica

53

2.5.2.1 Contramedidas de segurança

São medidas de proteção/prevenção voltadas para evitar ou obstruir a

―sabotagem‖, o furto ou a utilização não autorizada de informação controlada ou

classificada, sistemas, assim como materiais do departamento de defesa (US

DEPARTMENT OF DEFENSE, 2009, p. 486). Emprega-se, no Brasil, também o termo

―segurança orgânica‖ para se referir ao conjunto de medidas de proteção dos sistemas,

das informações, do pessoal e dos materiais de uma organização.

Esse tipo de medidas é classificado na literatura especializada anglo-saxã

como sendo formas de proteção de natureza passiva38

, porque se referem a um conjunto

de recursos que buscam proteger sem envolver ações de ataque. Por exemplo, ao se

utilizar um simples cadeado para evitar o acesso indesejado a uma sala não se estaria

atacando alguém, por isso esta ação seria classificada como uma medida passiva. Caso

fossem utilizadas medidas ativas39

, por outro lado, poderia ser promovido um ―ataque‖ a

um determinado inimigo com informações falsas. Neste caso, por exemplo, para evitar

que um inimigo tentasse entrar em uma sala que contivesse documentos de alta

relevância, poderiam ser fornecidas informações e indicativos de que esses documentos

estariam em outra sala ou poderiam ser alteradas as identificações das salas.

Pelo menos dois aspectos em relação à desinformação são importantes a

considerar, no que diz respeito às contramedidas de segurança, que são: 1. Ambas não

são técnicas típicas dos serviços de inteligência, podendo ser desenvolvidas por

qualquer organização; 2. Pode haver uma relação entre essas atividades de natureza

complementar, isto é, a desinformação pode ser utilizada para potencializar a proteção

que se busca ou para incidir no ponto mais fraco da maioria dos sistemas de segurança

orgânica: o fator humano. Isso porque, por mais que possam ser aperfeiçoados os

métodos de proteção, a desinformação poderá ser utilizada para manipular as pessoas de

acordo com os interesses daquele que a promove.

38Disponível em: < http://www.dtic.mil/doctrine/dod_dictionary/data/p/6087.html>. Acesso em 30 jan 10. 39Não confundir com o termo utilizado para ações encobertas pelos russos. http://www.dtic.mil/doctrine/dod_dictionary/data/a/2043.html. Acesso em 31 jan. 10.

Page 55: Desinformação, a técnica

54

2.5.2.2 Contrainteligência

Segundo a doutrina militar do Exército dos EUA (DEPARTAMENTO DO

EXÉRCITO, 1995), contrainteligência era:

[...] informação coletada e atividades desenvolvidas para proteger contra

espionagem, atividades de inteligência adversária, sabotagens ou assassinatos

realizados por ou em nome de atividades terroristas estrangeiras, pessoas,

elementos de organizações estrangeiras ou de governos estrangeiros

[tradução nossa].40

A partir dessa definição, pode-se dizer que contrainteligência envolvia tanto

operações ofensivas quanto defensivas, mas restringia sua atuação às atividades

envolvendo fontes humanas, aproximando-se muito da definição de contraespionagem.

Uma vez que essa perspectiva não abrange a proteção contra investidas adversárias por

outras formas, ela não é adotada no Brasil.

Para a legislação brasileira, adota-se uma concepção mais abrangente, onde

a contrainteligência pode ser entendida como a atividade que objetiva prevenir, detectar,

obstruir e neutralizar a inteligência adversa, independente da forma como é

implementada, como se pode verificar no trecho abaixo:

Art. 3º Entende-se como contra-inteligência a atividade que objetiva prevenir,

detectar, obstruir e neutralizar a inteligência adversa e ações de qualquer

natureza que constituam ameaça à salvaguarda de dados, informações e

conhecimentos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, bem

como das áreas e dos meios que os retenham ou em que transitem. [BRASIL,

2002]

Roy Godson (2008, p. 2), por outro lado, retoma a ideia de segredo,

proposta por Scheppelle (1988), porém adotando uma concepção estatal41

. Para Godson,

a contrainteligência destina-se a proteger segredos estatais e a evitar que um Estado seja

manipulado ou explorado pelos serviços de inteligência de um país oponente, conforme

se pode verificar no trecho a seguir:

Contrainteligência, como praticada pela maioria dos Estados, é o esforço para

proteger seus segredos, para prevenir-se de ser manipulado, e (por vezes)

40[...] information gathered and activities conducted to protect against espionage, other intelligence activities,

sabotage, or assassinations conducted by or on behalf of foreign governments or elements of foreign organizations, persons, or international terrorist activities. 41 Em sua obra Legal Secrets, Scheppelle não faz distinção entre segredos estatais dos não-estatais.

Page 56: Desinformação, a técnica

55

para explorar as atividades de inteligência dos outros em benefício próprio

[tradução nossa].42

Das definições apresentadas pode-se abstrair que não basta as informações

serem de interesse do Estado e de seus cidadãos, ou mesmo prejudiciais a eles, para que

a contrainteligência se ocupe. Se assim fosse, poderia haver uma imensidão de

informações a serem tanto verificadas quanto protegidas. Contrainteligência é, nesse

sentido, uma das atividades desenvolvidas pelos serviços de inteligência , cuja função é

proteger aquelas informações que o Estado retém de forma intencional, empregando

para tanto medidas ofensivas e defensivas.

A contrainteligência pode ser classificada de acordo com a essência das

atividades desenvolvidas para impedir as iniciativas adversárias, isto é, os esforços

podem ser setorizados por se referirem especificamente a medidas para prevenção,

detecção, obstrução ou neutralização. Nesse sentido, na visão do ex-diretor adjunto da

CIA (Central Intelligence Agency) Mark M. Lowenthal, citado por Gonçalves (2009, p.

61), haveria três tipos básicos de contrainteligência, que são:

Contrainteligência para coleta/busca de dados – com objetivo de

obter e reunir informações sobre as capacidades de oponentes de

reunir informações que possam interessar ou constituir-se em ameaça a quem ou o que é protegido pela contrainteligência;

Contrainteligência defensiva – cuja missão é frustrar os esforços de

pessoas ou organizações adversas que tenham interesse em ter

acesso às informações protegidas ou que desenvolvam ações

intrusivas;

Contrainteligência ofensiva – busca neutralizar ataques de

adversários tentando recrutar seus agentes e convertê-los em agentes

duplos ou fornecendo-lhes informações falsas para nutrir a

inteligência adversa.

Por outro lado, em função da natureza das ações adversárias promovidas, há

também termos específicos para se referir à contrainteligência, que são:

42Counterintelligence, as practiced by most states, is the effort to protect their secrets, to prevent themselves from being manipulated, and (sometimes) to exploit the intelligence activities of others for their own benefit.

Contrainteligência, como praticada pela maioria dos Estados, é o esforço para proteger seus segredos, para prevenir-se de ser manipulado, e (por vezes) para explorar as atividades de inteligência dos outros em benefício próprio. (Tradução nossa)

Page 57: Desinformação, a técnica

56

1. Contraterrorismo – identificação e neutralização da atuação de pessoas

ou grupos com potencial para realizar ações violentas contra pessoas e/ou instalações;

2. Contraespionagem – identificação e neutralização das ações humanas

adversas de busca de conhecimentos e/ou dados sigilosos;

3. Contrapropaganda – identificação e neutralização das operações de

propaganda de grupos adversários.

Uma vez exposto o conceito de contrainteligência e descritas quais são as

suas funções básicas, fica fácil contextualizar a utilização da desinformação. Para tanto,

é utilizado o modelo de classificação proposto por Lowenthal (LOWENTHAL apud

GONÇALVES, 2009).

Assim, em relação à contrainteligência para coleta/busca de dados, a

desinformação pode ter como finalidade desde ocultar a verdadeira identidade dos

agentes executores das medidas até enganar os oponentes quanto ao foco real das

atividades, protegendo tanto a vida quanto os interesses dos agentes.

Na contrainteligência defensiva, da mesma forma, o emprego da

desinformação pode proteger informações sensíveis em conjunto com as contramedidas

de segurança, isto é, os esforços e as ações intrusivas de um adversário podem ser

frustrados não só através das medidas passivas de proteção, mas também induzindo os

adversários ao erro sobre onde, quando ou de que forma empregar suas iniciativas.

Na contrainteligência ofensiva, a exemplo das demais, a utilização da

desinformação seria plenamente cabível na tentativa de neutralizar a efetividade dos

ataques adversários ao fornecer alvos falsos para suas investidas ou informações falsas

para induzi-los ao erro.

2.5.2.2.1 Medidas de contrainteligência adotadas pelo Exército dos EUA

Para obstruir ou neutralizar os esforços promovidos por serviços de

inteligência adversários na busca de informações, o Exército estadunidense

(DEPARTAMENTO DO EXÉRCITO, 1995) considerava os diferentes tipos de fontes

Page 58: Desinformação, a técnica

57

de informação (HUMINT, SIGINT, IMINT43

), e sugeria medidas para proteção das

informações, dos sistemas informacionais e das operações, atentando para as

características específicas de cada uma. Nesse contexto, ilustra-se o caráter defensivo da

desinformação.

MEDIDAS PARA INTELIGÊNCIA DE FONTES

HUMANAS (HUMINT)

OFENSIVAS DEFENSIVAS

operações de

contraespionagem desinformação

contrarreconhecimento segurança física

contrassabotagem segurança da informação

contraterrorismo segurança do pessoal

operações de entrada e

exploração de ambiente Quadro 1: Contramedidas para HUMINT

Fonte: DEPARTAMENTO DO EXÉRCITO, 1995.

MEDIDAS PARA INTELIGÊNCIA DE SINAIS

(SIGINT)

OFENSIVAS DEFENSIVAS

ataque eletrônico

contramedidas de segurança

para comunicações por rádio

uso de telefone seguro

procedimentos de segurança

de sinais

desinformação Quadro 2: Contramedidas para HUMINT

Fonte: DEPARTAMENTO DO EXÉRCITO, 1995.

43 Humint (Human intelligence): inteligência a partir de fontes humanas; Sigint (Signals intelligenc): inteligência a partir de fontes de sinais; Imint (Imagery intelligence): inteligência a partir de imagens.

Page 59: Desinformação, a técnica

58

MEDIDAS PARA INTELIGÊNCIA DE IMAGENS

(IMINT)

OFENSIVAS DEFENSIVAS

ação da defesa aérea

contramedidas de segurança

das operações

monitoramento de

plataformas aéreas

Desinformação Quadro 3: Contramedidas para IMINT

Fonte: DEPARTAMENTO DO EXÉRCITO, 1995.

2.5.2.3 Segurança de operações

Cepik (2003, p. 58) define segurança de operações como ―o conjunto de

procedimentos que visam a identificar quais as informações sobre equipamentos,

operações, capacidades e intenções seriam críticas para um adversário obter e, a partir

dessa análise, propor um conjunto de medidas para negar ativamente tais informações

ao adversário‖.

A definição do Departamento de Defesa estadunidense (1995, p. 397) em

muito se aproximava da definição proposta por Cepik, no entanto há pequenas

divergências. Na concepção estadunidense, não deverão ser ―propostas‖ medidas para

negar informações a um adversário, como preconiza Cepik, mas sim selecionadas e

executadas as medidas que eliminarão ou reduzirão a níveis aceitáveis as

vulnerabilidades das ações aliadas à exploração adversária.

Um processo de identificação de informações críticas e subsequente análise

das ações aliadas concernentes às operações militares e a outras atividades

para: a. identificar as ações que podem ser observadas pelos sistemas de

inteligência adversários; b. determinar quais indicadores os sistemas de

inteligência adversários poderiam obter que poderiam ser interpretados ou

sistematizados produzindo informações críticas em tempo de serem úteis aos desígnios adversários, e c. selecionar e executar medidas que eliminem ou

reduzam a níveis aceitáveis as vulnerabilidades das ações aliadas à

exploração adversária.

Possivelmente as diferenças de concepções verificadas residem na natureza

das organizações envolvidas, isto é, se são organizações civis ou militares. De qualquer

forma, é clara a diferença entre este tipo de atividade com as demais integrantes do

conceito de segurança das informações.

Page 60: Desinformação, a técnica

59

Dado o caráter eminentemente ativo da desinformação é nesta categoria que

se enquadra seu emprego como principal medida de proteção, a despeito de poder ser

utilizada nas outras atividades como medida complementar. Enquanto as medidas de

segurança orgânica buscam proteger passivamente alvos potenciais dificultando

eventuais ataques, a desinformação é utilizada ativamente para tentar neutralizar as

atividades e os esforços adversários como forma de proteção àqueles alvos.

2.5.3 Contrainformação

No Brasil, o vocábulo contrainformação é por vezes identificado com a ideia

de mentira, informação falsa ou falseada propositalmente transmitida para enganar

outrem, o que se assemelha em muito com o conceito de desinformação aqui abordado,

em sentido restrito. No linguajar policial é comum o uso de contrainformação nesse

sentido. Em uma reportagem do jornal ―O Globo‖ de 13/08/09, por exemplo, sob o

título ―Operação da PF em Volta Redonda já prendeu mais de 30 e apreendeu 400

máquinas caça-níqueis‖ (WERNECK, 2009), agentes federais teriam relatado aos

jornalistas que a operação quase não se realizou devido ao envolvimento de policiais

que teriam ―vazado‖ informações sobre a operação para os demais envolvidos. Segundo

os federais entrevistados, a operação só logrou êxito depois que foram divulgados

boatos de que a operação teria sido suspensa. O jornal então publicou o que seria a

declaração de um agente federal: ―Tivemos que usar o que chamamos de

contrainformação‖.

Por outro lado, contrainformação, no Brasil, também se identifica

historicamente com o termo contrainteligência devido à criação do Serviço Federal de

Informação e Contra-informação em 1946, que foi uma das primeiras entidades criadas

no Brasil para exercer as atividades de inteligência e contrainteligência. As agências

criadas posteriormente também utilizaram ―informações‖ para se referir a essas

atividades, pois somente a partir da década de 90, os serviços brasileiros especializados

em informações passaram a utilizar a denominação ―inteligência‖ e

―contrainteligência‖.

Na cultura estadunidense contemporânea, counterinformation ou

contrainformação é utilizado para se referir a atividades ofensivas e defensivas que os

Page 61: Desinformação, a técnica

60

serviços de inteligência, sobretudo militares, executam em conjunto com as forças

armadas militares com o fim de obter superioridade informacional em relação aos

oponentes. Esse contexto pressupõe um espectro de funções supostamente mais

abrangente que o da contrainteligência, sendo empregado mais especificamente em

situações de Guerra. Nesse cenário, denominado ―Operações de Informação‖

(Informations Operations: IO), a Contrainteligência é considerada apenas um ramo da

contrainformação, com características mais voltadas para conter atividades humanas, ou

seja, com foco na contraespionagem.

Segundo a Força Aérea estadunidense (1998), Information Operations (IO),

ou Operações de Informação, é um termo que se originou após a Guerra do Golfo, onde

foram reestruturadas várias das disposições antes relativas à contrainteligência. A nova

concepção fundamentou-se nos supostos benefícios que teriam sido auferidos ao

conjugar o emprego das medidas ofensivas e defensivas de contrainteligência com as

operações militares, então, desenvolvidas. Em outras palavras, o emprego das novas

tecnologias de comunicação teriam possibilitado uma integração muito maior entre as

forças de combate e as atividades de inteligência. Com essas novas tecnologias, os

processos de coleta, análise e disseminação de informações, que em conflitos passados

seria moroso, teria se tornado muito mais célere: ―O tempo entre a coleta de

informações e a sua disponibilidade para os usuários em todos os níveis encolheu para

prazos, até então, inimagináveis‖ (FORÇA AÉREA DOS ESTADOS UNIDOS, 1998,

p. 1).44

Informações mais precisas e em tempo oportuno teriam possibilitado aos

comandantes tomar decisões mais adequadas para o avanço das tropas, o que teria

representado supostamente um dos pontos-chave para o sucesso da campanha da Guerra

do Golfo. Nesse contexto, a informação processada (inteligência) teria deixado de ser

um simples acessório ou suporte ao processo decisório tornando-se tanto uma poderosa

arma de guerra quanto um dos principais alvos dos ataques inimigos (FORÇA AÉREA

DOS ESTADOS UNIDOS, 1998, p. 1-2).

44 The time between the collection of information and its availability to users at all levels has shrunk to heretofore unimaginably short spans.

Page 62: Desinformação, a técnica

61

Considerando o fato de que a ideia de Operações de Informação surgiu em

um ambiente em que os EUA faziam propaganda de uma ―guerra cirúrgica‖, onde alvos

militares seriam precisamente atacados enquanto alvos não-militares seriam poupados, é

com algum ceticismo que se vê a alegação de que o sucesso da campanha de guerra,

diga-se a preservação de vidas civis, decorreu, em parte, do êxito ao associar os recursos

da inteligência com as forças militares. A suposta precisão dos ataques estadunidenses

parecem ter resultado, de fato, na morte de milhares de civis, pois foram bombardeadas

áreas residenciais, hospitais, maternidades, mercados, prédios administrativos, e outros.

Cabe, todavia, dar crédito ao fato de que novos recursos tecnológicos, tais como

satélites espiões, aeronaves não tripuladas, meios de comunicação digital, sistemas de

posicionamento global e outros, favorecem efetivamente a obtenção de informações

mais precisas e mais céleres.

A despeito de maiores considerações sobre as Operações de Informação,

convém assinalar que nestas a desinformação aparenta ter uma grande relevância, sendo

mencionada em várias circunstâncias.

Enfim, a contrainformação, no jargão policial brasileiro, refere-se tanto à

desinformação quanto à contrainteligência. Nos EUA, a contrainformação refere-se a

um conjunto de atividades que incluem a contrainteligência, sendo que esta estaria

melhor definida como contraespionagem. Uma vez que não foram encontrados

subsídios literários na doutrina ou no meio acadêmico brasileiro capazes de subsidiar o

presente trabalho sobre a desinformação, segue-se analisando o contexto anglo-saxão

onde a desinformação costuma ser empregada. Nesse sentido, convém entender o que

representam tanto as Operações de Informação quanto a contrainformação a elas

associadas para posteriormente verificar como a desinformação é mencionada.

A contrainformação, nesse contexto, divide-se em operações de natureza

defensiva e ofensiva. Sob um aspecto defensivo procura garantir aos comandantes um

cenário operacional baseado não apenas em uma perspectiva militar, mas também em

fatores não militares que possam afetar a situação. Na lógica ofensiva, a

contrainformação se destina a: destruir, degradar, corromper, enganar, negar, explorar e

a influenciar os comandantes adversários e outros que possam afetar o sucesso no

ambiente de operações.

Page 63: Desinformação, a técnica

62

O quadro a seguir retrata a estrutura das IO, segundo a doutrina militar que

era adotada pelas forças armadas dos EUA, onde estão dispostas também a

contrainformação e as formas de desinformação (operações psicológicas ou

psychological operations, desinformação militar, ataque informacional e opsec):

Assim, Information Operations (IO) têm como pilares fundamentais

segundo a Força Aérea dos Estados Unidos (1998):

a) Information-in-warfare (IIW);

b) Information warfare (IW);

c) Information services (ISvs).

Page 64: Desinformação, a técnica

63

Information-in-warfare (IIW) ou informações de guerra – compreende todas

as atividades destinadas à coleta e à disseminação de informações com a finalidade de

proporcionar aos comandantes no campo de batalha uma consciência clara da dimensão

do conflito. Esse tipo de operação engloba a capacidade de fornecer uma visão global

do conflito, baseando-se em: inteligência integrada, vigilância e dispositivos de

reconhecimento; atividades de coleta e disseminação de informações; recursos de

navegação e posicionamento global, de meteorologia e de comunicação (FORÇA

AÉREA DOS ESTADOS UNIDOS, 1998, p. 2).

Information warfare (IW) ou guerra informacional – tem por escopo

promover a defesa das próprias informações e sistemas de informação, assim como

atacar e afetar as informações e os sistemas de informação de um adversário. É neste

contexto que a desinformação e suas diferentes formas encontram uma grande

aplicabilidade. Segundo a Força Aérea estadunidense, a guerra informacional divide-se

em (1998, p. 9-18):

Counterinformation (contrainformação) – conjunto de atividades promovidas

para estabelecer um determinado nível de controle das informações de modo

que as forças aliadas possam operar em um dado momento ou lugar sem

interferência proibitiva das forças adversárias. Divide-se em

contrainformação defensiva, cujo escopo é defender informações e sistemas

de informação das forças aliadas, e ofensiva, que consiste em atividades

realizadas para controlar o ambiente de informações, negando, aviltando, corrompendo, destruindo e fraudando as informações e sistemas de

informação do adversário;

Psychological Operations (PSYOP) ou operações psicológicas – consistem

em transmitir informações selecionadas para líderes estrangeiros ou para

audiências específicas buscando influenciar suas emoções, motivações,

raciocínio e comportamento de modo a favorecer quem as promove. Podem

ser empregadas em nível estratégico, operacional e tático. O que caracteriza

este tipo de operações não é a natureza das informações, pois estas podem ser

verdadeiras ou falsas, é a função manipuladora que exercem. Nesse aspecto,

em muito se assemelha ao conceito de operações de desinformação, já

abordado; Military deception ou desinformação militar – consiste em induzir em erro

um adversário, fazendo-o agir de acordo com os objetivos do desinformador.

Pode ser empregada para distrair forças inimigas ou dar cobertura às

operações militares das forças aliadas, confundindo e dissipando as forças

adversárias. Costuma ser empregada para degradar a capacidade adversária

de discernir vulnerabilidades da OPSEC. Ao mesmo tempo, a OPSEC limita

as informações e os indicativos que possam comprometer as operações da

desinformação militar. Ex.: Posicionar radares de vigilância em um arranjo

tipicamente defensivo quando, de fato, a intenção é atacar;

Page 65: Desinformação, a técnica

64

Information attack ou ataque informacional – ao contrário do ataque físico,

que visa destruir tanto os dispositivos de armazenamento de informações até

os prédios ou instalações onde possam funcionar os sistemas de informação,

o ataque informacional refere-se às atividades desenvolvidas para manipular

ou destruir as informações ou sistemas de informações do adversário.

Consiste na manipulação de bases de dados ou dos parâmetros de relatório

dos sistemas de informação de modo a produzir informações incorretas, que

influenciem a decisão dos líderes adversários ou destruam a confiança dos

mesmos em seus sistemas de informação. Um ataque informacional eficaz

poderia forçar um adversário a abandonar seus sistemas de informação uma

vez que acredite que estejam comprometidos. Um exemplo de ataque

informacional seria a introdução de desinformação em um sistema de radar para fazer com que os mísseis antiaéreos errem os alvos estabelecidos.

Ataques informacionais podem ser considerados atividades direcionadas a

afetar a capacidade adversária de observação e orientação, considerando-se o

ciclo operacional da: observação, orientação, decisão e ação;

Contrainteligência – neste contexto a contrainteligência restringe-se a

proteger operações, informações, sistemas, tecnologias, instalações, pessoal e

outros recursos de atos promovidos pelos serviços de inteligência

estrangeiros, por grupos terroristas ou por outros elementos [tradução nossa].

Information services (Isvs) ou serviços de informação – atividades

dedicadas a fornecer infraestrutura, vias de comunicação, tecnologias de computação,

suporte a aplicativos, gerenciamento de informações e operações em rede de modo a

tornar a rede de informação global uma realidade.

Assim, a relação entre a desinformação e a contrainformação depende do

cenário considerado. Em termos da cultura anglo-saxã elas são espécie e gênero,

respectivamente. No Brasil, por outro lado, pode-se dizer empiricamente que costumam

ser empregados mais como sinônimos.

2.6 Categorias de desinformação

Em função do nível dos objetivos pretendidos a desinformação pode ser

considerada basicamente sob dois45

aspectos: estratégico e tático. No nível estratégico, a

desinformação é empregada para proteger intenções e estratégias em um nível superior,

isto é, como as atividades são coordenadas e como se pretende utilizar essas atividades

para alcançar determinados fins.

45 Embora a maior parte deste trabalho se baseie na doutrina militar dos EUA, não foram adotados os níveis

estratégico, tático e operacional que essa doutrina emprega, mas sim somente dois: estratégico e tático, conforme a concepção de Karl Von Clausewitz, citado por Ávila e Rangel (2009). Dessa forma, os conceitos operacional e tático originários nos textos estadunidenses foram condensados em um só aspecto: o tático.

Page 66: Desinformação, a técnica

65

No nível tático, pode-se almejar confundir ou enganar um adversário a

respeito de uma operação ou ação específica. Tanques de combate ou aeronaves falsas,

por exemplo, podem ser utilizados como desinformação tática de modo a evitar danos a

equipamentos reais e a perda de vidas em uma determinada circunstância. Outro

exemplo de desinformação tática poderia ser ―vazar‖ intencionalmente informações

manipuladas a um adversário de modo a fazê-lo se enganar sobre quando, em qual

lugar, e de que maneira uma atividade específica será promovida.

A desinformação estratégica, por outro lado, seria utilizada para encobrir ou

proteger os objetivos maiores que foram estabelecidos, como, por exemplo, dissimular

de que maneira ou em quais lugares o desinformador pretende usar tanques e aeronaves

verdadeiros e onde pretende usar os falsos.

Pode-se dizer, então, que a desinformação tática procura proteger o

planejamento, a execução e os meios empregados em ações específicas e a

desinformação estratégica tem por fim proteger os objetivos maiores, isto é, os fins

almejados com a coordenação e uso daquelas ações.

Quanto à especificidade dos objetivos pretendidos, a desinformação pode

ser classificada em dois tipos: tipo-A e tipo-M46

.

A desinformação tipo-A, , segundo o Departamento de Defesa do Canadá

(1998, p. 11-13) tem por finalidade criar ou aumentar uma dúvida na mente do alvo,

reduzindo a probabilidade de uma percepção correta dos acontecimentos.

Analogamente, ela pode ser considerada como um ruído que é interposto em uma

comunicação fazendo com que o receptor das mensagens não consiga discernir o que,

de fato, o emissor está transmitindo47

. A presença na Casa Branca, em 27 de novembro

de 1941, dos embaixadores japoneses Kichisaburo Nomura e Saburo Kurusu para uma

conferência com o presidente dos EUA antes do ataque a Pearl Harbor pode ser

considerada um exemplo desse tipo, (CADDELL, 2004, p. 6). Ao continuar as

negociações diplomáticas, os japoneses tornaram mais difícil para os EUA conhecer as

reais intenções de Tóquio. A desinformação, neste caso, fez com que os estadunidenses

46 Tipo-A refere-se ao ―ambiguity type‖ e o Tipo-M, ao ―Misleading type‖. 47 A atividade de interpor ruídos em comunicações alheias ou transmitir na mesma frequência é conhecido mais especificamente como ―jamming”, de modo que a analogia é feita em relação à forma como o receptor irá se comportar, isto é, este poderá ficar em dúvida por não saber de fato qual informação recebeu.

Page 67: Desinformação, a técnica

66

aumentassem suas dúvidas sobre o que, de fato, os japoneses pretendiam, garantindo

aos japoneses a vantagem da surpresa.

O tipo-M, por outro lado, é utilizado para convencer o alvo a respeito de

uma falsidade específica. A estratégia é reduzir a incerteza do alvo apresentando-lhe o

que seria mais plausível. Essa opção, contudo, também foi manipulada para atender aos

interesses do desinformador (NATIONAL DEFENSE, 1998, p. 11-13).

Exemplos históricos do emprego da desinformação do tipo-M foram as a

operações FORTITUDE NORTE e FORTITUDE SUL. Do tipo-A, um dos grandes

exemplos foi a operação BODYGUARD, posteriormente renomeada FORTITUDE, a

qual englobava aquelas duas operações citadas além de outras.

Esse conjunto de operações de desinformação foi utilizado por ocasião de

uma das mais ambiciosas e perigosas operações militares: o desembarque das forças

aliadas na Normandia, ocorrido em 6 de junho de 1944, durante a Segunda Guerra

Mundial, e que ficou conhecido como dia D.

Para melhor exemplificar esses conceitos, segue abaixo um resumo dos

eventos ocorridos por ocasião da execução da operação Fortitude (DIA D..., 2010):

Os alemães construíram, a partir de 1942, uma linha de defesa chamada

Muralha do Atlântico que percorria toda a costa norte francesa, estendendo-se pela

Bélgica e Holanda. O objetivo principal dessa construção era proteger o litoral desses

países em caso de ataque das forças aliadas.

Para furar esse bloqueio e invadir a França os aliados fizeram planos durante

meses. Mapas, estudos geográficos, meteorológicos, fotos aéreas, e outras inúmeras

informações foram analisadas, de forma a subsidiar o plano de como e onde invadir o

território francês.

Após as análises, foram escolhidas as praias da Normandia como zona de

desembarque. Essa área não havia sido suficientemente fortificada pelos alemães, que

consideravam o local bastante improvável para uma invasão aliada.

A operação de desembarque das forças aliadas na Normandia foi, então,

denominada Overlord e para auxiliar o seu êxito foram montadas várias operações de

desinformação: Bodyguard (Fortitude), Taxable, Glimmer, Titanic, Fortitude North,

Fortitude South e outras (DONOVAN, 2002).

Page 68: Desinformação, a técnica

67

A operação Bodyguard foi uma operação de desinformação do tipo A que

visava confundir os alemães sobre o provável local de uma ofensiva das forças aliadas.

Seu objetivo era fazer com que os alemães dividissem suas forças militares ao longo das

mais de 3.000 milhas da Muralha do Atlântico (WENDELL, 1997). Essa confusão foi

promovida utilizando várias operações do tipo M.

As operações Fortitude North e Fortitude South, por exemplo, fizeram com

que os alemães mobilizassem grande aparato militar para defender tanto a Noruega

quanto Pas de Calais (Estreito de Dover), respectivamente. Em ambas as operações

vários recursos foram utilizados para fazer os alemães acreditarem que esses seriam os

locais de ataque das forças aliadas, o que efetivamente ocorreu.

Desse trecho histórico é possível verificar, portanto, que os tipos A e M de

desinformação foram combinados para a promoção dos interesses aliados. Não raro isso

pode ocorrer e causar alguma confusão, no entanto há situações em que uma delas

sobressai a outra, o que permite distingui-las.

Outra classificação da desinformação é feita em função da existência, ou

não, do objeto ou interesse que a desinformação irá proteger. Nesse sentido, ela pode ser

classificada em ativa ou passiva (CADDELL, 2004, p. 6). Desinformação ativa consiste

em proporcionar a um alvo evidências de intenções e capacidades que não são reais. Em

outras palavras, protege-se algo que não existe de forma a enganar o alvo.

A desinformação passiva, por outro lado, procura esconder do alvo

intenções e capacidades reais. A camuflagem, por exemplo, é um artifício de

desinformação que pode ser empregado tanto de forma passiva quanto de forma ativa

para induzir ao erro um alvo. Se a camuflagem é empregada para ocultar ou disfarçar

equipamentos reais, será passiva. Se for empregada para ocultar ou disfarçar

equipamentos que não existem de fato, mas que se pretende fazer o alvo acreditar que

existem, será ativa.

Outra classificação refere-se aos métodos, recursos e técnicas que podem ser

empregados para desinformar. Assim, tem-se: ―[...] desinformação por meios físicos,

desinformação por meios técnicos e desinformação por meios administrativos‖,

(MILITARYTERMS.INFO, 2010), que são:

Page 69: Desinformação, a técnica

68

1. A desinformação por meios físicos pode traduzir-se no emprego de

equipamentos e dispositivos falsos, uso de estabelecimentos falsamente

identificados etc.;

2. A desinformação por meios técnicos pode consistir na liberação de

radiação; na alteração, absorção ou reflexão da energia; na emissão ou

supressão de odores; na emissão ou supressão de substâncias químicas,

biológicas ou nucleares de modo a confundir e/ou enganar as análises do

alvo;

3. Já a desinformação por meios administrativos pode ser promovida por

quaisquer métodos que possibilitem transmitir ou negar ao alvo

evidências orais (gravações de áudio), documentais (relatórios

reservados, anotações), pictóricas (gravuras, desenhos) etc. [tradução

nossa].

Outro tipo de classificação toma como referência as atividades típicas de

Estado, como, por exemplo, aquelas que dizem respeito à política externa, à defesa

nacional e à manutenção da ordem pública. Nesse sentido, tem-se que a desinformação

pode ser classificada, respectivamente, como: política, militar e policial.

A desinformação política estaria incluída entre as atividades que um Estado

ou organização realiza para proteger seu(s) interesse(s) diante de outro(s) Estado(s). Nas

ações encobertas, por exemplo, pode-se empregar a desinformação política para tentar

influenciar o comportamento de outro governo ou organização em uma direção

favorável aos interesses do governo ou organização que a promove. Por outro lado, no

ambiente interno, grupos de interesse podem utilizar esse tipo de desinformação para

impactar os organismos de segurança pública, as forças militares e os próprios serviços

de inteligência no tocante aos recursos a eles destinados, o que inclui pessoal,

equipamentos, competências e tudo mais que dependa de decisões políticas.

No que tange à desinformação militar, ações manipuladoras podem ser

promovidas com a finalidade de induzir os esforços adversários a executar (ou não)

ações específicas. Por exemplo, exercícios militares e movimentação de tropas podem

ser realizados para enganar os comandantes militares e demais dirigentes adversários

sobre as capacidades militares, intenções e operações de quem as promove. Como

exemplos de resultados que podem ser obtidos através do emprego da desinformação na

esfera militar têm-se (DEPARTAMENTO DO EXÉRCITO, 2003, p. 4-2):

Perturbação da capacidade adversária de sincronização das operações;

Page 70: Desinformação, a técnica

69

Hesitação adversária na tomada de decisões; [...] Redução da intensidade do

conflito; Corrosão do ânimo adversário para a luta; Manipulação dos esforços

de inteligência, vigilância e reconhecimento adversários; Aumento da

insegurança adversária [tradução nossa].48

A desinformação como ferramenta de auxílio49

às atividades policiais,

denominada desinformação policial, pode consistir, por exemplo, em medidas voltadas

para proteger ou promover os interesses concernentes à manutenção da ordem pública.

Nesse sentido, informações sobre organizações criminosas e suas atividades podem ser

obtidas por policiais infiltrados50

, que usariam a desinformação para encobrir sua

identidade e interesse reais.

Nos EUA, Reino Unido, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Países Baixos e

na Escandinávia, a desinformação é empregada em um tipo específico de operações

policiais denominadas como sting operations51

. Tais operações consistem no uso de

medidas desinformadoras para prevenir e detectar crimes, como também para obter

informações que ajudem a elucidá-los. A título de prevenção de crimes, as sting

operations empregam policiais disfarçados ou mesmo objetos como ―isca‖ a fim de

atrair aqueles que se prestem a cometer crimes. Uma vez que os crimes são cometidos,

faz-se ampla divulgação na mídia de que os organismos policiais utilizam o logro para

prender eventuais criminosos. O objetivo neste caso é intimidar. No Brasil, por outro

lado, a desinformação policial costuma restringir-se à obtenção de informações, pois

48 Disrupting the adversary‘s ability to synchronize operations; Causing adversaries to hesitate in making decisions; […] Reducing the conflict‘s intensity; Damaging the adversary‘s will to fight; Directing adversary intelligence, surveillance, and reconnaissance; Increasing the adversary‘s uncertainty (fog of war). 49 Não se preconiza que os fins justificam os meios, onde o Estado e seus agentes utilizariam a desinformação como

forma de assegurar o interesse coletivo a despeito dos interesses individuais. A questão trata tão somente de uma análise das possibilidades. 50 Infiltração: técnica operacional de obtenção de dados. Ingressa-se na organização cujos dados se pretenda obter e passa-se a atuar como os demais membros. Pode empregar a desinformação para proteger a identidade ou os

interesses do agente, mas não se confunde com esta. 51 Sting operations may provide enticements for the targeted offender, such as offering a bribe to a politician suspected of corruption, or the opportunities may already be available, such as the presence of illegal drugs in open-air drug markets, the purchase of liquor by minors, or the hiding out of police in known locations where drivers exceed the speed limit. All of these examples assume that the offenders are ―willing‖ offenders, but as we will see below, when police construct situations in which they offer people opportunities to commit a crime, such as to buy stolen goods, it is not always clear that they are willing; or at least the sting operators manipulate their willingness. However, the clearest, defining feature of sting operations nowadays is that there is a point that ends the operations with a ―gotcha,‖ when police suddenly reveal themselves and catch the offender ―in the act,‖ often on video or audio

recording devices. Catching offenders in the act is a very persuasive feature that impresses juries, who typically return guilty verdicts even though an element of deception is often involved. Disponível em: <http://www.cops.usdoj.gov/files/RIC/Publications/e10079110.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2010.

Page 71: Desinformação, a técnica

70

utilizar a desinformação para prender criminosos utilizando ―iscas‖ seria encarado como

flagrante preparado52

, que resultaria na invalidade da prisão.

Considerando o grau de veracidade presente na desinformação esta pode ser

classificada também em: manipulada e fabricada. Na desinformação manipulada,

informações falsas são mescladas com verdadeiras, informações verdadeiras são

utilizadas fora do contexto próprio e, até mesmo, determinadas informações são

omitidas de modo a produzir no receptor uma correlação mental inválida, isto é, uma

confusão ou um entendimento falho, mas que atende aos interesses de quem fez a

desinformação. Na desinformação fabricada, por outro lado, uma informação totalmente

falsa é apresentada como se fosse verdadeira (CADDELL, 2004, p. 1). São exemplos de

desinformação militar fabricada: o uso de armas falsas e o ―vazamento‖ para o inimigo

de ordens militares que teriam sido dadas pelo comando aos comandados.

Embora ambas possam produzir o resultado esperado, a desinformação

manipulada costuma ser mais utilizada, porque há mais chances de enganar o alvo se

forem fornecidas informações que estejam, pelo menos em parte, de acordo com outras

que ele já possui.

Há, nesse sentido, várias formas de se praticar a desinformação, abrangendo

uma variedade de assuntos, de modo que a sua utilização, ou não, depende muito mais

de outros aspectos, que serão analisados a seguir, que da natureza dos assuntos tratados.

2.7 Quando desinformar

Considerando que o objetivo maior do uso da desinformação no ambiente de

relações humanas, assim como da criação e preservação de segredos proposta por

Scheppelle (1953), é a proteção e a promoção de interesses, não haveria um momento

específico para desinformar, pois, se o direito de autopreservação é legítimo, a

desinformação poderia ser praticada a todo tempo. O que poderia limitar o emprego da

desinformação, então, seria a perspectiva a ser considerada, isto é, uma conjugação de

fatores relativos a: atores sociais envolvidos, interesses, cenários, natureza das relações

52 ―Diz-se que há flagrante preparado quando são tomadas providências para que a pessoa que vai praticar a infração não perceba que está sendo vigiada‖ (TOURINHO FILHO, 2003, p. 567).

Page 72: Desinformação, a técnica

71

sociais mantidas, natureza dos segredos etc. Nesse sentido, o emprego da desinformação

poderia ser considerado legítimo ou ilegítimo, legal ou ilegal e, até mesmo, ético ou

antiético. Por exemplo, em uma situação onde os atores envolvidos sejam pessoas

físicas ou jurídicas não estatais, a manutenção de segredos que impliquem vantagem

para um em detrimento de outro, ainda que possa ser considerada legítima, sob o prisma

da autonomia individual, pode ser considerada ilegítima por outros e ilegal por

autoridades responsáveis pela aplicação da lei. Por outro lado, se uma das partes

representar os interesses estatais o uso da desinformação pode ser legalmente

justificável, ainda que ilegítimo, pois está conforme o ordenamento jurídico53

vigente.

Scheppelle (1953, p. 5-12) aborda a questão da legalidade dos segredos a

partir dos interesses envolvidos analisando o resultado de 5 julgamentos ocorridos nos

EUA. A partir daí estabelece duas categorias de segredos: os estratégicos e os privados.

Segredos estratégicos seriam mantidos com o propósito de influenciar as ações e os

sentimentos dos outros para atender fins específicos. Segredos privados seriam aqueles

mantidos sem o objetivo de influenciar ou obter vantagem pela sua manutenção, pois

diriam respeito tão somente ao próprio indivíduo, ao seu senso de identidade. Pode-se

dizer, dessa forma, que os segredos estratégicos serviriam para promover interesses, ao

passo que os segredos privados visariam à proteção.

A categorização estabelecida por Scheppelle (1953) é de grande valia,

sobretudo, por demonstrar que a desinformação empregada em situações semelhantes

pode ser juridicamente aceita em alguns casos e rejeitada em outros, ou seja, reforça a

ideia de que outros aspectos podem influenciar a sua aplicabilidade, além da natureza

dos assuntos tratados.

Como no presente trabalho a desinformação é vista como técnica utilizada

pelos serviços de inteligência , esses aspectos condicionadores da desinformação serão

considerados nos cenários da política externa, da defesa nacional54

e da manutenção da

ordem pública.

Assim, no cenário interno a desinformação praticada por agentes estatais

(civis e militares) pode ser considerada ilegítima e ilegal, por ser contrária ao regime

53 Conjunto de regras e princípios jurídicos que disciplinam coercitivamente as condutas humanas. 54 Também conhecida como militar.

Page 73: Desinformação, a técnica

72

jurídico-constitucional vigente. No Brasil, por exemplo, enquanto é legalmente admitido

o uso de agentes infiltrados55

para combater o crime organizado (Lei nº. 9.034/95, art. 2,

V e Lei nº. 11.343/2006, art. 53, I), o uso de agentes provocadores56

não é. No primeiro

caso, policiais usam a desinformação para proteger sua verdadeira identidade e seus

interesses, obtendo informações que contribuam para as investigações. No segundo,

policiais usam a desinformação para instigar ou convencer investigados a praticar

atividades que ajudem a prendê-los, o que não é aceito como legítimo e nem legal no

território brasileiro. Embora um agente infiltrado possa tanto obter informações quanto

induzir um investigado a praticar atos, no Brasil não seriam juridicamente válidos para a

persecução criminal57

os atos realizados sob a indução de um agente estatal

(GUIMARÃES, 2009). O flagrante preparado58

, por exemplo, representa uma indução

promovida por agentes estatais que não é admita pelos tribunais brasileiros. Nos EUA e

na Inglaterra, contrariamente, o uso do agente provocador é aceito por vários motivos,

dentre eles, para prevenir a prática de crimes.

No cenário externo, da mesma forma, a não observação das determinações

de tratados e acordos internacionais, como as Convenções de Haia e de Genebra, as

quais estabelecem, dentre outras, regras para o emprego da desinformação militar, pode

ensejar medidas contra o Estado ou contra os agentes envolvidos. Por exemplo, segundo

o artigo 37 – Proibição da perfídia - do Protocolo59

I, de 10 de junho de 1977, da

Convenção de Genebra de 12 de agosto de 1949, (ratificado no Brasil pelo Dec. 849/93)

é proibido praticar atos de caráter traiçoeiro, isto é, com emprego de perfídia,

estabelecendo quais ações são vedadas:

55 [...] o agente infiltrado mantém sua verdadeira identidade encoberta, adotando uma falsa, para ganhar a confiança dos criminosos; passa a viver no submundo do crime, inclusive fazendo parte dos planos e ações ilícitos, sem, no

entanto, dar causa, diretamente, à prática de um crime (a atividade do agente é limitada). Pode mesmo chegar a prestar apoio moral e material, e praticar atos de execução de crime, [...] mas não pode – está proibido de – impulsionar o crime. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6156>. Acesso em: 26 jan. 2010. 56 O agente provocador é aquele que, ao ganhar a confiança do criminoso, mediante uso de algum ardil, o instiga ou o convence a praticar determinada conduta típica, quando, então, desencadeia a atuação policial para a positivação do fato e mesmo para sua prisão. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6156>. Acesso em: 26 jan. 2010. 57 Procedimento que engloba a investigação criminal e o processo penal. 58 Estímulo de uma pessoa a outra para que esta pratique o ato típico de uma infração penal, com o intuito, porém, de surpreendê-la no momento da execução, dando-lhe voz de prisão. 59 Disponível em: <http://www.icrc.org/ihl.nsf/FULL/470?OpenDocument>. Acesso em: 26 jan. 2010.

Page 74: Desinformação, a técnica

73

1. É proibido matar, ferir ou capturar um adversário valendo-se de meios

perfídios. Constituirão perfídia os atos que, apelando para boa fé de um

adversário e com a intenção de atraiçoá-lo, dêem a entender a este que tem

direito à proteção, ou que está obrigado a concedê-la, em conformidade com

as normas de Direito Internacional aplicáveis nos conflitos armados. São

exemplos de perfídia os seguintes atos:

a) simular a intenção de negociar sob uma bandeira de armistício ou de

rendição; b) simular incapacidade por ferimentos ou enfermidades; c) simular

a condição de pessoa civil, não combatente; d) simular que possui condição

de proteção, pelo uso de sinais, emblemas ou uniformes das Nações Unidas

ou de Estados neutros ou de outros Estados que não sejam Partes em conflito.

[BRASIL, 1993].

Em termos gerais, então, o emprego da desinformação pelos serviços de

inteligência deve se pautar não só nos objetivos pretendidos, como também nas

consequências que poderão advir, caso não se observem as circunstâncias envolvidas.

Se a ideia de seu emprego for adotada por agentes de organismos policiais, por

exemplo, antes de sua efetiva implementação60

deverão ser analisados os aspectos

jurídicos concernentes, de forma que os esforços a serem empreendidos não sejam

posteriormente invalidados em um tribunal.

2.8 Falhas a considerar

Segundo a doutrina militar canadense (NATIONAL DEFENSE, 1998, p.

19), várias são as circunstâncias que podem contribuir para falhar o uso da

desinformação, no entanto duas seriam básicas:

[...] as que resultam da detecção do alvo; 2. as que resultam de um

planejamento falho ou de uma execução inadequada [tradução nossa].61

Em termos mais específicos, poderia acontecer (NATIONAL DEFENSE,

1998, p. 19-20):

60 A implementação legal da infiltração no Brasil, por exemplo, deve ser precedida de autorização judicial. 61 There are generally two categories of deception failures: a. those resulting from detection by the intended victim— the target; b. those resulting from inadequate design or implementation by the deceiver; c. incomplete or misunderstanding of the target‘s intelligence.

Page 75: Desinformação, a técnica

74

a. entendimento falho ou incompleto do sistema de inteligência do alvo; b.

formatação incompleta ou incorreta do processo de desinformação; c. canais

ou meios inadequados ou impróprios para conduzir a desinformação; d.

controle incompleto ou insuficiente sobre variáveis importantes do processo

de desinformação; e. avaliação incorreta do alvo; f. expectativas exageradas

do desinformador, produzindo uma desinformação demasiadamente

sofisticada para ser compreendida e aceita ou muito simplória para ser

acreditada; g. expectativas sem motivo; h. incapacidade do alvo para reagir

da forma esperada, ainda que acredite na desinformação, isto é, ainda que o

alvo queira tomar determinadas medidas pode não ser possível fazê-lo por

falta de recursos financeiros, materiais etc.; i. tempo insuficiente para o

processo de desinformação produzir os resultados esperados; h. puro azar pode causar a detecção ou a inadequação, ou ambos [tradução nossa].62

Da análise dos trechos supracitados pode-se inferir que uma vez tomadas

todas as precauções o risco da operação de desinformação falhar pode diminuir muito,

no entanto ainda não há garantias de que irá ter êxito. O que se pode obter, de fato, é um

maior controle das variáveis de forma que o fator sorte tenha pouca influência. Quanto

maior a observação desses parâmetros maiores as chances de se atingir os fins

planejados. É necessário, contudo, ter também um plano auxiliar para o caso de falhar a

operação.

As possibilidades com o emprego da desinformação são muitas e os riscos

envolvidos, como se vê, podem ser minimizados. Dessa forma, conhecer algumas das

possíveis falhas tem por objetivo auxiliar o planejamento e o emprego da

desinformação, assim como alertar para a necessidade de se saber o que fazer em caso

de falha.

2.9 Circunstâncias que afetam a desinformação

A ignorância, a arrogância e o medo, dentre outras, são circunstâncias que

afetam as análises mentais, interferindo em nossas conclusões. Isso porque são as

62 a. incomplete or misunderstanding of the target‘s intelligence apparatus; b. incomplete or incorrect modeling

of the deception process; c. inadequate or improper channels or means to convey the deception story; d.

incomplete or inadequate control over the important variables of the deception process; e. incorrect assessment of the target‘s reaction; f. deception story falls outside the deception window: too sophisticated to be received,

or too simplistic to be believed; g. unreasonable expectations; h. target‘s inability to react in the intended manner even if deception is considered credible; i. inadequate time for the deception process to run its course;

and j. plain bad luck can cause detection or inadequacy, or both.

Page 76: Desinformação, a técnica

75

experiências pessoais e os conhecimentos obtidos que moldam, de uma forma geral, a

forma de pensar e o comportamento humanos. Uma consequência disso é que mesmo

experientes analistas de inteligência podem ser desinformados à medida que se

conheçam e explorem seus padrões comportamentais. Em outras palavras pode-se dizer

que para conseguir sucesso com a desinformação deve-se procurar obter vantagem em

cima dos preconceitos e juízos de opinião que o alvo possui e que interferem no seu

comportamento.

Para entender melhor esses parâmetros, empregamos as considerações da

doutrina militar canadense e do professor Howard Gardner. Assim, são dispostos

princípios baseados em fatos históricos, considerações provenientes das ciências sociais

e outros, de modo a estabelecer circunstâncias básicas que devem ser observadas no

planejamento e na execução de uma desinformação. São elas:

a) Inércia mental. Segundo a doutrina militar canadense (NATIONAL

DEFENSE, 1998), a inércia mental refere-se à tendência que as pessoas têm de acreditar

que determinadas premissas continuam válidas mesmo depois que os eventos já

evidenciaram o contrário. Ex.: Um governante decide manter suas forças militares sem

atacar até que seu país seja efetivamente atacado, a despeito de inúmeras evidências

demonstrarem os preparativos inimigos para o conflito;

b) Exploração da percepção. Para a doutrina militar canadense

(NATIONAL DEFENSE, 1998), é geralmente mais fácil reforçar em um alvo seus

preconceitos do que tentar mudá-los. Além disso, essas crenças podem ser exploradas,

de modo a tirar vantagem. Gardner (2005, p. 30) reforça a ideia da dificuldade em

mudar mentes, dizendo que é mais fácil mudar a mente de uma criança do que de um

adulto, como se pode verificar no trecho a seguir:

[...] embora seja fácil e natural mudar a própria mente nos primeiros anos de

vida, fica difícil alterá-la conforme os anos passam. A razão, resumidamente,

é que desenvolvemos visões e perspectivas sólidas que resistem à mudança.

Ciente dessa condição, o desinformador deve ser capaz de identificar

crenças do alvo que possam ajudar à aceitação da desinformação. Godson (2008, p. 155)

Page 77: Desinformação, a técnica

76

reforça essa importância dizendo que seria pouco provável uma desinformação fazer

efeito sobre uma pessoa que não esteja predisposta a isso, isto é, a desinformação deve

pautar-se naquilo em que o alvo acredita ou tende a acreditar:

A eficácia da desinformação, muitas vezes, depende mais da predisposição

dos destinatários do que da qualidade da desinformação ou dos veículos

utilizados para divulgá-la. As pessoas acreditam no que elas querem. É

improvável que a desinformação tenha muito efeito sobre alvos não

predispostos a determinadas crenças. Portanto, a primeira consideração que o

desinformador deve ter em mente é como identificar e jogar com as crenças

do alvo; a preocupação sobre a qualidade ou a plausibilidade da

desinformação deve vir em segundo lugar [tradução nossa].63

A invasão da Normandia pelas forças aliadas, durante a Segunda Guerra

Mundial, pode exemplificar essa teoria. Um pouco antes daquele acontecimento, Hitler

e a maioria de seus conselheiros militares acreditavam que as forças aliadas iriam

invadir a região de Pas de Calais (Estreito de Dover). Os aliados sabiam disso e, ao

invés de tentar mudar essa crença alemã, reforçaram-na através de uma operação de

desinformação denominada Fortitude South (DONOVAN, 2002). Como resultado os

alemães redistribuíram suas forças militares para defender aquela região, diminuindo as

defesas na Normandia, o que representou uma contribuição significativa para que a

invasão tivesse sucesso.

Assim, pode-se inferir que a capacidade de explorar a percepção alheia pode

ser um fator diferencial na relação entre os serviços de inteligência e a desinformação.

Isso porque a desinformação, como já visto, não se restringe à Inteligência, no entanto é

através desta que dados relevantes sobre o alvo ou sobre os interesses dele, mas que são

intencionalmente negados, têm maiores chances de serem obtidos. Em outras palavras,

pode-se dizer que os serviços de inteligência teriam uma maior habilidade para obter

informações relevantes sobre determinado alvo e, a partir daí, estabelecer o que seria

necessário para que uma operação de desinformação tenha maiores chances de êxito;

63 The effectiveness of disinformation often depends more on the predisposition of the intended recipients than on the quality of the disinformation or the vehicles used to disseminate it. People will believe what they want to.

Disinformation is unlikely to have much impact on targets not predisposed to a certain belief. Therefore, the primary consideration of the forger is to identify and play to predispositions; worrying about the quality or plausibility of the disinformation comes second.

Page 78: Desinformação, a técnica

77

c) Vulnerabilidade ao condicionamento (conditioning64

). Refere-se à

incapacidade de certas pessoas de identificar mudanças se estas forem implementadas

gradativamente, mesmo se estas forem significativas, ao se considerar um determinado

espaço de tempo. Algumas pessoas, por exemplo, não percebem as mudanças naquelas

que vêem diariamente, mesmo após alguns meses.

O conceito de conditioning, segundo a doutrina militar canadense

(NATIONAL DEFENSE, 1998), associa-se ao de cover (disfarce), que é outro termo

especializado utilizado pelas forças armadas canadenses para se referir ao emprego de

atividades que busquem disfarçar a preparação ou início de um ato hostil. Um exemplo

bastante comum são os exercícios de treinamento militar. Se o treinamento militar for

repetido várias vezes, mas não resultar em um ataque, tem-se o condicionamento ou

conditioning. Se houver o ataque, tem-se o disfarce ou cover. No primeiro busca-se

iludir o alvo fazendo-o acreditar que estamos blefando, pois não pretendemos atacar. Já

no segundo, a intenção é surpreender o alvo, que já não acreditava na realização do

ataque.

Como exemplo histórico de condicionamento tem-se a fuga dos navios

alemães Scharnhorst, Gneisenau e Prinz Eugen, em 12 de fevereiro de 1942, ao

bloqueio imposto pelos britânicos. Nesse evento os alemães utilizaram o

condicionamento para enganar os operadores de radar britânicos. Por meio da técnica

denominada jamming65

, os alemães diariamente atacavam os sistemas de radar

britânicos, fazendo os operadores acreditarem que se tratava tão somente de distúrbios

atmosféricos. Assim, com distorções diárias nos sistemas de vigilância por radar,

sempre no mesmo horário, os operadores de radar britânicos acabaram se acostumando

e não percebendo os navios alemães, que aproveitaram para furar o bloqueio imposto

(NATIONAL DEFENSE, 1998, p. 9).

64 Conditioning é um termo empregado pelas forças armadas estadunidenses para se referir a um tipo específico de desinformação militar. Consiste na repetição do que poderiam ser os preparativos para uma ação hostil, mas que não é concretizada. O objetivo é causar no alvo uma falsa sensação de segurança. (CADDELL, 2004, p.9). 65 Termo já mencionado anteriormente que se refere a um conjunto de atividades cujo fim é dificultar a recepção de

uma mensagem ou mesmo a compreensão do conteúdo da mesma de acordo com os interesses de quem as promove. Podem ser utilizados ruídos ou distorções intencionalmente interpostos em um sistema de comunicação ou de vigilância, transmissões na mesma faixa de frequência da transmissão original e outros.

Page 79: Desinformação, a técnica

78

Como exemplo de disfarce, temos a Guerra das Ilhas Malvinas, ocorrido em

1982. Nessa ocasião, a investida promovida pelas forças armadas argentinas foi

precedida de exercícios militares rotineiros (CADDELL, 2004, p. 9);

d) Alarmes falsos repetidos. É uma forma de disfarce ou cover com o fim

específico de tornar o alvo negligente em relação às suas próprias defesas. Ex.: Embora

não haja evidências de que fazia parte do plano japonês empregar esse recurso por

ocasião do ataque a Pearl Harbor, a atenção e a sensibilidade dos integrantes da

marinha estadunidense acabaram sendo diminuídos devido ao excesso de alarmes falsos

sobre eventuais submarinos japoneses nos dias que precederam o ataque real

(NATIONAL DEFENSE, 1998, p. 10);

e) Número de canais de transmissão. Quanto maior o número de canais que

transmitem informações reais sobre determinado assunto ao alvo, menores são as

chances de a desinformação ser bem sucedida. Por outro lado, se for possível aumentar

o número de canais controlados e transmitir a desinformação sob diferentes

perspectivas, maiores serão as chances de enganar o alvo (NATIONAL DEFENSE,

1998, p. 11). Gardner (2005, p. 105) corrobora essa afirmativa dizendo: ―[...] os

indivíduos aprendem mais efetivamente quando recebem a mesma mensagem de

maneiras diferentes [...]‖;

f) Modo de desinformar. Já se falou que vários meios (suportes) podem ser

empregados para transmitir a desinformação. Informações escritas ou orais, desenhos,

objetos, cadáveres humanos, enfim, inúmeras formas podem ser utilizadas. Um aspecto,

contudo, não pode ser negligenciado: como o alvo tomará conhecimento delas. Isso

porque, como já dito anteriormente, o alvo pode simplesmente ignorar a desinformação

que se tenta passar ou mesmo desacreditá-la totalmente devido à forma como foi

difundida. O seguinte exemplo pode demonstrar como o modo como a informação

chega ao alvo pode influir no resultado final, (NATIONAL DEFENSE, 1998, p 18):

[...] no início da Segunda Guerra Mundial, um avião alemão que seguia para

uma colônia acabou se perdendo, sendo forçado a aterrissar próximo a cidade

de Malines na Bélgica. Os três passageiros, sendo dois oficiais da Wehrmacht e um major da Força Aérea, logo foram detidos pelas autoridades belgas. Eles

foram levados, posteriormente, para a delegacia de polícia e deixados

Page 80: Desinformação, a técnica

79

sozinhos por alguns instantes. Nessa ocasião, fizeram uma tentativa de

queimar alguns documentos que estavam carregando. Esses documentos eram

ultrassecretos e continham planos de ataque à Holanda e à Bélgica, contudo a

tentativa de queimá-los falhou e estes acabaram caindo nas mãos das

autoridades belgas. Estas autoridades, entretanto, pensaram que os

documentos fossem parte de um plano de desinformação, acreditando que os

alemães não poderiam ser tão descuidados ao ponto de deixar planos reais de

guerra caírem nas mãos dos aliados [tradução nossa].66

g) Período de emprego da desinformação. Segundo a doutrina militar

canadense (NATIONAL DEFENSE, 1998), as atividades e comportamentos do

desinformador devem perdurar o máximo possível de forma a sustentar a

desinformação, isto é, as atividades reais devem ser retardadas ao máximo para não

evidenciar as verdadeiras intenções antes do momento adequado. Isso porque, ainda que

a desinformação seja comprometida, pode-se obter vantagem devido ao retardo da

reação do alvo. Na desinformação militar, por exemplo, o retardamento do ataque

verdadeiro poderia ter como objetivo fazer com que o inimigo não tivesse tempo

suficiente para se recuperar ou para tomar as medidas de defesa necessárias.

No ataque alemão à Noruega, durante a Segunda Guerra Mundial, os aliados

foram pegos de surpresa, pois acreditavam que os navios alemães tinham por objetivo

somente furar o bloqueio aliado e seguir para o Atlântico. Embora os aliados tivessem

detectado o avanço dos navios alemães para a Noruega, não perceberam quais eram as

reais intenções alemãs até o ataque ser promovido. Dessa forma, os alemães garantiram

a surpresa do ataque mesmo tendo sido detectados, e aproveitaram o fato de que os

aliados não tinham tomado as medidas de defesa que seriam necessárias (KILZER,

2010);

h) Risco de Blow back - segundo Cepik (1999), este termo é utilizado

quando a informação utilizada em uma operação de propaganda ou de desinformação

66 […] early in World War II, a German aircraft heading for Cologne became lost and made a forced landing near Malines in Belgium. The three passengers, two Wehrmacht officers and a Luftwaffe major, were soon arrested by Belgian authorities. They were taken to the police station and left alone briefly. They made an attempt to burn some documents they were carrying. They were top secret documents containing attack plans for Holland and Belgium. However, the documents failed to burn and fell into the hands of Belgian authorities. The authorities believed that the

documents were a part of a deception plan, because the Germans could not be careless enough to allow actual war plans to fall into the hands of the Allies.

Page 81: Desinformação, a técnica

80

conduzida no exterior reaparece no país de origem e é tomada pela mídia e mesmo pelo

governo como um fato verdadeiro.

Assim, uma desinformação sobre política externa, por exemplo, se

divulgada no próprio país de origem, pode gerar consequências desagradáveis para a

organização militar, diplomática ou de inteligência que a promoveu. Analogamente,

uma desinformação eventualmente promovida no bojo de uma operação de inteligência

policial, cujo fim seja obter informações de uma organização criminosa, pode chegar ao

conhecimento de outros setores da própria instituição ou de outras similares e gerar

prejuízos para a operação principal67

e até mesmo para os envolvidos. Policiais civis

infiltrados para investigar uma organização de narcotraficantes, por exemplo, podem

acabar sendo presos por policiais militares, caso estes recebam informações sobre as

atividades do suposto ―grupo‖ e acreditem que os policiais civis realmente fossem

criminosos ou que tenham se transformado em criminosos.

As circunstâncias que afetam a desinformação assim como as possíveis

causas de falhas são aspectos que se complementam e que devem ser considerados para

o sucesso de uma desinformação. Ambas, na verdade, são considerações que o

desinformador deve ter em mente ao elaborar o plano de uma operação desse tipo. Mais

do que estabelecer regras rígidas a serem seguidas esse conjunto de prescrições tem por

finalidade aumentar as chances de êxito, servindo como parâmetros para o

planejamento.

Certamente o grau de complexidade da desinformação será determinado em

função dos vários fatores envolvidos, tais como: as pessoas, o lugar, o contexto, o tempo

disponível para execução e outros, no entanto nada impede que se tente diminuir a

dependência do acaso, mesmo em situações de menor relevância.

67 A operação de desinformação, nesse caso, é acessória e tem por objetivo encobrir a operação principal ou os envolvidos nesta.

Page 82: Desinformação, a técnica

81

3 DESINFORMAÇÃO NA HISTÓRIA

Vários são os casos na história humana onde o emprego da desinformação

resultou na obtenção de vantagens para aqueles que a utilizaram. Em alguns casos

preservaram-se vidas humanas. Em outros, promoveram-se interesses e, até mesmo,

venceram-se disputas.

A mentira, a fraude e o logro, como já mencionado, há muito são utilizados

pelo homem em proveito próprio. Séculos antes de Cristo, o general chinês Sun Tzu já

preconizava (2007) o uso de artifícios para vencer guerras. Talvez com o passar dos

anos esses métodos de manipular informações tenham sido apenas aprimorados. Se no

passado a desinformação podia partir com maior facilidade da dificuldade de acesso às

informações e talvez de uma maior ignorância alheia, no presente, por outro lado, esta

pode tomar como referência o grande número de canais de transmissão que, muitas

vezes, reproduzem acriticamente as informações recebidas. Isso em função da

possibilidade de uma mesma informação poder ter suas chances de assimilação e

aceitação aumentadas se for repetida em vários canais diferentes.

Assim, em razão das várias formas de desinformação estarem presentes

praticamente no cotidiano das relações humanas, uma tentativa de enumerar todos os

casos históricos ocorridos, além de não atender aos fins deste trabalho, seria

demasiadamente difícil. Dessa forma, neste tópico a desinformação é abordada sob três

perspectivas: 1. Institucionalização, por meio da criação de agências, orgãos estatais, ou

setores específicos; 2. Período da Guerra Fria; 3. Casos de desinformação ocorridos que

dizem respeito à política, à guerra e à segurança interna.

3.1 Institucionalização da desinformação

Embora a desinformação fosse há muito empregada, foi no século XX que

os russos cunharam o termo desynformatsiya para se referir à manipulação das

informações com o fim de influenciar audiências específicas. Foi na Rússia também, no

período de Lenin, que a desinformação foi estendida sistematicamente para o campo da

estratégia política, cultural e educacional como instrumento de engenharia político-

Page 83: Desinformação, a técnica

82

social do governo. Utilizando a desinformação para fortalecer aliados e enfraquecer

opositores, Lenin tinha por objetivo criar um clima favorável a seus anseios, interna e

externamente, sobretudo porque considerava que a desinformação poderia minimizar o

uso da luta armada. (VOLKOFF, 2004. p. 58-70).

Segundo Godson e Wirtz (2008, p. 80), foram os alemães que teriam

originariamente institucionalizado a desinformação, ao criarem agências ou setores

específicos para lidar com esse tipo de atividade. Uma das primeiras agências foi criada

na década de 30, sendo denominada como Grupo D. Sob o comando do coronel

Bentivegni, o Grupo D teria como função tanto desenvolver operações de propaganda

para manipular audiências aleatórias, em coordenação com equipes das Forças

Armadas, quanto fornecer desinformação para manipular audiências específicas que

pudessem ser difundidas pelo serviço de contraespionagem da inteligência alemã, a

Abwehr.

Na Inglaterra, um pouco depois, teria sido criado o Double-Cross

Committee cuja função também era elaborar as operações de desinformação. Este

departamento teria sido responsável por criar esquadrilhas de aviões e regimentos de

tanques falsos, assim como por enganar os inimigos sobre os pontos de desembarque

das tropas aliadas, durante a Segunda Guerra Mundial.

Nos Estados Unidos, com a criação da CIA (Central Intelligence Agency),

em 1947, a desinformação foi associada a outras técnicas como forma de influenciar

governos ou organizações estrangeiras. Em 2002, no entanto, foi revelado na mídia

internacional (CARVER, 2002) que os EUA haviam estabelecido uma agência voltada

especificamente para a desinformação, denominada ―Office of Strategic Influence‖, que

teria sido fechada no mesmo ano (PENTAGON, 2002).

Segundo Volkoff (2004, p. 74), na Rússia, a desinformação coube, a partir

de 1917, ao denominado serviço especial. Esse serviço seria o braço armado do partido

comunista, desempenhando várias atividades e tendo ao longo dos anos várias

denominações68

, até que em março de 1954 passou a ser chamado de Komitet

Gosoudarstvennoi Bezopasnosti69

, ou KGB. No Comitê de Segurança do Estado, ou

68 CHEKA, GPU, OGPU, GUGB/NKVD, NKGB e MGB. 69 Comitê de Segurança do Estado.

Page 84: Desinformação, a técnica

83

KGB, a desinformação passou a ser desenvolvida por um departamento específico,

inicialmente, denominado como Departamento D e, posteriormente, como

Departamento A.

3.2 Guerra Fria

Durante a Guerra Fria, a desinformação foi um dos principais instrumentos

de projeção de poder dos Estados envolvidos. Uma vez que não havia um confronto

militar direto entre as duas superpotências, cada uma procurava expandir seus domínios

de outras formas. Para isso, tanto os EUA quanto a URSS utilizaram inúmeros recursos

para influenciar aqueles que lhes interessavam. O objetivo não era outro, senão

promover seus interesses e ampliar seu campo de influência. Nesse sentido, Shultz e

Godson (1984, p. 62) traçam o seguinte comentário sobre algumas das medidas que os

soviéticos teriam empregado para manipular a opinião pública mundial de acordo com

seus interesses:

A propaganda soviética também insistiu no tema da agressão e do militarismo americano, ao acusar os Estados Unidos de serem responsáveis

pelas crises internacionais ocorridas durante o período 1960-1962. Tanto o

Pravda quanto a Novos Tempos focalizaram eventos em Cuba, Congo, Laos,

Vietnã e Berlim, para citar os exemplos mais gritantes. Diretamente

associadas a estas acusações estavam as alegações de expansão do

imperialismo americano no Terceiro Mundo.

3.3 Casos ocorridos

3.3.1 Desinformação política

Em termos de desinformação de caráter político, tem-se, como exemplo,

uma operação realizada ao final do século XIX, atribuída à polícia secreta (Okhrana)

do Czar Nicolau II, com a função de justificar o emprego de medidas antissemitas

(GODSON, 2008, p. 155). A operação consistiu basicamente na elaboração do texto

conhecido como: ―Os Protocolos dos Sábios de Sião‖, sugerindo que haveria uma

Page 85: Desinformação, a técnica

84

conspiração do povo judeu para dominar o mundo. Sem desconsiderar a natureza

política dessa operação, Volkoff (2004, p. 49), contrariamente, atribui a autoria da

operação a grupos antissemitas privados que teriam interesse em pressionar o governo

czarista a tomar medidas contra a população judia. Embora não esteja claro se as

medidas pretendidas foram tomadas, muitos governos teriam utilizado essa justificativa,

cuja autoria só teria sido identificada como falsa em 1921, para justificar perseguições

aos judeus (GODSON, 2008, p. 155).

Outro exemplo de desinformação política, seriam os motivos fornecidos

pelo, então presidente estadunidense, Franklin Delano Roosevelt para conseguir apoio

político que o autorizasse a investir militarmente contra os alemães, por ocasião da

Segunda Guerra Mundial.

No dia 27 de outubro de 194170

, em um discurso promovido em rede

nacional de rádio, Roosevelt fez declarações emocionadas sobre o resultado de supostos

ataques alemães contra as forças navais estadunidenses e sobre a descoberta de um

grande plano alemão contra os EUA Segundo Roosevelt, os alemães teriam destruído os

destroyers U.S. Greer, em 04 de novembro de 1941, e U.S. Kearny, em 17 outubro de

1941, e pretendiam invadir os EUA

De fato, os submarinos alemães haviam destruído os navios estadunidenses,

no entanto o que Roosevelt não falou foi que a situação ocorreu em legítima defesa.

Hitler não queria entrar em guerra contra os EUA, e teria instruído seus comandantes a

evitar conflitos com as forças navais dos EUA Segundo suas instruções, os submarinos

alemães não deveriam entrar em conflito, a menos que houvesse perigo de destruição

iminente. Roosevelt, por outro lado, querendo forçar um incidente, teria dado instruções

a sua Marinha para que atirassem tão logo avistassem embarcações militares alemãs.

A divulgação da descoberta do suposto plano de invasão alemã foi, então,

uma forma de reforçar a desinformação inicial de que os alemães tinham iniciado os

ataques, de modo a forçar o apoio necessário à guerra. O que Roosevelt novamente não

falou é que o plano alemão71

era, de fato, uma falsificação fabricada pelo governo

70 Disponível em: <http://www.ihr.org/jhr/v06/v06p125_Weber.html>. Acesso em: 14 fev. 2010. 71 O suposto plano alemão estava descrito num mapa que dizia respeito ao modo como os alemães viam como deveria ser a nova ordem mundial.

Page 86: Desinformação, a técnica

85

britânico, e que ele sabia. Roosevelt teria se limitado a dizer que a fonte das

informações era de total confiança.

3.3.2 Desinformação militar

Em junho de 1941, os alemães surpreenderam aos russos invadindo seu

território após uma sequência de desinformações bem sucedidas. A despeito do grande

número de evidências que sinalizavam a verdadeira intenção alemã, os russos foram

pegos de surpresa, tendo sido desinformados por aquilo que os próprios alemães

consideraram uma das maiores operações de desinformação já realizadas na história das

guerras (GODSON; WIRTZ, 2008, p. 81).

Segundo Godson e Wirtz (2008, p. 81-85), os alemães promoveram no

período compreendido entre 31 de julho de 1940 até o dia da invasão, ocorrida em 22 de

junho de 1941, uma série de desinformações com o objetivo de enganar tanto os russos

quanto os demais inimigos, dissimulando quando, quem e com que forças iriam

atacaram.

Os planos de invasão da Rússia, assim como as atividades desenvolvidas

para auxiliar a sua execução foram todos incluídos em uma mesma denominação,

conhecida como: Operação Barbarossa. Foram várias as desinformações promovidas,

contudo as principais teriam sido as seguintes:

1. Plano de invasão da Inglaterra (operação Aufbau Ost ou Sea Lion). O

crescimento das forças militares alemãs no oriente, próximo à Rússia, foi justificado

inicialmente como uma tentativa de evitar bombardeios e voos de reconhecimento

britânicos por ocasião da execução de exercícios de manobra militares. Para evitar que

os russos descobrissem as reais intenções alemãs vazou-se a informação de que as

manobras eram, na verdade, preparativos para a iminente invasão da Inglaterra. Para

reforçar essa versão, as forças alemãs foram mantidas dispersas, com a maior parte

realmente engajada em programas de treinamento, de forma a passar a impressão de que

não havia qualquer intenção hostil contra os russos. Essa desinformação foi mantida até

o dia da invasão, sendo uma das grandes responsáveis pela surpresa que os alemães

conseguiram;

Page 87: Desinformação, a técnica

86

2. Operação Barbarossa I. Procurando se precaver contra possíveis

vazamentos de suas reais intenções, os alemães vazaram para os russos a informação de

que a operação Barbarossa, isto é, os planos de invasão da Rússia seriam uma tentativa

de enganar os ingleses sobre o verdadeiro foco do ataque alemão, que seria a própria

Inglaterra;

3. Ampla divulgação de informações ―secretas‖. Informações supostamente

secretas foram enviadas aos adidos militares alemães em Moscou, Berna, Tokyo e em

outras seis embaixadas, dizendo que eram falsos os rumores da guerra e que, em breve,

algumas das divisões alemãs na fronteira com a Rússia seriam removidas para outros

pontos. O objetivo era fazer com que uma informação tão difundida vazasse para os

serviços de inteligência soviéticos, fazendo-os crer que os alemães iriam deslocar suas

forças para iniciar atividades militares a partir da Escandinávia contra a Bretanha

(operação Haifisch ou Shark);

4. A falha de Goebbels. Procurando reforçar a crença russa na intenção

alemã de invadir a Inglaterra, o ministro da propaganda alemã, Joseph Goebbels,

escreveu um artigo comentando a iminente invasão. Esse artigo foi publicado em um

jornal alemão que foi imediatamente retirado de circulação de forma ostensiva pela

polícia, tão logo se soube que cópias tinham chegado ao conhecimento dos

correspondentes estrangeiros. Posteriormente, Goebbels reforçou a desinformação

simulando uma consternação pública por sua falha. Isso foi aceito pela imprensa

internacional como uma prova final de que o artigo era verdadeiro;

5. Defesa contra os russos. Para justificar o constante incremento de tropas

no oriente, os alemães produziram informações, sutilmente vazadas para os serviços de

inteligência britânicos, dizendo que se tratava de medidas de precaução contra possíveis

ataques russos.

6. Operação Barbarossa II. Para reforçar a ideia de que não havia intenções

hostis contra os russos, e minimizar possíveis vazamentos de informações, os alemães

desinformaram até mesmo os integrantes de suas Forças Armadas, com exceção dos

comandantes superiores. Assim, a Operação Barbarossa foi explicada para os

Page 88: Desinformação, a técnica

87

comandantes subalternos como sendo um plano de contingência que incluía medidas de

precaução em caso da Rússia se tornar hostil.

7. Ultimato ao governo russo. Pouco antes da invasão, o ministro das

relações exteriores alemão declarou que as ações de seu governo eram apenas uma

resposta às medidas pouco amistosas dos russos.

8. Normalidade das relações econômicas e diplomáticas. Em conformidade

com o pacto de não agressão firmado entre os alemães e os soviéticos, em agosto de

1939, foi mantido o comércio de matérias primas e de outros materiais entre as duas

nações até praticamente a data da invasão, o que contribuiu para a surpresa dos russos.

3.3.3 Desinformação de Segurança Interna

A título de ilustração do emprego da desinformação nas atividades de

segurança interna, tem-se uma operação policial72

, ocorrida em 1978, nos EUA. Nessa

operação, o FBI (Federal Buereau of Investigation) usou um vigarista, conhecido como

Melvin Weinberg, para oferecer suborno aos congressistas e a outros funcionários em

troca de favores a um misterioso indivíduo chamado Sheik Abdul. Por volta de 1980, a

operação tinha como alvos membros específicos da Câmara dos Representantes e um

senador. A operação resultou na renúncia de muitos políticos, sendo que vários foram

presos e condenados, com a mídia local e nacional divulgando amplamente o feito.

Em outro caso de desinformação policial73

, agentes federais estadunidenses

trabalhando disfarçados teriam se aproximado de um químico e lhe pedido para preparar

drogas ilícitas. Quando o químico respondeu que não tinha laboratório nem produtos

para trabalhar, os federais teriam alugado um laboratório, comprado os produtos

químicos necessários, e convidado o químico novamente para o trabalho. Este, então,

concordou e começou a preparar as drogas. Conclusão: acabou sendo preso, indiciado e

condenado e, apesar de suas alegações de que havia caído em uma armadilha, seu

recurso não foi acatado. Isso porque é entendimento dos tribunais dos EUA, que o fato

72 Disponível em: <http://www.cops.usdoj.gov/files/RIC/Publications/e10079110.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2010. 73 http://my.execpc.com/~xxxlaw/GP03-98.htm. Acesso em: 15/02/10.

Page 89: Desinformação, a técnica

88

de a polícia oferecer a alguém uma oportunidade para praticar um crime não

desqualifica a conduta praticada.

A Operação Greylord74

, que é considerada uma das investigações de maior

sucesso já realizadas pelo FBI, ocorrida na década de 80, é outro exemplo onde foram

utilizados inúmeros recursos de desinformação para proteger os interesses do Estado. O

resultado foi a prisão de mais de 60 e o indiciamento de aproximadamente 90 pessoas,

dentre juízes, advogados, policiais etc.

A investigação, que durou cerca de três anos, teve por objetivo identificar e

prender os integrantes de uma rede de corrupção que havia se instalado no sistema

judiciário do condado de Cook. Para isso, foram fabricados casos judiciais, processados

falsos réus, gravadas conversas e, pela primeira vez, plantado um dispositivo de escuta

ambiental no escritório de um juiz. Também foram infiltrados vários agentes e

realizados vários acordos de cooperação com réus verdadeiros.

Em um caso mais recente de desinformação policial (2007), foi preso o

senador estadunidense Larry Craig no banheiro de um aeroporto75

. Craig foi preso por

supostamente solicitar sexo no banheiro masculino a um policial disfarçado.

Da mesma forma, na Operação Lucky Bag76

, o Departamento de Polícia de

Nova York ―plantou‖ bolsas em vários locais do sistema de metrô da cidade como se

tivessem sido esquecidas. O objetivo era prender aquelas pessoas que pegassem as

bolsas para si.

74 http://www.cops.usdoj.gov/files/RIC/Publications/e10079110.pdf. Acesso em: 15/02/10. 75 http://www.usatoday.com/news/washington/2007-09-09-craig-lawyer_N.htm. Acesso em: 15 fev. 10. 76 Disponível em: <http://www.nytimes.com/2007/11/28/nyregion/28about.html?_r=1&scp=1&sq=New%20York%20City%20Police%20Department%20planted%20unattended%20bags&st=cse>. Acesso em: 15 fev. 2010.

Page 90: Desinformação, a técnica

89

4 ESTUDO DE CASO

4.1 Desinformação policial: Operação (?)

O relato, a seguir, refere-se a um caso real de emprego de desinformação

ocorrido em 1986, nos EUA, onde a polícia infiltrou um de seus agentes em uma cela,

como se fosse um preso comum, para obter informações que ajudassem a elucidar um

homicídio ocorrido dois anos antes. A despeito das considerações jurídicas que o caso

implicou, fazendo com que o processo fosse julgado na Suprema Corte, o investigado

acabou condenado. A controvérsia era sobre a constitucionalidade, ou não, do emprego

da desinformação contra um indivíduo já custodiado.

A partir da exposição dos fatos, serão analisadas as circunstâncias em que a

operação foi realizada, a luz do que foi estudado, de modo a tentar estabelecer uma

relação entre a prática e a teoria verificada. Assim, segue abaixo um resumo dos fatos

ocorridos (SUPREME COURT, 1990):

Em novembro de 1984, Richard Stephenson foi assassinado em

um subúrbio de East St. Louis, Illinois. O homicídio permaneceu sem

esclarecimento até março de 1986. Nessa época, Donald Charlton disse à polícia que havia ouvido algo sobre o assunto de um companheiro de prisão

quando esteve detido no Graham Correcional Facility, onde cumpria pena por

roubo. O companheiro de Charlton chamava-se Lloyd Perkins. Segundo

Charlton, durante sua estada no presídio Graham manteve amizade com

Perkins que acabou lhe dizendo em detalhes como tinha realizado um

assassinato nos arredores de East St. Louis. Por ocasião do relato de

Charlton, a polícia acabou conhecendo detalhes do assassinato de Stephenson

que até então não eram conhecidos, e acabou dando maior crédito à história.

Na ocasião em que a polícia ouviu o depoimento de Charlton,

Perkins já tinha sido liberado de Graham. A polícia, no entanto, acabou

descobrindo que Perkins tinha ido para uma prisão no condado de Montgomery, Illinois, onde estava aguardando julgamento pelo crime de

lesão corporal grave. O julgamento, porém, não tinha nenhuma relação com o

homicídio de Stephenson. A polícia, então, resolveu investigar melhor a

ligação entre Perkins e o homicídio de Stephenson, mas temia que o uso de

um dispositivo de escuta poderia ser inviável ou inseguro. Acabou-se

decidindo pelo emprego de um agente infiltrado a ser posto na mesma cela de

Perkins, juntamente com Charlton como colaborador. O plano consistia em

colocar Charlton e o agente John Parisi na mesma cela de Perkins como se

fossem fugitivos de um programa de trabalho fora-da-prisão, mas que tinham

sido detidos no curso de um roubo. Parisi e Charlton foram instruídos a tentar

manter conversas casuais com Perkins e a relatar tudo que ele dissesse que

pudesse se relacionar com o homicídio de Stephenson. Parisi, utilizando o pseudônimo "Vito Bianco," e Charlton

Page 91: Desinformação, a técnica

90

foram, então, vestidos em trajes de prisão e colocados na cela de Perkins.

Perkins cumprimentou Charlton que, após uma breve conversa, apresentou

Parisi, chamando-o pelo apelido fornecido. Parisi disse a Perkins que não iria

mais ficar ali e sugeriu que os três escapassem. Perkins respondeu que não

era fácil fugir da prisão do condado de Montgomery, mas que era possível. O

trio, então, se encontrou na cela de Perkins mais tarde, durante a noite,

quando os outros detentos já estavam dormindo, para definir o plano. Perkins

disse que sua namorada poderia trazer uma pistola. Charlton disse: "Ei, eu

não sou assassino, sou ladrão. Essa profissão é de vocês, caras!". Parisi falou

para Charlton que este também seria responsabilizado por qualquer homicídio

que ocorresse e, aproveitando a oportunidade, perguntou a Perkins se este já

tinha ―feito alguém‖. Perkins disse que sim e passou a descrever detalhadamente como tinha realizado o assassinato de Stephenson. Para

disfarçar, Parisi mudou de assunto, e aguardou até que Perkins dormisse.

Posteriormente, devido à confissão, Perkins foi finalmente

acusado pelo homicídio de Stephenson [tradução nossa].

4.1.1 Elementos da operação

4.1.1.1 O cliente

O cliente direto é a organização policial interessada em dar uma resposta à

sociedade, elucidando mais um caso de homicídio.

4.1.1.2 O dinheiro

O dinheiro, como já mencionado, representa os fatores motivadores que

impulsionam os envolvidos na operação. Dessa forma, o desafio de realizar uma difícil

operação pode ser o fator motivador para os agentes envolvidos. Para o colaborador, por

outro lado, a motivação pode ser simplesmente o dinheiro ou algum tipo de vantagem

legal, uma vez que possui um histórico de roubos.

4.1.1.3 A análise de situação

No relato dos acontecimentos verifica-se que a polícia ficou em dúvida

sobre qual método empregar para obter as informações de que precisava. Foi analisada a

viabilidade de se usar um equipamento de escuta, no entanto este foi considerado

inadequado, onde se optou pelo emprego do agente infiltrado. Nisso se pode verificar a

preocupação e a análise sobre como obter as informações. Possivelmente os policiais

devem ter ponderado algumas das seguintes hipóteses: 1. Se fosse tão somente colocado

Page 92: Desinformação, a técnica

91

um dispositivo de escuta na cela, haveria o problema de como fazer o alvo falar

especificamente do assunto de interesse; 2. Se fosse colocado algum desconhecido do

alvo, este poderia não falar nada; 3. Se fosse utilizado o colaborador sozinho, o

depoimento deste não seria aceito em juízo77

. Dessa forma, acabou-se optando por

introduzir o colaborador na cela como agente de influência para o policial disfarçado.

4.1.1.4 O suporte

O principal suporte dessa operação foi o colaborador, pois o alvo acreditava

realmente que aquele estivesse voltando para a prisão, assim como ele próprio havia

voltado. Com base nessa crença do alvo é que foi montada a história de que tanto o

colaborador quando o policial disfarçado eram fugitivos de um programa de trabalho

fora-da-prisão que tinham sido detidos no curso de um roubo.

4.1.1.5 Os retransmissores

O retransmissor em questão é o próprio colaborador, utilizado para

confirmar a história apresentada pelo policial.

4.1.1.6 A visão maniqueísta

A visão maniqueísta, como já visto, é uma espécie de simplificação de

forma a estabelecer ―lados‖. No caso em questão, buscou-se a simpatia do alvo fazendo-

o acreditar que estava do mesmo ―lado‖ que Parisi e Charlton quando lhe foi feita a

proposta de integrar um plano de fuga. Assim como, no momento em que Charlton

tentou estabelecer uma identificação entre estabelecer Parisi e Perkins: ―Ei, eu não sou

assassino, sou ladrão. Essa profissão é de vocês, caras!‖

4.1.1.7 A retroinformação

Uma vez que os executores da operação estavam junto ao alvo foi mais fácil

identificar a receptividade à desinformação e prosseguir com o plano. Isso pode ser

77 Do contrário não seria necessária a operação, uma vez que o colaborador já tinha ouvido a confissão do alvo.

Page 93: Desinformação, a técnica

92

percebido no momento em que Parisi perguntou a Perkins se este já tinha ―feito alguém‖

e Perkins respondeu afirmativamente.

4.1.2 Como desinformaram

4.1.2.1 O jogo de palavras

Se ambos eram homicidas, talvez fosse mais fácil trocarem experiências

pessoais. Seria, portanto, o emprego de uma espécie de falácia indutiva, isto é, a partir

da identificação que Charlton, o colaborador, fez entre o policial disfarçado e Perkins,

como assassinos, haveria mais chances de este confiar em um ―colega‖ de crimes e

contar-lhe os homicídios que já tinha cometido.

4.1.2.2 A exploração da imagem

Parisi, o policial disfarçado, e Charlton foram vestidos em trajes de prisão,

segundo as normas do presídio. Essa caracterização, apesar de ser possivelmente

obrigatória, pode ter contribuído para a operação.

4.2 Desinformação militar: Operação Mincemeat

A operação Mincemeat foi uma das mais complexas operações de

desinformação já promovidas. Tendo sido realizada durante a Segunda Guerra Mundial,

(1942-43), sob a coordenação do oficial de inteligência Ewen Montagu, ela fez o alto

comando alemão acreditar que os Aliados planejavam invadir a Grécia e a Sardenha, em

1943, ao invés da Sicília. O resultado foi uma grande contribuição para a investida dos

aliados.

Segundo Montagu (1978, p. 18-20), esta operação apresentou um grande

diferencial em relação a outras, inclusive do mesmo período. Isso porque na maioria das

operações militares há normalmente vários objetivos em potencial, o que facilita a

ocultação do alvo real. Na operação Mincemeat, por outro lado, o problema foi que a

orientação estratégica com a mais elevada probabilidade conduzia a um único ponto de

ataque, a Sicília, e todos pensavam da mesma forma, inclusive os alemães. A despeito

Page 94: Desinformação, a técnica

93

da obviedade daquele alvo, a operação conseguiu proteger o interesse das forças aliadas

e minimizar as perdas, enganando os alemães quanto ao ponto de ataque e fazendo-os

deslocar suas tropas para outros lugares.

Para analisar os fatos ocorridos foi utilizada uma tradução brasileira do

relato de Montagu (1978), originariamente publicado em 1953, sobre o qual é feita uma

análise dos elementos e condições envolvidos a luz dos conceitos apresentados neste

trabalho.

Essa análise sobre o planejamento e a execução da operação Mincemeat

tomou como base somente um autor porque a principal finalidade deste estudo não é

contar a verdadeira história sobre os eventos ocorridos, mas sim verificar a pertinência

dos elementos e características expostos em relação a uma determinada versão. Ainda

que Montagu tenha efetivamente participado da operação e esta realmente tenha sido

um sucesso, não se descarta a possibilidade de que alguns eventos possam ter sido

alterados ou que possa haver distorções. No entanto, apesar dessa possibilidade,

manteve-se a opção tomada também pela dificuldade em se obter ou consultar os

materiais originais. Em função disso, são apresentados a seguir os acontecimentos e as

soluções encontradas, segundo Montagu, classificados de acordo com o presente

trabalho.

Na época, Montagu coordenava uma comissão interdepartamental,

composta por membros das forças armadas e de outros departamentos do governo, os

quais se reuniam semanalmente para examinar assuntos relacionados à segurança das

operações militares. A função78

do grupo era tentar descobrir quais ―vazamentos‖ teriam

eventualmente ocorrido e quais previsões os inimigos poderiam fazer com as

informações obtidas, assim como tomar providências para evitar novos ―vazamentos‖,

isto é, o grupo de Montagu desenvolvia atividades concernentes à Contrainteligência,

mais especificamente à segurança das operações (OPSEC).

Coube a Montagu e a seu grupo desenvolver uma operação de

desinformação que tentasse enganar os alemães quanto à ofensiva aliada, a qual

78 (MONTAGU, 1978, p.14)

Page 95: Desinformação, a técnica

94

provavelmente iria ocorrer contra a Sicília. Em função disso, Montagu teve a seguinte

idéia:

Acho que poderíamos arranjar um cadáver, disfarçá-lo como oficial do

estado-maior e deixá-lo transportar documentos do Alto-Comando revelando

que vamos atacar em algum outro lugar. Não precisamos lançá-lo sobre a

terra, porque o avião pode cair no mar, em vôo para a região do

Mediterrâneo. O cadáver com os documentos poderá aparecer em uma praia

da França ou da Espanha, não importa qual delas. Provavelmente a Espanha

será melhor, porque os alemães não terão muito tempo para examinar o

cadáver, mas haverá certeza de que receberão cópias dos documentos

[MONTAGU, 1978, p. 21].

Posteriormente, tendo sido aprimorada a idéia inicial, começaram a

estabelecer os procedimentos sobre como implementar o logro:

Um cadáver, vestido com o uniforme de campanha de um major dos Reais

Fuzileiros Navais e envergando um Mae West79, será transportado em um

submarino, juntamente com uma pasta e um bote de borracha. O cadáver será

embalado vestido e pronto (e enrolado em um cobertor para evitar atrito) em

um container cilíndrico hermeticamente fechado (exteriormente rotulado

como ‗instrumento ótico‘) [MONTAGU, 1978, p. 35].

Assim, com o sucesso da operação, teriam sido obtidos os seguintes

resultados:

Quanto à execução da operação – iludimos os espanhóis que colaboravam

com os alemães; iludimos o Serviço de Informações alemão na Espanha e em

Berlim; iludimos o Alto-Comando e o Estado-Maior alemão; iludimos

Keitel80; e, por fim, iludimos o próprio Hitler, [...].

Quanto ao Mediterrâneo oriental – provocamos um aumento considerável do

esforço para a defesa da Grécia, com a criação de campos de minas,

instalação de baterias de costa etc.; [...] tudo isto representava desperdício de

esforços da parte dos alemães e diminuição do potencial defensivo na Sicília

e na Itália. Quanto ao Mediterrâneo ocidental – provocamos o incremento ds

fortificações e dos esforços na Sardenha e na Córsega, em prejuízo da Sicília

[...] [MONTAGU, 1978, p. 158-159].

79 Espécie de colete salva-vidas inflável. 80 General Keitel, Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas alemãs.

Page 96: Desinformação, a técnica

95

4.2.1 Elementos

4.2.1.1 O cliente

O principal cliente da operação foi o governo britânico. O grupo

coordenado por Montagu estava ciente das orientações estratégicas tanto dos Chefes de

Estado-Maior ingleses quanto dos estadunidenses e, embora tivesse conhecimento da

existência de opiniões divergentes, sabia da maior probabilidade de ser escolhida a

Sicília. Assim, procurando estar atualizado às necessidades do cliente, a equipe de

Montagu se preparou antecipadamente para lidar com a questão. (MONTAGU, 1978, p.

19-20)

Um aspecto importante diz respeito à dificuldade encontrada para que o

plano fosse aprovado nas diversas instâncias do governo britânico, por mais que a idéia

fosse boa. Montagu recorda as dificuldades enfrentadas:

A proposta foi encaminhada aos Chefes de Estado–Maior; aí começaram as

dificuldades. [...] Ao recordar o passado, não tenho dúvida que iludir o Alto-

Comando alemão não representou nada diante da dificuldade para persuadir o

Alto-Comando inglês de que isto poderia ser feito [MONTAGU, 1978, p.

51].

Pode-se dizer que o próprio nome escolhido para a operação tenha sido uma

tentativa de persuadir o cliente a aprová-la, pois outra operação com o mesmo nome já

havia obtido sucesso:

―[...] a palavra Mincemeat voltara a figurar na relação81, depois de ter sido

empregada em uma operação bem sucedida algum tempo atrás [MONTAGU, 1978, p. 29].

4.2.1.2 O dinheiro

A principal motivação possivelmente era tentar defender a Inglaterra e os

interesses desta contra as forças inimigas, sem desconsiderar o fato de que a função do

grupo era esta, isto é, Montagu e sua equipe eram pagos para isso.

81 Lista de codinomes destinados a serem utilizados pelo Almirantado.

Page 97: Desinformação, a técnica

96

4.2.1.3 A análise de situação

A complexidade da operação requereu que várias análises fossem realizadas,

contudo é possível inferir que as análises consistiram em avaliar os seguintes aspectos,

de forma resumida:

a) Análise 1 – Como explorar as próprias deficiências?

Deficiência 1: o inimigo sabia que provavelmente haveria um ataque aliado

às forças do eixo a partir do norte da África; Deficiência 2: devido a aspectos

estratégicos, o ponto mais provável era conhecido. Deficiência 3: a mobilização de um

enorme efetivo, assim como, de embarcações e demais equipamentos acabaria

evidenciando as intenções dos aliados. Todas essas preocupações são sintetizadas no

seguinte trecho de Montagu:

Apesar de tudo o que se consegue fazer em matéria de segurança, é

praticamente impossível evitar que o inimigo descubra que há algo em

preparação [MONTAGU, 1978, p. 17].

Apesar disso, cabia à equipe de Montagu tentar algo. Explorar as próprias

deficiências foi a saída, como se pode depreender dos trechos a seguir:

[...] é quase certo que haverá algum ‗vazamento‘ a respeito de uma operação que está sendo planejada, e que as medidas de segurança estabelecidas com a

finalidade de evitar que tais ‗vazamentos‘ revelem o alvo verdadeiro podem,

às vezes ajudar ser adaptadas para atingir uma outra finalidade: ajudar a

divulgar o alvo de cobertura82 [MONTAGU, 1978, p. 46].

Portanto, não poderíamos alimentar a menor esperança de evitar que os

alemães viessem a saber que havia uma operação em preparação. O que

poderíamos fazer era evitar o ―vazamento‖ dos dados essenciais: quando e

onde [MONTAGU, 1978, p. 18].

O principal fator a ser considerado era que os inimigos provavelmente

sabiam ou iriam saber o ponto de ataque, ou seja, os aliados não tinham nada a perder.

82 ―Se você quer evitar que haja uma concentração inimiga sobre o alvo escolhido para o nosso desembarque, você deve tentar desviar as forças e o esforço defensivo do inimigo para um outro lugar; se possível, o inimigo deverá

convencer-se de que você não atacará o alvo real, mas que atacará um outro alvo qualquer – isto é, que você atacará o que chamamos de ‗alvo de cobertura‘‖. (MONTAGU, 1978, p. 45-46)

Page 98: Desinformação, a técnica

97

Dessa forma, não haveria maiores prejuízos se a desinformação falhasse. Em outras

palavras, o emprego da desinformação só poderia trazer vantagens, pois em caso de

falha o cenário inimigo seria o mesmo. Então, a questão se resumia em fazer algo para

impedir os alemães de reforçarem suas defesas na Sicília:

Quando chegasse a hora, como é que poderíamos evitar que os alemães

reforçassem a defesa da Sicília em consequência do mesmo raciocínio

estratégico que levaria os aliados a atacá-la? [MONTAGU, 1978, p. 21].

b) Análise 2 – Em que fazer o inimigo acreditar?

O emprego da desinformação, como já mencionado, deve ter como premissa

as crenças do alvo. Dessa forma, é importante considerar que a desinformação deve

parecer pelo menos plausível para aquele(s) que se pretenda enganar. Montagu (1978, p.

47-48) sugere, com base nesse pressuposto, que o grupo poderia explorar uma possível

ignorância dos alemães, quanto às capacidades das forças aliadas, fazendo-os dividirem

e afastarem suas forças da Sicília. O trecho abaixo expõe isso:

[...] muitas vezes há necessidade de conciliar o que seria um alvo de

cobertura perfeito com aquilo em que é possível fazer o inimigo acreditar.

[...] Não havia motivo para acreditar que os alemães tinham conhecimento da

nossa escassez de embarcações de desembarque; era bem possível que eles

pudessem ser induzidos a acreditar que realizaríamos duas operações, uma no Mediterrâneo ocidental, com o exército do General Eisenhower, e outra no

Mediterrâneo oriental, com o exército de Sir Henry Wilson. [...] Não parecia

existir motivo algum que impedisse a tentativa de levar os alemães a

acreditarem em uma operação dupla, com um ataque em cada extremidade do

Mediterrâneo. Se conseguíssemos convencê-los disto, faríamos com que

realizassem uma dispersão de forças muito mais ampla do que a obtida

através de um único alvo de cobertura na Sardenha.

Outro importante aspecto abordado por Montagu (1978, p. 44), e que devem

ser considerados possíveis alvos indiretos. É que a operação não tentava convencer

somente ao serviço de inteligência83

, a intenção era muito maior, buscava-se convencer

também ao Alto Comando alemão e o próprio Hitler. Isso porque os tomadores84

de

decisão são auxiliados pelos serviços de inteligência, mas suas decisões não se

restringem ao que esses serviços comunicam;

83 No texto original aparece Serviço de Informações. 84 Governantes, comandantes, dirigentes em geral.

Page 99: Desinformação, a técnica

98

c) Análise 3 – Qual documento utilizar para fazer os alemães reduzirem

suas forças na defesa da Sicília?

Após decidirem usar um documento para iludir os alemães, ainda faltava

planejar como fazer com que o documento impressionasse os alemães ao ponto destes

alterarem seus planos e redistribuírem suas forças. Em primeiro lugar, era necessário

fazê-los acreditar na veracidade do documento, e, em segundo lugar, que o documento

continha informações realmente valiosas, conforme se pode verificar a seguir:

[...] se a finalidade do documento era iludir os alemães a ponto de levá-los a

tomar providências, então o documento precisaria ser realmente de alto nível;

os alemães não agiriam baseados em uma indiscrição ou ―vazamento‖ de

algum oficial superior. Mesmo uma transgressão das regras de segurança na

correspondência entre generais-de-brigada, contra-almirantes ou brigadeiros seria insuficiente para acionar os alemães. Para que o Estado-Maior

germânico se convencesse de que nosso próximo objetivo não era a Sicília, o

que contrariava todas as probabilidades, teria que ter diante de si um

documento que houvesse circulado entre oficiais que deveriam, por dever de

ofício, conhecer nossos planos verdadeiros, que não poderiam estar

equivocados de forma alguma, nem poderiam estar sendo vítimas de um

plano de cobertura. Para valorizar a nossa operação, eu precisava ter um

documento escrito por alguém bastante conhecido dos alemães – alguém que

eles soubessem estar realmente ‗por dentro‘ do nosso planejamento

estratégico [MONTAGU, 1978, p. 40].

A proposta de Montagu, dessa forma, foi que o General Sir Archibald Nye,

Vice-Chefe do Estado-Maior Imperial, escrevesse uma carta para o General Alexander,

no comando do 18o Grupo de Exércitos, que estava baseado no norte da África;

d) Análise 4 – Que tipo de cadáver utilizar para transportar a carta?

Após Montagu dar a idéia de que poderiam utilizar um cadáver para fazer a

desinformação chegar indiretamente aos alemães, o grupo deparou-se com os seguintes

dilemas: Qual cadáver utilizar para simular de forma convincente a morte por

afogamento? Como evitar que as pessoas fizessem comentários por se lembrarem de

que alguém estava querendo arranjar um cadáver? Como adequar a data da morte real e

a presumida por ocasião do afogamento? O próprio Montagu iniciou as respostas:

Achei que a melhor forma de resolver o problema era encará-lo do ponto de

vista de quem iria fazer a autópsia. O que é que um patologista esperava

Page 100: Desinformação, a técnica

99

encontrar, e o que é que não esperava encontrar, no corpo de um homem que

viera dar à praia após o desaparecimento de um avião no mar? [MONTAGU,

1978, p. 27].

Assim, o problema foi resolvido procedendo-se às buscas com extrema

cautela e, ao final, utilizando-se uma vítima de pneumonia, que foi convenientemente

investigada, considerando-se o seu passado e seus parentes. Para tentar contornar o

problema da diferença entre a data real e a presumida por ocasião do exame cadavérico

optou-se por estabelecer que Martin teria ficado alguns dias no mar, antes de ser

encontrado. Dessa forma, após estabelecer a data a partir da qual o corpo deveria ser

encontrado, foram considerados entre 5 e 6 dias de permanência no mar para estabelecer

o prazo que teriam para estar colocando o corpo no lugar que seria necessário;

e) Análise 5 – Por que utilizar um lugar relativamente neutro para deixar o

corpo? Por que Huelva?

Os ingleses sabiam que os alemães possuíam agentes em território britânico

e que, por isso, conheciam vários de seus procedimentos. Um deles consistia85

em não

transportar documentos secretos quando em viagens por terras inimigas. Dessa forma,

era preciso utilizar um meio de fazer a desinformação chegar indiretamente aos

alemães, isto é, fazê-la chegar a um lugar neutro ou aliado (ainda que aparente) e daí ser

retransmitida para o alvo. O grupo de Montagu acabou optando pela cidade espanhola

de Hueva em função de vários fatores. Um deles era a possibilidade de que soldados

britânicos tomassem conhecimento da suposta morte e começassem a fazer comentários

que poderiam chegar ao conhecimento dos alemães. Montagu explica, então, o porquê

da escolha:

Huelva apresentava a vantagem adicional de não se situar muito próxima de

Gibraltar; não queríamos que os espanhóis enviassem o corpo para ser

enterrado lá. A chegada a Gibraltar do corpo de um oficial que realmente não

existia poderia dar origem a rumores que certamente chegariam à Alemanha,

através de agentes alemães que recebiam informes dos inúmeros espanhóis

que entravam e saíam todo dia de Gibraltar [Montagu, 1978, p. 31]. [...]

escolhi Huelva como o melhor destino [...] Isso porque sabíamos86 da

85 (MONTAGU, 1978, p. 15-16) 86 Na explanação de Montagu cita-se a conexão entre a desinformação e os serviços de inteligência, uma vez que estes teriam maiores condições de obter informações de difícil obtenção, essenciais para o sucesso da operação.

Page 101: Desinformação, a técnica

100

existência de um agente alemão muito ativo em Huelva, dotado de excelentes

contatos com certos espanhóis, tanto do governo como de outras atividades.

Se o corpo chegasse a Huelva haveria uma probabilidade muito grande de

que este agente recebesse qualquer documento ou objeto importante

encontrado junto com o corpo. Se alguma circunstância impedisse isto, não

tínhamos dúvida de que o agente, ou receberia cópias, ou receberia

informações pormenorizadas [MONTAGU, 1978, p. 29].

f) Análise 6 - Como garantir que o corpo chegaria à praia? Como colocar o

corpo no lugar planejado?

Montagu e sua equipe tiveram de analisar inúmeros fatores para garantir que

o corpo chegasse aos espanhóis em Huelva, desde as condições da maré até a forma de

colocar o corpo na água. Isso levando em conta que uma das primeiras coisas que os

alemães perguntariam seria: como a carta tinha chegado a Huelva?

Em seguida, dirigi-me ao Serviço de Hidrografia do Almirantado e formulei

indagações sobre as condições meteorológicas e de marés em diversos pontos

ao largo do litoral da Espanha, em diferentes épocas do ano. [...] A corrente

marítima não nos ajudaria muito porque corria ao longo do litoral espanhol,

mas o vento de sudoeste, predominante durante o mês de abril, empurraria

tudo ‗para a praia‘. [...] Não poderíamos jogar o corpo por causa do perigo de provocar ferimentos. Utilizou-se um submarino [MONTAGU, 1978, p. 31-

32].

g) Análise 7 – Por que empregar um oficial ao invés de um praça? A qual

força pertenceria o oficial? Qual seu nome? Por que a carta não seria enviada por

malote, sendo conduzida em mãos?

Uma vez planejada a forma como o corpo chegaria aos espanhóis, faltava

estabelecer o que e quem seria a pessoa cujo corpo fora encontrado. Certamente, para

transportar documentos do Alto-Comando britânico, em mãos, seria preciso possuir uma

função específica, além de gozar da confiança das autoridades superiores. Era preciso,

então, construir uma pessoa e estabelecer sua função, sobretudo para justificar o porquê

dos documentos não serem transportados pelo malote comumente usado.

Optou-se, então, pelo posto de capitão, comissionado como major. Montagu

explica por que:

Senti que um oficial pouco graduado dificilmente receberia a missão de

Page 102: Desinformação, a técnica

101

conduzir uma carta tão importante como o nosso documento vital; também

havia muitos motivos para que ele não fosse um oficial muito graduado. O

principal deles era ser o nosso cadáver jovem demais para já haver atingido o

topo da hierarquia, a não ser que houvesse praticado tais atos de bravura que,

por certo, seus pares pelo menos teriam ouvido falar dele. Decidimos fazê-lo

capitão, comissionado como major [...] [MONTAGU, 1978, p. 63].

O posto escolhido tinha como finalidade realçar a importância do

documento transportado, e justificar por que este não tinha sido enviado pelo malote.

Dessa forma, seria preciso demonstrar para os alemães que o morto transportava os

documentos, não só por ser um oficial britânico, o que podia ser comprovado através

dos documentos forjados, como também parecia ser, isto é, sua aparência correspondia

àquela que os alemães tinham do que seria um autêntico oficial britânico.

Próximo passo era estabelecer a qual força o oficial pertencia e o nome do

mesmo, uma vez que o documento utilizado para enganar os alemães era proveniente do

Vice-Chefe do Estado Maior Imperial e destinava-se a um comandante do Exército em

campanha no norte da África. Havia um importante fator a considerar: era necessário ter

o controle sobre as comunicações referentes ao suposto incidente, isto é, os telegramas e

relatórios que circulassem entre Londres e o Adido britânico em Madri, após o corpo de

Martin chegar à praia espanhola, deveriam ser direcionados exclusivamente para

Montagu e sua equipe. O motivo era evitar comentários e especulações nas próprias

forças britânicas que viessem a ser conhecidas pelos alemães. Da mesma forma, era

necessário escolher um nome bastante comum. Isso porque, o fato de ninguém conhecer

o falecido também poderia gerar especulações que chegassem ao conhecimento dos

alemães, arruinando a operação. Assim, a título de nome e sobrenome, foram escolhidos

Martin e William, respectivamente, em função de serem muito comuns. Quanto a qual

das Forças Armadas, optou-se por fazer o capitão, comissionado major, pertencer ao

corpo dos Reais Fuzileiros Navais, como forma de garantir87

que as comunicações

fossem direcionadas para a equipe de Montagu.

Restava, então, justificar o porquê da carta ser conduzida em mãos, ao invés

de ser enviada, pelo malote oficial. A saída foi utilizar uma carta não oficial que, apesar

87 (MONTAGU, 1978, p.60).

Page 103: Desinformação, a técnica

102

do nível de alguns assuntos envolvidos, contivesse amenidades pessoais e fosse escrita

em tom que revelasse a amizade entre os envolvidos.

A carta, entretanto, não poderia ser uma carta oficial, pois se assim o fosse

não haveria motivos para ser conduzida em mãos. Deveria ser uma carta entre

amigos. A carta deveria ter o estilo de correspondência entre velhos amigos e

empregar um tom cordial [...] Este era o tipo de carta, e o único tipo, que

seria capaz de informar aos alemães, de forma convincente, de que o nosso

próximo objetivo não era a Sicília e que, apesar disto, poderia ser encontrada

em poder de um oficial, ao invés de dentro de um saco de correspondência cheio de documentos oficiais e enviado do território metropolitano para o

nosso Exército no exterior [MONTAGU, 1978, p. 41-42].

h) Análise 8 – Por que estaria um oficial fuzileiro naval voando para a

África do Norte? Que circunstâncias justificavam o fato de o Vice-Chefe do Estado-

Maior Imperial ter conhecimento dessa viagem? Por que confiara a este oficial uma

carta tão importante?

Ao colocar o Major Martin como oficial da Marinha solucionou-se uma

parte do problema, que era a questão das comunicações, contudo era preciso justificar

por que um oficial fuzileiro naval iria para a África levando a carta, ao invés de um

oficial do Exército. Ainda que a justificativa pudesse ser o grau de confiança que era

depositado no Major Martin, era preciso reforçar a história, tornando-a mais

convincente. Para isso, Montagu e sua equipe utilizaram outro suporte de

desinformação: uma carta88

de Lord Louis Mountbatten, Chefe das Operações

Combinadas, endereçada ao Almirante Sir Andrew Cuningham, comandante da

esquadra do Mediterrâneo, solicitando a liberação do Major Cuningham tanto para

entregar a carta ao Gal. Alexander quanto para assessorar, como perito, uma operação

anfíbia que seria realizada com emprego de embarcações de desembarque. O teor desta

carta justificava, assim, por que o Vice-Chefe do Estado-Maior tinha conhecimento da

ida de Martin para a África.

i) Análise 9 – Como garantir que os espanhóis encontrassem as cartas?

O trabalho da equipe de Montagu era minucioso. À medida que analisavam

como implementar a operação mais aspectos a serem considerados apareciam. Era

88 (MONTAGU, 1978, p.67-68).

Page 104: Desinformação, a técnica

103

preciso garantir não só que o corpo do Major Martin chegasse à praia, mas também que

os espanhóis descobrissem as cartas. Para que os agentes alemães tivessem

conhecimento dos fatos, isso deveria bastar, uma vez que o serviço de inteligência

britânico já havia identificado a colaboração de autoridades espanholas com os alemães.

O trecho seguinte demonstra as preocupações do grupo:

[...] em uma situação normal, um oficial colocaria no bolso as duas cartas

postadas em envelope de tamanho normal, apesar do alto grau de sigilo de

um deles. [...] Não queríamos nos arriscar a ver o agente alemão em Huelva

repreendendo seus prepostos por não haverem revistado o corpo. Era preciso

que o Major Martin tivesse uma desculpa para colocar as cartas dentro de

uma pasta [MONTAGU, 1978, p. 70].

O motivo que justificou a pasta consistiu, então, em um novo suporte89

:

outra carta escrita por Lord Louis Mountbatten desta vez endereçada ao General

Eisenhower, que continha, em anexo, fotografias e cópias de um trabalho elaborado por

Hilary Saunders. Esta saída, além de justificar a posse da pasta, pois era necessário

carregar cartas, fotos e outros documentos, corroborava o fato de que Martin era um

oficial reconhecido;

j) Análise 10 – Como garantir que a pasta e o corpo chegariam juntos a

Huelva?

Uma vez resolvido o problema de facilitar a descoberta das cartas, surgia o

problema de como garantir que a pasta permanecesse junto ao corpo de Martin. A saída

foi prender a pasta a Martin através de uma corrente, da mesma forma como os

mensageiros bancários costumavam fazer na Inglaterra. A questão90

era contar com a

sorte, esperando que os alemães não soubessem que os oficiais britânicos não

costumavam fazer isso, ou que pelo menos ficassem em dúvida se faziam ou não;

k) Análise 11 – Era preciso dar tempo ao adversário para que este pudesse

agir.

89 (MONTAGU, 1978, p.70). 90 (MONTAGU, 1978, p.72-73).

Page 105: Desinformação, a técnica

104

De nada adiantaria todo o esforço de Montagu e de sua equipe se a

desinformação só chegasse ao conhecimento dos alemães às vésperas do ataque dos

aliados. Era preciso dar tempo ao adversário para agir. Dessa forma, foi preciso

estabelecer uma espécie de cronograma que possibilitasse um prazo tanto para que a

desinformação chegasse ao conhecimento do Comando alemão quanto para que este

movimentasse suas tropas, como se pode verificar no seguinte trecho:

[...] para que a operação produzisse resultado, a carta teria que estar na

Espanha no princípio de maio; precisávamos dar tempo ao Serviço de

Informações alemão para receber o informe, certificar-se da sua autenticidade

através das verificações que imaginasse, estudá-lo adequadamente e, depois,

difundir o resultado para o Alto-Comando. Este, por sua vez, precisava de

tempo para tomar providências e para enviar suas forças para os lugares

errados. Se desejávamos que eles não fortificassem a Sicília, era inconveniente esperar até que as fortificações estivessem prontas

[MONTAGU, 1978, p. 94].

4.2.1.4 Os suportes

Devido à complexidade da operação foram utilizados vários suportes, no

entanto estes podem ser divididos em dois segmentos: principal e auxiliares. A carta que

denunciava as intenções dos aliados de atacar a Grécia e a Sardenha, ao invés da Sicília,

foi o suporte principal e todos os outros foram auxiliares com a função de sustentar essa

ideia. Nesse sentido, tanto o corpo do Major Martin quanto as demais cartas e objetos

desempenharam a função de reforçar a história montada. A equipe de Montagu tomou

como base, dessa forma, o fato de que os alemães sabiam que os aliados iriam atacar as

forças do eixo a partir da África e que o alvo provavelmente seria a Sicília para criar a

desinformação, isto é, partiu-se de algo que os alemães julgavam como verdadeiro.

Assim, passemos a analisar mais detalhadamente a criação de cada suporte.

Segundo Montagu, a criação do Major Martin envolveu os seguintes

aspectos: criar a pessoa, criar a personalidade e criar o oficial, como se pode verificar a

seguir:

[...] decidíramos que o Major Martin era um oficial brilhante e que gozava da

confiança dos seus superiores; os únicos lapsos visíveis constituíam fatos

corriqueiros: perda da carteira de identidade e relaxamento na renovação do

passe do QG das Operações Combinadas [MONTAGU, 1978, p. 77].

Page 106: Desinformação, a técnica

105

Assim, foram colocados na pasta de Martin, além da carta principal, outros

objetos: um convite de um clube noturno, uma carta de banco acusando saldo negativo,

um recibo de hospedagem em hotel de trânsito em Londres, duas cartas de sua noiva,

uma nota de compra de anel de noivado, fotos da noiva de Martin, carta do pai de

Martin, uma cópia da carta enviada pelo pai de Martin a Gwatkin sobre negócios de

Martin, uma carta de amigo da firma Mckenna a Martin. Todas as cartas e documentos

foram preparados para dar um aspecto de que haviam sido manuseados. Houve,

inclusive, o cuidado de dobrar e desdobrar algumas, ao invés de simplesmente amassar,

por considerarem que um noivo não faria isso com as cartas de sua noiva, muito menos

Martin. Como toque final as cartas foram esfregadas na roupa para que a tinta ficasse

desbotada.

Montagu descreve detalhadamente a relação de todos os objetos que foram

utilizados como suportes auxiliares para criar Martin:

[...] 2 plaquetas de identificação gravadas ―Major W. Martin, FN, Res.‖,

penduradas em uma corrente, cruz de prata, em corrente de prata, pendurada

no pescoço; relógio de pulso; carteira (contendo: fotografia da noiva, bloco

de selos postais – faltando dois, 2 cartas da noiva, medalha de São Cristóvão,

convite para o clube noturno, passe do Comando de Operações Combinadas – plastificado, carteira de identidade do Almirantado – plastificada e cabeçalho

cortado de carta); 1 nota de 5 libras, 3 notas de 1 libra, 1 moeda de meia

coroa; 1 moeda de 2 shilings, 2 moedas de 6 pence; 4 pennies; carta do pai,

carta do pai para McKenna & Co.; carta do Lloyds Bank, recibo do Clube

Naval e Militar, nota da alfaiataria Gieves; nota de compra do anel de

noivado; 2 bilhetes de passagem de ônibus; 2 ingressos do Teatro Príncipe de

Gales; caixa de fósforos; maço de cigarros; molho de chaves; toco de lápis;

carta de McKenna & Co [MONTAGU, 1978, p. 99-101].

4.2.1.4.1 Problemas com os suportes criados

Segundo o relato de Montagu, a criação de cada suporte foi acompanhada de

uma análise criteriosa dos detalhes envolvidos. Na carta91

enviada pelo banco, por

exemplo, verificou-se que a assinatura era do gerente geral da matriz, quando deveria

ser de um gerente de seção. O problema foi que esse tipo de comunicação normalmente

era assinada por gerentes da seção de correntistas ao invés do gerente geral. No entanto,

a equipe optou por esperar que os alemães não atentassem para esse fato, o que

91 (MONTAGU, 1979, p.14).

Page 107: Desinformação, a técnica

106

realmente ocorreu. Ou seja, não basta criar os suportes, deve-se analisar os detalhes que

lhes dizem respeito, sobretudo, considerando a perspectiva do alvo.

4.2.1.4.2 Reforçando os suportes

Como já mencionado anteriormente, às vezes podem ser necessárias novas

atividades de forma a reforçar a credibilidade nos suportes. Na operação Mincemeat, por

exemplo, o suporte principal foi lançado em conjunto com os auxiliares em um mesmo

momento, por ocasião do lançamento do corpo do Major Martin ao mar, contudo os

esforços de desinformação não pararam por aí. Posteriormente foram promovidas novas

ações para tentar assegurar que os alemães acreditassem nas informações que lhes foram

indiretamente fornecidas. O excesso de preocupação com os detalhes era resultado do

trabalho de reconhecimento promovido, isto é, os britânicos conheciam o nível dos

esforços da inteligência alemã, sobretudo, em situação de guerra e por isso procuravam

moldar a desinformação respondendo previamente às indagações que os alemães fariam.

No caso específico da chegada do corpo de Martin a Huelva, havia algumas das

seguintes preocupações: 1.Os alemães deveriam esperar um fluxo de comunicações

grande entre a representação britânica em Madri e Londres, após a descoberta do corpo,

em função da relevância das cartas enviadas; 2. Não se poderia tão somente esquecer o

corpo de Martin após sua colocação no mar. Seria preciso promover-lhe um funeral

digno do posto, tão logo este fosse entregue pelos espanhóis, uma vez que os alemães

poderiam estar atentos para esse fato; 3. Os alemães também poderiam estar atentos à

publicação, ou não, do fato pela imprensa britânica, o que poderia denunciar o logro.

Montagu revela essas preocupações nos seguintes trechos:

Se os documentos fossem realmente aquilo que fingiam ser, quando o Quartel

General de Operações Combinadas tomasse conhecimento da morte do Major

Martin e da chegada do corpo à Espanha, evidentemente perceberia que um

documento dos mais secretos fora extraviado e que a referência a Sir

Archibald Nye revelaria, em toda a sua extensão, a possibilidade de haver

ocorrido um pernicioso ―vazamento‖ de assuntos estratégicos. Estas

circunstâncias forçariam a remessas de mensagens ao Adido, pressionando-o

no sentido de obter a restituição dos documentos a qualquer preço, mas

também alertando-o para não deixar transparecer uma ansiedade exagerada, a

ponto de despertar a atenção dos espanhóis e estimulá-los a abrir ou ‗perder‘ os documentos [MONTAGU, 1978, p. 119-120].

Page 108: Desinformação, a técnica

107

Faltava dizer adeus ao Major Martin. [...] competia-nos zelar para que o local

do seu último repouso fosse condizente, bem como prestar-lhe as honras

devidas. [...] Na realidade, fazer o que nossos sentimentos exigiam tornaria

ainda mais difícil para os alemães a verificação do laudo da autópsia do

médico espanhol – laudo com o qual estávamos inteiramente de acordo.

Visitas frequentes de oficiais ingleses, ou seus representantes, à sepultura

pelo menos impediriam uma exumação, enquanto não ficava pronto o túmulo

mandado construir. Primeiro, mandamos o Adido Naval colocar na sepultura

uma coroa de flores em nome de Pam92 e da família; depois, providenciamos

para que o túmulo fosse concluído o mais depressa possível. Por fim, escrevi

ao Adido Naval em Huelva, em nome da família do Major Martin, por toda a

atenção que dedicara ao caso; pedi também que fossem tiradas fotografias do túmulo, as quais seriam guardadas com carinho pela família e pela noiva do

Major Martin [MONTAGU, 1978, p. 125].

Os alemães poderiam estar esperando pela lista de baixas que o jornal The

Times publicava periodicamente, assim, Montagu verificou o espaço de

tempo que normalmente decorreria entre uma morte e sua divulgação no

jornal, cerca de 5 semanas, e na primeira semana de junho de 1943 mandou

publicarem o nome do Major Martin [MONTAGU, 1978, p. 127].

4.2.1.5 As falsificações

Foram as cartas, os documentos de identificação do Major Martin, as

fotografias da suposta noiva etc.

4.2.1.6 Os retransmissores

Os espanhóis foram os primeiros retransmissores da desinformação, uma

vez que estes ―vazaram‖ as informações para os agentes da inteligência alemã em

Huelva. Dessa forma, eles contribuíram para a desinformação de forma inconsciente,

pois não sabiam que os eventos correspondiam a uma montagem da inteligência

britânica.

4.2.1.7 As caixas de ressonância

As caixas de ressonância foram os próprios agentes do serviço de

inteligência alemão, tanto na Espanha quanto na Alemanha, uma vez que sua

contribuição foi significativa para desinformar o Alto-Comando alemão. Isso porque,

segundo Montagu, após a vitória da guerra pelas forças aliadas, teria sido encontrada

92 Noiva fictícia do Major Martin.

Page 109: Desinformação, a técnica

108

uma apreciação do serviço de inteligência alemão capaz de denunciar o quanto

conseguiram penetrar nas mentes da inteligência alemã. Nesse caso, o grande interesse

do serviço de inteligência alemão, e que foi explorado por Montagu e sua equipe, seria a

tentativa de conseguir informações de alta relevância que pudessem contribuir

estrategicamente para a vitória no conflito. O relato a seguir revela o nível do sucesso

que teria sido obtido:

O primeiro ponto de destaque é que o Serviço de Informações alemão já se

engajou na afirmação categórica de que ―não há dúvida sobre a autenticidade

dos documentos capturados‖; [...] Também empenharam-se em decidir que

seria ―improvável‖ uma alteração nos nossos planos ou a antecipação da data

do assalto; [MONTAGU, 1978, p. 140-141].

4.2.1.8 O alvo

O alvo direto da desinformação são os agentes do serviço de inteligência

alemão e o indireto são os espanhóis, isto é, antes de chegar ao conhecimento dos

alemães a desinformação atuou de forma convincente sobre os espanhóis.

4.2.1.9 A psicose

Ao analisar uma apreciação do serviço de inteligência alemã, após o término

da guerra, Montagu deixou transparecer que os alemães teriam deixado de perceber

criticamente o caráter estranho da informação que lhes foi transmitida. Vislumbra-se no

trecho que a ―incompetência‖ também poderia ter sido resultado da falta de

conhecimento técnico, mas isso seria pouco provável. Possivelmente, a emoção dos

agentes por supostamente terem descoberto uma informação de grande valor e a

necessidade de criar argumentos que a sustentassem teve mais efeito sobre os

acontecimentos.

Também empenharam-se em decidir que seria ―improvável‖ uma alteração

nos nossos planos ou a antecipação da data do assalto; dentre as pessoas que

conhecem os pormenores e as dificuldades inerentes ao planejamento e

execução das operações de grande envergadura, nenhuma concordaria com

tal opinião [MONTAGU, 1978, p. 141].

Page 110: Desinformação, a técnica

109

4.2.1.10 A retroinformação

Na versão de Montagu, o ataque aliado contra a Sicília foi promovido sem o

conhecimento de que as tropas alemãs tinham sido efetivamente divididas para defender

a Grécia e a Sardenha. Verifica-se ao longo do texto, no entanto, que as atividades de

reforço da desinformação só ocorreram após o início das comunicações do Adido

britânico na Espanha, fazendo com que o grupo tivesse certeza de que os alemães

tiveram conhecimento das informações ―vazadas‖ pelos espanhóis. Em outras palavras,

havia a preocupação de manter-se informado dos resultados da operação antes de serem

promovidas novas ações. No trecho a seguir, pode-se verificar o acompanhamento que

Montagu e sua equipe promoveram:

No dia 13 de maio, o Adido informou-nos que o Chefe do Estado-Maior da

Armada, em substituição ao Ministro que se ausentara da capital, entregara-

lhe todos os pertences do Major Martin, [...] Nosso Adido informou-nos ter

quase certeza de que o Chefe do Estado-Maior da Armada tomara

conhecimento do texto das cartas, [...] As coisas iam bem - principiara o

‗vazamento‘. Nosso otimismo cresceu com a mensagem seguinte enviada

pelo Adido. O Ministro da Marinha, em pessoa, referira-se aos documentos

durante a audiência concedida ao Adido no sábado, [...] Nada do que fora dito ao Ministro da Marinha, antes de sua saída de Madri, revelara a menor

ansiedade sobre o texto dos documentos; por isto, não tínhamos a menor

dúvida de que os envelopes haviam sido abertos. Desta forma, estávamos

certos de que algum espanhol graduado ‗sabia de tudo‘ e passaria a

informação para os alemães‖ [MONTAGU, 1978, p. 122].

4.2.2 Como desinformaram

Em termos gerais, pode-se dizer que foram utilizados tanto o jogo de

palavras, por meio das cartas e demais documentos, quanto à exploração da imagem, ao

empregar o corpo do Major Martin com toda a indumentária de oficial fuzileiro naval

acompanhado de vários objetos pessoais.

4.2.2.1 Técnicas utilizadas

a) Insinuação - A carta que continha a desinformação principal fazia

insinuações que permitissem ao alvo formar suas próprias ideias baseando-se em suas

próprias convicções. Pode-se depreender isso do trecho a seguir, onde Montagu traça

Page 111: Desinformação, a técnica

110

um comentário sobre a carta do Vice-Chefe do Estado-Maior Archibald Nye endereçada

ao General Harold R.L.G. Alexander (MONTAGU, 1978, p. 55):

O documento não poderia ter sido mais perfeito; desenvolvia o esquema

próprio que lhe fora apresentado [...] Apenas por dedução, pois o assunto era mencionado superficialmente [...].

A carta, na verdade, explicitava que o desembarque no Mediterrâneo

ocidental ocorreria na Sicília, sugerindo apenas superficialmente que poderia haver um

ataque à Grécia. O resultado esperado era que os alemães desconsiderassem a Sicília,

uma vez que a informação estava clara, e considerassem a possibilidade de ataque a dois

pontos diferentes, sendo a Grécia um deles. O resultado foi justamente esse: os alemães

acreditaram;

b) Mistura verdadeiro com falso em diferentes gradações - Se o alvo

considerasse como verdadeiras as cartas em posse do Major Martin, as intenções dos

aliados, contidas nas cartas, e a própria morte do oficial britânico, novas atividades

deveriam ser promovidas, isto é, deveriam ser realizados reforços das desinformações.

Em função disso, no caso do oficial morto, realizou-se um funeral digno e publicou-se

seu nome entre os mortos nos jornais britânicos; quanto às intenções dos aliados bastava

verificar a movimentação de tropas no norte da África e quanto à veracidade das cartas

foi promovida uma intensa comunicação com o Adido na Espanha, explicitando a

preocupação britânica;

c) Apelo à autoridade – Montagu e sua equipe decidiram utilizar no suporte

da desinformação principal, nada menos que o Vice-Chefe do Estado Maior e um

general;

d) Testemunho – Na própria carta principal havia uma menção sobre o fato

de a Comissão de Chefes de Estado-Maior ter levado em consideração as propostas

apresentadas pelo General Alexander quanto às operações no Mediterrâneo, como se

pode verificar no trecho abaixo:

Page 112: Desinformação, a técnica

111

Aproveito a oportunidade de enviar-lhe uma carta pessoal, em mãos de um

dos oficiais de Mountbatten, para revelar o que está por trás da nossa troca

recente de telegramas a respeito de operações no Mediterrâneo e seus

respectivos planos de cobertura. Você deve ter sentido que as nossas decisões

foram um tanto arbitrárias, mas posso assegurar-lhe que a Comissão de

Chefes de Estado-Maior levou em consideração, de fato, tanto as suas

recomendações como as apresentadas por Jumbo [MONTAGU, 1978, p. 52-

53].

4.2.3 Classificação

A operação Mincemeat pode ser classificada como uma desinformação

militar, tática, tipo-M, ativa, manipulada e que foi implementada principalmente por

meio administrativo.

4.2.4 Fatores considerados

A concepção de Montagu sobre o que deveria ser basicamente considerado

para o êxito da operação evidencia a importância da exploração das crenças, como se

pode verificar nos trechos a seguir:

Você é um oficial de Informações93 inglês; do outro lado, existe um oficial de

Informações inimigo, digamos em Berlim (como na última guerra), e acima

dele acha-se o Comando das Forças Armadas. O que você pensa, como inglês

e enxergando através de olhos britânicos, que possa ser deduzido do

documento não tem a menor importância. O que importa é o que pensará o

oficial de Informações do inimigo, com a sua mentalidade germânica; o que

importa é o que ele deduzir do documento. Portanto, se você deseja que ele

pense tal e tal coisa, deve fornecer-lhe algo que faça com que ele (e não você)

pense daquela forma. Todavia, ele pode ficar em dúvida e desejar

confirmação; você tem que imaginar que pedidos de busca ele fará (e não que

investigações você faria) e fornecer-lhe as respostas que o satisfaçam. Em

outras palavras, você tem que lembrar que um alemão não pensa, nem reage

da mesma forma que um inglês; você tem que se colocar dentro da

mentalidade dele. [...] O comando alemão não conhece todas as dificuldades

dos aliados – por exemplo, não sabe que você enfrenta uma escassez de

embarcações de desembarque; por isto, pode estar em condições de acreditar

na viabilidade de uma operação ofensiva que o nosso Estado-Maior sabe que

não pode ser executada. Você não pode esquecer que o seu plano tem que

iludir o inimigo e não o nosso Estado-Maior. [MONTAGU, 1978, p. 44].

93 Informações, na concepção brasileira, refere-se à Inteligência.

Page 113: Desinformação, a técnica

112

Os alemães sabiam que os ingleses eram proibidos de carregar documentos

secretos quando em viagens por terras inimigas [MONTAGU, 1978, p. 15-

16].

Há um caso que ilustra perfeitamente a necessidade, para quem está

trabalhando em uma dissimulação deste tipo, de penetrar na mente do

inimigo e tentar visualizar o seu grau de conhecimento geral; é a declaração

do parágrafo 5. [...] Os alemães consideraram a Sicília inviável como alvo de

cobertura para uma operação com tropas baseadas em Alexandria –

provavelmente por julgarem a distância muito grande [MONTAGU, 1978, p.

141].

4.2.5 Risco de Blow back

O receio de que a desinformação promovida viesse a ser conhecida em

outros círculos na Inglaterra era constante entre Montagu e sua equipe, o que pode ser

evidenciado na busca pelo nome comum, na tentativa de limitar as comunicações sobre

os acontecimentos que envolveram o major Martin dentre outros.

Page 114: Desinformação, a técnica

113

5 CONCLUSÃO

A desinformação não está presente somente nas relações humanas, pois é

muito mais abrangente. Ela é visível na própria natureza e pode ser praticada por

qualquer um. Então, a implementação da desinformação pelos serviços de inteligência e

seus agentes seria algo provável de ocorrer.

Como verificado nos casos estudados, na maioria das vezes, a

desinformação depende mais da predisposição dos destinatários do que da qualidade dos

meios empregados ou dos suportes utilizados para divulgá-la. Em função disso, é

possível dizer que os serviços de inteligência e seus agentes talvez tenham mais

facilidade em promover medidas desinformadoras que outros, devido à maior

capacidade que eles têm de obter informações sensíveis e intencionalmente negadas.

A questão que envolve a utilização, ou não, da desinformação reside, na

verdade, muito mais em aspectos extrínsecos que intrínsecos, isto é, fatores morais,

legais e constitucionais pesam muito mais que o reconhecimento dos resultados obtidos

com as medidas desinformadoras. Para países como o Brasil, por exemplo, não é

admissível agentes do Estado fornecerem oportunidades à prática de crimes como forma

de deter aqueles que se proponham a cometê-los. Essa prática, embora seja comum nos

EUA e em outros países, como forma de prevenção à criminalidade, não tem amparo na

Constituição brasileira, sendo rechaçada nos tribunais.

Além de aspectos éticos e jurídicos também há outras circunstâncias que

condicionam o emprego da desinformação. Nesse sentido, fatores que dizem respeito à

conjuntura, à dimensão dos interesses envolvidos, ao cenário de execução das

atividades, dentre outros, costumam delimitar o emprego da desinformação. Dessa

forma, verifica-se uma maior aceitação em situações relativas à guerra, ou que

envolvam organizações criminosas ou, ainda, onde a execução das medidas ocorra fora

do território nacional. No caso brasileiro, a própria legislação fornece um exemplo

disso, pois ampara o uso da desinformação, por agentes infiltrados, no combate às

organizações criminosas.

No entanto, a despeito da considerável importância que a desinformação

possa ter para preservar segredos ou mesmo para promover interesses, verifica-se a

Page 115: Desinformação, a técnica

114

necessidade de uma ponderação entre os aspectos positivos e negativos, antes de seu

emprego pelos serviços de inteligência .

A partir das categorias de desinformação verificadas, algumas considerações

podem ser feitas.

Na desinformação militar, isto é, na desinformação desenvolvida com fins

militares por serviços de inteligência civis ou militares, tem-se a possibilidade de: fazer

o inimigo desperdiçar esforços, diminuir as perdas das forças de ataque, aumentar as

chances de vitória devido à vantagem da surpresa, dentre outras. Por outro lado, a

utilização desmedida pode gerar um nível de desconfiança mútuo que impeça a

restauração da paz.

Na desinformação política, promovida por serviços de inteligência civis ou

militares, podem ser influenciadas questões concernentes à política externa de interesse

do Estado. Em contrapartida, os serviços de inteligência também podem influenciar

eventos e decisões políticas favoráveis aos seus interesses, ou de seus responsáveis,

ainda que contrários aos do próprio Estado.

Na desinformação policial, promovida por policiais integrantes dos setores

de inteligência, ou não, tem-se a possibilidade de coletar indícios de autoria de crimes

de forma mais efetiva e menos coercitiva. Isso porque em métodos tradicionais de

interrogatório pode ser, muitas vezes, mais difícil de obter uma confissão verdadeira ou

o testemunho sobre os fatos realmente ocorridos. Por outro lado, o emprego em larga

escala da desinformação pode resultar na perda de credibilidade das instituições

policiais e de seus agentes perante os tribunais.

Assim, a questão não é se os serviços de inteligência devem utilizar a

desinformação ou não. O fato é que essa técnica pode complementar a proteção de

informações sensíveis, atuando em conjunto com as medidas de segurança passiva,

possibilitando, dentre outras funções, a proteção daqueles que irão obter esse tipo de

informações. Seja preservando a identidade dos agentes, ou mesmo seus reais interesses,

a desinformação pode ser, portanto, de extrema importância para os serviços de

inteligência e seus agentes.

Não basta, contudo, simplesmente saber que a desinformação existe ou que

pode ser relevante o seu emprego. É preciso entender seu processo e como realmente

Page 116: Desinformação, a técnica

115

funciona, isto é, saber como, quando, por que usá-la e também como tentar evitá-la, pois

em muito ela pode contribuir para as atividades desempenhadas pelos serviços de

inteligência .

Page 117: Desinformação, a técnica

116

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