desigualdades raciais no brasil - rosana heringer

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Desigualdades Raciais no Brasil1Escritrio Nacional "Zumbi dos Palmares"SCN Venncio 3.000 Bloco A, Sala 501 70.718-900 Braslia DF Tel/ fax: (55-61) 328-9535/ 9532 e-mail: [email protected]

Consultoria: Rosana Heringer2

Abril, 2000

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Documento elaborado como subsdio ao processo preparatrio da Conferncia Mundial contra o Racismo, Discriminao Racial, Xenofobia e formas correlatas de Intolerncia. 2 Doutora em Sociologia (IUPERJ, Rio de Janeiro, 1997). Pesquisadora da Universidade Candido Mendes e da Cepia - Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informao e Ao (e-mail: [email protected]). Assistente de pesquisa: Juliana Rodrigues da Silva.

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Desigualdades Raciais no Brasil I - Introduo O Brasil encontra-se entre as maiores economias do mundo e foi considerado, ao longo de vrias dcadas, o pas da "democracia racial". Entretanto, embora nunca tenha se consolidado no pas um regime de segregao racial legal e formal, a realidade brasileira outra. As distines e desigualdades raciais so contundentes, facilmente visveis e de graves conseqncias para a populao afro-brasileira e para o pas como um todo. O trabalho aqui apresentado pelo Escritrio Nacional Zumbi dos Palmares representa um esforo de sistematizao e sntese de indicadores que revelam a dimenso da discriminao e das desigualdades raciais existentes no Brasil. Alm de apresentar estas informaes, o documento analisa as principais vertentes do atual debate poltico sobre desigualdades raciais no Brasil, e identifica as iniciativas por parte do Estado brasileiro e da sociedade civil destinadas a enfrentar a discriminao e as desigualdades raciais. As informaes aqui apresentadas praticamente falam por si mesmas. As desigualdades so graves e, ao afetarem a capacidade de insero dos negros na sociedade brasileira, comprometem o projeto de construo de um pas democrtico e com oportunidades iguais para todos. Apresentam-se em diferentes momentos do ciclo de vida do indivduo, desde a sade na infncia, passando pelo acesso educao e cristalizando-se no mercado de trabalho e, por conseqncia, no valor dos rendimentos obtidos e nas condies de vida como um todo. Est presente na diferena entre brancos e negros em termos de acesso justia. Demonstra-se tambm que os esforos atualmente empreendidos pelo governo brasileiro para promover maior igualdade de oportunidades entre negros e brancos no Brasil tm sido insuficientes para uma efetiva transformao deste quadro de desigualdades. Esperamos que as informaes e anlises aqui contidas sirvam de subsdio para uma reflexo profunda sobre as desigualdades raciais no Brasil por parte da comunidade internacional e da sociedade brasileira, levando sugesto e adoo de medidas que venham a beneficiar, em curto prazo, a populao negra do Brasil. II - Contextualizao histrica O Brasil foi o ltimo pas do mundo a abolir o trabalho escravo de pessoas de origem africana, em 1888, aps ter recebido, ao longo de mais de trs sculos, cerca de quatro milhes de africanos como escravos (IBGE, 1987). Embora nenhuma forma de segregao tenha sido imposta aps a abolio, os ex-escravos tornaram-se totalmente marginalizados em relao ao sistema econmico vigente. Alm disso, o governo brasileiro iniciou na segunda metade

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do sculo XIX o estmulo imigrao europia, numa tentativa explcita de "branquear" a populao nacional. Milhes de imigrantes europeus entraram no pas durante as ltimas dcadas do sculo XIX e o incio do sculo XX. Essa fora de trabalho foi contratada preferencialmente tanto na agricultura como na indstria que estava sendo implantada nas principais cidades. Durante a dcada de 1930, quando o pas iniciava sua industrializao e, ao mesmo tempo, seus intelectuais debatiam em torno da definio de algum tipo de identidade nacional, Gilberto Freyre, um socilogo brasileiro formado nos EUA, desenvolveu o conceito de "democracia racial". No lugar de nos estarmos envergonharmos de nossa maioria negra e mestia, ns devamos nos orgulhar e admirar isto como um sinal de nossa tolerncia e integrao racial. Afinal, ns no possuamos uma segregao legal como nos EUA e na frica do Sul e ramos capazes de conviver bem com todas as raas. Depois da Segunda Guerra Mundial, a UNESCO financiou um extenso projeto de pesquisa sobre o Brasil e sua democracia racial, esperando encontrar insights que pudessem ajudar o resto do mundo a resolver os problemas do preconceito e da discriminao que se apresentavam. Entretanto, os resultados foram diferentes do que os pesquisadores esperavam. Observou-se que, embora culturalmente integrado, o Brasil era um lugar onde racismo, preconceito e discriminao racial estavam firmemente estabelecidos. Estas prticas eram camufladas pelo prprio mito da democracia racial e eram sempre explicadas por outras variveis, como as diferenas de classe. O discurso da igualdade racial e da tolerncia prevalecia sobre a realidade. Durante os anos 60 e 70, a discusso sobre as desigualdades raciais foi desencorajada pela ditadura militar, que suprimiu muitas formas de liberdade intelectual e atividade poltica. O Censo Nacional de 1970, no incluiu nem mesmo um quesito sobre raa ou cor em seus formulrios. Durante o fim dos anos 70, uma variedade de movimentos sociais comeou a se reorganizar, buscando melhorar as condies sociais do pas. Entre eles, grupos referidos genericamente como Movimento Negro estavam decididos a combater a discriminao racial no Brasil. O primeiro governo civil foi eleito indiretamente em 1985. Os anos 80 foram marcados por importantes avanos, em termos de democratizao poltica, culminando com a promulgao de uma nova constituio em 1988. Neste perodo, estudiosos comearam, mais uma vez, a examinar a "questo racial". Militantes denunciaram as desigualdades raciais e tentavam entender por que o mito da democracia racial ainda estava vivo e era aceito de maneira geral. Em um pas com enormes desigualdades scio-econmicas, era difcil para os negros compreender que suas condies de vida precrias eram resultantes tambm da discriminao racial. Isto comeou a mudar devido crescente visibilidade de um ativo Movimento Negro, presena de um pequeno grupo de intelectuais negros e artistas que freqentemente levantavam o assunto e, tambm, inteno governamental de fazer algo em relao ao assunto, criando agncias especficas para cuidar da cultura negra, da situao dos descendentes dos antigos escravos e da legislao anti-racista.

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1) Critrios de classificao racial O Censo brasileiro pede s pessoas que se classifiquem dentro de uma das cinco categorias seguintes: branco; preto; pardo, indgena ou amarelo (oriental). Pretos e pardos constituem 45% de toda populao e 98.7% da populao no-branca (IBGE, 1996). No Brasil, o conceito de raa encontra-se mais relacionado cor da pele e traos faciais do que ancestralidade. Isso levou alguns estudiosos a analisar a classificao racial brasileira no enquanto grupos raciais, mas sim grupos de cor (Degler, 1991: 103). Outra caracterstica da classificao brasileira se relaciona ao nosso passado e ao mito da democracia racial. Como Guimares explica: A especificidade do racismo brasileiro, ou do racismo latino-americano em geral, vem do fato de que a nacionalidade brasileira no foi formada, ou imaginada, para usar a metfora de Anderson, como uma comunidade de indivduos etnicamente dissimilares, vindos de todas as partes da Europa, como ocorreu nos EUA. O Brasil um amlgama de mestios de diferentes origens raciais e tnicas, cuja raa e etnicidade foram perdidas, a fim de ganhar a nacionalidade brasileira.(Guimares, 1995: 215; nossa traduo). H uma confuso considervel entre raa, entendida em termos de cor (branco/ preto/ pardo/ amarelo) e etnia (indgena). Os povos indgenas so em geral considerados como grupos tnicos. Muitos vivem em reservas e tm sido historicamente sujeitos a polticas especficas relacionadas ao seu status de cidadania e titularidade de suas terras. A maioria dos indgenas que migra para reas urbanas vive em grande pobreza e est sujeita discriminao semelhante que enfrentada por pretos e pardos. A fim de aperfeioar, no censo do ano 2000, as opes de classificao contidas no quesito cor/raa, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica) realizou um pr-teste em 1998, junto a uma amostra de 90 mil pessoas em 6 reas metropolitanas do pas. Neste teste foi includa uma pergunta sobre a origem dos entrevistados (Qual a origem que o(a) senhor(a) considera ter?). Tanto nas respostas pergunta aberta quanto formulao fechada, a opo origem brasileira foi escolhida pela grande maioria dos entrevistados (85,7% e 86,6%, respectivamente). A partir deste pr-teste a comisso consultiva do Censo 2000 recomendou ao IBGE manter as mesmas cinco categorias utilizadas atualmente (SCHWARTZMAN, 1999). Para propsitos estatsticos, considerando-se que a flexibilidade da classificao de cor no Brasil torna difcil diferenciar ambos os grupos, e tambm a proximidade em termos de indicadores scio-econmicos entre os dois grupos, os pesquisadores consideram geralmente pretos e pardos juntos, como uma nica categoria. Assume-se que a maioria dos pardos possui ascendncia africana. Neste texto, as palavras negros e afro-brasileiros so usadas alternadamente, significando aqueles que se classificam como pretos e pardos nas pesquisas do IBGE.

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III - Distribuio da populao brasileira segundo cor/ raa: A partir dos dados mais recentes disponveis na Tabela 1, podemos observar que a populao brasileira compe-se de 55,2% de brancos e 44,2% de negros, segundo a auto-declarao dos informantes. A distribuio regional apresenta-se bastante diferenciada, com grande concentrao da populao afro-brasileira nas regies Nordeste e Norte. O Sul do pas possui populao majoritariamente branca e a regio Centro-Oeste apresenta uma distribuio equilibrada entre brancos e negros, similar distribuio nacional. Tabela 1: Distribuio da populao por cor ou raa* - 1996

Percentual (%)Brasil Regio Norte Urbana** Regio Nordeste Regio Sudeste Regio Sul Regio Centro-Oeste Branca Preta Parda Amarela Indgena 55,2 6,0 38,2 0,4 0,2 28,5 3,7 67,2 0,4 0,2 30,6 65,4 85,9 48,3 6,1 7,4 3,1 4,0 62,9 26,5 10,5 46,6 0,1 0,6 0,4 0,6 0,2 0,1 0,1 0,5

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD) - 1996, [CD-ROM]. Microdados Rio de janeiro: IBGE, 1997. *exclusive as pessoas que no declararam sua cor. **exclusive a populao da rea rural de Rondnia, Acre, Amazonas, Roraima, Par e Amap.

Os dados das Tabelas 2 e 2A demonstram a distribuio da populao segundo cor nas Unidades da Federao. Como mostrado anteriormente, os estados do Nordeste, juntamente com Minas Gerais e Rio de Janeiro concentram grande parte da populao afro-brasileira.

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Tabela 2: Populao brasileira por cor/ raa*, segundo Unidades da Federao 1996.Unidades da Federao** Rondnia Acre Amazonas Roraima Par Amap Tocantins Maranho Piau Cear R. G. do Norte Paraba Pernambuco Alagoas Sergipe Bahia Minas Gerais Esprito Santo Rio de Janeiro So Paulo Paran Santa Catarina R.G. do Sul Mato G. do Sul Mato Grosso Gois Distrito Federal Total 852.370 315.140 1.792.300 182.083 3.012.704 292.563 1.024120 5.316.411 2.765.373 6.812.575 2.629.517 3.379.313 7.535.000 2.733.885 1.637.334 11.575.633 15.235.930 2.839.327 13.434.673 34.313.000 8.787.511 4.919.973 9.703.042 1.950.247 2.394.651 4.390.316 1.776.490 Brancos 363.491 104.073 465.923 44.247 745.127 98.049 269.605 1.029.870 544.244 2.051.346 1.099.224 1.494.766 2.621.170 1.271.113 288.157 3.574.522 9.004.588 1.479.691 7.852.681 25.803.376 6.950.771 4.529.983 8.619.879 1.196.104 1.029.456 1.995.064 856.467 Pretos 24.592 1.623 38.027 2.926 139.047 11.734 74.283 216.991 100.790 145.912 65.189 134.910 414.663 227.687 55.613 1.433.805 1.500.388 139.088 1.638.791 1.694.728 162.945 122.941 449.204 78.456 84.938 163.817 87.956 Pardos 461.830 209.444 1.283.422 133.813 2.107.746 181.880 659.736 4.055.138 2.109.801 4.605.027 1.461.950 1.748.011 4.487.741 1.208.196 1.289.260 7.756.744 6.186.817 1.309.582 3.891.500 6.436.370 1.579.109 281.754 620.463 614.595 1.258.745 2.205.871 822.488 Amarelos 2.457 1.385 16.645 16.128 5.087 1.169 2.103 1.606 2.900 9.155 1.537 28.616 21.401 1.016 23.667 367.861 77.154 2.353 3.206 17.697 20.418 18.620 6.970 Indgenas 5.543 1.097 3.451 4.368 5.087 538 8.056 1.051 7.560 17.734 2.460 67.717 5.837 7.641 23.133 8.863 17.043 1.765 9.716 43.061 1.094 5.996 2.609 S/ declar. 688 4.238 1.065 966 307 4.649 1.899 2.037 4.901 1.782 489 1.177 574 334 946 -

Fonte: IBGE PNAD, 1996. *exclusive as pessoas que no declararam sua cor. **exclusive a populao da rea rural de Rondnia, Acre, Amazonas, Roraima, Par e Amap.

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Tabela 2A: Populao brasileira por cor/ raa*, segundo Unidades da Federao 1996 (Em %).Unidades da Federao** Rondnia Acre Amazonas Roraima Par Amap Tocantins Maranho Piau Cear R. G. do Norte Paraba Pernambuco Alagoas Sergipe Bahia Minas Gerais Esprito Santo Rio de Janeiro So Paulo Paran Santa Catarina R.G. do Sul Mato G. do Sul Mato Grosso Gois Distrito Federal Total 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% Brancos 42,6% 33,0% 26,0% 24,3% 24,7% 33,8% 26,8% 19,4% 19,7% 30,1% 41,8% 44,2% 34,8% 46,5% 17,6% 27,8% 53,9% 48,6% 58,5% 75,2% 79,1% 92,1% 88,8% 61,3% 43,0% 45,4% 48,2% Pretos 2,9% 5,0% 2,0% 1,6% 4,6% 4,0% 7,3% 4,1% 4,0% 2,1% 2,5% 4,0% 5,5% 8,3% 3,4% 11,1% 9,0% 4,9% 12,2% 4,9% 1,9% 2,5% 4,6% 4,0% 3,5% 3,7% 5,0% Pardos Amarelos Indgena S/ declar. s 54,2% 0,3% 66,5% 71,6% 0,1% 0,3% 73,5% 0,6% 70,0% 0,6% 0,1% 0,0% 82,2% 64,4% 1,6% 0,4% 76,3% 0,1% 0,1% 0,1% 76,3% 0,0% 67,6% 0,0% 0,1% 0,0% 55,6% 0,1% 0,0% 51,7% 0,0% 59,6% 0,0% 0,1% 0,0% 44,2% 0,3% 0,6% 78,7% 0,1% 0,2% 60,3% 0,2% 0,5% 0,0% 37,0% 0,1% 0,0% 0,0% 46,1% 0,0% 0,3% 0,1% 29,0% 0,2% 0,2% 0,0% 18,8% 1,1% 0,0% 0,0% 18,0% 0,9% 0,2% 0,0% 5,3% 0,0% 0,0% 0,0% 6,4% 0,0% 0,1% 0,0% 31,5% 0,9% 2,2% 0,0% 52,6% 0,9% 0,0% 50,2% 0,4% 0,1% 0,0% 46,3% 0,4% 0,1% -

Fonte: IBGE PNAD, 1996. *exclusive as pessoas que no declararam sua cor. **exclusive a populao da rea rural de Rondnia, Acre, Amazonas, Roraima, Par e Amap.

O fato de a populao negra estar concentrada principalmente nas regies mais pobres do pas j indica que a mesma encontra-se mais vulnervel no que diz respeito s condies de vida e ao acesso a servios bsicos. As informaes que poderiam nos fornecer esta caracterizao so escassas. Entretanto, alguns indicadores revelam que a populao negra no Brasil vivencia condies mais precrias na sua luta pela sobrevivncia. A Tabela 3 nos informa sobre as taxas de mortalidade infantil das crianas at um ano de vida e entre crianas menores de cinco anos. Como podemos observar, nos dois casos a mortalidade infantil da populao negra maior do que entre os brancos. Esta situao se acentua na Regio Nordeste, onde a taxa de mortalidade de crianas negras at cinco anos de 102,1 por mil nascidos vivos. A desigualdade, entretanto, no se restringe ao Nordeste, j que as taxas de mortalidade infantil das crianas negras no Sudeste tambm

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so bem maiores do que a das brancas (43,1 e 25,1; 52,7 e 30,9, respectivamente).

Tabela 3: Taxa de mortalidade infantil e de menores de 5 anos de idade (1) por cor - 1996 Taxa de mortalidade Taxa de mortalidade de infantil/ mil menores de 5 anos de idade/ mil branca preta/parda branca preta/parda Brasil 37,3 62,3 45,7 76,1 Regio Norte Urbana* Regio 68 96,3 82,8 102,1 Nordeste Regio 25,1 43,1 30,9 52,7 Sudeste Regio Sul 28,3 38,9 34,8 47,7 Regio 27,8 42,0 31,1 51,4 CentroOesteFonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios 1996. Rio de Janeiro: IBGE, v.18, 1998. * Exclusive a populao da rea rural de Rondnia, Acre, Amazonas, Roraima, Par e Amap. (1) Estimativas obtidas aplicando-se tcnicas demogrficas indiretas de mortalidade s informaes sobre sobrevivncia de filhos nascidos vivos, fornecidas pelas mulheres e coletadas pela PNAD 1996. Por questes inerentes tcnica utilizada, os resultados dessas estimativas referem-se, em mdia, ao perodo 1993/94 e no ao ano de 1996.

1) Infraestrutura Urbana e Habitao: de conhecimento geral a estreita relao entre as condies de sade e o acesso a infraestrutura bsica em termos de servios pblicos, tais como saneamento, coleta de lixo e acesso eletricidade, entre outros. Os dados disponveis na Tabela 4, para 1996, revelam que brancos e negros no Brasil tm um acesso desigual a estes servios. No que diz respeito rede de esgoto, por exemplo, apenas metade dos negros tem acesso a estes servios, enquanto 73,6% dos brancos o possuem.

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Tabela 4: Domiclios por condio de saneamento segundo a cor do chefe - 1996 Percentual (%) gua tratada Esgoto* Branca Preta e Parda Branca Preta e Parda Brasil 81,0 64,7 73,6 49,7 Regio Norte Urbana** 63,0 54,8 56,5 41,6 Regio Nordeste 64,2 52,6 47,0 33,5 Regio Sudeste 89,1 52,6 86,8 74,8 Regio Sul 77,0 52,6 69,2 50,0 Regio Centro-Oeste 72,0 76,8 43,6 35,1Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios 1996 [CD-ROM]. Microdados. Rio de janeiro: IBGE, 1997. * rede coletora ou fossa sptica. ** exclusive a populao da rea rural de Rondnia, Acre, Amazonas, Roraima, Par e Amap.

Outros indicadores de condies de vida e acesso a servios disponveis para o ano de 1987 revelam mais aspectos da desigualdade entre negros e brancos no que diz respeito infra-estrutura urbana. Ainda que este quadro tenha melhorado para o conjunto do pas ao longo da dcada, as diferenas entre negros e brancos permanecem, conforme pudemos ver anteriormente.Percentual da populao que vive em "domiclios rsticos" (definio do IBGE para barracos, predominantes em favelas). Brancos 3.4 Pretos 13.9 Pardos 13.3 Fonte: IBGE PNAD 1987. Percentual da populao que vive em bairros sem coleta de lixo: Brancos 18.3 Pretos 34.1 Pardos 39.5 Fonte: IBGE PNAD 1987. Percentual da populao que vive em domiclios sem eletricidade: Brancos 10.2 Pretos 21.7 Pardos 28.0 Fonte: IBGE PNAD 1987.

Baseados nesses e em outros dados, os pesquisadores Wnia Sant'anna e Marcelo Paixo utilizaram o ndice de Desenvolvimento Humano (IDH), usado pelo Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), para calcular a qualidade de vida relativa da populao afro-brasileira (pretos e

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pardos). O IDH do conjunto da populao brasileira era de 0.796 (para um mximo de 1.000). Para os afro-brasileiros, o IDH era 0.573. "O IDH para os afro-brasileiros pior do que o dos pases latinoamericanos, exceto Nicargua, que vm logo atrs com 0.568. (...) Uma triste situao para o paraso da democracia racial..." (Sant'anna & Paixo, 1997:33). IV - Acesso Educao O acesso educao geralmente apresentado pelos estudiosos como um dos principais fatores associados ao alcance de melhores oportunidades no mercado de trabalho e, consequentemente, um melhor rendimento. Para um grande contingente da populao, o aumento da escolaridade visto como o principal caminho de mobilidade social ascendente dos indivduos. Diante deste quadro, ganha ainda mais importncia a anlise das oportunidades educacionais de brancos e negros no Brasil, e, principalmente, sobre a relao entre este desempenho e a alocao dos dois grupos no mercado de trabalho, como veremos mais adiante. A Tabela 5 apresenta as informaes mais recentes sobre a mdia de anos de estudos segundo sexo e cor. Uma primeira constatao a baixa escolaridade da populao brasileira como um todo, j que a mdia do pas de apenas 5,3 anos de estudo. Supondo que no haja repetncia, isto eqivaleria apenas concluso da 5 srie do ensino bsico. Um outro aspecto a se levar em conta a diferena em termos de anos de estudo entre negros e brancos. Estes ltimos possuem em mdia dois anos de estudo a mais do que os negros. A Tabela 6, juntamente com os Grficos A e B demonstra no a mdia, mas os anos de estudo efetivamente cursados pelas pessoas de 15 anos ou mais. Em primeiro lugar, se comparamos a situao de 1988 e 1996 verificamos que houve um aumento da escolaridade dos brasileiros no perodo. Entretanto, esta ampliao do acesso escola no se traduziu numa diminuio das desigualdades raciais, j que a proporo de negros entre as pessoas com 12 anos ou mais de estudo (equivalente aos que concluram o ensino mdio e possuem curso superior) de apenas 2,8%, quase quatro vezes menos do que os brancos na mesma faixa (10,9%). Por outro lado, a proporo de negros entre aqueles sem instruo ou com menos de um ano de estudo continua em 1996 a ser mais do dobro da proporo de brancos nesta faixa.

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Tabela 5: Mdia de anos de estudo das pessoas de 10 anos ou mais de idade por sexo e cor ou raa*- 1996 Mdia de anos de estudo Total Homens Mulheres Branca Preta e Parda Brasil 5,3 5,2 5,4 6,2 4,2 Regio Norte 5,2 4,9 5,4 6,3 4,7 Urbana* Regio Nordeste 3,9 3,6 4,2 4,8 3,5 Regio Sudeste 6,0 6,0 6,0 6,6 4,9 Regio Sul 5,8 5,8 5,8 6,0 4,3 Regio Centro5,5 5,2 5,5 6,3 4,7 OesteFonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios 1996, [CD-ROM]. MIcrodados Rio de Janeiro: IBGE, 1997. * exclusive a populao da rea rural de Rondnia, Acre, Amazonas, Roraima, Par e Amap.

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Tabela 6: Anos de estudo por cor, 15 anos de idade e mais. Brasil, 1988 e 1996.Anos de estudo por cor, 15 anos de idade e mais. Brasil, 1988. 1988 Anos de Estudos/Cor Brancos Pretos Pardos Total 17,9 34,5 34,2 24,9 S/instr. Menos de 1 ano 22,3 26,9 27,0 24,3 1 a 3 anos 40,0 31,4 29,8 35,5 4 a 8 anos 12,6 5,9 7,3 10,3 9 a 11 anos 7,3 1,2 1,6 4,9 12 anos e mais Sem declarao Fonte: Tabulaes Especiais, PNADS 1988 e 1996 in HASENBALG et alli, 1999. Anos de estudo por cor, 15 anos de idade e mais. Brasil, 1996. 1996 Anos de Estudos/Cor Brancos Pretos Pardos Total 11,8 26,2 23,4 16,7 S/instr. Menos de 1 ano 13,3 18,5 19,5 15,9 1 a 3 anos 43,8 41,3 40,7 42,4 4 a 8 anos 20,3 11,2 13,3 17,2 9 a 11 anos 10,9 2,4 2,8 7,5 12 anos e mais 0,3 0,3 0,3 0,3 Sem declarao Fonte: Tabulaes Especiais, PNADS 1988 e 1996 in HASENBALG et alli, 1999.

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Grfico A: Anos de estudo por cor, 15 anos de idade e mais. Brasil, 1988Brancos Pretos Pardos Total

de

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Anos de estudo por cor, 15 anos de idade e mais. Brasil, 1996

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Brancos Pretosar a o an os M en os an os an os e m ai s de ..

Pardos Total

11

3

8

an os 12

9

/i n st r.

Dados de pesquisas realizadas especificamente sobre a situao educacional da populao negra indicam que, mesmo quando se controla o valor do rendimento familiar per capita, a taxa de escolarizao de negros inferior a dos brancos; os brancos apresentam uma porcentagem maior de crianas sem atraso escolar; e maior proporo de alunos negros freqenta escolas que oferecem cursos com menor nmero de horas de aula (ROSEMBERG, 1986; HASENBALG & SILVA, 1990).

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S

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a 4

1

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14

Este quadro geral da situao educacional dos negros no Brasil representa uma das principais dificuldades a serem enfrentadas a fim de gerar maior igualdade de oportunidades entre brancos e negros no pas. Atenta a este cenrio, a presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais INEP, ligado ao Ministrio da Educao, afirmou em artigo recente que a populao negra continua apresentando um nvel de escolaridade mais baixo. Esta uma das prioridades para uma poltica de equidade e integrao socioeconmicas que requer uma ao mais afirmativa do poder pblico e da sociedade. (CASTRO, 1998:8-9). V - Mercado de Trabalho e Distribuio de Renda Mais de um sculo depois da abolio da escravido, o trabalho manual continua a ser o lugar reservado para os afro-brasileiros. Em oposio ao que afirmaram as teorias sobre modernizao, a estrutura de transio fornecida pelo rpido crescimento econmico nas ltimas dcadas no parece ter contribudo para diminuir de maneira significativa distncia existente entre os grupos raciais presentes na populao.(Hasenbalg, 1996:15). Os negros brasileiros tm feito pouco progresso na conquista de profisses de maior prestgio social, no estabelecimento de seus prprios negcios e na ocupao de posies de poder poltico. Eles ainda concentramse em atividades manuais que exigem pouca qualificao e escolaridade formal. As desvantagens acumuladas atravs da histria brasileira tornaram o sucesso difcil para a populao afro-brasileira. Informaes recentes, obtidas a partir de pesquisa especfica realizada em seis regies metropolitanas do pas indicam que a desigualdade racial est presente nos mais variados indicadores associados ao desempenho de brancos e negros no mercado de trabalho. Na regio metropolitana de So Paulo, a maior cidade brasileira, a taxa de desemprego entre os homens negros de 20,9%, enquanto esta taxa de 13,8% entre os brancos (INSPIR et alli, 1999: 29). O valor do salrio mdio dirio de negros e brancos tambm revela grandes disparidades. Em So Paulo, os negros ganham em mdia R$2,94 por dia, enquanto os brancos recebem R$5,50 (INSPIR et alli, 1999:39). Como afirma o relatrio sobre desigualdades raciais no mercado de trabalho, " preciso que o Estado invista em polticas pblicas e implemente de fato a Conveno 111 da OIT, invertendo a lgica da estrutura de oportunidades, que est profundamente marcada por prticas violadoras de direitos e de discriminaes baseadas na raa e no sexo.(INSPIR et alli, 1999: 8). A pesquisa revela que apenas 1,9% dos negros ocupados em So Paulo so empregadores, em comparao aos 7,2% de brancos nesta posio, enquanto mais da metade das mulheres negras (56,3%) esto ocupadas como domsticas ou mensalistas (INSPIR et alli, 1999).

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No que diz respeito distribuio dos ocupados por grupos de ocupao, os dados demonstram que apenas 5,9% dos negros ocupam cargos de direo e planejamento, enquanto 21,4% dos brancos encontram-se nesta posio. O mesmo ocorre em relao aos cargos de gerncia (3,6% e 11,7, respectivamente) e planejamento (2,3% e 9,7%) (INSPIR et alli, 1999). Tabela 7: Distribuio dos Ocupados por Nvel de Instruo segundo Raa e Sexo Regio Metropolitana de So Paulo 1998Distribuio dos Ocupados por Nvel de Instruo segundo Raa e Sexo Regio Metropolitana de So Paulo - 1998 (em %) Total Nvel de Instruo Total Total Analfabeto 1 Grau Incompleto 1 Grau Completo 2 Grau Incompleto 2 Grau Completo 3 Grau 100,0 3,7 39,3 12,2 7,3 18,9 18,6 Homens 100,0 3,7 41,8 12,9 7,3 17,2 17,1 Mulheres 3,6 35,8 11,2 7,3 21,3 20,7 Total 6,0 54,0 13,3 7,3 14,1 5,3 100,0 100,0 Negra Homens 100,0 5,9 56,7 13,6 7,1 12,2 4,4 Mulheres 6,0 50,4 12,8 7,5 16,6 6,5 Total 2,7 32,8 11,7 7,3 21,1 24,5 100,0 100,0 Raa No - Negra Homens 100,0 2,8 35,4 12,5 7,4 19,4 22,5 Mulheres 100,0 2,5 29,0 10,4 7,2 23,5 27,4

Fontes: Convnio DIEESE/SEADE. PED Pesquisa de Emprego e Desemprego RMSP Elaborao: DIEESE Obs: Raa negra: pretos e pardos; raa no-negra: brancos e amarelos.

O quadro de desigualdade entre negros e brancos est relacionado tanto a fatores estruturais quanto discriminao. Entre os fatores estruturais, sem dvida o mais significativo o componente educacional. Ao se situarem nos grupos com menor acesso educao formal, os negros tambm ocupam postos de menor prestgio no mercado de trabalho. A Tabela 7 demonstra que, enquanto 32,8% dos brancos ocupados na Regio Metropolitana de So Paulo possuem grau de escolaridade at o 1o. Grau incompleto (ensino fundamental), cerca de 54% dos negros esto nesta posio. A situao se inverte quando analisamos a faixa equivalente ao ensino mdio e ao ensino superior. Neste ltimo grupo a proporo de brancos equivale a quase cinco vezes a dois negros. No que diz respeito ao rendimento, negros e brancos tambm possuem situaes desiguais. Ainda no caso da Regio Metropolitana de So Paulo, a Tabela 8 e o Grfico C revelam que apenas 5,3% dos negros ocupados recebem mais de 10 salrios mnimos. Este fato poderia ser interpretado - e em muitos casos o como decorrente somente do menor grau de instruo dos negros. Entretanto a Tabela 9 e o Grfico D revelam o contrrio, ao mostrar que, mesmo quando se encontram em iguais condies de escolaridade, negros e brancos possuem rendimentos diferenciados. Esta situao se agrava principalmente nos grupos com grau de instruo mais elevado. Tal fato pode ser atribudo ausncia, entre os negros, de redes pessoais que permitam maior acesso a melhores

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oportunidades de emprego. Tambm pode ser atribudo sub-remunerao e sub-utilizao de mo de obra negra qualificada, decorrente da discriminao racial. Tabela 8: Rendimento Real Mdio e Distribuio dos Ocupados por Classes de Salrio Mnimo segundo Raa e Sexo Regio Metropolitana de So Paulo 1998Rendimento Real Mdio e Distribuio dos Ocupados por Classes de Salrio Mnimo segundo Raa e Sexo Regio Metropolitana de So Paulo - 1998 Total Raa Negra No - NegraRendimento Real Rendimento Real Mdio (1) (R$) Classes de Salrio Mnimo (2) Total At 1 Salrio Mnimo (SM) Mais de 1 at 2 SM Mais de 2 at 5 SM Mais de 5 at 10 SM Mais de 10 SM Total Homens Mulheres 846 1004 633 Total 512 Homens Mulheres 601 399 Total 1005 Homens Mulheres 1188 750

100,0 7,5 13,2 42,7 20,7 15,9

100,0 5,1 9,0 42,1 24,1 19,8

100,0 10,7 18,9 43,5 16,2 10,6

100,0 9,7 17,8 51,0 16,1 5,3

100,0 6,8 12,4 52,7 20,8 7,3

100,0 13,5 24,7 48,9 10,1 -(3)

100,0 6,4 11,0 38,7 22,9 20,9

100,0 4,3 7,4 37,2 25,6 25,5

100,0 9,4 16 40,8 19,3 14,6

Fontes: Convnio DIEESE/SEADE.PED Pesquisa de Emprego e Desemprego RMSP. Elaborao: DIEESE Notas: (1) Inflator utilizado ICV do DIEESE. Valores em Reais de dezembro de 1998. Exclusive os assalariados e os empregados domsticos assalariados que no tiveram remunerao no ms, os trabalhadores familiares sem remunerao salarial e os trabalhadores que ganharam exclusivamente em espcie ou benefcio. (2) Salrio Mnimo utilizado R$130,00 (3) A amostra no comporta a desagregao para esta categoria. Obs: Raa negra: pretos e pardos; raa no negra: brancos e amarelos.

Grfico C:

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Distribuio dos Ocupados por Classes de Salrio Mnimo segundo raa - Reg. Met. SP - 1998

Negros Brancos

At 1 Salrio Mnimo (SM)

Mais de 1 at 2 SM

Mais de 2 at 5 SM

Mais de 5 Mais de 10 at 10 SM SM

Tabela 9: Rendimento Real Mdio dos Assalariados por Grau de Instruo segundo Raa Regio Metropolitana de So Paulo 1998Rendimento Real Mdio dos Assalariados por Grau de Instruo segundo Raa Regio Metropolitana de So Paulo - 1998 Grau de instruo Rendimento Real Mdio (1) Total Analfabeto 1 Grau Incompleto 1 Grau Completo 2 Grau Incompleto 2 Grau Completo 3 Grau 853 374 481 596 521 814 1925 553 -(2) 447 533 478 655 1278 988 -(2) 506 633 541 870 2003 56,0 88,3 84,2 88,4 75,3 63,8 Total Negra(A) Raa No - Negra(B) (A/B) %

Fontes: Convnio DIEESE/SEADE. PED Pesquisa de Emprego e Desemprego RMSP Elaborao: DIEESE Notas: (1) Inflator utilizado ICV do DIEESE. Valores em reais de Dezembro de 1998. Exclusive os assalariados que no tiveram remunerao no ms. (2) A amostra no comporta a desagregao para esta categoria. Obs: Raa negra: preto e pardos; raa no negra: brancos e amarelos.

Grfico D:

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Rendimento Real Mdio dos Assalariados por Grau de Instruo segundo Raa - Reg. Met. SP - 1998 (Em R$)2500 2000 1500 1000 500 0 Negros Brancos 1 Grau Incom pleto 1 Grau Com pleto 2 Grau Incom pleto 2 Grau Com pleto 3 Grau

Este quadro apresentado para a Regio Metropolitana de So Paulo no se constitui num caso isolado. Ao contrrio, reproduz-se em todo o pas, provavelmente de formas mais acentuadas em regies com menor circulao de riqueza e atividade econmica menos dinmica. Alguns indicadores de renda ajudam-nos a analisar este quadro para o conjunto do pas. Utilizando dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios) 1996, LIMA (1999) apresenta a distribuio de renda da Populao Economicamente Ativa (PEA) brasileira segundo quartis. Esta diviso permitenos identificar quantas pessoas encontram-se entre os 25% com menor rendimento (Quartil 1), nos 25% imediatamente seguintes (Quartil 2), nos 25% seguintes (Quartil 3) e, finalmente, nos 25% onde se encontra a parcela com maiores rendimentos (Quartil 4). Como podemos observar na Tabela 10 e nos Grficos E e F, negros e brancos encontram-se inversamente representados nos extremos (25% mais pobres Quartil 1; e 25% mais ricos Quartil 4). Esta situao permaneceu praticamente inalterada entre 1988 e 1996. Cerca de 60% dos negros encontram-se concentrados nos dois primeiros quartis, enquanto 40% dos brancos encontram-se neste grupo. H uma convergncia entre a renda de brancos e negros na faixa intermediria e, no Quartil 4, de renda mais alta, ocorre a inverso: o nmero de brancos (32,2%) o dobro do dos pretos (14,1%) e dos pardos (14,5%).

Tabela 10: Distribuio quartlica com renda positiva de todas as fontes, segundo a cor. Brasil, 1988 e 1996.

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1988 Quartil Brancos Pretos Pardos 1996 Quartil Brancos Pretos Pardos

1 20,6 33,7 36,4

2 20,7 30,0 25,9

3 26,4 23,1 23,1

4 32,2 13,2 14,5

1 19,4 34,6 35,7

2 21,3 28,9 27,9

3 27,1 22,4 21,8

4 32,2 14,1 14,5

Fonte: Tabulaes Especiais, PNADS 1988 e 1996 in LIMA, Mrcia, 1999.

Grfico E:

Distribuio por quartis de renda. Brasil, 1988Brancos Pretos Pardos 1 2 Quartis 3 4

Grfico F:

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Distribuio por quartis de renda. Brasil, 1996

Brancos Pretos 1 2 Quartis 3 4 Pardos

Fonte: Tabulaes Especiais, PNADS 1988 e 1996 in LIMA, 1999.

Tabela 11: Mobilidade Ocupacional Intergeracional segundo a cor. Brasil, 1996.Tipo de Mobilidade Brancos Pretos Pardos Ascendente 52,5 43,9 45,5 Imobilidade 33,1 42,6 42,4 Descendente 14,4 13,5 12,1 Fonte: Hasenbalg & Silva, 1998, a partir de tabulaes especiais da PNAD 1996.

Finalmente, vale pena observarmos a desigualdade entre brancos e negros no que diz respeito mobilidade ocupacional entre geraes, isto , a situao ocupacional do indivduo em relao ocupao do pai (Tabela 11). Hasenbalg e Silva (1999) demonstram que os brancos tm uma vantagem significativa em termos de mobilidade ocupacional ascendente; pouco mais da metade deles (52,5%) encontram-se em grupos ocupacionais mais elevados que os de seus pais, ao passo que isso ocorre com somente 43,9% dos pardos e 45,5% dos pretos.(pg. 223). Estes autores concluem que os grupos nobrancos esto sujeitos a um processo de cumulao de desvantagens ao longo de suas trajetrias sociais(pg. 218). Diante dos indicadores aqui apresentados, parece-nos ter ficado evidente a desigualdade de oportunidades experimentadas por negros e brancos no Brasil. Nos prximos captulos apresentaremos algumas estratgias que vm sendo discutidas e desenvolvidas para enfrentar este quadro, bem como aspectos do debate recente sobre desigualdades raciais e polticas de ao afirmativa no Brasil.

VI - Vitimizao e acesso justia

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Este conjunto de indicadores apresentados anteriormente demonstra que a populao afro-brasileira est desproporcionalmente representada entre aqueles que possuem as piores condies de vida na sociedade. Esta situao particularmente agravada entre os jovens. Precocemente privados do seu direito educao e ingressando no mercado de trabalho de maneira precria como trabalhadores informais e com baixssima remunerao os jovens pobres brasileiros, majoritariamente negros, vem-se diante de escassas alternativas que lhes permitam algum tipo de mobilidade social ou simplesmente a sobrevivncia. Nas grandes cidades brasileiras, principalmente nos bairros mais pobres e favelas, comum a existncia de quadrilhas organizadas que controlam a distribuio e venda de drogas ilegais, principalmente maconha, cocana e crack, consumida geralmente por integrantes dos setores mdios e altos da sociedade. Este comrcio ilegal movimenta altas cifras e emprega vrios adolescentes e jovens que identificam a uma oportunidade de ganhar muito mais do que o salrio que conseguiriam receber em alguma ocupao legal. O controle por pontos de venda de drogas nas cidades e o enfrentamento com a polcia tornam esta atividade geradora de grande violncia e insegurana nas cidades, o que a faz responsvel por altssimos ndices de homicdio entre jovens pobres nas grandes cidades brasileiras. Sabe-se que apenas um pequeno nmero de adolescentes e jovens dos setores populares no Brasil envolvem-se em atividades relacionadas ao trfico de drogas e em outras atividades criminosas. Isto no impede, entretanto, que a sociedade identifique grande parte dos jovens pobres, e moradores de bairros de periferia e favelas como potencialmente perigosos e termine por trat-los como tal. Esta uma das situaes em que o preconceito racial se expressa de maneira mais visvel no Brasil: os jovens negros e pobres so desproporcionalmente mais identificados como fonte de ameaa e insegurana para a populao do que os jovens brancos pobres. Nestas situaes a cor funciona como uma agravante no estabelecimento dos critrios de definio dos suspeitos, seja por parte da populao ou da prpria polcia, em situaes como batidas e revistas policiais. PAIXO (1982), ao pesquisar quais eram os esteritipos do suspeito ou do criminoso identificados por policiais militares em Belo Horizonte (MG), observou que a cor da pele foi um dos principais fatores identificados. Zaluar (1989) tambm desenvolveu pesquisas que apontam que as caractersticas da atuao policial contribuem para que os negros sejam alvo preferencial do policiamento repressivo. Esta maior desconfiana em relao aos negros como agentes de violncia ganhou melhores contornos atravs de pesquisas realizadas pelo Datafolha e pelo ILANUD (Instituto Latino-Americano das Naes Unidas para a Preveno ao Delito e Tratamento do Delinqente), respectivamente em 1995 e 1997. Ambos trabalhos buscaram investigar a imagem da polcia entre os moradores de So Paulo e Rio de Janeiro. Assim analisa o cientista poltico Tlio Kahn: Se a opinio da maioria das pessoas no favorvel forma de atuao das polcias, existe um grupo cuja opinio particularmente desfavorvel e este

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o grupo dos "no-brancos". Os motivos desta desconfiana esto baseados em grande medida na experincia prpria ou no conhecimento do trato das foras policiais com relao aos negros e mulatos. (Kahn, 1998: 2). A pesquisa realizada em 1995 aponta que as crticas dos brancos em relao polcia concentraram-se em aspectos como ineficincia e corrupo, enquanto os negros criticaram com mais freqncia a atuao violenta da polcia: 20% dos negros afirmaram sentir medo da polcia, em contraste com 11% dos brancos. Alm disso, entre os negros foi maior o nmero de entrevistados que revelaram Ter mais medo da polcia do que dos bandidos (Tabela 12). Tabela 12: De quem voc tem mais medo: da polcia ou dos bandidos?Respostas Brancos Dos bandidos 59 1995 Pretos 46 28 Pardos 55 16 Brancos 47 19 1997 Pretos 28 35 Pardos 33 32

Da polcia 15 Fonte: Datafolha, 1995 e 1997.

Estas pesquisas revelam tambm que quase metade dos negros (47%) entrevistados em 1995 disseram Ter sido abordados pela polcia pelo menos uma vez, em comparao com 34% dos brancos. Os resultados foram semelhantes em 1997. Kahn aponta que dos negros, 24% disseram que j foram parados e ou mais vezes [pela polcia] (KAHN, 1998: 4). Tlio Kahn afirma tambm que, aps ter realizado diversas pesquisas sobre a atuao policial em relao aos negros, pode concluir que a violncia um dos principais dramas enfrentados atualmente pela populao negra no Brasil. Uma pesquisa realizada por Adorno (1995) em So Paulo, ajuda a ilustrar mais claramente as dificuldades enfrentadas pelos negros numa outra fase do sistema de segurana pblica e administrao da justia, quando encontram-se como rus no mbito da justia criminal. O objetivo deste estudo foi identificar, caracterizar e explicar as causas do acesso diferencial de brancos e negros justia criminal, atravs da anlise das sentenas judiciais para crimes da mesma natureza praticados por negros e brancos. A pesquisa indica que brancos e negros cometem crimes violentos em iguais propores, mas os rus negros tendem a ser mais perseguidos pela vigilncia policial, enfrentam maiores obstculos de acesso justia criminal e revelam maiores dificuldades de usufruir do direito de ampla defesa assegurado pelas normas constitucionais. (ADORNO, 1995:45). Em funo destas ocorrncias, o estudo conclui que os negros tendem a receber um tratamento penal mais rigoroso, com maior probabiblidade de serem

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punidos do que os brancos. O autor afirma que, por conseguinte, a cor poderoso instrumento de discriminao na distribuio da justia (Ibidem). Tabela 13: Condio dos Rus Processados em crime de Roubo Qualificado por Cor, Segundo a Natureza da Priso Municpio de So Paulo - 1990 - em % Condio Preso Provisrio Preso em Flagrante Preso Preventivamente Preso por Outro Processo Flagrante com Liberdade Em Liberdade Total Cor dos Rus Brancos 3,2 46,0 7,9 6,3 9,5 27,0 100,0 Negros 1,3 58,1 3,2 11,6 10,3 15,5 100,0

Fonte: ADORNO, Srgio Discriminao racial e justia criminal em So Paulo in Novos Estudos CEBRAP. So Paulo, n. 43, novembro de 1995, pg. 54.

A tabela 13 indica uma maior incidncia de prises em flagrante para rus negros em comparao aos brancos, assim como um maior nmero de rus brancos em liberdade. No grfico a seguir, Adorno apresenta uma outra caracterstica da desigualdade de direitos entre negros e brancos no que diz respeito ao acesso justia penal, caracterizada pela natureza da assistncia judiciria recebida pelo ru.

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Grfico G:Rus Processados em Crime de Roubo Qualificado por Cor, Segundo Natureza da Assistncia Judiciria - Municpio de So Paulo - 1990 - em %

Brancos Negros

Defensoria Pblica

Defensoria Defensoria Dativa Constituda

Fonte: ADORNO, Srgio Discriminao racial e justia criminal em So Paulo in Novos Estudos CEBRAP. So Paulo, n. 43, novembro de 1995, pg. 55.

Como podemos observar no Grfico G, os rus negros utilizam com mais freqncia do que os brancos os servios da defensoria pblica e da defensoria dativa (advogados particulares pagos pelo Estado), ambas em geral designadas para rus que no possuem recursos para contratar sua prpria defesa. A defensoria pblica em geral, incluindo a dativa, encontra-se sobrecarregada de trabalho e nem sempre consegue oferecer um servio de qualidade ao ru, valendo-se muitas vezes de procedimentos meramente burocrticos e no estabelecendo uma relao de proximidade com o cliente. Estas caractersticas do servio da defensoria levam a crer que h uma maior predisposio dos rus que fazem uso deste servio serem condenados. (ADORNO, 1995: 56-57).

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Tabela 14: Rus processados em crime de roubo qualificado por cor e desfecho processual, segundo apresentao de provas testemunhais. Municpio de So Paulo 1990 (em %). Apresentao de testemunhas Cor: Brancos Absolvidos Condenados Negros Absolvidos Condenados Sim 100,0 48,0 52,0 100,0 30,0 70,0 No 100,0 28,2 71,8 100,0 32,0 68,0

Fonte: ADORNO, Srgio Discriminao racial e justia criminal em So Paulo in Novos Estudos CEBRAP. So Paulo, n. 43, novembro de 1995, pg. 62.

A Tabela 14 demonstra a distribuio dos rus segundo o desfecho processual e segundo o fato de terem ou no apresentados provas testemunhais ao longo do processo. Segundo a anlise de Adorno, os brancos foram mais beneficiados pelo uso deste direito no que diz respeito s chances de absolvio. Entre os rus negros que deixaram de exercer aquele direito (isto , no arrolaram testemunhas), 30,0% foram absolvidos e 70,0% condenados; entre os rus brancos que se valeram desse direito, o quadro muda substantivamente (...): 48,8% foram absolvidos e 52,0% condenados. Em outras palavras, aumenta, para os rus brancos, a probabilidade de absolvio com o exerccio deste direito. (ADORNO, 1995:62). Estes dados revelam que o princpio da igualdade perante a lei fica comprometido no Brasil em funo das diferenas existentes no funcionamento da justia penal. Estas caractersticas aqui apresentadas referem-se a uma das etapas de administrao da justia, mas acreditamos que poderiam ser generalizadas para a maioria dos procedimentos envolvidos no dia a dia da prestao judicial, a comear pelo forma como os boletins de ocorrncia so preenchidos, pelo desenvolvimento do inqurito policial e chegando at as instncias hierarquicamente superiores do judicirio. Embora no existam pesquisas conclusivas a respeito, estas prticas podem ajudar a esclarecer o motivo pelo qual, se analisamos a populao carcerria do pas, verificamos que os negros encontram-se numa proporo maior do que a sua representao na populao, enquanto ocorre o inverso em relao aos brancos. Dados recentes disponveis para o Estado de So Paulo indicam que a taxa de encarceramento de 76,8 por 100 mil habitantes para os brancos e de 140 por 100 mil para pardos, elevando-se para 421 por 100 mil para negros. A probabilidade de um negro estar na priso portanto de 5,4 vezes maior do que a de um branco e 3 vezes maior que a de um pardo. (Kahn, 1999:1).

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VII - Estratgias de combate s desigualdades raciais no Brasil 1) Polticas pblicas de combate s desigualdades raciais Como resultado das constantes reivindicaes do Movimento Negro, o governo brasileiro tem se mostrado mais sensvel questo da discriminao racial no pas. No contedo do Dcimo Relatrio Relativo Conveno Internacional sobre a Eliminao do Todas as Formas de Discriminao Racial (Ministrio da Justia/ MRE, 1996), enviado pelo Governo Brasileiro s Naes Unidas, reconhece-se a existncia de prticas discriminatrias que repercutem em todas as instncias sociais, incluindo-se a desde relaes interpessoais at indicadores de qualidade de vida da populao. Apesar do racismo ser definido como crime (Lei n. 7.716 de 5 de Janeiro de 1989), persiste uma relao causal entre cor e desigualdades (VIEIRA, 2000:1). No mbito governamental, porm, as iniciativas de combate s desigualdades raciais ainda tm um alcance limitado e podem ser mais facilmente identificadas nos documentos e recomendaes do que atravs de aes prticas. O Programa Nacional de Direitos Humanos, por exemplo, dedica uma seo inteira apresentao de propostas relacionadas ao tema das desigualdades raciais, resultantes em grande medida dos trabalhos do GTI (Grupo de Trabalho Interministerial para Valorizao da Populao Negra), criado aps a mobilizao das organizaes do movimento negro por ocasio da celebrao dos 300 anos de Zumbi dos Palmares, em 1995. Em julho de 1996, o governo federal organizou a conferncia "Multiculturalismo e Racismo: o papel da ao afirmativa nos Estados democrticos contemporneos". Em seu discurso de abertura, o presidente Fernando H. Cardoso declarou: Deveramos, portanto, buscar solues que no sejam simplesmente a repetio ou cpia de outras solues desenhadas para situaes em que a discriminao e o preconceito esto presentes, mas em um contexto diferente do nosso. (Souza, 1997: 15). Aps a conferncia, tiveram incio os trabalhos do GTI, seguindo as recomendaes levantadas durante o encontro. Vrias medidas propostas envolviam algum tipo de programa de ao afirmativa, que deveria ser desenhado para promover o acesso de mais negros a empregos e educao. O documento Construindo a Democracia Racial apresenta os planos de ao que esto sendo ou sero desenvolvidos em termos de polticas pblicas (1998:39). Este documento, juntamente ao Plano Nacional de Direitos Humanos, expressa as diretrizes governamentais para o combate s desigualdades raciais no Brasil. Destacam-se as seguintes aes: Criao (20 de Maro de 1996) do Grupo de Trabalho para a Eliminao da Discriminao no Emprego e na Ocupao GTEDEO (Ministrio do Trabalho), organizao tripartite, composto por representantes de vrios

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Ministrios, de representantes dos trabalhadores e representante de empregadores. Criao do Grupo de Trabalho Multidisciplinar GTM (Ministrio do Trabalho), destinado implementao da Conveno 111 da OIT. Reformulao dos Parmetros Curriculares Nacionais PCN (Ministrio da Educao) Incluso do quesito raa/cor nos formulrios oficiais. Entre as medidas j desenvolvidas encontram-se as seguintes: Programa de Combate Anemia Falciforme elaborado em 1997 por especialistas, este programa tem como finalidade organizar e potencializar recursos disponveis, efetivando um conjunto de atividades visando o diagnstico precoce, o aconselhamento gentico, a distribuio de medicamentos e o acompanhamento ambulatorial e hospitalar. (Presidncia da Repblica, 1998:65). Ncleo de Combate Discriminao e Promoo da Igualdade de Oportunidades - Estes ncleos esto sendo criados no mbito das Delegacias Regionais do Ministrio do Trabalho e Emprego, como parte do Programa de Cooperao Tcnica para Implementao da Conveno 111, resultante de um convnio entre o Ministrio do Trabalho e Emprego e a OIT - Organizao Internacional do Trabalho.

Uma outra iniciativa que vem sendo estudada pelo Governo Federal diz respeito Entrega de Ttulos s Comunidades Negras Remanescentes de Quilombos. Para isso esto previstas as seguintes aes: Apoiar o mapeamento e classificao das reas remanescentes de quilombos Promover a titulao de terras, a construo de vias de acesso s comunidades e o fornecimento de energia solar a exemplo do que se faz no Mato Grosso do Sul; Instituir nas comunidades balces de cidadania, com o fornecimento da documentao bsica certides, cdulas de identidade; Desenvolver projetos de apoio ao desenvolvimento sustentado dos quilombos, com linhas prprias de crdito. Implantar programas especficos de erradicao do analfabetismo, educao fundamental, sade e profilaxia. Algumas propostas de polticas de combate s desigualdades raciais tambm esto sendo desenvolvidas em nvel dos estados e municpios. Entre as experincias j realizadas ou em curso, destacamos:

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Programa Oportunidades Iguais para Todos: foi desenvolvido pela Prefeitura de Belo Horizonte (MG), no final da gesto do prefeito Patrus Ananias, entre 1995 e 1997. As principais aes desenvolvidas foram a promoo de mudanas curriculares nas escolas e a incluso do quesito cor nos formulrios referentes aos servios de sade, alm de promover a discusso sobre a questo da discriminao no espao de trabalho. Criao da SMACON (Secretaria Municipal de Assuntos da Comunidade Negra): em dezembro de 1998, aps vrios meses de discusso na Cmara dos Vereadores, foi instituda a SMACON em Belo Horizonte (MG), com o objetivo de promover polticas de valorizao da populao negra no municpio. A nfase da atuao da secretaria a adoo de polticas sociais, principalmente em comunidades pobres. A variedade e o volume de propostas revela uma preocupao crescente com as desigualdades raciais no Brasil por parte do Estado em seus diversos nveis. Entretanto, o alcance destas medidas possui um carter limitado e o impacto das mesmas ainda est por ser avaliado. De maneira geral, acreditamos que o Estado brasileiro, nas suas diversas instncias, ainda no demonstrou o comprometimento necessrio com a diminuio das desigualdades raciais. Mesmo nos programas que j vm sendo implementados, possvel identificar a insuficincias de recursos materiais e humanos que garantam o bom andamento dos mesmos. Constata-se tambm, a descontinuidade de programas e a falta de sensibilidade de muitos tcnicos e funcionrios para incorporar o combate s desigualdades e discriminao racial no seu cotidiano de trabalho. 2) A sociedade civil e o combate s desigualdades raciais Assistimos ao longo dos ltimos anos a proliferao de variadas iniciativas relacionadas ao enfrentamento das desigualdades raciais no Brasil. Muitas delas nem sempre utilizam esta terminologia, mas colocam entre seus objetivos a promoo da populao afro-brasileira. difcil enquadr-las em uma nica classificao, dada a diversidade de atividades desenvolvidas. Na tentativa de agrup-las, podemos destacar os seguintes tipos de organizaes: Atividades comunitrias, geralmente em favelas ou bairros de periferia, destinadas promoo social de crianas e jovens, atravs de reforo escolar, de atividades profissionalizantes e de educao voltada para o exerccio da cidadania. Estes grupos no restringem seu pblico alvo populao negra, embora haja uma grande predominncia da mesma entre os atendidos. Estas atividades so desenvolvidas por associaes comunitrias, grupos religiosos, organizaes do movimento negro, grupos de promoo da cultura afro-brasileira, entre outros.

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Atividades de apoio e estmulo a micro-empresrios afro-brasileiros: esta atividade envolve treinamento em conhecimentos ligados administrao empresarial e qualificao profissional. Tambm tem como objetivo a ampliao das reas de atuao e do nmero de contratos de prestao de servios (principalmente em concorrncias pblicas) para empresrios afrobrasileiros. Estas atividades so desenvolvidas por organizaes formadas por micro e pequenos empresrios afro-brasileiros, tais como o CEABRA Coletivo de Empresrios e Empreendedores Afro-brasileiros, o CEM/ IPDH Centro de Estudos e Assessoramento de Empreendedores do Instituto Palmares de Direitos Humanos e o COLIMAR, estes dois ltimos atuando no Rio de Janeiro. O CEABRA possui ncleos em dezoito estados do pas. Estmulo e ampliao do acesso de afro-brasileiros ao ensino superior: esta atividade se d principalmente atravs da organizao de cursos preparatrios para o exame de admisso s universidades brasileiras (prvestibular). Esta experincia est disseminada por todo o pas, porm h diferenciaes no que se refere ao pblico alvo para o qual se destinam. No Rio de Janeiro, por exemplo, predominam os chamados pr-vestibulares para negros e carentes; em So Paulo h experincias destinadas a ampliar o acesso de jovens de comunidades pobres universidade, sem utilizar a cor/ etnia como critrio de admisso; em Minas Gerais h grande variedade de experincias neste sentido, incluindo tanto programas que tem como pblico especfico os negros e carentes (Agentes de Pastoral Negros) quanto outros que procuram atuar em bolses de pobreza no estado (UEMG); em Salvador (BA) existe um programa de pr-vestibular que aceita apenas alunos negros (Cooperativa Steve Biko). Dada esta diversidade de programas, existe uma polmica sobre o carter especfico destas atividades em relao populao afro-brasileira. Projeto Gerao XXI: Geledes Instituto da Mulher Negra e Fundao Bank Boston: Este programa, criado em So Paulo, destina-se a apoiar e financiar adolescentes negros que se destacam na escola, a fim de que tenham condies de completar seus estudos at a universidade sem a necessidade de comear a trabalhar para ajudar no oramento domstico. Este programa foi implantado h poucos meses e tem o apoio do Ministrio da Cultura, possivelmente servindo como uma experincia piloto que poder ser ampliada para o resto do pas.

Estas so, entre outras, algumas das iniciativas que ilustram a existncia de uma mobilizao de diferentes setores da sociedade no sentido da adoo de polticas de promoo da igualdade. Podemos observar que estas polticas vm sendo pensadas em diferentes instncias, com nveis de alcance e impacto diferenciados. No nosso propsito aqui analisar detalhadamente cada uma destas experincias, mas apenas apresent-las como ilustrao de um novo

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momento relacionado questo racial no Brasil, que dificilmente teria sido possvel h dez anos atrs.

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VII - O debate pblico sobre relaes raciais, discriminao, diversidade e ao afirmativa no Brasil. O Brasil passou por um grande processo de mudanas ao longo dos ltimos anos, no que diz respeito s relaes raciais. A percepo do pas como uma democracia racial desfez-se e hoje diferentes setores da sociedade tm sua agenda poltica marcada pelo debate sobre o racismo como elemento constitutivo de nossa sociedade. Embora ainda esteja tambm presente a autoimagem do Brasil como um pas homogneo e indiferenciado, encontra-se progressivamente maior abertura a experincias que procuram beneficiar grupos especficos, historicamente com menor acesso a oportunidades. Isto j uma realidade no que diz respeito a grupos minoritrios tais como os portadores de deficincia, idosos, homossexuais, portadores de vrus HIV, e tambm com relao s mulheres, que ao longo da ltima dcada foram capazes de garantir um maior acesso a espaos de poder e melhores posies no mercado de trabalho. O quadro ainda no est equilibrado, mas possvel observar um avano em relao preocupao em torn-lo mais justo. No que diz respeito s desigualdades advindas das diferenas tnicas e raciais, o quadro apresenta-se mais tmido, porm j podem ser detectadas transformaes no que diz respeito a uma maior freqncia e aceitao de programas que procurem atuar neste campo. A adoo de polticas especficas voltadas para a criao de mais oportunidades para a populao negra ainda oscila entre a timidez das propostas em relao ao seu pblico alvo e o carter experimental de determinadas propostas, muitas vezes motivadas mais por um carter de urgncia, uma necessidade prtica que torna possvel a viabilizao do programa. Entretanto, o fato de que projetos como esses existam, em um pas que tem historicamente negado a situao scio-econmica desigual entre indivduos de diferentes origens, j algo que deve ser levado em considerao. Apesar destas e de outras iniciativas, difcil afirmar que a sociedade brasileira possui um compromisso com a diminuio das desigualdades raciais. A maioria das pessoas simplesmente se recusa a levar raa em conta, quando so consideradas as causas da pobreza e da falta de oportunidades. Entretanto existe a percepo de que a maioria dos pretos e pardos so pobres, e de que a maioria dos pobres so pretos e pardos. Essa percepo pode transformar-se em um ponto de partida para sugerir a adoo de medidas especficas a alguns grupos. O debate sobre ao afirmativa no Brasil bastante recente, datando dos ltimos cinco anos. De uma maneira geral, o movimento negro brasileiro tem sido o responsvel pela introduo deste tema no debate pblico do pas. Freqentemente o assunto alvo de muitas crticas e resistncias sua incorporao. As crticas mais comuns destacam que polticas especficas trariam conflito e divisionismo a um pas onde as relaes raciais seriam harmnicas. As crticas relacionam-se tambm inadequao de polticas deste

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tipo, uma vez que a situao desvantajosa da populao negra estaria associada ao seu baixo grau de escolaridade. Portanto, uma melhoria geral das polticas educacionais traria os benefcios esperados populao afro-brasileira. Esta viso aponta no sentido de uma melhoria das condies de implementao das diferentes polticas sociais que beneficiariam a populao negra. Esta perspectiva baseia-se no fato de que a baixa qualidade e as distores existentes na prestao dos servios pblicos prejudicam diretamente a populao negra, que viria a beneficiar-se caso estes servios melhorassem. O exemplo mais comum aqui a gratuidade e o acesso diferenciado ao sistema pblico de ensino superior. Ao adotar qualquer tipo de programa de ao afirmativa no Brasil, ns devemos evitar a suspeita de padres reduzidos ao empregar ou selecionar e buscar um forte apoio da opinio pblica. Este no poder ser visto apenas como um tema negro, mas um meio de se buscar uma sociedade mais justa e igualitria.

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VIII Consideraes finais Muitos brasileiros podem achar difcil perceber e reconhecer o racismo e a discriminao racial. Seria mais fcil para eles identificar os resultados acumulados da persistente desvantagem econmica, em termos da falta de oportunidades para pretos e pardos. Diante da controvrsia sobre como estas desigualdades devem ser abordadas, ningum parece ter responsabilidade pela situao de desvantagem dos negros brasileiros. A sociedade como um todo tem estado presa a um estado de inrcia coletiva, esperando por um distante momento na histria, quando a mudana viria. A democracia brasileira no se far plena se no houver uma ateno especfica por parte do Estado - e da sociedade - questo da discriminao e das desigualdades raciais existentes no pas. Entendemos que se constitui numa das tarefas fundamentais do Estado democrtico buscar atingir, atravs dos meios disponveis, uma igualdade cada vez maior entre os cidados. Na constituio brasileira, o artigo quinto, que trata dos direitos fundamentais, fala em igualdade em dois momentos, remetendo tanto igualdade formal perante a lei quanto igualdade substantiva. Como aponta o relatrio da Comisso Teotnio Vilela e do NEV-USP: Assim, ao se falar em igualdade na constituio, est se dizendo duas coisas ao mesmo tempo: por um lado, impede-se o tratamento desigual e por outro se impe ao Estado uma ao positiva no sentido de criar condies de igualdade, o que necessariamente impe um tratamento desigual dos indivduos. (...) Neste sentido no ilegal discriminar positivamente com o objetivo de criar melhores condies para um determinado grupo, tradicionalmente desprivilegiado dentro da sociedade. Acreditamos que a realizao da Conferncia Mundial contra o Racismo, Discriminao Racial, Xenofobia e formas correlatas de Intolerncia constitui-se numa oportunidade importante de reflexo sobre a discriminao e as desigualdades raciais presentes no Brasil e no mundo. Sem dvida, o primeiro mrito desta conferncia, j no seu processo preparatrio, o fato de permitir maior visibilidade social a estas questes, incorporando-as agenda de temas que vm sendo trabalhados e aprofundados ao longo do ciclo de conferncias sociais das Naes Unidas. No que diz respeito ao continente americano e ao Brasil em particular, esperamos que a Conferncia Mundial contra o Racismo seja um momento privilegiado de anlise das conseqncias nefastas da escravido na vida social, cultural e econmica destes pases, que at hoje se fazem presentes, prejudicando as oportunidades de milhes de indivduos. Finalmente, esta conferncia deve se constituir num frum global que defina, recomende e acompanhe a implementao de polticas de ao

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afirmativa que contribuam para a superao do atual quadro de desigualdades raciais, sucintamente aqui apresentado para o caso brasileiro.

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