desenvolvimento tatil fases e brinquedos

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  • O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PBLICA PARANAENSE

    2009

    Produo Didtico-Pedaggica

    Verso Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE

    VOLU

    ME I

    I

  • AUTORA: MARIOLANI BEBER DA SILVA ORIENTADORA Ms. JANE PERUZO IACONO

    LETRAMENTO COMO CONDIO PARA A ALFABETIZAO DE CRIANAS CEGAS NUMA PERSPECTIVA HISTRICO-CULTURAL

    FRANCISCO BELTRO 2010

  • 2

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARAN UNIOESTE PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL- PDE

    .

    ORIENTADORA Prof. Ms. Jane Peruzo Iacono

    PROFESSORA PDE Mariolani Beber da Silva

  • 3

    PROPOSTA DE MATERIAL DIDTICO PDE TITULADOS 2009 PROFESSORA: MARIOLANI BEBER DA SILVA

    EDUCAO ESPECIAL

    Letramento como Condio para a Alfabetizao de Crianas Cegas numa Perspectiva Hstrico-Cultural

    1. JUSTIFICATIVA

    Por trabalhar no CAP Centro de Apoio Pedaggico s Pessoas com Deficincia Visual de Francisco Beltro e por atuar como professora tambm na formao de professores dos CAEDVs1, percebo a necessidade de reflexo sobre as condies de alfabetizao, especialmente de alunos cegos, bem como o repensar do trabalho realizado com esses alunos. Como a Secretaria de Educao no Estado do Paran vem trabalhando numa concepo histrico-cultural de homem e de educao necessrio que haja um suporte terico-metodolgico pautado nesses mesmos fundamentos, a fim de que se possa buscar novos mtodos, estratgias e recursos que favoream o ensino-aprendizagem da lngua materna, enfatizando o desenvolvimento cognitivo e lingustico do aluno para os usos da lngua em situaes comunicativas.

    A alfabetizao de crianas cegas envolve complexos conceitos pedaggicos e psicolgicos que precisam ser estudados criteriosamente para uma real efetivao de apoio educacional que propicie o pleno aproveitamento das habilidades existentes e desenvolvimento de outras. Este perodo deve ser entendido como parte integrante do processo de desenvolvimento da criana e, permeado pelo processo de aquisio da linguagem, sendo esse processo semelhante ao das crianas videntes, cabendo ao professor: estar bem preparado, com clareza dos contedos a serem trabalhados, dos mtodos, tcnicas, materiais adaptados e estmulos mais adequados aos alunos, de forma a que tambm possam ser sujeitos de seu processo de aprender, com liberdade de criao e expresso. Assim, como as crianas videntes entram em contato muito cedo com os caracteres impressos em jornais, revistas, TV, criana com deficincia visual devem ser oportunizados os

    1 CAEDVs Centros de Atendimento Especializado ao Deficiente Visual

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    meios para que, precocemente, tenha acesso linguagem escrita, bem como ao processo de letramento. De acordo com a Secretaria de Educao Especial do Ministrio da Educao, caracteriza-se por pessoa com deficincia visual aquela que difere dos demais necessitando, quando aluno, de professores especializados, adaptaes curriculares e ou materiais adicionais de ensino, para ajud-la a atingir um nvel de desenvolvimento proporcional s suas capacidades. (BRASIL, 2002, p. 7).

    Tanto a Constituio Federal (BRASIL, 1988) quanto a LDB n 9394 (BRASIL, 1996) determinam que esses alunos tenham acesso ao atendimento educacional especializado. Ainda se discute acerca do que seria melhor, segreg-los ou inseri-los nas classes comuns, evitando-se a segregao, embora este j seja um debate superado, pois est muito claro, que alunos com deficincia visual devem estudar em escolas comuns, junto com todos os outros alunos.

    Legislaes so criadas, discusses so feitas acerca da incluso, contudo, h algumas limitaes que independem de legislao e que geram obstculos educao das pessoas com deficincia rumo autonomia e a sua valorizao na atual sociedade.

    Uma dessas limitaes - e que julgamos muito importante - o fato de que, no transcorrer das ltimas dcadas, implantou-se um ecletismo metodolgico na educao, trazendo uma certa dificuldade aos professores no momento de definir qual a perspectiva de homem que se quer formar. E dentro da perspectiva norteadora escolhida, que dar suporte a um trabalho efetivo e transformador, quais so as metodologias que realmente refletiro esta escolha no dia-a-dia.

    Buscando auxiliar na superao dessa limitao que propomos um estudo da psicologia de Vigotski, elucidativa na maioria dos pontos obscuros que a educao de crianas com deficincia vem deixando. O recorte feito, alfabetizao da criana cega, portanto, alfabetizao Braille, nos remete aos primeiros contatos da criana com a escola, que pressupe clareza do professor quanto ao tipo de sujeito histrico que se quer formar. Logo, aprofundar-se teoricamente e discutir uma prtica voltada para uma perspectiva histrico-cultural, pretende ser o justificador do presente trabalho.

    Os professores que atuam com crianas cegas nos CAEDVs da rede pblica estadual j possuem conhecimentos acerca das especificidades trabalhadas com o

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    aluno com deficincia visual, porm encontram dificuldades no momento da alfabetizao, principalmente no que diz respeito s metodologias de ensino.

    Essas dificuldades so pertinentes quando constatamos que a alfabetizao de crianas cegas acontece de maneira diferente da alfabetizao da criana que enxerga, pois desde que esta criana nasce, est em contato direto com diversos atrativos visuais que favorecem a fase de alfabetizao. J a criana cega s entra em contato com a linguagem escrita no momento em que vai para a escola. Assim, cabem aqui alguns questionamentos que necessitam respostas: Como se d a alfabetizao de crianas cegas? Quais so, efetivamente, as condies de alfabetizao em Braille no contexto dessas pessoas? Como apropriar-se dessas condies? Para que, por que e para quem os alunos cegos escrevem? E quem l o que esses alunos escrevem? Como se d a formao dos professores dos CAEDVs com relao alfabetizao?

    Considerando esses questionamentos, que escolhemos a metodologia de trabalho por meio da qual ser desenvolvido o Plano de Trabalho Docente.

    Este Caderno Pedaggico tem como objetivo contribuir para a formao docente. O trabalho consistir de oficinas pedaggicas com professores que atuam nos CAEDVs do Municpio de Francisco Beltro, Dois Vizinhos e Pato Branco. O trabalho ser desenvolvido em cinco oficinas de quatro horas semanais, totalizando 20 horas. Primeiramente ser apresentado o Plano de Trabalho Docente, o qual aborda a metodologia de trabalho utilizada com base nas leituras realizadas durante a elaborao do Projeto de Interveno Pedaggica na Escola.

    2. PLANO DE TRABALHO DOCENTE

    MODALIDADE DE ENSINO EDUCAO ESPECIAL CURSO Formao de Docentes DURAO DAS ATIVIDADES 20 horas, sendo 4 horas semanais PROFESSORA: Mariolani Beber da Silva

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    3. OBJETIVOS

    3.1. Geral:

    Compreender a teoria histrico-cultural, nos aspectos que fundamentam o processo educacional de pessoas cegas, priorizando a fase de alfabetizao e letramento dessas crianas.

    3.2. Especficos:

    Considerar o processo histrico-cultural de apropriao da leitura e escrita na fase de alfabetizao de alunos cegos na perspectiva vigotskiana, assim como o processo de letramento;

    Verificar de que maneira se d a alfabetizao do aluno cego; Subsidiar os professores dos CAEDVs atravs da elaborao de materiais

    didtico-pedaggicos;

    4. CONTEDO PROGRAMTICO:

    Anlise e discusso dos questionrios/pesquisa sobre a realidade de atuao didtico-pedaggica dos professores que atuam nos CAEDVs pertencentes aos trs NREs - Ncleos Regionais de Educao jurisdicionados ao CAP Centro de Apoio Pedaggico s Pessoas com Deficincia Visual de Francisco Beltro (NREs de Francisco Beltro, Dois Vizinhos e Pato Branco) e os fundamentos tericos que embasam seu trabalho durante a alfabetizao de crianas cegas;

    Explanao da biografia de Vigotski; Fundamentos tericos-metodolgicos da Psicologia Histrico-Cultural; Construo de diferentes alfabetos em Braille, com diferentes texturas; Leitura de um livro de literatura infantil; Releitura da histria, atravs de perguntas a respeito, a fim de sondar o

    entendimento sobre o que foi lido;

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    Dramatizao da histria, de olhos vendados, seguindo algumas partes do texto. Por exemplo: Era uma vez uma menina linda, linda!, Por isso, um dia ele foi at a casa da menina e perguntou:, O coelho saiu dali, procurou uma lata de tinta preta e tomou banho nela., etc;

    Atividades de escrita, utilizando o alfabeto Braille mvel explorando, primeiramente, a correspondncia entre letras de palavras contextualizadas;

    Correspondncia entre letras de palavras descontextualizadas. Formao de frases em Braille; Palavras contextualizadas, sequncia lgica, significante e significado; Explorao das sensaes tteis, associaes entre o concreto e o abstrato; Produo de histrias em Braille; Leitura de textos em Braille; Montagem de apostila com as tcnicas de alfabetizao em Braille, sugeridas

    pelos professores cursistas durante a realizao da oficina.

    5. INTRUMENTALIZAO

    5.1. Aes didtico-pedaggicas

    Estabelecer relaes com a problematizao e as dimenses propostas atravs de exposio dialogada, leitura orientada de textos selecionados sobre o contedo abordado, explicao, debate, anlise e discusso de filme, estudo dirigido individual e/ou em grupo.

    5.2. Recursos humanos e materiais

    Professores, textos, filmes, material multimdia, questionrios, livros e acesso internet.

    5.3. AVALIAO

    A avaliao dar-se- no transcorrer da participao dos cursistas durante a realizao das oficinas programadas.

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    6. FUNDAMENTAO TERICA/REVISO BIBLIOGRFICA

    6.1. VISO SCIO-HISTRICA DE VIGOTSKI

    Por muitos anos e ainda hoje, os educadores se pautaram na ideia de que o amadurecimento biolgico era determinante para a aprendizagem, sendo que as crianas eram enquadradas em fases especficas de acordo com sua idade, o que era pr-requisito para o desenvolvimento.

    A partir dos anos 80, chega ao Brasil a teoria Histrico-Cultural, gerando discusses e reorganizao educacional e pedaggica. Esta nova abordagem terica formulada por Vigotski2 busca estudar o homem e seu mundo psquico como uma construo histrica e social da humanidade. Esse autor atrai a ateno dos educadores porque fala sobre a escola, valoriza o professor, a ao pedaggica e a interveno efetiva do educador na formao do sujeito, enfatizando sempre a importncia da interao social na constituio de cada sujeito.

    A teoria de Vigotski tornou-se o centro das discusses entre os professores nas ltimas dcadas, devido forma como se interpretava o contexto social vivido por ele e seus colaboradores, Luria e Leontiev, especialmente, enfatizando que o sujeito no apenas ativo, mas tambm interativo, pois adquire conhecimentos a partir de relaes intra e interpessoais. na troca com outros sujeitos que o conhecimento e as funes sociais so assimilados. Para Bakhtin (2003, p. 261) O emprego da lngua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e nicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana.

    Com o estudo dos pressupostos da Teoria Histrico-cultural, houve uma mudana na compreenso de como ocorre o desenvolvimento das crianas. Percebeu-se que a idade e o desenvolvimento biolgico que so determinados pelo processo histrico-cultural e no o contrrio. As relaes sociais, as experincias de vida, o grupo familiar, a escola e a comunidade em que a pessoa est inserida, que determinam sua aprendizagem. Para Vigotski, a formao se d

    2 O nome deste autor encontrado, na literatura consultada, escrito de vrias formas,

    dependendo do idioma de referncia. Adotaremos, neste trabalho, a grafia Vigotski, como grafada nas tradues em espanhol feitas diretamente do russo. Essa grafia do Portugus, o espanhol tem i e y.

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    numa relao dialtica entre o sujeito e a sociedade a seu redor ou seja, o homem modifica o ambiente e o ambiente modifica o homem. Assim, apoiando-se em Vigotski, Zanella (2001, p. 72) diz:

    O homem um ser eminentemente social, pois a partir das relaes estabelecidas com outros que paulatinamente constri suas caractersticas singulares e constitui-se enquanto sujeito, ou seja, enquanto algum que, ao mesmo tempo em que marcado pelo contexto social e histrico em que se insere, capaz de regular sua prpria conduta e vontade, de reconhecer-se enquanto ser resultante da histria e, ao mesmo tempo seu produtor.

    E Vigotski afirma ainda:

    A verdadeira essncia da memria humana est no fato de os seres humanos serem capazes de lembrar ativamente com a ajuda de signos. Poder-se-ia dizer que a caracterstica bsica do comportamento humano em geral que os prprios homens influenciam sua relao com o ambiente e, atravs desse ambiente, pessoalmente modificam seu comportamento, colocando-o sob seu controle (VIGOTSKI, 2007, p. 50).

    Vigotski afirma que a partir das relaes com outros indivduos que o homem se constitui como homem, ou seja, o homem constri sua existncia a partir das aes sobre a realidade social, com o objetivo de satisfazer suas necessidades, sendo que estas aes transformam o prprio homem. Vigotski (2007, p. 98) formula o conceito de zona do desenvolvimento proximal, dizendo que o estado de desenvolvimento mental de uma criana s pode ser determinado se forem revelados os seus dois nveis: o desenvolvimento efetivo (nvel de desenvolvimento real), que determina aquilo que a criana j capaz de fazer por si prpria e o nvel de desenvolvimento potencial, que o desenvolvimento que est prestes a se efetivar. A zona de desenvolvimento proximal caracteriza-se como a distncia entre aquilo que a criana faz sozinha e o que ela capaz de fazer com a interveno de um adulto num certo momento, e que realizar sozinha mais tarde. O desenvolvimento s se efetiva no meio social e nele que a criana realiza a apropriao dos comportamentos humanos. Assim, a aprendizagem na escola ou no dia-a-dia, atua no sentido de favorecer o desenvolvimento da zona de desenvolvimento potencial. Neste sentido:

    A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funes que ainda no amadureceram, mas que esto em processo de maturao, funes que amadurecero, mas que esto

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    presentemente em estado embrionrio. Essas funes poderiam ser chamadas de brotos ou flores do desenvolvimento, ao invs de frutos do desenvolvimento. O nvel de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente (VIGOTSKI 2007, p. 98).

    De acordo com a teoria de Vigotski, em relao ao aluno cego, o enfoque do trabalho do professor deve estar centrado nos contedos que esse aluno ainda no se apropriou no processo de escolarizao (ZDP), tendo o professor o papel explcito de interferir, sendo ento o condutor do processo. Sua interveno direta, pois deve ajudar o aluno a avanar como tambm a sistematizar os conhecimentos. Esta ideia de mediao a relao do homem com o mundo mediada atravs de instrumentos3, em especial a linguagem, tida como instrumento do pensamento, e de signos4. Nesse sentido, os instrumentos e signos so recursos na ao de transmisso do conhecimento, o simples contato do aluno com esses elementos no garante a aprendizagem; o processo de escolarizao necessita, primordialmente, da mediao do professor. Com isso, o professor precisa construir, progressivamente, um clima de relacionamento afetivo com os alunos, disposto a faz-lo caminhar com eficincia e segurana, especialmente durante a fase de alfabetizao, que para Smolka (2000, p. 29) implica leitura e escritura traduzidos atravs de momentos discursivos, de interlocuo e interao. Soares (1998) tambm enfatiza que aprender a ler e a escrever implica no apenas o conhecimento das letras e do modo de decodific-las (ou de associ-las), mas a possibilidade de usar esse conhecimento em benefcio de formas de expresso e comunicao, possveis, reconhecidas, necessrias e legtimas em um determinado contexto cultural.

    Vigotski revela sua preocupao com a educao de indivduos com deficincia, abandonados a sua prpria sorte, merc de uma educao inadequada. O autor critica a escola especial de sua poca, considerando-a uma instituio que impedia o convvio entre as crianas com deficincia e as crianas com desenvolvimento tpico da mesma idade; portanto, a educao deveria ser

    3 Os instrumentos so meios externos utilizados pelos indivduos para interferir na natureza,

    mudando-a e, consequentemente, provocando mudanas nos mesmos indivduos (LUCCI, 2002, p. 140). 4 Signos so instrumentos que incidem e modificam a relao do homem consigo mesmo e

    com os outros homens (ZANELLA, 2001, p. 76).

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    respaldada por mtodos e procedimentos que permitissem um desenvolvimento semelhante ao das crianas que no tinham deficincia. Propunha para os alunos com deficincia, mtodos pedaggicos especiais. Segundo o autor, no se pode esquecer que antes de tudo, preciso no educar o cego [ou o surdo, o deficiente mental, etc.], mas a criana (VIGOTSKI, 1989, p.60).

    Atravs da defectologia, que , grosso modo, o estudo da educao da criana anormal, Vigotski, defende que O postulado central da defectologia contempornea o seguinte: qualquer defeito origina estmulos para a formao da compensao (VIGOTSKI, 1989, p.5).

    Assim, para a teoria Histrico-Cultural, o cego no um ser com defeito e limitao, mas uma pessoa capaz, de plena valia social, pois para Vigotski:

    Se algum rgo, devido deficincia morfolgica ou funcional, no consegue cumprir inteiramente seu trabalho, ento o sistema nervoso central e o aparato psquico assumem a tarefa de compensar o funcionamento insuficiente do rgo, criando sobre este ou sobre a funo uma superestrutura psquica que tende a garantir o organismo no ponto fraco ameaado (VIGOTSKI, 1997, p.77).

    Desta forma, o autor defende a ideia de que as mediaes pedaggicas levam as pessoas com deficincia aprendizagem, desenvolvendo suas funes psicolgicas superiores, como a linguagem, o pensamento, a memria, o controle da prpria conduta, a linguagem escrita, o clculo, que no se desenvolvem espontaneamente nas pessoas, mas necessitam ser vivenciadas nas relaes entre as pessoas, pois so funes especificamente humanas que so desenvolvidas na e pela apropriao da cultura humana. Da a importncia da escolarizao, da atuao e da mediao do professor. Segundo Facci:

    O professor, neste aspecto, constitui-se como mediador entre os conhecimentos cientficos e os alunos, fazendo movimentar as funes psicolgicas superiores destes, levando-os a fazer correlaes com os conhecimentos j adquiridos e tambm promovendo a necessidade de apropriao permanente de conhecimentos cada vez mais desenvolvidos e ricos (FACCI, 2004, p. 210).

    Nesse sentido, comprova-se que fundamental o domnio de prticas pedaggicas diferenciadas por parte do professor, pois o cego, o surdo, ou a criana com qualquer outra deficincia necessita ser alfabetizada numa prtica voltada para

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    as suas necessidades sem subestimar sua capacidade. Durante a alfabetizao do cego, especialmente na fase inicial da escrita, o professor precisa ter em vista quem esse aluno, de que forma aprende, para que, por que e como. Contudo, no basta ao professor ter clareza apenas destes aspectos, mas compreender que para Vigotski existe uma gramtica prpria do pensamento, uma sintaxe dos sentidos das palavras e que elas tm origem atravs da interao social (VIGOTSKI, 1987).

    A legislao brasileira, desde a Constituio Federal (1988), afirma que os alunos cegos, assim como alunos com outras deficincias, devem ter acesso ao atendimento educacional especializado o mais cedo possvel, pois onde recebero intensa estimulao para o seu desenvolvimento. Por sua vez, no estado do Paran, as Diretrizes Curriculares da Educao Especial para a Construo de Currculos Inclusivos (2006), visam a que haja um novo olhar para a educao inclusiva de modo a vislumbrar novos caminhos atravs da construo coletiva, o que possvel ocorrer a partir do momento em que seja priorizada a tese de que o desenvolvimento cultural compensa a deficincia.

    Para que se compreenda como deve ser o atendimento educacional da criana com deficincia visual necessrio fazer uma caracterizao desse aluno e compreender tambm a definio de deficincia visual, especificamente a cegueira, mais amplamente aceita e adotada pela Organizao Mundial da Sade (OMS) desde 1972:

    A acuidade visual com a melhor correo ptica, no melhor olho, medida para longe, menor que 20/400 (ou 0,05). Foi considerado neste estudo tambm o diagnstico de cegueira unilateral, seguindo-se o mesmo critrio, mas presente em apenas um dos olhos. (REVISTA BRASILEIRA DE OFTALMOLOGIA, 2008).

    Segundo documento do MEC (BRASIL, 2006):

    As crianas com deficincia visual so as crianas cegas e com baixa viso. A definio educacional de deficincia visual diz que so cegas as crianas que no tm viso suficiente para aprender a ler em tinta, e necessitam, portanto, utilizar outros sentidos (ttil, auditivo, olfativo, gustativo e sinestsico) no seu processo de desenvolvimento e aprendizagem. O acesso leitura e escrita dar-se- pelo sistema braile. Entre essas crianas, h as que no podem ver nada, outras que tm apenas percepo de luz, algumas podem perceber claro, escuro e delinear algumas formas. A mnima percepo de luz ou de vulto pode ser muito til para a orientao no espao, movimentao e habilidades de independncia.

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    Para o Ministrio da Educao Secretaria de Educao Especial, a pessoa com deficincia visual difere dos demais alunos necessitando de professores especializados, adaptaes curriculares e ou materiais adicionais de ensino, para ajud-la a atingir um nvel de desenvolvimento proporcional s suas capacidades (BRASIL, 2002, p. 7).

    Segundo o Art. 5, alnea c, Decreto 5296 de Dezembro de 2004:

    Deficincia visual: cegueira, na qual a acuidade visual igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correo ptica; a baixa viso, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correo ptica; os casos nos quais a somatria da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60; ou a ocorrncia simultnea de quaisquer das condies anteriores.

    Nesse sentido, fundamental que a criana cega, antes de receber atendimento educacional, passe por um servio de oftalmologia e, de posse de laudo oftalmolgico, possa frequentar o CAEDV.

    7. PROCEDIMENTOS PARA A ALFABETIZAO EM BRAILLE

    No CAEDV, h um programa especfico de Estimulao ou Interveno Precoce no qual um professor especialista atende crianas com deficincia visual na faixa etria de zero a quatro anos enfatizando os sentidos remanescentes, as percepes auditivas, tteis, sinestsicas, olfativas e gustativas, priorizando as aes e interaes motoras. Para isso, fundamental entender que a percepo ttil diferente da percepo visual, pois um objeto percebido parcialmente pelo tato que analisa os fragmentos para formar o todo (letras, slabas e palavras), enquanto a viso global, instantnea e sinttica; pode-se explorar as partes, os detalhes e as mincias. Em entrevista, S afirmou: As crianas cegas devem ser estimuladas desde cedo no que diz respeito explorao do sistema hptico5 atravs de atividades ldicas, do brinquedo e de brincadeiras, O aspecto ldico

    5 O sistema hptico o tato ativo, constitudo por componentes cutneos e

    sinestsicos, atravs dos quais impresses, sensaes e vibraes detectadas pelo indivduo so interpretadas pelo crebro e constituem fontes valiosas de informao. As retas, as curvas, o volume, a rugosidade, a textura, a densidade, as oscilaes trmicas e dolorosas, entre outras, so propriedades que geram sensaes tteis e imagens mentais importantes para a comunicao, a esttica, a formao de conceitos e de representaes mentais. (MEC/SEESP, 2007).

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    importantssimo em qualquer processo de aprendizagem, inclusive com a criana cega. O trabalho deve ser realizado juntamente com a famlia para que essa criana possa desenvolver-se da mesma maneira que a criana que v, apesar de seu ritmo ser mais lento. Muitas atividades ldicas propiciam a melhora da coordenao motora fina, so realizadas com facilidade sob orientao do professor, que pode confeccionar materiais simples e sem custos.

    A ausncia da viso faz com que a criana necessite ser colocada em ambientes ricos em estmulos auditivos e tteis a fim de que audio e mos funcionem em conjunto, favorecendo o desenvolvimento de todas as suas potencialidades a fim de iniciar a sua alfabetizao na mesma idade em que as crianas que enxergam, atravs da aquisio da leitura e da escrita Braille. Da a importncia da Estimulao Precoce, pois de acordo com Vigotski:

    No meio da confuso que rodeia a criana nos primeiros meses de vida, os pais auxiliam indicando e levando a criana para perto de objetos e lugares significativos para a adaptao (brinquedos, geladeira, armrio, parque), ajudando-a dessa maneira a ignorar outras caractersticas irrelevantes do ambiente (objetos para adultos, como livros, ferramentas etc.). Essa ateno socialmente mediada desenvolve na criana a ateno voluntria e mais independente, que vai ser por ela utilizada na classificao de seu ambiente (VIGOTSKI, 2007, p.160).

    A estimulao precoce, que se d at os quatro anos, fundamental para desenvolver o estmulo ttil e auditivo, o que proporcionar o desenvolvimento nas etapas futuras. Tal estimulao dever ser pautada da mesma forma em que so trabalhadas atividades especficas da Educao Infantil, o que permitir que a criana tenha menos dificuldades durante o processo de alfabetizao. O trabalho com o alfabeto Braille dar-se- numa segunda etapa, ou seja, aps a criana ter passado pela etapa da estimulao precoce.

    Durante a estimulao precoce, o professor dever propiciar um espao rico em experincias desafiadoras criana cega, oportunizando-lhes vivenciar o mundo do faz-de-conta, da fantasia, da criatividade, utilizando brinquedos, pois quando a criana estimulada desde os primeiros anos de vida, adquire comportamentos sociais mais adequados e poder, atravs de estmulos, desenvolver melhor o tato e os demais sentidos do que aquela criana que no recebeu atendimento.

    A modalidade ttil mais ampla do que se imagina, vai alm do simples sentido do tato, abrange tambm a percepo e a interpretao atravs da

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    explorao sensorial. Esta modalidade no oferece as mesmas informaes a respeito do ambiente, diferente das fornecidas pela viso. Para que os estmulos ambientais sejam significativos para a criana cega preciso que as informaes obtidas atravs do tato sejam adquiridas de forma sistemtica e detalhada, de acordo com o desenvolvimento de cada uma nos quatro estgios do desenvolvimento ttil.

    Segundo artigo publicado pelo Instituto Benjamin Constant:

    A ausncia da modalidade visual exige experincias alternativas de desenvolvimento, a fim de cultivar a inteligncia e promover capacidades scio-adaptativas. O ponto central desses esforos a explorao do pleno desenvolvimento ttil. Nesse processo, fica implcita uma compreenso das sequncias do desenvolvimento dentro da modalidade ttil.

    Nesse processo, segundo Grifin e Gerber (1996) fica implcita uma compreenso das sequncias do desenvolvimento dentro da modalidade ttil. So elas: - conscincia de qualidade ttil; - reconhecimento da estrutura e da relao das partes com o todo; - compreenso de representaes grficas e - utilizao de simbologia

    7.1. PRIMEIRO ESTGIO: CONSCINCIA DA QUALIDADE TTIL

    7.1.1. Aspectos do desenvolvimento

    O primeiro estgio do desenvolvimento ttil a conscincia da qualidade ttil dos objetos. Nessa fase, d-se nfase texturas, temperaturas, superfcies vibrteis e diferentes consistncias. Com o movimento das mos, as crianas cegas reconhecem as diferentes texturas, as inconsistncias das substncias, bem como apreender os contornos, tamanhos e pesos. Essas informaes so recebidas sucessivamente, passando dos movimentos manuais grossos explorao mais detalhada dos objetos.

    A criana cega adquire de forma mais rpida a conscincia ttil com a apresentao de objetos familiares no ambiente que elas exploram (Barraga, 1976).

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    7.1.2. APLICAES EDUCATIVAS

    1. A criana aprende a mover as mos para explorar objetos: isso as ajuda a perceber a presena deles em seu ambiente. 2. A criana cega aprende a explorar objetos pela linha mediana do corpo, assim como a usar ambas as mos ao explor-los. 3. A conscincia de qualidade ttil pode ser utilizada para que a criana faa o reconhecimento de vrias texturas, que devem ser contrastantes. No incio do aprendizado esses contrastes podem ser: mole e duro, macio e spero; devem ser apresentados de forma gradativa para efetivarem a diferenciao de texturas. 4. Atravs das tcnicas de percepo, as crianas cegas aprendem os tamanhos e pesos relativos dos objetos. Nesta fase, deixam de lado as comparaes grosseiras e partem para as refinadas. Dessa forma, as crianas podem aprender os conceitos de pesado e leve, ou grande e pequeno, e em seguida aprender os diferentes graus dessas comparaes.

    7.1.3. Sugestes de brinquedos e instrues para trabalhar durante o primeiro estgio, encontradas no livro Brincar para todos (2005):

    Compreenso e identificao de sons, conhecimento de seu corpo e do ambiente: Chocalho gruda-gruda Guizo p-mo Chocalho sensorial Cocos decorados Chocalho ouro-prata Tateando Chocalho ouro-prata Ao p do ouvido Pulseirinha

    Despertar a curiosidade e o prazer de ver, buscar e melhorar a eficincia visual: Capa de mamadeira Sexteto em cores Fantoches Casal legal Leo e Lu Meia careta Ciranda das cores Bola baby Bicharada Trio em preto e branco Painel de cores e formas Tapete de alto contraste Painel de cores e formas

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    Cubo de alto contraste Cubo geomtrico Multiquadros Rolinho

    Despertar a vontade de movimentar-se e realizar atividades, conhecer e entender seu corpo e o ambiente, desenvolver e integrar os sentidos:

    Amassadinha; Body ball Dentro dgua; Mbile de bolinhas Frutferas; Mbile de brinquedos Toninho Doce sabor Cole ball Rodo Parablicos

    7.2. SEGUNDO ESTGIO: CONCEITO E RECONHECIMENTO DE FORMA

    7.2.1. Aspectos do desenvolvimento

    O segundo estgio do desenvolvimento ttil o conceito e o reconhecimento do relacionamento do todo com as partes.

    Nesse estgio, a criana capaz de comparar o que lembrado com o que percebido. As crianas cegas precisam de auxlio que as encoraje a manipular, transferir e soltar os objetos: para elas, no haver aprendizagem se no houver estmulo. Elas precisam de atividades tteis e auditivas que dem nfase a operaes mentais, discernimento de perceptividade, constncia de closura*, discernimento de figura/fundo, reconhecimento de relaes espaciais, memria de figura/fundo, raciocnio convergente e divergente, e avaliao.

    7.2.2. Aplicaes educativas

    1. Os componentes mais importantes do conceito e reconhecimento da forma so a clareza e a simplicidade do desenho e do objeto a ser explorado. 2. As crianas cegas precisam iniciar com formas simples, de tamanho pequeno, que elas possam segurar com as mos, tais como uma bola ou um cubo. Mais tarde,

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    esses mesmos objetos devem ser ensinados em tamanho maior, o que talvez necessite que as crianas se movam em torno do objeto para explorar sua forma. 3. No desenvolvimento da concepo e reconhecimento de formas, necessrio utilizar objetos mais complexos. 4. Quando as crianas cegas j conhecem bem as formas de natureza tridimensional, devem ser apresentadas a objetos bidimensionais. 5. Nesta fase de desenvolvimento ttil, as crianas cegas devem aprender a reconhecer vrios objetos e padres dentro de um cenrio mais complexo. Um exemplo: a forma de um quadrado num conjunto de retngulos, como se encontra em tapetes e tecidos em relevo para forrao de mveis.

    7.2.3. Sugestes de brinquedos e instrues para trabalhar durante o segundo estgio, encontradas no livro Brincar para todos (2005):

    Desenvolver habilidade para encaixe e pina, conhecer formas, sequncia e seriao, classificar:

    Form color Formas e nmeros Formatando Livro das grandezas Forme formas Prancheta geomtrica Gira-gira Pendurando formas

    Desenvolver o tato para reconhecer texturas, formas, temperatura, grandeza, peso, consistncia e materiais de que so feitos os objetos; desenvolver a estruturao e organizao espacial :

    Cubo surpresa Fofo Text form Eu e o papai Encaixando Rebola bola

    Reconhecer os objetos do ambiente, seu nome, uso e funo: Imitando a mame Pareando objetos Separando Porta-trecos Trincos e truques Como gente grande Feirinha Pareando objetos

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    Adquirir independncia e autonomia para movimentar-se e realizar as atividades cotidianas:

    Bolses Pro p Brincando de mame Pro banho Sacolinha de piscina Prancha de alimentao Kit de higiene 1, 2 feijo com arroz Sacoleca Pr-bengala Tato e Tati Bengala infantil Pra boiar Pro p

    7.3. TERCEIRO ESTGIO: REPRESENTAO GRFICA

    7.3.1. Aspectos do desenvolvimento

    O terceiro estgio do desenvolvimento ttil a representao grfica. Nessa fase, ao passar para um nvel mais abstrato de representao grfica,

    a criana cega deve se familiarizar com formas geomtricas tridimensionais pelo manuseio de objetos slidos antes de prosseguir para a representao bidimensional dos objetos. Uma vez que a forma j seja conhecida, ela deve ser apresentada em vrios tamanhos, para ajudar a criana a generalizar.

    Entre as representaes grficas temos, em relevo, linhas retas e curvas, formas geomtricas e contornos de objetos. A representao grfica deve ser apresentada aos poucos, uma pea de cada vez. Apresent-la por inteiro, antes que a criana esteja familiarizada com as partes componentes, s causar confuso. Essa confuso quanto estimulao ttil ainda no conhecida tem sido chamada de rudo ttil (Barraga, 1976).

    Uma tarefa difcil para as crianas cegas, na rea de representao grfica a leitura ttil de mapas. Os que no so eficientes na leitura de mapas no so sistemticos em sua explorao. Os bons leitores percebem detalhes caractersticos do mapa, usam o dedo indicador para examinar os objetos, e sabem seguir o traado melhor que os outros leitores.

  • 20

    7.3.2. Aplicaes educativas

    1. A representao grfica se organiza de acordo com o modo como as crianas cegas exploram o ambiente e fazem as relaes dos objetos reais e suas representaes. 2. Este sistema consiste em explorar inicialmente a forma geral do objeto, depois o detalhe mais importante, e finalmente distinguir alguns detalhes que podem ajudar a fazer uma identificao real. 3. Essa fase da representao grfica pode ser caracterizada pela observao de objetos pequenos que podem representar a constncia de objetos maiores. 4. Em seguida, a criana deve ser capaz de perceber as semelhanas entre os objetos verdadeiros e sua representao. Esta associao pode ser estimulada pelos pais e professores, tratando verbalmente com as crianas cegas dessas semelhanas. Somente depois de feita tal associao que as representaes podem ser usadas corretamente.

    7.3.3. Sugestes de brinquedos e instrues para trabalhar durante o terceiro estgio, encontradas no livro Brincar para todos (2005):

    Brincar com os pontinhos e aprender braille: Tampadinhas Brailex Alpham Larabraile Toque de letra Brailito Pingue-pongue Gaveteiro alfabtico Alphabraile Ao p da letra Mini alphabraile Colmia alfabtica Brailindo Lngua do P

    Divertir-se com os nmeros; Iniciar o aprendizado de conceitos matemticos: Caixinha de nmeros Aprender a usar o relgio Numerito Horabraille Para classificar Que horas so? Uni duni t Brincando com as horas

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    P ante p Passatempo Adquirir noo de tempo

    7.4. QUARTO ESTGIO: SISTEMAS DE SIMBOLOGIA

    7.4.1. Aspectos do desenvolvimento

    O quarto estgio do desenvolvimento ttil a utilizao de um sistema de simbologia que o passo final do desenvolvimento da modalidade ttil. Um dos sistemas mais comuns o cdigo Braille, que consiste numa combinao de pontos perceptveis pelo tato, que representam os elementos da linguagem.

    7.4.2. Aplicaes educativas

    1. Para aprender Braille, as crianas cegas precisam memorizar vrias configuraes dos pontos da cela Braille. Uma sugesto para isso, a execuo de algumas atividades corporais que podem servir como meio facilitador da aprendizagem desse sistema, atravs de atividades que envolvam os prprios alunos, como nas fotos a seguir, nas quais os alunos esto dispostos em duas colunas, como na cela braille, representando os pontos 1, 2, 3 (coluna da esquerda) e 4, 5 e 6 (coluna da direita) para trabalhar diversas atividades explorando a combinao de pontos, como por exemplo: levantem a mo direita os alunos 1 e 5 (pontos da letra e), os alunos 1, 2, 3, 4, 5 e 6 devem agachar-se (pontos da letra )...

  • 22

    3. Ler Braille requer um procedimento muito sistemtico para perceber todos os detalhes da cela Braille. Esse procedimento frequentemente utiliza a progresso da esquerda para direita, ateno para no pular linhas, reconhecimento geral dos smbolos Braille com a mo direita, e discriminao cuidadosa dos smbolos com a mo esquerda. 4. A modalidade ttil se desenvolve por um processo de crescimento gradual. Esse processo sequencial e leva as crianas cegas de um reconhecimento simplista a uma interpretao complexa do ambiente. 5. Os pais e educadores tm um papel importantssimo neste processo, porque estimulam o desenvolvimento das crianas cegas desde a infncia. Mais ainda, como responsveis por crianas cegas, eles devem continuar a dar nfase ao desenvolvimento ttil, durante toda a vida destas crianas, j que essa a base para os nveis mais altos do desenvolvimento cognitivo.

    7.4.3. Sugestes de brinquedos e instrues para trabalhar durante o quarto estgio, encontradas no livro Brincar para todos (2005):

    Desenvolver o prazer da leitura com livros interativos: Livro sensorial Papai e mame, vamos brincar Dolly Aprender ingls Ajudando a mame Tack Os brinquedos de Larinha Bug-ball A carta What do I do with it?

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    O circo Looking for opposites

    Divertir-se e brincar com independncia e autonomia? Jogo da memria Porttil

    8. O SISTEMA BRAILLE NA ESCRITA

    A histria do Sistema Braille comeou com Valentin Hay, fundador do Instituto Real de Jovens Cegos de Paris, em meados do sculo XVIII. Segundo Piero, Quero e diaz (2003, p. 227) in MOSQUERA 2010, p. 70:

    Hay comeou a utilizar letras em relevo impressas sobre o papel para que pudessem ser lidas pelos cegos. Mediante esse procedimento, que se valia das mesmas letras da escrita normal, foram editados os primeiros livros que podiam ser lidos por cegos e videntes. Esse mtodo se tornou pouco eficaz, pois embora facilitasse a leitura, esta se fazia de forma muito lenta, dado que o dedo deveria seguir o contorno das letras, e a escrita se tornava complicadssima pois era inexistente.

    Por volta de 1815 a Frana andava envolvida em mltiplas guerras. As constantes mensagens que circulavam no podiam ser lidas de noite j que, para tal, era necessria luz, o que despertaria o inimigo. Assim, o oficial de artilharia Charles Barbier, inventou um processo de escrita em relevo, por pontos, que pudesse ser lida com os dedos, sem necessidade de luz. Chamou-se a esse sistema escrita noturna.

    Porm, a ideia de se utilizar pontos em relevo em vez de letras surgiu com a sonografia ou cdigo militar criado por Charles Barbier (1767-1841), um oficial de artilharia do Exrcito Francs durante o incio do sculo XIX. Barbier passava muito tempo na linha da frente e como no podia usar lamparina para ler as constantes mensagens que recebia durante a noite e para no despertar o inimigo, criou um cdigo que consistia numa srie de pontos salientes numa folha de papel, podendo ser utilizado durante a noite para comunicar silenciosamente e sem luz, conhecido como escrita noturna. No entanto, o sistema foi rejeitado pelos militares, que o consideraram demasiado complicado.

  • 24

    Por conta disso, Barbier visitou e encaminhou a deia para o Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris. Entre os alunos que assistiram a apresentao encontrava-se Louis Braille, com quatorze anos, que se interessou pelo sistema e apresentou algumas sugestes com vista ao seu aperfeioamento. Devido a recusa de Barbier em fazer quaisquer alteraes ao seu sistema, Braille modificou o sistema de escrita noturna com base nas suas sugestes e criou o sistema de escrita padro para deficientes visuais usado at hoje.

    Louis Braille (1809-1852) nasceu em Coupvray, Frana. Teve o olho perfurado por uma ferramenta na oficina do pai, que trabalhava com couro. Aps o incidente, o menino teve uma infeco grave, resultando em cegueira nos dois olhos, perdendo a viso aos trs anos. Quatro anos depois ingressou no Instituto de Cegos de Paris, a nica escola especializada em cegos da Europa, onde conheceu Barbier, aos quatorze anos. Foi um menino curioso, queria descobrir os segredos de uma escrita para cegos. Conforme Piero, Quero e Diaz (2003, p. 228), devido complexidade da inveno de Barbier, que utilizava 12 pontos em relevo, Luis Braille limitou o nmero de pontos ao perceber que, no mximo, seis pontos poderiam ser percebidos ao mesmo tempo. Com mais algumas adaptaes e muita dedicao, deu-se em 1825, na Frana, a criao do cdigo ou meio de leitura e escrita das pessoas cegas, tambm conhecido como leitura ttil dos seis pontos, baseado na combinao de 63 pontos que representam as letras do alfabeto, os nmeros e outros smbolos grficos.

    Embora no haja manual ou tcnica especfica para a alfabetizao de pessoa cega, evidente que a prtica da leitura e escrita para essas pessoas se d de maneira diferente das pessoas que enxergam, pois o Sistema utilizado, o braille, uma combinao de seis pontos bsicos, organizados espacialmente em duas colunas verticais com trs pontos direita e trs esquerda de uma cela bsica denominada cela braille (Fig. 1). Esta combinao possibilita a formao de 63 smbolos diferentes que so empregados em textos literrios nos diversos idiomas, como tambm nas simbologias matemtica e cientfica em geral, na msica e, recentemente, na Informtica.

  • 25

    Fig. 1. Representao da cela usada para escrita em braille

    Para a escrita, o cego se utiliza de um instrumento chamado puno. O puno um tipo de caneta que permite perfurar os pontos em uma folha de papel (Fig. 2).

    Fig. 2. Puno: instrumento prprio para a escrita braille

    Para a leitura, o cego emprega o tato da ponta dos dedos que, passados sobre os pontos em relevo, percebe o desenho formado e, assim, identifica cada letra, posicionando os pontos da esquerda para a direita (Fig. 3).

    A complexidade na memorizao do sistema e da sua forma de escrita e leitura, atravs do tato, faz com que se exija da criana cega mais do que exigido da criana que enxerga.

    4

    5

    6

    1

    2

    3

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    Fig. 3. Representao de cela usada para leitura em braille

    1

    2

    3

    4

    5

    6

    Sistema Braille posio de leitura

    O aparelho de escrita usado por Louis Braille consistia de uma prancha, uma rgua com duas linhas, com janelas correspondentes s celas braille, que se encaixam pelas extremidades laterais na prancha, e o puno. O papel era introduzido entre a prancha e a rgua, o que permitia pessoa cega, pressionando o papel com o puno, escrever os pontos em relevo. Hoje, as regletes (Fig. 4), uma variao desse aparelho de escrita de Louis Braille, so ainda muito usadas pelas pessoas cegas. Todas as regletes modernas, quer sejam modelos de mesa ou de bolso, consistem essencialmente de duas placas de metal ou plstico, fixas em um lado com dobradias, de modo a permitir a introduo d papel.

    A placa superior funciona como a primitiva rgua e possui as janelas correspondentes s celas braille. Diretamente sob cada janela, a placa inferior possui, em baixo-relevo, a configurao de cela braille. Ponto por ponto, as pessoas cegas, com o puno, formam o smbolo braille correspondente s letras, nmeros ou abreviaturas desejadas.

    Na reglete, escreve-se o braille da direita para a esquerda (Fig. 5), na sequncia normal de letras ou smbolos, invertendo-se, ento, a numerao dos pontos.

    A leitura feita normalmente da esquerda para a direita (Fig. 6). Conhecendo-se a numerao dos pontos correspondentes a cada smbolo, torna-se fcil tanto a leitura quanto a escrita feita em regletes. Assim como a escrita com o lpis para a pessoa de viso normal, a escrita na reglete pode tornar-se tambm automtica para a pessoa cega.

  • 27

    Fig. 4. Reglete e as celas para perfurao

    No processo de alfabetizao de uma criana cega necessrio que o professor domine o Sistema Braille e conhea os mtodos de alfabetizao para alunos videntes. Faz-se necessrio, primordialmente, que sejam dadas criana cega condies de acesso aos contedos do ensino comum, a fim de que a lngua escrita seja significativa. Vigotski (2007, p. 143 - 144) diz:

    O ensino tem de ser organizado de forma que a leitura e a escrita se tornem necessrias s crianas. (...) A escrita deve ter significado para as crianas, que uma necessidade intrnseca deve ser despertada nelas e a escrita deve ser incorporada a uma tarefa necessria e relevante para a vida. S ento poderemos estar certos de que ela de desenvolver no como hbito de mo e dedos, mas como uma forma nova e complexa de linguagem. (...) Dessa forma, uma criana passa a ver a escrita como um momento natural no seu desenvolvimento, e no como um treinamento imposto de fora para dentro.

    Para Vigotski (1997, p. 102) Um ponto do alfabeto braille fez mais pelos cegos do que milhares de benfeitores; a possibilidade de ler e escrever resultou mais importante que o sexto sentido e a sutileza do tato e do ouvido. Graas a Louis Braille e sua criao que se viu a oportunidade de leitura, a decodificao de smbolos, o acesso ao texto impresso, a possibilidade de ascenso social e um fascinante recurso de incluso social.

    De acordo com os estudos de Vigotski (1997), no h diferena na educao da criana que enxerga e da criana cega, assim como tambm no existe diferena no tato de ambas. O cego l com as mos os pontos em relevo da cela braille pela necessidade de conhecer o mundo atravs das sensaes tteis e de obter

  • 28

    informaes sem o sentido da viso. Estas no tm um desenvolvimento ttil melhor apenas por serem cegas. O vidente no necessita usar o tato para conhecer o mundo, por isso seu tato no desenvolvido como nas pessoas cegas. Cada criana est sujeita a diferentes estmulos e reage a eles de maneiras diferentes, cabendo ao professor estar atento e identificar as vias pelas quais seu aluno aprende. Vigotski, elaborando o conceito de zona potencial de desenvolvimento, afirma que a criana far amanh, sozinha, o que hoje faz em cooperao. Para o referido autor (2005, p. 126) O aprendizado precede o desenvolvimento.

    A fig. 5 mostra, na posio de escrita, o alfabeto em braille, pontuaes, sinais grficos, permitindo que o sistema fosse tambm utilizado para nmeros e smbolos musicais. A combinao de seis pontos pode gerar, em cada uma das celas, as 63 combinaes. Como a escrita braille se d da esquerda para a direita, voc ver a tabela na posio de escrita braille, ou seja, da esquerda para a direita.

    Fig. 5. Alfabeto Braille

    j

    i

    h

    g

    f

    e

    d

    c

    b

    a

    t

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    n

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    l

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    !

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    ,

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    travesso

    maisculo

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    caixa alta

    sinal n

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    ou

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    %

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    [n

    palavras]

    [palavras

    +

    =

    x

    -

    minuto

    segundo

    barra

    A fig. 6 mostra, a mesma tabela citada acima, porm na posio de leitura, ou seja, da direita para a esquerda.

    a

    b

    c

    d

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    ou <

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    grifo

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    caixa alta

    (palavras

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    n )

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    palavras]

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    n ]

    %

    grau

    ou

    barra

    segundo

    minuto

    -

    x

    =

    +

    8.3. Nmeros em braille

    Para escrever os nmeros em braille, usamos os smbolos da primeira linha (Fig. 5 posio de escrita e Fig. 6 posio de leitura) que so as dez primeiras letras do alfabeto (a - j) precedidas do sinal de nmero, formado pelos pontos 3 4 5 e 6. Toda vez que um aluno cego ler o sinal 3 4 5 e 6, logo saber que os sinais seguintes so nmeros e no letras.

    8.4. A escrita com a mquina Perkins-Brailler

    Alm da reglete, pode-se escrever em braille utilizando-se de uma mquina especial de datilografia, conhecida como Perkins-Brailler (Fig. 7), composta por 7 teclas, sendo que seis delas so utilizadas para cada ponto da cela braille e a outra usada como espaador, localizada no centro do teclado. O papel fixo e enrolado

  • 31

    em um rolo prprio para sua fixao, que desliza normalmente quando pressionado o boto de mudana da linha. O toque de uma ou mais teclas simultaneamente produz a combinao dos pontos em relevo, correspondente ao smbolo desejado. Na digitao na mquina de datilografia Perkins-Brailler, a escrita produzida da esquerda para a direita, podendo ser lida sem a retirada do papel da mquina. Esta mquina a mais utilizada e foi inventada por Frank H. Hall, em 1882, nos Estados Unidos da Amrica.

    Muitos materiais so fornecidos escola pelo MEC, outros, mais caros, so adquiridos apenas se a situao financeira da escola for condizente com os custos dos mesmos.

    Fig. 7. Mquina Perkins para escrita em braille

    8.5. A escrita cursiva

    Alm da aprendizagem do braille, o aluno cego dever aprender a assinar seu nome tinta, pois a assinatura de cada indivduo tem uma utilidade e uma funo social que vai alm do simples ato de assinar, representa autonomia e independncia, alm de contribuir significativamente para a melhoria da auto-estima, assim como para exercer seus direitos de cidado. A escola deve propiciar esse momento, pois segundo MOSQUERA:

    Autonomia e independncia so os dois fatores primordiais para que os deficientes visuais sejam estimulados e iniciados na escrita cursiva. Com

  • 32

    essa iniciao, eles sentem-se menos excludos e, alm disso, podem treinar mais uma conduta psicomotora coordenao fina, espacial, direo, entre outras (2010, p. 92).

    O fato de a pessoa cega saber assinar no implica que possa escrever de forma cursiva, entretanto, existem cegos que conseguem se comunicar com outras pessoas utilizando-se da escrita em tinta.

    Fig. 8. Rgua para escrita cursiva/Guia de assinatura

    8.2. O PROCESSO DE CONSTRUO DA LEITURA/ESCRITA BRAILLE

    Pela necessidade de ver resultados imediatos, infelizmente muitos professores ainda compreendem a alfabetizao da criana cega somente como o processo em que se comea a apresentar as letras e palavras para os alunos. Esquecem do mais importante, o perodo chamado pr-braille, ou seja, o que se pode fazer antes de ensinar o braille.

    O ldico parte fundamental em qualquer processo de aprendizagem, o que no diferente com os cegos. Vrias atividades podem melhorar a coordenao motora fina, como por exemplo: brincar com massinha de modelar, argila ou barro, enfiagem, pintura com giz de cera em espaos delimitados em alto-relevo, que deve ter formas simples para ser mais facilmente percebido pelo aluno, mosaico com pedaos de tecido de texturas diferentes, etc.

    Para que o aluno cego entre no processo de leitura e escrita propriamente dito, o professor deve dedicar-lhe especial importncia, para desenvolver ao mximo

  • 33

    suas habilidades motoras, visto que o manuseio da reglete, do puno e/ou mquina Perkins - exigir destreza, harmonia e sincronizao de movimentos.

    Para iniciar a leitura e escrita braille, o aluno j dever ter passado pelos quatro estgios do desenvolvimento ttil e estar apto a movimentar os dedos com coordenao e o tato bem aguado, pois segundo MOSQUERA (2010) h tambm um outro sistema em ao, o sistema hptico, uma interpretao que fazemos com os nossos msculos e outros sistemas para reconhecer o que estamos tocando. uma sensibilidade mais profunda. Da a necessidade da criana cega ser estimulada a exercitar a coordenao motora fina.

    A sensibilidade ttil, na ponta do dedo, tem um alcance muito limitado em comparao com o campo visual. Isso faz com que o aluno cego possa reconhecer apenas um smbolo de cada vez. Por conseguinte, a leitura do braille nos primeiros estgios ter como base, em grande parte, o mtodo alfabtico, silbico e fontico.

    Pensar que a alfabetizao do aluno cego ter xito se propiciarmos somente a aquisio do cdigo braille estar muito distante da concepo que temos hoje de alfabetizao e letramento, pois o que pretendemos no apenas ensinar a ler e a escrever, mas , tambm, e sobretudo, levar essa criana a fazer uso da leitura e da escrita, a envolver-se em prticas sociais de leitura e de escrita. Segundo Soares, uma pessoa alfabetizada aquela que sabe ler e escrever; j a letrada, a que vive em estado de letramento, no s aquela que sabe ler e escrever, mas aquela que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente s demandas sociais de leitura e de escrita.

    Para que a alfabetizao ocorra de forma eficaz necessrio que se tenha, tambm, uma postura de professor mediador, de profissional comprometido com a alfabetizao e a esse profissional comprometido que cabe, afinal, perguntar e responder: Como se d a alfabetizao de crianas cegas? Quais so, efetivamente, as condies de alfabetizao em braille no contexto dessas pessoas? Como apropriar-se dessas condies? Para que, por que e para quem os alunos cegos escrevem? E quem l o que esses alunos escrevem?

    Um outro problema ainda o de se preocupar com alfabetizao sem se preocupar com o contexto social em que os alunos esto inseridos. preciso dar as condies necessrias para o letramento, pois do contrrio continuaremos na mesmice e, como diz Magda Soares (2010): Onde elas aprendem o cdigo, a mecnica, mas depois no sabero usar. Um ponto importante para letrar, diz

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    Magda, saber que h distino entre alfabetizao e letramento, entre aprender o cdigo e ter a habilidade de us-lo. Portanto no basta oferecer criana cega uma reglete ou mquina Perkins e ensin-la os pontos. O processo comea muito antes e termina muito depois do conhecimento do sistema braille, propriamente dito.

    O conceito de alfabetizao tem passado por diferentes concepes, privilegiando, em alguns casos, o domnio da mecnica da leitura/escrita, cuja principal preocupao que mtodos e tcnicas utilizar, sem levar em conta como o aluno aprende.

    Para garantir a todas as crianas o direito de aprender a ler e escrever preciso investir numa alfabetizao que garanta acesso ao mundo letrado, ou seja, precisamos criar condies/espaos na sala de aula onde circulem e sejam trabalhados textos de todos os tipos a fim de estimular a busca constante pela aprendizagem.

    Segundo o Pr-Letramento Programa de Formao Continuada de Professores dos anos/Sries Iniciais do Ensino Fundamental : alfabetizao e linguagem:

    Alfabetizao: o aprendizado inicial da leitura e da escrita, da natureza e funcionamento do sistema de escrita.

    Letramento: o resultado da ao de ensinar ou de aprender a ler e escrever, bem como o resultado da ao de usar essas habilidades em prticas sociais, o estado ou condio que adquire um grupo social ou um indivduo como consequncia de ter-se apropriado da lngua escrita e de ter-se inserido num mundo organizado diferentemente: a cultura escrita (2008, pg. 11).

    Soares (2010), explicita que a alfabetizao e letramento so dois processos distintos, mas ao mesmo tempo indissociveis. O trabalho com a alfabetizao e letramento na escola se tornar mais eficiente se distinguirmos a alfabetizao como um processo de aquisio do sistema de escrita e letramento como processo de desenvolvimento das prticas sociais de leitura e de escrita, pois um condio para o outro, ou seja, as duas coisas se passam ao mesmo tempo. preciso que o aluno adquira o cdigo praticando a leitura e a escrita.

    O professor alfabetizador precisa compreender e acreditar que o aluno cego tem tanto as condies de aprender como qualquer outro, pois o cego s cego, no possui nenhuma deficincia cognitiva, nenhuma deficincia cultural e nenhuma deficincia lingstica.

  • 35

    Alfabetizar o aluno cego uma tarefa muito complexa, pois durante o processo de alfabetizao, faz-se necessrio o domnio dos conceitos de significante e significado por parte do professor no que se refere ao ato de ensinar e ao aluno no ato de aprender. A complexidade de tal tarefa recai justamente pelo fato de a deficincia visual exigir um maior envolvimento durante a alfabetizao. Consequentemente, o professor alfabetizador precisa pensar a alfabetizao como processo dinmico, como construo social, considerando os diferentes modos de participao das crianas nas prticas culturais de uso da escrita. Oliveira, acerca desta questo, reconhece que:

    Por isso, de fundamental importncia que, desde o incio, a alfabetizao se d num contexto de interao pela escrita. Por razes idnticas, deveria ser banido da prtica alfabetizadora todo e qualquer discurso (texto, frase, palavra, exerccio) que no esteja relacionado com a vida real ou o imaginrio das crianas, ou em outras palavras, que no esteja por elas carregado de sentido (Oliveira, 1998, p. 70 -71).

    O professor mediador precisa conhecer o seu aluno para encoraj-lo a refletir sobre suas aes e, assim, construir e reconstruir seus conhecimentos em interao com o meio. Alm disso, deve estabelecer um clima afetivo e agradvel de relacionamento, a fim de motiv-lo para uma aprendizagem autnoma e eficaz, atravs de atividades interessantes e significativas, utilizando-se de materiais adaptados e digitalizados em braille, como livros literrios, dicionrio, livros de receitas, embalagens com transcries em braille, etiquetas adaptadas, leituras de informaes contidas em revistas, jornais, acesso a um catlogo telefnico em braille, manuais para instalar aparelhos domsticos (uma lauda, por exemplo), copiar ou anotar letra de msica, etc, para que possa construir progressivamente sua prpria leitura e escrita, bem como o prazer pela leitura.

    Tanto a alfabetizao em braille quanto a alfabetizao em tinta, exigem alguns procedimentos bsicos necessrios para que o processo de alfabetizao acontea, sobremaneira, pela zona de desenvolvimento imediato. Para Smolka (2000, p. 66):

    [...] a linguagem escrita faz parte do discurso social no contexto das sociedades letradas e da indstria cultural. Levando em conta o prprio processo de elaborao scio-histrico-cultural da escrita e suas condies e funes hoje, discurso interior e linguagem escrita

  • 36

    interagem e se constituem. Se esses dois tipos de discurso se constituem e interagem, que implicaes tem isso no processo inicial de leitura e como se d esta relao na gnese da produo escrita? O contato com a escrita interfere ou transforma a elaborao do discurso interior? Em que medida?

    Da a necessidade de incluir o aluno cego com vistas sua participao efetiva na sociedade, porm levando em considerao que o processo de ensino-aprendizagem difere do da criana normal.

    Ocorre que a criana cega s entra em contato com os caracteres de sua escrita e leitura quando estes lhe so apresentados, formalmente, na escola, por volta dos sete anos. a partir da que inicia seu contato com o alfabeto braille, com vistas alfabetizao. sabido que, conforme afirma Vigotski (1987 p. 100) Um futuro pesquisador poder muito bem descobrir que os conceitos espontneos da criana so um produto do aprendizado pr-escolar, da mesma forma que os conceitos cientficos so produtos do aprendizado escolar.

    Assim, no processo de alfabetizao da criana cega, faz-se necessrio reconhecer o que ela consegue fazer sozinha, seus conhecimentos anteriores, como por exemplo, o que j foi trabalhado durante a fase de estimulao, para ento desenvolver o processo de alfabetizao em Braille utilizando prticas pedaggicas da alfabetizao de crianas comuns, sem perder de vista que este aluno aprender a ver atravs de tarefas cognitivas e sensoriais. Portanto, essa criana ser alfabetizada e escolarizada na mesma srie e idade que seus companheiros de classe, no ensino regular e com apoio pedaggico de um professor especialista, ou seja:

    Ao interagir com esses conhecimentos, o ser humano se transforma: aprender a ler e a escrever, obter o domnio de formas complexas de clculos, construir significados a partir das informaes descontextualizadas, ampliar seus conhecimentos, lidar com conceitos cientficos hierarquicamente relacionados, so atividades extremamente importantes e complexas, que possibilitam novas formas de pensamento, de insero e atuao em seu meio. Isto quer dizer que as atividades desenvolvidas e os conceitos aprendidos na educao escolar (que Vigotski chama de cientfico) introduzem novos modos de operao intelectual: abstraes e generalizaes mais amplas acerca da realidade (que por sua vez transformam os modos de utilizao da linguagem). Como conseqncia, na medida em que o sujeito expande seus conhecimentos, modifica sua relao cognitiva com o mundo. (REGO, 1995, p.104)

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    Para Smolka, (2000) apenas acreditar na viabilidade da alfabetizao no garantia de sua realizao. Para a autora, o conhecimento implica prxis, sem a qual o novo jamais ser gerado.

    SUGESTES:

    Se voc quiser praticar o cdigo braille (mesmo sem ter uma reglete e um puno) e conhecer a histria do soroban e as formas de confeccionar um exemplar dele, acesse os sites abaixo:

    SITES:

    USP Universidade de So Paulo. Braille virtual. Disponvel em: . Acesso em 15 fev. 2010.

    SOROBAN BRASIL. Disponvel em: . Acesso em: 15 fev. 2010.

    Curiosidades retiradas do livro Atendimento Educacional Especializado, disponvel no site: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/aee_dv.pdf:

    O professor que tem um aluno cego necessita aprender o braille?

    O aprendizado do sistema braille certamente facilitar e enriquecer o seu trabalho, pois ser mais fcil e mais gil acompanhar a evoluo e os progressos do aluno sem a necessidade de intermedirios, especialmente no que diz respeito leitura e escrita.

    Alunos cegos demoram mais para aprender do que os outros?

    No. Eles podem ser mais lentos na realizao de algumas atividades, pois a dimenso analtica da percepo ttil demanda mais tempo. Esses alunos precisam manipular e explorar o objeto para conhecer as suas caractersticas e fazer uma anlise detalhada das partes para tirar concluses. Essa diferena bsica importante porque influi na elaborao de conceitos e interiorizao do conhecimento. Assim, a falta da viso no interfere na capacidade intelectual e cognitiva. Esses alunos tm o mesmo potencial de aprendizagem e podem demonstrar um desempenho escolar equivalente ou superior ao de alunos que enxergam mediante condies e recursos adequados.

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    Que cuidados devemos ter com a comunicao oral em relao aos alunos cegos?

    A atitude dos professores muito importante e decisiva para uma comunicao efetiva e motivadora da aprendizagem. Neste sentido, salientamos o cuidado de nomear, denominar, explicar e descrever, de forma precisa e objetiva, as cenas, imagens e situaes que dependem de visualizao. Os registros e anotaes no quadro negro e outras referncias em termos de localizao espacial devem ser falados e no apontados com gestos e expresses do tipo aqui, l, ali, que devem ser substitudas por direita, esquerda, tendo como referncia a posio do aluno. Por outro lado, no se deve usar de forma inadequada o verbo ouvir em lugar de ver, olhar, enxergar para que a comunicao seja coerente, espontnea e significativa.

    Como se explica o fato de uma pessoa cega descer do nibus na parada certa sem pedir ajuda?

    Ela faz isso porque se familiarizou com o percurso rotineiro do nibus e assimilou pontos de referncia importantes para o reconhecimento do trajeto. Essas referncias so estveis e tm a ver com a topografia, os movimentos de retas e curvas dentre outros aspectos que foram introjetados constituindo um mapa mental da regio. Certamente, ela ter dificuldade para pegar o mesmo nibus sozinha em um ponto onde param vrias linhas para diferentes bairros.

    Quais so as habilidades que devemos desenvolver no caso de alunos cegos?

    Esses alunos devem desenvolver a formao de hbitos e de postura, destreza ttil, o sentido de orientao, o reconhecimento de desenhos, grficos e maquetes em relevo dentre outras habilidades. As estratgias e as situaes de aprendizagem devem valorizar o comportamento exploratrio, a estimulao dos sentidos remanescentes, a iniciativa e a participao ativa.

    9. RELATOS DE EXPERINCIAS COM ALFABETIZAO DE CRIANAS CEGAS - SUGESTES PARA ENRIQUECER SUA PRTICA

    Professores de pessoas com deficincia visual e deficientes visuais foram convidados a descreverem suas experincias na situao especfica do alfabetizar/alfabetizando. As descries dessas vivncias no perodo da alfabetizao constituem um caminho para a compreenso desse complexo processo. Espera-se que os referidos relatos possam contribuir para diagnosticar deficincias (limitaes) existentes no perodo da alfabetizao de crianas cegas e para a melhoria da nossa prxis pedaggica.

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    Este o relato de Lara de Campos Siaulys, publicado em http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/txt/brincartodos.txt. Ela filha de Mara, Diretora de uma das mais importantes Instituies de Educao de Cegos do Brasil, Laramara, de So Paulo:

    Todos sabemos da importncia dos pais, desde os primeiros meses de nossa existncia. Minha me desempenhou um papel fundamental em meu desenvolvimento. Ainda hoje, guardo gostosas recordaes das brincadeiras e brinquedos propostos por ela. Deduzo que, inicialmente, minha me tenha ficado muito abalada ao descobrir que eu, sua filha caula, era cega. No entanto, ela no permitiu que o desespero a imobilizasse por muito tempo; e, apesar de, at ento, no ter conhecimento tcnico sobre deficincia visual, resolveu utilizar-se do bom senso. Ela deve ter-se remetido a experincias anteriores com meus irmos, imaginando que eu poderia usar muitos de seus brinquedos como bonecas, bola, brinquedos de encaixe, miniaturas de objetos e animais, caixinha de msica, instrumentos musicais e discos infantis, entre outros.

    Considero um privilgio o fato de minha me ter-me acompanhado nas diferentes fases do desenvolvimento. Quando eu tinha oito anos, ela ingressou na universidade pela segunda vez, a fim de aprofundar seus conhecimentos sobre deficincia visual e aprender braille. Assim, podia transcrever textos em tinta para o braille e vice-versa, adaptar materiais fornecidos pela escola, como figuras geomtricas, desenhos e mapas, auxiliar-me com atividades da vida diria, etc. No tocante escolaridade, ela acompanhou meu processo bem de perto e, alm de uma me muito competente e esforada, tive dentro de casa uma excelente professora de geografia. Vale ressaltar que fui uma adolescente como as outras. Era questionadora, rebelde e, s vezes, briguenta e minha me foi, mais uma vez, uma importante parceira nesse tortuoso perodo de minha vida."

    Mara O. C. Siaulys, tambm relata sua experincia como me de Lara de Campos Siaulys:

    Minha filha Lara tinha seis meses de idade quando foi diagnosticada a sua cegueira. Foi um impacto muito grande para ns, pais, como para qualquer um de vocs. normal que a gente fique surpresa, triste, desolada e insegura. uma situao totalmente diferente daquela que tivemos com nossos outros filhos. Ser que vamos saber educar essa filha de maneira correta? Ser que ela vai se desenvolver bem e se transformar numa pessoa realizada, completa, feliz? Sim, claro que possvel!

    verdade que no fcil; precisamos de muito trabalho e fora de vontade. Tanto ns como ela. Ela no pode trilhar esse caminho sozinho, precisa de nossa participao e nossa ajuda e envolvimento. um caminho longo e trabalhoso, mas o resultado vale a pena.

    Tenha sempre a certeza da possibilidade de desenvolvimento do seu filho. Diga sempre isso a ele. Isso muito importante. No canse de repetir. Mostre a ele que entre todos, voc a pessoa que mais confia em sua capacidade. Voc tem absoluta confiana em que ele vai ser uma pessoa plenamente realizada.

    Quando soube que minha filha Lara no enxergava, a primeira idia que me ocorreu foi a de que eu deveria comear a aprender braille. Aprender a forma como ela iria escrever futuramente e se comunicar como todas as crianas. Para minha surpresa as pessoas com as quais procurei orientao nesse momento me disseram: no, no hora, vai demorar ainda muito tempo para sua filha aprender o braille e at l voc j esqueceu; existem muitas coisas com as quais voc deve se preocupar antes disso. E verdade. Se todas as etapas no forem cumpridas, seu filho nunca conseguir aprender o braille.

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    Para que seu filho esteja pronto para o aprendizado do braille ele deve ser ajudado desde muito cedo, desde seus primeiros meses de vida. Educando seus sentidos: tato, audio, olfato e paladar para que possa conhecer o ambiente, interagir com pessoas e objetos, adquirir posturas, conceitos, conhecimentos, enfim desenvolver-se globalmente como qualquer criana.

    A participao da criana na vida familiar, na comunidade e na sociedade de grande importncia; sua autonomia e independncia para se locomover e realizar suas aes do dia-a-dia vo ajud-lo a se transformar numa criana segura e confiante com auto-imagem positiva.

    Alm disso, muitas outras coisas so necessrias para que ele chegue pronto a idade normal de alfabetizao e siga bem em seus estudos.

    Embora no seja o fim da jornada, uma etapa importante que foi aquela em torno dos 20 anos em que minha filha, competindo com colegas que enxerga, conseguiu passar no vestibular e entrar em duas faculdades. Ela exultou: me, eu consegui! Sorrindo, sussurrei para mim mesma: conseguimos, minha filha.

    A professora Josiani Brenner, hoje diretora/coordenadora do CAP- Francisco Beltro, tambm d sua contribuio, falando sobre como se deu o incio de seu trabalho na rea da Deficincia Visual:

    Em 1986, no incio de nossa carreira profissional, no tnhamos experincia alguma em relao alfabetizao e sem nunca ter ouvido falar de letramento, ingressamos, eu e a professora Mariolani, na Educao Especial, cabendo-nos a difcil e desafiadora tarefa de alfabetizar pessoas cegas. Se no tnhamos experincia com alfabetizao no Ensino Comum, imaginem na Educao Especial! Iniciamos o trabalho com seis alunos totalmente cegos. Realizvamos inmeras atividades que favoreciam o desenvolvimento ttil. Mais tarde descobrimos que trabalhamos os quatro estgios do Desenvolvimento Ttil. Alfabetizar pessoas cegas! Olha o compromisso! Tivemos muita insegurana e nos utilizamos do mtodo fontico, processo sinttico. Foi uma experincia fantstica. Ensinamos letras, slabas, palavras... nossos alunos nos davam respostas positivas e se alfabetizavam com uma rapidez inacreditvel. Hoje, aps a leitura da slida produo da professora Mariolani, percebo que poderamos ter feito de maneira diferente, mas que reconhecer isso j implica em saber que sempre tempo para aprender e rever prticas pedaggicas, pois continuar utilizando sempre as mesmas metodologias de ensino torna-se maante tanto para o alfabetizador quanto para o alfabetizando. Da a necessidade de estarmos aberto mudanas. Pena que voc, professora Mariolani, fez sua produo 24 anos aps nossas incansveis tentativas de erros e acertos.

    Gilson Rovaris, hoje revisor braille no CAP Francisco Beltro, relata, tambm seu perodo de alfabetizao:

    Minha alfabetizao se deu em 1985, ainda no tempo dos internatos, no Instituto Santa Luzia, um colgio dirigido por religiosas, em Porto Alegre, RS. Era uma primeira srie de 14 alunos, gachos, catarinenses e paranaenses. No primeiro ms, trabalhvamos muitos exerccios manuais, mais tarde vim a saber que se tratava do perodo preparatrio, para desenvolver o tato. Posteriormente, conhecemos o puno e a reglete e, efetivamente, tivemos o to esperado encontro com o mundo das letras. Na poca, eu estava com 11 anos. O mtodo de alfabetizao era o tradicional. Aprendamos uma letra e somente partamos para outra, depois de t-la fixado bem. Inicialmente, a professora Ftima nos apresentou o e com acento agudo, porm, com o nome de sinal gerador. Os primeiros trabalhos de escrita no eram fceis. A professora nos entregava folhas de sulfite 20, as quais dobrvamos ao meio. Em cada folha, podamos escrever trs regletes de quatro linhas, ou seja, doze linhas. Cada letra que aprendamos, precisvamos escrever trs folhas: a primeira sem pular nada, a segunda pulando cela e a terceira pulando linha. Para comear, aprendemos as cinco vogais. Em seguida, as juntamos para formar as pequenas palavras: oi, ai, ou... Como j tnhamos a

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    conscincia da aprendizagem, cada nova palavra era um grande feito que comemorvamos intensamente. Depois vieram as consoantes, seguindo uma estorinha da famlia feliz: assim, conhecemos o v da vov, o p do papai, o m da mame e as demais. Este processo durou o ano todo. Paralelamente, estudvamos outras disciplinas: a Matemtica -- somente no sorob --, Cincias, Estudos Sociais e Religio, oralmente; e fazamos provas no final de cada bimestre. A irm Maria Lusa nos orientava nas tarefas, quando lamos a cartilha e copivamos algumas lies. Foi um perodo de grandes experincias, a maioria positivas. O Sistema Braille abriu todas as portas que eu precisava para aprender e crescer. A leitura um mundo mgico, completamente diferente do livro falado, embora este tambm tenha o seu valor. Espero, sinceramente, que este projeto de PDE da professora Mariolani, contribua com a luta contra o fenmeno da desbraillizao. A tecnologia uma grande aliada dos cegos, mas nopodemos permitir que ela substitua a nossa nica forma de ler, que atravs do Sistema Braille.

    Vilmar da Motta, ex aluno do CAEDV, relata a importncia do seu perodo de alfabetizao:

    Meu processo de alfabetizao teve 3 fases. A primeira, quando me foi apresentado o mtodo Braille, no qual fui alfabetizado e abriu as portas do conhecimento para mim; todavia, a escrita e leitura Braille, logo apresentou seus complicativos, j que nem todos os materiais que eu quisesse ler, estavam acessveis, bem como, no podia me comunicar com todas as pessoas que desejasse atravs da linguagem escrita, tendo em vista nem todos conhecerem o sistema e tambm no podia assinar documentos pblicos em braille, por essa forma de escrita, no ser reconhecida oficialmente, logo, eu era alfabetizado, mas para fins legais, no.

    Por causa disso teve incio o segundo momento da minha alfabetizao, quando comearam a me ensinar a assinar meu nome, me recordo muito bem desse momento, as dificuldades que tive, para assimilar uma nova linguagem completamente desconhecida, no entanto, com a ajuda dos professores, dos amigos e do meu irmo, consegui aprender razoavelmente a assinar meu nome, o que impediu que na minha documentao, ficasse como analfabeto.

    Mas, ainda havia a frustrao, de s poder escrever para os amigos e colegas cegos, os professores e aqueles enfim, que conhecessem o Braille. Ento, no final dos anos 90, incio do ano 2000, tive a felicidade de ser apresentado ao computador, comeava a a terceira fase da minha alfabetizao, que vou aqui denominar de alfabetizao digital ou eletrnica, depois que aprendi a lidar com o Dosvox, melhorou consideravelmente, pois ampliava assim o meu acesso ao conhecimento e as informaes, como ainda no tinha acesso a internet, ainda necessitava contar com a ajuda dos amigos para obter as informaes. No entanto, em 2007, depois que fiz o curso de Jaws no Centro Municipal de Informtica com o Luiz, uma nova perspectiva se abriu, a em julho do ano seguinte, consegui adquirir meu PC, onde instalamos o leitor de tela que atualmente estou usando e o qual, melhorou significativamente a minha vida, me dando melhores condies de trabalho e me permitindo tambm construir uma bagagem intelectual melhor.

    Sem dvida, o Braille teve e ainda tem sua importncia na minha vida, j que utilizo ainda para registros pessoais e pequenas anotaes, todavia, a informtica, foi que me deu e est me dando, um acesso mais amplo ao conhecimento, tambm permitindo que tenha mais facilidade para me comunicar com as pessoas a minha volta, atravs das ferramentas que a mesma oferece, tais como, msn e e-mail. Apesar, das barreiras que encontramos na web por exemplo, ainda assim me sinto realizado, por poder com a ajuda do computador trabalhar, estudar e me divertir.

    9.1. UM DEPOIMENTO PARTE

    Reunir em um caderno pedaggico depoimentos que socializem de forma mais ampla o que se pretendeu nesse trabalho, vem, a meu ver, dar respaldo a

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    novas ideias, s atividades propostas e promover reflexes que atingem, especialmente, aqueles que de uma forma ou outra, esto envolvidos com a real incluso. As memrias do professor Paulo Ross expressam bem o que se pretende neste caderno pedaggico. Feitas a meu pedido, marcam sua autoria, sua vivncia, o processo de aprendizagem e socializao com o meio e, sobremaneira, que a progressiva construo se d no conjunto.

    O depoimento transcrito a seguir, possui a presena da voz de um vencedor, professor e colega Paulo, e tambm de outras vozes presentes na voz do que vocs lero a seguir. Agradeo ao Paulo o companheirismo, a parceria para com este caderno, tambm o privilegio de termos convivido e termos dividido, ao longo de tantos anos, erros, acertos, concordncias, discordncias mas, principalmente, desejo de que a educao inclusiva seja uma realidade.

    Na verdade, o professor Paulo nos conduzir, em suas memrias, ao mundo que muitas vezes ignorado: que o acesso a cidadania no se d somente pela educao, pela escola, mas, fundamentalmente, por intermdio da prtica social e poltica e de que a mesma est sempre em construo.

    Vamos s memrias!

    LETRAS E GRAVETOS Paulo Ricardo Ross6

    Fui uma criana repleta de oportunidades motoras. Organizava meus brinquedos, construa meus carrinhos, serrando madeira, pregando, montando as peas de que necessitava para compor a forma final.

    Vivi em ambiente simples, porm, livre de protecionismo, livre para criar, imaginar minhas estradas por onde arrastaria meus caminhes carregados de pedaos de madeira, a carga que reproduzia a vida, o trabalho de meu pai.

    O trabalho era-me ensinado pelo exerccio, pela explorao do ambiente construdo pelas ferramentas e pela capacidade imaginativa de que podamos lanar ao real, replicando a Vida Dura que levava meu pai.

    Mas minha infncia apenas o ambiente de fundo para explicar minha habilidade para assimilar a escrita Braille j nos primeiros dias de aula.

    Aos oito anos e nove meses, fui levado escola pela primeira vez. Tudo era novo: a escola, a professora, o material; o braille, a reglete, a puno.

    Como vimos, no seria mesmo necessrio explorar outros materiais como fontes de estimulao ttil ou para organizao mental dos elementos que compem a matriz do Sistema Braille.

    6 Professor Paulo Ricardo Ross doutorou-se em Educao Inclusiva pela Universidade de So Paulo.

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    Parece que havia conhecimento prvio suficiente para iniciar a escrita, a leitura, como caminho inevitvel do abandono da manipulao grosseira de argila, carros de madeira, estilingue que cercavam minhas mos, movendo minhas aes em todo ou quase todo perodo anterior escolaridade.

    As pelotas de argila que enrolava aos montes ganhavam o valor simblico de anteceder pequenos pontos que viriam a ser, mais tarde, letras e palavras. Meu brinquedo de caar, atirar com meu estilingue, converteram-se em smbolo para eu caar ideias e transferir pensamentos da imaginao para a escrita, podendo ser apreendido, contado, apreciado, tal como se fosse uma conquista de minhas investidas em alvos cantantes e voadores.

    A repetio e a persistncia levavam-me a preencher folhas e folhas com letras e palavras, pois imperava o princpio do fazer para se incorporar ao crebro como Segunda Natureza.

    Assim fiz. Nada de recurso paralelo. Tratava-se de escrever e ler, ler e escrever. E os mgicos pontos ganhavam poder de pensamentos, um recurso para demonstrar como cada um podia se diferenciar em ideias e em capacidade de comunicar e de entender os problemas que se nos era apresentado. Pouco havia de contextualizao, pouco significado atribudo a possveis mudanas em nossas vidas com o contedo que se nos apresentava. Focados na tarefa de ler e entender, escrever e ser entendido no nos ocupvamos com discusses polticas. No tnhamos conscincia que podamos reivindicar melhoria de qualidade de nossa alimentao, por exemplo. Considervamos que tudo estava certo e que assim deveria continuar. Vivamos sob a lgica da criao, submetida aos limites do real imutvel. Vivamos enxergando uma certa naturalidade em nossas rotinas.

    Praticvamos aulas dialogadas. Tnhamos liberdade para perguntar sempre que no compreendamos os problemas, o sentido, o contedo a ser conhecido ou interpretado. Apoivamos uns aos outros, alternando leituras, mas predominava a elaborao individual.

    Preciso recuperar minha gratido a doce Professora Anilce, nas mos de quem as minhas tocaram as primeiras palavras escritas. Ao lado de seus cabelos longos e fartos, teci as primeiras experincias de amarrar um sapato. Em sua companhia diria, eu erguera os primeiros sonhos, imaginando o que seria uma moa bonita.

    Mas ainda no primeiro ano escolar fui acolhido pelo enrgico professor Benedito, um mestre rgido, determinado a fazer valer suas ideias, sua cultura. Alegrava-se ao detectar meus acertos em matemtica, minha disciplina nos clculos com o sorob. O sorob era seu cone de expresso da lgica matemtica. Mas ele tambm orgulhava-se de seus conhecimentos em histria mundial, sua intelectualidade.

    No posso deixar de mencionar que Benedito quase me considerava um filho, mas bem depois de no ser mais meu professor.

    Mas fora Jos Bonifcio que praticamente conjugara esses papis: professor e tutor. Bonifcio quase todo dia, trazia lies extras para que eu fizesse individualmente, alm daquelas propostas para toda turma de 04 ou 05 alunos. Outro diferencial era que conversvamos sempre sobre vrios assuntos. Era, ento, um conselheiro, um contador de histrias, um organizador do conhecimento da humanidade em pequenos trechos para minha compreenso.

    O professor Odilon, um fenmeno na oratria, um leitor e escritor de excelncia, um amante da poesia e da pessoa humana, transmitira-me o desejo em tornar-me, um dia, professor, tal como o . Sempre animado, altivo, tico, inspirava-nos a ler com entusiasmo os textos, as histrias. Provavelmente, construra em mim as razes para escrever. Mas a oratria brilhante transmitia-nos um tal poder que nos projetava para alm de onde estvamos.

    Esses mestres mencionados foram os primeiros professores cegos iluminados a nos dar referncia sobre o valor do conhecimento, o valor da escola na construo de uma carreira futura.

    Posteriormente, outros colegas cegos, outros professores vieram a compor nossa rede de conexes, nossas referencias para legitimar nossas escolhas.

    Lembro-me do orgulho do Bonifcio em ser um dos poucos brasileiros aptos para escrever Braille em ingls, Braille abreviado. Ele cultivava um amor platnico por outra professora, mas nunca o revelara a ela.

    Nesse misto de cognio e linguagem, dilogos, histrias, jogos de futebol, domin, futebol de pino, baralho, compnhamos nossa identidade, elaborvamos nossos sonhos para o futuro.

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    Leitura e escrita em Braille eram canais para expandir nossas ideias, alimento para nossos dilogos, energia para sustentar nossos projetos para constituio de uma vida adulta prspera e segura.

    Estudvamos e brincvamos; racionalidade e afetividade se conjugavam alternando nossas certezas e nossas iluses, nossas percepes. Tato, audio, palavras e movimentos eram nossos instrumentos que acessavam nossos livros, nossos amigos ou professores, os mais experientes, as aes que viriam a dar vida a nossa existncia, ao nosso presente e plantar sementes para algo ainda distante no futuro.

    Eis que todos esses personagens se revelam vivos em mim, ditando minhas crenas, minhas pequenas intervenes no mundo.

    Mariolani, receba essas memrias no para as tomar como replicveis, porque j no somos o que ramos. Acolhe-se em mim uma pequena leitura das imagens que rascunhei nas pessoas que me ensinaram os primeiros pontos. E so esses pontos que retraam linhas e nos conectam, a mim e a voc, na educao, antes como professor e aluna, hoje como construtores de potenciais.

    E ento? Essas experincias contribuem para a melhoria do nosso trabalho? Mexem com nossos conceitos de alfabetizao? Com nossa forma de trabalho?

    Voc j est preparado para alfabetizar a criana cega dentro da Perspectiva Histrico-Cultural?

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    REFERNCIAS

    ANTUNES, Celso. Vygotsky, quem diria?! Em minha sala de aula: fascculo 12. Petrpolis, RJ: Vozes, 2002.

    BAKHTIN, Mikhail. Esttica da Criao Verbal. 4 ed. So Paulo: Martins Fontes, 2003.

    BARRAGA, Natalie. Disminudos visuales y aprendizaje. traduo de Susana Crespo e Ana Maria H. de David, Madrid, O.N.C.E., 1976.

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