desenvolvimento sustentado entre os ticuna: as escolhas e

66
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005 45 1 Apesar da grande maioria dos autores preferir a palavra “sustentável”, utilizaremos aqui o conceito de desenvolvimento “sustentado”, que acreditamos exprimir melhor a intenção de sustentabilidade ao longo do tempo e escapar da idéia de utopia do outro jeito associada. Quando nos referindo a um autor que utiliza a expressão “desenvolvimento sustentável”, a colocaremos entre aspas. 2 Ministério do Meio Ambiente. Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas-PDPI. Rua Francisco Arruda, 101. G. Petros-Aleixo. Manaus-AM, Brasil. CEP. 69.083-060. ([email protected]). Desenvolvimento Sustentado Desenvolvimento Sustentado Desenvolvimento Sustentado Desenvolvimento Sustentado Desenvolvimento Sustentado 1 entre os T entre os T entre os T entre os T entre os Ticuna: icuna: icuna: icuna: icuna: as Escolhas e os R as Escolhas e os R as Escolhas e os R as Escolhas e os R as Escolhas e os Rumos de um P umos de um P umos de um P umos de um P umos de um Projeto rojeto rojeto rojeto rojeto Sustainable Development among the Ticuna Indians: Sustainable Development among the Ticuna Indians: Sustainable Development among the Ticuna Indians: Sustainable Development among the Ticuna Indians: Sustainable Development among the Ticuna Indians: Choices and Directions of a P Choices and Directions of a P Choices and Directions of a P Choices and Directions of a P Choices and Directions of a Project roject roject roject roject Fábio Vaz Ribeiro de Almeida Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo: O presente trabalho é um esforço de análise das recentes transformações pelas quais passam a economia e a sociedade Ticuna, etnia que habita a região do Alto Solimões na Amazônia brasileira, com o objetivo de identificar de que maneira estas poderiam se refletir no andamento de um projeto de desenvolvimento rural sustentado entre aqueles indígenas. Procura, ainda, refletir sobre os horizontes possíveis de tal processo de desenvolvimento, seus limites e potencialidades, considerando que o embate entre as diversas agências de contato, historicamente sendo interlocutoras dos Ticuna, conforma uma dada estrutura de escolhas que estão hoje à disposição desse grupo e que são essenciais para entendermos os rumos que este processo pode tomar. Considera, por fim, a presença do Magüta, ONG que sempre foi fortemente ligada ao movimento indígena, e das idéias de sustentabilidade econômica, social, cultural e ambiental que essa agência traz para a discussão entre os Ticuna, fundamental para a superação de um modelo ultrapassado de exploração irracional daquela área da Amazônia, que já começa a dar sinais preocupantes de esgotabilidade dos recursos. Palavras-Chave alavras-Chave alavras-Chave alavras-Chave alavras-Chave: Povos indígenas, Desenvolvimento sustentável, Etnodesenvolvimento, Ticuna, Alto Solimões. Abstract Abstract Abstract Abstract Abstract: This work is an effort to understand the recent change in the economy and society of the Ticuna, an ethnic group that occupies areas of the Upper Solimões River (Brazilian Amazon), with the objective of identifying means to reflect these characteristics in a sustainable rural development project of the NGO “Magüta”. This project leads the author to discuss new ideas of economic, social, cultural and environmental sustainability, considered fundamental in the fight for a more rational model of natural resource exploitation. Key W ey W ey W ey W ey Words ords ords ords ords: Indigenous people, Sustainable development, Ethnodevelopment, Ticuna, Upper Solimões river.

Upload: others

Post on 18-Jul-2022

10 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

45

1 Apesar da grande maioria dos autores preferir a palavra “sustentável”, utilizaremos aqui o conceito de desenvolvimento “sustentado”,que acreditamos exprimir melhor a intenção de sustentabilidade ao longo do tempo e escapar da idéia de utopia do outro jeitoassociada. Quando nos referindo a um autor que utiliza a expressão “desenvolvimento sustentável”, a colocaremos entre aspas.

2 Ministério do Meio Ambiente. Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas-PDPI. Rua Francisco Arruda, 101. G. Petros-Aleixo.Manaus-AM, Brasil. CEP. 69.083-060. ([email protected]).

Desenvolvimento SustentadoDesenvolvimento SustentadoDesenvolvimento SustentadoDesenvolvimento SustentadoDesenvolvimento Sustentado11111 entre os T entre os T entre os T entre os T entre os Ticuna:icuna:icuna:icuna:icuna:as Escolhas e os Ras Escolhas e os Ras Escolhas e os Ras Escolhas e os Ras Escolhas e os Rumos de um Pumos de um Pumos de um Pumos de um Pumos de um Projetorojetorojetorojetorojeto

Sustainable Development among the Ticuna Indians:Sustainable Development among the Ticuna Indians:Sustainable Development among the Ticuna Indians:Sustainable Development among the Ticuna Indians:Sustainable Development among the Ticuna Indians:Choices and Directions of a PChoices and Directions of a PChoices and Directions of a PChoices and Directions of a PChoices and Directions of a Projectrojectrojectrojectroject

Fábio Vaz Ribeiro de Almeida

ResumoResumoResumoResumoResumo: O presente trabalho é um esforço de análise das recentes transformações pelas quais passam a economia e asociedade Ticuna, etnia que habita a região do Alto Solimões na Amazônia brasileira, com o objetivo de identificar deque maneira estas poderiam se refletir no andamento de um projeto de desenvolvimento rural sustentado entreaqueles indígenas.Procura, ainda, refletir sobre os horizontes possíveis de tal processo de desenvolvimento, seus limites e potencialidades,considerando que o embate entre as diversas agências de contato, historicamente sendo interlocutoras dos Ticuna,conforma uma dada estrutura de escolhas que estão hoje à disposição desse grupo e que são essenciais paraentendermos os rumos que este processo pode tomar.Considera, por fim, a presença do Magüta, ONG que sempre foi fortemente ligada ao movimento indígena, e dasidéias de sustentabilidade econômica, social, cultural e ambiental que essa agência traz para a discussão entre osTicuna, fundamental para a superação de um modelo ultrapassado de exploração irracional daquela área daAmazônia, que já começa a dar sinais preocupantes de esgotabilidade dos recursos.

PPPPPalavras-Chavealavras-Chavealavras-Chavealavras-Chavealavras-Chave: Povos indígenas, Desenvolvimento sustentável, Etnodesenvolvimento, Ticuna, Alto Solimões.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstract: This work is an effort to understand the recent change in the economy and society of the Ticuna, an ethnic groupthat occupies areas of the Upper Solimões River (Brazilian Amazon), with the objective of identifying means to reflectthese characteristics in a sustainable rural development project of the NGO “Magüta”.This project leads the author to discuss new ideas of economic, social, cultural and environmental sustainability,considered fundamental in the fight for a more rational model of natural resource exploitation.

KKKKKey Wey Wey Wey Wey Wordsordsordsordsords: Indigenous people, Sustainable development, Ethnodevelopment, Ticuna, Upper Solimões river.

isairaribeiro
2
Page 2: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

46

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende empreender uma análise dodesenvolvimento rural sustentado junto aos Ticuna,população indígena que habita as margens do altorio Solimões e seus afluentes. O objetivo aqui seráo de ter uma visão, mais clara possível, dos entravesque possam se colocar para um processo dedesenvolvimento desse tipo, em especial para asatividades produtivas daquela população, com vistasa poder refletir sobre os horizontes possíveis, suaspotencialidades e limites.A questão do desenvolvimento em área indígenatem sido pouco explorada até o momento. De umlado a etnologia, mesmo quando ressalta em seuenfoque a economia destas sociedades numcontexto de contato interétnico, não tem seempenhado na discussão de um “modelo” dedesenvolvimento que lhe seja adequado. Por outrolado, também os especialistas do desenvolvimento,acostumados a este tipo de reflexão, não têm voltadoseus olhares para as populações indígenas.Pretendemos, portanto, através da recuperação dasquestões pertinentes a esses dois campos doconhecimento (antropologia e sociologia e políticado desenvolvimento), poder empreender umaanálise que contribua de algum modo para ampliaras discussões acerca do desenvolvimento sustentado3

em área indígena. Mais ainda, acreditamos que asquestões aqui levantadas possam ser importantestambém no sentido de um acúmulo de experiênciassobre o desenvolvimento entre aqueles povosindígenas que, como os Ticuna, relacionam-se comnossa sociedade a longo tempo, mantendo,contudo, razoavelmente preservadas suas tradições,assim como entre outras populações culturalmentediferenciadas.As terras habitadas pelos Ticuna, por estaremlocalizadas na Amazônia brasileira, e mais

especificamente na faixa de fronteira com aColômbia, têm sido, desde a década de setenta emesmo antes disso, objeto de diferentes projetosgeopolíticos do Estado brasileiro, assim como dapreocupação de governos e entidades estrangeirasque ali passam a atuar. Trata-se, portanto, de umespaço privilegiado para uma análise dodesenvolvimento rural, pois, percebendo os diversosinteresses postos em jogo na discussão que hoje setrava acerca do desenvolvimento regional brasileiro,esperamos contribuir para este debate.Acrescentemos, ainda, que a reflexão quepretendemos desenvolver sobre os diversos atoresque atuam na promoção do desenvolvimento ruralna área Ticuna e de como se dá essa atuação deveser bastante útil na atualização dos dados sobre aeconomia e sociedade dessa etnia. Desde 1929,com a primeira viagem de Curt Nimuendajú à área,a presença de antropólogos produzindo relatosimportantes sobre os Ticuna tem sido umaconstante. No entanto, o último trabalho de pesofoi publicado, ainda na década passada, peloantropólogo João Pacheco de Oliveira2 . Essadissertação pretende fazer parte, portanto, de umanova safra de investigações sobre os Ticunajuntamente com a de Guilherme Martins deMacedo, recentemente defendida no mestrado doMuseu Nacional, e a de Regina Maria de CarvalhoErthal, a ser defendida no doutoramento da ENSP/Fiocruz.Ela tem sua origem em uma bolsa deaperfeiçoamento que obtivemos no fim de 1990para trabalhar no Projeto Estudos sobre TerrasIndígenas no Brasil (PETI), do Museu Nacional,coordenado pelo professor João Pacheco deOliveira. Já no final do ano seguinte, fomosconvidados por este para um trabalho de campo noalto Solimões, entre os índios Ticuna. O trabalho aser feito era a realização de uma etnografia

3 Ver Oliveira, 1988.

Page 3: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

47

econômica, tendo a aldeia de Vendaval comoreferência, com o objetivo de dar suporte a possíveispropostas que o Magüta (ONG com sede emBenjamim Constant-AM) apresentasse na área dedesenvolvimento das atividades produtivas daquelesindígenas.Mas quem são os Ticuna e o que é esse Magüta?

OS TICUNA E O ALTO SOLIMÕES

Os Ticuna são, talvez, o mais numeroso povoindígena em território brasileiro, com umapopulação estimada em cerca de 25.000 índiosapenas desse lado da fronteira, habitando, ainda queem menor número, também o Peru e a Colômbia.Historicamente povoavam o alto dos igarapésafluentes da margem esquerda do rio Solimões, dotrecho em que este entra em terras brasileiras até orio Içá/Putumayo. Como se verá no terceirocapítulo, um intenso processo de deslocamento emdireção ao Solimões, primeiro mantendo suatradicional distribuição populacional em malocasclânicas e, já na década de 70, de forma aconstituírem as mais de cem aldeias que hojeconhecemos (ver mapa em anexo, que, no entanto,não apresenta as áreas dos municípios abaixo deSão Paulo de Olivença, com as quais não estamostrabalhando nos limites desta dissertação), modificousubstancialmente a distribuição espacial desses índios.Sabe-se, ainda, que alguns desceram o rio até Tefée outros municípios do médio Solimões, tendo,também, fixado-se em reduzido número nomunicípio de Beruri, este último já no baixo cursodo Solimões, bastante próximo à cidade de Manaus.No alto Solimões, contudo, os Ticuna sãoencontrados em todos os seis municípios da região:Tabatinga, Benjamim Constant, São Paulo deOlivença, Amaturá, Santo Antônio do Içá e Tocantins.Sua população correspondia a cerca de 44% do totalda população rural desses municípios, segundo ocenso de 1980 do IBGE, existindo municípios ondeessa proporção chegava a mais de 60% (Tabatinga,

São Paulo de Olivença e Amaturá). Ou seja, nessestrês municípios os Ticuna são maioria entre apopulação rural, o que traz conseqüências político-eleitorais bastante interessantes, como se verá adiante(OLIVEIRA FILHO, 1988, p. 17).Quanto aos solos que se apresentam naquelaregião, pouco podemos dizer, além de quecorrespondem aos encontrados em toda a regiãoamazônica. Em um levantamento dos solos da AI.Évare I, realizado pelo engenheiro agrônomoDoracy Pessoa Ramos, através de imagem desatélite, concluiu-se, contudo, que essa áreaabrangeria, aproximadamente, 590.000 hectares,dos quais apenas 23.000 hectares, localizados ao longodos rios e igarapés, apresentavam, em 1992, usoantrópico, como se pode ver no mapa em anexo.O restante da área, de restrita ocupação humana,distribui-se por diversas feições geomorfológicas,todas típicas da região Amazônica, mas de diferentespotencialidades, não só com respeito às espéciesflorestais, como aos solos que as compõem. Sãoelas: Planalto Rebaixado (C1 e C2 no mapa - ondehá o domínio de floresta densa e dos solos maiscomuns na região Amazônica como os Podzólicos,Latossolos e Plintossolos), Planície de Diques (B1no mapa - com solos dominantes pertencentes àsclasses dos Aluviais, Hidromórficos, Podzólicos ePetroplínticos Hidromórficos), Planícies Colmatadas(A1, A2 e A3 no mapa - com solos Aluviais,Hidromórficos, Podzólicos e Plintossolos), e PlanícieMeândrica (D1 no mapa - cuja qualidade do solodepende, extremamente, do material transportadoe depositado pelos rios, podendo apresentar umavariabilidade intensa de características físicas equímicas). (ALMEIDA; RAMOS, 1992).

O CENTRO MAGÜTA E SEU TRABALHOENTRE OS TICUNA

Dentre os diversos atores sociais que pretendempromover o desenvolvimento regional, o Estado sedestacou em meados da década de 80 pela forma

Page 4: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

48

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

autoritária que pretendia sua atuação. E foi para fazerfrente às medidas do Conselho de SegurançaNacional (CSN), editadas no bojo do ProgramaCalha Norte, que incluíam ocupação militar,desenvolvimento econômico com a participação deempresas privadas, melhoria das condições decirculação na região, produção de energia e atémesmo a obstância do processo de regularizaçãode áreas indígenas situadas na faixa de fronteira, queos Ticuna fundaram em maio de 1986, com oauxílio de pesquisadores que já ali trabalhavam hápelo menos uma década, o Magüta: Centro deDocumentação e Pesquisa do Alto Solimões. Esteé qualificado em seus estatutos (ver anexo) comoentidade civil sem fins lucrativos, que tem comoobjetivo “promover, apoiar ou orientar estudos epesquisas, de natureza aplicada ou repercussõespráticas, sobre a cultura e a história dos povosindígenas do Alto Solimões, especialmente dosTicuna”. Sua estrutura básica é composta porDiretoria, Conselho Indígena, Conselho Fiscal,Conselho Científico e Corpo Técnico, dos quaissomente os dois primeiros têm alguma efetividadeno direcionamento de suas atividades: a Diretoria,como órgão executivo da entidade, e o ConselhoIndígena, como órgão consultivo.Além de dar continuidade ao trabalho que ospesquisadores já vinham ali desenvolvendo,principalmente a assessoria aos professores bilíngües,o Magüta vem realizando também, ao longo de umadécada de ação na região, trabalhos nas áreas desaúde e, mais recentemente, de desenvolvimento.Sua principal conquista, na verdade uma conquistados índios e de seu Conselho Geral da Tribo Ticuna(CGTT), foi a demarcação de cerca de um milhãode hectares das terras Ticuna naquela região. Sobreisso voltaremos a comentar oportunamente.Em 1992, pouco depois de nossa primeira viagem

à região, uma nova diretoria da entidade foi escolhida,dessa vez com uma maior participação dos índios,que passam a ser maioria. Seu presidente, PedroInácio Pinheiro (Ngematücü), também presidentedo CGTT, teve papel fundamental na transformaçãodo quadro de dependência e tutela a que estavamsubmetidos os Ticuna no passado, como veremosno terceiro capítulo. O orçamento anual dessainstituição, que atingiu seu ápice em 1993, quandoa demarcação financiada pelo governo da Áustriainjetou ali cerca de meio milhão de dólares, hojeatravessa um momento de retração, principalmenteporque suas principais financiadoras históricas(OXFAM e ICCO) decidiram não mais apoiarfinanceiramente a instituição, apesar de reiteraremsua importância e apoio formal à causa Ticuna. Hojeesse orçamento está na casa dos sessenta e cincomil dólares, em grande parte comprometido comuma folha de pagamento que só agora começa a seadaptar a essa nova realidade.Esta situação de redução drástica dos recursos teverepercussões importantes no “Projeto deEtnodesenvolvimento Ticuna”, responsável pelasações da entidade na área de desenvolvimento eque será melhor analisado no quarto capítulo4.Ou seja, foi responsável em grande medida pelasua concreta não- implementação. Hoje, éprincipalmente nessa área que se concentram osesforços da equipe de assessores, no sentido deampliar os contatos com outras agênciasfinanciadoras, como a União Européia, e conseguirnovos financiamentos que dêem continuidade aotrabalho já iniciado.A intenção dos índios e da atual diretoria, queainda conta com dois quintos de “não-índios”,é que a próxima diretoria seja composta apenaspor Ticunas, e que, com isso, estes possam cadavez mais determinar de forma independente os

4 Etnodesenvolvimento significa aqui, nessa dissertação, a possibilidade de um desenvolvimento que pretenda ter um dado grupoétnico como sujeito, conforme tem sido pensado pela equipe do Centro Magüta.

Page 5: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

49

rumos da entidade. Essa sempre foi, aliás, umarealidade dentro do Magüta, visto que além doatual presidente, do primeiro e do segundosecretários serem indígenas, freqüentemente oConselho Indígena, composto por cerca de vintelideranças das mais destacadas entre os Ticuna,é consultado no sentido de direcionar a ação daentidade.

DIÁRIO DE CAMPO

Logo em nossa primeira viagem a campo, tivemosa sorte de participarmos como observador de umareunião da Comissão Indígena do Centro Magütae, assim, começarmos a nos familiarizar um poucocom a política Ticuna. Em janeiro de 1992embarcamos para Benjamim Constant (AM) com oentão presidente da entidade, João Pacheco, quenos apresentou aos líderes ali presentes e conversoucom o capitão-geral, Pedro Inácio, para que estenos hospedasse em sua casa pelos próximos meses,e deste modo pudéssemos realizar a pesquisaproposta. Assim o fizemos.Durante os meses de janeiro a março daquele ano,estivemos em todas as casas da aldeia de Vendaval,acompanhados sempre de um tradutor (EgbertoInácio Carlos), que nos ajudou a realizar mais deuma centena de entrevistas, seguindo um roteiroanteriormente determinado. Fomos, ainda, a outrasaldeias próximas dali. Conhecemos um pouco ointerior do igarapé São Jerônimo e pudemostambém presenciar uma manifestação contra ademarcação das terras indígenas, realizada nacidade de Tabatinga, que, conforme nos foirelatado, tinha o objetivo de agradar ao entãogovernador do estado do Amazonas, GilbertoMestrinho, e conseguir o seu apoio político paraas eleições municipais daquele ano.Ainda em 1992, fui convidado a fazer parte da equipedo Magüta na qualidade de assessor dedesenvolvimento. A entidade foi àquela épocadividida em áreas de atuação, cada uma com um

assessor, responsáveis pelo andamento dos projetos.Foram criadas ao todo quatro áreas: educação emuseu, a cargo da pesquisadora Jussara GomesGruber (uma das fundadoras da entidade e suaprimeira vice-presidente); saúde, a cargo daantropóloga Regina Maria de Carvalho Erthal;desenvolvimento e luta pela terra, esta última sob aresponsabilidade do também antropólogo JoãoPacheco de Oliveira, seu primeiro presidente. Foiessa experiência como assessor do Magüta e anecessidade de aprofundarmos a análise sobre odesenvolvimento que nos estimularam a cursar omestrado em Desenvolvimento Agrícola.No ano seguinte, agora durante os meses do verãoamazônico, onde a quantidade de chuva não é tãogrande e os rios estão mais secos, voltamos à áreae lá realizamos o mesmo levantamento para outrassete aldeias, definidas pelo conselho indígena comoprioritárias para o início dos trabalhos do Magüta naárea de desenvolvimento. Desta vez, no entanto, oquestionário não foi aplicado a todas as casas, massob forma de amostragem. Estivemos, ainda,acompanhados de um tradutor em cada aldeia emque passamos. Este levantamento, realizado entrejunho e agosto daquele ano, permitiu-nos recolherinformações relativas à fauna e às culturas de várzea,que não foram citadas no ano anterior. Desta forma,pudemos perceber que as respostas dos informantes,assim como suas memórias, estavam muitorelacionadas às suas preocupações mais imediatas.Durante essa viagem, tivemos, ainda, a oportunidadede acompanhar o processo de demarcação dealgumas das seis áreas demarcadas naquele ano coma participação do Magüta, hoje homologadas peloPresidente da República e registradas nos cartóriosda região. Presenciamos, também, seguidasreuniões das lideranças Ticuna que acompanhavamo trabalho da empresa contratada, para evitar errosnos limites das áreas, procurando sempre esclareceras dúvidas da empresa e dos Ticuna.Tivemos, ainda, a oportunidade de voltar a campopor mais quatro vezes depois disso, cujas viagens

Page 6: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

50

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

foram mais curtas e com objetivos diferentes. Duasdessas viagens fizemos a convite da Funai, a primeiraa fim de dirimir dúvidas a respeito da intenção dosTicuna em venderem palmito de açaí a uma empresainstalada na cidade de Benjamim Constant, aAgropalm, e a outra a fim de levantar as necessidadesdos Ticuna em termos de assistência do órgão tutorcom vistas a elaboração de um possível “Programado Alto Solimões” de assistência àquela população.Em todas estas ocasiões, inúmeras foram as vezesque participamos de reuniões entre a população deuma aldeia ou de entidades representativas dosTicuna, tais como o CGTT e a Organização Geraldos Professores Ticuna Bilíngües (OGPTB). Aobservação de uma assembléia ou reunião,entendida como um momento extremo ondeconflitos e alianças explodem, foi-nos de imensavalia para uma melhor compreensão da sociedadeTicuna e do movimento de suas lideranças, tendosubsidiado em grande parte algumas das reflexõesque surgiram ao longo da redação desta dissertaçãoe que serão a seguir apresentadas.

UMA ABORDAGEM AO NOSSO OBJETO

Pretendemos, portanto, proceder a uma análise daeconomia e da sociedade Ticuna, considerando suasituação de contato com as diversas agências,procurando compreender em uma dada SituaçãoSituaçãoSituaçãoSituaçãoSituaçãoHistóricaHistóricaHistóricaHistóricaHistórica5 qual seria a mais adequada das diversasalternativas que se apresentam aos Ticuna para odesenvolvimento de suas atividades produtivas,expressas em uma es t rutura de esco lhases t rutura de esco lhases t rutura de esco lhases t rutura de esco lhases t rutura de esco lhas6

determinada pelo embate dos diversos agentes emcontato, ou seja, determinada por essa mesmasituação históricasituação históricasituação históricasituação históricasituação histórica.Consideramos, ainda, que o conceito deDesenvolvimento SustentadoDesenvolvimento SustentadoDesenvolvimento SustentadoDesenvolvimento SustentadoDesenvolvimento Sustentado7, amplamentedebatido a partir da Eco-92, pode ser de extremavalia para a determinação da melhor alternativa dedesenvolvimento rural para os Ticuna. O “Projetode Etnodesenvolvimento Ticuna”, elaborado peloMagüta e cuja noção de desenvolvimento (quepodemos apreender dos debates internos a essainstituição) muito se assemelha àquela que iremosexpor no primeiro capítulo, e a presença dessaONG como uma importante agência de contatonessa nova situação histórica, transformando aprópria estrutura de escolhas disponível aos Ticuna,trazem, ainda, a questão do papel das ONGs (emcontraposição com o Estado ou não) nodesenvolvimento rural e a importância dodesenvolvimento institucional na transformação daestrutura de poder e, portanto, na construção deuma nova situação histórica.Deste modo, o presente trabalho é composto poresta introdução, quatro capítulos e uma conclusão,no qual procuramos apontar as possibilidades queavistamos, no desenrolar da experiência dos Ticunacom um novo tipo de desenvolvimento que,acreditamos, poderá ser-lhes proveitoso.No primeiro capítulo, procuraremos discutir algunsconceitos do que venha a ser este desenvolvimentoentre os Ticuna, assim como problematizar umpouco o papel das ONGs na promoção dodesenvolvimento rural. No segundo capítulo,

5 Por Situação Histórica entendemos, conforme definido por Oliveira, o modo como se dá a distribuição de poder entre os diversosatores sociais ou, ainda, o conjunto de relações sociais entre esses atores pertencentes a diversos grupos étnicos. (OLIVEIRA,1988, p. 54-59).

6 A estrutura de escolhas, segundo Przeworski, é constituída por relações sociais e a partir dela os agentes fazem sua opção, quepode ser até mesmo a de alterar essas relações sociais. (PRZEWORSKI, 1989, p. 118).

7 A discussão acerca desse conceito ainda não nos permite uma definição definitiva, como se verá no primeiro capítulo. Aquiassumimos a necessidade fundamental da busca por uma sociedade democrática, onde eqüidade tem um valor central.

Page 7: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

51

buscaremos demonstrar como tem se dado,historicamente, a intervenção do Estado, ou mesmode outras agências, através dos chamados “projetoseconômicos” em área indígena, procurandocaracterizar o fracasso e o sucesso de taisexperiências como algo relativo, ou seja, sucessopara uns pode significar o fracasso para outros.No terceiro capítulo, pretendemos caracterizar asdiferentes situações históricas que explicam a situaçãode contato entre os Ticuna e a sociedade nacionalenvolvente e como a lógica de produção ereprodução daquela sociedade, alicerçada sobre oque João Pacheco de Oliveira chamou de gruposvicinais, consegue explicar a economia e sociedadeTicuna ainda hoje, apesar de todas as transformaçõesocorridas nos últimos anos. No quarto capítulo,procuraremos, enfim, através da identificação daestrutura de escolhas que se apresenta hoje para osTicuna, apontar as recentes transformações pelasquais está passando aquela sociedade e sua relaçãoatual com as diferentes agências de contato.

DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO,DESENVOLVIMENTOINSTITUCIONAL E O PAPEL DAS ONGS

Origens e filiações ideológicasOrigens e filiações ideológicasOrigens e filiações ideológicasOrigens e filiações ideológicasOrigens e filiações ideológicasdo Desenvolvimento Sustentadodo Desenvolvimento Sustentadodo Desenvolvimento Sustentadodo Desenvolvimento Sustentadodo Desenvolvimento SustentadoNão pretendemos, nos limites deste capítulo, dar contade todas as diferentes concepções que hoje há acercado que venha a ser Desenvolvimento Sustentado,mesmo porque esse é um conceito sobre o qual hámuita controvérsia. Ao contrário, limitaremo-nos aapontar algumas questões que consideramosimportantes com o objetivo de ressaltar o“desenvolvimento” aqui defendido, no restante desta

dissertação, como o mais adequado econômica, sociale ambientalmente para a área Ticuna. Ou seja,pretendemos apontar como esse conceito pode vir aser útil para pensarmos um desenvolvimento daeconomia e da sociedade Ticuna, garantidas apreservação ambiental e a equidade.Os autores são unânimes em apontar o começo dadécada de 70 e particularmente a 1a Conferênciadas Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano,em Estocolmo (1972), como época em que afloroumais fortemente o debate acerca da existência ounão de uma contradição entre a proteção do meioambiente e o crescimento econômico8.Foi, entretanto, apenas em 1987, com o informe daWorld Comission on Environment and Development(WCED), conhecido apenas por Relatório Brutland,que esse conceito tornou-se mais divulgado e,apenas na 2a Conferência das Nações Unidas sobreMeio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), aRio-92, que esse se populariza. (MENEZES, 1996,8-9) Depois desse evento, os debates em torno dodesenvolvimento, antes restritos a tecnocratas,economistas etc., expandiram-se, atingindo umpúblico das mais diferentes camadas sociais.Rapidamente, como afirma José MarcelinoMonteiro da Costa, o Desenvolvimento Sustentado“tornou-se panacéia e slogan inevitável da ‘sabedoriaconvencional’”, sendo adotado por governos,organismos internacionais de fomento e até mesmoinstituições acadêmicas. (COSTA, 1995, p. 2-6)O resultado desta rápida difusão do conceito, sepor um lado o manteve envolto em uma névoaque impossibilita sua definição objetiva, por outrotrouxe o tema do Desenvolvimento e MeioAmbiente para dentro do Estado e estimulou areflexão de inúmeros cientistas, trazendo-os adiscutir dentro do “campo ambientalista”9.

8 Entre esses autores podemos citar, por exemplo, Fatheuer (1994), Menezes (1996), Rattner (1992) e Costa.9 Estou aqui usando a noção de “campo” conforme enunciado por Bourdieu, ou seja, de forma a sinalizar que o objeto em questão

não está isolado de um conjunto de relações, essenciais para entendê-lo (BOURDIEU, 1989, p. 27).

Page 8: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

52

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

Muitos desses pesquisadores começam a apontar oambientalismo como um discurso alternativo aodesenvolvimento capitalista, após o ruir do socialismoreal e a crise de paradigmas a ele associada.10 SegundoGustavo Lins Ribeiro, por exemplo, a tradiçãodesenvolvimentista do capitalismo, construída nadisputa pela hegemonia na era industrial, era capazde eliminar diferenças de classe em nome de valorescomo crescimento, inovação tecnológica emodernização. A contemporânea crise deparadigmas científicos e culturais que leva a umquestionamento daquele modelo de desenvolvimentocapitalista poderia, contudo, levar também a umquestionamento dessas diferenças. Segundo Ribeiro,o sucesso do ambientalismo está associado ao fatode ser percebido e divulgado, inclusive pela mídia,como uma ideologia cega às contradições de classe,substituta, portanto, do desenvolvimentismocapitalista. Voltaremos, mais adiante, a comentar esseponto.O Desenvolvimento Sustentado surge, então, comouma noção que, mesmo não sendo rigorosamentedefinida, possibil ita uma crítica ao modelodesenvolvimentista hegemônico. Afinal, há muitadisputa em torno da apropriação do termo que podeir de um desenvolvimento, com leve preocupaçãoecológica, a uma total recusa desse que não sejaestritamente ecológico.Maria Célia Nunes Coelho procura apontar, em umartigo recente, as duas principais correntes do campoambientalista, ambas surgidas no fim dos anos 60 ebaseadas em tradições distintas do pensamento: o“Desenvolvimento Sustentável” (que ela tambémnomeia de Ecodesenvolvimentismo) e a EconomiaPolítica do Meio Ambiente. Desde logo alertamos

que essa dicotomia nos parece equivocada. Mesmoressalvando que essas grandes correntes escondemdiferenças significativas, a autora, ao proceder a essaclassificação, que como todas as classificações não éabsolutamente ingênua, produz uma simplificaçãoperigosa.À abordagem da Economia Política do MeioAmbiente a autora associa, sobretudo, a reação àsinterpretações a-históricas e a-espaciais dasrelações entre seres humanos e natureza, comunsnos trabalhos de alguns ecologistas. Essa corrente,ainda segundo Coelho, procura integrar apreocupação ecológica à economia política baseadanas teorias de Marx, reconhecendo as especificidadeshistóricas das diferentes formações sociais. Nãocremos que seja impossível pensar o uso sustentáveldos recursos naturais, percebendo os limites que aordem de dominação econômica, social e políticapode impor. Ao contrário, cremos ser possível ouso da noção de desenvolvimento sustentado demodo que os conflitos existentes na sociedade,sejam ou não conflitos de classe, possam serpensados como uma variável importante nadeterminação da própria relação dessa sociedadecom a natureza.11

A classificação produzida por Henri Acselrad natentativa de analisar a luta por tal conceito, apesarde também simplificadora, tem a vantagem depermitir que tornemos clara uma diferença entre asdiversas concepções de desenvolvimento sustentado,que consideramos importante e que está relacionadacom o reconhecimento ou não de tais conflitos. Éque esse autor distingue entre os que reconhecema impossibil idade do mercado, diante da jámencionada crise ambiental, em respeitar os limites

1 0 Apesar da lista de pesquisadores que comungam dessa interpretação ser interminável, cito apenas Moreira, Ribeiro, Becker eAcselrad. Com respeito à crise de paradigmas, ver Kuhn (1989) e Capra (1982).

1 1 Na verdade é a classificação simplificadora de Maria Célia Coelho que a impede de comentar como já há pesquisadores pensandoo Desenvolvimento Sustentado com este tipo de preocupação. Dentre os autores com os quais estamos trabalhando aquipodemos citar Roberto Moreira (1994 e 1991) e Bertha Becker (1993).

Page 9: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

53

do meio ambiente e propõe que medidas sejamtomadas de modo a garantir a continuidade domodelo capitalista de desenvolvimento12, e aquelesque identificam esta à própria crise do modelo,propondo que os caminhos de sua superaçãopassem pela introdução de mudanças na estruturade poder sobre os recursos naturais (ACSELRAD,1993, p. 5).Ainda segundo o mesmo autor, a primeira linha doDesenvolvimento Sustentado pretende estender alógica do Capitalismo aos processos naturais e,assim, inaugurar uma tendência ao aprofundamentodos mecanismos de expropriação das comunidadestrabalhadoras que ainda detêm algum controle sobreos recursos naturais. Trata-se de privatizar aindamais a natureza (lotear a água, patentear os seresvivos etc.) ou punir monetariamente o poluidor. Dequalquer modo, fixa-se um preço a ser pago pelomeio ambiente ou pela sua destruição e, assim,torna-se possível ao mercado controlar, também,essa variável (ACSELRAD, 1993, p. 6).

Correntes de pensamento a que se vincula oCorrentes de pensamento a que se vincula oCorrentes de pensamento a que se vincula oCorrentes de pensamento a que se vincula oCorrentes de pensamento a que se vincula oDesenvolvimento SustentadoDesenvolvimento SustentadoDesenvolvimento SustentadoDesenvolvimento SustentadoDesenvolvimento SustentadoO que Ribeiro vê, acertadamente, como fator queexplica o sucesso do ambientalismo como ideologia/utopia emergente neste momento de crise dosparadigmas e que poderia ser visto como uma críticade Coelho ao “Desenvolvimento Sustentável”, ou seja,a possibilidade de ocultamento das diferenças no interiorda própria sociedade, parece-nos ser reflexo daprópria disputa no interior do campo ambientalistaacerca dos usos do termo. Ou seja, essa é apenasuma forma de apropriação da noção, talvez a maisaceitável e menos crítica do sistema capitalista e,portanto, a que mais interessa a esse sistema.Das correntes de pensamento que Maria CéliaCoelho vincula a esse conceito, a saber – omalthusianismo, o anarquismo, as filosofias orientais

e o pacifismo de Ghandi – deteremo-nos apenasnas duas primeiras. A primeira para pôr em dúvidaessa filiação, pelo menos no que diz respeito àtotalidade dos autores, e a segunda para ressaltarum aspecto daí advindo que considero fundamentala esse conceito.Do mesmo modo como a classificação torna possívelque se tome por uma característica geral o que éuma das apropriações possíveis e, assim, assumapapel importante na disputa pelo uso do termo nointerior do campo, ela permite que se vincule todauma corrente do desenvolvimento sustentado àtradição de pensamento fundada nas teorias deThomas Malthus. Parece-nos insustentável quetodos os autores que poderiam ser incluídos alitenham uma concepção tão pessimista quanto àspossibilidades de um Desenvolvimento Sustentado,contínuo e sem limitações de ordem populacional.Por outro lado, parece bastante conveniente que asapropriações dessa noção mais crítica ao capitalismoe, portanto, com menos afinidades com o sistemade poder vigente, ganhem esse rótulo ao nível dosenso comum, um rótulo que desqualifica essasapropriações, desconhecendo as propostas que essastrazem em termos de um desenvolvimentoalternativo. O papel do pesquisador é evitar queessa disputa no campo ambientalista sejanaturalizada.Há ainda riscos, como os apontados por BerthaBecker (1993), na adoção de um modelo dedesenvolvimento como o proposto, que não sereferem apenas à possibilidade do fracasso daexperiência por inadequação do modelo utilizado,mas também por mal uso deste. Entre esses, ressaltoa adoção da política do “small is beautiful”, que podepropiciar o rótulo de malthusianismo a que já nosreferimos, o agravamento das desigualdades sociaise espaciais e o perigo da fragmentação do territórionacional, tão caro aos militares.

1 2 Voltaremos adiante a comentar algumas dessas medidas, tenham elas um caráter de crítica ao modelo de desenvolvimento ou não.

Page 10: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

54

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

A segunda corrente, apontada por Maria CéliaCoelho, a qual o “Desenvolvimento Sustentável”se fi l ia, e que gostaria de comentar maisdetalhadamente, é o anarquismo. Segundo a autora,esse é incorporado através da obra do geógrafo PeterKropotkin e traz consigo idéias de justiça social,distribuição igualitária dos recursos e temas como adescentralização e planejamento participativo. Essesligados hoje à gestão social e governamental deterritórios, entendidos como socialmente construídos,legitimados, administrados e defendidos.13

Diversos autores consideram, a partir dessas idéias,a noção de eqüidade como fundamental para esseconceito. Conway e Barbier (1990), por exemplo,consideram como indicadores-chave, para seavaliar a performance agrícola de um sistema, a suaprodutividade, a sua estabilidade e a eqüidade queele proporciona. Esta última sendo definida peladistribuição, ou não, da produtividade do sistemapelos que nele trabalham.A eqüidade aqui é perseguida não apenas dentro deuma mesma sociedade, mas também entresociedades distintas. Margulis, por exemplo, em seuartigo “Controle Ambiental: Coisa pra Rico?”(1992), questiona se é justo os países emdesenvolvimento refrearem seu crescimento e, comisso, o atendimento às muitas demandas sociais quepossuem, para controlar o nível de poluição global.Segundo muitos autores, baseados nos estudos quederam subsídios à discussão na Eco-92, os padrõesde consumo dos países do hemisfério norte sãoresponsáveis pela grande maioria dos problemasambientais emergentes.Os meios de como fazer para atingir oDesenvolvimento Sustentado, seja confiando nas leisdo mercado, seja através de uma presença bastante

forte do Estado para regulá-lo, são muitos dentrodo debate supracitado e, ainda, estão por provarsua eficiência. Há muitas dúvidas, por exemplo, seiniciativas como o eco-selo, ou selo verde, quepretende dar melhores condições de inserção nosmercados externos a produtos “ecologicamentecorretos”, poderão dar certo14. Pa r e c e - m e ,também, pouco palpável, ou melhor, bastante difícilde assegurar aos “povos da floresta” a garantia dosdireitos de propriedade intelectual propostos porPosey (1992, p. 32), pelos recursos naturais queresultem em benefícios ao homem, preservadosgraças à sua relação com o meio ambiente.Uma proposta para que o capital necessário aoinvestimento na pecuária intensiva, por exemplo,ou no manejo da floresta pelas madeireiras,atividades consideradas como adequadas por algunsautores que pretendem apenas uma “reformaambiental” do sistema, seja advindo das atividadesconsideradas não-sustentáveis, poderia ser tiradada leitura de Conway e Barbier (1990). Os recursosconsiderados exauríveis, segundo esses autores,devem gerar recursos a serem investidos em outrasatividades econômicas, incluída aí a indústria.“Forests can be felled and the revenues used foragricultural development, or agricultural land givenover to urban and industrial growth” (Ibid, p. 29).Essa proposta também me parece estar em sintoniacom os métodos de Contabilidade Nacionalpropostos, por exemplo, por Ronaldo Serôa daMotta e Peter May, já que o esgotamento de umrecurso não é desperdiçado em consumo imediato,mas reinvestido em atividades que propiciarão ocrescimento do PIB do país. Desta forma, mesmohavendo um consumo das reservas de recursosnão-renováveis, o PIB não decresce, ainda que se

13 É interessante ressaltar a importância da construção e gestão do território na disputa pela hegemonia e controle dos significados erelações, e a conseqüente legitimação dos usos que os atores sociais pretendem para o espaço. A esse respeito ver Little (1994).

1 4 Ver o artigo de Posey (1994), que questiona se o “consumismo verde” poderá criar um novo modelo.

Page 11: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

55

utilize desse método “ecológico” de contabilidadenacional. Há, ainda, diversas outras propostas comoos eco-impostos, ou o “princípio do poluidorpagador”, a proibição radical de insumos químicosperigosos etc. Independentemente de tais propostasserem factíveis e de que tipo de êxito poderãoalcançar, seria importante detalharmos, pelo menos,três importantes definições do que vem a ser oDesenvolvimento Sustentado e entendermos suasorigens e limitações daí advindas. Para tanto,uti l izaremo-nos, basicamente, da análise deMenezes sobre tais propostas (MENEZES, 1996,p. 1-52).Mais uma vez, não pretendemos aqui esgotartodas as poss ibi l idades de def in ição desseconceito, mas analisar, brevemente, três dessasdiferentes definições com o objetivo de nosaproximarmos ainda mais daquela que nos parecemais atraente, principalmente no trato compopulações culturalmente diferenciadas.

A definição da FA definição da FA definição da FA definição da FA definição da FAAAAAOOOOOSegundo Francisco Menezes, também dentro daFAO (Organização das Nações Unidas voltada paraa agricultura e a alimentação), diversas poderiamser as definições de Desenvolvimento Sustentado.Entretanto, há uma que, por sua capacidade deassegurar um certo consenso entre os diversosgovernos dos países membros da organização, étida como posição oficial desse órgão:“O desenvolvimento sustentável consiste naordenação e conservação da base de recursosnaturais e na orientação da mudança tecnológicae institucional, de tal maneira que se assegure acontínua satisfação das necessidades humanaspara as gerações presentes e futuras. Estedesenvolvimento viável (nos setores agrícola,florestal e pesqueiro) conserva a terra, a água e osrecursos genéticos vegetais e animais, não degradao meio ambiente e é tecnicamente apropriado,economicamente viável e socialmente aceitável”(FAO, 1994, p. 5).

Em outros documentos desse órgão, quandomelhor explicado esse conceito, Menezes acreditaidentificar uma preocupação exagerada com oaumento da produção, com vistas a alimentar umnúmero crescente de população. Os meios paraisso são, bas icamente, a intensi f icação daprodução com a ressalva da proteção ambiental.Perde-se aqu i o que Rattner define comodi ferença entre crescimento econômicosustentado e Desenvolvimento Sustentado, queteria em conta não apenas a preocupação com aquestão ambiental, mas envolveria dimensõescomo a social, política e cultural. A incorporaçãodessa dimensão ambiental, ainda segundo Rattner,não representa condição suficiente para alcançaro Desenvolvimento Sustentado, nem para amelhoria da qualidade de vida dos “excluídos”(RATTNER, 1992, p. 19).Menezes chega mesmo a afirmar, baseado nascríticas que diversos autores fazem à posição daFAO, que esta não coloca em cheque o “modelointensivista” ligado à chamada Revolução Verde. Adefinição de Desenvolvimento Sustentado queemerge dos documentos da FAO poderia,portanto, ser enquadrada na linha que Acselradidentificou como não- crítica ao modelo dedesenvolvimento capitalista. Na verdade, issonão poderia se dar de outra forma, já que osgovernos membros desse organismo estãopermanentemente, comprometidos com amanutenção do status quo.O limite dessa concepção de DesenvolvimentoSustentado está, portanto, na própria natureza doórgão que faz, por exemplo, com que a questão dopapel do Estado e do mercado na regulação dasagriculturas nacionais seja exposta de maneirabastante ambígua.Outra definição que, por sua importância no campoambientalista, deve ser aqui analisada é a surgida apartir do encontro dos chefes de Estado de todo omundo na 2ª CNUMAD.

Page 12: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

56

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

A definição resultante da Agenda 21A definição resultante da Agenda 21A definição resultante da Agenda 21A definição resultante da Agenda 21A definição resultante da Agenda 21Segundo a análise de Menezes, baseadoprincipalmente no documento preparado a partirdo debate entre as delegações de todos os paísesparticipantes da 2a CNUMAD, surge ali, também,uma certa compreensão do que viria a ser oDesenvolvimento Sustentado. Esta, contudo, nãoavança muito além daquelas propostas pela FAO.Talvez também pela heterogeneidade dos interessesali representados, os problemas ligados à economiade mercado são esquecidos e as questões sociais eecológicas daí resultantes são descuidadas(MENEZES, 1996, p. 24-31).Do documento resultante da CNUMAD, oCapítulo 14 é o que faz referência explícita aodesenvolvimento agrícola, mas sem que sejaempreendida uma discussão crítica do modelo dedesenvolvimento capitalista ou se que proponhaqualquer transformação dos paradigmas naagricultura. A proposta aqui é francamenteintensivista, com um viés ecológico, contudo,representada pela preocupação em “evitar umaexpansão ainda maior para as terras marginais e ainvasão dos ecossistemas frágeis” (apud MENEZES,1996, p. 26).Apesar de sua importância na sinalização doscaminhos para uma política global para o meioambiente, assim como acontece com a propostada FAO, a definição que emerge da Agenda 21 temlimites que poderíamos entender como advindosde sua origem. E é esse mesmo “pecado original”,gestado em meio a uma multiplicidade de interessesdos Estados Nacionais, que o faria forte na definiçãode propostas viáveis a serem implantadas por essespaíses. Essas, contudo, são muito tímidas,aparecendo o Estado sempre como coadjuvante esem a dimensão das diferentes correlações de forçasque os sustentam.Já o documento resultante do fórum paralelo, queONGs e Movimentos Sociais de todo o mundorealizaram, simultaneamente ao encontro doslíderes no Rio Centro, aparece acertadamente na

análise de Menezes como conseguindo uma maiorrepresentatividade, principalmente por se tratar deexpressão de organizações da sociedade civil domundo todo, interessadas em divulgar alternativaspara a agricultura que propiciassem a superação domodelo de desenvolvimento que consideram falido(MENEZES, 1996, p. 31).

Uma definição de fora do EstadoUma definição de fora do EstadoUma definição de fora do EstadoUma definição de fora do EstadoUma definição de fora do EstadoA crítica ao modelo de desenvolvimentoempreendida pelo documento resultante do fórumparalelo é definitiva, responsabilizando-o pelaimpossibilidade do desenvolvimento continuado semdilapidação dos recursos naturais e do saberacumulado por populações tradicionais no manejosustentado de diferentes ecossistemas. Falta,contudo, ainda segundo Menezes, uma proposta denovo padrão tecnológico a ser adotado e umaafirmação do papel primordial do Estado naregulação dos mercados e no direcionamento dosdiferentes atores rumo à sustentabil idadeeconômica, ambiental e sociocultural ali proposta.Essa compreensão da agricultura sustentável,alcançada por ONGs e movimentos sociais, durantea Eco-92, por refletir com razoável fidelidade umcerto consenso mínimo alcançado arduamente nocampo ambientalista, mostrou-se, contudo, damaior importância para o aprofundamento dosdebates acerca do desenvolvimento e meioambiente, incrementado ainda mais por novaConferência, realizada em Mulheim, (Alemanha) emsetembro de 1994. Vale, portanto, uma citação dadeclaração de Mulheim sobre a agriculturasustentável, apresentada por Menezes, ressaltandoaspectos que consideramos fundamentais para umacompreensão adequada do papel doDesenvolvimento Sustentado em quaisquersociedades. Essa definição, que reflete de formabastante precisa o aprofundamento da questãoposteriormente à Eco-92 e uma certa superaçãode alguns problemas das definições anteriormenteexpostas, é a seguinte:

Page 13: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

57

“um sistema que é ecologicamente são,economicamente viável, socialmente justo eeqüitativo e promove tecnologia apropriadacontribui para a segurança alimentar e é parte domovimento até uma sociedade democrática” (apudMENEZES, 1996, p. 35).Tratando com populações culturalmentediferenciadas, onde a busca por “democracia” podeter signif icados bastante diversos daquelescompartilhados pelas sociedades “ocidentais”,acreditamos que os princípios democráticos de quefala Menezes são também fundamentais, na medidaem que garantam o respeito ao “outro”, apesar deinseparáveis da apropriação que essas populaçõesfazem do termo.Das três definições aqui apresentadas, essa última éa única que poderia ser analisada por Acselrad comocrítica ao modelo de desenvolvimento capitalista,assim como às tecnologias aplicadas na agricultura apartir da Revolução Verde.Gostaríamos, ainda, de reafirmar que essa é adefinição que mais se aproxima da utilizada peloCentro Magüta nos debates internos sobre odesenvolvimento na área Ticuna. Aliás, isso não éde se estranhar, já que estando sempre referido àsdiscussões com seus pares (outras ONGs e agênciasfinanciadoras), o Magüta deve estar, naturalmente,ancorado nos mesmos conceitos que ali aparecem.

Desenvolvimento Institucional:Desenvolvimento Institucional:Desenvolvimento Institucional:Desenvolvimento Institucional:Desenvolvimento Institucional:um debate recenteum debate recenteum debate recenteum debate recenteum debate recenteO tema da descentralização vem tendo crescenteimportância nas recentes discussões acerca dodesenvolvimento rural na América Latina, resultadode mudanças macroeconômicas e do contexto deredemocratização por que passa a região desde adécada de 80, com conseqüências em termos denovas propostas para a modernização do Estado,participação democrática e cidadã etc.A descentralização, que segundo Chiriboga pode seradministrativa, política, econômica ou social, permiteuma mais eficiente alocação dos recursos disponíveis

e uma melhora na qualidade dos serviços prestadosà população, pois se constitui em uma forma deorganização mais próxima dos consumidoresindividuais (CHIRIBOGA, 1994, p. 305-338).Neste sentido, programas de desenvolvimento ruralgerenciados a partir de unidades mais próximas dapopulação, ou seja, funcionando de formadescentralizada, têm melhores possibilidades demaximizar sua eficiência.As experiências, no entanto, que a partir da décadade 80 começaram a ser desenvolvidas, baseadasnessa discussão e quase sempre financiadas pororganismos de cooperação internacionais tais comoo BID, foram, em geral, consideradas ineficazes,principalmente por causa de sua ênfase exclusiva naszonas rurais e nos camponeses mais empobrecidos,por sua falta de coerência com as políticas implantadasno plano nacional e por seu caráter poucosustentável.A partir dessas críticas, paulatinamente foram seconfigurando duas diferentes noções dedesenvolvimento rural. A primeira ligada aos bancosinternacionais de fomento e que puseram ênfase nanecessidade de se estabelecer fundos nacionais definanciamento para o combate à pobreza e a segundaque enfatiza uma perspectiva microrregional, como fortalecimento dos governos locais e dasorganizações da sociedade civil.Absalón Machado, que poderíamos enquadrar nessasegunda linha, define o desenvolvimento rural como:“un proceso dinámico de cambio acumulativo y detransformación de las sociedades rurales locales, quecom la participación de los distintos actores sociales,permite diversificar tanto las atividades productivasy de generación de ingresos, como las formas deorganización social y de participación política, yalcanzar desarrollos tecnológicos en medio de ladiversidad cultural” (MACHADO, 1994, p. 273).Ainda segundo Machado, para que esse processoseja completo e leve a transformação estrutural dasociedade é necessária a existência de umdesenvolvimento institucional, rompendo com as

Page 14: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

58

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

amarras que impedem a mudança tecnológica epromovendo valores e atitudes que se destinam aresolver os impasses do desenvolvimento. Essedesenvolvimento institucional consistiria, então, emcriar capacidades para empreender processosdinâmicos de mudança que permitam desenvolvero Estado, dar maior densidade à sociedade civil eenvolver todos os atores sociais (MACHADO,1994, p. 274).Não se trata, cabe ressaltar, de um fortalecimentoinstitucional que busca aumentar a capacidade dasatuais instituições sem mexer no equilíbrio depoderes que sustenta todo o sistema, mas detransformá-las através da mudança de atitudes evalores.Ainda segundo Machado, alguns elementosdeveriam estar incluídos num programa dedesenvolvimento institucional, de modo que essevenha a ter sucesso. Desses elementos,gostaríamos de ressaltar alguns que consideramosrelevantes e que podem nos ser especialmenteúteis na discussão sobre o desenvolvimento na áreaTicuna, a que procederemos a seguir. São eles: odesenvolvimento de sistemas de educação eformação de recursos humanos, com novas visõese atitudes; a organização e capacitação dascomunidades alvo; a utilização de mecanismos parapotencializar e densificar a sociedade civil em umcontexto de diversidade cultural e política; odesenvolvimento e a instrumentalização de novosconceitos como o de sustentabilidade, eqüidade edescentralização; a geração de mecanismoseficientes para processar e manejar os conflitospróprios da mudança e das sociedades rurais etc.Caberia, então, ao Estado, e também ao setorprivado, intervir de modo a propiciar que taiselementos estejam presentes no desenvolvimentorural almejado. Ele deve criar condições para quese eliminem os obstáculos estruturais que impedemque os diferentes atores tenham acesso aos recursose que os mobilizem para sua utilização com critériosde mercado (MACHADO, 1994, p. 278).

Além das políticas sociais clássicas como educação,saúde, lazer, habitação e saneamento, cabe ainda aoEstado prestar assistência técnica, desenvolver a infra-estrutura comercial, zelar pela conservação do meioambiente, promover a organização camponesa e odesenvolvimento da sociedade civil em todas as suasformas, garantir o crédito para pequenos e médiosprodutores, entre outras tantas medidas. Trata-se,portanto, de intervir para que as populações maisdesfavorecidas não fiquem à mercê do poder domercado, que, além de não garantir qualquereqüidade nas relações por ele mediadas, não resolveproblemas básicos da sociedade camponesa, comoo acesso à terra, ao crédito e à informação.Como tal intervenção do Estado deve ser posta emprática por municípios ou outras unidadesadministrativas de âmbito mais local, a democratizaçãona política de tais unidades é essencial para que odesenvolvimento proposto seja alcançado. Chiribogalembra, com muita propriedade, que não são poucosos municípios da América Latina nos quais osprogramas de desenvolvimento rural têm reforçadoum clientelismo político por parte de grupos depoderes locais. A tentativa de qualquer programa dedesenvolvimento rural ali, torna-se inviável sem quereformas nas estruturas de poder existentes sejamfeitas.O caso da Amazônia brasileira, espaço que nosinteressa primordialmente dentro deste trabalho, ébastante significativo como exemplificação do acimadescrito. Ali, a existência de uma elite ultrapassada,que tem orientado o desenvolvimento rural nestesentido clientelístico, para daí tirar proveito político,foi e continua sendo danosa para a implementaçãode tais programas, descentralizadamente.Em tais casos, como se verá adiante, o papel dasociedade civil, ou mesmo de um Estado nacionalcomprometido com o desenvolvimento institucionalda região, será fundamental para a transformaçãodessas instituições que, forjadas no passado e a eleapegadas, entravam o desenvolvimento das novastecnologias do presente.

Page 15: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

59

As ONGs e o seu papel na promoção doAs ONGs e o seu papel na promoção doAs ONGs e o seu papel na promoção doAs ONGs e o seu papel na promoção doAs ONGs e o seu papel na promoção dodesenvolvimentodesenvolvimentodesenvolvimentodesenvolvimentodesenvolvimentoBasearemo-nos aqui na análise de Rubem CésarFernandes e Leilah Landim, que caracterizam asOrganizações Não-Governamentais (ONGs),surgidas no Brasil e por toda a América Latina emmeados da década de 60 e início da de 70, comoum novo ator social que procurava preencherlacunas deixadas pelo Estado ineficiente eautoritário15. Na verdade, segundo Fernandes, osurgimento de tais organizações partiu de umconsenso de que o mercado e o Estado nãoconseguem resolver sozinhos a questão dodesenvolvimento com eqüidade. As definições quecostumam ser evocadas quando tratamos das ONGs(“Não-Governamental” e “Sem fins lucrativos”)delimitam, então, uma identidade negativa emrelação a essas duas instituições.Seus quadros, ainda segundo os mesmos autores,oriundos principalmente das Universidades, dasIgrejas (num primeiro momento basicamentegrupos da Igreja Católica, depois suplantada pelosProtestantes) e Partidos Políticos, encontravam, ali,uma forma alternativa de participação e luta em favordos movimentos populares, em um contexto derepressão que se aprofundava no continente.Tentavam, portanto, articular aspectos importantesde suas instituições de origem, como a competênciatécnica, freqüente na Universidade, o altruísmo dasIgrejas e o ideário político de esquerda de algunspartidos. Segundo Fernandes, esses elementosacabaram por formar uma miniideologia das ONGsonde se misturam elementos de diversas correntesfilosóficas de forma bastante fluida. Estariam alipresentes componentes anarquistas, com a crítica àcentralização do poder; socialistas, com a ênfase naconstrução de um sujeito coletivo popular; liberais,com a importância adquirida por temas como a

cidadania e conservadores, principalmente com umacrítica às tecnologias modernas. (FERNANDES,1988, p. 18).Tais organizações caracterizam-se, também, pelaautonomia que pretendem frente às grandesinstituições (Universidade, Igreja e Estado) e suapluralidade, expressa no grande número de entidadessurgidas, trabalhando, na maioria das vezes, comtemas localizados. Tal autonomia não impede,contudo, que diversas dessas intituições tenhamrelações bastante próximas com as ONGs.O mundo das ONGs constitui-se, segundoLandim, de dois feixes de relações: o primeiroexistente entre seus agentes e os grupos sociais dossetores dominados da população, sua razão de ser,e o segundo que as estabelece com as agências decooperação internacional. Quanto à relação comessas agências, valeria lembrar que os “projetos”curtos, forma pela qual se relacionam com suasfinanciadoras, se por um lado atende às ansiedadese preocupações destas agências quanto aos riscosdo investimento e propicia uma imensa criatividade,que no limite pode vir a se transformar emsuperficialidade ou mesmo “picaretagem”, já quetêm que “inventar” novos projetos a cada dois outrês anos, geram também uma certa dependênciasua em relação aos objetivos ou métodos dasfinanciadoras, que podem divergir daquelesdefendidos internamente ou mesmo no movimentopopular.Desde seus primórdios, portanto, as ONGsdebateram-se com certas tensões e contradiçõesdentro de si, vinculadas a sua própria origem eresultado do intenso fluxo de idéias que estimulavam:viam-se entre o voluntariado e a profissionalização,entre o cristianismo e o marxismo, entre afraternidade cúmplice e a relação institucional. Empoucas palavras, entre a Universidade, a Igreja, as

1 5 Para análise sociológica menos centrada nos temas que aqui nos interessam, contando com dados quantitativos e qualitativos, verFernandes, 1994 para a América Latina como um todo, e Landim, 1988 para o Brasil.

Page 16: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

60

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

financiadoras, os Partidos Políticos e sua verdadeiraautonomia.Com a redemocratização, ocorrida de alguma formaem quase todo o continente, importantestransformações foram acontecendo dentro dessasorganizações, resultado também de reflexões acercade seus limites e contradições. Citaremos aquiapenas aquelas mais importantes e de maiorinteresse para os limites deste trabalho. Em primeirolugar, vale ressaltar que temas como odesenvolvimento e a participação estão cada vezmais presentes nas preocupações dessasorganizações e seus dirigentes, progressivamentecaminhando do “desenvolvimento comunitário” paraa questão da transformação mais global da sociedade.É interessante repararmos como as ONGs, apesarde freqüentemente trabalharem apenas no nívelmicro dos casos localizados, têm a capacidade, oupelo menos a pretensão, de estarem fazendo algona busca de um “modelo” que atue no nível nacionale, por que não dizer, internacional.Uma certa institucionalização e burocratização dessasentidades vão, mais cedo ou mais tarde,acontecendo juntamente com a profissionalizaçãode seus quadros. Esses acontecimentos, além deinevitáveis crises e rupturas, trouxeram também parao interior das ONGs algumas questões bastanterelevantes, como um questionamento de comocaminhar para essa profissionalização sem perderas marcas de militância e voluntariado, típicas dessasentidades em suas origens. O crescimento dasorganizações populares, em um contexto de maiorliberdade de ação, traz também um questionamentoda própria continuação dessas entidades, fazendo-as mudar até mesmo seus objetos de trabalho.Ainda segundo Landim, em um levantamento deONGs brasileiras as quais denomina “a serviçodo movimento popular ”, os projetos de“desenvolvimento econômico”, tão comuns noinício, vão por esta época perdendo importâncianumérica, chegando a ser propostos por apenas 29%das entidades. O principal motivo dessa reorientação

dos projetos, que passam a atuar principalmente naformação de lideranças, parece ter sido um certodesencantamento em relação à eficácia dessesprojetos. Eles tendiam a beneficiar apenas umapequena parte da população, correndo o risco decriar uma relação de clientela com os agentes queos implementam ou dentro do próprio grupo.Mesmo sem dados que comprovem tal afirmação,acreditamos que hoje, essa tendência de queda naproporção desse tipo de projeto tenha sidorevertida, principalmente pela discussão doDesenvolvimento Sustentado.Além disso, o Estado, antes sempre encarado comoentrave à mobilização dos grupos dominados, apartir de um contexto de maior abertura passa muitovagarosamente a ser pensado como possívelparceiro, desde que garantida a autonomia dasONGs. O questionamento, de até que ponto certosperfis e questões não lhes estão sendo impostospelas agências de cooperação internacional, tambémvai paulatinamente tomando vulto dentro do debateinterno.Resumindo, e para terminar com uma proposiçãode Leilah Landim que, acreditamos, define muitobem o que parece ser uma ONG: seu espaço deação está mediado por um projeto institucionalpróprio, pelas demandas do próprio movimentopopular e pela política das agências internacionais. Eé justamente essa configuração que explica sua força,chegando a girar, anualmente, milhões de dólares“a serviço dos movimentos populares”.Esperamos retomar algumas dessas questões noscapítulos seguintes, de modo a nos aprofundarmosna análise da experiência do Centro Magüta eapontarmos sua importância no encaminhamentode propostas alternativas às demais agências.

DESENVOLVIMENTO INDÍGENA:SUCESSO OU FRACASSO?

Neste capítulo, pretendemos analisar os avanços eretrocessos dos projetos econômicos da Funai em

Page 17: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

61

área indígena, implementados desde a década de 70,que, baseados em uma determinada concepção dodesenvolvimento, almejavam a incorporação do índiopela sociedade nacional. Pretendemos, ainda,demonstrar como os insucessos e problemas dessesprojetos, além de outros desenvolvidos por ONGs eentidades de apoio à causa indígena, e as soluções quese tem pensado para superá-los acabam por moldaruma nova concepção de etnodesenvolvimento,associada ao conceito de “DesenvolvimentoSustentado” discutido no primeiro capítulo.

O II PND e o modelo deO II PND e o modelo deO II PND e o modelo deO II PND e o modelo deO II PND e o modelo dedesenvolvimento que surgiadesenvolvimento que surgiadesenvolvimento que surgiadesenvolvimento que surgiadesenvolvimento que surgiaA Amazônia brasileira tem se transformado, nosúltimos anos, num importante tema de debate dentrodo Brasil e no exterior, não apenas pelo potencialque essa região apresenta para o desenvolvimentodo país, como também pela questão da preservaçãoda importante faixa da Amazônia sul-americana queela representa (63,4%). No dizer de Bertha K. Becker,o valor econômico e estratégico dessa região fazsurgir de tempos em tempos a tese de suainternacionalização, combatida e defendida pordiferentes atores (BECKER, 1990, p. 9). Diversosprojetos para o desenvolvimento da Amazônia surgem,então, desse debate, alguns deles sendo implantadospelos governos Federal, Estadual ou Municipal, oumesmo por entidades não-governamentais.O projeto hegemônico, no entanto, principalmentea partir de meados da década de 60, quando o Estadobrasileiro começa a encarar a ocupação dessa regiãocomo prioridade, fundamentado na doutrina desegurança nacional, é o da modernização daprodução e redistribuição territorial da mão-de-obra sob forte controle social.A rapidez dessas transformações e a centralização dasinformações e decisões, típicas do regime militar quevigorou durante esse tempo, só contribuíram para odesconhecimento dos resultados desse projetohegemônico e favoreceu representações simplificadorassobre a Amazônia (BECKER, 1990, p. 7).

A intervenção do Estado na economia brasileira temse dado, contudo, de forma bastante diferenciada,mesmo antes da década de 60 ou do golpe de 64.Os planos de desenvolvimento, elaborados nossucessivos governos, trazem consigo diferentesconcepções de planejamento, como afirma NelsonDelgado (DELGADO, 1985, p. 35), associadas àsdiferentes visões dos políticos e burocratas que osgeram. Algumas de suas proposições nunca chegama ser colocadas em prática, pois sofrem um combateincessante de diferentes grupos da sociedade comoum todo, ou mesmo dentro da burocraciagovernamental.De qualquer forma, a explicitação de tais planos,ainda que fiquem meramente no plano do discurso,permite-nos perceber diferentes visões de fraçõesdos grupos dominantes no poder, a respeito nãoapenas da melhor estratégia de ação, das prioridadesetc., mas também do que pretendem para umadeterminada região do país ou setor da economia ecomo o corpo burocrático vê uma possívelintervenção ali.Interessa-nos aqui analisar a mudança, desde adécada de 70, nas concepções acerca do espaçoamazônico presentes nos planos de desenvolvimentodo governo brasileiro, tentando relacionar essamudança aos grupos no poder, às pressões internase externas e à conjuntura econômica diferenciada.Mais ainda, interessa-nos, principalmente, poderrelacioná-las aos projetos de desenvolvimento queo Estado procurou implantar em áreas indígenas portodo o país.Para isto, procuraremos subsídios no II PlanoNacional de Desenvolvimento (II PND), pensadopara os anos de 1975-1979 e essencial paraentendermos a formação econômico-social daAmazônia dos dias atuais.Na leitura do II PND, sobressai um tom ufanista, noqual a Amazônia é sempre vista como algo inóspito,a despeito do que até aquele momento o governoda “Revolução” teria realizado ali (BRASIL, 1974, p.24). A existência de um “espaço vazio”, com terras

Page 18: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

62

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

“relativamente férteis”, que propiciaria odeslocamento da fronteira agrícola, é visto como oque diferencia o Brasil dos demais países.Toda a estratégia do II PND está relacionada àtentativa de resolver o problema do ajustamentoexterno com a continuidade do crescimento. Oprimeiro choque do petróleo, principal motivodo desajuste na balança comercial brasileira emundial, deixara o governo em estado de alertaem 1973. O II PND foi elaborado, para superaresse obstáculo, sem que fosse necessária aretração da atividade econômica. Foi o queAntônio Barros de Castro chamou decrescimento da economia em “marcha forçada”(CASTRO, 1985). Nas palavras dos próprioselaboradores do plano:“O que a Revolução mostrou, essencialmente, foique problemas como esses podem ser resolvidos,com planejamento e capacidade executiva (...) emais: que podem ser resolvidos sem descontinuaçãodo crescimento acelerado” (BRASIL, 1974, p. 24).A idéia era, correndo o risco de resumir, internalizaro setor de bens de capital e, assim, reduzir o saldonegativo da balança comercial. Para atingir esseobjetivo o governo contou, também, comempréstimos a juros baixíssimos, resultantes dachuva de petrodólares que se abateu sobre o sistemafinanceiro mundial.O financiamento dos projetos com atuação naAmazônia no âmbito do II PND, alguns dos quaisjá existentes desde o I PND (por exemplo, oPIN e o PROTERRA), foi possível, mesmo coma balança comercial bastante def ic itár ia. Oobjetivo era, então, integrar aquela região aodesenvolvimento do país como um todo. Maisdo que isso, o governo pretendia mitigar osefeitos que sua política de integração acabariagerando. Dentre os projetos que ser iamfinanciados pelo Plano de Integração Nacional(PIN) incluíam-se diversos a serem realizados,inclusive em área indígena, como o próprio“Projeto Tükuna” (FUNAI, 1975).

O papel do setor agropecuário nessa estratégianacional de desenvolvimento seria o de contribuir,fortemente, para o crescimento do PIB através daredução dos preços dos produtos agrícolas. NelsonDelgado ressalta que o plano não apresenta grandesnovidades quanto a esse setor. Na verdade, nãopodemos chamar de inovador um discurso quecaminha no sentido da “vocação do Brasil comosupridor mundial.de alimentos, matérias-primasagrícolas e produtos agrícolas industrializados”(BRASIL, 1974, p. 41).A estratégia para alcançar esse aumento na produçãoagrícola passa, então, pela ocupação de novas áreas.Daí a importância da região amazônica. O“gigantesco sistema viário já construído” coloca,segundo os elaboradores desse plano, à disposiçãodo setor agropecuário imensas áreas no centro-oeste e na Amazônia. A regularização fundiária dessasáreas ainda precisaria ser feita, de modo que aexpansão agropecuária e a colonização nãoencontrassem obstáculos.Essa visão do espaço amazônico como um vaziodemográfico, pronto para a incorporação efetiva àeconomia nacional, logo se mostrou equivocada.Na verdade, conforme relata Alfredo Wagner B. deAlmeida (1990), a política de deslocamento depopulação de áreas onde o conflito agrário erapremente (como o Nordeste) para a regiãoamazônica resultou em um completo desastre, vistoque ao contrário do que imaginavam, aquele nãoera um espaço vazio, mas um território habitadopor diversas etnias e populações camponesas. Alémdo mais, o processo de “ocupação espontânea”, emcontraste com a “colonização dirigida”, rapidamentefugiu do controle do governo e assumiu proporçõesinimagináveis, provocando diversos conflitoslocalizados.É interessante reparar que no capítulo dedicado àestratégia de desenvolvimento social do II PND, aAmazônia não é nem ao menos citada. Pa r e c e -nos evidente que isto está relacionado com estaconcepção da Amazônia como um vazio

Page 19: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

63

demográfico. Não há porque pensar emdesenvolvimento social para uma região em quenão há, ainda, sociedade nacional.Esse plano, apesar de abrir um espaço para adiscussão da questão ambiental, praticamente nãomenciona a Amazônia no capítulo que dedica a essaquestão. O item referente à “poluição industrial epreservação do meio ambiente” é aberto com umadeclaração de princípios na qual o governo brasileirodeixa claro não admitir qualquer limite ao acessopelos países subdesenvolvidos ao “estágio desociedade industrializada”. Para o documento, omaior esforço deve partir das nações industrializadas,pois estas são responsáveis pelo atual estágio depoluição do mundo.É importante lembrar que essa declaração deprincípios reflete a posição do Brasil na ConferênciaMundial sobre Meio Ambiente, em Estocolmo(1972). Ali o governo brasileiro já havia seposicionado da mesma maneira, em contraposiçãoàs pressões internacionais que começava a sofrer, eque mais tarde aumentariam ainda mais. O governoautoritário do general Médici acusava, naquelaoportunidade, os países ricos de manobrarem paraimpedir a arrancada industrial dos países emdesenvolvimento (FATHEUER, 1994).Fugindo um pouco da anál ise do discurso,conforme expresso no documento do II PND, eanalisando as ações concretas que esse planoacabou desenvolvendo ou incentivando na regiãoamazônica, vemos que a sua prioridade foi, naverdade, o financiamento dos grandes investidoresna agropecuária e dos grandes projetos de infra-estrutura (CARVALHO, 1994), seja no setormínero-metalúrgico, seja no setor energético.Em relação a este segundo setor, por exemplo, oque era uma recomendação do documento, asaber, a realização de um amplo programa depesquisa do potencial hidroelétrico da região,principalmente dos rios Xingu, Tapajós e Madeira,acabou se efetivando como ação governamental(BRASIL, 1974, p. 84).

Duas das principais obras de infra-estrutura quese pensou para a Amazônia nesse período foram aconstrução da Transamazônica e da EstradaPerimetral Norte. E foi devido ao impacto queesta segunda causaria no modo de vida dapopulação Ticuna que verbas do Plano deIntegração Nacional foram, a princípio,disponibilizadas para projetos destinados a essepovo, mas disto falaremos adiante.Essa prioridade, efetivamente dada aos grandesprojetos e à grande produção agropecuária, estáassociada a uma contradição apontada porDelgado, presente no II PND. Se a Amazônia éconcebida como espaço possível de consolidaçãode uma agricultura camponesa da pequenaprodução, como meio de aliviar as tensões ondeo conflito pela posse da terra atingia níveisinsuportáveis, como era o caso do nordeste, oincentivo à agropecuária empresarial moderna, queé pouco absorvedora de mão-de -obra einviabiliza a pequena produção, age na verdade,contrariamente a esta sua concepção sobre a região(DELGADO, 1985, p. 87).Com ou sem ambigüidades, esse plano deintervenção governamental, seus predecessores eos que se seguiram, acabaram por moldar odesenvolvimento não apenas da região amazônica,como de todo o país. Moldaram, de alguma forma,o Brasil da década de 90. O “modelo” daí surgidosofre profundas críticas a partir de taisquestionamentos, o que fez com que o governobrasileiro repensasse essa sua intervenção e, já nadécada de 90, reagisse reinvertendo as prioridades,pelo menos ao nível do discurso. Antes depassarmos, contudo, à análise dessa conjuntura maisatual e o que o Estado brasileiro propõe para resolveros problemas do desenvolvimento da regiãoamazônica, gostaríamos de analisar de que formaesses planos das duas últimas décadas agiram sobreparcelas muito específicas da população nacional, asaber, as diferentes sociedades indígenas que habitamo território brasileiro.

Page 20: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

64

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

PPPPProjetos Econômicos em Áreas Indígenas - Osrojetos Econômicos em Áreas Indígenas - Osrojetos Econômicos em Áreas Indígenas - Osrojetos Econômicos em Áreas Indígenas - Osrojetos Econômicos em Áreas Indígenas - Osanos 70 e 80anos 70 e 80anos 70 e 80anos 70 e 80anos 70 e 80Assim como o Estado brasileiro priorizou um tipode desenvolvimento para a Amazônia, tendo atuadocom esse fim através dos diversos órgãos existentesou criados à época, ele também tinha planos bemdelimitados quanto aos indígenas. Até a década de70, os projetos desenvolvidos pela Funai e, antesdisso, pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) eramempreendidos por técnicos do órgão tutor. A partirdessa época, entretanto, devido às pressões externassobre o governo brasileiro contra o genocídioconsentido em território nacional, pressões estasapontadas por Rubem F. Thomaz de Almeida emsua dissertação de mestrado sobre o ProjetoKaiowá-Ñandeva, a Funai começa a entrar emcontato com instituições científicas no intuito decontratar profissionais com formação técnica e quedessem legitimidade à política indigenista planejada.(ALMEIDA, 1991, p. 108-109)Os projetos econômicos que a Funai vai implantarem diferentes áreas indígenas do Brasil, a partir de1975, são controlados pelo Departamento Geraldo Patrimônio Indígena (DGPI) e correspondem àsdiretrizes do órgão na década. Segundo Jurandyr C.F. Leite, de 1970 a 1982 foram aprovados 334projetos de extrativismo vegetal, reflorestamento,agricultura e pecuária. Cerca de 70% desses projetossão agrícolas, em geral voltados para a produção detrigo, soja e arroz, produtos integrados à economiaregional. Cabe, ainda, ressaltar que mais de 60%dos projetos foram implantados nos estados do RioGrande do Sul, Santa Catarina, Paraná e MatoGrosso do Sul. (LEITE, 1988).

O convênio Funai-Sudeco, para desenvolvimentoda economia dos Guarani do Mato Grosso, porexemplo, pensava logo de início em estimular acriação de gado para as áreas de campo natural e amonocultura da soja para outras áreas, com autil ização de tratores, insumos, sementesselecionadas etc. A mais avançada tecnologiadisponível para índios e regionais (ALMEIDA, 1991,p. 114-115). Essas idéias dos técnicos responsáveispelas ações dos órgãos conveniados mostraram-se totalmente sem correspondência com asaspirações Guarani, conforme relata Almeida.Os projetos econômicos da Funai não visavam,portanto, a uma solução interna do grupo, mas aum tipo de produção mais próxima da empresaagrícola capitalista, do capital agroindustrial. Dentroda lógica da progressiva integração do índio àsociedade nacional, esses projetos procuravamselecionar as tribos segundo o grau de aculturação,sendo escolhidos projetos extrativistas para aquelescom menor contato. Mais ainda, pretendiam seconstituir, também, em fonte de recursos, de ondeo órgão tutor poderia retirar os lucros resultantescom o objetivo de completar seu orçamentopróprio e, assim, prestar melhor assistência aoindígena.16 Com a participação de antropólogos,especialistas nas sociedades que seriam alvo, os“projetos comunitários” da Funai, ou “projetoseconômicos”, ou mesmo “projetos assistenciais”17,ganhavam alguma preocupação em não se distanciardas tradições de tais povos. Almeida, contudo, tendea considerar muito pequena a autonomia doscoordenadores dos projetos, principalmente devidoà ação da burocracia local da Funai que, juntamente

1 6 Esses dados estão em Leite, 1988 e Almeida, 1991, mas para uma discussão mais profunda sobre o projeto da “transitoriedade doíndio”, ver: Leite; Lima, 1986.

1 7 A respeito da confusão entre esses termos, dentro das próprias portarias do órgão, ver Leite, 1988. Aqui usaremosindiscriminadamente esses termos, procurando apenas ressalvar “projetos econômicos” para quando a ação for mais diretamentevinculada à atividade produtiva, ou quando estivermos nos referindo estritamente à sua face econômica. Os projetos dedesenvolvimento comunitário, contudo, não se limitavam a ações no âmbito das atividades produtivas, mas também cuidavam daeducação, saúde e proteção oficial. Aliás, essas têm sido as maiores virtudes de tais projetos.

Page 21: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

65

com seus aliados em Brasília e nas coordenadoriasregionais, entravavam a ação dos coordenadores/antropólogos.Os técnicos do governo nesses projetos tinham umaforte orientação desenvolvimentista, ou seja,estavam preocupados apenas com o aumento daprodutividade que esses projetos poderiam gerarnas economias indígenas. Surgia, então, o queAlmeida chamou de uma “efêmera, mas sólidaideologia do desenvolvimento do índio” (ALMEIDA,1991, p. 110-111).A falta de autonomia do coordenador/antropólogo,associada aos entraves colocados pelos funcionáriosdo órgão tutor, funcionários muitas vezes jácarregados de uma relação viciada com os índios,aparecem, então, como um primeiro ponto deestrangulamento desses projetos. Uma segundadificuldade pela qual passaram os projetos da Funai,por essa época, foi a redução acentuada dos recursosliberados pelo governo para o órgão tutor investirna assistência ao índio.Segundo João Pacheco de Oliveira, coordenador doprojeto desenvolvido pela Funai entre os Ticuna nadécada de 70, as dotações para sua realização seriama princípio garantidas através do PIN (Plano deIntegração Nacional). Essa verba, contudo, acabounão saindo devido às redefinições nas prioridades daspolíticas governamentais para a Amazônia, por isso oprojeto teve que se readequar e partir para a execuçãode uma experiência piloto na aldeia de Vendaval,utilizando as parcas verbas do orçamento próprio daFunai. Um exemplo importante de redefiniçãoocorrida na época foi a paralisação da construção daPerimetral Norte que passaria pela região. (OLIVEIRAFILHO, 1987, p. 217).Marcelo Piedrafita Iglesias, em sua dissertaçãode mestrado, relata experiência semelhantedesenvolvida entre os índios Kaxinawá do Acre.

O projeto de desenvolvimento comunitárioapresentado à Funai, em 1978, sofreu muitaspressões locais e acabou prejudicado. Mais tarde, epor especificidades daquela área, que está integradaao Polonoroeste, esse projeto conseguiu acontinuidade do financiamento, primeiro através doconvênio Funai/SUDHEVEA/CPI-Ac, depois atravésdo BNDES (PIEDRAFITA IGLESIAS, 1993).Das atividades propostas pelo antropólogo/coordenador do “Projeto Tükuna”, baseadas emobjetivos bem definidos, apenas uma pequena partepôde ser realizada no âmbito desse projeto. Noitem Educação, por exemplo, apesar da importânciada formação de professores Ticuna bilíngües já estarindicada, e ela já era apontada pelo antropólogo noseu relatório de viagem a campo de 197418, foisomente a partir da criação do Magüta e daOrganização Geral dos Professores Ticuna bilíngües(OGPTB), em 1986, e não sem dificuldadesenfrentadas devido à pressão da Funai contra osíndios, líderes do movimento, e os antropólogos,proibidos inclusive de entrar em área indígena, queos professores passaram a ser formados e recicladosde tempos em tempos.Na saúde e proteção oficial – dois importantes itensdo “Projeto Tükuna” – algumas das atividadespropostas já em 1975 puderam ser finalmenterealizadas, após a criação do Magüta e com aparticipação fundamental de organizações Ticunaque lutassem por seus direitos.O maior exemplo disso que falamos é a demarcaçãode seis importantes áreas Ticuna no ano de 1993,pela empresa Asserplan Engenharia e ConsultoriaLtda. Essa só foi viabilizada depois que a Funai, jáem outro contexto político-econômico, celebrouconvênio com o Centro Magüta, a fim de que estepudesse captar os recursos que o órgão tutor nãodispunha para a demarcação dessas áreas. A partir

1 8 Ver Oliveira et al., 1974.

Page 22: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

66

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

desse convênio, o Magüta pôde conseguirfinanciamento junto ao governo da Áustria e suaagência financiadora, o Vienna Institute forDevelopment and Cooperation (VIDC), e contratara Asserplan, vencedora da concorrência realizada.Seja por falta de recursos no governo para umaassistência mais presente aos indígenas, seja por totaldescaso das autoridades competentes, aimplementação de diferentes projetos, em áreasindígenas ao longo das últimas duas décadas,dependeram, portanto, de financiamentos deentidades estrangeiras como a OXFAM, da Inglaterra,a Pão para o Mundo, da Alemanha, e a ICCO, daHolanda, dentre outras. Dependeram, assim, de quaisitens essas agências estavam dispostas a financiar.Durante esse tempo, deu-se, não sem razão,muita importância para as ações nas áreas de saúdee educação, principalmente onde os índiosconseguiam realizar uma produção que garantisseo sustento de toda a população, ou seja, onde aquestão da sobrevivência mais imediata não secolocava, ainda, com muita força.Na área Ticuna, as poucas atividades econômicasdesenvolvidas pelo órgão tutor limitaram-se,praticamente, à doação de instrumentos de trabalho(terçados, machados, fornos de torrar farinha etc.).Durante a década de 80, tentou-se, também, aimplantação de um sistema de cooperativas, que osíndios chamaram “cantina”, numa provávelassociação com a cantina ou barracão utilizado pelopatrão para comercializar com os índios. Esse tipode atividade também já era recomendado peloantropólogo João Pacheco de Oliveira e outros que,no relatório de campo de 1974, consideravam-na necessária para a melhoria das condições de vidados Ticuna e desestruturação do sistema debarracão, que dependia da exclusividade docomércio dos índios com o “patrão”.

Esse empreendimento, no entanto, não teve longaduração, principalmente devido à dificuldade dosíndios, responsáveis pelas cantinas, em gerenciá-las. Faltou investimento na formação deles, nosentido de capacitá-los a tais atividades. A idéia eraque o chefe de posto (branco e com algumaexperiência no trato com a contabil idade eadministração) passasse ao índio/cantineiro suaexperiência e conhecimento. Na prática, todas ascantinas implantadas nas aldeias que possuíam postoindígena acabaram por “falir”, principalmente porquenão houve o repasse adequado desse conhecimento.Estava em jogo aqui uma concepção do índio comoforça de trabalho que explorasse as potencialidadesde suas terras, mas nunca como gestor dos seusrecursos. O índio mantinha-se sempre numaposição subordinada frente ao chefe de posto, queera na verdade quem administrava a cantina, sendoapenas nos casos de exceção, quando este últimotinha posições menos conservadoras em relação àcapacidade do Ticuna em aprender o ofício, que acantina teve seu funcionamento prolongado. Esseparece ter sido o caso da cantina de Vendaval, entreoutros motivos que contribuíram para o fim de suasatividades, mas disso se falará adiante.O Magüta também só foi dar importância a esse tipode ação, ou melhor, só pôde realizar alguma atividadecom a finalidade de pensar a economia Ticuna, e comoesta poderia ser incrementada, no final da década de80, quando enviou a campo dois engenheirosagrônomos com o intuito de avaliar a potencialidadeeconômica da região. Apesar de não terem levado aações concretas, os relatórios de tais viagens são ostestemunhos da preocupação que surgia19.Foi somente por essa época, e principalmente nocomeço da década de 90, que a discussão acercado que veio a ser chamado de “DesenvolvimentoSustentado”20 começou a se fazer mais presente e

1 9 Para maiores informações sobre esses primeiros levantamentos ver Cordeiro, 1988 e Fugita, 1990.2 0 Ver a esse respeito a discussão do capítulo 1.

Page 23: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

67

a merecer financiamento das agências, a um talponto que hoje grande parte desses recursosdestinam-se a esse tipo de projeto.Essas agências têm hoje um direcionamento paraaqueles projetos que comprovem ser auto-sustentados, ou seja, que possam, a médio ou longoprazo, gerar recursos para a manutenção eampliação das suas próprias atividades. E é nessanova diretriz das agências que o “Projeto deEtnodesenvolvimento Ticuna” do Magüta, queanalisaremos no quarto capítulo, pretende investir,buscando melhores condições de vida para aquelepovo. Claro está que as ações do Magüta, assimcomo de outras ONGs, em geral, visando contribuircom o desenvolvimento da economia indígena, têmcaminhado na direção apontada pelas financiadorase pela discussão acerca do desenvolvimentosupracitada. Nada disso, contudo, tira qualquerlegitimidade de tais ações. Esta é dada, comoargumentava o coordenador do “Projeto Tükuna”,pelo fato de tais projetos permitirem que apopulação atingida amplie o seu controle sobrealguns fatores econômicos, e assim impossibilitarqualquer ação contrária aos interesses daquele povopor parte das “agências de contato” que ali atuam.No caso dos Ticuna são eles: Funai; Exército; IgrejaCatólica; Santa Cruz; Missão Batista; e maisrecentemente, uma seita levada por coreanos,provavelmente presbiterianos, uma empresa quetentava comprar palmito extraído na terra dosíndios, e comerciantes colombianos ligados àexportação do pescado, contrabandeado do Brasil,para os EUA.Gostaríamos, a seguir, de comentar como adiscussão sobre o desenvolvimento sustentado temse refletido nos planos de desenvolvimento daAmazônia propostos pelo governo e nos projetoseconômicos implementados em áreas indígenas.

Para isso, primeiramente, analisaremos um dessesplanos de desenvolvimento regional, o Plano deDesenvolvimento da Amazônia (PDA), preparado noâmbito da Superintendência do Desenvolvimento daAmazônia (SUDAM) para o período entre 1992 e1995.

O PDA e a inserção da AmazôniaO PDA e a inserção da AmazôniaO PDA e a inserção da AmazôniaO PDA e a inserção da AmazôniaO PDA e a inserção da Amazôniana nova ordem mundialna nova ordem mundialna nova ordem mundialna nova ordem mundialna nova ordem mundialSegundo David Ferreira Carvalho, o desenvolvimentoregional da Amazônia, resultado das ações dogoverno, que desde o II PND deu ênfase à grandepropriedade capitalista, gerou distorções naeconomia da região tais como: a) a desregionalizaçãoda propriedade do capital, ou seja, os grandesempreendimentos trouxeram capital do sul ao invésde incentivar a acumulação de capital da região; b)o baixo grau de criação de empregos; c) ganhosespeculativos com a terra; d) conflito pela posse daterra, e e) aceleração do processo de degradaçãoambiental. Ainda segundo esse autor, os modelosde “enclave de importação” e de “enclave deexportação” foram paulatinamente sendo aliimplantados, muito influenciados pelo discursoneo-liberal que na década de 80 ganhou força nospaíses desenvolvidos.Todo esse processo deve ser analisado à luz dasmudanças do padrão industrial, tanto nacional quantointernacionalmente, onde um novo paradigmatecnológico e o surgimento de uma consciênciaecológica, para muitos ligada ao fim da utopiasocialista21, são componentes importantes.A essa mudança do padrão industrial está associadoo fenômeno da globalização recente da economiamundial, que aponta para uma nova divisãointernacional do trabalho, desenhada a partir do quediversos autores, e entre eles Maria da ConceiçãoTavares, têm chamado da “Terceira Revolução

2 1 A esse respeito ver, por exemplo, Gustavo Lins Ribeiro (1991) que pensa o ambientalismo como uma nova utopia/ideologia dodesenvolvimento.

Page 24: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

68

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

Industrial” (apud CARVALHO, 1994, p. 429). Nãonos cabe aqui analisar com detalhes esse processo,mas Carvalho aponta para a emergência,concomitante a essa “Terceira Revolução Industrial”de um novo padrão tecnológico que abre espaçopara o desenvolvimento do complexo eletro-eletrônico e de informática, de uma indústria químicaalicerçada em novas tecnologias, da indústria denovos materiais e da biotecnologia – todos essessetores sob o comando do Japão, EUA e Alemanha.Também associada a essas mudanças na economiamundial, podemos ressaltar a formação de macro-mercados continentais que, ainda segundo Carvalho,tornam mais difícil a inserção na nova ordem mundial(CARVALHO, 1994, p. 433).É, por um lado, de olho na possível inserção daeconomia regional nesta nova ordem e, por outro,tendo claras as críticas que o modelo dedesenvolvimento implantado na Amazônia temsofrido, críticas que partem do “ambientalismo” eque propõem um modelo alternativo para odesenvolvimento da região, que o PDA vai pensaros rumos da Amazônia para o quadriênio 92/95.Nunca é demais lembrar que estamos tratando aquido discurso que esse plano explicita, visto que muitodo proposto não foi colocado em prática, mesmoque fosse essa a intenção. O PDA é um plano datadode setembro de 1992, pouco depois, portanto, dofinal da Eco – 92, onde as pressões sobre o Brasilavolumaram-se, principalmente no tocante àAmazônia.O fato é que o plano tem uma postura crítica quantoa esse modelo de desenvolvimento, chegando apostular uma “reversão completa na formatradicional de ocupação e crescimento regional”.Uma postura baseada, pelo menos ao nível formal,em termos que passaram a povoar o senso comumapós a ECO-92 como o ecodesenvolvimento, oaproveitamento racional e auto-sustentado dosrecursos ambientais e com “clara e decididaprioridade para o homem amazônida” (SUDAM,1992, p. 5).

O desafio que se coloca no momento atual é,segundo o plano, o de adequar a estratégia dedesenvolvimento regional às potencialidades daAmazônia, utilizando-se, por exemplo, da enormebiodiversidade da floresta tropical como base parao desenvolvimento da biotecnologia, vertente queo plano advoga como decisiva no novo paradigmatecnológico emergente.Para os elaboradores do PDA a Amazônia tem umaposição privilegiada e estratégica em relação ao restodo país no que tange à inserção do Brasil na novaordem econômica mundial. Os obstáculos para essaintegração são comuns a todas as regiões do país. Asaber, o esgotamento e a desorganização do Estado,a crise econômica, o estrangulamento da infra-estrutura e a desagregação social.O Plano desenvolve- s e sobre nove diretrizes globais,dentre as quais destacamos a conservação do meioambiente, o desenvolvimento científico e tecnológicoregional, o fortalecimento da democracia e areestruturação e modernização das instituições deatuação regional (SUDAM, 1992, p. 12).Essas diretrizes estariam, segundo o documento quedetalha esse plano, baseadas em quatro políticas quedão suporte a sete programas prioritários. Asprimeiras seriam as políticas ambiental, espacial,sócio-antropológica e institucional. Os seteprogramas prioritários são: desenvolvimentocientífico e tecnológico; infra-estrutura econômica;infra-estrutura social; educação; desenvolvimentoindustrial, agroindustrial e extrativismo mineral;desenvolvimento da agricultura, pecuária eextrativismo vegetal e, por último, o programa deturismo.Interessa-nos ressaltar aqui que as preocupaçõescom aspectos ambientais e sócio-antropológicosdo desenvolvimento estão ligadas às novas idéiasdas quais estávamos falando. Idéias que, se por umlado podem estar referidas às pressões internacionais,e nesse sentido é importante ressaltar que uma partedo orçamento previsto no PDA tem origemexterna, seja através do Programa Piloto do G-7,

Page 25: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

69

seja através de financiamento das instituiçõesmultilaterais22; por outro têm uma repercussão nopróprio país, na opinião pública via imprensa oupropaganda de governo, que absolutamente nãodeve ser desprezada.

O Desenvolvimento sustentado como discursoO Desenvolvimento sustentado como discursoO Desenvolvimento sustentado como discursoO Desenvolvimento sustentado como discursoO Desenvolvimento sustentado como discursode legitimaçãode legitimaçãode legitimaçãode legitimaçãode legitimaçãoA Funai, consciente das críticas à sua atuação edependente de qualquer pessoa ou idéia queconferisse legitimidade a seus projetos, procurouadaptar-se ao novo discurso, nem sempreconseguindo passá-lo efetivamente à prática.Mesmo onde os recursos financeiros jamais faltaram,superando assim um dos pontos de estrangulamentode suas ações da década de 70, como é o caso dosprojetos financiados pelo convênio Fu n a i -Eletronorte, essas críticas estão presentes,principalmente no que se refere à participação dosíndios, ou melhor, à sua não-participação. Aqui oíndio continua a ser visto como objeto das açõesdo projeto, não como seu sujeito.O relatório de atividades do Programa Parakanã(1991-1992), desenvolvido com recursos deconvênio entre aqueles dois órgãos, é um bomexemplo disso que falávamos. Logo em sua primeirapágina, o coordenador do projeto, Arnaldo SilvaLindoso Júnior, afirma que o programa estábuscando “entrar na economia Parakanã, sem noentanto reconhecer as dificuldades provenientesdessa forma de interferência culturalinterferência culturalinterferência culturalinterferência culturalinterferência cultural” (o grifo énosso). Tem-se a impressão de que o projetopretende, portanto, dar atenção para o fato de quesuas ações não devem passar por cima dasespecificidades do grupo em questão, os awaetéparakanã (segundo o mesmo relatório).Logo na página seguinte, contudo, ao falar das razõesque levam à falta de alimentos em quantidade

suficiente para as necessidades dos grupos familiaresda aldeia de Paranatinga, o coordenador afirma:“1 - A forma de plantio é exclusivamente extensiva,nômade e obedece a características própria (sic) dacomunidade parakanã, que utiliza milenarmente osistema de coivara, para suprir as necessidades decada grupo familiar. Tal prática racional e tecnicamentecorreta, minimiza a utilização do solo agriculturável,resultando em baixa produtividade (...)”Mais ainda, o funcionário da Funai toma comosegundo fator que explica a pouca quantidade dealimentos produzidos na aldeia, o fato de mulheres ecrianças se dedicarem à colheita das culturas maisconhecidas pelo grupo (mandioca, milho etc.),enquanto os homens ficam responsáveis pela colheitados gêneros não- tradicionais (arroz, feijão etc.).Dizer que a forma tradicional de cultivo daquelesíndios não é suficiente para o sustento da população,sem explicar os motivos, muito provavelmenteassociados ao contato desse grupo com a sociedadenacional, e, ainda, rotular de “pouco produtivo” omodo como a divisão sexual do trabalho é feitanaquela sociedade, parece-nos contraditório coma verdadeira “profissão de fé” que abre o documento.Valeria ainda acrescentar que numa leitura maisdetalhada do Relatório do Programa Parakanã, osíndios, ou melhor, suas práticas econômicas eculturais são descritas como necessitando mudar,mostrando perdurar as idéias produtivistas queRubem T. Almeida associou a uma “ideologia dodesenvolvimento do índio”.Mesmo procurando se adequar ao novo tempo eàs novas questões que se colocam, os funcionáriosdo órgão tutor mantêm suas idéias arraigadas sobreo melhor caminho para o desenvolvimento do índio,usando o novo discurso, aqui e ali, apenas paralegitimar suas ações.

22 A respeito do Programa Piloto do G-7 e do financiamento para a Amazônia pelo Banco Mundial e Banco Interamericano deDesenvolvimento ver FATHEUER (1994) e ROS FILHO (1994).

Page 26: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

70

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

Outros projetos, preparados no âmbito dasdelegacias regionais, muitas vezes serviram apenaspara o administrador local manobrar os anseios dapopulação indígena e cooptar lideranças desta oudaquela facção. Esse parece, aliás, o caso de pelomenos dois projetos implementados pela DelegaciaRegional de Tabatinga, já no final da década passada.Algumas pessoas que entrevistamos contam, por nãohaver registros nos arquivos da ADR-TBT, que umgalinheiro e uma padaria, ambos implantados naaldeia de Filadélfia, acabaram logo nas mãos de umadas facções, justamente aquela ligada ao Ticuna quehoje é vice-prefeito da cidade de BenjamimConstant. Esses empreendimentos, incorporados aopatrimônio de sua família, logo faliram. Uns dizemque faltou apoio financeiro ao empreendimento,insinuando, inclusive, desvio de verba por parte doadministrador. Outros afirmam que os índioschegaram a produzir, adequadamente, masconsumiram parte dos resultados que deveriam serutilizados na manutenção do negócio. Conhecendoa situação, diríamos como um candidato a um cargopolítico que num debate vê seus adversáriostrocarem acusações, que ambas as versões devem,de algum modo, corresponder à realidade.Os motivos da incapacidade do órgão tutor de agireficazmente no incremento das atividades produtivasdos índios ainda está por ser melhor estudado. Duaspistas bastante razoáveis são, contudo, os vícios deum corpo burocrático inchado nas funçõesintermediárias e mal preparado para as atividadesde assistência do órgão (atividades fins) e a práticapolítica de só agir no sentido de administrar asemergências (ALMEIDA; OLIVEIRA FILHO, 1988).Também as ONGs procuraram, já a partir do finalda década passada, e principalmente no começo dadécada de 90, incorporar as críticas ao modelo de

desenvolvimento da Amazônia acima exposto eadaptar-se ao novos termos e conceitos que adiscussão sobre o Desenvolvimento Sustentadosuscitava. Fizeram isso, porém, com mais eficiênciaque o órgão tutor, contratando pessoal especializadoe competente para coordenar seus projetos. Ainfluência externa é evidente nesse direcionamentoe no discurso dessas entidades, já que o dinheiroque garante sua sobrevivência vem de fora.Os projetos de desenvolvimento da produçãorealizados em área indígena que, a partir daí, tiveramrecursos aprovados, foram, cada vez mais, aquelesque apresentavam preocupações ecológicas e quemostravam muito claramente como realizariam asações propostas. Isso, como já falado, não tira alegitimidade de tais projetos, ao contrário, dá-lhesum respaldo que transcende a razão humanista ouecológica e confere-lhes algum conteúdo científico/acadêmico.Como exemplos de projetos nos quais esse novodiscurso do desenvolvimento sustentado já se fazpresente podem ser citados:O projeto de manejo florestal, desenvolvido entreos Xikrin do Cateté (índios Kaiapó do estado doPará), sob a coordenação da antropóloga IsabelleGiannini, que procura associar preservaçãoambiental e melhoria da condição de vida dos índios,com uma especial atenção para a formação de umaconsciência ecológica entre estes.O projeto desenvolvido entre os Waiãpi, no Amapá,pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI),coordenado pela antropóloga Dominique Gallois,que procurou trabalhar no sentido de retirar osgarimpeiros da área Waiãpi e estimular umagarimpagem mais “ecológica” pelos índios, que jáhaviam aprendido esse ofício, além de incentivaruma diversificação das atividades econômicasrealizadas por estes.23

2 3 Para maiores detalhes sobre essas experiências realizadas, com a preocupação de atingir o “desenvolvimento sustentado”, verMagalhães, A.C. (org.), 1994.

Page 27: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

71

E o projeto que a CPI-Ac desenvolve junto aosíndios Kaxinawá do rio Jordão, coordenado peloantropólogo Terri Valle de Aquino. Ali, também,pretende-se estimular a diversificação da produçãoe coleta desses índios, principalmente devido à quedados preços da borracha. Elaborou-se, para tanto,um conjunto de ações conjugadas que, associandopreservação ambiental e melhoria da qualidade devida, pretendem financiamento das agênciasinternacionais.24

A importância da presença de antropólogos/coordenadores em todos esses projetos, atuandosem alguns dos obstáculos que seus paresencontraram em outras épocas, como já descrito,é proporcional à participação das populaçõesenvolvidas e à possibilidade, desta forma, de superaroutros impasses que possam se colocar. Mais doque isso, é preciso ainda que fique claro, comoesperamos ter demonstrado com a discussãoprecedente, que aspectos tão importantes comofinanciamentos e financiadoras, articulaçãoinstitucional e metas dos diversos projetos podemcontribuir para uma distinção entre esses novosprojetos e a chamada “antropologia aplicada”, queparte de um ponto de vista etnocêntrico.25 É a partirda discussão que esses antropólogos têm suscitado,dentro de tais projetos, que um novo “modelo dedesenvolvimento indígena” vem sendo gestado, ummodelo mais participativo e que se pretende, poristo, mais eficiente.

ConclusãoConclusãoConclusãoConclusãoConclusãoSegundo Júlio Gaiger, o fracasso dos projetoseconômicos da Funai, e de muitos outrospatrocinados por entidades não-governamentais,que pretendiam alcançar a autonomia dascomunidades através do apoio às atividades desubsistência que lhes permitissem um pequeno

excedente para a compra de produtos que nãoproduzissem, deveu-se ao fato de que associedades indígenas não possuem uma lógicaacumulativa tal qual a nossa sociedade ocidental(capitalista). Quando um de seus membrosconsegue algum excedente de produção, trata deconsumi-lo com toda a sociedade, através de festas,pois é assim que estará garantindo poder e status(GAIGER, 1993).Deve ainda ficar claro que, quando recuperamos otexto de Júlio Gaiger não estamos considerando asduas lógicas por ele esquematicamenteapresentadas, a das sociedades indígenas e a dasociedade capitalista, como coisas estanques e semqualquer articulação. Ambas, na verdade, atuamnuma mesma sociedade, onde o contato com o“outro” é intenso, sendo reapropriadas em funçãodas hierarquias constituídas sobre as tradições e oscostumes daquela sociedade. No dizer de PierreBourdieu, analisando a transformação do habitusonde a penetração do capitalismo promove umadiscordância entre este e as estruturas da economia:“Por não se transformarem no mesmo ritmo dasestruturas econômicas, disposições e ideologiascorrespondentes a estruturas econômicas diferentes,ainda atuais ou já caducas, coexistem na sociedadeglobal e por vezes mesmo nos indivíduos”(BOURDIEU, 1979, p. 16).Fracasso ou sucesso são, na verdade, dois lados deuma mesma moeda. O êxito de tais projetossignificaria, talvez, que a lógica acumulativa da nossasociedade capitalista sobrepujara a lógica do índiode que fala Gaiger. Do ponto de vista do projeto datransitoriedade do índio, ou seja, da idéia de que oindígena de hoje se tornará fatalmente um “civilizado”– posição abertamente defendida ainda há poucopelas autoridades responsáveis pela assistência a essaspopulações – esse sucesso seria redobrado. O

2 4 Para detalhes sobre o conjunto de tais ações, incluindo objetivos e justificativas de cada uma delas, ver Aquino; Iglesias, 1994.2 5 A respeito da antropologia aplicada e suas diferentes modalidades, ver Oliveira, R.C. 1987, p. 218-223.

Page 28: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

72

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

sucesso aqui pode significar o que entendemoscomo fracasso. Para sermos mais claros, o quepoderíamos considerar um erro fundamental doprojeto, por exemplo, promover a desestruturaçãoda sociedade e cultura em questão, pode ser vistocomo uma etapa do processo inexorável deintegração do índio à sociedade nacional.Já do ponto de vista de um projeto de autonomiapara uma dada sociedade indígena, onde até sepretendesse a incorporação de novas tecnologias ehábitos de produção, mas respaldada na cultura etradição desta sociedade, e onde o mais importantefosse que a gestão do projeto por parte dos própriosíndios fizesse deles sujeitos, e não objetos da açãogovernamental, o sucesso de projetos com ascaracterísticas já mencionadas teria significado umaderrota, como de fato chegou a ocorrer em algunslugares do país.Neste sentido, seu fracasso deve ser entendidocomo uma vitória, uma reafirmação da identidadedas sociedades envolvidas, visto que o rolocompressor que tentaram passar sob suas cabeçasnão foi suficiente para aplainar as diferenças culturaisque mantinham. O fracasso de tal “modelo dedesenvolvimento indígena” propicia, na verdade, osucesso do modelo que lhe está contraposto.Por outro lado, o fracasso da face econômica dealguns projetos, ou seu êxito incompleto, mesmoquando procurando fazer dos índios gestores dasatividades ali desenvolvidas, pode não significar ofracasso do projeto como um todo. Neste caso,alguns de seus f ins extra-econômicos,principalmente aqueles relacionados ao planopolítico, podem ser muito bem sucedidos. O Acreparece ser um bom exemplo disso que falávamos.Apesar dos projetos desenvolvidos pela CPI-Ac nãogarantirem, ainda, a auto-sustentação dos povos

indígenas que ali habitam, alguns aspectos como ummelhor controle do seu território, a formação delideranças e um reforço em suas identidadesindígenas, assim como uma revitalização dessacultura foram inegavelmente alcançados.Entender, portanto, a lógica de reprodução daspopulações-alvo dos diferentes projetos e comoestão organizadas seria imprescindível. Só assimconseguiremos entender os limites e fraquezas dosprojetos geridos pelos próprios índios, etransformá-los, por isso mesmo, em sua força evigor. Uma análise da lógica de reprodução socialdos Ticuna, de sua economia e de suas instituiçõesserá, portanto, de fundamental importância para osobjetivos deste trabalho. Buscaremos realizá-la noscapítulos seguintes.

SOCIEDADE E ECONOMIA TICUNA:SITUAÇÕES HISTÓRICAS

Com o objetivo de investigar a lógica de produçãoe reprodução, não da sociedade Ticuna em um“ponto zero” de contato com a sociedade nacional,mas nos dias atuais, seria importante, em primeirolugar, entender como algumas das diferentes agênciasde contato, que hoje atuam na área, historicamenteali se instalaram. Não pretendemos, contudo,trabalhar nos limites desta dissertação com a enormequantidade existente de relatos de viajantessobre os Ticuna e o alto Solimões26, mas nosbasearemos, fundamentalmente, nos trabalhos deJoão Pacheco de Oliveira e do etnólogo alemãoCurt Nimuendajú, assim como da leitura que elesfizeram desses viajantes e de outros autores quelhes precederam. Este último conheceu a região eos Ticuna em uma viagem pelo Serviço de Proteçãoao Índio (SPI), em 1929. Na década de 40, voltou

2 6 Em “Elementos para uma sociologia dos viajantes”, Oliveira enumera dezessete relatos falando dos Ticuna, produzidos porindivíduos ou expedições que passaram por esta região ao longo de cerca de três séculos e meio de contato, assim como identificaas instituições a que estavam ligados (OLIVEIRA, 1989).

Page 29: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

73

à região por mais três vezes tendo morrido ali em1945, próximo ao vilarejo de Santa Rita do Weil,em circunstâncias que não foram bem esclarecidas27.Utilizando a noção de Situação HistóricaSituação HistóricaSituação HistóricaSituação HistóricaSituação Histórica, construídapor Oliveira a partir de uma leitura particular doconceito de “social situation” de Gluckman, e que vêo contato como um conjunto de relações sociaisentre diferentes atores sociais vinculados a diferentesgrupos étnicos, buscando ainda captar as diferençasentre eles que determinam o jogo de alianças políticase oposições, acreditamos poder superar asinterpretações dualistas, que consideram o contatocomo uma oposição entre o moderno e o tradicional,mas também os esquemas analíticos que vêem ocontato interétnico como uma unidade social s u i -generis. Para entendermos a transformação social,esses últimos exigem que o contato seja pensadocomo um fenômeno contraditório e heterogêneo,que deve ser analisado separadamente das realidadesdas culturas em contato (OLIVEIRA FILHO, 1977,p. 4-9 e 1988, p. 54-59).

A História ou as Histórias do Contato dos TicunaA História ou as Histórias do Contato dos TicunaA História ou as Histórias do Contato dos TicunaA História ou as Histórias do Contato dos TicunaA História ou as Histórias do Contato dos TicunaSegundo o etnólogo alemão, os Ticuna são citadosna história da região amazônica pela primeira vezcomo inimigos dos Omágua, moradores da margemesquerda do Solimões. Esses Ticuna viviam em terrafirme, dentro dos igarapés afluentes da margemesquerda. Em 1645, instala-se na região umamissão jesuítica espanhola que inicia a catequizaçãodos Omágua (NIMUENDAJÚ, 1952, p. 8).Epidemias de varíola e outras doenças, assim comoa guerra entre os portugueses e os espanhóis pelocontrole do território, fizeram com que os Omágua,moradores das margens e ilhas do alto Solimões,fossem, praticamente, dizimados. O estabelecimentode um forte português em 1776, na localidade deTabatinga, garantiu a Portugal o controle definitivodaquela área. Com o tempo alguns Ticuna,

moradores da terra firme, instalaram-se nas margensantes habitadas pelos Omágua (NIMUENDAJÚ,1952, p. 8-9).Nas duas últimas décadas do século XIX, com aexploração da borracha, a Amazônia tornou-sepalco de uma intensa exploração do trabalho doseringueiro. O alto Solimões, apesar de não contarcom seringais tão produtivos quanto os do Acre,por exemplo, também não ficou de fora da corridapelo ouro branco. A empresa seringalista operava,entretanto, segundo um modelo diverso daquelevigente nas principais áreas extratoras.As principais especificidades do que Oliveira chamoude “modelo caboclo” estão na menor produção deborracha e na existência, também, de uma produçãode subsistência. Tudo articulado através da instituiçãodo sistema de barracão, que tornava compulsória acomercialização de todos os moradores de umadeterminada área por intermédio do armazém dopatrão.A legitimidade desta empresa era dada por títulosde propriedade conseguidos por poucas famílias,vindas em sua maioria do nordeste, títulos queincidiam sobre a terra dos Ticuna, passando esses adever obediência aos recém-chegados. Os patrõesinstalaram-se na boca dos principais igarapés,controlando, assim, os moradores dali. Para reforçaresse controle, o patrão ainda nomeava um tuxauaque exerceria a liderança entre os índios, cuidandodos seus interesses. Essa liderança, no entanto, nemsempre se baseava em relações tradicionais, masna subserviência do tuxaua aos patrões seringalistas.A atividade produtiva dos Ticuna dividia-se, então,entre a extração da borracha e uma agricultura desubsistência, sendo qualquer excedente apropriadopelo patrão. Através de um esquema de servidãopor dívidas, o índio não estava livre para sair daqueleseringal caso não estivesse satisfeito com seu patrão.

2 7 A este respeito ver Oliveira, 1992.

Page 30: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

74

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

Sua dívida era, na verdade, impagável (OLIVEIRAFILHO, 1988, p. 77-82).Em 1910, ainda segundo Nimuendajú, uma novaagência de contato se faz presente no alto Solimões.Nesta época, os capuchinhos vindos da provínciada Úmbria, na Itália, instalam a Prefeitura Apostólicado alto Solimões. A presença do Serviço deProteção ao Índio (SPI), nessa situação de domíniodos seringalistas, era meramente formal, ou seja,restrita a relatórios de um delegado dessa repartiçãoa partir de 1917. É somente em 1942 que esseórgão da administração federal vai criar um postona região.Conforme argumenta Oliveira Filho (1988, p. 237-238), a dominação do órgão tutor seria maisfacilmente exercida com a centralização do poderentre os Ticuna. Assim sendo, os funcionários doSPI atuaram de modo a criar uma liderança únicadentro da aldeia, já que esta inexistia dentro datradição Ticuna. Havia, contudo, ao nível dos gruposvicinais, lideranças reconhecidas (os toeru) que,dentro de um limitado grupo de parentes e vizinhos,dispunham de autoridade utilizada em convocaçõespara trabalhos coletivos, resolução de pequenasdisputas etc. Essa liderança, por seu caráter bastantefragmentado, não satisfazia os interesses daadministração regional do órgão tutor. A soluçãoencontrada foi a indicação, pelo chefe de posto, deum Ticuna (o tuxaua) que apesar de atender àsnecessidades da administração, acaba por ter,também, legitimidade decorrente de seu papel demediador, na medida em que não oriente sua açãoapenas ao interesse de seu grupo vicinal28.Uma nova situação histórica começa a se delinearem meados da década de 60, com a Amazônia esua faixa de fronteira tendo se transformado em áreade segurança nacional para o exército brasileiro. Aantiga guarnição militar de Tabatinga cresce em

tamanho e importância, transformando-se noComando de Fronteira do Solimões (CFSOL), commais autoridade para intervir localmente. Isso fazcom que a relação entre patrões e índios sejaprofundamente alterada. Sem a possibilidade dacoerção por castigos físicos, coibida pelo exército,os patrões descobriram outros modos de fazer valerseu controle sobre a população indígena (OLIVEIRAFILHO, 1987, p. 211-213).Conforme relata Oliveira, “em 1971 uma intensamovimentação de cunho messiânico atingiuprofundamente aos Tikuna e ao seu modo de vida”.O centro desse movimento era o Irmão José, figurahumilde que trajava uma túnica de frade e, tendopregado pelo Peru (apesar de nascido em MinasGerais), já tinha se tornado conhecido em toda aregião. O Irmão José anunciava que o fim do mundoestava próximo e que só se salvariam aqueles quese reunissem em torno da Cruz, arrependendo-se de seus pecados e seguindo seus mandamentos.A Ordem da Cruzada Apostólica Evangélica ouMovimento da Santa Cruz, como ficou conhecido,atingiu indiscriminadamente aos Ticuna e aosbrancos moradores da região. A disciplina impostapor essa religião, que acreditava haver uma grandedecadência dos costumes e que os padres haviamperdido o verdadeiro significado da palavra de Cristo,permitiu aos patrões contornar a grave criseeconômica e de autoridade pela qual passavam. Estesapoiaram a entrada do Irmão José na área, combatidapela Prelazia do Alto Solimões que pressionavaautoridades militares neste sentido (OLIVEIRAFILHO, 1977, p. 70-74).Por toda a região, até o rio Içá, espalharam-se igrejasdesta seita, muitas vezes tendo o patrão como diretor.As crenças contidas nesse movimento da Santa Cruztraziam consigo uma certa ideologia da integraçãodo índio à sociedade nacional envolvente,

2 8 Para alguns exemplos de lideranças indicadas pelo SPI, e depois pela FUNAI, na aldeia de Umariaçú, suas histórias de vida e arelação entre essas indicações e a estratégia conjuntural do órgão tutor, ver Oliveira Filho, 1988, p. 239 e segs.

Page 31: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

75

principalmente através de um conjunto de proibiçõesque enfatizava a importância do trabalho conjunto,do cumprimento de obrigações familiares, abolindofestas e bebidas alcóolicas (mesmo aquelas da tradiçãoTicuna), assim como a crença no pajé. A festa damoça nova (worecü), realizada quando a menina temsua primeira menstruação, é um testemunho daimportância que a esfera da reprodução tem nasociedade Ticuna. Somente depois deste “rito depassagem” a menina está apta a procriar, tendorecebido, ao longo de toda a cerimônia, conselhos eensinamentos das mulheres mais velhas e dosespíritos. Falaremos a seguir sobre a importância dareprodução física em sociedades agrícolas.Também os funcionários da Funai, que nessa épocajá substituíra o antigo SPI como agência de políticaindigenista do Estado, logo perceberam a utilidadedo movimento da Santa Cruz como facilitador deseu projeto de integração do indígena e passam aapoiar explicitamente aquelas lideranças ligadas aomovimento, incentivando, inclusive, o faccionalismoreligioso que até hoje divide aldeias como Umariaçúe Belém do Solimões (OLIVEIRA FILHO, 1987,215-216) .Entendemos, ainda, ser de extrema utilidade nodesvendar da lógica de produção e reprodução dasociedade Ticuna caracterizá- la como umacomunidade doméstica agrícola, conforme ClaudeMeillassoux explicitou em FFFFFemmes; Graniers;emmes; Graniers;emmes; Graniers;emmes; Graniers;emmes; Graniers;CapitauxCapitauxCapitauxCapitauxCapitaux (MEILLASSOUX, 1975, p. 7-81). Paraele, o parentesco aparece como institucionalizadore regularizador da reprodução social, principalmenteatravés da mobilização ordenada dos meios dereprodução humana. Nesse sentido, a investigaçãodos mecanismos de funcionamento dos jámencionados grupos vicinais, onde se dãoprioritariamente as trocas matrimoniais e asolidariedade econômica e cerimonial (partilha dealimentos, ajuda nas atividades produtivas e

cerimoniais etc) ganha importância para a análiseaqui pretendida.No plano econômico esses grupos vicinais almejamà auto-suficiência frente ao restante da aldeia. Ovalor primordial para a manutenção desse grupovicinal é o desejo de todo Ticuna de se tornarindependente tanto do branco quanto dos outros aquem não se considera estreitamente ligado. UmTicuna prefere ter todos os instrumentos para seuuso próprio, mesmo que para isso tenha que sesacrificar. Pedi-los, mesmo a um parente, membrode seu grupo vicinal, é uma opção extrema(OLIVEIRA FILHO, 1988, p. 256-257).A organização social dos Ticuna é descrita comocomposta por grupos de descendência, cujopertencimento se dá por linha paterna. Esses gruposforam caracterizados por R.C. de Oliveira e C.Nimuendajú como clãs e podem ser agrupados emmetades exogâmicas, tendo de um lado as naçõescom pena (arara, mutum, maguari etc.) e de outroas nações sem pena (onça, buriti, saúva etc.) (OLIVEIRAFILHO, 1988, p. 88-89). Sua origem é contada nomito Ticuna que descreve a criação do mundo.Na narrativa de João Laurentino, morador doIgarapé São Jerônimo, recolhida por João Pachecode Oliveira Filho em 1981, vemos Yoi e Ipi, heróismitológicos do povo Ticuna, pescar com isca demacaxeira seu povo. Ou melhor, Yoi pescou o povomagüta e Ipi os peruanos. Para que os Ticunativessem diferentes nações e, com isso, pudessemcasar-se, os dois passam a dar o caldo da jacareranapara todos provarem e dizerem que gosto tinha.Os da nação de onça sentiram, então, um gosto deonça, os da de buriti um gosto de buriti e, assim,sucessivamente29.Desde o passado mais remoto que se tem notícia, asociabilidade Ticuna era realizada de modo mais usualdentro de uma microssociedade representada pelamaloca de uma nação. Essas eram, segundo

29 Para uma versão mais recente e ilustrada pelos próprios índios, ver: Índios Ticuna,1985.

Page 32: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

76

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

Nimuendajú, as habitações tradicionais dos Ticuna.Caracterizavam-se pelas suas grandes dimensões, peloformato circular, com uma área central retangular, pelofato de serem encontradas isoladas e por se trataremde moradia de mais de uma família. Nimuendajú foiinformado de vários lugares onde teria havido umagrande maloca desta ou daquela nação (1952, p. 11).Segundo João Pacheco de Oliveira, os seringalistaspressionaram para a fragmentação das malocas clânicas,no sentido de adequar o tipo de moradia à extraçãoracional da seringa. “Ao longo dos igarapés, foramabertas diversas estradas de seringa, que apenas podiamser trabalhadas com proveito pelos componentes deunidades menores que o antigo clã, por pequenossegmentos desse e até mesmo por famílias nucleares”(OLIVEIRA FILHO, 1988, p. 122).Portanto, desde a época da passagem deNimuendajú pelo Alto Solimões, as moradias Ticunasão majoritariamente idênticas àquelas típicas dapopulação regional, ou seja, retangulares, fechadascom paredes de madeira e suspensas sob estacasde madeira mais nobre para evitar a alagação. Acobertura ainda é, em numerosos casos, de palha,principalmente a da cozinha. Contudo, a quantidadede telhados feitos de materiais comerciais aumentoubastante se comparada à descrição realizada porOliveira Filho, em 1977.Ainda nos dias de hoje, encontram-se algumashabitações sem as paredes, como as descritas peloetnólogo alemão. Além de abrigar uma família,essas podem servir para a realização das suas festastradicionais. As casas de reunião, construídas emdiversas aldeias, sempre com o objetivo de seremutilizadas por um grande número de pessoassimultaneamente, também apresentam essacaracterística que as diferenciam do “padrãoarquitetônico” da região (se é que se pode falardesta forma). Uma história, razoavelmenteengraçada, ilustra bem o paradoxo que constitui aconstrução de casas com padrões arquitetônicoscopiados de regiões de clima mais ameno, comoo sul do país.

Viajando pela área com o objetivo de realizarum levantamento para a Funai, com vistas àimplementação de um programa de assistênciadaquele órgão à população Ticuna, chegamos emBelém do Solimões, onde já éramos esperados.Fomos, então, levados até uma escola, construídapela prefeitura de Tabatinga, que provavelmente nãodeixava a desejar a nenhuma da cidade. Era umaescola, muito grande, na medida das necessidades deuma aldeia que conta com mais de duas mil almas, ede alvenaria (coisa bastante incomum por ali). Comorepresentantes do presidente daquele órgão, o grupofoi tratado com extrema deferência, sendo convocadauma reunião com algumas lideranças do local,professores e monitores de saúde. Instalados numasala daquela escola, não agüentamos ficar por alisequer cinco minutos, quando tivemos que nosdeslocar para o lado de fora, para um corredor maisarejado. Ali, num clima muito mais fresco, mas sema pompa que pretendiam os Ticuna de Belém, tevelugar, enfim, a reunião.Como já dito, em casas muito parecidas às dosregionais, moram, em geral, uma única famíliaTicuna. Há uns poucos casos de mais de uma famíliamorando numa mesma casa, normalmente filhosque mesmo constituindo nova família permanecemna casa dos pais. Esse tipo de ocorrência poderiaser explicado pela prática do bride service, queOliveira afirma ser comum entre os Ticuna. Há,contudo, casos nos quais, apesar de não faltarem osmeios para a construção de uma casa para os filhos,estes permanecem junto ao seu pai. Essa situaçãochega a ser motivo de brincadeiras entre os índios,mostrando a excepcionalidade da situação.Mas o que são, na verdade, esses grupos vicinais deque falávamos? Como surgem? Em que se baseia opoder dos toeru (os “cabeças” dos grupos vicinais)?Oliveira Filho procura mostrar (1988, p. 204-208), com exemplos da aldeia de Umariaçú, comoa formação e a manutenção de um grupo vicinal notempo dependem mais das estratégias pessoais deuma liderança política forte, que agrega junto de si

Page 33: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

77

uma quantidade razoável de parentes próximos (nãoimportando se consangüíneos ou afins), do que deum poder inerente àquela liderança (seja transmitidohereditariamente, seja adquirido via rituais datradição Ticuna). Isso pôde ser melhor visualizadoanalisando como os diferentes grupos vicinais semantêm após a morte do líder que os unia.Esse líder tem como funções a organização do grupopara trabalhos coletivos, como já exposto, oaconselhamento dos chefes de família a ele ligados,além de representar o grupo na comunicação comestranhos e “civilizados”. Sua fonte de autoridadevem do fato de agir de acordo com o consenso, deexecutar aquilo que o grupo decide ser o maisacertado. Sem a força dos demais chefes de família,ele não tem qualquer poder de coerção. Depende,portanto, de suas próprias qualidades de orador ede sua moral, justeza e sapiência serem reconhecidaspelo grupo. Os limites do poder desse toeru sãoevidentes na sua completa impossibilidade de seintrometer em assuntos privados de qualquer casade seu grupo que não seja a sua própria. Comoafirma Oliveira Filho (1988, p. 207):“Dentro de sua casa e nas questões relativas aosmembros de suas famílias, esse chefe de família temreconhecida uma enorme autonomia. Por suacondição de parentes diretos, os membros do grupovicinal podem executar diversas atividades emcomum, bem como tentar resolver solidariamentealgumas questões surgidas no relacionamento socialde seus membros (internamente ou desses compessoas de fora). Em todos esses contextos o líderdo grupo local (toeru) pode intervir – tal como ofazem outros chefes de família (inatü) – no sentidode favorecer a articulação das atividade ou asolução de pendências. O seu sucesso dependeprimordialmente de suas próprias habilidades (quelhe garantem um alto prestígio) e de sua capacidadede influência e persuasão, características essaspartilhadas, no entanto, com outros elementos dogrupo vicinal (entre os quais ele tende a destacar-semais)”.

De qualquer forma, conhecer essas lideranças, seupapel e sua importância, e conseguir engajá-las emum projeto de desenvolvimento no qual aautogestão tem destaque parece ser fundamentalpara o futuro deste, na medida em que podemconvencer os membros de seus grupos aacompanhá-los, além do possível êxito de seugrupo ter reflexos bastante positivos no engajamentodos demais moradores da aldeia através de um efeitodemonstrativo.Poderíamos afirmar que uma nova situação históricacomeça a se configurar no Alto Solimões, a partirda presença do antropólogo João Pacheco em área,que através de sua ação propiciou a superação defaccionalismos e a mobilização dos Ticuna no sentidode reivindicar seus direitos à terra.No final de 1981, as principais lideranças Ticunaconvocaram uma reunião para a aldeia de CampoAlegre, onde foi discutida a proposta de demarcaçãode suas terras, encaminhada à Funai. Nessa reuniãofoi escolhida, também, uma comissão para ir aBrasília apresentar ao Presidente a proposta alidebatida. Como resultado dessa pressão dos Ticuna,a Funai mandou, já no ano de 1982, um grupo detrabalho com o fim de identificar as áreas Ticunanos municípios de Fonte Boa, Japurá, Maraá, Jutaí,Juruá, Santo Antônio do Içá e São Paulo de Olivença.Também em 1982, os Ticuna criaram o ConselhoGeral da Tribo Ticuna (CGTT), com a figura doCoordenador Geral que, eleito em assembléiasquadrianuais entre todos os capitães de aldeia, tempoderes semelhantes ao de um Ministro dasRelações Exteriores.Desde a sua criação, o CGTT é coordenado porPedro Inácio Pinheiro (Ngematücü), um Ticuna que,tendo crescido vendo de perto a exploração a qualseu povo era submetido e afilhado de um dos maisfortes patrões da região, rebelou-se contra isso,tendo se transformado em uma liderança bastanteativa na luta dos Ticuna pelos seus direitos. Não setrata aqui de querer mitificar um nome, mesmoporque o papel do antropólogo no assessoramento

Page 34: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

78

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

e, por que não dizer, na construção de uma liderançae afirmação da legitimidade que esta hoje tem emtoda a área foi essencial, mas sob a coordenação dePedro Inácio o CGTT pôde contribuir para ofortalecimento da luta dos Ticuna por sua terra,assim como no incentivo à criação de outrasorganizações indígenas Ticuna.A saber, a Organização dos Professores TicunaBilingües (OGPTB), criada em 1986 para atuar naárea da educação, realizando cursos de reciclageme formação dos professores, tendo como presidenteNino Fernandes até o ano de 1996, quando assumiuFrancisco Julião; e a Organização dos Monitores deSaúde do Povo Ticuna (OMSPT), depoisOrganização de Saúde do Povo Ticuna do AltoSolimões (OSPTAS), que desde 1990 atua na lutapela melhoria das condições de saúde daquele povo,tendo como marco o combate ao cólera que vindoda Colômbia e do Peru atingiu mais fortemente osregionais do que os Ticuna, mais preparados para oatendimento a esse tipo de enfermidade.E é nesse momento, de uma nova situação histórica,em que a sociedade Ticuna está organizada em tornode entidades que a representam, ou melhor, éjustamente quando uma dessas entidades (o CentroMagüta) procura iniciar uma atuação na área dodesenvolvimento das atividades produtivas, queacontece nossa primeira viagem a campo30. Mas,essas organizações interferem na tradicional formados Ticuna se relacionarem entre si? Ou seja, elaseliminam ou minimizam a atuação dos chamadosgrupos vicinais?Com certeza a resposta a essas perguntas é negativa.Em nenhum momento as organizações criadas pelosTicuna pretenderam substituir as relações de podertradicionais daquela sociedade. Mesmo a figura docapitão geral, coordenador do CGTT, não está emoposição ao toeru. Não disputa sequer o mesmo

espaço de poder que para este último é o interiorde seu grupo vicinal. O capitão geral é, comoacontece com o capitão da aldeia, um representante“para fora” mais do que uma liderança “para dentro”.As relações de produção e reprodução da sociedadeTicuna continuaram, tanto no momento do primeirolevantamento que realizamos quanto continuamhoje, subordinadas a essas formas tradicionais depoder e a outros aspectos que caracterizariam,segundo Meillassoux, uma comunidade agrícoladoméstica. No entender desse autor a caracterizaçãode tal comunidade se daria por três aspectosfundamentais encontrados nos indivíduos que acompõem: a) praticar uma agricultura de auto-subsistência; b) produzir e consumir em comum,sobre uma terra comum onde o acesso ésubordinado ao pertencimento a essa comunidadee c) estarem ligados por relações não igualitárias dedependência pessoal (MEILLASSOUX, 1975, p.1 5 - 1 6 ) .Muito embora os Ticuna não pratiquem há muitouma economia de auto-subsistência, acreditamosque essa noção de comunidade doméstica agrícolaainda caberia aqui, pois os efeitos de dissolução dasrelações de produção domésticas de que fala esteautor, quando do desaparecimento da auto-subsistência, não são observáveis ali. Pelo menosnão o eram nessas primeiras viagens a campo, masdisso falaremos no capítulo seguinte.A seguir, apresentaremos um esforço de etnografiaeconômica a partir dos dados que pudemos recolhernessas duas primeiras viagens ao Alto Solimões, emlevantamentos realizados em períodos diferentes(primeiro no inverno, período de cheia, e depoisno verão, que é o período da seca) e em sete aldeiasTicuna das mais de cem espalhadas pela região.Apesar do reduzido número, se comparado ao totalde aldeias, estas são bastante representativas do

30 A análise das transformações pelas quais vem passando esta sociedade é fundamental para a compreensão desta nova situaçãohistórica e de suas conseqüências para a economia Ticuna. Esta, contudo, só será melhor desenvolvida no capítulo seguinte.

Page 35: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

79

universo de aldeias Ticuna devido a sua dispersãoespacial e contingente populacional. São elas:Vendaval, Campo Alegre, Bairro Independente,Paranapara I, Torre da Missão, N.S. de Nazaré eVera Cruz (ver mapa anexo).

Economia Ticuna e organização socialEconomia Ticuna e organização socialEconomia Ticuna e organização socialEconomia Ticuna e organização socialEconomia Ticuna e organização socialProcurando, através de uma análise marxista, chegarao entendimento da economia e da sociedade dequalquer “formação econômico-social” pela definiçãode seu “modo de produção”, Claude Meillassouxafirma que este último deve ser procurado no níveldo conjunto de células produtivas organizadas para areprodução (MEILLASSOUX, 1995, p. 30), no casodos Ticuna dentro dos grupos vicinais já mencionados.Mais ainda, as atividades desenvolvidas por um dadogrupo na sociedade doméstica, segundo aquele autor,têm determinações que passam pela reprodução daforça de trabalho. O ciclo dessa reprodução da energiahumana é, ainda segundo Meillassoux, curto. Tudoconsiderado necessário é produzido e imediatamenteconsumido. Não há acumulação do produto. Aagricultura de estaquia, produzindo mandioca e outrostubérculos, tem rendimento e produtividadeelevados. Por outro lado, esses produtos têm curtaduração e são estocados normalmente nos campos,onde se preservam melhor, e necessitam de umaparte relativamente importante da energia social.Atividades não-agrícolas como a caça, a pesca e acoleta são indispensáveis para cobrir o déficit que podederivar de qualquer acidente climático(MEILLASSOUX, 1995, p. 48-49).Vejamos como a teoria exposta por este autor temcorrespondência com as práticas Ticuna. Aqui nosutilizaremos, basicamente, de material levantado emnossa pesquisa de campo, em parte já publicadoem artigo sobre a economia Ticuna.31

• Lavoura• Lavoura• Lavoura• Lavoura• Lavoura

Das entrevistas realizadas em Vendaval, podemosdeduzir que cada família Ticuna possui sua roça,considerando-a sua propriedade. Não há aquipropriedade da terra, nem mesmo a propriedadecoletiva32. A experiência da década passada de roçacomunitária, relatada pelo capitão Pedro Inácio, deucerto apenas nas primeiras vezes. Depois disso,todos pretenderam retirar o seu quinhão da roçada comunidade quando da colheita, o que acaboudando em briga. Hoje, o atual capitão de Vendavalnão pensa mais em fazer esse tipo de trabalhocomunitário. O mesmo nos foi relatado pelo capitãode Campo Alegre, Adércio Custódio Manoel.Nas roças da família trabalham, em geral, o pai, suaesposa e os filhos mais velhos que ainda não sãocasados. Quanto à propriedade das roças, CurtNimuendajú afirma que não pertencem “ao homemque fez a derrubada das árvores, mas à mulher queplantou e capinou” (NIMUENDAJÚ, 1952, p. 64).Isto não parece estar confirmado para a atualidade.Diversos informantes nos relataram como plantamcom suas esposas cada pé de suas roças, falandodeles como uma propriedade do casal ou mesmodo homem.Os filhos homens, maiores e solteiros, podem ter umaroça deles para quando se casarem. Os mais idosostêm também roças independentes de seus filhos egenros, mesmo quando moram na mesma casa. Essasroças são normalmente roças de terra firme, poispossibilitam uma colheita demorada, sem atropelos.Quando há em uma mesma casa mais de umafamília, sejam filhos casados que continuam morandona casa de seu pai ou um cunhado, essas famíliascostumam trabalhar separadas, cada uma em suarespectiva roça.

3 1 Ver Almeida, 1993.3 2 A esse respeito e sobre a controvérsia acerca dessa questão ver OLIVEIRA (1981).

Page 36: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

80

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

Além da mão-de-obra familiar, os Ticuna contamcom uma outra ajuda na agricultura por parte deparentes e amigos, os ajuris, estruturados sobre osgrupos vicinais e realizados com freqüência em todasas aldeias. Em um ajuri, o dono da roça éresponsável pela comida e bebida dos seusconvidados. Ele prepara o pajuaru, bebidafermentada feita de mandioca ou macaxeira, eprovidencia peixe e farinha para todos osparticipantes. Como lembra Bourdieu, a refeiçãonesses casos é um ato de permuta que sela umaaliança e não poderia ser reduzida a sua dimensãoeconômica sem que isso significasse uma ofensa(BOURDIEU, 1979, p. 38).“Assume também o compromisso tácito departicipar dos uajuris promovidos por qualquer umdos que ali trabalharam. Não é certo que o uajuriseja uma instituição Ticuna. Nimuendajú (1952, p.21) parece inclinar-se no sentido de entendê-locomo uma forma cooperativa (tipo mutirão) usadapelos regionais e depois adotada pelos Ticuna. Ofato é que há muito tempo está plenamenteintegrado à existência dos Ticuna, sendo inclusivepraticado por esses e não mais pelos regionais”(OLIVEIRA FILHO, 1977, p. 232).Ao terminar o serviço, os participantes vão à casado dono do ajuri, onde passam a noite em cantos edanças. Pudemos presenciar uma dessas ocasiõesno ajuri do Leonor, filho adotivo de Pedro Inácio.Essa tradição foi retomada com toda sua riqueza háalguns anos na aldeia de Vendaval, já que, segundoJoão Pacheco de Oliveira Filho (1977, p. 232-233), ela estava sendo abandonada devido àsproibições impostas pela facção da Santa Cruz.Mantinha-se apenas o aspecto econômico, com abebida substituída por um refresco e as festasabolidas.O ajuri pode ser realizado em qualquer etapa daprodução, bastando que o dono da roça necessiteda ajuda dos integrantes de seu grupo vicinal.Existem, portanto, o ajuri da derrubada, como odo Leonor, o da colheita, o da palha, onde os

convidados levam a palha e a trançam para acobertura da casa do dono do ajuri, o da canoa etc.O trabalho que aquela família demoraria vários diaspara fazer é terminado em uma manhã de trabalhoconjunto dos parentes e vizinhos. Não houve umaúnica semana durante o período que estivemos nasaldeias maiores, como Vendaval e Campo Alegre,que não tivesse um ajuri e a quase totalidade dosinformantes afirmaram que participam e promovemajuris com certa freqüência.Os instrumentos agrícolas utilizados pelos Ticunasão basicamente o terçado, o machado, a enxadae o forno de torrar farinha. Cada pessoaeconomicamente ativa da casa possui geralmente,seu terçado para trabalhar na roça. Quanto aomachado, cada família possui o seu, podendo haverempréstimo para aqueles que não o possuem,principalmente entre famílias residentes na mesmacasa, mas sempre dentro de um mesmo grupovicinal, o mesmo ocorrendo com o forno de torrarfarinha. Esses instrumentos são mais duráveis, sendo,além disso, relativamente pouco usados secomparados ao terçado. Já a enxada não é uminstrumento tão comum como os demais, sendoutilizada por apenas algumas famílias. Outrosinstrumentos, como a pá, a cavadeira e a máquinade ralar a farinha, quase não são utilizados, sendonormalmente de propriedade da comunidade.Tivemos, no entanto, a oportunidade de presenciardiversas famílias ralando sua mandioca em raladoresde lata, fabricados por eles próprios.Esses instrumentos de trabalho, utilizados pelosTicuna no seu cotidiano, são comprados nosregatões ou nas cidades vizinhas, principalmente emLetícia, na Colômbia. Alguns machados e fornos defarinha foram dados pela Funai, estando já bastanteusados e velhos. Pequenos comércios, instaladosna própria aldeia por moradores com maisrecursos, e que vão mais vezes à cidade, tambémfornecem os instrumentos necessários à produção,principalmente o terçado, que é aquele de maiordemanda. A cantina que a Funai manteve nessa aldeia

Page 37: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

81

por algum tempo já não existe mais. Em seu lugarestão instalados a enfermaria e o posto telefônico.As técnicas agrícolas dos Ticuna de Vendaval nãosão diferentes daquelas utilizadas em todo o ValeAmazônico33. A derrubada seguida da queima ecoivara são praticadas por todos os informantes (verfotos de roças em diferentes etapas em anexo). Elassão, assim, descritas por Robert Carneiro:“Shortly after the end of the rainy season the forestvegetation is cut and left to lie where it falls for severalmonths in order to dry out. Just before the nextrainy season its piled up and burned. Planting beginsabout the time of the first rains. The ground is notfertilized other than by the wood ashes resulting fromthe burning which are whashed into the soil by therains” (CARNEIRO, 1974, P. 74).As roças de terra firme estão para o centro, comoeles costumam dizer. Já aquelas da várzea sãogeralmente cultivadas nas ilhas e florestas alagáveis,principalmente pelo Solimões.Não há utilização de fertilizantes ou inseticidas. Doscento e onze entrevistados na aldeia de Vendaval,por exemplo, apenas um mencionou a utilização dealgum tipo de inseticida contra as saúvas, mesmo assimsem que soubesse o nome do produto. Disse-meque o “remédio” foi conseguido com o chefe do postoda Funai, mas que quando acabou não obteve mais34.Três outros informantes, um dos quais o capitãoPedro Inácio, relataram-nos a existência de plantascom as quais os Ticuna fazem um preparado parabanhar a muda da macaxeira (ou mandioca), fazendocom que ela dê raízes maiores.

Os produtos mais plantados pelos Ticuna são, emordem decrescente de importância, a macaxeira ea mandioca, a banana, o abacaxi, a cana e o cará. Omilho e a melancia foram citados apenas nasentrevistas realizadas durante o período da seca(verão), quando essas roças que são de várzea estãosendo trabalhadas. Além desses produtos da roça,podemos ainda citar algumas frutas como a pupunha,o mapati, o açaí, o abiu e o cupuaçu, que não são,senão raramente, plantadas. Essas frutas estãocomumente localizadas nas capoeiras, antigas roçasdeixadas em pousio.As plantações não são, em geral, feitas de formaassociada. Mesmo quando isso ocorre, por exemplo,quando plantam o abacaxi com a mandioca, aplantação não é feita com uma lógica produtivista.A estimativa de quantos pés de mandioca emacaxeira os Ticuna plantam foi impossível de serconseguida. Quando perguntados a esse respeito,os índios sempre diziam que eram muitos, que nãocontavam na hora que estavam plantando. Ospoucos que tentaram fazer uma estimativa daquantidade de macaxeira e mandioca que plantaramfalaram em cinco a sete mil pés. Quanto aos demais,nada podemos afirmar35.Quanto aos outros quatro principais produtos daagricultura Ticuna, podemos fazer consideraçõesmais consistentes. A banana é plantada por 88,3%das casas entrevistadas, sendo a média de 72 pés/casa. Numa ponderação, menos enganosa que amédia, vemos, como no quadro abaixo, que maisde 50% das casas plantam menos que 50 pés debanana.

3 3 Ver Wagley, 1977, p. 24. Segundo este autor, a busca da cinza resultante como fertilizador acarreta, a longo prazo, a degradaçãoinevitável do solo.

3 4 A respeito dos problemas da introdução mal administrada de fertilizantes em áreas indígenas mexicanas, ver Gonzalez R., Álvaro.“Agricultura Indígena Y Modernización. Matrimonio Desastroso?” América Indígena, fevereiro, 1990.

3 5 É importante ressaltar a grande dificuldade que o Ticuna tem para se referir aos números. Em sua língua só há palavras querepresentem aqueles até vinte, depois do qual tudo é considerado “muito”. Hoje em dia utilizam o português a partir do númeroquatro.

Page 38: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

82

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

PPPPPonderação da Bananaonderação da Bananaonderação da Bananaonderação da Bananaonderação da Banana

Pés plantados Quantidade Percentagemde casas do total que planta

4 - 9 10 12%10 - 49 36 42%50 - 99 21 24%

100 - 400 19 22%

O abacaxi e a cana ficam em um patamar inferior,com 80,2% e 74,8% de casas que plantam ambos,respectivamente. A média de pés de abacaxiplantados (147,1 pés/casa) é a mais elevada, sendoa da cana igual a 40,2 pés/casa.A ponderação desses dados dá-nos os seguintesquadros:

PPPPPonderação da canaonderação da canaonderação da canaonderação da canaonderação da cana

Pés plantados Quantidade Percentagemde casas do total que planta

1 - 1 0 23 31%1 1 - 2 0 22 30%2 1 - 5 0 19 26%

50-600 10 13%

PPPPPonderação do abacaxionderação do abacaxionderação do abacaxionderação do abacaxionderação do abacaxi

Pés plantados Quantidade Percentagemde casas do total que planta

1 0 - 4 9 21 31%5 0 - 9 9 16 24%

100-299 20 29%300-800 11 16%

O cará é, dentre esses principais produtos, o menosimportante, tanto em relação à quantidade de casasque declararam plantá-lo (35,1%), quanto emrelação à quantidade de pés plantados por casa. Asua média não passa de 14,4 pés/casa, ficando aponderação da seguinte forma:

PPPPPonderação do caráonderação do caráonderação do caráonderação do caráonderação do cará

Pés plantados Quantidade Percentagemde casas do total que planta

3 - 5 12 34%6 - 1 0 8 23%

1 1 - 2 0 7 20%2 1 - 3 3 8 23%

Para todos os quatro produtos a força de trabalhofamiliar é, em média, maior na faixa que maisproduz. Isso já seria esperado, mas a diferença decerca de três pessoas trabalhando em cada casa naprimeira faixa para pouco mais de quatro na últimafaixa surpreende pelo diminuto tamanho. Isso podeser melhor visualizado no quadro abaixo:

Força de trabalho médiaForça de trabalho médiaForça de trabalho médiaForça de trabalho médiaForça de trabalho média

faixas\produtos Banana Abacaxi Cana Cará

Menos plantam 2,8 3,2 3,1 3,8Mais plantam 4,6 4,2 5,0 4,1

Esses dados só poderão ser analisados, maisqualitativamente, na medida em que investigarmoso porquê da diferença de produtividade entre essasduas faixas. Essa não pode ser explicada pela maiorquantidade de mão-de-obra e nem devido aosinstrumentos de trabalho diferenciados, mas issoseria objeto de uma investigação futura.Dentre esses mesmos quatro principais produtos,o cará é o menos comercializado. Para dizer averdade, nenhum dos informantes, mesmo da faixaque mais planta esse produto, declarou vendê-lo.Já a banana é comercializada por 42,1% dosinformantes da última faixa, que dispõem de umexcedente evidentemente superior ao da primeirafaixa, onde apenas 10% das casas vendem algumabanana. Quanto à cana e ao abacaxi, o mesmoraciocínio pode ser aplicado. Distribuídas as casasnessas duas faixas díspares quanto à produção, oquadro de comercialização dos quatro produtos éo seguinte:Comercialização de produtosComercialização de produtosComercialização de produtosComercialização de produtosComercialização de produtos

faixas\produtos Banana Abacaxi Cana Cará

Menos plantam 10,0 28,6 0 0Mais plantam 42,1 36,4 20,0 0

• P• P• P• P• Pescaescaescaescaesca

A pescaria é, entre os Ticuna, um trabalho doshomens. Todos os garotos começam a ir pescar,primeiro com o pai, mais tarde sozinhos. Os Ticunade Vendaval costumam pescar um dia em cada dois.

Page 39: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

83

Em outras aldeias, como Campo Alegre, onde opescado é mais escasso, essa freqüência pode sealterar, dependendo do estoque disponível. Outrodado que nos pareceu bastante interessante foi quenessa última aldeia é maior o número de espéciesfrutíferas e aqui estamos nos referindo não apenasaos dados conseguidos nas entrevistas, mas tambémpelo que pudemos observar no dia-a-dia dealimentação ali. Essa maior quantidade de frutasparece estar relacionada a uma tentativa deminimizar a falta do pescado, principalmente duranteo inverno. É que o igarapé Santa Inês, que banhaCampo Alegre, desemboca no rio Solimões, próximoa um povoado branco, de razoável importância naregião, chamado Santa Rita do Weil. Muitas vezespredatória, a pesca é realizada com malhadeiras porbrancos ou mesmo índios na entrada do igarapé,impedindo, assim, a passagem dos peixes.A pesca conjunta é muito rara, mesmo entremoradores da mesma casa. Alguns poucos informantesdisseram praticá-la quando vão pescar mais longe, oque também ocorre com maior freqüência nas aldeiasonde falta o peixe nas proximidades.A quase totalidade dos entrevistados afirmou quedá peixe para os amigos e parentes, membros deseu grupo vicinal, quando chega da pescaria commais do que necessita. É através desse mecanismode reciprocidade que o Ticuna obtém o peixe nodia em que não vai pescar. Na nossa primeira viagema campo, a venda de peixe dentro da aldeia deVendaval era praticamente inexistente, tanto entreos Ticuna como para os regatões que passam porali. Já em outras aldeias, como Campo Alegre eVera Cruz, essa prática já era corriqueira. Pelo menosno que se refere à aldeia de Vendaval, essa situaçãose modificou, drasticamente, de 1993 para cá. Asituação tem se alterado com muita rapidez nesseparticular. No capítulo que se segue procederemosa uma análise dessas transformações.A grande maioria dos Ticuna costuma pescar decaniço e flecha. Os melhores locais para a pescasão, geralmente, os numerosos lagos que margeiam

o rio Solimões. Além desses instrumentos de pesca,alguns Ticuna costumam utilizar, ainda, o arpão, alinha comprida e, em menor escala, o espinhéu, apoita, a malhadeira e a tarrafa. Não há um consensoentre eles sobre qual seria a melhor época do anopara a pesca. Há, entretanto, alguns peixes que nãoforam citados senão no verão, sendo provável queisso se deva à época do ano ser mais propícia. Emalgumas aldeias, como já exposto, a situação deescassez de peixe tem gerado problemas sazonaisna obtenção dessa importante fonte de proteína dadieta Ticuna.Os peixes citados pelos informantes como os maiscomuns são os seguintes:Branquinho (Yowaratchi), Cascudo, Peixe cachorro,Arenga, Carauaçú (Ocara), Pacú (Pacu), Bodó ou Acari(Owaru), Curimatã (Cáweya), Mapará (Mapará),Tucunaré (Tucunari), Tambaqui (Tomacatchi), Pirarucu(de’tchi), Surubim (Yu’ta), Pescada (Tucuena), Cuiú(Cuiú-cuiú), Matrinchã (nhetchi), Pirapitinga (Po’cu),Sardinha (Arawiri), Aracú, Traíra (Dé), Cará, Jaraqui(Yaí), Aruanã (Orawana), Piranha (Utchuma), Chorão,Gejú, Jatuarana.Dentre os peixes que foram citados, apenas ementrevistas realizadas no verão, estão Peixe linha,Bacú, Bacú pedra, Pirarara, Caparari, Piraíba,Mandubé, Pirabutão, Jandiá, Matupiri e Pangó.Enquanto isso, os citados apenas nas entrevistas deinverno são Jatuarana e Jaraqui.

• Caça• Caça• Caça• Caça• Caça

A caça não é praticada por muitos, apesar de,tradicionalmente, estar bastante ligada aos Ticuna.Cerca de 10% dos entrevistados afirmaram terespingarda, mas muitos não vão quase caçar, pois “amunição anda muito cara”. Esse foi um discursounânime entre os Ticuna, que dizem gostar muitode caçar, mas que não o fazem. Além disso, elesnão usam nenhum outro tipo de instrumento decaça. Sabe-se, por relatos diversos, inclusive o deNimuendajú, que tradicionalmente utilizavam umazarabatana que lançava flechas envenenadas.

Page 40: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

84

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

A freqüência com que os informantes, ou melhor,os que têm espingarda, disseram ir caçar é pequena.A maioria caça apenas uma vez por mês. “Issoquando tenho o cartucho!”A quase totalidade dos informantes que costumamcaçar de vez em quando afirmaram não haverépoca melhor ou pior para a caça. Tanto noinverno quanto no verão há, segundo eles, amesma possibilidade de conseguir caça. Esta, noentanto, é cada vez mais escassa, sendo isto algoque já se verif icava desde o tempo que C.Nimuendajú esteve por lá. Os animais citados commaor freqüencia de captura são:Macaco Guariba, Macaco Prego, Cotia, Veado,Queixada, Caititú, Anta, Mutum, Jacú, Arara, MacacoParauacú, Macaco Barrigudo, Preguiça Real, MacacoCaiarara, Pinhuri.

• Criação e coleta• Criação e coleta• Criação e coleta• Criação e coleta• Criação e coletaA criação de animais entre os Ticuna de Vendavalnão é muito expressiva. A maioria das famílias possui,ao menos, algumas poucas cabeças de galinha, masessas são criadas soltas e apenas para a venda nosregatões e nas cidades, não sendo consumidas, assimcomo seus subprodutos. Além da galinha, há aindauma ínfima criação de patos, porcos e carneiros.A família com mais cabeças de galinha não chega ater 20, contando com as suas crias que, quandocrescidas, podem ser vendidas ao regatão em trocade produtos para sua subsistência.A coleta das frutas é realizada por todos na família,desde as crianças até os mais idosos. Em geral osTicuna dessas aldeias pesquisadas não costumamvender frutas, pois a cidade está distante e as frutassão bastante perecíveis. Em algumas aldeias,localizadas próximas às cidades (Umariaçú e Filadélfia,

principalmente), essa venda é importante naformação da renda de seus habitantes36. Além disso,nas aldeias mais afastadas das cidades, o preçoconseguido na venda delas, é muito baixo. Uminformante de nome Cícero (Daüanticü rü ngüpacü)nos contou que tinha acabado de chegar do Ribeiro,onde fora vender algumas pencas de suas bananas.Desistiu da idéia, pois o marreteiro lá instaladoofereceu muito pouco pelo produto de seu trabalho.As frutas mais comuns nas aldeias Ticuna são: mapati(tchinhã), umari (te’tchi), ingá (pama), abiu (tao),castanha (nhoí), pupunha (itu), cupuaçu (cupu), sapota(otere) e açaí (waira).As capoeiras onde os Ticuna vão colher as frutassão, em geral, localizadas nas suas antigas roças, quedeixaram em repouso, preservando as árvoresfrutíferas. Na viagem que realizamos pelo igarapéSão Jerônimo com o capitão Pedro Inácio, ficamosimpressionados pela quantidade de palmeiras de açaícarregadas. Em áreas próximas a Vendaval, as frutasjá haviam sido retiradas.

• Artesanato e consumo• Artesanato e consumo• Artesanato e consumo• Artesanato e consumo• Artesanato e consumoO artesanato é, em geral, responsabilidade da esposade uma família Ticuna. A quase totalidade dasmulheres sabe fazer o tipiti (com o qual espremema mandioca para fazer farinha), o pacará, o aturá, amaqueira, a peneira, colares e alguns outros tiposde artesanato. A maioria, entretanto, não o faz paraa venda, mas para o uso da própria família.Encontramos, entretanto, um habilidoso artesãochamado Arique, que confecciona animais emmadeira, podendo, ocasionalmente, vendê-los.Tomamos conhecimento de outros artesãos,moradores das aldeias de São Domingos I e II, quetambém trabalham a madeira de forma muitohabilidosa.

3 6 Em Ioris, E. M.; Anderson, Anthony B. “Estratégias Econômicas de Pequenos Produtores Extrativistas no Estuário Amazônico”,Museu Paraense Emílio Goeldi (mimeo), os autores relatam como pequenos agricultores conseguem rendimentos muito superioresà média da região através da comercialização do açaí para o mercado de Belém, bastante próximo das suas terras.

Page 41: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

85

Há famílias que vendem algum tipo de artesanatoaos regatões ou nas cidades mais próximas, masisso não ocorre com muita freqüência, mesmonestas famílias, que só vendem artesanatoesporadicamente. Semelhante ao que ocorre coma venda de frutas, nas aldeias mais próximas da cidadea venda de artesanato é mais intensa. Ali, algumaspoucas famílias podem ter essa atividade como umimportante meio de vida.Os Ticuna não costumam comprar muita variedadede produtos. Algumas poucas famílias chegam acomprar café, bolacha, arroz, feijão, óleo (tudo empequenas quantidades) e algumas vezes macarrão,cebola etc. A maioria, entretanto, costuma comprarapenas fósforo, sabão, sal, açúcar e algum querosenepara suas lamparinas. Muitos não compram nemmesmo o açúcar e mesmo os que o fazemcompram muito pouco.Todos esses produtos são, em geral, comprados nosregatões que por ali chegam. Essa transação é feita,normalmente, na troca pela farinha que produzem epela galinha que criam. Algum dinheiro pode serutilizado nessa transação, tanto para compra quantocomo resultado em favor dos índios. Pelo menosum desses regatões chega à aldeia todo mês. A relaçãodeles com os Ticuna pode ser bastante amistosa.Alguns regatões e marreteiros foram citados pelonome por diversos informantes. Dentre estespodemos citar: Ditimar, Lacimar Castelo Branco(São Paulo de Olivença) e Carlitinho (Santa Rita),além de alguns que são Ticuna.As famílias com mais recursos fazem suas comprasnas cidades mais próximas. Alguns compram grandesquantidades, que vão revender mais tarde na aldeia,quando alguém precisa de um quilo de açúcar oude uma barra de sabão. Nessas casas forma-se umaespécie de armarinho, com tudo o que poderia sernecessário, desde pilhas até linha de costura.

• Dieta alimentar• Dieta alimentar• Dieta alimentar• Dieta alimentar• Dieta alimentarPor tudo o que aqui foi dito, não deve ser muitodifícil deduzirmos a dieta alimentar dos Ticuna: ela é

composta, basicamente, de peixe com farinha demandioca. Quase que diariamente o peixe épreparado de duas formas. Os diferentes tipos depeixe são cozidos, sendo o seu caldo bastanteapreciado por todos. Depois de comer o peixe cozidocom muita farinha de mandioca, os Ticuna costumamtomar vários pratos do caldo, como se fosse umasopa. Também muito comum é fazer o peixe assado(moqueado), tendo como tempero um pratinho desal colocado ao lado, no qual todos molham o dedo.Durante a minha estada na casa do capitão PedroInácio, o peixe foi preparado frito duas vezes, sempreque conseguido tarde, sem tempo para que fossepreparado de outro modo.A farinha de mandioca é outro componente básicoda dieta do Ticuna. Ela é consumida torrada, emtodos os pratos, inclusive misturando ao que eleschamam de vinho de açaí, um suco feito dessa fruta.Grandes quantidades da fruta são colocadas em umabacia com água, onde são friccionadas,desprendendo o seu suco. Depois disso, o conteúdoda bacia é peneirado e está pronto para ser tomado,seja com farinha ou açúcar.Outro importante componente da alimentaçãoTicuna é a banana, preparada de diferentes maneiras.O mingau de banana é bebido como um sucobastante grosso. A banana assada na brasa é tambémmuito utilizada, assim como a banana frita. Apesarde muitas qualidades de banana existentes na áreaterem sido mencionadas, a mais comum é a peruana,uma banana grande que tem maior aceitação nomercado local. Esse foi, aliás, o único tipo de bananaque pudemos encontrar nas aldeias visitadas.Devido à pequena expressão da caça na dieta Ticuna,não pude observar o preparo de todas as diferentescarnes. A carne de queixada, assim como a de antae caititú, comemos sempre cozida. A última vezque foi feita a carne de caititú, talvez pela grandequantidade de tempo entre a caçada e o consumo,foi preparado um prato com bastante condimento,apimentado. Além disso, pude ver um macacoguariba sendo assado num espeto de pau na aldeia

Page 42: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

86

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

de Tabatinga (O’ta). A carne de jacaré, tambémbastante apetitosa, costuma ser preparada domesmo modo que os peixes. Há, ainda, dois modosdiferentes de se preparar os peixes, não tão comunsquanto aqueles já descritos. São eles a pupeca, umaespécie de trouxinha preparada com a folha debananeira, onde o peixe é assado, e a mujica oumassamoura (uma massa de banana amassada eapimentada com pedaços de peixe desfiados).Como técnica de conservação do alimento,pudemos observar, ainda, que os Ticuna costumamsalgar o peixe (o pirarucu, por exemplo), assimcomo fazem com a carne de caça.Esperamos que tudo o que neste capítulo foi expostopossa subsidiar as reflexões sobre as transformaçõesque ocorrem na sociedade e economia Ticuna. Decomo elas devem estar informadas pelas tradiçõesdesse povo, pois só assim acreditamos estarpromovendo um desenvolvimento não apenascultural, mas social e ecologicamente sadio, semprovocar desestruturações naquela sociedade e quenão tenha os índios como atores sociais de 2a classe.São estas transformações e a relação entre osdiferentes atores sociais na promoção dodesenvolvimento no Alto Solimões que constituirãoo objeto do capítulo seguinte, fundamental para queconsigamos discutir, como pretendemos, aspossibilidades que estão surgindo e os rumos queos Ticuna possam a vir tomar.

ESTRUTURA DE ESCOLHAS: RECENTESOPÇÕES DE DESENVOLVIMENTO DAECONOMIA E SOCIEDADE TICUNA

Tentaremos, neste capítulo, apresentar as recentestransformações pelas quais passa a sociedade Ticuna,apontadas no capítulo precedente e que sãofundamentais para entendermos essa sociedade eas possibilidades de seu desenvolvimento autônomoe sustentado. Acreditamos ser de grande valia paraa apreensão dessa realidade traçarmos um paraleloentre luta de classes, entendida como Adam

Przeworski expôs em Capi ta l i smo e Soc ia lCapi ta l i smo e Soc ia lCapi ta l i smo e Soc ia lCapi ta l i smo e Soc ia lCapi ta l i smo e Soc ia lDemocraciaDemocraciaDemocraciaDemocraciaDemocracia, e as relações interétnicas entre asociedade Ticuna e a sociedade nacional envolvente.

Relação interétnica e luta de classes: agentesRelação interétnica e luta de classes: agentesRelação interétnica e luta de classes: agentesRelação interétnica e luta de classes: agentesRelação interétnica e luta de classes: agentesem lutaem lutaem lutaem lutaem lutaO sociólogo polonês associa desenvolvimentosocial à luta entre agentes históricos concretosque, coletivamente em luta, moldam essedesenvolvimento e, ao mesmo tempo, têm suaspráticas moldadas, transformando-os em classe. Domesmo modo, poderíamos considerar as relaçõesinterétnicas como resultado do embate entreagentes históricos e que seu desenvolvimento socialé determinado não apenas pela vontade de cadaindivíduo, mas tem em certa medida conseqüênciasindeterminadas, visto que depende das estratégiasde cada grupo étnico ou facção serem mais oumenos vitoriosas em cada momento da história.Dito de outra forma, cada situação histórica, descritano capítulo precedente, está associada a uma dadaestrutura de escolhas, que uma vez acionadadesencadeia um conjunto de condições quedetermina diferentes conseqüências para atransformação social (PRZEWORSKI, 1989, p. 89-93). Interessa-nos aqui, portanto, entender comose configura a atual estrutura de escolhas que seapresenta aos Ticuna, nessa dada situação histórica,e que diferentes conseqüências seu acionamentotem gerado para a transformação daquela sociedade.Assim, para atingirmos os objetivos propostos nestecapítulo, precisaríamos responder, principalmente,qual é a estrutura de escolhas que se configura paraos Ticuna numa situação histórica, onde a inserçãono mercado, na verdade desde muito presente nocotidiano dos Ticuna, ganha novo significado e umcaráter qualitativamente diferenciado. Ou melhor,quando as disposições econômicas e temporais deque fala Bourdieu distanciam-se do futuro objetivoque os diferentes atores sociais conseguem alcançar.Para efeito de análise, identificamos as possibilidadesque a estrutura de escolhas apresentada aos Ticuna

Page 43: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

87

tem deixado aberta, associando-a com a agênciade contato que a viabiliza. São elas: a) a via do“mercado” (através da ação de comerciantescolombianos ou brasileiros); b) a via do Estado(através da ação da Funai, dos municípios do AltoSolimões e do estado do Amazonas); c) a via daIgreja (através da ação da diocese católica e gruposligados à Igreja Católica – p.e. MEB, ou ação deoutras Igrejas Protestantes, que também atuam naárea); d) a via das ONGs (principalmente atravésdo Projeto Etnodesenvolvimento Ticuna).Ainda seguindo as pistas levantadas por Przeworski arespeito da estrutura de escolhas que em uma dadasituação histórica está colocada, procuraremos identificar,para o caso Ticuna, as condições objetivas que adeterminam - econômicas, políticas e ideológicas,ou melhor, que determinam esferas de publicidade eque, por outro lado, voltamos a insistir, sãodeterminadas pela própria luta.Mais ainda, é importante ter claro que:

“As relações sociais constituem as estruturas com basenas quais os agentes, individuais e coletivos, deliberamsobre objetivos, percebem e avaliam alternativas eselecionam linhas de ação” (PRZEWORSKI, 1989, p.118).

Cabe ressaltar, amparados nas idéias acima descritas,que o embate dos agentes históricos e ofaccionalismo característico da sociedade Ticuna nãoimpedem, e até mesmo propiciam, que o contatointerétnico se dê com múltiplas agências. Destemodo, não é preciso, para um grupo ou facção,escolher apenas uma das vias de desenvolvimentosocial supracitadas, podendo, dependendo da ocasiãoe de seu interesse, optar por diferentes vinculaçõescom as diversas agências de contato, aquiapresentadas em suas faces de agências de fomento.Cumpre-nos lembrar que a separação a qualprocedemos aqui é meramente formal e visa apenasfacilitar a exposição. Muitas vezes as escolhas de umafacção estão ligadas a mais de uma agência, mesmoporque essas atuam freqüentemente em uma sódireção. A ação das prefeituras, por exemplo, pode

atender a necessidades inscritas na esfera domercado. Por outro lado, o fato de uma escolhaser feita não exige que as demais sejam negadas.Uma mesma aldeia, ou liderança, pode ter diferentesvinculações conforme seus interesses momentâneosou mais duradouros, sem que isso represente umacontradição.Passemos, então, à caracterização de cadapossibilidade da estrutura de escolhas, procurandoressaltar seus possíveis resultados e as possíveisconseqüências destes últimos, até mesmo comoestratégia para analisarmos a viabilidade de cada umadessas vias.

As escolhas ligadas ao mercadoAs escolhas ligadas ao mercadoAs escolhas ligadas ao mercadoAs escolhas ligadas ao mercadoAs escolhas ligadas ao mercadoDesde muito os Ticuna se relacionam com omercado de uma forma razoavelmente intensa.Conforme já foi descrito aqui, até um passado nãomuito remoto esses índios eram controlados porum patrão que os forçava a produzir produtos deseu interesse (borracha e farinha, principalmente).Mesmo depois de expulsos do interior da áreaTicuna, onde viviam amparados por um título depropriedade, e eliminada qualquer possibilidade decoerção por parte desses patrões para com osíndios, alguns deles ainda continuavam a ter muitoprestígio junto a seus antigos fregueses. Em umasituação histórica bastante diversa daquela onde opoder dos patrões era praticamente ilimitado,podendo inclusive chegar a matar, situação históricacaracterizada por uma crescente politização dosTicuna e um constante fortalecimento de suasorganizações, tivemos a oportunidade de entrevistarum morador da aldeia de Vendaval que afirmavacontinuar comercializando apenas com o Mico Mafra(como é conhecido o comerciante, membro dafamília expulsa dali há cerca de dez anos). Mostrou-nos um grande estoque de farinha (cerca de quinzepaneiros de aproximadamente 30 kg) que ainda nãovendera devido ao fato de que aquele comerciante,a quem chamava de patrão, há muito não passavapor ali.

Page 44: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

88

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

Principalmente em relação ao município de SãoPaulo de Olivença, onde mora a maioria dessesantigos patrões e suas famílias, estes continuam ater alguma influência na política municipal, muitodevido ao peso eleitoral da população Ticunanaquele município e ao seu prestígio junto a estapopulação, que não raro torna-se capacidade dearrebanhar votos37.Esse caso de uma família que continuava, em 1992,a comercializar com um único regatão, tratando-o como se ainda fosse o patrão, era, contudo, umaexceção. A quase totalidade dos Ticuna vendia seusprodutos livremente nas aldeias, ou mesmolevavam-nos até as cidades mais próximas, ondepoderiam conseguir melhores preços.As aldeias mais próximas das cidades de BenjamimConstant, Tabatinga e Letícia (Colômbia) têmfacilidade de colocar um maior número de produtosnesses mercados, que são maiores que os dos outrosmunicípios. Nessas aldeias tem-se a opção da vendade frutas e artesanatos. As primeiras só podem sercomercializadas por essas aldeias próximas devidoao fato de serem perecíveis. Os artesanatos, quenão têm um mercado muito grande, sãorapidamente abastecidos por uns poucosfornecedores que moram próximo e que, portanto,podem estar mais freqüentemente em contato como consumidor.O forte da economia dessas duas cidades, contudo,não passa por nenhum desses produtos. Os doisprincipais municípios do Alto Solimões no ladobrasileiro, Benjamim Constant e Tabatinga, têm suaeconomia voltada, principalmente, para o comércioda madeira e das drogas, ambas atividades ilegais. Aprimeira é retirada, principalmente da Aldeia Indígena(A.I.) Vale do Javari (não pertencente aos Ticuna,mas a diversas etnias, algumas das quais ainda nãocontactadas), sendo beneficiada nas serrarias dosmunicípios de Atalaia do Norte e Benjamim

Constant, e, em seguida, exportada. Já as drogas,em grande parte produzida pelos cartéiscolombianos do narcotráfico, têm nesses municípiosuma importante rota de entrada no país, a caminhodos EUA e da Europa, sendo o negócio maislucrativo.Em ambos os negócios, os Ticuna não participamsenão em casos isolados. Na retirada de madeira,há alguns poucos Ticuna contratados como peõespara o trabalho de derrubada das árvores(principalmente o mogno e o cedro) no Javari.Quanto às drogas, as informações são ainda maisescassas, sendo sempre conseguidas em conversascasuais e com os informantes que já têm uma maiorconfiança no pesquisador. Fala-se, assim, de umcaso de uma família que durante algum tempoplantou coca em suas roças mais afastadas.Descoberta pela Polícia Federal, apressou-se emdizer que não eram suas, que teriam sido feitas porestranhos e sem o consentimento dos moradoresdali. Essas histórias são sempre narradas comopassado e, quando perguntados se sabem de umacontinuidade da plantação, os informantes sãosempre muito esquivos.Há, também, pelo menos um caso de Ticunaenvolvido, não com a produção da cocaína, mascom sua distribuição. É que para fugir do cerco daPolícia Federal, algumas vezes o traficantecolombiano deixa a droga boiando no rio Solimões,camuflada com certo tipo de vegetação que, de vezem quando, baixa o rio depois de se desprenderdas margens. A intenção é deixar passar o posto devigilância, instalado próximo à aldeia de Belém doSolimões, para depois recuperar a droga mais abaixodo rio, na direção de Tefé ou Manaus, para onde adroga está sendo levada. Certa vez, essa drogaflutuante teria sido perdida por seus donos, tendoum Ticuna da aldeia de São Domingos II achado-anas margens do rio. Sem saber do que se tratava,

3 7 Da relação dos Ticuna com os políticos desse e de outros municípios da região nos ocuparemos adiante.

Page 45: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

89

levou os pacotes para um compadre seu que,tendo-a identificado, resolveu dividi-la meio ameio. Ambos, segundo nos foi relatado, teriamvendido a droga na cidade de Letícia (Colômbia),provavelmente aos mesmos que a tinham perdido.É, entretanto, na relação com comerciantescolombianos que os Ticuna têm experimentado umapenetração do mercado em níveis inéditos. Sabe-se que frigoríficos, instalados na cidade de Letícia,conseguiram montar um esquema de compra depescado dos Ticuna que, através do endividamento,tem mantido os índios em um sistema de servidãoque muito se assemelha àquele colocado em práticapelos antigos patrões até a década passada. Apesarda semelhança, reafirmamos que a inserção doTicuna na economia de mercado é qualitativamentediferente daquela do tempo dos antigos patrões,principalmente por uma nova relação dedependência dali surgida, alicerçada em demandasque todos os dias são incorporadas às expectativasdaquele povo.Em artigo recente para a Folha de São Paulo, ojornalista André Muggiati apresenta um raio-X dasituação do contrabando de peixe nessa região que,apesar de não mencionar os Ticuna entre ospescadores explorados por atravessadores queintermediam a relação destes com as empresascolombianas, pode ser extremamente valioso paradescrevermos todo esse processo (MUGGIATI,1996, p. 8-9).Segundo o Inpa (Instituto Nacional de Pesca eAgricultura), ligado ao Ministério da Agricultura daColômbia, esses comerciantes financiam hoje combarcos, motores, gelo etc cerca de oitenta dessesatravessadores. Esses compram o peixe obtido pelospescadores, pagando entre R$ 0,30 e R$ 1,00 porquilo de peixe, dependendo do tamanho e daespécie. Na cidade recebem dos frigoríficos entreR$ 0,80 e R$ 2,00.Todo o esquema é muito difícil de ser combatidopelas autoridades brasileiras. Primeiro porque oIbama, a Polícia Federal e a Funai não possuem

contingentes que possibilitem tal ação. Segundoporque as leis alfandegárias na região são realmentemais leves, por se tratar de uma área de livrecomércio e, por último, pela impossibilidade deinstalação no lado brasileiro de atividade semelhante,já que não há nessa região a infra-estruturanecessária para tanto (principalmente em termosda produção de energia).O primeiro passo na cooptação do pescador peloatravessador é a instalação de grandes caixas de peixena aldeia, nas quais os índios vão ser capazes deestocar o peixe no gelo até a próxima visita docomerciante. Vende-lhes f iado, ainda, algumequipamento para pesca como malhadeira e,principalmente, o motor do barco. Esse primeirocrédito aberto será capaz de manter o indígena presoa esse trabalho por um longo tempo, já que o preçodesse tipo de motor é bastante elevado. Quando oTicuna consegue saldar sua dívida já é hora decomprar um novo motor, visto que o antigo jácumpriu toda sua vida útil.Não são todos os peixes, contudo, comercializáveiscom os colombianos. Praticamente só interessamaos frigoríficos de Letícia os chamados peixes decouro, espécies que possuem um mercado externobastante atraente. Segundo o zootecnista daUniversidade do Amazonas, Deusimar Freire Brasil,esse tipo de peixe amazônico tem a carne muitoparecida com a de um bagre bastante apreciada nosEstado Unidos (o cat fish). De qualquer modo, comoas malhadeiras não escolhem o peixe, a depredaçãodo estoque pesqueiro é intensa e total, ocorrendocasos onde já há falta de peixe durante certas épocasdo ano. Segundo o Superintendente do Ibama noAmazonas, Hamilton Casara, ouvido pelo jornalistada Folha de São Paulo, isto ocorre porque a pescade arrastão revolve o fundo e margens de lagos erios destruindo a mata ciliar submersa, onde muitasespécies se reproduzem.Há, ainda, denúncias, mesmo que não comprovadas,de que essa atividade de exportação do pescado nãopassa de lavagem do dinheiro da cocaína colombiana,

Page 46: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

90

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

além de um meio de contrabandear a coca, quesegue para o exterior escondida no peixe.Todo esse esquema de pesca predatória parafrigoríficos colombianos já estava instalado em 1992,quando de nossa primeira viagem à área, nas aldeiaspróximas à Belém do Solimões (ver mapa anexo).Acontece que com o esgotamento dos recursospesqueiros daquela região, os Ticuna que lá vivem eque trabalham na pesca vão cada dia mais longe,invadindo áreas de pesca de outras aldeias, tendo,inclusive, causado desentendimentos com seusvizinhos. A partir de 1994, sob o argumento de queo “pessoal” de Belém estava acabando com o pescadoque lhes pertencia, um grupo de Vendaval passou afazer o mesmo, causando ainda mais divergênciasdentro da própria aldeia e nas aldeias vizinhas.Constantemente a Funai tem sido chamada a intervirno sentido de proibir que esse grupo, ligado aocapitão geral dos Ticuna, continue com essa prática.O órgão, contudo, não tem a menor condição defazê- los parar, mesmo porque não consegueapresentar opções viáveis para os que vivem dessetrabalho.A reação dentro de Vendaval chegou a fazer comque algumas famílias se interessassem pela vendado palmito de uma espécie local do açaí (Euterpeprecatória) para uma empresa instalada na cidadede Benjamim Constant. O argumento era que seuma facção estava usufruindo o estoque pesqueiroda área em proveito próprio, a outra também tinhao direito de acabar com os açaizeiros e dali retirarseu lucro.Não queremos aqui dizer que a exploração racional,tanto do peixe quanto do açaí, ou qualquer outroproduto de extrativismo vegetal, seja impossível.Muito pelo contrário. Mas o fato é que nos moldesem que ocorre a pesca e nos quais estava colocadaa proposta da Agropalm (empresa supracitada) aexploração sustentada é mera ficção.A iniciativa da venda do palmito à indústria acabounão se concretizando, pois a grande maioria dosíndios se convenceu de que lhes seria prejudicial. O

contrato que seria assinado entre a Funai e aAgropalm foi, então, suspenso. A falta de alternativasmais rentáveis de sustento, no entanto, pode vir afazer com que no futuro próximo essa empresaconsiga comprar o produto diretamente dos Ticuna,mesmo sem a autorização da Funai, como é a práticaadotada em relação ao peixe.Ainda sobre as possibilidades abertas aos Ticuna,soubemos que, quando houve discussões a respeitoda venda do palmito àquela empresa, no princípiode 1995, o comandante do batalhão de fronteirado exército brasileiro em Tabatinga teria afirmadoque daria apoio àquela iniciativa e que, caso nãodesse certo, poderia apoiar também a venda depescado (não para os colombianos, que ocontrabandeiam sem deixar divisas para o país, maspara uma empresa brasileira). Aqui podemosobservar que também o exército, importanteagência de contato dos Ticuna com a sociedadebrasileira desde os tempos coloniais, estápreocupado, a seu modo, com a falta de opções dedesenvolvimento econômico e social destes e oimpacto que isso tem para o próprio desenvolvimentoda região.Outro projeto de exploração econômica, porempresa privada, dos recursos naturais das áreasTicuna do Alto Solimões foi apresentado aoórgão tutor com o objetivo de regularizar oempreendimento, tendo sido, contudo, barrado porsua total inconsistência técnica. Estamos nos referindoà extração do buriti para beneficiamento e retiradade seu óleo, pretendido por um grupo espanholem 1993. De todo modo, as constantes ações daFunai no sentido de impedir que esse tipo de projetoseja implantado, por mais que seus motivos sejamplenamente justificáveis, tem gerado uma reação deprofunda crítica dos Ticuna ao órgão. Isso, aliás, foio que aconteceu em relação ao projeto do buriti,que na aldeia de Umariaçú foi muito bem recebido,tendo gerado protestos e declarações como as queouvimos de seu antigo capitão, Waldir Mendes:“Vamos aceitar sim e nem a Funai e nem a Magüta

Page 47: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

91

tem nada a ver com isso, porque eles não dão decomer a nossos filhos”. É que para os Ticuna essesempreendimentos muitas vezes são vistos comoúnica esperança de rendimentos mais altos, sendosempre propagandeados pelos seus mentores comoalgo que na verdade não são. Falta à Funai, contudo,a capacidade de reagir a essas críticas com propostasmais adequadas e viáveis. Essa é, na verdade, umadas principais motivações do “Projeto deEtnodesenvolvimento Ticuna” elaborado peloCentro Magüta, mas disso falaremos adiante.Poderíamos dizer que as escolhas ligadas ao mercadosuscitam entre os Ticuna, e não apenas entre eles,transformações sistemáticas nos seus habitus pelaforça com que os levam a penetrar no mundo daeconomia moderna, freqüentemente provocandoo que Bourdieu chamou de desarraigamento daordem tradicional. Essas escolhas, mesmo queimpostas, aparecem como produto da necessidadeou como manutenção da lógica tradicional, poisestão mediadas por um mínimo de ideologias quevisam racionalizá-las (BOURDIEU, 1979, p. 68).Na verdade, o mesmo ocorre em relação àsescolhas ligadas à outras agências, mas não da mesmamaneira. É o que veremos a seguir.

As escolhas ligadas ao EstadoAs escolhas ligadas ao EstadoAs escolhas ligadas ao EstadoAs escolhas ligadas ao EstadoAs escolhas ligadas ao EstadoA relação do Estado brasileiro com os índios Ticunavem de pelo menos dois séculos, desde a instalaçãodo exército naquela região de fronteira. Entretanto,foi somente com a presença do Serviço de Proteçãoaos Índios (SPI), a partir de 1942, e maisprecisamente a partir da presença de Manuelão(antigo chefe do Posto Indígena Tikuna), que essarelação passa a ter um importante componente deassistência à população indígena que ali residia. Nãonos interessa aqui uma análise mais detalhada daideologia, ou das idéias, que orientava essa ação38,a lógica da integração do índio à sociedade nacional,

mas como ela conformou uma relação que hojeestes têm com a Funai.Esse assistencialismo paternalista, que vê o indígenacomo um filho a quem se tem que dar condiçõesde sobrevivência e conhecimentos para que nofuturo não mais precise do pai, formou váriasgerações de índios que viam, ou vêem, na tutelaum meio de vida.Hoje, principalmente nas aldeias mais próximas dascidades de Tabatinga, onde está localizada aDelegacia Regional da Funai, e Benjamim Constant,que fica a cerca de 30 minutos de barco dessadelegacia (ver mapa em anexo), há uma quantidadenão desprezível de famílias dispostas a considerar odelegado da Funai como responsável peloaprovisionamento de tudo o que necessitam,pressionando-o constantemente. Uma daspossibilidades de ação de alguns Ticuna em relaçãoà melhoria de sua qualidade de vida passou, então,a ser a pressão sobre o delegado regional no sentidode ver realizado algum projeto em suas aldeias.Mesmo quando realizados, o que não tem sidomuito comum nos últimos anos, esses projetos têmestado fadados ao fracasso, conforme descrito nosegundo capítulo. O único caso que chegamos aconhecer de um projeto da Funai que tenha dadocerto, ainda que por um período limitado de tempo,é o da cantina de Vendaval, também já citado emoutro capítulo. Ali, sob a supervisão dedicada dochefe de posto da época, André Villas Boas, foramtreinados alguns Ticuna que, mesmo depois dapartida desse funcionário, conseguiram fazer aquelecomércio funcionar em benefício dos Ticuna poralgum tempo.Um desses Ticuna, treinado para atuar comocantineiro, Reinaldo Otaviano do Carmo, e que éhoje professor contratado pela Funai, onde faz asupervisão de ensino para as escolas do municípiode São Paulo de Olivença, foi quem nos relatou um

3 8 Isso pode ser encontrado em Oliveira Filho, 1988.

Page 48: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

92

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

pouco daquela experiência, inclusive as circunstânciasque acabaram por tornar o fechamento da cantinainevitável:

“Quando começou a cantina quem era o responsávelfoi o Euclides (...) Então, depois de um tempo ... aícomeçaram essas fofocas, sabe? Num sei, lá falaramque ele ... sabe, contaram essas mentiras. Aí tiraram oEuclides, e entrou o Sebastião Luciano, que era meualuno, sabe? As fofocas eram mentira, porque eu seique ele precisa de pegar alguma coisa, que a gente játinha combinado. (...) Assim começou [a cantina] a cair,né? (...) Botaram o Sebastião Luciano, outro cantineironovo, junto com o Papito (...) Aí lá começaram ... pareceque a mesma coisa, dizerem que tá tirando dinheiro dacantina ... mas não era, porque ... realmente ele ... agente vê que ele tava subindo a cantina, tavafuncionando bem, porque realmente o chefe do posto,André, tava lá ensinando como funciona a cantina (...)Aí tiraram o Sabá, porque ele foi fazer compra emBenjamim e quando voltou ... ele tava realmentetomando um pouco, sabe?”

As fofocas de que fala o informante são bastantecomuns nas aldeias Ticuna. Sempre que ummembro de uma facção consegue retirar seus meiosde subsistência de qualquer at ividade não-tradicional, tidas naquela sociedade como invejáveisna medida em que facilitam a aquisição de bensproduzidos fora e que são de alguma forma um sinalde status, logo é bombardeado por acusações deestar lesando os demais. Acreditamos que nessassituações nas quais não é possível que todos estejampresentes na rede de reciprocidade tradicionaldaquela sociedade, freqüentemente são acionadasestratégias de controle social, explicitadas por essainveja, melhor exemplificada pelas fofocas, ou peloseu contraponto, o feitiço. Tivemos a oportunidade,por exemplo, de presenciar uma briga onde umirmão acusava o outro (mais novo e que ficaramorando com o pai sexagenário) de usurpar aaposentadoria do velhinho, buscada todos os mesesna cidade de São Paulo de Olivença. Essas histórias,sabemos, nem sempre têm algum fundamento e,além do componente já mencionado de controlesocial, podem ser também analisadas como reflexosde disputas pelo poder dentro da aldeia ou dos

chamados grupos vicinais, expostos no capítuloprecedente.Bourdieu, pensando o caso das sociedades camponesasargelinas, afirma que a resistência à diferenciação entreos membros do grupo é uma maneira de salvaguardaras bases econômicas da ordem social, já que numaeconomia onde a quantidade de bens possuídos,principalmente a terra, é constante, o enriquecimentode um supõe o empobrecimento do outro(BOURDIEU, 1979, p. 36).O afastamento de um dos cantineiros, por estartomando um pouco, também pode ser explicadopor questões afetas às relações sociais que os Ticunaestabelecem entre si. É que nos códigos da religiãoque professavam (a da Santa Cruz) há uma proibiçãoda ingestão de qualquer quantidade de bebidaalcoólica e o fato do cantineiro estar bebendo(mesmo que fora da aldeia) foi considerado umatransgressão por todos.Outros problemas foram enfrentados na experiênciada “cantina” de Vendaval, empreendimentobastante útil para analisarmos a possibilidade dodesenvolvimento rural na área Ticuna. As altas taxasde inflação da economia brasileira causavam ainstabilidade dos preços da “cantina” e a dificuldadede sua administração, o adestramento doscantineiros nas atividades técnicas essenciais para ofuncionamento da mesma, a venda fiada parahabitantes que acabavam não honrando suas dívidasetc. Todos esses problemas foram sendo enfrentadoscom muita participação da comunidade e segundoum consenso possível. Nas palavras de Reinaldotemos, mais uma vez, um excelente relato dessaexperiência:

“Aí eu fiquei (...) Aí eu não sabia como ia controlar ... aídepois, quando saí de férias eu passei diretamentetrabalhando na cantina. (...) Aí eu perguntei do André... André fazia por escrito ... me ensinou a controlar omês. O balanceamento, como a gente fazia no fim domês. O que é que a gente devia, o que é que a gentejá produziu, o que é que já vendia, quanto a gentevendia, quanto custou aquele que tá na parede ainda,que tava ali na prateleira. Então eu fazia isso, sabe? Masaumentou muito [a inflação] ... Aí quando a gente viu

Page 49: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

93

que aumentou muito, o Pedrinho [Pedro Inácio], comoele é muito amigo, ele abriu uma crédito lá em SãoPaulo de Olivença, com um balsa que tinha lá paradodo pessoal lá de Tefé ... não sei de onde. Abriu umcrédito lá em nome da cantina sem eu saber. Ele chegoucom a mercadoria e disse: eu comprei lá em nome dacantina ... e eu aceitei. Aí começou já que a gente nãopodia vender o produto fora, trazer para Letícia, porqueprecisa de pagar aquele negócio. Ele continua a vendersó pra nós, fiado... Mas a gente paga e comprava sófiado. Mas tava bem, porque realmente deu certo...Porque a gente controlava bem, sabe? E sobrava muitacoisa... E a gente comprava outra coisa de fora também.(...) A gente fazia um limite... Porque a gente vendefiado pro pessoal e ia atrás na casa... Pra cobrar o pessoal.Porque o pessoal levava uma bacia ou panela grande.Se não pagar durante três mês (..) a gente pega devolta. A gente pega e guarda pra ele dentro da cantinaaté que ele pagasse. (...) Naquela época a gentecomprava muito barato. A farinha tava onze milcruzeiros... Onze cruzeiros, em Tabatinga, e pagava láonze, dez e às vezes nove. E o regatão pagava quase amesma coisa... Mas pagava menos. Aí quando a gentevê o pessoal de São Domingos I e II comprava lá, tepedia um forno, te pedia uma máquina de costura (...)e deixava paneiro de farinha, dez paneiros... Pra gentecomprar pra ele. A gente completava com dinheiro dacantina.”

É interessante repararmos como o crédito,instituição que Bourdieu identifica como a maisestranha à lógica das sociedades pré-capitalistas,pois faz referência a um futuro abstrato, ao qual estassociedades não estão acostumadas, é aqui apropriadode forma bastante incomum, determinada emgrande medida pela tradição do grupo39. Comoafirma este autor, agentes criados dentro de umatradição cultural distinta só conseguem se adaptar àeconomia de mercado através de uma “re-invençãocriadora que não tem nada a ver com umaacomodação forçada, puramente mecânica oupassiva” (BOURDIEU, 1979, p. 14).

Tudo isso, no entanto, acabou tendo um fiminesperado, ligado a questões internas àquelasociedade como religião, faccionalismo e controlesocial, conforme já exposto. Só o caráter didáticodo caso já seria suficiente para citá-lo aqui, pois sedo erro não extrairmos sequer alguma experiênciaestaremos fadados a sua repetição.

“(...) Aí chegou um tempo, morreu a mulher do AlfredoJosé, morreu o irmão do... não me lembro, outra pessoamorreu lá. E morreu o filho de um... Manoel Sibério. Aílá o pessoal começaram a dizer que foi o Pedro quemora lá para dentro do igarapé, que ele tava trabalhandotambém para a cantina, fazendo borracha para a cantina,para ele vender na cantina. Então, as pessoas disseramque foi ele que enfeitiçou, não sei que lá. O Pedrinho[Pedro Inácio] dizia também pro pessoal. (...) Aí umoutro dia, na noite assim, o pessoal foram lá de novo meperguntar. Me chamaram na minha casa pra mim abrira cantina nove horas. Aí eu disse que não posso abrir,que tenho que ter uma folga. Aí o pessoal contaramque aquele homem passou pra baixo ... tava prontopara levar o borracha dele pra vender na cantina. Elenão tava sabendo de nada do que tava acontecendo.O pessoal de Vendaval já tinha combinado o que vaiacontecer. Aí o pessoal combinaram ... realmente opróprio Melito, Melito Antônio lá de Vendaval mais outraspessoas que já morreram também. E quando o homemchegou lá no porto da cantina me mandaram chamar eeu fui para lá. Eu abri, já eram mais como dez horas e aío pessoal disseram que eu não ia avisar para ele o queé que ia acontecer, senão o pessoal ia me matar também.(...) Aí mataram o homem lá dentro. Pegaram ele (...) eera mercadoria que não chegava. No meio da sala dacantina era muito... Era roupa, bolacha, todo tipo demercadoria (...) Passei cinco dias fechada a cantina...Ninguém mais quer nada lá. Alguém que tinha débitolá... Eu vim pra receber as coisas, também não queriamais receber”.

Podemos considerar essa experiência comoinsubstituível no auxílio a uma correta percepçãode que tipos de problemas as ações ligadas ao

3 9 Estamos aqui nos referindo ao crédito como instituição capitalista, que pressupõe o cálculo. Em sociedades pré-capitalistas areciprocidade assume um caráter de aprovisionamento que poderíamos comparar ao crédito, contudo, esta admite trocasbastante desiguais.

Page 50: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

94

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

desenvolvimento rural da área poderão vir a ter,mesmo que encaminhadas corretamente. Não seenfrentará aqui apenas os problemas ligados àprodução ou à distribuição do ali produzido, ou seja,os problemas ligados à esfera do mercado, mastambém aqueles internos ao grupo e, portanto,ligados às suas relações sociais. As fofocas a respeitoda honestidade do cantineiro, da bebida e dasquestões religiosas, ligadas à tradição Ticuna,aparecem nessa história contada por Reinaldo comoexcelentes exemplos disso que falávamos. Tudoparece confirmar aquela afirmação de Przeworskique coloca as relações sociais como estruturas combase nas quais os agentes históricos decidem seusobjetivos, avaliam alternativas e selecionam linhasde ação. Em uma palavra, são a base para as escolhasdas quais estávamos falando.Assim como a pressão dos índios sobre oadministrador regional, muitas vezes materializadana forma de ameaças à própria integridade física desteúltimo, a realização de projetos pelo órgão tutor,apenas com o objetivo de aplacar a ira de alguns, émuito comum na região. Esse é, aliás, o principalmotivo da inviabilidade que tais projetos têmdemonstrado.Uma conversa com o Sr. Walmir Torres, que hámais de dez anos ocupa o cargo de administradorda Delegacia Regional de Tabatinga, ilustra muitobem a relação de alguns índios com o órgão. Sobreos parcos recursos de que dispõe na sua delegacia ede sua utilização, ele diz:

“O pouco que tenho eu uso quando algum índio chegaaqui reclamando. Pago a gasolina dele e ele fica maiscalmo. Tou muito velho pra pegar porrada!”

A longevidade desse funcionário no cargo tambémpode ser explicada por essa estratégia, que se porum lado é eficaz (do ponto de vista do funcionário),por outro inviabiliza qualquer projeto, seja pordesviar recursos que poderiam ser melhor utilizados,seja por considerá-lo apenas em seu aspectoutilitário (mais uma vez para a manutenção dofuncionário). Ou melhor, o projeto não tem que

ser bom, só tem que parecer bom aos olhos dosíndios, aliviando momentaneamente as pressõessofridas.Por outro lado, quando impede que um projetopretendido por uma empresa privada, como os jácitados, seja desenvolvido na área, a Funai aparececomo vilã para os índios. Também esses últimosprojetos constantemente se fazem parecer bons aosolhos dos índios, não tendo, contudo, qualquereficácia na melhoria da qualidade de suas vidas.Todas essas experiências, vividas com projetos queàs vezes não chegam a ser implantados na prática,permanecendo no papel por falta de recursos ouconstatação de sua inviabilidade, ou ainda por faltade vontade política em apoiar o desenvolvimentoem área indígena, são vistas pelos índios como“discurso do civilizado para enganar o Ticuna” eacabam por criar uma expectativa bastantepragmática em relação aos projetos que todas asagências de contato venham a tentar desenvolver.A atitude do Ticuna, em geral, pode ser descritacomo a tentativa de tirar o máximo proveito doque lhes é oferecido no momento, já que nãopensam que a intervenção possa ser duradoura.Acreditamos poder relacionar tal atitude àsdisposições econômicas e temporais que Bourdieuafirma existirem relacionadas a um determinadosistema econômico (BOURDIEU, 1979). É que nãoacostumados com a perspectiva de sacrificar opresente em benefício de um futuro abstrato elongínquo, os Ticuna preferem se lançar,avidamente, em busca de algum benefício maisconcreto que lhes tenha sido acenado. Tudo se dácomo na propensão ao consumo imediato, comumàs sociedades pré-capitalistas. É como se pudessemconsumir tais benefícios, imediatamente.Nos grandes aglomerados, com população variandoentre um e cinco mil habitantes, geralmente maispróximos das cidades, não há qualquer tipo desaneamento básico e o esgotamento dos recursos(pesqueiro e florestal) nas proximidades dessas aldeiasé crescente, tendo, portanto, uma qualidade de vida

Page 51: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

95

que merece maior atenção. É ali, no entanto, que asdificuldades encontradas para o envolvimento dapopulação são maiores, talvez porque a solidariedadeinterna seja menor, uma vez que estão menosidentificadas com poucos “grupos vicinais”, aocontrário das aldeias menores, ou, ainda, porquetenham outras opções, como a pesca predatória, aindaque não sejam sustentáveis a médio e longo prazos.Por outro lado, nas aldeias menores e mais isoladas,onde ainda há muita fartura e as condições sanitáriassão bem superiores, o envolvimento da populaçãoé maior. Não estamos aqui afirmando que odesenvolvimento rural em tais aldeias sejadesnecessário apenas porque têm condiçõesmelhores que as demais, mesmo porque seushabitantes também apresentam as transformaçõesnas relações sociais, produzidas pelo embate entreagentes históricos concretos, transformações quegeram demandas que precisam ser supridas. Casonão consigam respostas a essas novas demandas éprovável que também os Ticuna dessas aldeiasmenores partam para uma exploração irracional deseu território.Acreditamos que um projeto que não seja apenasinstrumento de cooptação ou formação delideranças comprometidas, não com seu povo, mascom uma organização ou administração, deve, emprimeiro lugar, ter claro este problema e, a partirdaí, tentar, através de outras motivações ou de suadiferenciação com os demais projetos, envolver apopulação de cada aldeia e utilizar as experiênciasexitosas como novos estímulos ao engajamento.Outra das possibilidades que os Ticuna têmfreqüentemente acionado, no sentido de melhoraras condições de vida de sua família e de suas aldeias,é a vinculação com os políticos locais. Principalmenteem épocas de eleições municipais e devido ao pesoeleitoral da população Ticuna políticos de todos ospartidos procuram o apoio das principais liderançasde cada aldeia, principalmente as de aldeias muitopopulosas. É claro que cada aldeia tira o proveitoproporcional ao peso eleitoral que tem. Na cidade

de São Paulo de Olivença, onde a população Ticunachega a superar aquela de “civilizados” (termo usadona região para designar o morador da cidade oumesmo o caboclo ribeirinho) na área rural, asdisputas pelo apoio de lideranças de diferentes aldeiastêm causado sérios problemas de faccionalismointerno e ajudado, por outro lado, algumas aldeias(as que apoiam os vencedores) a melhorarem seupadrão de vida.Estamos aqui nos referindo à crescente rivalidadeentre Pedro Inácio Pinheiro (1º coordenador doCGTT, da Aldeia de Vendaval) e Adércio CustódioManoel (2º coordenador do CGTT, da aldeia deCampo Alegre). Ambas as aldeias, por seu pesoeleitoral e pela influência de seus líderes entre asaldeias vizinhas, tiveram grande importância nacampanha para a prefeitura do município de SãoPaulo de Olivença em 1992. Vendaval apoiava achapa do então prefeito Jorge Vargas e Campo Alegrea chapa que sairia vencedora. Ao longo destemandato, conquistado em grande medida graças aoapoio daquela aldeia, o prefeito Sansão CasteloBranco soube compensar seus aliados com cargosna prefeitura, construção de escolas etc, enquantodeixou à míngua os eleitores do outro candidatoem Vendaval. Essa atitude desgastou ainda mais arelação entre essas duas lideranças Ticuna.Em Campo Alegre, esses cargos de “funcionários”,conforme descrito por Guilherme Martins deMacedo em sua dissertação de mestrado, passam aser uma demanda dos diferentes “grupos vicinais”e, junto com a renda auferida pelos idosos comoaposentados rurais, passam a ser responsáveis poruma crescente monetarização da economia daquelaaldeia (MACEDO, 1996).Na verdade, essa monetarização das relaçõeseconômicas dentro da aldeia não nos pareceresultado simplesmente do aumento na quantidadede trabalhadores assalariados, tais como professores,monitores de saúde, motorista de luz (comochamam o funcionário responsável pela operaçãodo gerador das aldeias) e outros trabalhadores

Page 52: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

96

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

braçais, mas de uma crescente penetração dosTicuna na economia de mercado e do mercado navida dos Ticuna. Ou seja, é a inserção no mercadoque faz com que as demandas por cargos sejamcrescentes e não o contrário.Isso pode ser facilmente verificado se observarmosque em 1992, antes, portanto, do boom de“funcionários” da aldeia de Campo Alegre, aeconomia daquela aldeia já estava bastantedependente do dinheiro e algumas pessoas tinhamque comprar o peixe que lhes faltava com o poucodinheiro que girava na aldeia. Por outro lado, nessamesma época, a aldeia de Vendaval praticamentedesconhecia a compra do pescado, sendo práticacomum a todos que necessitavam do peixeconsegui- lo através de um sistema dereciprocidade, estratégia tradicional que, conformejá exposto no terceiro capítulo, tende a reforçar oslaços de aliança para dentro e para fora dos “gruposvicinais”. Hoje, apesar da administração CasteloBranco ser bem pouco generosa com Vendaval epraticamente não ter havido aumento do númerode funcionários dali, a economia de Vendaval estábastante dependente do dinheiro, sendopraticamente impossível para um pesquisador, quetodos sabem que vem de fora e possui dinheiro,comer um peixe por lá sem desembolsar algunsreais.Além da possibilidade de conseguir cargos nomunicípio, estes sempre ligados aos apoios dadosdurante as campanhas eleitorais, há ainda duas outrasfontes de empregos no âmbito do que poderíamoschamar setor público. Referimo-nos à contratação,pela Funai e pelo Governo do Estado do Amazonas,de indígenas para cargos diversos. O grifo no termopúblico pretende colocar em questão a apropriaçãoprivada que freqüentemente se faz do Estado. No

caso da Funai, diversos cargos são ocupados poríndios Ticuna, inclusive o de chefe de posto. Amaioria dos indígenas empregados no órgão tutor,no entanto, são professores bilíngües e agentes desaúde. De qualquer forma, todos os indígenas quesão funcionários (cerca de 70% do efetivo dadelegacia), ou pelo menos a maioria deles, estão aligarantindo a manutenção do delegado regionalatravés de um esquema de reciprocidade no qual ocapitão da aldeia que conseguiu o emprego paraum morador dali, via de regra seu parente40, ganhaprestígio e reforça seu poder na aldeia; entretanto,por outro lado, dá sustentação ao delegado quandonecessário ou pelo menos não faz muita pressãocontra a sua inoperância.Também no caso dos funcionários do estado doAmazonas, todos professores bilíngües contratadospela Seduc (Secretaria de Educação do Estado), aapropriação privada da vaga se dá através dospolíticos locais que, tendo alguma influência emManaus, conseguem tais cargos, trocando-os porvotos em eleições futuras.A atividade política, aliás, é tão rentável no AltoSolimões, que dois projetos políticos totalmentesem sentido são constantemente objeto de lobbyjunto às esferas federais. A saber, o projeto doTerritório do Alto Solimões, que teria como capitala cidade de Benjamim Constant ou Tabatinga, e oprojeto de emancipação da área em torno da aldeiade Belém do Solimões no município de Tabatinga.Esse segundo projeto é tanto mais descabido setivermos em conta que perto de cem porcento doterritório do novo município estaria dentro da A.I.Évare I, inclusive, a própria sede.Seria ainda interessante percebermos como apressão das lideranças Ticuna junto aos órgãosgovernamentais, no sentido de absorverem em seus

4 0 Bourdieu ressalta, em relação ao fato dos argelinos recorrerem freqüentemente às relações pessoais para conseguir um emprego,que essa atitude está baseada na tradição cultural que encoraja e impõe a solidariedade e o auxílio mútuos, tanto maiores, no casodos Ticuna, entre membros do mesmo grupo vicinal (BOURDIEU, 1979, p.57-58).

Page 53: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

97

quadros moradores das aldeias, tem umcontraponto que é a pressão dos índios junto aocapitão para que consiga tais cargos.Essa inserção sempre maior dos Ticuna no mercadose dá de diversas formas, algumas das quais já aquiexpostas. A aproximação com os políticos locais,assim como com os comerciantes colombianostem, então, um papel de destaque. É que entre asrealizações dos prefeitos nas diversas aldeiasencontramos a instalação de aparelhos de televisãocomunitários com antena parabólica. Estes têmcontribuído para aproximar os Ticuna da sociedadenacional envolvente e, conseqüentemente, de suasdemandas e aspirações, o que tem alteradoprofundamente as estruturas de escolhas que,historicamente, têm se colocado para os Ticuna.Há poucos anos, o máximo que um prefeito chegavaa fazer era doar algumas cabeças de gado bovinopara a comunidade, o que, aliás, foi extremamenteprejudicial, visto que esse gado passou a causarmuitos problemas e não trouxe qualquer melhoriapara a população da aldeia beneficiada. Sem sabercuidar corretamente da criação, de resto poucoadequada para o ambiente amazônico, e sem o usodo leite que poderia ser dali tirado, os Ticunapermanecem alimentando esses animais e brigandopor causa de suas incursões em roças particulares.A Funai e a Emater local pouco ou nada fazem paramudar a situação. Nas aldeias próximas a cidade deBenjamim Constant, onde está instalada a Emater,mesmo com a insistência dos próprios Ticuna, umavisita esporádica é o máximo que conseguem dostécnicos daquele órgão.Hoje, além de contar com vereadores Ticuna emquase todos os municípios da região, algumas aldeiasconseguem benefícios diretamente de seus aliadosno município. Ainda assim, a visão do político emrelação aos Ticuna e a sua capacidade de fazer aeconomia do município crescer continuam a sermuito preconceituosas. Em uma conversa com aengenheira florestal e funcionária da Funai, PatriciaDresch, para averiguar a viabilidade do contrato

daquele órgão com a Agropalm para a exploraçãodo açaí das áreas Ticuna, o antigo presidente daCâmara dos Vereadores da cidade de BenjamimConstant, José Henrique, também conhecido comoZé Preguiça, afirmava a respeito do problema dapesca:

“(...) eles [os Ticuna] descobriram que dava mais dinheiroque a farinha. Aí eles se jogaram para a pescaria eacabaram não tendo nem um nem outro. Porque aroça... tudo é aproveitável... Eles têm uma espécie decalendário. Tem que ser plantado no mês tal, não é? Sevocê perder este período não adianta. (...) E aí saem aprocura de um emprego, se empregam nesses barcos...aí ficam trocando de aldeia (...) O sonho do Ticuna é terum motorzinho na polpa da canoa, uma rede... Esse éo sonho.”

O sonho do Ticuna, como pretende o ex-vereador,e de qualquer um está relacionado ao que Bourdieuchamou de disposições temporais que, como jávimos, tem relação com a possibilidade ou não dese pensar um futuro em abstrato que se contraponhaao futuro objetivo que se apresenta à sua frente. Oproblema é que alguns identificam a pesca predatóriacomo o único meio para conseguir alcançar seusonho, outros acham que é através da política, sejacomo vereador, seja apoiando um candidato aprefeito. E isso vale tanto para os Ticuna quantopara o civilizado. Das escolhas que se colocam paraos Ticuna hoje, a pesca predatória (que não temfuturo) é identificada como mais viável por muitosíndios. Daí vem seu apelo e sua força, tornando-amuito difícil de ser combatida, entretanto, umaproposta alternativa que se mostre aos Ticuna comomais eficiente na melhoria de suas condições de vidapode ser uma solução.Como já dissemos, a relação dos índios com a políticamunicipal é diferenciada conforme o município e aaldeia. Em Amaturá, por exemplo, três dos novevereadores do município são Ticuna, incluindo aí oPresidente da Câmara, todos moradores da aldeiade Nova Itália. Em Benjamim Constant, apesar darelação com os Ticuna ser sempre muito tensa,tendo, inclusive, chegado ao extremo em 1988,

Page 54: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

98

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

quando quatorze indígenas entre homens, mulherese crianças foram chacinados na localidade deCapacete, esse grupo conta hoje com dois vereadorese o vice-prefeito41 . O problema é que, assim comocom os projetos fracassados da Funai tiraram umpouco da confiança do Ticuna na viabilidade dessetipo de ação, a eleição de representantes, que nãocorrespondem durante o mandato aos anseios deseus eleitores, também vai desiludindo o Ticunaquanto à viabilidade desta opção.Em época de eleição temos, por um lado, umacorrida dos candidatos em busca de aliados nasaldeias que, candidatando-se para vereadores, lhesdão sustentação na eleição majoritária. Algumasvezes, a estratégia dos políticos é a de fragmentartanto que os índios não conseguem eleger ninguémou têm sua força mal representada. Os Ticuna jáaprenderam, contudo, que não devem ter muitoscandidatos, sendo realizada, inclusive, uma préviana aldeia de Santa Filadélfia para decidir quem serácandidato. Por outro lado, como a economia deBenjamim Constant gira em torno da madeiraextraída de terra indígena e como boa parte doseleitores citadinos trabalham na extração desta,muitas vezes esses interesses afloram e os políticosacabam por fazer um discurso anti-indígena.Associando freqüentemente órgãos distintos, comos quais têm problemas por sua prática de atividadesilegais, muitas vezes os ânimos se exaltam e háameaças contra as instalações da Funai, do Ibamaou mesmo do Magüta.O próprio Zé Preguiça já andou convocandopasseatas, como na inauguração do Museu Magütaem dezembro de 1991, com o objetivo de protestarcontra esta instituição e insuflando abertamente apopulação a incendiar seu prédio. Mesmo com esse

tipo de atitude, alguns políticos ainda conseguem oapoio dos Ticuna, seja prometendo benefícios paraas aldeias, que depois não vão cumprir, sejacooptando lideranças isoladamente. Aqui, mais umavez, vemos por parte dos Ticuna uma atitudepragmática e imediatista de conseguir o máximo nomomento eleitoral, pois acham que depois não vãoter nada, ou quase nada.De todo modo, o leque de escolhas de que dispõemos Ticuna, aberto pelas diferentes agências decontato ligadas ao estado, seja a nível federal (atravésda Funai, e, em menor escala, da Emater), estadual(através, principalmente, da Seduc) ou a nível dosdiversos municípios do Alto Solimões. Hoje, estáinformado pelos diversos fracassos dos projetos ecaminhos abertos por essas mesmas agências,provocando, em geral, uma mesma atitudeimediatista por parte dos índios, que procuram levaro máximo de vantagem possível em cada momento.Por outro lado, os obstáculos que ainda terão queser enfrentados por uma iniciativa séria, comoaqueles enfrentados pela cantina de Vendaval, nãodevem ser desvinculados, como esperamos terficado claro na exposição que fizemos até aqui, dasrelações sociais que estabelecem entre si em umasituação excepcional, uma situação de mudançasocial, relações evidentemente informadas pelatradição Ticuna. Com essa afirmação, queremosdeixar claro que entendemos que a mudança socialnão elimina a tradição, ao contrário, alimenta-sedela e ao mesmo tempo a alimenta, inventando ereinventando novas tradições42.Talvez tenha sido essa a principal falha da cantina deVendaval ou de seu projeto: não imaginar que taisobstáculos, materializados, nesse caso, nas fofocascontra os encarregados, nas desavenças internas ao

4 1 Os dados aqui apresentados dizem respeito à legislatura entre 1993 e 1996, disponíveis à época que foi escrita esta parte dotrabalho.

42 Para uma caracterização dessa reinvenção da tradição como prática comum a diversos tipos de sociedade, inclusive a sociedadescontemporâneas, ver Hobsbawm, 1984.

Page 55: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

99

grupo e nos possíveis erros de percurso (intencionaisou não) por parte desses encarregados, viessem aprejudicar o andamento da experiência.Outras possibilidades de escolha, no entanto, aindarestam ser analisadas.

As escolhas ligadas às IgrejasAs escolhas ligadas às IgrejasAs escolhas ligadas às IgrejasAs escolhas ligadas às IgrejasAs escolhas ligadas às IgrejasHistoricamente, diversas religiões têm entrado emcontato com os Ticuna. Desde o começo do século,a Igreja Católica está instalada na região através daprelazia do Alto Solimões e, depois de 1992, dadiocese. Encontramos, ainda, a presença das IgrejasBatista, Presbiteriana, Assembléia de Deus e daIrmandade da Santa Cruz, já mencionada.Essas religiões, ou melhor, seus representantes,também não deixam de ser sensíveis às disposiçõeseconômicas dos Ticuna de que vínhamos falando.Apesar de todos prometerem o caminho que levaa Deus, não deixam de se preocupar, também,com as coisas terrenas, sendo essas Igrejas,freqüentemente, usadas pelos índios como apoiopara alcançar alguma graça. Estamos nos referindoà possibilidade de, através do estudo em colégiosdentro ou fora das aldeias, nas cidades comoBenjamim Constant ou longe dali, no Rio de Janeiro,conseguirem uma maior instrução e, assim, sedestacarem em relação ao resto da aldeia.Tendo como uma de suas paróquias a da aldeia deBelém do Solimões, a Igreja Católica atua aliobjetivando melhorar o ensino ministrado na aldeia,única da região onde o Ticuna pode cursar até a oitavasérie. A atuação do Padre Josenei, atual encarregadoda paróquia, no aconselhamento dos fiéis tem feridoalguns interesses, principalmente de pescadores ligadosaos frigoríficos colombianos. Sendo natural da região,esse padre substituiu o frei Arsênio, um italiano queteve que fugir de lá depois de sofrer ameaças à suavida, feitas por Ticunas ligados à pesca predatória.

Por outro lado, ao criticar a alternativa da pesca, queé realmente bastante inapropriada para os índios, aIgreja acaba por cair na mesma contradição apontadaem relação à Funai. Identifica, corretamente, essaatividade como prejudicial aos índios, sem apresentarsoluções alternativas que lhes permitam umasobrevivência mais digna e que atendam às atuaisnecessidades dos Ticuna. Essa contradição, aquiapontada, já rendeu ao padre ameaças semelhantesàs recebidas por seu antecessor.No momento, contudo, há notícias de um grandeprojeto ligado à diocese, o Projeto Etnoamazonas,que pretende atuar, entre tantas coisas, no plantio,beneficiamento e comercialização da pupunha,espécie de palmeira da região amazônica de ondetudo se aproveita, sendo, inclusive, utilizada paraextrair o palmito. As poucas informações queconseguimos a respeito desse projeto, assim comoa péssima recomendação que tivemos de parte daequipe técnica envolvida nele, faz-nos supor que ainiciativa não irá muito longe. Neste sentido, éimportante lembrarmos que aquela diocese temcomo principal figura, desde sua instauração em1992, o bispo D. Alcimar Magalhães, irmão do maispoderoso madeireiro da região, Álvaro Magalhães,que entre outras coisas é responsável pela invasão,há muitos anos, da A.I. Lauro Sodré, onde,utilizando-se até mesmo de pistoleiros para coagiros índios, instalou uma enorme fazenda no centroda área, praticando ali a criação de gado.Dentre as Igrejas Protestantes, a de maiorinfluência na área é, sem dúvida, a Igreja Batista.Há, contudo, conforme argumenta o antropólogoGuilherme de Macedo, uma tendência à uniãodessas igrejas que, sob a alegação de que têmtodas um objetivo comum de pregar a palavra deDeus, atuam muitas vezes combinadas43. Osprimeiros pastores missionários da Igreja Batista

4 3 A respeito das alianças e disputas entre essas igrejas, principalmente na sua atuação junto aos fiéis da aldeia de Campo Alegre, verMacedo, 1996.

Page 56: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

100

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

eram americanos e no início de seu trabalho comos Ticuna, na década de 60, tiveram comoobjetivo a sua formação e a implantação de umaeducação bilíngüe. Hoje, a Igreja Batista temapenas os Ticuna como pastores nas aldeias,preparados para ministrarem seus cultos. Algunsíndios ligados a essa religião também resolveramformar uma Organização Missionária dos ÍndiosTicuna do Alto Solimões (OMITAS), através daqual têm conseguido financiamentos para mandaralguns de seus filhos à um seminário evangélicona cidade do Rio de Janeiro, onde aprofundamseus estudos e aprendem teologia.Assim como a Igreja Presbiteriana, instalada no AltoSolimões a partir do trabalho de um pastor coreano,os Batistas também têm um seminário teológicofuncionando na região. Em ambos os seminários,mas principalmente para o dos coreanos, comochamam na região, vários fi lhos dos Ticunaresidentes em aldeias de orientação batista têmentrado todos os anos, nem sempre conseguindocompletar os seus estudos. O curioso é que mesmodizendo-se professarem a fé batista, os pais não seopõem ao ingresso do fi lho no semináriopresbiteriano, afirmando que “é tudo a mesma coisa”e que não vai fazer mal44.O que nos importa ressaltar aqui é que, em ambosos casos, o envio dos garotos para estudar fora daaldeia, seja no Rio de Janeiro ou em BenjamimConstant, aparece como mais uma possibilidade deescolha dos Ticuna para alcançarem uma melhorcondição de vida, não para si, mas para seus filhos.O fato de não se importarem com a confusão entreas religiões, assim como a existência de brigas dentroda OMITAS quando da indicação de quatro jovenspara vir ao Rio de Janeiro estudar, todos da mesmaaldeia (Santa Filadélfia), em detrimento das demais,pode ser explicado como reflexo de uma atitude

imediatista dos Ticuna de explorar as possibilidadesque lhes são oferecidas, sem a preocupação com acontinuidade dessas, ou seja, sem a preocupaçãocom seu futuro.As Igrejas, atentas às aflições e à luta dos Ticuna pormelhores condições de vida pra si e para seus filhos,por um lado lhes abrem as portas e lhes propiciammais essa opção e, por outro, tiram-lhes os filhosdurante um período em que já estariam ajudandoos pais na roça. Apesar de bastante incerta que aeducação que recebem no seminário venha a lhesproporcionar melhoria de vida, quando os garotosestão de volta, conforme argumenta Macedo, têmreconhecida, em termos de status, a importânciado conhecimento que adquiriram.Nas aldeias onde a Irmandade da Santa Cruz temainda bastante força, ou melhor, onde ela consegueorientar os princípios de vida de seus adeptos, ocaso é diferente. É que essa seita, conforme jáexposto no capítulo precedente, prega que o fimdo mundo se aproxima e que esse se daria atravésde um dilúvio mandado por Deus para eliminar todoo pecado que há sobre a terra. Em seus estatutos,como chamam as regras de vida escritas pelo IrmãoJosé e que devem ser seguidas como único caminhopara a salvação, há uma exortação para que os fiéisse unam junto às cruzes e ali plantem e pesquem,aprovisionando-se para quando o dilúvio finalchegar.Ora, esses mandamentos têm reflexos bastantepositivos quando se pretende implementar algumprojeto econômico que lhes permitam talaprovisionamento de alimentos. Esse foi o caso daconstrução de um açude na aldeia de São Leopoldo,pelo Centro Magüta, o que será discutido adiante.Ainda aqui, a atitude predatória e imediatista deretirar o máximo do momento não é de todoabandonada, na medida em que apesar de bastante

4 4 A respeito da ida desses meninos e sua volta para a aldeia de Campo Alegre, mais uma vez remetemo-nos ao trabalho deMacedo, 1996.

Page 57: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

101

mobilizados, freqüentemente superestimam osgastos do projeto com o objetivo de ficar com assobras.Como a Igreja da Santa Cruz não tem um projetoinstitucional que reverta este mandamento emprática vivida, sua atuação se dá mais em termos dealterar suas disposições temporais e permitir queestes índios tenham uma concepção diferente dopor vir.Resta-nos, então, debruçarmos sobre a últimapossibilidade aberta na estrutura de escolhas que seapresenta hoje para os Ticuna, última também doponto de vista cronológico, pois, apresenta-se,ainda, como projeto que pretende vir a suprir asnecessidades emergentes dos Ticuna, de uma formaalternativa em relação às outras opções – a pescapredatória e aquilo que poderíamos chamar depobreza conservacionista.

As escolhas ligadas à ONGAs escolhas ligadas à ONGAs escolhas ligadas à ONGAs escolhas ligadas à ONGAs escolhas ligadas à ONGA atuação do Centro Magüta, conforme já foi aquidescrita, tem se dado, historicamente, nas áreas daeducação, saúde e luta pela terra. Nessas áreas oMagüta tem conseguido até hoje uma certahegemonia, fazendo ao longo do tempo com queas outras agências se adequassem às suas estratégiase às demandas dos índios.É evidente que a escolha da via da ONG, conformejá exposto, não deve pressupor que outraspossibilidades sejam deixadas de lado, até mesmoporque essas possibilidades muitas vezes não sãoopostas, mas se complementam. Assim, porexemplo, a atuação dessa instituição na formação ereciclagem dos professores Ticuna bilíngües propiciaque melhores aulas possam ser dadas peloscontratados dos municípios, da Seduc ou mesmoda Funai, sem que os professores precisem sedesvincular dos respectivos empregos ligados àsoutras agências.Na área do desenvolvimento econômico,entretanto, essa é, ainda, apenas uma possibilidadeemergente. Foi apenas no começo da década de

90 que o Magüta começou a atuar, ainda quetimidamente, nessa área. Foi também por essaépoca, como exposto, que as agências financiadorasamericanas e européias começaram a destinarrecursos para o desenvolvimento sustentado empaíses do terceiro mundo. Esses recursos, queprincipalmente ao longo dos últimos quatro anosnão foram poucos, ainda não chegaram ao AltoSolimões em tal escala. É que depois de conseguirrealizar a demarcação das principais áreas Ticunaem 1993, o Magüta tem enfrentado dificuldades definanciamento, já que, até o momento, suasprincipais financiadoras (OXFAM e ICCO) decidiramque deviam priorizar outras instituições e outrasáreas (dentro do realinhamento que hoje ocorrenas financiadoras européias em direção ao lesteeuropeu), visto que consideraram o trabalho a quese propuseram concluído.Por outro lado, de nada adiantará aos Ticuna teremseu território demarcado se não conseguiremexplorá-lo, sustentavelmente. Já dispomos deinúmeros exemplos, no próprio país, de etnias quejá têm suas áreas demarcadas e, no entanto, invadidaspor posseiros, garimpeiros, madeireiros etc.Considerando a crescente inserção dos Ticuna nomercado e o fracasso (pelo menos do nosso pontode vista) das opções de desenvolvimento abertaspelas outras agências, opções que formam a talestrutura de escolhas de que fala Przeworski, o“Projeto de Etnodesenvolvimento Ticuna”,desenvolvido pelo Centro Magüta, adquire hojeuma enorme importância, aumentada ainda maispela expectativa que a presença de pesquisadoresem campo gera.Esse projeto, apresentado inicialmente à FAFO(Noruega) e à Rain Forest (EUA), ambas entidadesambientalistas financiadoras de projetos nessa linhado desenvolvimento sustentado, e, posteriormente,à União Européia em parceria com o VIDC, contacom seis módulos interligados, mas com autonomiasuficiente para serem postos em práticaisoladamente, a saber: 1) formação de Gestores,que pretende formar com cursos de contabilidade

Page 58: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

102

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

e administração, os Ticuna que virão a gerir asdemais atividades a serem implantadas; 2)Construção de açudes e piscicultura, que pretende,além de construir açudes em seis aldeias, treinar osmonitores de desenvolvimento para que sejamcapazes de difundir essas experiências; 3) Avicultura,que pretende construir duas unidades de produçãode aves; 4) Criação de Porco do Mato, ainda emfase de levantamentos de viabilidade da criação poraldeia interessada; 5) Aproveitamento Econômicoda Flora Regional, também em fase de levantamentodas espécies e das possibilidades de cada área; 6)Sistema de Captação de Água da Chuva, quepretende instalar em quatro aldeias um sistema quepossibilite aos Ticuna beberem uma água tratada,motivo de grande parte das ocorrências de doençasna área. Juntos, esses módulos somam U$607,500.00 e estão, no momento, sendoapreciados pela União Européia, da qual já obteve,inicialmente, pareceres favoráveis.Paralelamente, foram apresentados a uma agênciafinanciadora holandesa, a DOEN, ligada a uma loteriae a um programa de televisão naquele país, trêsmódulos complementares àqueles outros seis e quetambém tiveram boa receptividade. São eles: 1)expansão da rede de rádio-comunicação das aldeiasTicuna, que pretende aumentar o número de rádiosde 30 para 60 com a finalidade de difundirinformações sobre as experiências na área dedesenvolvimento que forem sendo implantadas eauxil iar na administração dessas mesmasexperiências; 2) comercialização de produtos doextrativismo vegetal, que pretende colocar osprodutos já vendidos pelos Ticuna em mercados(nacionais e internacionais) mais favoráveis, além deestudar a possibilidade de manejo desses produtos;3) ervas medicinais, que visa ao levantamento daservas de uso terapêutico entre os Ticuna e suaspotencialidades para a utilização e comercializaçãopela medicina ocidental. Juntos, esses três módulossomam mais U$ 800,000.00 e ainda estão noprincípio das negociações.

Ambos os projetos, apesar de contarem comvultosos financiamentos (não tanto se comparadosà magnitude da população Ticuna), ainda estãoaguardando aprovação, deixando, portanto,paralisadas as ações do Magüta na área dedesenvolvimento, o que tem gerado algumaspressões no sentido de garantir-lhes meios paraalcançar alguma melhoria nas suas condições de vida.Essas pressões muito se assemelham às que realizamjunto ao administrador regional da Funai, antesdescritas. Só não são idênticas porque sabem quedo outro lado não vão encontrar o mesmo tipo depessoa, disposta a cooptar alguns apenas com oobjetivo de aliviar as pressões que sofre, mesmoque para isso tenha que inviabilizar a própriacontinuidade do projeto.O que distingue, então, o Projeto deEtnodesenvolvimento Ticuna dos demais ainda sãosuas idéias, ligadas à concepção de desenvolvimentosustentado esboçada no primeiro capítulo. Tais idéiaspartem de alguns pressupostos que valeria a penadiscutirmos. Antes, contudo, cumpre-nos lembrarque tais idéias só podem ser mapeadas pelasdiscussões internas à entidade, das quais participamosna qualidade de assessor, e pelo que se depreendedos projetos que a equipe de assessores temproduzido.Pretende-se, em primeiro lugar, que as atividadesdesencadeadas ao longo daquele projeto possamser poupadoras do meio ambiente. Por um lado,levando os próprios índios a perceberem que seumodo tradicional de extrair o sustento da floresta,talvez com algum incremento tecnológico de nossasociedade, pode ser extremamente bem sucedido,fazendo-os auferir rendas mais altas. Por outro,pretende-se que o sucesso do Projeto possademonstrar ao Estado brasileiro o caminho a serseguido na assistência às populações indígenas detodo o país, especialmente aos Ticuna, tendo claroque as especificidades de cada grupo devem ser nãoapenas levadas em conta como, também,respeitadas.

Page 59: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

103

Em trechos do projeto, está explícita a opinião deque boa parte dos projetos econômicos realizadosem áreas indígenas no país tem fracassado,principalmente, devido a dois motivos: “a) a falta decorrespondência entre as instituições, lógicas dereprodução e tradições de sustentabilidade daspopulações às quais se destinam e os projetosimplantados; b) a falta de preparo de seus gestores,com o total descompasso destes para com apopulação alvo, no caso de gestão externa”.Procura-se, então, superar esses problemas,principalmente através da participação da sociedadeTicuna em todos os seus níveis. Suas liderançasnão foram apenas consultadas, mas opinaram,decisivamente, na elaboração de tais projetos edeverão também participar de sua gestão.O projeto ainda argumenta que, embora de modoincipiente, os Ticuna começam a ter a percepçãodo início de um processo de degradação ambientalque, de forma mais imediata, atinge suas reservasde alimentos e, por conseguinte, seu bem estar esuas condições de saúde. Acostumados a manteruma relação com o rio Solimões, igarapés e lagos,como provedores inesgotáveis da principal fonte deproteína de sua dieta, os Ticuna passam, agora, ater que adicionar novos elementos ao manejo desserecurso: aumento da densidade populacional aolongo do Solimões, pesca predatória nos lagosinvadidos periodicamente por brancos, pesca deexportação praticada também de forma predatória,poluição ambiental etc.O projeto considera, ainda, que as transformaçõespelas quais passa a sociedade Ticuna nos dias dehoje geram a necessidade de respostas rápidas, nãoapenas na forma de críticas às alternativas que estãocolocadas, mas através da apresentação de propostasmelhores. No que diz respeito ao aproveitamentoeconômico da flora regional, por exemplo,percebe-se que a grande extensão da mataAmazônica e a dificuldade de exploração de seusrecursos têm feito com que não se tenha uma idéiaexata sobre as potencialidades de cada área em gerar

recursos para suas populações. Isso torna-se maisflagrante em relação à área indígena Ticuna, ondenão se tem até hoje nenhum levantamento dadiversidade florística e das espécies com potencialpara exploração econômica.Ressalta-se, no entanto, o conhecimento que apopulação Ticuna tem de seu habitat, configuradotanto no uso de plantas com fins curativos quantona exploração de espécies diversas de madeiras parauso nas suas atividades cotidianas.Esse quadro desemboca, necessariamente, nadeterminação de novos marcos de ação junto àscomunidades Ticuna. É nesse sentido, então, quese direciona a proposta do Magüta de trabalharatravés da implantação de projetos econômicosdiferenciados em aldeias-piloto, onde a questãode fundo não é tão somente a possibilidade degeração de riquezas, mas, principalmente, criar ascondições de surgimento de novos gestores.Pre tende - se que esses sejam os agentesformuladores e multiplicadores de uma nova relaçãopossível com o seu ecossistema, a partir de projetosde manejo sustentado dos diferentes recursosdisponíveis (peixe, açaí, castanha, porco do mato etc.)que desembocam, naturalmente, numa concepçãomais ampla de saúde e de relação com a natureza.Entendem, ainda, que o conceito de sustentabilidadeno manejo dos recursos ambientais é fundamentalcomo base da construção de um projeto de saúdepública, pensado de forma integral, ou seja, saúdeimplica também em alimento, habitação, águalimpa, esgoto, trabalho e renda. O Projeto deEtnodesenvolvimento Ticuna, portanto, juntandoesforços nas áreas de desenvolvimento e saúde,pretende atingir uma melhoria nas condições de vidadaquele povo de modo mais integral.Como uma alternativa que até hoje não se concretizouplenamente, o modelo de desenvolvimento propostopelo Magüta tem apenas uma experiência que podeacionar como que para provar sua viabilidade. Tr a t a -se do já referido açude, construído na aldeia de SãoLeopoldo.

Page 60: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

104

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

O relativo sucesso dessa primeira experiência podeser explicado, a nosso ver, pela capacidade doshabitantes daquela aldeia em pensar o futuro que,como já foi dito, está associada a uma determinadacompreensão do mundo que se baseia emmandamentos divinos e, também, ao fato dessa seruma aldeia pequena, onde a reciprocidade que uneos Ticuna do mesmo grupo vicinal é muito mais forte,já que quase todos ali têm algum grau de parentesco.A partir dessa experiência, e por tudo o que já foidito até aqui acreditamos que o caminho do projetodo Magüta de modo algum será fácil. Problemas eerros com certeza serão abundantes, masalicerçados na participação das comunidades e semse recusar a encarar todos esses problemas, quesão, aliás, do total conhecimento da equiperesponsável pela execução do projeto, acreditamosque não sejam insolúveis. Essa equipe de assessores,composta hoje por profissionais de diferentes áreas,como, antropologia (com especialização em saúdepública e desenvolvimento agrícola), engenhariaflorestal, zootecnia etc., caso consiga aliarexperiência política (da política Ticuna, é claro, e danossa também, pois é ali que são tomadas muitasdecisões refletidas na vida dos índios), à competênciatécnica, pode vir a construir, junto com as liderançasTicuna, um modelo certamente mais eficaz que odas agências concorrentes.Aqui, a palavra-chave parece ser autogestão. Porincorporar a formação de gestores como um dositens a serem financiados, item consideradoindispensável e sem o qual todo resto ficariainviabilizado, esse projeto se alicerça na participaçãodos Ticuna desde a elaboração até a execução.Nas reuniões que realizamos em cada aldeia, antesdos levantamentos que orientaram a análise daeconomia Ticuna, que apresentados no capítuloanterior, sempre nos apontaram as necessidades maisimediatas daquela comunidade, assim como nosindicaram-nos um dos seus para ficar responsávelpelas iniciativas do Projeto EtnodesenvolvimentoTicuna, naquela aldeia. A intenção do Magüta é agora

fazer com que esses indígenas, indicados em cadaaldeia, participem de um curso de formação, noqual lhes seriam ensinados fundamentos decontabilidade, administração de projetos, políticaindigenista etc.Escolhida dentro do leque de opções que dispõemos Ticuna, a crença é de que tal proposta é a maisviável. Não se trata, portanto, apenas de esperançade alguém envolvido na empreitada, mas surge daanálise da trajetória das diversas agências, assimcomo da repercussão de sua ação junto aos Ticuna.Atuação que ora tem esses como sujeitos, oraapenas como objeto da realização de suasexpectativas (não dos índios, mas dos civilizados oude poucos Ticunas).Essa é, aliás, a principal virtude de todo o trabalhoque o Magüta tem realizado até hoje: unirprofissionais interessados e lideranças Ticuna,trabalhando no caminho apontado por estes últimose por seu povo.Procuraremos, a seguir, apontar o horizonte possívelque temos avistado para a atuação dessas diversasagências, mas principalmente do Magüta, procurandoindicar os pontos de estrangulamento de suaspropostas, alguns já mencionados, e as possibilidadesde transformação destas, na medida em que algocomo o Projeto de Etnodesenvolvimento Ticunado Magüta possa provocar mudanças nas própriasexpectativas dos índios. Ou, dito de outra forma,possa alterar a própria estrutura de escolhas atravésda mudança de suas disposições econômicas etemporais.

CONCLUSÃO

Com o objetivo de avaliar os horizontes possíveisdo desenvolvimento rural, inscritos na estrutura deescolhas de que dispõem os Ticuna, procuraremosdividir a exposição que faremos em duas partes,dependentes de hipóteses diferentes quanto àcontinuidade do Projeto de Etnodesenvolvimentodo Magüta.

Page 61: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

105

Na primeira parte, consideraremos a possibilidademais provável de que esse projeto venha a conseguirfinanciamentos junto às agências estrangeiras jámencionadas, podendo, assim, implementar-se naprática. Na segunda, procuraremos exercitar areflexão, no sentido de percebermos o que podeocorrer no Alto Solimões, caso esse projeto nãoconsiga de fato decolar.De qualquer modo, acreditamos que a história dodesenvolvimento econômico na área Ticuna e, maisdo que isso, a própria história dessa etnia encontra-se hoje em um momento decisivo. Um ponto deinflexão, cujo sentido depende da correlação deforças entre as diversas agências de contato.

Quadro 1. Projeto de Etnodesenvolvimento Ticunacom recursos.Consideramos esse cenário o mais interessante paraas possibilidades de desenvolvimento rural da área,não apenas porque gera mais uma alternativa para osTicuna, mas, principalmente, porque propicia ofortalecimento da sociedade civil frente ao mercado,que sem nenhuma regulação está sempre disposto aengolir os mais desfavorecidos. Conformeargumentam os teóricos do DesenvolvimentoInstitucional, caberia também ao Estado, frente a essecenário, criar condições para que os diversos atorestenham acesso aos recursos. A descentralizaçãoproposta por tais autores deveria ser pensada emfunção de uma maior importância da delegaciaregional de Tabatinga, o que só faria algum sentidocaso precedida de uma profunda transformaçãonaquele escritório. Transformação de valores e idéiasque tem direcionado erroneamente a intervençãodesse órgão, conforme descrito no quarto capítulo,fazendo com que boa parte das ações propostas sepercam no meio do caminho. Transformaçõestambém de atitudes, como a do Sr. Walmir Torres(administrador regional), de tentar perpetuar- s e nocargo através da cooptação de alguns índios.Ao Magüta, como ONG que tem caminhado nosentido de se tornar uma entidade exclusivamente

indígena, com a presença de assessores eventuais,caberia em primeiro lugar tentar se manter a serviçodo movimento popular, ou seja, continuar a pautar-se pelas orientações impostas não por um pequenogrupo de Ticuna que poderá vir a fazer parte de suadiretoria, mas de toda sua população, representadapelo seu Conselho Indígena. Estar a serviço domovimento popular deve significar, nesse caso, estaratento e não permitir o atrelamento da entidademeramente aos objetivos das agências financiadoras,que nem sempre coincidem com os dos índios.O trabalho na formação de lideranças, hoje nãorestrito apenas à formação política (comum àatuação das ONGs em outras épocas), mas tambémadministrativa e técnica, não seria prejudicado nessecenário, visto que essa é uma atividade prevista eaté valorizada pelo Magüta.Entretanto, mesmo num quadro onde os recursospara essa ONG sejam abundantes, não haverámotivos para um excesso de otimismo. Algunsproblemas já apontados aqui poderão, ainda assim,ocorrer. Vale a pena nos determos um pouco maisnesse ponto. Um primeiro risco que um projetode desenvolvimento rural acarreta, principalmenteem uma situação de abundância de recursos, é o deprovocar uma desestruturação no que Bourdieuchamou de ordem social, resultado da apropriaçãopor um único grupo de poder, do benefício geradopela atuação da entidade. A diferenciação gerada poresse ganho extra fere de morte as bases econômicassobre as quais estão assentadas todas as relaçõessociais do grupo, que se baseiam, conforme já foiaqui discutido, na solidariedade entre os membrosde um mesmo grupo vicinal. A exacerbação dofaccionalismo é o mínimo que poderia acontecerem tal quadro de diferenciação social.O envolvimento da população de cada aldeiaparticipante do projeto é, então, uma precauçãoimportante, no sentido de não permitir essaapropriação indevida. Ela não é, contudo, suficiente,pois de qualquer modo haverá sempre uma pessoa,indicação do capitão baseada na correlação de forças

Page 62: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

106

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

dentro da aldeia, que seja responsável pelaimplementação do projeto ali. E é nesse ponto,justamente na indicação do responsável, que se iniciaa possibilidade de desvirtuamento das primeirasintenções da atividade. Em primeiro lugar, os laçosde solidariedade que unem o capitão a esse futuroagente do desenvolvimento são, freqüentemente,bastante fortes. Na maioria dos casos, esses agentessão mesmo parentes diretos do capitão. Além disso,outras alianças que são feitas dentro da aldeia, dandoinclusive sustentação ao capitão, fazem com que osdemais moradores também aceitem calados essetipo de situação, onde apenas uns poucos controlamos meios que deveriam ser de todos. Isso, porexemplo, aconteceu, conforme já descrito nosegundo capítulo, na aldeia de Filadélfia, com osprojetos da padaria e da granja implementados pelaFunai.Em tais casos, seja a apropriação indevida ou não,conforme bem demonstrado na fala do ex-cantineiro da aldeia de Vendaval, os Ticuna acionammecanismos de regulação social, expressos, porexemplo, pelas fofocas e pelo feitiço. Taismecanismos, apesar de bastante eficazes do pontode vista social, acabam por inviabilizar a continuidadedo desenvolvimento pretendido.Uma recomendação que talvez pudesse ser maiseficaz na prevenção de tais problemas, baseada noque foi até aqui analisado sobre a sociedade Ticuna,e considerando, também, as discussões por nóssuscitadas acerca do desenvolvimento sustentado eda importância da eqüidade para a definição desseconceito, é que o Projeto de EtnodesenvolvimentoTicuna passe a atuar tendo os grupos vicinais, e nãomais as aldeias, como unidade de implementaçãode atividades. Nas aldeias maiores, onde umaenorme quantidade de diferentes grupos vicinalcoabita pacificamente, cada grupo teria que serobjeto de uma diferente ação. A escala de taisatividades, portanto, passaria a ser menor, o quepermitiria um controle mais adequado dosmembros do grupo. Ao invés de um grande açude,

por exemplo, deveriam ser construídos tantosaçudes pequenos quantos fossem os grupos vicinaisinteressados em tal atividade. Competiria àslideranças desse grupo o controle e gerenciamentoda atividade, f icando a cargo de um únicoresponsável, o agente de desenvolvimento, apenaso repasse de verbas, a centralização de dados e aavaliação das diferentes experiências de sua aldeia.Já nas aldeias menores, onde algum grau deparentesco une praticamente todos os habitantes, essarecomendação é posta em prática naturalmente.Neste quadro, caso a experiência do Magüta venhaa ser razoavelmente exitosa, gerando um modelode intervenção que possibilite não apenas o aumentoda renda dos Ticuna, mas também a preservaçãode sua cultura e do meio ambiente que os cerca,acreditamos que importantes transformações sedarão na estrutura de escolhas que orienta seudesenvolvimento social. Em primeiro lugar, o êxitode uma agência de contato leva as demais amodificarem, também, as suas formas deintervenção. O Estado, por exemplo, que hoje jáestá sendo encarado muito mais como um possívelparceiro pelas ONGs do que em outras épocas,quando não havia democracia ou ela ainda searrastava com dificuldades, pode vir a atuar emconsonância com o Magüta, seja através deconvênios, seja através de intervenções próprias. AIgreja, principalmente a católica, que hoje procuraatravés de seu Projeto Etnoamazonas dar respostasàs ansiedades mais imediatas dos Ticuna, poderá vira aproximar-se também.Por outro lado, a partir da mediação dessas outrasagências, o mercado pode vir a atuar em benefíciodos Ticuna, ao contrário do que vem acontecendoaté aqui. Com isso, queremos deixar claro quenão consideramos a hipótese dos Ticunapermanecerem, como às vezes pensam alguns,longe das malhas do mercado. Mesmo porque asecular relação deste com os Ticuna já conformoudeterminados habitus e disposições econômicas quehoje são inseparáveis do modo Ticuna de ser. Além

Page 63: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

107

do mais, a presença do mercado na vida dos Ticunatem, paulatinamente, crescido com a penetraçãocada dia mais forte do sistema capitalista na área edas novas disposições econômicas e temporais deque falávamos no quarto capítulo.Acreditamos, ainda, que esse cenário de intensatransformação da estrutura de escolhas que se apresentahoje aos Ticuna, com uma hegemonia do Magüta naconstrução de um modelo diferenciado dedesenvolvimento para as áreas Ticuna, pode serextremamente proveitoso para uma mudança naestrutura de poder existente, visto que essa entidade,por sua legitimidade dada inclusive pela forteparticipação do movimento popular em seu interior(nesse caso o movimento indígena, e mais precisamenteo CGTT), pode ser capaz de gerar, em favor dos índios,mecanismos de resolução dos conflitos próprios damudança e do contato interétnico.

Quadro 2. Falta de recursos para o projeto doMagütaNeste caso, além dos Ticuna se verem privados deuma alternativa para o desenvolvimento de sua área,justamente a que consideramos hoje a mais viáveldo ponto de vista técnico, econômico e social,teremos na região a consolidação de um modeloliderado pelo mercado, sempre menos interessadono ser humano do que na produção que este realiza.De fato, a menos que profundas alterações dentroda delegacia regional de Tabatinga fossem realizadas,de modo a reorientar as ações do órgão tutor nosentido de um desenvolvimento eqüitativo eorientado para o bem estar dos índios, comcompetência técnica e seriedade, o mercadoapareceria como única agência com um projetoconcreto, mesmo que esse seja ambiental, social eeconomicamente insustentável.Os municípios do Alto Solimões e o estado doAmazonas, instâncias diferenciadas onde os Ticuna,podem vir a buscar apoio para regular a presençado mercado entre eles, que sofrem hoje de umatotal falta de visão em relação à necessidade de uma

atuação mais firme em direção a um modelo dedesenvolvimento sustentado para a região. Essacegueira, pelo menos em relação ao Estado, pareceestar em parte revertendo-se, principalmente comas recentes declarações ambientalmente corretas deautoridades, antes sempre tão insensíveis a taisproblemas. No entanto, ainda é muito cedo paraavaliar se tais declarações não são apenas jogo decena para a mídia.Conforme afirma Chiriboga, somente através dademocratização e da transformação das relaçõespolíticas, dentro de tais unidades administrativas, essasconseguirão atuar de modo a viabilizar umdesenvolvimento rural adequado às populações maisdesfavorecidas e sem que o clientelismo político, suamarca nos dias de hoje, possa inviabilizá-lo de vez.Em relação às Igrejas, sua prática atual dificilmentese alteraria, como de resto aconteceria com todasas agências de contato. A Igreja Católica aparecerianesse quadro como formuladora do único projetoalternativo à barbárie empreendida pelo mercado,o que tornaria inacessível tal projeto para aquelesTicuna que não professam a mesma fé, na verdadeum contingente bastante expressivo.Nessa situação, o Magüta ficaria por demais frágil esujeito a críticas, como as já mencionadas de quetudo não passara de conversa de branco. Boa partedo esforço até aqui desenvolvido seriairremediavelmente perdido, na medida em que aentidade não conseguisse, de alguma forma, alteraras disposições temporais daquela sociedade de quefala Bourdieu e expostas no quarto capítulo. Somentedesse modo, o Ticuna poderia pensar em sacrificaro ganho que conseguisse ter no presente (porexemplo, o lucro com a pesca predatória) em funçãoda percepção de que esse ganho é efêmero e volátil.O maior problema associado a esse cenário depossibilidades, onde o Magüta não consiga consolidarum modelo de desenvolvimento alternativo, é quecaso seja mantido tudo do jeito que está, nãoacreditamos que a exploração do território Ticunapossa representar um ganho duradouro para aquela

Page 64: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

108

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto

população, mas apenas para uns poucos que já aexploram atualmente e, mesmo assim, por umperíodo limitado de tempo. As outras opções dedesenvolvimento, inscritas na estrutura de escolhas daíresultante, permaneceriam apenas como mais umaopção, sem, no entanto, conseguir chegar a ascenderao centro das disposições econômicas dos Ticuna.

REFERÊNCIAS

ACSELRAD, H. 1993. Desenvolvimento sustentávelDesenvolvimento sustentávelDesenvolvimento sustentávelDesenvolvimento sustentávelDesenvolvimento sustentável: a luta porum conceito. p.5-8 (Proposta, n. 56)

ALMEIDA, A W. B. 1990. O Intransitivo da Transição: o Estado, osconflitos agrários e a violência. Antropol. IndigAntropol. IndigAntropol. IndigAntropol. IndigAntropol. Indig.. Rio de Janeiro, n.1, nov., p. 117-138.

ALMEIDA, F. V. R. 1993. Monitoramento Ambiental e EconomiaTicuna In: MAGALHÃES, A C. (Org.) Sociedades Indígenas eSociedades Indígenas eSociedades Indígenas eSociedades Indígenas eSociedades Indígenas eTTTTTransformações Ambientaisransformações Ambientaisransformações Ambientaisransformações Ambientaisransformações Ambientais. Belém: UFPa; NUMA, p. 79-111.

ALMEIDA, F. V. e RAMOS, D. P. 1992.Estudos Integrados deEstudos Integrados deEstudos Integrados deEstudos Integrados deEstudos Integrados dePreservação ePreservação ePreservação ePreservação ePreservação e Sistemas de Produção Agrosilvopastoril e deSistemas de Produção Agrosilvopastoril e deSistemas de Produção Agrosilvopastoril e deSistemas de Produção Agrosilvopastoril e deSistemas de Produção Agrosilvopastoril e dePPPPPescado da Área Indígena Évare Iescado da Área Indígena Évare Iescado da Área Indígena Évare Iescado da Área Indígena Évare Iescado da Área Indígena Évare I – Ticuna – Alto Solimões. Riode Janeiro. Xerox.

ALMEIDA, R. T. F. 1991. O PO PO PO PO Projeto Krojeto Krojeto Krojeto Krojeto Ka iowa-Ñadevaa iowa-Ñadevaa iowa-Ñadevaa iowa-Ñadevaa iowa-Ñadeva. Dissertação(Mestrado)-Museu Nacional, Rio de Janeiro.

BECKER, B. K. 1990. AmazôniaAmazôniaAmazôniaAmazôniaAmazônia. São Paulo: Ática.

BECKER, B. K. 1993. A Amazônia pós Eco-92: por umdesenvolvimento regional responsável. In: BURSZTYN, M. (Org.)PPPPPara Para Para Para Para Pensar o Desenvolvimento Sustentávelensar o Desenvolvimento Sustentávelensar o Desenvolvimento Sustentávelensar o Desenvolvimento Sustentávelensar o Desenvolvimento Sustentável. São Paulo: Brasiliense,p. 129-143.

BOURDIEU, P. 1989. O PO PO PO PO Poder Simbólicooder Simbólicooder Simbólicooder Simbólicooder Simbólico. Lisboa: Difel.

BOURDIEU, P. 1979. O Desencantamento do Mundo O Desencantamento do Mundo O Desencantamento do Mundo O Desencantamento do Mundo O Desencantamento do Mundo: EstruturasEconômicas Estruturas Temporais. São Paulo: Perspectiva, 135p.

BRASIL. MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃOGERAL.1974. II Plano Nacional de DesenvolvimentoII Plano Nacional de DesenvolvimentoII Plano Nacional de DesenvolvimentoII Plano Nacional de DesenvolvimentoII Plano Nacional de Desenvolvimento ( 1 9 7 5 -1979). Brasília, 149 p.

CAPRA, F. 1982. O PO PO PO PO Ponto de Mutaçãoonto de Mutaçãoonto de Mutaçãoonto de Mutaçãoonto de Mutação. São Paulo: Cultrix.

CARNEIRO, R. L.1974. Slash-and-Burn Cultivation Among theKuikuru and its implications for Cultural Development in the AmazonBasin. In: LYON, P. J. (Ed.) Native south americansNative south americansNative south americansNative south americansNative south americans: ethnology ofthe least known continent. Boston: Litte Brown and Company, p.7 3 - 9 3 .

CARVALHO, D. F. 1994. Industrialização Tardia e Grandes Projetos. In:D’INCAO, M. A.; SILVEIRA, I. M. A Amazônia e a cr ise daA Amazônia e a cr ise daA Amazônia e a cr ise daA Amazônia e a cr ise daA Amazônia e a cr ise damodernizaçãomodernizaçãomodernizaçãomodernizaçãomodernização. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, p. 427-446.

CASTRO, A B. 1985. A economia brasileira em marcha forçadaA economia brasileira em marcha forçadaA economia brasileira em marcha forçadaA economia brasileira em marcha forçadaA economia brasileira em marcha forçada.Rio de Janeiro: Paz e Terra.

CHIRIBOGA, M. 1994. Descentralización, municipalización ydeserrollo rural: la experiência en América Latina In: SEMINÁRIOTALLER-INTERNACIONAL. El DESARROLLO RURAL EN AMÉRICALATINA HACIA EL SIGLO XXI. Bogotá: Pontifícia UniversidadJaveriana, p. 305-338.

COELHO, M. C. N. 1994. Desenvolvimento Sustentável, EconomiaPolítica do Meio Ambiente e a Problemática Ecológica da Amazônia.In: D’INCAO, M. A.; SILVEIRA, I. M. A Amazônia e a crise daA Amazônia e a crise daA Amazônia e a crise daA Amazônia e a crise daA Amazônia e a crise damodernizaçãomodernizaçãomodernizaçãomodernizaçãomodernização. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, p. 381-387.

CONWAY, G. R.; BARBIER, E. B. 1990. After de Green RAfter de Green RAfter de Green RAfter de Green RAfter de Green Revolutionevolutionevolutionevolutionevolution:Sustainable Agriculture for Development. London: Earthscan .

CORDEIRO, L. B. 1988. Plano de Ivestigação sobre UtilizaçãoPlano de Ivestigação sobre UtilizaçãoPlano de Ivestigação sobre UtilizaçãoPlano de Ivestigação sobre UtilizaçãoPlano de Ivestigação sobre Utilizaçãode Recursos Naturais em Áreas de Ocupação Ticuna.de Recursos Naturais em Áreas de Ocupação Ticuna.de Recursos Naturais em Áreas de Ocupação Ticuna.de Recursos Naturais em Áreas de Ocupação Ticuna.de Recursos Naturais em Áreas de Ocupação Ticuna. Xerox.

DELGADO, N. G. 1985. A Agricultura Brasileira nos Planos deDesenvolvimento do Governo Federal: do plano trienal ao III PND.In: BENETTI, M. D.; FRANTZ, T. R. (Coord.) Desenvolvimento eDesenvolvimento eDesenvolvimento eDesenvolvimento eDesenvolvimento eCrise do Cooperativismo Empresarial do RSCrise do Cooperativismo Empresarial do RSCrise do Cooperativismo Empresarial do RSCrise do Cooperativismo Empresarial do RSCrise do Cooperativismo Empresarial do RS 1 9 5 7 - 8 41 9 5 7 - 8 41 9 5 7 - 8 41 9 5 7 - 8 41 9 5 7 - 8 4. PortoAlegre: Fundação de Economia e Estatística, p. 35-101.

FATHEUER, T. W. 1994. Novos Caminho para a Amazônia? Novos Caminho para a Amazônia? Novos Caminho para a Amazônia? Novos Caminho para a Amazônia? Novos Caminho para a Amazônia? OPrograma Piloto do G-7: Amazônia no contexto internacional.Rio de Janeiro: FASE/SACTES.

FEARNSIDE, Philip M. {199-?}Agricultura na Amazônia - Tiposde agricultura: padrão e tendências” In: CASTRO, E.; HEBETTE, J.(Org.) Na trilha dosNa trilha dosNa trilha dosNa trilha dosNa trilha dos grandes projetos:grandes projetos:grandes projetos:grandes projetos:grandes projetos: modernização e conflito naAmazônia. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi;CNPq, p. 197-235.

FERNANDES, R. C. 1994. Privado porém PúblicoPrivado porém PúblicoPrivado porém PúblicoPrivado porém PúblicoPrivado porém Público: o terceirosetor na América Latina. Rio de Janeiro: Relume-Dumará.

FUGITA, K. 1990. Plano de Investigação sobre Util ização dePlano de Investigação sobre Util ização dePlano de Investigação sobre Util ização dePlano de Investigação sobre Util ização dePlano de Investigação sobre Util ização deRecursos Naturais emRecursos Naturais emRecursos Naturais emRecursos Naturais emRecursos Naturais em Áreas de Ocupação Ticuna. Áreas de Ocupação Ticuna. Áreas de Ocupação Ticuna. Áreas de Ocupação Ticuna. Áreas de Ocupação Ticuna. BenjamimConstant. Xerox.

FUNAI. 1975. PPPPProjeto Trojeto Trojeto Trojeto Trojeto Tukunaukunaukunaukunaukuna (1975/1980) Brasília, ago.

FUNAI. 1992. PPPPPrograma Programa Programa Programa Programa Parakanãarakanãarakanãarakanãarakanã: sub-programa de produção evigilância. Relatório de Atividades (1991/1992), Brasília.

GAIGER, J. M. G. 1993. P P P P Para os índios fazerem mais festasara os índios fazerem mais festasara os índios fazerem mais festasara os índios fazerem mais festasara os índios fazerem mais festas.Brasília: INESC.

GONZALEZ R., A. 1990. Agricultura Indígena Y Modernización.Matrimonio Desastroso? Am. Indíg. Am. Indíg. Am. Indíg. Am. Indíg. Am. Indíg. fev.

HOBSBAWM, E. 1984. Introdução. In: HOBSBAWM, E.; RANGER,T. (Ed.) AAAAA Invenção das TInvenção das TInvenção das TInvenção das TInvenção das Tradições. radições. radições. radições. radições. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

ÍNDIOS TICUNA. 1985. TTTTTorü Duü’ügü.orü Duü’ügü.orü Duü’ügü.orü Duü’ügü.orü Duü’ügü. Nosso Povo. Rio deJaneiro: Museu Nacional

IORIS, E. M.; ANDERSON, A. B. {197-?] Estratégias EconômicasEstratégias EconômicasEstratégias EconômicasEstratégias EconômicasEstratégias Econômicasde Pde Pde Pde Pde Pequenosequenosequenosequenosequenos PPPPProdutores Extrativistas no Estuário Amazônico.rodutores Extrativistas no Estuário Amazônico.rodutores Extrativistas no Estuário Amazônico.rodutores Extrativistas no Estuário Amazônico.rodutores Extrativistas no Estuário Amazônico.Museu Paraense Emílio Goeldi. Xerox.

KUHN, T. 1989. A natureza e a necessidade das revoluçõescientíficas. In: AAAAA ESTRUTURA das Revoluções CientíficasESTRUTURA das Revoluções CientíficasESTRUTURA das Revoluções CientíficasESTRUTURA das Revoluções CientíficasESTRUTURA das Revoluções Científicas. SãoPaulo: Perspectiva.

LANDIM, L. (Org.). 1988. Sem fins lucrativosSem fins lucrativosSem fins lucrativosSem fins lucrativosSem fins lucrativos: As organizaçõesnão-governamentais no Brasil. Rio de Janeiro: ISER.

LEITE, J. C. F. 1988. PPPPProjetos Econômicos em AI empreendidosrojetos Econômicos em AI empreendidosrojetos Econômicos em AI empreendidosrojetos Econômicos em AI empreendidosrojetos Econômicos em AI empreendidospela FUNAIpela FUNAIpela FUNAIpela FUNAIpela FUNAI. Rio de Janeiro: PETI. Xerox.

LEITE, J. C. F. e LIMA, A. C. S. 1986. Da Transitoriedade do Índio:Considerações sobre a Proteção Oficial ao Índio durante a PrimeiraRepública. In: REUNIÃO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DEANTROPOLOGIA, 15. mar. Xerox.

Page 65: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 45-110, jan-abr. 2005

109

LITTLE, P. 1994. A Gestão Social e Sustentável do TA Gestão Social e Sustentável do TA Gestão Social e Sustentável do TA Gestão Social e Sustentável do TA Gestão Social e Sustentável do Territórioerritórioerritórioerritórioerritório.Brasília: IEA, 19 texto para discussão.

MACEDO, G. M. 1996. Negociando a identidade com os brancosNegociando a identidade com os brancosNegociando a identidade com os brancosNegociando a identidade com os brancosNegociando a identidade com os brancos:religião e política em um núcleo urbano Ticuna. 179f. Dissertação(Mestrado)-Museu Nacional, Rio de Janeiro.

MACHADO, A 1994. Câmbio Institucional y Desarrollo Rural. In:SEMINÁRIO TALLER-INTERNACIONAL. EL DESARROLLO RURALEN AMÉRICA LATINA HACIA EL SIGLO XXI. Bogotá: PontifíciaUniversidad Javeriana, p. 273-284.

MAGALHÃES, A C. (Org.) 1993. Soc iedades Ind í genas eSoc iedades Ind í genas eSoc iedades Ind í genas eSoc iedades Ind í genas eSoc iedades Ind í genas eTTTTTransformaçõesransformaçõesransformaçõesransformaçõesransformações AmbientaisAmbientaisAmbientaisAmbientaisAmbientais. Belém: UFPA,NUMA.

MARGULIS, S. 1992. Contro le Ambienta l :Contro le Ambienta l :Contro le Ambienta l :Contro le Ambienta l :Contro le Ambienta l : Coisa pra Rico?(Planejamento e Políticas Públicas. n. 7)

MAY, P. H. 1994. Economia Ecológica e o DesenvolvimentoEconomia Ecológica e o DesenvolvimentoEconomia Ecológica e o DesenvolvimentoEconomia Ecológica e o DesenvolvimentoEconomia Ecológica e o DesenvolvimentoEqüitativo no BrasilEqüitativo no BrasilEqüitativo no BrasilEqüitativo no BrasilEqüitativo no Brasil. Rio de Janeiro: CPDA. Xerox.

MEILLASSOUX, C. 1995. FFFFFemmes, emmes, emmes, emmes, emmes, Greniers & Capitaux. Paris:François Maspero,

MENEZES, F. A F. 1996. Segurança Alimentar e SustentabilidadeSegurança Alimentar e SustentabilidadeSegurança Alimentar e SustentabilidadeSegurança Alimentar e SustentabilidadeSegurança Alimentar e Sustentabilidade:complementariedades e conflitos. 190f. Dissertação (Mestrado) –UFRRJ, Rio de Janeiro.

MOREIRA, R. J. 1991. Ecologia e Economia Política: meio ambientee condições de vida. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONOMIAE SOCIOLOGIA RURAL ,29. Anais...Anais...Anais...Anais...Anais... Campinas: SOBER, v.1, p.1 5 3 - 1 7 8 .

MOREIRA, R. J. 1994. A Formação Interdiscipl inar e oDesenvolvimento Sustentável. REUNIÃO BRASILEIRA DE MANEJOE CONSERVAÇÃO DO SOLO E DA ÁGUA, 10. RRRRResumo.. .esumo.. .esumo.. .esumo.. .esumo.. .Florianópolis.

MUGGIATI, A 1996. Colombianos levam pescadores à miséria.FFFFFolha de S. Polha de S. Polha de S. Polha de S. Polha de S. Pauloauloauloauloaulo, São Paulo, p. 8-9, 6 out.

NIMUENDAJÚ, C. [197-?]. The TükunaThe TükunaThe TükunaThe TükunaThe Tükuna. Berkeley: University ofCalifornia, 209p.

OLIVEIRA FILHO, J. P 1977. As FAs FAs FAs FAs Facções e a Ordem Pacções e a Ordem Pacções e a Ordem Pacções e a Ordem Pacções e a Ordem Política emolítica emolítica emolítica emolítica emuma Ruma Ruma Ruma Ruma Reserva Teserva Teserva Teserva Teserva Tukunaukunaukunaukunaukuna. Dissertação (Mestrado)-UNB, Brasília.

OLIVEIRA FILHO, J. P. 1977. Os Índios Tucuna. Bol. Mus. Índio.Bol. Mus. Índio.Bol. Mus. Índio.Bol. Mus. Índio.Bol. Mus. Índio. Riode Janeiro, n. 7, dez.

OLIVEIRA FILHO, J. P. 1979. O Projeto Tükuna: Uma experiênciade ação indigenista. Bol.Bol.Bol.Bol.Bol. Mus. NacMus. NacMus. NacMus. NacMus. Nac., Rio de Janeiro, n. 34.

OLIVEIRA FILHO, J. P. 1981. A difícil etnografia de uma tribo emmudança. In: OLIVEIRA, R. C. Anuário Antropológico 79Anuário Antropológico 79Anuário Antropológico 79Anuário Antropológico 79Anuário Antropológico 79.Rio dejaneiro: Tempo Brasileiro.

OLIVEIRA FILHO, J. P. 1987. Elementos para uma Sociologia dosViajantes e O Projeto Tükuna: uma experiência de ação indigenista.In: OLIVEIRA FILHO, J. P. SociedadesSociedadesSociedadesSociedadesSociedades Indígenas &Indígenas &Indígenas &Indígenas &Indígenas & Indigenismo noIndigenismo noIndigenismo noIndigenismo noIndigenismo noBrasil.Brasil.Brasil.Brasil.Brasil. Rio de Janeiro: Marco Zero, p. 84-148.

OLIVEIRA FILHO, J. P. 1988. O Nosso GovernoO Nosso GovernoO Nosso GovernoO Nosso GovernoO Nosso Governo: os Ticuna e oregime tutelar. São Paulo: Marco Zero.

OLIVEIRA FILHO, J. P. 1992. Fazendo Etnologia com os Caboclosdo Quirino: Curt Nimuendajú e a História Ticuna. Comum. PPGASComum. PPGASComum. PPGASComum. PPGASComum. PPGAS,n.1.

OLIVEIRA FILHO, J.P. et. Al. 1974. Comunicado de Viagem aComunicado de Viagem aComunicado de Viagem aComunicado de Viagem aComunicado de Viagem aaldeamentos Tikunaaldeamentos Tikunaaldeamentos Tikunaaldeamentos Tikunaaldeamentos Tikuna. Relatório apresentado ao DepartamentoGeral de Planejamento Comunitário. Brasília: FUNAI. 40p.

OLIVEIRA FILHO, R. C. 1978. Possibilidades de uma Antropologiada Ação. In: SOCIOLSOCIOLSOCIOLSOCIOLSOCIOLOGIAOGIAOGIAOGIAOGIA do Brasil Indígenado Brasil Indígenado Brasil Indígenado Brasil Indígenado Brasil Indígena. 2. ed. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro. p.197-221.

ORO, A. P. 1978. TükunaTükunaTükunaTükunaTükuna: Vida ou morte. Porto Alegre, Vozes;São Lourenço, Escola Superior de Teologia.

PIEDRAFITA IGLESIAS, M. 1993. O Astro LO Astro LO Astro LO Astro LO Astro Luminosouminosouminosouminosouminoso: Associaçãoindígena e mobilização étnica entre os Kaxinawá do rio Jordão.Dissertação (Mestrado)-Museu nacional, Rio de Janeiro.

POSEY, D. A. 1992. Interpreting and Applying the ‘Reality ’ ofIndigenous Concepts: What Is Necessary to Learn from the Natives?In: REDFORD, K. H.; PADOCH, C. (Eds.) Conservat ion ofConservat ion ofConservat ion ofConservat ion ofConservat ion ofNeotropical ForestsNeotropical ForestsNeotropical ForestsNeotropical ForestsNeotropical Forests: working from traditional resource use. NewYork: Columbia University.

POSEY, D. A 1994. Será que o ‘cosumismo verde’ vai salvar aAmazônia e seus habitantes? In: D’INCAO, M. A ; SILVEIRA, I. M.(Orgs.) A Amazônia e a Crise A Amazônia e a Crise A Amazônia e a Crise A Amazônia e a Crise A Amazônia e a Crise da Modernizaçãoda Modernizaçãoda Modernizaçãoda Modernizaçãoda Modernização. Belém: MuseuParaense Emílio Goeldi, p. 345-360.

RATTNER, H. 1992. Tecnologia e Desenvolvimento Sustentado. In:DESENVDESENVDESENVDESENVDESENVOLOLOLOLOLVIMENTOVIMENTOVIMENTOVIMENTOVIMENTO Sustentável: um novo caminho? Belém:UFPA, NUMA, p. 13-40.

RIBEIRO, G. L. 1991. Ambientalismo e Desenvolvimento Sustentado.Nova Ideologia/Utopia do Desenvolvimento. RRRRRevevevevev. Antropol. Antropol. Antropol. Antropol. Antropol., SãoPaulo, n. 34, p. 59-101.

ROS FILHO, L. C. 1994. Financiamentos para o Meio AmbienteFinanciamentos para o Meio AmbienteFinanciamentos para o Meio AmbienteFinanciamentos para o Meio AmbienteFinanciamentos para o Meio Ambiente.Brasília: IEA,

SERÔA DA MOTTA, R.; MAY, P. H. 1994. Contabilizando o consumode capital natural. In: VVVVValorando a Natureza:alorando a Natureza:alorando a Natureza:alorando a Natureza:alorando a Natureza: Análise Econômicapara o Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: Campus.

SUDAM. 1992. P lano de Desenvo lv imento da Amazôn ia -P lano de Desenvo lv imento da Amazôn ia -P lano de Desenvo lv imento da Amazôn ia -P lano de Desenvo lv imento da Amazôn ia -P lano de Desenvo lv imento da Amazôn ia -1 9 9 2 - 1 9 9 51 9 9 2 - 1 9 9 51 9 9 2 - 1 9 9 51 9 9 2 - 1 9 9 51 9 9 2 - 1 9 9 5. Belém, 70p.

TERRA MATERRA MATERRA MATERRA MATERRA MAGÜTGÜTGÜTGÜTGÜTAAAAA::::: a luta pela demarcação das terras Ticuna do AltoSolimões. 1988. Rio de Janeiro: PETI. 112p. (Cadernos)

WAGLEY, C. 1977. Uma Comunidade AmazônicaUma Comunidade AmazônicaUma Comunidade AmazônicaUma Comunidade AmazônicaUma Comunidade Amazônica. 2 ed. SãoPaulo: Editora Nacional, 1977.

Recebido: 09/10/2000Aprovado: 18/12/2002

Page 66: Desenvolvimento Sustentado entre os Ticuna: as Escolhas e

110

Desenvolvimento sustentado entre os Ticuna: as escolhas e os rumos de um projeto