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CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS - UFRGS e UCS Disciplina: Desenvolvimento Expressivo Infanto-juvenil e Processos Educativos Professora Pesquisadora: Me. Cláudia Zamboni de Almeida – [email protected] Revisão do texto: Dra. Maria Helena Wagner Rossi – [email protected] O DESENVOLVIMENTO EXPRESSIVO INFANTO-JUVENIL 1 - primeira parte - Introdução No Brasil, as artes visuais fazem parte da educação formal desde a Educação Infantil. Isso é garantido por políticas públicas, como pode se ver na LDB nº 9394/96 2 , no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil 3 volumes I 4 , II 5 e III 6 e nos Parâmetros Curriculares Nacionais para séries iniciais 7 e séries finais 8 do ensino fundamental e para o ensino médio 9 . Toda ação educativa tem objetivos intencionados pelo educador. Sem objetivos explícitos ele não consegue justificar por que está lançando esta ou aquela proposta aos alunos, correndo o risco de transformá-la numa pura sequência de técnicas ou num mero laissez-faire (deixar fazer), o que não é desejável. E, para que o professor possa criar propostas de ensino significativas para seus alunos, ele tem que conhecer suas possibilidades na construção do conhecimento nos diversos domínios e áreas, seja nas artes ou na matemática. No caso das artes visuais, o professor deve conhecer as possibilidades da produção gráfico-plástica e da leitura estético-visual dos alunos. Em outras palavras, ele deve saber como os alunos constroem conhecimento ao produzir e ao ler arte. É necessário conhecer o desenvolvimento artístico dos alunos e também suas relações com teorias pedagógicas (que você viu na disciplina Psicologia da Educação) para compreender qual é o papel da linguagem do desenho na escola. As características do desenvolvimento artístico têm relações com o desenvolvimento cognitivo. Isso não significa, porém, que o estudante é um ser determinado a seguir linearmente estágios que se sucedem, um após o outro, da mesma maneira. O fato de haver mudanças na compreensão e na produção de arte é o que possibilita falar em processo de desenvolvimento. As classificações em estágios são propostas por teóricos que estudam como se dá esse desenvolvimento. O desenvolvimento acontece em estágios qualitativamente diferenciados, que representam complexos de reorganizações do conhecimento em cada área do conhecimento. Por isso 1 Este texto foi produzido a partir da revisão, reelaboração e ampliação do material preparado para o curso de Pedagogia, modalidade a distância da Universidade de Caxias do Sul. 2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm 3 http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/1999/pceb002_99.pdf 4 http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/rcnei_vol1.pdf 5 http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume2.pdf 6 http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume3.pdf 7 http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro06.pdf 8 http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/arte.pdf 9 http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf 1

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CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS - UFRGS e UCSDisciplina: Desenvolvimento Expressivo Infanto-juvenil e Processos EducativosProfessora Pesquisadora: Me. Cláudia Zamboni de Almeida – [email protected]ão do texto: Dra. Maria Helena Wagner Rossi – [email protected]

O DESENVOLVIMENTO EXPRESSIVO INFANTO-JUVENIL 1

- primeira parte -

Introdução

No Brasil, as artes visuais fazem parte da educação formal desde a EducaçãoInfantil. Isso é garantido por políticas públicas, como pode se ver na LDB nº 9394/962, noReferencial Curricular Nacional para a Educação Infantil 3 volumes I4, II5 e III6 e nosParâmetros Curriculares Nacionais para séries iniciais7 e séries finais8 do ensinofundamental e para o ensino médio9.

Toda ação educativa tem objetivos intencionados pelo educador. Sem objetivosexplícitos ele não consegue justificar por que está lançando esta ou aquela proposta aosalunos, correndo o risco de transformá-la numa pura sequência de técnicas ou num merolaissez-faire (deixar fazer), o que não é desejável. E, para que o professor possa criarpropostas de ensino significativas para seus alunos, ele tem que conhecer suaspossibilidades na construção do conhecimento nos diversos domínios e áreas, seja nasartes ou na matemática. No caso das artes visuais, o professor deve conhecer aspossibilidades da produção gráfico-plástica e da leitura estético-visual dos alunos. Emoutras palavras, ele deve saber como os alunos constroem conhecimento ao produzir eao ler arte.

É necessário conhecer o desenvolvimento artístico dos alunos e também suasrelações com teorias pedagógicas (que você viu na disciplina Psicologia da Educação)para compreender qual é o papel da linguagem do desenho na escola.

As características do desenvolvimento artístico têm relações com odesenvolvimento cognitivo. Isso não significa, porém, que o estudante é um serdeterminado a seguir linearmente estágios que se sucedem, um após o outro, da mesmamaneira. O fato de haver mudanças na compreensão e na produção de arte é o quepossibilita falar em processo de desenvolvimento. As classificações em estágios sãopropostas por teóricos que estudam como se dá esse desenvolvimento. Odesenvolvimento acontece em estágios qualitativamente diferenciados, que representamcomplexos de reorganizações do conhecimento em cada área do conhecimento. Por isso

1 Este texto foi produzido a partir da revisão, reelaboração e ampliação do material preparado para o cursode Pedagogia, modalidade a distância da Universidade de Caxias do Sul.2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm3 http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/1999/pceb002_99.pdf4 http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/rcnei_vol1.pdf5 http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume2.pdf6 http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume3.pdf7 http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro06.pdf8 http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/arte.pdf9 http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf

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um adolescente é capaz de ler imagens e de desenhar de modo diferente do de umacriança. Mas na arte os estágios são menos estanques e lineares do que em outrasáreas. Muitas vezes os desenhos apresentam características de mais de um estágio e,certamente, na leitura de imagens aparecem ideias de níveis de complexidadediferenciados, também. Estudaremos os estágios do desenho a partir da classificação deLuquet.

Estágios do desenho segundo Luquet

Em 1927 Georges-Henri Luquet (1876-1965) escreveu o clássico livro DesenhoInfantil, que até hoje tem inspirado estudos sobre o desenho infanto-juvenil eenriquecendo nossas experiências nesse campo. Luquet identifica quatro estágios nodesenvolvimento do desenho: realismo fortuito, incapacidade sintética, realismointelectual e realismo visual.

Primeiro estágio: realismo fortuito

Costuma-se dividir este estágio em desenho involuntário e desenho voluntário(premeditado). Mas, a rigor, Luquet considera o desenho premeditado como a primeirafase do desenho infantil. O desenho involuntário seria um jogo, como outros a que o bebêse dedica horas a fio, como empilhar coisas, levantar e baixar uma tampasucessivamente, e outras atividades que faz por puro prazer.

- Desenho involuntárioMesmo antes de completar um ano de vida, a criança já é capaz de deixar marcas

em alguma superfície. São rabiscos, também chamados de garatujas. O desenhoinvoluntário é executado, não para fazer uma imagem, mas para fazer linhas. Nessemomento a criança ainda não sabe que o desenho pode representar alguma coisa, poisnão tem ainda a capacidade simbólica ou representação10, e essa atividade motora lhe dámuito prazer. Ela se sente valorizada por ter o poder de deixar marcas, de criar algo.(LUQUET, 1981, p. 104).

Como dito acima, as características do desenvolvimento artístico têm relaçõescom o desenvolvimento cognitivo e também o motor. Por isso os rabiscos de crianças dediferentes culturas são semelhantes. O desenho da esquerda foi feito por um bebê deCaxias do Sul com pouco mais de um ano de idade e o da direita foi feito por uma criançanorte-americana de dois anos:

10 Capacidade de criar imagens mentais na ausência do objeto ou da ação.

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Nesse momento a criança movimenta o braço de maneira ampla, fazendo linhas epontos, às vezes batendo com o lápis sobre a superfície, às vezes furando o papel.

Aos poucos a criança começa a ter mais controle dos movimentos com o lápis.Então começa a traçar linhas em várias direções, principalmente na vertical e horizontal,demonstrando maior coordenação entre a atividade visual e a motora (controla o gestocoordenando-o com o olhar). Os traços podem ficar restritos a uma pequena da superfícieou dominar todo o espaço. O autor do desenho da esquerda tem dois anos e o da direitaé um norte-americano com três anos:

Com o maior controle da coordenação visual e motora, a criança começa aexperimentar movimentos circulares, que futuramente formarão os círculos fechados, que,por sua vez, permitirão a forma de uma cabeça. No início, sem levantar o lápis, a criançavai desenhando emaranhados de linhas. Mais tarde, levantando o lápis, vai fazendopequenas formas circulares, mas sem intenção de representação. Aqui há um grandeprogresso: a mudança do traço contínuo para o descontínuo, com a diminuição davelocidade dos gestos. Essa mudança pode se dar a partir dos dezoito meses, mas podeser mais tarde, dependendo das possibilidades que ela tem de explorar os materiais e deser incentivada.

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- Desenho voluntário (premeditado)Ao fazer algumas formas fechadas, ou quase, a criança se depara com reações

dos adultos, que perguntam: “Fizeste a mamãe? Estás desenhando o papai?” Mesmo quesejam apenas bolinhas, a criança vai se dando conta de que as pessoas esperam queseus “desenhos” representem algo. Isso se dá no início da construção da funçãosimbólica, que é a capacidade de substituir um objeto ou acontecimento por suarepresentação. Sobre esse momento da vida, diz Luquet: “a criança não só viu comoobservou imagens em livros, revistas ou catálogos e reconhece o que representam, pelomenos as mais simples dessas imagens; sabe, portanto, que há linhas que se parecemcom algo” (LUQUET, 1981, p. 105). E, quando seus traços produzem acidentalmente umasimilitude que a criança não havia buscado, ela fica feliz, pois conquistou uma habilidadeque atribuía apenas aos mais velhos. Gardner (1997, p. 224) diz que isso acontece entreos dois e os três anos ou no máximo aos quatro anos. Os exemplos mencionados porLuquet abarcam dos dois anos e cinco meses a três anos e meio: “Mas chega o dia emque ela encontra uma analogia de aspecto mais ou menos vago entre um de seustraçados e algum objeto real e é então que considera o traço como uma representação doobjeto e enuncia a interpretação que lhe dá” (ibid., p. 106). Neste desenho, Amy (2;1011)reconheceu a forma de um pássaro nos seus traços e então adicionou um olho e algumaspernas. (COX, 2005, p. 54):

Vê-se que o desenho voluntário inicia junto com a função simbólica. É pelacapacidade de simbolizar que a criança consegue ver no seu desenho um signo, ou seja,o desenho está no lugar de alguma coisa; representa algo.

Muitas vezes a criança anuncia o que vai desenhar: “Vou desenhar um cachorro.”Luquet chamou isso de intenção. A interpretação ocorre quando a criança dá nome aoque desenhou ou está desenhando.

Às vezes a interpretação não coincide com a intenção, pois ela muda de ideiaantes de terminar o desenho. Quando o desenho sugere outro objeto que a criança nãotinha pensado, ela pode complementar de outra forma para parecer mais ainda com esseobjeto. No desenho abaixo, Julia (3;4) anunciou que desenharia um urso. Fez a formafechada, colocou o que seriam dois olhos, mas em seguida os renomeou como orelhas.

11 Os algarismos significam a idade da criança, sendo que o primeiro representa os anos e o segundo osmeses.

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Então, disse que estava desenhando uma vaca e colocou o rabo, as patas e dois pontospara os olhos.

É o desenho com interpretação divergindo da intenção inicial. Posteriormente ainterpretação confirma a intenção, embora esse desenvolvimento não seja muito linear. Épossível também que rabiscos continuem a aparecer ao lado de figuras reconhecíveis. DizLuquet: “A passagem da produção de imagens involuntárias à execução de imagenspremeditadas se faz através de desenhos em parte involuntários e em parte deliberados”(1981, p. 108). Em outras palavras, embora o desenho voluntário já tenha se iniciado,podem se intercalar traçados sem nenhuma intenção representativa, que mesmo apóssua execução continuam destituídos de significação.

Ao redor dos três anos, surgem as figuras da irradiação, que darão origem ao“boneco-girino”, a primeira figura humana.

É nessa idade que a criança é capaz de desenhar a forma circular, a mais fácil detodas as formas fechadas. A forma quadrada surge ao redor dos quatro anos, o triânguloaos cinco e o losango apenas aos sete anos. Vê-se, assim, porque as primeirasrepresentações são de cabeças, enquanto que as representações de casas aparecemmais tarde.

As primeiras representações da figura humana aparecem neste estágio.Primeiramente aparecem os seres mais chegados à criança. Os desenhos são nomeados

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como “papai”, “mamãe” ou “mimi”, mas não há diferenças fundamentais entre essasfiguras12. São os bonecos-girino, seres sem corpos, com braços saindo da cabeça, comoeste feito por uma criança de três anos e nove meses, que representou “um homem e seucachorro”, observe que não é possível identificar qual das figuras é o cachorro:

O girino tem dois tipos básicos, como se vê nos desenhos a seguir. Pode ter acabeça grande com pernas pequenas; nesse caso, o umbigo (representando o abdômen)pode estar na cabeça, que tem a função de representar o corpo também. Os elementosdo rosto ficam bem acima da cabeça/corpo e o umbigo mais abaixo. A outra forma dogirino é com a cabeça pequena e as pernas compridas. Nesse caso, o umbigo é entre as“pernas”, que, por sua vez, têm a função de representar o corpo:

As crianças que desenham girinos (normalmente iniciando ao redor dos três anosaté perto dos cinco) sabem onde é a sua própria barriga e também são capazes dedesenhar corretamente um umbigo em uma figura humana previamente desenhada. Issonão significa que todas elas representam separadamente o torso ou o abdômen daspessoas que desenham. Elas supõem que o torso possa estar representado juntamentecom aquilo que lemos como “cabeça” e “pernas”.

Quase todas as crianças desenham bonecos-girino, no entanto há crianças quepartem diretamente das garatujas para a figura humana mais estruturada. Há também asque não fazem garatujas (assim como há as que não engatinham); outras rabiscam porpouco tempo e já começam a desenhar formas mais reconhecíveis. Por isso não cabe àescola, nem aos pais, criar expectativas a respeito da evolução do desenho das crianças.

Em síntese, o estágio do realismo fortuito se subdivide em dois momentos: noprimeiro, ligado ao período sensório-motor, que não comporta a representação, odesenho é involuntário. No segundo, já vinculado à função simbólica, o desenho já écompreendido pela criança como representando algo. Esse segundo momento é feito devárias transições, como diz Pillar:

12 O conceito de diferenciação de formas será importante para você entender as características do desenhodo próximo estágio, a incapacidade sintética, quando surgem as formas diferenciadas.

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No desenho voluntário, primeiro a criança desenha sem intenção de representaralguma coisa e, ao concluir o trabalho, interpreta-o de acordo com sua semelhança a umreferente qualquer, atribuindo-lhe o nome deste. Depois, surge a intenção, o desejoconsciente de desenhar um objeto, o qual após sua criação pode ter uma interpretaçãodiferente da intenção inicial. Por fim, a intenção de representar, coincide com ainterpretação dada ao desenho. (1996, p. 43-44).

Apesar de na teoria esse desenvolvimento parecer contínuo, na realidade asmudanças são menos lineares, isto é, a criança faz um vai e vem entre esses tipos dedesenhos.

Segundo estágio: realismo falhado (incapacidade sin tética)

Neste estágio, devido à incapacidade sintética do próprio pensamento13, a criançatem sua percepção centrada nas partes do desenho. Ela vai desenhando uma parte decada vez, enchendo o espaço de “coisas” isoladas, isto é, não formando um contexto.Pode ter pessoas, animais, árvores, flores, bonecas, carros, sóis (vários), objetosdescontextualizados, letras. Ela pode ir virando a folha ou ir movimentando o seu própriocorpo ao redor da superfície, se está desenhando deitada no chão. Então é um desenholiteralmente “sem pé nem cabeça” que ainda não considera o “acima” e o “abaixo” de umacena. É como se houvesse vários espaços (isolados) no espaço da folha: cada elemento(e seu espaço ocupado) é considerado em si, sem haver a sua organização em uma sóestrutura, totalidade ou síntese.

Conforme as crianças vão aprendendo as convenções da representaçãobidimensional, seus desenhos vão ficando mais completos e mais diferenciados. Pertodos quatro anos, o desenho começa a representar, mais explicitamente, “aspectos domundo, principalmente rostos, pessoas, prédios, animais, vegetação e transportes.”(GARDNER, 1997, p. 225). Se você pede para a criança desenhar uma fazendinha comcertos elementos, então ela faz a casa, o potreiro, os animais, a estrada, o parreiral,árvores e flores, nuvens e sol, enfim, tudo que você solicitou. No entanto, pode haveralguns cachos de uva ao lado do sol ou uma casa sobre as árvores. Isso acontece porqueela não concebe a totalidade da cena (síntese). Tais características se devem ao quePiaget definiu como uma das características do pensamento pré-operacional: a centração- fixação da atenção em um só aspecto da totalidade seja um objeto ou uma situação.

13 Para Luquet, a incapacidade sintética é a característica principal deste estágio, que coincide com operíodo pré-operatório na classificação de Piaget.

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Sobre a incapacidade sintética, Pillar (1996, p. 46) diz que

a criança está preocupada exclusivamente em representar cada um dos objetosde forma diferenciada, por isso ela não integra num conjunto coerente osdiferentes pormenores que desenha. Dá aos detalhes o grau de importância quetem para ela naquele momento, exagerando ou omitindo partes, porque considerasomente o seu ponto de vista, relacionando tudo a si.

Veja no desenho a seguir um exemplo de forma diferenciada. A criança sepreocupou em distinguir os gêneros (feminino e masculino) das pessoas, o que não faziano realismo fortuito:

No estágio da incapacidade sintética a criança começa a representargraficamente o espaço através das relações “topológicas” entre os elementos quedesenha, porém sem dominá-las (o que só vai acontecer no estágio seguinte, no realismointelectual). Piaget e Inhelder abordam esse assunto no livro A representação do espaçona criança (1993). Os autores explicam também as relações “projetivas” e as“euclidianas”, encontradas nos desenhos de adolescentes e de adultos com familiaridadecom a linguagem do desenho (como vai aparecer no realismo visual).

A diferença entre as relações topológicas14, projetivas e euclidianas é a maneirade coordenar as figuras no espaço. Na incapacidade sintética, a criança ainda estátentando coordenar as figuras no espaço da folha das maneiras mais simples: uma perto14 Para saber mais sobre esse tema consulte o texto Relações topológicas publicado no ambiente virtual deaprendizagem (AVA) da disciplina.

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de outra; uma separada de outra; uma depois da outra; uma dentro de outra. Se essasrelações não forem respeitadas, todas as figuras ficarão sobrepostas ou o que deveriaestar junto ficará separado ou fora de ordem. E não é isso que a criança quer. Por isso elavai experimentando e aprendendo a representar através das relações topológicas,embora seja frequente a negligência dessas relações. Assim encontramos elementossobrepostos (quando são separados), fora (quando são dentro), acima (quando sãoabaixo), etc. Isso porque neste estágio a criança apenas inicia a representação do espaçopelas relações topológicas, mas vai dominá-las no estágio seguinte: o realismo intelectual.

O desenho da incapacidade sintética é reconhecível também pela coordenaçãomotora da criança. A mão faz movimentos amplos e os traços ainda não mostram ocontrole motor que tem a criança das séries iniciais.

O uso da cor no estágio da incapacidade sintética não mostra critério algum, anão ser a preferência pessoal e a vontade de enfeitar o desenho. Luquet se refere a umcolorido decorativo. Ao desenhar um objeto, a criança não tem interesse em escolher umadeterminada cor por ser adequada ou porque foi convencionada. Assim aparecem árvoresvermelhas, sóis lilases, flores verdes, nuvens rosadas.

Em síntese, o estágio da incapacidade sintética é simultâneo ao pensamento pré-operatório, que determina muitas de suas características. Por isso a criança “não integranum conjunto coerente os diversos pormenores que desenha” (PILLAR, 1996, p. 44) e vaienchendo a folha de papel com tudo o que aprendeu a desenhar: animais, pessoas,casas, árvores, flores, sóis, sem se preocupar em organizar uma cena. Inicia o uso dasrelações topológicas, embora as negligencie com frequência. As formas começam a sercada vez mais diferenciadas e o uso da cor é arbitrário e decorativo, embora cada vezmais cedo se veja o uso de cores convencionadas15 neste estágio.

Referências

LUQUET, G-H. El dibujo infantil. Barcelona: Médica y Técnica, 1981.GARDNER, H. As artes e o desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 1997.COX, M. Desenho da criança. São Paulo: Martins Fontes, 2001.___. The pictorial world of the child. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.PIAGET, J.; INHELDER, B. A representação do espaço na criança. Porto Alegre: Artmed,1993.PILLAR, A. D. Desenho e escrita como sistemas de representação. Porto Alegre: Artmed,1996.

15 Cor convencionada é aquela comumente usada em uma dada cultura no estágio do realismo intelectual.Para nós, brasileiros, por exemplo, a cor convencionada para representar nuvens é azul.

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