desenvolvimento de políticas públicas lia calabre
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Desenvolvimento de Políticas Públicas Lia Calabre
Os anos Vargas
Por política pública cultural estamos considerando um conjunto ordenado e
coerente de preceitos e objetivos que orientam linhas de ações públicas mais
imediatas no campo da cultura. A concepção contemporânea do conceito de política
cultural, que passou a considerar os atores sociais como elaboradores, junto com o
Estado desses preceitos e objetivos, foi elaborada no final da década de 1970 e
início dos anos 1980.
A recuperação da política cultural, levada a cabo por um determinado
governo, ou implementada em um período da história de um país, pode ser
realizada através do mapeamento das ações do Estado no campo da cultura, ainda
que este não as tenha elaborado ou reunido como um todo coerente, como uma
política determinada. No Brasil a relação entre o Estado e a cultura tem uma longa
história. Entretanto a elaboração de políticas para o setor, ou seja, a preocupação na
preparação e realização de ações de maior alcance, com um caráter perene, datam
do século XX. 1 Diversos estudiosos tomam a década de 1930, como o momento
inaugurador das políticas culturais no Brasil
No caso do Estado brasileiro, sobressaem alguns momentos nos quais foi
dedicada uma atenção maior à área da cultura. Nesta disciplina serão destacadas
ações do período primeiro governo Vargas (1930-1945), na área federal e em São
Paulo; de parte da gestão do Presidente Médici e do governo Geisel (ditadura
militar); no governo do Presidente Sarney, no governo Collor e no governo Lula. O
período Vargas é o de estruturação formal da área da cultura. Nos governos
militares, especialmente no dos presidentes Médici e Geisel, ocorre um intenso
processo de renovação da ação pública no campo da cultura. Já no caso do governo
Collor, o movimento é contrário, com um saldo da intervenção governamental na
1 Foi a partir da década de 1930 que Estado brasileiro passou por um processo de reforma administrativa quando se buscou implantar políticas governamentais específicas e com alcance nacional para uma série de setores. No recenseamento de 1940, por exemplo, a cultura mereceu a publicação de um volume específico, com considerações sobre as diversas áreas de abrangência.
área cultural absolutamente devastador. Por sua vez, o governo Lula é o primeiro
momento em que no Brasil se estruturam políticas culturais em um ambiente
democrático.
A área federal de cultura e a experiência de São Paulo
A elaboração do que se pode chamar de políticas culturais governamentais,
no Brasil, teve início durante o primeiro governo Vargas. Foi o tempo da construção
de instituições voltadas para setores onde o Estado ainda não atuava. Em 1930,
Getúlio Vargas criou o Ministério da Educação e Saúde - MES, inicialmente sob a
chefia de Francisco Campos que, em 1934, foi substituído por Gustavo Capanema,
tendo este último permanecido à frente do órgão até 1945. Foram colaboradores do
Ministro Capanema, intelectuais como: Carlos Drummond de Andrade, Mário de
Andrade, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Anísio Teixeira, Fernando Azevedo,
Heitor Villa-Lobos, Manoel Bandeira, entre outros. A gestão Capanema foi marcada
por um processo de construção institucional do campo da cultura.
O maior exemplo é o do campo da preservação do patrimônio material com a
fundação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Tivemos
ainda a regulação do emprego de parte da produção cinematográfica com a criação
do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), ou a ampliação do mercado
editorial com a formação do Instituto Nacional do Livro (INL). No volume sobre a
Cultura Brasileira, publicado junto com o Recenseamento Geral do Brasil de 1940, o
governo registrava também a intenção de criar um órgão de pesquisa estatística
específico para as áreas de educação e cultura, além de promover várias
transformações no Serviço Nacional de Estatística que, em 1934, se transformou em
Instituto Nacional de Estatística.2 A área da cultura estava sob os cuidados do
Ministério da Educação e Saúde (MES) e recebeu uma atenção especial na gestão
do ministro Gustavo Capanema (1934-1945).
Uma outra área também merecedora de atenção especial do governo Vargas
foi a da radiodifusão. A primeira emissora de rádio brasileira foi ao ar em 1923, mas
a legislação específica sobre transmissões radiofônicas somente foi promulgada em
1932. O decreto-lei n° 21.111 regulamentou o setor de radiodifusão, normatizando,
inclusive, questões como a veiculação de publicidade, formação de técnicos,
potência de equipamentos, entre outras.3
Departamento de Cultura de São Paulo
A primeira experiência efetiva de gestão pública implementada, no país no
campo da cultura, com a criação de um órgão específico para a cultura, não ocorreu
no nível federal de governo, e sim em São Paulo, com a criação de Departamento
de Cultura e Recreação da Cidade, em 1935. A proposta era inovadora e dialogava
com muitas das ideias presentes nas discussões dos grupos modernistas. Segundo
Antônio Cândido o projeto paulista era não apenas de “rotinização da cultura, mas a
tentativa consciente de arrancá-la dos grupos privilegiados para transformá-la em
fator de humanização”.(CÂNDIDO. 1977. p. XIV)
A direção do Departamento de Cultura ficou a cargo de Mário de Andrade
(que acumulava também a chefia da Divisão de Expansão Cultural), à qual ficariam
subordinados os serviços de teatro, cinema, rádio-escola e discoteca pública
municipal. No decreto original existiam ainda mais três divisões: a de Educação e
Recreios, aos cuidados de Nicanor Miranda e que era responsável pelos parques
2 Sobre o serviço de estatística ver: Recenseamento Geral do Brasil. Série Nacional. v 1.Rio de Janeiro: Comissão Censitária Nacional, 1943. p. 422-424. 3 CALABRE, Lia. Políticas públicas culturais de 1924 a 1945: o rádio em destaque. Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n. 31p. 161-181 , 2003.
infantis, campo de atletismo, estádio e piscina; a de Bibliotecas, sob a direção de
Rubens Borba de Moraes, responsável pelas bibliotecas municipais, biblioteca
infantil, biblioteca brasiliana e bibliotecas circulantes; e a de Documentação Histórica
e Social, sob os cuidados de Sérgio Milliet e que era responsável pela
documentação histórica, documentação social, revista do arquivo municipal, seção
gráfica e Museu Histórico da Cidade de São Paulo. (BARBATO. 2004. p. 30)
As atividades das divisões do Departamento estavam todas articuladas entre
si, buscando potencializar os resultados obtidos, através da criação de políticas
públicas para a área da cultura. Podemos ter como exemplo a área das bibliotecas
na qual ocorreu um investimento na qualificação dos profissionais – com a criação
de um curso para a formação de bibliotecários. Novas bibliotecas iam sendo criadas,
os acervos das antigas, atualizados, ao mesmo tempo em que ocorriam concursos
públicos de literatura, inclusive com publicações como forma de premiação, para
divulgação e estímulo da produção local. O projeto previa a existência da biblioteca
pública municipal, das bibliotecas infantis, das bibliotecas circulantes (instaladas em
um caminhão que estacionava a cada dia em uma praça diferente da cidade) e das
bibliotecas populares. Ou seja, os projetos abrangiam os diversos setores, fazeres e
segmentos de uma determinada área.
O Departamento de Cultura de São Paulo funcionou sob a direção de Mário
de Andrade de 1935 a 1938. Entre as atribuições do Departamento estavam as de:
1. Estimular e desenvolver todas as iniciativas destinadas a favorecer o
movimento educacional, artístico e cultural;
2. promover e organizar espetáculos de arte e cooperar em um conjunto
sistemático de medidas, para o desenvolvimento da arte dramática, e, em geral, da
música, do canto, do teatro e do cinema;
3. por ao alcance de todos, pelos serviços de uma estação radiodifusora,
palestras e cursos populares de organização literária ou científica, cursos de
conferências universitárias, sessões literárias e artísticas, enfim, tudo o que possa
contribuir para o aperfeiçoamento e extensão da cultura
4. criar e organizar bibliotecas públicas, de forma a contribuir eficazmente
para a difusão da cultura em todas as camadas da população;
5. organizar, instalar e dirigir parques infantis, campos de atletismo, piscina e
o estádio da cidade de São Paulo, para certames esportivos nacionais ou
internacionais;
6. fiscalizar todas as instituições recreativas e os divertimentos públicos, de
caráter permanente ou transitório, que forem estabelecidos no município;
7. recolher, colecionar, restaurar e publicar documentos antigos, material e
dados históricos e sociais, que facilitem as pesquisas e estudos sobre a cidade de
São Paulo, suas instituições e organizações em todos os domínios da atividade.
Entre 1945 e 1964, o grande desenvolvimento na área cultural se deu no
campo da iniciativa privada. O Estado não promoveu, nesse período, ações diretas
de grande vulto no campo da cultura. Em 1953, o Ministério da Educação e Saúde
foi desmembrado, surgindo os Ministérios da Saúde (MS) e o da Educação e Cultura
(MEC). Este é o momento do crescimento e da consolidação dos meios de
comunicação de massa − o rádio e a televisão. O fim da Segunda Guerra Mundial,
em 1945, permitiu o retorno da produção de aparelhos de rádio e de equipamentos
de transmissão. Ainda na década de 1940, o número de emissoras de rádio cresceu
na ordem de 100%.4 Na década de 1950 a televisão chegava ao Brasil. No campo
da produção artística em geral, surgiam grupos que propunham a utilização de
novas linguagens. Entre os movimentos que se destacaram temos o Cinema Novo,
a Bossa Nova, o Violão de Rua, o Grupo Oficina, os trabalhos de Lígia Clarck e Hélio
Oiticica, entre vários outros.
4 Segundo os dados publicados nos Anuários Estatísticos do IBGE, entre os anos de 1940 e 1944 foram inauguradas 39 novas emissoras de rádio e no período de 1945 a 1949 foram 79 novas emissoras.
Política Cultural nos tempos da ditadura militar
A partir de 1964, com o início do governo militar os rumos da produção
cultural são alterados, enquanto, por um lado, o Estado foi retomando o projeto de
uma maior institucionalização do campo da produção artístico-cultural, de outro, o
país passa a viver um período de repressão e censura que resultou no
desmantelamento da grande maioria dos projetos culturais em curso.
Durante a presidência de Castelo Branco (1964-1967), surgiu, nos quadros do
governo, a discussão sobre a necessidade da elaboração efetiva de uma política
nacional de cultura. Em meados de 1966, foi formada uma comissão para estudar a
reformulação do Conselho Nacional de Cultura (criado em 1962) de maneira a dotá-
lo de estrutura que o possibilitasse assumir o papel de elaborador de uma política
cultural de alcance nacional. (Calabre. 2006)
Em novembro de 1966, foi criado o Conselho Federal de Cultura - CFC,
composto por 24 membros indicados pelo Presidente da República. Alguns planos
de cultura foram apresentados ao governo, em 1968, 1969 e 1973, mas nenhum
deles foi integralmente posto em prática. A questão central dos planos era a da
recuperação das instituições nacionais – tais como a Biblioteca Nacional, o Museu
Nacional de Belas Artes, o Instituto Nacional do Livro, etc – de maneira que
pudessem passar a exercer o papel de construtores de políticas nacionais para suas
respectivas áreas. O CFC tinha a atribuição de analisar os pedidos de verba ao MEC
instituindo uma política de apoio a uma série de ações, papel exercido efetivamente
até 1974. Durante muito tempo a estrutura do Ministério esteve toda voltada para a
área de educação. O Departamento de Assuntos Culturais - DAC, dentro do MEC,
foi criado somente em 1970, através do Decreto 66.967 e a Secretaria de Cultura em
finais dos anos 1970.
No final governo do Presidente Médici (1969-1974), durante a gestão do
ministro Jarbas Passarinho (1969-1973), foi elaborado o Plano de Ação Cultural
(PAC), apresentado pela imprensa da época como um projeto de financiamento de
eventos culturais. O PAC abrangia o setor de patrimônio, as atividades artísticas e
culturais, prevendo ainda a capacitação de pessoal. Ocorria, então, um processo de
fortalecimento do papel da área da cultura.5 Lançado em agosto de 1973, o Plano
teve como meta a implementação de um ativo calendário de eventos culturais
patrocinados pelo Estado, com espetáculos nas áreas de música, teatro, circo,
folclore e cinema com circulação pelas diversas regiões do país, ou seja uma
atuação no campo da promoção e difusão de atividades artístico-culturais.
A gestão do ministro Ney Braga, durante o governo Geisel (1974-1978), foi
um período de efetivo fortalecimento da área da cultura, com a criação de órgãos
estatais que passaram atuar em novas áreas, tais como: o Conselho Nacional de
Direito Autoral (CNDA), o Conselho Nacional de Cinema, a Campanha de Defesa do
Folclore Brasileiro e a Fundação Nacional de Arte (FUNARTE). Ocorreu ainda a
reformulação da Embrafilme, que havia sido criada em 1969
Para o sociólogo Sérgio Miceli deve se destacar o fato de o ministro Ney
Braga:
... inserir o domínio da cultura entre as metas da política de
desenvolvimento social do governo Geisel. Foi a única vez na história
republicana que o governo formalizou um conjunto de diretrizes para
orientar suas atividades na área da cultura, prevendo ainda
modalidades de colaboração entre os órgãos federais e de outros
ministérios, como por exemplo, o Arquivo Nacional do Ministério da
Justiça e o Departamento Cultural do Ministério das Relações
Exteriores, com secretarias estaduais e municipais de cultura,
5 Os recursos financeiros do PAC vinham do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
universidades, fundações culturais e instituições privadas.(MIceli, 1984,
p. 57) 6
Miceli está fazendo referência a Política Nacional de Cultura (PNC),
elaborada no final de 1975 e oficialmente lançado em janeiro de 1976. A ideia
central do PNC era a da organização de um sistema que pudesse coordenar a ação
dos vários organismos no campo da cultura, valorizando a produção cultural
nacional e dialogando com a Política Nacional de Educação. A FUNARTE foi criada
para ser um dos órgãos executores dessas novas diretrizes políticas do governo.
Em julho de 1976, em Salvador, ocorreu o Encontro Nacional de Cultura
reunindo os Conselhos e Secretarias de cultura de todo o país, do qual participava
também o conjunto dos órgãos da área de cultura governamental – tais como a TVE,
FUNARTE, o Arquivo Nacional, o MOBRAL, entre outros – , além do Itamaraty e da
UNESCO. O objetivo do encontro era plantar as bases para a implementação de
uma “política integrada de cultura” entre os diversos níveis de governo. A agenda do
encontro foi organizada em torno de 14 temas, entre eles: a legislação e a cultura; a
defesa do patrimônio cultural, sistema nacional de arquivos, sistema nacional de
bibliotecas, sistema nacional de museus históricos e a integração regional da cultura.
7 Podemos perceber que muitas das questões que hoje estão colocadas em pauta
como a da busca de uma maior institucionalidade para a cultura no campo das
políticas públicas, com a construção de sistemas setoriais de cultura, políticas,
conselhos, já vinham sendo discutidas na década de 1970. O elemento diferenciador
é que o país viva sob um regime ditatorial, sem espaço para experiências
participativas, no qual o conceito de cultura ainda estava muito próximo do campo do
saber culto, erudito e escolarizado.
Nesse mesmo período tinha início, fora do âmbito do MEC, um projeto que
resultou na criação do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC). O Ministério
6 Hoje temos o Plano Nacional de Cultura, como documento norteador das políticas culturais até 2020. 7 Boletim do Conselho Federal de Cultura. MEC, julho/1976 Ano 6 , nº 23.
da Indústria e Comércio e o governo do Distrito Federal firmaram um convênio
prevendo a formação de um grupo de trabalho, sob a direção de Aloísio Magalhães,
para estudar alguns aspectos e especificidades da cultura e do produto cultural
brasileiro. Os principais objetivos do projeto eram o de propiciar o desenvolvimento
econômico, a preservação cultural e a criação de uma identidade cultural para os
produtos brasileiros. Em 1976 o projeto foi definitivamente oficializado através de um
convênio entre a Secretaria de Planejamento, o Ministério das Relações Exteriores,
o Ministério da Indústria e do Comércio, a Universidade de Brasília e a Fundação
Cultural do Distrito Federal. Em 1979, Aloísio criou, no âmbito do MEC a Fundação
Nacional Pró-Memória, ampliando o trabalho do CNRC. (Magalhães. 1997)
No final da década de 1970 temos mais um momento destacado no processo
de redirecionamento da política do Ministério. O Departamento de Assuntos
Culturais foi substituído pela Secretaria de Assuntos Culturais, mais que uma
simples troca de títulos ocorreu uma clara divisão da atuação em duas vertentes
distintas dentro de uma mesma secretaria: uma vertente patrimonial 8 e outra de
produção, circulação e consumo da cultura. O papel da Secretaria ficava mais
fortalecido dentro do MEC. Em 1981, Aloísio Magalhães assumiu a direção da
secretaria que passou a se chamar Secretaria de Cultura, sendo formada por duas
subsecretarias: a de Assuntos Culturais - ligada a Funarte e a de Patrimônio ligada
ao Iphan e a Fundação Pró-Memória. (Botelho. 2000)
O processo de institucionalização do campo da cultura dentro das áreas de
atuação de governo ocorrido na década de 1970 não ficou restrito ao nível federal.
Nesse mesmo período o número de secretarias de cultura e de conselhos de cultura
de estados e municípios também cresceu. 9 Em 1976, ocorreu o primeiro encontro
de Secretários Estaduais de Cultura, que pode ser tomado como o embrião para a
8 Definida por Aloísio Magalhães como aquela que está “preocupada em saber guardar o já cristalizado de nossa cultura, buscando identificar esse patrimônio, recupera-lo, preserva-lo, revitalizá-lo, reverenciá-lo e devolvê-lo a comunidade a que pertença”. (Magalhães, 1997. p.144) 9 As primeiras secretarias e conselhos de cultura datam da década de 1960.
criação do fórum de secretários de cultura, que muito contribuiu para fortalecer a
ideia da criação de um ministério independente, de um ministério para a cultura.
Tempos de Leis de Incentivos
Em 1985, durante o governo do Presidente José Sarney, foi criado o
Ministério da Cultura. Dentro dos órgãos que compunham a Secretaria de Cultura a
maioria era de opinião de que mais valia uma secretaria forte que um ministério
fraco. Um dos maiores defensores dessa ideia havia sido Aloísio Magalhães,
falecido em 1982. Logo de início o Ministério enfrentou muitos problemas, tanto de
ordem financeira como administrativa, confirmando a tese de que a separação
significaria enfraquecimento. Faltava pessoal para cuidar do conjunto de atribuições
que cabem a um Ministério, recursos financeiros para a manutenção dos programas
existentes e até mesmo espaço físico para a acomodação da nova estrutura.
Ocorreu também um processo de substituição contínua na chefia da pasta. José
Aparecido de Oliveira foi nomeado Ministro da Cultura, logo substituído por Aluísio
Pimenta, que por sua vez passou o cargo, em 1986, para Celso Furtado.
Na tentativa de criar novas fontes de recursos para impulsionar o campo de
produção artístico-cultural foi promulgada a primeira lei de incentivos fiscais para a
cultura. A Lei n° 7.505, de 02 de junho de 1986, que ficou conhecida como Lei
Sarney. O objetivo era o de buscar superar as dificuldades financeiras que o campo
da administração pública federal da cultura sempre enfrentou. O novo mecanismo
gerou uma série de problemas, mas é considerado por muitos como uma iniciativa
fundamental, que alavancou alguns segmentos da área da cultura.
Em 1990, sob o governo de Fernando Collor, o Ministério da Cultura foi
extinto junto com diversos de seus órgãos.10 A estrutura do Minc que naquele
momento era insuficiente, ficou em situação insustentável. Muitos dos funcionários
dos órgãos extintos foram colocados em disponibilidade. Diversos projetos e
programas foram suspensos. A Lei Sarney também foi revogada. Entre março de
1990 e dezembro de 1991, o governo federal não realizou investimentos na área da
cultura. A retirada do governo federal de cena faz com que uma maior parte das
atividades culturais passassem a ser mantidas pelos estados e municípios que
criaram as primeiras leis de incentivo à cultura municipais (como a Lei Mendonça em
São Paulo, ou a Rubem Braga em Vitória).11
Em 23 de dezembro de 1991, foi promulgada a Lei° 8.313, que instituiu o
Programa Nacional de Apoio à Cultura. A nova lei, que ficou conhecida como Lei
Rouanet, era um aprimoramento da Lei Sarney e começou, lentamente, a injetar
novos recursos financeiros no setor através do mecanismo de renúncia fiscal.
Em 1992, sob o governo de Itamar Franco, o Ministério da Cultura foi recriado
e, a partir daí, também algumas de suas instituições como a FUNARTE. Em
seguida, em 1993, foi criada uma lei de incentivo específica para a área do
audiovisual, com foco especial no cinema, ampliando os percentuais de renúncia a
serem aplicados. Tinha início o processo da conformação de uma nova política, mais
voltada para as leis de mercado, na qual o Ministério tinha cada vez menos poder de
interferência.
A gestão do Ministro Francisco Weffort, sob a presidência de Fernando
Henrique Cardoso, foi o momento da consagração desse novo modelo que transferiu
10 Foram extintos: a Fundação Nacional de Artes Cênicas – FUNDACEN; a Fundação do cinema Brasileiro; a EMBRAFILME; a Fundação Nacional Pró-leitura, o Conselho Federal de Cultura o Conselho Consultivo do Sphan. A Fundação Pró-Memória e o SPHAN foram transformados em Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural e a FUNARTE em Instituto Brasileiro de arte e Cultura – IBAC. 11 A Constituição de 1988 forneceu aos municípios uma maior autonomia, delegando aos mesmos algumas responsabilidades. Essa nova conjuntura política contribuiu para a ampliação da ação dos governos locais sobre as atividades culturais.
para a iniciativa privada, através da lei de incentivo, o poder de decisão sobre o que
deveria ou não receber recursos públicos incentivados. Ao longo da gestão Weffort,
a Lei Rouanet se tornou um importante instrumento de marketing cultural das
empresas patrocinadoras. A Lei foi sofrendo algumas alterações que foram
subvertendo o projeto inicial de conseguir a parceira da iniciativa privada em
investimentos na área da cultura. As alterações ampliaram um mecanismo de
exceção, o do abatimento de 100% do capital investido pelo patrocinador. Em
síntese isso significa que o capital investido pela empresa, que gera um retorno de
marketing, é todo constituído por dinheiro público, aquele que seria pago de
impostos. O resultado final é o da aplicação de recursos que eram públicos a partir
de uma lógica do investidor do setor privado. Esta passou a ser a política cultural do
Ministério na gestão Weffort.
O resultado de todo esse processo foi o de uma enorme concentração na
aplicação dos recursos. Um pequeno grupo de produtores e artistas renomados são
os que mais facilmente conseguem obter patrocínio. Por outro lado grande parte
desse patrocínio se mantém concentrado nas capitais da região sudeste. As áreas
que fornecem aos seus patrocinadores pouco retorno de marketing são preteridas,
criando também um processo de investimento desigual entre as diversas áreas
artístico-culturais, mesmo nos grandes centros urbanos. Essa foi a conjuntura
herdada pelo Ministro Gilberto Gil, no governo do Presidente Lula.
O século XXI – novas perspectivas
Em 2003, ao iniciar o governo Lula, o Ministério da Cultura passou por uma
forte reformulação. O órgão mantinha, até então, sua estrutura ordenada pela lógica
da lei de incentivo, ou seja, possuía secretarias que correspondiam às áreas
abrangidas pelas leis, tais como: Secretaria da Música, Secretaria do Patrimônio,
Secretaria do Livro e Leitura, etc. A primeira preocupação demonstrada pela nova
equipe foi com o papel político do Ministério. Na nova estrutura implantada em 2003,
foram criadas a Secretaria de Articulação Institucional (SAI), de Políticas Culturais
(SPC), da Identidade e Diversidade (SID), do Audiovisual (SAV), de Programa e
Projetos Culturais (SPPC) e de Fomento e Incentivo à Cultura (SEFIC). Esta última
dedicada aos mecanismos de financiamento da Lei Rouanet (tanto a parte
conhecida como mecenato como o Fundo Nacional de Cultura).
Dentro do processo de reestruturação ministerial, a Agencia Nacional do
Cinema – ANCINE, (criada em 2001) vinculada ao Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comercio Exterior, foi transferida para o MINC, em outubro de 2003. O
projeto do Ministério era o de transformá-la em Agência Nacional de Cinema e
Audiovisual – ANCINAV, que teria como objetivo tratar da questão dos conteúdos
brasileiro também nas TVs abertas, por assinatura e na internet, estabelecendo
mecanismos de estímulo e proteção a produção audiovisual brasileira. A proposta
nem chegou a ser levada ao congresso, recebeu muitas críticas de produtores e
personalidades da área da cultura, gerando uma enorme polêmica na imprensa e
terminou sendo retirada de pauta.
Dentro do movimento de reformulação das ações e políticas do MINC, logo no
primeiro ano de governo, foi colocada a problemática da reformulação da Lei
Rouanet. Eram constantes as críticas ao mecanismo. Visando a coletar subsídios
para a reformulação da Lei, o MINC lançou uma ampla consulta pública através dos
seminários “Cultura para todos” que percorreu os estados do Rio de Janeiro, São
Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pará e Pernambuco, além de ter realizado
encontros setorizados com os Secretários de Cultura estaduais e municipais; com
os investidores privados e fundações; investidores estatais; e, pessoas físicas. Os
participantes dos seminários tinham duas perguntas a responder: 1- Quais são os
principais entraves para o acesso ao financiamento público federal da cultura (Lei
Rouanet e Lei do Audiovisual); e, 2- Que mecanismos devem ser adotados para
garantir a transparência, a democratização e a descentralização do financiamento
público da cultura?. A avaliação mais geral foi a de que o mecanismo necessitava
ser reformulado sim, porém, havia uma série de problemas que poderiam ser
solucionados através de portarias ministeriais, divulgação mais sistemática da lei e
capacitação de produtores e de gestores nas mais diversas regiões do país. Uma
outra conclusão foi a da importância do mecanismo dentro de determinadas áreas
da produção cultural, o que apontaria para a necessidade de que o projeto de
reformulação fosse realizado de maneira a não paralisar os processos em curso. Ao
longo da primeira gestão do Ministro Gil algumas medidas foram tomadas para
buscar diminuir o processo de concentração regional e setorial, além da busca de
tornar mais democráticos e transparente os canais de acesso aos recursos. Uma
delas foi a de incentivar a utilização de editais nos processos de seleção de projetos,
tanto internos, quanto por intermédio dos maiores investidores na Lei, como é o caso
da Petrobrás. A reforma da Lei entretanto não ocorreu.
Outra ação de destaque dentro da gestão do Ministro Gil foi a realização em
2005, da 1ª Conferência Nacional de Cultura que constituiu uma inovação no campo
da participação social mais ampla. As conferências municipais, estaduais e
interestaduais possibilitaram, em todas as regiões do país, a instalação de diferentes
espaços, de reflexão, debate sobre a situação da cultura no Brasil, avaliando
perspectivas, levantando possibilidades de avanço e propondo novas formas de
atuação. Formalmente a CNC foi uma das etapas do processo de elaboração do
Plano Nacional de Cultura, que foi instituído através da Emenda Constitucional n° 48
de 1º de agosto de 2005. A CNC coletou propostas de diretrizes para a elaboração
do Plano. Segundo o previsto na Emenda Constitucional, o Plano Nacional de
Cultura deve conduzir à: defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;
produção, promoção e difusão de bens culturais; formação de pessoal qualificado
para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; democratização do acesso
aos bens da cultura; e, valorização da diversidade étnica e regional. O Plano
Nacional de Cultura e o Sistema Nacional de cultura, serão objeto de uma aula
específica mais à frente.
Reativado através do Decreto nº 5.520/2005, o Conselho Nacional de Política
Cultural - CNPC, pertencente à estrutura do Ministério da Cultura, sendo composto
paritariamente por representantes de vários ministérios, dos Estados, Municípios e
dos mais diversos setores da sociedade civil.
Em 2004, por meio da Portaria Ministerial nº 156, o MINC criou o Programa
Cultura Viva que envolve cinco ações: Pontos de Cultura, Agentes Cultura Viva,
Cultura Digital, Escola Viva e Griôs-Mestres dos Saberes. O programa tem como
objetivo principal a promoção do acesso aos meios de fruição, produção e difusão
cultural, dentro de uma prática de cooperação social. O público alvo do Programa
composto por segmentos e grupos que tradicionalmente na acessavam recurso
públicos. Com seleções são feitas por meio de editais públicos, o programa alcançou
larga repercussão, entretanto necessita construir os instrumentos legais que lhe
atribuam um caráter mais perene e que sejam mais adequados a natureza das
atividades desenvolvidas e dos públicos atingidos. Ao longo da sua implementação
surgiram inúmeros problemas relativos as normas legais que regem os repasses de
recursos públicos a instituições da sociedade civil.
Na área da produção de informações que subsidiam as políticas, o Ministério
assinou um acordo de parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -
IBGE, em 17 de dezembro de 2004, que gerou diversos resultados. O primeiro deles
foi a inclusão de um bloco referente à cultura na Pesquisa de Informações Básicas
Municipais de 2005 e, em 2006, da realização de um suplemento de cultura na
mesma pesquisa, que percorre todos os municípios brasileiros. As informações são
elementos primordiais para a elaboração de políticas públicas. No caso da cultura, o
país sofria do problema da inexistência de informações de tal natureza. Para além
da complexidade conceitual relativa ao mundo da cultura, são necessários dados,
informações e estatísticas que permitam conhecer a situação atual. Essas
informações são fundamentais para a produção e o acompanhamento das políticas
culturais – assim como das ações e projetos. Um outro trabalho que o IBGE está
realizando é o da construção de um sistema de Informações e Indicadores Culturais
a partir da sistematização das informações sobre a cultura existentes nas pesquisas
sociais e econômicas do IBGE
Nos muitos discursos em que o ministro Gilberto Gil apresentou a política do
MinC, ele destacou três desafios como os centrais para MinC em sua gestão:
retomar o papel constitucional de órgão formulador, executor e articulador de uma
política cultural para o país; completar a reforma administrativa e a capacitação
institucional para operar a política; obter os recursos indispensáveis à
implementação da política. Podemos afirmar que o primeiro deles foi plenamente
cumprido, o segundo quase todo cumprido, mas o terceiro, o da obtenção dos
recursos indispensáveis ainda encontra muitas dificuldades para se efetivar.