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820 DESENVOLVIMENTISMO NO BRASIL: REFLEXÕES SOBRE A ATUAÇÃO DO ESTADO Brazil Developmentalism: reflections on the state’s role Marielle Jacinta Pereira Costa Universidade Federal de Alfenas-UNIFAL; [email protected] RESUMO O desenvolvimentismoem que a indústria é imprescindível, proposto pelo modelo Furtadianoe nas teses do modelo Cepalino, alcançou um ápice até a década de 1970, mas aparentemente vemperdendo força na América Latina. Isso ocorreu substancialmente com a implantação de políticas neoliberais, principalmente a partir dos anos 1990 e com proposta de crescimento econômico que foi depois se constituindo. Neste sentido, o Brasil experimenta uma fase de de- sindustrialização, um dos efeitos disso tange o desempenho da indústria na estrutura produtiva. Ainda assim, com as sucessivas crises econômicas do capitalismo global o modelo extrativista/ agrário-exportador não sustenta longos ciclos de desenvolvimento, principalmente com a osci- lação dos preços das commoditiesagrícolase com as consequências de um modelo predatório, que beneficiam o capital internacional, mas atende precariamente as demandas sociais. Consi- derando essas nuances, o presente trabalho se propõe a refletir sobre os caminhos adotados pelo desenvolvimentismo no contexto brasileiro. Para tal reflexão o trabalho discorre sobre o papel que industrialização teve na atuação do Estado desenvolvimentista e se propõe a tratar sobre o papel do Estado enquanto indutor do desenvolvimento em dois modelos de administração pública que são denominados como modelos gerencial e societal (PAES DE PAULA, 2005). Das análises sobre a implantação desses modelos, das suas continuidades e descontinuidades o trabalho verifica que os dois modelos estão em xeque, mas, conclui-se que nos caminhos que se sucedem não houve um completo rompimento e de estruturas econômicas e sociais anteriores. A ação Estatal que apontaram, desta forma, para um neodesenvolvimentismo. No contexto po- lítico, ainda em curso, um caminho aponta para propor alternativas ao desenvolvimento. Palavras-Chave: Desenvolvimentismo, Brasil, Atuação Estatal, Desenvolvimento. INTRODUÇÃO No que diz respeito ao desenvolvimento nacional, verifica-se que ao longo dos anos de 1960,a Teoria Cepalina desenvolvida ainda em 1950, ganha destaque ao analisar o subde-

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DESENVOLVIMENTISMO NO BRASIL: REFLEXÕES SOBRE A ATUAÇÃO DO ESTADO

Brazil Developmentalism: refl ections on the state’s role

Marielle Jacinta Pereira CostaUniversidade Federal de Alfenas-UNIFAL; [email protected]

RESUMOO desenvolvimentismoem que a indústria é imprescindível, proposto pelo modelo Furtadianoe nas teses do modelo Cepalino, alcançou um ápice até a década de 1970, mas aparentemente vemperdendo força na América Latina. Isso ocorreu substancialmente com a implantação de políticas neoliberais, principalmente a partir dos anos 1990 e com proposta de crescimento econômico que foi depois se constituindo. Neste sentido, o Brasil experimenta uma fase de de-sindustrialização, um dos efeitos disso tange o desempenho da indústria na estrutura produtiva. Ainda assim, com as sucessivas crises econômicas do capitalismo global o modelo extrativista/agrário-exportador não sustenta longos ciclos de desenvolvimento, principalmente com a osci-lação dos preços das commoditiesagrícolase com as consequências de um modelo predatório, que benefi ciam o capital internacional, mas atende precariamente as demandas sociais. Consi-derando essas nuances, o presente trabalho se propõe a refl etir sobre os caminhos adotados pelo desenvolvimentismo no contexto brasileiro. Para tal refl exão o trabalho discorre sobre o papel que industrialização teve na atuação do Estado desenvolvimentista e se propõe a tratar sobre o papel do Estado enquanto indutor do desenvolvimento em dois modelos de administração pública que são denominados como modelos gerencial e societal (PAES DE PAULA, 2005). Das análises sobre a implantação desses modelos, das suas continuidades e descontinuidades o trabalho verifi ca que os dois modelos estão em xeque, mas, conclui-se que nos caminhos que se sucedem não houve um completo rompimento e de estruturas econômicas e sociais anteriores. A ação Estatal que apontaram, desta forma, para um neodesenvolvimentismo. No contexto po-lítico, ainda em curso, um caminho aponta para propor alternativas ao desenvolvimento.

Palavras-Chave: Desenvolvimentismo, Brasil, Atuação Estatal, Desenvolvimento.

INTRODUÇÃO

No que diz respeito ao desenvolvimento nacional, verifi ca-se que ao longo dos anos de 1960,a Teoria Cepalina desenvolvida ainda em 1950, ganha destaque ao analisar o subde-

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senvolvimento no caso latino-americano por meio de duas perspectivas: aquela que parte da especialização primário-exportadora sobre o conjunto da economia periférica, a que trouxe a visão da industrialização como propulsora do crescimento,e aquela que considera que os ritmos desiguais de incremento de progresso técnico/produtividade seriam necessariamente limitados entre centro e periferia e tendenciosamente iriam ocasionar a deterioração dos termos de troca.

A teoria que defendia o subdesenvolvimento como etapa de Rostow (1974), como tantas outras teorias, talvez não tenha sido capaz de explicar a realidade latino-americana, ou não se converteu em alternativas para que essa parte do continente pudesse retomar o crescimento e assim superar o subdesenvolvimento como proposto. No entanto, ela deu suporte a uma saída relativamente mais rápida apresentada aos países da América Latina, que foi a busca pela in-dustrialização, principalmente no início do século XX, mais propriamente a partir da década de 1930 e com maior força em 1950.

Na teoria Cepalina se encaixam os teóricos da corrente estruturalista, uma corrente de orientação crítica que teve Furtado, Prebisch e outros autores integrantes da Comissão Econô-mica para a América Latina (CEPAL). Nela o desenvolvimento implica mudanças de estruturas econômicas, sociais, políticas e institucionais, aumento da produtividade e de renda média da população.Em seu método destaca a interdependência entre os setores produtivos e a neces-sidade de aperfeiçoamento dessas estruturas, afi m de, eliminar os pontos que estrangulem o desenvolvimento (SOUZA, 2012).

A dependência econômica ao qual foram submetidas as nações latino-americanas, den-tre as quais o Brasil, se estabeleceu com o colonialismo mas se mantém no período pós-colonial nos modelos de desenvolvimento, com base na ação estatal.

Diante disso, as refl exõespropostas neste trabalho, partem do período em que o de-senvolvimentismopassa a ser defendido por meio da industrialização com forte participação estatal, posteriormente, será analisado o papel do Estado nos ciclos que se sucederam.Esses modelos, suas continuidade e descontinuidades.

DESENVOLVIMENTISMO NO BRASIL: INCENTIVO À INDUSTRIALIZAÇÃO E A PARTICIPAÇÃO DO ESTADO

Para discutir sobre o desenvolvimentismo,este trabalho irá considerar a infl uência que a ênfase na industrialização teve no Brasil, como em outras nações latino-americanas, onde se implantou um modelo que defendia industrialização como primordial para o desenvolvimen-

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to econômico. Considera-se que desse modelo emergiu do desenvolvimentismo. Bielchowsky (2011, p. 15) defi ne o desenvolvimentismo no Brasil de acordo com dois períodos: “Até 1980: projeto de industrialização integral como via de superação do subdesenvolvimento, conduzido pelo Estado. Depois de 1980: a) antineoliberalismo; e b) ensaios sobre estratégias e políticas nas novas condições institucionais e macroeconômicas”.

O desenvolvimentismo, que já se estabelecia no período entre as grandes guerras mun-diais. Trazia de acordo com Pereira (2011, p. 2) algumas ideias,

as ideias-força do desenvolvimentismo eram: 1) a industrialização é a via da supera-ção da pobreza e do subdesenvolvimento; 2) um país não consegue industrializar-se só através dos impulsos do mercado, sendo necessária a intervenção do Estado (in-tervencionismo); 3) o planejamento estatal é que deve defi nir a expansão desejada dos setores econômicos e os instrumentos necessários; 4) a participação do Estado na economia é benéfi ca, captando recursos e investindo onde o investimento privado for insufi ciente.

Portanto, das ideias que guiavam o desenvolvimentismo, a que discute a industriali-zação como via para superar a pobreza e subdesenvolvimento, apresenta relações com a visão histórico-estruturalista, na qual o desenvolvimento se opera de forma distinta nas nações, não necessariamente por uma série de etapas. Nela se considera as etapas do desenvolvimento da atividade industrial nos diferentes contextos regionais dos países desenvolvidos e subdesenvol-vidos, desde a produção para a subsistência até condições para a produção de bens de produ-ção. No fi nal da década de 1940, no que se refere à explicação do subdesenvolvimento latino-americano, a Comissão Econômica Para América Latina e Caribe (CEPAL), trouxe a discussão de algumas teses que tentavam explicar o atraso e dependência das economias da América Latina em relação às economias desenvolvidas. As teses da CEPAL, de acordo com Pereira (2011), traziam as seguintes razões para o subdesenvolvimento:1

os efeitos da divisão internacional do trabalho e do progresso técnico ocorriam de modo a) desigual entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos;os termos de troca seriam deteriorados, o que contestaria as ideias de David Ricardo b) sobre as vantagens comparativas;a infl ação seria um fenômeno estrutural e não conjuntural;c) o desemprego nos países latino-americanos era uma tendência provocada pela depen-d)

1 Possíveis origens do subdesenvolvimento como a questão das instituições são encontradas em Acemoglu, Johnson e Robinson (2001). “The Colonial Origins of Comparative Development: An Empirical Investigation” American Economic Review 91, n.5, p.1369-1401.

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dência do progresso técnico e baixa disponibilidade de capital, fatores dominados pelos países desenvolvidos;

As alternativas para a superação desta realidade, ainda segundo a CEPAL, passariam pelas seguintes premissas:

considerando o desequilíbrio que os países latino-americanos possuíam em relação às a) exportações, havia necessidade de importar ainda produtos industrializados;a industrialização seria o principal caminho apontado para o desenvolvimento, para b) tanto, seria necessária à satisfação do mercado interno por meio da substituição das importações de maneira a aumentar a produção nos setores industriais;a aposta no Planejamento Estatal para o melhor aproveitamento das economias subde-c) senvolvidas, por meio, por exemplo, de subsídios para aumentar a produtividade.

A intervenção estatal, na visão da CEPAL, seria necessária como forma de implementar diferentes propostas para superar o modelo agrícola e primário, como mostrado nas teses, isso ocorreria por vias da industrialização. Consequentemente houve forte infl uência do pensamento desenvolvimentista da CEPAL no período de maior industrializaçãobrasileira. Como aponta Nery (2004, p. 36),

o período compreendido entre 1930-45 foi o de origem do “desenvolvimentismo” no Brasil, quando a nova elite técnica, civil e militar que se instalava nas novas institui-ções criadas pelo Estado centralizador pós-30, começava a se conscientizar sobre os problemas da industrialização. As ideias da CEPAL iriam infl uenciar esta corrente ideológica, sobretudo em questões relacionadas com a industrialização, o planejamen-to e o papel do Estado.

A substituição das importações foi o modelo defendido pela CEPAL e se estabeleceu “começando pela produção de bens de consumo tradicionais que exigem tecnologia simples e pouco capital, avançando posteriormente para a produção de bens de consumo duráveis e bens de capital”. (PEREIRA, 2011, p. 125).No modelo em questão, a produção para o abastecimento interno é defendida em relação à pauta das exportações. O processo de substituição das importações fora considerado por Furtado (2009) como um processo comum de desenvolvimento do núcleo industrial, induzida de modo principal por condições externas e não quando os processos produtivos são inovados. Isso se daria da seguin-te forma: “O núcleo industrial ligado ao mercado interno se desenvolve através de um processo de substituição de manufaturas antes importadas, vale dizer, em condições de permanente con-corrência com produtores forâneos” (FURTADO, 2009, p. 171). No Brasil, a transição da pauta das exportações primárias para o modelo de substitui-ção das importações ocorreu após num momento em que a conjuntura internacional do período

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entre guerras favoreceu à queda no abastecimento interno dos países envolvidos. Ao mesmo tempo, o Brasil promovia as exportações de produtos primários e até mesmo de semimanufatu-rados como o algodão e manufaturados como tecidos aos Estados Unidos. Essa conjuntura per-mitiu um equilíbrio temporário na balança comercial, ainda que esse período tenha reforçado o papel do Brasil como exportador de produtos primários (PRADO JÚNIOR, 2004).

No período da substituição das importações, para superar esse modelo primário,se estabeleceu a indústria de base, indústria extrativa e posteriormente outros tipos. Ainda que a indústria não fosse inexistente no país antes início do século XX,2 esse modelo representou um passo importante para o desenvolvimento industrial que iria se aprofundar nas décadas seguin-tes. Vale ressaltar que as políticas governamentais no período até 1930, ainda que de modo tímido, incentivaram a industrialização. Isso não signifi caria que a indução ao desenvolvimento industrial foi exatamente promovida pelo governo. De acordo com Pereira (2011, p. 132):

O fato de que as políticas governamentais não tenham sido anti-industrialistas antes da década de 1930 não signifi ca que tenham sido industrialistas. A partir daí, existe quase um consenso de que o Estado passou a estimular o desenvolvimento de indús-trias específi cas por causa da escassez de insumos e matérias-primas básicas, embora não houvesse ainda uma posição política favorável à industrialização em geral. De fato, isso só viria a ocorrer após o fi nal da Segunda Guerra Mundial.

Houve, portanto, um aumento do estímulo à industrialização no Brasil nos anos de go-verno do presidente Getúlio Vargas, após a eleição em 1951, em um momento em que os gran-des exportadores mundiais estavam assolados em crises após confl itos mundiais. Porém, esse incentivo se reverteu em programas de fomento à atividade industrial e não em uma intrínseca política industrial. De acordo com Prado Junior (2004, p. 308):

Em vez de se aproveitar a ocasião para marchar no sentido de uma remodelação pro-funda e de base da economia brasileira, única maneira de assegurar um desenvolvi-mento sólido e de reais perspectivas, preferiu-se assentar o projetado desenvolvimen-to industrial nos fundamentos precários de uma conjuntura apenas momentaneamente favorável e prenhe de incertezas.Não somente se apostava na eventualidade de uma guerra (o que já por si constituía sério erro, pois essa eventualidade poderia ter e teria certamente consequências das mais graves para o país), como ainda não se procurou pautar o projetado desenvolvimento industrial por um plano de conjunto em que se previsse cuidadosamente o aproveitamento máximo de recursos disponíveis [...].

Enquanto crescia a intervenção estatal para promoção da industrialização na América Latina e no Brasil, com o modelo de substituição das importações, a visão do Estado como

2 A indústria têxtil como pioneira devido à matéria prima e mão de obra barata e abundante, número de in-dústrias, setores onde estavam distribuídas bem como seu desenvolvimento antes de 1930 podem ser encontradas na obra de PRADO JUNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2004, p.257-269.

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promotor da industrialização trouxe a ideia de desenvolvimentismo nacionalista, isso ocorreu, segundo Furtado (2013, p. 215), por que:

A industrialização, que na segunda metade do século XIX faz brotar toda uma conste-lação de centros econômicos autônomos. A partir desse momento a concepção de de-senvolvimento refere-se explicitamente a ideia de interesse nacional. Os indicadores da atividade na indústria básica (produção de ferro, de aço, de ácido sulfúrico etc.), assim como os da exportação de manufaturas, seriam utilizados para medir o grau de desenvolvimento de um país. O enfoque globalizante dos processos econômicos, que corresponde à preeminência do Estado como agente propulsor e orientador das ativi-dades econômicas e árbitro dos confl itos de classe na defi nição do interesse nacional, marcaria profundamente a visão subsequente do desenvolvimento.

A ação governamental em torno de políticas econômicas levadas a efeito no Brasil, de acordo com Furtado, ocorreu de modo a proteger alguns setores econômicos. Para isso fez uso de ações de controle das taxas de câmbio como forma de combater o aumento de preços, favore-cendo o investimento e importação de bens de produção, já que o ambiente internacional estava favorável à compra de equipamentos. Essa prática cambial foi pensada como uma política para favorecer o setor industrial. Para demonstrar esse fenômeno, Furtado (2005, p. 220) argumenta que “a política cambial, baixando relativamente os preços dos equipamentos e assegurando proteção contra concorrentes externos, criou a possibilidade de que esse enorme aumento de produtividade econômica fosse em grande parte capitalizado no setor industrial”. Desta forma, optou-se por favorecer o setor industrial, mas o aprofundamento de crises cíclicas nos anos seguintes à crise de 1929 e às crises mundiais, principalmente nos anos após 1990 a industrialização foi perdendo participação e intervenção governamental e atualmente a atividade industrial passa por crise recente. Analisando dados do período 2012-2017 o Boletim do Observatório da Indústria nº1 (2017, p. 18) aponta que: “É evidente a generalização da crise no setor industrial brasileiro, pois todas as atividades industriais apresentaram desempenho negativo no acumulado até o início de 2017.”. Assim, o ideário desenvolvimentista proposto pela CEPAL foi base do desenvolvi-mentismo no Brasil, no entanto, a forte intervenção estatal como propulsora dos ganhos de produtividade e competitividade da indústria nacional foi perdendo força, principalmente com as privatizações e desinvestimentos na indústria nacional fortalecidos com o avanço do neoli-beralismo. Mas, mesmo com os governos que se sucederam os ânimos nas políticas públicas voltadas para ganhos de produtividade e competitividade da indústria nacionaltambém se per-deram, de forma que a avança a marcha da desindustrialização. O desenvolvimentismo por vias de industrialização, portanto, vem mostrando um enfraquecimento. Portanto, após essa apresentação das ideias que fundamentaram o desenvolvimentis-

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mo no Brasil serão discutidas as características dois ciclos aqui denominados como gerencial e societal.

O ESTADO DESENVOLVIMENTISTA NOS MODELOS GERENCIAL E SOCIETAL

No ideário de intervenção Estatal no setor industrial, como os presentes nas teses da CEPAL se percebe a defesa do desenvolvimento nacional com aporte Estatal. Esse pensamento se arrastouentre operíodo de 1930 a 1964 em que a presença do Estado no desenvolvimentis-mo brasileiro foi especialmente forte. Nesse movimento nacional- desenvolvimentista Bielcho-wsky (2011, p. 16) discute que,

O Estado planejou o processo, e esse planejamento defi niu a expansão desejada dos setores econômicos e os instrumentos dessa promoção. O Estado, nesse caso, coorde-nou a execução de políticas econômicas, captou os recursos, fez investimentos diretos como agente produtivo naqueles setores em que a iniciativa privada se recusava a entrar, por não representar atratividade.

Na trajetória do planejamento estatal no Brasil, percebe-se que alguns setores espe-cífi cos, dentro da lógica pública ou privada, foram sempre sendo privilegiados. Assim, essas atividades iam se determinando ou sendo determinados pelas chamadas vocações ou potenciali-dades. Sobre essa forma de se direcionar a ação Estatal,Shishito (2008 p. 7), observa que “para que o Estado possa efetivamente agir no processo de desenvolvimento é indispensável que haja um conhecimento aprofundado das potencialidades do país, ou seja, uma visão de conjunto do processo econômico para que seja elaborado um planejamento”. Ainda que não seja proposta exclusivamente pelo setor público, a ideia de planejamen-to traz uma abordagem intervencionista do Estado. Ele tende a se fazer um agente de interven-ção, haja vista que a opção por planejar não deixa de ser uma opção política, que se propõe a atingir objetivos de grupos específi cos. A própria ideia de planejamento nasceu em um contex-to intervencionista, como aponta Mindlin Lafer (1975, p. 12):

Nos países capitalistas, a ideia de planejamento surgiu diante da necessidade premen-te de atingir certos objetivos econômicos e sociais. Tornou-se claro que o simples jogo das forças de mercado, com pequena intervenção do Estado, era incapaz de levar aos resultados desejados pela sociedade.

Diante dessa necessidade, o Estado passa a intervir não somente na elaboração de um planejamento governamental. Intervém também ao elaborar seus planos e organizar suas fun-ções administrativas que nas sociedades capitalistas tem, entre outros objetivos, infl uenciar as forças de mercado, preços e recursos.

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No entanto, no contexto internacional após 1970 a derrocada do modelo fordista-key-nesiano alterou a dinâmica de poder entre os Estados-nações e do sistema fi nanceiro, forças que sempre se confrontam. Harvey (2010, p. 156) nos lembra que “é verdade que o equilíbrio entre o poder fi nanceiro e o poder do Estado sob o capitalismo sempre fora delicado, mas o colapso do fordismo-keynesianismo sem dúvida signifi cou fazer o prato da balança pender para o forta-lecimento do capital fi nanceiro.” No Brasilo modelo nacional-desenvolvimentista entrou em crise e com as críticas ao patrimonialismo e autoritarismo ao qual se caracterizou o Estado, o modelo de gestão gerencial e societal buscavam superar esse modelo e apontar outras estratégias de gestão. (PAES DE PAULA, 2005). O modelo gerencial se instaurou na América Latina após o Consenso de Washington em1989 e foi proposto e posteriormente imposto por meio de medidas neoliberais já no início da década de 1990. De acordo com Klachko; Arkonada(2017, p. 45):

A rigor, a década de 1990 iniciou com uma renovada ofensiva neoliberal que gerou fortes fl uxos da luta de massas, e que se desenvolveu como ofensiva econômica (pri-vatizações, cortes orçamentários para Educação, Saúde, Moradia e políticas sociais, fl exibilização do trabalho, regulamentação econômica em favor dos segmentos mais concentrados), ideológico-cultural (discurso do fi m das ideologias e da história- da luta de classes - frente à queda da URSS e do Muro de Berlim, individualismo) e política (reformas estatais neoliberais, retirada do Estado de suas funções sociais até o nível do desamparo social e submissão aos centros fi nanceiros internacionais.).

Do ponto de vista político, as reformas estatais neoliberais3, que estavam associadas ao que determinava o Consenso de Washington, e previam uma redutiva participação do Esta-do por meio de um alinhamento aos centros fi nanceiros privados e privatizações das empresas públicas se instalaram no Brasil por meio da administração pública gerencial. O modelo gerencialista se fortaleceu entre 1990-2002, durante o governo do Presi-dente Fernando Henrique Cardoso. Tal governo, de acordo com Paes de Paula (2005, p. 38) utilizando as seguintes estratégias “a estratégia de desenvolvimento dependente e associado; as estratégias neoliberais de estabilização econômica; e as estratégias administrativas dominantes no cenário das reformas orientadas para o mercado.”. Na estratégia do desenvolvimento dependente-associado, o desenvolvimentismo per-3 Não faremos um debate sobre a doutrina neoliberal, mas ressaltar nela a oposição ao Estado Interven-cionista e a contrariedade dada pelos seus defensores ao planejamento Estatal. Conforme Harvey (2008, p. 30): “a doutrina neoliberal opunha-se profundamente às teorias do Estado Intervencionista, como as de John Maynard Keynes, que alcançaram a proeminência nos anos 1930 em resposta à Grande Depressão. (...) Os neoliberais se mostravam ainda mais fortemente contrários à teorias do planejamento estatal centralizado com as propostas de Oscar Lange, mais próximo da tradição marxista.”

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de o caráter intrinsecamente industrial e abre espaço para a conjugação entre capital nacional privado, capital internacional e o Estado.A internacionalização da economia por meio dessa abertura ao capital privado iria promover um novo ciclo de desenvolvimento. Esse modelo que previa uma internacionalização estatal reascendeu a dependência da economia brasileira, o endividamento, a superexploração do trabalho, um subatendimento de demandas como saúde e educação, o papel da economia exportadora, que se mostrava industrializada ainda de forma dependente para atender aos interesses do capital internacional. (STÉDILE; TRANSPARINI, 2011) O outro modelo, denominado por (PAES DE PAULA, 2005) como de gestão societal, esteve mais voltado para as necessidades e participações sociais. O modelo societal emergiu a partir de 2003 e teve seu ciclo durante os ciclo Lulopetista, iniciado com o governo do Presi-dente Luís Inácio Lula da Silva e encerrado em cenário de Golpeà então presidenta Dilma Vana Rousseff em 2016. Os aspetos que se diferenciam o modelo de gestão societal do modelo gerencial. Um de vertente sociopolítica, e outro voltado para a estrutura e efi ciência. Para Paes de Paula (2005, p. 40). A transição se deu, porque,

De acordo com a nossa análise, ao longo dos anos 1990 essas experiências alternativas se manifestaram de forma fragmentada, demandando uma amarração a um projeto político mais abrangente para o Estado e a sociedade, que contemplasse os seguintes elementos: a) um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil que enfrentasse a crise do nacionaldesenvolvimentismo; b) uma proposta de reorganização para o apa-relho de Estado; e, c) uma visão de gestão pública alternativa ao gerencialismo.

Embora assumisse um caráter antineoliberal, no Brasil, a ação estatal se operou em paralelo com as estruturas de poder já existentes, em linhas gerais, tanto do ponto de vista eco-nômico: junto ao capital fi nanceiro internacional e com alianças empresariais; quanto política: setores conservadores e de orientação de centro. Assim, as grandes estruturas de poder não foram alteradas, bem como, demandas sociais, tais como: a redistribuição de terras, a reversão da hegemonia do capital fi nanceiro especulativo, a democratização dos meios de comunicação. (SADER, 2016) Mesmo com a participação popular no nível das instituições, as estruturas sociais e econômicas não foram modifi cadas. Portanto, além dos fatores anteriormente mencionados, e um Estado que também assume um caráter internacionalizado. Assim como as políticas antineoliberais dos governos progressistas de outros países da América Latina, ainda que redistribuitivas, as políticas implantadas no Brasil demonstraram

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uma integração ao mercado internacional que fomenta um modelo de commodities que ainda se fundamenta no modelo agrário- exportador, extrativista e de uma indústria exploratória da natureza. (BRAND, 2016) Prevalece na lógica estatal de períodos anteriores, ações que não possibilitam recons-truir um projeto completo, pois, as intervenções estatais, para fi ns de desenvolvimento, conti-nuam se operando por meio de políticas públicas que não partem de projetos populares e autô-nomos. Assim, mesmo com ganhos econômicos permanece a dependência à estruturas estatais internacionalizantes.

Esse novo modelo de desenvolvimento, proposto pelo modelo societal, como não mar-cou necessariamente um rompimento com o neoliberalismo implantado no modelo gerencialis-ta, ainda que com políticas públicas redistributivas e sociais se caracterizaram por um modelo neodesenvolviementista. Para a ideia de desenvolvimento Bresser-Pereiraexplica que a está ligada a ideia de progresso, mas nem sempre esse progresso ocorre de modo a satisfazer as necessidades hu-manas. Na defesa dessa perspectiva, ele afi rma que “que faz sentido não é a distinção entre desenvolvimento econômico e crescimento econômico, mas entre crescimento econômico (ou desenvolvimento econômico), por um lado, e desenvolvimento humano ou progresso, por ou-tro”. (BRESSER-PEREIRA, 2014, p. 24). Portanto, a corrente neodesenvolvimentista considera também fatores de ordem social. Bresser-Pereira (2014, p. 23), afi rma que “Alguns economistas exigem mais do que a simples mudança estrutural e melhoria dos padrões de vida para caracterizar o desenvolvimento econô-mico; exigem ainda que a desigualdade diminua, mas essa visão também não tem muito senti-do”. Outras questões estão em curso, pois os caminhos tomados pelo desenvolvimentismo-aprofundam a dependência econômica, desindustrialização, e a reprimarização das commodi-ties. Uma vez que o desenvolvimentismo se estabeleceu no contexto do capitalismo. Outros fatores de ordem democrática importantes de serem resolvidos emergem desde o desenvolvimentismo Cepalino. Conforme Stédile; Transparini (2011, p. 2014) “Desenvolvi-mento e dependência, tanto para a Cepal quanto para a teoria da dependência, eram questões ligadas à elevação do nível de vida das maiorias, à defesa da democracia e das liberdades cida-dãs e à luta pela soberania nacional”. Observando esses fatores que confrontam com nosso modelo político, pós-golpe, em que o neoliberalismo sofre desgaste, mas ressurge mesmo nas políticas se propunham antine-oliberais. A ação Estatal precisa ser reconfi gurar na construção de um novo projeto com auto-

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nomia estatal e popular que possa não só caminhar no compasso de modelos anteriores. Em um horizonte ainda tão incerto o que propõe é a construção de alternativas ao desenvolvimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O breve aporte teórico, apresentado neste trabalho serviu de base para o entendimento da realidade brasileira quanto ao desenvolvimentismo e o planejamento Estatal. Foram apre-sentadas as características daintervenção estatal estabelecidas após a década de 1930, por meio de planos setoriais que tiveram como foco principal o setor industrial, e nele se estabeleceu o desenvolvimentismo. Assim, nas análises de teóricos como Furtado (2009), e da teoria Cepalina a capa-cidade produtiva da indústria seria o motor do desenvolvimento, tal como ocorreu até 1970. Verifi camos que o esgotamento desse ideário desenvolvimentista perdurou até 1990, em que as políticas neoliberais do modelo gerencial orientaram a gestão gerencialista, que reconfi gurou as orientações para o desenvolvimento brasileiro. Na comparação entre esse modelo e o modelo societal cabe refl etir sobre as continui-dades em relação ao Estado internacionalista, inclusive no que se refere ao neoliberalismo, que fora apenas, contornado e não superado, bem como, do desenvolvimentismo que se reconfi gura em neodesenvolvimentismo, ainda que se enalteçam os ganhos sociais e de participação popu-lar. Para o Brasil, no contexto latino-americano agora com as fragilidades democráticas de um contexto pós-golpe, os desafi os são da ordem de superar os problemas anteriores, retomar o desenvolvimento, reduzir a dependência econômica ou, que seja, construir alternativas ao desenvolvimento.

REFERÊNCIAS

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