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    DESENVOLVIMENTO HUMANO Captulo 6

    1 PRIMEIRA SEMANA

    1.1 Clivagem

    O zigoto, durante o seu transporte pela tuba uterina em direo ao tero, sofre a clivagem, que consiste em mitoses sucessivas, sem aumento de volume (Figuras 6.1 e 6.2A-E).

    Nos mamferos, comparando-se com outros animais, a clivagem um processo lento, levando praticamente um dia para cada diviso mittica: tem-se um embrio de duas clulas no primeiro dia aps a fertilizao, de quatro clulas no segundo dia, de seis a 12 clulas no terceiro, de 16 clulas no quarto e de 32 clulas no quinto dia (Figura 6.1).

    Os blastmeros de mamferos no se dividem todos ao mesmo tempo, sendo frequente o nmero mpar de clulas no embrio.

    O embrio at o estgio de oito clulas apresenta desenvolvimento regulado, isto , mesmo que alguma clula seja perdida, o embrio progride normalmente, porque as demais contm as informaes necessrias para formar todas as estruturas.

    Entretanto, a partir desse estgio, h uma expresso gentica diferenciada, e as clulas, conforme a sua posio, tero destinos diferentes. Assim, se alguma clula for perdida, o desenvolvimento no ser normal. Ento, aps o estgio de oito clulas, o desenvolvimento em mosaico.

    Devido quantidade limitada de ribossomos e RNA armazenados durante a oognese, o embrio precisa de seus prprios produtos gnicos logo no incio da clivagem. Se a transcrio de RNAm fosse inibida no zigoto de camundongo, o desenvolvimento seria interrompido no estgio de duas clulas, enquanto, em embries de anfbios, um tratamento similar somente o perturbaria no fim da clivagem.

    No h uma transio brusca entre a dependncia das substncias armazenadas e o incio da transcrio do genoma embrionrio. Por exemplo, isoformas da -glicuronidase e 2-microglobulina, que so transcritos do material gentico de origem paterna, aparecem muito cedo no embrio, enquanto os RNAm para actina e histona acumulados na oognese ainda esto sendo usados.

    Figura 6.1 - Representao do transporte do embrio pela tuba uterina e da sua implantao no tero.

    E. Leite e T. Montanari

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    No estgio de oito clulas, formam-se junes gap, que permitem a comunicao entre as clulas, junes de adeso, que as unem e, entre os blastmeros externos, junes de ocluso, tornando-os polarizados.

    A superfcie apical das clulas fica voltada para o exterior, e a basal, para o interior. Cria-se, em consequncia, uma polaridade interno-externa, j que os blastmeros da superfcie e aqueles internos recebem estmulos diferentes e originaro linhagens celulares distintas.

    O embrio de 16 clulas parecido com uma amora e designado mrula (do latim morus, amora) (Figuras 6.1 e 6.2C). Com a aderncia promovida pelas junes de adeso, os blastmeros externos no so mais identificados individualmente quando vistos da superfcie: um processo denominado compactao (Figura 6.2D).

    No embrio com 32 clulas, os blastmeros secretam fluido para os espaos dentro do embrio. O lquido concentra-se em uma cavidade, a blastocele, e o embrio chamado de blastocisto (Figuras 6.1 e 6.2E).

    A formao da blastocele depende da existncia das junes gap e das junes de ocluso. Se o estabelecimento das junes comunicantes for inibido, no haver blastocele. O acmulo de lquido deve-se ao transporte passivo de gua que acompanha o transporte de Na+ pelos canais de Na+ e pelas protenas transportadoras de Na+/glicose e de Na+/H+ da superfcie apical e pelas Na+/K+-ATPases situadas na superfcie basolateral dos blastmeros externos. As junes de ocluso impedem o retorno do fluido.

    O blastocisto consiste em uma camada superficial, o trofoblasto (ou trofoectoderma), e em um pequeno grupo interno de clulas, o embrioblasto (ou massa celular interna) (Figura 6.2E). A massa celular interna separada da blastocele por processos celulares que se estendem do trofoblasto.

    O trofoblasto deriva parte da placenta (throfe, em grego, significa nutrio), e o embrioblasto origina o embrio propriamente dito e alguns anexos embrionrios.

    Como os produtos da transcrio so importantes para o desenvolvimento, os embries haploides geralmente morrem durante a clivagem ou logo aps a implantao. Entretanto o controle do incio do desenvolvimento envolve mais do que a presena de um conjunto diploide de cromossomos. O material gentico de origem materna possui qualidade diferente daquele paterno. Essas

    informaes so impressas nas clulas germinativas pelo ambiente diverso das gnadas.

    O imprinting paterno desliga alguns genes responsveis pelo desenvolvimento do embrio propriamente dito, e o imprinting materno suprime a expresso de genes implicados na formao de estruturas extraembrionrias, como a placenta.

    Em experimentos com ocitos de camundongos recm-fertilizados, foi observado que, quando o proncleo masculino era substitudo por um feminino, resultando em um zigoto com dois proncleos femininos, era gerado um embrio normal, com placenta e saco vitelino rudimentares, enquanto, quando o proncleo feminino era trocado por um masculino, tendo-se um zigoto com dois proncleos masculinos, era produzido um embrio atrofiado, com placenta e saco vitelino normais.

    Um exemplo de imprinting paterno no ser humano a mola hidatiforme que se caracteriza pela proliferao excessiva de tecidos trofoblsticos e ausncia (mola completa) ou subdesenvolvimento do embrio (mola parcial). As vilosidades corinicas no so vascularizadas e possuem um aspecto intumescido, por isso a denominao hidatiforme (do grego hydatos, gota dgua).

    A mola hidatiforme completa ocorre devido entrada de dois espermatozoides em um ocito que perdeu o seu ncleo ou duplicao do proncleo masculino no ocito sem ncleo. Na mola parcial, o ocito inseminado por dois espermatozoides ou por um espermatozoide diploide, mas como o ncleo do ocito permanece, o embrio triploide.

    Molas completas geralmente terminam em aborto no incio da gestao, enquanto, nas molas parciais, o aborto ocorre no segundo trimestre.

    Restos de tecido trofoblstico da mola parcial, aps o aborto ou a curetagem, podem gerar um tumor benigno, em uma condio conhecida como doena trofoblstica persistente. Restos da mola completa formam um tumor maligno, invasivo: o coriocarcinoma.

    Tanto na mola hidatiforme como no coriocarcinoma, h secreo de altos nveis de hCG (gonadotrofina corinica humana).

    2 SEGUNDA SEMANA

    2.1 Implantao

    A primeira etapa da implantao o hatching (ecloso), que consiste na ruptura da zona pelcida por enzimas digestivas, permitindo a sada do blastocisto (Figuras 6.1 e 6.2F).

    As etapas seguintes so: aposio, adeso e invaso.

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    Figura 6.2 - Ocito (A), embrio de duas clulas (B), mrula (C), mrula compactada (D), blastocisto (E) e blastocisto sofrendo hatching (F), obtidos pela lavagem com salina (flushing) dos cornos uterinos de camundonga e fotografados ao microscpio de luz. No blastocisto, so indicados o trofoblasto (T) e o embrioblasto (E).

    O blastocisto encosta no epitlio uterino pelo polo embrionrio (aquele com o embrioblasto). A partir dessa regio do trofoblasto, pela fuso de clulas, surge uma massa celular multinucleada, o sinciciotrofoblasto (Figuras 6.1 e 6.3). As clulas mais internas que permanecem uninucleadas constituem o citotrofoblasto.

    O sinciciotrofoblasto e o citotrofoblasto secretam hCG, que, alm de manter a atividade do corpo lteo, contribui para o sucesso da implantao e da diferenciao do trofoblasto. No fim da segunda semana, os nveis desse hormnio so suficientes para o teste de gravidez ser positivo.

    Figura 6.3 - Fotomicrografia do tero de camundonga, onde observados, na luz, um embrio em estgio inicial, ainda em clivagem (trs ncleos so vistos) e o sinciciotrofoblasto (S) de outro embrio implantando no endomtrio.

    A aposio e a adeso so promovidas pela interdigitao dos microvilos do trofoblasto/ sinciciotrofoblasto e do epitlio uterino, pela formao de complexos juncionais entre eles e por interaes entre receptores celulares (por exemplo, as integrinas) e componentes da matriz extracelular.

    As clulas epiteliais sofrem apoptose. O dano do tecido uterino estimula a sntese de prostaglandinas, que aumentam a permeabilidade vascular e, em consequncia, h edema do estroma, recrutamento de leuccitos e produo de citocinas.

    Na invaso, o sinciciotrofoblasto penetra o endomtrio com suas projees e enzimas que degradam a matriz extracelular. Em roedores, foi observado que o trofoblasto produz espcies reativas de oxignio, como perxido de hidrognio (H2O2) e radicais livres de oxignio. Essas substncias inviabilizam as clulas endometriais ao redor, as quais podem ser fagocitadas pelo sinciciotrofoblasto.

    O trofoblasto humano extremamente invasivo: atravessa o endomtrio, atingindo glndulas e vasos sanguneos, e alcana o tero interno do miomtrio. O sangue materno extravasa para dentro de lacunas do sinciciotrofoblasto.

    O endomtrio est na fase secretora, e o embrio capta as substncias produzidas pelas glndulas, como o glicognio. A fagocitose de clulas endometriais e de eritrcitos tambm contribui para a sua nutrio.

    C D

    E F

    A B

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    Durante a invaso, o trofoblasto produz proteinases, como a gelatinase B (ou metaloproteinase-9 da matriz), que degradam a matriz extracelular. Ele ainda modifica a expresso de integrinas para favorecer a adeso. Inicialmente sintetizada a integrina 64, receptor para a laminina da lmina basal do epitlio uterino. Depois expressa integrina 51, receptor para a fibronectina do tecido conjuntivo, e posteriormente integrina 11, receptor para a laminina e para o colgeno do tipo IV da lmina basal dos vasos sanguneos.

    Na pr-eclmpsia, as clulas trofoblsticas tm suas propriedades invasivas alteradas: no produzem gelatinase B, mantm a expresso de 51 e no expressam a integrina 11. A invaso superficial, resultando em uma pobre perfuso sangunea da placenta. No final do segundo trimestre ou no terceiro trimestre, a gestante apresenta presso sangunea aumentada, disfuno renal e edema. O impacto sobre o feto provoca frequentemente retardo do crescimento intrauterino e mortalidade perinatal.

    A pr-eclmpsia afeta 7 a 10% das gestaes, sendo mais comum na primeira gravidez.

    Com a implantao, o endomtrio sofre a reao decidual. Os fibroblastos diferenciam-se nas clulas deciduais. Tornam-se poliploides, com grande capacidade de sntese e acumulam glicognio e lipdios (a serem consumidos pelo embrio). Adquirem uma forma polidrica, estabelecem comunicao atravs de junes gap e, pelo surgimento de junes de adeso, as clulas deciduais ficam justapostas, circundando o embrio.

    A reao decidual restringe a invaso do trofoblasto e cria uma barreira inicial passagem de macromolculas, inclusive IgG, e de clulas, como micro-organismos, macrfagos e vrios tipos de linfcitos, protegendo o embrio de infeces e contra a rejeio pelo organismo materno.

    O trofoblasto tambm tem um papel nessa proteo imunolgica, porque suas clulas praticamente no so antignicas. Expressam antgenos do complexo de histocompatibilidade (major histocompatibility complex - MHC) da classe I e no os da classe II, que so geralmente utilizados pelas clulas de defesa para distinguir antgenos self de nonself. No expressam molculas MHC da classe Ia comuns em outros tipos celulares, como HLA (antgenos dos leuccitos humanos)-A, B e C, mas sim uma molcula da classe Ib, especfica do trofoblasto: HLA-G, que, ao se ligar aos linfcitos T killer (ou citotxicos), tem um efeito inibitrio e impede a destruio das clulas fetais.

    H ainda anticorpos maternos que revestem os antgenos MHC de origem paterna, evitando a resposta imune celular.

    A resposta imunolgica tambm suprimida pelas interleucinas secretadas pelo trofoblasto e pelos leuccitos

    que infiltram o estroma endometrial e por vrios hormnios, como a progesterona, o estrgeno, a prolactina e o lactognio placentrio humano.

    O epitlio do endomtrio est reconstitudo no 12 dia, cobrindo totalmente o embrio. Ento o embrio humano no se desenvolve na luz do tero, mas sim dentro da sua parede.

    Geralmente a implantao acontece na parede posterior do tero. No entanto, se for muito prximo ao canal cervical (placenta prvia), exige repouso da gestante, porque a separao prematura da placenta causa hemorragia e morte do feto por falta de oxigenao.

    Quando a implantao se d fora do tero, como na tuba uterina ou na cavidade abdominal, tem-se uma gravidez ectpica.

    A gravidez tubria o tipo mais comum de gravidez ectpica. Ela pode ser decorrente da obstruo da tuba por processos inflamatrios, como, por exemplo, aqueles causados pela gonorreia e pela bactria clamdia (Chlamydia sp.), responsveis pela Doena Inflamatria Plvica (DIP), ou ainda por aderncias devido endometriose ou cirurgia anterior. At a oitava semana de gestao, em virtude do crescimento do embrio, a tuba rompe-se, o que provoca hemorragia e pode ser fatal.

    O local mais frequente de implantao na gravidez abdominal a bolsa retouterina (ou bolsa de Douglas), uma prega de peritnio entre o reto e o tero. O desenvolvimento pode chegar a termo.

    H casos em que o feto no retirado se calcifica, formando o litopdio (do grego lithos pedra, paidion criana).

    A implantao nos rgos abdominais e no mesentrio provoca sangramento intraperitoneal, sendo alto o risco de morte materna.

    Mtodos de controle da natalidade interceptivos

    Plula de emergncia (ou do "dia seguinte"): altas doses de estrgeno so tomadas at 72h aps a relao sexual. H um desequilbrio nos nveis hormonais, e ocorre descamao do endomtrio, assim o embrio no tem mais onde se implantar;

    DIU: um dispositivo de plstico que inserido pelo mdico no tero, podendo durar trs a cinco anos. Como um agente estranho, irrita a mucosa do tero, impedindo a implantao. H modelos que possuem um fio de cobre. A liberao desse on faz com que a cauda dos espermatozoides enrole-se, prejudicando o seu movimento e evitando a concepo. O DIU que libera progesterona age suprimindo a ovulao e espessando o muco cervical.

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    2.2 Placentao

    Durante a gravidez, o endomtrio designado como decdua (deciduus, uma queda), porque a camada do tero que ir descamar no parto. Conforme a sua localizao, a decdua pode ser subdividida em: decdua basal, que est entre o embrio e o miomtrio; decdua capsular, que est entre o embrio e a luz do tero, e decdua parietal, que o restante da decdua (Figura 6.4).

    Na segunda semana, as projees do sinciciotrofoblasto so invadidas pelo citotrofoblasto, formando as vilosidades primrias. Depois, na terceira semana, elas so penetradas pelo mesoderma extraembrionrio, um tecido rico em matriz extracelular, originado do embrio. Tm-se as vilosidades secundrias. Ainda na terceira semana, surgem vasos sanguneos nesse mesoderma, inclusive nas vilosidades, que so ento as vilosidades tercirias.

    Essas vilosidades so denominadas corinicas, porque pertencem ao crion, que se refere ao conjunto sinciciotrofoblasto, citotrofoblasto e mesoderma extraembrionrio.

    A partir do segundo ms, as vilosidades corinicas em contato com a decdua capsular regridem, por causa do suprimento sanguneo deficiente, enquanto aquelas associadas decdua basal aumentam favorecidas pelo suporte trfico do sangue materno. A regio do crion sem vilosidades o crion liso, e aquela com vilosidades, o crion viloso (ou frondoso) (Figura 6.4).

    Com o crescimento do embrio, a decdua capsular faz salincia na cavidade uterina e funde-se com a decdua parietal, obliterando a luz do tero. A decdua capsular degenera e desaparece (Figura 6.4).

    A placenta constituda pela decdua basal e pelo crion viloso, portanto, tem um componente materno e outro fetal (Figura 6.4).

    Figura 6.4 - Corte sagital do tero gravdico de quatro e nove semanas e de cinco meses: DB decdua basal; DC decdua capsular; DP decdua parietal; SC saco corinico; SA saco amnitico; SV saco vitelino; CV crion viloso; CL crion liso. Baseado em Moore, 1984. p.79.

    A forma discoide da placenta (Figuras 6.5 e 6.6) determinada pela rea circular do crion viloso. O termo placenta vem do grego plakous, que significa bolo achatado.

    A partir do quarto ms, o crion viloso divide-se em 10 a 38 reas, chamadas cotildones, que so grupos de vilosidades. Os sulcos entre eles so produzidos pelo tecido da decdua basal interposto, os septos placentrios (Figura 6.5). No trmino da gestao, a placenta mede cerca de 20cm de dimetro e 3cm de espessura e pesa 500g.

    Cerca de 30min aps o nascimento, a placenta expulsa. A sua integridade deve ser conferida pelo profissional de sade. A reteno no tero de parte dos cotildones causa infeco e hemorragia.

    A barreira placentria representada pelos tecidos das vilosidades corinicas que separam o sangue materno do fetal. At o quinto ms, so o sinciciotrofoblasto, o citotrofoblasto, o mesoderma extraembrionrio e o endotlio dos vasos sanguneos

    E. Leite e T. Montanari

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    fetais. Aps esse perodo, fragmentos do sinciciotrofoblasto so perdidos, o citotrofoblasto degenera e o mesoderma extraembrionrio diminui. A barreira placentria resume-se ao sinciciotrofoblasto e ao endotlio, facilitando as trocas entre a me e o filho em crescimento.

    Geralmente o sangue materno e o fetal no se misturam: embora o sangue materno extravase para os espaos intervilosos, o sangue fetal, conduzido por duas artrias e uma veia pelo cordo umbilical, fica dentro dos vasos no crion (Figura 6.6). Para favorecer a passagem de substncias e gases, os capilares das vilosidades so do tipo fenestrado.

    Figura 6.5 - Placenta humana a termo. Os cotildones so recobertos por fragmentos da decdua basal e separados por sulcos produzidos pelos septos placentrios (cortesia de Nvia Lothhammer).

    Figura 6.6 - O revestimento do lado fetal da placenta e do cordo umbilical dado pelo mnio, devido expanso do saco amnitico. As duas artrias umbilicais (que transportam o sangue do feto para a placenta) e a veia umbilical (que leva o sangue da placenta para o feto) foram coradas artificialmente (cortesia de Nvia Lothhammer).

    A grande superfcie placentria, promovida pelas vilosidades corinicas e pelas microvilosidades do sinciciotrofoblasto, facilita o transporte de substncias. Gases, gua, hormnios esteroides e ureia so transportados por difuso simples, e a glicose transferida por difuso facilitada. A maioria das vitaminas, os aminocidos e os lipdios internalizada por transporte ativo.

    Oxignio e nutrientes so encaminhados da me para o embrio/feto, enquanto gs carbnico e ureia difundem-se no sentido inverso. O gs carbnico trocado por oxignio nos pulmes da me, e a ureia excretada nos rins.

    Gases txicos, como o monxido de carbono e o dixido de carbono; vrus, como o vrus da rubola e o citomegalovrus; bactrias, como o Treponema pallidum da sfilis, e protozorios, como o Toxoplasma gondii, podem atravessar a placenta e prejudicar o desenvolvimento.

    O vrus da rubola pode causar surdez (pela leso do rgo de Corti, estrutura responsvel pela audio, presente no ducto coclear), catarata e glaucoma congnitos e defeitos cardacos.

    A infeco pelo citomegalovrus no primeiro trimestre provoca frequentemente aborto espontneo e, no perodo fetal mais avanado, pode resultar em retardo no crescimento intrauterino, cegueira, distrbios de audio, neurolgicos e neurocomportamentais.

    O T. pallidum causa surdez congnita, defeitos na face e no palato, hidrocefalia, anormalidades nos dentes e nos ossos e retardo mental. Quando a me no tratada, ocorrem natimortos em cerca de um quarto dos casos.

    A infeco pelo T. gondii pode afetar o desenvolvimento do crebro e dos olhos e levar morte fetal.

    Anticorpos maternos, principalmente IgG, so transportados para o feto por endocitose, o que protege o recm-nascido de algumas doenas comuns na infncia, como a varola, a difteria e o sarampo.

    A placenta produz hormnios. A hCG, alm de sustentar o corpo lteo gravdico, estimula a secreo das clulas de Leydig no feto do sexo masculino de testosterona, o qual promove a diferenciao da genitlia externa masculina e a descida dos testculos para o escroto. A progesterona secretada mantm a decdua, inibindo a contratilidade do miomtrio e desenvolve as glndulas mamrias para a lactao. O estrgeno aumenta o tero e a genitlia externa da me, estimula o crescimento dos ductos mamrios e relaxa os ligamentos plvicos, o que facilita o parto.

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    A placenta libera ainda somatomamotrofina corinica (ou lactognio placentrio humano), que tem uma estrutura similar ao hormnio de crescimento. Ela influencia o crescimento, a lactao e o metabolismo da glicose e dos lipdios da me. A me utiliza a gordura para obter energia, e a glicose fica disponvel para o filho.

    Na maioria dos mamferos eutrios (placentrios verdadeiros), a implantao limita-se adeso do embrio ao epitlio uterino, com desenvolvimento na luz uterina, mas h aqueles, como os humanos, em que o embrio penetra no endomtrio e o desenvolvimento ocorre dentro da parede do tero.

    No primeiro caso, na ocasio do parto, as vilosidades corinicas desprendem-se das pregas da mucosa uterina, sem danific-la e h um parto sem hemorragia. Essa placenta dita indecdua. No segundo caso, h perda de sangue no parto, j que a mucosa uterina se rompe com a sada do feto e de suas membranas. Essa placenta denominada decdua.

    Placentas indecduas:

    - Epiteliocorial, difusa: o contato entre as vilosidades corinicas e o endomtrio superficial, no danificando o epitlio deste. Esse tipo de placenta est constitudo pelo crion, com vilosidades rudimentares, e pelo alantoide, bastante vascularizado. considerado do tipo difuso, porque as vilosidades esto distribudas por toda a superfcie do crion. A alimentao do embrio feita pelas secrees das glndulas endometriais. Ex: gua, porca, paquidermes e cetceos.

    - Sinepiteliocorial, cotiledonria: h a fuso de clulas trofoblsticas e de clulas epiteliais uterinas, resultando em uma delgada camada epitelial de origem materna e fetal. Essas regies de contato esto distantes umas das outras, e as vilosidades corinicas formam grupos chamados de cotildones. Ex: ruminantes (vaca, ovelha).

    Placentas decduas:

    - Endoteliocorial, zonria: o trofoblasto destri o epitlio e o conjuntivo uterino e faz contato com o endotlio dos capilares maternos, que conserva sua integridade. As vilosidades esto dispostas em uma faixa, circunscrevendo o crion. O alantoide, com seus vasos sanguneos, penetra nas vilosidades. Ex: carnvoros (gata, cadela).

    - Hemocorial, discoidal: o sinciciotrofoblasto erode o epitlio, o conjuntivo e o endotlio dos vasos do endomtrio, de maneira que o sangue materno extravasa para as lacunas do sinciciotrofoblasto. O alantoide pouco desenvolvido e fica incorporado ao cordo umbilical, onde se diferencia em vasos que interligam a circulao fetal com a placentria. As vilosidades corinicas persistem em uma regio em forma de disco, que ser o componente fetal da placenta. Ex: primatas, roedores, insetvoros e quirpteros.

    2.3 Formao do embrio didrmico, do saco amnitico e do saco vitelino

    No stimo dia de desenvolvimento, por delaminao do embrioblasto, forma-se uma fina camada celular voltada para a blastocele: o hipoblasto. No dia seguinte, entre as clulas do embrioblasto, acumula-se fluido e cria-se a cavidade amnitica. Sob ela, as clulas do embrioblasto arranjam-se em uma camada de clulas colunares: o epiblasto. Ento o embrio, na segunda semana, didrmico, ou seja, composto por duas camadas: o epiblasto e o hipoblasto (Figura 6.7).

    Figura 6.7 - Na segunda semana, o embrio didrmico (ou bilaminar). Ele constitudo por duas camadas: epiblasto (E) e hipoblasto (H). A cavitao entre as clulas do epiblasto origina a cavidade amnitica. ST sinciciotrofoblasto; CT citotrofoblasto, e B blastocele. Baseado em Larsen, 1993. p.36.

    O teto da cavidade amnitica originado de clulas do epiblasto. O mnio (membrana amnitica ou ectoderma extraembrionrio) ser o revestimento interno do saco amnitico.

    As clulas do hipoblasto migram e revestem a blastocele, originando a membrana de Heuser (ou endoderma extraembrionrio), que formar o saco vitelino.

    8 dias

    T. G. Loureiro e T. Montanari CT

    B

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    O saco vitelino estreitado por uma nova migrao de clulas do hipoblasto, resultando no saco vitelino definitivo. O embrio humano no tem vitelo, e o aparecimento do saco vitelino uma recapitulao evolutiva.

    To logo o saco vitelino se estabelece, um material acelular secretado entre a membrana de Heuser e o citotrofoblasto. Essa matriz extracelular o retculo extraembrionrio e permite a migrao de clulas provenientes do epiblasto, que se organizam em duas camadas: o mesoderma extraembrionrio somtico, vizinho ao citotrofoblasto e ao mnio, e o mesoderma extraembrionrio esplncnico, que est adjacente membrana de Heuser. O retculo extraembrionrio entre as duas camadas substitudo por fluido, tendo-se o celoma extraembrionrio.

    O sinciciotrofoblasto, o citotrofoblasto e o mesoderma extraembrionrio somtico compem o crion. O saco corinico (ou gestacional) consiste no crion e no celoma extraembrionrio.

    A regio do mesoderma extraembrionrio somtico acima do mnio que liga o embrio ao citotrofoblasto o pednculo do embrio e ser o cordo umbilical.

    O mesoderma extraembrionrio somtico tambm far parte do saco amnitico, e o mesoderma extraembrionrio esplncnico, do saco vitelino. A presena de vasos sanguneos no mesoderma extraembrionrio sustenta troficamente esses anexos embrionrios.

    Como a data da concepo pode no ser conhecida pela gestante, os obstetras utilizam o primeiro dia do ltimo perodo menstrual (UPM) para estimar o tempo de gravidez: a idade gestacional. A data de nascimento cerca de 280 dias (40 semanas) aps o incio da UPM. Uma regra para calcular a data provvel do parto (DPP) a de subtrair trs meses a partir do primeiro dia do UPM e acrescentar um ano e sete dias.

    A avaliao pela ultrassonografia do tamanho do saco gestacional e do embrio (frequentemente o comprimento do topo da cabea ndega) (Figura 6.8) permite fazer uma previso confivel da data provvel do parto.

    So utilizadas ainda como medidas: o maior comprimento nos embries na terceira ou no incio da quarta semana, que so retos; a circunferncia da cabea e do abdmen nos embries com mais de seis semanas, e ainda, aps a oitava semana, o comprimento do p, do fmur e do topo da cabea ao calcanhar.

    O sistema Carnegie de estagiamento de embries, baseado no comprimento e nas caractersticas externas, usado internacionalmente para estimar a idade de embries recuperados aps o aborto espontneo.

    Figura 6.8 - Sonograma de saco gestacional com 30,1mm, contendo embrio com oito semanas gestacionais, medindo 16,7mm de comprimento cabea-ndega. * - luz uterina. Cortesia de Tamara Montanari.

    O saco amnitico formado pela membrana amnitica (ou ectoderma extraembrionrio) e pelo mesoderma extraembrionrio somtico.

    O lquido amnitico derivado inicialmente do soro do sangue materno. Mais tarde h contribuio do transudato do cordo umbilical, da pele (ainda no queratinizada), do trato respiratrio e do sistema digestrio.

    O fluido deglutido pelo feto e absorvido pelo trato gastrointestinal, atingindo a corrente sangunea. A gua ingerida pode deixar a circulao fetal atravs da placenta ou ser excretada pelos rins do feto, retornando ao lquido amnitico.

    Portanto, o lquido amnitico nada mais que uma urina hipotnica: 98 a 99% de gua e 1 a 2% de solutos, como protenas, enzimas, carboidratos, lipdios, hormnios, vitaminas e eletrlitos.

    Com a sua expanso pelo acmulo de lquido, o saco amnitico ocupar toda a cavidade corinica, e o mnio funde-se com o mesoderma extraembrionrio do crion, resultando na membrana amniocorinica (Figura 6.6).

    O lquido amnitico protege o feto do dessecamento, de choques mecnicos e de infeces, permite a sua movimentao e evita a aderncia da pele. Ainda ajuda a controlar a temperatura corporal, mantendo a temperatura relativamente constante.

    O lquido amnitico tambm absorvido pelos pulmes e, durante o parto, eliminado pela boca e pelo nariz atravs da presso exercida sobre o trax.

    O volume do lquido amnitico alcana, no fim da gravidez, cerca de 1L. Um volume muito pequeno de

    *

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    lquido amnitico (abaixo de 500mL) constitui um oligoidrmnio e pode ser decorrente de insuficincia placentria, da ruptura da membrana amniocorinica, da compresso do cordo umbilical, da obstruo do trato urinrio ou da ausncia dos rins do feto. Pela presso do feto contra a parede uterina, devido a pouca quantidade de lquido amnitico, ele pode apresentar hipoplasia pulmonar, defeitos na face e nos membros.

    O excesso de lquido amnitico (acima de 2L) chamado hidrmnio e est associado gravidez mltipla, anencefalia ou a anomalias obstrutivas do trato digestrio.

    Os gmeos monozigticos (ou idnticos) so oriundos do mesmo zigoto, sendo formados pela separao dos blastmeros do embrio de dois a trs dias, pela diviso do embrioblasto na primeira semana ou pela diviso do disco embrionrio na segunda semana.

    A primeira situao a mais rara. Cada embrio originado pela separao dos blastmeros tem seu saco amnitico, seu saco corinico e sua placenta. Se os dois embries se implantarem prximos, as placentas podem estar fusionadas, e alguns vasos podem estabelecer comunicaes. Se houver uma grande anastomose arteriovenosa, ocorrem distrbios circulatrios que beneficiaro um dos gmeos em detrimento do outro, levando a diferenas de tamanho e at a morte de um deles.

    Cada embrio proveniente da diviso do embrioblasto tem seu saco amnitico, mas os dois esto cercados pelo mesmo saco corinico e, portanto, h uma nica placenta.

    No caso daqueles produzidos pela diviso do disco embrionrio, h um saco amnitico comum e, pelo mesmo motivo que o anterior, um saco corinico e uma placenta.

    Se a diviso do disco embrionrio for parcial, tm-se gmeos xifpagos (ou siameses) (Figuras 6.9 e 6.10). Eles podem estar unidos somente pela pele e/ou pelo tecido subcutneo. Entretanto rgos e parte do esqueleto podem ser compartilhados. Inverso da simetria dos rgos de um dos gmeos comum.

    H uma variedade de gmeos xifpagos, onde um deles bem menor, consistindo geralmente de torso e membros e est preso regio oral, ao mediastino ou pelve do outro irmo: so referidos como gmeo parasita e gmeo hospedeiro.

    Os gmeos dizigticos (ou fraternos) so de zigotos diferentes. a situao de gemelidade mais freqente: 2/3 do total. H uma tendncia para gmeos dizigticos, e no para monozigticos, em famlias e com o aumento da idade materna. A sua ocorrncia tambm est relacionada com a ovulao de vrios ocitos provocada pela administrao exgena de gonadotrofinas ou medicamentos, como o clomifeno no tratamento para engravidar.

    Como evidente pela sua formao, cada embrio tem seu saco amnitico, seu saco corinico e, consequentemente, sua placenta. Se os embries se implantarem muito prximos, os sacos corinicos e as placentas podem ser fusionados.

    Figura 6.9 - Fetos de gmeos xifpagos, cujo esqueleto foi corado pela Alizarina vermelha (Fotografia pertencente ao acervo do Departamento de Cincias Morfolgicas, UFRGS).

    Figura 6.10 - Gato natimorto com uma cabea e dois troncos.

  • 78

    O saco vitelino formado pela membrana de Heuser (o endoderma extraembrionrio originado pelo hipoblasto) e pelo mesoderma extraembrionrio esplncnico.

    Nas aves e nos rpteis, o saco vitelino armazena vitelo, que usado para a nutrio do embrio em desenvolvimento. Nos mamferos, a presena da placenta dispensou a necessidade do vitelo, e o saco vitelino no tem mais funo de assegurar a nutrio. No entanto, nele proliferam dois tipos celulares importantes: as clulas sanguneas e as clulas germinativas primordiais.

    Na quarta semana, com o dobramento do disco embrionrio em um tubo, parte do saco vitelino fica incorporada como intestino primitivo. O restante fica junto ao pednculo do embrio e envolvido pela membrana amnitica na sua expanso, o que resulta no cordo umbilical (Figuras 6.6 e 6.11).

    Figura 6.11 - Corte histolgico de cordo umbilical, mostrando o revestimento epitelial proveniente do mnio e o tecido mucoso, do mesoderma extraembrionrio somtico.

    Por volta do 16 dia, o alantoide (do grego allas, salsicha) nasce como uma evaginao ventral do intestino posterior revestida por endoderma e por mesoderma extraembrionrio esplncnico.

    Nos rpteis, aves e em alguns mamferos, um importante rgo respiratrio e depsito de excreo urinria. No ser humano, vestigial. Ficar embutido no cordo umbilical, e, no seu mesoderma, so gerados os vasos umbilicais que ligam os vasos fetais queles da placenta. Mais tarde no desenvolvimento, a parte proximal do alantoide (raco) ser contnua com a bexiga em formao. Aps o nascimento, ela se transformar em um denso cordo fibroso, o

    ligamento umbilical mdio, que ligar a bexiga regio umbilical.

    3 TERCEIRA SEMANA

    3.1 Gastrulao, formao da linha primitiva e do embrio tridrmico

    O principal evento da terceira semana a gastrulao, um processo que envolve movimentos celulares que estabelecem as trs camadas germinativas no embrio. Apesar do ovo dos mamferos placentrios no ter vitelo, a gastrulao semelhante de rpteis e aves por uma conservao evolutiva. O embrio desenvolve-se como um disco e mais tarde dobra-se e fecha-se em um corpo cilndrico.

    A gastrulao inicia pela concentrao de clulas do epiblasto em uma linha mediana e caudal, a linha primitiva. Na sua extremidade cranial, h um maior acmulo de clulas, o n primitivo (ou n de Hensen) (Figura 6.12). As clulas do n primitivo secretam cido retinoico, uma importante molcula sinalizadora da morfognese.

    Com o aparecimento da linha primitiva, so identificados o eixo anteroposterior (craniocaudal) e o eixo direito-esquerdo do embrio.

    O hipoblasto determina a origem e o direcionamento da linha primitiva. A rotao do hipoblasto de embries de aves em 90 em relao orientao do epiblasto faz com que a linha primitiva surja 90 da posio normal.

    As clulas do epiblasto apresentam caractersticas de clulas epiteliais: so justapostas graas s molculas de adeso celular, sintetizam citoqueratina e possuem lmina basal e polaridade (superfcies apical e basal definidas). Aquelas clulas na linha primitiva adquirem uma morfologia em garrafa, j que a parte apical se estreita pelo deslizamento dos filamentos de actina, deixam de expressar as molculas de adeso celular, como as E-caderinas, e desprendem-se das suas vizinhas e migram.

    Depois de deixar a linha primitiva, tornam-se estreladas devido aos pseudpodos e so denominadas clulas mesenquimais. A migrao possibilitada pelas substncias da matriz extracelular, como a fibronectina e o cido hialurnico.

  • 79

    O movimento de clulas atravs da linha primitiva produz um sulco, o sulco primitivo, e a sada de clulas do n primitivo forma a fosseta primitiva (Figura 6.12).

    Figura 6.12 - Vista dorsal de embrio de codorna com 16h de incubao, onde so indicados a linha primitiva (LP), o sulco primitivo (S), o n primitivo (N) e a fosseta primitiva ( ). AP rea pelcida; AO rea opaca (cortesia de Casimiro Garca Fernndez).

    As primeiras clulas a migrarem originam o mesoderma extraembrionrio. Outras clulas substituem as clulas do hipoblasto que revestiram a blastocele e constituem o endoderma. As clulas da linha primitiva que se espalham lateral e cranialmente entre o epiblasto e o endoderma estabelecem o mesoderma. O epiblasto agora chamado de ectoderma.

    Assim, na terceira semana, o embrio um disco tridrmico, isto , com trs camadas germinativas: o ectoderma, o mesoderma e o endoderma (Figuras 6.13 e 6.14). Todas essas camadas se originaram do epiblasto.

    O endoderma adjacente ao epiblasto necessrio para a diferenciao do mesoderma. Experimentos com embries de anfbios mostraram que, quando o ectoderma isolado, ele permanece como tal, possuindo citoqueratina nas suas clulas, mas, quando aposto ao endoderma, diferencia-se

    em mesoderma, como indicado pela expresso de -actina, caracterstica de clulas musculares. Certos fatores de crescimento, especialmente o fator de crescimento de transformao-2 (TGF-2) e a ativina, que tambm faz parte da famlia do gene TGF, induzem as clulas do epiblasto a formar o mesoderma.

    Quando as clulas migratrias se fixam, elas tornam a expressar as molculas de adeso celular. H tipos diferentes dessas molculas. Elas so responsveis pela unio das clulas de um mesmo tecido e pelo arranjo e pela separao daquelas de diferentes tecidos. Por exemplo, quando clulas do ectoderma e do mesoderma so misturadas em uma suspenso, elas se renem em um agregado com as clulas ectodrmicas na periferia e as clulas mesodrmicas no centro.

    H duas regies onde o ectoderma se mantm aderido ao endoderma: a membrana bucofarngea e a membrana cloacal. Como no h mesoderma interposto, a falta de irrigao sangunea levar degenerao dessas membranas, resultando na boca e no nus, respectivamente.

    No fim da terceira semana, a linha primitiva comea a regredir caudalmente at desaparecer.

    Restos da linha primitiva podem gerar grandes tumores, denominados teratomas, na regio sacrococcgea. Eles contm misturas de tecidos, como cartilagem, msculo, adiposo, epitlio glandular e at mesmo cabelo e dente. So encontrados tambm teratomas nas gnadas e no mediastino, mas esses so provenientes das clulas germinativas. Os teratomas sacrococcgenos so os tumores mais comuns em recm-nascidos, ocorrendo um caso a cada 35.000 nascimentos, com incidncia maior no sexo feminino. A maioria dos tumores benigna e removida cirurgicamente.

    3.2 Notocorda e neurulao

    Clulas do n primitivo migram ao nvel do mesoderma, em sentido cranial e formam uma massa compacta de clulas mesodrmicas, a placa pr-cordal, e um basto oco, o processo notocordal, que logo se consolida na notocorda (Figuras 6.13 e 6.14).

    A presena da notocorda reuniu vrias espcies em um mesmo filo, o Chordata. Ela serve como eixo de sustentao no embrio e, em alguns cordados inferiores, tambm no adulto. Nos vertebrados superiores, o seu principal papel o de induzir o desenvolvimento do sistema nervoso.

    L P

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    Membros da famlia do TGF-, Sonic hedgehog e protenas morfogenticas do osso (bone morphogenetic protein BMP) so algumas das molculas sinalizadoras envolvidas na induo do sistema nervoso.

    As clulas do ectoderma suprajacente placa pr-cordal e notocorda tornam-se mais altas, mantm a expresso das molculas de adeso celular neurais (N-CAM) e no sintetizam mais L-CAM. Essa regio a placa neural. O restante do ectoderma continua a produzir L-CAM, mas no N-CAM.

    A placa neural dobra-se com a elevao das bordas laterais (pregas neurais) ao longo do seu eixo longitudinal e mediano (sulco neural) (Figuras 6.13 a 6.17). O dobramento da placa neural resulta de mecanismos intrnsecos e extrnsecos. As clulas mudam da forma colunar para a piramidal, com a constrio do pice pelo deslizamento dos filamentos de actina. Como as clulas esto unidas por junes de adeso, a placa curva-se. O mecanismo extrnseco o prprio alongamento do embrio que fora as extremidades da placa neural no sentido longitudinal, o que impulsiona o seu dobramento.

    As pregas neurais encontram-se e fundem-se no tubo neural, que se separa da lmina ectodrmica. O ectoderma de revestimento refeito sobre o tubo neural, internalizando-o. As extremidades abertas do tubo neural so os neurporos. O neurporo anterior fecha-se no 25 dia, e o posterior, no 27 dia (Figuras 6.15 e 6.18). O tubo neural originar o sistema nervoso central: o encfalo e a medula espinhal.

    Figura 6.13 - Corte transversal de embrio de galinha com 40h, onde so indicados os folhetos embrionrios: ectoderma (EC), mesoderma (M) e endoderma (EN). Notar o ectoderma espessado da placa neural, cuja diferenciao foi induzida pela notocorda (N).

    Figura 6.14 - Corte transversal de embrio do quelnio Phrinops hilari (correspondente ao embrio humano no incio da terceira semana), apresentando os trs folhetos embrionrios: ectoderma (EC), mesoderma (M) e endoderma (EN); a notocorda (N), e o fechamento da placa neural em tubo neural. C ectoderma extraembrionrio do crion (ou serosa), membrana extraembrionria presente nos rpteis e nas aves.

    Figura 6.15 - Representao da neurulao: fechamento da placa neural em tubo neural. As extremidades ainda abertas so os neurporos anterior e posterior. Baseado em Carlson, 1996. p.64.

    N EN EC

    M

    20 dias 22 dias 23 dias 18 dias

    E. Leite e T. Montanari

    EC

    EN

    M

    N

    C

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    Figura 6.16 - Embrio de codorna com 22h de incubao. So observadas a placa neural (P) iniciando o seu dobramento ( ) e a linha primitiva (L), com o sulco primitivo no seu interior e o n primitivo e a fosseta primitiva na sua extremidade cranial (cortesia de Nvia Lothhammer).

    Figura 6.18 - Embrio de galinha in toto sofrendo a neurulao. O neurporo anterior indicado (N).

    Podem ocorrer defeitos no fechamento do tubo neural, resultando em graves malformaes congnitas. O no fechamento do neurporo anterior leva anencefalia (ou craniosquise). Ocorre em 0,1% das gestaes. O desenvolvimento do crebro anterior interrompido, e a abboda craniana no se forma (Figura 6.19). A poro do encfalo que controla a respirao e os batimentos cardacos formada, o que permite a sobrevivncia at o final do perodo fetal ou alguns dias aps o parto. Como h a formao do tronco enceflico, o termo meroanencefalia mais apropriado do que anencefalia.

    Figura 6.17 - Embrio de codorna com 25h de incubao, mostrando o fechamento da placa neural em tubo neural, o surgimento de somitos e a regresso da linha primitiva (cortesia de Casimiro Garca Fernndez).

    Figura 6.19 - Natimorto com anencefalia (cortesia de Nvia Lothhammer).

    N

  • 82

    Estudos epidemiolgicos constataram uma alta correlao entre a deficincia em cido flico e a incidncia de anencefalia e outros defeitos no fechamento do tubo neural. O cido flico uma vitamina hidrossolvel do complexo B, necessrio para a sntese de cidos nucleicos e protenas. encontrado em vegetais, principalmente aqueles com folhas verdes escuras, frutas e cereais. Entretanto recomendada a suplementao para mulheres em idade reprodutiva, por isso a sua adio a alimentos, como a farinha de trigo e seus derivados. Pode ser tambm administrada em comprimidos, um ms antes da concepo at o primeiro trimestre de gestao.

    A falha no fechamento da placa neural em tubo neural na regio da medula espinhal a mielosquise (ou raquisquise). Ela afeta a induo dos arcos vertebrais, de maneira que so hipoplsicos e no se fundem.

    H casos em que o tubo neural se fecha, mas no h formao normal da coluna vertebral.

    Quando poucas vrtebras so afetadas e a medula espinhal e as meninges permanecem no lugar, tem-se a espinha bfida oculta. O local nas costas apresenta uma pequena depresso com um tufo de plos. O indivduo geralmente assintomtico, mas uma pequena porcentagem exibe defeitos funcionais da medula espinhal e das razes dorsais.

    Se mais vrtebras no se formam corretamente, projeta-se do canal vertebral uma vescula membranosa com as meninges (espinha bfida cstica com meningocele) ou com as meninges e a medula espinhal (espinha bfida cstica com meningomielocele) (Figura 6.20). Por causa do deslocamento das razes espinhais, esta ltima est associada a problemas graves, como infeco crnica, dficits motor e sensitivo e distrbios da funo da bexiga.

    Se o defeito na ossificao ocorre no osso occipital, saem da caixa craniana uma parte do encfalo e as meninges (meningoencefalocele) ou ainda parte do sistema ventricular (meningoidroencefalocele).

    Figura 6.20 - Recm-nascido com meningomielocele (Fotografia pertencente ao acervo do Departamento de Cincias Morfolgicas, UFRGS).

    A alfa-fetoprotena uma glicoprotena sintetizada pelo fgado fetal, pelo saco vitelino e pelo intestino. Est presente em alta concentrao no soro, mas em pequena quantidade no lquido amnitico. Em fetos com defeitos no fechamento do tubo neural ou da parede abdominal, grande quantidade dessa substncia escapa da circulao para o lquido amnitico, de modo que a sua dosagem no lquido amnitico ou no soro materno pode ser utilizada para o diagnstico pr-natal.

    Das pregas neurais, no momento em que elas se fundem, escapam clulas, que formam as cristas neurais e que migram para vrios pontos do corpo, originando estruturas diferentes, como os gnglios sensitivos e os nervos raquidianos do sistema nervoso perifrico; as meninges do sistema nervoso central; os melancitos; a medula da adrenal, e os msculos e os ossos da cabea.

    A notocorda tambm um agente indutor da coluna vertebral a partir do mesoderma vizinho. Ela desaparece durante o perodo fetal, mas persiste entre as vrtebras como ncleo pulposo dos discos intervertebrais. Mais tarde, na infncia, esse ncleo pulposo substitudo.

    3.3 Diferenciao do mesoderma

    O mesoderma diferencia-se em: paraxial (ao lado do eixo do embrio, ou seja, do tubo neural e da notocorda), intermedirio e lateral (Figura 6.21).

    O mesoderma paraxial parece uma faixa homognea de clulas, mas o exame de eletromicrografias de varredura com tcnicas estereoscpicas 3-D revelou uma srie de pares regulares de segmentos, os somitmeros.

    Quando 20 somitmeros esto estabelecidos, o aumento da adeso entre as clulas do oitavo par em diante gera blocos denominados somitos (Figuras 6.17, 6.18 e 6.22). Em embries humanos, os somitos so formados do 20 ao 30 dia de gestao, cerca de trs por dia.

    Os sete primeiros pares de somitmeros que permanecem como tal do os msculos da face e da mastigao.

    Ao contrrio dos somitmeros, que s foram identificados em 1979, os somitos so conhecidos desde o sculo XVI.

  • 83

    H uma relao entre a regresso da linha primitiva e a produo de somitmeros e de somitos. Uma vez completada a regresso do n primitivo, nenhum outro somitmero se forma.

    A organizao dos somitos a partir do mesoderma paraxial envolve a expresso dos genes da via Notch, dos genes Hox (os produtos proteicos dos genes homeobox ligam-se ao DNA e formam fatores de transcrio que regulam a expresso gnica) e de outros fatores de sinalizao.

    Os somitos regionalizam-se em: esclertomo (ventral) e dermomitomo (dorsal) (Figura 6.23).

    As clulas do esclertomo diferenciam-se pela induo da notocorda e da parede ventral do tubo neural. Elas perdem as molculas de adeso celular N-caderinas e a lmina basal. Secretam proteoglicanas com sulfato de condroitina e outros componentes da matriz cartilaginosa. Migram e envolvem a notocorda e o tubo neural para constituir as vrtebras, as costelas, o esterno e a base do crnio, o osso occipital.

    O dermomitomo separa-se em duas camadas: a dorsal o dermtomo, responsvel pela derme do dorso do corpo, e a ventral o mitomo, cujas clulas originam a musculatura do tronco e dos membros.

    No mesoderma intermedirio, so encontrados os tbulos nefrognicos, precursores do sistema urinrio e do sistema reprodutor (Figura 6.23).

    O mesoderma lateral delamina-se em somtico (ou parietal) e esplncnico (ou visceral) (Figuras 6.21 e 6.23).

    O mesoderma lateral somtico adjacente ao ectoderma e contnuo com o mesoderma extraembrionrio somtico. Originar o tecido conjuntivo (inclusive os tipos especiais, como cartilagem, osso e sangue) dos membros e das paredes laterais e ventral do corpo.

    O mesoderma lateral esplncnico vizinho ao endoderma e continua-se com o mesoderma extraembrionrio esplncnico. Derivar o conjuntivo e os msculos do sistema cardiovascular, do sistema respiratrio e do sistema digestrio.

    O espao entre o mesoderma lateral somtico e o esplncnico o celoma, que, neste momento, contnuo com o celoma extraembrionrio (Figura 6.21). Com o posterior fechamento do embrio em disco para uma forma tubular, o celoma intraembrionrio dar as futuras cavidades corporais: a cavidade pericrdica, a cavidade pleural e a cavidade peritoneal.

    Figura 6.21 - Corte transversal de embrio de galinha no estgio tridrmico, onde h a diferenciao do mesoderma em paraxial (P), intermedirio (I) e lateral (L). Note a delaminao do mesoderma lateral em somtico (S) e esplncnico (E). O espao entre eles o celoma.

    Figura 6.22 - Corte longitudinal de parte do embrio de galinha, onde possvel identificar os somitos ao lado do tubo neural.

    Semelhante ao que ocorre no mesoderma extraembrionrio, vasos sanguneos formam-se no mesoderma do embrio a partir de agrupamentos angiognicos, cujas clulas centrais se tornam as clulas sanguneas primitivas, e as clulas perifricas, o endotlio. Os agrupamentos confluem e so canalizados por fendas intercelulares.

    4 QUARTA A OITAVA SEMANAS

    4.1 Dobramento do embrio

    Na quarta semana, o embrio dobra-se nos planos longitudinal e transversal, tornando-se curvado e tubular, com o ectoderma revestindo a superfcie externa, e o endoderma, a superfcie interna.

    P I LS LE

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    Figura 6.23 - Embrio de galinha, onde os somitos diferenciaram-se em dermomitomo (DM) e esclertomo (E). Tbulos nefrognicos so reconhecidos no mesoderma intermedirio (MI). O mesoderma lateral somtico (MS) origina o tecido conjuntivo dos membros. Vasos sanguneos so observados no mesoderma lateral esplncnico (ME). Acima do ectoderma (EC), visualiza-se o saco amnitico, constitudo por duas camadas: o mnio (ou ectoderma extraembrionrio) e o mesoderma extraembrionrio somtico. Subjacente ao tubo neural, h a notocorda (N). So ainda indicados o endoderma (EN) e a aorta dorsal (AD).

    O dobramento no plano longitudinal do corpo faz com que a poro mais cranial do tubo neural projete-se para frente e para baixo, ultrapassando a membrana bucofarngea e a rea cardiognica. Assim, o encfalo ser a estrutura mais cranial do embrio, e as reas que originaro a boca e o corao so trazidas ventralmente, passando a ocupar a posio que possuem no adulto.

    Com o dobramento, parte do saco vitelino fica includa na poro anterior do embrio e origina o

    intestino anterior, e parte do saco vitelino fica retida na poro caudal, constituindo o intestino posterior. Entretanto o intestino mdio fica ainda aberto, fazendo contato com o resto do saco vitelino.

    O dobramento do embrio acompanhado pela expanso do saco amnitico, que passa a envolver todo o embrio. Essa expanso contribui para que as extremidades dos folhetos embrionrios fusionem-se na linha mdia, o que encerra mais uma parte do saco vitelino, formando o intestino mdio. O restante do saco vitelino atrofia e incorporado ao pednculo do embrio, o qual ser o cordo umbilical.

    4.2 Organognese

    Entre a quarta e a oitava semanas, a maioria dos rgos se estabelece.

    Cabea e pescoo:

    Na quarta semana, a faringe primitiva delimitada pelo aparelho branquial (ou farngeo), o conjunto dos arcos branquiais, sulcos (ou fendas) branquiais (entre os arcos externamente) e bolsas farngeas (entre os arcos, internamente) (Figuras 6.24 e 6.25).

    Os arcos branquiais so revestidos externamente pelo ectoderma e internamente pelo endoderma e possuem um centro de mesnquima, que derivado do mesoderma pr-cordal, do mesoderma paraxial e das cristas neurais. Cada arco contm um eixo cartilaginoso, um componente muscular, um nervo associado e uma artria, denominada arco artico (Figura 6.25).

    Nos peixes e nas larvas de anfbios, h seis pares de arcos branquiais, que do origem s guelras ou brnquias (do grego branchia, que significa guelra), envolvidas nas trocas gasosas entre o sangue e a gua.

    No embrio de aves e de mamferos, h cinco pares de arcos branquiais (o quinto par dos vertebrados primitivos no se forma) (Figura 6.24). Os sulcos e as bolsas sucedem-se aos arcos, mas no ocorrem aps o sexto par de arcos branquiais. Ao invs de um sistema de guelras, o aparelho branquial origina as estruturas da cabea e do pescoo.

    O primeiro par de arcos branquiais (tambm denominado arcos mandibulares), graas migrao das clulas da crista neural, forma as proeminncias mandibulares e, da sua poro dorsal, crescendo em sentido cranial, as proeminncias maxilares (Figura 6.24).

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    Figura 6.24 - Embrio de codorna (cerca de 72h de incubao) com aparelho branquial: notar os arcos branquiais (foram enumerados) e os sulcos branquiais entre eles. O primeiro par de arcos branquiais forma as proeminncias mandibulares e, da sua poro dorsal, em sentido cranial, as proeminncias maxilares ( ) (cortesia de Nvia Lothhammer).

    A cartilagem do processo mandibular (cartilagem de Meckel) o molde da mandbula at ocorrer a sua ossificao do mesnquima ao redor (ossificao intramembranosa). O posterior crescimento da mandbula, que ocorre at os 10 anos, em virtude da ossificao endocondral a partir de um centro de cartilagem estabelecido no mesnquima do cndilo mandibular, no quinto ms.

    Nas extremidades dorsais da cartilagem de Meckel (portanto, por ossificao endocondral), forma-se o ossculo da orelha mdia martelo. A poro intermediria da cartilagem de Meckel regride, e seu pericndrio resulta nos ligamentos anterior do martelo e esfenomandibular.

    A maxila, os ossos zigomticos da face e a parte escamosa dos ossos temporais desenvolvem-se do mesnquima dos processos maxilares. O esfenoide (um pequeno osso localizado na parede orbital) e a bigorna ossificam-se das extremidades dorsais da sua cartilagem.

    Figura 6.25 - Corte de embrio de galinha, onde visvel o aparelho branquial (A arco branquial) nas paredes laterais da faringe (F). O arco artico apontado.

    O outro ossculo da orelha mdia, o estribo, e o processo estiloide do osso temporal ossificam-se das extremidades dorsais da cartilagem do segundo par de arcos branquiais. Da poro ventral dessa cartilagem, formam-se o corno menor e a parte superior do osso hioide (por isso, esses arcos so tambm denominados arcos hiideos). A cartilagem entre o processo estiloide e o osso hioide regride, e o pericndrio forma o ligamento estilo-hiideo.

    O corno maior e a parte inferior do osso hioide so da cartilagem do terceiro par de arcos.

    Do quarto e sexto pares de arcos, originam-se as cartilagens da laringe: a epiglote e as cartilagens tireoide, aritenoides, cricoide, cuneiforme e corniculata.

    A epiglote derivada da eminncia hipobranquial, uma regio resultante da proliferao do mesnquima do terceiro e do quarto pares de arcos branquiais. A poro originada do quarto par de arcos branquiais

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    responsvel pela epiglote, enquanto aquela do terceiro par resulta na parte farngea da lngua.

    As demais cartilagens da laringe surgem dos moldes cartilaginosos dos arcos branquiais. Diferente da cartilagem dos arcos anteriores, que se desenvolvem da crista neural, esses moldes so formados a partir do mesoderma lateral somtico.

    O componente muscular dos arcos branquiais proveniente dos sete pares de somitmeros e dos primeiros somitos. O tecido muscular do primeiro par de arcos branquiais origina, entre outros, os msculos da mastigao e o tensor do tmpano; o do segundo par, os msculos da expresso facial; o do terceiro par, o estilofarngeo, e os do quarto e sexto arcos, os msculos da faringe e os da laringe (Quadro 6.1).

    Os nervos que esto nos arcos branquiais provm do encfalo e inervam a pele, a mucosa e os msculos derivados dos arcos. So eles: o V nervo craniano (trigmeo) no primeiro par de arcos; o VII nervo craniano (nervo facial) no segundo arco; o IX nervo craniano (nervo glossofarngeo) no terceiro arco, e o X nervo craniano (nervo vago) nos demais arcos.

    Cada arco branquial contm uma artria, o arco artico, que se estende da aorta ventral para a aorta dorsal. Seus derivados so citados no Quadro 6.1.

    O primeiro par de sulcos branquiais aprofunda-se, formando os meatos acsticos externos. Os demais sulcos so obliterados pelo crescimento do segundo par de arcos branquiais sobre eles. Assim, o pescoo adquire um aspecto liso e revestido por epiderme proveniente apenas do segundo par de arcos.

    O espao temporrio criado entre as fendas branquiais pela sobreposio do segundo par de arcos chamado seio cervical. A sua persistncia um evento raro. Devido ao acmulo de lquido e fragmentos celulares, cistos podem ser produzidos. Pelo lento aumento no seu volume, os cistos cervicais geralmente so percebidos aps o final da infncia. Pode ocorrer tambm a abertura do seio cervical na superfcie do pescoo (fstula cervical externa) ou na faringe (fstula cervical interna), com liberao de muco.

    O primeiro par de bolsas farngeas aumenta a sua invaginao e origina as tubas auditivas e as cavidades timpnicas. A membrana timpnica derivada da camada de endoderma da bolsa farngea e de ectoderma do sulco branquial, com o mesnquima interposto.

    O endoderma do segundo par de bolsas farngeas deriva o epitlio das tonsilas palatinas, enquanto o mesoderma diferencia-se no tecido linfoide.

    A parte dorsal das terceiras bolsas farngeas origina as glndulas paratireoides inferiores, e a parte ventral, o timo, sendo que, neste ltimo, as clulas reticulares epiteliais surgem do endoderma, e o tecido linfoide e a cpsula formam-se do mesnquima.

    As paratireoides e o timo migram. As paratireoides inferiores passam a se situar dorsalmente tireoide, e o timo, no mediastino anterior do trax, atrs da parte superior do esterno. Durante o desenvolvimento fetal, linfcitos imaturos migram da medula ssea para o timo, onde sofrem maturao nos linfcitos T.

    A parte dorsal das quartas bolsas farngeas deriva as glndulas paratireoides superiores, e a parte ventral, as clulas parafoliculares (ou clulas C) da glndula tireoide, que produzem calcitonina. Essas clulas se diferenciam da crista neural. As glndulas paratireoides superiores localizam-se na parte dorsal da tireoide, em posio superior s paratireoides inferiores.

    Um resumo dos derivados do aparelho branquial apresentado no Quadro 6.1.

    A face inicia sua formao na quarta semana e a completa na 10 semana. Desenvolve-se a partir da proeminncia frontonasal, das proeminncias maxilares e das proeminncias mandibulares. A proeminncia frontonasal originada do mesoderma ventral poro cranial do tubo neural. As proeminncias maxilares e mandibulares derivam do primeiro arco.

    No ectoderma acima das proeminncias maxilares, surgem espessamentos, os placoides do cristalino, que derivaro o cristalino dos olhos (Figura 6.24).

    Em cada lado da proeminncia frontonasal, h um espessamento do ectoderma, os placoides nasais, os quais se diferenciaro no epitlio olfatrio. Em torno deles, o mesoderma prolifera e eleva-se em forma de ferradura, resultando nas proeminncias nasais medianas e laterais (Figura 6.26). Os placoides nasais ficam, portanto, situados em depresses, as cavidades nasais.

    Entre as proeminncias maxilares e as proeminncias nasais laterais, h inicialmente uma fenda, o sulco nasolacrimal. Um espessamento ectodrmico em forma de basto desenvolve-se no assoalho do sulco nasolacrimal e aprofunda-se no mesnquima. Esse cordo epitelial se canaliza no ducto nasolacrimal, e a sua extremidade cranial se expande no saco lacrimal. O ducto nasolacrimal estende-se do canto medial do olho at a cavidade nasal e serve de dreno para o lquido lacrimal, por isso a coriza no choro.

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    Quadro 6.1 - Derivados do aparelho branquial.

    1 par de arcos branquiais (arcos mandibulares)

    processos maxilares e mandibulares; maxila, mandbula, ossos zigomticos, poro escamosa dos ossos temporais, esfenoide, bigorna e martelo; ligamento anterior do martelo, ligamento esfenomandibular; msculos da mastigao (temporal, masseter, pterigideos medial e lateral), milo-hiideo, ventre anterior do digstrico, tensor do vu palatino, tensor do tmpano; V nervo craniano (trigmeo); artrias maxilares, artrias cartidas externas

    2 par de arcos branquiais (arcos hioideos)

    estribo, processo estiloide dos ossos temporais, corno menor e parte superior do osso hioide; ligamento estilo-hiideo; msculos da expresso facial (bucinador, auricular, frontal, platisma, orbicular dos lbios e orbicular dos olhos), occipital, estilo-hiideo, ventre posterior do digstrico, estapdio (msculo do estribo); VII nervo craniano (facial); artrias estapdicas

    3 par de arcos branquiais corno maior e parte inferior do osso hioide; msculo estilofarngeo; IX nervo craniano (glossofarngeo); artrias cartidas comuns, artrias cartidas internas

    4 e 6 pares de arcos branquiais cartilagens da laringe; ligamentos da laringe; msculo cricotireideo, elevador do vu do palato, constritores da faringe, msculos intrnsecos da laringe, msculos estriados do esfago; X nervo craniano (vago); arco da aorta, poro proximal da artria subclvia direita e das artrias pulmonares, ducto arterioso

    1 par de sulcos branquiais meatos acsticos externos 2 a 6 pares de sulcos branquiais so obliterados: pescoo liso 1 par de bolsas farngeas tubas auditivas e cavidades timpnicas 2 par de bolsas farngeas tonsilas palatinas 3 par de bolsas farngeas glndulas paratireoides inferiores e timo 4 par de bolsas farngeas glndulas paratireoides superiores e clulas C da glndula tireide

    Na quarta semana, as proeminncias mandibulares fusionam-se.

    Entre a sexta e a oitava semanas, as proeminncias maxilares aumentam em tamanho e crescem para o plano mediano, aproximando os placoides do cristalino e as proeminncias nasais medianas.

    As proeminncias maxilares fusionam-se com as proeminncias mandibulares, com as proeminncias nasais laterais e com as proeminncias nasais medianas.

    A proeminncia frontonasal origina a testa e parte do dorso (a raiz) do nariz. As proeminncias nasais laterais formam as asas do nariz. A fuso das proeminncias nasais medianas resulta no restante do dorso e na ponta do nariz e no septo nasal (Figura 6.27).

    A unio das proeminncias nasais medianas forma ainda o segmento intermaxilar, composto de trs partes: componente labial, que forma o filtro do lbio; componente maxilar, que est associado com os quatro dentes incisivos, e componente anterior do palato.

    As proeminncias maxilares formam a maxila, os ossos zigomticos, a poro escamosa dos ossos temporais, as regies superiores das bochechas e o lbio superior.

    As proeminncias mandibulares so responsveis pela mandbula, pela parte inferior das bochechas, pelo lbio inferior e pelo queixo.

    Com a fuso entre os processos maxilares e os processos nasolaterais ao longo da linha do sulco nasolacrimal, h a continuidade entre a poro superior das bochechas e as asas do nariz.

    Quando o processo maxilar no se funde com o processo nasal mediano, tem-se a fenda labial (ou lbio leporino). Fatores genticos e ambientais (herana multifatorial) so responsveis por essa anomalia. Esses fatores interferem na migrao das clulas da crista neural para o processo maxilar, tornando-o hipoplsico. A incidncia de um caso a cada 1.000 nascimentos, sendo mais frequente no sexo masculino.

    Uma situao mais severa (e rara) a no fuso do processo maxilar com o processo nasolateral, gerando a fenda facial oblqua, uma fissura que se estende ao lado do nariz, com persistncia do sulco nasolacrimal.

    A no fuso dos processos nasais medianos resulta no nariz bfido, em que o septo nasal est dividido e as duas narinas esto completamente separadas.

    Uma variao no grau de fuso desses processos provoca um sulco na ponta do nariz. Da mesma maneira, quando se trata dos processos mandibulares, tem-se a covinha no queixo.

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    Figura 6.26 - Embrio de galinha com 72h, onde se visualizam as proeminncias nasais lateral (L) e mediana (M) em torno do placoide nasal.

    O lcool teratognico. No h dose mnima segura para o seu consumo durante a gestao, e deve ser evitado inclusive pelas mulheres em idade reprodutiva, sujeitas a uma gravidez no planejada. A incidncia da sndrome do lcool fetal de dois casos em 1.000 nascimentos (portanto, mais frequente que a fenda labial). Essa sndrome envolve uma srie de distrbios do desenvolvimento, especialmente da face e do sistema nervoso.

    A face pode exibir defeitos sutis, como olhos com fissuras palpebrais curtas, pregas epicnticas, raiz nasal baixa, hipotelorismo ou hipertelorismo (aproximao ou afastamento demasiado dos olhos), ausncia do filtro do lbio, lbio superior fino e baixa implantao das orelhas. Entretanto a criana pode apresentar holoprosencefalia, um conjunto de defeitos graves, como ciclopia (fuso dos olhos pela ausncia do septo nasal), presena de uma probscide, ao invs do nariz, ou cebocefalia (somente uma narina).

    O etanol e os seus metablitos interferem na proliferao e na migrao dos neurnios e das clulas gliais, o que pode resultar em retardo na maturao psicomotora, desenvolvimento intelectual diminudo e at mesmo microcefalia.

    O consumo durante o perodo fetal pode afetar o crescimento e o ganho de peso, at mesmo ps-natal.

    Figura 6.27- A aproximao dos processos nasais medianos pode ser observada nesse feto (cortesia de Nvia Lothhammer).

    At a sexta semana, no h separao entre lbios e gengiva. O ectoderma interpe-se entre o mesoderma, resultando na lmina labiogengival, que degenera na sua maior parte e separa os lbios e a gengiva, com exceo da regio do freio.

    A lngua comea a se formar no final da quarta semana. A parte oral (2/3 anteriores) da lngua desenvolve-se de duas proeminncias distais e de uma proeminncia mediana (tubrculo mpar). Essas proeminncias resultam da proliferao do mesnquima do primeiro par de arcos branquiais.

    As proeminncias distais da lngua aumentam rapidamente em tamanho, unem-se e crescem mais do que a proeminncia mediana da lngua. Os planos de fuso das proeminncias distais da lngua so indicados na face superior da lngua pelo sulco mediano e, na superfcie inferior, pelo septo mediano.

    A parte farngea (tero posterior) da lngua desenvolve-se de duas estruturas: a cpula e a eminncia hipobranquial. A cpula resulta da proliferao de mesnquima do segundo par de arcos

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    branquiais, e a eminncia hipobranquial, do terceiro e do quarto pares de arcos branquiais.

    A linha de fuso das partes oral e farngea da lngua indicada no adulto por um sulco em forma de V, o sulco terminal.

    O epitlio da lngua diferencia-se do endoderma, e o tecido conjuntivo, do mesnquima dos arcos branquiais. A maior parte da musculatura da lngua deriva dos mioblastos que migram dos somitmeros.

    As papilas linguais circunvaladas e foliadas aparecem ao final da oitava semana. Mais tarde, surgem as papilas fungiformes e, na 10-11 semana, as papilas filiformes. Durante a 11 e a 13 semanas, desenvolvem-se os corpsculos gustativos.

    Ao final do sexto ms, as vias reflexas entre os corpsculos gustativos e os msculos faciais j esto estabelecidas como pode ser constatado pela expresso facial do feto a uma substncia amarga colocada no lquido amnitico.

    A tireoide forma-se a partir de um divertculo do endoderma do assoalho da faringe primitiva, entre o primeiro e o segundo pares de bolsas farngeas. Esse divertculo migra caudalmente do vrtice do V lingual at seu local definitivo no pescoo, em frente da traqueia. Est conectado inicialmente com a lngua pelo ducto tireoglossal, mas essa ligao desaparece antes do fim do perodo embrionrio. Contudo, a sua abertura persiste no pice do sulco terminal como o forame cego da lngua adulta.

    O primrdio da tireoide consiste em uma massa compacta de clulas endodrmicas. Com a invaso do mesnquima vascular, h a organizao em uma rede de cordes epiteliais e, posteriormente, em pequenos grupos celulares. Finalmente so formadas vesculas com uma camada de clulas: os folculos tireoidianos, os quais secretam hormnios a partir da 11 semana.

    O palato proveniente do mesoderma das proeminncias nasais medianas e das proeminncias maxilares.

    O segmento intermaxilar, resultante da unio das proeminncias nasais medianas, contribui para o processo palatino mediano, que ser responsvel pela parte anterior do palato, em forma de cunha.

    A parte posterior do palato, que a sua maior poro, derivada dos processos palatinos laterais, do mesoderma das proeminncias maxilares. Esses processos crescem inicialmente para baixo, em ambos os lados da lngua e depois ascendem e projetam-se na

    horizontal (como uma prateleira) para uma posio superior lngua.

    A elevao dos processos palatinos laterais pode resultar da hidratao devido ao cido hialurnico secretado pelas clulas mesenquimais. O alinhamento para a posio horizontal pode ser determinado pela orientao das clulas mesenquimais e das fibras colgenas.

    Os processos palatinos laterais crescem um em direo ao outro e fusionam-se em torno da 12 semana, separando as cavidades nasal e oral. A fuso indicada pela rafe mediana. O septo nasal cresce inferiormente e funde-se com o palato.

    Osso desenvolve-se no palato anterior, na poro pr-maxilar da maxila, que contm os dentes incisivos, e estende-se para os processos palatinos laterais, formando o palato duro. As pores posteriores dos processos palatinos laterais no se ossificam e constituem o palato mole e a vula.

    A no fuso dos processos que formam o palato, por serem hipoplsicos por causa de teratgenos, como drogas anticonvulsionantes, ou por razes genticas (ocorre na trissomia do 13), resulta na fenda palatina (Figura 6.28).

    A incidncia dessa anomalia de 1/2.500 nascimentos, sendo mais comum no sexo feminino, o que pode estar relacionado com o fato de demorar mais uma semana para o palato se fechar nesse sexo, ficando mais tempo suscetvel a teratgenos.

    Figura 6.28 - Fenda palatina em feto de camundongo.

    A migrao insuficiente de clulas da crista neural para o primeiro par de arcos branquiais resulta em uma hipoplasia desses arcos e dos seus derivados. A sndrome de Pierre Robin e a sndrome de Treacher Collins so duas manifestaes da sndrome do primeiro arco.

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    Na sndrome de Pierre Robin, o indivduo apresenta micrognatia (mandbula pequena), fenda palatina (em consequncia da obstruo ao fechamento dos processos palatinos laterais pelo deslocamento posterior da lngua) e defeitos dos olhos e das orelhas.

    A sndrome de Treacher Collins (disostose mandibulofacial) herdada como condio autossmica dominante. H subdesenvolvimento da mandbula e dos ossos zigomticos da face, inclinao para baixo das fissuras palpebrais, defeitos das plpebras inferiores, orelhas externas deformadas, anormalidades das orelhas mdia e interna, palato alto ou fendido e dentio incompleta.

    Uma forma extrema de hipoplasia do primeiro arco a agnatia, em que a mandbula deixa de se formar.

    Sistema nervoso:

    Como visto anteriormente, na terceira semana de desenvolvimento, o ectoderma suprajacente notocorda induzido a diferenciar-se na placa neural, a qual se fecha no tubo neural (Figuras 6.13 a 6.18). O tubo neural derivar o sistema nervoso central, sendo que a regio anterior ao quarto par de somitos formar o encfalo, e o restante, a medula espinhal.

    Em 1924, Hilde Mangold e Hans Spemann, atravs de experimentos envolvendo enxertos entre embries dos anfbios Triturus cristatus (doador no pigmentado) e Triturus taeniatus (hospedeiro pigmentado), constataram que a diferenciao do ectoderma neural era promovida pelo lbio dorsal do blastporo, cujas clulas formavam o mesoderma dorsal, mais precisamente a notocorda. Desde ento intensa a investigao para descobrir quais so os mecanismos e as substncias responsveis pela induo do sistema nervoso.

    Estudos recentes em embries de Xenopus laevis mostraram que clulas ectodrmicas isoladas diferenciam-se em clulas neurais, concluindo-se que, no embrio, a capacidade do ectoderma transformar-se em ectoderma neural suprimida por sinais transmitidos pelas clulas vizinhas. Os mediadores desse sinal supressor so as protenas morfogenticas sseas (BMP) da superfamlia do TGF-. A expresso de uma verso truncada do receptor de BMP nas clulas ectodrmicas evitou a sua sinalizao, e houve o destino neural. Portanto, a sinalizao BMP promove a diferenciao do ectoderma em epiderme, e o seu bloqueio leva formao de tecido neural.

    Esse bloqueio ocorre atravs das protenas folistatina, noguina (de noggin, referncia cabea em ingls coloquial) e cordina (de chord, medula em ingls), secretadas pelo mesoderma dorsal (notocorda). Cada uma delas foi capaz de induzir a diferenciao do ectoderma do Xenopus em tecido neural. Essas protenas ligam-se s

    BMPs, evitando sua ligao aos receptores e, consequentemente, inibindo sua atividade.

    Isso condizente com a evidncia filogentica de que os primeiros sistemas nervosos nos metazorios tiveram origem em plexos subepidrmicos. O sistema nervoso como um cordo dorsal (ou ventral) deve ser decorrncia da supresso da diferenciao neural no resto do ectoderma.

    O tubo neural diferencia-se em regies distintas pela ativao de genes reguladores do desenvolvimento, como paired-box (Pax), genes hometicos (Hox) e genes dedos de zinco (Krox), que codificam fatores de transcrio, determinando domnios de expresso gnica ao longo dos eixos anteroposterior e dorsoventral. A expresso desses genes regulada por molculas sinalizadoras, como os membros da superfamlia do TGF- (BMPs e dorsalina) e o Sonic hedgehog, que so hormnios peptdicos, e o cido retinoico, derivado da vitamina A e membro da superfamlia dos hormnios esteroides/ tireoides.

    O neuroepitlio do tubo neural apresenta inicialmente somente uma camada celular, constituda por um tipo de clula glial imatura, a clula glial radial. Essa clula exibe um corpo ovoide, com um prolongamento curto, ancorado na parede da luz do tubo neural e outro mais longo, que se ramifica (por isso, a denominao radial) e termina na superfcie oposta. Seu citoplasma rico em filamentos intermedirios de vimentina, nestina e, s vezes, protena acdica fibrilar glial (GFAP de glial fibrillary acidic protein).

    A disposio paralela das clulas gliais radiais d um aspecto de paliada ao neuroepitlio. Os ncleos esto posicionados em diferentes alturas conforme a fase do ciclo celular: as clulas em mitose esto prximas luz, e as clulas em interfase, no lado oposto.

    Quando as clulas sofrem clivagem meridional, as clulas-filhas herdam quantidades iguais dos produtos dos genes Numb e Notch-1, localizados nos polos apical e basal, respectivamente. As duas clulas-filhas originadas so iguais (a diviso dita simtrica): ambas reiniciam o ciclo ou ambas migram.

    Com a clivagem equatorial, uma clula-filha ter Notch-1, e a outra, Numb (a diviso designada assimtrica): a primeira migra, e a segunda reinicia o ciclo celular. A mitose assimtrica da clula glial radial resulta em uma nova clula glial radial e em um neuroblasto. Portanto, as clulas gliais radiais so clulas-tronco capazes de gerar tanto glicitos como neurnios.

    Entre a oitava e a 22 semana, h a produo de neuroblastos. Para tanto uma das clulas-filhas da mitose perde o contato com a luz do tubo e desloca-se

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    para a extremidade oposta, no mais sintetiza DNA e nem se divide.

    No incio, os neuroblastos no possuem prolongamentos, mas logo desenvolvem dois processos citoplasmticos opostos, tornando-se bipolares. Posteriormente um dos processos substitudo por vrios dendritos e o outro se alonga no axnio, resultando em neurnios multipolares.

    Os neurnios, ainda bipolares, enrolam-se em torno dos prolongamentos das clulas gliais radiais e utilizam-nos como guias em sua migrao. H molculas de adeso celular na superfcie do neurnio e na superfcie das clulas gliais radiais.

    A camada junto luz do tubo neural, que contm as clulas em mitose, denominada zona ventricular (ou ependimria). A nova camada estabelecida com a migrao dos neurnios a zona intermediria (antigamente chamada zona do manto). Os neurnios emitem processos dendrticos e axnios em direo periferia do tubo neural, criando uma regio pobre em clulas, a zona marginal.

    A gliognese geralmente inicia aps a neurognese. Os glicitos (oligodendrcitos e astrcitos), originados do neuroepitlio, ocuparo a zona intermediria e a zona marginal.

    Os oligodendrcitos recobrem muitos dos axnios da zona marginal com bainhas de mielina. A mielinizao inicia no fim do segundo ms na medula espinhal e, no encfalo, no terceiro trimestre. Continua durante o primeiro ano aps o nascimento e finalizada quando as fibras nervosas tornam-se funcionais.

    O hormnio da tireoide triiodotironina (T3) tem papel decisivo no desenvolvimento da linhagem oligodendroctica e na mielinizao. A tetraiodotironina (T4), forma imatura do hormnio da tireoide, ao atravessar a membrana das clulas gliais, convertida na forma ativa T3, que se liga a um receptor de localizao citoplasmtica. O complexo receptor-T3 migra para o ncleo, onde possibilita a expresso dos genes reguladores da proliferao e da diferenciao das clulas da glia e da produo de mielina.

    O atraso da mielinizao no hipotireoidismo neonatal produz um quadro de retardo mental chamado cretinismo.

    As clulas que circundam a luz do tubo neural cessam suas divises e diferenciam-se nas clulas ependimrias (ou ependimcitos). Em determinadas ocasies, muitas das clulas do epndima podem se comportar como clulas-tronco, gerando neurnios ou glicitos.

    As clulas da micrglia (microglicitos) originam-se das clulas mesenquimais provenientes da medula ssea que, no final do perodo fetal, alcanam o sistema nervoso central atravs da corrente sangunea.

    Na quarta semana de desenvolvimento, a poro anterior do tubo neural expande-se e origina trs vesculas enceflicas: prosencfalo, mesencfalo e rombencfalo (Figura 6.29). Essa expanso promovida pela presso de fluido contra as paredes. A presso no se dissipa pela futura medula espinhal, porque h uma ocluso temporria do tubo neural na base do encfalo.

    A padronizao anteroposterior do tubo neural comea ainda no estgio de placa neural e est relacionada ao processo de induo neural. O tecido neural induzido por folistatina, noguina e cordina expressa genes que so caractersticos do prosencfalo, mas no dos tecidos mais posteriores. Vias de sinalizao adicionais, como as que envolvem protenas da famlia do fator de crescimento de fibroblasto (fibroblast growth factor - FGF) e o cido retinoico, so necessrias para a formao do mesencfalo e do rombencfalo.

    Ainda na quarta semana, surgem duas protuberncias das paredes laterais do prosencfalo, as vesculas pticas, primrdios dos olhos (Figura 6.29).

    O tubo neural curva-se entre o mesencfalo e o rombencfalo (flexura ceflica) e entre o rombencfalo e o restante do tubo neural (flexura cervical), adquirindo a forma de um C na sua extremidade ceflica.

    Na quinta semana, o prosencfalo deriva o telencfalo (mais cranial) e o diencfalo. O mesencfalo continua como tal. O rombencfalo divide-se em metencfalo e mielencfalo (mais posterior), e entre eles ocorre a flexura pontina (Figura 6.30).

    O telencfalo expande-se lateralmente e dar origem aos hemisfrios cerebrais. At a 14 semana, os hemisfrios apresentam uma superfcie lisa, mas, medida que crescem, surgem sulcos e giros (Figura 6.30), o que aumenta a rea do crtex cerebral sem aumento de volume da massa ceflica.

    O crtex cerebral pode ser dividido em uma rea filogeneticamente mais antiga, o rinencfalo (paleoplio), e em outra mais recente, que apareceu nos rpteis, o neoplio, do qual deriva o neocrtex.

    O rinencfalo comea a se formar em torno da sexta semana como uma evaginao da parte ventral do telencfalo.

  • 92

    Figura 6.29 - Embrio de codorna, com 30h de incubao, onde a parte anterior do tubo neural expandiu-se nas trs primeiras vesculas enceflicas: prosencfalo (P) (de onde as vesculas pticas projetam-se lateralmente), mesencfalo (M) e rombencfalo (R) (cortesia de Casimiro Garca Fernndez).

    A sua poro basal est constituda pelos bulbos olfatrios e pelos pednculos olfatrios. Os neurnios dos bulbos olfatrios recebem informao de clulas que percebem substncias qumicas (odores) e enviam essa informao a uma parte caudal do crtex cerebral para anlise.

    A sua poro cortical est composta pelo hipocampo, que desempenha um papel importante no aprendizado e na memria, e pela substncia cinzenta, onde h pontos de retransmisso dos impulsos olfatrios.

    O neocrtex surge entre o terceiro e o stimo ms de desenvolvimento, a partir da migrao das clulas da zona intermediria para a zona marginal, ficando a substncia cinzenta perifrica. As seis camadas de neurnios que compem a substncia cinzenta so estabelecidas pela migrao das clulas da camada mais interna, a primeira a se formar.

    Figura 6.30 - Embrio de galinha, com 48h de incubao, onde so distinguidas as cinco vesculas enceflicas: telencfalo (T), diencfalo (D), mesencfalo (M), metencfalo (MT) e mielencfalo (MI). So ainda indicadas a vescula ptica (VO) e a vescula auditiva (VA).

    No ser humano, o neocrtex bastante desenvolvido, com um grande nmero de zonas associativas. responsvel pela aprendizagem, pela memria, pela fala, pela atividade voluntria e pelo controle inibitrio.

    O estabelecimento de sinapses inicia na vida intrauterina, aumenta nos trs primeiros anos e diminui o seu ritmo entre trs e 10 anos de idade. Conforme as exigncias do meio, os neurnios mudam morfolgica e fisiologicamente, e as sinapses criam-se, desfazem-se ou so consolidadas (plasticidade neuronal). As sinapses utilizadas tornam-se estveis, enquanto as que no forem usadas sero removidas. Por isso, a importncia de um ambiente rico em estmulos durante a infncia e da atividade intelectual contnua na fase adulta.

    Os hemisfrios cerebrais formam os lobos frontal, temporal, parietal e occipital. H ainda o lobo da nsula, que se posiciona profundamente, devido ao crescimento acentuado dos hemisfrios cerebrais.

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    Em geral, o hemisfrio cerebral direito recebe sensaes e controla o movimento do lado esquerdo do corpo, enquanto o hemisfrio cerebral esquerdo est envolvido com as sensaes e os movimentos do lado direito do corpo.

    Na substncia branca, h fibras de associao que interligam os hemisfrios cerebrais. Por exemplo, h a comissura anterior, que conecta os dois bulbos olfatrios; a comissura do frnix, que inter-relaciona as estruturas do hipocampo de cada lado; o corpo caloso, que liga as reas neocorticais das metades direita e esquerda do crebro, e o quiasma ptico (chiasma = cruzamento), onde metade das fibras dos nervos pticos cruza para o lado oposto do crebro (Figura 6.31). Assim, o lado direito do encfalo recebe a informao de ambos os olhos para a interpretao visual do lado esquerdo de um objeto, e o lado esquerdo do encfalo, a informao para a visualizao do lado direito do objeto.

    As cavidades dos hemisfrios cerebrais so os ventrculos laterais (Figura 6.31).

    Profundamente na substncia branca, ladeando os ventrculos, h os ncleos (regies de substncia cinzenta) da base. Pelo aspecto, foi denominado corpo estriado. subdividido em dois grandes ncleos: o ncleo lentiforme (globo plido e putmen) e o ncleo caudado. Eles esto envolvidos no controle inconsciente do tnus muscular e nos movimentos corporais complexos.

    Originalmente o crebro deve ter tido uma constituio similar dos ncleos da base, j que est intrinsecamente destinado a adquirir esse fentipo. Sinais moleculares, como FGF e Wnt, na regio dorsal inibem esse curso ontogentico e levam diferenciao das demais estruturas.

    Os componentes do crebro expressam diferentes genes reguladores em perodos precoces do desenvolvimento. A diferenciao de reas neocorticais tambm depende de controle gentico.

    O diencfalo diferenciar-se- no hipotlamo, no tlamo e no epitlamo e contribuir para a formao da hipfise, dos olhos e da glndula pineal (Figura 6.31). O hipotlamo, o tlamo e o epitlamo surgem como trs salincias das paredes laterais do diencfalo. Em relao ao tlamo, o hipotlamo ventral, e o epitlamo, dorsal.

    O hipotlamo tem ncleos que regulam as funes viscerais, como o sono, a homeostasia, a temperatura corporal, a atividade cardaca, a ingesto de alimento e de lquido e o comportamento emocional e sexual.

    Ele tambm comanda respostas corporais por intermdio da secreo de hormnios pela hipfise.

    O tlamo possui ncleos que recebem informaes visuais, auditivas e tteis, de dor e temperatura e que as enviam para o crtex cerebral. Desempenha um papel importante na manuteno da conscincia e na aquisio do conhecimento (cognio).

    O epitlamo tem funes associadas ao hipotlamo.

    O espessamento das paredes laterais do diencfalo comprime a luz, resultando em uma fenda estreita, o terceiro ventrculo (Figura 6.31).

    Do assoalho do diencfalo (da regio do futuro hipotlamo) projeta-se, em direo cavidade oral subjacente, um divertculo em forma de funil, o infundbulo, que se diferenciar na neuro-hipfise. Uma evaginao do teto da cavidade oral primitiva (estomodeu), a bolsa de Rathke, encontra o infundbulo e perde a conexo com o ectoderma oral. A bolsa de Rathke derivar a adeno-hipfise (Figuras 6.32 e 6.33).

    Na stima semana, um divertculo mediano do teto do diencfalo (mais precisamente do epitlamo) desenvolve-se na glndula pineal (Figura 6.34). uma glndula filogeneticamente primitiva, que est sob a influncia do fotoperodo e secreta maior quantidade de melatonina noite. Essa substncia inibe a funo do eixo hipfise-gnadas e auxilia na regulao do ciclo sono-viglia.

    O teto do diencfalo, cranial ao epitlamo, constitudo por uma camada de ependimcitos, recoberta por mesnquima vascular. Esses tecidos originaro o plexo coroide do terceiro ventrculo.

    Os ependimcitos dos plexos coroides formam o lquido cerebrospinal a partir do plasma sanguneo. Esse lquido circula pelos ventrculos, as cavidades do encfalo, pelo espao subaracnideo (entre as meninges aracnoide e pia-mter) do encfalo e da medula espinhal e pelo canal central da medula. Ele transporta oxignio, glicose e outras substncias importantes para o metabolismo; remove resduos e substncias txicas, e protege o sistema nervoso central contra choques mecnicos.

    O mesencfalo continua sendo assim denominado no adulto. composto pelo teto e pelos pednculos cerebrais.

    Os neuroblastos que migram para o teto se agregam em dois pares de grupos de neurnios, sendo o par cranial os colculos superiores, e o par caudal os colculos inferiores (Figura 6.31). Os colculos superiores recebem a informao dos nervos pticos e, atravs do tlamo, encaminham-nas para as reas

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    visuais do crtex cerebral (lobo occipital). Os colculos inferiores transmitem os impulsos da cclea para o tlamo, que, por sua vez, os envia para as reas auditivas dos hemisfrios cerebrais (lobo temporal). As ligaes entre os colculos superiores e inferiores auxiliam a coordenao dos reflexos visuais e auditivos.

    Os pednculos cerebrais (Figura 6.31) so constitudos pelo tegmento e pela base. No tegmento, organizam-se os ncleos eferentes somticos dos nervos cranianos III e IV, que suprem a maioria dos msculos extrnsecos dos olhos; o ncleo de Edinger-Westphal, responsvel pela inervao do msculo esfncter da pupila e do msculo ciliar dos olhos; os ncleos rubros (a cor vermelha dada pelo rico suprimento sanguneo e ao pigmento com ferro dos neurnios), e a substncia negra (assim designada pela presena de melanina, precursor do neurotransmissor dopamina). Os ncleos rubros e a substncia negra esto envolvidos no controle do movimento voluntrio. Anterior substncia negra, encontra-se a base dos pednculos cerebrais, onde transitam as vias motoras.

    O mesencfalo contm axnios que descendem do crtex cerebral at o encfalo posterior e a medula espinhal, como os tratos corticopontino, corticobulbar e corticoespinhal.

    A diferenciao celular no mesencfalo controlada pelas molculas sinalizadoras Wnt-1 e FGF-8, secretadas pelas clulas do istmo, um centro organizador na juno entre o mesencfalo e o metencfalo. O padro anteroposterior controlado por sinais indutores locais que regulam a expresso das protenas com homeodomnio En-1 e En-2 (En de engrailed).

    Devido ao crescimento acentuado de suas paredes, a sua luz estreita-se e torna-se o aqueduto do mesencfalo, que une o terceiro e o quarto ventrculos, isto , a luz do diencfalo e a luz do metencfalo e do mielencfalo (Figura 6.31).

    Do incio da quarta at o fim da quinta semana, observada uma segmentao no rombencfalo (Figura 6.29). Esses segmentos so denominados neurmeros (ou rombmeros) e resultam da proliferao celular acentuada. Os corpos celulares de vrios dos nervos cranianos originam-se a.

    Genes Hox especificam a identidade dos neurmeros e seus derivados. A expresso seletiva desses genes regul