desenhos animados no ensino de geografia

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Teorias e práticas de ensino

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Page 1: Desenhos animados no ensino de geografia

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O desenhO animadO cOmO um instrumentO reflexivO para as aulas de geOgrafia

Edson Lopes DomingosEscola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

Universidade Federal de São [email protected]

Tendo em vista as transformações culturais vividas a partir do século XX, esta pesquisa busca compreender a emergência de novos grupos configurados pelo acesso aos meios de comunicação de massa, especificamente os adolescentes. Essas produções da indústria cultural (meios de comunicações) têm sido trazidas para o interior da escola, podendo ser usado pela geografia, fazendo despontar nas salas de aula novas interrogações e perspectivas dentro da diversidade cultural. Nesse contexto, saltam aos olhos novos modos de vida e os novos usos da mídia no cotidiano dos sujeitos, possibilitando a compreensão do espaço geográfico e seus conflitos na construção do território, tomados como agente nessas situações. Favorecer uma ação educativa, por parte da escola, é um desafio que se coloca atualmente.

Especificamente, busca-se compreender como se dá a recepção de programas de televisão por adolescentes frente às questões problematizadoras do ensino de geografia, na construção do espaço, trazer para as aulas de geografia este novo instrumento midiático aos adolescentes que estão cursando o ensino fundamental. Nesse sentido, pretende-se abordar as possibilidades da articulação entre mídia e a geografia e refletir sobre como o professor pode mediar à relação entre produções culturais que estão imbricadas nas questões do estudo de geografia e alunos.

Os objetivos específicos desta prática de ensino em geografia são:-���dentifi car como se dá o acesso aos temas de um episódio de uma série de dese-���dentifi car como se dá o acesso aos temas de um episódio de uma série de dese-�dentificar como se dá o acesso aos temas de um episódio de uma série de dese-m episódio de uma série de dese-

nho animado (Os sete monstrinhos1, que aborda relações familiares) veiculado na emissora estatal TV Cultura de São Paulo, por adolescentes que estudam no ensino fundamental.

-� Compreender como os adolescentes se apropria dos significados culturais para entender a construção do espaço geográfico que permeiam um episódio da

1. Série de desenho animado, “Os sete monstrinhos” de Maurice Sendak, realização Nelvana, exibição TV Cul-tura 2000/2001. TV Cultura Marcas.

série e quais os sentidos que atribuem ao tema, a seus personagens e às ações contextualizadas nesse episódio.

- �dentificar se esses significados culturais influem nos modos como percebem a si mesmos e aos outros, dentro do espaço (lugar e território).

A relevância desse trabalho para as práticas do ensino de geografia deve-se ao fato de que, atualmente, a recepção de programas de TV atravessa intensamente a vida dos adolescentes, dentro e fora da escola, fazendo parte de seus repertórios socioculturais. Compreender a recepção de programas televisivos ou de outras produções audiovisuais a que esses adolescentes têm acesso – a relação entre eles e os temas e valores veiculados pelos programas – pode contribuir para que o professor entenda como eles se apropriam dos significados que circulam nesses programas e como esses significados podem ou não influir nos modos como percebem a si mesmos e ao outro, dentro de uma perspectiva do uso de desenhos animados. E, mais importante, a partir desta compreensão pode-se organizar orientações de como proceder para desenvolver na escola uma educação midi-ática, atrelada aos conceitos dos estudos de geografia, na qual estejam articulados, por um lado, as relações entre os alunos e este Outro, a mídia e suas produções, e, de outro lado, a reflexão sobre os recursos que os meios de comunicação de massa utilizam para atingir o maior número de pessoas, por meio da indústria cultural.

Nosso referencial teórico baseia-se nos Estudos Culturais que se ocupam de dife-rentes aspectos da cultura, envolvendo, outras áreas como a geografia, por exemplo. Nesse sentido, nos basearemos nas contribuições de Stuart Hall (1997), referentes à centralidade da cultura para compreender as questões que atravessam o campo social, e aquelas que nos colocamos nesse trabalho. Na visão do autor a cultura tornou-se central e constitutiva da reconfiguração de elementos que sempre estiveram presentes na análise sociológica; já que ela passa a não ser simplesmente encarada como elemento de integração para o restante do sistema social. Como o próprio título do artigo estudado indica, discute-se sobre o lugar da cultura nas análises sociais contemporâneas, explicando esse lugar ocupado pela cultura a partir do que Hall chama de centralidade substantiva e centralidade epistemológica. Para depois, tratar de alguns aspectos relacionados à regulação cultural. Por centralidade substantiva o autor entende “o lugar da cultura na estrutura empírica real e na organiza-ção das atividades, instituições, e relações culturais na sociedade” (HALL, 1997, p. 17) e por centralidade epistemológica entende a “posição da cultura em relação às questões de conhecimento e conceitualização, em como a cultura é usada para transformar nossa compreensão, explicação e modelos teóricos do mundo” (HALL, 1997, p. 18).

Para o autor, a cultura está envolvida em relações de poder, nos interesses do mercado que se baseiam em relações de trocas, e, por último, na regulação e seu controle, por meio dos espaços, ações e práticas, significados, sentidos e códigos que permeiam a integração através da comunicação.

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Assim como o mundo passa por um momento de transformações de ordem glo-bal, Hall vai defender que a vida das pessoas também é afetada. E isso se deve ao intenso processo de desenvolvimento dos meios de comunicação, que por meio de suas produções influenciam o nosso modo de pensar e de agir, já que estas invadem a todo instante o co-tidiano e a até mesmo a “privacidade” dos lares de cada um. Essa intensificação das trocas culturais por meio das novas tecnologias da comunicação tem possibilitado dinâmicas di-versificadas e não simplesmente a homogeneização das culturas ou o fim de certas culturas que seriam assimiladas pelas redes hegemônicas. Hall (1997) argumenta que esse processo pode aprofundar as diferenciações culturais e pode fazer emergir formações alternativas, implicando rearticulações entre o que é velho e o novo que se apresenta.

Nesse ponto, chegamos às transformações da vida local, isto é, às mudanças cul-turais que em suas formas tentam penetrar nas vidas das pessoas comuns. Essas transfor-mações no modo de vida inserem-se no

declínio do trabalho na indústria e o crescimento dos serviços, o aumento dos períodos de folga, a flexibilidade de emprego, o tamanho das famílias, padrões de diferenças de gerações, responsabilidade e autoridade dos pais, declínio do casamento, incremento do divórcio, a redução das tradicionais idas à igreja. (HALL, 1997, p.21)

As mudanças e transformações na vida local e no cotidiano, segundo a argumen-tação do autor, foram precipitadas pela cultura, isso indica que a centralidade da cultura nas sociedades contemporâneas carrega em si a possibilidade de penetrar em cada canto da vida social, mediada pela indústria cultural, interpelando-nos através das telas da TV.

Na revisão bibliográfica desse trabalho, abordamos também os estudos da re-cepção e das comunidades interpretativas, discutindo como o processo comunicacional é multilateral e permite extrapolar a visão de comunicação como mera transmissão de informações. �niciamos com a preocupação de abordar algumas tendências dos estudos de recepção, pertinentes ao nosso trabalho. Para tanto, tomaremos as contribuições de Robert A. White (1998a, 1998b, 2004) em seus estudos sobre a interpretação das audiências. Suas contribuições sinalizam uma tendência que, embora não seja hegemônica, desde meados da década de 1980 vem ganhando relevância: de que na análise da interpretação da audiência (recepção), produtores e usuários da mídia interagem na atribuição de sentidos, de modo similar à criação de significados nas interações pessoais.

Também tomamos as colaborações advindas do interacionismo simbólico, incorpo-rado à Teoria da Comunicação recentemente pelos trabalhos de Erving Goffman, Howard Becker, Michal McCall, David Altheide e Robert Snow. Há pontos de vista bastante diver-sificados, mas sobre a audiência trazem a idéia de que produtores e receptores negociam para obter respostas que coincidam com as intenções de cada um deles. Nesse sentido, os programas produzidos pela indústria cultural em formato televisivo podem ser tomados

como meio através do qual se formam cadeias de discussão entre grupos particulares, especificamente para apreender a configuração e a definição e validação de identidades.

O conceito de audiência e os modos como os sujeitos interagem e produzem sig-nificações também nos interessa e são abordados no primeiro capítulo.

Para discutirmos a mídia e seu papel na sociedade, utilizaremos Newcomb (1978 apud White 1998) para quem a mídia é um importante fator de mudança social, especial-mente para quebrar preconceitos sociais e resistências a mundos culturais que pareçam estranhos e opostos a nossa cultura. Ele dá grande ênfase ao sucesso da televisão, indicando que esse sucesso consiste na habilidade de articular a visão comum das coisas, de modo que uma ampla gama de telespectadores se reconheça e se identifique.

Apoiamo-nos também em Martín-Barbero (1997 apud WH�TE 1998) que

argumenta que não é possível explicar o papel da mídia na construção de culturas locais, apenas em termos de informações transmitidas e de efeitos comportamentais. Em lugar disso, a mídia é o processo institucionalizado que reúnem diferentes atores, forçando-os a confrontar-se e a chegar a uma síntese de significado que seja viável para o momento, ou seja, a hegemonia não está assegurada de uma vez por todas.

Segundo o autor, o que existe é um campo de batalha entre muitos atores e um palco de novas alianças, o poder não é exercido pela força, mas sim, por manobras para definir símbolos culturais da sociedade, isso está presente na construção do espaço.

Nesse sentido, os estudos sobre os fãs de programas populares, conduzido por Martín-Barbero (1997 apud White 1998), nos indicam que enquanto o poder tem as fontes para delinear estratégias, isto é, para estabelecer alvos e mobilizar os meios para atingi-los, os fracos são obrigados a usar táticas marginais ao processo hegemônico cultural. A esse respeito Martín-Barbero toma as contribuições do historiador Michel de Certeau, especialmente o conceito de tática. Também recorreremos a Martin-Barbero (1997 apud White 1998) para discutirmos o papel da educação midiática nos dias de hoje.

De acordo com nossos objetivos e fundamentação teórica, a abordagem metodo-lógica dessa pesquisa é de natureza qualitativa, e é definida como aquela que privilegia a análise de microprocessos (Martins, 2004). Vale lembrar, que em nosso estudo não estamos preocupados com a generalização, pois o que se busca é o estudo em profundidade.

Frente a uma grande diversidade de perspectivas, o tratamento de nosso tema requer um modo diferente de “fazer ciência”, focalizando como nos indica (Martins, 2004) a estreita aproximação aos dados, exigindo do pesquisador uma capacidade integrativa e analítica e também uma capacidade criadora e intuitiva no percurso do trabalho. Como Martins sugere, implica a aproximação entre o sujeito e o objeto do conhecimento geográ-fico, sendo necessário que os sujeitos participantes aceitem tanto o professor pesquisador como seu tema e técnicas propostas.

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O instrumento que selecionamos é conhecido como Grupo Focal. Atualmente, esta técnica é muito utilizada em pesquisas qualitativas, com o objetivo de coletar dados através da interação grupal, favorecendo a explanação de pontos de vistas dos participantes em relação a uma experiência e a compreensão deles frente ao tema e valorizando suas próprias palavras e comportamentos. Foram realizadas três sessões de GF, com a audiência de um episódio da série de desenho animado Sete Monstrinhos, envolvendo três adolescentes e o pesquisador, no interior de uma escola pública em São Paulo. As seções transcorreram com a apresentação do desenho partir de um grupo coletivo que assistiu ao episódio “Você não é da minha família” e de questões colocadas ao grupo de adolescentes pelo pesquisador.

A análise dos dados permitiu constatar que os estudantes se apropriaram de alguns conceitos veiculados pelo desenho, perceberam a relação de suas identidades com o enredo do filme, e também, no decorrer da entrevista demonstraram competências para buscar compreender este produto cultural, agora podendo ser aplicado aos conceitos tratados pela geografia, por exemplo, a construção do espaço. Assim, podemos encontrar nos dados algumas concepções tratadas pelos principais estudiosos de recepção, e também trazer contribuições a respeito dos meios de comunicação de massa e a criação de comunidades interpretativas, frente à realidade em que vivem as crianças.

A monografia encontra-se organizada em capítulos. No primeiro discorremos sobre nossas bases teóricas. O capítulo seguinte trata de nossas opções metodológicas, narramos como se deu o processo obtenção dos dados, descrevemos nossos instrumentos, o contexto e os sujeitos que tomam parte desse estudo. No terceiro capítulo apresentamos a análise dos dados e, por fim, as considerações finais, parte em que sistematizamos nossas principais constatações.

O desenho animado na escola: perspectivas e desafios culturais da comunicação à geografia.

Mead, em 1970, ela tece a emergência de um novo campo configurado pelas po-líticas e pela sociedade, em suas palavras,

Nosso pensamento ainda nos ata ao passado, ao mundo tal qual existia na época de nossa infância e juventude. Nascidos e criados antes da revolução eletrônica, a maioria de nos não entende o que ela significa. Os jovens da nova geração,no entanto, se assemelham aos membros da primeira geração nascida em um país novo. Devemos aprender juntos com os jovens a forma de dar os primeiros passos. Para construir uma cultura na qual o passado seja útil e não coativo, devemos localizar o futuro entre nós, como algo que está aqui, pronto para que o ajudemos e o protejamos antes que ele nasça, porque do contrario seria tarde demais. (MEAD 1971 apud MARTÍN-BARBERO, 2004)

A autora chama a atenção para nos aproximarmos das mudanças que estão im-bricadas nos motivos que, nos impedem de compreender as circunstâncias estudadas pela

Antropologia e a longa temporalidade que marca nossos medos pela mudança, nossas resistências. Abarca a perspectiva de buscar na realidade a possibilidade de instaurar ce-nários e dispositivos de dialogo entre geração e os povos.

Mead chama de pós figurativa aquela cultura na qual o passado dos adultos é o futuro da cada nova geração, de maneira que o futuro das crianças está inteiramente plasmado no passado dos avôs, pois a essência dessa cultura reside no convencimento de que as formas de vida e de saber dos velhos são imutáveis e imperecíveis. Configurativa denomina outro tipo de cultura na qual o modelo de vida é constituído pela conduta dos contemporâneos, o que implica que o comportamento dos jovens poderá definir em alguns aspectos o de seus avós e pais. Finalmente, a cultura pré-figurativa é aquela em que os pares substituem os pais instaurando uma ruptura generacional. (MEAD 1971 apud MARTÍN-BARBERO, 2004)

É assim, que encontramos hoje a educação em descompasso com a cultura. A relação entre geografia e comunicação não pode ser reduzida a sua dimensão instrumen-tal, mas deve ser pensada a partir da inserção no processo educacional numa perspectiva multicultural, que demanda novos olhares e diálogos mais amplos com a sociedade.

Assim, a cada dia, mais estudantes testemunham uma simultânea, mas descon-certante experiência: a de conhecer como o professor sabe bem a sua lição, e ao mesmo tempo, o embaraço cotidiano de constatar que esses conhecimentos se encontram seria-mente defasados dos saberes e linguagens que circulam fora dela. Ou seja, há uma séria dicotomia presente entre a educação e comunicação.

Mas o que vemos sobre a reação da escola é o entrincheiramento em seu próprio discurso, qualquer outra reação é percebida pelo sistema escolar como um atentado a sua autoridade. Até parece que a mídia já não está inserida nas escolas, no entanto, esta inserção encontra-se calcada numa perspectiva instrumental e não reflexiva. Acreditamos que exista uma atitude defensiva da escola e do sistema educativo que está levando a desconhecer ou disfarçar que o problema de fundo está no desafio que propõe a emergência de outras culturas, de outros modos de ver, de ler, de aprender. Essa atitude limita-se a identificar o melhor modelo pedagógico.

A escola desconhece e tenta esconder o que acontece fora de seus muros, é dois mundos que vivem dentro de um processo de hibridação, que se misturam em territórios. A ação da escola incorre na tentativa de apagamento dessas culturas, impedindo o reco-nhecimento das diferenças, tais como as étnicas, religiosas ou de gênero.

A escola precisa-se se abrir para as múltiplas linguagens que permeiam nossa sociedade, especialmente para as produções midiáticas, o que requer a formação de um cidadão que tenha tanto a competência na escrita e na leitura, mas também na leitura e interpretação dos textos veiculados pelas telas.

Temida por uns e aplaudidas por outros, nos encontramos diante de uma transformação radical das moralidades de produção, transmissão e recepção da escrita. Dissociados dos

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suportes em que tínhamos costumes de encontrá-los (o livro, o jornal e a revista), os textos estão chamados a ter aqui em diante uma existência eletrônica: composto no computador, transmitidos pelos procedimentos telemáticos, os textos chegam ao leitor sobre uma tela. A revolução do texto eletrônico é também da leitura: estamos diante de novas maneiras de ler, novas relações com a escrita e novas técnicas intelectuais. (CHART�ER 1994 apud MARTÍN-BARBERO 2004, p. 345)

O texto escrito aparece em novos suportes, formas e estilos, criando outras pos-sibilidades de interações. A televisão tem posto fim a separação etária no mundo social, porque os programas estão disponíveis para todos, e é aí que se localiza a profunda mu-dança cultural.

Sendo assim, a escola não pode dar as costas para as transformações do mercado e produção de novos saberes. Ela precisa formar para uma sociedade cujas modalidades produtivas estão desaparecendo. Deve formar um cidadão para o mundo, capaz de ques-tionar, desajustar a inércia em as pessoas vivem, desajustar o acomodamento da riqueza, e ter uma educação que reúna a cultura política para que a sociedade não busque salvadores mas sim gere sociabilidades para conviver.

Assim, ao trazermos a mídia para dentro das escolas e para as salas de aula não só como forma de entretenimento, mas como um recurso didático é possível que o tornemos uma fonte de informação que poderá ser transformada em conhecimento, sendo utilizado na formação de identidades individuais e coletivas.

O uso da mídia como um instrumento reflexivo e pedagógico pode possibilitar a ativação da cultura que fortalecerá ações criativas em nossa sociedade. Sendo assim, a mídia está presente na vida dos jovens em processo de escolarização que poderão fazer uso desses instrumentos de mídia para refletirem sobre seu modo de vida. Concluímos que se deve incorporá-la como outro universo simbólico que coexiste com a cultura escolar. É preciso também aproveitar e potencializar os conhecimentos para os que ainda não conhecem a diversidade cultural de nosso tempo, além de fazer uso dessa riqueza cultural veiculada nas produções midiáticas.

Por meio deste trabalho constatamos que os programas de TV são importantes objetos de reflexão e podem funcionar para fortalecer habilidades para a leitura e interpre-tação crítica, desenvolvendo a competência cultural dos sujeitos que os recebem. Em nosso caso, observamos que os adolescentes quando questionados sobre os temas, personagens e ações contextualizadas no episódio apresentado, compreendidos como uma comunidade interpretativa (White, 1998), se mostram ativos e reflexivos na recepção dessa produção cultural. Desse modo, eles não estão passivos, porque no processo de apropriação criam novas significações para o que está posto.

As produções midiáticas como discutido anteriormente têm o poder de levar a imagem e os textos a um grande número de pessoas através dos aparelhos televisivos, sendo uma forma rápida e econômica de disseminação e de acesso a modelos culturais devido

aos avanços tecnológicos. No entanto, esta dinâmica traz novas questões sobre o papel da mídia e sua relação com a geografia, por meio da produção de conhecimentos científicos (formais) e cotidianos (informais), colocando em jogo, de um lado, como se dá a recepção, se de maneira transmissiva e direta ou de maneira negociada pela audiência, e de outro, quais seriam as competências culturais necessárias para interpretar tais produções de maneira crítica, e aplicá-los aos conhecimentos da geografia.

O uso de um episódio dos “sete monstrinhos” deveu-se à possibilidade de colher as impressões dos participantes e, por ser conhecido e pelo fato de os adolescentes gosta-rem da série, facilitou a interpretação do enredo e de outros elementos que o constituem, viabilizando o debate.

Após a apresentação, os adolescentes trouxeram particularidades do desenho, posicionando-se sobre o personagem principal, atitudes marcantes observadas. Também trouxeram símbolos culturais presentes em toda sociedade e que os adolescentes trazem consigo, próprios do contexto histórico em que estão inseridos. Desse modo, observamos o processo de apropriação dos significados culturais que permeiam o episódio e os sentidos que atribuem ao tema e às ações contextualizadas. Ou seja, os adolescentes ao terem acesso a tais programas e terem um mediador que lhe propõe questões, podem tornar próprios novos elementos dando novos significados ao que já foi significado nessa produção. A apropriação garante a continuação da compreensão do episódio apresentado, por exemplo, quando eles questionam os nomes dos personagens, a organização peculiar daquela famí-lia, o que fariam se estivessem no lugar da personagem 6, entre outros. À primeira vista, o que poderia ser tomado com absurdo, causa um estranhamento que permite ao grupo compartilhar, refletir, rever, identificar e negar elementos. Suas opiniões e posicionamen-tos estão relacionados às suas próprias vidas, e esta relação entre o novo que se coloca e o velho, aquilo que já se sabe, entendemos como uma apropriação nova.

Os significados aparecem como paradigmas, a partir dos quais os adolescentes podem se posicionar frente aos modelos culturais que se quer veicular, podendo desen-cadear reflexões sobre esses modelos e sobre o modo como percebem a si e aos outros.

Esse processo foi capturado em duas categorias distintas de análise: a recepção e a competência cultural mobilizada no acesso as produções midiáticas. Constatou-se que ocorreram vários tipos de recepções e apropriação de significados, mostrando que os adolescentes não foram passivos frente às imagens e aos textos, mas tiveram condições de propor e buscar soluções às vezes contrárias daquelas veiculada pelos desenhos. �sso se deve a competência cultural e à mobilização de habilidades mediada pelo pesquisador a fim de proporcionar uma interpretação mais crítica da audiência.

Com isso, tentamos com esse trabalho contribuir para o debate educação e mídia, a fim de promover uma atenção maior sobre as dinâmicas da comunicação de massa, pre-sentes na sociedade e que hoje estão adentrando as escolas, ou seja, o que se propõe é que a área da Educação (geografia) participe efetivamente deste debate.

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Também percebemos nesse percurso o grande descompasso entre a educação e a cultura. Carregamos as dívidas do passado e seus efeitos perversos: a universalização da escolaridade básica, sem a qualidade de ensino, o crescimento de analfabetos funcionais, aumento do percentual do fracasso escolar, complementado com a desmoralização crescente dos professores (deteriorização dos salários, escassez de recursos, avaliação depreciativa da profissão etc.). Num contexto mais amplo, verificamos o aprofundamento da brecha da América Latina, em relação à produção cientifica e tecnológica, conseqüência da recessão econômica e das políticas neoliberais, deixando patente o acelerado processo de retração do Estado e seu dissimulado ou descarado impulso para a privatização da educação. Po-demos perceber que o que está acontecendo nos remete a uma deteriorização, que levou a massificação escolar pautado em um novo modelo pedagógico centralizado na indivi-dualização: na exaltação da autonomia do individuo, em suas capacidades de aprender a aprender, em um projeto meritocrático de renovação das elites dirigentes combinado a uma grande pressão seletiva, e a recuperação dos valores da disciplina, sobrando muito pouco para o conhecimento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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