desenho: uma habitação no tempo

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1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES INSTITUTO DE ARTES Ana Adelaide Lyra Porto Balthar DESENHO: UMA HABITAÇÃO NO TEMPO Rio de Janeiro 2009

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Page 1: desenho: uma habitação no tempo

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

INSTITUTO DE ARTES

Ana Adelaide Lyra Porto Balthar

DESENHO: UMA HABITAÇÃO NO TEMPO

Rio de Janeiro

2009

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2

Ana Adelaide Lyra Porto Balthar (Nena Balthar)

DESENHO: UMA HABITAÇÃO NO TEMPO

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós- Graduação em Artes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Área de concentração: Arte e Cultura Contemporânea.

Orientadora: Profª . Drª Maria Luiza Fatorelli

Rio de Janeiro

2009

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3

Ana Adelaide Lyra Porto Balthar (Nena Balthar)

DESENHO: UMA HABITAÇÃO NO TEMPO

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós- Graduação em Artes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Área de concentração: Arte e Cultura Contemporânea.

Orientadora: Profª . Drª Maria Luiza Fatorelli

Aprovado em: ______________________________________________

Banca examinadora: _________________________________________

__________________________________________________ Profª. Drª. Maria Luiza Fatorelli (Orientadora)

Instituto de Artes da UERJ

__________________________________________________ Prof. Dr. Márcio Tavares D`Amaral Escola de Comunicação da UFRJ

__________________________________________________ Prof. Dr. Roberto Corrêa dos Santos

Instituto de Artes da UERJ

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4

Para meus pais, Affonso Luiz de Souza Balthar (in memorian) e Maria Luiza Lyra

Porto Balthar, pelo amor e ensinamento de que a vida pode ser transformada em

maravilhamento quando sabemos desfrutar das coisas singelas do dia a dia.

Para Marcelo Torres Bozza, meu amor, grande incentivador e companheiro de tudo.

Para Lucas Balthar Torres Bozza e Vicente Balthar Torres Bozza, filhos amados e

amorosos, que me atualizam a vida a cada instante.

Page 5: desenho: uma habitação no tempo

5

AGRADECIMENTOS

À minha orientadora Malu Fatorelli, pela confiança e encorajamento durante todo o

processo de realização desse texto. Sua sensibilidade, e sugestões preciosas tornaram

possível esse projeto.

À Lucia Vignoli, pela sua amizade, companheirismo, generosidade e disponibilidade,

imprescindíveis na realização dos filmes, pela leitura atenciosa, por nossas conversas e

tudo o mais.

Ao professor Roberto Corrêa dos Santos por suas sugestões na qualificação, suas

aulas encantadoras, sua delicadeza e generosidade ao escrever o texto

DESENHOPÓGRAFITE de Nena Balthar, e por aceitar participar, mais uma vez, da

banca examinadora.

À Maria Tornaghi, meu oráculo, por tanto e tantas horas...

À professora Leila Danziger, por aceitar participar da banca de qualificação, por sua

atenção e sugestões.

Ao professor Márcio Tavares D` Amaral por ter aceito o convite de participar da banca

examinadora.

Ao professor Jorge Luiz Cruz, por disponibilizar o laboratório de Cinema e Vídeo do

Instituto de Arte da UERJ, e a Geysa Gonçalves, imprescindível na edição das

imagens do Camadas.

À minha sobrinha Victória Balthar, por sua leitura e revisão atentas e cuidadosas, por

suas sugestões e por ser a pessoa maravilhosa que é.

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6

À Fabianna de Mello e Souza, por me apresentar o Theatre du Soleil e por sua imensa

amizade.

À Maria Cristina F. de Mello, pela sua amizade e presença sempre.

À Jacqueline Siano e Lídice Matos, pelas horas de conversas, por me ouvirem e

proporcinarem novas idéias.

À Luisa Moraes, muita querida, sempre pronta a me ajudar.

À Cristina de Pádula, Tânia Queiroz e Nelson Augusto pelos livros e por estarem por

perto.

Aos professores do mestrado da UERJ, especialmente Rogério Luz e Sheila Cabo

Geraldo. Muito do que compartilho nessa dissertação se originou em suas aulas.

Ao Guilherme Bueno, pelo texto Eppur Si Muove.

Ao Luciano Boggado, pela gentileza e pelas fotos para a exposição

DESENHOPÓGRAFITE.

À Maíra Peixoto, pelas versões em inglês no catálogo da exposição

DESENHOPÓGRAFITE e no abstract da dissertação.

Ao professor Mário Fiorani, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (UFRJ), por

emprestar a cúpula de acrílico para a realização do Cristalino.

Aos funcionários do PPGArtes pela ajuda permanente, especialmente ao Jorge Luiz

Santos, à Mariana Maia da Silva e ao Roberto Coelho Ovalle.

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7

À minha família, pelo acolhimento e carinho. Especialmente à minha tia Angela Maria

de Castro Lyra Porto (DINDA), por sua dedicação e amor, minha segunda mãe.

Ao CAPES, pelo financiamento ao final da pesquisa.

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RESUMO

BALTHAR, Ana Adelaide Lyra Porto. Desenho: Uma Habitação no Tempo. 96 f.

Dissertação (Mestrado em Arte e Cultura Contemporânea) — Instituto de Artes,

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro 2009.

Desenho: Uma Habitação no Tempo é uma reflexão sobre o Tempo e a arte. A

pesquisa propõe perceber o tempo como demora a partir de uma experiência artística,

como sua experiênciação. Um desvio no tempo acelerado que visa à eficácia em

detrimento ao processo. A possibilidade de estimular uma ruptura no cotidiano e poder

pertencer ao seu tempo. Demorar-se no pertencimento implica em uma atenção ao

ritualístico da vida, ao auto-conhecimento e ao reconhecimento do outro diferente de

nós. A abordagem dessa idéia na tese — demorar-se no tempo — se dará sob o viés

de reverberações entre minha prática artística e as idéias de repetição como tarefa,

abertura na mente, heterotopias, tradição, compartilhamento e alteridade, identificadas

na prática de alguns artistas e no pensamento de alguns teóricos.

Palavras-chave: arte contemporânea, experiência artística, tempo, pertencimento, vida.

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ABSTRACT

Drawing: a Dwelling in Time is a reflection on time and arts. The purpose of this

research is to perceive time as a delay from an artistic experience, as its

experimentation. A deviation in the accelerated time, which aims at the efficacy in

detriment of the process. The possibility to incite disruption in routine and afford

belonging to its time. To linger in belonging implies attention to the liturgies of life, self-

knowledge and the knowledge of others different from us. The approach of the idea of

lingering in time in the dissertation will take place under the bias of the repercussions of

my own artistic practice and the ideas of repetition as a task, opening of mind,

heterotopias, tradition, sharing and alterity identified in the practice of artists and in the

thoughts of theoreticians.

Keywords: contemporary art, artistic experience, time, belonging, life.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÂO / p. 10

2. PRIMEIRO ATO / p. 21

3. INTERVALO / p. 48

4. SEGUNDO ATO / p. 51

5. BREVES CONSIDERAÇÕES / p. 85

6. BIBLIOGRAFIA / p. 89

7. ANEXO / p. 96

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PRÓLOGO

A divagação ou digressão é uma estratégia para protelar a conclusão, uma

multiplicação do tempo no interior da obra.

Ítalo Calvino

O presente texto é uma tentativa de digressão, estratégia para perceber o tempo

demoradamente, habitando-o. Um contraponto à maneira da cultura contemporânea

ocidental perceber o tempo como acelerado. Aceleração relacionada ao uso das

tecnologias visando à eficácia, ao bom resultado, em detrimento do processo (sucessão

de estados, mudanças).

Quando falamos em contemporaneidade freqüentemente nos referimos a

quantidades enormes de informação. Luiz Alberto Oliveira nos diz que “um atributo

próprio da nossa época é a aceleração (...) manipular instantaneamente, sem qualquer

retardo apreciável, quantidades maciças de informação”(OLIVEIRA, 2003, p.65).

A multiplicação do tempo parece ser uma das possibilidades de experimentá-lo

de outra maneira que não a da aceleração. Multiplicar, acumular, repetir, demorar,

habitar. Verbos que demandam ações que permitem perceber o tempo como processo,

como habitação na experiência.

Considero minha prática artística um exercício, que aproximo da acepção da

palavra ensaio de Márcio Tavares D`Amaral. O autor diz que o ensaio está relacionado

à idéia de repetição, presente na preparação (ensaio) de uma peça teatral ou num

experimento científico, e, ainda, é a forma livre, inconclusiva de uma tese em forma de

ensaio. Lembrando que o pensamento também é de natureza ensaística1. Realizo esta

tese na forma de ensaio.

1 Márcio Tavares DAmaral, na introdução do seu livro “O Homem sem fundamentos – sobre linguagem, sujeito e tempo”, se refere ao pensamento como sendo “ensaístico, aleatório, livre e ao mesmo tempo existencialmente comprometido”. Nos lembrando sua natureza processual.

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A partir dos meus desenhos construo minha proposta e investigo a possibilidade

de proporcionar um estímulo para perceber outras temporalidades, diferentes da

temporalidade que se passa num regime de causa e efeito (cronológica). Este estímulo

é minha intenção, possibilidades de gerar outro acesso à realidade permitindo

reinventá-la.

O Neoconcretismo “repunha a colocação do homem como ser no mundo e

pretendia pensar a arte nesse contexto”(BRITO, 1985, p. 51), com suas propostas de

cindir a distância entre arte e vida, radicalizando o envolvimento do espectador na ação

de uma fruição. Questionava uma tradição de distanciamento baseada no lugar da obra

e no lugar do espectador, então distintos e separados. “A arte neoconcreta funda um

novo espaço expressivo”2, diferente de um espaço mecânico, causal e racional

presente nas idéias de uma arte abstrata geométrica3, mesmo que utilizando o seu

vocabulário. Os artistas neoconcretos propunham uma reinterpretação do pensamento

objetivo, considerando a presença do espectador como fundamental para que a obra

obtivesse seu significado. Defendiam a idéia do não-objeto, não como negação do

objeto, mas como “objeto especial” com a intenção de realizar “uma síntese de

experiências sensoriais e mentais: um corpo transparente ao conhecimento

fenomenológico, integralmente perceptível, que se dá à percepção sem deixar rasto.

Uma pura aparência.”4.

Merleau-Ponty diz que nossos corpos são tão videntes quanto visíveis — “O

enigma consiste em que o meu corpo é ao mesmo tempo vidente e visível.”(MERLEAU-

PONTY, 2000, p. 20-21) —percebem as coisas como também são percebidos por elas.

Podem olhar-se de outro lugar: o nosso corpo “vê-se vendo, toca-se tocando, é visível e

sensível para si mesmo”(MERLEAU-PONTY, 2000, p. 21), fazendo-me pensar que nos

constituímos a partir do outro. Por isso a idéia de habitação na alteridade — que remete

2 Manifesto Neoconcreto In: COCCHIARALE, Fernando e GEIGER, Anna Bella (orgs). Abstracionismo Geométrico e Informal. A vanguarda Brasileira nos anos cinquenta. ed. Rio de Janeiro: Ed. FUNARTE, 1987. p..236 3 Construtivismo, Neoplasticismo, Suprematismo e Escola de Ulm dentre outros. 4 Manifesto Neoconcreto. In: COCCHIARALE, Fernando e GEIGER, Anna Bella (orgs). Abstracionismo Geométrico e Informal. A vanguarda Brasileira nos anos cinquenta. ed. Rio de Janeiro: Ed. FUNARTE, 1987. p.237.

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ao outro diferente de nós e ao outro de nós mesmos. Uma tentativa de resgate da

ritualidade existente na vida, de busca pela subjetividade para além da eficácia atual.

Uma ritualidade que dialoga com a idéia proposta pelo movimento Neoconcreto de

reafirmar “a arte como formulação primeira do mundo”(GULLAR, 1987, p. 241). A

ritualidade no sentido de “reviver o ritual” proposto por Lygia Clark, uma nova maneira

de perceber a obra de arte — um diálogo da obra com o espectador. A relação da arte

com a possibilidade do homem conhecer a si próprio, de sua possível habitação do

mundo.

Desenho quando escrevo — tarefa de “atelier” — risco, risco novamente, uma

sucessão de palavras, uma após a outra como nas linhas que registro na superfície do

papel ou da parede. Cada sobra, cada palavra descartada reservo no final do texto —

resíduos “de pensamento” que retornam na página seguinte, em outro patamar. Não

leio o que escrevo, vejo. Na tarefa diária de escrever a dissertação, surgiu a

necessidade de uma visualidade gráfica diferente das letras, uma visualidade em áreas

de linhas de cores. Esses “desenhos” não são de cunho público, são estratégias que

me orientam no fluxo de meu pensamento. Cada frase digitada, cada página

preenchida, visualizo-a no “print preview“5, o que “leio” são as linhas pretas intercaladas

por grande áreas de linhas em cor azul, ou linhas pretas interrompidas por fragmentos

em rosa. Os autores têm suas presenças sinalizadas em laranja, e minhas dúvidas

aparecem na cor verde. Mas o que vem a público são extensas áreas de linhas pretas.

Na tarefa de “fazer linhas”, sou como personagem de um processo que revela o

tempo que se leva para fazê-las. Nossos hábitos diários, nossa realidade, podem ser

relacionados à idéia de repetição como tarefa. A tarefa como percepção do tempo, do

tempo que se leva para performá-la, o tempo de habitá-la.

Gilles Deleuze diz que o artista, ao utilizar o procedimento da repetição, não

reproduz um elemento pelo conceito do que é identico. O artista, para Deleuze, ao

repetir exerce combinações entre exemplares e seus elementos. Identifico nesse

5 “Print preview“: visualização da página digitada na tela do computador.

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conceito de repetição pelas combinações uma referência à acúmulos e não excessos,

(como penso acontecer pela justaposição de idênticos). Nessas combinações, o artista,

diz Deleuze, “introduz um desequilíbrio, uma instabilidade, uma dessimetria, uma

espécie de abertura, e tudo isso só será conjurado no efeito total” (DELEUZE, 2006, p.

44). A ocupação, a tarefa que se repete, na qual o corpo todo se encontra ocupado,

abre a mente à possibilidade de imaginação, de memórias, de invenções. Abertura que

parece ser a “abertura” a qual Deleuze diz ser introduzida pelo artista ao utilizar o

procedimento da repetição. Estímulo à percepção de outras temporalidades.

Na minha prática o que se repete são os gestos, as linhas de grafite e as

imagens de minhas ações. Nos últimos anos, o que a move é a idéia de passagem, de

transitoriedade, que acredito poder relacionar ao tempo como duração, lentidão,

habitação. Entendo habitar como estar em processo, estar entre, numa fresta ou

intervalo. A repetição é uma necessidade e uma tática para essa possível percepção do

tempo. A demora não é creditada pelo relógio, mas pela atitude inaugural frente a uma

experiência. Mais especificamente a uma experiência artística, na crença de que na

arte seja possível proporcionar estímulos a novas percepções temporais.

Desenho e gravo, em precários vídeos digitais, meus traços, meus desenhos. No

início, esses gestos não eram apreendidos pelo “olho” das câmeras, mas pelo “olho” do

relógio. Marcava com rigor, quase científico-laboratorial, os tempos que permanecia

riscando, gravando e apagando o que desenhava. Já havia nesses desenhos uma

relação do gesto com o corpo todo que, também, desenha. Na repetição os gestos

denunciam a ação do meu corpo ao desenhar. A necessidade de registrar com o “olho”

da câmera as imagens dos gestos, dos traços, movimentos quase dança, me levou a

filmá-los. Não é propriamente a performance o que me interessa, mas poder

compartilhar o processo do fazer, riscar, movimentar. Performo em silêncio e sem

platéia, um pensamento mais próximo do ritual e do auto-conhecimento. Filmar meus

gestos fazendo as linhas que desenho, e depois projetá-los no espaço expositivo onde

se encontra o desenho acabado, é como construir novamente esse desenho com o

olhar do Outro. Cada vez que o vídeo projeta meus gestos ao desenhar é como se eu

estivesse novamente a fazer o desenho. Como se trouxesse para o instante em que se

olha o vídeo a presença das camadas temporais da tarefa realizada — o desenho.

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A estrutura da dissertação foi concebida em forma de espetáculo: Prólogo,

Primeiro Ato, Intervalo e Segundo Ato. Uma referência à experiência do teatro em sua

vinculação com o contexto do observador e como isso influencia a produção de artes

visuais desde o início do século XX.

A escolha de uma aproximação do teatro com as artes visuais é decorrência da

minha experiência de vida e da relação do teatro com os desdobramentos de questões

em torno da produção de arte. Rosalind Krauss aponta que essa relação com o

espectador – localizada em seu próprio corpo – modificou e ampliou o pensamento da

arte (KRAUSS, 2001). Roselee Goldeberg, ao traçar uma história da performance, diz

que as questões envolvidas nos “manifestos da performance, desde os futuristas até

nossos dias, têm sido a expressão de dissidentes que tentaram encontrar outros meios

de avaliar a experiência artística no cotidiano”(GOLDBERG, 2006, p. VIII). Tais

avaliações (das experiências artísticas) passaram a considerar que a produção de arte

não está mais relacionada apenas ao aspecto formal – a obra – mas também (e por

vezes apenas) à experiência artística.

Convivo desde a adolescência com atores e com o meio teatral, e graças a essa

proximidade conheci o Théâtre du Soleil6 sob a pespectiva de quem faz parte do grupo.

Em 1997 estive na sede do teatro, em Paris, visitando a atriz e amiga Fabianna de

Mello e Souza, que trabalhava na companhia. Nessa ocasião pude compartilhar um dia

de trabalho com toda a troupe7.

Logo nas primeiras horas do dia, a diretora do teatro Ariane Mnouchkine, reuniu

na cozinha da Cartoucherie todos os integrantes da companhia. Nesse momento eram

feitos os anúncios sobre as novidades do “bureau”, o dia de trabalho no palco, as

necessidades das equipes técnicas, a organização do espaço, o projeto para todo o dia

6 O Théâtre du Soleil é uma companhia de teatro fundada pela a diretora Ariane Mnouchkine em 1964 na França. É uma das maiores, senão a maior, companhia permanente de teatro da Europa. Seus espetáculos são apresentados anualmente por todo mundo. Em Paris o teatro tem capacidade de 600 lugares e recebe diariamente franceses e estrangeiros que viajam à França para ver seus espetáculos. Comvidada pelo Sesc, a companhia veio pela primeira vez ao Brasil e à América do Sul em 2007. 7 Grupo de atores de uma companhia teatral.

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e demais avisos. A jornada de trabalho se iniciava, cada um com suas funções

participava da preparação do espetáculo.

Para Mnouchkine, o ator precisa compreender o momento da criação e as

necessidades desse momento, precisa colocar seu trabalho a serviço desse processo.

O ator deve propor tudo o que concerne à concepção do espetáculo, interferindo com

suas idéias desde o personagem, o figurino até o cenário. Aproximo minha proposta de

investigação do modo como Ariane Mnouchkine trabalha. No Théâtre du Soleil a

répétition8 se dá pela forma da criação coletiva, e eu a relaciono com a idéia de um

encontro com o outro (alteridade).

Ao entrar na sede do Théâtre du Soleil, a Cartoucherie — um lugar que no

passado abrigou uma antiga fábrica de pólvora localizada no bosque de Vincennes —

temos a impressão de entrar em um lugar imaginário, longe de Paris, com outro ritmo.

Percebemo-nos em outro tempo: o tempo de gestação do espetáculo, um tempo de

processo — demora. No Théâtre du Soleil habita-se esse tempo.

Minha visita coincidiu com o período que antecede a estréia, e toda a

colaboração era bem vinda. Fui, como outros visitantes, voluntária. Solicitaram, no

início do dia, reforço para finalização dos figurinos e passei o dia no galpão da costura.

Eramos quase vinte pessoas entre atores, costureiras, equipe do escritório e voluntários

como eu. No Galpão havia grandes armários onde ficavam dispostos os figurinos

utilizados pelos atores para as improvisações de cenas. Misturavam-se no ambiente,

rolos de tecidos vindos do mundo inteiro, máquinas de costura, caixas de botões, de

linhas e o som de palavras em espanhol, em italiano, em árabe, em francês e, também,

em português. Diversidade de línguas, de culturas no interior do Galpão. A hora das

refeições é comum a todos. Almocei junto com a troupe composta, na época, por 65

artistas permanentes vindos do mundo inteiro. Depois do almoço voltei para a costura,

não sem antes ajudar a enxugar os pratos — todo o processo me fazia pertencer

àquele tempo — àquela heterocronia9.

Após o lanche, no meio da tarde, ajudei no preparo do cenário na sala de

apresentação. Carregávamos os tecidos de seda para compor o cenário, e, nessa nova 8 Na França os ensaios, a preparação de uma peça, é chamado de Répétition. Esta palavra francesa parece enfatizar sua natureza de processo, de estar a caminho. 9 Heterocronia é um conceito de Foucault no qual ele propõe que existam recortes de tempo proporcionando temporalidade diferentes da cronológica (linear). Voltarei à esse conceito no capítulo Segundo Ato.

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sala, o silêncio e a concentração presentes alteraram imediatamente nosso modo de

andar, e sem que percebessemos estávamos experimentando um outro tempo, onde

tudo convergia para o palco.

Em Outubro de 2007, após dez anos do primeiro encontro, tive a oportunidade de

assistir a um espetáculo do Théâtre du Soleil; a peça “Les Ephémères” no SESC

Belenzinho, em São Paulo. Relato minhas impressões dessa aventura, nela acredito

existir a possibilidade de um desvio no regime de causa e efeito de percepção temporal.

Ressonância com minhas reflexões sobre a percepção do tempo como habitação.

Digo aventura pois foi esta a palavra que a diretora, Ariane Mnouchkine,

escolheu para designar, ao final de mais de sete horas de espetáculo, a experiência de

teatro que o público compartilhou com a troupe do Théâtre du Soleil na tarde e noite da

apresentação.

Por conhecer uma das atrizes me percebi num espaço intermediário: um pouco

público um pouco assistente da troupe. Chegamos ao SESC, três horas antes da

abertura, almoçamos com o grupo e depois fomos ao trabalho voluntário. Desta vez

minha colaboração foi auxiliar o preparo de pratos de queijos para serem degustados,

com vinho, pelos espectadores. Misturava inglês e francês, e por vezes português, para

me comunicar. Eramos como anfitriões preparando a festa para nossos convidados —

o público.

A grande surpresa foi ao entrar no palco, parecia estar novamente na sala de

espetáculo da Cartoucherie. Importante lembrar que sempre que o Théâtre du Soleil

participa de uma tournée ele transpõe para o lugar da apresentação o espaço de que

dispõe em Paris. Para que isso aconteça tudo é transportado, de navio, em containers.

Minuciosamente planejado, o trabalho será realizado com o que eles dispõem em seu

espaço na Cartoucherie.

De navio vêm os fogões, mesas, pratos, talheres, máquinas de costura, som,

instrumentos musicais, palco, arquibancada, adereços, figurinos e demais

equipamentos para a construção do espaço cênico e acomodação dos espectadores. É

essa infra-estrutura que permitirá, sobretudo, criar o ambiente onde será instaurada a

grande aventura.

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Cada espetáculo da companhia possui uma ambiência própria para que, desde a

chegada, o espectador comece a sua experiência pessoal em um lugar e em um tempo

particular. Lembro que na minha primeira visita ao Théâtre du Solei, estavam pintando

budas nas paredes da sala de espetáculo, uma referência às cores e a atmosfera dos

antigos templos tibetanos. A peça “Et soudain, des nuits d'éveil”10, que entraria em

temporada, era sobre o Tibet. No SESC Belenzinho, o cenário, os adereços e o menu

servido ao público também se referiam à idéia do espetáculo: momentos da vida, da

vida na França. O odor que vinha da cozinha nos levava aos recantos do interior da

França.

O espetáculo não se reduz ao palco, aos comédiens11 e à arquibancada que

abriga a platéia. Ele se inicia assim que as pessoas penetram no enorme galpão do

SESC12 uma hora antes dos comédiens iniciarem as histórias, e dos espectadores

tomarem seus assentos.

À espera do público estão os 65 componentes da companhia. E é nesse enorme

lugar que a recepção, que antecede e prepara o momento do espetáculo, se dá. Uma

grande bancada expõe e vende livros, CDs e todo o tipo de material que inspirou e

contribuiu para a criação de cada peça; dividindo com o público os caminhos

percorridos. A refeição, momento comum aos integrantes da troupe, também está

presente. Misturam-se a essa bancada um bar e uma espécie de delicatesse, onde as

pessoas podiam adquirir bebidas e comidas e apreciá-las no grande refeitório

disponibilizado. Um enorme ritual preparado e organizado pelos integrantes do Théâtre

du Soleil, que permite ao espectador “um retardo apreciável”( OLIVEIRA, 2003, p.65)

proporcionado por essa experiência.

O palco também se encontra nesse mesmo espaço; é uma construção em

madeira que lembra uma enorme caixa. É necessário subir uma escada para se sentar

numa das duas arquibancadas que ladeiam o palco. Esse, uma pequena pista oblonga,

e a platéia observará as cenas do alto de seus lugares. No vão embaixo das 10 “Et soudain, des nuits d'éveil” — E de repente, noites em claro/despertas (tradução livre) — Nesse espetáculo Mnouchkine faz um trocadilho com a palavra éveil. Estar acordado: pois o espetáculo se passa durante uma vigília em prol dos tibetanos. E despertar, para as questões entre China e Tibet. O Espetáculo foi apresentado em dezembro de 1997, na Cartoucherie, e em Junho de1998 na tournée em Moscou (Festival Tchékov). (grifos nossos). Tradução nossa,. 11 A palavra francesa comédiens se refere a atores de teatro. 12 Os espaços para realização das apresentações do Théâtre du Soleil são sempre amplos, como o SESC Belenzinho, e transformados em em lugar de teatro; como na Cartucherie.

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arquibancadas, ficam os camarins, abertos à curiosidade do público que compartilha do

processo de feitura do espetáculo, e acompanha a preparação final dos atores antes de

entrar em cena. O público é convidado a ser cúmplice nessa aventura. Singela relação

de convidado e anfitrião que prepara o espectador para a próxima surpresa.

O espetáculo “Les Ephémères” “fala de instantes.....do presente que não é mais

o presente no momento em que se diz a palavra presente. Talvez da beleza dos seres

e da dificuldade que nós temos em perceber essa beleza. E realizar o quanto aqueles

instantes foram belos, ah bem, eles já passaram.”13

As histórias são narradas em dois atos com duração de cerca de três horas cada.

“Les Ephémères”, as efemeridades, são como pedacinhos, dados aos poucos e sem

linearidade. Fragmentos de lembranças, de recordações de momentos que não estão

mais presentes, mas que voltam atualizados pela memória de cada um.

Entre o primeiro e o segundo ato há apenas um intervalo de poucos minutos. É

nesse momento que entra no palco um enorme carrinho de chá com água fresca e

biscoitinhos, ofertados ao público que desce até o palco. A relação de convidado e

anfitrião mais uma vez presente na idéia do espetáculo. A platéia vai ao palco, e nesse

breve intervalo se dá o encontro com o outro.

Permanecer num estado de imersão proporcionado pelo espetáculo do Théâtre

du Soleil, que nas palavras de Mnouchkine é “um espetáculo feito pelos instantes que

nos fizeram”, nos permite habitar a experiência, nos faz pertencer a esse tempo.

Habitar significa ocupar, morar, viver em, residir, estar, permanecer, coabitar

(FERREIRA, 2004, p.1019). Todos os sentidos da palavra habitar se relacionam com a

possibilidade de agenciamentos de espaços e tempos estabelecidos que envolvem

outras percepções da realidade e das relações entre pessoas e seus papéis na

sociedade. Estabeleço uma correspondência entre esses agenciamentos e as

13 Em francês: “un spectacle qui parle d’instants… Du présent qui n’est déjà plus le présent au moment où je vous dis le mot présent. Peut-être de la beauté des êtres et de la difficulté que nous avons à appréhender cette beauté. Et, lorsque nous réalisons parfois combien cet instant était beau, eh bien, il est déjà passé”. Palavras de Mnouchkine, Disponível em: < http://www.theatre-du-soleil.fr/ephemeres/tract-ephemeres-3.html >, acesso em 13.03.2008. Tradução nossa.

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propostas de arte que visam à provocar outros acessos à realidade através de um

deslocamento na rotina de quem as experimenta.

Essa idéia de uma arte próxima ao cotidiano, próxima à vida começou a ser

gestada no início do século XX quando dois gestos, segundo a crítica e historiadora de

arte americana Barbara Rose, marcaram os limites das artes visuais: um, quando o

artista russo Kasemir Malevich em 1913 pintou um quadrado negro sobre uma

superfície branca identificando-o com o que ele chamou de “vazio” (suprematismo), e o

outro realizado em 1914 pelo artista francês, Marcel Duchamp, quando designou como

um objeto de arte um suporte de metal para garrafas (readymade). A renúncia de

ambos perante o modelo de arte vigente — o cubismo — levou a uma busca pelo

transcedental, universal e absoluto por Malevich, e ao repúdio à existência de valores

absolutos por Duchamp (ROSE, 2000).

A idéia de arte no Construtivismo Russo, bem como as práticas artísticas de

Marcel Duchamp, proporcionaram mudanças sobre o pensamento do que poderia ser

um trabalho de arte. Ao invés de uma arte contemplativa e de admiração estética, esse

novo modo de pensar e de produzir um trabalho de arte demandou novas maneiras de

mostrá-lo, tornando relevante a relação com a percepção física. Entrou em jogo o

ambiente e o espectador. As práticas artísticas do happening e da performance,

iniciadas nos anos de 1960, são herdeiras desses dois gestos, que continuam a ser

ampliados.

No Brasil, em 1960, o “objeto especial” (o não-objeto) proposto pelo movimento

Neoconcreto representou o caminho de ruptura com o “quadro convencional da

cultura”14. A eliminação da base ou da moldura nas obras tinha um sentido além do

sentido técnico, e trazia para a discussão a instauração do significado da obra em sua

pura aparência. Considerava-se a percepção estética uma possibilidade de reflexão

sobre a realidade e sobre suas propostas sínteses das “complexas experiências

humanas”. Segundo o poeta Ferreira Gullar15, os artistas neoconcretos “afirmam uma

objetividade mais profunda resultante da íntima integração das faculdades mentais e

14 Teoria do não-objeto In: COCCHIARALE, Fernando e GEIGER, Anna Bella (orgs). Abstracionismo Geométrico e Informal. A vanguarda Brasileira nos anos cinquenta. p.240 15 Para Ferreia Gullar, o movimento Concreto retirou a arte do “contexto significativo geral, a forma foi submetida ao exame de laboratório, analisada e desintegrada como uma partícula física” onde o homem foi excluído. GULLAR, Ferreira. Etapas da Arte Contemporânea ed. São Paulo: Ed. Nobel, 1985. p. 244.

Page 21: desenho: uma habitação no tempo

21

sensoriais do homem” (GULLAR, 1985, p.243). Artistas como Lygia Clark, Hélio Oiticica

e Lygia Pape, entre outros, radicalizaram suas proposições considerando arte “a

experiência artística”, questionando a necessidade da existência do objeto artístico em

si.

Identifico uma proximidade entre essas propostas de arte e a definição de

estética do filósofo francês Jacque Rancière. Ele a define “como o sistema das formas a

priori determinando o que se dá a sentir. É um recorte dos tempos e dos espaços, do

visível e do invisível, de palavra e de ruído que define ao mesmo tempo o lugar e o que

está em jogo na política como forma de experiência” (RANCIÈRE, 2005, p.16). São

esses recortes de “tempos e espaços, do visível e do invisível, de palavra e de ruído”

(RANCIÈRE, 2005, p.16), que estão em causa na proposta de meu trabalho —

Desenho: Uma habitação no Tempo.

Ao longo da dissertação traçarei relações entre, minha biografia, a idéia de

pertencimento ao tempo presente e a história recente das artes. A repetição existente

nos meus trabalhos — e que pode proporcionar estímulos à ativação de memórias, que

por sua vez, agenciam temporalidades — servirá de liame para a argumentação de

percepção do tempo como habitação. Por vezes abusarei do recurso de descrever

acontecimentos, parecendo uma digressão à maneira do solo no Jazz – pequenas

divagações, patamares a serem percorridos na tentativa de habitar o texto com o leitor.

Assim fiz com minhas impressões sobre o espetáculo “Les Ephémères”. A cada

divagação buscarei elos entre os acontecimentos descritos e minha proposta de

investigação.

Page 22: desenho: uma habitação no tempo

22

PRIMEIRO ATO

Repetição como tarefa: temporalidades possíveis.

Precisaríamos de mil vidas para experimentar mil vezes coisas já vividas e

seriam sempre experiências novas e diferentes...

Lygia Clark

Todo o enigma é uma porta para autobiografia

Helmut Batista

Decifrar será antes de tudo, participar de um saber, de uma linguagem

Roberto Corrêa dos Santos

Fig.1: 365 minutos Riscado e Apagado. Detalhe 1. 2002-2005

Page 23: desenho: uma habitação no tempo

23

Em pé, de frente para a parede, com um bastão de grafite em punho risco, risco

novamente, risco mais uma vez. É a superfície do papel, preso com fita crepe à parede

que risco. Atinjo a parede, o gesto é largo, longo. Passaram-se quinze minutos e ainda

repito esses gestos. Impresso no papel está o grafite, tempo materializado de meus

gestos. Anoto no verso “15 min”. Nova folha de papel é presa à parede com fita crepe.

Risco, risco novamente e mais uma vez. Meu braço vai alto, um pouco acima de minha

cabeça, um gesto nos limites de minha estatura. Risco, risco, risco, passaram-se trinta

minutos e ainda repito esses gestos. Anoto no verso da folha de papel “30 min”. Meu

corpo se cansa, os movimentos com a repetição se mostram pouco confortáveis; faço

uma pausa e novamente recomeço. Depois de uma série de desenhos riscados em

diferentes tempos que vão de cinco minutos à uma hora, meus gestos agora apagam. A

borracha em punho, na parede um dos desenhos fixado com fita crepe, começo a

apagá-lo em gestos semelhantes ao de quando o risquei. Permaneço apagando pelo

mesmo tempo que risquei cada desenho. No chão as rebarbas de borracha, de brancas

passaram a cinzas. Recolho-as, armazeno-as. As fitas crepes que fixaram os papéis

recebem o mesmo tratamento: guardo-as. Nas mãos as marcas do desenho: grafite,

vermelhidão e bolhas. Desta vez fotográfo-as.

Figs. 2, 3 e 4: Mãos. Fotografia. 2000-2008.

Page 24: desenho: uma habitação no tempo

24

As primeiras linhas desse capítulo desenham um acontecimento, fazendo-o

presente através do papel, da escrita de cada palavra e da tinta impressa. 365 minutos:

Riscado e Apagado é um desenho em dezesseis fragmentos que apresento organizado

em duas fileiras verticais com um pequeno cubo de vidro contendo as rebarbas de

borracha. É nesse momento que percebo a força vital implícita — que se quer explicita

— dos meus gestos repetidos ao desenhar. Sempre um gesto após o outro, uma tarefa

realizada repetidas vezes. Aqui a repetição é tarefa.

Algo semelhante parece ser também o que se passa no trabalho de Richard

Serra, “Mão agarrando chumbo”(1969). “Um filme de três minutos repetitivo, austero e

quase sem enredo” (KRAUSS, 2001, p. 291), no qual se vê a mão de Serra ocupando

quase por inteiro a tela, e em tentativas de agarrar peças de chumbo que caem

sucessivamente. Quando Serra obtém êxito sua mão permanece segurando a peça

apenas por poucos instantes para logo após recomeçar nova tentativa. O que norteia o

filme é a repetição do gesto dado a ver: a mão do artista se abrindo e fechando

ininterruptamente.

Fig. 5: Richard Serra Hand catching Leal. (1968).Grafação em 16mm,em preto e branco, com som.

210minutos. Bochum, Galeria Bochum. Fonte: RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGER, Manfred; FRICKE,Christiane; HONNEF,Klaus. Arte del

Sieglo XX, vol.II. TASCHEN GmbH, 2005, p.606.

Page 25: desenho: uma habitação no tempo

25

Rosalind Krauss aponta essa pulsação como sendo “a única pontuação da

sequência espaço-temporal do filme”, e continua, “um dos aspectos surpreendentes

desse filme é a sua incansável persistência — realizar uma tarefa repetidas vezes, sem

considerar o “sucesso” um clímax particular qualquer; simplesmente acrescentar uma

ação específica à seguinte” (KRAUSS, 2001, p. 292). Krauss localiza a maneira de

composição pela repetição (presente em algumas obras de Richard Serra do ano de

196916), como sendo herdeira das práticas artísticas do minimalismo17, nas quais a

nova ordem, nas palavras de Donald Judd, não era “racionalista e subjacente, mas é

simplesmente ordem, como a da continuidade: uma coisa depois da outra” (JUDD apud

KRAUSS, 2001, p. 292). Segundo Krauss, os artistas minimalistas “insistiam em

produzir obras que refutassem o caráter singular, privado inacessível da experiência”

(JUDD apud KRAUSS, 2001, p. 312). Desse modo, intencionavam que o significado

das obras viessem do seu exterior — espaço público e não privado. Cada obra se

referia a ela mesma, a nada além do que sua presença literal; e o modo como eram

apresentadas — instaladas nas paredes, diretamente no chão (sem pedestal) ou em

cantos — e sua escala, faziam com que o espectador ficasse atento a seu próprio

movimento dentro do espaço expositivo: a galeria ou o museu. Essas idéias foram

acompanhadas de amplo debate18 e incluíram, além de trabalhos em pintura e em

escultura, trabalhos de dança, música, literatura e design. Penso que Rosalind Krauss

aponta os gestos de Serra como sendo um alargamento dessas questões surgidas nas

práticas artísticas do início da década de 60. Tais práticas geraram experiências com

trabalhos híbridos, alguns ficaram conhecidos como happenings e performances.

As idéias de “realizar uma tarefa repetidas vezes” e “acrescentar uma ação

específica à seguinte” parecem possibilidades de experiência espaço-temporal. Minhas

16 Também desse período é a obra “Peça moldada”. Uma escultura em chumbo construída através do gesto repetitivo de jogar chumbo em estado líquido no espaço formado pelo encontro entre o chão e a parede. Após cada ação o chumbo, com a forma desse canto, é colocado, já em estado sólido, no centro da sala formando uma sequência de faixas que se sucedem e são muito parecidas.— um movimento contínuo — o resultado de gestos

repetitivos de lançar chumbo. 17 Os preceitos do Minimalismo que consideravam a obra nada além do que se vê, do que sua presença literal criticavam por um lado o expressionismo abstrato e sua relação com o emocional, o espontâneo e intuitivo, e por outro a pintura européia baseada em composições harmoniosas, pré estabelecidas, hierarquizadas e ilusionistas. 18 O desenvolvimento de revistas de arte em conjunto com um mercado de arte em expansão proporcionou uma grande quantidade de escritos de artista e da crítica, que foram responsáveis pela disseminação da discussão em torno da arte minimalista. Em especial a publicação do livro “Minimal Art: A Critical Anthology” de Gregory Battock, em 1968, considerado uma importante publicação sobre o assunto.

Page 26: desenho: uma habitação no tempo

26

ações estão relacionadas a ocupar o espaço ao qual pertenço, habitando-o. Ações que

proporcionam um estímulo à reflexão sobre estar no mundo, baseadas em tarefas

singelas — gestos do meu cotidiano no atelier. Ao pensar em como transpor para a

dissertação a questão de repetição como tarefa, remeto-me aos desenhos, origem de

minha reflexão.

Procurava um gesto habitual em contraponto aos gestos escolhidos, ao

julgamento de cada movimento sobre o papel a ser desenhado. Passei a utilizar como

procedimento a queda do lápis (pela força da gravidade) sobre o papel. Das linhas

resultantes do embate do lápis grafite ao cair, percebi que o que me interessava era a

repetição. Passei a fazer linhas repetidas em sua superfície a partir de algumas regras:

prender a folha branca à parede de modo que meus gestos para traçar as linhas

fossem apenas como uma atividade habitual (levantar e abaixar o braço); e as linhas

em cada desenho deveriam ser feitas em tempos diferentes e pré-estabelecidos. Assim

surgiram os desenhos que originaram os trabalhos 24 horas e 365minutos: Riscado e

Apagado.

Aos poucos notei que meus gestos revelam meus movimentos, e estes podem

ser vistos como coreografias de minha ação. Performo os desenhos. A superfície que

abriga as linhas, nesse momento, passou a ser a parede e a imagem digital de uma

câmera fotográfica que, também filma. Converge para os desenhos a idéia de gestos

repetidos como uma coreografia. Essa relação com o movimento próximo de uma

concepção da dança, me levou à idéia de “Tarefa” da coreógrafa Ann Halprin, e ao

reconhecimento do procedimento da performance na realização de meus trabalhos.

Ann Halprin opunha-se ao discurso artístico da dança moderna que considerava

os movimentos do corpo a serviço de uma expressividade dos sentimentos. Em 1955

Halprin fundou o San Francisco Workshop19, um espaço de experimentação no qual ela

19 Entre seus alunos estavam: Meredith Monk, Trisha Brown, Yvonne Rainer, Simone Forti, Ruth Emmerson, Sally Gross entre outros, alguns se envolveram com o grupo experimental e progressivo Judson Church Group. No espaço criado por Halprin muitos foram os que compartilharam de suas experiências, como os coreógrafos Merce Cunningham, Eiko and Koma, e Min Tanaka, os compositores John Cage, Luciano Berio, Terry Riley, LeMonte

Page 27: desenho: uma habitação no tempo

27

diz “querer encontrar atividades para dançarinos que mudassem seus processos

mentais, utilizar uma tarefa e a modificar de um modo artístico”20. Instituindo, como

procedimento para sua pesquisa, a idéia de tarefas cotidianas (everyday tasks) como

balançar, andar, cair, engatinhar, varrer, entre outras. Tal pensamento ia ao encontro

com a efervescência das práticas artísticas híbridas das experiências no campo da arte

nas décadas de 60 e 70, e que utilizaram a noção de tarefa (apesar de não se referirem

ao termo). Tal noção estava em consonância com o pensamento de arte voltado para

uma oposição à idéia de arte relacionada com o emocional e intuitivo ou pré-

estabelecido e hierarquizado. Interessando-se por ações cotidianas e simples do corpo,

e pela inclusão do acaso, os artistas desse período aproximavam arte e vida.

Allan Kaprow escreveu, em 1971, os textos: A educação do An-Artista I e II

pontuando essa relação. Diz Kaprow, que o an-artista não faz nada que lembre uma

obra de arte mas sim, o que ele chamou de lifelike art, ressaltando a natureza

esgarçada e fluída da fronteira entre arte e vida. Assim diz: “O an-artista não faz arte

real, mas o que chamo de arte como a vida — lifelike art — arte que nos faz

principalmente lembrar de nossas vidas” (KAPROW, 2004, p. 167). Kaprow realizava

ações chamadas Activities nas quais a idéia de tarefa pode ser reconhecida. Nas

Activities ou Atividades (as quais me parecem ser as tarefas), o artista propunha uma

série de ações relacionadas ao cotidiano para serem performadas pelos participantes.

Estas atividades poderiam ser individuais ou em grupo. Sempre de modo repetitivo e de

acordo com a sequência sugerida por Kaprow.

Rosalind Krauss considera os Happenings, que utilizavam como procedimento o

uso repetitivo de materais ou movimentos, aliados à “dança que se desenvolvia

simultaneamente, a partir das coreografias de Merce Cunningham21, em que se

verificava uma crescente insistência na coisificação do movimento” (KRAUSS, 2001, p.

282). A Nova Dança (ou como ficou conhecida: dança pós-moderna), os Happenings,

Young, e Morton Subotnick, os artistas visuais Robert Morris e Robert Whiteman e poetas como Richard Brautigan, James Broughton, e Michael McClure; dentre muitos outros. Disponível em: <http://www.annahalprin.org/about_bio.html> Acesso em 30.11.2008 20 O texto em língua estrangeira é: “I wanted to find activities for dancers to do to shift their mental process, to take a task and modify it by shaping it artistically". Disponível em: http://www.marinij.com/ci_8454742?source=most_emailed Acesso em 30.11.2008. Tradução nossa. 21 Merce Cunningham participou de experiências com Ann Halprin. Compartilhava da mesma necessidade de rejeitar a experssividade emocional exercida na dança moderna.

Page 28: desenho: uma habitação no tempo

28

as Activities e as Performances preocupavam-se com a idéia de uma arte baseada na

exterioridade dos acontecimentos — sua experiência.

Segundo Richard Schechner:

“Performances afirmam identidades, curvam o tempo, remodelam e adornam corpos, contam histórias. Performances artísticas, rituais ou cotidianas. são todas feitas de comportamentos duplamente exercidos, comportamentos restaurados, ações performadas que as pessoas treinam para desempenhar, que têm que repetir e ensaiar”22.

Percebo uma relação entre a idéia de Schechner de “comportamento

duplamente exercido”, “comportamentos restaurados”, e a idéia reminiscente do

minimalismo, nas considerações de Rosalind Krauss, de “coisificação do movimento”23.

Para Schechner, nossas ações nos são familiares porque as construímos a partir da

repetição — ações previamente exercidas. Schechner diz que a redundância das ações

possui a “qualidade de ação construída a partir de pedaços de comportamentos,

rearranjados e modelados de modo a produzir um efeito determinado”24. A “coisificação

do movimento” me parece estar relacionada aos rearranjos dos movimentos do corpo

pela repetição e que se dá no ambiente performativo com intenção de gerar uma nova

atenção para os movimentos cotidianos e elementares do corpo.

Nos meus desenhos considero as ações no âmbito da coisificação do movimento

e do treino para desempenhar um gesto, que implica num ensaiar e repetir. Na tentativa

de “coisificar o movimento” opto por gestos simples do meu fazer no atelier, gestos

ligados ao fazer cotidiano. Uma possibilidade de arte, como diz Kaprow, lembrando a

vida não sendo ela. Penso que tal proposição se estabeleça numa tênue fronteira entre

arte e vida. Kaprow sugere que esta fronteira se avizinhe de uma relação ritualística

existente na vida ordinária. Arte-vida-ritual.

Richard Schechner, aponta essa relação ao escrever que a arte de Kaprow

“sublinha e destaca comportamentos ordinários com sutileza — conduzindo a atenção

22 SCHECHNER, Richard. O que é performance. Disponível em: < http://hemi.nyu.edu/course-rio/perfconq04/materials/text/OqueePerformance_Schechner.htm > Acesso em 17 de novembro de 2008 23 Penso que essa expressão de Rosalind Krauss é atribuída, pela autora, à uma herança do minimalismo pelo fato de se interessar pela exterioridade da experiência, em consonância com a exterioridade do objeto minimalista. 24 SCHECHNER, Richard. O que é performance. Disponível em: < http://hemi.nyu.edu/course-rio/perfconq04/materials/text/OqueePerformance_Schechner.htm > Acesso em 17 de novembro de 2008

Page 29: desenho: uma habitação no tempo

29

para o modo como uma refeição é preparada, ou observando as pegadas deixadas por

alguém ao caminhar no deserto”. E continua:

Prestar atenção em ações simples, performadas no momento presente, é desenvolver uma consciência Zen em relação ao que é comum e honrar o que é ordinário. Honrar o que é ordinário é observar quão ritualística é a vida diária, e o quanto esta é constituída de repetições. Não há nenhuma ação humana que possa ser classificada como um comportamento exercido uma única vez25.

Ao ritualístico da vida aproximo a idéia de tempo como demora, como duração —

sua experienciação —, e o associo (o ritualístico da vida) à idéia de ato e de ação nas

práticas artísticas dos anos de 1960. Segundo Fernando Gerheim, escritor e professor

de literatura e cinema, nessas práticas a idéia do ato é “dar à imediaticidade, tão

valorizada pela modernidade, o estatuto de uma experiência transformadora,

substituindo o choque pela durée” (GERHEIM, 2008, p.54). Integração da palavra no

ato, que transponho para a relação arte-vida-ritual. Gerheim continua: “a linguagem

reencontra sua materialidade na arte e faz convergir conceito e percepção” (GERHEIM,

2008, p.44). Idéia que penso ter ressonância com a presença da relação signo e

pensamento no caligrama, apontada por Foucault.

“o caligrama aloja os enunciados no espaço da figura, e faz dizer ao texto aquilo que o desenho representa. [...] “Por astúcia ou impotência, pouco importa, o caligrama não diz e não representa nunca no mesmo momento; essa mesma coisa que se vê e se lê é matada na visão, mascarada na leitura.”(FOUCAULT, 1988, p.22 e 27) .

25 SCHECHNER, Richard. O que é performance. Disponível em: < http://hemi.nyu.edu/course-rio/perfconq04/materials/text/OqueePerformance_Schechner.htm > Acesso em 17 de novembro de 2008

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30

Figs 6,7 e 8: DESENHOPÓGRAFITE. Stills do filme, duração 4 minutos. 2007.

Desenhopógrafite é uma série de desenhos acompanhada por um vídeo, no qual

coleto o pó de grafite — resíduo de um desenho anterior — que depois será utilizado

para imprimir marcas de meu corpo na superfície do papel. Os desenhos e o vídeo

sendo um só. Gestos que recolhem o que restou de gestos anteriores para depositar no

papel o grafite, presentificando o corpo do qual os gestos se originaram.

Figs. 9 e 10: Vistas da Instalação DESENHOPÓGRAFITE. Desenhos e vídeo. Galeria 2 do Espaço FURNAS Cultural. 2008

Performance privada. Performo sozinha, acompanhada apenas por quem filma;

gestos realizados em uma atmosfera próxima à meditação, à oração. Repetidas ações

singelas, envolvendo um cuidar: recolher as sobras, armazená-las, utilizá-las em novas

produções. Tentativa de proporcionar outras camadas de percepção do ordinário,

outros acessos ao cotidiano através de “uma temporalidade dos mínimos” como diz

Guilherme Bueno:

“Os desenhos de Nena Balthar apropriam-se da fugacidade, surgem da colheita das perdas. Brotam dos resíduos oriundos de desenhos performáticos feitos pela artista, as impressões aqui expostas reinvestem aqueles fantasmas de sua força, como se eles

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31

contivessem ainda o calor do atrito outrora havido contra seus predecessores (os desenhos feitos em parede). Trata-se do processo do processo do processo..., criando uma temporalidade dos mínimos”(BUENO, 2008, p.6).

Penso a performance de uma maneira ampliada, relacionada ao processo do

processo, à estratos do tempo. Por isso a idéia de desenhos e vídeos como um só

trabalho. Regina Mellin, em tentativa de uma definição possível de performance nas

artes visuais, lembra o sentido das etapas que a constitui para além do caráter redutor

de simples registros dos procedimentos (fotografias, vídeos, desenhos ou textos)

levados em conta nas performances. Essas etapas ou camadas são parte do

acontecimento, “tornam-se elementos constitutivos da obra, materialização de um

procedimento temporal oferecido à recepção.”(MELLIN, 2008, p.65)

Lido com camadas, com percepções das “temporalidades dos mínimos”, da

duração, do ritualístico da vida, do auto-conhecimento —concentração em nós

mesmos. Considero o público determinante e polarizador do espaço, implicando em sua

percepção (tempo). Performar tornou-se estratégia de investigação26 na proposta de

habitar o tempo. Funciona como frestas, intervalos ou aberturas; como outros acessos

à realidade. Possibilidades de lidarmos com o caráter dual da cultura ocidental a partir

da idéia de complementaridade, pondo em jogo um ponto de torção, um lugar de

intensidades entre opostos ao invés de considerá-los pares estanques. Permitindo-nos

habitarmos entre, e não em lados opostos unilaterais.

Percebo na idéia de bordas, de margem, e de extremidades dos trabalhos de

Eva Hesse, apontada por Rosalind Krauss (KRAUSS, 2000), correspondência com a

possibilidade de ocuparmos lugares de intensidades — intervalos.

26 Schechner sugere que a performance pode ser vista como um procedimento para investigação “Tratar qualquer objeto, obra ou produto como performance — uma pintura, um romance, um sapato, ou qualquer outra coisa — significa investigar o que esta coisa faz, como interage com outros objetos e seres, e como se relaciona com outros objetos e seres. Performances existem apenas como ações, interações e relacionamentos.“ SCHECHNER, Richard http://hemi.nyu.edu/courserio/perfconq04/materials/text/OqueePerformance_Schechner.htm Acesso em 2.12.2008.

Page 32: desenho: uma habitação no tempo

32

Eva Hesse morreu aos 34 anos. Na sua curta vida, a artista deixou uma obra

grandiosa e comovente. Observo em seus trabalhos muito do discurso minimalista27

que é relacionado a uma arte esvaziada e ligada ao seu exterior, e a conceitos de

repetição, de ordem serial, de estrutura, de austeridade, de monumentalidade, de

literalidade. O que é esperado de alguém que considerou, segundo Rosalind Krauss,

arte e, consequentemente, sua produção conectada em alto grau ao discurso estético

dos anos de 1960 (KRAUSS, 2000, p. 94). Tal conexão caracterizou, nas palavras de

Krauss, sua obra como paradoxal. Na medida em que ela (a obra) é carregada de uma

busca de si, um reconhecimento de si no mundo, impregnando de expressividade sua

produção. Aparentemente o oposto do discurso minimalista. Mas tal expressionismo

provém de um experiência do self (interior), imprimindo sua imagem no coração da

matéria (exterioridade)28. Expressionismo manifestado pela experiência da própria

matéria. E aí reside um de seus paradoxos. O que Hesse faz me parece ser uma torção

conceitual: da matéria ser apenas o que é (do discurso minimalista) para o que nela

reside de expressivo, sem no entanto, apelar para ilusionismos ou representação de

algo que não está ali. Uma torção, uma zona de intensidades no diálogo formalista do

Minimalismo através da mensagem do expressionismo. Rosalind Krauss considera a

obra Contingent emblemática da grandiosidade do legado de Hesse, pois tornou pública

uma experiência interior — uma declaração para o mundo da arte do poder expressivo

da matéria ela mesma (KRAUSS, 2000, p. 92).

27 O Minimalismo surgiu na década de 1960 em contraponto ao pensamento de arte como sendo algo pessoal, metafórico e ilusionista. 28 Catherine de Zegher diz que a experiência de vida, de Eva Hesse, ligada a um sentimento crescente de abandono, influenciou vários aspectos de sua obra, estruturando-a (a obra) a partir do esquema de um triangulo cujas bases são: processo/conteúdo/materialidade. ZEGHER, Catherine. Eva Hesse Drawing. ed. New Haven and London. Ed. Yale University Press. The Drawing Center. New York, 2006 p.59 e 60.

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33

Fig. 11: Eva Hesse Contingent. (1969). Fibra de vidro, resina e látex sobre gaze. 350 x 100, H: 320 x 94 (cm)

National Gallery of Australia, Canberra. Fonte: Disponível em < http://www.evahesse.com/home.php > Acesso em 8 Jan 2009

Contingent é feita de oito peças semelhantes a bandeiras, penduradas no teto do

espaço expositivo. Cada peça é feita de um grande retângulo de tecido (um tipo de

Page 34: desenho: uma habitação no tempo

34

gaze) coberto com látex e fibra de vidro. Montadas penduradas paralelas umas às

outras e de modo a fazer um ângulo reto em relação à parede.

Para Rosalind Krauss um dos fatores de Contingent ser grandioso, está no fato

da obra se situar entre pintura e escultura, ponto de intensidades entre dois meios.

Krauss afirma que a obra de Eva Hesse, em geral, trata de um jogo de velamento e

desvelamento, um eclipse em constante mobilidade, das convenções ou

institucionalizações, da pintura e da escultura como modalidades de experiência

separadas. Krauss nos lembra a prática da anamorfose comum nos séculos XVI e XVII

(procedimento para se obter resultado semelhante — eclipse do sistema visual) para

argumentar sobre a característica de duplicidade de percepção nessa prática e na obra

de Hesse. Na anamorfose o espectador só consegue desvelar o elemento velado ao se

deslocar da frontalidade da pintura, e observá-la pela sua extremidade. Em Contingent

não se trata de anamorfismo, mas, de uma certa maneira, da natureza de uma torção

(que Rosalind Kraus identificou como sendo a dupla perspectiva). Eva Hesse nos

oferece uma experiência de percepção em constante troca, permutável. A posição das

peças em ângulos de 90° com a parede nos permite perceber uma fileira de planos (por

suas bordas) que literalmente ocupam o espaço — experiência de um objeto no espaço

em que se encontra o espectador. Porém, à medida que nos movemos, também

experimentamos a superfície de seus retângulos, sua cor e sua transparência

oferecidas pelo material (látex e fibra de vidro sobre gaze) — uma experiência

relacionada ao campo da pintura. Pelas características descritas sobre a obra

Contigent, percebe-se que não se trata de uma escultura nem de uma pintura. O

trabalho se refere, a meu ver, a bordas: das superfícies e dos meios. Questionando e

movendo o discurso estético do qual Hesse dizia depender sua arte — o minimalismo

—, sua obra antecipa a hibridização de meios, tão comum atualmente. Atravessa

fronteiras, unindo espaço real e espaço da obra. Como disse Lucy Lippard: “Hesse

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35

pega exatamente o que ela precisa da arte ao seu redor, a transforma, e a retorna ao

mundo da arte.”29

Contingent se refere a intervalos, a frestas. O jogo de velamento e desvelamento

ao qual a obra de Hesse diz respeito parece ser a possibilidade de habitar entre. Um

aprendizado do mundo e o que sua materialidade tem a nos dizer.

No pensamento de Hesse me interessa a idéia de usar o material a partir do que

a matéria oferece, descobrir significados intrínsecos à ela. Catherine de Zegher, no

ensaio “Drawing as Binding/Bandage/Bondage or Eva Hesse caught in the triangle of

Process/Content/Materiality”30 refere-se à obra de Hesse como ligada ao território do

desenho. Hesse se diz confortável ao desenhar. São áreas que vão do linear a

complexas aguadas ou colagens, nada muito simplista. Não interessa, diz a artista,

levar esses desenhos para a tela ou transferi-los para escalas maiores. Para Hesse

essa operação não é natural, a artista pensa em transpô-los de outro modo. Passa a

utilizar cordas de espessuras e comprimentos variados associadas a materiais macios.

Uma postura de investigação e experimentação que a levará a perceber questões de

cor e transparência vindas da própria matéria e permitir que a matéria tome forma. O

que Zegher considerou um procedimento semelhante ao do discurso do

Expressionismo Abstrato (ZEGHER, 2006, p. 88). Um dos paradoxos de Hesse: jogo de

aparecimento e desaparecimento entre o discurso estético minimalista e o do

expressionismo abstrato.

Volto à questão da fresta, do intervalo, da torção para pensar nos opostos não

como pares estanques, mas como campos de entre fluxos, continuidades e

intensidades. Experimentação do mundo a partir da sua complementaridade. Nesse

sentido (o da complementaridade) utilizo o resíduo como material e o aproximo do

procedimento de Eva Hesse em considerar o que a própria matéria tem de expressivo

29 O texto em língua estrangeira é: “As Lucy Lippard wrote, Hesse 'took exactly what she needed from the art around her, transformed it, and gave it back to the art world'. No site: <http://www.tate.org.uk/magazine/issue2/hesse.htm> Acessado em 03.01.2009. 30 O trecho correspondente na tradução é: “Desenho como amarrados/enfaixados/elos ou Eva Hesse capturada pelo triangulo do Processo/significados/materialidade”. Tradução nossa.

Page 36: desenho: uma habitação no tempo

36

— aquilo que Rosalind Krauss diz sobre Contingent: “uma declaração para o mundo da

arte do poder expressivo da matéria ela mesma” (KRAUSS, 2000, p. 92).

Poder escutar o material, aguardar o tempo suficiente para gestar um trabalho,

de certa maneira “permitir que a matéria tome forma”. Na repetição de gestos, na coleta

do pó de grafite — este sendo só pó, só grafite — ou no armazenar das fitas crepes e

rebarbas da borracha, aguardo, me deixo observar e observo o que o material — sua

materialidade — tem a me dizer. Roberto Corrêa dos Santos transpôs em palavras o

que parece ser meu embate com a matéria.

“Neste ofício, natural e humano, como em todo rigoroso rito, é pulsional o gesto de recolher as sobras, de guardá-las respeitosamente, de esperar de maneira tranqüila e como se distraídos todos, o tempo de reativar naqueles diminutos materiais restantes sua ardência sagrada, sua tarefa de religar” (SANTOS, 2008, p. 2)

Considero a obra Respiração uma metáfora da idéia de me colocar entre o que é

a obra e o que poderá vir a ser obra. Resíduos de produções anteriores.

Foi durante o curso do mestrado: “Cartas de artista: perspectivas sobre

processos de criação”, com a professora Malu Fatorelli, que realizei o trabalho

Respiração. O curso teve como norte textos de artistas e propostas de trabalho —

problem sets31. As propostas eram apresentadas a cada 15 dias intercaladas aos

escritos dos artistas, que se tornaram o meio pelo qual pensávamos e trabalhávamos.

Na proposta “Frestas Intervalos e Espaçamentos”, encontrei ressonância com o

pensamento sobre lugares de passagem, de trânsito, de outras temporalidades que

impulsionam minha prática artística. A eles (os lugares de passagem, de trânsitos e

outras temporalidades) relaciono o coro grego32 (entre acontecimento de arte e

acontecimento da realidade)33; e os meus gestos que se repetem, sempre começando

outra vez. Coro e gestos repetidos transitam entre um lugar e outro, entre uma

percepção e outra. Estimulam o habitar um entre espaço-tempo, por uma ponte, porta, 31 Termo usado por Rosalind Krauss em texto sobre a produção da artista americana Francesca Woodman no livro Bachelors. 32 O filósofo, Friedrich Nietzsche, diz que os gregos construíram para o coro um lugar/espaço fingidamente natural e colocou nele seres, também, fingidamente naturais, ficando assim desobrigados de “efetuar uma penosa retratação servil da realidade” e acrescenta “A introdução do coro é o passo decisivo pelo qual se declara aberta e lealmente guerra a todo e qualquer naturalismo na arte”. Reconheço nesse fim “ao naturalismo na arte” do qual fala Nietzche, uma aproximação com a vida sem ser ela. NIETZSCHE, Friedrich. In: O Nascimento da Tragédia. Companhias das Letras, São Paulo, 2006.p.54. 33 Faço referência ao coro grego, também, no Prólogo e Segundo Ato ao trazer para minhas investigações as experiências artísticas do espetáculo “Les Ephemères” da companhia teatral Theatre du Soleil.

Page 37: desenho: uma habitação no tempo

37

túnel ou imaginação. Passar de um dentro para um fora, voltar para o dentro e sair

novamente; ou pertencer a territórios desiguais mantendo fluidez no pertencimento.

Fig 12 e 13: Detalhes da Instalação Respiração. Fita crepe e grafite. Galeria do atelier do Instituto de Arte da UERJ, 2007.

Inspirar, expirar, inspirar, expirar: Respiração. Minha história tem forte relação

com os pulmões (estive, por duas vezes, com os pulmões expostos numa sala de

cirurgia e hoje carrego no lóbulo esquerdo dois “grampos”). A respiração, entrada e

saída de ar num constante ir e vir, tem relação com marcações e ritmo, sonoridade34.

Uma ação específica após a seguinte: respirar. O ar ocupa ambos os espaços – interior

e exterior – numa cadência ininterrupta e involuntária. Ele habita entre espaços-tempos.

O imperceptível, o invisível — o intervalo — norteiam minha pesquisa. É sabido

que toda a produção de algo implica no que não é a coisa produzida. Utilizo as sobras,

o que é resíduo, resto, e conseqüentemente o que não serve mais, o que não se vê.

Considero a sobra como material para novas produções. A força do resíduo gera a

memória que invento. As fitas crepes utilizadas para fixar o papel que desenhei foram

coletadas e armazenadas. Elas me observavam, tinham algo a me dizer. Nas fitas

havia, em grafite, a presença dos gestos do desenho que não estão nelas. Metáfora

34 No meu trabalho incorporo o som e o ritmo como parte dos movimentos repetidos. São camadas constituintes do trabalho.

Page 38: desenho: uma habitação no tempo

38

das frestas, dos intervalos e dos espaçamentos. Ao montar o trabalho no atelier, uma

frágil seqüência de fitas presas por tachinhas (quase “grampos”) na parede, mais um

elemento foi incorporado ao trabalho. O vento, que delicadamente transitava entre as

fitas.

Quando criança, frequentemente ao deitar para dormir, gostava de imaginar que

existiam “cópias” de eu mesma. Cada “cópia” percorria lugares na duração de um dia.

Eram experiências imaginadas para cada uma, distintas e mirabolantes. Coisas que

não poderia experimentar sendo uma única pessoa. Após a jornada diária as “cópias”

regressavam para a matriz — eu — no momento em que ia para cama e, antes que

meus olhos cedessem a Morfeu, todas as experiências colecionadas eram em mim

depositadas, assim o desejo pela multiplicidade se realizava – pelo menos em

imaginação. Ficava olhando para o teto e me deliciando com as narrativas inventadas,

diferentes aventuras de cada uma de eu mesma.

Hoje reconheço em minha trajetória de artista e de vida uma ressonância das

imaginações na infância. Minha formação é em gravura — matrizes e cópias seu

universo — a repetição a metáfora de minhas inquietações, de meu pensamento.

Repetição que implica em multiplicidades: patamares, estratos temporais. Alternativa ao

choque, à manutenção de estado de alerta da consciência e da memória, ambas sem

condição de acompanhar a velocidade das informações, e à velocidade das

experiências pelo excesso de informação, que parece ter como consequência o

esvaziamento da memória em benefício de uma integridade da consciência.

Penso a proposta “Desenho: Uma Habitação no Tempo” como desvio ou

resistência aos excessos da contemporaneidade. Sendo a habitação no tempo uma

experiência de demora, reflexão, não informação: “descanso” para consciência e

alimento para a memória.

Page 39: desenho: uma habitação no tempo

39

“Devario laborioso e empobrecedor o de compor vastos livros; o de explanar em quinhentas páginas uma idéia cuja exposição oral cabe em poucos minutos. Melhor procedimento é simular que estes livros já existem e apresentar um resumo, um comentário”(BORGES, 1972, p s/nº).

“A técnica de narração oral na tradição popular obedece a critérios de funcionalidade: negligencia os detalhes inúteis mas insiste nas repetições [...]”(CALVINO, 2002, p. 49).

A idéia de resumo ou comentário em Borges e a de repetição em Calvino,

parecem se referir ao que não é excesso, que para mim é a idéia de uma demora, de

um pertencimento ao tempo que se vive.

A reflexão sobre o tempo me faz lembrar o conto O Jardim de Caminhos que se

Bifurcam de Jorge Luis Borges. O conto narra a história de um chinês, espião da

Alemanha a serviço na Inglaterra, no decorrer de um dia. Descoberto pelo Capitão

Inglês Richard Madden, que passou a persegui-lo, o chinês começou a planejar

maneiras de revelar ao exército alemão (antes de sua captura ou morte) o segredo que

ele conhece: onde se localizava o novo parque britânico de artilharia sobre o Ancre.

Seu plano era fazer “ouvir” na Alemanha o nome dessa localidade. Para que isso

ocorresse planeja o assassinato de uma pessoa com o mesmo nome do lugar,

acreditando que será notícia no mundo e que seu chefe decifrará a informação. No

encontro com sua vítima, o espião fica sabendo que ela é um sinólogo inglês envolvido

nos estudos da obra do sábio chinês Ts`ui Pen. Esse era antepassado do espião chinês

e se dedicara a escrever um romance e a construir um labirinto; mas sua obra,

interrompida tragicamente, permaneceu um enigma que parece ter sido decifrado pelo

sinólogo Albert. No breve diálogo entre a vítima e o seu algoz, Borges nos surpreende

com a idéia de um invisível labirinto do tempo escondido dentro do romance — um

labirinto de signos — que conhecemos através das palavras do personagem Albert

quando se refere ao pensamento de Ts`ui Pen:

“Acreditava em infinitas séries de tempos, numa rede crescente e vertiginosa de tempos divergentes, convergentes e paralelos. Essa trama de tempos que se aproximam, se bifurcam, se cortam ou que secularmente se ignoram, abrange todas as possibilidades” (BORGES, 1972, p. 107- 108).

Page 40: desenho: uma habitação no tempo

40

Argumentar a proposta de demora como possíveis experiências espaço-

temporal, de demora como o contrário do excesso, implica em um mundo disposto em

fragmentos, fluxo de idéias, memórias, acontecimentos simultâneos, co-presenças

temporais e coleção de saberes onde signo e pensamento se intercomunicam. A arte

proporciona esta intercomunicação e penso existir, em algumas propostas artísticas, a

possibilidade de experimentar diferentes temporalidades.

Noto nas propostas artísticas de Lygia Clark interesse em proporcionar ao

espectador uma experiência espaço-temporal; as quais reconheço como experiências

de pertencimento a seu tempo. A artista considerou o espectador como parte

constituinte de sua obra, principalmente suas ações (participação). Penso no trabalho

Caminhando como a síntese de suas proposições. Neste trabalho Clark propõe ao

espectador-participante fazer com uma faixa de papel branca uma fita de Moebius35

para, a partir da largura da fita, cortá-la sempre seguindo o sentido do comprimento.

35 A Fita de Moebius é um objeto da matemática, que foi estudado no século XIX pelo matemático August Ferdinand Möbius. A importância desse estudo, na época (1858) está relacionada a conceitos de orientabilidade. Informação disponível em: < http://conceitoaronaldo.blogspot.com/2009/01/o-que-uma-fita-de-moebius.html > Acesso em 16.01.2009.

Page 41: desenho: uma habitação no tempo

41

Figs. 14, 15 16 e 17: Lygia Clark. Caminhando. 1963

Fonte: Catálogo da exposição Lygia Clark na Fundação Antoni Tàpies de Barcelona. 1997. P. 148

e 149.

Page 42: desenho: uma habitação no tempo

42

“O Caminhando tem todas as possibilidades ligadas à ação em si: ele permite a

escolha, o imprevisível, a transformação de uma virtualidade em um empreendimento

concreto” (CLARK, 1997, p. 151). Lygia Clark atribui ao ato realizado pelo participante

ao cortar a fita uma importância absoluta. A obra é o ato em si. “Essa noção de escolha

é decisiva e nela reside o único sentido dessa experiência” (CLARK, 1997, p. 151).

O labirinto de signos do conto de Borges, como o escritor sugere, faz entrar em

jogo “todas as possibilidades” temporais, que identifico estar em jogo, também, em

Caminhando. Clark escolhe a fita de Moebius para essa proposição, por causa de suas

características. A fita não contém lado de dentro nem lado de fora, nem início nem fim;

“[...]ela quebra nossos hábitos espaciais: direita esquerda, anverso reverso, etc. Ela nos

faz viver a experiência de um tempo sem limite e de um espaço contínuo” (CLARK,

1997, p. 151). Atribuo a essa experiência o sentido de inconclusividade, sentido da

natureza ensaística do pensamento36. Borges nos sugere escolhas nos caminhos

bifurcados concretizados no corpo do texto do conto. Vivemos as experiências através

dos personagens do romance do sábio chinês Ts`ui Pen. Experimentamos com eles

“um tempo sem limites e um espaço contínuo” a partir da idéia de que “[...] todos os

desfechos ocorrem; cada um é o ponto de partida de outras bifurcações”,(BORGES,

1972, p.105) indicando uma continuidade sem fim.

36 Referência, já mencionada, à natureza ensaística do pensamento na acepção de Márcio Tavares DAmaral. Ver pág. 10 do prólogo.

Page 43: desenho: uma habitação no tempo

43

Fgs 18 e 19 e 20. Vista da Instalação Camadas. DVD e grafite. Galeria do atelier do Instituto de Arte da

UERJ, 2008.

Page 44: desenho: uma habitação no tempo

44

Camadas é um desenho performático. Adentro o espaço expositivo e utilizo o

procedimento de riscar na parede escolhida, com gestos repetidos, as linhas em grafite

que consistirão o desenho. Este tem minha estatura como referência, risco erguendo os

braços e abaixando-me energicamente, risco em direção ao canto direito para voltar

riscando em direção ao canto esquerdo da sala. Coreografia horizontal a partir de

gestos verticais realizada sucessivamente. Permaneço longas horas riscando linhas

suficientes para gerar uma camada espessa de grafite na superfície da parede. Suor,

cansaço, fadiga muscular: lesões por esforço repetitivo. O corpo afetado pelo desenho

sofre — desenhar dói. Tais movimentos são capturados pela filmadora para serem

projetados sobre o desenho feito na parede com um pequeno deslocamento. A

superposição de gestos, linhas e imagens reverberam temporalidades. A coreografia

surgida da realização das linhas, o som provindo do bastão de grafite ao golpear a

parede são elementos constituintes da obra. Um fazer e fazer sem fim, atualizando a

atitude inaugural de riscar a parede.

Camadas promove uma percepção de continuidade, de processo, de

temporalidades; um jogo de velar e desvelar entre realidade (o desenho na parede) e

virtualidade (a projeção das imagens dos movimentos e gestos que geraram o desenho

na parede), no qual o som do bastão de grafite ao riscar a parede, juntos às imagens,

preenche o espaço envolvendo o espectador.

Fig. 21: Vista da Instalação Camadas. DVD e grafite. Galeria do atelier do Instituto de Arte da UERJ, 2008

Page 45: desenho: uma habitação no tempo

45

Estou conectada a um fazer, a uma ação: desenhar. Nesse momento desenho

palavras, frases que vão tomando a forma de uma tese. Intenção de realizar a

dissertação em forma de ensaio37: experienciação, repetição como possibilidade de

começar sempre — atitude inaugural. Penso nas palavras de Jean-Luc Godard ao falar

de sua obra cinematográfica: “Considero-me um ensaísta. E faço ensaios em forma de

romances, ou romances em forma de ensaios: simplesmente em vez de escrevê-los, eu

os filmo.” (GODARD apud DUBOIS, 2004, p. 259).

Segundo Philippe Dubois a contaminação generalizada entre os campos da

filosofia, da pintura, da literatura, da música, e do próprio cinema na produção de

Godard, foi proporcionada pela tecnologia do vídeo. A imagem “ao vivo” e modulada

desta tecnologia permitiu levar ao extremo a relação ensaística com a imagem, tão cara

ao cineasta. Dubois diz: “no calor da hora, ele experimenta o pensamento visual

instantâneo, o olhar reflexivo, a escrita pela imagem; ele manipula, inscreve, escruta,

combina, recomeça, apaga, acrescenta, rumina, precisa, desloca” (DUBOIS, 2004, p.

281 e 282). Assistir a um filme de Godard é como se pudéssemos ter o privilégio de,

por alguns momentos, acessar o interior de seu pensamento no momento em que se

constitui pelo acúmulo de imagens e sons, memória e futuros possíveis. Um

pensamento estético, e que como tal, pode ser visto como uma promessa que não se

realiza, como o direcionamento a uma idéia que não se conclui, que está sempre aberta

a novas re-configurações.

Para Godard “a continuidade é muito ampla entre todas as maneiras de se

exprimir. Tudo forma um bloco” ((GODARD apud DUBOIS, 2004, p. 259). O cineasta

trabalha seus filmes, onde os domínios da literatura, da escultura, da pintura, do

cinema, da TV, do vídeo e da música, fazem parte desse “bloco” ao mesmo tempo

cerebral e sensorial. Godard, ao tratar as imagens sem ordem de valor e além do

domínio da visão, me parece atuar como o “novo arquivista” deleuziano 38. Atêm-se aos

enunciados e, de uma maneira móvel, sem relação de hierarquia vertical ou dialética

horizontal, põe em relação o material discursivo com o material não-discursivo.

37 Mencinoada no prólogo. 38 Sobre a noção de “novo arquivista” diz Deleuze: “Ele vai negligenciar a hierarquia vertical das proposições, que se dispõem umas sobre as outras, e também a lateralidade das frases, onde cada uma parece responder a outra. Móvel, ele se instalará numa espécie de diagonal, que tornará legível o que não podia ser apreendido de nenhum outro lugar, precisamente os enunciados.” DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo Ed. Brasiliense, 2005,p.13 e 14.

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46

Ao escrever sobre um dos “ensaios” de Godard para TV — Seis Vezes Dois —

Deleuze aponta a importância da conjunção e no pensamento do cineasta: “O que

conta para ele não é o 2 ou o 3, ou sei lá quanto, é o E, a conjunção E. O uso do E em

Godard é essencial” (DELEUZE, 2004, p. 59). Deleuze ao apontar como essencial a

conjunção e para Godard, parece considerar que sua obra (de Godard) permite a

percepção de pares aparentemente opostos como sendo complementares, fluídos,

permeáveis e que ao invés de Godard trabalhar só com imagem, ou só com texto, ou

só com cinema ele utiliza arbitrariamente39 todos os domínios do conhecimento.

Noto o mesmo interesse na idéia, do artista Ricardo Basbaum, de pensar a

possibilidade do que está além do visual, “mais-que-visual”40, na medida em que o

campo da visualidade se torna permeável a outros domínios que não só o da

visibilidade, permitindo uma relação com a realidade a partir da sua

complementaridade.

A tentativa de digressão intencionada nessa dissertação se quer à maneira do

“novo arquivista”. Capaz de ressoar campos outrora distintos, conectando

conhecimentos, fazendo questão do e, do “mais-que-visual”; à maneira “ensaística,

aleatória, livre e ao mesmo tempo existencialmente comprometida” (D`AMARAL, 1995,

p.9 e 10) do pensamento.

O recurso do vídeo no meu trabalho opera agenciamentos temporais: diferentes

camadas entram em contato e geram outras relações. Relações conectadas à

“Imagem-Tempo” deleuziana.

Deleuze nos diz sobre dois regimes da imagem: o orgânico, que é a imagem em

movimento e se constitui de uma organização com cortes racionais que obedecem a

um encadeamento, “e que projeta ele mesmo um modelo de verdade” (DELEUZE,

2004, p. 86), um modelo de totalidade e unicidade; e o cristalino, que Deleuze o chama 39 Utilizo a palavra arbitrariamente na acepção de decidir com a própria consciência, sem regras, livremente. 40 O artista Ricardo Basbaum identifica que hoje não é mais possível pensar numa autonomia de meios ou “pureza visual” na arte contemporânea. Aponta o paradoxo de uma autonomia irredutível do visível que se afirma, justamente, pela relação de entrecruzamentos com o que não é de dentro do campo da visibilidade. “Uma relação aberta de trocas com seu lado de fora, sua parte outra, heterogênea”. BASBAUM, Ricardo. Além da pureza visual. Porto Alegre Editora ZOUK, 2007. p.18 e 19.

Page 47: desenho: uma habitação no tempo

47

de “imagem-tempo”, constituído por organizações irracionais onde ocorrem apenas re-

encadeamentos, “e substitui o modelo de verdade pela potência do falso como devir”

(DELEUZE, 2004, p. 86). Esse modelo descarta a totalidade e unicidade porque,

segundo Deleuze, na Imagem-Tempo “o tempo já não decorre do movimento para

medi-lo” (DELEUZE, 2004, p. 82). As imagens são apresentadas não mais em relação

ao movimento mas em relação ao tempo, e este entendido não como sucessão.

“porque a sucessão diz respeito apenas às coisas e aos movimentos que estão no tempo. (....) Ele é a forma de tudo o que muda e se move, mas é uma forma imutável e que não muda. Não uma forma eterna, mas justamente a forma do que não é eterno, a forma imutável da mudança e do movimento.” (DELEUZE apud MACHADO, 1990,

p.104).

O falso como devir põe em jogo possibilidades de realização de acontecimentos,

num agenciamento de tempos que passaram, passam e passarão. “É uma potência do

falso que substitui e destrona a forma do verdadeiro, pois ela afirma a simultaneidade

de presentes incompossíveis, ou a coexistência de passados não necessariamente

verdadeiros” (DELEUZE, 2005, p.161).

Vinte e quatro meses, muitas folhas de papel impresso, textos construídos como

desenhos. Dedos desenham palavras, que desenham idéias: Digit-Ação. A

materialidade da dissertação, suas palavras impressas em papel me levaram a realizar

o trabalho que apresento no momento da defesa. A idéia foi gestada a partir do material

impresso e das imagens que me acompanham nesses dois anos de mestrado.

Cada página transformada em fita de papel materializa os pensamentos e idéias

que surgiram com a leitura, reverberando minha prática artística. As imagens de minhas

mãos marcadas pela tarefa de riscar linhas e recolher pó de grafite, se tornam visíveis

através da transparência do vidro. Vidro este soprado, um observatório de fitas, de

palavras corpóreas (som, dança, gestos, fala, respiração). A superfície translúcida

Page 48: desenho: uma habitação no tempo

48

permite ver as imagens projetadas no acúmulo de fitas de papel: atos, mãos, gestos,

resíduos. Sensibilidade e sensoriedade.

Fig. 22: Desenho do projeto Cristalino para exposição para a defesa da dissertação. 2009.

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49

INTERVALO

É bacana ver que não se perdeu afinal tempo algum, que as vivências se

refazem e, ao aprofundarem-se, renascem umas das outras e com as outras, numa

totalidade também aí.

Hélio Oiticica

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50

Virei a própria bailarina, pois faço tantos gestos que até aprendi a costurar com

um ritmo que me parece oriental. Parece bobagem mas não é não. O fazer, o tocar o

plástico no momento de o formular para mim passa a ser quase um cerimonial...

Lygia Clark

Page 51: desenho: uma habitação no tempo

51

O traço — todo traço inscrito na folha — desmente o corpo importante, o corpo

de carne, o corpo de humores; o traço não nos leva à pele nem às mucosas; o que diz

o traço é o corpo que arranha, que roça (podemos até dizer: que faz cócegas); pelo

traço, a arte desloca-se; seu centro já não é o objeto do desejo (o belo corpo

imobilizado no mármore), mas o sujeito desse desejo: o traço, por leve ou incerto que

seja, remete sempre a uma força, a uma direção; é um energon, um trabalho, que

oferece à leitura o que ficou de sua pulsão, de seu desgaste. O trabalho é uma ação

visível.

Roland Barthes

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52

SEGUNDO ATO

Tempo como Habitação.

A percepção dispõe do espaço na exata proporção em que a ação dispõe do tempo.

Henri Bergson

Fig. 23: Fala Bandeira. Vista da Instalação. Still do vídeo do projeto. Largo dos Guimarães. 2007

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53

O grupo Ladeira 20541 considera suas ações possibilidades de habitar o mundo

(espaço de nossa existência) em encontros com o outro. Ações na esfera do tempo e

habitação na esfera da percepção, segundo Bergson.

Convidado para fazer parte da exposição, “Bandeiras do Brasil: Berço da

República”, no museu Casa de Benjamim Constant, localizado no bairro de Santa

Teresa, no Rio de Janeiro, e que tinha como tema a Bandeira Nacional, o grupo Ladeira

205 apresentou o projeto “Fala Bandeira”. A idéia era construir uma bandeira junto com

o público: alunos da rede escolar de Santa Teresa, moradores e visitantes do bairro. O

trabalho se realizou a partir de uma reflexão sobre o que representa uma bandeira. A

proposição se baseou na relação entre as idéias de ficção, história oficial, imaginário

das ruas e imaginário dos estudantes para, junto com os depoimentos dos participantes

sobre a pergunta “O que é uma bandeira para você?”, construir um outro imaginário

sobre a bandeira, sobre o que ela pode representar e sobre o que pensamos que ela

representa, ativando memórias: inventadas e lembradas.

O encontro com o outro aconteceu de duas maneiras: nas ruas e no museu Casa

de Benjamin Constant. Para o encontro na rua foi montada, no Largo dos Guimarães42,

uma pequena e precária banca, semelhante a uma banca de camelô. Dispostos sobre

ela havia papel vegetal, cortado em pequenos quadrados, e tinta guache. O público se

aproximava, curioso, e era convidado a participar por um dos integrantes do grupo, que

perguntava “O que é uma bandeira para você?” A resposta era gravada em um

aparelho de MP3 e armazenada. Além de responder à pergunta, o participante também

deixava, no pedaço de papel vegetal, sua idéia do que seria uma bandeira visualmente

— a sua marca —, utilizando para isso o próprio dedo e tinta guache43. Próximo à

banca ficava esticado um fio (como um varal) onde uma grande bandeira começou a

ser construída com o resultado dessas pequenas marcas individuais, deixadas nos

pedacinhos de papel vegetal, presas ao fio.

41 O grupo Ladeira 205 foi criado por mim e a artista Lúcia Vignoli em 2006. Um de nossos objetivos é o trabalho com convidados (que podem ser nossos alunos ou outros artistas) que venham a participar de projetos em comum e que possibilitem uma troca de conhecimentos pela relação instaurada. 42 Escolhemos esse local por ser de fluxo intenso de pessoas, também reconhecido como verdadeiro coração do bairro. Local de concentração comercial e de manifestações culturais, sociais e políticas dos moradores do bairro de Santa Teresa. 43 Foi escolhido usar os dedos numa referência a impressão digital e identidade pessoal, fazendo paralelo a idéia de bandeira como identidade de um grupo: povo, time, estado, entre outros.

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Fig. 24: Fala Bandeira. Vista da Instalação. Still do vídeo do projeto. Museu Casa de Benjamin Constant. 2007

O outro encontro do projeto “Fala Bandeira” aconteceu nos jardins do museu

Casa de Benjamin Constant. Agora, os alunos de escolas do bairro chegavam ao jardim

do museu e encontravam a pequena banca com papéis e tinta guache instalada no

coreto, e eram convidados a sentar para uma conversa com as artistas. Nesse

momento, além da oportunidade de conhecer o grupo, se estabelecia uma troca de

idéias entre os alunos e as artistas sobre o que eles pensavam ser uma bandeira, para

então serem “entrevistados”. A mesma bandeira que começou a ser construída pelas

pessoas que estavam em trânsito no Largo dos Guimarães estava presente no museu.

À ela era acrescentado o imaginário dos alunos. A grande bandeira coletiva “caminhou”

entre o Largo dos Guimarães e o museu Casa de Benjamin Constant durante o tempo

de duração do projeto44.

44 O Projeto teve início no dia 18 de outubro de 2007 com a inauguração da exposição “Bandeiras do Brasil: berço da República”, (da qual também participaram os artistas: Célia Cotrim, Marcos Cardoso e Xico Chaves) no Museu Casa de Benjamin Constant. E finalizou com a comemoração do dia da Bandeira em 19 de novembro de 2007.

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55

Fig 25: Fala Bandeira. Vista da montagem final no Museu casa de Benjamin Constant. Fotografia, 2007

O material resultante das ações (os depoimentos gravados e a bandeira feita

com os pedacinhos de papel com as marcas) foi exposto no Museu no dia da Bandeira:

19 de Novembro de 2007. O público visitante pôde compartilhar e refletir sobre a idéia

do que seria uma bandeira, ouvindo as opiniões gravadas e visualizando a bandeira

feita com as marcas deixadas nos delicados papeizinhos pelos participantes.

O crítico de arte e curador Márcio Doctors considera que a arte promove uma

“rede de afetos” (DOCTOR`S , 2007), maneiras de desmanchar a brutalidade cotidiana

e criar agenciamentos de novas relações do homem com o mundo fazendo-o se dar

conta de situações que não são percebidas no correr da vida, trazendo-as para a

superfície da visibilidade; possibilidade de outros acessos ao cotidiano. Quem participa

dos projetos se torna, por um período de tempo, personagem de narrativas que

deslocam sua percepção habitual para uma nova e inventiva relação com a realidade.

A obra de arte não é mais apenas objeto no qual o espectador se projeta, mas

passa a ser a experiência artística vivida por ele; não uma interpretação da obra, mas

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56

uma experimentação dela. Experiência artística que, nas palavras de Lygia Clark, está

relacionada com a revalorização do gesto do artista45, com a possibilidade de “reviver o

ritual, o gesto expressivo”. Clark se refere a um gesto que não é apenas “expressão

imediata”, existencial, de rituais próprios do artista e que não é compartilhado com o

espectador por causa da maneira tradicional de ser percebida. Na experiência

Neoconcreta o tempo era pensado como duração a partir de Bergson, segundo o crítico

e historiador de arte Ronaldo Brito. Diz Brito que a idéia de Bergson “servia e estava

associado à proposta (Neoconcreta) de “ativar” o relacionamento do sujeito como

trabalho e permitir múltiplas possibilidades de leitura, “abertas” no tempo”46. Clark ao se

referir ao artista americano Jackson Pollock, diz que, apesar de suas inovações na

relação com o espaço (Pollock experimenta o espaço em um corpo a corpo com a

superfície, participando dela), o que ele faz não é o “gesto do artista” como ela o

concebe — “o gesto não é o gesto do artista quando cria, mas sim é o próprio diálogo

da obra com o espectador” (CLARK, 1997, p. 122). Para que esse diálogo aconteça

Lygia Clark propõe que o observador perceba sua obra de um lugar fora do tradicional,

o qual permitiria multiplicidades, “abertas no tempo” (BRITO, 1985, p. 69), de

aproximação com sua obra.

A artista anuncia a morte do plano, se refere a ele (o plano) como sendo o

espaço em que “o artista se situava (...), projetava-se sobre ele e nessa projeção

carregava de transcendência a superfície” (CLARK, 1997, p. 117). Com a morte do

plano, diz Clark, “a concepção filosófica que o homem projetava sobre ele não mais o

satisfaz, assim como a idéia de um Deus exterior ao homem” (CLARK, 1997, p. 117).

Suas pesquisas levam-na a uma reflexão sobre a idéia de totalidade, na qual a morte

do plano, sua demolição, é “uma tomada de consciência da unidade como um todo vivo

45 Para Lygia Clark o gesto expressivo no expressionismo abstrato pertencia ao exterior da obra – ao estímulo, sendo apenas “manisfestação artística” como diz Mário Pedrosa. E nas propostas Neoconcretas o que está em causa são “gestos do artista” como experiência artística, o “diálogo da obra com o espectador, uma experiência de “vivência de seu interior”, participação “integral” e não apenas projeção e identificação na e com a obra. CLARK, Lygia. Catálogo da exposição Lygia Clark. Fundação Antoni Tàpies de Barcelona. 1997. p.122 e 123. 46 Sobre as “aberturas no tempo” Ronaldo Brito lembra as gravuras de Lygia Pape e as esculturas de Amílcar de Castro que “trabalhavam o tempo como virtualidade — tratava-se de algo assim como deixar em suspenso o tempo de produção de modo a permitir a intervenção do espectador quase no sentido de completar os trabalhos, recriá-los (...) ”. Pensamento que levou alguns artistas (como Lygia Clark e Hélio Oiticica) a radicalizar a participação do espectador. BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro. ed. Rio de Janeiro: Ed FUNARTE, 1985.p. 69

Page 57: desenho: uma habitação no tempo

57

e orgânico” (CLARK, 1997, p. 117). Para Lygia Clark o importante “é que a superfície

seja um corpo orgânico como uma entidade viva” (CLARK, 1997, p. 140).

Figs. 26 e 27: Lygia Clark. Bicho Flor. 1960-1963 Fonte: Catálogo da exposição Lygia Clark na Fundação Antoni Tàpies de Barcelona.

1997. p. 128

Na série de trabalhos intitulada Bichos — estruturas de planos de placas de

metal articulados por dobradiças cuja proposta é ser manipulado pelo espectador — o

plano fixo é destruído, agora ele é solto no espaço “sem suporte e avesso” e o

espectador experimenta esse plano, solto, ao manipular o Bicho. Clark diz ser o Bicho

“um organismo vivo, uma obra essencialmente atuante. Entre você e ele se estabelece

uma interação total, existencial” (CLARK, 1997, p. 121). Para a artista, é ao brincar com

os Bichos que o espectador “participa de um momento único, total, ele existe” (CLARK,

1997, p. 123).

Page 58: desenho: uma habitação no tempo

58

A idéia de Lygia Clark de que o “gesto do artista”, como ela o pensa (o diálogo

da obra com o espectador), proporciona um re-conhecimento de si mesmo pelo

“homem comum”, a qual relaciono ao passar demoradamente, habitando o tempo. No

ato de manipular os Bichos, o sujeito “existe”; existência a partir de gestos capazes de

instaurar aberturas na mente, possibilidade de imaginação, de invenções e de

memórias.

Considero que as sensações se fazem, também, pelo exercício, pela história e

não só pela forma, e que no tempo o sujeito amplia sua sensibilidade. Segundo

Merleau-Ponty, nosso corpo experimenta o mundo e é experimentado por ele (o

mundo), (MERLEAU-PONTY, 2000). A possibilidade de nos constituirmos a partir do

outro e de que ser observado nos institua em nosso lugar me leva ao pensamento de

que habito um tempo de compartilhamento, permitindo que eu invente memórias e

narrativas — encontros com o outro — possibilidade de sermos outro de nós mesmos e

de sermos sujeitos de nosso tempo.

Giorgio Agamben ao escrever sobre o gesto (AGAMBEN, 2008), diz ser ele (o

gesto) o elemento do cinema e não a imagem. Para o filósofo, as imagens

cinematográficas (em movimento) introduzem o gesto na esfera da ação, pois elas (as

imagens) não são nem poses eternas nem captura imóvel de um acontecimento. São

antes, elas mesmas, imagens em movimento — Deleuze denominou-as images-

mouvement. Agamben mostra que a análise de Deleuze sobre a imagem, de um modo

geral, se refere à imagem na modernidade. Significando que a imobilidade da imagem é

desfeita, e insere o gesto na discussão. Para Agamben se trata de captura (nas

imagens) de gestos e diz:

“Toda a imagem é animada por uma polaridade antinômica: de um lado, ela é a reificação e a anulação de um gesto (é a imago como máscara de cera do morto ou como símbolo), do outro, ela conserva-lhe intacta a dynamis (como nos instantes de Muybridge ou em qualquer fotografia esportiva).” (AGAMBEN, 2008, p. 12).

Entra assim em jogo a memória: lembrança do passado — a imago da máscara

de cera; ou continuidade imaginada — a dynamis dos instantes do movimento nas

fotografias esportivas. O gesto em fragmentos tal qual fotogramas de um filme, sendo

este o que traria novamente o sentido às imagens.

Page 59: desenho: uma habitação no tempo

59

Agamben nos diz que o gesto é da esfera da ação e distingui ação de agir e

fazer. Refere-se aos escritos de Varrão, que por sua vez se reporta a Aristóteles, para

creditar ao gesto a afecção de “exibição de uma medialidade, o tornar visível um meio

como tal. Este faz aparecer o ser-num-meio do homem e, deste modo, abre para ele a

dimensão ética” (AGAMBEN, 2008, p 13). Nesse sentido, estabeleço conexão entre o

“gesto do artista” de Lygia Clark e a idéia de que o gesto pertence à esfera da ação, de

Agamben. Um re-conhecimento de si pelo homem comum proporcionado por gestos-

ações-tempos que o levam a um deslocamento — ser outro de si mesmo.

Estamos lidando com possíveis encontros entre pessoas, assim também a idéia

de “experiência verdadeira” de Walter Benjamin (que também apontava para a

importância das relações sociais para a geração de subjetividades — “Efetivamente, a

experiência, escreve Benjamin, pertence à ordem da tradição, na vida coletiva como na

vida privada” (BENJAMIN apud ROCHLITZ, 2003, p. 282) me parece conectada com a

idéia de “reviver o ritual” de Lygia Clark. Reverberações entre três pensamentos:

Tradição, gesto e reviver o ritual.

A idéia de experiência relacionada à tradição, para Benjamin, está na

constatação de que dos acontecimentos que se fixam na memória, os que são

compartilhados com os outros, na sua maioria inconscientes, mais do que

acontecimentos vividos individualmente, são os que constituem a “experiência

verdadeira”. Experiência construída a partir do diálogo, da aquisição de conhecimento

com o outro, em conexão com o mundo e seus acontecimentos, que absorve e

transforma. Benjamin diz que o passado não é fixo em seu “tempo”, não é o fim de um

existir, mas uma continuidade desse existir enquanto for ativado, interpretado e

apropriado pelos que vivem depois. E é a partir do pensamento benjaminiano de

experiência verdadeira — conhecimento compartilhado, tarefa que se faz em grupo —

que, em manobra pretendida à maneira de Benjamin, reatualizo-o ao aproximá-lo do

pensamento de Lygia Clark e Giorgio Agamben. Da mesma maneira, o “reviver o ritual”

de Clark me parece estar relacionado a uma experiência primeira, a uma atitude

inaugural perante o mundo, proporcionada pelo diálogo da obra com o espectador e

que permite um contato com a memória e o imaginário de modo a fazê-los existir no

presente, reinventando esse presente. O gesto do artista, a experienciação da obra,

Page 60: desenho: uma habitação no tempo

60

que permite a “exibição de uma medialidade”47 faz surgir um outro de si mesmo — o

“ser-no-meio do homem”, e sua “dimensão ética” — através do agenciamento de

tempos pela memória que implica na experiência “verdadeira”, experiência

compartilhada. Instâncias de encontros com o outro — o outro de nós mesmos e o

outro diferente de nós e que nos constitui.

Figs. 28 e 29: Bolo como Brigadeiro. Stills do filme da performance. 2007

Em Junho e Outubro de 2007, o grupo Ladeira 205 e seus convidados48

realizaram a performance “Bolo como Brigadeiro”49. A idéia da performance partiu de

duas situações: meu desejo de transpor para o meio da arte uma experiência familiar, e

também poder compartilhar esse conhecimento com meus alunos do projeto “Vivência

em Atelier”. Ao longo de seis meses do ano de 2006 participei, com a artista Lucia

Vignoli, desse projeto em parceria com a Associação Chave Mestra de artistas de

Santa Teresa50. Um dos objetivos do projeto era o diálogo e as trocas afetivas entre

artistas e jovens estudantes da rede pública do bairro como tática de formação cultural

e transformadora no dia a dia dos participantes. Nos encontros semanais com nossos

alunos – cinco jovens com idades entre 13 e 15 anos – articulávamos, junto com eles,

47 Me refiro a idéia de gesto de Agamben que cito nas páginas 56 e 57.. 48 Nossos convidados, para esta performance, foram nossos cinco jovens alunos: Jaina, Michele, Oséas, Pedro, e Raiana. 49 As performances se realizaram no Casarão da UNEI em Santa Teresa no mês de Junho e no Centro Cultural José Bonifácio, na Gamboa, no mês de Outubro. 50 Eu e Lucia dividimos atelier nesse bairro.

Page 61: desenho: uma habitação no tempo

61

projetos relacionados ao interesse de cada um. No espaço do atelier criou-se um lugar:

de conversas, de desenhos, de idas a exposições, de afetividades. Percebi nesse

“outro espaço”51, o espaço da “experiência verdadeira” e a possibilidade de “reviver o

ritual”52.

A receita do bolo acompanha minha história. O “bolo da mamãe querida” é uma

receita simples que aprendi com minha mãe e que faço desde garotinha. Depois de ser

mãe inaugurei uma tradição: fazer o bolo todos os meses durante o primeiro ano de

vida de cada um dos meus dois filhos, sempre no dia do mês que corresponde ao dia

que nasceram.

Transponho essa experiência para o meio da arte, em uma aproximação entre

espaço público e espaço privado. Como personagem, preparo o bolo junto ao grupo, —

eu, Lúcia, Jaina, Raiana, Pedro, Oséas e Michele — revelo a eles e ao público o

preparo do bolo que experimentam.

Fig 30: Bolo como Brigadeiro. Stills do filme da performance. 2007

51 Título de um texto de Michel Foucault no qual ele apresenta a idéia de Heterotopia, a qual tratarei mais adiante. 52 Idéia de Experiência Verdadeira de Benjamin que aponto na página anterior; e idéia de reviver o ritual de Lygia Clark abordada nas páginas 54 à 57 deste capítulo

Page 62: desenho: uma habitação no tempo

62

A performance foi planejada em duas etapas. Na primeira etapa, filmamos o

preparo do bolo pelo grupo: eu, Lucia e nossos cinco alunos; uma atitude de

compartilhamento de conhecimentos. A segunda etapa foi a projeção junto com a ação

de ofertar o bolo. As duas ações foram realizadas em casarões antigos, a primeira no

bairro de Santa Teresa e a segunda no bairro da Gamboa, ambos na cidade do Rio de

Janeiro. Os dois casarões tinham em comum o fato de serem espaços que abrigam

acontecimentos de arte, e por serem antigos provocam memórias, acrescentando à

performance mais um elemento, um dado da memória do lugar em que nos

encontrávamos, o passado de cada casa e de cada bairro.

Durante a performance foi projetado, numa das paredes do casarão – em Santa

Teresa no exterior e na Gamboa no interior – o vídeo do grupo fazendo o bolo e,

simultaneamente à projeção, os integrantes do grupo circulavam pelos espaços

internos e externos dos casarões oferecendo bolo em pequenas porções, dentro de

forminhas de brigadeiro.

Figs 31 e 32: Bolo como Brigadeiro. Fotografias da performance por Bia Pimenta. 2007

Page 63: desenho: uma habitação no tempo

63

Esta proposta artística que permite experiências de passar um conhecimento

(ensinar uma receita de família), de participar do preparo do bolo, e depois compartilhá-

lo com o público, pode ser pensada como a “experiência verdadeira” (tarefa que se faz

em grupo) da qual nos diz Benjamin, e também como o “reviver o ritual” (participar de

uma experiência artística), proposto por Lygia Clark. A transmissão da tradição através

do compartilhamento do fazer um objeto, contar uma história, preparar uma receita

especial, assim como todo o percurso destas ações até se tornarem presentes como

coleção de culturas, permite um intercâmbio de experiências. Na arte existe uma

possibilidade de atualização da memória (tradição) a partir de atos involuntários, ela

carrega uma memória que se apresenta no objeto ou na idéia, infinitamente para trás e

infinitamente para frente, mundos que se dão no ato da marca (do afeto) como, por

exemplo, participar de uma proposta artística.

No interior da galeria Leme, na cidade de São Paulo, o público observa uma

plantação de ervas daninhas nas frestas do chão da galeria, e um total de cem

crisálidas feitas de tiras de tecido branco que se encontram presas nas paredes por

agulhas de bordado. Algumas crisálidas guardam um objeto que não é perceptível até o

momento da chegada de duplas de biólogos. São cientistas que pesquisam

lepidópteros53 e que entram no espaço com suas roupas de trabalho e trazem,

acondicionados em bandejas, os instrumentos de suas pesquisas. Cuidadosamente,

com gestos e postura habituais a seu cotidiano no laboratório, eles removem de

algumas crisálidas uma fina folha de tecido que contém linhas bordadas, reproduzindo

as linhas das mãos de um ex-morador de rua. Em seguida depositam na mão do

espectador esse fino e transparente tecido cujas linhas bordadas se fundem com as

linhas da mão de quem as segura. Quando a cena se completa o cientista põe as

delicadas folhas transparentes de volta para o orifício de onde foram retiradas. A folha

53 Lepidóptera é uma ordem de insetos (lepidópteros) muito diversificada que inclui as borboletas e um grupo chamado de traças em Portugal e mariposas no Brasil. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Lepidoptera >, acesso em 04.04.2008

Page 64: desenho: uma habitação no tempo

64

de tecido bordado, que agora se encontra fora da crisálida, possui a potência de

assumir uma outra forma. Essas atitudes fazem parte do ritual que a obra instaura.

Figs 33 e 34: Rosana Palazyan. No lugar do outro. Fonte: Disponível em < http://www.galerialeme.com/artistas_bio.php?lang=por&id=16 >

Acessado em 4 Abril 2008

Segundo a curadora Marilyn Zeitlin54, Rosana Palazyan escolheu para a

exposição “No lugar do Outro”, descrita acima, depoimentos de histórias de pessoas

que habitaram as ruas e conseguiram se reinserir na linha de visibilidade social. Cada

uma relata que tamanha transformação só foi possível com a ajuda de instituições que

as apoiaram e com o gesto generoso de uma pessoa que deu seu tempo e sua atenção

para ajudá-las, frisando que a determinação e vontade interior de mudar foram

fundamentais para alcançar a mudança desejada. A exposição instaura o ritual da

transformação e a presença de cientistas encena a metamorfose. Palazyan propõe ao

espectador que experimente esse outro espaço — a galeria transformada em ficção —

compartilhe da expectativa de um outro, como se pudéssemos ser o outro por um breve

período de tempo. Ser alguém que não conhecemos, mas cujas linhas das mãos

temos, momentaneamente, sobre as nossas mãos. Como se esse gesto permitisse que

54 ZEITLIN, Marilyn. Disponível no site: < http://www.galerialeme.com/artistas_textos.php?lang=por&id=16&text_id=103 >, Acesso em 04.04.2008.

Page 65: desenho: uma habitação no tempo

65

fossemos capazes de alterar o curso de nossas vidas ou presenciar a transformação na

vida do outro.

Este espaço que Palazyan convida o espectador a experimentar na galeria,

penso como sendo um espaço heterotópico foucaultiano55.

Em seu texto, “Outros Espaços”56, Foucault propõe que a época atual seja, “de

preferência”, a época do espaço (não mais a da História como foi o século XIX), e traça

uma breve genealogia do espaço ocidental, para então chegar a idéia de heterotopias.

Inicia descrevendo o espaço medieval, este um conjunto de espaços entrecruzados e

opostos, de dualidades — o “espaço do corpo e espaço da alma se espelham um no

outro” (WERTHEIM, 2001, p. 33) —, organizados hierarquicamente. Foucault o chama

de espaço de localização. Em seguida, mostra que no século XVII os estudos de

Galileu57 em Astronomia levaram-no a descobertas que modificaram a noção de

espaço, agora físico. Um espaço infinito, onde cada coisa tinha seu lugar em relação a

seu movimento. Foucault o chamou de espaço de extensão. Na atualidade, diz ele,

experimentamos o mundo não mais por sua extensão ou longa via através dos tempos,

mas pelas relações entre pontos que se tramam e se entrecruzam. Experimentamos o

espaço como posicionamento, estamos sempre em relação a outras posições, que não

a nossa, e que jamais se sobrepõem umas às outras. Foucault nos apresenta a idéia da

existência de alguns posicionamentos que “têm a curiosa propriedade de estar em

relação com todos os outros posicionamentos, mas de um tal modo que eles

suspendem, neutralizam ou invertem o conjunto de relações que se encontram por eles

designadas, refletidas ou pensadas” (FOUCAULT, 2004, p.414). Esses

posicionamentos se apresentam, segundo Foucault, em dois grandes tipos: há os que

são idealizados, imaginários, mundos paralelos sem lugar no mundo real, são as

utopias — não-lugares ou lugares que não existem. E, em oposição às utopias, há as

heterotopias, que são posicionamentos reais, que “estão ao mesmo tempo

representados, contestados e invertidos”, lugares que estão do lado de fora de todos os

55 Heterotopia é um conceito de Foucault proposto em seu texto “outros espaços” e que tratarei nas próximas linhas 56 O texto “Outros Espaços” encontra-se no livro Ditos e Escritos, vol.3 . Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2004. 57 Margaret Wertheim aponta a contribuição da pintura perspectiva, que “incorporou o corpo do espectador em seu esquema espacial” (o ponto de vista único para elaborar um pintura era o mesmo de onde o espectador deveria se posicionar para observá-la) como “importante na preparação do caminho para os cientistas do século XVII”. WERTHEIM, Margaret. Uma história do espaço de Dante a Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 81.

Page 66: desenho: uma habitação no tempo

66

lugares e que ao mesmo tempo são “efetivamente localizáveis” (FOUCAULT, 2004,

p.415).

O que propõe é que existam outros espaços e outros tempos que não o espaço

uno e a temporalidade cronológica. Assim nos diz:

“As heterotopias estão ligadas, mais freqüentemente, a recortes do tempo, ou seja, elas dão para o que se poderia chamar, por pura simetria, de heterocronias; a heterotopia se põe a funcionar plenamente quando os homens se encontram em uma espécie de ruptura absoluta com seu tempo tradicional” ((FOUCAULT, 2004, p.418).

É esta “espécie de ruptura do tempo tradicional” que acredito estar em jogo na

percepção do tempo como habitação que proponho. Acrescento à ruptura do tempo

tradicional outras intuições do tempo. Márcio Tavares D’Amaral lembra que os gregos

tinham diferentes palavras para pensar o tempo, ou melhor, como eles intuíam o tempo

de várias maneiras. “Heráclito, por exemplo, num fragmento célebre, diz que tempo é

‘um jogo de criança, de criança um reinado’[...] ‘Aiôn’ foi traduzido por ‘tempo’[...].

Parece que Heráclito está definindo tempo como ‘acaso’, ‘jogo’, ‘brincadeira’, ‘reinado

de criança” (D`AMARAL, 2003, p.25 e 26). e ainda, continua D´Amaral com outras

intuições dos gregos sobre o tempo:

“Kairós”, que eles chamavam de “momento oportuno”, tempo da oportunidade; e “Kronos”, que era a duração. Que poderia ser longa “como quando se diz que uma doença é crônica, por exemplo, ou pode ser muito breve. Em ambos os casos, trata-se de resistência no passar. A palavra é Kronos, e nós de novo dizemos ‘tempo’”.(D`AMARAL, 2003, p. 26).

As propostas artísticas nas quais o espectador (ou o público) é convidado a um

desvio no fluxo em que estão inseridos, a uma ação ou possibilidade de reflexão que

modifique seu cotidiano e não tem como objetivo apresentar um objeto artístico, mas

sim provocar outra percepção da realidade através de experiências proporcionadas

pelos artistas, entendo como heterotopias, como resistências ao passar, como

durações.

Page 67: desenho: uma habitação no tempo

67

Em “Um pedido para estrela cadente”, Rosana Palazyan, mostrou a realidade de

adolescentes de uma instituição de recuperação, o drama de cada um e as percepções

de suas experiências. Nesse trabalho, Palazyan perguntou a cada um dos internos da

Escola João Luiz Alves58, no Rio de Janeiro, o que eles desejariam para uma estrela

cadente, quais eram seus sonhos. As respostas nos mostram indivíduos diante de suas

experiências e expectativas que não correspondem ao clichê esperado (como o fato de

uma experiência de vida sofrida corresponder à perda da esperança ou à

insensibilidade, o que pode ou não ocorrer). A heterotopia instaurada, o ritual para se

fazer ouvir esses indivíduos, ocorria em uma sala azul arroxeada, devido à presença da

luz negra, onde se encontravam vários balões a gás suspensos no teto com longos fios

presos a eles. O espectador conhecia os pedidos ao puxar os fios e trazer para próximo

de si o balão. Com a luz negra os pedidos, escritos ou desenhados com tinta

fluorescente em cada balão, brilhavam em consonância com o piso de pedrinhas

brancas sob nossos pés.

Figs 35: Rosana Palazyan. Um pedido para estrela cadente. Balões de gás,tinta fluorescente, luz negra, dimensões variáveis. 2000-2004

Fonte: Disponível em < http://www.galerialeme.com/artistas_bio.php?lang=por&id=16 > Acessado em 4 Abril 2008

58 Instituição localizada na Ilha do Governador no Estado do Rio de Janeiro; abriga e interna jovens infratores.

Page 68: desenho: uma habitação no tempo

68

Figs 36: Rosana Palazyan. Um pedido para estrela cadente. Balões de gás,tinta fluorescente,

luz negra, dimensões variáveis. 2000-2004 Fonte: Disponível em < http://www.galerialeme.com/artistas_bio.php?lang=por&id=16 >

Acessado em 4 Abril 2008

Palazyan trabalha se relacionando com o próximo, escuta pessoas que vivem

fora da linha de visibilidade social, seus desejos, suas histórias e dá visibilidade e

audição a elas. O que ela mostra são vozes de seres humanos e não a visão distante

de peritos que as analisa.

Page 69: desenho: uma habitação no tempo

69

Fig. 37: Rosana Palazyan. O Realejo. 28ª Bienal de São Paulo, 2003-2004. Fonte: Acervo pessoal.

Na Bienal de São Paulo de 2004, Palazyan trouxe para o espaço do Ibirapuera

um Realejo. É sabido que os realejos tiram a sorte para quem pede ao papagaio (ou

outro pássaro adestrado para essa função) que retire um papelzinho com a desejada

mensagem. Nessa obra a “sorte” que o espectador recebe para ler mostra a fala de

pessoas de rua, são pequenos textos que a artista recolheu de entrevistas com

pessoas que vivem à margem da sociedade. Uma operação que inverte o conjunto de

relações esperado a partir de um realejo. Na obra a “sorte” é a voz da rua, experiência

de alteridade.

Page 70: desenho: uma habitação no tempo

70

O que foi descrito, sobre os trabalhos de Palazyan, são experiências onde se

estabeleceram “redes de afeto”59, situações de trocas e que foram compartilhadas mais

tarde com um público maior. Uma experiência que demandou estar em processo, num

outro espaço e tempo diferentes do qual os sujeitos participantes se encontravam. A

heterotopia60 instaurada pela artista possibilitou um desvio na realidade (ruptura no

tempo tradicional) de cada espectador participante nas exposições, bem como das

pessoas envolvidas nas suas pesquisas. Um encontro com as experiências de cada

um, seus desejos e sonhos. Um modo de experimentar o encontro com o outro, um

demorar-se no passar.

Na primeira reunião dos alunos de mestrado da turma de 2007, da qual faço

parte, conheci a artista Cristina Ribas. Por motivos que não me recordo Cristina não

ficou o tempo de duração da reunião, mas desse breve encontro fiquei com um

pequeno panfleto distribuído por ela, desses que se recebe na rua anunciando

pequenos serviços como: “Trago a pessoa amada em três dias”. No seu panfleto lia-se

em letras azuis: “Troco Azulejo. Troque um azulejo de sua casa por um azulejo azul” e

o número de telefone de Ribas. Isso me interessou, a possibilidade de aproximação

com Cristina Ribas a partir da sua prática artística, além de perceber interesses em

comum na sua prática e na minha. Muitas tentativas de marcarmos a “troca” e muitos

meses se passaram para que quase no final de 2007 ela se realizasse. Foi numa tarde,

no dia 29 de novembro, que Cristina chegou a minha casa, onde eu a aguardava com

Lucia Vignoli que filmaria o acontecimento da “troca”. Dias antes fiquei pensando onde

colocaria o novo habitante. Queria um lugar que fosse notado, que pudesse “conviver”

diariamente. Acabei decidindo, junto com Cristina e Lúcia, pela cozinha que é um lugar

de referência da casa, pois todas as vezes que reunimos amigos e parentes a cozinha

é o lugar onde passamos a maior parte do tempo. Além do que, seu piso é azul.

59 A referência à rede de afetos considera o afeto como aquilo que nos toca ou atinge — sendo brisa ou tempestade — e não apenas como algo agradável ou dócil. 60 Idéia de heterotopia de Foucault. Ver página 63 do presente texto.

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71

Portanto o novo habitante — o azulejo azul de Cristina Ribas — ficou na parede lateral,

próxima ao fogão, e de frente para quem entra na cozinha.

Figs 38, 39, 40 e 41: Cristina Ribas. Troca de Azulejo. Detalhes da intervenção na residência de Nena Balthar.

2007. Fonte: Arcevo pessoal.

Durante o tempo em que Cristina ficou martelando e escavando a parede,

retirando o azulejo antigo, para depois preparar, delicadamente, a massa que colaria o

Page 72: desenho: uma habitação no tempo

72

azulejo de sua coleção no lugar aberto pelo que foi retirado, acompanhei o processo

fazendo um bolo de tapioca — Bolo “Podre” como se diz no Pará — uma receita de

minha avó paraense.

Figs. 42 e 43. Nena Balthar. Intervenção na intervenção

de Cristina Ribas. Residência de Nena Balthar. 2007. Fonte: Arcevo pessoal.

O que essa experiência proporciona é uma relação de anfitrião e hóspede.

Relação entre fronteiras que se caracteriza pelo acolhimento e cuidado (cuidado esse

envolvendo proteger e ser protegido), reorganizações do lugar que recebe o hóspede,

estabelecendo-se trocas. Jacques Derrida aponta em seu texto sobre a hospitalidade

(DERRIDA, 2003) a tênue linha que vigora nessas trocas afetivas — o que nos afeta

pode ser gentil ou violento. A hospitalidade que Derrida nos mostra põe em discussão a

geração de territórios para ser possível hospedar. Retira da ação do hospitaleiro o foco

de simples acolhimento, para por em jogo o estabelecimento de fronteiras a serem

transpostas — jogos afetivos. O Hóspede, que Derrida denomina de estrangeiro,

“sacode o dogmatismo ameaçador do logos paterno: o Ser que é e o Não-Ser que não

é” (DERRIDA, 2003, p. 7). Quando se permite ser anfitrião se reconhece que o Ser é e

também pode não ser, e o Não-Ser não é e também pode ser. O estrangeiro incorpora

a possibilidade do Não-Ser (aquele que não pertence ao lugar) vir a ser; e esse jogo de

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73

afetividades demanda e faz emergir reorganizações nos territórios instituídos, “a

hipótese revolucionária do Estrangeiro” (DERRIDA, 2003, p. 7).

A violência das marteladas de Ribas na parede da cozinha encena a “revolução

do Estrangeiro”; o que é deixa de ser — a arquitetura anterior da casa — e o que não é

passa a vigorar — o azulejo azul da coleção do estrangeiro incorporado à arquitetura.

Aproximo essa relação da idéia benjaminiana do narrador. Quando proponho

tempo como habitação na alteridade é porque acredito que se instaure nesse habitar

uma relação de agenciamentos de memórias e narrativas que surgem a partir do ritual

de uma demora, do compartilhar com o outro.

Benjamin aponta a diferença entre narrativa e informação, que penso ser um dos

paradigmas contemporâneos de experimentarmos uma cultura de excessos em

oposição a acúmulos. A narrativa diz:

“Não está interessada em transmitir ‘o puro em si‘ da coisa narrada como uma informação ou relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso” (BENJAMIN, 1985, p. 205).

Sendo assim a narrativa é amplificada quando narrada por novos narradores —

relaciono-a ao acúmulo. Por outro lado, a informação tem seu valor apenas enquanto

novidade, “só vive nesse momento, precisa entregar-se inteiramente a ele e sem perda

de tempo tem que se explicar nele” (BENJAMIN, 1985, p. 204) — identifico-a com o

excesso. No pensamento de Benjamin o narrador é aquele que transmite a “experiência

verdadeira”, trazendo o percurso da experiência passada de pessoa a pessoa,

promovendo o intercâmbio de experiências. A figura do Narrador, transponho-a para a

do Anfitrião. Assim como o narrador que, ao contar uma história, promove relações

sociais, o anfitrião ao reorganizar seu território também a favorece. Ambos, narrador e

anfitrião, podem proporcionar a demora.

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74

Geralmente uma história é narrada para um grupo que se encontra com a mente

aberta61, propícia para rememorar a história contada e ser capaz de contá-la novamente

acrescentando suas experiências às narrativas. Quando faço o bolo de tapioca e

aguardo a troca de azulejo é como se eu incorporasse a ação de Cristina Ribas e vice-

versa, uma reverberação desses espaços narrativos: Bolo e Azulejo em uma troca

constante de posições. Promove-se nesse “outro espaço” relações entre memórias,

experiências e conhecimentos através de nossas atitudes; atuo como o anfitrião nesse

recorte de tempo; jogos de fronteiras, novos territórios sendo criados. O Hóspede, na

atuação de Ribas, é o outro da relação — o estrangeiro que presentifica o Não-Ser

sendo. Sua ação de escavar a parede, de remoção para uma nova organização,

também proporciona trocas de experiências trazendo para o lugar da “troca de Azulejo”

novas configurações de tempos e espaços. Ao preparar o bolo com meus alunos e

Lucia estamos novamente lidando com temporalidades a partir de memórias,

experiências e conhecimentos. Os quais me parecem ter a potencialidade de serem

percebidos pelo espectador quando ofertamos o bolo na performance. Quando tenho

na cozinha de minha residência um azulejo que não fazia parte do projeto arquitetônico

da casa, um azulejo da coleção da artista Cristina Ribas, é novo recorte que se

instaura. O Azulejo está ali trazendo, diariamente, a presença daquela experiência, do

tempo compartilhado para que sua troca fosse feita. O bolo que o público-hóspede

degusta é o bolo que eles vêem ser preparado no vídeo. O anfitrião e o hóspede são

personagens do mesmo ritual em que há a possibilidade de se re-conhecer, em si e no

outro, de se perceber pertencendo a seu tempo.

Minha experiência com o ensino da arte se mistura à minha prática artística. No

período em que fui da equipe de Educação do Museu de Arte Moderna62, sob a

coordenação de Maria Tornaghi, trabalhávamos com a idéia de proporcionar um

encontro com a arte onde pudesse ser percebido um processo, uma duração. 61 Benjamin diz que o dom narrativa foi cultivado em torno de atividades manuais (que ele constatou estar desaparecendo) pois o ouvinte que executa sua tarefa – fiar ou tecer – abre a mente para “gravar nele o que escuta” BENJAMIN, Walter. In: Obras Escolhidas: Magia e tècnica, Arte e política. ed. São Paulo. Ed. Brasiliense, 1985. 62 Entre os anos de 1999 e 2006 integrei a equipe de educação do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. E de 1992 à 2006 integrei a equipe de professores do Núcleo de Crianças e Jovens da Escola Artes Visuais do Parque Lage, ambos sob coordenação de Maria Tornaghi.

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75

A visita ao museu não se reduzia apenas às obras de arte em exposição.

Partíamos do princípio que o outro, no caso o grupo de visitantes (formado por crianças

ou jovens de escolas da rede pública da cidade do Rio de Janeiro, ou grupos de

participantes de projetos sociais63, ou de empresas) também contribui com seus

conhecimentos, seus recursos pessoais e culturais, que entram em jogo na visita.

Lembro do grupo formado por jovens com idades entre 13 e 15 anos da Escola

Municipal Pernambuco que veio à exposição “Jogo da Memória”64. Na nossa sala, o

lugar em que iniciávamos uma conversa que funcionava como um tipo de aquecimento

à maneira da preparação vocal ou corporal quando se vai cantar, falar, dançar,

participar de algum esporte ou atuação que envolva corpo e voz. Ou ainda à maneira

dos músicos que afinam seus instrumentos. Aquecimento que nos colocava em contato

com as questões relacionadas à exposição a ser visitada. No caso dessa exposição o

ritual para provocar nossas memórias era um tipo de jogo: colocamos imagens de

sucata industrial em um saco de tecido onde cada participante retirava uma,

aleatoriamente. A partir de cada imagem uma lembrança era ativada. A figura de uma

cebola fez surgir comentários como: “Lembrei do primeiro jantar que eu fiz sozinha” ou

“Minha avó não chora ao cortar cebola”.

Ao chegarem no terceiro andar do museu onde estava organizada a exposição

“Jogo da Memória” imediatamente relacionaram o momento da sala e suas lembranças

com o que viam. Diante do trabalho da artista Silvia Cintra65 fizeram comentários que

misturavam suas experiências e lembranças com o que viam: “Parece universo da

infância da artista” ou “história da Alice no país das maravilhas”. E, ainda, ao

observarem as fotografias “partidas” de Rosangêla Rennó66: “É a família da artista?”,

63 Nesse caso poderiam ser grupos organizados em faixas etárias que variavam de crianças até idosos. 64 Alessandra Vaghi, Janaína Tschäpe, José Rufino, Leonilson, Maurício Dias & Walter Riedweg, Rosângela Rennó e Sandra Cinto foram os artistas que participaram da referida exposição, a qual teve curadoria de Franklin Espath Pedroso. Apresentada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro entre Agosto e Setembro de 2005. 65“Silvia Cintro desenha sobre painéis de madeira momentos pessoais, principalmente da infância. Imagens fotográficas, objetos, desenhos de candelabros, pontes, nuvens, estrelas, velas, escadas, montanhas estão entrelaçados por finíssimas linhas sinuosas realizadas à caneta, como se “amarrassem” todos estes elementos para não deixá-los escapar. A artista parece querer reter aqueles momentos, tornando-os permanentes; é a memória longínqua que passa a ser sua história atual, ainda que reescrita. Sandra Cinto sinaliza estar buscando, incessantemente, recuperar essa memória como se fosse algo perdido”. ”. Informações retiradas do Memória Press Release. Documento escrito para a divulgação, pela Assessoria de Imprensa: Meise Halabi / Marcelo Leite , do MAM, RJ.

66 “A instalação “Menos valia”, de Rosângela Rennó é uma bancada com objetos variados, adquiridos através de troca, em uma feira de coisas usadas no centro do Rio de Janeiro, por peças novas. Ao apropriar-se de elementos que integravam a memória dos outros, a artista constrói a sua própria, apagando a anterior. Nesta ação,

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76

“Parece banca de camelô”, “Minha avó tem uma foto assim, mas ela não cortou não”.

Na duração da visita íamos construindo relações com as idéias do grupo, as nossas e

as dos artistas e curadores. Nesse jogo, a atenção, a memória, a motivação, a emoção,

a percepção e o pensamento emergiam dessa demora. Um aprendizado do ver, ver

novamente e reconhecer (informação verbal)67.

O aspecto único das visitas fica claro, também, quando me recordo da Escola

Municipal Ana de Barros Câmara que escreveu na ficha de avaliação, além de outras

coisas68, que seus alunos (crianças pequenas entre 4 e 6 anos) adoraram as torneiras

automáticas do banheiro. Muitos entravam nesse espaço pela primeira vez, tornando

cada gesto e cada passo no interior da instituição uma aventura — como lavar as mãos

nas torneiras ou colocar seu bilhete eletrônico na roleta. A visita ao museu também é

uma experiência que proporciona a noção de pertencimento à sociedade e

consequentemente, pertencimento a seu tempo.

Por esse motivo, e muitos outros, cada visita se torna única e um desafio

delicioso para nós; estamos sempre inaugurando uma experiência compartilhada com

cada grupo de visitante. Movimento e mobilidade da relação entre o que somos e o que

não somos e que se sustenta no desejo ao acaso, implicando o envolvimento e a

proximidade contrários à idéia de fixidez e de distância — reorganizações de territórios:

nós como Anfitriões e os visitantes como Hóspedes.

Na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, lugar onde iniciei minha prática no

ensino da arte e dou aulas para crianças e jovens, também trabalho com a idéia de

percepção de um processo, de uma demora. Uma das maneiras de proporcionar a

demora é o uso de portfólios onde exercitamos nosso olhar para o que cada um faz — Rosângela configura uma história social: um passado de todos desconhecido passa, agora, a pertencer à história da própria artista; lembranças que se apagam, mas renascem em um novo sentido ao passar a ser a narrativa poética da artista. ”. Informações retiradas do Memória Press Release. Documento escrito para a divulgação, pela Assessoria de Imprensa: Meise Halabi / Marcelo Leite , do MAM, RJ. 67 Seminário sobre o trabalho no Núcleo de Crianças e Jovens da EAV do Parque Lage, fala de Márcio Tavares D‘ Amaral. Organização Maria Tornaghi. EAV, Outubro de 1995, Rio de Janeiro. 68 “A coordenadora pedagógica, Maria Afonso Castello, nos fez um registro da “Aula Passeio” e dele recortamos trechos que evidenciam o quão significativa foi a experiência:“(...) participaram ativamente sem se desinteressar um só momento (...) Foram muitas as vivências, mas destacamos as que mais marcaram as crianças que até hoje fazem comentários. (a visita foi dia15 de julho, o registro da coordenadora de 9/de setembro) A começar pelas dimensões, nunca tinham visto quadros tão grandes com tantas concepções de arte. E como criança não tem preconceito, entraram em interação, aceitando e admirando-se com aquele espaço que amplia a perspectiva de ver a Arte (...). Aprenderam a limitar-se a ver sem tocar, a ver e pensar, a ver e imaginar. (...) Fica na memória e na vivência, o prazer da descoberta, o deleite com as sensações, a aprendizagem de percepção de novas formas, a conquista de ver e fazer “Arte”. Da palestra Afinal, o que se aprende em um museu? ministrada por Maria Tornaghi no II Encontro de Arte Educação da Escola de Belas Artes/UFRJ no Museu Nacional de Belas Artes, em 2003.

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77

“reconhece o que está vendo, relembra imagens, provoca memórias” (informação

verbal)69. Bem como o que a turma produz —“uma maior atenção para os trabalhos e

as mentes de outros. A descoberta de que pedir emprestado, imitar, ou compartilhar

pode ser uma conquista e não um fracasso”.(informação verbal)70.

Certa vez, uma aluna, ao olhar sua pasta após fazer seu gráfico para avaliação71,

reconheceu no trabalho que ela mais gostava a ausência dos critérios considerados

importantíssimos para constar num de seus desenhos — ter muitas cores e muitos

detalhes. Ela se espantou, mas gostou do que havia percebido. Recentemente na

minha turma de crianças de 7 a 9 anos, um dos alunos trouxe uma cobra morta dentro

de um vidro. Nesse dia a “cobra” foi motivo de vários desdobramentos nos trabalhos

feitos pelos alunos. Surgiram trabalhos cheio de linhas fininhas e cobras feitas com

papel manteiga amassado, e também a mumificação, com barbante, de cachorrinhos

(projeto de outra aluna que se modificou a partir da idéia de uma cobra preservada no

formol). Aqui também se dá um aprendizado de ver, ver de novo e reconhecer,

aprendizado da memória que identifico também no personagem do narrador de

Benjamin, que está ligado à idéia de compartilhamento.

Uma habitação no tempo, no tempo de uma demora implica percebê-lo (o tempo)

como processo, como duração. Não o tempo cronológico, mas a possibilidade de

percebê-lo como processo. A possibilidade de estar com o outro, ser alguém que faz

parte de um grupo e tem seu papel relevante. Como na figura do narrador ou do artista

propositor, o exercício de estar junto numa atividade ou numa experiência artística

estabelece “uma espécie de ruptura absoluta com nosso tempo tradicional”

(FOUCAULT, 2004, p.418). Mais uma vez o ritual estabelecido pelas relações sociais, e

que é transposto para a fruição da arte, permite nos colocarmos em outros espaços e

tempos — o que bem poderia ser uma heterotopia.

69 Da palestra sobre Aprendizado de Arte, ministrada por Maria Tornaghi na Escola de Artes Visuais do Parque Lage para monitores do projeto EcoAteliês- arte e ecologia – parceria SESC/Escola de Artes Visuais do Parque Lage; Novembro 2008 70 TORNAGHI, Maria. Ibid. 71 Frequentemente fazemos as avaliações como uma tática para os alunos perceberem seus próprios caminhos. Primeiro cada um faz seu gráfico com seus critérios necessários para que seu trabalho esteja dentro de suas espectativas. Depois os alunos olham as pastas e escolhem entre os trabalhos aqueles considerados correspondentes aos critérios escolhidos. As vezes se dão conta que os que mais apreciam não são os que preenchem seus critérios (ou vice-versa) e mudam de idéia.

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78

Tomo o conceito de heterotopia72 de Foucault que é definido por ter “o poder de

justapor em um só lugar real vários espaços, vários posicionamentos que são em si

próprios incompatíveis”(FOUCAULT, 2004, p. 418), para considerar o trabalho

“Encontro em um Ponto”, do artista Luiz Alphounsus, como mais uma possibilidade de

instauração da noção que proponho de tempo como demora, como processo, que

implica percepção (espaço) e ação (tempo) a qual encontro ressonância na proposição

de heterotopia de Foucault.

Seu trabalho realizou-se no Núcleo de Arte e Tecnologia da Escola de Artes

Visuais do Parque Lage (Nat_Eav), como parte do projeto ensino_arte_rede73.

A equipe do Nat_Eav74, na linha de pesquisa ensino_arte_rede, diz que:

“Nessa era, chamada de era da informação e das comunicações, em que estamos conectados em rede e nos movimentamos com mídias móveis de comunicação sem fio, vivemos simultaneamente em espaços virtuais e físicos. Essa vivência híbrida tem alterado significativamente as noções de espaço e tempo, com a diluição de antigas dicotomias como: o perto e o distante, o público e o privado. Conectados com mobilidade, vivemos em fluxo. Fluidez passou a ser uma das principais metáforas dessa época em que a crescente presença das redes, dos telefones celulares e de outros dispositivos móveis sem fio em nosso cotidiano nos transforma em novos nômades. Sob esse viés, os programas do Nat-Eav pretendem refletir sobre o nosso cotidiano tecnologizado, a partir de experiências artísticas colaborativas.”75

Sob o pensamento de que vivemos uma nova era de nomadismo proporcionada

pelos “novos dispositivos móveis de comunicação”76, e que por isso experimentamos

uma nova noção de tempo e espaço (virtuais e físicos), a equipe do projeto convidou

Luiz Alphonsus para a realização do primeiro trabalho do projeto “ensino_arte_rede”. O

artista tem em sua trajetória o pensamento recorrente sobre tempo e espaço. Cosmos

Polis77, principal eixo do pensamento de Alphonsus, propõe a visibilidade do espaço e

do tempo em suas dimensões planetária e urbana. Um de seus trabalhos dos anos

72 Foucault estabeleceu 6 princípios heterotópicos, os quais se encontram no texto Outros Espaços. 73 “O ensino_arte_rede surgiu da interseção de três linhas de pesquisa e trabalho criadas pelo Nat_Eav: arte sem distância, para projetos de educação de arte à distância; arte em processo, para projetos colaborativos entre o Nat_Eav e artistas convidados; e arte do fluxo, para projetos colaborativos em rede e com mídias móveis.” Disponível em: < http://www.eavparquelage.org.br/nat/ensino_arte_Frede/apresenta.htm > acessado em 07.04.2008. 74 A equipe para o trabalho “Encontro em um ponto” é formada por: Bia Amaral, Cristina de Pádula, Giodana Holanda, Luiz Alphonsus, Tania Queiroz e Tina Velho. 75 Disponível em: < http://www.eavparquelage.org.br/nat/ensino_arte_Frede/apresenta.htm > Acesso em 07.04.2008. 76 Disponível em: < http://www.eavparquelage.org.br/nat/ensino_arte_rede/apresenta.htm >. Acesso em 07.04.2008. 77 Diz Luiz Alphonsus: “Brasília fez nossa cabeça. Havia uma ligação cósmico-planetária com a cidade que estava nascendo, no meio do Brasil, com aquele céu enorme. Era impossível não sentir o impacto da cidade[…]”em depoimento à Frederico de Morais, Galeria BANERJ, 1986. Citado por Fernando Cocchiarale em texto sobre o artista e sua relação com o cosmoPolis. Disponível em: < http://www.luizalphonsus.com.br/ >. Acesso em 07.04.2008.

Page 79: desenho: uma habitação no tempo

79

1970 consistia em dois grupos de pessoas que percorreram o mesmo espaço: o trajeto

da distância, do início até o fim, de um túnel em Copacabana, no Rio de Janeiro. Um

grupo fez o percurso interno e o outro o percurso externo, ambos se encontraram em

um ponto no final do túnel com os registros fotográficos de seus caminhos. A equipe do

Nat-Eav reconheceu nesse trabalho a possibilidade de experiência simultânea de

tempo e espaço, tão comum às novas tecnologias. Do encontro da equipe com o artista

veio a idéia do trabalho “Encontro em um Ponto” de Luiz Alphonsus, ampliando a

proposta de seu trabalho anterior na década de 70, a partir dos recursos tecnológicos

atuais.

“Encontro em um Ponto” é uma proposta realizada coletivamente. A possibilidade

de experimentar o tempo e o espaço a partir do cotidiano de cada participante e fazer

perceber o processo e as idéias que podem resultar num trabalho de arte é o aspecto

fundamental da proposta, diz Luiz Alphonsus78. Foram convidados 20 alunos de duas

escolas municipais de Duque de Caxias79 para participar do projeto. A cada aluno foi

pedido que registrasse em celulares80 seu trajeto de casa até a escola. A

simultaneidade dos registros permite experimentar um mesmo tempo (horário escolar)

em espaços diferentes (distância distintas entre escola e casa). A primeira etapa teve

dois grupos em dois Encontros em um Ponto: a escola de cada grupo. O Encontro em

um Ponto comum aos dois grupos aconteceu na Escola de Artes Visuais do Parque

Lage (EAV) onde está localizado o Nat_Eav. Nessa etapa os dois grupos de alunos das

duas escolas registraram, simultaneamente, o trajeto do ônibus que os levou até a EAV.

Nesse encontro final, a equipe do projeto também registrou seu percurso entre suas

casas e a EAV, juntando suas experiências às dos 20 alunos. Durante o projeto foi

criado um site na internet81 onde todos os registros coletados, da experiência de cada

um, foram disponibilizados para uma troca entre os alunos e a equipe do projeto82. Ao

78 Disponível em: < http://www.eavparquelage.org.br/nat/ensino_arte_rede/apresenta.htm > Acessado em 07.04.2008. 79 A Escola Municipal Roberto Weguelin de Abreu e a Escola Municipal Professora Olga Teixeira de Oliveira. Ambas fazem parte do Projeto TONOMUNDO (do Oi Futuro - instituto de Responsabilidade Social da Oi) Disponível em:: <http://www.eavparquelage.org.br/nat/ensino_arte_rede/apresenta.htm>. Acesso em 07.04.2008. 80 A empresa de telefonia Oi patrocinou o projeto e cedeu os celulares para sua execução. 81 O referido site é: < http://www.eavparquelage.org.br/nat/ensino_arte_rede/apresenta.htm > 82 Por opção do artista, as trocas aconteceram entre cada grupo de alunos individualmente e a equipe do projeto. A troca entre todos os participantes se deu apenas na apresentação final.

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80

final do processo uma exposição foi montada na EAV com o material resultante do

processo: um mapa na internet com os registros dos alunos — onde os visitantes

podiam acessar — um ambiente real nas paredes da galeria com fotografias (registros

dos trajetos) e um vídeo com depoimentos dos alunos. O compartilhamento com o

público dessa experiência, através do site do projeto, permite a quem o acessa

perceber a experiência espaço/tempo de cada um dos participantes. A materialização

de um pensamento abstrato e seu retorno ao pensamento, “o verdadeiro Encontro em

um Ponto”, nas palavras de Luiz Alphonsus.

Esse trabalho, construído por experiências individuais em que o não determinado

e o acaso foram incorporados (com o compartilhamento dessas coleções de

percepções do espaço e tempo), faz com que eu o relacione com a importância da

oposição entre método e cultura83 apontada por Roland Barthes na apresentação de

seu livro “Como viver juntos”. Por ser o método um caminho traçado com um objetivo

pré-determinado para obtenção de resultados, quase sempre o sujeito “abdica o que ele

não conhece dele mesmo, seu irredutível, sua força (sem falar do seu inconsciente)

(BARTHES, 2003, p. 6). E, acredito, com isso acostuma-se ao que não é o outro. A

cultura, por outro lado, é o caminho pela experiência que se adquire, pela reunião de

saberes, pela tradição, que remete a paidéia84 grega. O pensamento abstrato

materializado coletivamente pela percepção do processo de sua materialização, e que

depois retorna ao pensamento (abstrato) na experiência da proposta “Encontro em um

Ponto”, pode ser considerado a reunião de saberes presentes tanto na idéia de tradição

(paidéa grega) quanto na idéia do “gesto do artista” – diálogo da obra com o

espectador– ou na idéia de Cultura (como caminho pela experiência que se adquire)

proporcionando novas percepções da realidade.

83 Gilles Deleuze ao retomar a oposição nietzschiana entre método e cultura diz: “O método supõe sempre uma boa vontade do pensador, uma “decisão premeditada”. A cultura, ao contrário, é uma violência sofrida pelo pensamento sob a ação de forças seletivas, um adestramento que põe em jogo todo o inconsciente do pensador” (G. Deleuze, Nietsche e la philosophie, Paris, PUF, 1962,pp.123-4) Citado por Roland Barthes. Como Viver Juntos São Paulo, Martins fontes. 2003, p.5. 84 O filólogo alemão Werner Jaeger, diz ser a paidéia "todas as formas e criações espirituais e ao tesouro completo da sua tradição, tal como nós o designamos por Bildung ou pela palavra latina, cultura." Daí que, para traduzir o termo paidéia "não se possa evitar o emprego de expressões modernas como civilização, tradição, literatura, ou educação; nenhuma delas coincidindo, porém, com o que os gregos entendiam por paidéia. Cada um daqueles termos se limita a exprimir um aspecto daquele conceito global. Para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de empregá-los todos de uma só vez.". Definição retirada da enciclopédia eletrônica Wikipédia Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Paidéia >.Acesso em 21.04.2008.

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81

Fig. 44: Companhia de teatro Théâtre du Soleil. Les Ephemères. 2008. Fonte: Disponível em: < http://www.theatre-du-soleil.fr/ephemeres/tract-ephemeres-3.html >

Acesso em: 13 março 2008

A companhia teatral “Théâtre du Solieil” utilizou para a dramaturgia do

espetáculo, “Les Ephemères”85, pequenos cenários móveis — plataformas de madeira

que possuem rodas e giram em torno delas mesmas e deslizam pelo palco de uma

extremidade para outra. Muito me impressionou como esse recurso foi utilizado para a

encenação do espetáculo.

Cada cenário móvel era como ilhas de vida que desfilavam sobre os nossos

olhos. O palco transformado em passarela, em estrada, em rio, em cujas “margens”

situavam-se os espectadores. As cenas deslizavam nesse palco horizontal e me fez

lembrar o recurso cinematográfico de uma cena depois da outra em um movimento

sucessivo e contínuo.

Os movimentos das plataformas-cenários eram executados por atores e faziam

as cenas deslizarem. Eram movimentos lânguidos, cadenciados, quase dança.

Instauravam tensão à cena pela velocidade com que eram postos a girar, no próprio

eixo, pelos atores. Ou geravam sutilezas através da leveza com que eles arrastavam

(como que coreografados) seus corpos junto às plataformas-cenários. Alguns estavam

no palco somente como empurradores dos cenários, outros trocavam de lugar e, por

vezes, usavam seus figurinos de cenas anteriores para empurrar. Depois voltavam na

próxima cena, uma vez ainda, a deslizar nas “ilhas” das estórias das quais eram

personagens. Esses atores-empurradores ocupavam um lugar de passagem, de fresta;

85 No prólogo da dissertação relatei minha experiência ao assistir o espetáculo “Les Ephemères”.

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82

estavam entre a platéia (que os observava juntamente com os atores que atuavam

como personagens das estórias narradas) e os atores — personagens em cena.

Ficavam atentos ao que acontecia na cena e na platéia. Possíveis atualizações do coro

grego.

O coreógrafo Merce Cunningham, no início da década de 60, desenvolveu um

pensamento sobre a dança a partir da idéia de movimento como coisa, da “linguagem

do comum” e do “desempenho de tarefas” (KRAUSS, 2001, p. 282), a relação, nas

palavras de Annette Michelson, entre um “tempo sintético em oposição a um tempo

operacional”. Tempo operacional penso ser o tempo de nossa experiência, nossa

habitação no mundo. Para Rosalind Krauss o “desempenho de tarefas”, por seu apelo

sensorial e não funcional, passa a ser a trama da nova dança, “substitui o ilusionismo

pelo tempo real e despsicologiza o seu executante” (KRAUSS, 2001, p. 282).

A movimentação dos atores para empurrar os carros-cenários me parece dentro

desta idéia de movimentos repetidos, como tarefa a ser executada, sem a idéia de

ilusão e, portanto, mostra ser teatro o que o público observa. A platéia pertence a seu

tempo. “Les Ephemères” também pode ser aproximado do que Kenneth King diz sobre

o novo teatro como “extensão da experiência do homem, está apto a ir além dos

artifícios da linguagem e tornar-se transliteral pela justaposição do simbolismo literário

com movimento, filme, tinta, luz, etc.” (KING, 1996, p. 159). Insiro, ainda, a concepção

de teatro da companhia Théâtre du Soleil no que Walter Benjamin chamou de teatro

épico, onde o sentido “é construir o que a dramaturgia aristotélica chama de “ação” a

partir dos elementos mais minúsculos do comportamento” (BENJAMIN, 1985, p. 134),

provocando um estranhamento à tais acontecimentos — pelo olhar do dramaturgo

épico.86

O “laboratório dramático” põe em causa a idéia de processo presente nas

produções/proposições de arte que se valem das ações (o gesto agambeniano que

considera-o na esfera da ação, e o tempo bergsoniano que se apresenta na ação)87

demandando durações — habitações no tempo.

86 Benjamin diz que o olhar do dramaturgo épico “opõe ao drama baseado no conceito da obra de arte total o laboratório dramático” permitindo possibilidades de acesso ao cotidiano reinventando-o. Que identifico na processo de feitura dos espetáculos do Theatre du Soleil, na Nova Dança e nos Happenings. 86 BENJAMIN, Walter. O autor como produtor. Obras Escolhidas: Magia e tècnica, Arte e política. ed. São Paulo. Ed. Brasiliense, 1985. p. 134 87 Ambas idéias discorridas no corpo da dissertação.

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83

Tais proposições podem ser vistas como uma transposição da pergunta

benjaminiana88 de se pensar não apenas como se situa uma obra (produção) em

relação a seu tempo, mas como ela se insere dentro dessas relações. Nos espetáculos

da companhia Théâtre du Soleil, a diretora Ariane Mnouschkine põe o homem no centro

da ação, pesquisa e utiliza os meios atuais de produção contemporâneos —

tecnologias de ponta — para fazer um teatro inserido e contextualizado com a sua

época e as relações sociais associadas à ela. Sheila Cabo também analisa como as

práticas artísticas contemporâneas são “marcadas pelo crescente deslocamento do

campo específico da linguagem e do meio para o ambiente ampliado das relações

culturais, que conectam distâncias e negociam significados” (CABO, 2007, p. 98).

Penso que o que está em causa (nessas propostas artísticas) não é mais uma

utopia revolucionária, mas um outro tipo de utopia ou ainda de heterotopia, que envolve

uma habitação com o outro — alteridade. “Como viver junto”, título de um livro de

Roland Barthes, foi tema da Bienal de São Paulo de 2006, com curadoria de Lisette

Lagnado. A curadora afirma que “a 27a. Bienal será feita para debater os vários

aspectos do ‘como‘ as pessoas constroem seu espaço social (projetos construtivos) e

‘como‘ colocam em prática relações ‘comunitárias‘ (programas para a vida)”89. O que

parece ser a proposta de Lagnado é pensar a inserção da produção artística no

contexto da contemporaneidade.

Nos mesmos seminários citados anteriormente, Roland Barthes reuniu uma série

de elementos relevantes para pensar a questão de como viver junto, entre eles a

importância de uma revisão das palavras gregas. Diz ele: “Recorrer às palavras gregas

= não ter pressa e, às vezes, para desenvolver o significante como um odor, essa

lentidão é necessária. No mundo atual, toda técnica de diminuir a velocidade tem algo

de progressista” (BARTHES, 2003, p. 35). Penso que a técnica de diminuir a velocidade

esteja relacionada a um desvio no cotidiano das pessoas, uma possibilidade de

desalienação, de reação ou resistência, ao motum continum da sociedade

contemporânea. A possibilidade de fazer parte de seu tempo.

88 Antes de pensar a vinculação da produção literária ao contexto de sua época, Benjamin propõe pensar como ela (a produção) se insere nesse contexto. BENJAMIN, Walter. O autor como produtor. In: Obras Escolhidas: Magia e tècnica, Arte e política. ed. São Paulo. Ed. Brasiliense, 1985. 89 LAGNADO, Lisette. Disponível em:: < http://forumpermanente.incubadora.fapesp.br/portal/.painel/entrevistas/lisette_lagnado/ >. Acesso em 19.05.2008.

Page 84: desenho: uma habitação no tempo

84

A idéia de desaceleração pode ser pensada como recortes, pedaços ou colagens

de saberes, outras temporalidades que permitem novas reconfigurações da

experiência, gerando espaços heterotópicos, onde a subjetivação se dá através de rede

de afetos.

Quando Barthes diz a respeito do princípio que conduziu o seminário, de não

saber qual o caminho seu seminário irá tomar, tudo dependerá do que ele aprender

com as exposições dos outros (alunos do seminário) (BARTHES, 2003). Identifico uma

correspondência entre esse procedimento e a maneira que trabalho com meus alunos e

com os visitantes no Museu. O que parece existir é antes possibilidades de caminhos e

não um único caminho, prévio, a ser seguido. A valorização de estar com o outro para

construir possibilidades.

Acredito que na arte exista a possibilidade de se proporcionar uma ruptura da

relação causa/efeito, que permite gerar heterotopias90. Segundo Jacque Rancière, a

arte possibilita construir um ponto de igual valor entre um saber e uma ignorância, um

espaço de neutralização da oposição entre arte e vida, permitindo ao sujeito

trabalhador, que estaria fora de uma possível experiência estética, contemplativa, se

deslocar de seu trabalho e experimentar uma contemplação do mundo.

“Sentindo-se em casa enquanto ainda não terminou o piso do cômodo em que trabalha, ele desfruta da tarefa; se a janela se abre para um jardim ou domina um horizonte pitoresco, por um instante ele repousa seus braços e plana em idéias para a espaçosa perspectiva, gozando dela melhor do que os proprietários das casas vizinhas91”

A imagem descrita acima, retirada por Rancière de um texto de um jornal

revolucionário operário, faz-me pensar que o lugar da utopia é mesmo o Homem. Assim

como também parecem ter apontado Benjamin, Clark e Agamben.

As práticas artísticas que veem um possível deslocamento no cotidiano das

pessoas aparentam compartilhar desta crença no homem mostram que a arte não faz o

sujeito mais consciente da sua realidade, disso ele já sabe, mas proporcionam

estímulos para refletir e reconhecer quem ele é. Perceber que ele pertence a seu

tempo. 90 Conceito formulado por Foucault e que foi apresentado no presente texto. 91 RANCIÈRE, Jacques. Disponível em: <http://www.sescsp.org.br/sesc/conferencias/subindex.cfm?Referencia=3806&ParamEnd=5 > Acesso em: 15.04.2008

Page 85: desenho: uma habitação no tempo

85

Será esta nova abordagem da relação entre arte e vida um sentimento utópico

neste mundo que se quer não utópico? E tempo como habitação, heterotopias como

possibilidade de resistência à velocidade da vida?

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86

BREVES CONSIDERAÇÔES

A rapidez de estilo e de pensamento quer dizer antes

de mais nada agilidade, mobilidade, desenvoltura; qualidades

essas que se combinam com uma escrita propensa às

divagações, a saltar de um assunto para outro, a perder o fio

do relato para reencontrá-lo ao fim de inumeráveis

circunlóquios.

Ítalo Calvino

Fig. 45: Doglas Gordon. 24 hours Psycho. (!993). Cortesia do artista, galeria Gagosian, Nova York.

Fonte: Disponível em: < artipedia.org/artsnews/ exhibitions/2006/10/02 >. Acesso em 15.06.2007

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87

O artista escocês Douglas Gordon se apropria de filmes consagrados e trata-os

como material. A temporalidade é o foco principal e o meio pelo qual o artista apresenta

novos sentidos aos filmes.

“24 hours Psycho” (1993) é uma obra na qual Gordon projeta o filme “Psycho”

(1960), de Alfred Hitchcock, por inteiro, não mais na sala de cinema, mas dentro do

museu. O filme é desacelerado e exibido em uma duração de 24 horas. A projeção se

dá em uma tela suspensa translúcida e solta, na qual o espectador pode ver a imagem

projetada pelo lado de trás da tela e pela frente (uma relação de espelhamento da

imagem). A velocidade em câmera lenta da projeção permite ao espectador uma

experiência da duração bem mais estendida explorando uma poética do tempo mais

lenta e contemplativa.

“A lentidão a qual o filme é submetido permite observar as seqüências do mesmo

como imagens sem movimento”92. O espectador esquece os personagens, a narrativa e

experimenta a imagem mesma. Um novo olhar analítico e contemplativo sobre a

imagem. A possibilidade de revisão da imagem, ela própria, nos detêm em cada gesto,

cada objeto. Temos uma nova relação com o filme, uma relação de lembrança e

fantasmagoria.

A presença extraordinária que a lentidão do filme proporciona, gera “efeitos

perceptivos muito fortes na visão dos planos: é um pouco como se víssemos um novo

filme, monumentalizado, com revelações nas imagens que acreditávamos conhecer de

cor e acabamos redescobrindo como se nunca as tivéssemos visto” (DUBOIS, 2004, p.

114). Há, também, a possibilidade de estudar a narrativa do filme, a lentidão revela a

força e intensidade de sua composição, suas idiossincrasias e estranhezas. A obra de

Douiglas Gordon, “24 hours Psycho”, “nos deixa esperando, mas também pensando”93.

Questionando nossa própria percepção e recepção do filme. Este sai da sala escura,

onde o espectador permanece sentado por aproximadamente duas horas e em silêncio

numa relação de olhar e ouvir, e vai para a sala do museu ou galeria. Esses espaços

são claros, com ruídos e o espectador é “deixado” esperando pelo que pode acontecer

na próxima cena, se torna ativo e não passivo, como acontece na poltrona do cinema.

92 MILES, Christopher. Douglas Gordon’s less is more, Disponível em: <http://www.artforum.com/archive/id=1740&search=%22Christopher%20Miles%22 >. Acesso em 15.06.2007. 93 MILES, Christopher. Ibid.

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Pode gerir o tempo e duração da narrativa e se locomove como quiser e no tempo que

quiser ao experimentar a obra. Há um deslocamento do lugar do espectador onde sua

participação e imersão possibilitam outros acessos à realidade. São também

questionadas as regras da instituição: uma obra exposta por 24 horas não é compatível

com os horários de funcionamento de uma instituição, seja um Museu ou uma galeria.

A exposição do filme de Alfred Hitchcock na obra “24 hours Psycho”, de Douglas

Gordon, proporciona uma experiência artística que identifico com a experiência da

performance. A participação do espectador, o questionamento institucional, a

apropriação e o modo de recepção da obra, são elementos próprios desta prática

artística (a performance).

Tanto na repetição de gestos (liame de minha prática), quanto na desaceleração

do filme de Hitchcock, reconheço a presença da idéia de abertura94 na mente pelo

procedimento da repetição. Ambas (a repetição e a desaceleração) geram novos

sentidos ao que já existia e permitem agenciamentos de tempos, percepção de outras

temporalidades em contraponto a temporalidade linear. Sujeito e objeto se diluem um

sendo o outro — passagem, habitação, transitoriedade.

A experiência de imersão no espaço expositivo assim como a ocupação, o

habitar uma tarefa que se faz repetidas vezes, abrem a mente a possibilidade de

imaginação, de memórias, de invenções.

Para o escritor Ítalo Calvino a escolha de rapidez - um dos valores literários que

o autor considerou importante preservar na literatura no curso do novo milênio – não

desconsidera a demora. No seu texto sobre a rapidez ele se refere à máxima latina

Festina lente – apressa-te lentamente – como a possibilidade de um demorar-se para

ser preciso nas escolhas, em “justas escolhas”95. Não desconsiderar a demora para se

pensar a rapidez põe em jogo um ponto de torção, um lugar de intensidades: poder

94 Me refero a idéia de abertura de Deleuze. Ver Prólogo, páginas 12 e 13. 95 Digo justas escolhas em alusão a Godard quando ele diz “Não uma imagem justa mas justo uma imagem” que penso se tratar das combinações que o artista faz entre exemplares e seus elementos provocando instabilidades, dessimetrias e aberturas, as quais Deleuze se refere. Uma imagem feita por alguém que habita o mundo e não o representa.

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perceber o mundo pelo viés fenomenológico, da experiência. O mundo não como

opostos, um apesar do outro, mas como um graças ao outro.

A epígrafe deste capítulo mostra-nos a acepção de Rapidez de Ítalo Calvino. Diz

o autor ser ela (a rapidez) a possibilidade de ser ágil e móvel o suficiente para se perder

em escolhas e caminhos para depois retornar “ao fio da meada”. Lembro que nas

primeiras idéias que tive para a forma do texto da dissertação pensei em escrevê-la

como um livro de contos. Não é bem isso o que apresento, mas utilizei o procedimento

de relatos de obras de artistas e as idéias de teóricos em circunlóquios, tentativa de

digressão para, então, voltar à questão de tempo como demora, como habitação.

É do espaço exterior que trato ao propor “Desenho: Uma habitação no tempo”.

Possibilidade de nos constituirmos pelo que está do lado de fora, nossa exterioridade,

nossa relação com o que é intrínseco à experiência. Implicando em um reconhecimento

do homem a partir do que não é ele: sua diferença. Reflexão sobre minha prática e

como a arte proporciona mudanças de nossa percepção do tempo. Reconhecimento do

ritualístico da vida em oposição à eficácia atual.

O saber como forma de demora, lentidão. A repetição como a lentidão-abertura

para esse outro saber. Sedução pelo suspense e possibilidade de revelação.

Page 90: desenho: uma habitação no tempo

90

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ANEXO:

DESENHOPÓGRAFITE

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ARRASTADO

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CAMADAS

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FICHA TÉCNICA DESENHOPÓGRAFITE Versão para o Inglês: Maíra Peixoto Fotografia: Luciano Mattos Bogado ARRASTADO Fotografia: Lucia Vignoli CAMADAS Fotografia: Lucia Vignoli