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Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Centro de Filosofia e Ciências Humanas – CFCH Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS Programa de Pós-Graduação em História Social – PPGHIS Angela Maria Cunha da Motta Telles DESENHANDO A NAÇÃO: REVISTAS ILUSTRADAS DO RIO DE JANEIRO E BUENOS AIRES NAS DÉCADAS DE 1860-1870 Rio de Janeiro 2007

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Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ CentrodeFilosofiaeCiênciasHumanas–CFCH InstitutodeFilosofiaeCiênciasSociais–IFCS ProgramadePós-GraduaçãoemHistóriaSocial–PPGHIS

AngelaMariaCunhadaMottaTelles

DESENHANDO A NAÇÃO: REVISTAS ILUSTRADAS DO

RIO DE JANEIRO E BUENOS AIRES NAS DÉCADAS DE 1860-1870

Rio de Janeiro

2007

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DesenhandoaNação:RevistasIllustradasdoRiodeJaneiroeBuenosAires

nasdécadasde1860-1870

AngelaMariaCunhadaMottaTelles

ProgramadePós-GraduaçãoemHistóriaSocial/IFCS/CFCH

DoutoradoemHistória

Orientador:

Prof.Dr.JoséMurilodeCarvalho

Rio de Janeiro

2007

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DesenhandoaNação:RevistasIlustradasdoRiodeJaneiroeBuenosAiresnasdécadasde1860à1870

AngelaMariaCunhadaMottaTelles

TesesubmetidaàbancadoProgramadePós-GraduaçãoemHistóriaSocialdaUniversidade Federal do Rio de Janeiro – PPGHIS/UFRJ, como parte dos requisitosnecessáriosàobtençãodograudeDoutor.

Aprovadapor:

__________________________________________________________________

Presidente Prof. Dr. José Murilo de Carvalho – Orientador – UFRJ

__________________________________________________________________

Prof.Dr.PauloKnauss-UFF

__________________________________________________________________

Prof.Dra.AnaMariaMauad-UFF

__________________________________________________________________

Prof.Dra.LuciaMariaPaschoalGuimarães-UERJ

__________________________________________________________________

Prof.Dr.RenatoLemos-UFRJ

Rio de Janeiro

2007

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Telles, AngelaMariaCunhadaMotta. Desenhandoanação:RevistasIlustradrasdoRiodeJaneiroeBuenosAiresnasdécadasde1860-1870 /AngelaMariaCunhadaMottaTelles.–RiodeJaneiro,2007. ix,226 f.:il.;29,7cm Tese(DoutoradoemHistória)–UniversidadeFederaldoRiodeJaneiro–UFRJ,InstitutodeFilosofiaeCiênciasSociais–ProgramadePós-GraduaçãoemHistóriaSocial,2007. Orientador:JoséMurilodeCarvalho 1.Brasil.2.SegundoReinado.3.Caricatura.4.RelaçõesInternacionais.–Dissertações.I.Carvalho, José Murilo de (Orient.).II.UniversidadeFederaldoRiodeJaneiro.InstitutodeFilosofiaeCiênciasSociais.ProgramadePós-GraduaçãoemHistóriaSocial.III.Título.

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AgrAdecimenTos

Agradeço aos professores do Programa de Pós-Graduação emHistória Social,doInstitutodeFilosofiadeCiênciasSociaisdaUniversidadeFederaldoRiodeJaneiro,onde cursei o doutorado, especialmente aosprofessores,CelesteZenha e JoséMurilode Carvalho (meus orientadores de doutorado) e Renato Lemos, pelas informaçõese reflexões que possibilitaram o desenvolvimento deste trabalho de pesquisa. OmeuparticularagradecimentoaoprofessorJoséMurilodeCarvalho,pelaseriedadeprofissionalecríticasconstrutivasqueacabarampordarumrumodiferenteaotrabalho.UmadesuassugestõesfoiarealizaçãodepesquisaemBuenosAires.GraçasaoseuempenhopessoaljuntoaFundaçãoAlexandredeGusmãopuderealizarapesquisa.

Agradeço, também, as observações do professor doutor PauloKnauss daUFF(integrantedabancadoprojetodetese).AgradeçooincentivodoscolegasedosalunosdoCursodeRelaçõesInternacionaisdaUniversidadeEstáciodeSá.

QueroregistrarmeureconhecimentoegratidãoaoembaixadorÁlvarodaCostaFranco, diretor do Centro de História e Documentação Diplomática da FundaçãoAlexandredeGusmão,quesempremeapoiou,compartilhandoinformaçõesereflexões,frutodevastaexperiênciade trabalhointelectualeprofissionalnocampodasrelaçõesinternacionais.AeleagradeçotambémoempenhoemprovidenciarjuntoaEmbaixadadoBrasilnaArgentinacartasderecomendaçãoquemefacilitaramapesquisaemimportantesinstituiçõesculturaisdacapitalportenha.RegistroaindaminhadividadegratidãoatodaaequipedoCentrodeHistóriaeDocumentaçãoDiplomática-CHDD,quemeincentivounessa pesquisa, e particularmente:Maria doCarmoStrozziCoutinho,CarlosKramer,NewmanCaldeiraeEduardoMendes.

SougrataaSilviaEscoreleAméliaMingas,queemAngolaseempenharamnatraduçãodeumadaslegendasdaschargesemkimbundueumbundu,línguasafricanas,dogrupoBanto.

Agradeço ao embaixador José Jerônimo Moscardo de Souza, presidente daFundaçãoAlexandredeGusmão, pelopatrocíniodeminhaviagemaBuenosAires, eàequipedefuncionáriosdodepartamentoculturaldaEmbaixadadoBrasilemBuenosAirespeloapoioinestimável.

NoRiodeJaneiro,gostariadeagradeceràdireçãoeaocorpo técnicodoRealGabinetePortuguêsdeLeitura,daBibliotecaNacional,doMuseuHistóricoNacionaledaBibliotecaeArquivoHistóricodoItamaraty.

Em Buenos Aires, agradeço à direção e ao corpo técnico da Biblioteca delCongresso,daBibliotecaNacionaledoArquivoGeneralde laNaciónedaAcademia

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NacionaldeHistória.AgradeçoaminhaamigaportenhaGracielaZubasti,pelaamistosarecepçãoque

medeuemBuenosAires.Dedicoestetrabalhoaminhamãe,MariaAngela,ameumarido,LuizFelipe,ea

minhasfilhas,MariaLetíciaeMariaEduarda.

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À memória de meu pai, Ovídio Cunha

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resuMo

Oobjetivo perseguido foi discutir as relações internacionais para alémdoEstado, noâmbitodahistóriacultural,estudandoascaricaturasechargescomoformadeexpressãorelevantenaconstruçãodaimagemdeBrasilnasegundametadedoséculoXIX.PeríododoSegundoReinado,emqueocorreramaQuestãoChristie(1863),episódiodiplomático,emqueoImpériodoBrasilacabouporromperrelaçõescomamaiorpotênciadaépocaaGrã-Bretanha; aGuerra doParaguai, ou daTrípliceAliança (1865-1870),momentodoprocessodeconstruçãodosEstadosnacionaisdoRiodaPrata;aQuestãoReligiosa(1872-1878),incidentediplomáticoentreoimpériodoBrasileaSantaSé.Momentosemqueahonranacionalesteveemjogo.Naconstruçãodasidentidadesnacionais,sabe-sedaimportânciadapercepçãodooutro.Pode-seconsiderarcomoumdeseuspareseconcorrentesmaissignificativosparaogruponacionalbrasileiroaRepúblicaArgentina.Nessesentido,observou-seaimagemdoBrasilpublicadanaimprensahumorísticaArgentina,noperíodomarcadopelosacontecimentosdaGuerradoParaguai.Ainvestigaçãolimita-seasrevistasilustradaspublicadasnoRiodeJaneiroeBuenosAires,porseraquelaacapitaldoImpériodoBrasil,porseraoutraacapitaldaRepúblicaArgentina,centrospolíticos,econômicoseculturaisdosrespectivospaíses,queconcentravamummaiornúmerodeperiódicosedeartistasdotraçocômico.

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AbsTrAcT

The objective of this research is to discuss international relations from the point of view of cultural history. The dissertation analyses caricatures and cartoons as factors in the formation of Brazil’s image in the second half of the Nineteenth Century, focusing the episodes of the Christie’s question (1863), when Brazil broke relations with the United Kingdom, the most powerful nation of the time, of the War of Paraguay, or War of Triple Alliance (1865-1870), important moment in the process of construction of national states in the Plata region, and of the Religious Question (1872-1878), a diplomatic conflict between the Empire of Brazil and the Vatican. These were all moments in which national honor was at stake.The perception of the other is a well-known element in the construction of national identities. The Republic of Argentina could be seen as the most important competitor of Brazil in the international scene. For this reason, the study also analyzed the image of Brazil conveyed in the pages of the Argentinean humorous press during the war against Paraguay. The sources researched are the illustrated magazines published in Rio de Janeiro, capital of the Brazilian Empire, and Buenos Aires, capital of the Republic of Argentina. These cities were the political, economic and cultural centers of their respective countries, and had a larger number of illustrated magazines and cartoonists.

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sumário

introdução

............................................................................................................................11

as revistas ilustradas na produção e CirCulação de iMagens no séCulo XiX1. .............................................................................................................................19

a produção siMbóliCa da nação: a seMana ilustrada na Cobertura da Questão 2. Christie (1863) .............................................................................................................................43

o brasil e o prata no traço CôMiCo dos artistas do rio de Janeiro (1860-1870)3. .............................................................................................................................66

brasil e argentina vistos de buenos aires (1860-1870)4. ...........................................................................................................................122

a Questão religiosa e a identidade da nação5. ...........................................................................................................................174 ConClusão

...........................................................................................................................219

aneXos

...........................................................................................................................221

referênCias bibliográfiCas

...........................................................................................................................222

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inTroduÇÃo

definição da probleMátiCa

as identidades nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação.1

Stuart Hall

Meu interesse por caricaturas e charges foi despertado pelo levantamento epesquisa na Coleção de Recortes de Jornais do Barão do Rio Branco, depositada noArquivoHistóricodoItamaraty,quegerouaexposiçãoitinerante“OBarãoeaCaricatura”(2000/2003).Apartirdaí,fiqueiresponsávelpelolevantamentoepesquisadoProjetoAImagemdaDiplomacia naCaricatura doSegundoReinado, patrocinadopeloCHDD/FUNAG.Nodecorrerdainvestigaçãocomeceiaperceberdiversasimagensrepresentandoa nação e quedespertaramemmimo interesse emdesenvolver umestudo específicosobreaquelematerial.

Ofocodeinteressedessainvestigaçãofoi,primeiramente,otraçodoscaricaturistasdasegundametadedoséculoXIX,décadasde1860-1870,noRiodeJaneiro,momentoemqueaimprensagozoudeliberdadedeexpressãoedeexpansãodemercadodeimpressos,comoaumentodonúmerodesemanáriosilustradosemcirculação.Naconstruçãodasidentidadesnacionais,sabe-sedaimportânciadapercepçãodooutro.Nessesentido,pode-se considerar comoumde seuspares e concorrentesmais significativosparaogruponacionalbrasileiroaRepúblicaArgentina.SurgiunodecorrerdapesquisaointeressedeseobservaraimagemdoBrasilpublicadanaimprensaArgentina,noperíodomarcadopelosacontecimentosdaGuerradoParaguai,consideradaumdivisordeáguasnahistóriadospaísesenvolvidos.FoiummomentocrucialdoprocessodeconstruçãodosEstadosnacionaisdoriodaPrata,etambém,umperíododepresençabrasileiraefetivanaregião.NaGuerra do Paraguai, segundo JoséMurilo deCarvalho “apesar da dificuldade emformularumaimagemdanaçãoqueincorporassearealidadedapopulação,oimpérioviveuumaexperiênciacoletivaquefoiomaiorfatordecriaçãodeidentidadenacionaldesdeaIndependênciaaté1930”.2Apesquisalimita-seaoRiodeJaneiroeBuenosAiresporseraquelaacapitaldoImpériodoBrasil,porseraoutraacapitaldaRepúblicaArgentina,centrospolíticoseconômicoseculturais,dosrespectivospaíses,queconcentravamum

1HALL,Stuart.A identidade cultural na pós-modernidade.8ªEd.RiodeJaneiro:DP&A,2003,p.48.Grifodoautor.2CARVALHO,JoséMurilode.Brasil:naçõesimaginadas.In:Pontosebordados.BeloHorizonte:EditoraUFMG,2005.p.246.

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maiornúmerodeperiódicosedeartistasdotraçocômico.Ainvestigaçãocircunscreve-seàs revistas ilustradasquecircularamnasdécadasde1860-1870,noRioeJaneiroeBuenosAires.

NapesquisarealizadaemBuenosAires,percebemosqueoperíodorelativoaosacontecimentos daGuerra do Paraguai e do pós-guerra até as negociações de limitesentreArgentinaeParaguaiem1875foramdeumaproduçãointensadeimagenssobrerelações Brasil-Argentina, ou seja, comprovando ummomento de presença brasileiraativanaregião.OutroaspectoadestacarfoiquedeparamoscomilustraçõesdeartistasquehaviamtrabalhadonoRiodeJaneiro,comoofrancêsAlfredoMichon,ebrasileiroCândidoFaria.TambémobtivemosinformaçãodoartistaV.Mola,queseprojetouemBuenosAires antes de semudar para oRio de Janeiro.Omomento foi, portanto, deintensapermuta,circulaçãodeinformações,deimagensedeartistas/jornalistasdotraçocômico, de deslocamento de um país a outro. Esses artistas/jornalistas são exemplosde trajetórias, como observa Salgueiro, de atores sociais que gravitam sem fronteirasgeográficasedisciplinares3.

Na investigação realizadanas revistas ilustradaspublicadasnoRiode Janeiro,osassuntossobrerelaçõesinternacionaisquetiverammaiordestaqueforamaQuestãoChristie(1863),incidentediplomáticoenvolvendooImpériodoBrasileaGrã-Bretanha;aGuerradoParaguai(1865-1870);eaQuestãoReligiosaqueteveinícioem1872,umincidente diplomático entre o Império doBrasil e a Santa Sé, exacerbando-se com aAnistiadosbispos(em17desetembrode1875),deOlindaedoPará,d.VitaldeOliveirae d.MacedoCosta.Nessemomento, acirrou-se o debate da separação da Igreja e doEstadoeoutraspropostasliberais.Em1875,foiconcluídootratadopreliminardepazentreoBrasil,aArgentinaeogovernoprovisóriodoParaguai,oqualreafirmaalivrenavegaçãofluvial.Asquestõesterritoriaispermaneceramsuspensas.

AQuestãoChristie,aGuerradoParaguaieaQuestãoReligiosamereceramamplacoberturadaimprensailustradapublicadanacapitalimperial.Forammomentosemqueahonranacionalesteveemjogo,portanto,deintensaproduçãodeimagensemanipulaçãodesímbolos.Cadaumadessasquestõesseráobjetodeumcapítulodestetrabalho.

OséculoXIXfoiomomentodeformaçãodeEstadosNacionaisqueforjamnovasidentidades. Como observouBenedictAnderson, a nação é uma comunidade políticaimaginada4Éumartefatocultural.Nessamesmaperspectiva,Anne-MarieThiesse,quesedebruçousobreacriaçãodasidentidadesnacionaisdofinaldoséculoXVIIIaoXX,afirmaque“anaçãonascedeumpostulado,deumainvenção.Maselanãovingasenãopelaadesãocoletivaaestaficção.[...]Osentimentonacionalnãoéespontâneo,épreciso

3SALGUEIRO,HelianaAngotti.A comédia urbana: de Daumier a Porto-Alegre Catálogo.SãoPaulo:FundaçãoÁlvaresPenteado,2003.p.15.

4ANDERSON,Benedict.A Nação e a Consciência Nacional.SãoPaulo:EditoraÁtica,1989.p.14.

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serensinado.Há,portanto,umaelaboraçãopedagógica”.5

Nas palavras de Anne-Marie Thiesse, o resultado da fabricação coletiva dasidentidadesnacionaisforjouumalistadeelementossimbólicosemateriaisquedevemapresentarumanaçãodignadestenome:

[...] uma história estabelecendo a continuidade com os grandes ancestrais, uma série de heróis cheios de virtudes nacionais, uma língua, monumentos culturais, um folclore, lugares e paisagens típicas, uma mentalidade particular, representações oficiais – hino e bandeira – e identificações pitorescas – costumes, especialidades culinárias ou animal emblemático.6

Anne-MarieThiessechamaatençãodequenãohánadamaisinternacionaldoqueaformaçãodasidentidadesnacionais.7E,acrescentaque“todogruponacionalmostrouforteatençãoparaaquelesqueformavamseuspareseconcorrentes”.8

Entendemos, comoobservouZenha, que “adifusãodeprodutos impressos emgrande profusão e cobrindo longas distâncias tornava possível compartilhar, a nívelmundial,essaprofusãodenacionalidadesqueeramforjadasnumprocessoqueaumsótempodistinguiaecriavanações”.9

OsperiódicosilustradossãoprodutosdaindústriagráficadoséculoXIXeuropeuque se espalharam rapidamente para outros continentes, nesse momento de rápidadisseminação de tecnologia em escala global.As criações de novas técnicas gráficas,comoalitografia,viabilizaramapartirdeentãoaproduçãodeimpressosemlargaescalaeabaixocusto.Estudosrecentessobreahistóriadosilustradoresesobreoslitógrafosdaquelaépoca(atoresdaproduçãoedifusãodasimagens),comoapontadoporCorineBouquin, “contribuíram para reenquadrar a visão sobre o papel econômico, social eculturaldestaindústria.Permitindoumaprodução,umadifusãoimpossívelatéentão,alitografiasensibilizouopúblicoaimagem,criandoassimumademandacrescente.Estademanda gerou um esforço contínuo de aperfeiçoamentos conferindo a esta atividadeumarealdimensãoindustrial.”10

Adisseminaçãodeavançostecnológicospossibilitouadominânciadasociedadeeuropéiasobreoutrassociedades,comoobservouAdamWatson.11

“Desdearevoluçãoindustrial,quecomeçaaserforjadanaEuropa,umasociedadeinternacionalquefeznovosadeptoscontaminouasestruturasinternaseasrelaçõesentreEstados,asnormasjurídicas,osmodosdeviveredepensareosmodosdeproduzire

5THIESSE,Anne-Marie.La création des identités nationales – Europe XVIII – XX siècle.ÉditionsduSeuil,mars1999,octobre2001.Colletion“PointHistoire”.P.15.6THIESSE,AnneMarie.Op cit. p.14.7THIESSE,Anne-Marie.Op cit.p.13.8Idem, ibidem.9ZENHA,Celeste.Op cit. 10Idem.p.262.(traduçãolivredaautora).11WATSON,Adam.A evolução da sociedade internacional:uma análise histórica comparativa.Brasília:UNB,2004.p.361-362.

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decomerciar.Essasociedadeinternacionaleuropéiaampliou-seapontodeconverter-senumsistemainternacionalemescalaplanetária.Aconsideraressadimensãouniversal,deve-sedizerquenadacomparávelocorreraantes”.12

Nessemomentoosassuntosderelaçõesinternacionaisestãosendomultiplicados,recriados e redimensionados pela imprensa ilustrada, uma das inovações técnicas doséculoXIX,consideradaporalgunscontemporâneosdaépoca,comoobservouRafaelCardoso, “pelomenos tão revolucionária no seu impacto social, senãomais doque aprópriainvençãodaimprensa.”13

O objetivo perseguido nesta pesquisa é estudar as caricaturas e charges comoformadeexpressãorelevantenaconstruçãodaimagemdeBrasilnasegundametadedoséculoXIX,emqueasrelaçõesinternacionaistiveramumpapelimportante.AconstruçãodeumaidentidadedeBrasilnessaproduçãosimbólicadeimagensrelativasàsrelaçõesinternacionais,veiculadasnasrevistasilustradaspublicadasnoRiodeJaneiroeBuenosAiresseráotemacentraldesteestudo.

disCussão historiográfiCa

JoséMurilodeCarvalho,emobrajáclássica,observoucomoamanipulaçãodoimaginário social é importante na construção das identidades coletivas.14 Preocupou-se comoprocesso de elaboração simbólica no início daRepública noBrasil.AfonsoCarlosMarquesdosSantos,assumindoopressupostodeCassirerdeque“ohomemvivenumuniversosimbólico”,percebeuanaçãocomoumaconstruçãohistóricacarregadadesignificações,15sedebruçandosobreoprocessodeconstruçãodoEstadoimperialnoBrasil,chamandoatençãode“nãosepoderpassarao largodadimensãosimbólicadaHistória,semoestudodeseussignificados”.16

OesforçodeconstruçãodeumaidentidadenacionalquevinhasendoconstruídadesdeoPrimeiroResinadoseintensificounoSegundo.NapercepçãodeLiliaSchwarcz,d.PedroII,foiumatorimportante,incentivandoefinanciandopoetas,músicos,pintorese cientistas, como artífices significativos de um “projeto que implicava, além dofortalecimentodamonarquiaedoEstado,aprópriaunificaçãonacionalquetambémseria

12 SARAIVA, José Flávio Sombra (org). Relações Internacionais dois séculos de história: entre a preponderância européia e a emergência americano-soviética (1815-1947).Brasília:FUNAG/IBRI,2001.p.64.13CARDOSO,Rafael.Uma introdução a história dodesign.SãoPaulo:EditoraEdgardBlücher,2004.p.42.14CARVALHO,JoséMurilo.A formação das almas:o imaginário da República no Brasil.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1990.p.10-11.15SANTOS,AfonsoCarlosMarquesdos. “Nação ehistória: JulesMichelet eParadigmaNacional naHistoriografiadoséculoXIX”.Revista de História,144,2001p.153.16 SANTOS, Afonso Carlos Marques dos. A construção do Estado Imperial no Brasil; soberania elegitimidade.In:Brasil – Argentina: a visão do outro: soberania e cultura política.CarlosHenriqueCardimeMônicaHirstorgs.Brasília:IPRI/FUNAG,2003.p.85.

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obrigatoriamentecultural”.17JáZenha,percebedeoutraformaaquestão,afirmandoque“a invençãocoletivanãoocorreudemaneiraunívocaeabsolutamentecontroladapelogovernoimperial.”18Zenhasepreocupoucomaconstruçãosimbólicadanaçãoemartigo:“OBrasilnaproduçãodeimagensimpressasduranteoséculoXIX:apaisagemcomosímbolodanação”,noqualenfrentouamaneiraespecíficapelaqualapaisagemdacidadedoRiodeJaneiroveioaconverter-seemsímbolodanaçãoqueoEstadoImperialprocurouconstruir,indagandoseaspaisagensquecompõeoÁlbum pitoresco do Rio de Janeiro podemserpercebidascomosímbolodaidentidadenacionalquevinhasendoconstruídanoBrasil Imperial.Ressalta a autora que as “imagens construídas a partir da estéticado pitoresco foram incorporadas como elementos identitários da nação”.19 Importantesalientarqueasrevistasilustradasnãoeramdocontroledogovernoimperial.Entendemosque omaterial iconográficoveiculado nos periódicos ilustrados, foi fundamental paraa construçãoda imagemdoBrasil disseminadamais amplamentenopaís e, portanto,fundamentalnaconstituiçãodoimagináriodaquelasociedadeimperial.

A circulação de representações, experiências, apropriações de modelos evisualidadesmarcaramoséculoXIX.HelianaSalgueironosalertasobreaimportânciadoestudodesériesiconográficasesquecidas,que“poderiamserobjetodeestudo,casos exemplares para se pensar a transformação de modelos internacionais no Brasil, emcamposmaisfecundosdepesquisa,nosquaisahistóriadaarteseintegrasseàdaculturaurbana”.20 Ela se debruçou sobreA Lanterna Mágica deAraújoPorto-Alegre (1844-1845) e a série deDaumier,Robert Macaire. Heliana se alinha aos novos enfoqueshistoriográficossobreasociedadeeacultura,nãoacreditandoemfronteirasdisciplinares.Chamaatenção,também,para“aimportânciadosindivíduosligadosàsredesderelaçõesouàssituaçõesvividas–importânciaqueincluiasexperiênciasdedeslocamentodeumpaísparaooutrocomobasesparaoestudodacirculaçãoderepresentaçõesnacidadedoséculoXIX”21.Ouseja,paraperceberasrelaçõesintertextuaiseasfiliaçõesfigurativas,valorizandoasformasdeexperiência,aproduçãoindividualdecadaartista,ascondiçõesespecíficasdeapropriaçõesdemodelos.

A importância das revistas ilustradas foi ressaltada por Isabel Lustosa que asconsideracomo“fonteprivilegiadapelohistoriadorporenvolvê-lonotempopretéritoqueelebuscareconstituirepor‘documentar’opassadoatravésdoregistromúltiplo:dotextualaoiconográfico,doperfildeseuseditoresaosseusleitores,reunindosuasvárias

17SCHWARCZ,LiliaMoritz.As barbas do imperador: d. Pedro II, um monarca nos trópicos.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2ed.2004.p.127.18ZENHA,Celeste.OBrasilnaproduçãodeimagensimpressasduranteoséculoXIX:apaisagemcomosímbolodanação.Anais do Simpósio Internacional Nação e Edições,realizadonaUniversidadeFederaldeMinasGerais,2003.(mimeo).19ZENHA,Celeste.OBrasilnaproduçãodeimagensimpressasduranteoséculoXIX:apaisagemcomosímbolodanação.Anais do Simpósio Internacional Nação e Edições,realizadonauniversidadeFederaldeminasGerais,2003(mimeo).20SALGUEIRO,HelianaAngotti.A comédia urbana:de Daumier a Porto-AlegreCatálogo.SãoPaulo:FundaçãoÁlvaresPenteado,2003.p.15.21Idem,ibidem.

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visõesdemundoeimaginárioscoletivos”22.RenatoLemosobservaqueascaricaturasecharges“revelamoconhecimentoproduzidopeloartista,umarepresentaçãodoreal.Umarepresentaçãoàsvezesumtantohiperbólica,masasuanarrativahistórica”.23Enfatizaque, “como qualquer construção humana, a narrativa histórica contida nas charges e

caricaturastemamarcaindividualeadocoletivo,noconteúdo,naformaena exposição.Asubjetividadedoobservadoreasdeterminaçõessociaissãoassuasfronteiras”24.

FoipráticadasrevistasilustradasdoséculoXIXtrabalharacomunicaçãovisualconjugadaaumtextoescrito,discursovisualediscursoverbal.EssesdiscursosfazempartedediferenteslinguagensdoséculoXIX,e“aslinguagensproduzemtextosapartirdo repertório e dos códigos disponíveis emcada sociedade”.25LíviaLázaroRezende,estudando a impressão da nacionalidade em rótulos oitocentistas brasileiros, faz umexercício de aproximação do código visual e verbal, que parece interessante para adiscussãoemtela.Propõeumaanalogiacomalingüísticaeanálisegráfica,doqueestaseria equivalente às áreas da sintaxe e da retórica.No caso da retórica é o palco daspalavras,o“comoédito,eserelacionacomossignificadosqueestãoalémdaspalavras.Acrescentandoqueé justamenteoqueestamosprocurando:oqueestá alémdomerodesenho”.26LíviaRezenderessaltaque“alógicadaconstruçãoverbalédiferentedalógicadaconstruçãovisual,sendoinevitáveloaportedalinguagemverbalparaacomunicaçãodoqueévisto”,27emborahajaumainstânciamaissutil,segundoaqualapenasofatodeverumaimagemjáésuficientepararealizaratransmissãodamensagem.Aanálisegráficaprocuraexatamente investigaresseprocedimentoparticularda imagem.Nessemesmoaspectoderecuperaçãodaretóricacomochaveparaaleiturainteressa-seJoséMurilodeCarvalho,informandoquenaretórica“oauditórioéimportante,paraqueodiscursosejaeficaz,énecessárioqueooradorconheçaoseupúblicoparaescolherseusargumentos,osestilos,apronunciaçãoadequadaparamovê-lo.Auditóriosdiferentesexigemargumentoseestilosdiferentes.Cadaauditórioteráseusvalores,cadaépocateráseusauditórios.”28Epoderíamosacrescentarquecadaépoca,cadasociedadecomporáseusrepertóriosvisuaiseverbais.

Nessamesmaperspectivadahistóriadaculturadestaca-seRodrigoNaves,queemseulivroA forma difícilressaltaaimportânciadasobrasdeartes,quantoaosaspectos

22LUSTOSA,Isabel.‘BelleÉpoque’impressaemcores.In:Jornal do Brasil – Idéias,RiodeJaneiro,5jan.2002.p.1.23LEMOS,Renato.Uma história do Brasil através da caricatura 1840-2001.RiodeJaneiro:EditorasBomTextoeLetras&Expressões,2002.p.5.24Idem.p.6.25REZENDE,LíviaLazzaro.Do projeto gráfico e ideológico:a impressão da nacionalidade em rótulos oitocentistas brasileiros.RiodeJaneiro:PUC-RJ.CentrodeTecnologiaedeCiênciasHumanas,2003.p.143.26Idem.p.151.27 Idem.p.152.28CARVALHO,JoséMurilode.“História IntelectualnoBrasil:a retóricacomochavede leitura”. In:Topoi,vol.1,RiodeJaneiro:7Letras,2001.p.137.

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formaiseaoconteúdoimplícitonessasformas.29Ouseja,asformasportamvaloresenosinformamsobreassociedadesqueasmoldaram.

hipótese

Colocamos-nosaoladodaquelesquepercebemasimagenscomorepresentaçãoecomoobjeto.ComoobservouoprofessorfrancêsFelipeDubois,“nãopodemosreduzira imagema umobjeto, ela é tambémpensamento.Ela é um conjunto de idéias”30. A imageméconstruída,produtoradesentido,émontagem,émanipulação.

É nessa linha que pretendemos filiar nossa proposta de trabalho. Afinalrepresentações coletivas, imaginários sociais e transferências culturais são objeto depesquisasrecentesdasrelaçõesinternacionaisnaperspectivadahistóriadacultura.É,como observaDenis Rolland, “uma história ainda em construção”. Porque, segundoele “a questão das relações internacionais não estavam no coração do processo dodesenvolvimentodajovemhistóriacultural”31.

AhipótesequelevantamoséadequeasimagenspublicadasnasrevistasilustradasnasegundametadedoséculoXIX,noRiodeJaneiro,sobreasrelaçõesinternacionaissãoelementosconstitutivosdeformaçãodanacionalidadeedaprópriaimagemdeBrasil.Asrevistasilustradaspodemserpercebidascomoartíficesemultiplicadorasdeimagensquecompõemelementossimbólicosemateriaisqueapresentamumanação.

fontes

Apesquisacobriucercadequatromilexemplaresde revistas, conservadaseminstituiçõespúblicasdoRiode JaneiroeBuenosAires.NoRiode Janeiro: aSemana Illustrada (1860-1876),O Bazar Volante (1863-1866),O Arlequim (1867), aRevista Illustrada (1876-1898), O Mequetrefe (1875-1893), O Mosquito (1869-1877), O Mephistopheles (1874-1875) e A Vida Fluminense (1868-1876), quedepoissetransformano Fígaro (1876-1878).EmBuenos:AiresEl Mosquito(1863-1893),El Petróleo(1875)e La Cotorra(1879-1880).

resuMo dos Capítulos

OprimeirocapítulodiscutiráasrevistasilustradasnobojodaamplaproduçãoecirculaçãodeestampasdoséculoXIX.Asrevistasilustradaspublicadasnasdécadasde1860-1870,noRiodeJaneiroeemBuenosAires,bemcomoosrespectivosatoressociaisenvolvidosnaproduçãodeimagens,osilustradores.

29NAVES,Rodrigo.A forma difícil:ensaios sobre a arte brasileira.SãoPulo:Ática,1996.30DUBOIS,Felipe.“HistóriaeImagem”.Palestrarealizada,noIFCS/UFRJenoCPDOC,ago.2003.31ROLLAND,Denis(coord).ROLLAND,Denis(coord).Histoire Culturelle des Relations Internationales:carrefour méthodologique. Paris:L’Harmattan,2004.p.11.

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Osegundocapítulodiscutiráaelaboraçãodaproduçãosimbólicadanaçãonaspáginas da Semana Illustrada, na cobertura da Questão Christie (1863). Elementossimbólicos constitutivos das identidades nacionais, listados por Thiesse, como obracoletivaserãoanalisadosnasimagensselecionadasparacomporestecapítulo.

OterceirocapitulofocalizaráasrelaçõesBrasil–Prata,discutindoaconstruçãodanacionalidadeemilustraçõesrelativaaosacontecimentosqueantecederamaGuerradoParaguai,bemcomooconfrontobélicoeopós-Guerra,publicadasnasdécadasde1860-1870,nosperiódicosmaisimportantespublicadosnoRiodeJaneiro,Semana Illustrada,Bazar Volante,Arlequim,Vida Fluminense,OMosquito e Revista Illustrada.

Oquartocapítulo,cujo títuloé“apercepçãodooutro”,discutiráa imagemdoBrasilnaspáginasdoEl Mosquito,periódicoportenhodemaiorduração,quecomeçaaserpublicadoemmaiode1863,nogovernoMitre,períododaunificaçãoArgentina.OElMosquitocobriuosacontecimentosrelativosàGuerradoParaguai.Em1875,surgiuemBuenosAires um outro periódicoEl Petróleo, que também se debruçou sobre asrelaçõesBrasil–Argentina,nopós-Guerra,equetambémcontribuiuparadifundirumarepresentaçãodeidentidadevinculadaànacionalidadebrasileira.

O quinto capítulo abordará a Questão Religiosa, um dos principais focos daimprensa ilustradaduranteadécadade1870.Discutiráabatalhasimbólica-ideológicatravadanaspáginasdasrevistasilustradaspublicadasnoRiodeJaneiro.Aaçãopedagógicadasrevistasilustradasnaconstruçãodeumaidentidadenacional,vinculadaaummodelodeEstado-nação.

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1° cAPÍTuloAs revisTAs ilusTrAdAs nA ProduÇÃo e circulAÇÃo

de imAgens no século XiX

Sabe-se que invenção da litografia porAlois Senefelder,1 na última década doséculoXVIII,representouumavançotécnicosignificativoparareproduçãodeimagens.Éumprocessodagravuramais“rápidopermitindoaespontaneidadedotraçodeseinscreverdemaneiraquaseimediatanapedralitográfica,eexigindoummínimodetempoparaatiragemdereproduções”.2 Odesenhoerafeitoàsavessas,comlápisgorduroso,sobreumapedra.

SenefeldersepreocupouemdivulgaratécnicanaEuropaeserreconhecidocomoseuinventor.3Alitografia(técnicadeimpressãoplana)sefazsobreumapedracalcáriadeumgrãofino.AsmelhorespedraseramdaBaviera.

Segundo Corinne Bouquin, os que se dedicaram à litografia “participaram dacorrenteinovadoraeexperimentalquepermitiuoaparecimentodetantastécnicasnovasdoséculoXIX”4,como,porexemplo,afotografia.

Amultiplicaçãodaimagempermitiu“uma abertura sobre o mundodesconheciaatéentão”.5

OséculoXIX,comoobservaSalgueiro,foiomomentode

dessacralização da imagem que se industrializa [em que tem início] o crescente mercado da literatura ilustrada, o romance de folhetim, os clássicos reeditados com figurinhas e vinhetas, os livros de bolso avant la lettre, os livros dos viajantes [...]; os anúncios, os cartazes, enfim,a comunicação visual e a publicidade facilitadas pela reprodução mecânica que caracteriza esse tempo de leitura “a vapor” [...] quando o livro muda de estatuto, rompendo os laços com o sistema de representação anterior6.

Segundo Salgueiro, “o agenciamento, a complementaridade texto/imagemconstitui,pois,umainovaçãodoséculoXIX,queinauguratambém‘olivroaoalcancede

1AloysSenefelder (Praga,1771-Munique,1834):de famíliaalemã,descobriuporacasoa técnicadalitografia.2BANN,Stephen.Photographie et reprodutiongravée:L’économievisuelle auXIX siècle. In:Études Phographiques,n.9,SocietéFrançaisedePhotographie,maiode2001.p.25.(traduçãolivredaautora.)3BOUQUIN,Corinne.Recherches sur l’imprimeirie litographique a Paris au XIXÈME siècle:L’imprimeirieLemercier (1803-1901). Thèse l’Université Paris 1 – Sorbonne, dez. 1993. p. 10. (tradução livre daautora.)4Idem.p.358.(traduçãolivredaautora.)5 Idem.p.262.6SALGUEIRO,HelianaAngotti.Op. cit.p.35.

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todos’,eporextensãonovasformasdeler”.7

E,énoséculoXIX,queapráticadailustraçãoseespecializaepassaaserumaprofissão.AFrançateveumpapelcentralnaempresagráficailustradadoséculoXIX,segundoKaenel,quesedebruçouemtrabalhopioneirosobreoprismadahistóriasocialdotrabalhodeilustradordoséculoXIX8.Nocursode1830a1880,ostermos“Ilustrar”,“Ilustração”e“ilustrador”sedifundememtodasaslínguas,eduranteoqualapráticadailustraçãoseespecializa,atéserprecisamente,umaprofissão”9.

ApráticadailustraçãofazpartedahistóriadagravuradoXIX,eKaenel,descrevecomo“umcampodelutaseconômicasesimbólicas,tendendoentredoispólosformadosdeumladopeloburiloficialedooutropelafotografia”10.

Entre1830e1880,osprocessosdegravuraevoluemconsideravelmente,aoarbítriode invençõescomoaguilhotina. “Essesprocessoscolocamemcausaasprerrogativasda calcografia, da xilografia ou da litografia, investindo nomercado da reprodução econtribuindo para a renovação da gravura original. Estão estreitamente ligados àemergênciadeumanovaconcepçãodeilustraçãoquepreparaoterrenoaliberdadedoartistaeao‘sistemademercado-crítico’,caracterizandoaartemoderna”11.

Porvoltade1840seassisteumnovotipodeunificaçãoformalnacaricaturacomonailustração,umnovoestilointernacionalquefoielaboradoapartirdacapitalfrancesaquepegouomodelodeLondres12.

Este estilo deve sua homogeneidade ao desenvolvimento dos meios de transporte e das técnicas de reprodução, à circulação acelerada dos artistas e de imagens impressas. Por toda a parte, na Europa, os periódicos exerceram uma influência decisiva. As grandes empresas parisienses, Le Magasins pittoresque em 1833 e L’Illustration em 1843, são com efeito diretamente inspirados do Penny magazine de 1832 e do L’Illustreadet London News (1842). Aconteceu o mesmo na Itália com Le Magazzino pittorico universale (1834), puis L’Illustrazione italiana (1873), na Alemanha com l’Illustrirte Zeitung (1843), em Lisboa com L’Illustração jornal Universal (1845) e em Madri com L’Illustracion (1849)13.

7 Idem.p.33.8KAENEL,Philippe.Le métier d’illustrateur 1830-1880:RodolpheTöpffer, J.-J.Grandville,GustaveDoré.Paris:Ed.Messene,1996.p.8.9 Idem,ibidem.10 Idem,ibidem.(Traduçãolivredaautora).11Idem.p.9.(Traduçãolivredaautora).12KAENEL,Philippe.KAENEL,Philippe.Op. cit.p.36.(Traduçãolivredaautora).13Idem,ibidem.(Traduçãolivredaautora)Ce style doit son homogénéité au développement des moyens de transport et des techiniques de reproduction, à la circulation accélérée des artistes et des images imprimes. Partout em Europe, les périodiques ont exerce une influence décisive. Lês grandes enterprises parisiennes, le Magasin pittoresque em 1833 et L’Illustration em 1843, sont em effet directement isnpirées du Penny

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NoséculoXIX,maisespecificamentenoperíododaRestauração,queemergiuafiguradoeditor,naFrança,quefoiointerlocutorprincipaldoilustrador.LéonCurmer(1801-1870)foioeditordoLes Français, peints par eux-mêmes,consideradaumaempreitadadasmaisambiciosas,emoitovolumes14.SegundoKaenel,LeonCurmerconsagrouumartigoasuaprofissãosurpreendente,porquedenunciaosabusosdailustração,daqualeleeraumdosmaisardentespromotores15.Abaixoumtrecho:

A ilustração é um apelo feito aos sentidos, e ao mesmo tempo uma produção nova do pensamento, uma sedução que tem qualquer coisa de material, e ao mesmo tempo uma aliança feliz entre o artista e o escritor. Ornamento e auxiliar da tipografia, hieróglifo luminoso que se explica ele mesmo, a ilustração fez gostar aos espíritos frívolos as severidades do pensamento, ela oferece aos espíritos sérios uma distração que não foge do domínio da inteligência. Mas, engrandecendo sua tarefa o editor multiplicou em torno dele suas dificuldades. É preciso que ele empregue nesta via nova uma firmeza de julgamento, uma pureza de gosto que o eleve a classe dos artistas, se ele não quiser descer ao papel de vendedor de croquis16.

TrabalharamnoLes Françaisilustradores,comoGrandville,DaumiereGavarni,queseconsagraramcomocaricaturistas.Aliás,segundoSégolèneLeMen,Les Français,nãoénadamenosqueLe Charivari(jornaldecaricaturas),emquetrabalhavamGavarnie Daumier como seus principais ilustradores.A pretensão dessa edição era ser “umaenciclopédiamoraldoséculoXIX”17.Umainvestigaçãosocial,comoobservaSégolène,“coloca em evidência ‘os contrastes’, caros aos caricaturistas,minando ‘o edifício demensagem’porumaaçãomoralepolítica,querepousasobreofatodeabrirosolhosàs

Magazine de 1832 et de L’Illustrated Londdon News (1842). Il en est de meme en Italie avec le Magazzino pittorico universale (1834) puis L’Illustrazione italiana (1873), em Allemagne avec l’Illustrirte Zeitung (1843), à Lisbonne avec L’Illustração Jornal Universal (1845) et à Madrid avec L’Illustracion (1849).14Idem,ibidem.15 Idem.p.32.16 apud KAENEL, Philippe, Op. cit. p. 32. (Tradução livre da autora). L’Illsutration est um appel fait aux sens, et em même temps une production nouvelle de la pensée, une seduction qui a peut-être quelque chose de matériel, et em même temps une alliance heurese entre l’artiste et l´écrivain. Ornement et auxiliaire de la typographie, hiérioglyphe lumineux que s’explique de lui-même, l’illustration fait gôuter aux esprits frivoles les séverités de la pensée, et offre aux esprits sérieux une distraction quin e sont pas du domaine de l’intelligense. Mais, em engrandissant as tache, l’éditeur a multiplié autour de lui les difilcutés. Il faut qu’il apporte dans cette voie nouvelle une sûreté de jugement, une pureté de gout que l’élève qu rang des artistes, s’il ne veut pas descendre au role de vendeur de croquis.”17LEMEN,Ségolène.Le Français peints par eux-mêmes:panoramasocialduXIXèmesiècle.CataloguerédigéetétabliparSégolèneLeMenchargederechercheauCNRS,muséed’Orsay.Paris:EditionsdelaRéuniondesmuséesnationaux,1993.p.33.

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luzes.[Opintornadamaiséqueamáscaradofilósofo,queaosensopróprio,‘ilustra’,querdizercolocaemdiaoscostumesdasociedadeaosfinsmoraisepolíticos]”18.

Ohistoriadordaarte,Argan,considerouoscaricaturistasdoséculoXIXcomotributáriosdoartista francêsDaumier,observandoque“foioprimeiroa fundaraartesobreuminteressepolítico(vendonapolíticaaformamodernadamoral),oprimeiroasevalerdeummeiodecomunicaçãodemassa,aimprensa,paracomaarteinfluirsobreo comportamento social.A imprensa, para ele, não foi apenasmeiodedivulgaçãodeimagens;foiàtécnicacomqueproduziuimagenscapazesdealcançareinfluenciarseupúblico”19.

Nessemundodeartistasquasesempre“engajados”,conformeKaenel,asrelaçõesentreapolítica,otrabalhodoilustradoreasdisposiçõessociaisdosilustradoressãomuitodifíceisparasegeneralizar,maspercebe-seque:

a origem social dos ilustradores e suas freqüentes ligações com a imprensa satírica explicam em parte o engajamento político republicano e socialista dos mais renomados como Daumier, Grandville, Nadar, mais também Tony Johannot [...]20.

Nas palavras de Kaenel, desde julho de 1830 e, sobretudo, depois dasjornadas de fevereiro de 1848, a caricatura émais que jamais identificada aosmeiosrevolucionários21.

Entre os meios empregados para abalar e destruir os sentimentos reservados e de moralidade que é o essencial de conservar no seio de uma sociedade bem ordenada, a gravura é um dos mais perigosos. É, com efeito, a mais nociva página de um mau livro se precisa de tempo para se ler, e de um certo grau de inteligência para ser compreendido, enquanto que a gravura oferece um tipo de personificação do pensamento [...] apresentando assim espontaneamente,

18Idem,ibidem.(Traduçãolivredaautora).19ARGAN,GiulioCarlo.História da Arte Moderna. SãoPaulo:Companhia dasLetras, 1998. p. 64.“AcaricaturapolíticanãofoiinventadaporDaumier,eainterpretaçãodramáticaemoralistadahistóriacontemporâneatinhaumprecedentepróximoemuitoelevadonasgravurasdeGoya.Maspense-se:avinhetavemsempreacompanhadaporumafraseirônica–figurasepalavras,separadas,seriamincompreensíveis.Vistoqueumapartedoquesequercomunicaréexpressaempalavrasescritas,Daumierenxugaeintensificaosigno,atécondensaracomunicaçãonumasolicitaçãovisual”.20KAENEL,Philippe.KAENEL,Philippe.Op. cit.p.38.(Traduçãolivredaautora).L’originesocialedesillustrateursetleursfréquentesliaisonsaveclapressesatiriqueexpliquentenpartiel’engagementpolitiquerépublicainousocialistedesplusrenomméscommeDaumier,Grandville,Nadar,maisaussiTonyJohannotquicollaboresousumpseudonymeàlaRevuecomiquedirigéecontreNapoléonIII.21Idem.p.39.

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numa tradução ao alcance de todos os espíritos, a mais perigosa das seduções, aquele do exemplo. (Circular de 30 de março de 1852, publicada pelo ministério da Policia Geral)22.

Aimprensailustradaemexpansãoofereceuumcampoparajovensartistas(semformaçãoacadêmica),apresentando-semaiscomoumanecessidadeouumaoportunidadeeconômica.Emgeral,essesartistas,pertenciamameiosmodestos(comoGavarni,filhodeagricultor),ouaindafamíliasarruinadasfinanceiramente(comoJohannot,ligadoporpartedemãeabanqueiros).Oportunidadetambém,parajovensartistas,origináriosdaprovínciaedospaísesvizinhos,comoaBélgicaeaSuíça.“Elesvieramnutrira levadeimigraçãomassivaquetransformouapopulaçãodacapitaldepoisdaMonarquiadeJulho”23.Éumnovomercadoque“sustentouumnúmeroconsideráveldevocaçõeslhedandoummeiodevivernossubúrbiosdaartequesãoascaricaturaseasvinhetas”24.

Umilustradorbemlançadopodiaganhardinheiro,segundoKaenael,Grandville,porexemplo,vivianumacertaabastança,comrendasuperioraseismilfrancos25.Mas,poroutro lado,essesartistasdotraçocômico,conviviamcomoriscodeversernívelsocialserrebaixado,porque,“submetendo-seaumritmodetrabalhoàsvezesforçado,eleseramsujeitosaserepetir,oquecontribuiafixarsuaimagemdistintiva,maisameaçaseufuturoameiotermoenfiando-osnumgênero,numaespecialidadeque,cedooutarde,provoca a lassitude de um público ávido por novidades, e a desafeição dos editores,sempreaprocuradesanguenovo”.26

Daumier,porexemplo,terminousuavidanamiséria.Aimprensaea livraria ilustradassão lugaresdeencontro,certos,mas também

um lugar de passagem, onde se cruzam temporariamente indivíduos de horizontesprofissionaisdiversos27.Osilustradoresseintegramnumateiadesociabilidadevariadasecomplexas.SegundoKaenel,“ligaçõestecidaspelasamizadespolíticas,cumplicidadespessoaisafloramnascorrespondênciasconservadas”.28.

22 Idem.p.39.(Traduçãolivredaautora).Parmilêsmoyensemployéspourébranleretdétruirelessentimentsdereserveetdemoralitéqu’ilestessentieldeconserverauseind’unesociétébienordonnée,lagravureestumdesplusdangereux.C’estqu’emeffetlaplusmauvaisepaged’ummauvaislivreabesoindetempspourêtrelue,etd’umcertaindegréd’intelligencepourêtrecomprise,tandisquelagravureoffreunesortedepersonificationdelapensée[...]présentantainsispontanément,dansunetraductionàlaportéedetouslêsesprits,laplusdangereusedesséduction,celledel’exemple’(Circulairedu30mars1852pubiéeparleministredelaPolicegénérale)23 Idem.p.84.24Idem.p.81.25 Idem.p.88.26Idem.p.91.(Traduçãolivredaautora).27 Idem,ibidem.28Idem.p.90.“Osacessosaocírculodostenoresdavidaculturaledestesqueestãonolimitedeexercerumpoderinstitucionaloupolítico(papeldemaisamaisassumidopeloscríticosehomensdaimprensa)criamaliançaselaçosdesolidariedadesproveitosas,sobretudoparaosartistasprocedentesdemeiosmodestos.Essefreqüentarrevelaumdosjogosdapráticadailustração:afalta,imperfeiçãodeassegurarumacarreiraeumreconhecimentoartístico,acaricaturaeailustraçãopodiamfacilitarapromoçãosocial.Mundanismo

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apontaMentos sobre a iMprensa ilustrada no rio de Janeiro, no séCulo XiX.

A litografia foi a prática artísticautilizadanas revistas ilustradasnoBrasil, noséculoXIX, registrando os costumes de época.OBrasil conheceu a litografia, comoobservouFerreira,“logodepoisdehaverestatersidointroduzidaemcaráterdefinitivoemalgunsdosmaisimportantespaísesdaEuropa,aFrança,porexemplo(1814),emesmocomavançossobreoutroscomoaEspanha(1819)ePortugal(1824).29

OartistafrancêsPallière(1783-1862)teriasidooresponsávelpelaexecuçãodasprimeiraslitografiasnoBrasil(1818-1819).30

PedroI,imperadordoBrasil,seinteressoupelanovatécnicaeem1827,segundoFerreira,ocônsul-geraldaFrança,condeGesta,comentouemrelatórioquenoRio“oslitógrafosestãobastanteemmoda,sobretudodesdequeopróprioimperadordoBrasilseocupounessegênerodetalento”.31

De1830a1853,destacam-senoRiodeJaneirooficinaslitográficas,comoporexemplo,LouisAléxisBoulanger(francês),PierreVictorLarée(francês)(1832),Ludwig(alemão)&Briggs(1843),Heaton(inglês)eRensburg(holandês)(1840),Brito&Braga(1848), Martinet (1851), Paula Brito (brasileiro), Joaquim Manuel Cardoso (1851),Leuzinger(suíço)(1853)eSisson(1853),quederaminícioàproduçãodeestampasdoImpério.

SegundoRafaelCardoso,pelospadrõesda sociedadedaépoca, a expansãodalitografianoBrasil é umcasode retumbante sucesso e a qualidadedas produções defirmascomoLudwig&Briggs,Heaton&Rensburg.S.A.Sisson,CasaLeuzingerouLombaerts&Cia.,atestaaimportânciaassumidaporestaindústrianoSegundoReinadoenaRepúblicaVelha.32

Sisson,chegouaoRioemmeadosde1852,“eraalsacianodeIssenheimqueemParisreceberaorientaçãodeLemercier”.33

Martinetseassociouem1854aoutrofrancêsPauloRobin,queviriaobtergrandesucessonaindústrialitográficadoRio.34

Em1856,Martinetseassociouaoutrofrancês,L.Thérier.35 Briggserafilhodecomercianteinglêsefoiem1836paraLondresparaadquirir

conhecimentostécnicosemlitografia,estagiandonamaisimportanteoficinalitográficadaInglaterradeentão,adeDay&Haghe.36

efamiliaridadecomospróximosdopoderpolíticofavoreciamoacessoaoreconhecimentooficial[...]”.(traduçãolivredaautora).29FERREIRA,OrlandodaCosta.Imagem e Letra: introdução à bibliologia brasileira: imagem gravada. 2ªed.SãoPaulo:EditoradaUniversidadedeSãoPaulo,1994.p.313.30 Idem.p.315.31Idem.p.325.32CARDOSO,Rafael.Uma introdução à história do design.SãoPaulo:EditoraEdgardBlücher,2004.p.46.33FERREIRA,OrlandodaCosta.Op. cit.p.394.34Idem.p.388.35 Idem,ibidem.36Idem.p.368.

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SegundoFerreira,essasoficinasexerciamasmaisdiversastécnicaslitográficasesetinhammostrado,desdeváriosanos,capazesdetrabalhosdealtaqualidade37.Essasfirmascontratavamartistaseuropeusparatrabalharememsuasoficinas.Exemplo,LarréecontrataranaAlemanha,em1838,olitógrafoJ.HartmannLeonhard.RensburgcontrataraodesenhistaepintorholandêsBertichen.38

PaulaBritocontratoudaFrançaolitógrafoThérier,que,em1855,litografouosretratosevistasdeSisson,fornecidosaosnúmerosiniciais(marçoeabrilde1855)deO Brasil Ilustrado,primeirarevistadessenome.39

AsprimeirascaricaturasnoBrasil sãoatribuídasaAraújoPorto-Alegre (1806-1879),em1837,satirizandoojornalistaJustinianoJosédaRochaabordavamumacenadesuborno,comoobservouAnaMariaMartins,“metáforaprenunciadorae recorrenteaté nossos dias da corrupçãodopaís”.40 Porto-Alegre foi discípulodopintor francêsDebretnaAcademiaImperialdeBelasArtes,noRiodeJaneiro,viajouparaaFrança,porvoltade1830,entrouemcontatocomotrabalhodoartistaDaumier,criadordasérieRobert Macaire e Bertrand, que inspirou Laverno eBelchior, personagens da revistaLanterna Mágica(1844-45),lançadaporPorto-Alegre,noRiodeJaneiro,desenhadaporumdeseusdiscípulos,RafaelMendesdeCarvalho,impressasnasoficinaslitográficasdeHeaton&Rensburg.

Salgueirosalientaque“A Lanterna Mágica éobrafundadoradasátiratropical,síntesedacomédiaurbana.Pretendidaporseuautorcomouma‘epopéiapatriótica’deseu tempo,acabasendo intemporalpelaatualidadedeseusheróis ‘semcaráter’,cujasatitudesgestosefraquezasnadatêmdedatados,masqueserevelamcomoretratostrans-históricosdavidamoderna”.41

OtítuloaLanterna Mágicaremete-nos,comoobservouSalgueiro,

ao uso simbólico e metafórico do instrumento de projeção tão popular na cultura visual do século XIX, com suas cenas sucessivas e variadas; a estrutura de pequenos textos compondo histórias ou episódios independentes é destinada àqueles que não tem muito tempo para ler, como os que assistem às apresentações das lanternas mágicas. A separação entre o livro e o jornal não era tão rígida, na época, e a forma jornalística dominava o mercado, os exemplares circulando em fascículos. Porto-Alegre usa a

37 Idem.p.366.38 Idem, ibidem.39Idem.p.391.40MARTINS,AnaLuiza.Revistas em Revistas:Imprensa e práticas culturais em Tempos da República, São Paulo (1890-1822).SãoPaulo:EditoraUniversidadedeSãoPaulo:Fapesp:ImprensaoficialdoEstado,2001.p.40.41SALGUEIRO,HelianaAngotti.Op. cit.p.17.

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lanterna mágica como instrumento que exibe ‘a verdade com todas as suas luzes, e não como um instrumento ‘criador de ilusões’, embora essa ambivalência caracterize o século XIX. A Lanterna Mágica afigura-se como uma síntese de sua época, dominada pela imagem42.

O segundo jornal com caricaturas surge, em 1849, intitula-se a Marmota da Côrte,dirigidoporPrósperoRibeiroDiniseFranciscodePaulaBrito,passandodepoisasechamar,Marmota Fluminense,apartirde1852,Jornal de Modas e Variedades e Marmota,em1857,seuúltimoanodecirculação43.

OiníciodepublicaçãoregulardecaricaturanaimprensanoRiodeJaneiro,coubeao Brasil Illustrado,em1855,comdesenhosdoilustradorSebastienAugusteSisson44.

proliferação das revistas ilustradas no rio de Janeiro (1860-1870).

A década de 1870-1879 será o período do grande desenvolvimento da litografia brasileira, aquele em que coexistiram os maiores nomes da arte litográfica do país e em que, ao mesmo tempo, funcionaram as melhores oficinas. Contaram-se, no decênio, 248 diferentes impressores litográficos, contra o crescendo de 115 de 1850 e de 197 no ano de 1860, e o decrescendo de 178 no ano de 1880 e de 128 no ano de 1890. [...] Rensburg, Ludwig, Briggs & Cia (em fase final) Pereira Braga, Robin, Leuzinger, foram os grandes prelos45.

Nasdécadasde1860-1870proliferaramnoRiodeJaneiro,asrevistasilustradas,impressasnapedra litográfica. Dentre elas,Semana Illustrada (1860-1876),O Bazar Volante (1863-abr.1867),quepassouaserpublicadocomotítulodeO Arlequim (maiode1867),quese transformouemA Vida Fluminense (1868-1875), queporsuavezsetransformou no Figaro (fundado em 1876), O Ba-ta-clan (1867-1871), O Mosquito (1869-1877), A Revista Illustrada (1876-1898),oMequetrefe (1875-1893) eoutrosdemenorpermanêncianomercado,como A Comédia Social (fundadaem1870,absorvidapeloMosquitoemagostode1871), O Mephistopheles (1874-1875), O Besouro (1878-1879), O Mundo da Lua, o Psit! (1877).Asrevistaseramvendidasemfascículossemanaisehaviamesmoquemascolecionassecomocomprovamascoleçõesquecompõemos

42Idem.p.27.43FERRERA,Orlando.Op. cit.p.392.44Idem.p.394.45 Idem.p.409.

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acervosdediferentesinstituiçõesnoRiodeJaneiro,dentreasquais:oArquivoHistóricodoItamaraty,queabrigaacoleçãoquepertenceuaoviscondedoRioBranco,compostade periódicos publicados, de 1872 a 1876 (Semana Illustrada, A Vida Fluminense,O Mosquito,O Fígaro e o Tupy); aBibliotecado Itamaraty, que abrigaumacoleçãodaRevista Illustrada,quepertenceuaopolítico,diplomataeabolicionistaJoaquimNabuco;oMuseuHistóricoNacional,oRealGabinetePortuguêsdeLeituraeaBibliotecaNacional,tambémpreservamemseusacervoscoleçõesderevistasdessemomento,quepertenceramacolecionadoresparticulares.Existemtambém,nosacervosdessasinstituições,periódicosdeoutrasnacionalidades,comooPunch,inglês,eoCharivari,francês.Aliás,percebe-se,porexemplo,queFleiuss46,idealizadordaSemana Illustrada,eraumleitordoPunch.NapercepçãodeHermanLima,“éflagranteoseuparentescocomMr.Punch”.47

O gesto da “cópia”, no século XIX, assume novo estatuto, conforme ressaltaSalgueiro,“dadaaampladifusãoecirculaçãodetextoseimagens.Ofenômenoindustrialdaimagem,observaPhilippeHamon,‘obrigaacolocarsoboutroânguloquestõescomocópia,originalidade,unicidadedaobradearte,aquestãodoestilocomocachet,marcaindividual e personalizada, e questões como a rapidez da leitura, do disparate ou daharmonia entre imagens multiplicadas e justapostas num mesmo lugar’”.48 Salgueiroapartirdessachavemetodológica,observaquePorto-AlegrenaLanterna Mágicanão“copiou” simplesmente osRobert Macaire, personagemcriadoporDaumier, “mas ostomoucomoreferênciado‘ardotempo’,ambientando-osemseupaís”49.Nessachave,damesmaformapode-seafirmarqueFleiussnão“copiou”oMr.Punch,masotomoucomoreferência para criar o personagemDr. Semana. As acusações de plágios de revistasestrangeiras,comoobservouHermanLima,eramfreqüentes“porpartedecaricaturistasnacionaisealienígenas”.50HermanLimaressaltouqueocaricaturistaportuguêsAntônioAlves do Vale51,publicouumachargenoMequetrefe (1875),52sugerindoqueorenomado

46Fleuss“percorreuváriasprovínciasdoNorte,ondepintoualgumasaquarelas,gênerodesuapredileção.FixadonoRiodeJaneiro,aquifundavaemprincípiosde1859,comacolaboraçãodeseuirmãoCarlosFleiuss e do pintor alemão Carlos Linde, um estabelecimento tipolitográfico, depois transformado noInstitutoArtístico,designadopordecretoded.PedroII,de3deoutubrode1863,comotítulodeImperial.A30demarçode1867,casoucomumasenhorabrasileira,d.CarolinadosSantosRibeiro,filhadepaisportuguêses.‘Amigopessoaleadmiradorded.PedroIIedaImperatrizd.TeresaCristinaMaria,relacionadonoPaçoebemquistonamaisaltarodadaantigaCôrte,quefreqüentavaassiduamente,comprazia-seemrecebernoseularosmaiscelebresvultosdapolítica,escritoreseartistasdotempo,eagasalharestrangeirosilustresaquiaportados’”.(LIMA,Herman.História da caricatura no Brasil.Vol.2.RiodeJaneiro:LivrariaJoséOlympioEditora,1963.p.743).47LIMA,Herman.LIMA,Herman.Op. cit.vol.2.p.756.48SALGUEIRO,HelianaAngotti.Op. cit.p.17.49Idem,ibidem.50LIMA,Herman.Op. cit.p.833.51AntônioAlvesdoValedeSousaPinto,irmãodopintorportuguêsSousaPinto(JoséJúlio),nasceunoportoem1846,vindoparaoBrasilem1859.NoRiodeJaneiro,trabalhoucomocaricaturistaselitógrafono Lobisomem,em1desetembrode1870,(noqualfoidiretoreredator);naVida Fluminense(começacolaborarapartirdejulhode1871);noMequetrefe(nosprimeirosnúmerosem1875eretornadoem1876);no Mosquito(apartirdejunhode1875).(LIMA,Herman.Op. cit.vol.3.p.830.).52 Idem.p.833.

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artistaitalianoBorgomainerio,53quehaviaassumidoadireçãoartísticadaVida Fluminense em1874,bebianasfontesdoperiódicoitalianoSpirito Foletto,noqualhaviasidotambémdiretorartístico.

Até1860,nenhumperiódicoilustradohaviaatingidovidalongaoutidograndealcance, somente com o surgimento da Semana Illustrada (1860-1876), inaugurou-seumanovafasenaimprensailustradadoSegundoReinado,conseguindoestapublicaçãopermanecernomercadopordezesseisanos.Apreciadapelopúblicoleitor,comoinformaHerman Lima, acredita-se que na década de 60 nenhuma revista tenha se igualado àSemana,comoitopáginas,sendoquatrodedesenhos.Emformato,seguidopelasdemaispublicaçõesdogênero54.FleiusscriouajovemíndiaBrasília,idealizadarepresentantedanaçãobrasileira,modelodepatriotismo,tãoemvoganaquelemomentodoromantismoindianista,dapoesiaparticipante.Criou,também,bonecosprotagonistasdesuarevista,oDr.Semana,narradordosepisódiosdasemana,branco,cabeçaavantajada,vastacabeleiraecorpofranzinoeoMoleque,seuauxiliar,negro,esbelto,trajandolibré,representativosdeformasderelacionamentodeumasociedadeescravocrata.

OsprimeirosnúmerosdaSemana IllustradaforamilustradossomenteporFleiuss,passandodepoisacolaboraremsuaspáginasoscaricaturistasPinheiroGuimarães,muitoconsiderado por seus pares, Flumen Junius (Ernesto de Souza Silva Rio), AristidesSeelinger,AuréliodeFigueiredoehomensde letrascomoMachadodeAssis (redatorDr.Semana),PedroLuís,SaldanhaMarinho,BrunoSeabra,QuintinoBocaiúva,JoaquimManueldeMacedoeoutros.NoBrasilcomonaFrança,observa-sequeaimprensaealivrariailustradassãolugaresdeencontro,depassagem,ondesecruzamtemporariamenteindivíduosdehorizontesprofissionaisdiversos55.ComoobservouKaenel,emrelaçãoaesse universoda ilustraçãonaFrança, percebe-se também,noBrasil, ligações tecidaspelasamizadespolíticasecumplicidadespessoais56.

Sabe-sequeFleiussnãocaricaturavaPedroII,pode-seaventarahipótesedenãoser somentepela suaamizadee simpatia,mas também,por ter sidoaquelemomento,décadasde1850-1860,odaconsolidaçãodoImpério,sendoafiguradoimperadortalvezconsiderada por Fleiuss, intocável, como figura máxima, bastião de um Império quese queria preservar.Essa posiçãodeFleiuss talvez possa ser explicada, também, pelaorigemsocialdoartista,comoumrepresentantedasclassesaltasalemães,quedevotavam

53 Luigi Borgomainerio foi contratado pelaVida Fluminense, tornado-se seu desenhista exclusivo, denovembrode1874atédezembrode1875,quandoarevistasetransformouemO Fígaro,poreleilustradaatésuamorte,porfebreamarela,emfevereirode1876.SegundoHermanLima,“jáera,antesdevirparaoBrasil,largamenterenomadonaItália,onde,alémdesuaintensaatividadenascitadaspublicaçõessatíricas[Spirito Foletto,Mefistófeles,Pasquino,Fischietto e L’Uomo di Pietra],foraincluídoentreosilustradoresdafamosaediçãoRichiedeidoromancedeManzoni–I promessi sposi,ediçãoreproduzidaem1945,peloeditorUlricoHoepli,deMilão,contandocomvinteeduasilustraçõesdosartistasGalloGallina,RobertoFocosi,TranquilloCremona,GaetanoPreviatieLuigiBorgomainerio”.(Idem.vol.3.p.868).54Idem.p.95.55KAENEL,Philippe.KAENEL,Philippe.Op. cit.p.91.56Idem.p.88.

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lealdadeaoreidaPrússia.57Fleiuss,segundoLúciaGuimarães,nasceuem28deagostode1823,nacidadedeColônia(Alemanha),filhodoDr.HeinrichFleuiss,diretorgeraldaInstruçãoPúblicadaPrússiaRenanaed.CatarinavonDrach.Seuavôporpartedemãe,oconselheiroMaximilienvonDrach,pertenciaaocorpodocentedaUniversidadedeCoblença.OartistaprussianocursouBelas-ArtesemColôniaeemDusseldorf,depoisMúsica e Ciências Naturais, emMunique. Foi discípulo e amigo do naturalista KarlFriederichPhillipevonMartius,queoincentivouaconheceroBrasil.58

HenriqueFleiuss,comoobservouJoaquimMarçalFerreiradeAndrade,foipioneirodasartesgráficasedasaplicaçõesdafotografia.59FundoujuntamentecomseuirmãoCarle seuamigoLindeo Imperial InstitutoArtístico,quepublicouváriasobras.Propicioucursosparajovensprincipiantesnasartesgráficas,pretendendointroduzirnaimprensailustradadaCôrteaxilografia, técnicamuitousadanaEuropa(PariseLondres).Seusplanos,nesseaspecto,nãovingaramealitografiafoitécnicamaisempregadanacapitalimperialparaaimpressãodasrevistas.Em1876,apósoencerramentodapublicaçãodaSemana Illustrada, lançouaIlustração Brasileira,nosmesmosmoldesdasdomesmogênero na Europa,mas seus planos parecem ter sido utópicos, “a revistamostrou-secomercialmenteinviávelefracassou,levando-oàruína.Encerrou-aem1878,apósamortedeseuirmão,quandooImperialInstitutoArtísticotambémfindouassuasatividades”60. Em1880,propôs-seaumanovaempreitadalançandoA Nova Semana Illustrada,vindoafalecerem1882,pobre,doenteedesiludido.

Na década de 1860, aparecem outras publicações, que disputaram o mercadodoRiodeJaneirojuntocomaSemana,destacando-se,dentreoutras:O Bazar Volante,impressonaLitografiaImperialdeEduardoRensburg61,surgeem1863,sobadireçãodofrancêsJosephMill62,nosmesmosmoldesdaSemana Illustrada,oferecendoespaçoparacaricaturistasquejácolaboravamnaquelarevista,comoFlumemJunius,PinheiroGuimarãeseSeelinger.OBazar Volante(1863-1867)passouasechamarO Arlequim (abrilde1867),ondeestreouoilustradoritalianoAngeloAgostini.O Arlequimsetransformou

57ELIAS,Norbert.Os Alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro:JorgeZaharEditor,1997.p.60.58GUIMARÃES,LúciaMariaPaschoal.HenriqueFleiüss:vida e obra de um artista prussiano na Côrte (1859-1882).In:ArtCultura,Uberlândia,v.8,n.12,p.85-95,jan.-jun.2006.59ANDRADE, JoaquimMarçal Ferreira de.História da fotorreportagem no Brasil: a fotografia na imprensa do Rio de janeiro de 1839 a 1900.RiodeJaneiro:Elselvier,2004.p.120.60Idem.p.122.61SegundoOrlandodaCostaFerreira,“EduardRensburgimprimiuealgumasvezestambémeditouváriosdosmais importantesperiódicosbrasileiros ilustradosdaépoca,acomeçarpeloRamalhete das Damas,revistademúsica(1842-1850)dirigidaporRaphaelCoelhoMachadoeduranteasuamelhorfasetiradasobaresponsabilidadedoateliêemestudo;aexcelenteIllustração Brasileira(1854-1855),..[...]easériefamosadosperiódicos,encadeadosao longodotempo:Bazar Volante (1863-1867),OArlequim (1867)e,emparte,A Vida Fluminense,quecirculoude1868a1875’.FERREIRA,OrlandodaCosta.Op. cit.p.386-387.62HermanLimaatribuiaMill,àprimeirascaricaturasdePedroII,representadocomacabeçasubstituídaporumagrandecastanha-de-caju.“Aelecaberiaassimaprimaziadadeformaçãodacabeçaded.PedroII,sendoacastanha-de-caju,comoapêradeLuisFelipe,umachadoinestimávelparatodososcaricaturistasqueselheseguiram”.(LIMA,Herman.Op. cit.vol.2.p.759.)

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emA Vida Fluminense(1868-1875),naqualsedestacaramalémdeAgostini,CandidoFaria,PinheiroGuimarãeseLuigiBorgomainerio.OBa-ta-Clan(1867-1871)foioutrarevistadessedecênio,dirigidapelofrancêsCharlesBerry,ondeatuaramoscaricaturistasfrancesesAlfredoMichoneJosephMill.Outrarevistaquesurgiunofinaldestadécadafoi O Mosquito (1869-1877),ondetrabalharamartistadotraço,comoAngeloAgostini,CandidodeFaria,eBordaloPinheiro.63

Na década de 1870, surgiram as revistas: O Mequetrefe (1875-1893), ondetrabalharamCândidodeFaria,AntônioAlvesdoVale,PereiraNetto,JosephMill,AluísiodeAzevedo e Bambino (Arthur Lucas); aRevista Illustrada (1876-1898), deAngeloAgostini,eondetrabalhouapartirde1888,PereiraNetto;oPsit!(1877)eO Besouro (1878),deRafaelBordaloPinheiro.

AproliferaçãoderevistasilustradasnoRiodeJaneiro,nasdécadasde1860-1870,propiciouumadisputaacirradapelomercado.

Sabe-sequeaSemana IllustradasofreudurascríticasdeJosephMill,noBazar Volante,esobretudo,deAngeloAgostini,naVida Fluminense e no Mosquito,nasdécadasde1860-1870.Acredita-se,entretanto,quenãofoisomenteporposiçõespolíticasdistintas(Agostini,porexemplo,erarepublicano)queFleiussfoialvodecríticasácidas,64mas,também,pordisputaseconômicase sociais,própriasdo jogodemercadoda indústriailustradadoséculoXIX.Atéporque,observou-senessapesquisaqueduranteaGuerradoParaguai,asrevistasilustradasdaCôrte,comexceçãodoBa-ta-clan,estavamtodasdomesmolado,nadefesadahonranacional.Outropontoimportante,équeaVida Fluminense (primeironúmero,emjaneirode1868),surgiuduranteaGuerradoParaguai,comointuitodedesbancaraSemana Illustrada, quevinhafazendoacoberturadosacontecimentosnoPrata.E,em1868,quandosurgiuA Vida Fluminense,aSemana Illustrada, jáentravanoseuoitavoanoeaGuerranoseuquarto,ecomoobservouJoaquimMarçalFerreiradeAndrade“nãoseriafácil–emprincípio–paraA Vida Fluminenseocuparoespaçojá conquistadopor aqueleperiódico, aomenosnoque se referia à cobertura ilustradadaguerra.Noentanto,oquedepreendemosdoexamedacoberturailustradadaguerra,empreendidaporesseperiódico,équesesobressaiuotalentodeAngeloAgostiniedesuaequipe,proporcionandoumacoberturaparaleladeimpressionanteenvergadura”.65

A Vida Fluminenseposteriormentepassouaser impressapelo litógrafofrancêsPaulRobin,queparecetersidooprimeiroafazerusodeumaoficinalitográfica“avapor”noRiodeJaneiro.E,emfinsde1875ouprincípiode1876,RobinseassociouaAgostini,eafirmapassouasechamarAngelo&Robin.NelaforamimpressasalémdaRevista Illustrada,O Figaro,O Mephistopholes, O Mequetrefe,A Comédia Popular,O Psit! e O Besouro.Ouseja,afirmaAngelo&RobindominouomercadodeimpressãodasrevistasilustradasqueerampublicadasnoRiodeJaneiro.OrlandodaCostaFerreira,ressaltouo

63Idem.p.100-101.64Idem.p.128.65ANDRADE,JoaquimMarçalFerreirade.Op. cit.p.154.

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importantepapeldeRobin“noêxitodasrevistasilustradasdaépoca”.66

TrabalharamnesteprimeiromomentodaVida Fluminense,V.Mola67ePinheiroGuimarães,68masoilustradorquesedestacoufoiAngeloAgostini,quehaviacomeçadosua atuação na imprensa periódica do Rio de Janeiro em O Arlequim. Republicanoassumido, Angelo Agostini, nasceu na Itália, mas teve sua formação artística nacidadedeParis,vindoparaoBrasil,aindamoço,aos18anos,nadécadade1860, seestabelecendoprimeiramenteemSãoPaulo,ondesedestacounoDiabo Coxo(1864)eno Cabrião (1866).NoRio,alémdeOArlequim,trabalhou,emO Mosquito,emA Vida Fluminense e na Revista Illustrada,porelefundada,em1876,edemaiorpermanêncianomercado,nasegundametadedoXIX,noBrasil.Abolicionistaconvicto,reconhecidoporcontemporâneoscomoJoaquimNabucoeJosédoPatrocínio.69SegundoHermanLima,JoaquimNabuco considerava aRevista Illustrada como “Bíblia daAbolição dos quenãosabemler”.70Oartistaitalianousoudapenanadefesadosprincípiosliberais,assimcomoitalianoBorgomainério,queosubstituiucomoilustradoremA Vida Fluminense,comooportuguêsBordalloPinheiro71,queosubstituiu,emO Mosquito,ouaindacomoobrasileiroCândidoAragonesdeFaria,72quetambémtrabalhouemA Vida Fluminense.

66FERREIRA,OrlandodaCosta.Op. cit.p.400.67V.Molahavia trabalhadoanteriormente emBuenosAires, como ilustradordoperiódicoLasBrujas(1861-1862),que,deacordocomHermanLima,“foioutrocaricaturistadopassadoque,domesmomodo,nãoconseguiudeixarsuaidentidadeperfeitamenteesclarecida.Trabalhandon’OArlequim,de1867,ondeAngeloAgostinisurgiunoRio,àsuavindadeS.Paulo,V.Moladesenhavadepreferênciaabico-de-pena”.(LIMA,Herman.Op.cit.vol.3.p.949).68PinheiroGuimarãescolaborounaSemana Illustrada,noBa-ta-clan,naVidaFluminenseefundou,emjaneirode1871,juntamentecomseuprimo,opoetaLuísGuimarãesJúnior,arevistaOMundodaLua.ConformerelatodeHermanLima,ocaricaturistaera“irmãodomédicoeescritor,brigadeiroFranciscoPinheiroGuimarães,detantorelevonoscamposdoParaguai,foiumdosprimeiroscaricaturistasbrasileirosafirmaremseustrabalhosnaimprensa,muitoemborafazendo-osobumaformaextremamentepitorescaeoriginal,queeraentrelaçarodesenhodumpequenopinheirocomum‘G’maiúsculo.(LIMA,Herman.Op.cit.vol.2.p.774.).69JosédoPatrocínio,apudHermanLima:Angelonãoésóumpropagandista,éumapóstolo.Nãodefendesó,amarealmenteosnegros.Comove-sediantedeseussofrimentos,indigna-secomoumirmão,umpai,quandoosvêmaltratados.(Idem.p.784).70LIMA,Herman. Op. cit.vol.1.p.120.71RafaelBordalloPinheiro(Lisboa,1846-1905).ErafilhoediscípulodoartistaManuelBordalloPinheiroeirmãodosartistasMariaAugustaeColumbanoBordalloPinheiro.FezseusestudosnaEscoladeArtesDramáticas,naAcademiadeBelas-ArtesenoCursoSuperiordeLetras.Começouaatuarna imprensailustradaportuguêsaem1870,noCalcanhar-de-Aquiles.Posteriormente,fundouosperiódicosOBinóculoeABerlinda.Namesmadécadatambémpublicou:ÁlbumdeCaricaturas;FraseseAnedotasdaLínguaPortuguesa;PicarescaViagemdoImperadordoRasilb[Brasil]pelaEuropa;coleçãodeportrait-chargesdeatoresportuguêseseummapa fantasiosodaEuropa (fazendo seuautor conhecidoemoutrospaísesdocontinente).Em1873,viajouparaEspanha,contratadopeloperiódicoinglêsTheIllustratedLondon,paracobrirdisputaentrecarlistaseregalistas.Trabalhou,tambémparaIlustracióndeMadrid,IlustraciónEspañolaeElMundoCômico.Emagostode1875,transferiu-separaoBrasil,convidadoparatrabalharnoperiódicoOMosquito.Em1877,lançouoPsit!Eno,anoseguinte,OBesouro.Em1879,retornouaPortugal,apóstersofridoatentadoasuavidaporadversáriospolíticos.72CândidoAragonêsdeFaria(Laranjeiras,Sergipe1849–França1911).NoRiodeJaneiro,seusprimeirosdesenhoscomeçamaaparecernoPandokeu(1866).Trabalhoudepoisnasprincipaisrevistasilustradasdaépoca,comoOMosquito,AVidaFluminense,FígaroeMequetrefe,sendoilustradorexclusivodarevistaOMephistopheles(1874-1875).Em1878,transferiu-separaPorto-Alegre,RioGrandedoSul,ondetrabalhocomoilustradordeOFigaro,dePorto-Alegre,surgidaemoutubrode1878.Depois,conformeHermanLima,“vamosternotíciadeFaria,atravésdeumapáginadarevista,francesaLaCaricature,deA.Rhobia

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Essescaricaturistaspodemserconsideradosverdadeirosfilósofosiluministasnadefesadosprincípiosliberais.AsobservaçõesdeJeanYvesMérian,sobreopapeldeBordalonaquelafaseculturaldoRio,aoestudarascontribuiçõesdoartistaportuguêsàimprensailustrada brasileira, podem ser extensivas aos artistas citados acima.Ou seja, o papeldesses artistas como promotores e defensores “de posições estéticas e filosóficas quedominariamavidadacapitalbrasileiradurantemaisdevinteanos:orealismoemarteeafilosofiadoprogressoinspiradanopositivismo”.73

OcaricaturistaportuguêsBordaloPinheirochegouaoRiodeJaneiroemagostode1875,contratadopeloperiódicoOMosquito.NaspalavrasdeJoaquimMaçalFerreiradeAndrade, a passagem desse artista português pelo Rio de Janeiro “foi marcante,sejacomoeditorecaricaturista,sejacomoartistagráfico,sejacomocidadãoatuante74. DentreasinúmerascontribuiçõesdeBordalo,constaadesereleopioneironautilizaçãoda fotografiacomo formadedenúnciana imprensacarioca.Em20de julhode1878,estampounacapadeOBesouroumalitografiatendopormodelofotosdeduascriançasvítimasdasecadoCeará1877-1878(NordestedoBrasil).Oresultadodramáticoobtidopelacriaçãodoartista,segundoAndrade,deveserconsideradoummarconahistóriadaimprensabrasileira.75

OutrocaricaturistaeuropeuquesedestacounaimprensailustradadoRiodeJaneiro,nessaocasiãofoiLuigiBorgomainerio.OartistaitalianojáerarenomadoantesdevirparaoBrasil,em1874;haviasidodiretorartísticodoSpiritoFoletto,“jornalhumorísticodosmaisaplaudidosnaEuropa;fundadordoMephistopheles,deNápolesecolaboradordoPasquino,doFischiettoedeL’UmodePietra,respectivamentedeTurimedeMilão,edaIllustrationFrançaise,desdeoanode1865”76.Alémdetertrabalhadonessaspublicaçõessatíricas, colaboroucomoalgumas ilustraçõespara a ediçãoRichiedeido romancedeManzoni–IPromessiSposi(Milão,1840),que,segundoKaenel,éromancefundadordahistórianacionaldailustraçãonaItália,assimcomooé,naAlemanha,GreschichteFriedrichs. Kaenel ressalta ainda que a irradiação dos ateliês de xilografia parisiensedesempenharamumpapelessencialnessemomento,porqueforamelesquesolicitaramaManzoni, na Itália, o Promessi Sposi e aAdolfMenzel, naAlemanha,GreschichteFriedrichs.77

(1880-1893),emcujonº168,de17demarçode1883,encontramos[....]umapáginainteira–Leseffetsd’unevalse,parFaria”.Fixou-seemParis,nadécadade1880,transformando-seemreferêncianaartedailustração.Sabe-sequeFariafezosprimeiroscartazesdosfilmesdosirmãosPathé.EsegundoHermanLima, “JohnGrand-Carteret, na suaBiografia dosArtistasCaricaturistas [...], incluída em apêndice aolivroLesmoeursetlacaricatureenFrance,nãodeixademencioná-lo:FARIA.Dessinateurlithographe.Aexecutéaucrayongrandsquantititésdetitresdechansonnettescomiques”.(LIMA,Herman.Op.cit.vol.2.p.816-817.).73MÉRIAN,JeanIves.“RafaelBordaloeoRiodeJaneirodosanosde1875”,apud ANDRADE,JoaquimMarçalFerreirade.Op. cit.p.185.74ANDRADE,JoaquimMarçalFerreirade.Op. cit.p.185.75 Idem.p.186.76LIMA,Herman.LIMA,Herman.Op. cit.p.868.77KAENEL,Philippe.KAENEL,Philippe.Op. cit.p.37.

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HaviaummercadocompensadorfinanceiramenteparailustradoresdoexteriornoRiodeJaneiro,comocomprovamtaiscontratações(Borgomainerio,naVidaFluminenseeBorlado,noMosquito).Asrevistas,poroutrolado,competiamnomercadodaCorte,procurando apresentar aos seus leitores publicações de um nível técnico que nadaficassemadeveraossimilareseuropeus.AVidaFluminense,comBorgomainerio,porexemplo,teveumoutrodesign,passando,comoobservaHermanLima,“aserpublicadaemduascores,osdesenhosimpressosemfundocreme,oquetrazumgranderealceàsilustrações”78.

Omomento foi, portanto, de intensa comunicação, circulação de informações,de imagens e de artistas/jornalistas do traço cômico, de deslocamento de um país aoutro.Comprovando-se,poroutrolado,aquestãodainternacionalizaçãodeumestilodailustração,noséculoXIX.

a iMprensa huMorístiCa ilustrada eM buenos aires.

AartelitográficachegouaBuenosAires,segundoDanero,em1826,

pelas mãos do francês Juan Douville e sua futura esposa a senhora Pillaut Lavoissière. A oficina funcionava no número 20 da rua Catedral (Rivadavia atual). Começaram por fazer retratos de personalidades públicas da época, entre eles o almirante Brown e os generais Mansilla, Alvear e Balcarce. No ano seguinte, chagará César Hipólito Bacle, homem de ciência, artista e empresário genebrino, ao qual se confiou a Litografia del Estado, que originará em certo modo, a intervenção francesa no rio da Prata, e que litografou retratos, cenas e caricaturas que hoje constituem um verdadeiro acervo documental daquela época, particularmente com os dias da ditadura rosista. Ao industrioso Bacle, sempre acompanhado de sua esposa, o sucedeu o inglês Arthur Onslow. Vem em seguida o nome de Gregório Ibarra, el porteño da Litografia Argentina. O acompanham, precursores, entre artistas, artífices e artesãos: Hipólito Moulin, Julio Dufresne, Alfonso Fermepin, Narcisio Desmadryl e alguns outros79.

78LIMA,Herman.LIMA,Herman.Op. cit.p.870.79 DANERO, E. M. S. El cumpleaños de ‘El Mosquito’. Buenos Aires: EUDEBA, 1964. p. 6.(Tradução livre da autora). “Ambos se iniciaram ejecutando retratos de personajes de la época, entre ellos el almirante Brwon y los generales Mansilla, Alvear y Balcarce. Al seguiente año llegará César Hipólito Bacle, hombre de ciência, artista y empresário ginebrino, al cual se lê confio la Litografia del Estado, que originará, em cierto modo, la intervención francesa em el Rio de la Plata, y que litografió retratos, escenas y caricaturas que hoy constituyen um valioso acervo documental de

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Em1819,apareceramasprimeirascaricaturasnaArgentinapublicadasemfolhasavulsas.Em1830,surgiuumperiódicodedicadoàcríticapolíticachamadoEltorodelonce.AntesdacaídadeRosasemfevereirode1852eotriunfodeUrquiza,existiramalgunsensaiosdesátirapolítica,masdecurtaduraçãoepoucoalcance80. SegundoAndreaMatallana,apartirde1852,começamaaparecerpublicaçõesquecombinamoscomentáriospolíticossériosejocososcomcaricaturas..

Vicente Quesada assinala em seu livro MemóriasdeunViejo que ao ser derrotado Rosas ‘todos queriam escrever para o público, e usar da liberdade de dizer o que pensa, de gritar, de criticar, de rir; de fazer em uma palavra, o que nada podia fazer na malhada época do ditador. Um periódico era o ideal de todos, era um prato vedado e que era preciso gostar; mas, para que fosse saboroso, era preciso que fosse burlesco; deste modo nasceu ElPadreCastañeta, periódico crítico burlesco em 185281.

Entre 1853 e 1855, surgiramAncietto el gallo, La Cencerrada, El Diablo, El Hablador82.

Em1860proliferaramasrevistasdecaricaturas,folhetinseoutraspublicações,queinovamnaabordagemtemáticaeformal.Foiummomento,comoobservouCavalaro,emque“surgiramasprimeiras intençõesnaprocuradeumjornalismoindependenteelucrativo”.83Essasinovaçõesnaimprensaportenharespondiam,segundoCavalaro,aosinteressesdeumpúblicoheterogêneo.AcidadedeBuenosAiresestavanumprocessodetransformaçãopelacrescenteondadeimigrantesquechegavamdaEuropa.84

Namesmaépoca,observouDanero,segundoumaestatísticapublicadaporJuanMaria Gutiérrez, funcionavam em BuenosAires “mais de quatorze estabelecimentostipográficos”85.

StellaMaris Fernandéz emLas intituiciones gráficas argentinas e sus revistas

aquella época, paricularizándose com los dias de dictadura rosista. Al industrioso Bacle, siempre secundado por su esposa, lo sucedió el inglês Arthur Onslow. Viene luego el nombre de Gragorio Ibarra, el porteño de la Litografia Argentina. Lo acompañan, precursores, entre artistas, artífices y aartesanos: Hipólito Moulin, Julio Dufresne, Alfonso Fermepin, Narciso Desmadryl y algunos otros”80MATALLANA,Andrea.Humor y política: un estúdio comparativo de tres publicaciones de humor político.BuenosAires:EUDEBA,1999.p.30.81 Idem, ibidem. (Tradução livre da autora). Vicente Quesada señala en su libro Memorias de um Viejo que al ser derrocado Rosas ‘ todos querían escribir para él público, y usar de la libertad de decir lo que piensa, de gritar, de criticar, de reír; de hacer en uma palabra, lo que nadie podia hacer en la malhadada época del dictador. Um periódico!, era el ideal de todos, era un platô vedado y que era preciso gustar; pero para que fuese saboroso era preciso que fuera burlesco em 1852.82Idem,ibidem.83CAVALLARO,Diana.Revistas Argentinas del siglo XIX.BuenosAires:AsociaciónArgentinadeEditoresdeRevistas,1996.p.83.84DANERO,E.M.S.DANERO,E.M.S.Op. cit.p.84.85 Idem.p.6.

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(1857-1974),observouque

durante o período de 1860-1861 a Sociedad [Tipográfica Bonaerense de Socorros Mutuos] a fim de estabelecer o número de tipógrafos que existia em Buenos Aires dispôs a realização de um censo que devia ser o mais minucioso possível. Calculou-se então que existiam 24 oficinas tipográficas em Buenos Aires e duas na campanha e que o número de tipógrafos não alcançava a centena.Em 1879 se realizou um novo censo apesar das dificuldades à incompreensão patronal e operária, consignou 33 tipografias que ocupavam aproximadamente 560 operários dos quais 373 eram argentinos e o resto se distribuía entre as seguintes nacionalidades: 11 alemãs; 3 austríacos; 2 brasileiros; 4 chilenos; 34 espanhóis; 16 franceses; 2 holandeses; 12 ingleses; 47 italianos; 3 norte-americanos; 36 orientais; 7 paraguaios; 1 peruano; 1 polaco; 1 prussiano; 1 russo e 6 suíços. Quer dizer operários de 16 nacionalidades86.

Masoqueimporta,paraanossaabordagem,équefoinessemomentoquesurgiuemBuenosAiresoperiódicohumorísticoEl Mosquito(1863-1893),quesetransformaránumdosveículosdecomunicaçãomaisimportantesdaimprensaportenha,comoapontadoporPatríciaPasquali87.

O El MosquitonãofoioprimeiroperiódicodecaricaturasqueapareceuemBuenosAires,masfoisemdúvidaoquealcançouumavidamaislonganogênerohumorístico.PoucoantesdelecircularamnacapitalportenhaEl Trueno, El DiabloenBuenosAires(1860); La Bruja (1860);El Chismoso (1859) eEl Chimborazo, mas todos de curtaduração.La Bruja,porexemplo,foiredigidoeilustradoporV.Mola,quedepoisveioatrabalharnoRiodeJaneiro,nasrevistasO Arlequim,de1867,enaVida Fluminense,conformeHermanLima,foiumcaricaturistadopassadoque“nãoconseguiudeixarsua

86FERNANDÉZ,StellaMaris.Las instituiciones gráficas argentinas y suas revistas (1857-1974).BuenosAires:SociedaddeInvestigacionesBibliotecológicas,2001.p.23.(Traduçãolivredaautora).Durante el período de 1860-1861 la Sociedad a fin de estabelecer el número de tipógrafos que existia em Buenos-Aires dispus ola ralización de un censo que debía ser lo más minucioso posible. Se calculó entonces que existían 24 imprentas em buenos Aires y dos em la campña y que el número de tipógrafos no alcanzaba a la centena.Em 1879 se realizo un nuevo censo que pese a la dificultades debidas a la incomprensión patronal y obrera, consigno 33 tipografias que ocupaban aproximadamente 560 obreros de los cuales 373 era argentinos y el resto se distribuíaEntre lãs siguintes nacionalidades: 11 alemanes; 3 austríacos; 2 brasileños; 4 chilenos; 34 españoles; 16 franceses; 2 holandeses; 12 ingleses; 47 italianos; 3 norteamericanos; 36 orientales; 7 paraguayos; 1 peruano; 1 polaco; 1 prusiano; 1 ruso y 6 suizos. Es decir obreros de 16 nacionalidades87PASQUALI,Patrícia.“Elperiodismo(1852-1914)”.In:NuevaHistoriadelaNaciónArgentina.TomoV.BuenosAires:AcademiaNacionaldelaHistória-EdicionesPlaneta,2000.p.502.

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identidadeperfeitamenteesclarecida”88.A partir de 1870 surgiram novas publicações humorísticas em BuenosAires,

mastodasdecurtaduração,dentreeles:Anton Pelurero,El SombrerodeDonAdolfo,El Bicho Colorado,El Cascabel,El Petróleo e La Cotorra.Osdoisúltimosemboradecurtaduraçãosãosignificativasparaapesquisaemtela.OEl Petroleo(1875)foiilustradopelo francêsAlfredoMichon,que trabalhou,em1868,como ilustradorda revistaBa-ta-clan, que circulou noRio de Janeiro, na década de 1860.O ano de 1875 foi o daMissãoTejedoraoRiodeJaneiro,para resolverquestõesde limitesentreaArgentinae o Paraguai. Alfredo Michon, criou várias charges comentando os acontecimentosquesão importantesparaanossadiscussão,equeserãoanalisadasnocapítulo4. La Cotorra(1880),emboranãodiscutapolíticaexterna,foiilustradapelobrasileiroCândidoAragonesdeFaria,quesedestacoucomoilustradoremalgumasdasrevistasilustradasmais significativaspublicadasnoRiode Janeiro,nadécadade60e70, comoA Vida Fluminense,O Mosquito, Figaro e Mequetrefe. A revista o Mephistopheles(1874-1875),foitodailustradaporFaria.Em6deoutubrode1878,FariafundouemPorto-AlegrenoRioGrandedoSularevistaFigaro(publicando20números).DeacordocomHermamLima, baseado nas informações de historiadorAthos Damaceno, “Cândido de Faria,demandava, antes, a RepúblicaArgentina, fixando-se por qualquer eventualidade, naprovínciagaúcha”.89Depois,segundoHermanLima,vamosternotíciasdeFariaatravésdeumailustraçãopublicadanarevistafrancesaLa Caricature,em17desetembrode1883.Desconhecia-se,portanto,oparadeirodeFariaentrePorto-AlegreeParis.Confirma-se,apartirdapesquisaemtela,queFariaesteveemBuenosAires,em1880.PortantoantesdesuaidaparaParis90,trabalhoucomocaricaturistaemperiódicosdacapitalportenha,comoLa Cotorra (1880),queapartirdosegundonúmeropassoua ser ilustradopeloartistabrasileiro.AlgumasdascomposiçõesdeFariareproduzemdecertomodooutraspáginas,deautoriado italianoLuigiBorgomainerio,publicadasnoRiodeJaneiro,naVida Fluminense, em1874-75, oumesmo ilustrações do próprioFaria, publicadas noFigaro,editadanacapitalimperial.Fariaseaproprioudessasilustrações,comoumbancodeimagens,adaptando-asàproblemáticadapolíticainternadaRepúblicaArgentina.JáseobservouquenoséculoXIXareprodutibilidadetécnicadaimagem,comaindústria,colocousobreoutroprismaquestõescomocópia,originalidadeeautoria.

(Figs.1a,1b,2a,2b,3a,3b).SegundoDanero,onomeFaria,aparecetambém,emilustraçõesdoEl Mosquito,

88LIMA,Herman.LIMA,Herman.Op. cit.p.949.89Idem.p.816.90SegundoHermanLima,FariafaleceuemParis,sedestacandonocampodailustraçãoedoaffiche,nacapitalfrancesa.“orenomegranjeadopeloartistabrasileiroemParis,nogêneroemqueerammestresToulouse-Lautrec,Capiello,ChéreteMucha,foitalque,muitoemboraaludindosomenteaoseusobrenomeprofissional,JohnGrand-Carteret,nasuaBiografia dos Artistas Caricaturistas(vejabem‘caricaturistas’),incluídaemapêndiceaolivroLes moeurs et la caricature em France,nãodeixademencioná-lo:‘FARIA. Desenateur lithographe. A executé au crayon gras quantité de titres de chansonnettes comiques’”.(Idem.p.817).

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publicadoemBuenosAires91.Pode-seobservarqueapesquisapossibilitounãosóesclarecerdadosemrelação

a Faria, como também a respeito de V. Mola eAlfredo Michon, demonstrando umintercâmbiodecaricaturistanoeixoRiodeJaneiro-BuenosAires.

Em 1884, surgiu emBuenosAires o periódicoDon Quijote (1884-1903), quepassariaacompetircomoEl Mosquito,“nãosóemtermosdealcanceaopúblico,senãotambémemtermosideológicos”.92 Don QuijoteeradepropriedadedoespanholEduardoSojo, caricaturista que assinava como pseudônimo deDemócrito. Foram editores doperiódicojuntamentecomSojo,CarlosPalma,ManuelTellechea,RamónBergadaentreoutros. Em 1887, outro caricaturista espanhol JoséMaria Cao, começou a ilustrar operiódico,assinandosobopseudônimodeDemócritoII93.

Foiumperiódicomaisvoltadoparapolíticainterna. Segundo Matallana, Sojo e Cao “tinham um ideário político comum, uma

concepçãodapolíticarepublicana,valorizandoasvirtudesdeumregimedemocrático,queéoelementoqueprovavelmentemarcaaorientaçãopolíticaqueseguiuDon Quijote”94.

91DANERO,E.M.S.Op. cit.p.8.92MATALLANA,Andrea.Op. cit.p.58.93Idem.p.56.94Idem.p.57.(Traduçãolivredaautora).

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Fig.1a-A Vida Fluminense-20/02/1875-LuigiBorgomainerio-RelaçõesBrasileInglaterra-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

Fig.1b-La Cotorra-28/12/1879-Faria-PoliticaInternaArgentina-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

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Fig.2a-A Vida Fluminense-27/02/1875-LuigiBorgomainerio-QuestãoReligiosa-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

Fig.2b-La Cotorra-06/06/1880-Faria-PoliticaInternaArgentina-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

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Fig.3a-A Vida Fluminense-27/02/1875-LuigiBorgomainerio-QuestãoReligiosa-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

Fig.3b-La Cotorra-30/11/1879-Faria-PoliticaInternaArgentina-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

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el MosQuito (1863-1893)

Irônico, crítico, pujante [...], El Mosquito refletiu a política de uma época, estabelecendo aliados, e alvos de críticas. Definiu uma agenda de temas da política e a ilustrou com caricaturas e textos. Teve uma presença importante entre as publicações desta época, construindo um panorama político da Argentina, e também deixou sua marca (sua posição) sobre determinados atores políticos. Utilizou o humor como instrumento para falar da realidade política, criticá-la e também, [...] rir-se da classe política95.

El Mosquitofoifundado,em24maiode1863,porEnriqueMeyer,caricaturista,Auerbach,gravadorsobremetaiseJ.CarlosPaz,umadvogado.A impressãoesteveacargodePabloConi”.96

OfrancêsMonniot,tambémilustrouoEl MosquitojuntamentecomMeyer,nosquatroprimeirosanosdesuaexistência.Depois,em1867,comaidadeMeyer,paraaEuropa,oquadroadministrativoeartísticodarevistapassoupormodificações.MilhasVictor,passouaseroseudiretor-gerente,eEnriqueStein,seuilustrador.OimpressorpassouaserBernhein.97

Stein, também francês, em 1872 passou a ser diretor-gerente do periódicohumorístico,convertendo-setrêsanosdepoisemdiretorproprietário.Emjulhode1890vendeuo periódico a uma sociedade anônima, paraficar somente como encargo dascaricaturas98.

AbiografiadeEnriqueMeyer,fundadordoEl Mosquito,parecenãofugiraregradeoutrosseuscontemporâneostambémdesenhistaselitógrafos.Alémdetercolaboradoemdiferentesperiódicos,Meyer,ilustroulivros“taiscomoaediçãode‘El Sancho Saldaña’deJoséEspronceda,datraduçãoespanhola‘los Primeros días de Pompeya’,publicadoem1865naimprensadelSiglo,equeparticipoutambémcomilustraçõesnoFausto de EstanislaodelCampopublicadoem1866”99.

Poroutrolado,abiografiadeEnriqueStein(nascidonaFrançaem1843,chegadonaArgentinaem1866,incorporadonoEl Mosquitoem1868),éexemplardaascensão

95 Idem. p. 54. (Tradução livre da autora). Irônico, crítico, punzante (de allí pictones), El Mosquito reflejó la política de una época, estableciendo aliados, y blancos de críticas. Definió una agenda de temas de la política y la ilustro con caricaturas y textos. Tuvo una presencia importante entre las publicaciones de esta época, construyendo un panorama político de la Argentina, y también dejó su marca (su pictón) sobre determinados actores políticos. Utilizo el humor como un instrumento para hablar de la realidad política, criticarla y también, en definitiva, reírse dela clase política.96CAVALLARO,Diana.op.cit.,p.92.(Traduçãolivredaautora.)97Idem,ibidem.98Idem,ibidem.99MATALLANA,Andrea.MATALLANA,Andrea.Op. cit.p.42.(Traduçãolivredaautora)

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socialque imprensapoderiaoferecernaquelemomentoa ilustradoreseeditores.SteineraumjovemdevinteedoisanosquandochegouaBuenosAires,dispostoatrabalharnaagriculturaeapicultura.Seusplanos,entretanto,fracassarame,comoeraebanistadeformação,recorreuaesseofícioetambém,adarliçõesdedesenhoparasustentar-se.FoinessascircunstânciasqueconheceuLucianoCloquet,quelheofereceuumcargonoEl Mosquito.Tornando-se,assim,grandeamigodoredatorprincipalEduardWilde.100

AndreaMatallana,queconsideraSteincomoumafigurafundamentalnadireçãoe edição doEl Mosquito, elaborou um resumo biográfico do desenhista francês quecorroboraocomentárioacima,dequeaimprensapodiaproporcionarnaquelemomento,aascensãosocialdeseuscolaboradores.

Segundoaautora,afiguradeSteintemmuitasfacetaseédegrandeimportânciaparasecompreenderodesenvolvimentodoEl Mosquito.

No plano profissional participou como desenhista de diversas publicações da época como Anton Perulero e [...] LaPresidencia. Também colaborou com ilustrações para o diário La Prensa e outros periódicos. Retratou diversas personalidades do campo político e cultural de nosso país. Foi catedrático da EscolaNavalArgentina, do Colégio Militar, do Colégio Central de BuenosAires. Desenvolveu intensamente suas vinculações políticas com os homens do poder político (por exemplo ligados ao P. A. N. e ao roquismo) mais relevantes e aqueles pertencentes a indústria argentina. Isto pode-se comprovar através de seus intercâmbios epistolares com muitas dessas personalidades durante o período de 1870 em diante. Em 1890 foi nomeado membro do ClubFrancês, representou a República Argentina na Exposição de 1879 em Paris, entre outras atividades. 101

Observou, ainda, Matallana, na documentação que pertenceu a Stein,correspondências deministros, presidentes, secretários de presidentes, ex-presidentes,funcionários de todo o tipo, como também homens da indústria, que comprovam o

100DANERO,E.M.S.Op. cit.p.7.101MATALLANA.Andrea.MATALLANA.Andrea.ATALLANA.Andrea.Op. cit.p.43.(Traduçãolivredaautora.).Em el plano profisional participo como dibujante de diversas publicaciones de la época como Anton pelurero y, como ya señaláramos, La Presidência. También colaboro con ilustraciones para el diário La Prensa y otros periódicos. Retrato a diversas personalidades del campo político y cultural de nuestro país. Se desempeñó como catedrático de al Escuela naval Argentina, del Colegio militar, del Colegio Central de Buenos Aires. Desarrolló intesnsamente sus vinculaciones políticas com los hombres del poder político (por ejemplo ligados al P. A.N. y al roquismo) más relevantes y aquellos pertencientes a la industria argentina. Esto puede comprobarse a través de intercâmbios epistolares con muchas de estas personalidades durante perídodo comprendido desde 1870 en adelante. Hacia 1890 fue nombrado miembro del Club Francés, representó a la República Argentina en la Exposición de 1879 en Paris, entre otras actividades

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relacionamentodestescomodiretordeumadaspublicaçõesmaisinfluentesdaépoca.“Evidentementemaisalémdoconteúdodarevista,existaumadensatramaderelaçõespolíticas,favoresepedidosdeambososlados,quesustentavamapublicaçãoedavamaseudiretoreproprietárioumespaçodecertainfluência”102. Andrea Matallana ressalta também, que essa trama de relações evidencia “aescassaindependênciapolíticadestapublicação,queseverárefletidaaolongodesuaspáginas”103. El Mosquito,porexemplo,foimuitocríticoemrelaçãoàatuaçãodospresidentesMitre,SarmientoeAvellaneda,masemrelaçãoàRoca,nãoescondeusuasimpatia104.

Rocaassumiuopoderem1878105.ParaMatallana,oEl Mosquito,apesardeterperduradopor30anosdahistóriaargentina,foram“talvezseusquinzeprimeirosanososmaisricosemcríticas,ironias,eproposiçõesacercadecomodeveconduzir-seopaís”.Importanteressaltarqueessefoioperíodo,deacordocomasinvestigaçõesrealizadasnoperiódicoporessapesquisa,emqueasrelaçõesentreBrasileaArgentinaforammaisamplamentediscutidasecriticadaspeloEl Mosquito.

102Idem,ibidem.(Traduçãolivredaautora).103Idem,ibidem.(Traduçãolivredaautora).104Idem.p.52.105Idem,ibidem.(Traduçãolivredaautora).O período de 1874/1880 culminou com a federalização de Buenos Aires, a ascensão de Roca ao poder, e o estabelecimento de diversos mecanismos de controle interno do Estado para governar a nação. O intento de Avellaneda de organizar o estado, seria retomado por Roca, baixo o lema: “Paz e Administração”, diria: ‘Necessitamos paz duradora, ordem estável e liberdade permanente.

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2° cAPÍTuloA ProduÇÃo simbólicA dA nAÇÃo:

A semAnA ilusTrAdA nA coberTurA dA QuesTÃo chrisTie (1863)

AIndependênciadoBrasilem1822nãosignificouumaguinadanaconduçãodasrelaçõesquePortugalvinhamantendocomaInglaterra.NaspalavrasdeAmadoCervo:“OsdesígniosdoGovernoinglêsnoBrasilàépocadaIndependênciapermaneciamosmesmosde1808,porque idênticoeraseuprojetodesupremacia.Sãoelesocomérciofavorecido,areciprocidadefictícia,facilidadeseprivilégiosparaseussúditos,aextinçãodotráficodeescravos,tudoaserconsentidopoliticamente,semrecursoàforça,acujoempregoatéentãoseopusera.”.1

A Inglaterra pressionava o governo brasileiro de várias formas para que seextinguisse o tráfico noBrasil e, asmedidas adotadas pelo governo inglês acirravamantipatias. E, tais medidas, como a perseguição aos traficantes de escravos, eramconsideradasumaafrontaàsoberanianacional.E,noRiodeJaneiro,capitaldoImpério,percebia-seumcrescentesentimentoantibritânico,queimpossibilitouarenovaçãodeumtratadocomercialpretendidopelaInglaterraem1842.SegundoJoséMurilodeCarvalho,“emoutubrode1842,JustinianoJosédaRochahaviaescritoemOBrasil:seháhojenopaísidéiavulgarizadaeeminentementepopular,éadequeaInglaterraéanossamaiscavilosaemaispertinazinimiga”.2

Aextinçãodosistemadostratados,em1844,possibilitouaelaboraçãodenovoprojetodepolíticaexterna.“Inaugurou-seentãoumperíodoqueseestenderiade1844a1876eseriacaracterizadopelarupturacomrelaçãoàfaseanteriorepelorobustecimentodavontadenacional”3.

Aextinçãodosistemadostratados,em1844,possibilitouaelaboraçãodenovoprojetodepolíticaexterna.“Inaugurou-seentãoumperíodoqueseestenderiade1844a1876eseriacaracterizadopelarupturacomrelaçãoàfaseanteriorepelorobustecimentodavontadenacional”4.

Em1845,aInglaterraapertouapressãosobreoBrasil,aprovandounilateralmenteaLeiAberdeen,que“autorizavaamarinha inglesaa tratarnaviosnegreirosdoBrasilcomopirataseaenviá-losajulgamentopelostribunaisdovice-almirantadoinglês”5.

Ogoverno brasileiro protestou contra essamedida unilateral inglesa,mas nãohouverevogaçãodaLeiAberdeen.SegundoJoséMurilodeCarvalho“adécadaterminousemnenhumasoluçãoparaaquestãodotráficonegreiro,masestavasetornandocadavez

1CERVO,AmadoLuiz;BUENO,Clodoaldo.História da Política Exterior do Brasil. 2ªEd.Brasília:EditoraUniversidadedeBrasília,2002.(ColeçãooBrasileoMundo).p.37.2BETHELL,Leslie;CARVALHO,JoséMurilode.História da América Latina:daIndependênciaaté1870.VolumeIII.LeslieBethell(org.).SãoPaulo:EditoraUniversidadedeSãoPaulo:Brasília,DF:FundaçãoAlexandredeGusmão,2001.p.756.3CERVO,AmadoLuiz;BUENO,Clodoaldo.Op. cit.p.64.4 Idem.p.65.5BETHELL,LeslieeCARVALHO,JoséMurilode.Op. cit.p.757.

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maisevidente,tantoparaoBrasilquantoparaaInglaterra,quenãosepoderiaadiarumasolução”6.

Em1850,oentãoministrodaJustiçadoImpério,EuzébiodeQueiroz,apresentouumprojetodelei,extinguindootráficodeescravos.ALeiEuzébiodeQueirozfoiaprovadapelaCâmaraepeloSenadoemsetembrode1850.Essaleifoieficaz.MasseqüelasdoconflitobilateralBrasil-Inglaterraperduraram.SegundoCervo,

cada uma das partes atribuía-se o mérito da abolição e mantinha cada uma das partes atribuía-se o mérito da abolição e mantinha suas prevenções. Dessa forma, a lei de 1845 não era revogada, as reclamações por enormes indenizações não tinham solução – apesar de se haver firmado uma convenção para tal fim em 1858 –, nova convenção antitráfico não era firmada por intransigência de lado a lado e as relações diplomáticas se mantinham em clima hostil, porém altivo7.

Em 1860, chega ao Rio de Janeiro o representante inglês Willian Christie,disposto,comoobservouAmadoCervo,“àdiplomaciadoporrete”,ficandoconhecidonaHistóriadoBrasil,comaquestãoquefoibatizadacomseunome,queseráanalisadanestecapítulo8.

OobjetivodesteestudoétentarperceberaconstruçãodeumaidentidadenacionalnessaproduçãosimbólicadeimagensrelacionadasaoepisódioemqueoImpériodoBrasilacabouporromperseurelacionamentocomamaiorpotênciadaépoca,aGrã-Bretanha.EntendemosqueasrevistasilustradaspublicadasnoSegundoReinado,noRiodeJaneiroparticiparamintensamentedaconstruçãodaimagemdeBrasiledoimaginárionacionalbrasileiroondesederammuitasdascorrespondentesdisputassimbólicasrelacionadasàvidapolíticadoimpério.

OsacontecimentossobreaQuestãoChristie,episódiodiplomáticoentreoImpériodoBrasil e aGrã-Bretanha, em 1863, tiveram ampla cobertura daSemana Illustrada (1860-1876),quelhededicouváriosnúmeros.ChristieeraorepresentantedogovernoinglêsnoRiodeJaneiroporocasiãodedoisincidentesocorridosnascostasbrasileiras,em1861e1862,envolvendoduasembarcaçõesinglesas,asfragatasPrince of Walles e Fort,quemotivaramreclamaçõesdapartedorepresentanteinglês,quecontavacomoapoiodeLordeJohnRussel,quedirigiaoForeignOffice.Christieexigiaindenizaçãopormotivodepilhagemdesalvados,nocasodonaufrágionacostadoRioGrandedoSulda Prince of Walles.NocasodafragataFort,emquetrêsoficiaisinglesesembriagadoscausaramarruaçanobairrodaTijuca,e,conseqüentemente,forampresos;aexigênciade

6Idem.p.759.7CERVO,AmadoLuiz;BUENO,Clodoaldo.Op. cit.p.83.8Idem.p.83.

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Christie,eraarepreensãoepuniçãodasautoridadesbrasileirasenvolvidasnoincidente.O comportamento de Christie em relação a esses acontecimentos foi consideradodesagradávelpelogoverno imperial,demodoqueoministro inglês tornou-sealvodemuitascríticasnosperiódicosdaépoca.ASemana Illustrada,depropriedadedoalemãoFleiuss, não poupou o diplomata inglês, estampando caricaturas e charges acerbas(figs.1,2e3),emqueChristieéapontadocomoopivôdaquestão,queculminoucomumultimato,que,segundoPedroCalmon,surpreendeuaCorte,em5dedezembrode18629.Christieordenouaoalmirante inglêsWarrenquecomeçasseaapreendernaviosbrasileirosnaentradadabaíadeGuanabara.Nessemomentoreavivaram-seasprevençõesantibritânicasde1850(Bill Aberdeen–QuestãodoTráfico),apopulaçãodoRiodeJaneiroficourevoltada,colocando-seaoladoded.PedroII,nadefesadahonranacional.NaspalavrasdeSérgioBuarquedeHolanda,“d.PedroIIassumiuadefesadahonranacional,vivendoaíoseumaiorinstantedepopularidade,commanifestaçãodeapoioemtodososcantosesetores”10.

9Idem,ibidem.10HOLANDA,SérgioBuarque.História Geral da Civilização Brasileira:oBrasilmonárquico.TomoII.3ºvol.SãoPaulo:DifusãoEuropéiadoLivro,1969.p.88.

Fig1-Semana Illustrada-15/02/1863-H.Fleiuss-QuestãoChristie-MuseuHistóricoNacional

Fig2-Semana Illustrada-1/03/1863-H.Fleiuss-QuestãoChristie-MuseuHistóricoNacional

Fig3-Semana Illustrada-25/01/1863-H.Fleiuss

-QuestãoChristie-MuseuHistóricoNacional

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Emfinsdemaiode1863ficaram interrompidasas relaçõesdiplomáticasentreoBrasileaGrã-Bretanha,esomenteem1865foramreatadas,quandoarainhaVitóriamandouemmissãoespecialaoBrasiloministroEdwardThornton,quefoirecebidopeloimperadord.PedroIInoacampamentodeUruguaiana,em23desetembrode1865,noRioGrandedoSul,duranteaGuerradoParaguai.

NaspalavrasdeAnne-MarieThiesse:

A construção identitária nacional não está associada a uma forma precisa de governo. [...] na maioria dos casos a nação emerge num quadro monárquico. [...] O monarca aparece não como um descendente de uma dinastia que imporá seu poder aos súditos, mas como o representante por excelência da nação. [...] A ‘nacionalização’ dos monarcas a partir do século XIX é flagrante nas iconografias oficiais e organização das cerimônias que inscrevem a pessoa do soberano no seio da simbólica identitária.11

Nessesentido,d.PedroIIpoderiaserpercebidocomoumrepresentanteexemplardesseprocessode“nacionalização”dosmonarcas,que,segundoThiesse,sedeuapartirdoséculoXIX.D.PedroII,porocasiãodasfestividadesdacoroação,trajouindumentáriacomsímbolosdanaçãoqueiasendoinventada.ComoobservouCelesteZenha,“amurçadepenasdegalo-da-serraeramaisquedetalhe–elementodedistinçãonacional–,signodeumacontecimento,deumpassadoondeaancestralidadeindígena(convertidanumaversãopaysaneuropeu)unia-seàherançaeuropéiadaCasadeBragança”12.

ConformeobservouThiesse,queoresultadodafabricaçãocoletivadasidentidadesnacionais forjou uma lista de elementos simbólicos e materiais que fazem parte deuma nação, dentre os quais heróis virtuosos, lugares e paisagens típicas, costumes,especialidades culinárias, animal emblemático13. Por ocasião da Questão Christie,inúmerosdesseselementosutilizadasnaconstruçãodeidentidadesnacionaisilustraramaspáginasdaSemana Illustrada,comoafiguradoíndio,símbolodaidentidadenacionalduranteoperíodoimperial,quejávemsendoobjetodeváriosestudos,masquenãogozoudeexclusividade;outrasproduçõessimbólicastiveramigualoumaiorimportância,comoobservouCelesteZenha,aoestudarousodaspaisagenscomoelementoconstitutivodanação,focalizando“amaneirapelaqualacidadedoRiodeJaneiroveioaconverter-seemsímbolodanaçãoqueoEstadoimperialprocurouconstruir”14.SegundoThiesse,“otrabalhodeelaboraçãodapaisagemnacionaléobracoletiva,conduzidatantoporpoetas

11Idem,ibidem.12ZENHA,Celeste.“OBrasilnaproduçãodeimagensimpressasduranteoséculoXIX:apaisagemcomosímbolodanação.”Anais do Simpósio Internacional Nação e Edições,realizadonaUniversidadeFederaldeMinasGerais,2003.(mimeo).13THIESSE,AnneMarie.THIESSE,AnneMarie.Op. cit.p.14.14ZENHA,Celeste.Op. cit.

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eescritoresquantopelospintores”15.Comoexemplodesseselementossimbólicosconstitutivosdeumanação,como

obracoletiva,ASemana Illustradanº108,4/1/1863,publicouemsuplementoumacharge(fig.4),queinaugurouadiscussãoemsuaspáginas,emummomentodeexacerbaçãodosacontecimentosdaQuestãoChristie,porcontadaintervençãobritânicaemsolobrasileiro.Oultimatodadoa5dedezembrode1862,pelogovernodaGrã-Bretanhaaogovernobrasileiro,expiroua20dedezembroenodia31erabloqueadooportodoRiodeJaneiroecapturadocinconaviosbrasileiros,pelaMarinhabritânica.

No campo da obra, no primeiro plano, à esquerda, destacam-se, jovem índio,representandoanaçãobrasileira,portandoarcoeflecha,enfrentando,àdireita,militaringlês(marinhabritânica),portandodoiscanhões,mostrandodocumento,cominscrição:ultiMatuM.Hátambém,narepresentaçãodasfiguras,emprimeiroplano,umadiferençadeproporçõesedearmamentos, sugerindoumadesigualdadede forçasnessadisputa.No segundo plano, embarcação britânica (nau capitânia), que bloqueava a entrada doportodoRiodeJaneiroaembarcaçõesbrasileiraseameaçavadesembarquedepartedeguarnição.OcenárioéapaisagemdabaíadeGuanabaracomoPãodeAçúcar,aofundo,comosímbolodacidadeedanação.Alegendafazmençãoadoissímbolosvinculadosaimagemdanaçãobrasileira–ocaféeoalgodão–,quesãorepresentativosdastrocascomerciaiscomaquelepaís,aGrã-Bretanha.OsdizeresdalegendasugeremainterrupçãodasrelaçõescomerciaisentreBrasileGrã-Bretanha,pelaafrontadesta,intervindocomsuaMarinhanacostabrasileira.Ogovernoinglêsamuitoqueriacelebrarumtratadodecomérciocomtarifaspreferenciaiscomogovernobrasileiro,masdessaforma,segundoamensagemdalegenda,nãoiriaconseguir.

15THIESSE.AnneMarie.Op. cit.p.191.(Traduçãolivredaautora).

“Mister John, tome cuidadoNão me faça aqui banzé

Já ficou sem algodãoAgora fica sem o café.”

Fig.4-Semana Illustrada-04/01/1863-desconhecido-RelaçõesBrasileInglaterra-MuseuHistoricoNacional

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Nalegendaareferência“Mr.John”aludeanaçãoinglesa,cujosímbolocaricaturalera‘JohnBull’”,criadonofinaldoséculoXVIII,porGilroadeJ.Arbuthnot. Há,portanto,nessaimagemelementossignificativosdaconstruçãodaidentidadenacional,oíndiocomometáforadanaçãoeapaisagemtípica,pitoresca,acidadedoRiodeJaneiro,comoPãodeAçúcarconvertidoemsímbolodaidentidadenacional.Deacor-docomZenha,as“imagensconstruídasapartirdaestéticadopitorescoforamincorpora-dascomoelementosidentitáriosdanação”16.Porpitoresco,Zenhaentendeumaestéticapautadanoquevinha sendodefinidodesdeo séculoXVIII, ou seja, “a representaçãodoqueseprestaaotrabalhodopintorequeigualmentedistingueumlocal,umpaísdosdemais”17 Outra charge, significativa dessa questão e exemplar desse jogo simbólico deconstruçãodanação, foi apublicadanaSemana Illustrada nº 111,25/1/1863 (fig.5),alusivaàreaçãopopularaobloqueiodoportodoRiodeJaneiroeoapresamentodecinconaviosbrasileirospelaInglaterra,desencadeandoprotestoscontracomerciantesesúditosingleses,alvosdasfúriasdapopulaçãodaCorte. Fleiuss destaca, no primeiro plano, perna estendida demarinheiro inglês, comdiminutasflechas,sobreterritóriobrasileiro.Omarinheiroinglêsestárepresentadoporumafigurahíbrida,corpohumanoecabeçadeleão,animalemblemáticodeidentidadedanaçãobritânica.Asflechas,porsuavez,simbolizamanaçãobrasileira,armasdosíndios,queestãorepresentadosemproporçõesdiminutasemrelaçãoàgigantescafiguraleonina,representativadanaçãobritânica,quefoiatingidaaoousarestenderoseudomínioàqueleterritóriodooutroladodoAtlântico,habitadoporvalentesguerreiros.Adiferençadepro-porçõesenfatizaadesigualdadedeforçasnessaquestãodiplomática,entreoImpériodoBrasileaGrã-Bretanha.AGrã-Bretanhaeraaprimeirapotênciadaépocanoconcertodasnações.Aáguiacoroada,emblemáticadanaçãobritânica,tambémfazpartedacharge,emvôo,napartesuperior,àesquerda.Alegendareforçaaimagemeexplicitaointeresseeconômicocomercialportrásdosacontecimentos:

16ZENHA,Celeste.Op. cit.17Idem,ibidem.

Fig.5-Semana Illustrada-25/01/1863-H.Fleiuss-QuestãoChristie-MuseuHistóricoNacional In illo tempore dixit [Naquele tempo disse]Christie aos seus patrícios:Desejando dar-vos que comer, eu estendi uma perna desde a Inglaterra até o Brasil, onde consegui pôr o pé:mas infelizmente uma chuva de flechas lança-das pelos caboclos me fizeram mais que de-pressa desocupar o ponto.

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NaocasiãodaQuestãoChristie,MachadodeAssiseraocronistadaSemana Illus-trada,assinava-secomopseudônimodeDr.Semana.ODr.Semana(cabeçaavantajada,vastacabeleiraecorpofranzino)eoMoleque(meninonegro),seuajudante,eramperso-nagensdarevista,narradoresdosepisódioscriadosporFleiuss.Eramrepresentativosdeumaformaespecíficaderelacionamentodaquelasociedadeescravista.MachadodeAssispublicou,emdefevereirode1863,naSemana Illustradanº113,umacrônicajocosaen-dereçadaaChristie::

Carta ao Sr. ChristieV. Ex.ª já jantou? Ainda não jantou? Dúvida terrível, que me fez vacilar na remessa desta carta, porque se já jantou é triste para mim ir perturbar a mansa digestão de V. Ex.ªUm beesfsteack e dois ou três cálices de vinho (daquele da Tijuca) uma vez caídos no estômago querem ser desfeitos em paz e sossego; acomodam-se ali dentro, e enquanto o dono, se é súdito de Sua Majestade, como V. Ex.ª, suspira pelas margens do Tâmisa, vão se desfazendo mansamente, e vai subindo a parte vaporosa ao cérebro... Mas aí estou eu a ensinar o Padre-Nosso ao Vigário; há de V. Ex.ª perdoar, mas isso provém de fazer respeitar em V. Ex.ª até o estômago. Como talvez ainda não tenha jantado, consentirá que eu manifeste as dolorosas impressões que me sugeriu a leitura de um artigo no Diário, onde se anuncia a retirada de V. Ex.ª V. Ex.ª vai partir e nos deixar. Sabe quanto sinto? Quanto sofro? Ou, economicamente falando, quanto perco? Que assunto agora a imaginação caprichosa do meu desenhista era V. Ex.ª, E agora que ainda está de notas para cá e para lá, como mulher que brigou e quer falar por último, como isto dava matéria para as minhas quatro páginas!V. Ex.ª há de lembrar-se que Moliére escreveu boas comédias, não só por ser um gênio, mas por ter matéria com que enchê-las. Esta Semana Illustrada, que é a comédia hebdomadária deste seu criado, tinha em V. Ex.ª farto assunto. Alguns inimigos meus, para abater-me, chamam a minha folha pura farsa; mas eu repilo a designação, não só por mim, como por V. Ex.ª, a quem fere diretamente e a quem os malévolos poderiam aplicar os derivados, como farsola, etc.Mas V. Ex.ª, vai partir e isto me dói mais que tudo. Partir! Deixar esta terra, onde V. Ex.ª via o céu, para onde não sabe se irá depois de morto, e ir meter-se entre os nevoeiros de Londres! É duro, Exmo. Senhor!O meu moleque, que é instruído, lembra-me que, partindo V. Ex.ª, nem assim ficaremos desprovidos de assunto, porque as personagens como V. Ex.ª. ficam sempre na história, e por muito que se diga mais fica pro dizer. Esta razão me consola, e praza a Deus que, sempre fiel, possa a nossa memória reproduzir nestas páginas, como exemplo a futuros ministros, a interessante e original verônica de V. Ex.ª

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Aproveito a ocasião para renovar a V. Ex.ª os protestos de minha mais alta consideração. Dr. Semana.

MachadodeAssiscomeçasuacrônica-cartaironizandooepisódiodabebedeiradosoficiaisinglesesnobairrodaTijuca,sugerindoogostododiplomatainglêsporbebi-dasalcoólicas.Christie,comoobservouocronista,foiobjetodeváriaschargespublicadasnarevista,deoitopáginasequededicavaquatrodelasaosdesenhoshumorísticos.Nessenúmero,foipublicadaumacharge(fig.6)alusivaaoapresamentodosnaviosbrasileiros,emqueChristieestárepresentadoemformadegrandeserpentealada,enroladaemem-barcaçõesaomar.Alegendairônicareforçaaimagem:

“Dr.Bulha-mata”refere-seaFredericoBurlamarqui,queeradiretordoMuseuNacional. ApósasretaliaçõesbritânicasapopulaçãodaCorteimperialrevoltou-secontraosingleses,motivandoFleiuss,aestamparchargesnacapadesuarevistasobreessesaconte-cimentos,emqueoMoleque,daSemana Illustrada,apareceemdestaque,representandoanaçãobrasileira,enfrentandooleão,anaçãobritânica.Aprimeiradelas,publicadanonº

Fig.6-Semana Illustrada-08/02/1863-H.Fleiuss-QuestãoChristie-MuseuHistoricoNacionalA grande serpente de S. Jorge acaba de ressuscitar, e deixando o frio canal da mancha, veio aquecer-se nos mares do Brasil. Consta que o Sr. Dr. Bulha-mata faz todo o esforço para conserva-la no Museu Nacional.(Vide Jornal do Commercio de 1º de fevereiro)

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112,em31dejaneirode1863,oMolequefazcaretaparaoleãorugindo,símbolodana-çãoinglesa,observadoporDr.Semana(fig.7).Alegendaexplicativareforçaaimagem:

Nonúmeroseguinte,de8defevereirode1863,FleiussestampounacapadaSe-mana,umalitografiarelativaaodesenrolardosacontecimentosentreoleãoeoMoleque(fig.8).Nocampodaobra,àesquerda,Christie,sentado,acariciandoleão;àdireita,Dr.Semana,sentado,trajandoroupadegala,comoumrepresentantediplomáticodanaçãoeoMoleque,depé,elegantementetrajado,dechicoteemumadasmãos,comoumdoma-dor.Alegendaexplicativaéaseguinte:

Fig.8-Semana Illustrada-8/02/1863-H.Fleiuss-MuseuHistoricoNacionalA nada atendo: somente porque o meu leão fez careta por brinquedo ao seu endiabrado moleque, este deu-lhe um pontapé nos queixos, que quase lhe arrancou dois dentes; portanto vou recomendar ao leão que se vingue.-Não tenho culpa que o moleque achasse a gracinha pe-sada, mas prometo que vou repreendê-lo.- Neste caso tudo se arranja, eu vou revogar a ordem uma vez que o Sr. Dr. Semana acaba de prometer que vai pagar o médico e a botica para curar o queixo do ferido leão, e igualmente há de dar uma indenização pelo tem-po, que ele ficou sem poder rugir.Moleque, - Viva a conseqüência, que é de limpa-candieiro! [saque completo na gíria da época].

Fig.8-Semana Illustrada-31/01/1863-H.Fleiuss-RelaçõesBrasileInglaterra-MuseuHistoricoNacionalAb uno disce omnes [De um ensina a todos]Pelos olhos do leão vê-se com que gosto ele en-goliria o moleque da Semana Illustrada; mas este, apesar do susto, lembra-se de fazer-lhe uma careta, e o leão fica também com medo de engas-gar-se. - Isto quer dizer – que tem medo, de medo se lhe faz a cova.

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FleiussaoutilizaroMoleque,comorepresentantedanaçãobrasileira,nesseepi-sódiodiplomático,ampliaouniversosimbólicoderepresentaçõesdamesma.Fazerdomolequeumsímbolonacionaléumproblema,porqueaescravidãonãoestavaresolvida.Eraalvodedisputaspolíticas.OMolequedaSemana Illustrada,éumjovemnegro,queporumlado,comoobservouMachadodeAssis(cronista“Dr.Semana”)éummolequeinstruído,fatoqueodistinguiadosdemais,masporoutro,oseuladomoleque,erare-forçado,peloapelidoeporseusatos,comosuasbrincadeirascomoleão,quemostramumaformaderelacionamentodasbrincadeirasdosmolequesdasruasdoRio.NaóticadeFleiuss,essaformaderelacionamentodosmoleques,erarepresentativadanaciona-lidadebrasileira,naquelemomento.Omolequenaquelasociedadepodeservistocomoumelementoquetransitavaemdiferentesesferassociaiseadquiriacertasabedoriaemlidaremdiferentessituaçõesemeiossociais.Alémdeadquirirasagacidadedelocali-zaraspessoasnoespaçourbanodacidade(chamado“molequederecado”).TudoissocaracterizaopersonagemMolequedaSemana Illustrada. Emoutrachargepublicadanacapadonº114daSemana Illustrada,em15defevereirode1863(fig.9),FleiussmostraoMoleque,noprimeiroplano,aocentro,ace-nandocomlençobranco,àbeiradocaisdoportodoRio,acompanhadodeumaturmademolequesgesticulando.Nosegundoplano,Christie,partindo,sentadoapopadeem-barcaçãodebandeirainglesa.Aofundo,navioinglês.AchargefazalusãoàadesãodetodosossegmentosdapopulaçãodaCorteaogovernoimperial,mostrandoqueatéosmoleques,personagenstípicosdasruasdoRio,representativosdeumdossetoresmenosprivilegiadosdaquelapopulação,estavamsolidáriosaogovernonaquelaquestão.Alémdisso,o lençobranco,namãodoMolequedaSemana, tambémpodia fazeralusãoaofatodaadesãodaoposiçãoàsdecisõesdogovernoimperial,nessaquestãodiplomática.OlençobrancofoiutilizadocomosímbolonacampanhaoposicionistadeTeófiloOttoni,que,porocasiãodaQuestãoChristie,outilizou,acenandoparaoimperadord.PedroIInasruasdoRio,numgestodesolidariedade18.Outroaspectoaressaltarnessaimagem,dizrespeitoàrepresentaçãodogrupodemolequesqueacompanhamoMolequedaSe-mana,enquantoesteestáelegantementetrajadoebemcalçado,comoummeninorico,ogrupodemoleques,queoacompanhamestávestidocomroupassimples,calçaecamisa,pésdescalços,comomeninospobres,destacando-se,aocentro,ummeninosemcalça,comumacamisaquelhecobreascoxas.IssotalvezdemonstreoesforçodeFleiussemrepresentaraquelasociedade,mostrandoonegrocomopartedoquadroexplicativodaformaderelacionamentodacidadedoRiodeJaneiro.NessaimagemcriadaporFleiuss,eleincorporaosmolequescomopartedaquelanaçãoqueestasendoforjada.Afirmaaescravidão comoum traço nacional, considerando comouma especificidade da nação

18CARVALHO,JoséMurilo.AulanoProgramadePós-graduaçãoemHistóriaSocialno IFCS/UFRJ,2004.Sobreoassuntover:NABUCO,Joaquim.Um Estadista do Império:NabucodeAraújosuavida,suasopiniões,suaépoca.RiodeJaneiroeParis:H.Garnier,Livreiro-Editor,1899.p.347.CALMON,Pedro.Op. cit.p.1720.

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imperialbrasileira.OutroaspectoaseobservaréqueFleiussutilizaomolequeescravocomosímbolodanação,esabe-sequeportrásdaQuestãoChristiehaviaumapressãoemrelaçãoàescravidão.Alegenda,provocativa,misturandotermosemportuguês,kim-bundueumbumdu(línguasafricanasdogrupoBanto),nospermite“ouvir”a faladosmolequesquetransitavamnasruasdoRio,reforçandoaimagemquesugeredaadesãodosmolequesdoRiodeJaneiroaogovernoimperial,naquelemomento.

CANTA O MOLEQUE, CORO DOS MOLEQUES Vai-se embora enfadadinho Uê cambeta Uaravê, Sem um adeus me dizer; Caravê uaringá, As saudades que me deixa Lord Cristi com cerveja, Por dez réis posso vender. Vai batatas cúria. [comer]19.

“Uaringá”podeser“ualingá”,quesignifica“fez”emumbundu.Podeterhavidoatrocado“l”por“r”. Versãopossíveldotexto:“We!Cambeta,walale?Cavalawalinga.” Traduçãopossível:Olá!Batiemalgoquemeprovocououfezdor”20.

19MAIA,AntôniodaSilva.Dicionário português kimbundu kigongo(línguasnativasdocentroenortedeAngola).Lunada,Angola:EditorialMissõesCucujães,1959.20InformaçõesobtidasatravésdaEmbaixadadoBrasilemAngola.

Fig.9-Semana Illustrada-15/02/1863-H.Fleiuss-RelaçõesBrasileInglaterra-MuseuHistoricoNacional

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“Cambeta”,cambaio,quetemaspernastortas,podesignificarandartrôpego(co-xear,cambetear)emportuguês. AreaçãodapopulaçãodoRionesseepisódiodiplomáticoentreoImpériodoBra-sileaGrã-Bretanhafoiobjetodeoutrascharges.NaSemana Illustradanº109,de11dejaneirode1863,Fleiusspublicouumasériedequadrinhosabordandoaquestão.

Noprimeirodeles,(fig.10),FleiussmostraafamíliadoMoleque,àesquerda,me-ninonegro,comosbraçosapoiadossobreosombrosdemulhernegra,elegantementetra-jada,sentadaàmesa;àdireita,oMolequedaSemana,depé,comumadasmãosapoiadasnamesaeaoutradededoemriste.Legendasugereoboicotedeprodutosinglesespelafamíliadomolequeeapersonagem“Negrinha”,comomulherdomoleque,sugeremaisumesforçodeFleiuss,emtentarrepresentaraformaderelacionamentodaquelasocieda-de,“Negrinha”,eraamaneiracomoeramchamadasmeninasnegrasdeummodogeral,expressandoadistinçãopelacor,etambém,podiaserumaformacarinhosadeapelidoeeventualmente,transformar-seemumaformadepreciativa,demenosprezo.

Figs.10,11e12-11/01/1863-Semana Illustrada-H.Fleiuss-RelaçoesBrasileInglaterra-MuseuHIstoricoNacional

Recortefig.10-11/01/1863-Semana Illustrada -H.Fleiuss-RelaçoesBrasileInglaterra-MuseuHistoricoNacionalNegrinha – o que é que você quer comer hoje!Moleque – Tudo, menos beef com batatase queijo londrino!Olhe estas coisas não me vem mais à mesa,entendes?

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NaocasiãoaInglaterrapressionavaoBrasilporumacordocomercialeFleiuss,publicounodaSemana Illustradanº109,11/1/1863,umacharge(fig.11)mostrandoumleãomarcadocomasarmasdarealezabritânica,deolhosarregaladoselínguadefora,sugerindoaguladoanimal,emdevorarprodutosrepresentativosdanaçãobrasileira,lin-güiçadoRioGrande,queijodeMinas,cachodebananas,ramodecafé,eoutros.NessacomposiçãoFleiusscontrapõeumanimalemblemáticoeacomidatípica,pararepresentarasduasdasnacionalidadesenvolvidasnaquestãodiplomática.Outroaspectoaressaltarna imagem, é a incorporaçãodeprovínciasdo Império, representadas atravésde seusprodutos.

Os três últimos quadros são alusivos (fig. 12), tambémaos acontecimentos daquestãoChristie.Ocaricaturistaconstrói,umahistorinha,quepodeseridentificadacomoprecursoradastirinhasemquadrinhos. Noprimeirodeles,oartistaalemãomostranoprimeiroplano,àdireita,umper-sonagem,representandolordeChristie,trajandovestesdediplomata,comumtopeteexa-gerado,emformadecrista-de-galo,dededoemriste.Nosegundoplano,trêshomens,doisfardadoseumderoupaescura,representandoosdoisoficiaiseocapelãodafragataFort,quehaviamseembriagadoeprovocadoarruaçanasruasdaTijuca.NalegendadoprimeiroquadroFleiusscriaumdiálogoquesintetizaasexpectativas,dapopulaçãoedasautoridadesbrasileiras,emrelaçãoàatitudedogovernobritânicoparacomosoficiaisinglesesenvolvidosnoreferidoincidente. Osegundoquadromostramarinheirocomcaradeleão,segurandoumcopodebebida,conversandocomummilitarbrasileiro.AlegendaironizaasrelaçõescomerciaisentreoBrasileaInglaterra,aludindoaocasodafragataPrince of WallesquenaufragounascostasdoRioGrandedoSuleaindenizaçãocobradapelaInglaterra.

Recortefig.11-11/01/1863-Semana Illustrada -H.Fleiuss-RelaçoesBrasileInglaterra-MuseuHistoricoNacional

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Oterceiroquadromostrahomemespantado,decasacaeboné,representandoanaçãobritânica,dialogandocompersonagemhíbrido,corpodehomemecabeçadeuni-córnio, animal emblemático daGrã-Bretanha.A legenda ironiza a postura inglesa in-transigente,nesseepisódiodiplomático,quebloqueouoportodoRioeapreendeucincoembarcaçõesbrasileiras,cumprindoaameaçadoultimato

AreaçãodapopulaçãodacidadedoRiodeJaneiro,boicotandoprodutosingleses,foiabordada,também,nonº116,em1demarçode1863(fig.13).Nocampodaobra,àesquerda,umserviçal,portandoumabandejacompudim;àdireita,umhomem,gesticu-lando,sentadoàmesadejantar.Alegendareforçaaimagem:

- Se o senhor não me pagar até amanhã às 6 horas da tarde, arran-co-lhe a casaca e as calças que tem no corpo: é direito hoje admitido pelos alfaiates civilizados. Ouviu?- Se eu soubesse disso, não enco-mendava obra a alfaiate inglês!

- Você não ter razão de briga com inglês, que traz muita coisa para brasileiro compra...- É verdade, e até querem que lhe compremos os seus defuntos que vêm dar á costa nas nossas praias.

Lord Crista, - Miseráveis! In-dignos de fazerem parte de uma nação civilizada. Duas garrafas de Bordeaux e meia garrafa de cognac entre três! Antes elas fossem de veneno, que assim se pouparia a vergonha que recai sobre os nossos patrícios.

Recortefig.12-11/01/1863-Semana Illustrada-H.Fleiuss-RelaçoesBrasileInglaterra-MuseuHistoricoNacional

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Acomidatípicarepresentativadeumanacionalidade,tambémfoiobjetodeoutrachargepublicadanacapadaSemana Illustradanº118,em15demarçode1863(fig.14),dessavezéabanana,querepresentaanacionalidadebrasileira. Àesquerda,ministroinglêsWilliamChristie,ajoelhadosobremaladeviagemegarrafão,cominscrição:“GIN”,sugerindoohábitododiplomatadaingestãopródigada-quelabebida;ádireita,Moleque,carregandocachodebanana.Aofundo,malas,caixotesdeviagemeumpapagaioempoleirado.Notemqueopapagaio,emboranosegundoplanoestáemdestaque,aocentro,comoumanimalrepresentativodafaunabrasileira,nabaga-gemdodiplomatainglês.Alegendaprovocativa,reproduzindoumpossíveldiálogoentreomolequeeChristiereforçaaimagem,sugerequeodiplomatasentiráfaltadosprodutosdaterrabrasileira:

Vingança de um patriota.Moço – V. S. quer para sobremesa um pouco de plum pudding?- Malvado! Plum pudding! Não sabes que jurei não engolir nada de inglês? Gosto bem disso, mas se quiseres que eu coma, chama-o pudim, porque com este nome brasileiro eu não quebro meu juramento.

Fig13-01/03/1863-Semana Illustrada-H.Fleiuss-RelaçoesBrasileInglaterra-MuseHistoricoNacional

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Afaladalegendaabordaporumladoogostododiplomatainglêspelosfrutosdaterra,comotambém,aganânciadeChristieemnegociarumfretejuntoaogovernobrasi-leiro. Emoutrachargepublicadanonº109daSemana Illustrada,11/1/1863(fig.15),alusivaàdecisãodogovernodepagaràGrã-Bretanhaovalorreclamadocomoindeni-zaçãopelosprejuízosdafragataPrinceofWalles,naufragadanascostasdoRioGrandedoSul,em1861,outrossímbolosdasduasnacionalidadesforamutilizados.

Mylord and gentleman – meu senhor, o Dr. Semana, sabendo que Vossa Grandeza tenciona partir no paquete inglês, toma a ousadia de ofertar-lhe este cachinho de bananas para se refrescar durante a via-gem, e lembrar-se desta terra, onde Vossa Grandeza mostrou também que não é banana, mas que tem batatas [chorrilho de asneiras, na gíria da época]. Boa viagem, Mylord, Deus o livre de novos acessos de Spleen [melancolia, tristeza].- Já estava fechada a mala como vês, meu moleque, mas vou abri-la para guardar suas bananas, e dirigir a minha última nota ao governo Brasileiro para mandar pagar o frete delas.

Fig.14-15/03/1863-Semana Illustrada-RelaçoesBrasileInglaterra-MuseuHistóricoNacional

Fig.15-11/01/1863-Semana Illustrada -H.Fleiuss-RelaçõesBrasileInglaterra-MuseuHistóricoNacional

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Noexemploquesecolocaanaçãobritânicaenfrentaanaçãobrasileirareafirmandoseusatributosmaiscaros,quesãoossímbolosqueasdistingue,taiscomoSãoSebastião,símbolodacidadedoRioconvertidoemsímbolodanaçãobrasileira–secontrapondoaSãoJorge,símbolodanaçãobritânica.SãoSebastião,santomártir,àesquerda,nãoestáostentandoseusatributos representativos (depeitonu,flechado,amarradoemtronco),eleestá trajandovestimentasdeguerra;àdireita,SãoJorge,dominandodragão,santoguerreiro.Nosegundoplano,SantoAntônio,santomilagroso,despejandomoedasnasmãosdeSãoJorge.Alegendareforçaodesenho.“ComumabolsadelibrasesterlinasSantoAntônioevita,porumdeseusmilagres,oconflitoentreS.JorgeeS.Sebastião”.

EssaindenizaçãopagapelogovernobrasileiroàGrã-Bretanha,nãoamenizouatensãodiplomáticaentreasduasnações.Houve,sim,umanegociaçãoemacordoentreoImpériodoBrasileaGrã-Bretanha,emqueogovernobrasileirosecomprometiaapagaraindenizaçãoexigidanocasodafragataPrince of Walles,mas,nocasodafragataFort,aquestãodeveriasersubmetidaaumjuízoarbitral.Eraahonradopaísqueestavaemjogo,exigindo-seumasatisfaçãoformal.EssaquestãodahonranacionalemjogofoiobjetodeoutrachargedeFleiuss,publicadanonº122,12/4/1863(fig.16),emquemaisumavez,símbolosrepresentativosdasduasnacionalidadessãodestacados.

Nocampodaobra,àesquerda,leãodeitadoaospésdeLordeJohnRussel,ministrodosNegóciosEstrangeiros daGrã-Bretanha, segurando a balança, pendendo do pratomais leve,umsaco, com inscrição: “L3.200” [valorda indenizaçãopaga], edomaispesado, a coroa imperial brasileira; à direita, sentado, observando a balança,ministrodosNegóciosEstrangeirosdoImpériodoBrasil,marquêsdeAbrantes,MiguelCalmonduPineAlmeida.Alegendareforçaaimagemesugereapressãoinglesaporumtratadocomercial.

Lord – Russo [Russel] – O abaixo assina-do não pode de maneira alguma anuir a semelhante exigência, pois que a balança ainda pende muito para o Brasil: conceda o Brasil alguns artigos de um tratado do comércio, que então o peso será igual.O Brasil – não desconheço que auri sacra fames sempre foi vossa divisa e, portanto, não faço questão de dinheiro, mas sim de honra: espero pois uma satisfação formal pelos insultos que me fizeste, que sobre o seu preço pecuniário tudo se arranjará.Aproveito a oportunidade para renovar a Lord Russo os cordiais sentimentos da minha distinta veneração.

Fig.16-12/04/1863-Semana Illustrada-RelaçõesBrasileInglaterra-MuseuHistoricoNacional

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EssaquestãodequeaInglaterratencionavaumtratadocomercialjáhaviasidoobjetodecomentárioemcartadeCarvalhoMoreira,entãonossorepresentantediplomáticonaInglaterra,quetambémexpressousuaantipatiaaChristie21. A charge aborda um dos aspectos da política exterior do Segundo Reinado,de não ceder a soberania para fixar a política comercial, como ocorrido à época daIndependência.22

A crítica ao pagamento da indenização e a ganância inglesa por dinheiro foiobjetodeoutrascharges,comoapublicada,em26/4/1863,naSemana Illustradanº124(fig.17),mostrando,noprimeiroplano,ChristieeosecretáriodoForeinOfficie,lordeJohnRussel,sentadosàmesa,comsaco,cominscrição:“L3.200”,pesandomoedasembalança,quantiapagapelogovernobrasileiroaogovernobritânicocomoindenizaçãonocasodafragataPrinceofWalles.Aofundo,inscrição“Honi Soit Qui Ma[l]... y Pense”[Amaldadeestánacabeçadequemapensa],divisadamaisimportanteOrdemdaInglaterra,aJarreteira,instituídapeloreiEduardoIII.Alegendareforçaamensagemdaimagem,apresentandoumaestrofedeumpoemadeGonçalvesDias,consideradoumdosmaissignificativosrepresentantesdospoetasromânticosindianistas23:

A Semana Illustradaengajou-senoesforçodeconstruçãosimbólicadanação.

21MENDONÇA,Renato.Um diplomata na corte da Inglaterra:o barão de penedo e sua época. Rio de Janeiro:EdiçõesBloch,1968.p.136-137.“MoreirahaviasumariadoasituaçãonumacartaaSinimbú:Paraab-rogaroBillAberdeenfala-sedefala-sedeumtratadodecomércio,massónãooqueremos;propõe-seumaconvençãoparajulgarasproclamaçõespormotivodepresaspormeiodeumacortemista,comsedenoRio;apenassecomeçaaexecuta-la,ésuspensaescandalosamenteesobpretextosfrívolos;aomesmotemposeexpedeessaraposadeChristieparaatormentar-noscomaaberturadoAmazonas,asoluçãodaquestãodosdireitosdenacionalidadeedefunçõesconsulares’[...]”.22CERVO,Amado.Op. cit.p.23.“Apolíticaexternabrasileira,noiníciodoperíodoindependente,irádefinir-seemfunçãodaherançacolonialcomsuasestruturassociais,doEstadobragantinocomseusvalores,conexõesedesígnios,daemergênciadeumsistemainternacionalresultantedaRevoluçãoindustrial,dopesodasforçasreacionáriasaglutinadasnaSantaAliança,dosestreitosvínculosinglesestransferidospelametrópoleedatransformaçãodocontinenteamericanoemáreadecompetiçãointernacional”.23MELLOeSOUZA,AntônioCândido.A formação da literatura brasileira:momentos decisivos.6ªEd.BeloHorizonte:Itatiaia,1981.p.18.

Ouro – poder, encanto de maravilha.Da nossa idade, -regador da terra,Que dás honra e valor, virtude e força,Que tens ofertas, ablações e altares. –etc. etc. Gonçalves Dias.

Fig.17-26/04/1863-Semana Illustrada-QuestãoChristie-MuseuHistoricoNacional

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Nessesentido,comoobservaL.Schwarcz,omovimentoromânticosemostrava“comoocaminhofavorávelàexpressãoprópriadanaçãorecémfundada,poisforneciaconcepçõesquepermitiamafirmarauniversalidade,mastambémoparticularismo[...]24. Aassociaçãodoromantismoaoesforçodeconstruçãodeumaidentidadenacionalforjouoindianismo.NaspalavrasdeAntônioCândido:

O indianismo serviu não apenas como passado mítico e lendário, (à maneira da tradição, folclórica dos germanos, celtas ou escandinavos), mas como passado histórico, à maneira da Idade Média. Lenda e história fundiram-se na poesia de Gonçalves Dias e mais ainda no romance de Alencar, pelo esforço de suscitar um mundo poético digno do europeu”25.

O movimento do indianismo sedimentou um discurso retórico, em que umíndio ideal é pintado comoo representante da nação, símbolo nacional.Um indígenarepresentadocomoumherói,guerreiro,bravo,dispostoasacrifíciospelapátria,ilustrerepresentante de um passado imemorial, primeiro habitante do solo americano, cujohabitateraaflorestatropical,quetambémfoimitificadaedesenhadacomosímbolodanação,pelosartistasengajadosnesseesforçodeconstruçãodanação,queparticiparamdomovimentoindianista26.

NãofoiporacasoqueaSemana Illustradanonº119,22/03/1863,escolheuumíndiopintadoporDebret(fig.18),parasimbolizaranaçãobrasileiraduranteosacontecimentosdaQuestãoChristie.

Aimagemquesedestacanoprimeiroplanoéadoíndioguerreiro,quefazpartedeumconjuntodepranchasaquareladasporDebret,que integramoseu livroViagem Pitoresca e Histórica ao Brasil,publicadoem1834.AlegendaécompostapelaestrofeVIdoversodeGonçalvesDias,“OCantodoGuerreiro”,quefazpartedacoletâneaPoesias Americanas.

24SCHWARCZ,LiliaMoritz.Op. cit.p.128.25MELLOeSOUZA,AntônioCândido.Op. cit.p.20.26Omovimentoindianista,segundoAntônioCândido,“namedidaemquetomaumarealidadelocalparaintegrá-lanatradiçãoclássicadoocidente,oindianismoinicialdosneoclássicospodeserinterpretadocomotendência para dar generalidade ao detalhe concreto.Comefeito,concebidoeesteticamentemanipuladocomosefosseumtipoespecialdepastorarcádico,o índioia integrar-senopadrãocorrentedohomempolido;iatestemunharaviabilidadedeincluir-seoBrasilnaculturadoOcidente,pormeiodasuperaçãodesuasparticularidades.Oindianismodosromânticos,aocontrário,denotatendênciadeparticularizarosgrandestemas,asgrandesatitudesdequesenutriaaliteraturaocidental,inserindo-asnarealidadelocal,tratando-ascomoprópriasdeumatradiçãobrasileira.Assim,oespíritocavaleiroéenxertadonobugre,aéticaeacortesiadogentilhomemsãotrazidasparainterpretaroseucomportamento”.(Idem.p.21).

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Se as matas estrujo Mil homens de pé,Co ´os sons do Boré, Eis surgem, respondemMil arcos se encurvam, Aos sons do Boré!Mil setas lá voam, - Quem é mais valenteMil gritos reboam, - Mais forte quem é?

O grão cacique das aldeias dos Índios do Ceará, que ofere-ceu-se ao presidente da província para marchar a testa das suas tribos no caso de guerra com a Grã-Bretanha, mostra como dará o sinal de combate.

Fig.18-22/03/1863-Semana Illustrada-Autordesconhecido-QuestãoChristie-MuseuHistóricoNa-cional

ReproduçãodaImagemdagravuradeDebretIn:Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil

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Pinturaeliteratura,comtemáticaindígena,fundem-se,nessalitografia.Esseéomomentodoromantismoindianista,noqualGonçalvesDiasfoiumdospoetasquemaissedestacaram,naartedepropagaraimagemdeumíndioideal,comorepresentantedanação.

Debret,comoobservouNaves,interpretouosíndiossobreaóticadeWinckelmann,que elogiava a existência saudável dos gregos, traduzida nas belas formas do corpo,passandoaserfigurasexemplares27.Oíndioguerreiro,pintadopeloartistafrancês,sugerequeo impérioque sequer construirnos trópicosdeve incorporaropassado indígena,imaginadosobaóticadecritérioséticosdoneoclassicismo(virtudeclássicaevaloresheróicos)glorioso,livredaaçãocorruptoradacivilização.Pararepresentaressaformaçãopolíticaseráinvocadaaimagemdo“bomselvagem”,pintadocomumaindumentáriadepapoamarelodetucanoedesenhogreco-romano.OsdiscípulosdeDebret,comobonsalunos,nãosecansaramdepintaressemotivo,quepassouaseraimagemdopaís.Afinal,ofilósofoRousseau,ensinavaque“aprimeiraregraquedevemosseguiréadocaráternacional: todosospovos têm,oudevemter,umcaráter,casonãoo tenham,devemoscomeçarpordotá-lodeum”28.

O papel dasAcademias, como observa Smith, é o de criar uma “comunidadepolítica[euma]culturapolítica[...]queterãoquesubstituirasdiversasculturasétnicasdeumapopulaçãoheterogênea”29.

EssediscursoretóriconoBrasildoromantismoconsagrou-seentre1850e1860,destacando-se como seus ilustres representantes, além de Gonçalves Dias, JoaquimManueldeMacedo,GonçalvesdeMagalhãesePorto-Alegre,discípulodeDebret.

NamontagemlitográficapublicadanaSemana Illustrada,houveumafusãodocódigovisualaoverbal.NalitografiaemquesedestacaumíndioguerreiroestampadaporFleiussnaSemana Illustrada,percebe-seoesforçodeseintroduziraautoridadedoautorromânticoindianistaGonçalvesDias.Isso,comoobservouJoséMurilo,éparteestratégicadodiscursoretórico,éumargumentodeautoridade30.Segundooreferidoautor,aretórica,pretendepersuadir,moveravontade,oqueexigeumagrandevariedadedeargumentosnão lógicos31.Na retórica,“oauditórioé importante,paraqueodiscursosejaeficazénecessárioqueooradorconheçaoseupúblicoparaescolherseusargumentos,osestilos,apronunciaçãoadequadaparamovê-lo32.

NaslitografiaspublicadasnaSemana Illustradaqueestamosanalisando,percebe-se uma forte carga de comunicação visual conjugada a um texto escrito.Trabalhar o

27NAVES,Rodrigo.A forma difícil:ensaio sobre a arte brasileira.2ªEd.SãoPaulo:EditoraÁtica,1997.p.105.28SMITH,AnthonyD.Identidade nacional.Lisboa:Gradiva,1997.p.92.Cf.:ARINOS,AfonsodeMelloFranco.O índio brasileiro e a Revolução Francesa:as origens brasileiras da teoria da bondade natural.3ªEd.RiodeJaneiro:Topbooks,2003.29Idem.p.100.30 Idem.p.143.31Idem.p.237.32 Idem.p.138.

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discursovisualeodiscursoverbalfoiumapráticadasrevistasilustradasdoséculoXIX.Esses discursos fazem parte de diferentes linguagens deste século, e “as linguagensproduzemtextosapartirdorepertórioedoscódigosdisponíveisemcadasociedade”33.

Percebe-se,ainda,quelitografiadoíndioguerreiroestampadanaSemana Illustrada nãotrazassinatura.HouveumaapropriaçãododesenhodeDebret,umautilizaçãodolivroViagemPitorescacomoumbancodeimagens,portanto,nãoimportavaoautor,esimaforçadaquelaimagemparaatrairoolhardopúblicoleitor.Pode-seobservartambém,nalitografiaasupressãodeelementosquecompunhamodesenhooriginaldeDebret,emqueaparecemoutrosíndios,eliminadosparadardestaqueàfiguraprincipaldoíndioguerreiro,convertidoemsímboloheróicodanação.Foi impressanaquela imagemumapotênciaque não havia sido imaginada pelo artista francês. Como observou Celeste Zenha, osucessoempresarialdasediçõespopularesilustradasdoséculoXIXfoiresponsávelpelosurgimentodenovosusosparaasimagensproduzidasporartistasecientistas34. Celeste Zenha,chamouatenção,tambémparaaquestãodaautoria,que“mostrava-secomplexa,eeventualmentepassouasercompartilhadaentreváriosprofissionais:odesenhista,ogravador,ocolorista,oeditoreacasadeimpressão.”35

O livro Viagem Pitorescautilizadocomoumbandodeimagens,emquedentreváriasestampasdeíndiospintadasporDebret,umafoiescolhidacomomodeloexemplarpararepresentaraquelemomentodelicadodetensãoentreoimpériodoBrasileaGrã-Bretanha.AimagemdoíndioguerreirodaaquareladeDebretfaziapartedeumrepertóriode visual compartilhadopor contemporâneos, assimcomo tambéma estrofe doversodeGonçalvesDias.Paraaquelasociedade,naquelemomento,amensagemdalitografiafaziaumsentido,oumelhor,produziaumsentido,passavaumamensagem,queeraodarepresentaçãodeumanação, forte,guerreira,dispostaaenfrentaramaiorpotênciadaépoca,aGrã-Bretanha.AvontadedeumImpériodoBrasilpotênciafoiexacerbadanesseepisódiodiplomático,emqueoImpériodoBrasilacabouporromperseurelacionamentocoma Inglaterravitoriana.Ocaso foi àarbitragem internacionale foidadoganhodecausaaoImpériodoBrasil.ComoassinalaAmadoCervo,noSegundoReinadoapolíticaexterna“adquiriuumcaráterautônomoeerareferidasemobstáculosànovaleituradointeressenacional”36.

33REZENDE,LíviaLazaro. Op. cit.p.143.34ZENHA,Celeste.Op. cit.35 Idem,ibidem.“a‘reprodutibilidadetécnica’daimagemaplicadaemgrandeescalanumaeconomiademercadoalteroudeformasubstantivaasrelaçõesentreautor,oartefato iconográfico,opúblicoeoseucomerciante”.36CERVO,AmadoLuiz.Op. cit. p. 146. “Constitui-se a política exterior do império instrumentoqueviabilizasse externamente as metas do interesse nacional?A resposta envolve dois condicionamentos:a percepção do interesse nacional e as condições objetivas do processo decisório.Ambas as variáveisevoluíramparalelamente.Até1831,oprocessodecisórioerafechadoealeituradointeressenacionalfeitasobaóticadaherançasocial,econômica,psicológicaepolíticaportuguesa,herançaessaaindavinculadaàaliançainglesa.Aépocadaregênciacorrespondeuaoperíododegestaçãodapolíticaexternabrasileira,queacompanhavaoritmodenacionalizaçãodoEstado.EsseprocessoseconsolidoudesdeoiníciodoSegundoReinado.Apartirdeentão,apolíticaexternatendeuàracionalidadeeàcontinuidade,adquiriuocaráterautônomoeerareferidasemobstáculosànovaleituradointeressenacional.Paratantocontribuíramas

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A avaliação e crítica constante da política externa eram feitas conjuntamente,comoassinalaCervo,

no Parlamento, Conselho de Estado, Gabinete e Chefia da nação, órgãos que a referiam às metas concretas. Estas poderiam ser determinadas no quadro do sistema internacional pela Revolução Industrial, para atender aos interesses macroeconômicos e políticos, como também se lhe opor. A autonomia do processo decisório significava a possibilidade de rupturas e confrontos ante a ordem, não sua necessidade.

AimpressãoparaosleitoresdaSemana Illustradaeradeumanaçãoguerreira,

agindocomopotência,resistenteealtivaàsprovocaçõesexternas.NaabordagemaofocalizarmosumepisódiodiplomáticoentreoBrasileaGrã-

Bretanhanaspáginasdeumperiódico ilustrado, foiporentendermosqueaíse travouumaintensaelaboraçãosimbólica,emquepodemosperceberumprocessodeconstruçãode uma nacionalidade em contraposição a uma outra. Nesse sentido, essa elaboraçãovalorizouanacionalidadebrasileira,comopodemosobservarmesmoquandoosinglesessão representados como poderosos e ameaçadores, se contrapõe à coragem, audácia,honraeengenhosidadedanaçãobrasileira,queselevantaferidaemseusbrios.

condiçõesobjetivasinternaseexternas.Asinstituições,depoisdeconsolidadas,funcionavamregularmente,permitindo a continuidade dos órgãos e dos homens que ocupavam os postos-chaves de comando.A racionalidade era produzida pela avaliação e crítica constantes da política externa conjuntamente noparlamento,conselhodeEstado,Gabineteechefiadanação[...]”.

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3° cAPÍTuloo brAsil e o PrATA no TrAÇo cômico dos ArTisTAs

do rio de JAneiro (1860-1870)

AGuerradoParaguai,comoobservouDoratioto,“foioconflitoexternodemaiorrepercussãoparaospaísesenvolvidos,querquantoàmobilizaçãoeperdadehomens,querquantoaosaspectospolíticosefinanceiros.OenfrentamentoentreaTrípliceAliançaeoParaguaitornou-severdadeirodivisornahistoriadassociedadesdessespaíses[...]”.Ainda,para Doratioto,foiresultadodoprocessodeconstruçãodosEstadosnacionaisnoRiodaPratae,aomesmotempo,marconassuasconsolidações1. FoiumperíododepresençabrasileiraefetivanoRiodaPrata.SegundoCervo,“coordenandoumaaçãodiplomática intensa, comasfinançaseocomércio, exerciaoEstadobrasileirosuahegemonia,obtendoganhossemfazeraguerra,àsombradesuaforça,cujoempregoestavareservadosomenteasoluçõesdeúltimainstância”2.Deacordocomomesmoautor,acrençanumasuperioridadeeratal,quenãoentravanocálculodosestadistasbrasileirosoperigodaguerraplatina3.

MiguelAngelCuarterolo,observouque:“JuntocomaGuerradaCriméia(1854-1856) e aGuerraCivil norte-americana (1861-1865), aGuerra daTrípliceAliança seinscreve entre os grandes episódios bélicos registrados pelos fotógrafos do séculoXIX”4.

Conforme José Murilo de Carvalho, a Guerra do Paraguai foi o fator maisimportantenaconstruçãodaidentidadebrasileiranoséculopassado5.PedroPauloSoares,que estudou a iconografia da Guerra do Paraguai na imprensa ilustrada fluminense,considerouqueasimagensproduzidasduranteoconflitocontraoParaguaiajudaramadifundirrepresentaçõessobreoBrasil,asquaispossibilitaramoaparecimentoeadefiniçãode um sentimento de pertencimento nacional6. Joaquim Marçal Ferreira deAndradeobservouqueamaioriadosperiódicosdeuespaçoàGuerradoParaguai,destacandoquecoubeaSemana Illustrada,doalemãoHenriqueFleiuss,“aliadoassumidodoimperadorD. Pedro II, a realização da primeira experiência, na imprensa carioca, de realizaçãodeumacobertura jornalísticacomeditoriais enotícias ilustradasqueerampublicadassistematicamente.Assim,oleitorpassavaacontarcomosubstancialapoiodasimagens

1DORATIOTO,Francisco.Maldita Guerra:a nova história da Guerra do Paraguai.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2002.p.23.2CERVO,Amado;BUENO,Clodoaldo.História da Política Exterior do Brasil.Brasília:EditoraUNB,2002.ColeçãoOBrasileoMundo.p.116-117.3 Idem,ibidem.4apudANDRADE,JoaquimMarçalFerreirade.História da fotorreportagem no Brasil: a fotografia na imprensa do Rio de janeiro de 1839 a 1900.RiodeJaneiro:Elselvier,2004.p.132.5CARVALHO,JoséMurilode;SOARES,PedroPaulo.“Brasileiros,uni-vos”.In: Folha de São Paulo, Caderno Mais. SãoPaulo,9novembro1997.p.5.6SOARES,PedroPaulo.A Guerra da Imagem: iconografia da Guerra do Paraguai na imprensa ilustrada fluminense. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, Programa de Pós-graduação em História Social, 2003, p. 4.(Dissertaçãodemestradonão-publicada).

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do‘teatrodaguerra’,emcomplementoàleituradosperiódicostextuais,paraconstruiroseuimagináriodoconflito”7.Asrevistasilustradas,alémdepublicaremchargessobreosacontecimentosbélicosnoRiodaPrata,tambémpublicaramlitografiasbaseadasemfotografiasedesenhos,quegeraramreportagenssobreaguerranoPrata.

seMana illustrada na Cobertura dos aConteCiMentos do rio da prata.

A Semana Illustrada (1860-1876), do alemão Henrique Fleiuss, foi “a maisduradoura e influente da primeira leva de revistas ilustradas brasileiras”8. E desde aQuestãoChristie(1863),Fleiusssemostrouumatorengajadonoesforçodeconstruçãodeuma identidadenacional.Durante aGuerradoParaguai, o artista alemão levouaoparoxismo esse engajamento, propondo-se cobertura completa dos acontecimentos,inclusiveformandoumaequipedefotógrafos.ComoobservouJoaquimMarçalFerreiradeAndrade,trata-sedeum“fatorelevante,notocanteàapropriaçãodafotografiapelaimprensadoRiodeJaneiro,poiséaprimeiravezqueumeditortomaainiciativadeclaradadeconstituirumcorpodefotógrafos,devidamenteinstruídos,conferindo-lhesamissãodecolherimagensespecíficasdeumeventopré-determinado,comointuitodepublicá-lasemumjornal”9. OempenhodeFleiussemcobrirosacontecimentosderepercurssãointernacionalemqueo Império seenvolveuduranteoperíododepublicaçãodaSemana Illustrada (1860-1876), pode ser dimensionado na revista, embora tenha também se dedicado aassuntosdepolíticainternaedecostumes. Em1864,oUruguaiestavaemmeioaumaguerracivil,entreospartidospolíticosBlancoeColorado.Osblancosestavamnopoderdesde1861,criavamdificuldadesaocomérciobrasileiro,exigindodireitosàpassagemdogadoempéquesedirecionavaàprovínciadoRioGrandedoSul.Cercade20%dapopulaçãodoUruguaieraconstituídadebrasileiros10.BrasileirosresidentesnoUruguaierio-grandensescomvínculoscomerciaisnaregiãoacabaramporseenvolvernoconflitoemquealgunsforammortos.Comisso,osbrasileirosdosulpressionavamogovernoimperialaumatomadadeposiçãoemrelaçãoaosacontecimentos.Ogovernoimperialresolveu,então,enviaremmissãodiplomática,o conselheiro José Antônio Saraiva, para tentar solucionar a questão. A estratégiabrasileiraquevinhasendoimplementadadesdeadécadaanterioremrelaçãoaoPrata,depoisdaderrubadadeRosas,era“mantercomoinstrumentodeconquistasaarmadadiplomacia”11. Fleiuss se empenhouna cobertura jornalística relativa àMissãoSaraiva e, aos

7ANDRADE,JoaquimMarçalFerreirade.Op. cit.p.132-133.8CARDOSO,Rafael.Uma introdução à história do design. SãoPaulo:EditoraEdgardBlücherLtda,2004.p.41.9ANDRADE,JoaquimMarçalFerreirade.Op. cit.p.138.10CERVO,AmadoLuiz;BUENO,Clodoaldo.Op. cit.p.118.11 Idem.p.121.

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acontecimentos posteriores que desencadearam a Guerra do Paraguai. Do materiallevantadoemnossapesquisa,selecionamosalgumascharges,quesãosignificativasparaadiscussãoemtela. Vejamosessesdiscursos. NaSemana Illustradade3/7/1864,Fleiuss,estampaumalitografia(fig.1),emque destaca, no primeiro plano, JoséAntônio Saraiva, trajando uniforme diplomáticodo Império doBrasil, apontandopara navio “Amazonas”, ao fundo,mostrandoque aMarinhaimperialestavanaretaguarda.Nosegundoplano,àesquerda,AurelianoTavaresBastos,secretáriodeSaraivaehomemdecasaca,sentadosembote,comabandeiradoImpériodoBrasil;aocentro,gaúchoargentino,trajandoponchoechapéudeabaslargas;à direita, grupo de gaúchos uruguaios, representados em trajes distintos dos gaúchosargentinos, lideradoporAguirre,presidentedaRepúblicaOriental, chefedosblancos,demãosnas cadeiras, ematitudedesafiadora.Essegrifonanacionalidade, atravésdeelementossimbólicosemateriaisqueasdistinguem,foiumaconstantenasilustraçõesdediversosperiódicos.Naconstruçãodasidentidadesnacionais,elementossimbólicose materiais permitem montagens todas diferentes a partir das mesmas categoriaselementares;pertencemdeagoraemdianteaodomíniomundial.ConformeThiesse,“aEuropaaexportounomesmotempoqueelaimpôsàsuasantigascolôniasseumododeorganizaçãopolítica.O recursoà lista identitária éomeiomaisbanal,porqueomaisimediatamentecompreensível,derepresentarumanação.”12. A legenda que acompanha a charge sintetiza os acontecimentos da missãodiplomática:

12THIESSE,Anne-Marie.THIESSE,Anne-Marie.Op. cit.p.14.

Linda Embajada!Venho Sr. Presidente da parte de um bom amigo dizer-lhe em tom reverente que é tempo de tomar juízo. Já não somos criançolas para jogar cabra cegas; deixe o laço, deixe as bolas. E homem sério talvez seja. De injúrias e de caçoadas trago já cheio o bandu-lho; ou dá-me a satisfação, ou faço aqui sarrabulho.Si usted viene D. Saraiva cabalero diplomata con intento de hacer algo no traga flores mas plata. Son mui lindos vuestros busques. És valiente el almirante y el chiquito secretário no deja de ser galante. Pero al fin, mi consejero nada de bromas – hablemos no mui recio – y la pendencia yo e usted arregalemos!Fig.1-3/07/1864

-Semana Illustrada -H.Fleiuss-QuestãodoPrata-MuseuHistóricoNacional

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Saraiva em sua missão especial serviu como mediador entre o governo deMontevidéueogeneralVenâncioFlores,chefedoscolorados,“assinoua18dejunhode1864,noacampamentodePuntaDelRosário,comoutrosmediadores–RufinoElizalde,ministro dasRelaçõesExteriores daArgentina, eEdwardThorton,ministroBritânicoemBuenosAires–ecomogeneralFlores,umprotocoloestabelecendoascondiçõesdepacificação.Assinaram-notambém,mas“ad-referendum”,osdelegadosdogovernodeMontevidéu,AndréLamaseFlorentinoCastellanos.Esseacordorompeu-sea2dejulho”13. Em 17/7/1864, Fleiuss estampa na Semana Illustrada, outra charge sobreas negociações diplomáticas de Saraiva noRio da Prata (fig. 2). No campo da obra,destacam-seochefedarevoluçãooriental,generalVenâncioFloresseconfraternizandocomrepresentantedogovernobrasileiro,JoséAntônioSaraivaeseusecretário,TavaresBastos,redigindoeportandocartazcominscrição:“RatificaçãodePaz”.Acompanhadadalegenda:“NemSempreLíriosdãoFlores”.AchargesugereodesenlacefavorávelnanegociaçãodepazemqueseenvolveuoenviadobrasileiroaoUruguai, JoséAntônioSaraiva. Percebe-se na composição o grifo na identidade de Flores com os atributosqueodistinguem,floresnochapéu, trajemilitar e chicotedegaúcho, símbolode suanacionalidade.Nomomentoemqueessacharge foipublicada, asnegociaçõesdepazestavamrompidaserecomeçavamashostilidades.Emcorrespondênciaenviada,em21dejulhode1864,Saraivarecebeuinstruçõesdogovernoimperialdeumaúltimatentativadereatamentodasnegociaçõesefoiestabelecidoprazobreve,paraogovernouruguaiodarassatisfaçõesexigidas.Foiumultimatum àRepúblicaOriental.

13 CAMPOS, RaulAdalberto de. Relações diplomáticas do Brasil de 1808 a 1912. Rio de Janeiro:TipografiadoJornaldoCommercio,1913.p.8.

Fig.2-17/07/1864-Semana Illustrada-H.Fleiuss-QuestãodoPrata-MuseuHistóricoNacional

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Foipublicada nonº193,de21deagostode1864,umacharge(fig.3)sobreoultimatum aogovernodoUruguai, em4de agostode1864.Nessa litografiafiguram,noprimeiroplano,àesquerda,opresidentedoUruguai,Aguirre,dopartidoBlanco,emtraje típico, comboleadeira de gaúcho a seus pés, de braços cruzados, observando, àdireita,oconselheiroJoséAntônioSaraiva,enviadoemmissãoespecial,depé,altivo,emtrajetípicoindígena,representandoanaçãobrasileira.Nosegundoplano,seusecretário,AurelianoCândidoTavaresBastos,trajandovestimentaindígena,representandoanaçãobrasileira.Aofundo,naviossugerindoaproteçãodaMarinhabrasileira,sobocomandodo vice-almirante barão deTamandaré.A legenda enfatiza essa proteção daMarinhabrasileiraàMissãoSaraivaeaorientaçãodestaconformeasinstruçõesdoministrodosNegóciosEstrangeiros,DiasVieira:“CenasdoRiodaPrata”.“ÓperaLíricaemtrêsatos”.“PalavradoSr.SaraivaemúsicadoSr.DiasVieira.MaestrodacapelaedoscorosoSr.BarãodeTamandaré”.

Aspectossignificativossobreesseassunto foramsintetizadosporFleiussnessacharge,apresentandosuaposiçãopolíticasobreoseventos.Fleiussjogacomoselementosconstitutivosdeambasasnacionalidades.Nodestaquedado,noprimeiroplano,aJoséAntônioSaraiva,depé,emtrajesindígenas,imprimiuaimagemdarepresentaçãodeumanaçãoaltiva,forteedispostaaguerrear.Enquanto,àesquerda,Aguirre,representanteda

Fig.3-21/08/1864-Semana Illustrada -H.Fleiuss-QuestãodoPrata-MuseuHistóricoNacio-nal

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RepúblicaOriental,emtrajesdegaúcho,estásentadodebraçoscruzados,decostasparaorepresentantebrasileiroeoobservaderabodeolho.Odiscursovisualenfatizaopensamentodaelitepolíticadaépoca,acrençanumasuperioridadedoEstadobrasileiroeadequeintegravamaAméricaLatina“apenasnaçõesturbulentas,caudillhescas,poucopropíciaàgarantiadasliberdadespúblicasehostisaoBrasilcomonaçãoecomomonarquia”.14OutroaspectoaseobservarnacomposiçãoconcebidapeloartistaalemãoFleiuss,dizrespeitoàpaisagem, à topografia local, destacando-se ao fundoumapalmeira, simbolizandoavegetaçãotropical.Ora,comoobservouZenhana“constituiçãodaspaisagensemsímbolosdenacionalidade,oestudo,das‘fisionomias’daspaisagens,desenvolvidoporHumbolt,mostrou-seconveniente.Deacordocomasidéiasdonaturalista,aclassificaçãodosseresvivosestariadiretamentevinculadaaoslugaresondevivem”.15

OartistaprussianoFleiuss,quandodesembarcounoRiodeJaneiro,traziaemsuabagagem,comoobservouLúciaGuimarães,“alémdocavalete,daspalhetasedospincéis,[...]oseuvademecum,olivroReiseinBrasilien(ViagempeloBrasil),escritoporJoãoBatistaSpix(1781-1823)eKarlFriederichPhillipevonMartius(1749-1868).”16MartiuseSpixeramhumboltianos.“Ohabitateraparaodesenhistadecostumeodiagramadeumaenciclopédiaqueassinalacadafiguraemumlugarespecífico[...].”17.Fleiussutilizanessacomposiçãoelementoscomovestimentas típicas, topográficosaliadosaespéciesda flora local, convertidos em símbolos de distinção nacional. Recurso esse que serálargamenteutilizadopordiferentescaricaturistasemsuascriaçõesnasrevistasilustradasqueanalisaremosaolongodessecapítulo.Nesseaspecto,nafigura1enafigura3,emqueSaraivaestárepresentadonaprimeiracomuniformeenaterceiracomindumentáriaindígena,podemosaventarahipótesedeque,emuma,elerepresentaoEstadoimperiale,naoutra,anaçãobrasileira.

Apósoultimatum,ogovernobrasileiroenvioutropasquepenetraramnoterritóriouruguaioeapoiaramVenâncioFlores,chefedopartidoColorado.ComFloresnopoderfoi enviadoemmissãoespecialoviscondedoRioBranco,que concluiu convêniodepazemfevereirode1865,“restabelecendoapazecompondoaprimeiraaliançacontraoParaguai”18.OsinteressesdoParaguaieramcontráriosaosinteressesdoBrasilnoPrata.SolanoLópez,quequeria,“criarseuespaçodiplomáticoepretendiafazer-seimperador”19,numprimeiromomentonoconflitoentreoBrasileoUruguai,tentousermediador,masviuseusesforçosfrustrados,sentindo-sedesprestigiado,enumsegundomomento,quando

14CARVALHO,JoséMurilode.A construção da ordem:a elite política imperial; Teatro de sombras: a política imperial.2ªed.RiodeJaneiro:EditoraUFRJ,Relume-Dumará,1996.p.335.15ZENHA,Celeste.“OBrasilnaproduçãodeimagensimpressasduranteoséculoXIX:apaisagemcomosímbolodanação.” Anais do Simpósio Internacional Nação e Edições,realizadonaUniversidadeFederaldeMinasGerais,2003.(mimeo).16GUIMARÃES,LúciaMariaPaschoal.Op cit.p.86-87.17LEMEN,Ségolène.LEMEN,Ségolène.Le Français peints par eux-mêmes:panoramasocialduXIXèmesiècle.CataloguerédigéetétabliparSégolèneLeMenchargederechercheauCNRS,muséed’Orsay.Paris:EditionsdelaRéuniondesmuséesnationaux,1993.p.30.18CERVO,AmadoLuiz;BUENO,Clodoaldo.Op. cit.p.122.19 Idem.p.123.

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do ultimatum,ameaçourevidarcasofosseexecutado.A esquadra brasileira iniciou as represálias contra o governo de Montevidéu,

em20deoutubrode1864,acordosecretodeSantaLúcia,entreoalmiranteTamandarée Venâncio Flores, sobre as reclamações que tratava o ultimatum. López emerge nocenáriodoPratacomointuitodemarcarpresençanaregião,desencadeandoaGuerradoParaguai.

ApósainvestidabélicaparaguaiaemMatoGrosso(dezembrode1864),FleiussestampounacapadaSemana Illustradanº211,25/12/1864(fig.4),umachargeépica,incitando a nação à guerra. Destaca-se no primeiro plano, Dr. Semana, fisionomiaséria, trajando uniforme de oficial do Império do Brasil, empunhando fuzil, e índio,representando a naçãobrasileira, agitandobandeira do Império sobre cães que fogemamedrontados.Nosegundoplano,oficialdoImpérioeoMolequedaSemanadeuniformemilitar,portandofuzil.Aofundo,corpomilitardoImpériodoBrasil,esboçadocomoumamassaesmagadora.

Fleiussmostraatravésdeseuspersonagens,Dr.SemanaeMoleque,oengajamentodarevistanacausabrasileiranosacontecimentosdoPrata.Essaimagemtambémreforçaopensamentodaelitepolíticadaépoca,acrençanumasuperioridadedoEstadobrasileiroemrelaçãoaosvizinhosdoPrata.

legenda:Cães com diferentes coleiras.Dr. Semana – Vamos-lhe acima com vento fresco.Moleque – Para que, nhonhô? Eles ladrão mais do que mordem.Dr. Semana – É mesmo para que não ladrem e não mordam que con-vém dar-lhes uma esfrega mestra. Avante, Brasil! Debandemos essa matilha de modo que percam a von-tade de incomodar-nos.

Fig.4-Semana Illustra-da-25/12/1864-H.Fleiuss-QuestãodoPrata-MuseuHistóricoNa-cional

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Fleiuss,nointuitodepropiciaraoleitorumacoberturajornalísticacompletadosacontecimentos do Prata, com editoriais e notícias ilustradas, utilizou conhecimentostécnicosquefaziampartedaeconomiavisualdaépoca,20comoafotografia,xilogravurae litografia.ComoobservouKaenel,“aspropriedadesestéticasaosdiversosprocessosaparecemcomooresultadodeescolhascontingentesaointeriordetécnicasedeefeitospossíveis”21.Apósa investidabélicaparaguaia, emMatoGrosso (dezembrode1864),Fleuiss fez uso da xilogravura, recurso técnico pouco empregado nas páginas dosperiódicosilustradosnoRiodeJaneiroecompôsumapágina,emqueodiscursovisualeodiscursoverbalincitavamàguerranoRiodaPrata.

Odesenho,nocantoesquerdodapágina(fig.5),atraioolhardoleitor.Fleiussdestacou, no primeiro plano, o doutorSemana, relator dos acontecimentos da revista,trajando uniforme militar, portando a bandeira do Império do Brasil e empunhandoespada,emmarcha,nadireçãoaPaissandu,aofundodacomposição.Éoengajamentoda Semana IllustradaacausabrasileiranoRiodaPrata.

Vejamosoconteúdodoeditorial:

Novidades da Semana.Continua a grande novidade da época absorver as novidades de todos os dias.Ninguém se importa que chova, que vente, que faça calor de matar passarinhos e de consumir mil catimploras de sorvetes por hora.O que todos almejam é notícias de Montevidéu e do Paraguai, o que todos anseiam é que esses dois países modelos, esses dois feudos de régulos burlescos, mas sanguinários e pérfidos, recebam das armas brasileiras a tremenda lição, o devido castigo, que ela há tempo lhes deviam ter aplicado.

20BANN,Stephen.Photographieetreproductiongravée:l’économievisuelleauXIXsiècle.BANN,Stephen.Photographieetreproductiongravée:l’économievisuelleauXIXsiècle.In:Études Photographiques,revuesemestrielle,nº9,maio2001.SociétéFrançaisedePhotografie.p.23.21KAENEL,Philippe.KAENEL,Philippe.Lê métier d’illustrateur (1830-1880):RodolpheTöpffer,J.-J.Grandville,GustaveDoré.Paris:Ed.Messene,1996.p.45.

Fig.5-Semana Illustrada -25/12/1864-H.Fleiuss-QuestãodoPrata-MuseuHistóricoNa-cional

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Infelizmente ainda não soou a hora, mas há de soar em breve para ambos esses governos de enche-mão em tudo quanto concerne a torpezas, a crueldades e de infâmias.O vapor Mersey veio apascentar a pública curiosidade e aumentar à série dos horrores praticados por Aguirre e López, novos horrores sem exemplo em povos da Guiné e do interior de Marrocos.Os cães de fila de Leandro Gómez, execrando personagem da tragédia de Quiteros, encontram extraviado a um pobre tambor do vapor Ivaí. Saltam de contentamento.Agarram o mísero incapaz de resistência, impossível de a empregar, porque seria um contra duzentos.Mutilá-lo, martirizá-lo brutalmente foi o nefando prazer dos ferozes predadores. Saboreando-lhe as convulsões, os estertores, a longa agonia como gastrônomos de paladar apaixonado de sangue e de cadáveres ainda quentes.Qualquer canibal, qualquer outro antropófago contentar-se-ia com a carne palpitante das vítimas.Os guerreiros de Leandro Gómez são antropófagos de mais abominável canibalismo.Depois de morto pelo martírio, degolaram o desgraçado prisioneiro, fincaram-lhe a cabeça coberta com o boné de imperial marinheiro em uma estaca, expondo esse artefato de demência sanguinária nos olhos dos brasileiros sitiadores de Paissandu!Horresco referens! Não há povo, por mais bárbaro, que seja, que cobice semelhante registro nas páginas de sua história!Entretanto, Aguirre, Carrera e Barra aplaudiram a atrocidade e a julgaram digna de figurar ao lado da queima dos tratados, brilhante auto de fé daqueles Torquemadas enfurecidos.O sangue do infeliz tambor, o de tantos brasileiros indefesos derramado no solo uruguaio pedem vingança estrepitosa e nobre, como a de que são capazes as nações civilizadas.O governo imperial está no seu posto de honra, todos os brasileiros o secundam; a vingança não há de tardar.[...].É também imensa novidade a insólita agressão do façanhoso López ao ilustrado governo de Buenos Aires.Invasão de território argentino e apresamento do vapor Salto sem prévia declaração de guerra são dois pequenos paus por

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dois grandes olhos!Aquele Sr. López é das Arábias. Come-lhe o corpo e quer por força que lhe o cocem.O Brasil está perfeitamente disposto a fazer-lhe vontade.Terá mesma condescendência o estimável Sr. Mitre, ou ainda a Nacion e El Pueblo apregoaram a política de não intervenção e de neutralidade armada?O Dr. Semana confia muito na dignidade do Sr. Mitre e nos brios do povo argentino, assegurando a um e a outro que o Brasil inteiro tem neles igual confiança.Una-se Buenos-Aires ao Império. Reivindique a sua honra ofendida tão brutalmente como foi insultada a dignidade brasileira.O tempo urge. Dar tréguas aos déspotas é abrir conivência com eles, dando-lhes vagar para maior comissão de malfeitorias.Nada de tréguas a López.Delenda Paraguai seja a divisa de Buenos-Aires, a quem do fundo do coração oferece-o Dr. Semana22.

Hánoeditorial,aspectosrelevantesquenãopodemosdeixardeanalisar,comoa vinculação ao “discurso da civilização” próprio daquele momento, proferido pelasnaçõesquedetinhamahegemoniadaépoca(Grã-BretanhaeFrança).NaspalavrasdeLíviaRezende, “à idéia de sociedade civilizada se opunha a noção de barbárie. EssedilemafoibemexemplificadonaHistóriabrasileirapelosesforçosempreendidoscontraoParaguai,consideradoumpovomenosavançado.AtravésdaGuerradoParaguaioBrasilnãosomenteprocuravaassegurarasuaidentidadecomonaçãocivilizada,comotambémreafirmavainternacionalmenteasuaposiçãoaoladodasnaçõescivilizadas”23.

Esseeditorialdarevistareafirmaessediscurso,corroborandoaopiniãodosautorescitados. JoséMurilodeCarvalho,aoanalisaremTeatro de SombrasasatasdoConselhodeEstadodoImpériodoBrasil,observouqueas“expressões‘mundocivilizado’,nações

22Até junho de 1864, quem escrevia os editoriais sob o pseudônimo de “Dr. Semana” eraMachadodeAssis,quepassouapartirde julhoapublicarcrônicasnoDiário do Rio de Janeiro.Mas,Machado,nãodeixoudemanterdiálogocomoperiódicoilustrado,ressaltandoa Semana Illustrada,comoumdosprimeirosjornaisamanifestaroentusiasmogeraldeseengajarnadesafrontadapátria.(cf.:ASSIS,Machado.“Crônicas”.Diário do Rio de Janeiro,7defevereirode1865.In:Obras Completas de Machado de Assis.Volume23.SãoPaulo:GráficaEditoraBrasileira,Ltda.,1957.p.296).23REZENDE,LíviaLazzaro.Do projeto gráfico e ideológico:a impressão da nacionalidade em rótulos oitocentistas brasileiros.RiodeJaneiro:PUC-Rio.CentrodeTecnologiaedeCiênciasHumanas,2003.p.86.SobreoassuntovertambémCARDOSO[DENIS],Rafael.“Ressuscitandoumvelhocavalodebatalha:novasdimensõesdapinturahistóricanoSegundoReinado.”In:Concinnitas,v.2,jan/jun,1999.p.201-202.

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civilizadas’, ‘civilização’ ou mesmo a mais antiquada ‘luzes’, são freqüentementeempregadas”,revelandoumaposiçãoeurocêntrica,depertencimentoàcivilizaçãocristãeuropéiae“dequetodooesforçodeveriaserfeitonosentidodeconformá-loaospadrõesdestacivilização”24. Areferência“aoilustradogovernodeBuenos-Aires”,demonstraasimpatiapelogovernodopresidenteMitre,queem1861,liderandoosunitáriossufocouosfederalistas,iniciandoaunificaçãoArgentina,oquesignificouotriunfodoliberalismobuenairense,que afinava-se a ideologia do governo brasileiro, como observou Amado Cervo25. Nesse sentido, aRepúblicaArgentina,presididaporMitre, integravao roldasnaçõesconsideradascivilizadasepassavaaserpercebidacomoumaaliadanatural,nocombateabarbárie. Esse discurso da “civilização” versos “barbárie” e de engajamento em defesada honra nacional também pode ser percebido em publicações anteriores.Vejamos aSemana Illustrada,de25/12/1864,matéria intitulada“AopatriotismoededicaçãodosBrasileiros”:

Brasileiros! Ao Paraguai!.... corramos sobre este povo que teve a audácia de insultar-nos![...]Mostre o Brasil às nações civilizadas do velho e novo Mundo que nossas armas a luzirem na República do Paraguai significado – ‘punir o ultraje e o roubo que López acaba de decretar, e, vencida a tirania, acender o facho da civilização nesse desgraçado país, que há tantos anos jaz mergulhado nas trevas da mais profunda ignorância e do vício!’Desfraldemos o pendão Auriverde sobre as soleas [sic] de Assunção, e teremos feito mais um serviço à civilização e ao progresso do século XIX!Eis, aos Brasileiros, avante! O primeiro Cidadão do Império, que vela sempre por manter ilesa a supremacia que cabe ao Brasil nos destinos do Sul da América, está conosco; o Governo do Estado arde no mais puro amor da pátria; todos os partidos políticos se coligam nesta hora, porquanto não há divergência de idéias, quando se trata de repelir afronta comum; as nações que assistem a descomunal arrojo paraguaio nos aplaudem. Com esses elementos, a Terra de Santa Cruz, cuja longevidade é proverbial, dará exemplo ao mundo de que, respeitadora dos direitos que competem às Nações livres, não tolera que nenhuma

24CARVALHO,JoséMurilode.A construção da ordem:aelitepolíticaimperial;Teatro de sombras:apolíticaimperial.Op. cit.p.334.25CERVO,AmadoLuiz;BUENO,Clodoaldo.Op. cit.p.120.

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atente contra seus foros.Deus e a justiça são por nós, nossos esforços serão coroados.

Podemospercebernestediscursoqueaguerraprestavaumserviçoemproldoprogresso e da civilização. O discurso ideológico, que “tem por binômio progresso/civilização26” forjado nas Exposições Universais, “dizia que a concorrência pacíficae produtiva, empreendida emnível industrial e comercial, seria o índice da paz entreos povos, e que o progresso caberia a todos e por todos deveria ser desfrutado”27. A InglaterraeFrança,senhorasdessesespetáculosemproldoprogressoedacivilização,teriamatingidoaera“maisavançada”e“civilizada”,secontrapostaà“barbárie”e“aoacanhamentotécnico”deoutraseras.Asdemaisnações,casopretendessemalcançarostatuspróximoaodasgrandespotências,deveriamaceleraroprocessocivilizatórioparanãoperderobondedahistória. SeránoBrasil,segundoBorisFausto,que“esseargumentocivilizadorganharámais força,dando lugara textosdeumescritorda importânciadeMachadodeAssis,que enfatizou, com uma abordagem nacionalista, o vínculo entre guerra, progresso emodernidade”28. Em2deabrilde1865,n.225daSemana Illustrada,Fleiussmostra(fig.6),emprimeiro plano, Solano López, presidente do Paraguai, representado como um porcoespinho,cravejadodebaionetas,sobrepedestal,cominscrições,“Humaitá”,emreferênciaàfortalezaqueganhounotoriedadepelabatalha,e“López”,simbolizandoasbasesemqueseapoiavaoditadorSolanoLópez,enfatizandoopoderiomilitardoParaguai.Nosegundoplano,índio,representandoanaçãobrasileira,desdenhandodopoderiobélicodeLópez,apontandoparanavioavapor,aofundo,cominscrição:“Brasil”,insinuandoasuperioridadedaMarinhaimperialbrasileiranoconflito.AnaçãoestavasobaproteçãodaMarinhaimperial.Alegenda,irônica,reforça,porumlado,odesdémdanaçãobrasileiraparacomopoderiobélicodeLópeze,poroutrolado,mostraoseuobjetivodederrotaroditadorparaguaioetambémacrençanoseurápidoaniquilamento.

26NEVES,MargaridadeSouza.“ArenasPacíficas”.In:Gávea,nº5.RiodeJaneiro:PUC-Rio/DepartamentodeArtes,1988.p.30.27REZENDE,LíviaLazzaro.Op. cit.p.86.28FAUSTO,Boris;DEVOTO,Fernando.Brasil e Argentina:umensaiodehistóriacomparada.SãoPaulo:Ed.34,2004.p.117.

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NaocasiãooParaguai,haviasearmado,compretensõesdeserumapotência.EnoTratadodaTrípliceAliançaficouexplicitoaeliminaçãodeLópez.

Fleiuss, nessa charge, demonstra também o impacto da obra do ilustradorGrandvillesobresuascriações.Azoologiaocupavaumlugar importantenasobrasdeGrandville,autordasMetamorfoses do dia,ilustradordasFábulas de La Fontaine e de Lavalette e de As Cenas da vida privada e pública dos animais. Analogiaentrehomenseanimaiseramtradicionaisnarepresentaçãocaricaturaldaépoca,comopodemosobservaremilustraçõesdeoutrasrevistas,masessaéparticularmenteinteressanteporsupormosque se tratadeumaapropriaçãodeFleiussdeuma imagemdeGrandville eda cargasimbólicaqueelacarrega. Emumadasestampasdaobra,As cenas da vida privada e pública dos animais,Grandvilleseauto-representouemporcoespinho(fig.7),espetadodepenasdeescrever.

Brasil - Que importa que seja um arsenal vivo? Precursor da tua queda. Basta, enfim de vexar os teus povos, incomodar os teus vizinhos e envergonhar a humanidade!López (aparte, com dor na barriga) – adeus coroa do Paraguai!

Fig.6-Semana Illustrada-02/04/1865-H.Fleiuss-GuerradoParaguai-MuseuHistóricoNacional

Fig.7-KAENEL,Philippe;-LeMéTierd’Illustrateur-1830-1880-RodolpheTöoffer;-J.-J.Grandville;-GustaveDoré.-Ed.Messene,1996.-412p

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ComoobservouKaenel,“uma imagemqueporum ladoéemblemáticadesuaatitudeprofissionaldeilustradorequeporoutroladoestáidentificadacomascriaçõesmonstruosas [...] que povoam sua obra [...]”29. Trata-se apenas de uma suposição aapropriação,mas a carga simbólica da criaçãodeFleiuss é amesmada ilustraçãodeGranville.“Grandvilleseesforçadegarantiraosseusdesenhosummáximodeautonomia,contestandoa função ilustrativade Ilustração [...]”30. Esse impactodas ilustraçõesdeGrandvilleedacargasimbólicadesuasimagens,tambémpodeserpercebido,emoutrodesenhodeFleiuss,quecontrapõedois animais– umcervo (fig.8), representandooBrasileumcão,oParaguai–própriodoprocessodeanimalizaçãocaroàfábula,ficçãofeita para colocar em evidência uma moral.A legenda reforça a imagem: “Questão Paraguayense.- Joguei um jogo muito arriscado... perdi! López II (Wallenstein)”.31

Nesse sentido as observações do historiador da arte, Giulio CarloArgan, sãorelevantesparaessaanálise.Segundoele,aconcepçãoromânticaé“aquelasegundoaqualaartenãonascedanatureza,masdaprópriaarte,enãosomenteimplicaumpensamentodaarte,maséumpensarporimagensnãomenoslegítimoqueopensamentoporpurosconceitos”32.

A série de imagens sobre López criadas por Fleiuss é sempre caricatural,anedótica,reforçandoaimagemdeummonstrodespóticoebárbaro(fig.9)oudeavederapinaouabutre(fig.10-11),espoliadoroudevoradordapopulaçãoparaguaia,pivôdosacontecimentosbélicosdoPrata.AimagemdeLópeztambéméassociadaaumafiguradiabólica, tirânica, destruidora, passando por cima das nações que se destacavam nocenárioEuropeu(FrançaeInglaterra)eamericano(AméricadoNorte),como“OTiranodoParaguai”(fig.12).Lópeztambémérepresentadocomoumpersonagemenfraquecido,desesperadoanteosataquesdaTrípliceAliança(fig.13).

29KAENEL,Philippe.KAENEL,Philippe.Op. cit.p.230.30 Idem.p.232.31Wallenstein,generalHabsburgo,comandantedosexércitosdoSacro-ImpérioRomanonaGuerradosTrintaAnos.Tinhafamadecruel,dominavapeloterror.(cf.O GLOBO,“ProsaeVerso”,“Obom,omaueoherói”,21/4/2007).32ARGAN,GiulioCarlo.ARGAN,GiulioCarlo. Arte Moderna.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1998.p.12.

Fig.8-Semana Illustrada-22/10/1865-H.Fleiuss-GuerradoParaguai-MuseuHistóricoNacio-nal

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Fig.9-Semana Illustrada-12/04/1868-H.Fleiuss-GuerradoParaguai-MuseuHistóricoNacional

Fig.10-Semana Illustrada-12/04/1868-H.Fleiuss-GuerradoParaguai-MuseuHistóricoNacional

Fig.11-Semana Illustrada-12/04/1868-H.Fleiuss-GuerradoParaguai-MuseuHistóricoNacional

Fig.12-Semana Illustrada-12/04/1868-H.Fleiuss-GuerradoParaguai-MuseuHistóricoNacional

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Alémdessescontrastesprópriosdacaricatura,Fleiuss,em29/10/1865,querendosublinharopapelridículodochefeparaguaio,contrapôsaartedoretratopararepresentarospersonagensquecompunhamaTrípliceAliançaeaartedacaricaturapararepresentarLópez (fig.14).Emdestaque,aocentrodacomposiçãoa representaçãocaricaturaldeLópez, como um boneco de engonço, sendo manipulado pelo almirante Tamandaré(Brasil),napartesuperior,e,pelosgeneraisMitre(Argentina),Osório(Brasil)eFlores(Uruguai),naparteinferior.

Fig.13-Semana Illustrada -12/04/1868-H.Fleiuss-GuerradoParaguai-FundaçãoBibliotecaNacional

Fig.14-Semana Illustrada-29/10/1865-H.Fleiuss

-GuerradoParaguai-FundaçãoBibliotecaNacional

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Orecurso(daartedoretratoedacaricatura)foiutilizadoporFleiussemoutrascomposições,emqueospersonagensbrasileirosouosintegrantesdaTrípliceAliança,envolvidosnosacontecimentosdoRiodaPrata,eramsempre,representadosdemaneirarespeitosa,porFleiuss,asfisionomias,sãoretratosdesenhados.Exemplo:“Ojuramentodostrêssuíços”(fig.15),alegoria(Mitre,d.PedroIIeFlores),nº262,de17/12/1865.

Ao fim daGuerra do Paraguai, em 1870, Fleiuss cria uma litografia (fig. 16),mostrando a imagemdo índio, representado a naçãobrasileira, sendo cumprimentadopordiferentesnaçõeseuropéias,mostrando,cadaumadelas,comtrajestípicosdesuasrespectivasnacionalidades,epeloPeru,caracterizadoporavedomesmonome,carregandolourosdavitória.

Fig.15-Semana Illustrada-17/12/1865-H.Fleiuss

-GuerradoParaguai-FundaçãoBibliotecaNacional

Fig.14- Semana Illustrada-24/04/1870-H.Fleiuss

-GuerradoParaguai-FundaçãoBibliotecaNacional

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AlitografiacriadaporFleiusspedagogicamente,mostraaimagemdeumanaçãofortalecida,reconhecidainternacionalmentecomofimdaguerraemarcaoposicionamentodoilustradoreseuperiódico.

EssecaráterpedagógicodeFleiusséassinaladoporJoaquimMarçalFerreiradeAndrade,nautilizaçãodafotografiaparacoberturaàGuerra.“Éindiscutívelocarátervisionário, pioneiro em termos nacionais, deHenrique Fleiuss quanto a este aspecto.Mediantea leituradaqueleperiódico, inúmerosbrasileirosforamaprendendoaatentarpara o fato de uma imagem reproduzida em suas páginas ser amaterialização visualdeumanarrativaoriginalmenteverbal,esboçada,desenhadaou fotografada.Ali,estesdetalheseramfreqüentementeressaltadosnoscréditosdasimagens”33.EcomoobservouSégolèneLeMen,“Estapedagogiapelaimagem,quefavoreceaauto-aprendizagemdoolhar junto ao leitor neófito emmatéria de edição ilustrada, é umdos jogos própriosà imagem da edição romântica, namedida em que esta pretende instaurar uma novalinguagemvisual”34,visandoalcançarumpúblicomaior.

o bazar volante, o arleQuiM e a vida fluMinense na Cobertura dos aConteCiMentos do rio da prata

Estes trêsperiódicos forampublicadosduranteaGuerradoParaguai.O Bazar Volante (1863-1867)quesetransformouemO Arlequim(maioadezembrode1867)efoicontinuadoemA Vida Fluminense(1868-1875).

O Bazar Volante, fundadopeloholandêsEduardoRensburg, não sepropôsarealizarumacoberturadaGuerradoParaguainosmoldesdaSemana,massuaspáginasmostramavisãodoperiódicoeaimagemqueestavasendoconstruídasobreosacontecimentosnoPrata.OsseuseditoriaisenfocamumaposturadeoposiçãoemrelaçãoaoGabinete(de31deagostode1864)FranciscoJoséFurtadonaconduçãodosacontecimentosdoRiodaPrata,comopodemosobservar,em5defevereirode1865.Apesardeopositordogoverno,percebemosoengajamentodoperiódicoemdefesadahonranacional(Bazar Volantenº26,19/3/1865)eavisãodequeoBrasilocupavaolugar“deprimeiranaçãodaAméricadoSul”.Retratosdeoficiaisenvolvidosnoteatrodeguerraforamobjetodeváriascapasdesseperiódico,deautoriadeJosephMill35,umdosprincipaisilustradoresdesuaspáginas,deorigemfrancesa,masdeformaçãoartísticabrasileira.Mill foiumcríticomordazdaconduçãodapolíticadogovernoemrelaçãoaosacontecimentosdoRiodaPrataetambémporextensãodaSemana Illustrada.EssaoposiçãodoBazar àSemana IllustradafoicontinuadaemA Vida Fluminense,quelogonoprimeirotrimestredesua

33ANDRADE,JoaquimMarçalFerreirade. Op. cit.p.151.34LEMEN,Ségolène.LEMEN,Ségolène.MEN,Ségolène.Op. cit.p.4.35JosephMillfoiilustradornoRiodeJaneiro,segundoHermanLima,“dealgumasdasmaiorespublicaçõeshumorísticasdeseutempo,talcomo,alémdoBazar Volante,poreleilustradonasuaquasetotalidadede1863-1867,Ba-ta-clan(1867-1868),O Mequetrefe(1875)eoFigaro(1876)”.(LIMA,Herman.História da caricatura no Brasil. vol. 2. RiodeJaneiro:LivrariaJoséOlympioEditora,1963.p.761).

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existênciadeixouclaroemeditorialde28demarçode1868. TrabalharamtambémemO Bazar VolanteosilustradorescomoHenriqueAranha,FlumenJunius,AlfredSeelingerePinheiroGuimarães.MasnenhumdelessededicouaosassuntosderelaçõesinternacionaiscomoMillnaspáginasdoperiódico.

OsacontecimentosdoRiodaPratasãoinauguradosnaspáginasdoperiódicocomumdesenhodeJ.Mill,criticandoaposturadogovernoemrelaçãoaosacontecimentosnoSul,emabrilde1864(fig.17).Emdestaquenacomposição,aocentro,homem,cabisbaixo,comasmãosamarradas,sendochicoteado,representandoumsúditodogovernoimperial.Podemosobservar na ilustração a utilizaçãode elementos simbólicos constitutivos denacionalidades,comotrajetípicoebandeiradaRepúblicaOriental(Uruguai).AssimcomojáobservamosaoanalisarmosasilustraçõesdeFleiuss.Essedesenhosobrealegendafoiidealizadoapartirdanotíciadeumjornalsulino,ExpectadordoSulnº38,quenarravaasatrocidadesqueestavamsendofeitasaosbrasileirosresidentesnoUruguaiduranteaguerracivil.AnotíciadojornalsulinorepercutiunaCorteeogovernoimperial,resolveuenviaraoUruguaiemmissãoespecialJoséAntônioSaraiva.

Em 17/7/1864, Mill criou uma página, com dois quadros (fig. 18), sobre asnegociaçõesdaMissãoSaraiva.Napartesuperior,Saraiva,destaca-senacomposição,aocentro,ladeadoporElizalde,ministrodasRelaçõesExterioresdogovernoargentinoeThornton,ministrodogovernoinglêsemBuenosAires.Otrajetípico,comoelementosimbólico das nacionalidades do Prata está sublinhado. No segundo plano, secretárioTavaresBastos,portandotabuletacominscrição:“instrução”.AlegendaqueacompanhaodesenhoédepreciativaemrelaçãoàshabilidadesdeSaraivanaconduçãodasnegociaçõesdiplomáticas.Saraivaserviudemediador,juntamentecomElizaldeeThornton,entreogovernodeMontevidéueogeneralVenâncioFlores,líderdoscolorados,masodesenlacedasnegociaçõesfoinegativa.

Naparteinferior,naviodaMarinhadoimpériodoBrasil,acompanhadodalegenda:“FidelidadedaMarinha”.AMissãoSaraivacontoucomaproteçãodaMarinhaimperial,

Fig.17-Bazar Volante -10/04/1864-J.Mill-GuerradoParaguai-FundaçãoBibliotecaNacional

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comojáobservamos.Os desenhos de Mill sobre os acontecimentos da Missão Saraiva não são

impactantes,masaslegendasqueosacompanhamtecemcríticasmordazesaogovernoeamissão.

Millcontinuandosuacríticaemrelaçãoàpolíticadogovernoemoutubrode1864,criaumachargecomotítulo:“Ojogodacabra-cega”(fig.19),emqueafiguradoíndio,representandoanaçãobrasileira,estádeolhosvendados,cominscrição“liga”,rodeadopor políticos, dentre os quais, à esquerda, Zacarias deGóes e Furtado, presidente doConselhodeMinistros,queoencaminhamemdireçãoapedras,cominscrição:“Missãoespecial”e“GuerradoRiodaPrata”epedaçodepau,cominscrição:“CriseComercial”.Alusivaàmáconduçãodapolíticaporpartedogoverno.HavianaocasiãoomovimentopolíticodaLigaouPartidoProgressista,unindoliberaiseconservadoresprogressistas.

Fig.18-Bazar Volante-10/06/1864-J.Mill-GuerradoParaguai-Funda-çãoBibliotecaNacional

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Mill,assimcomoFleiussetantosoutrosartistasdessemomento,tambémutilizounessailustraçãoapaisagemtropicalcomosímbolodedistinçãonacional.

Percebe-se queMill, até aqui, tambémvalorizava o retrato desenhado de seuspersonagens não fazendo distorções fisionômicas, salvo, como podemos observar, nafiguradeAlmeidaRosa,nocantoinferiordireito,deperfil,cabeçaavantajada,puxadaparatrás.

ArevistaerasimpáticaaoviscondedoRioBranco,comopodemosobservaremchargeseeditoriais,quandodaescolhadeseunomecomoenviadodogovernoemmissãoespecialaoRiodaPrataedaindignaçãoestampadasemsuaspáginas,em19/3/1865,porocasiãodademissãododiplomata.

FranciscoOtavianodeAlmeidaRosafoiosubstitutodeRioBranconoRiodaPrata.Mill,estampouumacharge,2/4/1865,ácida,alusivaàsnegociaçõesdodiplomatanoPrataqueredundaramnaTrípliceAliança(fig.20).Destaca-se,noprimeiroplano,Otaviano,fantasiadodebaiana,mexendopaneladeangu.Alegendaqueacompanhareforçaaimagem:“AtiaRosapreparandoatodapressaumanguquelheencomendaram”.

Nessa imagem os estudos que o artista vinha fazendo de fisionomia com opersonagem tomamocampodaobra,Otavianoe seuofício sãodestacados com todaforçacaricata.Convémlembrar,queocargodeministrodosNegóciosEstrangeiroseraomaisimportantenessemomentodosacontecimentosnoPrata.

DiferentedeFleiuss,queduranteaGuerradoParaguai,usoudapenadecaricaturistaparaespetarafiguradeLópez,MillutilizouasdistorçõesdacaricaturapararidicularizarpersonagensdapolíticaimperialaosquaiseleseopunhanaconduçãodapolíticadoRioda Prata.

Fig.19-Bazar Volante-11/9/1864-J.Mill-GuerradoParaguai-FundaçãoBibliotecaNacional

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Em 16/4/1865,O Bazar Volante publica um editorial jocoso na sua linha deoposição.

A todos os seus assinantes em geral o Bazar deseja as boas festas.Aos políticos desta gloriosa situação nascente bom senso e moderação.[...]Aos voluntários da pátria que o governo não se esqueça das barracas.Ao Dr. Charlata [Dr. Semana] mais bom senso, e menos espírito emprestado.A lord Rosa [Francisco Otaviano] que tempere o angu com mate para agradar ao sul.

Nomesmodiapasãocrítico,em23/7/1865,oBazar Volanteestampounacapa,chargesemassinatura(fig.21).Destaca-se,àesquerda,FranciscoOtavianodeAlmeidaRosa, ministro dos Negócios Estrangeiros, fantasiado de cozinheiro, segurando rolodepastel,cominscrição:“Plenopoder”,amassandomassa,cominscrições:“Farinha”,“Manteiga”, “Ovos”, “TrípliceAliança”, sobre mesa com símbolo da Casa imperialbrasileira, dragão; à direita,marquêsdeOlinda, presidentedoConselhodeministros,trajandocasaca,guardanapoebandeja,comomaître derestaurante,observandoOtavianonopreparodoquitute.

Fig.20-Bazar Volante -02/04/1865-J.Mill-GuerradoParaguai-FundaçãoBibliotecaNacional

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Aomesmo tempo, emquecriticava-sea atuaçãodogovernonaconduçãodosacontecimentosdiplomáticosnoRiodaPrata,observa-se,queemtodososnúmerosdoBazar Volante,forampublicadosdesenhosdoteatrodeguerraeretratosdeoficiaisquesedestacaramporbravura emPaissandu.Ou seja,O Bazar participou, assimcomoaSemana,daconstruçãodeheróisnacionaisedemonumentos/batalhas,quepassaramacomporalistasimbólicadeconstituiçãodeumanacionalidade.

Oeditorialde6demaiode1866,publicadopeloBazaréexemplardocomentárioacima:

Finalmente já pisa o Exército brasileiro as terras do Paraguai, e a nossa esquadra lá vai a caminho de Humaitá dar uma lição tremenda ao tirano, que ousou afrontar os brios de uma nação civilizada e poderosa! A causa santa que pleiteamos há de triunfar, tenhamos fé em Deus; e o pavilhão nacional, coberto de glória, tremulará sobre os muros dessa Assunção, onde a barbaria estabeleceu a sua sede.A passagem do Passo da Pátria é o mais importante triunfo do Brasil na campanha atual! A posição favorável em que se achava o inimigo, defendido por uma linha de bocas de fogo, que o tornava quase que inacessível, e a perda dos mais valentes oficiais da nossa Marinha, os quais a pátria deplora com lágrimas que jamais se estancarão, eram como que razões de desânimo que deviam atuar no espírito da nossa gente; mas o patriotismo

Fig.21-Bazar Volante -23/07/1864-J.Mill-GuerradoParaguai-FundaçãoBibliotecaNacional

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falou alto, e o Brasil chegou, coberto de glória, aos domínios do Paraguai.Honra a esses bravos! Que as bênções da pátria chovam sobre eles.Àqueles que morreram abraçados com o santo pavilhão auri-verde, o reconhecimento eterno de seus compatriotas!

OtomdotextoéomesmodaSemana,emdefesadahonranacional.Percebe-se,ainda,o“discursodacivilização”eaimagemdeumanaçãosuperior.

PassodaPátriaficavaacercade20kmdafortalezadeHumaitá.Percebe-sequeatéessemomentoaguerradespertavaentusiasmo,parecendoqueseufimestavapróximo.Mas,essasexpectativasforamfrustradasquandooconflitosetornouumalutadeposições,comosublinhouDoratioto36,eaderrotaemCurupaiti(setembro1866)significouumdurogolpenasforçasaliadas.Comnúmerosignificativodeperdashumanas37.Ecomeçaramaparecervozesdissonantesquecriticavamaduraçãodoconflito38.

O Bazar Volante se transformouemO Arlequim,em1867,periódicodepoucaduração.OseuilustradorpassouaserV.Mola,39quehaviasidoocaricaturistadoperiódicoLa Bruja,publicadoemBuenosAires(1861-1862)40.Selecionamosumdeseusdesenhos,pelointeressequedespertaparaadiscussãoemtela.Achargefoipublicadanaspáginascentraisdonº25, em20/10/1867 (fig.22), e sintetizaos acontecimentosno teatrodaguerra,mostrandoLópezrepresentadocomoumcavalocercadopelastropasdaTrípliceAliança.Emdestaque,noprimeiroplano,àdireita,MitresegurandoorabodocavalodeCaxias,41emposiçãoparaenlaçaroanimal.Alegendaqueacompanhadáotomàcena,enfatizandoumadisputapelaliderançaetambémafaltadeconfiançanalealdadedessealiado:

36DORATIOTO,Francisco. Op. cit.p.264.37 Idem.p.244.“EmCurupaiti tombaramexpoentes,argentinosebrasileiros,decujaperdaoexércitoaliado se ressentiria;pereceram jovensdaeliteportenha, comoentreoutros,DomingoFidelSarmiento– Dominguito–,filhodofuturopresidenteDomingoFaustinoSarmiento,eFranciscoPaz,filhodovice-presidenteMarcosPaz.AdramaticidadedocombateéexemplificadanorelatodeJoséIgnácioGarmendiaquenofinaldaação,aoverensangüentado,MartinViñales,do1ºBatalhãodeSantaFé,perguntou-lheseestavaferidoearespostafoi:‘Nãoénada,apenasumbraçoamenos;apátriamerecemais’”.38Idem.p.264.“Aguerraera,segundoosenadorPompeu,consumidoraderecursosecausadoradeumapossívelruínadopaís.OpiniãocomaqualconcordavaobarãodeCotegipe,paraquema“malditaguerraatrasa-nosmeioséculo!’”.39V.Mola colaborou, também, como ilustrador, emA Vida Fluminense. SegundoHermanLima, “foioutrocaricaturistadopassadoque,domesmomodo,nãoconseguiudeixarsuaidentidadeperfeitamenteesclarecida.Trabalhandoem’O Arlequim,de1867,ondeAngeloAgostinisurgiunoRio,àsuavindadeS.Paulo,V.Moladesenhavadepreferênciaabicodepena”.(LIMA,Herman.Op. cit.vol.3.p.949).40VÁSQUEZLUCIO,OscarE.Historia del humor gráfico y escrito en la Argentina.1ªEd.BuenosAires:EUDEBA,1985.p.89.41Apartirde10/10/1866,omarquêsdeCaxiaspassouaserocomandante-em-chefedoExércitobrasileironoParaguai.

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Acharge alude às divergências de ponto de vista entreCaxias eMitre, quanto àsmanobrasdas tropasaliadasparaseefetuaro isolamentodeHumaitá.Mitre,em1deagosto de 1867, reassumiu o comando aliado. Pouco antes, Caxias havia realizadoimportantesmanobrasnoteatrodaguerra.Eminíciodeagostode1867,astropasaliadasperceberamquehaviamefetuadoocercoaoinimigo,eMitre,diantedessefato,planejouoisolamentodeHumaitá,comoauxíliodacavalariaaliada,sobocomandodogeneraluruguaioEnriquedeCastro.Aautoriadamanobra,queisolouafortalezadeHumaitá,écreditada,comoobservouDoratioto,oraaCaxias,oraaMitre.Ambosreivindicaramapaternidadedaidéia42.

Nas palavras de Doratioto, “desde o começo da guerra foramal aceito no Brasilo comando de Mitre. Os documentos oficiais brasileiros, comentou o representanteportuguêsnoRiodeJaneiro,exaltavamaaliançacomaArgentina,mas ‘em todososgrupospolíticos’sempresepercebeuafaltadeconfiançanalealdadedessealiado.Emfinsde1867,porém,‘ovéurasgou-se’,com‘aimprensaetodos’pedindoofimdaaliança,porserelacontráriaàpolítica,aosinteresseseàstradiçõesdoBrasiledaArgentina”.43

O ArlequimcontinuounamesmalinhadeatuaçãoemrelaçãoaosacontecimentosdoRiodaPrataeseuseditoriais,mostramoengajamentoemdefesadahonranacionaledo

42DORATIOTO,Francisco.DORATIOTO,Francisco.Op. cit.p.298.43Idem.p.303.

Estado atual da GuErra do sul.Espera Caxias: não te aproximes; aquele cavalo é bravo!Deixa-me Mitre; ele pode morder e dar um coice, mas nem por isso deixarei de laçá-lo!Não, senhor! Eu aqui é que mando, e não consinto que faças mal aquele bichinho...

Fig.22-Arlequim-20/10/1867-J.Mill-GuerradoParaguai-FundaçãoBibliotecaNacional

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cumprimentodoTratadodaTrípliceAliança, comopodemosobservarnopublicadoa6/10/1867,emqueoredatorsepropõeaesclarecerasdiferentesnotíciasquesepublicavamnosjornaisdoPrataedacortesobreosacontecimentosbélicos.

Tudo quanto se tem publicado os paraguaios [jornais] de lá e de cá é falso como Judas. Não se trata de arranjos de paz. O que quer o governo, a nação e eu, não é senão o cumprimento fiel das diversas cláusulas do Tratado da Tríplice Aliança.O meio não importa seja ele a força ou a diplomacia, a luta ou a persuasão. O que almejamos é o fim, mas um fim digno da cruzada em que nos empenhamos.Qualquer modificação na letra do tratado, qualquer transigência com o inimigo, sobre ser uma vergonha, seria uma loucura, e não só empanaria o brilho da dignidade nacional, como tornaria improfícuo todo o enorme sacrifício de vidas e de dinheiro.Com grande trabalho limpamos, adubamos e plantamos o terreno e agora, que os saborosos frutos começam a dourar-se aos vivicantes raios de sol, havemos de abandoná-lo?Não! Mais alguns dias de paciência e tenaz labor.

Emfinsde1867O ArlequimsetransformouemAVida Fluminense,quecomeçouaserpublicadanoiníciode1868.Eem28demarçode1868,noseuprimeirotrimestredepublicação,informaemeditorial:

Para corresponder dignamente aos valiosos auxílio que nos tem sido tão expontaneamente dispensado, esforçar-nos-emos por tornar a VidaFluminense a melhor folha ilustrada do Império.Continuaremos a publicar grandes estampas, reproduzindo os mais importantes feitos de armas de nossos valentes homens de terra e mar, todas desenhadas segundo os esboços que recebemos do teatro da guerra, como poderão os nossos assinantes verificar vindo examiná-los no escritório desta folha.Seguiremos pari passu todos os acontecimentos políticos; criticaremos as publicações literárias, as inovações das modas, os espetáculos líricos e dramáticos; faremos, enfim, com que a VidaFluminense... não seja uma SemanaIllustrada.

*

* *

Para dar já uma prova da nossa boa vontade; participamos ao público que mandamos fazer reduções fotográficas dos grandes quadros da guerra que temos publicado: assassinato do General

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Flores, passagem de Curupaití, dita de Humaitá e abordagem do monitor Alagoas.Estas reduções, feitas em cartão de visita e próprias para serem colocadas em álbuns de retrato, se recomendam pela perfeição do trabalho, modicidade de preço e facilidade de remessa para o interior e exterior, dentro de uma sobrecarta qualquer.As reduções acham-se desde já à venda no nosso escritório.

Percebe-sealémdadisputapolítica,umadisputademercado,A Vida Fluminense tinhapretensõesdeocuparoespaçojáconquistadopelaSemana Illustrada,quejáentravanoseuoitavoanodeexistência.OutroaspectoaobservaréquenoprimeirotrimestredesuaexistênciaA Vida Fluminensepublicouinúmerasilustrações,inclusiveemsuplementos,emquesobressaía,comoobservouJoaquimMarçalFerreiradeAndrade,“otalentodeAgostini e de sua equipe, proporcionando uma cobertura paralela de impressionanteenvergadura”44. Além das ilustrações acima mencionadas, a revista publicou mapastopográficoseretratosdeoficiais,nosmesmosmoldesdaSemana.Ouseja,elaentrounomercadofluminensecomdisposiçãodecompetireganhar.Ainformaçãodaúltimanotíciaquedestacamosacimatambémésignificativaparaonossoenfoqueporabordarareproduçãodasimagens,masnumaescalamaisampla,atravésdasreduçõesfotográficasdosgrandesquadrosdeguerraqueelavinhapublicando,comintençãodemultiplicaromercadoconsumidor,ensinandoseusleitoresamaneiradeacondicionarasreproduçõesparaviagem.Esseéummomentodecirculaçãointensadeimagens.Obarateamentodocustodaimpressãopossibilitouesseaumentodaproduçãoemlargaescala.

VejamosalgumaschargesdeAgostinipertinentesanossadiscussão,emA Vida Fluminense.

Emumade suasprimeiras charges emA Vida Fluminense,Agostini comoumobservadoratentodaproblemáticadaGuerradoParaguaicomeçouafocalizarasituaçãofinanceiranoBrasilenoPrata,usandodeumrecursocaroaoscaricaturistasos“contrastes”(nº4,de25/1/1868)(fig.23).Deumlado,aimagemdanossapenúriafinanceiraedeoutro,adequeosnossosrecursosestavamescoandoparaoPrata.NoBrasil,comoobservouDoratioto,“eracorrenteaopiniãodequeoImpériosuportavapraticamentesóosgastosdaguerra”45.

Agostini, assim comoMill, também satiriza os personagens (Dr. Semana e oMoleque)daSemana Illustrada,mostrando-osemumadesuaschargescomocapachosdogoverno.OartistaitalianoeraumopositorimplacáveldaSemana Illustrada,espetando-acomcríticasmordazes.

44ANDRADE,JoaquimMarçalFerreirade.Op. cit.p.154.45DORATIOTO,Francisco. Op. cit.p.291.

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AfiguradeLópez também foiobjetode seu lápis crítico,percebidocomoumdéspotadesvairado.Nessesentido,assimcomoemFleiuss,Lópezdeveriasercombatido.Percebe-se,assim,umconsensoemtornodauniãodetodososcredospolíticospelacausamaiordahonranacional.Selecionamosalgumasquesãopertinentesparaadiscussãoemtela.

Agostini criou uma charge, nos moldes do processo da construção da fábula,publicadanacapadarevistanº42,de17/10/1868,mostrandoaimagemdeLópez,comoumjaguar(fig.24),rosnando,diantederatoeira,cheiadecamundongos,diantedeumpedaçodequeijo,cominscrição:“revolução”.Àdireita,camundongo,portandobandeiraamericana,saindodaratoeira.Alegenda:“AimagemvivadeconspiraçãocontraLópez.”EssaimagemdeLópez,pintadaporAgostini,erapartilhadaporoutrocontemporâneoJoséMaríaRosa,comoassinalouDoratioto,“umjaguarnaselvaacossadosemtréguaporseusperseguidores”.46DepoisdatomadadeHumaitá,omarechal-presidentepassouaviveraparanóiadequehaviaumaconspiraçãoparaderrubá-lo,emqueestariamenvolvidos“altaspersonalidadesdogovernoparaguaio,comooirmãoVenâncio,ocunhadoetesoureiroSaturninoBedoyae JoséBerges, entreoutros. [...]A suspeita eraqueBenignoLopezplanejava o assassinato do irmão, e que o representante dosEstadosUnidos,CharlesWashburn, era o intermediário entreCaxias e os conspiradores.”47O representante dogovernonorte-americanocomasacusaçõesdogovernoparaguaiocontraasuapessoaretirou-se do país. Segundo Doratioto, “a retirada deWashburn do Paraguai obrigouosrefugiadosabrigadosnaLegaçãodosEstadosUnidosaseentregaremàpolícia,eláficarampresos”.48

46Idem.p.340.47Idem.p.342.48Idem.p.345.

Fig.23-A Vida Fluminense-25/01/1868-Agostini-GuerradoParaguai-FundaçãoBibliotecaNacional

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A charge de Agostini é alusiva a esse episódio da retirada de Washburn doParaguai.

A Vida FluminensecontinuousuacoberturasobreaguerraeAgostini,aomesmotempo,vaiapontandoasmazelasdaguerrasobreocomércio.

Em1868houveaquedadoGabineteliberaldeZacariasdeGóeseVasconcellose em1869, surgiu àoposição republicana, expressando,porum lado,umadivisãonaelitepolíticabrasileira,eporoutro,anecessidadedesedarmaioratençãoàsquestõesdepolíticainterna.

NaArgentinacomonoBrasil,comoobservouBorisFausto,“aguerradevorouosgrupospolíticosqueadeflagraram.NoBrasil,asqueixasqueelasuscitavanoExércitoeapressãodomilitarmaisprestigioso,omarquêsdeCaxias,alémdascríticasdaimprensaconservadoraemfacedalentidãodacampanha,foramosprincipaismotivosdaquedadoGabineteliberalZacariasdeGóeseVasconcellos,em1868.NaArgentina,omitrismo(ounacionalistas,comoeramchamados)perdeuboapartedeseucapitalpolítico,sejanoplanonacional,sejanodaprovínciadeBuenosAires,e isso teriaforte reflexonaseleiçõesseguintes”49.

Em1869,ocercoaLópezvaiseestreitando.FoiinstaladoumgovernoprovisórionoParaguai,depoisdeintensasnegociaçõesdiplomáticas.Nessemomento,asilustrações

49FAUSTO,Boris;DEVOTO,Fernando.Op. cit.p.123.

Fig.24-A Vida Flminense-17/10/1868

-Agostini-GuerradoParaguai

-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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deAgostinicomeçamamostrarcadavezmaisa imagemdanaçãobrasileiraexauridafinanceiramente.Começamtambémaaparecercommaisintensidadecharges,defendendoaReformapretendidapelaopiniãoliberal,bemcomoasqueexacerbamaproblemáticadaescravidãonopós-GuerradoParaguai.ComoachargepublicadaemA Vida Fluminense,nº128,11/6/1870(fig.25).

AproblemáticalevantadaporAgostininestachargeestávinculadaaquestionávelcidadanianoBrasil.Ouseja,naspalavrasdeBorisFausto,“aincompatibilidadeentreumEstadomoderno(eoExércitomoderno)eumainstituiçãocomoaescravidão”50.

a Cobertura das revistas nos aConteCiMentos no rio da prata pós-guerra do paraguai.

Dentreasrevistasquesedestacaramnocenáriodacapitalimperialnopós-GuerradoParaguai,podemoscitarO Mosquito,surgeemsetembrode1869.Nelaparticiparamcomoilustradores,numprimeiromomento,AgostinieFaria,e,posteriormente,apartirde1875,BordaloPinheiro.Noseuprimeiroeditorial,de19/9/1869,transmitiuosvaloresquedefendia.“Abram–lheespaço,consintamquepassemaisesteemissáriodoprogressoedacivilização”.

50 Idem.p.121.

Fig.25-A Vida Fluminense -11/06/1870

-Agostini-GuerradoParaguai

-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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Faria, logonosegundonúmeroda revistaO Mosquito (25/9/1869),começouamostraraimagemdanaçãocomoumíndio(fig.26-27),gaiato,bobo,manipuladoporpolíticossempatriotismo,quelevaramopaísàfalência.Cotegipe,oministrodaFazenda,queacumulavatambémocargodosNegóciosEstrangeiros,eraumdosalvosprediletosdoseulápiscrítico,percebidocomoumdosprincipaispivôsdasituaçãoemqueopaísseencontrava.E,em29demaiode1870,Fariacriaumailustração,naqualexacerbouaimagemcaricatadanaçãobrasileira(fig.28).Aimagemheróicadoíndiodomovimentoindianista,jánãotinhamaisvez.Fariaconcebeuseuíndiodistantedaselva,meiourbano,comoíndio-cidadão,trajandocasacaetanga,portandocondecoraçõesdoEstadoimperial,imagemgrotescadanação.Nessesentido,percebe-seoesforçodeFariaemencontraruma formaque representasse aquela sociedadeque se forjavanos trópicos, distante edistintadassociedadeseuropéias.

Fig.28-O Mosquito-29/05/1870-Faria-Indio-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

Fig.27-O Mosquito-25/09/1870

-Faria-RelaçõesBrasileParaguai

-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

Fig.26-O Mosquito-25/09/1870-Faria-Patriotismo-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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O Mosquito,em2dojulhode1870,publicounaspáginascentrais,umaimagemdanaçãosignificativaparadiscussãoemtela,naqualo retratocaricatodanação(fig.29),apresentandofisionomiadedor,foiexageradamentepuxadoparaoprimeiroplano,destacandoummosquito,quepicasuaorelha,simbolizandooUruguai,percebidocomoumsugadordedinheirodoBrasil.Alegendaqueacompanhareforçaaimagem:

Emborasemassinatura,poderiaseratribuídaaFaria.Percebemosoesforçodoartistanaconcepçãodeumaimagemquerepresentasseanação,puxandoparaoprimeiroplano,umacarrancadeumíndionadaromântico,sofrendomaus-tratos,umgigantepertodeummosquito.Ouseja,narepresentaçãofoiexacerbadaaextensãoterritorialdanaçãobrasileira. Reforçada pela legenda, que acompanha a imagem, enfatiza a abundânciaderecursos.ComoobservouCervo,aoestudarapolíticadelimitesapartirdaidéiadenacionalidade, no caso brasileiro, “construiu-se, combase na herançaportuguesa, umlegado histórico, e foi sustentado pelo Estado monárquico”. Criou o seu mito: o dagrandezanacional.Anacionalidadebrasileiraera“introvertida,desuficiênciacongênita,voltadaparasi,amparadanavastidãodoespaçoenaabundânciadosrecursos”51.

Doisnúmerosdepois,em17/7/1870,OMosquitoestampounacapaumacríticamordaz em relação aoministério que governava o país.Na percepção da revista este

51 CERVO,Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo.Op. cit. p. 88-89. Observa Cervo: “Para o estudo docaso brasileiro [de fronteiras], o conceito-chave cultural parece corresponder a idéia de nacionalidade.Como produto histórico- cultural, esta idéia está presente nas diversas experiência de fronteiras, semexercerentretantoamesmacapacidadededeterminação.Afalhanosistemaeuropeuem1815residia,nadesconformidadeentreanacionalidadeeaconfiguraçãodasfronteiras,anaçãoeoEstado.OsmovimentosdoséculoXIXirromperamnaBélgica,naPolônia,Grécia,Alemanha,Itáliaeoutrasregiões,mantendo-secomaforçasuficienteatérealizaraadequaçãodoselementos.”

O Brasil e o Estado Oriental- Que insetos importunos!...- Quem te manda ter tanto sangue...

Fig.29- O Mosquito-02/07/1870-Faria-RelaçoesBrasileUru-guai-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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enlameavaahistóriapátria,hajavistaocasodaGuerradoParaguai(fig.30).ArepresentaçãocomoinstrumentodeumavontadedelutafoiatônicadeDaumier,

queescolheuaaçãopolítica.52.Essapareceseratônicaescolhidapelosilustradoresdarevista O Mosquito.

Depois da breve apresentação do periódicoO Mosquito, vejamos agora comoforamtecidososcomentáriossobreosacontecimentosnoPrata,nasrevistasilustradasquecircularamnadécadade1870noRiodeJaneiro.

Em 10 de julho de 1870, poucosmeses depois da publicação da litografia deHenriqueFleiussquemostravaumanaçãofortalecidaereconhecidainternacionalmente,foipublicadanaVida Fluminenseumacharge (fig.31),deautoriadeAngeloAgostini,abordandoumassuntoqueseestendeuportodaadécadade70,queveioaserconhecidocomo“QuestãoArgentina”.ComofimdaGuerradoParaguai,aArgentina,queintegravao acordo daTrípliceAliança – portanto, vitoriosa tambémno conflito –, sentiu-se nodireitodeanexaroChacoparaguaio;pretensãoessacomqueoBrasilnãoconcordava.EoImpériodoBrasileaRepúblicaArgentinapassamanãoseentenderemrelaçãoànegociaçãodoTratadodePazcomoParaguai.SegundoBorisFausto,“apósaderrotaparaguaia,nãofaltarammomentosdetensãoeatécertasmovimentaçõesmilitaresentreasforçasvencedoras,querevelaramamútuadesconfiançaentreosex-aliados”53.

AngeloAgostinimostra,noprimeiroplano, índio, adormecido sobreos lourosda vitória, representando a nação brasileira. No segundo plano, gaúcho a cavalo,representado a nação argentina, pronto para laçar o índio sentadode costas, fumandocachimbodistraidamente,representadoanaçãoparaguaia.

52ARGAN,GiulioCarlo.ARGAN,GiulioCarlo.Op. cit.p.71.53FAUSTO,Boris;DEVOTO,Fernando.Op. cit.p.124.NaspalavrasdeBorisFausto,“acriseeconômicamundiallimitavaqualquerambiçãoexpansionista.Alémdisso,agoranãoeramapenasaselitesargentinasqueestavamdivididas,mastambémasbrasileirascomapaulatinaexpansãodomovimentorepublicano,desde1870,oquetornavanecessárioeprudentededicarmaioresesforçosasquestõesinternas,deixandoasexternasemsegundoplano”.

Fig.30-O Mosquito-17/07/1870-Faria

-pós-GuerradoParaguai-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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OolharcríticodeAgostiniquerchamaratençãoparaoaspectodequeofinaldaGuerranãosignificouumclimadetranqüilidadenasrelaçõesBrasil–Prata.AArgentinaemergianocenáriocompretensõesterritoriais,convindoaoBrasilnãoficardesatento,dormindosobreoslourosdavitória.Alegendareforçaaimagem:

Fleiuss, por sua vez, publicou uma litografia, em 23 de outubro de 1870 (fig.32), mostrandoqueapresençabrasileiranoPratadepoisdaguerrafoicomandadapelaviadiplomática,enfatizandoahegemoniabrasileiranaregião.PercebemosqueFleiuss,continuando seu empenho na cobertura jornalística no Rio da Prata, na elaboraçãodos elementos simbólicos, como batalhas, acontecimentos diplomáticos e heróis, quepassariamaintegrarahistórianacional,fezusodeumrecursotécnicoquejáeradoseuagrado,parasublinharamensagemdacharge,misturandoaartedacaricaturaedoretrato:afiguradoviscondedoRioBranco,degalo,comoumvencedordadifícilmissãoquelheconfiaramedeseusecretárioParanhosJúnior,comoasombradopai.Nota-sequeaimagemdeParanhosJúniorpareceseracópiadeumretratofotográfico.

Destaca,noprimeiroplano,aocentro,osenadorJoséMariadaSilvaParanhos,depoisviscondedoRioBranco,enviadoemmissãoespecialaoPrata,representadocomoumgalogigantesco,trazendodebaixodasasas“TratadodePazeLimites”eo“Convêniode5deFEV.”.Natesta,faixa,cominscrição,“Cuyabá”;àdireita,pajemrepresentadocomogatodebotas,carregandovalise,cominscrições,“ParaAssunpç...Kitten”,provavelmentesimbolizandoaargúciaeagilidadedoviscondenotratodeassuntosdiplomáticos.Nosegundoplano,ParanhosJúnior,futurobarãodoRioBranco,representadocomoasombradogalo,emsuaprimeiramissãodiplomática,comosecretáriodopai,noPrata.Aofundo,àesquerda,mulheresjogandofloresearco,cominscrição,“Salve”.

Alegendaqueacompanhaachargereforçaamensagem:

Fig.31-O Mosquito -10/07/1870-Agostini-Pós-GuerradoParaguai-RealGabinetePor-tuguêsdeLeitura

A atual posição da República Argentina; do Paraguai e do Brasil. (É preciso não dormir muito tempo sobre os louros da vitória)

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OdiplomatabrasileiroviscondedoRioBranco,foienviadoemmissãoespecialaoPrata,firmandováriosacordosemBuenosAireseAssunção,dejaneirode1869atéiníciode1871.SuamissãonoParaguaifoideestabelecernopaísumgovernoprovisório,comoqualsepudesseassinarapaz.Masessatarefanãoerasimples,envolviaconcordânciadogovernoargentinoeaescolhaenegociaçãocomrepresentantesparaguaios.Ogovernoimperial,comoobservouDoratioto,“estavaconvencidodequeopresidenteSarmiento[quesucedeuMitre,em1868,naconduçãodogovernoargentino]queriaanexaroParaguaiàArgentina.Poroutrolado,ogovernodeSarmiento“temiaqueoImpério,valendo-sedo tratado de 1865 e das autoridades provisórias, estabelecesse umprotetorado sobreo país guarani”54. O jornal A Reforma (da oposição republicana), do Rio de Janeiro,tinhaopiniãocoincidentecomoperiódicoLa República,deBuenosAires,paraosquaisParanhosestavanoParaguaifazendoopapeldevice-reideumpaísconquistado55.DepoisdemuitasnegociaçõesParanhosconseguiuaconcordânciadogovernoargentinoparaformarumgovernoprovisórionoParaguai.

Na legenda “amigo ausente”, refere-se à obra escrita por Paranhos no Jornal do

54DORATIOTO,Francisco.Op. cit.p.420-421.55 Idem.p.436-437.

El retuerno del gallito(Palomita)”

Homens não há... custa a crê-lo!... Em tão feminina terra?Morreram todos na guerra. Só quem conserva na menteQuem devia recebê-lo Lembranças do amigo ausente.

Fig.32-O Mosquito-10/07/1870-H.Fleiuss-Personalidaes-RealGabinetePortu-guêsdeLeitura

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Commercio,“Cartasdoamigoausente”.OfuturoviscondedoRioBrancoem1851entrouparaaredaçãodoJornal do Commercio.

OsdesacordosentreoImpériodoBrasileaRepúblicaArgentinalevaramoBrasilafirmar tratado, em iníciode1872,emseparadocomoParaguai, fatoquedesgostouo governo argentino. Os argentinos se sentiram traídos. Segundo eles, o Brasil teriarompidooacordodaTrípliceAliança,oqueprovocouanotade27deabril,doministrodosNegóciosEstrangeirosdaArgentina,CarlosTejedor,aogovernobrasileiro,referidapela imprensabrasileiracomo impolíticaeconsideradacomoofensivaàdignidadedoImpério.

O Mosquitonº145,de22dejunhode1872,dedicouumexemplarsobreoqueos jornais A Reforma e A República,publicadosnoRiodeJaneiro,vinhamcomentandosobre a política doGabineteRioBranco em relação aoPrata e criou charges sobre apossívelrepercussãodessasnotíciasnaArgentina.Agostiniestampouumacharge(fig.33) na capa desse exemplar, emqueMitre,Tejedor e Sarmiento (então presidente daArgentina),discutem,emtornodeumamesa,notíciaspublicadasnosjornaisbrasileirosA Reforma e A República.Alegendaqueacompanhadáotomàcharge:

M – Los próprios brasileiros nos abrem los ojos acerca del tratado de paz y declaram que el gobierno está desmoralizado. Llego, pues, la ocasión de hacer una nota enérgica. T – Para eso es bastante copiar el estilo de los periódicos publi-cados de allá.S – Eso es.....una notita que valga bastantes notas.....pero de otra calidad.

Fig.33-O Mosquito-22/06/1872-Agostini-GabineteRioBranco-RealGabinetePortu-guêsdeLeitura

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Na última páginaAgostini criou dois quadros (figs. 34a e 34b). No primeiro,criticaos jornaisA Reforma e A Republicapelasnotíciasveiculadas, emquedestaca,noprimeiroplano, crianças, representandoA Reforma56 e A República57, brincandodesoldadoatirandobombasdecanhãoempalácio,cominscrição:“Governo”,representandoogovernobrasileiro.Aofundo,construções,comainscrição:“RiodaPrata”.Alegendaqueacompanhareforçaacrítica.

Nosegundoquadro,Agostini,destacanoprimeiroplano,àesquerda,MitreatentoaodiscursodobonecoMosquito,aoladodepequenocanhão,cominscriçãoA Reforma,queagoraemvezdebalaatiraumamangueiradeáguaebombeirosparaapagarofogoinimigo,atiradodoRiodaPrata,comainscrição:“NotaTejedor”.Nosegundoplano,paláciodogoverno, encimadopelo viscondedoRioBranco, presidente doConselho,apontandocommãoesquerdaavantajadaparacanhão,aofundo,emmeioaconstruções,com inscrição:Rio da Prata.A legenda que acompanha a imagem é significativa porenfatizarauniãodetodasasfacçõespolíticasnadefesadahonranacional,aspectoquejáfoiobservadoduranteacoberturadaGuerradoParaguai.

56A Reformacomeçouacircularemmaiode1869,“dirigidaporFranciscoOtavianoecontandotambémcomSaldanhaMarinho,TitoFranco,SilveiraMartins,JoaquimManueldeMacedo,TeófiloOtoni,SousaFranco,HomemdeMeloeoutros.[...]Originara-sedoClubedaReforma,queosliberaishaviamfundado,significando a necessidade de alterações na ordem política que correspondessem às que decorriam dodesenvolvimentodopaís”.Naocasião,em1872,A ReformaeradirigidaporJoaquim Serraque,segundoNelsonW.Sodré,“colocaojornalentreosmaislidosdaCorte”.(SODRÉ,NelsonWerneck.História da imprensa no Brasil.4.ed.RiodeJaneiro:Mauad,1999.p.211-214).57 A RepúblicacomeçouacircularnoRiodeJaneiroem3dedezembrode1870.“A República,órgãodoPartidoRepublicanoBrasileiro,quelançamanifestoaopaís,edoClubeRepublicano,formaadotadapelaalaradicaldosliberaisecostumeiradaépoca.RegressandodeviagemaosEstadosUnidos,ArgentinaeParaguai,QuintinoBocaiúva,foraumdosredatoresdomanifesto,querecebeuoapoiodegrandesfigurasnavidapolíticadotempo.NoprimeirodiretóriodonovopartidoestãopresentesQuintino,LafaieteRodriguespereira,SalvadordeMendonça,SaldanhaMarinhoeAristidesLobo.A Repúblicacomeçacirculandocomo‘propriedadedoClubeRepublicano’,passandodepoisa‘órgãodoPartidoRepublicano’;emsuaprimeirafase,de3dedezembrode1870a4deoutubrode1871,apareciatrêsvezesporsemana,àsterças,quintasesábados,semredatoresdeclarados,quesão,realmente,QuintinoBocaiúva,AristidesLoboeManuelVieiraFerreira,queescrevemquasetodoojornal.A Repúblicapassouaserdiário,apartirde1ºdesetembrode1871,chegandoatirar10.000exemplares,índiceavultado,paraépoca”.(Idem.p.212).

Primeiro quadro: Tão crianças foram em seus ataques ao governo que não se lembraram de que podia alguma bomba cair em terreno alheio e dar ocasião... ao que se diz hoje.

Fig.34-O Mosquito-22/06/1872-Agostini-GabineteRioBranco-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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Em29dejunhode1872,AgostiniestampounacapadeOMosquitonº146umacharge(fig.35)sobreodesenrolardosacontecimentosentreoImpériodoBrasileaRepúblicaArgentina, após a nota doministroTejedor de 27 de abril, ao governo brasileiro.Noprimeiroplano,àesquerda,índiorepresentandoanaçãobrasileira,trajadoparaguerra,dialogandocomviscondedoRioBranco,chefedoGabinete,diantedeumalunetamiradaparaabaíadeGuanabara;àdireita,ministrosDuartedeAzevedo,daMarinha,viscondedeCaravelas,dosEstrangeiros,observandoohorizonte.Alegendaqueacompanhareforçaaimagem:

- Caramba! Sr. Mosquito, no entendo estes pícaros! Mande bombardear desde mi país esta fortaleza e ahora...- Sim, agora todos eles se lembram de que são brasileiros e tratam de atalhar o incêndio que a sua bomba...- Pero...- Pero... Saiba que não se pode tomar a sério o que diz a nossa imprensa política”.

Fig.34b-O Mosquito-22/06/1872-Agostini-GabineteRioBranco-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

- Então! Há guerra ou não há guerra?Por enquanto estamos a vê-la por um óculo.

Fig.35-O Mosquito-29/06/1872-Agostini-GabineteRioBranco-RealGabinetePortu-guêsdeLeitura

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Pode-seobservarqueAgostinijogacomelementosconstitutivosdanação,comooíndioeapaisagemtípica,aentradadabarradoRiodeJaneiro,bemcomo,comelementosconstitutivosdoEstadoimperial,osministros,emestadodeobservação.Imprimiuàimagemdoíndioarepresentaçãodeumanaçãoaltiva,forte,dispostaaguerrear.ImagemsimilaràconcebidaporFleiuss,quandodaMissãoSaraivaaoUruguai(Semana Illustrada,nº193,21/8/1864).OPãodeAçúcarvinhasendoconvertidoemsímbolodaidentidadenacionaleminúmeros impressos.ComoobservouZenha,aoestudaroálbumO Rio de Janeiro Pitoresco editadoporRensburgem1845:“AentradadabarradoRiodeJaneiro,oLargodoPaçocomseuchafariz,oconventodeSantaTereza,osArcosdaLapa,oCorcovado,aenseadadeBotafogo,aIgrejadoouteirodaGlória,operfildaSerradosÓrgãos,oPaçodeS.CristóvãoeoPalácioImperialdePetrópolissãoalgunsdessessítiosemblemáticosquepassaramapovoaraimaginaçãodosestrangeiros,mastambémdosbrasileirosausentes,saudososdapátriaqueseconstruía.Essasreferênciasmatériasescolhidascomosignosdediferenciaçãoemrelaçãoàsdemaislocalidadesdoplaneta,atuavamcomoâncoras,comolugaresaquesepodepertencerpordever,direitoeescolha”58.

Agostini,em27dejulhode1872,porocasiãodachegadadeMitre,enviadoemmissãoespecialaoBrasil,estampouumachargenacapadeO Mosquito (fig.36),queéexemplardasrelaçõesentreoImpériodoBrasileaRepúblicaArgentina,naquelemomento,pazarmada.Noprimeiroplano,àesquerda,d.PedroII,representandooEstadoImperial,cumprimentandoMitre,representandoaRepúblicaArgentina.Ambos,escondendosuasgarruchas.Alegendaqueacompanhareforçaaimagem:

58ZENHA,Celeste.Op. cit.

Mi mission é especialmente de-mostrar al pueblo e al gobierno brasileiro, el mucho amistad la mais desinteressada dedicacion e buena fé e lo mais estremosos afetos.- Imperador – outro tanto dize-mos nós, ouviu?

Fig36-O Mosquito-26/06/1872-Agostini-RelaçõesBrasileArgentina-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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DiantedessesacontecimentosentreoBrasileaArgentina,aSemana Illustrada,de23dejunhode1872,publicoucharge,quesintetizaessavisãodaimprensacondenandoa atitude deTejedor e se colocando ao lado da nação insultada (fig. 37).A litografiamostra, àesquerda, índio representandoanaçãobrasileira, adormecidosobreum leãocominscrição,“POVO”;aocentro,umrio,cominscrição“RIODAPRATA”;àdireita,adestrador,generalMitre,ex-combatentedastropasdaTrípliceAliançaduranteaGuerrado Paraguai, segurando cão, representando Carlos Tejedor, ministro dos NegóciosEstrangeiros daArgentina, de língua de fora, com inscrição “NOTA”.A charge vemacompanhadadalegendaquereforçaamensagemdaimagem:

OgeneralMitrefoienviadoemmissãoespecialaoBrasilparanegociaracordodepazedarexplicaçõessobreanotade27deabrildeCarlosTejedor,consideradaofensivaàdignidadedoImpério.

A Vida Fluminense,de29de junhode1872,publicouumacharge (fig.38)deautoria do caricaturistaCândidoFaria sobre essa questão,mostrando, à esquerda, umíndio,representandoanaçãobrasileira,enfurecida,depunhoscerrados,trajandocasaca,colarinho, gravata, tanga, portando cartola amassada, furada e calçando sapatos semcadarços;aocentro,porta;àdireita,generalMitreex-combatentedastropasdaTrípliceAliança durante a Guerra do Paraguai, enviado em missão especial pelo governoargentinodeluvasbrancas,batendoàporta,simbolizandoadelicadamissãodiplomática

Fig.37-ASemana Illustrada-23/06/1872-Agostini-GabineteRioBranco-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

Creio que dorme o sujeito, Vou acirrar o rafeiro,mas quem de certo não dorme até que o sujeito acorde,é a sua sentinela, e depois, ponho-me ao fresco:aquele animal enorme. perro que ladra não morde.

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asertratada.Aofundo,canastrasdeviagemcomasinscrições“TEJEDOR”e“NOTAIMPOLÍTICA”.Acompanhadadalegenda:

Nessacharge,Fariasintetizaaspectossignificativosdaquestão,comoadelicadaMissãoMitre, enfatizando a necessidade de explicações satisfatórias sobre aNota de27deabril,antesdequalquernegociação.AlegendaexplicitaqueapresençadeCarlosTejedor, assimcomosuanota impolíticanãoseriambemquistas, sendo impedidasdepassarpelabarradabaíadeGuanabara,portadeentradadacapitalimperial.

Os argentinos se sentiram traídos, como já ressaltamos, em decorrência deassinatura,emseparado,dotratadodepazentreoImpérioeoParaguai.Parasuperaroclimacriadopelatrocadenotasentreosgovernos,foienviadaaMissãoMitre.

Fariacriaumíndio,representandoanaçãobrasileira,maltrapilha,insinuando,aomesmotempo,umaeconomiarotapelasdespesasdeguerra,masdispostaaenfrentarumabriga,impedindoaspretensõesdaRepúblicaArgentinanaregiãodoPrata.

A Vida Fluminense, em3/8/1872,publicouduas ilustrações, semassinaturadeautor,nasquaisoenfoque,emumdosquadros,éapercepçãodaimprensaargentinasobreacomposiçãodoExércitobrasileiro,deex-escravos,soldadosnegrose,nooutro,aimagemdecarrancaassustadoradeTejedor, tecidapelaimprensabrasileira,representadacomomacacos,queeraaimagemcaricaturaldanaçãobrasileira,desenhadapelosilustradoreshumorísticosdeBuenosAires(fig.39).AchargefazalusãoàreaçãoargentinaàposturaassumidapelogovernoepelaimprensabrasileiraanteoteordaNotade27deabril,do

O dentro – Quem bata à minha porta?O de fora – Sou eu, Batholomeu Mitre, le beau gendarme de la Plata.O de dentro – Deixe as canastras fora da barra e volte depois. A minha casa chega muito para o Sr, mas é pequena para a sua bagagem.

Fig.38-A Vida Fluminense-29/06/1872-Agostini-MissãoTejedor-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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ministrodosNegóciosEstrangeirosdaArgentina,CarlosTejedor.Legenda:“Asfinezasdosnossosfiéisaliados”.

Esse clima tenso e hostil entre Brasil eArgentina foi focalizado pelaSemana Illustrada, em 29 de setembro de 1872, em charge (fig. 40) mostrando, à esquerda,um índio, representando a nação brasileira, e uma figuramasculina de barrete frígio,representandoaRepúblicaArgentina,encarando-secomarsério.

Cópia fiel exata de uma coisa ridicula que se pu-blica em Buenos aires

Fig.39-A Vida Fluminense-03/08/1872-desconhecido-MissãoTejedor-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

Fig.40-A Vida Fluminense-03/08/1872-desconhecido-MissãoTejedor-RealGabi-netePortuguêsdeLeitura “PROFECIA! Esses dois hão de ser amigos quando as galinhas tiverem dentes e os defuntos calçarem botinas dos Campas”.

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Em 8 de dezembro de 1872, a Semana Illustrada publica uma litografia (fig.41)abordandoodesfechodamissãoMitre,mostrandoacelebraçãodoacordode1872,restabelecendoobomníveldasrelaçõesentreoImpériodoBrasileaRepúblicaArgentina.No primeiro plano, mesa de banquete, brindando Francisco Otaviano, generalMitre,marquêsdeSãoVicenteeduquedeCaxias.Nosegundoplano,bandeirasdasrespectivasnações cruzadas, com inscrição “UNIÃO”, acompanhada de legenda que sugere umpossíveldiscursotrocadoentreosrepresentantesdsgovernosbrasileiroeargentinonotérminodasnegociaçõesdiplomáticas:

A Semana IllustradaglosadosotaquepaulistadomarquêsdeSãoVicentequefoioplenipotenciáriodesignadopelogovernoimperialparanegociarcomMitre.

A Semana IllustradaemboratenhaassumidoduranteaGuerradoParaguaiumaposição favorável ao governo imperial publicou depois desse certamebélico algumaschargescriticandoosgastosnessaguerra.Umexemplofoialitografiapublicadaem12dejaneirode1873,abordandorelaçõesentreBrasil,ArgentinaeUruguai,emqueapareceno primeiro plano índio, representado a nação brasileira, ladeado por duas senhoritasrepresentadoaArgentinaeoUruguai,repúblicasquecompunhamaTrípliceAliança(fig.42).

O plenipotenciário – Com quanto não estivesse o Brasil farto de meios para entrar em uma nova luta, e jurgars-se o governo argentino farto de razão e justiça, não devemos por isso deixar de aplaudir o feliz acordo a que chegaram as duas partes.El-General – Aunque jo no compreendo bien el lenguage arábico de su ilustrado discurso, señor marques, todavía no me recusaré al brinde que tienne por asunto un acor-do no conocido del público, pero solamente de nosotros.O diplomata liberal – Muy bien. (Aparte) É pena que esse marquez não entenda o hespanhol, como falla o português.Todos – Hip! Hip! Hurrah! Hurrah!

Fig.41-Semana Illustrada-08/12/1872-desconhecido-MissãoTejedor-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

Fig.42-Semana Illustrda-12/01/1873-H.Fleiuss-RelaçõesBrasil,UruguaieArgentina-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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Em1873estourouumaguerracivilnaArgentina(Entre-RioseCorrientes),ehouveapreensãodeembarcaçõesbrasileirasnosriosUruguaieParaná,sendoumaagredidaafogo(vaporCecília).OImpérioapresentouprotestosàRepúblicaArgentinapelosatospraticadoscontraembarcaçõesbrasileiras.Lê-senoRelatóriodaRepartiçãodosNegóciosEstrangeirosde1873quea “repetiçãode semelhantes atospoderiaprovocar conflitosmuitoprejudiciaisàsrelaçõesdosdoispaíses”59.

Emdezembrode1873,houvedetençãodopaquetebrasileiroCuiabá,emBuenosAires,exigindo-seaentregadeumdospassageiros,otenente-coronelparaguaioManuelFlorêncioRivarola,sobopretextodeseromesmoréupolíticonaArgentina.

A Vida Fluminense publica uma charge (fig. 43) sobre o assunto em 20 dedezembrode1873, naqual o caricaturistaCândidoFaria sintetizaos acontecimentos,mostrando,àesquerda,emproporçõesreduzidas,umíndiorepresentadoanaçãobrasileiraeSarmiento,presidentedaRepúblicaArgentina,disputandocomoduascriançasumnaviodebrinquedocomonome“V.Cuyabá”;àdireita,emproporçãomaior,viscondedoRioBranco,chamandoaatençãodeSarmiento,apontandoparaíndioeordenandoaentregadaembarcação.Acompanhadadalegenda:“–LargaoBrinquedodooutrosenãopuxo-teasorelhas”.

OviscondedoRioBranconaocasiãoeraopresidentedoConselhodeMinistros.AchargesugereasuperioridadedogovernoimperialbrasileiroemrelaçãoàRepúblicaArgentina,impondosuavontadesobreaquelegoverno.

Em17 de janeiro de 1874,Agostini estampou na capa da revistaO Mosquito umacharge(fig.44),destacandoafiguragigantescadeumíndio,armadoparaguerra,representandoanaçãobrasileira,chutandodiminutoscanhõesdoforteargentino“MartinGarcia”, diante da figura diminuta e enfurecida do presidente argentino Sarmiento.A

59AHI.Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros de 1873.RiodeJaneiro:TypographiaUniversaldeLaemmert,1873.p.154.

Fig.43-Vida Fluminense -20/12/1873-desconhecido-RelaçõesBra-sil,UruguaieArgentina-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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legendaqueacompanhaachargereforçaaimagem:“-Meuamigo,maisdiamenosdiatinhadevir-lheescangalharestasbugigangas,nestecasoomelhoréfazeristohoje,porquetalvezamanhãfossemaisdifícil”.

Achargeenfatizaa tensãoentreosdoispaíses, alimentada,muitasvezes,pelaimprensa.

AsugestãodesuperioridadedogovernoimperialbrasileiroemrelaçãoàRepúblicaArgentinaéenfatizadaemoutracharge,publicadanaSemana Illustrada,em18dejaneirode 1874, de Fleiuss (fig. 45).A chargemostra figura agigantada do visconde doRioBranco,presidentedoConselhodeMinistros,puxandoaorelhadeumfranzinogaúchoargentino.Alegendaprovocativaenfatizaaimagem:

Fig.44-O Mosquito-17/01/1874-desconhecido-RelaçõesBrasileArgentina-Real GabinetePortuguêsdeLeitura

Teremos guerra ou não.Se não puseres cobro aos teus desaforos, meu gaúcho de uma figa, faço-te o que fez S. Pedro a Malcho! Estás ouvindo?... e não me respingues!!!

Fig.45-Semana Illustrada-18/01/1874-H.Fleiuss-RelaçõesBrasil,UruguaieArgentina-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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MaisumavezoBrasiléapresentadonumachargeimpondosuavontadeaopreçodeumaguerra,senecessário.

EssasuperioridadeemrelaçãoàRepúblicaArgentinaéenfocadaporFaria,emoutracharge,naVida Fluminense,de31dejaneirode1874(fig.46).Alitografiamostra,à esquerda, índio, representandoanaçãobrasileira, pulandocarniça, fazendo troçadeimagem feminina, portando barrete frígio, acocorada, representando BuenosAires; àdireita,figuradiminutadeSarmiento,presidentedaRepúblicaArgentina,observandoacena,depeitonu,colarinholevantado,faixa,tanga,revólver,facaeespadanacintura,segurandoespingardacomumadasmãoseoutranosquadris.Acompanhadadalegendaquereforçaotomdaimagem:

Observa-setambém,apercepçãodeAgostinisobreosacontecimentosdapolíticainternadaRepúblicaArgentina,emchargepublicada,em17deoutubrode1874(fig.47).Ocenárioéemsaladeestardesarrumada,noprimeiroplano,àesquerda,jovemmulherportandobarretefrígio,fisionomiapreocupada,representadoaRepúblicaArgentina;aocentro,generalBartholomeuMitre,deespadanamão,brigandocomAvellar,empunhandopunhal.Nosegundoplano,àdireita,observandoacenapelajanela,índio,representandoa nação brasileira, com a fisionomia tranqüila. Sabe-se queAgostini era republicano,masa legendaqueacompanhaenfatizaumapercepçãoquenãodiferedoconjuntodaelitepolíticadaquelemomento,deumanaçãomonárquicaestávelrodeadaderepúblicasturbulentas60.

60CARVALHO,JoséMurilode.A construção da ordem:aelitepolíticaimperial;Teatro de sombras:apolíticaimperial.Op. cit.p.335.

- Insolente, usted hace esto a mi Repú-blica!...- Calcula! Enquanto lhe não puxo tam-bém as orelhas!

Fig.46-Vida Fluminense-17/01/1874-Faria-RelaçõesBrasileArgentina-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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Mitre – Es a mi que ela ama y no à usted, picaro! Jo te la disputarei aste la ultima gota de mi sangre! Avellar – Mientes, generalito – macaco! [brasileiro]61. El preferido soy yo y estoi dispusto a... Ela – Dios mio! A que estado reducem mi casa! Brasil – Ora aí está o que acontece sempre com essas... repúblicas! Graças a Deus, eu estou livre dessas revoluções domésticas.

A charge é alusiva a guerra civil argentina em 1874 (província de Entre-RioseCorrientes).Conforme trechodediscursodoministrodosNegóciosEstrangeirosdoImpériodoBrasil,viscondedeCaravellas,pronunciadonaCâmaradosdeputados,em17deagostode1874epublicadanoJornal do Commercio,de21deagostode1874:

[...] Assim, Sr. Presidente, a República Argentina é quase constantemente incomodada pelos movimentos de Entre-Rios e Corrientes; mas, de certo, que o seu governo tem a consciência de que, em circunstância alguma, o do Brasil procurou animar tais movimentos, nem mesmo quando as relações entre os dois países não são tão desenhadamente pacíficas. Jamais deu o governo imperial passo algum que, de qualquer forma, pudesse acoroçoar tais sucessos [...].

Em 1874, Luigi Borgomainerio, artista com larga experiência profissional na

61Mitre foi comandante emchefedas tropasdaTrípliceAliança e era consideradoumbrasileiro, umtraidordosinteressesargentinos,peloperiódicoportenhoEl Mosquito,daíaironiadoinsulto.

Fig.47-O Mosquito-17/10/1874-Agostini-RelaçõesBrasileArgentina-RealGabinietePortuguêsdeLeitura

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imprensaeuropéia, foi contratadopelaVida Fluminense para ilustrar aqueleperiódicoe,em19dedezembrode1874,criaumalitografiaabordandoasrelaçõesentreBrasileArgentina(fig.48),sugerindoqueoclimabelicosoentreasduasnaçõeseraalimentadopela imprensa.Mostra, nessa composição, índio, representando a imprensa brasileira,deóculos,trajandocasacaetangaecomcocar,calçandosapatos,tocandoviolino,cominscrição,“IMPRENSAARGENTINA”;egaúcho, representadoa imprensaargentina,tocandoviolino,cominscrição,“IMPRENSABRASILEIRA”.Acompanhadadalegendaquereafirmaatonalidadedodesenhocriado:

LuigiBorgomaineriohaviachegadonaqueleanoaoBrasil,suapercepçãoeradeumolharestrangeirosobreosacontecimentosentreoBrasileaArgentina.

No iníciode1875,vemaoRiode Janeiro emmissãoespecialCarlosTejedor,ministro plenipotenciário da República Argentina. O governo argentino solicitou osbonsofíciossobreosajustesdefinitivosdepazentreaArgentinaeoParaguai.Agostiniestampou em O Mosquito, três charges sobre esse acontecimento diplomático. Em24/4/1875,publicouaprimeiradelas,naspáginascentraisdoperiódicoO Mosquitonº293(fig.49)destacanoprimeiroplano,àesquerda,escondidos,atrásdotronoimperial,trêsintegrantesdoministérioconservadorchefiadopeloviscondedoRioBranco,dentreeles,sentadossobrecanhão,ministrodaGuerra,JunqueiraeviscondedoRioBranco,presidentedoConselhoeministrodaFazenda,segurandosaco,cominscrição:“Tesouro;muniçõesdeguerra”.OgrupodeministrodoImpérioobserva,aocentro,d.PedroII,depé,cumprimentandoCarlosTejedor,escoltadopordoisoficiaisargentinos.

Entre o Brasil e o PrataIrra! Tu atordoa-me os ouvidos. Não ouves como desafinas? As tuas can-çonetas sobre motivos brasileiros são realmente insuportáveis.Pois olha... se, acreditas que me das muito prazer com tuas variações argen-tinas...

Fig.48-Vida Fluminense-17/10/1874-LuigiBorgomainerio-RelaçõesBrasileArgentina-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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Recepção do Sr. C. Tejedor, ministro plenipotenciário da República Argentina. Os maiores protestos de amizade e simpatia serão trocados entre o Brasil e o Prata. Ainda bem: podemos dormir em paz.

TejedornãoeraumafigurabemvistapelaopiniãopúblicanoBrasil.Como jáobservamosacima,em1872,quandoogoverno imperialnegocioucomoParaguaiosajustesdefinitivosdepazelimites,Tejedor,entãoministrodosNegóciosEstrangeirossesentiutraído,àluzdainterpretaçãodadapelaArgentinaaoacordodaTrípliceAliança,expedindo notas ao Império brasileiro, nãomuito políticas, na opinião da imprensa edoslíderespolíticosdogoverno,queexigiramdesculpaseexplicações.Daí,aironiadacharge.

Nonúmeroseguintedeprimeirodemaiode1875,Agostini,criouumacharge(fig.50),emquedestaca,noprimeiroplano,àesquerda,acompanhadodeumcavalo,CarlosTejedor,representandoaRepúblicaArgentina,trajandoponchoebombacha,vestimentatípicadeestancieiroargentino,cumprimentando,àdireita,d.PedroII,representandooEstadoimperial,trajadocomoumfazendeirodecafé,viscondedoRioBranco(presidentedoConselho), trajado como um administrador e visconde deCaravelas (ministro dosNegóciosEstrangeiros), trajadocomoumfeitor.Nosegundoplano,àdireita,partedefachadadecasadefazenda.Aofundo,àesquerda,casasdeestâncias,gadoeinscrição:“RepúblicaArgentina”;aocentro,vistadecidadeeinscrição:“RepúblicadoParaguai”;àdireita,vistade cafezal e inscrição: “ImpériodoBrasil”.A legendaqueacompanhareforçaaimagem:

Fig.49-O Mosquito-24/04/1875-Agostini-MissaoTejedor-RealGabinetePortuguesdeLeitura

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Nesta ilustraçãoAgostini joga a roupa típica e a paisagem típica, elementosconstitutivosdastrêsnacionalidadesalirepresentadas,própriasdasediçõesromânticas,fazendopartedeumapedagogiapelaimagem.Acenasepassanafronteiradostrêspaísesenvolvidosnaquestão.Otrajetípicoescolhidodefazendeirodecaféparad.PedroII,ésignificativo,porumlado,pelocaférepresentaroprodutodemaiorpesonaeconomiadoImpérioe,poroutro,porserrepresentativodosistemaescravocrata.Ouseja,aidentidadedoEstadoimperialeradebaseescravista,cujoprincipalprodutoeraocafé.

Outroaspectoa sedestacarnamensagemda legendaéaalusão“o fazendeiroimperial, compadredo fazendeiroparaguaio”.Sugerequeosdois estavamdecomumacordosobreoassuntodelimites.Defato,otratadodelimitesentreoBrasileoParaguaifoicelebradoem9dejaneirode1872.Adoutrinaqueogovernoimperialadotaraparaassoluçõesdefronteiraeradoutipossidetis.NoentenderdoviscondedoRioBranco(Relatóriode1867):

O Brasil possui território tão vasto que não necessita aumenta-lo em prejuízo de seus vizinhos. O que seu governo deseja é que, no interesse de todos, conheça cada um o que lhe pertence e fique discriminada a sua jurisdição. Tal é o único motivo dos imensos esforços que ele tem feito para conseguir a completa designação

Questões de limites do Paraguai.(Missão Tejedor)O Sr. Tejedor, enviado da estância Argentina, vem-se entender com o fazendeiro imperial, compadre do fazendeiro paraguaio, para se concluir a demarcação dos terrenos em questão.Este, concordando, apresenta-lhes o seu administrador e um dos feitores para tratar desse negócio.

Fig.50-O Mosquito -01/05/1875-Agostini-MissaoTejedor-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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da extensa fronteira do Império. Nenhum outro o impele, e sobre isto não pode haver a mais leve sombra de dúvidas.

Na opinião deAmado Cervo, “essa postura determinava também as soluçõespara as fronteiras entre oBrasil e o Paraguai, após a guerra. Explica, pela lógica, asdificuldadescriadaspeloBrasilàanexaçãodoterritórioparaguaioentreoPilcomaioeabaíaNegrapelaArgentinaeasegurançaimperialanteaspretensõesdamesmaArgentinanazonadePalmasAcadaqual,dedireito,oquelhepertence,defato,emvirtudedasantigasposses”62.

Emprimeirodemaiode1875,Agostini,publicououtrachargeemO Mosquito (fig.51),enfocandoomesmoassunto,mostrandoosrepresentantesdogovernoimperial,àesquerdaviscondedeCaravelas,ministrodosNegóciosEstrangeiros;àdireita,viscondedoRioBranco, presidente doConselho,medindo e fazendo valer seus interesses, nadisputaentreorepresentantedoParaguai(Sosa)edaArgentina(Tejedor).

Borgomainerio nessa ocasião da vinda do Tejedor, ao Rio, estampou chargecarregandonastintasdeumTejedorassustador,querendoenfatizarquemuitodaimagemqueaopiniãopúblicavinhaconstruindododiplomataargentino,haviasidotecidapelaimprensadaCorte(A Vida Fluminense,8/5/1875–fig.52).

62CERVO,AmadoLuiz;BUENO,Clodoaldo.Op. cit.p.96.

Fig.51-O Mosquito-01/05/1875-Agostini-MissaoTejedor-RealGabinetePortuguesdeLeitura

Fig.52-A Vida Fluminense-08/05/1875-Borgomainerio-MissãoTejedor-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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Tejedoraindaserviudeinspiraçãoparaoutrasconcepçõesdoartistaitaliano.Em17deabrilde1875,porocasiãodachegadadeTejedor,comoenviadoemmissãoespecialaoBrasil,Borgomainerio,criounaspáginascentrais,deA Vida Fluminense,duasilustrações(figs.53-54),significativasparaadiscussãoemtela.Aprimeiradelasmostra,àesquerda,oviscondedoRioBranco, presidente do Conselho, fantasiado de bailarina, tocando pandeiro e dançando sobreovos,cominscrições:“QuestãoReligiosa”;“Orçamento”;“Colonização”;“QuestãodaLavoura”;“Guerra”; “Bispos”; “Bonds”; “Instrução”; “Ordem”; “Sossego” etc. Alusivas às diferentesquestõesqueoviscondedoRioBranco(GabineteRioBranco-7demarçode1871a25dejunhode1875)enfrentavanasuagestãocomopresidentedoConselhodeministros.Alegendaqueacompanhareforçaaimagem:

A dança sobre ovos.Se terminar o passo, sem reduzir tudo a fritada, conferir-se-lhe-á o título, e o

diploma de – primeira bailarina absoluta do castelo.

Na segunda ilustração, àdireita,Tejedor, deuniformediplomático, carregandomala, com inscrição: “Credenciais” e documentos, com inscrições: “Memorandum eultimatum”,caminhandoemsolominadodearmas.Alegendaqueacompanhareforçaaimagem:

O passeio recreativo do Sr. Tejedor.Para, caminhar sobre semelhante terreno, quanta prudência não é necessária...

Fig.53e54-Vida Fluminense-17/04/1875-Borgomainerio-MissãoTejedor-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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ConvémassinalarqueA Vida FluminenseerafavorávelaoGabineteRioBranco,comopodemosobservaremalgumasdesuascrônicaspublicadasnessaocasião(trintaetrêscrônicaspublicadasentre16dejaneiroe25dedezembrode1875),assinadasporNemo63,atribuídasaParanhosJúnior,filhodoviscondedoRioBranco.

VejamosoteordestacrônicapublicadaemA Vida Fluminense,em1demaiode1875,sobreamissãoTejedor,quereforçaalgumasdasimagensdanaçãobrasileiraquevinhasendoconstruídapelaimprensa:

O Sr. Tejedor falou... e o Globo tremeu!E é por ter tremido que nos atirou às bochechas com um artigo doce, açucarado... e repleto de frases obsequiosas e cordialíssimas... em artigo, enfim, destes de meter um homem... no coração. ____________Que se trate bem o diplomata argentino, encarregado de uma missão séria, vá... é justo: mas que nos ponhamos todos de cócoras diante dele, assim à laia de meninos de escola chamados a bolos, seria ridículo. _____________Desenganemo-nos: se a guerra não nos convém, muito menos convém à República Argentina. A não ser que por lá a prosperidade seja tal que se torne preciso pôr-lhe o freio da guerra para evitar uma nova idade de ouro. _____________Se o Globo, pois, tivesse pensado nisto – ele que conhece o Rio da Prata como eu conheço a rua do Ouvidor – e entendesse a diferença que há entre os diversos Estados da América Meridional, cuja supremacia compete toda inteirinha ao Brasil, não daria por certo às palavras do ilustre diplomata argentino a interpretação... que aprouve dar-lhe. ______________Dizendo-nos que o Sr. Tejedor e o seu governo ‘preferem a paz à guerra, à paz armada, que lhe impõe tantos sacrifícios’, o Globo parece dizer-nos: ‘Olhem lá!... tomem tento na coisa... peçam perdão ao Sr. Tejedor e ao seu governo... tratem-os a pão-de-ló com gemas de ovos... aliás temo-la travada... o canhão entra em cena... e a paz armada acaba por desarmar as nossas finanças.’ _____________

63AscrônicasassinadasporNemoforampublicadasnoCadernodoCHDDnúmero6,e,naspalavrasdoeditor,embaixadorAlvaroFranco:“[...]chamou-nosaatençãoestepseudônimo,associadoaobarãodoRioBranco,queoutilizou,jáministrodeEstado.Examinadosostextosdestascrônicasesuaposturainteiramente identificadacomapolíticadoGabineteRioBranco,nos inclinamosa reconhecer, sobopseudônimodeNemo,ojovemjornalistaedeputadoconservador,aguerridodefensordasposiçõesdeseupai.ReforçamestahipóteseasconhecidasrelaçõesentreA Vida Fluminense e A Nação–ojornaldequeParanhosJúnioreraoredator–eareferência,nonúmerode16deabrilde1870daVida Fluminense,deque“osenhorParanhosFilhoteveabondadedemimosear-noscomosretratosemfotografiadetodaafamíliadopresidentedoParaguai”,queserviramparaelaboraçãodeilustraçõesnelapublicadas.AoretratarParanhosJúnior comoumdosprincipais jornalistasda época,A Vida Fluminense (nº402,de11/9/1875) estava,decerta forma,elogiandoapratadacasa”. (CADERNOS DO CHDD, ano III,nº6.Brasília:FundaçãoAlexandredeGusmão.CentrodeHistóriaeDocumentaçãoDiplomática,2004).

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Nem tanto! Cá por mim detesto as fanfarronadas...mas estou longe de votar pelo...medo.Medo de quê?... de quem? _____________Tenho; porém um pedido a fazer a SS. EExs. : - desembaracem a meada como bem lhes parecer... tendo, porém, os olhos bem abertos para a dignidade da nação, e completamente fechados para o artigo do Globo, onde se atribuem ao Sr. Tejedor certas preferências pouco de acordo com a situação de um diplomata ilustrado, cuja missão deve ser antes conciliar do que ameaçar. ____________Se, porém, não houver meio de chegar a um acordo definitivo e imediato... lembro a SS. EExs. O expediente do Sr. Tarquínio – Recorram (sem reservas nem restrições de cobre) aos tesouros de benevolência da Santa Sé. ____________Em resposta ao supracitado artigo do Globo publicou a Nação de terça-feira algumas linhas, onde a verdade transparece, e as coisas se põe no seu lugar.Na Reforma de domingo, sob o título O Rio da Prata, vem também um artigo, ao alcance de todas as inteligências, que, revelando a mão adestrada de seu autor, mostra o íntimo conhecimento que ele tem das tricas particulares, donde mais ou menos derivamtodas as guerras.

O jornal O GloboeradeQuintinoBocaiúva64 e redigia A Reforma,JoaquimSerra65.

64QuintinoBocaiúva(1836-1912),nasceunoRiodeJaneiro,seunomedebatismoeraQuintinoFerreiradeSouza.Doladopaternodescendiadeportuguesesedomaternodeespanhóis,tendoumaavóuruguaia.Ficouórfãoaos13anos.IniciouseusestudosdeDireitonaFaculdadedeSãoPaulo,nãoconcluindopelafaltaderecursos.ComeçouaatividadejornalísticaescrevendoO Acayaba,jornalliterárioeacadêmico,e A Honra, jornal político que fundou comFerreiraVianna.Acompanhando a voga nacionalista entreosestudantesdaépoca,adotaonomeindígenadeBocaiúva,tiradodapalmeiratambémconhecidacombocaúba,macaúbaoumacaíba.Em1858,publicouseuprimeirolivroEstudos críticos e literários.Publicoupeçasdeteatro,dentreasquais:Os mineiros da desgraça e A Família.Em1865,assumiuadireçãodoDiário do Rio de Janeiro.Em1866,começouaseinteressarpelosnegócios,participandodoempreendimentodocabosubmarinocomoauxíliodecapitaisnorte-americanos,participatambémdaImperialSociedadedaImigração,comointuitodetrazerfamíliasdoSuldosEUAdescontentescomaaboliçãodaescravidãonaquelepaís.).NessemesmoanoQuintino embarcouparaosEUA, retornandoem1867, comoagentede imigração.Em1868,publicouaCrise da Lavoura evai a “MontevidéueBuenosAires emmissãojornalística[...],onde tomaadefesado tratadodaTrípliceAliança,combatidana imprensaplatina[...].DesteperíododatasuaamizadecomBartolomeuMitre,naArgentina,ecomHectorVarella,noUruguai,quepublicavaseusartigosemLa Tribuna.AintervençãodeQuintinonestapolêmicafoigrandee,d.PedroII,emcartade24/12de1869,pediaaCotegipeosartigosdeQuintinoeFranciscoCunhaparatranscrevê-losnoRiodeJaneiro[...]1870,março1º-Quintinoparticipa,naArgentina,dobanqueteemcomemoraçãoaotérminodaGuerradoParaguai.[...]1870,julho17–DevoltaaoBrasil,realizaconferênciapública,no teatroS.Luís, comparandoas sociedadesdo riodaPrata, republicanas, coma sociedadebrasileira.Desteencontrosaiu,segundoQuintino,ogrupoquefundariaoClubeRepublicanoe,maistardeopartidoRepublicano”.(SILVA,Eduardo(org.).Idéias políticas de Quintino Bocaiúva.Vol.1.Brasília–RiodeJaneiro:SenadoFederal/FundaçãoCasadeRuiBarbosa,1986.p.21-25).65 JoaquimSerra (1830-1888) “nasceu noMaranhão, onde estreou na imprensa, aos vinte e um anos,no Publicador Maranhense,queJoãoFranciscoLisboafundara,em1842,entãodirigidoporSoterodosReisequeeraórgãooficialdogovernodaprovíncia,saindotrêsvezesporsemana,até1862,quandose

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Em12/6/1875,Borgomainerio,criouumalitografiadepáginadupla(fig.55),encimadacom o título “Geografia humorística”.Nesta omapa do Império doBrasil serviu como baseparaconcepçãodeumíndio,querepresentasseanacionalidadebrasileira,naAméricadoSul.Umíndio,velho,meiobocó,deperfil,voltadoparaasdiferentesnacionalidades,quecompõeaAméricadoSul,representadascomsuasroupastípicas,queoobservamdelunetas.OíndioestádecostasparaooceanoAtlântico,emque,numpequenobote,umagordasenhora,representandoadiplomaciaeuropéia,observade lunetaoRiodeJaneiro,queestáno lugarmenosnobredoíndio,nobaixo-ventre.A legendaqueacompanha reforçaa imagem:“Asúbitapartida doSr.TejedordeixaoBrasilemestadodeobservaçãovis-a-visdosseusvizinhos”.

TejedordepoisdeentendimentocomorepresentanteSosa,doParaguai,deuseutrabalhoporterminado,considerando-sevitorioso,partindosemsedespedirdePedroII.AsúbitapartidadeTejedorfoimalvistanaCorte,propiciandocrônicascomoapublicadaemA Vida Fluminense,em19dejunhode1875.VejamosumtrechodacrônicaassinadaporNemo,emquesepercebeoquãobeminformadoeraocronistaarespeitodasmatériasquesepublicavamemBuenosAires,sobreaMissãoTejedor:

tornoudiário;Serraredigiaalifolhetinsliterários,sobopseudônimodePietrodeCastellamare.Aosvinteequatroanos,redigiuohebdomadárioOrdem e Progresso,comGentilHomemdeAlmeidaBragaeBelfordRoxo,órgãoliberal,doqualpassouàImprensa,aoProgressoeàCoalisão.Fundou,em1867,oSeminário Maranhense,revistaliteráriaqueseagüentouatéoanoseguinte,quandoSerratransferiu-separaoRio,onde foi diretor do Diário Oficialedeputadopelasuaprovíncia.RedigiuaReforma,quasesozinho,e,depois comacolaboraçãodeFranciscoOtaviano,TavaresBastos,AfonsoCelso,RodrigoOtávio, JoséCesáriodeFariaAlvim, eondeArturAzevedo se iniciou, como revisor.Serra colaborounoJornal do Commercio e no País, sendo uma dasmaiores figuras domovimento abolicionista”. (SODRÉ,NelsonWerneck.Op. cit.p.236).

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Fig.53-Vida Fluminense-12/06/1875-Borgomainerio-MissãoTejedor-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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concordância dos jornais argentinos sobre o êxito da missão Tejedor é admirável! Dão uns ao Sr. Tejedor as honras de um plenipotenciário calmo, refletido, cortês e justo – outros acusam de ter faltado até aos mais comezinhos preceitos da etiqueta diplomática.De que lado estará à razão?Em todo caso, o que se depreende das folhas em geral e das correspondências em particular é que o povo argentino quer tudo menos uma guerra, intempestiva no momento em que o país carece de todas as suas forças vitais para atenuar os erros do passado.

OBrasil, entretanto, não concordou com os entendimentos entreTejedor e Sosa, e aquestãoentreosdoispaísessófoiresolvidanoTratadoePazeLimitesassinadoem1876.EoBrasilretirousuastropasdoParaguai.

Após aMissãoTejedor as charges sobre as relaçõesBrasil-Argentina sãomais raras,emboraoclimadedesconfiançaaindapermanecessenoar.InteressanteobservarqueomesmosedeunosperiódicosilustradospublicadosemBuenosAires.AsobservaçõesdeAmadoCervosobreoperíodoparecempertinentes.Dizele:

O período que vai de 1844 a 1876 caracterizou-se pela ascensão, apogeu e declínio de uma política brasileira de potência periférica regional, autoformulada, contínua e racional, na medida em que se guiava por objetivos próprios, aos quais subordinavam-se os métodos e os meios. O Prata foi a área em que correu solta a política de potência do Estado-Império brasileiro, ensaiada internacionalmente a partir de 1844, com a resistência à hegemonia interna da Inglaterra e às pretensões norte-americanas no Amazonas, com a elaboração do projeto industrial e a determinação de assegurar o território disponível66.

NaspalavrasdeAmadoCervoapartirde1876apolíticaexternaimperialemrelaçãoàRepúblicaArgentinafoidedistensão67.

AoobservaroperíodoemqueapresençabrasileiranoPratafoimaisintensanaspáginasdosperiódicosilustradospublicadosnoRiodeJaneiro,pode-seafirmarqueestesparticiparamintensamente da construção de uma identidade de Brasil. E, aomesmo tempo, contribuíram,pedagogicamente,naconstituiçãodasfronteirasdeidentidadesnacionaisdospaísesenvolvidosnaGuerradoParaguai.

66CERVO,Amado;BUENO,Clodoaldo.Op. cit.p.109.67Idem.p.129.

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4° cAPÍTulo

brAsil e ArgenTinA visTos de buenos Aires (1860-1870)

Jásesalientouaimportânciadapercepçãodooutronaconstruçãodasidentidadesnacionais.Nessesentido,iremosobservar,nestecapítulo,aimagemdanaçãobrasileirapublicada nos periódicos ilustrados de Buenos Aires, no período marcado pelosacontecimentosdaGuerradoParaguai,emquepodemosperceberaconstruçãodesentidosparaasnacionalidadesalirepresentadas.

Sabe-sequetodogruponacionalmostrouforteatençãoparaaquelesqueformavamseuspareseconcorrentes1.Nessesentido,pode-seconsiderarcomoumdeseuspareseconcorrentesmaissignificativosparaogruponacionalbrasileiro,aRepúblicaArgentina.

O periódico argentino El Mosquito (1863-1893) foi considerado o periódicoilustradohumorísticodemaiorrelevânciadasegundametadedoséculoXIXemBuenosAires.Tevecomofundadores,EnriqueMeyer,AuerbacheCarlosPaz.Começouacircularem24demaiode18632.SuascaricaturasficaramacargodofrancêsEnriqueMeyer,quepoucotempodepois,porocasiãodaGuerradoParaguai(1865-1870),passou,também,aseencarregardasilustraçõesdoperiódicoCorreo del Domingo,depropósitoliterárioquepassouadivulgarosacontecimentosdocampodebatalha.AssimcomoFleiuss,noRiodeJaneiro,Meyer,emBuenosAires,foioartistaquecobriuosacontecimentosrelativosaoenfrentamentodaTrípliceAliançaeoParaguai,tornando-seumatorengajadonoesforçodeconstruçãodeumaidentidadenacional.

NoEl Mosquito,Meyerpublicavacaricaturasechargessobreaguerra,enquantoquenoCorreo del Domingoestampavafotografiasdosoficiaisquesedestacavamporbravura e mapas do teatro daquele conflito externo, que foi um divisor de águas nahistóriadospaísesenvolvidos.MomentoemqueseprocessavaaconstruçãodosEstadosnacionaisnoRiodaPrata.

No final daGuerra do Paraguai, Enrique Stein, outro artista francês, passou ailustrar a revistaEl Mosquito, tornando-se, depois seu proprietário, conseguindo umaposiçãodedestaquenãosónomeiojornalístico,comotambémnomeiopolítico.E,assimcomoMeyer, Stein, contribuiu para construção de imagens representativas da naçãobrasileira,naArgentina.

Depois da Guerra do Paraguai apareceram outros periódicos com ilustaraçõeshumorísticas ilustrados humorísticos em BuenosAires. Mas tiveram curta existenciaenenhumdelesconseguiusuplantaroEl Mosquito.Umdesses,oEl Petroleo (1875),

1THIESSE,Anne-Marie.La création des identités nationales – Europe XVIIIe – XXe siècle.ÉditionsduSeuil,mars1999,octobre2001.Colletion“PointHistoire”.p.13.2CAVALLARO,Diana.Revistas Argentinas del siglo XIX.BuenosAires:AsociaciónArgentinadeEditoresdeRevistas,1996.p.90.

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emboradeduraçãoefêmera,mostrou-sesignificativoparaapesquisaemtela,nãosóporfocalizarasrelaçõesBrasil-Argentina,comotambémpelaqualidadedasilustraçõesdoartistafrancêsAlfredoMichon,que,comojáobservamosnoprimeirocapítulo,trabalharanoRiodeJaneiro,narevistailustradaBa-ta-clan.Fatoquecomprova,porumlado,umintercâmbiodeartistas,nessemomento,noeixoBrasil-BuenosAires,eporoutro,oquantoartistaseuropeuscontribuíramparaaconstruçãodoimagináriodaquelassociedadessul-americanasnoprocessodeconstituiçãodesuasidentidadesnacionais.

ApresençaefetivabrasileiranoPratafoinoperíodode1851a1876.E,conformesepodeperceberpelomateriallevantadoeanalisadonestecapítulo,confirmou-seadatade1876,comoummarcofinaldapresençamaciçabrasileiranaregião,poisforamparcos,raros,oumesmoinexistentes,enfoquesrelacionadosaoBrasileseusvizinhosplatinosnoEl Mosquitodepoisde1876.

uMa intensa produção de iMagens: el MosQuito (1863-1893) na Cobertura dos aConteCiMentos entre o brasil e a argentina

1863. Presidia a República o brigadeiro general Bartolomé Mitre, eleito em outubro do ano anterior. Também uns meses antes o Congresso havia expressado que ‘não podia senão inclinar-se ante a Divina Providência, pela visível proteção que havia dispensado à República e ao general Mitre para fazer sair a unidade Argentina do caos e das ruínas que pareciam fazê-la impossível’3.

El Mosquito surgiu emBuenosAires nessemomento em que se processava aunificaçãodaRepúblicaArgentina.Aomesmotempo,comoobservouDianaCavalaro,“surgiramasprimeirasintençõesnaprocuradeumjornalismoindependenteelucrativo”4. Segundoestaautora“livrecâmbioeeuropeizaçãoeramaschavesparaoprogressonaspresidênciasdeMitre,Sarmiento,AvellanedaeRoca”5.

ConvémsalientarquenosprimeirosanosdepublicaçãodoperiódicoEl Mosquito,asilustraçõeseramestampadassomentenaspáginascentrais,enquantoqueaprimeirapáginaeaúltimaeramreservadasacomentáriosjocosos.

O aparecimento do El Mosquito, também foi concomitante aos primeirosacontecimentosqueantecederamaGuerradoParaguai.

O general Venâncio Flores, chefe do partido colorado uruguaio, planejou emBuenosAiresumarevoluçãocontraogovernoblanco,desencadeadanoUruguai,em19deabrilde1863.SegundoMiguelAngeldeMarco,partedaimprensaemBuenosAires,

3DANERO,E.M.S.El Cumpleaños de “El Mosquito”.BuenosAires:EditorialUniversitáriadeBuenosAires,1964.p.5.(Traduçãolivredaautora).4CAVALARO,Diana.Op. cit.p.83.5 Idem.p.84.

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aplaudiuomovimento,“assinalandoquese tratavadeumanovacruzadacivilizadora,masnointeriordopaís,eparticularmenteemEntre-Rios,surgiuumacaudalosacorrentedeapoioaosblancosmaterializadanoenviodevoluntários,entreosquaisseencontravaum filho deUrquiza”6. Este autor observou ainda que “o estado da política uruguaiaprovocou uma sucessão de acontecimentos que fizeram ressurgir velhas diferençasedespertaramoutrasnovas.AoconheceroapoioquesebrindavaaFloresnasesferasoficiaisdaArgentina,opresidentedoParaguai,FranciscoSolanoLópez,experimentouumprofundoalarme”7.

López pretendia obter mais expressão nos acontecimentos relativos ao Prata,frustradoemmuitasdesuaspretensões,considerouodesenrolardosacontecimentosdaatuação do Império doBrasil noUruguai, governado pelo partidoblanco, comoumaafrontaaoseuprópriopaís.

NaspalavrasdeMiguelAngeldeMarco,“El Mosquitocomeçavaacaricaturaradramáticacenadepovosapontodelançar-seàguerra,retratandoaLópezcomoumgeneralsemelhanteaumíndio,queluziaadornosdeplumasemseualtocapacete”8.ImagemdeumLópeztirânicoecômico,queseassemelhaàscaricaturasdeLópezestampadasporFleiuss,naSemana Illustrada,publicadanoRiodeJaneiro.(fig.1)Meyer,usavadolápiscríticonadefesadosprincípiosliberais,9demaneiraqueaatuaçãodochefeparaguaiofoiespetadapelocaricaturista.Mas,Mitre,políticoliberal,unitário,tambémfoiumdosalvosprivilegiadosdoperiódicoilustradoportenhoeapolíticaconduzidapord.PedroIInoPratatambémfoicriticada,mostrandoumBrasilcomoumpaísdispostoatiraromelhorproveitodasituação.

6MARCO,MiguelAngel.Historia del periodismo argentino.BuenosAires:EditorialdelaUniversidadCatólicaArgentina.2006.p.263.(Traduçãolivredaautora).7 Idem,ibidem.(Traduçãolivredaautora).8Idem.p.265.(Traduçãolivredaautora).9OscaricaturistasdoséculoXIXsãotributáriosdoartistafrancêsDaumier,quecomoobservouArgan“foioprimeiroafundaraartesobreuminteressepolítico(vendonapolíticaaformamodernadamoral),oprimeiroasevalerdeummeiodecomunicaçãodemassa,aimprensa,paracomaarteinfluirsobreocomportamentosocial.Aimprensa,paraele,nãofoiapenasmeiodedivulgaçãodeimagens;foiatécnicacomqueproduziuimagenscapazesdealcançare influenciarseupúblico”.(ARGAN,GiulioCarlo.Arte Moderna.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1998.p.64.).

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Fig.1-El Mosquito-Meyer-Bibliotecadel Congresso

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Em12deoutubrode1864LópezapreendeonaviobrasileiroMarquêsdeOlinda,dandoinícioàguerra.

Mitre,10 presidente daArgentina, permaneceu no seu intento de ficar neutro e,segundoMiguelAngel deMarco, “excetoNación Argentina, o jornalismodeBuenosAiressequeixavadequeMitresemanifestavaimpassívelfrenteàtormenta.[...]”11.

Lópezacreditava,noinício,queobteriaoapoiodosfederaisargentinoschefiadosporUrquiza,masfrustrou-semaisumavez,quandoesteresolvemanter-sefielaMitre.

ObservouDoratioto,

ao considerar provável uma guerra com o Brasil, Francisco Solano López interpretou a intervenção brasileira no Uruguai como prenúncio de um ataque ao Paraguai, após anexar parte do território uruguaio. Essa anexação, interpretava a Chancelaria paraguaia, era a única justificativa para os gastos do Império em sua ação militar no Uruguai. Solano López convencera-se dos argumentos de las Carreras de que, após a queda de Montevidéu, o governo argentino se voltaria contra o Paraguai, passando a acreditar que o Brasil, ao aliar-se com Flores, servia à política de Buenos Aires12.

Acrescentouaindaesteautor,que“eramequivocadasasinterpretaçõesdogovernoparaguaio,querquantoàameaçaàindependênciauruguaia,querquantoaseroParaguaialvodeataquedoImpério,apósaintervençãomilitarbrasileiranoUruguai[...]”13.

Em17dedezembrode1864,noiníciodainvestidadeLópeznoBrasil,El Mosquito publicou,naprimeirapágina,umanotíciairônicasobreumapossívelaliançaentreBrasileArgentina,sobotítulo“Políticosquefalamclaro”.EnasegundapáginamaisnotíciasjocosassobreodesenrolardosacontecimentosnoPrata.

NaspáginascentraisdessemesmonúmerofoipublicadaumacaricaturadeMeyer(fig.2),reforçandooartigodaprimeirapágina.Àesquerda,Mitre,d.PedroIIeFlores,representadoscomocruzados;àdireita,Bilbao,14representadocomummongecruzado,

10BartolomeuMitre(1821-1906),generalepresidentedaArgentinade1862a1868.PeríododaunificaçãodaRepúblicaArgentinaequeteveinícioaGuerradoParaguai.MitrefoicomandanteemchefedastropasdaTrípliceAliança.Eramembrodopartidoliberalesedestacou,tambémcomoescritor,fundandooperiódicoLa Nación,quecontinuaaserpublicadoatéhojeepermanececomoumdosmaisimportantesjornaisdaRepúblicaArgentina.

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Bartolo%C%A9_Mitre-acessadoem22/4/2007).11MARCO,MiguelAngel.Op. cit.p.266.(Traduçãolivredaautora).12DORATIOTO,Francisco.Op. cit.p.70.13Idem,ibidem.14FranciscoBilbao(Chile,1823-Argentina,1865),escritorepolíticochileno,adeptodasidéiasliberais,

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segurando um livro. Legenda: “NovoPedro oErmitão daAmérica do Sul. FranciscoBilbaopredicandoumanovacruzada.”

CríticaaFranciscoBilbao,escritorchileno,quevivia,nessemomento,emBuenosAires,advogavaasidéiasliberaiseacabaradeescreverolivroEl Evangelio Americano.

Foipublicado,também,nessemesmoexemplardoEl Mosquitode17/12/1864,umartigo,criticandoapolíticanoPrata,emqueoBrasilépercebidocomoumpaísquequertiraromelhorproveitodasituação:

Políticos quE falam claro.- Si, meu grande amigo. A aliança com o Brasil foi uma

grande idéia salvadora, um pensamento fecundo cujos ótimos resultados não é dado a calcular.

- Por conta vale muito um sacrifício de consciência feito na devida oportunidade.

- Quem quer o fim quer os meios.- É claro: que direito de gentes, nem que berengenas.- O direito internacional é uma farsa; as protestas

chamadode“Apóstolodaliberdade”,porcombaterosgovernosautoritários.MorouemParis,ondeentrouemcontatocomMicheleteEdgardQuinet.Em1850,regressouaoChile,sededicandoaorganizaçãodeummovimentoradical.OmovimentofoisuprimidoeBilbao,acabouporserefugiarnoPeruenaEuropa.EmseusúltimosanosdevidafoimorarnaArgentina,sededicandoaoofíciodeescritor,publicandoem1862“LaAméricaenPeligro”e,em1864“ElEvangelioAmericano”.

(http://es.wikipedia.org/wiki/Francisco_Bilbao–acessadoem22/4/2007).

Fig.2-El Mosquito-17/12/1864-Meyer-ArquivoGeneraldelaNacion

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de defender a liberdade e a civilização são tudo. Soltar uma frasezinha dessas, e ela fará seu caminho.

- Para ser político precisa ter consciência de manga larga e guelras de dourado.

- Tonto, meu amigo, o que nestes bons tempos de Deus, se atreve a sustentar idéias fixas a ter consciência!

- Mas Vd. pensa que nesta idade haja quem não saiba a Bíblia de memória.

- Até o Evangelho de Bilbao sabem os pequenos de memória!

- Com efeito: os blancos o que querem é medrar aunque arruínem sua pátria; os colorados querem governar e sobretudo voltar a sua pátria os pobrezinhos deserdados; e em fim os Brasileiros tem ganas de chupar-se esse presunto. Phsit! Todos querem viver.

- É uma dura verdade! Por isso eu penso como o poeta francês:

L’homme, de quelque nom pompeux qu’il se decore,J’en juge par moi- même, est un triste animal.On fait très-peu de bien, beaucoup de mal: encoreLe peu qu’on fait de bien on ne le fait que mal15.

15ElMosquito,17/12/1864.(Traduçãolivredaautora).

“POLÍTICOSQUEHABLANCLARO.

-Si,migranamigo.LaaliançacomelBrasilhásidoumaideasalvadora,unpensamientofecundocuyosóptimosresultadosnoesdadocalcular.

-Pordecontadovalemuchoumsacrifíciodeconscienciahechoenladebidaoportunidad.

-Quiénquiereelfinquierelosmédios.

-Esclaro;quederechodegentes,niquéberengenas.

-Elderechointernacionalesumafarsa; lãsprotestasdedefenderlaliberdadylacivilizacionsontodo.Soltadumafrasesitadeesas,yellaharásucamino.

-Paraserpolíticoseprecisatenerconcienciademangaanchayagallasdedorado.

- Tonto, mi amigo, el que en estos buenos tiempos de Dios, se atreve á sostener ideas fijas à tenerconciencia!

-PeroVd.PiensaqueenestaedadhayquiennosepalaBíbliadememoria.

-HastaelEvangeliodeBilbaosabenloschiquitosdememoria!

-Emefeto:losblancosloquequierenesmedraraunquearruinensupátria;lãscoloradosquieremgovernarysobretodovolverásupátrialospobrecitosdesheredados;yemfinlosBrasilerostienenganasdechuparseessejamon.Phist!Todosquierenvivir.

-Esumaverdaddeapuño!Poresoyopiensocomopoetafrancés.

L’homme,dequelequenompompeuxqu’ilsedecore,

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OcomentárioéalusivoaosinteresseseconômicosdoBrasilnoUruguai.ConformeAmadoCervo,paraoBrasil,tinhaoUruguaimaiorimportânciaeconômicaeaArgentinamaiorimportânciapolítica.Ainda,segundoCervo,

oscincotratadosde12deoutubrode1851estabeleceramsobreoUruguaiumsemiprotetoradobrasileiro,queUrquizaeBuenosAirestoleravam,mesmoqueaforçafosseempregadaparamantê-lo, como ocorreu em1854 e 1864.Assegurou-se no período aaçãodeMauá,aexploraçãobrasileiradaspastagensuruguaias,o controle das finanças públicas uruguaias e a delimitação dasfronteirassegundoodesejobrasileiro16.

Periódicosargentinosnãoilustrados,comoLa Tribuna,tambémnãosemostraramfavoráveis ao desempenho brasileiro no Prata: “OBrasil leva adiante sua política deabsorçãoeconquista:nãoseimportacomomundoparapô-laemviasdefatocontraaheróicamasdesgraçadaRepúblicaOrientaldoUruguai”17.

AindanaprimeirapáginadesteexemplardoEl Mosquito, de14de janeirode1865,umcomentáriojocososobreosacontecimentosbélicosentreoBrasileoParaguai.Esse comentário é particularmente significativo para nossa pesquisa, porque neleaparecem imagens, representações, construçãode sentidosvinculados à nacionalidadebrasileira.Imagens,representaçõesquetambémeramveiculadasnoperiódicoparaguaioCabichuí18. Nesse sentido, os caricaturistas na Argentina e no Paraguai ajudaram adifundirrepresentaçõessobreoBrasil,epodemserconsideradosartíficessignificativosnaconstituiçãodoimagináriodaquelasociedadenoPrata.

El ParaGuai

oPEraçõEs bélicas.

Não faz muito tempo que o Paraguai havia dito ao Brasil: olha negrito, si molhar a orelha à República Oriental vou agarrar

J’emjugeparmoimème,estuntristeanimal.

Onfaittrés-peudebien,beaucoupdemal:encore

Lêpeuqu’onfaitdebienonnelefaitquemal.”

16CERVO,AmadoLuiz;BUENO,Clodoaldo.História da Política Exterior do Brasil.2ªEd.Brasília:EditoraUniversidadedeBrasília,2002.(ColeçãooBrasileoMundo).p.118.17La Tribuna,8/1/1865,editorial“ElRiodelaPlata”.(Traduçãolivredaautora).ElBrasilllevaadelantesupolíticadeabsorcionyconquista:noseimportayadelmundoparaponerlaemviasdehechocontralaheroicaperodesgraciadaRepúblicaOrientaldelUruguay.”18DORATIOTO,Francisco.Op. cit.p.273.

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a cacetadas.Passaram uns dias e o presidente do Mato Grosso se pôs a

fabricar canhões tranqüilamente em um arsenal paraguaio.Outros dias mais se passaram e o forte de Coimbra se pôs

a chorar a despedida de seus queridos macaquitos.A Nación Argentina [jornal] dá conta do fato nos seguintes

termos.Os paraguaios atacaram a Coimbra e foram rechaçados

por duas vezes, depois da qual os brasileiros como uma conseqüência da vitória se puseram a fugir por pura humanidade deixando suas munições e seus víveres, para que seus inimigos não sofressem privações.

Que humanos estão os senhores brasileiros! Quem havia de crer que em corações de monos haveria os mesmos sentimentos que nos corações dos homens prudentes.

[...]”19.

Macacos passou a ser a representaçãocaricatural danaçãobrasileiranoPrata.Aimagemédeumanaçãocompostapornegros,quepejorativamenteseriammacacos. Integravam as tropas brasileiras soldados negros, ex-escravos. O jornal paraguaioCabichuí, como observou Doratioto, “sempre se referiu às forças imperiais como os macacos,associandoossoldadosnegroscomapretensacovardiadosbrasileiros.ParaoCabichuí,domPedroIIera‘ograndemacacoqueostentasuaautoridadedeRei’[...]”20. Segundoaindaesteautor,“emtodososexércitosenvolvidosnaguerra,houveapresença

19El Mosquito,14/1/1865.(Traduçãolivredaautora).

ELPARAGUAY

Operaciones bélicas.

No hace mucho tiempo que el Paraguay lê habia dicho al Brasil: mira negrito, si le mojas la oreja á la República Oriental te voy à agarrar cachetadas.

Pasaron uno dias y el Presidente de matto groso se puso à fabricar cânones tranquilamente em um arsenal paraguayo.

Otros más han pasado y el fuerte de Cohimbra se há puesto à llorar à la despedida de sus queridos macaquitos.

La Nación Argentina da cuenta del hecho em los términos siguintes:

Los paraguayos atacaron à Cohimbra y fueron rechazados por dos vezes, despues dela qual, los brasileros como uma consecuencia de la victoria se puseran à huir por pura humanidad dejando sus municiones y sus viveres, para que sus enemigos no sufriera privaciones.

Que humanos han estado los Señores brasileros! Quien habia de crer que em corazones de monos hubiera los mismos sentimentos que en los corazones hombres prudentes.

20DORATIOTO,Francisco.Op. cit.p.272.

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desoldadosnegros,sendoemmaiornúmerodoladobrasileiro”21.Napágina2destemesmonúmerodoEl Mosquito,aumcomentáriohumorístico

sobotítulo“Proclama”,assinadoVenâncioFlores,emqueserefereaosbrasileiroscomo“animalitos”,“monos”,“naciónmacaca”.

OpresidenteMitrenessaocasiãoreiteravaseudesejodemanteraneutralidadedaRepúblicaArgentinafrenteaosacontecimentosnoPrata.

O Brasil é percebido, nesse momento, como intervencionista, exercendopresençaativanaregiãodoPrata,comopode-seobservarnasimagenspublicadasnoEl Mosquito.

Em 28 de janeiro de 1865, Meyer estampou uma charge ironizando osacontecimentos no Uruguai. Nela,Mitre, presidente da RepúblicaArgentina, seguraumpapel, com inscrição:“Paz”, tentandochamaraatençãodeAguirre,presidentedoUruguai, estonteado, comumcometa, caindodo céu, portando em sua cauda generalFloresed.PedroII(fig.3).Alegendaqueacompanhareforçaaimagem:

OperiódicoEl Mosquitosempreatentoaosacontecimentos,mostraumexércitobrasileiroprestesacaircomoumcometaemMontevidéu,enquantoMitreaindatentavaobterumarranjopacífico.

OviscondedoRioBranco,emdiscursonoSenadoImperialem5de junhode1865,narrouassimessesacontecimentos:

21 Idem.p.277.

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- Atanásio! Atanásio! Não rechace Vd. minhas propostas! Fixe neste astro ameaçador! Neste cometa que aparece como um lúgubre presságio! Querido Aguirre!... Vd. ouça minha voz falando a linguagem da razão! Vd. escutará a seu amigo, que vem em nome de Flores falar de paz e conciliação!- Sim, amanhã!!!

Fig.3-El Mosquito-28/01/1865-Meyer-BibliotecadelCongresso

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O nosso exército estava em marcha para Montevidéu, uma mediação, em tais circunstâncias, a meu ver, não podia dar-nos a solução que desejávamos. Respondi, pois, neste sentido e com alguma animação, ao general Mitre. Recordo-me de que o ilustrado presidente da República Argentina observou-me que eu lhe parecia um pouco apaixonado; que respeitava os motivos nobres de meus sentimentos e que, portanto, se era repugnante ao Brasil a mediação, ele abriria mão desse meio e deixaria que a guerra seguisse o seu curso.

Retorqui que o governo imperial desejava muito evitar a efusão de sangue em Montevidéu, mas que, as circunstâncias em que nos achávamos com o governo de Aguirre, já não havia transação possível com esse governo, que qualquer solução que o deixasse subsistir não poderia ser aceita pelo Brasil; que eu não desejava obstar a que o general Mitre prosseguisse em seus propósitos pacíficos, mas lhe pedia que, como bom amigo, se colocasse na posição do Brasil, para não fazer-nos proposições que não pudéssemos aceitar. O general Mitre reconheceu então, comigo, que o caso não era de transação e, sim, de capitulação, mas capitulação generosa para com os vencidos, o que ia de acordo com o pensamento que sempre manifestou-me o governo imperial22.

NestemesmoexemplardeEl Mosquito,de28dejaneirode1865,saiuumcomentáriocríticoemrelaçãoàneutralidadedaRepúblicaArgentinadiantedosacontecimentosnoPrata.Abaixo,trechoinicial:

NEutralidadE

Ao mesmo tempo que o cometa apareceu no mundo uma neutralidade não menos nova e com não menos cola. Esta é a neutralidade de sua majestade o general Mitre que Deus guarde, neutralidade tão duvidosamente feminina que eu trepido em chamá-la neutra.

Os brasileiros fazem seu hospital de sangue em Buenos Aires e quase seu quartel-general.

Não têm vocês dúvidas que dizer que isto não é efeito da

22RIOBRANCO,JoséMariadaSilvaParanhos.Com a palavra o visconde do Rio Branco:apolíticaexteriornoparlamentoimperial.Discursos.RiodeJaneiro:CHDD/FUNAG,2005.p.335.

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neutralidade nem que os brasileiros deixam de ser afeitos aos neutros.

Flores faz aqui seu centro de operações; os changadores com umas caras mais ou menos de facínoras se embarcam e se desembarcam carregando nos gordurentos e valorosos chapéus umas divisas que dariam inveja a um arco-íris do inferno se o houvesse.

Tudo por pura neutralidade! [...]23.

Essa neutralidade era questionável, e os jornais atentos aos acontecimentospressionavamogeneralMitre24.

EsteexemplardoEl Mosquitode28dejaneirode1865,foiquasetododedicadoaosacontecimentosnoPrata.Nasegundapágina,maisnotícias,ironizandoosacontecimentos.UmadelasreforçaachargedeMeyer,sobotítuloastronoMia,outraésignificativaporqueironizarelacionamentodaquelasociedadeimperialbrasileira.Estafoipublicadaemformade correspondência, escrita emportuguês, de um suposto “Cozinheiro doEstadomordaCanhoneiraJequitinhonha”,narrandoabatalhadePaissandu,paranamoradabaiana,quemassinaéVale.Interessanteobservarqueessepersonagemfictíciovaiapareceroutrasvezescomocorrespondentebrasileirodoperiódicoportenhonoteatrodeoperações.

Em 3 de março de 1865, nas páginas centrais, Meyer estampou uma chargeinspiradanafábuladeLaFontaine(fig.4).Àesquerda,Mitre,representadocomohíbridodemacacoelince,portandochapéuegarrucha,segurandodocumento,trepadoembanco;àdireita,PedroII,representadocomoumloboe,López,representadocomoumaraposa.

23 El Mosquito,28/1/1865.(Traduçãolivredaautora).NEUTRALIDADE

Almesmotiempoqueelcometaháaparecidoemelmundoumaneutralidadnomenosnuevaycomnomenoscola.EstaeslaneutralidadsesumajestadelgeneralMitrequeDiosguarde,neutralidadtandudosamentefemeninaqueyotrepidoemllamarlaneutra.

LosbrasileroshacensuhospitaldesngreembuenosAiresycasisucuartelgeneral.

Notienenustedesquedecirqueestonoesefectodelaneutralidadniquelosbrasileirosdejandeserafectosálosneutros.

Flores hace aqui su centro de operaciones; los changadores com unas carasmás ómenos defacinorososseembarcamysedesembarcamcargandoemlosgrasientosyvalerosossombrerosunasdivisasquedieranenvidiaàumarco-irisdelinfernosilohubiera.

Tódoporpuraneutralidad

24JoséMariadaSilvaParanhos,emdiscursonoSenadode5dejunho:“NoprimeiroataqueaPaissandu,faltaram-nos algumas munições e nós as fomos achar nos parques de Buenos Aires;nesta cidadeestabeleceram-sehospitais, onde foram tratadosos feridosdePaissandu; anossa esquadrapôdeoperarcontraogovernooriental aténas águasdaRepúblicaArgentina;ogovernoargentinoprocurou sempreevitara intervençãodocorpodiplomáticodeMontevidéunasquestõesentreo ImpérioeogovernodeAguirre:todosestesofíciosdeboaamizadeeodeverquetínhamosdemantertãoúteisehonrosasrelaçõesdavamàmediaçãoargentinatalcaráter,quenãoapoderíamosdeixarderejeitarin limine.”(RIOBRANCO,JoséMariadaSilvaParanhos.Op. cit.p.334.)

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Título:“ElParaguayyelBrasilqueriendoarreglarsusquestionestomanporárbitroáD.Bartolo”.

Percebe-seoimpactodaobradeGrandville,ilustradordasFábulasdelaFontaine,na charge criada por Meyer. A analogia entre homens e animais era tradicional narepresentaçãocaricaturaldaépoca.ParaGrandvilleéoimpactodailustraçãoedacargasimbólicadasimagensqueinteressa,ouseja,aforçadodiscursovisual.Éopensarporimagens.MacacofoiarepresentaçãocaricaturaldanaçãobrasileiranoPrata.EMitreestácaracterizadocomomono-lince(macacoesperto),pró-Brasil.

el MosQuito e a trípliCe aliança.

Em29deabril,MeyerpublicaumailustraçãosobreaTrípliceAliança.NelaMitre,PedroIIeFlores,emuniformedesoldados,portandobaionetascaminhamemdireçãoaumursodecostas,fardado,portandocapacetedeSolanoLópez(fig.5).Legenda:“Trêscaçadoresmuitoconhecidossejuntaramparaircaçaroursoparaguaio”.

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Fig.5-El Mosquito-29/04/1865-Meyer-BibliotecadelCon-gresso

“História” “Um lobo sustentava que era roubado Por um zorro vizinho muito malvado; E ante um mono muito lince e nada bobo O lobo acusa o zorro deste roubo. ................................................................. .................................................................

Os conheço faz tempo camaradas,Disse o mono as partes concertadas,Pois tu, lobo, te queixas sem motivoDo zorro, que é ladrão, mas muito ouçoVista as causas, pois, que se consulta,Os imponho aos dois pagar a multa.

El Mosquito

Fig.4-El Mosquito-03/03/1865-Meyer-BibliotecadelCongresso

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Meyer,tambémcomoFleiuss,parasublinharopapelridículodochefeparaguaio,contrapôsàartedoretrato,pararepresentarospersonagensquecompunhamaTrípliceAliança,aartedacaricaturapararepresentarLópez,comoem29deabrilde1865.

MiguelAngeldeMarco,aoanalisaraposturadaimprensaportenhanoiníciodalutacontraoParaguai,observouque:

em geral, a imprensa de Buenos Aires estreitou fileiras de apoio a uma resposta militar, ainda quando alguns órgãos, como La Tribuna, El Nacional e El Pueblo, se cuidaram, cada um com sua linguagem, de sustentar que ela não significava apoiar ao partido no governo nem aceitar de plano qualquer medida que não fora expulsar o inimigo. Essa postura se acentuaria ao se conhecer os termos do Tratado da Tríplice Aliança, vários meses depois de iniciada a guerra25.

NaspalavrasdeDoratioto,

Os ataques paraguaios a Mato Grosso e Corrientes viabilizaram a formalização da aliança argentino-brasileira, à qual aderiu o Uruguai governado por Venâncio Flores. A aliança contra o Paraguai era parte de uma aliança maior, planejada por Mitre antes desses ataques, pela qual Argentina e Brasil estabeleceriam uma política de cooperação no Prata, exercendo uma hegemonia compartilhada em substituição às rivalidades e disputas que predominaram nas relações entre os dois países. Em 1 de maio de 1865 foi assinado, em Buenos Aires, o Tratado da Tríplice Aliança, contra Solano López, que estabelecia as condições da paz e também deveria servir de base para “que façamos [Argentina e Brasil] uma aliança perpétua, baseada na justiça e na razão, que será abençoada por nossos filhos26.

Em28demaiode1865,El MosquitopublicououtrachargefocalizandoaTrípliceAliança,eosataquesdobonecoMosquito,comseulápis,espetandoabarrigadeLópez

25MARCO,MiguelAngelde.Op. cit.p.276.(Traduçãolivredaautora).

“Emgeneral,laprensadeBuenosAiresestrechófilasemelapoyoaumaarespuestamilitar,auncuandoalgunosórganos,comoLatribuna,ElNacionalyElPueblo,secuidaron,cadaunocomsulenguaje,deostenerqueellonosignificabaapoyaralpartidoemelgobiernoniaceptardeplanocualquiermedidaquenofueraexpulsaralenemigo.EsaposturaseacentuariaalconorcerselostérminosdelTratadodelaTripleAlianza,varisomesesdespuésdeiniciadalaguerra.”26DORATIOTO,Francisco.Op. cit.p.156-157.

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(fig.6).Alegendaqueacompanhareforçaaimagemecriticaaatuaçãodosaliadosnaguerra27.

Nessemomento, começaramaparecer as críticas, nas páginas doEl Mosquito, àsoperaçõesbélicasdosaliados.BartolomeuMitrehámuitoeraalvodolápiscríticodeMeyer,popularizadonaspáginasdoEl Mosquitocomo“D.Bartolo”.OBrasilpassavaaserpercebidocomoumpaísdisposto,cadavezmais,amarcarpresençaefetivanaregiãoplatina.

AidentidadedeumimpérioescravocrataeratambémespetadapelapontaafiadadolápispropagadordeidéiasliberaisdoEl Mosquito.OdiscursovisualeverbaldoEl Mosquitoenfatizava,muitasvezes,essacontradiçãodeumImpérioescravocrataeadeptodasidéiasliberais,comopodemosobservarnoeditorialde11dejunhode1865.OBrasilépercebidotambémcomooinimigo,ooutro,onãohispano-americano,quequeraferroefogoseimpornaregião,comocomentadoemmatériajocosapublicadanestemesmonúmero.

o teatro da guerra

NestemomentooteatrodaguerrasecompõedaProvínciadeEntre-RiosdaProvínciadeSanta-Fé,daProvínciadeCorrientes,daRepúblicaArgentina,daProvínciadoRioGrandedoSul,daProvínciadeMatoGrossonoBrasiledetodooParaguai.

Emnenhumtempoaguerrateveumtãovastoteatro.[...]Teatro de guerra maior como o atual não existiu nem

nuncaexistirá.Pois não é estranho que nossos generais não consigam

juntar-se.

27 El Mosquito,28/5/1865.(Traduçãolivredaautora).

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Todavia não estão prontos? Faz bastante tempo que pelejo só contra o gigante. Senão vem logo a ajudar-me, os atra-vesso aos três com a outra ponta do meu lápis. Por ser um menino que entra hoje em seu terceiro ano, não creio que tenha medo.

Fig.6-El Mosquito-28/05/1865-Meyer-BibliotecadelCongresso

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[...]Omitimos dizer que o general Flores saiu há cinco ou

seisdiasdeMontevidéu,tambémembuscadeunsgeneraisqueviajamamarchasforçadas,buscando-seunsaosoutros.

OBrasilnãobuscanadasenãoumbomlugardeondepossaveraseugostoadestruiçãolentamasseguradaraçaHispano-Americana,pelocansaço,oferro,ofogo,anovaestratégiaeatáticarecém-inventada.[...]28.

Em29 de outubro de 1865,Meyer estampou uma charge (fig. 7) criticando aMarinhabrasileiranoteatrodeguerra29,emquenoprimeiroplano,aparecemd.PedroIIeMitre,deuniformesmilitares,dialogando.Mitre,apontandoparatropasqueatravessamorio,comtabuletas,cominscrições:“PasodaPátria”e“CaminosdeHumaitá”.Alegendaqueacompanhareforçaaimagem30.:

28El Mosquito,11/6/1865.(Traduçãolivredaautora).

ELTEATRODELAGUERRA.

EmestemomentoelteatrodelaguerrasecomponedelaProvínciadeEntreriosdelaProvínciadeSanta-FédelaProvínciadeCorrientesdelaRepúblicaArgentinadelaProvínciadeRioGrandedelsul,delaProvínciadeMattoGrossoemelBrasilytodoelParaguay.

Emninguntiempodelaguerrahátenidoumtanvastoteatro.

HaymuchaspersonosquehallanáColonmuyespaciosoyloesemefectocomoescenateatral.

Peroguardandolacomparacionelteatraodelaguerraesmuchomayor.

Teatrodelaguerramayorequeelactualnoháhabidonuncanihabrará.

Noespuesestrañoquenuestrosgeneralesnoconsigamjuntarse.

[...]

OmitamosdizerqueelgeneralFloressalióhacemcincoóseisdiasdeMontevideo,tambienenbuscadeunodelosgeneralesqueviajanámarchaforzadas,buscandoseunosáotras.

ElBrasilnobuscanadasinoumbuensitiodedondepuedeverasugustoladestruccionlentaperoseguradelarazaHispano-Americana,porelcansancio,elfierro,elfuego,lanuevaestrategiaylatácticarecieninventada

29ObservouaindaDoratioto,queainérciadosnaviosdeBarrosofoi,àépoca,motivodecríticas,omesmoocorrendocomaausênciadeTamandaré,quepermaneciaemBuenosAires.AfaltadepráticossobreessapartedoParanáeaságuasbaixasdorio,devidoàvazante,‘foramosobstáculos,ouantesasdesculpasparajustificarainaçãodosnossosnavios’.Contudo,BarrosonãoconheciadefatoacalhafluvialdorioParaná,nãodispunhadenenhumacartahidrográfica,nemconseguiuemCorrientesumpráticoqueaconhecesse,oquecolocavaemriscodeencalheasembarcaçõesbrasileirasquealiseaventurassem,epodiam,então,serdestruídaspelaartilhariaparaguaia[...].(DORATIOTO,Francisco.Op. cit.p.182).30 El Mosquito,29/10/1865.(Traduçãolivredaautora).

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D.PedroIIemboratenhasidooprimeiroasealistarcomovoluntáriodapátria,nãoparticipoudocomandodastropasbrasileiras,emboratenhaestadoemUruguaiana.31NachargedeMeyer,d.PedroII,estárepresentadocomochefedoEstadoimperialbrasileironoteatrodeguerranoRiodaPrata.

DeacordocomDoratioto,

A desastrosa derrota no Rio Grande do Sul e o bloqueio do rio Paraná pela esquadra brasileira levaram Solano López a ordenar a Resquin que retornasse com suas tropas para o território paraguaio, pelo Passo da Pátria. Entre 31 de outubro e 3 de novembro, os paraguaios atravessaram a confluência dos rios Paraná e Paraguai, conhecida como Três Bocas, sem serem incomodados pela esquadra imperial. [...]32.

As desarmonias entre os integrantes da Tríplice Aliança começaram a seresboçadasnaschargescriadasporMeyer.Em26denovembrode1865,Meyercrioutrêsquadrinhossobotítulo“Concertopolítico”(fig.8),abordando,ironicamente,umpossívelrompimentodopactodaTrípliceAliança.Noprimeirodeles,aparecemMitre,PedroIIeFlores,demãosdadas,acompanhadodalegenda:“Trioharmônico”.Nosegundo,MitreeFlorescorrendo,deixandoparatrástabuleta,cominscrição:“Corrientes”,acompanhadoda legenda:“Fugaenduo”.No terceiroquadro,PedroII,espantado,acompanhadodalegenda:“Solodifícil”.

31DORATIOTO,Francisco.Op. cit.p.182.32 Idem.p.191.

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- Majestade! Lá vão os paraguaios! Franqueiam o Passo da Pátria! Pronto a esquadra! Vamos fazê-los em pedaços! A esquadra! Pronto!!!- Não pode ser. Ainda não chegaram os encouraçados e o Tamandaré está doente.

Fig.7-El Mosquito-29/101865-Meyer-ArquivoGeneraldelaNacion

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Em 3 de dezembro de 1865,Meyer publicou outra charge sobre a Guerra doParaguai,comotítulo:“RumoreseHumores”(fig.9),naqualenfatizouadesarmoniadepensamentosentreosaliados.Àesquerda,PedroII,zombando,daatitudedeLópez;Flores,enrolandoobigode,pensativo;eMitre,sério,debraçoscruzados;àdireita,López,cabisbaixo,segurandoumpapel,cominscrição:“Paz”.Alegendaqueacompanhareforçaaimagem33:

Alusivaa solicitaçãodepazdepoisdaderrota emUruguaianaedo retornodeCorrientes. Como observou Doratioto, “com a retirada paraguaia do solo argentino,inverteria-seosentidodaguerra.OParaguaiseriainvadido,cabendoaosaliadosescolhero lugarda invasão,oquedeveriamfazercomcautelapornãodisporemdemapasdopaís”34.

Ressaltouaindaesteautorque“oexércitoparaguaioquevoltoudeCorrientesparaoseupaís,compostode14milhomenssãoseoutros5mildoentes,pareciaextremamentefatigado”35.

A desarmonia entre os aliados continuou a ser focalizada em 1866. FranciscoOtavianodeAlmeidaRosa,representantediplomáticodoImpérionaregião,foialvodeumasériedechargespublicadasnoEl Mosquito.Emumadessasséries,2desetembro

33 El Mosquito,3/12/1865.(Traduçãolivredaautora).34DORATIOTO,Francisco.Op. cit.p.196.35 Idem.p.197.

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Fig.8-El Mosquito-26/11/1865-Meyer-BibliotecadelCongresso

López usando de um direito natural propõe a paz. Mitre usando do mesmo direito reflete. Flores, em virtude do mesmo direito se rasca as ....... Pedro, refuga pelo mesmo direito. E El Mosquito, fala que o direito natural não é o mesmo em todas as cabeças e que em algumas o direito natural é algo sobrenatural.

Fig.9-El Mosquito-03/12/1865-Meyer- Biblioteca del Con-gresso

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de1866,operiódicohumorísticoportenhoquenãosimpatizavacomMitre,aproveitouparasatirizarrelacionamentoentreesteeOtavianodeAlmeidaRosa.OtavianoaparececomoumpersonagemmaquiavélicoqueconsegueenganarumingênuoMitre, joguetedasmanobraspolíticasdorepresentanteimperial.

Asériedequadrinhos, intitulada“Fausto-MitreOperaNuevaem5actos” (fig.10),éalusivaàsnegociaçõesdeFranciscoOtavianodeAlmeidaRosa,emcumplicidadecomTamandaré,noteatrodaguerradoParaguai.FranciscoOtavianodeAlmeidaRosapermanecianoteatrodeguerra,desagradandoMitre,quejáestavairritadíssimo,segundoDoratioto,com as constantes resistências de Tamandaré e Porto-Alegre a seu comando [...]36.

1º)Quadro:Noprimeiroplano,Otaviano eMitre.No segundoplano,mulherfiando.Legenda:1ºActo:ElGeneralMitredesanimado,lhamaaldiablo–Mefistoctavianoselheaparecehaciendo-sepassarporSatanásylemuestraáM.ma.LinchenlaciudaddeAsunción”;

LyncheraamulherdeSolanoLópez.2º)Quadro:Mitre,beijandoamãodeumasenhora,sendoobservadoporOtaviano.

Legenda:2ºActo-ElGeneralMitresaleálacampña–EmConcórdialêoferecegrandesKERMESASyMefiatocvianoloapresentaumachinaemvezdeM.meLinch”.

3º) Quadro: Otaviano satisfeito, carregando saco com inscrição: “100.000”.Legenda:ElGeneralMitrellegaemUrugauayanaendondesuponequeestáencerradaM.ma.MargaritaLinchyparadecidirla á rendirseMefistoctaviano leoferecemuchasriquesas–PeroemvezdeM.ma.LinchsaleEstigarribia”.

Estigarribia era coronel paraguaio, rendido pelas tropas brasileiras emUruguaiana(setembrode1865)37.

4º)Quadro:TamandaréeOtaviano.Legenda:“3ºActo–ElvizcondedeSiebeldeTamandaré,igualmenteenamoradodeM.ma.Linch,tienecelodeFausto-MitreyátalrespectopideexplicacionesaMefistoctaviano”.

36 Idem. p. 238. “Demonstra-o uma carta escrita aRufino de Elizalde, na qualMitre afirma que, pordiversasvezes, tevedeadvertiraessesdoischefesmilitares, sobretudoTamandarésobreaquemcabiaa responsabilidadedecomandaraguerrasegundooTratadodaTrípliceAliança.“[...] apesardeminhafirmeza tranqüila com que vejo essas criancices, pode haver a ocasião em que as coisas não ocorramtão tranqüilamente. [...]Porto-Alegre é um tonto [...] Octaviano é outra criança, a quem dei algumasadvertências,queatiçaavaidadee,parece,conspiraemacordocomTamandaréparaconcentraremPorto-AlegreocomandodoExército[brasileiro],eliminandoPolidoro.[...]Acadadiaémaisnecessáriaavitória,queéocaminhoparaapazentreospovoseosespíritos’”.

37SegundoDoratioto,“cercado,Estigarribiaaceitouarendiçãosobtrêscondições:seushomensreceberiamotratamentoprescritoaosprisioneirosdeguerra;osoficiaisparaguaiossairiamdeUruguaianacomsuasarmasebagagemeiriamresidirondedesejassem,desdequenãofosseemseupaís,eseriamsustentadospelosaliadose,porúltimo,osoficiaisuruguaios,aserviçodoParaguaificariamprisioneirosdoImpério,gozando dos mesmos direitos dos paraguaios.As condições foram aceitas, exceto a saída dos oficiaisparaguaioscomsuasarmas,aosquais,porém,foipermitidoescolherolocalde‘residência’–nãoficaramemprisões-,emterritórioaliado”.(Idem.p.183-184).

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5º)Quadro:MitreeLópezduelando-se,sendoobservadoporOtaviano.Legenda:ElGeneralMitremasdecididoquenuncaágozarmuchafelicidadcomMargaritaLinchle hace tocar uma serenata porMefistoctoviano – pero sale el hermanito de la dama,rompelaguitarradelfalsodiabloquehuyedespavoridoypeleacomFausto-Mitre”.

6º)Quadro:Na parte superior, virgem, emmeio as nuvens. Na parte inferior,Otaviano,enfiadoemburaco,Mitre,afundadoatéoosombrosemlago.Legenda:5ºActo–Lavirtudsiempreespremiadayelcrimencastigado–MadamLinchsubehastalasnubes–MefistoctavianodespareceenlasentrañasdelatierrayMitresequedaenelEsteroBellacotanadelantadocomoantes”.

Nestaocasião,aópera“Fausto”,deGounod,estavaemcartaz,noTeatroColon,emBuenosAires38.AsimagensacentuamatuaçãomaquiavélicadeFranciscoOtavianonoteatrodeGuerra.OutroaspectoaseobservaréasemelhançadarepresentaçãocaricaturaldeOtavianocriadaporMeyer,noEl MosquitocomadeMill,noBazar Volante,ambosutilizaramasdistorçõesdacaricaturapararidicularizarorepresentanteimperial,cabeçaavantajada,puxadaparatrás.

EsteroBellacofoiondeosparaguaiosseentrincheiraram.SegundoDoratioto:

A posição paraguaia no Esteiro Bellaco compunha o sistemadefensivodeHumaitá,queficouconhecidocomo“quadrilátero”.

38DANERO,E.M.S.Op. cit.p.21.

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Fig.10-El Mosquito-02/09/1866-Meyer-BibliotecadelCongresso

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AfortalezadeHumaitáencontrava-seaunsvintequilômetrosdoPassodaPátria,tendoaprotegê-lanãosóarmas,mastambémdoisesteiros,oBellacoeoRojas,queseconstituíamemobstáculosformidáveisparaoavançodasforçasterrestresaliadas39.

Tamandarédeummodogeraleraantipatizadonosperiódicosportenhos40. NaspalavrasdeDoratioto,“odesempenhodeTamandarédesde1864,quandoatuounascostasuruguaias,atésuaretiradadoParaguaifoimilitarmenteopaco”41.

o iMpaCto da derrota eM Curupaiti

Em22desetembrode1866,ocorreuaderrotaaliadaemCurupaiti,queprovocoubaixasconsideráveistantodebrasileiroscomodeargentinos42.

Dentreosmortosargentinos,estavamjovensdaeliteportenha,comoDominguito,capitãoDomingoFidelSarmiento,filhodeDomingoFaustinoSarmiento43,entãoministroplenipotenciárionoEstadosUnidosefuturopresidentedaRepública,eFranciscoPaz,filhodeMarcosPaz,vice-presidentedaArgentina.Dominguito,atuavacomocorrespondente

39DORATIOTO,Francisco.Op. cit.p.210.“Osesteiroseramregiõesalagadas,comalgunscaminhosemmeio a vegetação, chamados de passos, e, ao contrário do pântano, tinham água clara, potável, efundode lodo.Nelescresciamjuncosdeaté trêsmetrosdealtura,cerradosde tal formaqueeraquaseimpossívelatravessá-losemesmoarrancá-los,poissuasraízespenetravammaisdeummetronolodo,quetragava,facilmente,umhomemacavalo.Erapossívelatravessarosesteirosporalgunspoucoscaminhospreexistentes,desconhecidosdosaliados,masfamiliaresaossoldadosparaguaios”.40MARCO,MiguelAngelde.Op. cit.p.282.41DORATIOTO,Francisco.Op. cit. p. 253. “Na análise deArthurSilveira daMotta, a débil atuaçãodeTamandarédeveu-seaoressentimentoedesconfiançaquetinhaemrelaçãoaosargentinos,aosquaisenfrentaraduranteaGuerradaCisplatina(1825-1828)e,ainda,àsuaidadeavançada”.42 Observou Doratioto, as estatísticas oficiais, normalmente citadas por historiadores daArgentina edoBrasil, indicamquenoataqueaCurupaitíosbrasileiros tiveram2011homensforadecombate,dosquais411mortos,enquantoosargentinostiveram1357baixas,dasquais587mortos.OcoronelbrasileiroCláudio Moreira Bento, porém, ao escrever em 1982 fala em quatro mil soldados imperiais mortos,númerorepetidoporumobservadorneutro,orepresentanteespanholemBuenosAires,em1866.AzevedoPimentel,participantedocombate,dizqueforamdoismilmortosbrasileiroseoutrosdoismilargentinos.Osparaguaiosperderam54homenssegundoThompson,queafirmateremasperdasaliadaschegadoa9milhomens,enquantoparaCenturiónapenasosmortosaliadosseriamde5mil.JoséMariaRosaeArturoBraychegamaoextremoopostodosnúmerosoficiaisargentinosebrasileiros,eafirmamquefoide10onúmerodeatacantesmortos.Oscadáveresaliadosforamjogadosnasfossasabertasparamontararmadilhascontraosatacantes.SegundoCenturión,apenasumdosbatalhõesencarregadosdestetrabalho,odenúmero36,enterrouejogouaoriomaisde2milcadáveres.(Idem.p.245).43 Domingo Faustino Sarmiento (Argentina, 1811-Paraguai, 1888), um autodidata. Durante a décadade1840, devido a suaoposição ao regimede JuanManuelRosas,Sarmiento exilou-senoChile, ondeescreveuseulivromaisfamoso:“FacundoocivilizaciónyBarbárie’,publicadoem1845,umabiografiadocaudilhoargentinoFacundoQuiroga.NoChile,foiincumbidodeaprimorarosistemadeeducaçãochilena.ViajoupelaEuropaeEstadosUnidos,estudandoossistemaseducacionais.Nadécadade1860,tornou-segovernadordesuaprovíncianatal,SanJuan,depoisembaixadordaArgentinanosEstadosUnidosefoipresidentedaRepúblicaArgentinade1868-1874.

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Domingo_Faustino_Sarmiento-acessadoem22/4/2007).

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deguerraparaosjornaisEl Pueblo(periódicoopositordogoverno)eparaoLa Tribuna (adversáriopolíticodeMitre)44.

A guerra possibilitou o surgimento de novos correspondentes de guerra, queescreviamnosprincipaisperiódicosargentinos.ComoobservoudeMarco,

[...] a partir de junho de 1865, enquanto se concentravam as forças sobre o rio Paraná, mais particularmente nas margens do Uruguai (proximidades de concórdia), e com maior freqüência à medida que se avançava em posto do inimigo, boa parte dos oficiais, fartos da vida nos acampamentos, se dedicavam a encher seus cadernos de apontamentos com críticas a seus superiores45.

No desastre aliado de Curupaiti foram mortos e feridos vários oficiaiscorrespondentesargentinos,alémdeDomingoFidelSarmiento.

NaspalavrasdeMiguelAngeldeMarco,

Cabe assinalar que ao conhecer-se primeiro em Corrientes e de imediato nas populações ribeirinhas do Paraná, à media que baixavam pelo rio o navio que levava parte do desastre a Buenos Aires, se apoderou de todos uma sensação de pânico e dor: haviam morrido milhares de homens, entre eles parte de uma dourada juventude. Os diários publicaram parte, correspondências e croquis, e ElMosquito, em sua edição de 30 de setembro de 1866, se associou à tristeza coletiva com uma significativa imagem: se observa a imagem do diretor, com o aguilhão caído, segurando a cabeça, apoiado sobre uma mesa em que observam penas de ganso e um buril, em atitude de imensa pena, quem responde a pergunta de um circunstante: “Que tal Mosquito? Não ri hoje? E que queres que faça? Como vai alguém a combinar caricaturas com semelhantes notícias?46

Esse parece ter sido ummomento delicado, em que aArgentina se mostravafavorável à paz e havia rumores de que alguns países sul-americanos se mostravamsimpáticos ao Paraguai47. Conforme Doratioto, Otaviano escreveu a Mitre paratranqüilizá-lo,afirmando“queeram‘tãograndesosinteressesconfiadosaV.Exa.’Queelenãoprecisavaterdúvidasquantoaogovernoimperial‘queéseuamigolealesincero’.InformoqueoPerujáseconvencerada‘boa-fé’aliadaeque,aocontráriodosrumores,aArgentinanãodeviatemerumainvasãobolivianaaonorte”48.

44MARCO,MiguelAngelde.Op. cit.p.285.45Idem.p.277.(Traduçãolivredaautora).46Idem.p.281.(Traduçãolivredaautora).47DORATIOTO,Francisco.Op. cit.p.249.48Idem,ibidem.“AmanutençãodaArgentinanaaliança,emfinsde1866,resultoudaconvicçãodeseressaamelhoralternativaparaopaísdeMitreedopequenocírculodepolíticosqueoapoiava,bemcomodecomerciantesqueenriqueciamcomoconflito.Aguerraeraimpopularentreosargentinoseocansaço

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No Brasil a derrota aliada em Curupaiti também provocou péssimo efeito,segundoDoratioto.“EmcírculospolíticosnoRiodeJaneiro,chegou-sealevantaraidéiadeestabelecerapazcomSolanoLópez.AiniciativanãoprosperoudevidoàoposiçãodedomPedroII[...].Oimperadorestavadispostoalevaraguerraatéoúltimoconflitoe,apartirdefinsde1866,coubesobretudoaoBrasilcontinuaraluta[...]”49.

Eapartirde10deoutubrode1866,omarquêsdeCaxiaspassouaserocomandante-em-chefedoExércitobrasileironoParaguai50.AtoqueagradouMitre51.

El Mosquitocomentouessefato,estampandoumacaricaturadeCaxiasem11denovembrode1866(fig.11).Legenda:“Campo!Campo!Aquiestoueu!Óbravo!Óterrível!Óespantável!MarquêsdeCaxias!OndeestáoParaguai!Querocomerelesemgarfo!”

ecomelaadquiriutonsdesublevaçãonaArgentina.Emfinsde1866,surgiramasmontoneras,rebeliõesnasprovínciascontraogovernocentralqueseprolongaramportodooanoseguinte.AstropasargentinastiveramqueserretiradasdoParaguaiparalutarnasprovínciasdeseupaís.OExércitoargentinopassouaterparticipaçãomaismodesta,emcomparaçãocomasforçasbrasileiras,nalutacontraLópez”.49Idem.p.252.50 Segundo Doratioto, “o Gabinete liberal sacrificou seu correligionário [Tamandaré] para unificar ocomandobrasileironaguerrasobCaxias,membrodoPartidoConservadorcomoobjetivoprincipaldeterumaliderançamilitarexperientenoParaguai,mas,também,comaconseqüêncianãodesprezíveldetornarosconservadoresco-responsáveisnapolíticadeguerra,reduzindoaoposiçãopolíticaaoconflito”.(Idem. p.255).51Idem.p.276-278.“Caxiasassumiuopostodecomandante-em-chefedasforçasbrasileirasem19denovembrode1866.Omomentoeradifícil,poisoExércitoaliadoseencontravadesarticuladosemânimo,eocomandantebrasileirodeveriasubstituiroclimademal-estar,quePorto-AlegreeTamandarécriaram,pelodecordialidadecomMitre.AdemaisCaxiastinhaquereorganizaroExércitobrasileiroepôrfimasdisputaspolíticasentreseuschefes,demodoacriarcondiçõesparavenceroconflito.Paraisso, tornoumaiseficientesastropasbrasileirasnaguerra,fortaleceuaposiçãodoExércitoeampliousuaautonomiaemrelaçãoaogovernoimperial,demodoatermaisagilidadedeação.Foiessaautonomiaquepermitiuaoexércitoconstruirumaidentidadeprópria,dissociando-apaulatinamente,apósaGuerradoParaguai,doEstadomonárquicoparaassociá-laàNação”.

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“Campo! Campo! Aqui estou eu! Ó bravo! Ó terrível! Ó espantável! Marquês de Caxias! Onde está o Paraguai! Quero comer ele sem garfo!”

Fig.11-El Mosquito-11/11/1866-Meyer-BibliotecadelCon-gresso

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Nas palavras deDoratioto, “após a derrota de Curupaití, a tropa argentina noParaguai estava desmoralizada”52. Nesse momento, a Argentina começava enfrentarproblemas internos, como rebeliões pelas províncias.Líderes da oposição federalistasforam libertadosdaprisão, transformandoo anode1867naArgentina como“omaiscrítico,devidoàoposiçãointernaaogovernocentral,potencializadapelacontinuidadedaguerra”53.

Mitre,emfevereirode1867,diantedosacontecimentos internosnaArgentina,retirou-se do Paraguai, “acompanhado de 4mil de seus soldados, e Caxias assumiu,provisoriamente,ocomando-em-chefealiado”54.Aconduçãodaguerradependiamaisdoquenuncadasforçasbrasileiras.

Em3demarçode1867,Meyerpublicouumacharge,fazendoalusãoque,alémdaguerra,ocóleravinhaajudaraderrubarossoldadosaliados.AepidemiadecólerafezmuitasvítimasnoParaguai,atingiuaArgentina,vitimandoovice-presidenteargentinoMarcosPaz.Eapartirde10demarçooutroscaricaturistaspassamailustrarEl Mosquito,poisMeyerviajouparaParis.Adampassouaserodesenhistadojornal,atéfinsdejunho,quandoviajouparaoRiodeJaneiro,segundooEl Mosquito,efoisubstituídopelofrancêsMonniot.

OExércitoaliadopermaneceuinativoemPassodaPátria,“rebatizadocomonomedeItapiru,transformou-senumacidade,ondepululavamcomercianteseaventureiros”55. Caxiassomentedeuinícioàsoperaçõesbélicasem22dejulhode1867,depoisdereceberoreforçodedo3ºCorpodeExércitodeOsórioecomofimdaepidemiadecólera56.

Em 4 de julho de 1867, Monniot,57 que começava a ilustrar o periódico El Mosquito, criou uma charge ironizando a política imperial, em que Pedro II, aparecerepresentadocomoumbalão(fig.12),observandoocampoinimigo.Legenda:“ConelgloboEMPERADORqueacabamderecibirlosgeneralesbrasilerossemantedranàalturadelapoliticaimperial...”.

OsbalõesforamutilizadosporCaxiasnaGuerradoParaguaiparaobservação.Periódicos paraguaios também satirizaram o emprego de balões pelos aliados naguerra58.

52 Idem.p.279.53 Idem,ibidem.54Idem.p.280.“RestaramnoParaguaicercade6milargentinosdemodoqueopoderiomilitaraliadodependia,fundamentalmente,dasforçasbrasileiras.Inviabilizou-se,assim,um‘ataquedecisivo’queMitreeCaxiasplanejaramparaexecutarduranteomêsdemarço”.55 Idem.p288.56Idem.p.295.57NolevantamentobibliográficopertinenteaoassuntorealizadoemBuenosAires,nãofoipossívelobterinformaçõesbiográficasdeMonnioteAdvinent,queseencarregaramdascaricaturasdoEl Mosquito até abrilde1868.58SobreoassuntoverDORATIOTO,Francisco.Op. cit.p.295.“Emmarçode1867,ogovernobrasileirocomprou, nosEstadosUnidos, emNovaYork, dois balões, umgrande e outromenor, e contratou dosirmãosaeronautasJameseE.S.Allenparaoperá-los.Osgastosnacompradosbalõesedosequipamentos

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Em14dejulhode1867,Monniotcriouumacharge(fig.13),emqueobonecoMosquitoaparecebombardeandocomsuascríticasatoresdaGuerradoParaguai,Flores,López, atingidospelabala “Picotones”,voandopelos ares;Mitre,meio tonto ePedroII, saltitante, empunhado um diminuto balão, com inscrição “Emperad...”.A legendaquereforçaa imagem:“TeatrodeGuerra’Elgeneralmosquitovuelveáemprender lasoperacionesbélicas!!”

“Pictones”eraumaseçãodoperiódico,emquesepublicavamchistespolíticos,bemcomocomentáriosirônicosdetiposocial59.

Dequalquerforma,apesardaironia,El Mosquito,mostraavontadedoimperador

paraenchê-loscomhidrogênioforamde10mildólares.OsaeronautasebalõeschegaramaTuitiem31demaiode1867eaprimeiraascensãosedeuem24dejunho,quandoumdosbalõessubiua330metros,presoaduascordas,seguradasporsoldadosemterra.Efetuaram-seváriasascensõesatéfinsdejulhode1867,masasobservaçõesforamprejudicadaspornevoeirose,ainda,pelasinúmerasfogueirasqueosparaguaiosfaziamparadificultaravisãodesuasposições”.59MATALLANA,Andrea.Humor y política: un estudio comparativo de tres publicaciones de humorpolítico.BuenosAires:EditoraUniversidadedeBuenosAires,1999.p.43.

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Fig.12-El Mosquito-04/07/1867-Moniot-AcademiaNacionaldeHistória

Fig.13-El Mosquito-14/07/1867-Moniot-AcademiaNacionaldeHistória

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emcontinuaraguerra,fazendousoderecursotécnicodeúltimageraçãoparaconseguirvenceroinimigo.

Em18deagostode1867,Monniotestampouumachargecriticandoademoradaguerra,emqueaparecemMitre,LópezePedroIIjogandobilhar(fig.14);aofundo,àesquerda, tabuletacominscrições:“Reglas Del juego de Billar / Tratado Secreto de Alianza”Acompanhadadalegenda:“Que partida tan larga! Creo que no se concluirá nunca!”

Em15desetembrode1867,Monniot,publicouumachargemostrandoopesodaTrípliceAliançaparaMitreePedroII,observadosaofundoporLópez(fig.15).

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Fig.14- El Mosquito-18/08/1867-Moniot-AcademiaNacionaldeHistória

- Oh, no embrome Majestad! Haga mas fuerza! Sino yo suelto el pastel. - No sea sonso General! Vd. Es el floyon: va a ver ahora como voy a largar el atado sino me aliv....” [parte faltante de jornal].

Fig.15-El Mosquito-15/09/1867-Moniot-AcademiaNacionaldeHistória

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Em29desetembromaisumachargedeMonniotcomentandoaTrípliceAliançafoiestampadanoperiódico(fig.16),destacando-senoprimeiroplanoPedroIIeMitre,comoartíficesdeumaoperetaridícula60.

Emfevereirode1868,osperiódicosdeBuenosAirescomentavamoassassinatoemMontevidéudogeneralFlores,fatoqueprovocouemSolanoLópezasensaçãodequeoquadrosemodificava,ficandomaisaseufavor61.

NaediçãodoEl Mosquitode1demarçode1868,háumacartajocosa,publicadanumportuguêsmeioespanholado,emquesepercebequearivalidadeentrebrasileiroseargentinosnãocessounaguerra,apesardealiados.Quemassinaacorrespondênciaé“CândidoJoséLoboCarneiro,CordeiroCoelhoCoati”,supostocozinheirodaMarinhabrasileira, personagem que atuava como correspondente do El Mosquito, como jámencionadonestecapítulo.

tEatro dE GuErra

(De nuestro corresponsal.) Alen de Humaitá 24 de Fevereiro de 1868.O meu amigo:Vossa Mercê tem de desculparme se a minha carta he um

bocadinho estravagante.O entusiasmo está cegandome.Estou mais inchado que o balão das observações e como

60Nosmeses seguintes, apenas seis números doEl Mosquito puderam ser pesquisados naBibliotecaDel Congresso (20/10-3/11-8/12-15/12-22/12-29/12), em nenhum deles haviam caricaturas ou chargesrelacionadasàpesquisaemtela.Emjaneiroefevereirode1868,tambémnãoforamencontradosmateriaisrelacionadosàestapesquisa.61VerDORATIOTO,Francisco.Op. cit.p.326.

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Fig.16-El Mosquito-29/09/1867-Moniot-ArquivoGeneraldelaNacion

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ele em peligro de rebantarem. Tomei a Humaitá.Passei com a esquadra até o alto Paraguai.Esto coberto de gloria e da fumaça dos canhões.Teria vontade para contar-lhe tudo o que temos feito nesta

tão memorável ação, mais não posso por serem ainda aturdido e embrutecido pelo fogo da ação.

A mais posso lhe dizer em tuda confiança eh deaxando para outra ocasião a modéstia que me eh natural, que eu não me lembro de nada.

Como sempre agarroume aquel tremor febril que é peculiar da minha constitução física e que a mim não e hum feito da coragem exaltada.

O único que posso certificarlhe e que tive a sorte de inspirar ao marquês de Caxias a idéia dos plaés [sic] que deram tão bom resultado.

Mais o gran triunfo, meu amigo, o triunfo que debe fazernos inchar o coração é o trionfo, moral que temos tido sobre os argentinos.

Tudo temos feito sozinhos.Eu fui quem diz ao marquês de Caxias que era tempo que

nos vingarmos de tanta humilhação.Agora fica provado ainda huma vez que à nação brasileira

é à rainha das nações que este seu amigo e hum dos mais grandes e heróicos brasileiros. [...]

Otextoirônicoenfatizarivalidadesentrebrasileiroseargentinos,apontandocertascaracterísticas que seriam inerentes ao personagembrasileiro, no teatro de operações,mentiroso,covardeecheiodesi,pelosfeitosemHumaitá.Ouseja,depoisdessefeito,os brasileiros ficariam insuportáveis aos olhos argentinos. O sonho deMitre de umahegemoniacompartilhadaentreBrasileArgentina,noPrata,parasuplantarasrivalidadeshistóricas, parece esbarrar em rivalidades culturais profundas, impossíveis de seremsuperadascomacordospolíticos.

Em 1868, os acontecimentos internos naArgentina ocupavam cada vez maisespaços nas páginas dos periódicos. A renovação presidencial era um dos assuntosprivilegiados.OPartidoNacionalista,deMitre,lançoucomocandidatoRufinoElizalde,oministrodasRelaçõesExteriores,oPartidoFederalapoiavaacandidaturadogeneral

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Urquiza.Aomesmotempo,surgiaoutraopção,oPartidoAutonomista,deAlsina,62quecontavacomoapoiodepolíticosdeCórdobaeSanta-Fé.Poroutrolado,oExércitosemostravacadavezmaissimpáticoaidéiadeDomingoFaustinoSarmientoserosucessorde Mitre. Os alsinistas63 e o jornal La TribunatambémsemostravamfavoráveisaonomedeSarmientoparapresidente64.

OExércitoargentinoeranaspalavrasdeMiguelAngeldeMarcoruidosacaixaderessonânciapolítica65.

Praticamente todos os chefes oficiais, tanto de linha como da Guarda Nacional, eram influenciados por sua militância mais ou menos ativa nos clubes antagônicos que congregavam a nacionalistas e autonomistas. Alguns se guiavam baixo à influência de Urquiza. Mas eram menos: a maioria seguia os clubes rivais encabeçados por Mitre e Alsina66.

El Mosquito,deabrilamaiode1868,seconverteuemumjornaldiário,publicandocaricaturas somente aos domingos. Mas a iniciativa fracassou. Segundo Danero, operiódico passava por um período de crise. No primeiro número demaio as páginascentraissaíramembranco67.Nasemanaseguinte,começaramaaparecer,naspáginasdoEl Mosquito,asprimeirasilustraçõesdofrancêsEnriqueStein,convertendo-sedepoisemdesenhistaoficial.

Em5dejulhode1868,El MosquitopublicouumadasprimeiraschargesdeautoriadeStein,focalizandoaquestãodasucessãopresidencialnaArgentina,naqualSarmientoestáemdestaque(fig.17),aocentro,sentadonacadeiradepresidente,apoiadopeloredatordoperiódicoLa Tribuna;àesquerda,Urquiza,comcorreligionários;àdireita,Elizalde,apoiadoporMitreePedroII.Legenda:“Yolocreo!...Sieraelmásliviano....!”

62AdolfoAlsina (Argentina 1829-1877), doutor emDireito. Fundador e líder do partido autonomista(frutodadivisãodopartidounitário).Tomoucomobandeiraadefesaapaixonadadaautonomiaprovincial,conquistando o eleitorado portenho. Foi eleito deputado em 1862, datando dessa época o rompimentocomMitre.FoieleitogovernadordeBuenosAiresem1866.Foivice-presidentedeDomingoFaustinoSarmientoentre1868-1874.Em1874,sealiaaNicolasAvellanedaecriamoPartidoAutonomistaNacionalquelevouaesteúltimoàpresidência,assumindoAlsinaoministériodaGuerraeMarinha.

(http://es.wikipedia.org/wiki/Adolfo_Alsina).63PartidáriosdopolíticoargentinoAdolfoAlsina.64MARCO,MiguelAngelde.Op. cit.p.291-292.65Idem,ibidem. 66Idem,ibidem.(Traduçãolivredaautora).67DANERO,E.M.S.Op. cit.p.7.

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Sarmiento que acabara de regressar dos EUA, e, desde de janeiro, a convitedeMitre, ocupava a pasta do Interior, disputava as eleições, apoiado pelos alsinistas,acabandoporseelegerpresidente.Sarmientofaziacampanhacontraaguerra.D.PedroIIapoiavaRufinoElizalde,queeraocandidatomitrista.Ogovernobrasileirodesconfiavadas intenções dos adversários deMitre, almejando a continuidadedapolítica exteriorArgentina.

Em30 de agosto de 1868, Stein, publicou quatro quadrinhos (fig.18), em quefocalizanoprimeirodelesaascensãodeSarmientoàPresidência,ofuscandoaimagemdeMitre.Nosegundoquadro,aposiçãodosexércitosaliadosnoteatrodeguerra.Noterceiroquadro,PedroII,sentadoaochão,chorosoeRufinoElizalde,depé,braçosestendidos,tentandoconsolá-lo,peloresultadodopleitoeleitoral,quelevouSarmientoàPresidência.E,noúltimoquadro,Urquizaecorreligionários,armadosparaumarevolução,dirigindo-separaBuenosAires.

Oterceiroquadro,emqueapareceaimagemdePedroII,estáacompanhadodalegenda:[PedroII]“PorV.d.memetiemessemalnegocio!–[Elizalde]AmigoV.d.noháperdidosinosucreditoytiempo;yopierdoelcapitalempleado!!!!”

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Yo lo creo! ... Si era el más liviano....!

Fig.17-El Mosquito-05/07/1868-Stein-AcademiaNacionaldeHistória

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HavianoBrasilumadesconfiançadacontinuidadedapolíticaArgentinacomasaídadeMitredopoder,quepoderiaviraprovocarorompimentodopactodaTrípliceAliança.

NaArgentina,Mitre estava sendo acusadopor alguns, comomentor daguerra(editorial de El Mosquito de 5 de julho de 1868). Segundo Doratioto, Mitre estavatemerosodeserassassinado,comoforaFlores,noUruguai68.

BartolomeuMitrehámuitoeraalvodecríticasácidas,noEl Mosquito.ESteinfoiumdoscaricaturistasquemaisusoudolápiscríticopararidicularizarafiguradogeneral,chegando a considerá-lo brasileiro, um traidor dos interesses daRepúblicaArgentina. ObservaAndreaMatallanaque,cadaatopolíticoquetinhacomoprotagonistaMitre,eraduramentecriticadoporStein69.

Em5 de agosto osExércitos aliados haviamocupado a fortaleza deHumaitá.Ogoverno brasileiro queria que a guerra terminasse antes da posse deSarmiento emoutubro70.CaxiasdecidiumarcharcomastropasnadireçãodeVilleta,nadireçãodeseuobjetivo, SolanoLópez.Em14de setembro oExército aliadomarchou emdireção aPalmas71.

68DORATIOTO,Francisco.Op. cit.p.326.69MATALLANA,Andrea.MATALLANA,Andrea.Op. cit.p.46-47.70 Idem.p.352.71Idem.p.353.

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Fig.18-El Mosquito-30/08/1868-Stein-BibliotecadelCongresso

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Em20desetembrode1868, El MosquitopublicouumachargedeStein,sintetizandoosacontecimentosnoteatrodeguerra(fig.19),comotítulode“Posicion crítica”,naqualsedestacagigantescaimagemdeLópez,sendodefendidoporumexércitofeminino,eretalhadopelasforçasaliadas.Legenda:“...Uff!Quesituacion!Trêsmembrosperdidosyestanamputandoelquarto!Yonomequedansinomujeresparadefenderme!”.

Essa imagem é significativa para a discussão em tela. Percebe-se que Stein,assimcomoMeyer, ajudouadifundirummesmo tipode representaçãocaricaturaldeLópez,anedótico,luzindoadornosnoseualtocapacete.Mas,noentanto,essaimagemnessarepresentaçãofoiampliada,mostrandooaniquilamentodeumgiganteanedótico,grandioso-bufão,enfraquecido,desesperadodiantedosataquesdaTrípliceAliança.Steinquerdaraverqueaguerraestáterminada,queLópezestáperdido,queosataquesaliados,esquartejaramogiganteanedóticoparaguaio.

ComSarmiento na Presidência (outubro de 1868) a política exterior argentinaemrelaçãoàguerrasofreuumaprofundaalteração.OministrodasRelaçõesExteriores,Mariano Varela, e o vice-presidente,AdolfoAlsina, consideravam a guerra um errohistórico72. Segundo Doratioto, “o novo presidente resistia à aliança com o Brasil e

72DORATIOTO,Francisco.Op. cit.p.420.

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... Uff! Que situacion! Três membros perdidos y estan amputando el quarto! Yo no me quedan sino mujeres para defenderme!

Fig.19-El Mosquito-20/09/1868-Moniot-ArquivoGeneraldelaNacion

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desconfiavadeeventuaisplanosdoImpérioparatornar-sepotênciacontinentalnopós-guerraàcustadeseusvizinhos”73.

Emjaneiroefevereirode1869,El Mosquitopublicoueditoriaisdesabonadoresemrelaçãoaosúltimosacontecimentoscampodebatalha,reforçandoemalgunsdeles,como o de 7 de fevereiro, essa desconfiança de Sarmiento em relação aos planos doImpériodoBrasilemrelaçãoàsrepúblicasdoPrata.

Em31dejaneirode1869,Stein,publicounoEl Mosquito,umachargesignificativaparaessapesquisa.Mostra(fig.20),àesquerda,macaco,fardado,sentado,saboreandosorvete;àdireita,oficialargentinodepé.Alegendaqueacompanhareforçaaimagem:“Elargentino:-Iami,nometocaumpedazo?Miraquejohetrabajadotambienparaganarlo.Elbrasilero:Si;porénvocêjáperdeuaforça.Eutomotudoparami”.

A charge faz alusão de que as intenções dos brasileiros era a de abocanhar oParaguai,deixandoosargentinosforadasnegociaçõesposteriores.E,também,insinuaquecomotérminodaguerraoBrasilhaviasefortalecidonaregião,ficandoaArgentinaem situação desvantajosa. O discurso visual e verbal enfatiza o Brasil impondo suavontadenoPrata,eosplanosdeumahegemoniacompartilhadanaregião,sonhadaporMitre,eramsolapados.

Emmaiode1869,sedeuaocupaçãodoParaguaieCaxiasdeclarouaguerraporconcluída.

1872 – uM CliMa tenso: as relações brasil-argentina no pós-guerra

Em 18 de agosto de 1872 as relações entre o Brasil e a Argentina ficaramestremecidas.OajustamentoemseparadoentreoBrasileoParaguaidasquestõesde

73 Idem,ibidem.

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Fig.20-El Mosquito-30/09/1869-Stein-ArquivoGeneraldelaNacion

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limites, quando ainda vigorava o Tratado da TrípliceAliança, desagradou o governoArgentino,provocandoumanotaenviadaaogovernoimperialquefoiconsideradapelaimprensafluminense como impolítica.O próprio barão deCotegipe, representante doBrasilnoParaguai,sabiaqueaassinaturaemseparadodotratadodepazcomoParaguaisignificaria, como destacou Doratioto, “apenas uma trégua, ‘mais ou menos longa’,seguida de eventual eclosão de uma guerra com aArgentina”74. O governo argentino reivindicava parte do Chaco paraguaio, o que desagradava ao governo brasileiro. OgovernobrasileiroentendiaqueoTratadodaTrípliceAliançadeveriasercumpridonaíntegra,“exceto,segundoinstruçõesrecebidasporParanhos,‘qualquermodificaçãoque,noprópriointeressedoParaguai,seestipulassenoTratadodePazpormútuoassentimentodosaliadosedomesmogovernoprovisório’”75.Comessaressalva,observouDoratioto,“oGabinete conservador brasileirodavaos primeirospassosno sentidode reduzir asconcessõesterritoriaisparaguaiasàArgentina[....]”76.Poroutrolado,ogovernoargentinotemiaqueoImpérioestabelecesseumprotetoradonoParaguai77.OgovernobrasileiroenviouemmissãoespecialaoParaguai,em1869,JoséMariadaSilvaParanhos,comointuitodeorganizarumgovernoprovisórioemAssunção.Oquedesagradouogovernoargentino.DoratiotoressaltouqueessamesmaimpressãoeraadojornaloposicionistacariocaA Reforma,queconsideravaqueParanhos“estava‘hámaisdeano[...]fazendoo papel de vice-rei de Assunção’. Opinião coincidente com a do La República, deBuenosAires,paraoqual‘osr.ParanhosénoParaguaioverdadeirovice-reideumpaísconquistado’”78.

PararesolverosproblemaspendentesentreBrasileArgentina,foienviado,emfinsdejunhode1872,emmissãoespecialaoBrasilogeneralMitre,poresteserpessoadeboasrelaçõescomoaltoescalãodogovernobrasileiro.SegundoMiguelAngeldeMarco,Mitrerecebeuinstruçõespararesolverquatropontosessenciais:

o reconhecimento explícito, por parte do governo brasileiro, da vigência do Tratado da Tríplice Aliança, em suas estipulações de guerra como de paz; o desenvolvimento de negociações separadas entre a Argentina e o Paraguai, com sujeição ao tratado; a desocupação do território deste último por parte das forças aliadas três meses depois dos tratados definitivos, e o reconhecimento por parte da Argentina das convenções firmadas pelo barão de Cotegipe em Assunção, em tudo o que não se

74DORATIOTO,Francisco.Op. cit.p.420.75 Idem,ibidem.76Idem,ibidem.77 Idem.p.421.78Idem.p.436.

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opusesse aos pontos anteriores79.

NoRiodeJaneiroMitrerecebeuinstruçõesdequegovernoargentinosóaceitariaoreconhecimentodeseusdireitosdedomínioemMissões,CerritoyChacoatéPicolomayo,comarbitragemparaoresto,inclusiveVillaOcidental.‘Portransaçãoouarranjoamigável,exigeolimitedoPicolomayo,salvandoaomesmotempoaVilladequalquerdelineaçãonatural’”80.

Mitrediscordava,suaopiniãoeradequedeviriainsistir.Viajou,inclusive,paraBuenosAiresemsetembro,paraexpressarsuaimpressãosobreosacontecimentos.Suachegadaproduziuagitaçãonacional,ocorrendomanifestaçõespúblicascontraoImpério.Mitreerapercebidocomoumaliadoded.PedroII.OsperiódicosLa Tribuna,El Nacional e La RepúblicaatacaramMitreeoImpério81.MitreemseguidaretornouaoRiodeJaneiroe,em iníciode janeirode1873,viajouparaBuenosAires.SegundoMiguelAngeldeMarco,“aocompreenderquesuamissãohaviafracassado,poisogovernonãocediaemsuapostura,Mitrerenunciouaocargoemnovembrode1873”82.

Nanossapesquisanãofoipossívelcobriroperíodode1870-1874doEl Mosquito,pelaimpossibilidadedeencontrá-lodisponívelparainvestigação,eminstituiçõesculturaisemBuenosAires.Entretanto,pudemosrecolheralgumasinformaçõesdesteperíodoempublicações comoEl cumpleaños del Mosquito, de autoria de Danero. Segundo esteautor, como términodaguerra,Steinpassou a alternar notas política agressivas comcenaspopularesedecostumes,comoamodafeminina83.Mas,apesardetersededicadoaoutrosassuntos,Steinpareceterficadoatentoaosacontecimentosdepolíticaexterior,comopodemosobservaremimagemsignificativaparaadiscussãoempauta,reproduzidaporDaneroemseulivro.Trata-sedeumailustraçãodeStein,publicadaem18deagostode1872,abordandoummomentodelicadodorelacionamentoentreoBrasileArgentina,emquefoienviadoemmissãoespecialaoBrasilogeneralMitre.

Stein, para provocar impacto no leitor sobre aquele momento político tenso,entreBrasileArgentina,publicounacapadoEl Mosquito,em18deagostode1872,umgigantescod.PedroII,sentado,tomandochimarrão,atentoaosseusinteressesnoPrata,saboreandooseumateparaguaio,preparadonamentedeSarmientoefiltradoatravésdeMitre (fig. 21).Ou seja, na percepção do periódico o imperador estava pondo emmarchaosseusplanosexpansionistasnosul,pós-guerradoParaguai,eopaísguarani,napercepçãodoEl Mosquito,eraumaconquistabrasileira,comacolaboraçãodaRepúblicaargentina.PedroIIagiacomoumsoberanonoParaguai,ecomotalobservavaatentamente

79MARCO,MiguelAngelde.Op. cit.p.331.(Traduçãolivredaautora).80Idem.p.333.81Idem.p.334.82Idem,ibidem.83DANERO,E.M.S.Op. cit.p.24.

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aspretensõesdaRepública argentinanopaís guarani. Interessanteobservar queSteininovanoperiódico,modificandoaformadeapresentação,aschargesanteriormenteerampublicadassomentenaspáginascentrais.

De qualquermodo a imagemmostra umpoderoso d. Pedro II noPrata, nessemomento.

Esseclima tensoentreaArgentinaeoBrasil, aindaperdurounosanosque seseguiram84.Paraagravarasituação,em1873e1874estourounaArgentinaumaguerracivil (Entre-Rios eCorrientes), respingandonas relaçõesdoBrasil, pela apreensãodaembarcaçãobrasileiranoPrata.FatoessediscutidopelasrevistasilustradaspublicadasnoRiodeJaneiro,comovimosnocapítuloanterior.

Emabrilde1874,foieleitonovopresidentenaArgentina,NicolásAvellaneda,e,Mitreacusouogovernodehavercometidofraude,pedindobaixadoExército,semudandoparaMontevidéu85.

84Sobreoassuntover:CERVO,Amado;BUENO,Clodoaldo.Op. cit.p.132-135.85MARCO,MiguelAngelde.Op. cit.p.347.

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Fig.21- El Mosquito -18/08/1872-Stein-DANERO,E.M.S.El cumpleaños de ‘El Mosqui-to’.BuenosAires:EditorialUniversitáriadeBuenosAires,1964.

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Em24desetembro,estourouarevoluçãodopartidonacionalistadeMitre86.Em12deoutubroSarmientopassaaocuparocargodaconvulsionadaRepública

aosucessorAvellaneda87.Em2dedezembroogeneralMitredepõeasarmas88.

1875 – brasil e argentina no foCo dos CoMentários dos periódiCos el MosQuito e el petroleo : “ MaCaCos” - iMageM Cada vez Mais vinCulada à naCionalidade brasileira

Em1875houveumaproduçãointensadeimagensabordandoorelacionamentoBrasil-Argentina, emque se exacerbou,porum lado, apercepçãodeumBrasil forte,agindocomoumapotêncianoPrata,eporoutro,aacentuaçãoemumarepresentaçãocaricaturaldeumanaçãodemacacos.

Noanode1875surgiuemBuenosAires,outroperiódicosatírico,chamadoEl Petróleo, ilustrado pelo francêsAlfredo Michon, que já havia trabalhado no Rio deJaneiro,nadécadade1860,na revistaBa-ta-clan.AlfredoMichonparecequepassouailustraroperiódicoportenhoapartirdeabrilde1875.Assimcomoo El Mosquito, El Petroleonãosóinsinuaainterferênciadogovernoimperialemassuntosplatinos,comotambémrepresentaanaçãobrasileiracomoummacaco,reforçandoessaimagemjuntoaopúblicoleitor.Ouseja,ooutro,anaçãobrasileiraeracompostapormacacos,oqueadiferenciavadanaçãoArgentina.

Em 1875, as tropas brasileiras ainda continuavam no Paraguai e o governoargentino,porsuavez,nãotinharesolvidoaquestãodelimitescomopaísguarani.PararesolveressaquestãofoienviadoaoRiodeJaneiro,emmissãoespecial,oargentinoCarlosTejedor89.OgovernoargentinosolicitouaogovernoimperialaintermediaçãosobreosajustesdefinitivosdepazentreaArgentinaeoParaguai.TejedornãoeraconsideradaumafigurasimpáticanoBrasil,oepisódiodasnotas trocadasem1872,parecequehaviamdeixadomarcas difíceis de serem apagadas em sua imagem.As caricaturas e chargespublicadasnaimprensadoRiodeJaneiroparecemreforçaressaidéianegativadeCarlosTejedor,comojávimosnocapítuloanterior. Nesse momento, Stein, para impactar o público leitor, começou a caricaturar

86Idem,ibidem.87Idem,ibidem.88Idem,ibidem.89CarlosTejedor(Argentina1817-1903),foijurisconsultoepolítico,governadordaprovínciadeBuenosAiresentre1878-1880. JuntocomAdolfoAlsinaeoutrosadvogoua separaçãoentreBuenosAireseointeriorparadefenderosinteressesaduaneiroseportuáriosdamesma.DurantegestãopresidencialMitre,foi eleito deputado (1866-1869).Ocupou o cargo deministro dasRelações Exteriores (1870-1874) napresidênciadeSarmiento.Em1875,nagestãopresidencialdeAvellaneda,foienviadoemmissãoespecialaoBrasiletambémfoinomeadoprocurador-geraldaNação.

(http://es.wikipedia.org/wiki/Carlos_Tejedor-acessadoem22/4/2007).

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d. Pedro II como ummacaco, representante-mor da nação brasileira, que continuavaintervindopoliticamentenoPrata,comoapublicadaemmarçode1875.Ailustraçãoécompostapordoisquadros(fig.22ae22b).Noprimeiro,aparecem,àesquerda,AlsinaeTejedor,aocentro,opresidenteAvellaneda90,apontandoparajanela,àdireita,emquesevê,d.PedroII,representadocomoummacaco,penduradoemumapalmeira,observandoos três políticos argentinos. No segundo, destaca-se, no primeiro plano, Sarmiento,representado como um general assustador, empunhando enorme sabre e garrucha; nosegundo,exército,formadoporsapos.Osquadrinhosestãoacompanhadosdalegenda:“Segun‘ElNacional’parecequeotromonomasterriblequeelprimerosequieretambienintroduziremcasadeNicolas.Felizmentequecontamosparaecharlo,com..elinvencibleFeld-MariscalDomingo1ºysuinnumerableejercitodehabitantesdeCarapachay.”

Nalegenda,oprimeiro“mono”eraemalusãoaMitre,queeraconsideradopelojornal El Mosquitocomoumbrasileiro,por terapoiadooBrasilnaguerradaTrípliceAliança.Pode-seobservar,também,queanaçãobrasileirarepresentadacomomacacoed.Pedro II, comoo imperadordesta, passou a ser tônicadas ilustraçõespublicadasno El Mosquito. Houve, nessemomento, uma desconstrução da imagemhumana doimperador.

Em21demarçode1875,maisumachargedeStein, insinuandoumapossívelintromissão do governo brasileiro em assuntos internos daArgentina (fig. 23). Nela,aparece,àesquerda,opresidenteAvellaneda,empunhandopádepedreiro,botandocacos

90NicolasAvellaneda (Argentina 1837-1885), advogado, jornalista e político. Presidente daArgentinaentre1874e1880.AssumiuaPresidênciaemmeioaacusaçõesdefraudeeenfrentandoumlevantedeBartolomeuMitre,quesufocouempoucosmeses.

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Nicol%C3%A1s_Avellaneda-acessadoem22/4/2007).

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Fig.22b-El Mosquito-03/1875-Stein-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

Fig.22a-El Mosquito-03/1875-Stein-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

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em muro, com inscrição: “Martin Garcia”; à direita, macaco, representando a naçãobrasileira,trepadoempalmeira,depunhoscerrados.Nalegenda:“Elmonoestáfurioso!”,alusivadequeogovernoargentinoestavaatentoaovizinho,fortalecendoafortificaçãoMartinGarcia,construídaemposiçãoestratégicanoriodaPrata,oqueprovocaraairadogovernobrasileiro.Ouseja,dandoaveraosseusleitoresdequeosvizinhosbrasileirostinhampretensõesdeinterviremterritórioargentino.

Em28demarçode1875,El Mosquito,emmaisumacharge,representad.PedroII comoumgrandemacaco,mal-intencionado,dispostoapôr emmarcha seusplanosexpansionistasobreoPrata(fig.24).Nela,oimperadordoBrasilmostra-segulosoparasaborearosfrutosdeumaárvorecominscrições:“Paraguai”,“Chaco”,“Uruguai”,eoutrosdoisfrutos,cominscriçõesilegíveis,sendoobservadoporAvellaneda.Alegendareforçaaimagem:“-Quericasnaranjas...!Sinofueraporelvecinoquemeestaespiando...”

Percebe-se uma pedagogia depreciativa pela imagem vinculando a figura domonarca como chefe de uma nação demacacos, que desqualificava o imperador e o

159

El mono está furioso!

Fig.12- El Mosquito-04/07/1867-Moniot-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

Fig.24- El Mosquito-28/03/1875-Moniot-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

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país,naquelemomento,emqueapressãodeumapolíticaimperialfirmesefaziasentirna região.OEl Mosquitomostravaatravésdas ilustraçõesa situaçãodequaseguerraentreBrasileArgentina.Convém lembrarqueessaeraa tônicada imprensa ilustradanoRiodeJaneiro,nessemesmomomento,nopós-guerra.OcaricaturistaitalianoLuigiBorgomainerio, recém-chegadoaoBrasil, sugeriu emumade suas charges, publicadana Vida Fluminense (19/12/1874),queoclimabelicosoeraalimentadopelaimprensadeambasasnacionalidades. Em15/16deabrilde1875,AlfredoMichoncriouumailustraçãodepáginadupla,no El Petroleo, em que não poupou nenhum dos personagens envolvidos na políticaplatina.E,maisumavez,anaçãobrasileiraaparecerepresentadacomomacaco,montadopelafiguraridicularizadadoimperador,portandourinolnacabeça.(fig.25).

Nacomposição,destaca-se,aocentro,trêsmedalhões,comalegenda:“EstatuasdelPovenir”.Noprimeiro,mostrad.PedroII,portandourinolnacabeça,deespadanamão,montado em ummacaco, sob pedestal, com inscrição: “D. PedroMacaqueiro”;no segundo, Sarmiento,montado em avestruz, sob pedestal, com inscrição: “GeneralSarmiento”; no terceiro,Avellaneda eAlsina, montados em burro, sob pedestal cominscrições: “APancho yMendrugo” - “La pátria agradecida”.Ladeiamosmedalhõesquatroquadrinhos,criticandoapolíticainternaArgentina.

Em 30 de abril de 1875, por ocasião da Missão Tejedor, no Rio de Janeiro,Michonilustrouaspáginascentraiscomváriosquadrinhos;emumdeles,aparecemdois

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Fig.25-El Petroleo-04/07/1867-AlfredoMichon-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

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diplomatasdoImpériodoBrasil,comfisionomiademacacoseCarlosTejedor(fig.26).Alegendaqueacompanhareforçaaimagem:“Quefeoesoembaixador”.

Naúltimapágina,foipublicadaumanotagozandoapronúnciadoportuguêseamorosidadenaconduçãodaquestão,consistindonumacríticaaetiquetaexigidanaquelasociedadedeCôrte.

Despachos telegráficosRio de Janeiro 27 – temprano.O ministro TeixedorTem o teixe maneixeCom o senhor emperadorQue não acaba em sete messes.

Em outra charge publicada emEl Petroleo em 6/7 demaio de 1875,MichondesenhouTejedorcomoumaenormearanhaed.PedroIIcomoumagrandemoscaemsuateia,acompanhadodalegenda:“Elembajadorarañayelmosconáquiennoengaña”.(fig.27)AimagemdestavezédeumPedroIIesperto,aquemorepresentanteargentinonãoconsegueludibriar.ImportanteressaltarqueapercepçãodoEl PetróleoemrelaçãoaosacontecimentosdamissãoTejedoreradiferentedavisãodoEl Mosquito.

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Fig.26-El Petroleo-30/04/1875-Michon-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

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NoEl Mosquito,nessamesmaocasião,em9demaiode1875,Steinestampouumachargeácidareforçandonãosóaimagemde“macaco”,vinculadaànacionalidadebrasileira,comotambémaimagemdeumaltivoCarlosTejedor,conhecedordetáticasdenegociaçõeseficazesparaconvenceranaçãobrasileira.Nela,Tejedoraparece,oferecendoumabananaaummacacoempoleirado.Legenda:“Quetal,seamanza?”(fig.28).

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Fig.27-El Petroleo-07/05/1875-Michon-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

Que tal, se amanza?

Fig.28-El Mosquito -09/05/1875-Stein-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

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Em30demaiode1875,foipublicadanoEl MosquitoumailustraçãodeStein,na qualCarlosTejedor e d. Pedro II aparecem altivos, ambos representando, os seusrespectivosEstados.Aliás,estailustraçãoparecetertidocomoinspiraçãooutrapublicadaporAgostini,naspáginasdeO Mosquito,noRiodeJaneiro,em1demaiode187591 (fig.29aeb). Significativa,parapesquisaemtela,porquemostraumintercâmbiodeimagensentreoscaricaturistasdasduasnacionalidades.Ailustraçãopareceflagrarumacontecimentohistórico,ummomentosolenedeentendimentodiplomático,mostrando,à esquerda, Carlos Tejedor, representando a República Argentina, trajando poncho,vestimenta típica de estancieiro argentino, portando papéis com inscrições: “VillaOcidental”e“isladelCerrito”;aocentro,d.PedroII, representadooEstadoimperial,trajadocomoumfazendeirodecafé;àdireita,viscondedoRioBranco(presidentedoConselho),trajandofardadeministrodoImpério.

AssimcomoAgostini,Steinjogacomaroupatípica,elementoconstitutivodasnacionalidadesalirepresentadas,própriasdasediçõesromânticas,fazendopartedeuma

91Vercapítulo“OBrasileoPratanotraçocômicodosartistasdasegundametadedoséculoXIX,noRiodeJaneiro”.

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Dn. Pedro – Pues mi buen gaúcho, yo no sabia que eram Vds. tan industriosos y Va se leva dos prezas que há sabido muy bien tejir. Recuerdos a Dr. Nicolas

Fig29b-O mosquito-01/05/1875AutorAgostini

Fig.29a-El Mosquito-30/05/1875-Stein-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

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pedagogiapelaimagem.Otrajetípicoescolhidodefazendeirodecaféparad.PedroII,ésignificativo,comojáassinalamos,porumlado,pelocaférepresentaroprodutodemaiorpesonaeconomiadoImpérioe,poroutro,porserrepresentativodosistemaescravocrata.Ouseja,aidentidadedoEstadoimperialeradebaseescravista,cujoprincipalprodutoeraocafé.

A legenda enfatiza a surpresa de d. Pedro com a habilidade deTejedor comonegociador,conseguindodoParaguai,aVillaOcidentaleaIlhadeCerrito.

EEl Mosquito, em 6 de junho de 1875, continuou tecendo comentários sobreosresultadospositivosdaMissãoTejedorepublicouumachargedeStein,naspáginascentrais,mostrandooenviadoargentinocomovencedordadifícilquestão,emqueMitre,anteriormente, havia fracassado.Nela apareceTejedor comoflecha no centro do alvo(fig.30),cominscrição:“Questãoparaguaya”,eoutraflechafora,representandoMitre.Legenda:“Delasdosflechas,lasquenoacertofuelamasfestejadaporlosinteligentesDelaltocomercioestrangero.”

A posição do periódicoEl Mosquito na cobertura daMissãoTejedor, tecendoimagempositivadodiplomata,foiironizadaemartigojocosopeloperiódicoEl Petróleo,em10/11dejunhode1875.OartigocriticatambémumheróicoTejedorcinzeladoporoutroperiódicoportenhooCorreio de la Plata.SegundooEl Petróleo,oEl Mosquito haviaseprecipitado,carregandoumpouconastintasaopintarosacontecimentosrelativosàMissãoTejedor.

Em13dejunhode1875,El MosquitocontinuoumostrandoTejedorcomograndevencedordasnegociaçõesdaquestãoparaguaia,montadotriunfalmenteemseucavalo,passandoporcimadeMitre,caídoaochão(fig.31).

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Fig.30-El Mosquito-06/06/1875-Moniot-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

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Somenteem20dejunho,El MosquitoestampouumachargecriticandoatitudeintempestivadeTejedor,retirando-sedoBrasilsemdespedir-sedoimperador(fig.32).

Napágina4, destemesmoexemplar, seção “Folletin”, foi publicadaumanotasignificativaparadiscussãoemtela.

LosdiáriosdeRiodeJaneirodijeronqueTejedorhabiacometidoumagaucheríaalretirarsesinseguirlosusosdiplomáticos.AesolosdiáriosdeBuenosAirescontestanqueesaacusacioneraumamacaqueria.EnesohanprobadolosdiariosdeaquiquepuedenmasquelosdeAllá....enlaguerraáinsultos.

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Fig.31-ElMosquito-13/06/1875-Stein-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

- Se va, Dr.? - Si, Dn. Pedro. Voy tan cargado que no puedo darle la mano. Adios y recuerdos a la família

Fig.32-El Mosquito-20/06/1875-Moniot-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

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Percebe-seaidentificaçãodasduasnacionalidadesatravésdosinsultos:gaucheria e macaqueri.Ouseja,aimprensaestavaajudandoacriaredistinguirnacionalidades.

Em27dejunhode1875,El Mosquitopublicouextensoeditorial,criticandoaMissãoTejedor,apolíticabrasileirae,sugerindoumestadodequaseguerraentreArgentinaeBrasil.NaopiniãodojornalaescolhadeTejedorparaessaquestãofoiumerro,poresteserimpaciente,homemimpróprioparaserdiplomata.NapercepçãodoperiódicooBrasilfaziaumapolíticacontraditória,eosargentinoseram“emtodasasquestõesdiplomáticasosjoguetesdessapotênciahipócritaedesleal”92.

Nessaocasião,ogovernoparaguaiohaviarechaçadoostratadoscelebradosentreTejedoreseurepresentanteSosa.

NestamesmaediçãoStein,estampouumachargesintetizandosuavisãosobreosacontecimentosnoPrata,destacando-seumgigantescod.PedroII,representandoanaçãobrasileira, jogando para o alto, diminutas figuras:Tejedor, representando aRepúblicaArgentina; paraguaio, em trajes típicos e figura feminina, representando aRepúblicaOrientaldoUruguai(fig.33).LegendaqueacompanhareforçaaimagemeculpaaquelasituaçãoapolíticadeaproximaçãodoBrasilconduzidaporBartolomeuMitre:“AtictudactualdelBrasil:omagníficoresultadodelacolosalpolíticadeDn.Bartolo.”

92El Mosquito,27/6/1875.

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Fig.33-El Mosquito-27/06/1875-Stein-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

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Para o jornal portenho El Mosquito a política de Bartolomeu Mitre haviaproporcionadoaquelasituaçãonoPrata.AimagemeradeumBrasilpotência,enquantoasdemaisnaçõesplatinasnãopassavamdemerosjoguetesemsuasmãos.InteressanteobservarqueasugestãodesuperioridadedoEstado-naçãoImperialemrelaçãoaoEstado-naçãoArgentinahaviasidoenfatizadaemchargespublicadasporFaria,narevistaVida Fluminense (31/4/1874),porFleiuss,naSemana Illustrada(28/1/1874)eporAgostini,emO Mosquito (17/1/1874),nummomentode tensãoentreosdoispaíses,quandodaapreensãodeembarcaçõesbrasileiraspelogovernoargentinonoPrata.Percebe-sequea imagem do Brasil pós-guerra do Paraguai ficou fortalecida, embora sem simpatia.OBrasilapesarde rotofinanceiramenteemdecorrênciadaguerra,exerciahegemoniaregionalnoPrata,impondosuavontade93.AimagemcriadaporStein,destavez,nãofoiadeumPedroIIhíbridodemacaco,ridículo,masfoiadeumd.PedroII,engrandecido,diantedediminutasnacionalidadesplatinas,queelepossuíaemsuasmãos,fazendodelasoquebementendesse.

Essapercepçãoded.PedroII,noprimeiroplanodosacontecimentosnoPrata,foienfatizadaporAlfredoMichon,em1-2dejulhode1875.Michoncriouumachargemordaz, depáginadupla, sintetizandoos acontecimentosdaMissãoTejedor (fig. 34).Noprimeiroplano,àesquerda,Tejedorescondidoatrásdeenormelivro,cominscriçõesnalombada:“Tejedor–Sosa–1875”,nacapa:“tratadosad-referendun”–“Canchadepelotas”– “partida a 30 rayas”– “Dn.Pedro: 15”– “Dn.Nicolas: 29”, encimandootratado,ummacaco,representandoanaçãobrasileira,segurandoumacoroa,ladeadopordoiscanhões;aocentro,noar,baladecanhão,cominscrição:“Paraguai”;àdireita,noprimeiroplano,d.PedroIIeviscondedoRioBranco, representadooEstado imperialbrasileiro, AvellanedaeAlsina, trajandovestimentas típicasdegaúcho,representandoaRepúblicaargentina.Aofundo,figurafeminina,representandoaRepúblicadoChile,segurandoumabaladecanhão,cominscrição:“Patagônia”.Legenda:“Quienganaralapartida?”

93Sobreoassuntover:CERVO,AmadoLuiz;BUENO,Clodoaldo.Op. cit.p.109-128.

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Fig.34-El Petroleo-02/07/1875-Michon-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

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NaocasiãooChilereivindicavaaPatagônia.Odestaqueded.PedroII,noprimeiroplano,acentuasuaimportâncianacena

platina,reforçandoaimagemdeumimperadorqueimpõesuavontadenoPrata,defendidoeapoiadopelanação,representadacomomacaco.

Na primeira página deste exemplar, comentário jocoso sobre o desenrolar daMissãoTejedor,queporumlado,reforçaarepresentaçãodanaçãobrasileiracomoumsímioeporoutro,mostraaforçadoEstadoimperial,fazendoprevalecersuavontadenoPrata.

Do, Re, Mi, Fa, Sol, La ,Si(Sonata diplomática en siete notas.)

DO.

Don Pedro qué sé yo cuántos, emperador de San Crstóbal, protector vitalício de uma nacion cuadrumana, desea conferenciar algunos dias (por no tener outra cosa que hacer) con un enviado argentino que puede arregalar la question des Chasco y todas las demás que temos pendientes. La buena fé y la cordialidad más disimulada presidiran estos regalo de mapa: la república amiga quedará complacida, y el império satisfecho. Dado en San Cristóbal, á tantos de mês tal – Pedro el de los Pelotes e – Parasnos. ; - Firmado.

[...]

Na última página deste mesmo número comentário jocoso sobre o assunto,emquemaisumavez“macacos”representamanacionalidadebrasileirae,gaúchos,anacionalidadeargentina:

“Rociadas”-Sabe V, jugar á la pelota?-Si, sñor.-Y que lê parece la partida ́ 30 rayas que se há comenzado

á jugar?-Me parece que la pelota puede darle á D. Pedro em la

cabeza, y hacerle perder hasta Pelotas.

* * *- Qué diferencia encuentra V. entre um gaúcho y um

macaco?- Miste que Dios! La que hay entre um hombre y um

animalucho cualquiera. * * *

Los macacos tienen cuatro manos, dice la historia natural.Me parece que si continúa la partida, se converteran en las manos en pies.

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Em4dejulhode1875,SteinusoumaisumavezdolápiscríticoparaespetarafiguradeBartolomeuMitre,percebidocomopivôdosacontecimentosnoPrata,nopós-guerra do Paraguai. Publicou vários quadrinhos nas páginas centrais doEl Mosquito,mostrando no primeiro deles, BartolomeuMitre e o bonecomosquito, puxando umacortina,mostrandoascenasdapolíticaplatina.Legenda:“Mira,Bartolo, losfrutosdetugranpolítica...!”;nosegundoplano,Avellaneda,puxandoosso,cominscrição:“VillaOcidental”,ecãocominscrição:“Paraguai”,cujodonoéumbemarmadod.PedroII(fig35).Legendareforçaaimagem:“Dn.Pedro–Chúmale,cachorro,chúmale!!!”;nosegundoquadro,focalizaumaconturbadaRepúblicauruguaiaasvoltascomsuapolíticainterna(fig.35a);emoutroquadro,apareceTejedorespantadodiantedoimperadordoBrasil,apontando-lheumrevólver,despidosesuamáscara,apresentandoafisionomiadeummacaco(fig.35b).Legenda:“Sesacólacareta...!”;naúltima,mostrafiguraagigantadade d. Pedro II, combocarra escancarada, amedrontando um indefenso paraguaio (fig.35c).Legenda:“Quebienmesientaelclimadetutierrayquehambretengo.”

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Fig.35c-El Mosquito-04/07/1875-Stein-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

Fig.35b-El Mosquito -04/07/1875-Stein-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

Fig.35a-El Mosquito-04/07/1875-Stein-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

Fig.35a- El Mosquito-04/07/1875-Stein-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

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Steinenfatizounosquadrinhos,aimagemdeumPedroIIassustador,fazendovalersuavontadenoteatrodoPrata,enquantoaRepúblicaArgentinaestavavendofrustradasassuaspretensõesnaregião.

El Petróleoem30dejulhode1875,estampouumailustração,depáginasdupla,deAlfredoMichon, destacando d. Pedro II, como o comandante-em-chefe do grandecircodapolíticaplatina,reforçandoa imagemqueEl Mosquitovinhapublicando(fig.36).

Em8deagosto,SteinpublicouemEl Mosquitooutrasduaschargesinsinuandoa intromissão de d. Pedro II em assuntos platinos (fig. 37), destacando, na primeiradelas,àesquerda,oimperador,aparecetrajadocomoumgaúcho,portandoboleadeira,comascabeçasdospresidentesdoParaguai,doUruguaiedoChile,montadoemMitre,representadocomoummacaco;àdireita,NicolasAvellaneda,presidentedaArgentina,representadocomoavestruz,altivo.

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CAZA DEL AVESTRUZ O UN BOLEADOR POCO BAQUEANO “D. Pedro: – Como diabos se bola isto para colher esta fera? Nicolas: - Adonde va que lo maten compadre, vea que no es para todos la bola de potro!”

Fig.36-El Petroleo-30/07/1875-Michon-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

Fig.37-El Mosquito-08/08/1875-Moniot-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

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Percebe-senestachargeainsinuaçãodequed.PedroIIenvolveuemsuasambiçõesatéogovernochileno.Ouseja,sãoquatro,contraum.E,alémdisso,achargeinsinuaqued.Pedrosearvorouemcearaalheia,semsabermanejarinstrumentosprópriosdaquelacultura gaúcha. SegundoAmado Cervo, “desde o início do conflito com o Paraguai,apagadomomentaneamenteotradicionaltrunfoestratégicoquerepresentavaaquelepaísnoscálculosdo Império, adiplomaciabrasileirabuscouatrair aBolíviaeoChileemsuaesferadeinfluência,emmaisumesforçoparafazerpenderaseufavorabalançadopoder”94. Nasegundacharge(fig.38),destaca-se,noprimeiroplano,d.PedroII,representadocomoumgrandemacaco,representante-mordanaçãobrasileira,botandoamãoemjarro,com inscrição: “TrípliceAliança”, tentando tirar um objeto esférico, com inscrição:“Paraguai”;No segundo plano, observando a cena, demartelo namão, presidente doParaguai,representadocomomacacotentandoajudaroimperador.

AchargeinsinuaapretensãodochefedanaçãobrasileiraemanexaroParaguai,contandocomaajudadopresidentedaquelepaís. Em8desetembrode1875,AlfredoMichoncriouquatroquadrossobreodesenlacedaMissãoTejedor,cujocenárioéumapraçadetouros(fig.39a,39b,39c,39d).Noprimeirodeles,destacam-se,comotoureiros,d.PedroII,decosta,Tejedor,decapanoareAlcina,acavalo,cutucandotouro.Nosegundoplano,Mitre,acavaloeAvellaneda,fugindodetouro,pulandoamuretadaarena.Legenda:“Puyazosautonomistas”;nosegundoquadro:políticosplatinos,espetandotouro.Legenda:“Chumale,chumale!”Noterceiroquadro:noprimeiroplano,d.PedroII,preparando-separaogolpefatal,emtouro,agarradopelorabo, porAvellaneda. No segundo plano,Alsina, Tejedor e Sarmiento. Legenda: “ElVolapié...Adreferendum”.Noquartoquadro:Noprimeiroplano,àesquerda,Sarmiento

94CERVO,Amado;BUENO,Clodoaldo.Op. cit.p.134.

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GILL: - Me parece, Majestad, que antes que saque Vd. La mano com la naranja será preciso romper la botijuela

Fig.12-El Mosquito-04/07/1867-Moniot-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

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emonsenhorAneiros;aocentro,Alsina, touro,ferido,cambaleante;àdireita,d.PedroII, observando o touro, depois de golpe fatal. No segundo plano, Tejedor. Legenda:“GolletazoParaguaio!”

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Fig.39a-El Petroleo-08/09/1875-Michon-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

Fig.39b-El Petroleo-08/09/1875-Michon-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

Fig.39c-El Petroleo-08/09/1875-Michon-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

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Na perspectiva doEl Petroleo o grande vencedor da questão foi d. Pedro II,golpeandotouro,com“adreferendum”.NessailustraçãodeMichon,aimagemédeumd.PedroIIcolhendoosfrutosdeumapolíticaprecisa,certeiranadefesadeseusinteressesemrelaçãoaoPrata.OBrasil,apartirde1876,deixadeserumdosalvosdascríticasdoperiódicoEl Mosquito. OjornalportenhopassouasedebruçarsobreosassuntosdepolíticainternadaRepúblicaargentina.Importanteressaltar,que,em1876,oBrasilretirouastropasquevinhamantendono Paraguai, aArgentina, acabou por concluir a questão paraguaia pelo Protocolo de1877.MasaindaexistiampendênciasentreBrasileArgentina,quemantinhamnoarapossibilidadedeconflitoemestadopermanente95.

Verificou-senestecapítuloaimportânciadoimagináriodiscursivonaconfiguraçãodesentidos,napercepçãodooutro,naconstruçãodeidentidades.Aidentidadenacionaléuma“comunidadeimaginada”,comosalientouBenedictAnderson96.Asimagensvariamaolongodotempo,cadaépoca,cadageraçãoelaborasuaconcepçãodenação. Nestecapítuloprocurou-seperceberaimagemqueasrevistasilustradaspublicadasemBuenosAires, na segundametade do século XIX, elaboraram sobre o Brasil, nummomentosingulardashistóriasdeambosospaíses–aGuerradoParaguai–,consideradospelahistoriografiaArgentinaebrasileira,comotradicionaisrivais.

95“AspendênciasouatritoscomaArgentinadecorriamdosseguintesfatores:emprimeirolugar,olitígiofronteiriço,nazonadePalmas;alémdessecontencioso,comprometiamasboasrelaçõesbilateraisaquestãodo armamentismo, a concorrência para receber imigrantes europeus, a guerra de imagem, as relaçõescomerciais,ainflamaçãodaopiniãopúblicaeasantigasconcepçõesgeopolíticas”.(Idem.p.134).96ANDERSON,Benedict.Op cit.p.15.

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Fig.39d-El Petroleo-08/09/1875-Michon-BibliotecaNacionaldeBuenosAires

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5° Capítuloa Questão religiosa e a identidade da nação

AQuestãoReligiosa,incidentediplomáticoentreoImpériodoBrasileaSantaSé,teveiníciocomainterdiçãodeirmandadesreligiosas,decretadapelosbisposdeOlinda,d.VitaldeOliveira,edoPará,d.MacedoCosta,soboGabinetepresididopeloviscondedoRioBranco(de7demarçode1871a25dejunhode1875).

Asirmandades97senegaramacumpriraordemdosbisposdeexpulsarosmembrosmaçons,sendopunidascomainterdição98.Recorreramaogovernoimperial,queacabouporprocessarosbispos.Estes,porsuavez,acabaramincriminadospornãoaceitaremqueopodertemporalinterferisseemassuntosdareligião,ferindoaConstituiçãodoimpério.Noentenderdosprelados,areligiãoeradecompetênciaúnicadaIgreja.Emsetembrode1875,osbisposforamanistiadospelogovernoimperial.AanistiafoiobjetodecríticacontundentedosartistasdotraçocômiconoRiodeJaneiro.

A anistia não encerrou a questão, gerando inúmeras charges que abordaramassuntospolêmicos,dentreelesaseparaçãoentreIgrejaeEstado,naqualemergiucomopersonagem de destaque o político, jornalista e grão-mestre da maçonaria no Brasil,SaldanhaMarinho,99 que redigiu inúmeros artigos sob o pseudônimo antijesuítico deGanganelli.100

NaspalavrasdeJoséMurilodeCarvalho:

As relações entre Estado e Igreja no Brasil foram herdadas de Portugal. Para recompensar os reis portugueses por sua luta contra os mouros e por espalhar o catolicismo pelo mundo, Roma lhes concedeu o padroado, isto é, o direito de indicar

97Asirmandadesreligiosasexistiamdesdeoperíodocolonial,eraminstituiçõesque“alémdasfunçõesreligiosasdesempenhavamumimportantepapelnosetordeassistênciasocial,suprindomuitasvezesasfunçõesdoEstadoedaprópriaIgreja.Colocavam-se,assim,comoimportantesinstrumentosdecontrolesocial, sendo a influência sobre elas alvo de inúmeras disputas entre os poderes temporal e espiritual”(OLIVEIRA,AndersonJoséMachadode.“OsBisposeosLeigos:ReformaCatólicaeasIrmandadesnoRiodeJaneiro.”In:Revista de História Regional,6(1):147-160,verão2001.p.148).98Naocasião,osmaçonserammalvistospelaIgrejaetornava-sefundamentalobanimentodestesdoseiodasirmandades.“[...]aReformaCatólicatinhanadiminuiçãodaautonomiadosleigosumapedrabasilar.Nocatolicismo,entãovivenciadonoBrasil,afiguradoleigoassumiaumamaiorrelevânciaqueadoclero,easirmandadesreforçavamessecaráter”.(Idem.p.150).99JoaquimdeSaldanhaMarinho(1816-1895),políticopernambucano,deputadopelaprovínciadoRiodeJaneiro(1861a1881).MilitounoPartidoLiberale,apósainversãopolíticade1868,comasubidadoviscondedeItaboraí(JoaquimJoséRodriguesTorres),declarou-serepublicano.FoisignatáriodoManifestoRepublicanode1870.AdvogavaaseparaçãodaIgrejaedoEstado,escrevendoartigossobopseudônimoantijesuíticodeGanganelli.NaRepública,foisenadorde1890a1895.100GiovanniVicenzoGanganelli,papaClementeXIV(1705-1774).Foipapaentre1769e1774,edissolveua Companhia de Jesusem1773.

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bispos, e outros privilégios menores referentes à administração eclesiástica. Dois desses privilégios assumiram grande importância no Segundo Reinado, o direito de recurso ao governo em questões de disciplina eclesiástica e o direito do placet, isto é, de censurar todos os documentos provenientes de Roma, inclusive encíclicas. O padroado português foi estendido ao Brasil, cuja Constituição declarou a Igreja Católica religião do Estado e a única com direito a culto público. Padres e bispos eram funcionários públicos pagos pelo Estado. Em certo sentido, a Igreja no Brasil era mais dependente do Estado que de Roma.”101

PioIX,nessemomento,eraosumopontíficedaIgrejacatólica.Umpapadoemcrise,“abaladopeloseqüestrodosEstadospapaispelanovaNação-EstadodaItália”102. A Igrejaestavaemconflitocomomundomoderno.

Desde a Reforma, o papado relutava em se reajustar às realidades de umacristandade fragmentada, em meio ao desafio das idéias do Iluminismo e das novasmaneirasdeencararomundo.EmreaçãoàsmudançaspolíticasesociaisqueadquiriramumritmovertiginosonaesteiradaRevoluçãoFrancesa,opapadolutaraparasobrevivereexercerumainfluêncianumclimadeliberalismo–secularismo,ciência,industrializaçãoeodesenvolvimentodaNação-Estado.Ospapasforamobrigadosalutaremduasfrentes– comoprimazes de uma Igreja emconflito e comomonarcas de um reinopapal emperigo.EnvolvidosnumadesconcertantesériedeconfrontaçõescomosnovosdonosdaEuropa,opapadotentavaprotegeraIgrejauniversal,enquantodefendiaaintegridadedeseupodertemporalemcolapso.

AmaioriadosEstadosqueestavamsemodernizandonaEuropaestavapropensaasepararaIgrejadoEstado(ou,narealidademaiscomplexadasoposições,otronodoaltar,opapadodoimpério,oclerodalaicidade,osagradodosecular).AIgrejacatólicatornou-sealvodeopressãonaEuropaduranteamaiorpartedoséculoXIX:suaspropriedadeseriquezaseramsistematicamentesaqueadas;asordensreligiosaseocleroprivadosdesuaesferadeação;asescolascontroladaspeloEstadooufechadas.Oprópriopapadofoiváriasvezeshumilhado(PioVIIePioVIIIforamprisioneirosdeNapoleão),enquantoos

101CARVALHO,JoséMurilode.D. Pedro II.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2007.p.150.102CORNWELL,John.O papa de Hitler:ahistóriasecretadePioXII.2ªed. RiodeJaneiro:Imago,2000.p.15-16.

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territóriospapaisviviamemconstanteperigodedesmembramentoeanexação,àmedidaqueasforçasparaaunificaçãoitalianaeamodernizaçãoganhavamímpeto.”103

PioIX,em1860,haviaperdidoquasetodososterritóriospapaisnaItáliaparaonovoEstadoitaliano,passandoarepudiaroliberalismoeademocracia.E,comoobservouJoséMurilodeCarvalho,“oprincipaldocumentoquemarcousua[dopapa]posiçãofoiofamigeradoSyllabus,umalistagemdeoitentaerros,anexadoàencíclicaQuanta Cura,publicadaem1864.”104PioIX,nestedocumento,“denunciava80proposições‘modernas’,incluindoosocialismo,amaçonariaeoracionalismo.Naúltimadenúncia,queabrangiatudo,eledeclaravaqueeraumgraveerroproclamarque‘osumopontíficepodeedevesereconciliarcomoprogresso,oliberalismoeacivilizaçãomoderna.’”105.

NaRevoluçãoFrancesaamaçonariaajudouadifundiras idéiasdo liberalismoclássico,portanto,deveriasercombatida,naperspectivadePioIX,queviuoseuterritórioreduzidoàcidadedoVaticanoeergueu“aoseuredorasmuralhasprotetorasdacidadedeDeus:dentrohasteouoestandartedafécatólica,baseadanasPalavrasdeDeusconformeendossadaporelepróprio,sumopontífice.VigáriodeCristonaTerra.LáforaestavamosestandartesdoAnticristo,asideologiascentradasnoHomem,quevinhamsemeandoerrodesdeaRevoluçãoFrancesa.”106

Alémdaproclamaçãodainfalibilidadepapal,aprovadanoIConcílio,aprovadaem18dejulhode1870,haviaumaproclamaçãoadicionalquedeterminava“queopapatinhaajurisdiçãosupremasobreosbispos,emtermosindividuaisecoletivos.Ouseja,paratodososefeitos,opapanocomando,absolutoesemprecedentes[...].”107

PioIX,portanto,remavacontraamarédeumagrandereestruturaçãodaEuropa,sobretudodaEuropaCentral.

Nessemomento,doséculoXIXnaEuropa,conformeAdamWatson:

as idéias de nacionalismo e democracia eram interligadas. Ambas questionavam a legitimidade dos Estados europeus e de sua sociedade, o clube dos soberanos. Ou seja, naquele momento, os europeus ocidentais sentiam-se, de modo geral, cidadãos, mais do que súditos; e eles passaram a ver seus Estados monárquicos

103Idem. p.16.104CARVALHO,JoséMurilode.Op. cit.p.151.“OSyllabusdeclaravailegaloplacet,rejeitavaasupremaciadaleicivilsobreodireitoeclesiásticoecondenavaduramenteosmaçons.NoBrasil,aQuanta Cura e o Syllabuseramdocumentosexplosivos,poisconfrontavamdiretamenteasleiseoscostumesnacionais.”105CORNWELL,John.CORNWELL,John.Op. cit.p.23.106Idem.p.24.107Idem,ibidem.

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como a expressão constitucional e política de suas nações, mais do que meramente como os Statos institucionalizados de uma família de príncipes. No centro da Europa, ao contrário, as paixões religiosas durante séculos haviam ajudado a centrar as lealdades em Estados e dinastias locais, mais do que em nações; mas, no século XIX, o mosaico aleatório de grandes e pequenos Estados governados por soberanos que permitiam pouca participação popular não conseguia evocar a lealdade do demos. A nacionalidade era uma questão lingüística e cultural, sem nenhum Estado adequadamente representativo que desse forma à nação. [...] todas as repostas democráticas pressupunham que uma nação deveria ser soberana e ter o direito de agir como lhe aprouvesse [...]108.

NoenfrentamentodaQuestãoReligiosapelaelitedogovernoimperialpercebe-se à defesa enfática da soberania doEstado imperial, como observou JoséMurilo deCarvalho,aoanalisaraimagemdoBrasilnasAtasdoConselhodoImpério:

os interesses do Estado em sua soberania externa e interna são sempre defendidos com ênfase. A soberania externa é sustentada consistentemente, seja nas relações coma a Inglaterra, seja com a Argentina e demais países com que o Brasil tinha conflitos. 109

Observouainda,JoséMurilodeCarvalho,

Não ficava a dever a preocupação com a soberania interna do Estado. Aqui o debate mais esclarecedor se deu em torno da Questão Religiosa, entre 1873 e 1875, em

108WATSON,Adam.A Evolução da Sociedade Internacional:uma análise histórica comparativa.Brasília:EditoraUniversidadedeBrasília,2004.p342.109CARVALHO,JoséMurilode.A construção da ordem: a elite política imperial; Teatro de sombras: a política imperial.2ªEd.RiodeJaneiro:EditoraUFRJ,Relume-Dumará,1996.p.346.

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seis demoradas reuniões. Ao longo de toda a discussão, apenas o visconde de Jaguari foi consistentemente favorável aos bispos de Olinda e do Pará, tendendo os viscondes de Muritiba e Abaeté para uma posição de equilíbrio. Tods os outros, liberais e conservadores, se mostraram francamente regalistas, embora se confessando ao mesmo tempo bons católicos. O mais agressivo de todos foi também o mais liberal, Souza Franco, seguido de perto pelos conservadores Niterói e São Vicente, e pelo também liberal Nabuco. Mesmo Caxias, que tomaria a iniciativa de propor a anistia em 1875, mostrou-se consistentemente governista. A palavra soberania era pronunciada a todo momento para opor-se às pretensões ultramontanas dos bispos. Essa soberania, segundo São Vicente, possuía “autoridade plena, integral, absoluta e, além disso, exclusiva” (v. 9, 126). Niterói afirmou: “Não há razão nem prerrogativa que possa prevalecer contra o Direito Constitucional e o império da lei” (9v. 9,18), e exigiu que o governo obrigasse os bispos a respeitar as leis “com o império da razão e com a força da razão do Império” (idem), numa frase que não podia expressar melhor a posição da maioria do grupo. Ao ser votada a anistia, apenas Jaguari e Muritiba foram por concedê-la incondicionalmente. Até mesmo Bom Retiro, que possuía aguda percepção de comunidade de interesses entre Igreja e Estado – a Igreja mantinha a população submissa -, não era por isto levado à transigência (v. 10, 35-43), embora não aceitasse a solução radical da separação proposta por Souza Franco e que só a República realizaria (v. 8, 432 e 456; v. 9, 35-38)110.

110Idem.p.346.

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AsidéiasquecirculavamnaEuropaseexpandiameoEstadoimperialnãoficouimuneàsmesmas.Diríamosmesmoqueaimprensa,nessemomento,foiumdosprincipaiscanaisdifusoresedefensoresdeidéiaseaçõespolíticasqueestavamsendoencenadasno mundo europeu.Amonarquia começou a perder força após aAnistia, e, pode-seafirmarque a imprensa foi umapeça fundamental nesta batalha simbólica-ideológica,devinculaçãoedesvinculaçãoda imagemdomonarcaànação.AAnistia representouumamudançana imagemquea imprensavinhaconstruindodogovernonaconduçãodaquestão,vinculandoaimagemdomonarcaànação.ApartirdaAnistia,amonarquiapassou a ser retratada, assim como o papado, como a imagem do obscurantismo, doretrocesso, inimigadosvalores liberaisemvoga,querepresentavamumoutromodelodeEstado-nação.E aRegência da princesa Isabel foi considerada ultramontana pelasrevistasilustradas.Eaimagemdanaçãofoisendodesvinculadadaimagemdogovernoimperial.Aimagemdeumd.PedroIIfirme,altivo,foisendosubstituídaporumd.PedroII,enfraquecido,tímidonaconduçãodapolíticaexterna.

NoiníciodaQuestãoReligiosa,houveauniãodetodaaimprensailustradaemtornodoEstado imperial contraa Igreja.E, aomesmo tempo,navogadoqueestavaocorrendonaEuropa,emergiramtemasreivindicadospelosliberais,comoaseparaçãodaIgrejadoEstado,laicizaçãodoensino,casamentociviletc.Exacerbou-senaimprensailustradaadiscussãosobreasreformasdaCartaconstitucional.Outroaspectoobservadonasrevistasfoianticlericalismoquenaliteraturaeuropéiaproduziuestereótiposplástico-caricatoscomoodopadre,glutão,apegadoaosvaloresmundanos,comonosromancesdo escritor portuguêsEça deQueiróz.O cônegoFerreira, redator do jornal oficial dadiocesedoRiodeJaneiro,O Apóstolo,foialvoprediletodoscaricaturistas.OportuguêsBordaloPinheiro,amigodeEçadeQueiroz,oretratavamuitasvezescomoumporquinhoroliço.Há julgamentos depreciativos de Pio IX, em que o papa aparece na figura deumabutrepicandoofígadodanação,acorrentadaàIgreja.Vinculava-seaIgrejacomoadefensorade idéias retrógradas,conservadoras,umimpedimentoparaocaminhodoprogresso.DesqualificaçãodopapadopermitiaatacarindiretamenteaideologiauniversaldaIgreja.Elaencarnavaoobscurantismo,astrevas,eraconsideradaumentraveparaodesenvolvimentodeumanação,naconcepçãoliberal.

NasrevistasilustradasnoRiodeJaneirodesde1872,quandoteveinícioaQuestãoReligiosaatéaAnistiadosbisposem1875,percebe-seaacentuaçãoliberal,atémesmonaVida FluminensequeerafavorávelaoGabineteconservadordoviscondedoRioBranco.Aliás,segundoPedroCalmon,oviscondedoRioBranco“em72encarnouolivre-exame,amaçonaria,olaicismo,aesquerda,contraoepiscopadodeRoma.D.PedroIIeracatólico,obedeciacomcorreçãominuciosaàsexigênciasdoculto,eopraticava,mas,deformaçãovoltariana,encarnavaoEstadonassuas‘regalias’”111.

111CALMON,Pedro.História do Brasil.RiodeJaneiro:LivrariaJoséOlympioEditora,1959.p.1780.

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As revistas ilustradas apostavamna imagemdeumEstado imperial adeptodoprogresso,doliberalismoedacivilizaçãomoderna,quandodagestãodoviscondedoRioBranco,naPresidênciadoConselho(demarçode1871ajunhode1875).Aatitudedogovernoimperialexpressavaaresistênciaaodogmaultramontano,deinfalibilidadepapal,aprovadonoIConcílioVaticano(julhode1870),defendendoopoderpapalincontestável,ultrapassandotodososlimitesnacionaisegeográficos.Percebe-sequeparaosartistasdotraçocômicodaimprensailustradadoRiodeJaneiroessaatitudedogovernoimperialeracomparávelcomadeoutrasnações,comoFrança,Áustria,AlemanhaeItália,queestavamreagindoaodogmada infalibilidade.EmumadaschargesoviscondedoRioBrancofoidesenhadoaoladodeBismarck.OBrasil,napercepçãodoscaricaturistas,seidentificavacomessasnaçõeseuropéiascontraaSantaSéesuasidéiasultramontanas.

Essaimagemcomeçaaserarranhada,antesmesmodaanistiadosbispos,quandodoiníciodaPresidênciadoConselhodeCaxias(junhode1875).Percebe-sequeolápisdeartistascomoAgostini(filósofodapenanadefesadosprincípiosliberais)começouatraçar linhassarcásticasdaconduçãodaQuestãoReligiosapelogabinete formadoporCaxias, que tinhanas suasfileirasfiguras comooministrodo Império JoséBentodaCunhaFigueiredo,popular“ZéBento”,quepassavaaserparaoartistaitalianoencarnaçãotípicado“carola”,do“beato”.Ouseja,paraAgostini,aqueleGabinetenãoeraconfiável,representavaumretrocesso.Representavaaquebradeumaimagempositiva,queagestãoanteriortinhaproporcionado,dealinhamentoàsidéiaseàsatitudesliberaisqueestavamsendoimplementadasnaItália,Alemanha,França,BélgicaenaprópriaÁustria,umpaíscatólicotradicional.

Apartirdaanistiadosbispospelogovernoimperial,noiníciodagestãodeCaxiasnoConselho,emsetembrode1875,revistas,comoO Mosquito,começaramaestamparcríticasacerbasaogovernoimperial,aprofundando-seaindamaisaquestãodaseparaçãoda Igreja do Estado, assim como outras reformas pretendidas pelos liberais na Cartaconstitucional.

Osartistasdotraçocômico,comofilósofosdasluzes,nessemomento,crentesdafilosofiadoprogresso,pareciamestarcomaconvicçãodequeosideaiseasprofecias,dosteóricosdoliberalismodosséculosprecedentes,estariampróximasdesetornaremrealidade.Apercepçãoeradequenãohaviamaisespaçoparaasidéiasconservadoras.

a aPosta Na imaGEm dE um Estado-Nação adEPto do ProGrEsso, do libEralismo E da civilização modErNa: a quEstão rEliGiosa Na GEstão do viscoNdE do rio braNco

A Semana Illustrada, deHenriqueFleiuss,publicouduaschargesumaemjunhoe a outra em agosto de 1873, mostrando a imagem positiva do governo imperial noenfrentamentodaQuestãoReligiosa.(figs.1e2).

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NestamesmaocasiãodasacusaçõescontraosbisposdeOlindaedoPará,VitaldeOliveiraeMacedoCosta.AngeloAgostini,em19de julhode1873,estampounaspáginascentraisdeO Mosquitonº201,umacharge(fig.3)comalegenda:“OnógórdiodaQuestãoReligiosa”.Nela,obonecoMosquitoestáchamandoatençãodoviscondedoRioBrancoparaaimagemtenebrosadaquestãodoEstadoimperialcontinuarvinculadoa Igreja,conformeoartigo5ºdaConstituiçãodo ImpériodoBrasil.NapercepçãodeAgostini esse eraonógórdiodaquestão.ComoobservouViotti daCosta, aQuestão

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Fig 1 - Semana Illustrada - 20/06/1873 - Real Gabine-te Português de Leitura Mostra no primeiro plano, balança, pendendo de um lado tiara papal, com d. Vital de Oliveira, segurando uma flâmula, com inscrição: “Bulla dos padres”. No segundo plano, coroa imperial brasileira, com o minis-tério Rio Branco, observando o clérigo. A legenda que acompanha alude às contribuições do Estado à Igreja: Bispo– Porque será que uma conchaDesta famosa balançaPesa mais, contendo apenas Uma cabeça ... e uma pança?

Coroa do Império do Brasil- É que a mais leve despejaMuito cobre na pesada;Tirem-lhe o cobre, e a balançaFica logo equilibrada.

Fig 2 - Semana Illustrada - 10/08/1873 - Real Gabinete Português de Leitura

Mostra, no primeiro plano, enorme coroa do império brasileiro, esmagando bispos e frades. Na esfera armilar, inscrições: “Sempre [afinal de contas] pesou mais”. No segundo plano, observando a cena, à esquerda visconde do Rio Branco, presidente do Conselho; á direita, João Alfredo Correia de Oliveira, ministro do Império. A legenda reforça a imagem: [.]

“‘FINIS CORONAT OPUS’” [O fim coroa a obra]

“‘Tradução portuguesa: ‘afinal a coroa os pôs no pó’”.

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Religiosa, “revelando o conflito entre o PoderCivil e o PoderReligioso, contribuiriaparaaumentaronúmerodosqueadvogassemanecessidadedeseparaçãodaIgrejaedoEstado”. 112Reivindicação dos liberais republicanos, comoSaldanhaMarinho, que semostrouincansáveladvogadodessacausa.

Percebe-se,alémdoapoioaogovernoimperial,umapressãodaimprensailustradaemnãoafrouxarnaquestão.Em20desetembrode1873,A Vida Fluminense,publicouumachargedeFaria,comoumacenadeumapeçadeShakespeare(fig.4),emquesedestacam,noprimeiroplano,bispoVitaldeOliveiraeviscondedoRioBranco,oprimeiroportando documento papal, com inscrição “Bulla” e o segundo trajando vestimentasrenascentista,fisionomiazangada,comumdosbraçoserguidosededoemristeparaobispo,eoutrobraçoabaixadoepunhoscerrados;àdireita,figurafeminina,representandoamaçonaria,abraçandoSaldanhaMarinho,trajandovestesfemininasrenascentistas,comsímbolomaçônico(Compassoeesquadro).Nosegundoplano,àesquerda,trajandovestesrenascentistas,ajoelhados,osadvogadosdobispoVital,CândidoMendeseZachariasdeGóeseVasconcellos.Legendaqueacompanhareforçaaimagem:

112COSTA,EmiliaViottida.Da monarquia à República:momentos decisivos.2ªed.SãoPaulo:LivrariaEd.CiênciasHumanas,1979.p.299.

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fig.3-O Mosquito-19/07/1873-Agostini-QuestãoReligiosa-RealGabinetePortuguêsdeLeituraNa parte superior, em meio a nuvens, aparece o boneco Mosquito, apontando para baixo, e o visconde do Rio Branco, com a mão na cabeça, observando a cena. Na parte inferior, índio, representando a nação brasileira, e clérigo, com inscrição na cintura: “Religião Católica Apostólica Romana”, amarrados por corda, com inscrição: “Artigo 5º da Constituição. No segundo plano, à esquerda, tabuleta, com inscri-ção: “Caminho do Progresso”, fachada de templo grego, sol, chaminés, trem em ponte; à direita, trevas, homem enforcado, homem em fogueira, templo grego, com inscrição: “Vaticano”.

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Ogovernopareceu atender as expectativas da imprensa ilustrada, processandoobispodeOlinda.Nessemomento,percebe-senãosóauniãodaimprensailustradanaQuestãoReligiosaaoladodogovernoimperial,comotambémdamaçonarianoBrasil.OviscondedoRioBrancoeragrão-mestredaRuadoLavradio(GrandeOrientedoBrasil)e SaldanhaMarinho era grão-mestre daRua dosBeneditinos (GrandeOrienteUnidodoBrasil).Havia namaçonaria noBrasil uma disputa entre conservadores e liberais,os primeiros freqüentavam aRua doLavradio e os segundos aRua dosBeneditinos.Saldanha Marinho havia proposto a união da maçonaria no Brasil, sem resultado.DuranteaQuestãoReligiosaparecequehouveumauniãodeforçasmaçônicasnoBrasil.A imprensa ilustrada,que tambémseuniunessaquestão,nãocansoudeestamparemsuas páginas o viscondedoRioBranco ao ladodeSaldanhaMarinho, combatendooinimigomaiordanação,naquelemomento,a Igrejae seus respectivos representantes.ComoobservouViotti daCosta, “seja como for, aofirmar posição contrária à Igreja,amaioria dos republicanos – sobretudo osmaçons – acabava por apoiar,mesmoqueinvoluntariamente,ogovernomonárquico”113.

Unidosemproldamesmaquestão,SaldanhaMarinhoeoviscondedoRioBrancopassam a ser personagens de inúmeras charges, como heróicos salvadores da nação,defensoresdahonranacional.ComoachargecriadaporAgostini,publicadanacapad´O Mosquito,em25deoutubrode1873(fig.5).Noprimeiroplano,índio,representandoanaçãobrasileira,lutandocontrad.VitaldeOliveira,emformadeserpente,enroladaem

113Idem.p.299.

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Favorita, Ato 2º Cena IVEu sei que um cristão deve fé ao papado.

Padre, não esqueceis o que se deve ao Estado

fig.4-A Vida Fluminense -20/091873-Faria-QuestãoReligiosa-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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seucorpo.Nosegundoplano,viscondedoRioBranco,presidentedoConselho,portandoespingardacominscrição:“PoderExecutivo”eSaldanhaMarinho(quenaquelemomentopublicouartigosdefendendoa separaçãoda Igreja edoEstado, sobopseudônimodeGanganelli), apontando para serpente. A legenda enfatiza a posição defendida porGanganelli:

InúmerassãoaschargesapontandoparaessanecessidadedeseparaçãodaIgrejaedoEstadoem1873.Entretanto,umaemparticularsemostrabemsignificativaparaadiscussãoemtela,deautoriadoscaricaturistasCândidoFaria.Nelapercebe-seoiníciodeumaaçãopedagógicaqueiriaseexacerbaraolongodaquestão.Oartistasimprimeumacargadramáticaàimagemdoíndioquerepresentaanação,parafocalizaraqueladifícilsituação.Ouseja,senaquelemomentooEstado-naçãonãoseseparassedaIgreja,estariaperdido.(fig.6)

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Ganganelli: - Com efeito! Pois você está com uma arma na mão e não auxilia o Brasil a livrar-se de semelhante mons-tro? Que espera? Que ele se entregue exausto de forças?!!

fig.5- O Mosquito-25/10/1873-Agostini-QuestãoReligiosa-RealGabinetePortuguesdeLeitura

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Arepresentaçãoédeumanaçãogigante.Essapercepçãodanacionalidade,comojásalientamos,estavaamparadanaextensãodoterritórioenaabundânciaderecursos,ouseja,existiaumaconformidadeentrenacionalidadeeconfiguraçãodefronteiras.Essarepresentaçãodeumanaçãogigantefoiexacerbadapelotraçocríticodoscaricaturistasemdiferentesmomentosemqueahonranacionalesteveemjogo.

Emmeados de 1873, foi enviado em missão à Santa Sé o barão de Penedo,Francisco InáciodeCarvalhoMoreira,114quehavia recebidodePio IX,em1859,porocasiãodoentãotérminodesuaprimeiramissãoaoVaticano,aGrã-CruzdeGregórioMagno,sódispensadaaestadistascomserviçosnotáveisàIgreja.OprestígiodobarãodePenedonoVaticanotornava-opessoaindicadaparatratardaquestãodosbispos.

Em14defevereirode1874,A Vida Fluminensepublicoucharge(fig.7)alusivaaoêxitodaMissãoPenedo.NelaoviscondedoRioBranco,presidentedoConselho,está

114 Francisco Inácio deCarvalhoMoreira (Alagoas, 1815 –Rio de Janeiro, 1906), barão de Penedo.Bacharel emdireitopela faculdadedeSãoPauloedoutorpelaUniversidadedeOxford.DeputadoporSergipe(1849-1852).EnviadoextraordinárioeministroplenipotenciárioemmissãoespecialàInglaterraentrejaneirode1866eoutubrode1867e,entreabrilde1873ejaneirode1889.EnviadoExtraordinárioeministroplenipotenciárionaFrança(jan.1889-dez.1889).ServiucomoenviadoextraordinárioeministroplenipotenciárioemmissãoespecialnaSantaSé,naQuestãodosbispos(jul.de1873-jun.de1874).

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(fig. 6) A Vida Fluminense, 18 de outubro de 1873, Cândido Faria, Real Gabinete Português de Leitura

Mostra um índio, acorrentado, representando a nação brasileira, sofrendo o martírio de um abutre, portando chapéu de jesuíta, representando a Igreja, comendo as entranhas. A legenda reforça a imagem: “O Prometeu Moderno”

Por algemas de ferro o gigante está preso, E as entranhas lacera-lhe o abutre voraz; Se ao coração, que é teu, o abutre chega, oh! Cristo, As penas infernais qual dos dois mandarás?...

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representadocomoSansão,portandomaçaemformadacabeçadePioIX,afrontandoclerobrasileiro.Alegendareforçaaimagem:“Sansãocomaqueixadadopapadácabodamaltadefilisteus,Deusprotejaenuncalhecanseobraço.”

ObarãodePenedoobtevedopapaadesaprovaçãoformaldoprocedimentodefreiVitaldeOliveira,emcartadoSecretáriodeEstadodaSantaSé,CardealAntonelli,datadade18dedezembrode1873.EssacartadiziaaobispodeOlinda:“QuedenenhummodopodiaoSantoPadrelouvarosmeiosempregadospelobispoparachegaraofimquesepropunha...”115.SegundoJoaquimNabuco,acartaentregueaobispopresoem21dejaneirode1874“nãoproduziuefeitoalgum.FreiVital,dasuaprisãopreventiva,dirigiu-seaoSantoPadrepedindoinstruções,e,comoseseguisseojulgamentoecondenação(21defevereiro),oPapa,julgando-sevítimadeumaquaseciladaporpartedoGoverno,responde ao bispo, no 1º de abril, que nãomandava as instruções pedidas por sereminúteiseinoportunasenenhumaexecuçãopodiaternacondiçãoacerbaesemliberdadedeobraremqueeleseachava.Aindamais,acartade18dedezembrofoidadapelaSantaSéepelosbisposcomonãoexistenteeointernúnciotransmitiuaosdoispreladosumaordemexpressadeSuaSantidadeparaqueadestruíssem,pormodoquedelanãorestassevestígioalgum,oquecumpriram”116.

ObispodeOlinda,freiVitaldeOliveira,foipresoeminíciodejaneirode1874e

115NABUCO,Joaquim.Um Estadista do Império:NabucodeAraújosuavida,suasopiniões,suaépoca.RiodeJaneiroeParis:H.Garnier,Livreiro-Editor,1899.p.379.116Idem,ibidem.Essacartasóapareceumaistarde,porocasiãodaanistia,enviadacópia,peloCardealAntonelli.SegundoJoaquimNabuco,osbispossustentarampormuitotempoanãoexistênciadessacarta,comprometendoareputaçãodePenedo,queafirmavaasuaexistência.Somenteem1886,comapublicaçãodolivroAQuestãoReligiosaPeranteaSantaSé,dobispodoPará,AntôniodeMacedoCosta,essacartacontestada,apareceu,salvandoareputaçãodePenedo,consideradoporNabuco,omaishábildiplomatadoGoverno.

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fig.7- A Vida Fluminense-14/02/1874-Faria-QuestãoReligiosa-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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suasentençacondenatóriafoia21defevereirodomesmoano.Em28defevereirode1874,A Vida Fluminense e O Mosquitoderamdestaqueà

questão.A Vida FluminenseestampounacapaumachargedeFaria(fig.8),mostrando,no primeiro plano, índio, temeroso, representando a nação brasileira, diante de cãoamordaçado,portandotiarapapal,seguradopelacoleirapeloviscondedoRioBranco.Nosegundoplano,casadecãocomsímbolodaSantaSéeinscrição:“Roma”.Alegendareforçaacharge,mostrandoasegurançadogovernoimperialnocontroledaquestão:

EmO Mosquito,AngeloAgostini, criou uma litografia (fig. 9) destacando, àesquerda, Pio IX, punhos cerrados, olhar furioso, observando, ao centro, imagem daJustiça,segurandobalança,pendendonumdospratoscoroadoImpériodoBrasilepapéiscominscrição:“Constituição”enooutro,espadadaJustiçasobretiarapapalepapéis,cominscrição:“Sillabus”;àdireita,PedroII,altivo,impassível,observandoareaçãodopapa.Otítuloealegendareforçamaimagem:

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fig.8- A Vida Fluminense-28/02/1874-Faria-QuestãoReligiosa-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

- Oh! Sr. José Maria, tome sentido, prenda bem este bicho, ele pode morder-me.- não tenha medo, ele está bem amordaçado.

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AgostinihonraaJustiçadopaíseaomesmotempo,desenhaaimagempositivaded.PedroII,representandooEstado-naçãoImperial,frenteaPioIX.

OutroaspectoadestacarnestachargedeAgostiniéasintonia,naquelemomento,entreaimprensailustradaeogovernoimperialemrelaçãoaoencaminhamentodaQuestãoReligiosa,conformesepodeobservaremRelatório dos Negócios Estrangeiros de1874:

No julgamento do reverendo bispo pelo Supremo Tribunal de Justiça e na sentença por este proferida, enxergou o Sr. Internúncio Apostólico uma violação dos direitos e leis da igreja e especialmente da imunidade eclesiástica e protestou contra essa pretendida violação. Eis os termos do seu protesto: ‘Em presença destes fatos dolorosíssimos e da manifesta violação da imunidade eclesiástica V. Ex.ª compreenderá que o abaixo assinado, pela estrita obrigação do seu cargo e como representante da Santa Sé junto a esta imperial Côrte, se acha na absoluta necessidade de protestar, como de fato formalmente protesta, contra toda e qualquer violação dos direitos e leis da igreja, praticada

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A Igreja e o Estado, ou os verdadeiros litigantesA justiça pune com sua espada os desmandos do Vaticano, e faz triun-far a causa do Brasil.Honra a Justiça do país.

fig.9-O Mosquito-28/02/1874-Agostini-QuestãoReligiosa-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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nesta questão dos bispos, especialmente em prejuízo da imunidade eclesiástica e todas as suas conseqüências sucessivas, para que sempre em todo o tempo fiquem salvos, intactos, íntegros e ilesos os imprescritíveis direitos da igreja e da Santa Sé.’O governo imperial respondeu: ‘O tribunal que julgou o reverendo bispo de Olinda e que há de julgar o do Pará, é o Supremo Tribunal de Justiça, por nossas leis competentes, e esta competência não depende do juízo de nenhuma autoridade estrangeira, seja ela qual for.O protesto do Sr. Internúncio Apostólico, permita S. Ex. que o diga, é portanto impertinente e nulo, e como tal não pode produzir efeito algum [...]117.

Pode-sesintetizaraquelemomentocomodesintoniaentreimprensaegoverno,ededifusãodeimagempositivadoEstadoimperialnaconduçãodaquestão,nadefesadointeressedanação.Em21demarço,A Vida Fluminense dedicoutodoumexemplarsobreoassunto,quefoiobjetodediscussãoportodaimprensailustradadaCorteporumlongoperíodo.

Em27dejunhode1874,A Vida FluminenseestampouumachargedeValle118 (fig. 10), mostrando a nação brasileira ao lado de outras nações (México, Helvécia,Alemanha, ItáliaeÁustria), servindo-sedepratos,cominscrições:“IndependênciadoEstadodaIgreja”;“OEstadoGovernaaIgreja”;“AIgrejaLivrenoEstadolivre”;“LeisConfessionais”.Alegendareforçaaimagem“UmjantarCatólicoàcustadacozinhadoVaticano”.

117 BRASIL.Relatório dos Negócios Estrangeiros (1874). Relatório apresentado àAssembléia GeralLegislativanaterceirasessãodadécimaquintalegislaturapeloministroesecretáriodeEstadoviscondedeCaravellas.RiodeJaneiro:TypografiaUniversalLaemmert,1874.p.43.118AntônioAlvesdoValledeSousaPinto(Portugal,Porto–1846–Brasil,RiodeJaneiro-1921).IrmãoediscípulodopintorportuguêsJoséJúlioSousaPinto.VeioparaoBrasilem1859.LitógrafoedesenhistafoidiretoreredatordoperiódicoLobisomem(1870),quefoiincorporadoaoperiódicoO Mosquitoapartirdonúmero19,em14deabrilde1871,emcujacapa,segundoHermanLima,aparecemValeeCândidoFaria,entãoproprietáriosd’O Mosquito,mexendojuntosumapanelaondefervemdoisperiódicos.VallecolaborounaVidaFluminenseefoioprimeiroilustradordoMequetrefe(janeirode1875).Apartirdejunhode1875voltouacolaborarnoMosquito.NoanoseguintevoltouaserilustradordoMequetrefe.(LIMA,Herman.História da caricatura no Brasil.vol.3.RiodeJaneiro:JoséOlympio,1963.p.832).

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Nessemomento,aimprensamostraimagemfirme,positivadanaçãobrasileira,condizente comoutras nações ocidentais que tambémenfrentavamproblemas comasidéiasdefendidaspelaIgrejaCatólica.EssaimagempositivaefirmedogovernoimperialnaQuestãoReligiosafoiestampadaemoutrosperiódicospublicadosnoRiodeJaneiro,naquelemomento119.Mas,umadelassemostrousignificativaparaapresentepesquisa,sendopublicada naSemana Illustrada (27 de setembrode 1874) (fig. 11).Mostra noprimeiroplanod.Vital,bispodeOlinda,d.Lacerda,bispodoRiodeJaneiroecônegoFerreira,redatordojornalcatólicoO Apóstolo,emposiçõesgrotescas,dandocabeçadasetentandopularmurosólido,cominscrição:“ConstituiçãodoImpério”.Napartesuperiordocampodaobra,figuraaltivaded.PedroII,fisionomiaséria,observandoaatitudedosclérigos,apontandoparaportão,cominscrição:“ObediênciaàsLeisdoPaiz”.Alegendareforçaaimagem:

119VerSemana Illustradade9e19deabrilde1874eO Mosquito,7denovembrode1874.

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fig.10-A Vida Fluminense-20/091873-Valle-QuestãoReligiosa-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

Questões do dia.– Mas porque teimam V. Exs. Revmas. Em passar por força através da parede, sendo ela tão sólida e espessa? Não seria melhor servirem-se do caminho da porta?!!!...

fig.11- Semana Illustrada -27/09/1874-H.Fleiuss-QuestãoReligiosa- Fundação Biblioteca Na-cional

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Sabe-se que aSemana Illustrada não costumava representar d. Pedro II. Essailustração, portanto, é uma rara estampa do imperador do Brasil nas páginas desteperiódico.Ailustraçãoressaltaimagemaltivaded.PedroII,comorepresentantemáximodoEstado-naçãoimperial,zelosopelocumprimentodasleisdopaís.

EssaintransigênciadoEstadoimperialemnãocedernaquestãodosbisposfoipercebida positivamente pela imprensa ilustrada da Corte. Borgomainerio criou umacapaparaA Vida Fluminense,em28denovembrode1874,emquemostraimagemdoviscondedoRioBranco,altivo,firme,enfrentandoPioIX(fig.12).Noprimeiroplano,àesquerda,viscondedoRioBranco,trajandouniformedeministro,segurandoenormetesoura,cominscrições:“SeparaçãodaIgrejadoEstado”,sentadoàmesa,comomestre-escola,fisionomiazangada,diantedePioIX,queteveaousadiadepousarpontadenarizsobresuamesa;aocentro,diminuto,d.Vital,comomeninodeescola,decastigoajoelhadoemtamborete,tentandoalcançarenormechapéudecardeal.Aofundo,padresembancosdeescola,observandoquadro-negro,cominscrições:“Aleiéigualparatodos”.Alegendareforçaaimagem:

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fig.12-A Vida Fluminense-28/11/1874-Borgomainerio-QuestãoReligiosa-FundaçãoBibliotecaNacionalDom Vital meu muito amado filho, aqui tens, este chapéu novo em prêmio da tua desobediência.Tira! Já me vai enfastiado esta mania de meter o nariz nas coisas dos outros. Será efetivamente preciso recorrer aos meios extremos...

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Importante observar, que o desenho é de autoria de Luigi Borgomainerio120,renomado ilustrador italiano, recém-contratado pela revista, que parece não ter tidodificuldades em familiarizar-se com aQuestãoReligiosa, entre o Império doBrasil eaSantaSé, jáquehavia sido testemunhaoculardos acontecimentos travadosnabotaitaliana,dacontendaentreaIgrejaeorecém-formadoEstadoitaliano.

LuigiBorgomainerio,em5dedezembrode1874,criououtracharge,destavez,de página dupla (fig. 13), fazendo uma alusão a cenário de trevas, representado pelaIgreja,naquelemomento.A legendaqueacompanha reforçaa imagem:“Bruxariasdetodososdias”.

“Mudamascircunstânciaseoslugarescomqueosefeitossemanifestam,masacaldeiraondesepreparamésempreamesma”.

Masoutroitaliano,AngeloAgostini,hámaistemponoBrasil,apesardeenaltecera atitude doEstado imperial naQuestãoReligiosa, em12 de dezembro de 1874, porocasiãodosfestejosnatalinos,estampounacapadoMosquitoumacharge,sublinhandoum aspecto singular daquela sociedade imperial que se forjava nos trópicos (fig. 14).

120Em31deoutubrode1874,A Vida Fluminense,publicounaseçãoCAVACOaseguintenotícia:“AempresadaVidaFluminensetemasatisfaçãodeparticiparquecontratounaItáliaoSr.LuizBorgomainerio,caricaturistadefamaeuropéia,oqualfundouoMephistópheles,emNápoles,teveaseucargoduranteseteanosadireçãoartísticadoSpirito Folleto,excelenteperiódicopublicadosimultaneamenteemMilãoeemParis,efoicolaboradorassíduodaIllustraçãofrancesa”.

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“Bruxarias de todos os dias”.“Mudam as circunstâncias e os lugares com que os efeitos se manifestam, mas a caldeira onde se prepa-ram é sempre a mesma

fig.13-A Vida Fluminense-20/091873-Borgomainerio-QuestãoReligiosa-RealGabinetePortuguesdeLeitura

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Nocampodaobra,napartesuperior,emmeioàsnuvensPioIX,abençoando.Naparteinferior,noprimeiroplano,bispodeOlindaedoPará,abraçandoviscondedoRioBrancoeSaldanhaMarinho.Nosegundoplano,àesquerda,cônegoFerreira,redatordojornalcatólico,O Apóstolo, rindo, sendoabraçadopelobonecoMosquito;àdireita,ministroJoãoAlfredoàpaisana,devaliseatiracolo,correndo,debraçosabertos,emdireçãoàconfraternização.Aofundo,vistadaentradadabaíadeGuanabara.Alegendareforçaaimagem:

Bênção apostólica a Nação Brasileira.Já não há ultramontanos nem maçons, há só abençoados.

Ora graças!... Viva o Papa!

OartistaitalianoBorgomaineriofoiautordechargesmordazesdePioIX(figs.15e16).

Naprimeiradelas,mostranoprimeiroplano,papaPioIX,aleijadodaspernas,recostadonumdivã,rindo,observando,aofundo,figurasquelhedãoascostas,fugindo,representando diferentes nações ocidentais. Dentre elas, índio, representando a naçãobrasileira. A segunda ilustração, mostra de Pio IX, representado como um colossogrotesco,defendendooúnicoterritórioquelherestounaItália(oVaticano),doheróidaunificaçãoitalianaGaribaldi.

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fig.14-O Mosquito -19/07/1873-Agostini-QuestãoReligiosa-RealGabinetePortuguesdeLeitura

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Emfinsde1874,surgiunacapitaldaCorteoperiódico O Mephistópheles,ilustradaporCândidoFaria, que criou, em2 de janeiro de 1875, vários quadrinhos abordandoaQuestãoReligiosaeenfatizandoseuantijesuitismo.Ocaricaturista tambémressalta,assimcomoAgostini,umaparticularidadedaquelasociedadeimperial.NumdosquadroselecomparaotratamentodispensadoaosclérigosnaAlemanha121enoBrasil(fig.17).

121 Bismarck iniciou uma política de combate à Igreja católica naAlemanha. (sobre o assunto ver:CORNWELL,J.Op. cit.p.26-27).

194

(figs.15-A Vida Fluminense-23/01/1875-RealGabinetePortuguêsdeleitura

(figs.16A Vida Fluminense-27/02/1875RealGabinetePortuguêsdeleitura

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No início de 1875, começaram aparecer algumas críticas, ao Gabinete RioBranco,naspáginasdoperiódicoMephistópheles,deCândidoFaria,masestasaindanãocomprometiama imagempositivadoEstadoimperialnoencaminhamentodaQuestãoReligiosa.Muitopelocontrário,emfevereirode1875,tantonoMephistópheles,deFaria,quantonaVida Fluminense, ilustradaporBorgomainerio,percebe-seumaexacerbaçãodessa imagem positiva, vinculada ao gabinete visconde doRioBranco, na defesa dointeressenacional.(figs.18-19)

Em6defevereirode1875,FariapublicounaspáginascentraisdoMephistópheles,chargeemquemostraafirmezadoviscondedoRioBranconaconduçãodaQuestãoReligiosa(fig.18).Nocampodaobra,àesquerda,clérigoàfrentedegrupodehomens,representadoscomoalgozesdaInquisição,portandodiferentesinstrumentosdetortura;àdireita,viscondedoRioBranco,representadocomoumquímico,diantedemesacomdiferentespotes,segurandocomumadasmãosumpilãoecomaoutraumpapel,cominscrições.AlegendareforçaaimagempositivadeRioBranconaconduçãodaquestão:Se V. E. julgar que nosso concurso na preparação da pílula para a solução da questão episco-maçônica, pode servir. Olhe nós fomos sempre insignes em preparações químicas. / Agradeço, eu mesmo preparo.

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Mire-se neste espelho, sr. visconde do Rio Branco, na Alemanha a cadeia é ca-deia; não se prendem os bispos para comer doce; lá não à panos quentes, a ferro frio, e... justiça as direitas.

fig.17-Mephistopheles-02/1/1875-Faria-QuestãoReligiosa-FundaçãoBibliotecaNacional

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Borgomainerio,em27defevereirode1875,criouumachargedepáginadupla,emA Vida Fluminense,exacerbandoessaimagempositivadoGabineteviscondedoRioBranconaconduçãodaQuestãoReligiosa,comparando-oaBismarck,naAlemanha,eaVictorEmanuel,naItália.AilustraçãomostraoviscondecomooautordaseparaçãodoEstadoedaIgrejanoBrasil.(fig.19).

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fig.18-Mephistopheles-06/02/1875-Faria-QuestãoReligiosa-Fun-daçãoBibliotecaNacional

fig.19-Mephistopheles-27/02/1875-Faria-QuestãoReligiosa-FundaçãoBibliotecaNacional

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Na Alemanha, em parte como reação ao dogma ‘divisivo’ da infalibilidade, Bismarck iniciou sua Kulturkampf (‘luta da cultura’), uma política de perseguição ao catolicismo. A instrução religiosa passou a ser controlada pelo Estado e as ordens religiosas foram proibidas de ensinar; os jesuítas foram banidos; os seminários se tornaram sujeitos à interferência do Estado; as propriedades ficaram sob o controle de comitês leigos; o casamento civil foi introduzido na Prússia. Os bispos e padres que reagiam à legislação da Kulturkampf eram multados, presos, exilados. Em muitas partes da Europa a situação era similar. Na Bélgica, os católicos foram afastados da profissão de ensino; na Áustria um país católico tradicional, o Estado assumiu o controle das escolas e aprovou uma legislação para secularizar o casamento; na França, havia uma nova onda de anticlericalismo. Surgiu uma convicção, propalada por escritores, pensadores e políticos de toda a Europa – como Bovio na Itália, Balzac na França, Bismarck na Alemanha, Gladstone na Inglaterra – de que o papado e o catolicismo estavam chegando ao fim122.

O Mosquito,dejaneiroamarçode1875,vinhaestampandochargescomentandoosacontecimentosnaEuropaentreaIgrejaeosdiferentesEstadosnacionais,dentreosquaissedestacavamAlemanhaeItália.PioIX,BismarckeVictorEmanuelsãopersonagensquesetornaramfreqüentesnaspáginasdosperiódicosquecirculavamnaCorte.

AimpressãoparaosleitoresdasrevistaspublicadasnaCorteeradequeomundoestavacontraaIgreja.Eenaltecia-seaatuaçãodoGabineteRioBranconoenfrentamentodaquestão.(fig.20).

122Idem.p.26-27.

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A imagempositiva damonarquia, enaltecendo afigura pública ded.Pedro II,naQuestãoReligiosa, vinculando este a nação, foi estampada por Faria, nas páginasdo Mephistópheles, de13demarçode1875. Aocentro,figuraagigantadade índio,representando anaçãobrasileira, carregando trono, comd.Pedro II, representadonasmesmas proporções do índio (fig. 21). Na parte inferior, diminutos padres jesuítas,empunhandomachado,machucandocaneladeíndio,quenãoseabalacomaagressão.No segundoplano, diminutos padres, observando e gesticulando.A legenda reforça aimagem:“Mirem,avesdearribação,araras-negrasdetodosospaíses,naqueleombroamonarquiaforma-seeconsolida-se”.

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(fig. 20) A Vida Fluminense, de 27 de fevereiro de 1875, autoria de Luigi Borgomainerio. Destaca, no pri-meiro plano, imagem de um gigante ministro do Império, João Alfredo Correia de Oliveira, esmagando com a força da lei, diminuto padre.Real Gabinete Portugues de Leitura

fig.21-Mephistopheles-13/03/1875

-Faria-QuestãoReligiosa

-BibliotecaNacional

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Essachargeéexemplardaatuaçãodidáticadaimprensailustradanaconstruçãode um sentimento patriótico, vinculando a figura do monarca como chefe da nação.ComoobservouJoséMurilodeCarvalho,em“Brasil:naçõesimaginadas”,naGuerradoParaguaioimperadorsurgiutambémcomolíderdanação123.

DesdeaIndependênciaumconsensoentreamaioriadaeliteeraamonarquia.EmsuavisãoamonarquiacontinuavaaserosímboloindispensávelparamanteraunidadedoPaís.

O sentimento monarquista da população não significava necessariamente sentimento de brasilidade. Era antes de fidelidade à tradição monárquico-católica, de natureza religiosa e cultural antes que política. Para que se transformasse em patriotismo era necessário que se vinculasse à figura do monarca como chefe da nação. O que seria de esperar, então, da parte da elite, era uma ação pedagógica, dirigida à população, que buscasse identificar a monarquia ao Imperador e este à nação124.

Naspáginascentraisdestenúmerodarevista,foipublicadoartigo,reforçandoaimagemdachargedeFaria,na“ColunaCrítica”,noqualdestacamostrechossignificativosparanossadiscussão.Oprimeirotrecho,enaltecendooGabinete7demarço,doviscondedoRioBranco,naQuestãoReligiosa.Osegundo,sublinhandoaatuaçãodeGanganelli,SaldanhaMarinho, namesma questão, e comparando seus escritos aos do político eliteratoinglêsGaldstone,nacríticaaIgreja.

Quem lança os olhos por sobre o mundo moderno não pode deixar de reconhecer que uma verdade universal domina hoje com força de lei e irresistível: a cada nova agressão da Igreja de Roma contra o espírito civilizado erguem-se sem cálculo e combinação valentes batalhadores em defesa desse espírito, o qual representa o preciosíssimo legado de contínuos esforços da humanidade em muitas dezenas de

123CARVALHO,JoséMurilode.Pontos e Bordados:escritos de história e política.BeloHorizonte:Ed.UFMG,1998.p.246-247.124Idem.p.239.

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séculos.[...]

Na França o ultramontanismo de Veuillot desperta E. Quinet, F. Bunguener, Jacintho Loyson, Pressensé, Laboulaye, e tantos outros que com estes formam a brilhante constelação que ilumina aquela grande terra.

Na Alemanha surgem ao lado da liberdade o sábio Doellinger, o Dr. John. Fredrich, Bismarck, o estadista moderno por excelência.

O que se passa entre nós não pode ser ignorado. Os primeiros homens pelos seus talentos, pelas suas letras, pela sua moral e pelo seu patriotismo estão ao lado do Gabinete 7 de março que tem sido até hoje a encarnação mais viva e mais feliz do sentimento público e das aspirações mais legítimas.[...]

Ganganelli fala, e não tem o direito de deixar de falar, em nome da ordem civil, dos direitos políticos, da segurança, do bem-estar da comunidade brasileira.

A sua missão, pois, não está terminada. O conselheiro Saldanha Marinho hoje não é um escritor maçônico: também não pode ser o escritor republicano, porque não se trata da política orgânica.

É o escritor simplesmente nacional, simplesmente escritor público, porque se trata de direitos que pertencem a conservadores, liberais, republicanos, a dos sagrados direitos da razão e da consciência.

Continue, Ganganelli, pois, e receba um aperto de mão que lhe enviamos, pelos seus triunfos.

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Em que pese aos ferozes ultramontanos, o Brasil caminha, mesmo no campo da própria filosofia nacional.

Àquelemomento,erapercebidocomodelicado,portratar-sedadefesadahonranacional.Eestaerapercebidacomoacimadequalquercredopolítico.Ogovernoimperialpareciaterescolhidoocaminhocerto,navisãodoanalistaqueescreveuoartigo.Ouseja,aidentidadedeumestadonacionalbrasileirovinculadoàsnaçõesconsideradasmodernas,adeptas da filosofia do progresso, no combate às idéias ultramontanas, consideradasretrógradas.Pode-seafirmarquefoiummomentodesuperestimaçãodaimagemdopaís,emquesepercebeumaaçãopedagógicadaimprensailustradadaCorteemenfatizarasintoniaentreaconduçãodapolíticaimperialeointeressenacional.

Em 25 de maio de 1875, um mês antes da queda do Gabinete chefiada peloviscondedoRioBranco,oMephistópheles publicouumacharge(fig.22),deCândidoFaria,criticandooGabinete7demarço.Aimagem,atéentão,positiva,queaimprensavinhaestampandodoGabinete,parececomeçarasofreralterações.Nocampodaobra,aocentro,índio,representandoanaçãobrasileira,dandoumcascudonacabeçadeclérigo,enquantodormemosintegrantesdoGabinete7demarço,cujopresidentedoConselhoeraoviscondedoRioBranco.Alegendacríticareforçaaimagem:“Apesardeagrilhoadoaopoderquedormevendo-se em riscode ser ignonimiosamente amarrado, ergueraoBrasiloprópriobraçoeesmagaraoatrevidoabutre”.

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fig.22Mephistopheles-25/05/1875-Faria-QuestãoReligio-sa-FundaçãoBiblio-tecaNacional

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Em 12 de junho de 1875, faltando poucos dias para a queda do gabineteRioBranco(25dejunhode1875)O Mosquitopublicouartigo,desabonandoaatuaçãodogabineteRioBranco,naconduçãodaquestãodosbispos.Percebe-sequeaexpectativadaimprensailustradaeradequeogabineteRioBrancoquehaviaprocessado,prendidoosbisposeenfrentavaosJesuítas,fosserealizarasonhadaseparaçãodoEstadoedaIgreja.Abaixotrechoinicialdoartigoemquepercebe-seessedesapontamento.

Cansados de pedir aos altos poderes do Estado um desenlace à situação criada pelos dois prelados ultramontanos todos nós, os que temos pugnado pelas nossas liberdades civis, havíamos um a um abandonado a liça, na expectativa de que na marcha dos acontecimentos viesse o Tempo, esse grande estadista, a influir d’uma maneira decisiva. Mais de dois anos de luta, se nos não haviam quebrantado os ânimos, tinham tido o condão de tornar particularmente enfadonha esta importante e interminável questão. Dois anos a malhar em ferro frio, muito grande foi a nossa pertinência!M. Souto.

anistia – diVisor de águas: batalha simbólica- ideológica desVinculando a monarquia da nação.

Percebe-se que a anistia foi um divisor de águas, na forma como a imprensailustradavinhapintandoaimagemdoEstado-naçãoimperial.Apósaanistiadosbispos(17desetembrode1875),aimagemdogovernoedoimperador,nasrevistasilustradas,sofreuviolentatransformação.D.PedroIIeogovernopassaramaseralvosdecríticasmordazes,sofrendoumprocessodedilapidaçãodaquelaimagempositivaesintonizadacomointeressenacional.

Pode-sedizerqueapartirdaanistiadosbispos,ointuitodaimprensafoinosentidodedesvincularaimagemdanaçãodafiguraded.PedroIIedogovernoimperial.Eaalternativapeloregimerepublicanopassouserenfocada.Nessesentido,emquepesemalgumas opiniões que advertem que o papel desempenhado pela Questão ReligiosaparaoadventodaRepúblicanãodeveserexagerado,125percebe-seoimpactodaanistiados bispos, na imprensa ilustrada da capital imperial.A partir daí, o lápis crítico doscaricaturistasfoiusadopararidicularizarogovernomonárquiconaconduçãodaquestão.Eatônicafoicadavezmaisemdivulgarumaimagemnegativadamonarquia,mostrando

125COSTA,EmiliaViottida.Op. cit.p.299.

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umanaçãoindefesasofrendoaaçãoperniciosadaquelesqueaconduziam.NoiníciodoministérioconservadorchefiadoporCaxias126(25dejunhode1875

a 5 de janeiro de 1878), percebem-se na imprensa ilustrada da Côrte, momentos dedesconfiança e atémesmode esperança, seguidos, após a anistia (setembrode1875),de frustração e de críticasmordazes ao governo imperial na condução da questão.Aanistia representou, na ótica da imprensa, um retrocessodapolítica imperial.EmboraahistoriografiaatualnãodêmuitaatençãoàQuestãoReligiosa.Pode-seafirmarqueapartirdaanistia,aimagemdamonarquiaedoimperadornuncamaisseriamasmesmas.Amonarquiaed.PedroII,passaramaseralvosdecríticasesarcasmos,distantesdointeressedanação.Eaimagemdanaçãodesvincula-sedaimagemdogovernomonárquico.

Sabe-sequeumdosprincipaisproblemasaserenfrentadopelogabinetechefiadoporCaxiaseraaQuestãoReligiosa.Ogabinetepareciaserfavorávelàsolturadosbispose,segundoimprensailustrada,haviaesperança,dapartedosdefensoresIgrejacatólicanoBrasil,dequeemfinsdejulhoosbisposfossemanistiados(dia29dejulhooscatólicosesperavamnotíciassobreoperdãodosbispos,segundoO Mosquitode7/08/1875).

Em10dejulhoeem11deagosto1875,Fariacriouduaslitografiasquesintetizama imagemnegativadoGabinetechefiadoporCaxias, insinuandoqueonovoGabineteanistiariaosbispos.(figs.23-24).Naprimeiradelas,mostranoprimeiroplano,àdireita,ministrodoImpério,JoséBentodaCunhaFigueiredo127(popular“ZéBento”,naspáginasdasrevistas),observandoumburrocoiceando:“LeisdoPaís”,“Direito”,“Constituição”,comasventasempapel,cominscrição:“Sillabus”,mostradasporclérigos.Aofundo,burrosobservandoclérigo,mostrandomapa,cominscrição:“EstadoeIgreja”.

Na segunda, Faria desenhou José Bento, ajoelhado, mostrando documento,concedendoperdãoaosbisposdeOlindaedoPará,VitaldeOliveiraeMacedoCosta,quelhedãoascostas,apressadosemsairdaprisão.AlegendareforçaaimagemnegativadoGabinete:“OnovoGabinetelevarábrevementeoimperialperdãoaosbispos:estes,porém,semprecheiosdedignidade, recusarãoo talperdão,nãodeixando, todavia,deaproveitaraocasiãodeseporemaofresco.Quepalhaçada!”

126LuizAlvesdeLimaeSilva(1803-1880),duquedeCaxias.Foimarechaldoexércitobrasileiro,senadorpelaprovínciadoRioGrandedoSul,em1845,conselheirodeEstadoeministrodaGuerrano12ºGabinete,de6desetembrode1853.PresidentedoConselhodeMinistrosdoImpério,em1856,1861e1875,gerindosempreapastadaGuerra.127JoséBentodaCunhaFigueiredo(1808-1891),viscondedoBomConselho.NasceuemPernambuco.Deputadoprovincialem1844presidiuasprovínciasdeAlagoasem1849,dePernambucoem1855,MinasGeraisem1861edoParáem1868.DeputadoGeralporPernambuconas6ª,8ª,9ª,10ª11ªe14ªlegislaturasde1845a1872.Senadorpelamesmaprovínciaem1869foiministrodeEstadonapastadoImpériodo26ªGabinete,de25dejunhode1875.

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OministroJoséBento,queeravistocomoumbeato,umcarola,tementeàIgreja,porCândidoFaria,BordaloPinheiro,Agostini,dentreoutros,queassimodesenhavam.

A não concretização das previsões da soltura dos bispos em fins de julhoproporcionoucertaesperançanaimprensailustrada,emrelaçãoàatuaçãodoGabineteCaxias na Questão Religiosa. 128 Mas no início de setembro, com o desenrolar dosacontecimentos,comavitóriadaoposição,percebe-seafrustraçãodaimprensaquepassaapintarimagemnegativadogoverno,numverdadeirobombardeiodeilustraçõesferinas.Talreaçãodaimprensapassouaseratônicadasrevistas,numcontra-ataqueàatuação

128Ver:O Mosquito,de7deagostode1875.

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fig.23-Mephistopheles 10/07/1875-Faria-QuestãoReligiosa-FundaçãoBibliotecaNacional

fig.24-Mephistopheles11/08/1875

-Faria-QuestãoReligiosa

-FundaçãoBibliotecaNacional

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dogovernonaquestão,emquenenhumpersonagempolíticofoipoupado,aexceçãodorepublicanoSaldanhaMarinho,quepassouaseromagnoheróinalutapelaseparaçãodaIgrejaedoEstado.

Aimprensailustrada,nessaaltura,contavacommaisumlápiscrítico,vindodaEuropaaseuserviço,doportuguêsRafaelBordaloPinheiro129,quepassouaestamparchargesmordazesnaspáginasd’O Mosquito,criticandooimperadoreapolíticaimperialnaconduçãodaQuestãoReligiosa.

O Mosquito, em18de setembrode1875, nodia seguinte daAnistia publicouartigoquecondenavacontundentementeaatitudedogoverno,qualificando-adeimoraleapontandoparaodesprestígioquetalincidenteocasionavaparaaimagemdopaísperanteasnaçõeseuropéias.Abaixotrechoinicialdeartigo:

a aNistia dos bisPos.Ainda não estamos em nós da surpresa com que recebemos a notícia da anistia dos bispos rebeldes às leis do país. Quando todos julgavam que o ministério do Sr. Rio Branco havia procedido na Questão Religiosa de acordo com a opinião pública e com a opinião da Coroa, vem o novo ministério, conservador como aquele, hasteando a bandeira política, declarar que o ministério passado havia errado desastradamente, e que a coroa refletindo sobre o caso dava o dito por não dito, caindo de joelhos aos pés do Santo Padre, e pedindo-lhe perdão dos seus desvairados desígnios.Isto é contristador, e politicamente falando, de uma imoralidade sem qualificação.

BordaloPinheirocriouumalitografiaacerba,depáginadupla (fig.25),discutindograficamenteartigo,publicadonaprimeirapáginad’O Mosquito.Noprimeiroplano,d.PedroII,empurradoporseusministros(Caxias,DiogoVelho,JoséBentoetc.),desenhadosemproporçõesreduzidas,dáapalmatóriaaochefesupremodaIgrejaCatólica,PioIX.Opapaestárepresentadonamesmaproporçãodoimperador,comumadaspernasenfiadaem um caixote podre, com inscrição, “Infalibilidade”. No canto superior direito, um

129Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905), nasceu emLisboa, Portugal. Em 1870 começou a atuar naimprensa ilustradaportuguêsa, emCalcanhar-de-Aquiles.Em2872, publicou oÁlbum de Caricaturas;frases e Anexins da língua portuguesa; depois uma coleção deprotrait-charges de atores portuguêses da época; ummapa fantasioso daEuropa eApontamentos sobre a picaresca viagem do Imperador do Rasilb[Brasil]pelaEuropa.Estaúltimapublicaçãofocalizavad.PedroII,transformando-senumenormesucessoeditorial tantoemPortugalcomonoBrasil.Em1873, foicontratadopeloperiódico inglêsThe Illustrated London,paracobrirasdisputasentrecarlistaeregalistasnaEspanha.Trabalhou,também,parao Illustracion de Madrid,Illustracion Española e El Mundo Cômico.Emagostode1875transferiu-separaoBrasil,contratadopelarevistaO Mosquito.

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dragãomitrado, com inscrição, “reação”, sobrevoaopontífice, simbolizandooatraso,oobscurantismo,oultramontanismo.Nocantoinferiordireito,aospésdePioIX,enamesmaproporçãodosministros,bisposdeOlindaedoParápairam,assombrandooex-chefe deGabinete, visconde doRioBranco e o ex-ministro JoãoAlfredo, caídos, aochão,atordoados,apontandoaQuestãoReligiosacomocausadaquedadoministério.Nosegundoplano,àesquerda,cônegoFerreira,redatordojornalcatólicoO Apóstolo. Aofundo,naparteinferior,padresefreirasdançandoanimadamente.Napartesuperior,representantesdasnaçõeseuropéias,boquiabertos,assistindoàcenaempalanque.

Acomposiçãoéencimadapelotítulo“AQuestãoReligiosa”ealegendadáotomaimagem:“Afinal...deuamãoàpalmatória!”

Ofococentraldotrabalhoéasubmissãoded.PedroaPioIX.Em 25 de setembro de 1875, Cândido Faria dedicou todo um exemplar do

Mephistópheles, paracriticarosacontecimentos,estampandonacapaumailustraçãodoimperadordoBrasil,distintadaquelaestampadaem13demarçodomesmoano,emquemostravaaimagempositivaded.PedroIIvinculadoaumanaçãogigantequeosustentava.Destavez,mostrad.PedroII,lavandoasmãoscomoPilatos(fig.26),embacia,seguradaporJoséBentodaCunhaFigueiredo,ministrodoImpério,ridicularizandoaimagemdogovernoedoimperadordoBrasilnaquestão.Alegendareforçaaimagem:“Pilatos no Credo. Tomando em consideração que me fez o meu conselho de ministros...”

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fig.25-O Mosquito-18/09/1875-Faria-QuestãoReligiosa-FundaçãoBibliotecaNacional

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Em30de setembrode1875,O Mequetrefe estampouumachargecriticandoapráticapolíticadoimperadordoBrasil,quenaquelemomentoseausentaradopaísparaparticipardascomemoraçõesdosfestejosdocentenáriodaIndependênciadosEUA(fig.27).Mostra,noprimeiroplano,àesquerda,naparteinferior,recipientesdelaboratório;na parte superior, imagem da República em meio a fumaça saindo de recipiente devidroespatifado,cominscrição:“RegênciaUltramontana”,sobrecalordebrasas,cominscrições “ReformaEleitoral”, “Filhotismo”; à direita, d. Pedro II, caído ao chão depernasparaoar,trajandovestimentadealquimistaefole,cominscrição:“Vaidade”.Nosegundoplano,empedestal,imagemdajustiçacobertacomvéu.Aofundo,balcãocomvidrosdeexperimentos,contendoomaiordelesesqueletoeinscrição:“Constituição”.Alegendareforçaaimagem:“Comoacabamosalquimistas”.Ouseja,aalquimiapolíticadoimperador,levandoàregênciaultramontanadaprincesaIsabel,conduziriaopaísaoregime republicano.No laboratório do “alquimista”, a justiça velada e a constituição,reduzidaaumesqueleto,contrapõem-seopoderpessoal,ultramontanismoeareligiãodoEstado,ingredientesdolaboratórioded.Pedro.A“reformaeleitoral”eo“filhotismo”sãoocombustíveldarupturada“regênciaultramontana”deondesurgeaRepública.

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fig. 26 -Mephistopheles - 25/09/1875 - Faria -QuestãoReligiosa -RealGabinetePortuguesdeLeitura

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Umexemplodaaçãopedagógicadas revistasdedesvinculaçãoda imagemdogovernomonárquicodaimagemdanação(fig.28)pode-severnachargecriadaporFariaparacapadoMephistópheles,em9deoutubrode1875,naqualmostraíndio,representandoanaçãobrasileira,crucificadocomoCristo,sendotorturado,pelosintegrantesdoministérioCaxias (DiogoVelho Cavalcanti deAlbuquerque, José Bento da Cunha Figueiredo eThomazCoelho),representadoscomosoldadosromanosnoCalvário,apósaanistiadosbispos.Aopédacruz,exemplardoApóstolo,jornalidentificadocomaIgreja.Encimandoacruz,orostopostandoumchapéudepadrejesuíta.Alegendareforçaaimagem:

o brasil crucificado.Idéia cediça e muito batida, as que por essa mesmarazão tem muita aplicaçãono quadro atual.

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fig.27-Mequetrefe-30/09/1875-QuestãoReligiosa-FundaçãoBibliotecaNacional

fig.28-Mephistopheles-09/10/1875-Faria-QuestãoReligiosa- Fundação BibliotecaNacional

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Essa charge foi publicada por ocasião do levantamento dos interditos queproibiamosmembrosdamaçonariadepertenceràsirmandadesreligiosasecondenava-osàexcomunhão.Napágina2,destemesmoexemplardoMephistópheles,foipublicado,em“CrônicadaSemana”,comentáriosatírico,desabonadordaatuaçãodogovernonodesenlacedaQuestãoReligiosa.

UmaoutracriançadafoiodesenlacedaQuestãoReligiosa.Andaramasduaspotênciasadizeremumaaoutra:-Medêistoeulhedouaquilo.-MedêV.primeiro.-Não,queV.podemeenganar.Eafinalfizeram–mãopralá,mãopracá,eaindaassimRomapassouapernano

Brasil.Opapa,apesardemaisidoso,pegouprimeiro.Sódepoisdosdoisbisposanistiadoséqueveioaordemdelevantarosinterditos.

Eficanestepéaquestão;nestepéatéqueaDivinaProvidênciasecompadeçadenós.

Amola

Faria criou uma série de quadrinhos, reforçando essa crônica, com imagensnegativasdePedroIIedopapa,ridicularizandotantoaumcomoaoutro,naquestão.Eopenúltimoquadrinho,mostraumdiminutoegrotescod.PedroII,diantedeumasenhoraavantajada,representandoaCâmaradosDeputados(fig.29).

Em30deoutubrode1875,Fariacriouumalitografianaspáginascentraisd’O Mephistópheles,sintetizandoaquestãoetraduzindoosentimentodoartistaemrelaçãoàconduçãodapolíticaimperialjuntoàSantaSé(fig.30).Noprimeiroplano,àdireita,índio representando a nação brasileira, depositando coroa de flores em túmulo, cominscrições:

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fig.29-Mephistopheles-25/05/1875-Faria-QuestãoReligiosa-FundaçãoBibliotecaNacional

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As críticas a condução da política imperial na Questão Religiosa produziramdiversasilustraçõespublicadasentre1876e1879nasrevistasilustradasdoRiodeJaneiro.Foram selecionadas algumas charges, que apresentam de formamais significativas acomplexidadedasanálisespolíticasdoassuntoquepassouaocuparcadavezmaisespaçonaspáginasdosperiódicospublicadosnoRiodeJaneiro.Comosepodeobservarnaspáginasd’O Mosquito,noseguintetrechodeumacrônicapublicadaem20defevereirode1876:

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Aqui jazem.Soberania Nacional

Futuro do PaísA LiberdadeO Progresso

Mortos de ANNISTITITENo dia 18/09/1875.

No segundo plano, à esquerda, visconde do Rio Branco, segurando flores e apoiado em lápide, com inscrições:

Aqui jazA

PolíticaDo

Gabinete7 de marçoMorta de

CaquexiasNo dia 23 do 10

Ano 1875

fig.30-Mephistopheles-30/10/1875-Faria-QuestãoReligiosa-FundaçãoBibliotecaNacional

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Os telegramas.Os telegramas romanos de 25 e 27 vêm provar mais uma vez que a Questão Religiosa longe de estar resolvida apresenta uma nova fase inteiramente prejudicial ao Brasil, conseqüência forçada da política da inércia, que é mil vezes pior do que à má política, vai de novo ser levantada a questão da exclusão dos maçons das irmandades religiosas; vamos de novo presenciar os conflitos que há três anos sobressaltaram a nossa sociedade [...].

Em15deabrilde1876,n’O Mosquito,BordaloPinheirocriououtralitografia,intitulada“OBeijodeJudas”,brincandocomaimagemromânticadoíndio,representandoanaçãobrasileirainspiradano“bomselvagem”deRousseau,idealizadapelosadeptosdoindianismo(fig.31).Destaca,noprimeiroplano,aocentro,emmeioàflorestatropical,um índio entristecido, representando a nação brasileira, recebendo beijo de Pio IX; àesquerda,aoladodeespectrosegurandotocha,iluminandoacena,JoséBento,cônegoFerreiraebispoVital,representandoosadeptosdaIgrejanoBrasil;àdireita,viscondedoRioBrancoeSaldanhaMarinho,representandoamaçonarianoBrasil.

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fig.31-O Mosquito-25/05/1875

-Agostini-QuestãoReligiosa

-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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Em1876,foioanoemqueSemana Illustradafindousuaspublicações,e,surgiu,nacapitalimperial,aRevista Illustrada130, deAngeloAgostini,umadasrevistasdemaiorfôlegodoperíodo(1876-1898).Em1dejulhode1876,Agostinicriouumalitografia,alusiva a encíclica de Pio IX ao episcopado brasileiro. Nela mostra o papa Pio IX,representadocomoummorcegogigante(fig.32),portandosobresuasasas inscrições:Encyclica Exortae ista ditione,sobrevoandooBrasil.Aofundo,nohorizonte,solraiando.Alegendareforçaaimagem:

AfebreamarelanaqueleanohaviamatadoocaricaturistaLuigiBorgomainerio,perdendoaimprensailustradaumdoslápiscríticosmaisafiados.EA Vida Fluminense transformou-senarevistaO Figaro.

E as críticas ao governo na condução daQuestãoReligiosa por ocasião dessaencíclicaanimaramodebatenaimprensailustradadaCorte.Em8dejulhode1876,O Mosquito e a Revista Ilustradaderamdestaqueàquestão.BordaloPinheiro,noMosquito,criouumachargecomemorativadocentenáriodaIndependênciadosEstadosUnidos(fig.33),comalegenda:O Brasil celebrando as independências alheias e perdendo as suas. De duas uma – ou o governo, festejando o centenário dos Estados Unidos [...].

130A Revista Illustradasobreviviadesuasassinaturas,chegouaterem1889,atiragemde4.000exemplares,cifraque,segundoHermanLima,“jamaisfoiatingidapornenhumjornalilustradodaAméricadoSul[...]”.LIMA,Herman.Op. cit.p.122.

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O Tutu monstro da humanidade, vampiro que de novo pretende nos incomodar. Já não bastava a febre amarela! E quais serão as medidas higiênicas que adotará o governo para com-bater a peste?!

fig.32-Revista Illustrada-01/07/1876-Agostini-QuestãoReligiosa-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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No canto superior esquerdo, em meio a raio de luz, composição alegóricacomemorativadoCentenáriodaIndependênciadosEstadosUnidos;aocentro,suspensonoaríndio,representandoanaçãobrasileira,oferececoroadeflores,cominscrição“AoCentenário”,brindandocomtaçadechampanhe,sendopuxadopelopapaPioIX,bispoVital,parapântanoescuro,cominscrição:“Encíclica”;àdireita,figuraalada,representandoaGuerra,suspensanoar:feiçãoassustadora,empunhandoespadaeflâmula,cominscrição:“MaçonsàsArmas”.Nocantoinferior,esquerdo,clérigoeporco,representadoojornalcatólicoO Apóstoloeseuredator,cônegoFerreira,observandoacena.Nocantoinferiordireito,SaldanhaMarinho,deaventale faixamaçônica, tocando tamborea seuspés,símbolomaçônico,olhodeDeus,derramandolágrimadetristeza.

Angelo Agostini, na Revista Illustrada, expressou seu descontentamento emrelaçãoàpolíticaimperialnaconduçãodaQuestãoReligiosa,criando,namesmadata,8dejulhode1876,umacharge(fig.34),destacando,noprimeiroplano,índiogigantesco,

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fig.33-O Mosquito-19/07/1873-BordaloPinheiro-Questãoreligiosa-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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representando a naçãobrasileira, adormecido à beira de pântano, sendodevoradopormorcegos, sangue-sugas, ratos e insetos, e na cabeça, aranha e teia, com inscrições:“Governo” – “Política”, cercada por sapos, com inscrições: “Coro dos aduladores”;raposa, com inscrição: “Patotas” e tacape, com inscrições: “Soberania popular”. Nosegundoplano,àesquerda,serpente,cominscrições:“PolíticadoVaticano”;àdireita,SaldanhaMarinho, tocandocorneta,cominscrições:“AIgrejaeoEstado”eQuintinoBocaiúva,republicanoeredatordojornalO Globo,segurandocorneta,cominscrições:“OGlobo”.Acompanhaaimagemalegenda:

S. M. – Parece incrível que este desgraçado não acorde à minha chamada! Será possível que o monstro do Vaticano consiga devorá-lo?!

Q. B. – Meu amigo, se ele não acorda com todos esses males que o devem afligir e que tenho

combatido diariamente, como podemos esperar que ele se levante à nossa voz?!

Agostini,aorepresentarumgigantescoíndioàmaneiraromântica,parecequererimpactarmaisoespectador.Ouseja,mexercoma idealização românticadanaçãodoimaginárioforjadopelasletraseartes.Mostrarqueaquelesonhoidealizado,aimagemde uma gigante-nação, estava sendo carcomida por bichos peçonhentos. Um giganteabandonado à beira de um pântano insalubre, como o título sugere: “O SONO DOGIGANTE”.

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fig.34- Revista Illustrada-08/07/1876-Agostini-QuestãoReligiosa-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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-DedicadoaospatrióticosSaldanhaMarinhoeQuintinoBocaiúva.Imagem:“ÚltimapalavradeRoma”. Percebe-sequecaricaturistas,comoFariaeAgostini,enfatizaramessaimagemde

gigante-nação,nelasembutidaaidéiadenacionalidadeamparadanavastidãodoterritórioenaabundânciaderecursos.

EssefoiomomentodaencíclicadePioIX.Registra-seauniãodetodaaimprensadaCôrte,comexceçãodojornalO Apóstolo,nacríticaaatuaçãodogovernonaconduçãodapolíticaemrelaçãoàSantaSé.

São inúmeras as ilustrações sobre a Questão Religiosa, de modo que foiselecionadamaisuma,dasmaissignificativas,paraencerraradiscussãorelativaaoanode1876.EstafoipublicadanacapadaRevista Illustrada,em14deoutubrode1876,criticandoapolíticadaSantaSécomoImpériodoBrasil(fig.35).Noprimeiroplano,índio,representandoanaçãobrasileira,forte,atlético,enroladoporserpente,ameaçandoengoli-lo,representandoapolíticadoVaticano.Alegendareforçaaimagem:“Ogigantecontinuaadormir,equandodespertarserátarde.Nãopodendomaisdefender-se,apolíticadoVaticanoteráconsumadosuaobra”.

EadiscussãocontinuounaimprensailustradadaCorteem1877,1878e1879.Em15deabrilde1877,BordalloestampouemO Mosquitoumachargeácida

comentandoavisitadoimperadoraoVaticano(fig.36).OartistaportuguêsmostraPedroII,emtrajesdeviajante,demolindosuaprópriaestátua,cominscrição:“Viagem”,espetadapelapenadejornalista,cominscrição:Veuliot Univers.Aofundo,papaPioIXegaiolade

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fig.35-Revista Illustrada-08/07/1876-Agostini-QuestãoReligiosa-RealGabinetePortuguesdeLeitura

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circo,comcães,gatosed.PedroII,encimadoportabuleta,cominscrição:“Conciliação”.Alegendaqueacompanhareforçaaimagem:

Notícias de Roma.O professor Pedro de Alcântara continua demolindo

o Defensor Perpétuo do Brasil.(Vide Carta de Ganganelli e artigo do Univers de Veuliot).

Napágina2,desseexemplard’O Mosquito,em“AssuntosdaSemana”,notíciasobreaviagemaoexteriorded.PedroII,quesublinhaaimagemcriadaporBordallo:

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fig.36-Revista Illustrada-08/07/1876-Agostini-QuestãoReligiosa-RealGabinetePortuguesdeLeitura

No estrangeiro S. M. o imperador persiste, com as suas excentricidades, em amesquinhar o prestígio do nome brasileiro, intitulando-se ridiculamente: o professor D. Pedro de Alcântara, e preparando cenas de reconciliação que as folhas estrangeiras alcunham de mau gosto ou ma-fé. Por outro lado, apesar de termos uma regência somos governados pelo telégrafo. São esses os deveres de um rei constitucional?

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Emmarçode1879ochefedoGabinetejánãoeramaisCaxias,eraSinimbu131.NaúltimapáginadaRevista,Agostiniestampouumalitografia(fig.37),mostrandoumacenadetorturadaépocadaInquisição,naqualdestaca,noprimeiroplano,índio,representandoanaçãobrasileira,sendoamarradoaotroncoporpadrecapuchinho,enquantoqueoutropadre,ajoelhado,preparaasbrasasparatorturá-lo.Nosegundoplano,àesquerda,papaLeãoXIII;àdireitaSaldanhaMarinho,mostrandoacenaparaoministrodoimpério.Aofundo,políticosdoimpério,assistindoàcena.Alegendaqueacompanhareforçaacena:“Saldanha Marinho interpela o ministro do império sobre a triste posição do país perante o clero. Isto seria natural há alguns séculos, mas em 1879!”

Percebe-seacontinuaçãodabatalhasimbólica-ideológicaaogovernoimperialnaconduçãodapolíticaBrasil–SantaSé.Eaimprensailustradaparecenãodesistirdesuaaçãodidáticadedesvinculaçãodaimagemdanaçãodapolíticaimperial.

Nas palavras de JoséMurilo de Carvalho a partir de 1872 “o debate políticoconstitucionaldentrodaspremissasmonárquicasperdeuforça[...]Alutapassouatravar-secadavezmaispelaimprensaeaescapardoslimitesconstitucionaisvigentes,istoé,amonarquiacomeçouaperderabatalha ideológica132”.Pode-seafirmarpelomaterialinvestigadoqueodivisordeáguasfoiaanistiadosbispos(setembrode1875).Apartirda

131JoãoLinsVieiraCansansãodeSinimbu(1810-1906),teveexpressivaatuaçãonapolíticaimperial.Foideputadogeraldesde1842;ministroresidenteemMontevidéu(5/1843-1/1845).Foisenador,conselheiro,ministrodeEstado,presidentedeváriasprovíncias.Participoudosseguintesgovernos:GabineteFerraz(1849)eGabineteSinimbu(janeirode1878).132CARVALHO,JoséMurilode.A construção da ordem: a elite política imperial; Teatro de sombras: a política imperial. Op. cit.p.345.

fig.37- Revista Illustrada-08/07/1876-Agostini-QuestãoReligiosa-RealGabinetePortuguêsdeLeitura

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Anistiaaimprensailustradaafiouseulápiscrítico,intensificandoaproduçãodeimagensnegativas da monarquia, mostrando a nação sofrendo o peso da política imperial.AimagemdeumaidentidadedeEstado-naçãoimperialafinadocomasidéiasliberaisemvogaqueestavasendodesenhadapelaimprensadaCôrtefoisolapadapelaanistia.

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Conclusão

Confirmou-seahipóteselevantadadequeasimagensderelaçõesinternacionaissãoelementosconstitutivosdeformaçãodanacionalidadeedaprópriaimagemdeBrasil.As caricaturas são agentes de umdeterminadomodode sensibilidadeque, através deumalinguagemespecífica,traduzemodebatepolíticoesocialdeseutempo.Asrevistasilustradas são um fórum de discussão política. Podem ser percebidas como artíficese multiplicadoras de imagens que compõem elementos simbólicos e materiais queapresentamumanação.

AoestudarasrelaçõesinternacionaisparaalémdoEstado,noâmbitodahistóriacultural, verificou-se como as revistas ilustradas publicadas no Rio de Janeiro e emBuenosAires nas décadasde1860-1870, participaram intensamenteda construçãodeumaimagemdoBrasil,eaomesmotempo,contribuíramnaconstituiçãodasfronteirasdeidentidadesnacionaisdeambosospaíses.

Constatou-se que durante os acontecimentos daGuerra doParaguai,momentosingularnoprocessoconstituiçãodosEstadosnacionaisnoPrataeemqueoImpériodoBrasilexerceuhegemonianaregião,asrevistasilustradaspublicadasemBuenosAires,pedagogicamente, iam construindo a imagem da nação brasileira representada comomacaco.Portanto,aimagemdepaíscivilizadocomqueoImpériodoBrasilpretendiaassegurar a sua identidade no pós-guerra produziu discurso visual e verbal oposto nacapitalportenha.VimosqueessediscursopublicadonosperiódicosilustradosdeBuenosAires, porum lado,parece explicaropensamentoda elitepolítica imperial da época,de que integravam a América Latina “nações hostis ao Brasil como nação e comomonarquia”. E, por outro, enfatizava um descontentamento com a presença brasileiraativanoPrata,naquelemomento.Outroaspecto,constatadonessapesquisa,foiadequeà imagemdoíndio,que,emboranãotenhagozadodeexclusividadecomosímbolodeidentidadenacionalnoperíodoimperial,nãoapareceemperiódicosilustradospublicadosemBuenosAires,nasdécadasde1860-1870,podendo-seafirmarqueestaimagemficourestritaaoimagináriodasociedadeimperial.

Fixou-senestetrabalhoarelevânciadaQuestãoChristieedaQuestãoReligiosano imaginário coletivo daquela sociedade.ASemana Illustrada elaborou símbolos danacionalidadebrasileira,comooMoleque,emquesepercebeoesforçodeFleuissemincorporar os moleques como parte daquela nação que está sendo forjada.Afirma aescravidão comoum traço nacional, considerando comouma especificidade da naçãoimperial. Sabe-se que, por trás da questão Christie, havia uma pressão em relaçãoà escravidão.O discurso visual e verbal daSemana Illustrada enfatizava, também, aimagemdeumanaçãoimperialatuandocomopotência,resistindoàspressõesexternas,enfrentandoaltivamenteaGrã-Bretanhadaeravitoriana,consideradaaprima-donano

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concertodasnações.Ouseja,pode-seafirmarqueasilustraçõesdeFleiuss,participaramdaconstruçãodoprocessodeinvençãodoimagináriodanaçãoque,contraditoriamente,seconstruía,comomolequeegrandepotênciaaomesmotempo.AonosdebruçarmossobreaQuestãoReligiosa,verificou-senumprimeiromomento,atéaanistiadosbispos (17setembrode1875),queaimprensailustradadaCortepedagogicamentecontribuiuparaaimagempositivadogovernoimperialnaconduçãodaquestão.E,também,estampouchargesemquesepercebeaconstruçãodeumsentimentopatriótico,comoailustraçãode Faria (Mephistópheles, 3/03/1875), vinculandoafiguradePedro II comochefedanação.Ouseja,haviaumasintoniaentregovernoeinteressenacional.Apartirdaanistiahouveumamudançasignificativadaimagemqueaimprensailustradavinhaconstruindodogovernoimperialemrelaçãoanação.Pode-seafirmarqueoscaricaturistasdaCorte,passaramausarseulápiscríticoparadesvincularaimagemdanaçãodogovernoimperial.Ogovernoeseuchefe,oimperador,passaramaserridicularizadas,eanaçãopassaaserpercebidacomovítimadapolíticaimperial.

Outroaspectoqueseobservounesteestudo,nosmomentosemqueahonranacionalesteveemjogo,foiqueaimagemdeumíndiogigante,representandoanação,concebidapordiferentescaricaturistas,comoFleiuss,Faria,AgostinieBorgomainerio,enfatizavamumapercepçãodenacionalidadevinculadaàextensãoterritorialeabundânciaderecursos,reforçandoomitodagrandezanacional,quefoiumaespecificidadedaquelacomunidadeimaginadaqueseconsolidavacomoEstado-naçãonostrópicos.

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–7/05nº51–11/05nº52–28/05nº54–11/06nº56–16/07nº61–23/07nº62–8/10nº73–22/10nº75–26/11nº80–10/12nº82–17/12nº83;186514/02nº87–21/01nº88–28/01nº89–11/02nº91–25/02nº93–11/03nº95–25/03nº97–1/04nº98–8/04nº99–22/04nº100–29/04nº101–28/05nº105–11/11nº107–18/06nº108–25/06nº109–2/07nº110–9/07nº111–23/07nº113–30/07nº114–3/09nº119–10/09nº120–17/09nº121–24/09nº122–1/10nº123–8/10nº124–22/10nº126–29/10nº127–5/11nº128–12/11nº129–19/11nº130–26/11nº131–3/12nº132;186621/01nº139–23/01nº140–4/02nº140–11/02nº142–18/02nº143–25/02nº144–4/03nº145–18/03nº147–25/03nº147–25/03nº148–8/04nº151–15/04nº152–22/04nº153–29/04nº154–13/05nº156–3/06nº159–17/06nº161–24/06nº162–1/07nº163–8/07nº164–15/07nº165–23/07nº166–2/09nº172º–9/09nº173–16/09nº174–23/09nº175–30/09nº176–7/10nº177–14/10nº178–21/10nº179–28/10nº180–4/11nº181–11/11nº182–18/11nº183–25/11nº184–2/12nº185–9/12nº186–16/12nº187–23/12nº188–30/12nº189;18676/01nº190–13/01nº191–20/01nº192–27-01nº193–3/02nº194–10/02nº195–17/02nº196–3/03nº198–10/03nº199–17/03nº200–24/03nº201–31/03nº202–7/04nº203–14/04nº204–21/04nº205–28/04nº206–9/05nº208–12/05nº209–16/05nº210–19/05nº211–23/05nº212–6/06nº216–9/06nº217–16/06nº219–20/06nº220–23/06nº221–27/06nº222–30/06nº223–4/07nº224–7/07nº225–11/07nº226–14/07nº227–18/07nº228–21/07nº229–25/07nº230–28/07nº231–1/08nº232–4/08nº233–8/08nº234–11/08nº235–15/08nº236–18/08nº237–22/08nº238–25/08nº239–29/08nº240–1/09nº241–8/09nº242–15/09nº243–29/09nº245–20/10nº248–3/11nº250–8/12nº255–15/12nº256–15/12nº256–22/12nº257–29/12nº258;186812/01nº260–19/01nº261–2/02nº263–9/02nº264–16/02nº265–23/02nº266–1/03nº267–29/03nº271–5/04nº272–12/04nº273–19/04nº274–26/04nº275–3/05nº276–10/05nº277–17/05nº278–24/05nº279–21/06nº283–28/06nº284–5/07nº285–12/07nº286–19/07nº287–26/07nº288–2/08nº289–20/09nº296–27/09nº297–11/10nº299–18/10nº300–25/10nº301–1/11nº302–22/11nº305–29/11nº306–6/12nº307–13/12nº308–20/12nº309;186924/01nº134–3/01nº311–10/03nº312–17/01nº313–31/01nº135–7/02nº136–14/02nº137–21/02nº138–25/03nº143–5/04nº144;1872

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18/08nº501;187514/03nº637–21/03nº638–28/03nº639–18/04nº642–9/05nº644–30/05nº647–6/06nº648–10/06nº649–20/06nº650–27/06nº651–4/07nº652–18/07nº654–1/08nº656–8/08nº657–22/08nº659–12/09nº662–19/09nº663–26/09nº664–17/10nº667.

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