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1 Olhares acerca do processo de construção do artigo 68 (ADCT/CF-1988) e seus desdobramentos na atualidade 1 Daisy Damasceno Araújo (IFMA/UFMA) Palavras-chave: Direitos; Constituição; Quilombos. Introdução Neste artigo desenvolvo uma reflexão sobre as disputas e negociações que ocorreram durante a elaboração da Constituição Federal de 1988 (CF/88), enfatizando as discussões realizadas em torno da garantia dos direitos de cidadania diferenciada no Brasil. Com o olhar voltado especificamente para a elaboração do artigo 68 dos ADCT, que visa garantir o território aos remanescentes das comunidades dos quilombos, tomo como base os processos ocorridos durante a Assembleia Nacional Constituinte (ANC) de 1987-1988 e o contexto em que se deu sua efetivação. A análise aqui apresentada dá destaque especial para a Comissão da Ordem Social, na figura da Subcomissão de Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias, instalada no dia 07 de abril de 1987. Desta forma, o texto é construído no sentido de ampliar o debate que aponta para a inserção “amputada” do artigo 68 na carta magna, que ocorre “no apagar das luzes” (ARRUTI, 2006). Busco entender o processo de disputas existentes nesse cenário, com olhar voltado para os agentes envolvidos e seus discursos, pensando como se construiu esse artigo, que até os dias atuais, 30 anos depois, tem provocado uma série de mobilizações para a sua efetividade. Tomo como referência a investigação que realizei de 2017 a 2018, utilizando como fontes os Anais da Constituinte (acervo Eletrônico), disponibilizados através das Atas das Comissões e Subcomissões da ANC (1999) e dos Diários da ANC (DANC) e os discursos de constituintes e convidados que debateram com os membros da subcomissão, na tentativa de perceber o lugar de fala desses agentes. Somado a isso, tomo como fontes de análise, especialmente, bases de dados disponibilizadas na internet sobre o contexto da ANC: as sugestões dos cidadãos estão localizadas numa base de dados de nome SAIC (Sistema de Apoio Informático à Constituinte) e as das entidades e constituintes numa base de dados de nome SGCO (Base 1 Trabalho apresentado na 31ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 09 e 12 de dezembro de 2018, Brasília/DF.

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Page 1: desdobramentos na atualidade1 · 2019. 1. 10. · na figura da Subcomissão de Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias ... anos da abolição da escravatura

1

Olhares acerca do processo de construção do artigo 68 (ADCT/CF-1988) e seus

desdobramentos na atualidade1

Daisy Damasceno Araújo (IFMA/UFMA)

Palavras-chave: Direitos; Constituição; Quilombos.

Introdução

Neste artigo desenvolvo uma reflexão sobre as disputas e negociações que

ocorreram durante a elaboração da Constituição Federal de 1988 (CF/88), enfatizando as

discussões realizadas em torno da garantia dos direitos de cidadania diferenciada no

Brasil. Com o olhar voltado especificamente para a elaboração do artigo 68 dos ADCT,

que visa garantir o território aos remanescentes das comunidades dos quilombos, tomo

como base os processos ocorridos durante a Assembleia Nacional Constituinte (ANC) de

1987-1988 e o contexto em que se deu sua efetivação.

A análise aqui apresentada dá destaque especial para a Comissão da Ordem Social,

na figura da Subcomissão de Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e

Minorias, instalada no dia 07 de abril de 1987. Desta forma, o texto é construído no

sentido de ampliar o debate que aponta para a inserção “amputada” do artigo 68 na carta

magna, que ocorre “no apagar das luzes” (ARRUTI, 2006). Busco entender o processo

de disputas existentes nesse cenário, com olhar voltado para os agentes envolvidos e seus

discursos, pensando como se construiu esse artigo, que até os dias atuais, 30 anos depois,

tem provocado uma série de mobilizações para a sua efetividade.

Tomo como referência a investigação que realizei de 2017 a 2018, utilizando

como fontes os Anais da Constituinte (acervo Eletrônico), disponibilizados através das

Atas das Comissões e Subcomissões da ANC (1999) e dos Diários da ANC (DANC) e os

discursos de constituintes e convidados que debateram com os membros da subcomissão,

na tentativa de perceber o lugar de fala desses agentes.

Somado a isso, tomo como fontes de análise, especialmente, bases de dados

disponibilizadas na internet sobre o contexto da ANC: as sugestões dos cidadãos estão

localizadas numa base de dados de nome SAIC (Sistema de Apoio Informático à

Constituinte) e as das entidades e constituintes numa base de dados de nome SGCO (Base

1 Trabalho apresentado na 31ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 09 e 12 de

dezembro de 2018, Brasília/DF.

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de Sugestões dos Constituintes)2. As atas das Audiências Públicas, presentes nos Diários

da ANC também foram úteis para os propósitos deste texto, além dos Anteprojetos,

Projetos e Emendas da Assembleia Nacional Constituinte (APEM), presentes na mesma

base eletrônica dos arquivos das sugestões.

2. Trinta anos da Constituição Cidadã

Neste ano de 2018 estamos comemorando, no Brasil, os 30 anos da Constituição

Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988. Uma série de eventos comemorativos,

grupos de trabalhos em congressos pelo país, sites e publicações diversas se propõem a

realizar um balanço geral após as três décadas de vigência da nossa Carta Magna.

Intitulada, pelo então presidente da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), Ulisses

Guimarães, de Constituição Cidadã, a Constituição Federal Brasileira foi promulgada

após amplas negociações, embates e conflitos pela demarcação de espaços e posições no

campo da política brasileira.

Um olhar apurado do contexto histórico de elaboração da nova carta magna nos

permite entender porque faz tanto sentido, para quem vivenciou esse processo, adjetiva-

la de “Constituição Cidadã”. Esse “olhar” não se resume apenas a uma avaliação

‘romântica’, ‘orgulhosa’ e ‘saudosista’ do então presidente dos trabalhos constituintes. É

comum encontrarmos, em diversas interpretações daquele momento histórico, marcado

pelo fim do regime ditatorial civil-militar e reabertura democrática, um olhar encantado

sobre a ANC e o texto final da CF/88.

Para muitos historiadores, sociólogos e pesquisadores da temática, o próprio

contexto de uma agenda institucional em transição, não nos permite conceber a nova

constituição de outra forma: cidadã não apenas pelos direitos que vislumbrava garantir a

parcelas da sociedade brasileira, majoritariamente desassistidas pelas Constituições e

governos anteriores, mas especialmente por ser concebida em um momento histórico tão

caro para o nosso país. Nesse sentido, é importante demarcarmos lutas que ainda

continuam importantes e urgentes no cenário pós 30 anos da promulgação.

Cabe destacar que o ano de 2018 também tem sido lembrado pelo movimento

negro em tom de comemoração e balanço, visto que em 1988, ano da promulgação do

texto constitucional, a lei abolicionista completava 100 anos. O processo de

2 SAIC e SGCO, disponíveis em: http://www.senado.gov.br/atividade/baseshist/bh.asp# Acesso em 30 de

outubro de 2018.

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redemocratização era, para o movimento negro, uma oportunidade de que direitos

negados desde a abolição, se fizessem presentes na carta magna. Portanto, as

comemorações dos 30 anos da Constituição implicam também na comemoração de 130

anos da abolição da escravatura no Brasil.

Mas não apenas o movimento negro celebra e constrói reflexões sobre esse marco

histórico que ampliou direitos individuais e coletivos. Igualmente tem feito o Movimento

Indígena, para quem a Constituição de 1988 também foi muito importante. Diante das

reflexões analíticas aqui realizadas, cabe demarcar que os olhares lançados sobre a

elaboração do artigo 68 dos ADCT permitiram ampliar, ainda mais, o olhar sobre a ANC

e entender o macroprocesso de conflitos, impasses e debates travados. Esse olhar mais

amplo me permitiu ver um cenário de amplas disputas partidárias e de tomadas de posição

de diferentes agentes que compunham a vida pública.

Não à toa, às comemorações dos 30 anos da Constituição, soma-se a valorização

e rememoração do processo constituinte. Na Rádio Senado, chamadas diárias nos

convidam a relembrar o “Aconteceu na Constituinte...”. Artigos de pesquisadores e

estudiosos de diversas áreas são publicados em jornais de amplitude nacional e

disponibilizados na internet. No site da Câmara dos Deputados e ao Senado Federal, com

a chamada principal destacando os 30 anos da Constituição da Cidadania, nos apresenta

fotos, textos, mapas, documentários, cronologias e diversos outros recortes temporais

sobre o momento constituinte e a promulgação da Constituição.

Mesmo com os avanços que a Constituição Federal de 1988 apresenta, é preciso

olharmos como calma não apenas para o texto legal, mas também para o seu processo de

construção. Foi nesse contexto de mudanças, com a afirmação da existência de direitos

étnicos, que o artigo 68 dos ADCT foi incluído na Constituição Federal brasileira.

Recolocou em cena a categoria quilombo, então sob a justificativa de assegurar um direito

tardio, considerando os danos e consequências causadas aos africanos escravizados e seus

descendentes, no contexto pós-escravidão.

Vejamos que o olhar sobre o processo de construção dos direitos das minorias no

processo constituinte e, consequentemente, a inclusão desses direitos no texto legal

promulgado em 1988, decorreu de inquietações do presente, acerca da luta atual desses

grupos por reconhecimento e pela titulação de seus territórios. Por isso, é pertinente

tratarmos do cenário de garantias desses direitos na relação passado-presente.

Em função da dificuldade de compreensão em torno do texto legal, ocorreram

diversos debates, na academia e nos movimentos sociais, na tentativa de ressignificar o

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termo quilombo e dar conta da pluralidade de situações sociais que poderiam pleitear esse

direito. Se tomarmos como base o Decreto 4887/2003, que regulamenta o artigo 68

(ADCT), podemos perceber a incorporação do amplo debate desencadeado na academia,

junto aos movimentos sociais, tentando redimensionar o texto legal.

Ao estabelecer diálogo com a Convenção 169 da Organização Internacional do

Trabalho (OIT), este Decreto define como critério de identificação dos remanescentes de

quilombos a autoatribuição3, considerada uma conquista pelo movimento das

comunidades quilombolas do país, por levar em consideração o poder de autoafirmação

desses sujeitos de direitos, dando-lhes voz nesse processo de luta pela titulação das terras

que ocupam.

A constituição desse campo de disputa envolve interesses de natureza acadêmica

e política. No intuito de resolver esses impasses gerados, antropólogos de todo o país,

juntamente com suas produções literárias, têm travado diversas lutas na definição de

políticas públicas e de Estado, a exemplo da promulgação do Decreto supracitado, contra

o qual o Partido da Frente Liberal (PFL, atual DEM) entrou com uma Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADIN nº 3.239-9/600 – DF), contestando o direito à terra das

comunidades que, uma vez tituladas, se tornam inalienáveis e coletivas.

Essa situação específica nos permite compreender as diversas interpretações que

o artigo tem suscitado, não apenas em relação à categoria quilombo, mas a outras

categorias apresentadas no texto legal. Por isso a necessidade de entendermos esse

processo de construção do artigo, seus antecedentes e desdobramentos, e os discursos que

foram consagrados a partir das discussões feitas na ANC.

Com base em que elementos os agentes que constituíram a Comissão da Ordem

Social/Subcomissão de Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias,

decidiram pela criação do artigo, e quais os critérios utilizados para o uso dos termos

“remanescentes” e “quilombos”? Quem são os chamados remanescentes das

comunidades dos quilombos cujos direitos são atribuídos pelo dispositivo legal? De qual

lugar esses agentes falam e quais elementos são acionados para a garantia de um direito

histórico, que marcou a luta de muitas instituições ligadas às questões raciais no Brasil?

Tomando como base os dados apresentados, é conveniente discutirmos sobre a

carga “simbólico-conceitual” (PACHECO, 2005) que o artigo 68 carrega, um conceito

3 O § 1º, Artigo 2º, do Decreto 4887/2003 define que: “Para os fins deste Decreto, a caracterização dos

remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria

comunidade”. In. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto/2003/D4887.htm. Acesso em: 30.10.2018.

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jurídico-formal, construído historicamente no século XVIII, que vai assumindo novas

dimensões na atualidade. Os novos sujeitos de direito, anteriormente identificados como

comunidades negras rurais e/ou como camponeses, dentre outros termos nativos, agora

assumem, conjugadas a estas últimas, a identidade de quilombolas. Esta “nova”

identidade, ainda que represente novos contornos interpretativos acerca do conceito de

quilombo, encontra-se bastante relacionada ao conceito histórico do mesmo, demarcando

a relação destes grupos com o passado da escravidão.

Apesar de todos os avanços que a Constituição Federal de 1988 apresenta, sob a

perspectiva da garantia de direitos, considero importante refletir sobre o seu processo de

construção, de formulação. Desta forma, realizei uma análise dos bastidores do processo

de construção do artigo 68, a partir, especialmente, dos anais da ANC, instalada em 1987.

No sentido de entender como se configurou o processo de elaboração do artigo 68

(ADCT), julgo ser necessário compreender o contexto que permitiu a inserção do referido

artigo no texto constitucional e o processo posterior à promulgação da Constituição

Federal.

3. O contexto da ANC e a Comissão da Ordem Social/Subcomissão de Negros,

Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias

O deputado Ulysses Guimarães, presidente da ANC, em seu pronunciamento de

abertura dos trabalhos, menciona uma expressiva mobilização pré-Constituinte, realizada

em todo o país, na luta pelo retorno da democracia. Essas mobilizações tinham como

objetivo, também, a convocação de uma Assembleia Constituinte Exclusiva, com a

eleição de representantes específicos, desvinculada do Congresso, com maior

participação popular e com plenos poderes de formular uma nova Constituição para o

país.

No entanto, a Proposta de Emenda à Constituição de nº 43 (PEC 43), de

28.06.19854, encaminhada pelo então deputado José Sarney, apresentava uma

Constituinte do tipo Congressual, formada pelos então senadores de 1982 e mais aqueles

eleitos em 1986, que juntamente com os deputados federais, desempenhariam as

atividades do Congresso, paralelamente às atividades constituintes. Ou seja, uma

Constituinte Não-exclusiva, distante do que almejava a grande maioria das mobilizações

que pressionavam o governo para a convocação da Constituinte.

4 PEC de número 43 de 28 de junho de 1985. Ver:

https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/9185 Acesso: 30.10.2018.

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Mesmo após a pressão nacional de diversos setores da sociedade civil,

movimentos sociais, juristas, Plenário Pró-Participação Popular, além do parecer do

relator da PEC em questão, Flavio Beirrenbach (PMDB - SP), que propunha um plebiscito

para que os brasileiros escolhessem entre uma Constituinte Congressual ou Exclusiva, a

proposta de uma Constituinte Congressual, expressa pela PEC em questão, foi aprovada

e o relator destituído de sua função (MICHILES et all, 1989). Em novembro de 1985, por

meio da Emenda Constitucional número 26, a Assembleia Constituinte, na modalidade

Congressual5, foi convocada.

A ANC funcionou de 1º de fevereiro de 1987 a 5 de outubro de 1988, quando a

nova Constituição foi promulgada. O quadro de constituintes foi formado pelos

parlamentares eleitos no pleito de 15 de novembro de 1986 - 487 deputados federais e 49

senadores – e mais 23 dos 25 senadores eleitos em 1982, num total de 559 (487 deputados

e 72 senadores), com renovação de 45% em relação à composição do Congresso na

legislatura anterior.

Pacheco (2005) afirma que o processo constituinte, na figura da Assembleia

Nacional Constituinte (ANC), representou um marco no âmbito jurídico no Brasil,

apresentando-se enquanto ruptura da ordem jurídica presente até aquele momento, pela

participação de múltiplos atores e agentes, uma variedade de movimentos sociais, um

espaço onde os segmentos mais mobilizados da sociedade puderam atuar, principalmente

no que diz respeito à questão dos direitos étnicos, com destaque para a Subcomissão de

Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias.

O autor apresenta, ainda, pontos importantes desse cenário, que são vistos como

fundamentais para a compreensão do período de redemocratização vivido no Brasil. No

entanto, é importante destacar que, ainda que a ANC tenha apresentado uma certa

participação popular, as deliberações foram feitas pelos parlamentares da época, por se

tratar de uma Constituinte do tipo Congressual. Os partidos mais conservadores naquele

momento, como PFL, PDS, PTB, PL e PDC, ocupavam 201 cadeiras no plenário,

5 Mesmo que na modalidade Congressual, muitos movimentos sociais avaliaram positivamente essa intensa

participação popular na ANC, fruto de uma série de disputas e mobilizações. Após ser derrotada a

Constituinte do tipo Exclusiva, diversos movimentos pró-participação populares continuaram pressionando

o governo na tentativa de garantir a participação popular neste processo. Em março de 1986, em resposta

às pressões, o Congresso lançou a Campanha Diga Gente e Projeto Constituição por meio da qual foram

distribuídos cinco milhões de formulários, disponíveis nas Agências dos Correios, a fim de que os cidadãos

de todo o país pudessem sugerir e encaminhar para o Senado Federal, via Correios, gratuitamente, as

sugestões para a Constituição de 1988.Essa campanha permitiu a criação posterior de uma base de dados

de nome SAIC (Sistema de Apoio Informático à Constituinte), que pode ser acessada pelo site:

http://www.senado.gov.br/atividade/baseshist/bh.asp#

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enquanto que os partidos ditos de esquerda como PCB, PC do B, PDT, PT e PSB

ocupavam pouco mais de 50 cadeiras.

Se a proposta de uma Nova Constituição trazia consigo um desejo de mudança na

ordem social vigente, conservadora, autoritária e excludente, fruto do atrelamento ao

regime ditatorial civil-militar, a ideia seria renovar o cenário de construção da nova carta

magna a partir de seus formuladores. Para muitos juristas, sociólogos e historiadores, a

permanência de um congresso conservador dificultou essa mudança, fazendo com que

muitos desses direitos constitucionais levassem anos para ser regulamentados e

efetivados. Dimas Salustiano Silva, em Boletim Nuer de 1997, sobre o contexto da

ANC/87 e CF/88, afirma que:

Neste final de século, um dos temas que no mundo provoca maior preocupação

e interesse diz respeito ao problema da identidade, indiferença e intolerância

étnica. No Brasil, após um longo período de ditaduras militares, sobreveio um

texto constitucional que exprime no seu conteúdo a heterogeneidade das forças

políticas que o escreveram e, nesse sentido, comporta no plano da riqueza

cultural e étnica que o nosso país possui, disposições concernentes à proteção

por parte do Estado das manifestações das culturas populares, indígenas e afro-

brasileiras (art.215, §1.0 parágrafo) um capítulo dedicado integralmente aos

índios (Capítulo VII1 do Título VII1), bem como um artigo aparentemente

despretensioso, que aparece no artigo 68 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias, com a seguinte redação: Art. 68. Aos

remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas

terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os

títulos respectivos.! (SILVA, 1997: 11)

A ANC apresentava-se como uma proposta política cujo objetivo era remover as

marcas do autoritarismo presentes nos últimos anos da história do país, desde o golpe

militar em 1964, e criar as bases para a implementação do regime democrático, debatendo

e construindo dispositivos constitucionais que pudessem refletir a luta por direitos,

demandados por pessoas de diferentes condições sociais e culturais.

Com exceção da Mesa da ANC, o corpo constituinte foi dividido em oito

Comissões Temáticas e uma Comissão de Sistematização. Nesta última, a indicação dos

participantes foi feita pelos líderes. Cada constituinte tinha por direito uma vaga como

titular e outra vaga como suplente6, com respeito à proporcionalidade partidária, dentro

de cada comitê. Cada Comissão, dividiu-se em três Subcomissões. Vejamos a divisão da

Comissão de Ordem Social, que aqui nos interessa.

QUADRO 1

A) Subcomissão dos Direitos dos

Trabalhadores e Servidores Públicos;

6 Vemos isso com mais clareza quando mapeamos os dados dos Constituintes da Subcomissão de Negros,

Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Negros, onde podemos identificar as subcomissões onde estes

eram titulares e suplentes.

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Comissão da Ordem Social B) Subcomissão de Saúde, Seguridade e do

Meio Ambiente;

C) Subcomissão dos Negros, Populações

Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias. Fonte: Elaboração própria, com base nos dados divulgados no site da Câmara dos Deputados7.

Cada Subcomissão era responsável pela elaboração de um anteprojeto. Após a

elaboração deste anteprojeto, as três Subcomissões juntavam-se à comissão

correspondente, para que um novo anteprojeto (com partes correspondentes a cada uma

delas) fosse realizado. Os textos finais das oito Subcomissões foram submetidos à

Comissão de Sistematização, visando a construção de um único projeto constitucional.

Após essas etapas, esse projeto “final” seria enviado ao plenário da Constituinte para

posterior votação, em dois turnos.

Como vimos acima, a Comissão de Ordem Social era composta por três

Subcomissões: a Subcomissão dos Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos; a

Subcomissão de Saúde, Seguridade e Meio Ambiente e a Subcomissão de Negros,

Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias. O quadro abaixo nos mostra a

composição desta última, que nos interessa para fins de análise:

QUADRO 2

Composição da Subcomissão de Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e

Minorias

Presidente Ivo Lech PMDB – RS

1º Vice-Presidente Doreto Campanari PMDB – SP

2º Vice-Presidente Bosco França PMDB – SE

Relator Alceni Guerra PFL – PR

Titulares Suplentes

PMDB Bosco França;

Doreto Campanari;

Ruy Nedel;

Hélio Costa;

Ivo Lech;

José Carlos Saboia;

Mattos Leão;

Mauro Sampaio;

Renan Calheiros

Cid Saboia de Carvalho;

Severo Gomes;

Anna Maria Rattes;

Bezerra de Melo;

Cássio Cunha Lima;

França Teixeira;

Francisco Carneiro;

Heráclito Fortes;

Maurílio Ferreira Lima;

Osmir Lima;

Ronaldo Carvalho;

Lúcia Vânia

7 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-

legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/o-processo-constituinte/lista-de-

comissoes-e-subcomissoes Acesso em 25 de outubro de 2018.

http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-

cidada/o-processo-constituinte/lista-de-comissoes-e-subcomissoes Acesso em 05/11/2018

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PFL Alceni Guerra;

Jacy Scanagatta;

Lourival Baptista;

Salatiel Carvalho

Jalles Fontoura;

Sarney Filho;

Odacir Soares;

Marcondes Gadelha;

Francisco Dornelles

PDS (Vago) (Vago)

PDT Nelson Seixas Edésio Frias

PTB (Vago) (Vago)

PT Benedita da Silva Luís Inácio Lula da Silva

Secretário Carlos Guilherme Fonseca Fonte: Elaboração própria com base em dados retirados do site da Câmara dos Deputados8

Vejamos que, de acordo com o quadro, a maior bancada de constituintes é a do

PMDB, estando ela com nove titulares e doze suplentes, seguida pelo PFL, com quatro

titulares e cinco suplentes, PDT e PT, cada um com apenas um titular e um suplente,

respectivamente. Os partidos PDS e PTB não possuíam representantes nessa

Subcomissão. Deste quadro de 15 constituintes, tínhamos apenas uma mulher, Benedita

da Silva, do PT do Rio de Janeiro.

Na tentativa de entender as disputas e negociações existentes nesta Subcomissão

de Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias, etnografei algumas das

16 reuniões, que ocorreram desde sua instalação em abril de 1987 até a votação do

anteprojeto em maio do mesmo ano, em especial aquelas que tratam da “questão do

negro”.

Ao etnografar as audiências públicas observei que a questão do negro, o debate

racial, ocorreu especialmente em duas ocasiões, com a presença dos constituintes e

representantes da sociedade civil, sendo estes últimos “especialistas da temática”, nomes

importantes no cenário dos movimentos sociais ligados à questão racial no Brasil. A

primeira delas ocorreu no dia 28 de abril de 1987 e se deu em dois momentos (pela manhã

e pela tarde, estendendo-se até a noite). E a segunda foi realizada 04 de maio do mesmo

ano.

Nomes importantes do Movimento Negro se fizeram presentes e proferiam seus

discursos como professores, representantes, coordenadores e presidentes de instituições

ligadas à questão racial, como Leila de Almeida Gonzales, Helena Teodoro, Maria das

Graças dos Santos, Murilo Ferreira, Ligia Garcia Mello, Orlando Costa, Mauro Paré,

8 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-

legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/o-processo-constituinte/comissoes-e-

subcomissoes/comissao7/subcomissao7c Acesso em 25 de outubro de 2018.

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Januário Garcia, Lauro Lima dos Santos Filho, Paulo Roberto Moura, Natalino

Cavalcante de Melo, Raimundo Gonçalves Santos, Lino de Almeida, Marcélia Campos

Domingos e Waldemiro de Souza9.

Nas contribuições destes representantes, podemos ver a constante presença de

discursos que enaltecem o momento histórico vivido, que reitera a dívida do Estado

brasileiro para com os negros no Brasil, a necessidade de que direitos negados

historicamente pudessem estar presentes no texto constitucional final, o combate ao

racismo, além análises sobre as condições de vida dos negros no país.

4. Os debates em torno do artigo 68 (ADCT-CF/88)

Para que o artigo 68 estivesse presente na Constituição Federal, foi necessário um

longo e árduo caminho, que aos poucos foi sendo percorrido. Silva (1997) nos fala de um

Congresso Constituinte conservador, de uma mentalidade nacional racista e

preconceituosa e que, diante dessas condições, o artigo 68 é uma conquista.

Certamente não temos, após uma primeira leitura, a melhor formatação política

e jurídica à nossa frente, o que temos é o que foi possível realizar diante de um

Congresso Constituinte conservador, mas que paradoxalmente curvou-se aos

desejos de mudança que vinham da sociedade e que acabou por nos legar uma

Constituição Democrática. Como é sabido por todos, não tivemos uma

Assembleia Nacional Constituinte exclusiva; nos foi permitido, e o resultado

não foi dos piores, eleger e apresentar propostas e reivindicações para um

Congresso Nacional com poderes constituintes, que concomitantemente

encarregava-se da feitura das leis ordinárias. Quando terminaram os trabalhos

constituintes, os deputados e senadores que a integravam continuaram a

legislar normalmente. No entanto, é inegável que as pressões populares

acabaram por alagar sensivelmente os direitos sociais e culturais em vigor e

permitiram, ainda, um democrático debate do qual foi partícipe toda a nação

brasileira. A inserção na ordem jurídico-constitucional brasileira de um

dispositivo que carrega um comando dotado de imperatividade, no sentido de

reconhecer aos remanescentes de comunidades dos quilombos a propriedade

definitiva de suas terras e de, ao mesmo tempo, obrigar o Estado à emissão dos

títulos dominiais respectivos, soa como algo exótico, estranho, até mesmo

atemporal. Todavia, só pode ser desse modo, para uma parcela da mentalidade

nacional hegemonicamente racista, preconceituosa e ignorante quanto à

história do povo brasileiro. (SILVA, 1997: 11).

A questão étnica foi discutida na ANC pela Comissão da Ordem Social,

Subcomissão de Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias. Alguns

dos temas debatidos foram: negros, indígenas, deficientes físicos e mentais, idosos,

minorias religiosas, homossexualidade, dentre outros (PACHECO, 2005).

9 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-

legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/o-processo-constituinte/comissoes-e-

subcomissoes/comissao7/subcomissao7c Acesso em 25 de outubro de 2018.

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11

Para Silva (1997), o argumento mais forte que prevaleceu nos debates dos

constituintes teria sido aquele utilizado constantemente nos discursos do Movimento

Negro: a dívida que a nação brasileira, como um todo, teria contraído para com os afro-

brasileiros em razão do regime da escravidão. No entanto, destaca que a evolução dos

debates constituintes em 1987, não pode ser considerada das mais ricas ou interessantes,

reafirmando o que vários autores nos apresentam e aquilo que a análise do artigo 68 nos

faz crer: prevaleceu o “senso comum imperante”.

Preponderou, na análise que pode ser feita do "Diário da Constituinte", um espírito

pragmático e regimental nas decisões. É possível que o senso comum imperante entre os

congressistas tenha falado mais alto, segundo o qual comunidades negras remanescentes

de quilombos remontam ao passado, representam resquícios insignificantes de uma

história que deve ser esquecida, são populações fadadas ao desaparecimento, ou mesmo

inexistentes, talvez minúsculas ou em pouca monta. Entrementes, a história da escravidão

no Brasil, encarada sob outro aspecto que não o oficial e submetida a uma análise detida

da conflituosa realidade fundiária urbana e rural brasileira, autoriza um outro tipo de

compreensão do problema. (SILVA, 1997: 11).

Em diversas fontes sobre os preparativos para elaboração da Constituição,

encontramos a presença de muitos relatos que enfatizam os múltiplos debates com a

participação da população, que conseguiu legitimar emendas populares elaboradas nos

sindicatos patronais e dos trabalhadores, associações comunitárias, movimentos

indígenas, feministas, estudantis, empresariais, dentre outros. Neste leque também se

encontra o movimento negro, que contribuiu significativamente para a criação de novos

direitos. (SILVA, 1997).

O autor apresenta, ainda, no Boletim Informativo Nuer, as diversas emendas

propostas e as devidas alterações, nos permitindo compreender o movimento entre o que

foi proposto e o que ficou definido na Subcomissão de Negros, Populações Indígenas,

Pessoas Deficientes e Minorias, no que diz respeito ao artigo 68. A partir dessas análises,

afirma que o artigo 68 possui características marcantes de uma disposição permanente,

sendo uma disposição transitória atípica, em razão de “não está gravada por qualquer

cláusula de temporalidade ou circunstancial, ou mesmo por qualquer tipo de decisão

instituidora de algum órgão (SILVA, 1997: 22). Para o autor, o artigo 68 do ADCT

precisa ser lido e interpretado em consonância com os artigos 215 e 216, que tratam do

patrimônio cultural brasileiro”.

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12

O que de fato ocorreu está ligado às marchas e contramarchas da discussão e

votação das matérias aprovadas, tudo em consonância com as normas regimentais da

Constituinte. Ocorre que o regimento original, só para lembrarmos, foi modificado no

transcurso do processo de elaboração da Constituição. Esse artifício significou um golpe

desferido pelo bloco parlamentar, que ficou popularmente conhecido por Centrão, contra

os direitos e interesses defendidos por setores mais à esquerda do espectro político

parlamentar de antanho.

As matérias que já haviam sido aprovadas não poderiam mais voltar à discussão.

Por isso, uma nítida disposição permanente, como é caso do art. 68, por não ter recebido

aprovação no capítulo da cultura – disposição permanente, passou a ter uma configuração

de dispositivo transitório atípico, vez que só pôde ser aprovado no “apagar das luzes” dos

trabalhos de feitura da nova Constituição. (SILVA, 1997: 23).

Arruti (2006) apresenta o relato de um militante do movimento negro no

Maranhão – Ivo Fonseca – que teria sido consultado na época da introdução do artigo na

Carta, mas não pôde contribuir com nenhuma sugestão. “Assessores da deputada

Benedita da Silva teriam entrado em contato com o Centro de Cultura Negra para recolher

propostas, ‘mas foi coisa muito de repente [e] eu mesmo não tinha nenhuma discussão

preparada para isso”. A seguir, o autor apresenta um dado interessante, que nos permite

compreender o cenário que originou as indefinições presentes no texto constitucional.

Segundo Flávio Jorge, do Fórum Estadual de Comunidades Negras de São

Paulo, a militância negra na época tinha, de fato, mais dúvidas que certezas

com relação ao artigo e o seu texto final teria sido resultado de um esgotamento

do tempo e das referências de que o movimento dispunha para o debate, mais

do que de qualquer consenso. A decisão teria passado, principalmente, pela

avaliação de que seria necessário lançar mão do ‘momento propício’, mesmo

que não se soubesse ao certo o que se estava fazendo aprovar. Tanto o

desconhecimento sobre a realidade fundiária de tais comunidades por parte dos

constituintes quanto o contexto de comemoração do Centenário da Abolição

(“nós vinculamos que quem votasse contra o “artigo 68” poderia levar a pecha

de racista”) formaram o caldo ideológico que permitiu o surgimento do “artigo

68”. Só uma coisa parecia estar fora de discussão, segundo o deputado Luís

Alberto (PT/BA) – coordenador nacional do MNU: que o “artigo 68” deveria

ter um sentido de reparação dos prejuízos trazidos pelo processo de escravidão

e por uma abolição que não foi acompanhada por nenhuma forma de

compensação, como o acesso à terra. (ARRUTI, 2006, p. 68, grifos do autor).

Ao ler as Atas e Diários da ANC pude perceber que em determinados momentos

o termo quilombo aparece bastante vinculado ao passado; em outros, menos

mencionados, como proposta de uma sociedade diferente, “uma sociedade quilombola”.

Esses diferentes discursos são proferidos tanto pelos constituintes (que reiteram a

necessidade de diálogo com especialistas da temática/vozes autorizadas a tratar das

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questões de raça, preconceito e minorias, por exemplo), quanto pelos especialistas

(professores e pesquisadores), além dos próprios representantes das diferentes

organizações do Movimento Negro no país.

Nas demandas encaminhadas através das Emendas Populares e Sugestões (dos

cidadãos e dos constituintes e entidades) o tema também se faz presente. Se observarmos,

por exemplo, as demandas que versam sobre a questão fundiária deliberadas na

Convenção Nacional O Negro e a Constituinte10, realizada nos dias 26 e 27 de agosto de

1986, representadas na Sugestão 2.88611, temos o seguinte texto: “Será garantido o título

de propriedade da terra às comunidades negras remanescentes de quilombos, quer no

meio urbano ou rural”.

Na Emenda Popular PE00104-7/1P20773-8, que não foi apreciada no Plenário

pela quantidade insuficiente de assinaturas exigidas pelo regimento, consta um pedido de

acréscimo do seguinte artigo: “Fica declarada a propriedade definitiva das terras ocupadas

pelas comunidades negras remanescentes de quilombos, devendo o Estado emitir-lhes os

títulos respectivos. Ficarão tombadas essas terras bem como documentos referentes à

história dos quilombos no Brasil”.

Silva (1997) destaca que, durante o processo constituinte, as emendas populares

que não alcançavam o número mínimo de assinaturas, por volta de cem mil, podiam ser

subscritas e apresentadas por qualquer parlamentar. No caso do movimento negro,

algumas das ideias disponibilizadas via emendas populares não alcançaram o número de

assinaturas exigidas regimentalmente. Muitos movimentos sociais tiveram dificuldade de

trabalhar com essa “técnica legislativa” da coleta de assinaturas, dificultando o processo.

O texto apresentado pela Subcomissão de Negros, Populações Indígenas, Pessoas

Deficientes e Minorias, no que diz respeito aos remanescentes de quilombos, é bastante

semelhante ao texto da Emenda Popular apresentado acima. No entanto, essa redação

sofreu uma inversão dos termos, no Projeto B do Plenário, permanecendo praticamente o

mesmo desde o primeiro texto da Subcomissão até o Projeto A do Plenário. A mudança

na redação, visível no Projeto B, será a mesma no Projeto C e no Projeto D (texto final),

conforme apresento abaixo.

10Disponível em:

http://www.institutobuzios.org.br/documentos/CONVEN%C3%87%C3%83O%20NACIONAL%20DO%

20NEGRO%20PELA%20CONSTITUTINTE%201986.pdf Acesse em 02 de novembro de 2018. 11 Disponível em DANC (Suplemento), de 09 de maio de 1987, páginas 529 a 532.

http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-

cidada/o-processo-constituinte/sugestoes-dos-constituintes/arquivos/sgco2801-2900 Acesse em 02 de

novembro de 2018.

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Vejamos o percurso que o dispositivo fez até que ele se tornasse, na redação final,

o artigo 68 (ADCT). No quadro 3, abaixo, apresento os artigos que tratam do direito

destinado aos remanescentes de quilombos, em diferentes documentos, seguindo a

linearidade apresentada no site da Câmera dos Deputados, que tratam da Etapa 2

(Subcomissões Temáticas), especificamente da Subcomissão de Negros, Populações

Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias (VII-c)12.

QUADRO 3 - Etapa 2 – Subcomissões Temáticas

Subcomissão de Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias

Anteprojeto do

Relator (Fase A)13

Artigo 7º: O Estado garantirá o título de propriedade definitiva das

terras ocupadas pelas comunidades negras remanescentes dos

quilombos.

Emenda ao

Anteprojeto do

Relator (Fase B)14

Art. 7º (do capítulo Negros): O Estado garantirá o título de

propriedade definitiva das terras ocupadas pelas comunidades negras

remanescentes dos Quilombos e fica fixado como data nacional do

negro brasileiro o dia 20 de novembro, data do assassinato de Zumbi

dos Palmares

Substitutivo ao

Anteprojeto15

Art. 6º: O Estado garantirá o título de propriedade definitiva das terras

ocupadas pelas comunidades negras remanescentes dos quilombos.

Anteprojeto da

Subcomissão (Fase

C)16

Art. 6º: O Estado garantirá o título de propriedade definitiva das terras

ocupadas pelas comunidades negras remanescentes dos quilombos.

Fonte: Elaboração própria com base em dados retirados do site da Câmara dos Deputados.

Podemos ver que em todos eles a redação é igual e bastante similar ao texto

apresentado anteriormente, referente à Sugestão 2.886 (SGCO). O termo utilizado é:

comunidades negras remanescentes de quilombos. Com a diferença de que no texto da

Sugestão, destaca-se que se trata tanto das comunidades do meio urbano, quanto do meio

rural; no texto da Subcomissão, essa parte é subtraída. O quadro 4 trata dos artigos

presentes na Etapa 3 (Comissões Temáticas), pensando a Comissão de Ordem Social. O

texto presente no Substitutivo do Relator é o mesmo (assim como a numeração do artigo)

do texto do Anteprojeto da Comissão. Nele veremos que o texto é mais amplo, trazendo

12 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-

legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/o-processo-constituinte/comissoes-e-

subcomissoes/comissao7/subcomissao7c Acesso em 05 de novembro de 2018. 13 Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-196.pdf

Acesso em 05 de novembro de 2018. 14 Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-197.pdf

Acesso em 05 de novembro de 2018. 15 Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-198.pdf

Acesso em 05 de novembro de 2018. 16 Aprovado em 25.05.1987. Disponível em:

http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-200.pdf Acesso em 05 de

novembro de 2018.

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para além da emissão dos títulos às comunidades negras remanescentes de quilombos, o

tombamento destas ‘terras’ e dos documentos referentes aos quilombos no país.

QUADRO 4 - Etapa 3 – Comissões Temáticas/Comissão de Ordem Social

Substitutivo do

Relator (Fase F)17 e

Anteprojeto da

Comissão (Fase G)18

Art.107/Sessão I/Das Disposições Transitórias: Fica declarada a

propriedade definitiva das terras ocupadas pelas comunidades negras

remanescentes dos quilombos, devendo o Estado emitir-lhes os

títulos respectivos. Ficam tombadas essas terras bem como todos os

documentos referentes à história dos quilombos no Brasil. Fonte: Elaboração própria com base em dados retirados do site da Câmara dos Deputados

No Quadro 5, trazemos os textos presentes em 4 fases (I, L, N e P) da Etapa 4 -

Comissão de Sistematização. Neles a redação é igual ao texto final da Comissão de Ordem

Social (Art. 107), mencionado acima. Vejamos:

QUADRO 5 - Comissão de Sistematização

- Disposições Transitórias -

Anteprojeto de

Constituição

(Parte 1)19

Art. 497: Fica declarada a propriedade definitiva das terras ocupadas

pelas comunidades negras remanescentes dos quilombos, devendo o

Estado emitir-lhes os títulos respectivos. Ficam tombadas essas terras

bem como todos os documentos referentes à história dos quilombos no

Brasil.

Projeto de

Constituição20

Art. 490: Fica declarada a propriedade definitiva das terras ocupadas

pelas comunidades negras remanescentes dos quilombos, devendo o

Estado emitir-lhes os títulos respectivos. Ficam tombadas essas terras

bem como todos os documentos referentes à história dos quilombos no

Brasil.

Substitutivo 1 do

Relator21

Art. 38: Fica declarada a propriedade definitiva das terras ocupadas

pelas comunidades negras remanescentes dos quilombos, devendo o

Estado emitir-lhes os títulos respectivos. Ficam tombadas essas terras

bem como todos os documentos referentes à história dos quilombos no

Brasil.

Substitutivo 2 do

Relator22

Art. 36: Fica declarada a propriedade definitiva das terras ocupadas

pelas comunidades negras remanescentes dos quilombos, devendo o

Estado emitir-lhes os títulos respectivos. Ficam tombadas essas terras

bem como todos os documentos referentes à história dos quilombos no

Brasil. Fonte: Elaboração própria com base em dados retirados do site da Câmara dos Deputados

17 Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-185.pdf

Acesso em 05 de novembro de 2018. 18 Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-187.pdf

Acesso em 05 de novembro de 2018. 19 Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-219.pdf

Acesso em 05 de novembro de 2018. 20 Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-226.pdf

Acesso em 05 de novembro de 2018. 21 Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-235.pdf

Acesso em 05 de novembro de 2018. 22 Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-242.pdf

Acesso em 05 de outubro de 2018.

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Até aqui podemos ver que o termo presente é: comunidades negras remanescentes

dos quilombos. É interessante ressaltar que o texto do dispositivo é praticamente o mesmo

e este ocupa, durante quase todo o percurso, o espaço destinado às “disposições

transitórias”. Quando partimos para a etapa seguinte, a Etapa V (Plenário) há algumas

mudanças. Vejamos o Quadro 6:

QUADRO 6 - Plenário

- Disposições Transitórias -

Projeto A (Fase Q)23 Projeto B (Fase T)24 Projeto C (Fase V)25

Art. 25: Às comunidades

negras remanescentes dos

quilombos é reconhecida

a propriedade definitiva das

terras que ocupam, devendo o

Estado emitir-lhes os títulos

respectivos. Ficam tombadas

essas terras, bem como todos

os documentos referentes à

história dos quilombos no

Brasil.

Art. 75: Aos remanescentes

das comunidades dos

quilombos que estejam

ocupando suas terras é

reconhecida a propriedade

definitiva, devendo o Estado

emitir-lhes os títulos

respectivos.

Art. 68: Aos remanescentes

das comunidades dos

quilombos que estejam

ocupando suas terras é

reconhecida a propriedade

definitiva, devendo o Estado

emitir-lhes os títulos

respectivos.

Fonte: Elaboração própria com base em dados retirados do site da Câmara dos Deputados

No Quadro 6, referente à Etapa V (do Plenário) vemos que há uma mudança, não tão

clara no Projeto A, mas bastante nítida nos Projetos B e C, onde a parte do tombamento

das terras e documentos é suprimida e há uma inversão no termo: antes, comunidades

negras remanescentes de quilombos; agora, remanescentes das comunidades dos

quilombos, acrescida da expressão que estejam ocupando suas terras. Nesta mesma Etapa

V (do Plenário), temos um documento específico dos Atos das Disposições Transitórias26.

Tentarei ilustrá-lo no Quadro 7.

QUADRO 7 – Plenário - Atos das Disposições Transitórias

Projeto de Constituição Emendas do Centrão Emendas Individuais

Art. 25: Às comunidades

negras remanescentes dos

quilombos é reconhecida

a propriedade definitiva

das terras que ocupam,

devendo o Estado emitir-

lhes os titulas respectivos.

Art. 75: Aos remanescentes das

comunidades dos quilombos que

estejam ocupando suas terras é

reconhecida a propriedade

definitiva, devendo o Estado emitir-

lhes os títulos respectivos. Ficam

tombadas, após concluírem a

Emenda 2P00061-4 –

Eliel Rodrigues

(PMDB)/Emenda

Modificativa.

Dispositivo Emendado:

Art. 25, das Disposições

23 Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-251.pdf

Acesso em 05 de novembro de 2018 24 Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-299-

sup01.pdf Acesso em 05 de novembro de 2018. 25 Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-314.pdf

Acesso em 05 de novembro de 2018. 26 Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-275.pdf

Acesso em 05 de novembro de 2018.

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Ficam tombadas essas

terras, bem como todos os

documentos referentes à

história dos quilombos no

Brasil.

desapropriação e a indenização, na

forma de lei, essas terras, bem como

todos os documentos referentes à

história dos quilombos no Brasil.

Transitórias, do atual

Substitutivo (S3).

Suprima-se, do texto do

referido artigo, a sua

primeira parte, e dê-se

nova redação ao restante

texto do citado

dispositivo, de modo que o

mesmo assim se expresse:

Art. 25 _ Ficam tombadas

as terras das comunidades

negras, remanescentes dos

antigos quilombos, bem

como todos os

documentos referentes à.

sua história no Brasil. Fonte: Elaboração própria com base em dados retirados do site da Câmara dos Deputados

Podemos ver que na Emenda do Centrão temos um adicional: “após concluírem a

desapropriação e a indenização, na forma de lei”. Quando partimos para a redação final,

expressa na Etapa 6, Fase X, intitulado de Projeto D27. Vejamos o Quadro 8.

QUADRO 8 – Projeto D – Redação Final

- Disposições Transitórias -

Art.

68

Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras

é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos

respectivos. Fonte: Elaboração própria com base em dados retirados do site da Câmara dos Deputados

Arruti (2006) analisa a gênese do artigo 68 (ADCT) como uma construção jurídica

fruto do improviso e do impasse entre seus segmentos criadores no momento de sua

formulação.

É fundamental, porém, compreender que os formuladores da lei não

dispunham de elementos suficientes para prever seus efeitos criadores. A

intenção do legislador, fantasmagoria e recorrentemente citada nos textos de

hermenêutica jurídica, dificilmente pode ser reivindicada como chave de

compreensão dessa nova realidade. Ao tentarmos dar conteúdo sociológico a

essa suposta “intenção” no caso do “artigo 68”, encontramos pressupostos

obscuros e confusos, um conhecimento muito limitado da realidade que nele

se faria representar e uma discussão que, em momento algum, apontou para o

futuro, mas sempre para o passado. (ARRUTI, 2006, p. 67).

O mesmo autor nos apresenta dados significativos para a compreensão desse

impasse, análise que acredito ser bem coerente com a leitura das Atas e Diários da ANC.

Partindo da ideia divulgada por um constituinte integrante da Subcomissão de Negros,

27 Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-

316.pdf Acesso em 05 de novembro de 2018.

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Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias, “o artigo 68 dos ADCT teria sido

incorporado à Carta ‘no apagar das luzes’, em uma formulação ‘amputada’ e, mesmo

assim, apenas em função de intensas negociações políticas levadas por representantes do

movimento negro do Rio de Janeiro” (ARRUTI, 2006, p. 67).

Se analisarmos o percurso feito pelo dispositivo até a versão final nos ficam

muitos questionamentos, especialmente aquele que versa sobre o porquê da inversão do

termo quase que na reta final do processo. Arruti, Silva e tantos outros estudiosos da

temática estariam corretos em dizer que se trata de uma “formulação amputada”, no

“apagar das luzes”? Em análise do processo constituinte, através das Atas e Diários,

compreendendo as disputas e negociações presentes durante todo o processo, envolvendo

bancadas de diversos partidos e interesses diversos, cabe a nós entendermos os bastidores

de um cenário complexo e de diferentes vozes, que falam de diferentes lugares.

Considerações Finais:

Tomando como base o que foi exposto ao longo do texto é interessante destacar

que apesar de todas as discussões que vinham sendo feitas em torno das garantias

constitucionais direcionadas aos negros, a exemplo dos encontros realizados pelo

Movimento Negro no Maranhão; diante de uma Assembleia Nacional Constituinte que

pretendia discutir e garantir os direitos étnicos; e de toda uma expectativa em torno do

artigo 68, o que resultou foi: 1. Uma formulação ‘amputada’, fruto de intensas

negociações políticas do movimento negro naquele momento. (ARRUTI, 1997); 2. Um

direito fruto de um debate que não ocupou espaço de destaque no fórum constitucional,

talvez por que as elites acreditassem que se tratavam de casos raros, como o Quilombo

dos Palmares. (LEITE, 2002); 3. Um artigo que compôs as disposições transitórias com

a expectativa, por grande parte do Congresso Nacional, de que nunca fosse cumprida.

(FELDMANN, 1997).

Através das Atas pude perceber os constituintes mais participativos durante as

audiências públicas - aqueles que tratavam mais especificamente das questões do negro e

dos povos indígenas (a exemplo de Benedita da Silva e José Carlos Saboia), as

dificuldades de quórum para realização das reuniões, as bancadas e disputas de cada

partido, as críticas à imprensa - que dava maior cobertura e visibilidade a outras comissões

- dentre outras questões que demonstram as disputas e negociações que fizeram parte do

cenário da ANC e do processo de construção dos direitos diferenciados de cidadania no

Brasil.

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19

Mesmo após o amplo debate em torno do artigo, pós 1988, das regulamentações

do termo e do aumento do número de comunidades certificadas em todo o Brasil, o

principal desafio ainda continua sendo a garantia dos territórios através da titulação dos

mesmos. Passados 30 anos de promulgada a Constituição Federal de 1988, a maioria das

CRQ’s, a exemplo do Maranhão, sofre com a grilagem de seus territórios e com os

conflitos originados dessa situação.

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