descritores práticos para caracterização botânica de algumas

4
DESCRITORES PRÁTICOS PARA CARACTERIZAÇÃO BOTÂNICA DE ALGUMAS CULTIVARES DE MANDIOCA NO ESTADO DO CEARÁ Francisco Célio Guedes Almeida 1 Francisco Aécio Guedes Almeida 1 Paulo Rogério de Carvalho2 RESUMO A mandioca é uma planta que apresenta grande diversidade genética O sistema cruzado de polinizaçao, os processos sexual e assexual de propagaçao e a deiscência no campo de seus frutos sao as causas principais dessa diversificaçao Sua polinizaçao é cruza- da devido ao fenômeno da protogenia A caracterizaçao é uma das etapas do melhoramento genético vegetal, que visa eliminar as duplicidades e identificar tipos superiores dentro do Banco de Germoplasma Neste trabalho de caracterizaçao botanica, os seguintes aspectos foram considerados nome da cultivar, hábito de crescimento da planta, número e forma dos lóbulos da folha, cor da folha em brotaçao e do pecíolo e floraçao PALAVRAS-CHAVE: Manihot esculenta Cranlz, melho- ramento genético PRATICS DESCRIPTIONS FOR BOTANIC CHARACTERIZATION OF SOME CASSAVA CUL TIVARS IN CEARÁ STATE. SUMMARY The cassava plants present great genetical diversity among lhe known cultivars The cross pollination, lhe sexual and asexual reproduction, and dehiscence of theirfruits on field arethe main causes ofthisdiversification It shows a crossed pollination due to lhe dichogamy The botanical characterization been one of lhe steps of lhe plant genetical improvement, tries to eliminate lhe diversification and identifies superior types within a germoplasm banc In this caracterization work, lhe following aspect were considered lhe cultivar name, lhe grown habit, leaf lobule number,lobule form, tonality or colar of very young leaves, petiole colo r and flowering KEY WORDS Manihot esculenta Granlz, plant genetical improvement INTRODUÇÃO A mandioca usualmente se propaga vegetativamente, embora a produção de sementes ocorra naturalmente em alguns tipos daqueles que florecem e frutificam. Sendo uma planta de polinização cruzada e que apresenta frutos deiscentes, quando suas sementes atingem o solo e encontram condições favoráveis à sua germinação, originam novos tipos, com características diferentes daqueles paternais. Às vezes, esses novos tipos apresentam característi- cas superiores, sendo então selecionados para o plantio no ano seguinte, recebendo em geral uma denominação vulgar. Confor- me destaca LEITÃO FILHO3, são criadas numerosas cultivares desta Euforbiaceae, as quais recebem diferentes denominações vulgares nas diversas regiões de cultivo. Este aspecto, aliado ao fato de que as con- dições ambientais também podem ocasio- nar modificações morfológicas nas cultiva- res, faz com que uma mesma cultivar rece- ba diferentes denominações de acordo com o polimorfismo apresentado. A freqüente utilização de uma mesma cultivar, oriunda de diferentes regiões e com diferentes denominações populares, preju- dica sensivelmente os programasde melho- ramento. Segundo CONCEIÇÃO2, como os trabalhos de síntese de novos tipos assu- mem um papel relevante, o surgimento de novos tipos tendem a aparecer cada vez em número maior. Desta forma, de acordo com LEITÃO FILHO3, a uniformidade dos critérios para estudo das cultivares poderá superar os 1 Engenheiro Agrônomo; PhD; Professor da UFC Pesquisador do CNPq 2 Engenheiro Agrônomo, Pesquisador do CNPq. 18 Ciên Aaron. Fortaleza. 24(1/2) Dáa 18-21 Junho! Dezembro 1993

Upload: phungthu

Post on 10-Jan-2017

214 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Descritores práticos para caracterização botânica de algumas

DESCRITORES PRÁTICOS PARA CARACTERIZAÇÃO BOTÂNICA DE ALGUMASCULTIVARES DE MANDIOCA NO ESTADO DO CEARÁ

Francisco Célio Guedes Almeida 1Francisco Aécio Guedes Almeida 1

Paulo Rogério de Carvalho2

RESUMOA mandioca é uma planta que apresenta grande

diversidade genética O sistema cruzado de polinizaçao,os processos sexual e assexual de propagaçao e adeiscência no campo de seus frutos sao as causasprincipais dessa diversificaçao Sua polinizaçao é cruza-da devido ao fenômeno da protogenia A caracterizaçaoé uma das etapas do melhoramento genético vegetal, quevisa eliminar as duplicidades e identificar tipos superioresdentro do Banco de Germoplasma Neste trabalho decaracterizaçao botanica, os seguintes aspectos foramconsiderados nome da cultivar, hábito de crescimento daplanta, número e forma dos lóbulos da folha, cor da folhaem brotaçao e do pecíolo e floraçao

PALAVRAS-CHAVE: Manihot esculenta Cranlz, melho-ramento genético

PRATICS DESCRIPTIONS FOR BOTANICCHARACTERIZATION OF SOME CASSAVACUL TIVARS IN CEARÁ STATE.

SUMMARYThe cassava plants present great genetical

diversity among lhe known cultivars The cross pollination,lhe sexual and asexual reproduction, and dehiscence oftheirfruits on field arethe main causes ofthisdiversificationIt shows a crossed pollination due to lhe dichogamy Thebotanical characterization been one of lhe steps of lheplant genetical improvement, tries to eliminate lhediversification and identifies superior types within agermoplasm banc In this caracterization work, lhefollowing aspect were considered lhe cultivar name, lhegrown habit, leaf lobule number,lobule form, tonality orcolar of very young leaves, petiole colo r and flowering

KEY WORDS Manihot esculenta Granlz, plant genetical

improvement

INTRODUÇÃOA mandioca usualmente se propaga

vegetativamente, embora a produção desementes ocorra naturalmente em algunstipos daqueles que florecem e frutificam.Sendo uma planta de polinização cruzada eque apresenta frutos deiscentes, quandosuas sementes atingem o solo e encontramcondições favoráveis à sua germinação,originam novos tipos, com característicasdiferentes daqueles paternais. Às vezes,esses novos tipos apresentam característi-cas superiores, sendo então selecionadospara o plantio no ano seguinte, recebendoem geral uma denominação vulgar. Confor-me destaca LEITÃO FILHO3, são criadasnumerosas cultivares desta Euforbiaceae,as quais recebem diferentes denominaçõesvulgares nas diversas regiões de cultivo.Este aspecto, aliado ao fato de que as con-dições ambientais também podem ocasio-nar modificações morfológicas nas cultiva-res, faz com que uma mesma cultivar rece-ba diferentes denominações de acordo como polimorfismo apresentado.

A freqüente utilização de uma mesmacultivar, oriunda de diferentes regiões e comdiferentes denominações populares, preju-dica sensivelmente os programasde melho-ramento. Segundo CONCEIÇÃO2, como ostrabalhos de síntese de novos tipos assu-mem um papel relevante, o surgimento denovos tipos tendem a aparecer cada vez emnúmero maior.

Desta forma, de acordo com LEITÃOFILHO3, a uniformidade dos critérios paraestudo das cultivares poderá superar os

1 Engenheiro Agrônomo; PhD; Professor da UFC

Pesquisador do CNPq2 Engenheiro Agrônomo, Pesquisador do CNPq.

18 Ciên Aaron. Fortaleza. 24(1/2) Dáa 18-21 Junho! Dezembro 1993

Page 2: Descritores práticos para caracterização botânica de algumas

Macaxeira Preta, Madrugada, Olho Roxo,Pão do Chile, Pernambucana, Sutinga eUrubu.

Os parâmetros estudados se prende-ram à parte aérea da planta, procurando-seadotar classificações de fácil identificação,cuja distinção entre os vários tipos pudesseser feita apenas pela comparação visual.

O hábito de crescimento foi classifica-do em arboriforme e arbustiforme, de acordocom o porte e ramificações apresentadaspelas cultivares.

A folha, por ser um órgão da planta quese encontra sempre presente na sua fase dedesenvolvimento vegetativo, permite gran-des possibilidades de estudo. Quanto aosaspectos foliares, foram analisados à númeroe a forma dos lóbulos, a cor tanto das folhasem brotações como das folhas e do pecíolo.A observação dos caracteres lobares foi feitaquando as folhas apresentavam um máximodesenvolvimento vegetativo, ocasião em queas mesmas formavam um ângulo reto com ocaule. O número de lóbulos, segundo LEITÃOFILH03, é um caráter que mostra pequenavariação e tem grande validade nos trabalhosde caracterização botânica, entretanto, comoos fatores climáticos cond icionam a forma dasfolhas, é importante que seja feita uma clas-sificação também quanto à forma dos lóbulos.

A época de florescimento é uma carac-terística considerada secundária porROG~RS5, tendo validade apenas para olocal de sua observação. Entretanto,V ALERIAN06 encontrou nos aspectos florais,dados bastante significativos na separaçãodas cultivares. No presente trabalho, o tempode início da floração após o plantio tambémfoi considerado.

problemas de nomenclatura dos diversostipos de mandioca, bem como. avaliar asdiferenças morfológicas causadas pelosfatores ambientais. Com isto, é possível aeliminação de duplicidade de cultivares e aidentificação preliminar de tipos possuido-res de características superiores herdáveis.

O primeiro trabalho de caracteriza-ção botânica de cultivares foi feito porZEHNTER7, tomando por base de classifi-cação o modo de ramificação das hastes.NORMANHA & PEREIRA4 classificaram ostipos de mandioca em dois grupos, de acor-do com a liberação de ácido cianídrico pelasraízes, quais sejam: as variedades "man-sas" que são inócuas e as variedades "bra-vas" ou venenosas. Entretanto, ROGERS5citado por ALMEIDA 1, chegou à conclusãode que não é possível classificar as váriasespécies do gnero "Manihot" levando emconsideração apenas o princípio tóxico daplanta, tendo em vista tratar-se de umacaracterística genética quantitativa.

De acordo com CONCEIÇÃO2, a dis-tinção entre os vários tipos poderá ser feitaatravés de procedimentos práticos, adotadospor agricultores experientes, tais como:ader§1ncia do cortex, degustação, hábito decrescimento da planta e as modificaçõesapresentadas pelas raízes durante ocozimento.

Este trabalho visou à caracterizaçãobotânica de algumas cultivares de mandio-ca no Estado do Ceará, levando-se emconsideração apenas características da parteaérea da planta, com §1nfase no hábito decrescimento da planta, caracteres da folhae floração.

MATERIAL E MTODOSAs observações foram conduzidas na

Fazenda experimental Vale do Curu, nomunicípio de Pentecostes-CE e na UsinaPiloto de Álcool, em Caucaia-CE, utilizan-do-se plantas com 12 meses de idade, noespaçamento 1,00 X O,SOm.

Foram analisadas dez cultivares,com as seguintes denominações vulgares:Aciolina, Água Morna, Aipim Manso,Alagoana, Arrebenta Burro, Bujá, Cangaíba,Cruvela, Do Céu, Fio de Ouro, Guarani,

RESULTADOS E CONCLUSÕESPela classificação das cultivares quan-

to ao hábito de crescimento, observou-se apredominância pelo hábito arbustiforme,onde apenas as cultivares Água Morna,Cangaíba, Olho Roxo, Pernambucana eUrubu apresentaram hábito de crescimentoarboriforme.

O número de lóbulos apresentou pe-quena variação, confirmando as descriçõesde LEITÃO FILHO3. O maior número foi

19Ciên Agron., Fortaleza, 24 (1/2) pág. 18-21 Junho/Dezembro, 1993

Page 3: Descritores práticos para caracterização botânica de algumas

plantio, seguidas da cultivar Do Céu, com 90dias. As cultivares Aipim Manso, Alagoanae Manirainha apresentaram a floração de-corridos 120 dias do plantio, vindo a seguiras cultivares Bujá e Arrebenta Burro,. com150 e 180 dias, respectivamente. A floraçãomais tardia foi observada na cultivarMacaxeira Preta, vindo a ocorrer somenteapós 240 dias do plantio. As demais cultiva-res não floraram até o término da coleta dedados.

Com base na chave de classificaçãodescrita a seguir, torna-se mais fácil a sis-tematização dessas cultivares dentro de umBanco de Germoplasma, dispensando umaanálise mais detalhada, uma vez que, comocitado anteriormente, os caracteres diferen-ciais são de natureza prática e acessíveisem nível de campo.

CHAVE DE CASSIFICAÇAo PARA ALGUMASCULTIVARES DE MADIOCA ~10

ESTADO DO CEARÁ

1 Hábito de crescimento arboriformeHábito de crescimento arbustiforme.

2.6

2 Folha com cinco lóbulosFolha com sete lóbulos

Pernambucana

.3

3 Lóbulos de forma lanceoladaLóbulos de forma espatulada

.5

.4

4 Folha com nervura amarela ...Folha com nervura amarelo-róseo

5 Peclolo róseo Pecfolo amarelo

OlhoRoxo. .UrubuÁgua Morna

.Cangaíba

6 Folha com cinco lóbulosFolha com sete lóbulosFolha com nove lóbulos

7. ...8DoCéu

Arrebenta Burro...pao do Chile

Bujá

7 Peciolo amarelo Peciolo róseo Pecfolo amarelo-róseo

8 Lóbulos de forma lanceoladaLóbulos de forma espatuladaLóbulos de forma enguiada

910

Cruvela

9 Folhas em brotaçOes de cor verde

Folhas em brotaçOes de cor verde-róseoManirainha

Guarani

apresentado pela cultivar Do Céu, com 9lóbulos. As cultivares Arrebenta Burro, Bujá,Pão do Chile e Pernambucana apresenta-ram 5 lóbulos e as demais cultivares 7lóbulos.

Observaram-se três diferentes classi-ficações quanto à forma dos lóbulos, sendomais comum o tipo espatulado, que foi apre-sentado pelas cultivares Aciolina, AipimManso, Alagoana, Bujá, Do Céu, Fio deOuro, Macaxeira Preta, Madrugada, OlhoRoxo, Pão do Chile, Pernambucana, Sutingae Urubu. A forma enguiada somente foiencontrada na cultivar Cruvela. As demaiscultivares apresentaram lóbulos de formalanceolada.

Quanto à cordas folhas em brotaçães,as cultivares foram classificadas em: róseo,verde e intermediário (verde-róseo). A corrósea foi encontrada nas cultivares Aciolina,Cruvela, Sutinga e Urubu. As cultivares ÁguaMorna, Aipim Manso,Alagoana, ArrebentaBurro, Fio de Ouro, Macaxeira Preta, Ma-drugada, Manirainha e Pernambucana apre-sentaram as brotações com folhas de corverde. O tipo verde-róseo foi encontradonas cultivares Bujá, Cangaíba, DoCéu, OlhoRoxo, Guarani e Pão do Chile.

Na análise da cor do pecíolo e danervura das folhas, adotaram-se três classi-ficações, quais sejam: amarelo, róseo eamarelo-róseo. As cultivares Alagoana,Guarani, Macaxeira Preta, Pão do Chile ePernambucana apresentaram o róseo comotonalidade para o pecíolo e as nervuras. Acoloração amarela foi encontrada comu-mente nas nervuras e no pecíolo das culti-vares Arrebenta Burro, Cruvela e Fio deOuro. As cultivares Aciolina, Água Morna,Aipim Manso e Olho Roxo apresentaram opecíolo róseo e a nervura amarela. A nervura~marela e o pecíolo róseo foram encontra-dos nas cultivares Bujá, Cangaíba, Do Céu,Madrugada e Sutinga. A cultivar Manirainhaapresentou a nervura róseo e o pecíoloamarelo-róseo, ocorrendo o inverso na cul-tivar Urubu, ou seja, nervura amarelo-róseoe pecíolo róseo.

Pela floração, as cultivares mais pre-coces foram: Aciolina, Guarani e Pão doChile, iniciando a floração 70 dias após o

10 Folha com nervura amarela

Folha com nervura róseo

12

11

20 Ciên Agron, Fortaleza, 24 (1/2): pão 18-21 Junho/ Dezembrn 1 qq~

Page 4: Descritores práticos para caracterização botânica de algumas

11 Floraç30 até 150 dias do plantio AlagoanaFloraç30 após 150 dias do plantio Macaxeira Preta

12 Peclolo róseo 14Peclolo amarelo Fio de OuroPpcolnln "marelo-róseo 13

MadrugadaSutinga

13 Folhas em brotaçOes de cor verdeFolhas em brotaçOes de cor róseo

Aciolina

Aipim Manso

14 Floraçao até 100 dias do plantio

Floraçao após 100 dias do plantio

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. ALMEIDA, F. C. G. Pesquisas em Man-

dioca. Anais da V Reunião da ComissãoNacional da Mandioca. Sete Lagoas, 1971,p. 33-40.

2. CONCEiÇÃO, A. J. Caracterização Agro-nômica da Mandioca. In: CURSO INTEN-SIVO NACIONAL DA MANDIOCA, 1. Cruzdas Almas, BA, 1976. I Curso IntensivoNacional de Mandioca. Cruz das Almas,EMBRAPA-CNPMF, 1976, p. 135-155.

3. LEITÃO FILHO, H. F. CaracterizaçãoBotânica de Cultivares de Mandioca(Manihot esculenta Crantz). Anais do I

Encontro de Pesquisadores de Mandiocados Países Andinos e do Estado de São

Paulo. São Paulo, 1970, p. 13-29.4 NORMANHA, E. S. & PEREIRA, A. S.

Cultura da Mandioca. 2a. Ed., Campinas,Instituto Agronômico, 1964, 29 p. (Bole-

tim, 124).5.ROGERS, D. J. A computer aided

morphological clàssification of Manihotesculenta Crantz. Proceedings of the

International Symposium on TropicalRootsCrops. Trinidade 1 (1): 57-80,1967.

6. VALERIANO, C. Estudo Botânicoda Man-dioca. Boletim Instituto de Biologia. Bahia.

1:110-155,1954.7. ZEHNTNER, L. Estudo sobre algumas va-

riedades de mand ioca brasi leiras. Socieda-

de Nacional de Agricultura. 1919,122 p.

21Ciên Agron. Fortaleza. 24 (1/2) pág 18-21 Junno/nezembro 1993