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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X DESCONSTRUIR TABUS E PRECONCEITOS PARA CONSTRUIR A (COM)VIVÊNCIA COM AS DIFERENÇAS: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE DIÁLOGOS DE GÊNERO E DIVERSIDADE EM UM PROJETO DE EXTENSÃO NO IFPR DE IRATI-PR Thaysa Zubek Valente 1 Arthur Leonardo Costa Novo 2 Resumo: A escola está implicada na produção de corpos e sujeitos, atravessados por normas sociais que determinam padrões de conduta, sobretudo no que se refere às normativas de gênero. Partindo dessa problematização, esse trabalho consiste em um relato de experiência das atividades de um projeto de realizado com a colaboração de duas estudantes bolsistas do Instituto Federal de Educação do Paraná, Campus Irati, que teve como proposta orientadora o diálogo sobre os temas gênero e diversidade com estudantes de Ensino Médio e Fundamental de outra(s) escola(s). Para o presente relato, foi escolhido apenas um grupo de estudantes que participaram de cinco encontros organizados a partir das seguintes temáticas: “Gênero e Cotidiano”; “Lugares sociais (im)possíveis a homens, mulheres e sujeitos que não correspondem aos padrões heteronormativos”; “Violências de gênero”; “Sexualidade, prevenção a ISTs e gravidez precoce”; e um quinto encontro, de encerramento. Objetivamos, com esse relato, analisar os discursos movimentados pelas técnicas utilizadas e pelos diálogos travados entre os pares. Consideramos, ao final, que muitas(os) estudantes possuem ideias e posicionamentos conflitantes, entre uma perspectiva disciplinadora e conservadora e uma perspectiva crítica e aberta a mudanças, sobre as questões de gênero e diversidade, mantendo padrões de conduta transmitidos intergeracionalmente, de um lado, e propondo novos modos de pensá-los, de outro e ao mesmo tempo. Palavras-chave: Gênero. Sexualidades. Diversidade. Educação. Este trabalho é resultado da experiência de diálogos travados sobre os temas gênero e diversidade, e suas problemáticas, com um grupo de adolescentes que fez parte do projeto de extensão intitulado “(Des)construindo tabus e preconceitos para construir a (com)vivência com as diferenças: diálogos sobre gênero e diversidade na escola”. Esse projeto foi desenvolvido após aprovação pelo Edital n. 14/2015 da Pró-Reitoria de Extensão, Pesquisa e Inovação PROEPI do Instituto Federal do Paraná IFPR, no Campus Irati, com a participação de duas estudantes bolsistas do Ensino Médio, e envolveu mais de uma instituição de ensino da cidade. Para o presente relato, foi feito um recorte do trabalho realizado durante o ano de 2016, a fim de apresentar a análise dos discursos que circularam nos encontros. Apenas um grupo de adolescentes foi considerado, por ter sido esse a concluir a participação em cinco encontros previamente organizados dentro das seguintes temáticas: “Gênero e Cotidiano”, as desigualdades de 1 Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Psicóloga do Instituto Federal de Educação do Paraná Campus Irati. Irati-PR, Brasil. E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); doutorando em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Natal-RN, Brasil. E-mail: [email protected].

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

DESCONSTRUIR TABUS E PRECONCEITOS PARA CONSTRUIR A (COM)VIVÊNCIA

COM AS DIFERENÇAS: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE DIÁLOGOS DE

GÊNERO E DIVERSIDADE EM UM PROJETO DE EXTENSÃO NO IFPR DE IRATI-PR

Thaysa Zubek Valente1

Arthur Leonardo Costa Novo2

Resumo: A escola está implicada na produção de corpos e sujeitos, atravessados por normas sociais

que determinam padrões de conduta, sobretudo no que se refere às normativas de gênero. Partindo

dessa problematização, esse trabalho consiste em um relato de experiência das atividades de um

projeto de realizado com a colaboração de duas estudantes bolsistas do Instituto Federal de

Educação do Paraná, Campus Irati, que teve como proposta orientadora o diálogo sobre os temas

gênero e diversidade com estudantes de Ensino Médio e Fundamental de outra(s) escola(s). Para o

presente relato, foi escolhido apenas um grupo de estudantes que participaram de cinco encontros

organizados a partir das seguintes temáticas: “Gênero e Cotidiano”; “Lugares sociais (im)possíveis

a homens, mulheres e sujeitos que não correspondem aos padrões heteronormativos”; “Violências

de gênero”; “Sexualidade, prevenção a ISTs e gravidez precoce”; e um quinto encontro, de

encerramento. Objetivamos, com esse relato, analisar os discursos movimentados pelas técnicas

utilizadas e pelos diálogos travados entre os pares. Consideramos, ao final, que muitas(os)

estudantes possuem ideias e posicionamentos conflitantes, entre uma perspectiva disciplinadora e

conservadora e uma perspectiva crítica e aberta a mudanças, sobre as questões de gênero e

diversidade, mantendo padrões de conduta transmitidos intergeracionalmente, de um lado, e

propondo novos modos de pensá-los, de outro e ao mesmo tempo.

Palavras-chave: Gênero. Sexualidades. Diversidade. Educação.

Este trabalho é resultado da experiência de diálogos travados sobre os temas gênero e

diversidade, e suas problemáticas, com um grupo de adolescentes que fez parte do projeto de

extensão intitulado “(Des)construindo tabus e preconceitos para construir a (com)vivência com as

diferenças: diálogos sobre gênero e diversidade na escola”. Esse projeto foi desenvolvido após

aprovação pelo Edital n. 14/2015 da Pró-Reitoria de Extensão, Pesquisa e Inovação – PROEPI do

Instituto Federal do Paraná – IFPR, no Campus Irati, com a participação de duas estudantes

bolsistas do Ensino Médio, e envolveu mais de uma instituição de ensino da cidade.

Para o presente relato, foi feito um recorte do trabalho realizado durante o ano de 2016, a

fim de apresentar a análise dos discursos que circularam nos encontros. Apenas um grupo de

adolescentes foi considerado, por ter sido esse a concluir a participação em cinco encontros

previamente organizados dentro das seguintes temáticas: “Gênero e Cotidiano”, as desigualdades de

1 Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Psicóloga do Instituto Federal de

Educação do Paraná – Campus Irati. Irati-PR, Brasil. E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); doutorando em Antropologia

Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Natal-RN, Brasil. E-mail: [email protected].

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gênero presentes nas práticas cotidianas e nos processos de subjetivação; “Lugares sociais

(im)possíveis a homens, mulheres e sujeitos que não correspondem aos padrões”, no qual os

diferentes modos de construção dos corpos em função do gênero e os padrões de feminilidade e

masculinidade foram trabalhados; “Violências de gênero – as lutas pelo respeito e garantia da

manifestação da diversidade sexual”, no qual as bases de sustentação e os mecanismos de proteção

e segurança que podem garantir o direito das mulheres e da população LGBT foram discutidos, bem

como a desconstrução e reinvenção dos padrões de masculinidade ou da masculinidade hegemônica

nos quais se ancoram os processos de subjetivação dos meninos-homens; e, por fim, “Sexualidade,

prevenção a ISTs e gravidez precoce”, no qual abordamos a produção dos afetos e desejos, as

questões de orientação sexual e de exercício da sexualidade.

O método utilizado para a realização desta reflexão pautou-se nas técnicas de pesquisa

qualitativa, com instrumentos de registros das atividades, inspirados no uso dos recursos de diário

de campo e de observação participante, e com a gravação de áudio das falas das(os) participantes

para posterior análise dos materiais (Goldenberg, 1997). Identificamos, a partir desses registros, as

emergências e deslocamentos dos discursos produzidos a cada encontro, além de problematizar

como as(os) estudantes abordaram os temas, considerando quais as práticas e lugares sociais que

estas(es) aluna(os) sustentam ou deslocam na sua fala e, portanto, nas suas vivências – por onde

transitam as marcações de gênero e suas problemáticas dentro das relações sociais.

Valemo-nos de uma perspectiva histórica e política de gênero, na medida em que tal

perspectiva desnaturaliza as categorias unitárias e universais pelas quais se constroem

representações e referências do que é ser “homem” e do que é ser “mulher” (Marcon; Prudêncio;

Gesser, 2016) e pelas quais se justificam as práticas de discriminação, violência, exclusão e

marginalização. Assim, concordamos com a ideia de que

Problematizar as estratégias discursivas que naturalizam a heterossexualidade e

essencializam as performances de gênero, associando-as linearmente à ordem biológica do

sexo, visa à promoção da justiça social para quem vivencia a sexualidade e o gênero de

modo dissonante à matriz de inteligibilidade heterossexual, que configura atualmente o

padrão moral hegemônico. (...) O silêncio sobre a diversidade sexual e a naturalização da

heterossexualidade contribuem para a manutenção da lógica heteronormativa, demandando

estratégias discursivas afirmativas da diversidade sexual como valor social (LIONÇO;

DINIZ, 2008, p. 321).

A escolha pela escola, como lócus de pesquisa e intervenção, se deu em razão da sua função

como instituição que opera sobre os processos de subjetivação dos indivíduos que por ela transitam

e nela se formam, não apenas por meio da educação formal senão também das relações sociais (e

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relações de poder) que se estabelecem nesse ambiente, profundamente marcadas por questões de

gênero, classe social, raça-etnia, etc.

Nesse sentido, nas escolas, os sujeitos são frequentemente submetidos a práticas

disciplinadoras em lugar de emancipatórias (Louro, 2004). Práticas essas que são sustentadas por

discursos e relações de poder que modelam e regulam as condutas dos sujeitos de forma

substancialmente heteronormativa3 (Bento, 2011), reforçando as normas da heterossexualidade sob

diferentes formas para meninos e meninas (Louro, 1997). Isso porque a escola participa do controle

dos corpos e da produção de subjetividades engendradas pela sexualidade – entendida como

dispositivo (Foucault, 1988).

O que acontece muito frequentemente nas escolas é que esse parâmetro de normalidade, o da

heterossexualidade, produz práticas pedagógicas que reforçam as desigualdades de gênero, a

patologização e o preconceito para com as identidades ou expressões dissidentes, na medida em que

se baseiam em valores morais, religiosos e aos saberes biomédicos presentes no imaginário e na

condução das vidas das pessoas que integram a comunidade escolar (docentes, funcionárias/os,

colegas, famílias, etc), e que a sustentação da norma da heterossexualidade se dá também pelas vias

de captura dos sujeitos4 que fogem à norma, e são marginalizados (Marcon; Prudêncio; Gesser,

2016). Ressignificar essas formas de ver e compreender esses corpos-sujeitos compreende pautar a

sexualidade em uma perspectiva ético-política, pela qual se possa respeitar a autonomia e garantir o

respeito aos direitos humanos dos indivíduos na construção dos seus corpos e no exercício da sua

sexualidade.

Dito isso, visualizamos a escola como um espaço em que o heterossexismo e o machismo

são reproduzidos por meio de padrões de conduta disseminados nas práticas de pedagogização dos

corpos e sexualidades, e, portanto, de subjetividades. Mecanismos de silenciamento e dominação

simbólica dos sujeitos operam sobre os corpos a fim de que esses aprendam a conduzir-se, nas suas

expressões e nos seus afetos, de acordo com as normativas de gênero (Marcon; Prudêncio; Gesser,

2016; Junqueira, 2009; Louro, 1999).

As “brincadeiras” heterossexistas e homofóbicas (não raro, acionadas como recurso

didático) constituem poderosos mecanismos heterorreguladores de objetiva- ção,

3 A norma da heterossexualidade se pauta na essencialização da feminilidade e da masculinidade e no regime binário de

sexualidade, vinculados à determinação biológica dos corpos, e produz “identidades mutuamente excludentes e

cerceadoras das possibilidades de derivação passível de apropriação pessoal, social, cultural e histórica do feminino e

do masculino, por pessoas de ambos os sexos” (LIONÇO; DINIZ, 2008, p. 310). 4 “Isso quer dizer que é a partir da heterossexualidade, tomada como parâmetro da normalidade, que toda e qualquer

expressão da sexualidade é valorada. Configura uma norma, um princípio ordenador segundo o qual a pluralidade das

experiências sexuais é significada” (LIONÇO; DINIZ, 2008, p. 309).

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silenciamento (de conteúdos curriculares, práticas e sujeitos), dominação simbólica,

normalização, ajustamento, marginalização e exclusão. Essa pedagogia do insulto se faz

seguir de tensões de invisibilização e revelação, próprias de experiências do “armário”.

Uma pedagogia que se traduz em uma pedagogia do armário, que se estende e produz

efeitos sobre todos(as) (JUNQUEIRA, 2009, p. 484-485).

No entanto, ao mesmo tempo em que a escola contribui para a manutenção e reprodução de

relações de gênero que se valem da desigualdade de gênero, da normalização dos corpos e

subjetividades em padrões do que é considerado próprio do feminino, e das meninas/mulheres, e

próprio do masculino, dos meninos/homens, e corrigindo (por meio de punições, opressões ou

repressões) aqueles corpos-sujeitos que desviam – de modo mais ou menos explícito – da norma, as

escolas também são espaços por onde circula a diversidade, os modos plurais de existir pelos quais

os sujeitos se constituem e dentro dos quais resistem e querem ser reconhecidos. Para que essas

vidas possam ser vistas como vidas vivíveis5. Por essa razão é que “A vida escolar não se resume à

socialização formal de crianças e adolescentes, pois é também uma experiência potencial de revisão

e crítica de práticas sociais injustas e discriminatórias” (Lionço; Diniz, 2008), sendo a escola um

lugar potencialmente apto a promover a transformação social.

Essas ideias estão em consonância com algumas diretrizes pautadas em legislações

brasileiras que norteiam as políticas educacionais. Contudo, essas mesmas diretrizes têm sido

colocadas em xeque na atual conjuntura política legislativa, que conta com uma bancada religiosa

fundamentalista que confronta a perspectiva educacional de promoção e respeito à diversidade e

atua provocando retrocessos sobre os programas e as políticas inclusivas e afirmativas; seja na

formação docente, na garantia do acesso à educação pelo respeito à diversidade sexual e de gênero,

e na proposição de práticas educativas que trabalhem pela valorização e afirmação das diferenças e

contra todas as formas de violência que a elas se dirigem.

No Brasil, a função ético-política dessa instituição [a escola] – como determina a

Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 e os

Parâmetros Curriculares Nacionias (que prevêem as problematizações de gênero e diversidade

como temas transversais que devem ser tratados em todas as disciplinas escolares) – é a de acolher e

fazer conviver essa diversidade de modos de ser e sentir. Isso não consiste apenas em reconhecer a

existência e a legitimidade das experiências dos sujeitos que constroem suas identidades de gênero,

e vivenciam sua orientação sexual e sua sexualidade de maneira não-normativa, senão também

5 Toneli e Amaral (2011) abordam as políticas investidas no corpo a partir das normas de gênero (que circulam pela e se

produzem na sociedade, cultura e política) que produzem vidas vivíveis. Ao definirem parâmetros de existências

possíveis aos sujeitos – as vidas vivíveis – abjetas, essas mesmas normas produzem vidas sem valor, sujeitos abjetos, tal

como conceituados por Judith Butler.

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trazer para todas(os) nas escolas a discussão sobre as possibilidades múltiplas de estar no mundo,

por meio da inclusão das temáticas de gênero e diversidade sexual no ambiente escolar.

Por essa razão, acreditamos, como Graupe e Bragagnolo (2015), que a escola é um espaço

fundamental para discutir as desigualdades de gênero e outros temas relacionados a opressões em

nossa sociedade. É uma instituição capaz de fomentar as mudanças sociais necessárias, por

promover um espaço em que é possível o (re)conhecimento da existência de vários modos possíveis

de produção e manifestação das feminilidades e masculinidades, trabalhando para que todas sejam

respeitadas. Isso porque as escolas também são espaços para desconstrução e reconstrução de novas

formas de ser, sentir e estar no mundo, ao tensionar o instituído e desestabilizar as fronteiras e

demarcações que mantêm lugares normativos de existência e anulam potências de vida.

Os caminhos do projeto...

O projeto intitulado “Desconstruindo tabus e preconceitos para construir a (com)vivência

com as diferenças: diálogos sobre gênero e diversidade na escola”6 foi pensado, com inspiração no

Projeto Papo Sério (projeto de extensão desenvolvido pelo Núcleo de Identidades de Gênero e

Subjetividades da Universidade Federal de Santa Cataria), como meio de criar espaços de reflexão e

trocas de experiências sobre as temáticas em questão com estudantes de outras escolas do município

de Irati-PR. O objetivo central que conduziu as ações do projeto foi o de promover um novo olhar

para a formação dos sujeitos (estudantes), inserindo temas que fazem parte do seu cotidiano em um

espaço de diálogo mais crítico e reflexivo, de modo a desnaturalizar condutas e práticas

preconceituosas, opressoras e excludentes e promover a abertura à escuta das suas vivências,

entendendo que elas também são marcadas pela heteronorma, pelo machismo e pelas práticas de

violência em razão do gênero. Nesses diálogos, buscamos cruzar opiniões, posições, ideias e

valores, e tecer possibilidades de agir de modo mais respeitoso e acolhedor frente à diversidade

presente em si e no outro , afetando-se de modo transformador por ela.

A etapa de preparação das ações se deu mediante estudos teóricos, visita a escolas indicadas7

pelo Núcleo Regional de Educação (NRE) da Rede Estadual de Ensino8 do município, e

6 Financiado pelo Programa Institucional de Bolsas de Extensão (PIBEX) do IFPR. 7 Segundo a necessidade avaliada pela equipe do NRE, devido à presença de sujeitos que não correspondiam aos

padrões normativos de gênero no ambiente escolar e manifestações de vivências diversas da sexualidade, e o

conhecimento sobre práticas de violência e conflitos que ocorriam nessas instituições, além de dificuldades de o corpo

docente trabalhar com os temas.

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programação de cada encontro – conteúdos e técnicas. Todos os encontros foram construídos e

estruturados com um caráter dinâmico e participativo, com frequência semanal e duraram em média

1h e 30min a 2h cada um. Quanto aos instrumentos utilizados, recorreu-se a materiais audiovisuais,

imagens, frases (de discursos do dia-a-dia), notícias, relatos, Leis e Projetos de Lei, para

sensibilização e desencadeamento de debates e reflexões. Procuramos também construir uma

dinâmica horizontal da relação estabelecida entre os membros do grupo, sentando-nos sempre em

roda, no chão.

Para a análise de campo do presente trabalho, dos três grupos constituídos, fizemos o recorte

das ações realizadas com um deles apenas, uma vez que foi com esse que concluímos os cinco

encontros programados. De todos os encontros, participaram em média 18 estudantes de uma escola

da (variando, entre 14 e 15, em alguns, e somando 5 em outro; de séries diferentes), em sua maioria

brancas(os), oscilando o número de participantes a cada encontro, e o grupo foi acompanhado, em

todos os encontros, por uma funcionária do colégio que se prontificou a isso, de acordo com a

decisão da diretora pedagógica da instituição pela presença de um(a) responsável. A funcionária da

biblioteca da escola participou dos encontros, mas se manifestou apenas em alguns deles.

Re-olhar, re-visitar, tensionar o instituído...

As representações sobre o que é ser menino/homem e menina/mulher dentro dos padrões

heteronormativos, baseados também em padrão de masculinidade hegemônica, foram tratadas em

mais de um dos encontros, sendo movimentadas pelas técnicas utilizadas e suscitando relatos de

vivências experienciadas pelas(os) adolescentes. No primeiro encontro, ao utilizarmos frases

machistas e denotativas da desigualdade de gênero, presentes no cotidiano das relações sociais e na

relação de cada um(a) com o seu corpo, a representação do que se entende por “mulher”, no lugar

de um sujeito disciplinado pelos olhos e necessidades dos outros, compareceu nos discursos ao

serem comentadas as frases “Saindo de casa desse jeito, você não vai conseguir arranjar ninguém”

e “Hoje ajudei minha irmã/mãe/esposa na casa”, respectivamente:

8 O projeto foi encaminhado à aprovação da Secretaria Estadual da Educação do Paraná (SEED/PR), uma vez que a

ideia inicial era de realizar os encontros nas instituições estaduais de origem das(os) estudantes participantes e foi

negado pela Superintendente da Educação. Acredito que esse posicionamento faz parte da reação em cadeia iniciada

com a exclusão dos termos “gênero” e “sexualidade” dos Planos de Educação (Nacional, Estadual e Municipal), em

2015,que é resultado da expressividade do movimento que se expandiu nacionalmente em 2014 contra o que se

denominou “ideologia de gênero”, articulado por entidades e lideranças religiosas católicas e evangélicas com o apoio

político conquistado nas Câmaras Municipais de Vereadores e Assembleias Legislativas Estaduais, assim como no

Congresso Nacional (Costa Novo, 2015).

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Sempre as pessoas pensam que têm que ser em prol de alguém. Tipo, por que você não

pode sair de casa do jeito que você se sentir bem? Por que tem que ser pra alguém e não pra

você mesma? (...) Por que sempre tem que arranjar alguém?! Como se a principal questão

fosse você arranjar um namorado, ou ficar bonita para a sociedade, pra se sentir bem.

(...) eu me sinto sobrecarregada de atividades em casa. (...) então, eu preciso ser filha,

porque eu tenho uma mãe, eu preciso ser esposa, amante, eu preciso ser profissional... (...)

(...) É coisa de mãe, mas eu me sinto sufocada (comentário da funcionária que

acompanhava o grupo de estudantes).

O que se desenha nestes discursos é a imagem de uma mulher que está mais direcionada aos

olhares dos homens e da moral social vigente, e ao cuidado dos outros, em detrimento do cuidado

de si (o que leva a se sentir “sufocada”), estando esse cuidado associado às marcações sociais a que

deve responder cotidianamente, sendo sobrepostos seus papeis de mulher-mãe-esposa-trabalhadora.

Outra representação que se dá a ver é aquela de que pra se sentir bem, a mulher deveria

corresponder a algumas normas sociais, quais sejam: a de ser bonita e a de ter um parceiro, homem.

Supõe-se também aí o projeto de vida que se espera de uma mulher: de preferência, casar-se, cuidar

dos afazeres domésticos, e, melhor ainda, para as normas sociais tradicionais, ter filhos.

O disciplinamento do corpo da mulher pelo olhar do outro, seja ele a moral do social, ou do

homem, pai ou marido, foi recobrado no segundo encontro9, pelos seguintes relatos:

(...) eu tinha a vontade de cortar meu cabelo bem curtinho (...) só que o meu pai é muito

machista (...) e ele não aceitava, de jeito nenhum.

Do lado da minha casa tem um bar; a minha casa fica atrás. Tipo, a gente não pode usar

calção porque vai se mostrar pros homens que passam ali. (...) Porque parece que a gente

está fazendo outra coisa. (...) Como que a gente vai se sentir bem usando as roupas que os

outros querem? (...) Eu tinha que ir trocar de roupa porque me olhavam diferente.

Há aqui uma negação do uso que a mulher pode fazer do próprio corpo, o que se repete, não

apenas nas relações com o pai, ou parentes próximos, mas pode se reatualizar com futuros

parceiros, que tolhem a liberdade e autonomia da mulher ao dizerem o que deve ou não vestir, como

deve ou não se comportar, com quem deve ou não estabelecer relações próximas, quando pode ou

não pode sair etc. E uma rigidez moral nas repreensões (que acontecem na família, na escola, e em

outros espaços de convivência social), apontando desvios destes corpos e subjetividades que

experimentam o que é fixado como masculino e o feminino, dentro de uma determinada cultura

(costumes e tradições), mesmo que esses sujeitos permaneçam identificados dentro de posições

binárias de gênero.

9 Quando as(os) estudantes responderam, em uma folha de papel, às seguintes perguntas: “O que você já deixou de fazer

por ser mulher/homem?” e “O que você sente que deve fazer por ser homem/mulher?”

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A crítica às violências praticadas contra a população LGBT fizeram-se no primeiro e terceiro

encontro (quando as fobias de gênero foram tratadas por meio da discussão de reportagens e casos

noticiados), quando a representação que tem o gay no imaginário social é contrastada na resposta à

seguinte frase “Um viadinho brasileiro foi espancado, aí é que está o erro, ele deveria ter sido é

morto, acabe com a AIDS, mate um gay” por duas estudantes e um estudante, respectivamente:

É como se voltasse a culpa de algo ruim à pessoa, só porque ela é o que é. (...) Não é só

porque a pessoa é do jeito que é que algo ruim vai ter.

Também tem essa de... que hétero se envolve menos... que os homossexuais se envolvem

com todo mundo, por isso têm mais doenças... (...) E...é transmitido do mesmo jeito...

As mães não aceitam também e falam que é só um cara pegar que ela [menina/mulher

lésbica] vai gostar (...) Você tem que virar mulher, porque você foi feita assim, você tem

que ter filhos...mas ela não quer aquilo.

Esses discursos revelam o modo corretivo com que se tende a lidar com aqueles sujeitos que

desviam das normas sociais, e um modo de exercer a ameaça ou provocar o medo naqueles que

puderem vir a se tornar desviantes ou viverem experiências semelhantes, ou mesmo que podem

entrar em contato, em relações cotidianas, com pessoas que vivem com o vírus HIV – o que leva à

discriminação e exclusão social.

Sobre a violência contra a mulher, um estudante se posiciona:

(...) geralmente, a violência acontece na casa ou no casamento (...) a mulher quer ter mais

direitos, quer trabalhar, quer ter estudo...e o marido prende ela dentro da casa, porque ela

não pode fazer, porque ela é mulher. (...) Geralmente, a mulher não tem coragem de

denunciar o marido porque tem medo do que vai acontecer com o marido...ah, ele vai ser

preso, e, consequentemente, “Eu tenho filhos e não vou poder criar”, aí ela fica presa

naqueles pensamentos dela “Ah, eu vou denunciar, ou então, eu vou aguentar”...então,

acontece a morte.

O que se expõe, a partir desse discurso, é a caracterização da violência de gênero como

violência que é praticada contra a mulher simplesmente por ser ela uma mulher e, por essa razão,

estar enredada numa construção de lugar social e de relacionamentos sustentadas pela ideologia

machista. O estudante retrata, também, a realidade de vida de muitas mulheres, que têm a sua

liberdade cerceada e os direitos limitados em relações abusivas que perduram – não sem sofrimento

– dentro de uma complexa trama de outras relações que dificultam o rompimento e que podem levar

até mesmo à morte – o feminicídio, mas também à morte simbólica de mulheres que se perdem

como sujeitos de suas próprias vidas.

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Os casos de violência contra travestis e transexuais10, que deveriam ter sido tratados por um

grupo de estudantes formado exclusivamente por meninos, não foram discutidos devido ao

desinteresse e descomprometimento do grupo com essa proposta, negando-se a fazer essa discussão.

Percebemos que a grande resistência frente a essa temática, demonstra não apenas os efeitos da

banalização da violência e da destruição dessas vidas, mas o modo como meninos constroem sua

masculinidade a partir da marcação normativa do gênero, distanciando-se de tudo o que é

considerado feminino, até mesmo com repulsa e violência. A heterossexualidade obrigatória opera

pela exclusão ou obnubilação daquilo que há de feminino no homem e de masculino na mulher,

provocando o distanciamento (“divisão rígida de personalidade”) das características que os

aproximam (Rubin, 1993). Além disso, para entender a violência contra pessoas transexuais, é

preciso necessariamente olhar para o lugar que a nossa sociedade dá ao feminino e às mulheres.

No quarto encontro, nos valemos de uma dinâmica na qual, em cada canto da sala foi fixada

uma folha de cartolina com as seguintes respostas: “Concordo”, “Discordo” e “Não Sei”. As(os)

participantes, ao ouvir os enunciados lidos, escolheram em qual lado se posicionar, como melhor

refletia sua opinião. Nesse encontro, algumas reflexões foram feitas sobre a autonomia da mulher

quando da decisão de práticas sexuais dentro de relacionamentos amorosos, a liberdade sexual

feminina conquistada e o desejo pela manutenção da virgindade como valor instituído pelo

casamento, e o lugar da mulher (e do homem) na relação com a gravidez (maternidade/paternidade)

e as práticas abortivas; reflexões essas que se deram a partir das frases “Se o meu namorado me

pedir para ter relações sexuais com ele, devo aceitar para provar o meu amor”, “Pra fazer foi fácil,

criar (o bebê) agora não quer né?!” e “Se não quer ter filho feche as pernas”, e resultaram nos

seguintes posicionamentos:

Eu discordo, porque a pessoa é livre pra fazer o que ela quiser, namorado nenhum vai

obrigar ela fazer algo que não queira. (Menino)

Porque eu vou casar pura (...) que eu não vou aprontar antes da lua de mel; o que eu aprendi

com a minha vó (Menina)

Eu acho que até um tempo atrás tinha uma noção de que todas as mulheres tinham que

casar virgem, só que hoje em dia cada um é livre pra escolher (Menina).

No caso de uma gravidez indesejada, eu acho que eu sou a favor da legalização do aborto.

(...) É porque, muitas vezes, a mulher acaba não tendo esse apoio, do marido, da família...

(Menina 1)

10 Que dizem respeito a uma população que não dispõe de nenhum dispositivo legal para atender às suas demandas de

acesso à identidade e apenas recentemente passou a ser contemplada nas políticas de saúde do SUS, com a publicação

da Portaria nº 2.803, de 19 de novembro de 2013.

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Eu não sou. Porque, assim, tem hoje.. .orfanato, tem essas coisas... APAE, têm centros de

especialização em deficiências, tipo... não sei, é uma vida também. (...) Eu já penso assim...

se ela não tem apoio, ela espera a gravidez, ganha neném e dá pra adoção. (Menina 2)

Esses assuntos revelaram posicionamentos machistas sobre a gravidez, como se essa fosse

uma responsabilidade exclusiva da mulher, como também apontaram para a desigualdade de

tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao exercício da paternidade e maternidade,

diante do qual, também a mulher que gere deve (moral e socialmente) se responsabilizar,

independente da falta de apoio ou de condições psíquicas que a sustem, podendo o homem não

cumprir com a sua função e se retirar desse lugar.

Nesse encontro também, a forma como as/os estudantes expuseram seu entendimento sobre

“o que é ser lésbica ou gay” variaram entre representações que se justificam pela escolha

autodeterminada, por um suposto determinismo biológico e pela patologização da

homossexualidade e da transexualidade11, ainda presente em muitos discursos médicos,

psiquiátricos, que a mídia, por exemplo, faz circular e legitima. E circularam representações sobre o

casamento e família, os direitos civis de casais homossexuais, a hiper-erotização do corpo

homossexual (ou de pessoas LGBTs) e o mito de que casais homossexuais educam suas filhas/seus

filhos de modo a leva-los a se entender como homossexuais.

O primeiro ponto que se destaca é a vinculação que se faz do casamento como uma união

pela qual, necessariamente, um casal (hetonormativo ou não) deverá decidir, em algum momento,

ter filhas(os), constituir uma família nessas bases. O segundo, é que a família, independentemente

se corresponde à norma heterossexual, é compreendida dentro dos limites da heteronorma: sempre

haverá um papel masculino/de homem a ser desempenhado, e sempre haverá um papel feminino/de

mulher a ser desempenhado, representação essa que é aparentemente questionada por um menino

que afirmou “Ele vai ter dois pais”.

O quinto encontro foi realizado com uma proposta de encerramento do projeto por meio de

uma oficina de cartazes. Os cartazes contemplaram os seguintes temas: a desconstrução de tabus

provocada pela diversidade de gênero ou a desestabilização dos padrões normativos de gênero (sua

expressão e construção identitária); a desigualdade presente nas relações de gênero e também

11 É preciso ressaltar que a homossexualidade já não é mais considerada patologia para a OMS desde 1990, quando foi

publicada a última versão do Código Internacional de Doenças (CID-10), na qual o termo “homossexualismo” foi

excluído. Porém, a transexualidade ainda é efetivamente considerada uma patologia, constando como “transtorno de

identidade de gênero” no CID-10 e servindo, inclusive nos laudos que fazem parte dos trâmites de autorização das

cirurgias de transgenitalização realizadas pelo SUS. A grande luta dos movimentos trans hoje é justamente a

despatologização; luta que também vendo sendo travada pelas(os) profissionais da Psicologia, por meio da

representação do Conselho Federal de Psicologia, mantendo uma postura ética (respaldada pelo Código de Ética

Profissional) que não coaduna com a legitimação dessa classificação diagnóstica.

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gerada por outras marcações sociais (como a de raça-etnia); e a violência contra as mulheres, a

erotização e objetificação do corpo feminino.

Considerações finais

Como relatado neste trabalho, inserir as discussões sobre gênero e sexualidades no espaço

escolar, fazendo circular os problemas que essa temática envolve, não é um processo tranquilo ou

fácil. Os entraves são dos mais variados, e advém de lugares distintos. Mas também é um trabalho

que revela o quanto se tem a dizer sobre o tema. Por meio da realização dos encontros descritos,

construímos espaços de troca de reflexões a respeito de vivências particulares das(os) estudantes e a

respeito das problemáticas que envolvem outros sujeitos que têm suas vidas marcadas por

condições de desigualdade de gênero e por práticas de violência. Nesse processo, observamos e

compreendemos as nuances, presentes nos discursos, entre a naturalização de padrões de conduta e

de práticas reproduzidas dentro do sistema binário e das tecnologias que sustentam a

heterossexualidade compulsória pela qual os sujeitos são constituídos, e o questionamento desses

padrões e condutas a partir de uma perspectiva mais emancipadora e libertária.

Acreditamos que os diálogos e trocas podem reverberar e se estender a outras relações e

vivências das(os) adolescentes, desestabilizando, de algum modo, o instituído, e dando espaço à

reinvenção das relações de gênero desde um lugar que privilegie relações mais justas, equânimes e

respeitosas, pelas quais possam aprender mas também serem afetadas(os), transformadas(os), pelas

diferenças.

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Acesso em: 23 de junho de 2017.

Deconstruct taboos and prejudices to build a dialogical-experience within differences: an

experience report from dialogues on gender and diversity in an extension project from IFPR-

Irati

Astract: Schools are directly involved in the production of bodies and individualities, influenced by

social norms which determine standards of conduct, mainly with regard to gender norms. With this

issue as a starting point, and based on the poststructuralist perspectives of Gender Studies, the

present work consists of an experience report from an extension project entitled, conducted with the

collaboration of two scholarship students from the Federal Institute of Education of Paraná, Campus

Irati. As a guiding proposal, the project was based on dialogues over gender and diversity with High

School and Elementary School students from different institutions. For the present report, only one

group of students was chosen; they participated in four meetings, which posed the following

themes: "Gender and Daily Life"; "(Im)possible social positions for men, women and individuals

that do not correspond to heteronormative patterns "; "Gender-based violence"; "Sexuality,

prevention of STIs and early pregnancy. The objective of this report is to analyze discourses that

were put in movement by different techniques and the dialogues between peers.. In the end, we

concluded that many students have conflicting ideas and positions, from a disciplinary and

conservative perspective to a critical and open-minded idea of change; gender and diversity issues

on an intergenerationally transmitted patterns of conduct, on the one hand, and new ways of

thinking about these ideas, on the other hand.

Keywords: Gender. Sexualities. Diversity. Education.