(des)caminhos entre
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
LEANDRO BARRETO DUTRA
NOS (DES)CAMINHOS ENTRE CINCIAS BIOLGICAS E ARTES
CIRCENSES E LINGUAGENS E CONHECIMENTOS E FORMAES DE
PROFESSORES E... E... EM AUTOPRODUES ALEGRES
JUIZ DE FORA 2015
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LEANDRO BARRETO DUTRA
NOS (DES)CAMINHOS ENTRE CINCIAS BIOLGICAS E ARTES
CIRCENSES E LINGUAGENS E CONHECIMENTOS E FORMAES DE
PROFESSORES E... E... EM AUTOPRODUES ALEGRES
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-graduao em Educao, rea de concentrao: Linguagem, Conhecimento e Formao de Professores, da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial para obteno do grau de Mestre. Orientadora: Prof. Dr. Margareth Aparecida Sacramento Rotondo.
JUIZ DE FORA 2015
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Dutra, Leandro Barreto.
Nos (des)caminhos entre Cincias Biolgicas e artes circenses e linguagens e conhecimentos e formaes de professores e... e... Em autoprodues alegres / Leandro Barreto Dutra. 2015.
126 f.
Dissertao (Mestrado em Educao)Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2015.
1. Linguagens. 2. Educao. I. Ttulo.
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LEANDRO BARRETO DUTRA
NOS (DES)CAMINHOS ENTRE CINCIAS BIOLGICAS E ARTES
CIRCENSES E LINGUAGENS E CONHECIMENTOS E FORMAES DE
PROFESSORES E... E... EM AUTOPRODUES ALEGRES
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao, Faculdade de Educao da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial para obteno do Ttulo de Mestre em Educao. rea de Linguagem, Conhecimento e Formao de professores.
Aprovado em
BANCA EXAMINADORA
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Profa. Dra. Margareth Aparecida Sacramento Rotondo - Orientadora (Universidade Federal de Juiz de Fora)
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Profa. Dra. Ktia Maria Kasper (Universidade Federal do Paran)
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Profa. Dra. Snia Maria Clareto (Universidade Federal de Juiz de Fora)
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Profa. Dra. Maria Helena Falco Vasconcellos (Universidade Federal de Juiz de Fora)
JUIZ DE FORA 2015
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minha famlia. A vocs o meu eterno
agradecimento.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, por que sem Ele eu nem estaria aqui. Foi Ele quem me
escolheu e quem me sustentou em vida. Que trazia sempre bons encontros
para que a vida pulsasse em mim e que nos momentos difceis me
fortaleceu em alegria para que pudesse, revigorado, partilhar o viver com
sabedoria de poder, com Ele, selecionar os encontros. Gratido.
A minha famlia, por me apoiar o tempo todo. Ajudando-me a afirmar
a vida enquanto potncia e singularidade. Firmando meus ps na rocha,
onde no sou confundido. Me, pai, irmo, irm, cunhado, e Mateus (o ser
mais risonho e carinhoso que alegra nossa famlia) gratido pelo cuidado.
Aos meus amigos pela compreenso, conhecimento compartilhado e
incentivo. Em especial ao Henrique Sagave, amigo-irmo-palhao que
ganhei na estrada e que me ajudou tambm nas leituras e produes
acadmicas.
Margareth, orientadora, que soube caminhar comigo durante o
processo. Soninha, lder do Travessia Grupo de Pesquisa, que sempre
com um sorriso no rosto, me recebia carinhosamente, mesmo em situao
inspidas. Nina que me acolheu e me incentivou no mestrado, dando-me
abraos apertados, palavras carinhosas e respiraes profundas. Aos
professores da FACED que me ajudaram e estiveram comigo durante a
trajetria, em especial Cris Flr, com seu jeito terno e querido, me abriu
horizontes alegres e possveis na Cincia. Ao Guilherme Trpia que,
durante o mestrado, me deu apoio com suas palavras, caminhou comigo
em produo e me fez lembrar o quanto bom ser professor. A Cludia
Avellar, que tambm esteve presente, me dando oportunidades para
despertar noes de curiosidade e ludicidade na Cincia. A Ktia Kasper,
pela leitura delicada, aberta e sensvel da qualificao do mestrado e
pelas belas orientaes de caminhos possveis neste percurso at a
dissertao. Minha sincera gratido!
As professoras e amigas do Mutiro da Meninada do Vale Verde:
Maria Helena, Cludia Toledo, Maria Ins, Ana Lcia e Gabriela Machado
que me ensinaram tanto... Deram-me oportunidade de vivenciar o Vale
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Verde e as mltiplas educaes de forma marcante, alegre e viva! Admiro o
trabalho no Vale.
A todo o Mutiro da Meninada do Vale Verde, essas crianas que
inventam alegremente modos de viver. Que me surpreende tanto com seus
modos habilidosos de estar comigo. Essa meninada me deu goles de
sade. Fica minha gratido em especial aos participantes das atividades
circenses. Vocs me ensinaram muito.
Agradeo o apoio financeiro com a bolsa de estudos a CAPES e ao
apoio do PPGE/FACE/UFJF.
Enfim, a todos que de alguma forma estiveram comigo nessa
trajetria que est para alm da academia... uma histria e tanto.
Gratido.
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RESUMO
Aprender como um exerccio potente com a vida. Aprender a aprender no
processo de viver. Usar a alegria como trilha de aprendizagens. No havendo
ttulos e nem chefes. Amar como proposta: amor fati. Todo conhecimento se d
no corpo. Fica-se apavorado, certamente. potico demais! utpico! Mas
segundo Eduardo Galeano, a utopia nos faz caminhar! Caminhemos! Nessas
trilhas em invenes de formao de professores, a discusso da Cincia permeia
a escrita. A tentativa de inventar cincias e modos de se viver na resistncia pela
alegria o que move esta dissertao e para alm dela, move a vida potente de
quem ousa sonhar perigosamente com outros mundos possveis. Augusto Boal
nos dirige em sonhar quando diz que ns atores temos essa responsabilidade de
inventar outro mundo, porque no fundo sabemos que outro mundo possvel.
Acreditemos! Nessas trilhas de mestrar: fiz-me aluno e professor. Artistar aluno.
Artistar professor. Num exerccio contnuo. O palhao foi chamado para professar
a alegria da criana que vibra no presente. O palhao que improvisa, que joga,
que brinca, para nos ensinar a aprender com, a inventar com. O palhao como
professor dos professores. Ri dos medos e de suas ignorncias. Ele que sempre
est em relao, em jogo, vem alegre posicionarmo-nos em outra esfera de
acontecimentos. Nesses imprevistos da vida, s o improviso d conta
provisoriamente do inesperado. Tudo que se quer improvisar bem. Isso
exerccio. s vezes se acerta... mas, o treinar questo fundante.O convite para
a leitura desta dissertao pensar outras biologias possveis, outras relaes
entre professor-aluno, outros modos de resistir s intempries e inventar-se outra
coisa! Exercitar num nevoeiro povoado em conversaes, numa pea teatral junto
s metamorfoses nietzschianas e numa autobiografia presenada foram os modos
arranjados para dar conta do problema, tambm, inventado: O que se pode fazer
para se autoproduzir alegremente? A contao de histrias que se faz neste
mestrado tenta responder essa questo eterna. S tenta, outras respostas so
possveis. Se quer inventar mtodos improvisados e singulares que servem para o
presente e s.
Palavras-chave: Formaes de professores, Cincias Biolgicas,
Invenes.
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ABSTRACT
Learn with life as a powerful exercise. Learning and learning in the living
process. Use happiness as a path of apprenticeships. With no titles neither
bosses. Love with a purpose: fati love. All the knowledge occurs in body. It
gets certainly terrified. It is too much poetic. It is utopian! But according to
Eduardo Galeano, the utopia makes us walking! So, lets walk! In those tracks
of teachers formation, the discussion of science permeates writing. The trying
of inventing sciences and ways of living in the resistance of joy is what drives
this thesis and far from that, it drives the powerful life of who dares
dangerously to dream with other possible worlds. Augusto Boal guides us to
dream when he says that we, the actors have the responsibility of inventing
another world, because we know that another world is possible indeed. Lets
believe! On these tracks of teaching: I was a student and a teacher. An artist
student.An artist teacher.In continuous exercise. The clown was called to
profess the happiness of child which vibrates in the present. A clown who
improvises and plays, to teach us with, to invent with.A clown as a professor of
teachers. That laughs from his fearsand ignorance.He, who is always in
relation to, in the game, joyfully comes to position ourselves in another sphere
of events. In this unforeseen life, only improvisation gives provisionally
account of unexpected. All that is wanted is to improvise well. It is exercise.
We sometimes do it rightbut, the training is fundamental. The invitation to
the reading of this essay is to think about another possible biology, other
student-teacher relations, and other ways to resist bad moments and invent
other things! To exercise in a crowded talk, in a play with the nietzchianians
metamorphosis and in an autobiography, those were the ways to handle with
the problems, also invented: What we may do to happily produce ourselves?
The stories telling we do in this master try to answer this eternal question. It
only tries to, another answers are also possible. So invent makeshifts and
singular methods which serve for the present and just it.
Key words: teachers formation, biological science, inventions.
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LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 Quando eu subo no tesido eu sinto muito ben mas o tesido e muito legau tesido muito bom demais......................................................................76
Figura 1 - O tecido e bonito mais e um poquino difcio...................................76
Figura 2 - Acho o Tecido uma coisa legal a pesar que as vezes da um pouco de medo. Assi: Lorena....................................................................................76
Figura 3 - ANDR Eu gosto do tecido doi os meus braos e minhas pernas.77
Figura 4 - ALLAN: O tecido dificil mas eu consegui.....................................77
Figura 5 - Tecido: uma coisa boa ensina a gente vira mortal. Alexandre Gomes Fonseca.............................................................................................78
Figura 6 - EL AMO TECIDO...........................................................................78
Figura 7 - Amaio parte e diFicio mais de pois que pega o geito e rapido e muito legal a iz que eu sei realeza. Anderson.............................................79
Figura 8 - Eu achei muito bom fcil. Leonardo............................................79
Figura 9 - Jean. Eu achei muito interessante porque muito bom. E maneiro...........................................................................................................79
Figura 10 - Legal e no di! maneiro! LUIZ ANDR....................................80
Figura 11 - CAMILE. eu gostei do tesido mas quando eu estou no tesido eu sinto muito bom de mais. tesido e muito legou...............................................80
Figura 12 - A gente acha que no sabe, que no vai conseguir, mas quando a gente sobre a gente faz um monte de coisas. A gente inventa outra coisa quando a gente no sabe. Sinto que estou no palco! Sempre quando a gente sobre no tecido tem mais imaginao! Gostei muito de apresentar e queria mais uma vez..................................................................................................81
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SUMRIO
1 CONVERSAS INVENTIVAS....................................................................12 2 PEA TEATRAL......................................................................................58 3 UM CONTO BIO.......................................................................................99 4 REFERNCIAS......................................................................................123
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1 - CONVERSAS INVENTIVAS
Entre ensinos e aprendizagens: saltos, quedas, pulos e afins... relaes
nos cuidados de si em (auto)formaes alegres e/ou linguagens e
conhecimentos em formaes de professores
Era bom viver em suposies e cercados de fartos acontecimentos por adivinhar. Cada dia um encanto tomava lugar do outro. O mundo assim obscuro exigia um olhar mais delicado, um pensamento mais cauteloso i.
Durante minhas idas e vindas da escola, do bairro Vale Verde, da mata,
do teatro, da Faculdade de Educao, do Travessia Grupo de Pesquisa e de
todos os demais lugares que frequento h caminhos, deslocamentos, ruas,
vielas e afins... H caminhos j traados, sinalizados e construdos para a
passagem. E na passagem, nesses deslocamentos, levo comigo no corpo as
marcas do vivido em cada espao nas/das relaes estabelecidas. o
passado se atualizando torcendo as relaes passado-presente. Esse entre
lugares me caro! lugar de esvaziar-me. Vazio povoado de inquietaes.
Silncio movido entre carros, semforos e buzinas. Deslocamento do corpo
sem descolar. Espao intenso de visitaes. Visito-me constantemente e por
vezes contrariamente ao desejo. Mas fao-me livremente sem mesmo pedir
autorizao razo. Erra-se sempre: desvios, trilhas, tombos ... Nunca se o
que se era.
Em construes e cuidados de mim busco outras vias para algum
destino! No gosto da rotina ordinria. Invento. Dou voltas s para passear...
Gosto que tenho aprendido com meu pai que anda por lguas sem rumo e se
perguntado para onde est indo, responde: Estou passeando. Ento vou
passeando pelos caminhos construdos, porm outros, sempre outros no
outros por si s, mas pelas relaes que, sendo eu outro, estabeleo ento,
outros e outros novos sentidos com os caminhos durante o passeio. Nunca se
o que se era. Leva-se sempre um escorrego sem querer.
Exercitando-me nesse movente, sou repentinamente acometido por
pensamentos que me vo vindo, constituindo-me e, que me fazem, de
repentemente, estabelecer novas relaes com o que vejo, cheiro, percebo,
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sinto... um assalto, um susto mesmo! Movem-me inteiramente e, de repente
tomando um picol ou atravessando a rua ou comendo pipoca, sou outro!
Metamorfoseei-me! Nunca se o que se era. Erra-se sempre.
Pensando nesses tirocnios de se metamorfosear tento trazer ao
entendimento o que acontece! Busco uma linearidade... Crio possibilidades.
Vou me arriscando a pensar at chegar outra coisa que ainda no sei o que
...
Este texto vem para conversar com os saltos entre os textos que
encontraro nessa leitura! A ideia inicial era que eu pudesse, de algum modo,
linkar os textos! Sendo impossvel uma linearidade convincente propus esse
pensar sobre esses entre-textos, entre-lugares, entre-espaos, entre-estados.
Essa metamorfose sbita que nos acontece, nos forma, nos move: Vida!
Pensando que nos metamorfoseamos de modo repentino, fica ento um
nevoeiro denso sobre os caminhos que o corpo traa nessa inveno de si!
Nunca se define, se entende o que se passou ao saltar. Os saltos que se do
ficam inebriados no acontecido, no corpo, no outro, no instante alongado que
carregamos e atualizamos em vida. Falar sobre o mistrio escondido num
nevoeiro foge s minhas competncias e visto que impossvel dissociar-me
de mim o que por vezes seria uma graa, porm levo-me comigo para onde
vou. Certo que por vezes esqueo-me, invento-me... Mas assombrosamente
sinto-me prprio Penso ento, que mais me alegra deixar o mistrio no
nevoeiro e convidar-te, caro leitor, para sentir o nevoeiro comigo! Adentremo-
nos na experincia e, l envolvidos na nvoa, falaremos com o mistrio e com
sorte seremos seres metamorfoseados em enigmas! No seria curioso
inventar-se misteriosamente e, at mesmo manter-se secretamente em si?
Inteligentemente e j contrrio ao que propus no caminho do nevoeiro e
ao mesmo tempo tambm dentro do nevoeiro e buscando desesperadamente
um argumento, busco em Deleuze o paradoxo do salto! Estive com ele, mas
sem nimo de visit-lo nas pginas dos livros. S no pensamento. Deixei-me
nesse exerccio at ver onde ia dar. Pensando e pensando, estabelecendo
relaes sinpticas! Sinapse: saltos de um neurnio ao outro, e outros e outros:
conexes! Pensando e pensando, estabelecendo relaes, dano! Dana:
entre pulos, saltos e mais saltos de chapp a Glissadi e outros tantos saltos e
outros: conexes! Pensando e pensando estabelecendo relaes, caio!
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Tombos, quedas nas dificuldades dos saltos. Inmeros exerccios e treinos que
so necessrios para que venha um salto bem executado e, pensando e
pensando, estabelecendo relaes com os saltos vinham as quedas e outras
tantas quedas e outras: conexes!
E assim permaneci enchendo-me de desejo pela escrita no nevoeiro!
Escrita ainda no pronta, ainda no feita... Mas, desejante! A espera
necessidade minha! Aguardo-me at o ponto de abrir o ralo e deixar escoar
tudo aquilo que, misturando-se comigo e entre eles, esses prprios
conhecimentos vo se fazendo outras coisas, at aqui, neste momento
enquanto escrevo.
Pensar exige tempo, preparao rigorosa e um territrio apropriado. Um
salto possvel atravs do encontro e da espera e do treino e da preparao e
do espao e do corpo entregue nesse encontro saboroso de relacionar-se
consigo e com outros e outros de si e de outros de outros mesmos.
Fui inundando-me do desejo. Buscando o salto encontrei outras coisas
pelo caminho que me foram confortando e alegrando o caminhar. A escrita veio
vindo e de repente um amigo me chama para conversar no meio da travessia!
A alternativa foi convid-lo para a caminhada desejante:
- E a mano o que t fazendo?
- Estou tentando escrever um texto sobre salto
- Salto que voc fala aquilo de s vezes 'pular' etapas no processo n?
- Voc simplesmente avana
- He He he
- Isso!!!
- pros gnios
- Auhsuahsuas
- No, para todo mundo!!
- Eu acho que eu tive um pouco disso no palhao
- Quando eu morava aqui, antes de ir para SP, eu sempre ia nas aulas
de palhao. Me esforava. Mas eu no acessava o estado.
- Dae fui para SP e fizemos os trabalhos juntos. Mas ainda assim acho
que as coisas para mim eram estranhas.
- Para mim no funcionava!
- Quando voltei, sei l, funcionou.
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- isso a!
- Catarei seu relato!
- kkkkkkkkkkk
- Claro que nesse tempo eu vi voc, teve todas as aulas que fiz, existiu
um processo, n, mas no retorno foi um salto, no sei explicar porque passou a
funcionar!
- Sim! isso... micro!
- E nas coisas de palhao a gente aprende muito vendo os outros, n, e
foi um tempo que eu vi voc, que no era minha referncia inicial de
palhaaria, voc era uma coisa diferente da Michelle1... kkkkkk
Acontece algo que escapa do entendimento, do racional, do inteligvel,
percebe?! Foge nossa lgica. Um acontecimento (in)esperado e inexplicvel.
Porm no inexplicvel que encontro meu modo de existir no mundo com
minhas incongruncias, absurdos, crenas e vontades, que por vezes, so
contrrias... Minhas ineficincias me enobrecem.
Volto, desarticuladamente, ao nevoeiro, porque assim que me vou
fazendo... Como disse, tenho herdado esse gosto do meu pai. Vou passeando
pelo caminho, desviando a rota, criando atalhos. No explico-me, caminho!
Agora, espero que voc entre comigo! No busque a linearidade at
porque estamos imersos num nevoeiro e aqui a viso meio embaada! Mas
exercitemo-nos numa outra sensibilidade corporal. Escuta-se bem! Corpo
atento e inevitavelmente mais aberto ao suspense e perigo eminente que um
nevoeiro provoca! Passo a passo no silencioso e nebuloso nevoeiro. Nesse
momento um vento forte nos separa! Cada um agora se encontra sozinho
nessa branquitude escura! Uma quase cegueira! E o corpo ativamente se torna
ainda mais sensvel ao acontecido e novamente suspenso no suspense
instalado pela nvoa! Quase imveis escutamos nossa respirao! Corao
batendo forte e escutamos sussurros, vozes, risadas, barulhos misteriosos!
Medo? Alerta! O que toma conta do nosso corpo agora? No estamos sozinhos
e no vemos ningum!
Metamorfoseamo-nos!
1 Michelle Silveira da Silva, a palhaa Barrica, artista reconhecida nacionalmente na rea da palhaaria.
Sempre convidada para participar de um dos maiores eventos de palhaaria do pas: Anjos do Picadeiro.
Professora de Teatro pela prefeitura de Chapec SC.
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Devagar vamos ouvindo as vozes que vo se aproximando:
- No ar no existe caminho traado, todo espao direo. Na terra
sofre-se de muitos impedimentos ii.
- Eles no procedem por caminhos pr-traados, por associaes j
feitas. O que acontece? Se soubssemos, acho que entenderamos tudo. Isso
me interessa iii.
- Sete e oito. Echapp, Falli, Sissone, Pli e Pas de Chat. Gliassade e
Entrechat. Espera, espera... cinco, seis, sete e oito. Volta! Echapp, Falli,
Sissone...
Essas falas se repetem e se misturam! Vo se conectando e sem
sentido algum, em arritmia, vo bailando as vozes! O pulsar do meu peito vai
fazendo coro como um bumbo vai.
Escuto sua voz me dirigindo:
- Conversa com eles!!
Eu com medo e alegre pulso. Voc escuta o bumbo e silencia-se! Um
grito:
- Aaaaarrrrrrh!
Silncio toma conta do nevoeiro!
Passos...
O corpo agora est presente! Totalmente entregue ao acontecimento!
- Quem est a?
Bumbo!
- Como faz para sair daqui?
- O nevoeiro est por toda parte!
- No tem sada?
- s vezes, quando bate um vento, d para v algumas coisas e, s!
Vozes mais prximas! Bumbo!
- Para onde est indo?
- Estou passeando e perdi meu leitor.
- Estou aqui!
- Quem?
- Deleuze!
- Quem? (Bumbo!!!)
- Alice!
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- Calma gente! Pelo visto estamos em mais de dois!
- Quantos esto aqui?
Muitas vozes... Bumbos, tamborins e alaridos...
- Teria alguma soluo para sairmos ou pelo menos nos organizarmos?
Algum caminho?
- Bem, por exemplo, as solues tm de ser muito variadas, quer dizer,
duas extremidades nervosas no crebro podem entrar em contato. isso que
chamamos de processo eltrico nas sinapses. H outros casos bem mais
complexos, talvez, que so descontnuos, nos quais h uma falha a saltar.
Acho que o crebro cheio de fendas, que h saltos que obedecem a um
regime probabilista, que h relaes de probabilidade entre dois
encadeamentos, que algo muito mais incerto, muito incerto. As comunicaes
dentro de um mesmo crebro so fundamentalmente incertas, submetidas a
leis de probabilidade. O que faz com que eu pense algo? Voc dir: Ele no
est dizendo nada de novo, a associao de ideias. Seria quase necessrio
se perguntar se, quando um conceito dado... Ou um quadro, uma obra de
arte contemplada, olhada... Teramos de tentar fazer o mapa cerebral
correspondente. Quais seriam as comunicaes contnuas, as comunicaes
descontnuas de um ponto a outro iv.
- Quem disse isso?
- ... Sete e oito e Pli, Pas de Chat, Glissadi...
- Quem disse isso? Algum pode me responder?
- Que doideira! No estou entendendo nada! Eu s queria escrever um
texto sobre saltos e convidei um amigo-leitor para entrar nesse nevoeiro
comigo e experimentarmos um pouco uma escrita outra no acontecimento! E
agora essa confuso! Um monte de gente doida...
- Ei... Parece-me que essa voz falava algo interessante! No s doideira!
Quem disse, repete!!
- Acho que o crebro cheio de fendas, que h saltos que obedecem a
um regime probabilista, que h relaes de probabilidade entre dois
encadeamentos, que algo muito mais incerto, muito incerto. As comunicaes
dentro de um mesmo crebro so fundamentalmente incertas, submetidas a
leis de probabilidade v.
- Isso est me parecendo um texto deleuzeano...
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- Ah eu sou bilogo! No sou filsofo! Ser que daria para conversarmos
algo mais interessante no qual eu pudesse opinar?! J que no tem sada, o
jeito aproveitar o tempo! Preciso de um texto para a qualificao do mestrado
falando sobre os saltos entre um aprendizado e outro... Entre textos na
verdade! Sabem o que qualificao, n?!
- Sou doutor meu querido!
- Ah, que legal! Doutor em que?
- Doutor em ignoras vi!
- Algum normal aqui?
- Algum que quer escrever um texto sobre salto numa qualificao de
mestrado o que voc chamaria de normal?
- Algum no filosfico seria possvel? No sei nada de filosofia! No
tenho formao! No tenho papel que me autorize!
- Tem uma coisa que me reconforta muito. Acho que h vrias leituras
de uma mesma coisa e acredito piamente que no preciso ser filsofo para
ler filosofia. A filosofia suscetvel, ou melhor, precisa de duas leituras ao
mesmo tempo. absolutamente necessrio que haja uma leitura no-filosfica
da filosofia, seno no haveria beleza na filosofia. Ou seja, no-especialistas
leem filosofia e a leitura no-filosfica da filosofia no carece de nada, possui
sua suficincia. simplesmente uma leitura. Isso talvez no valha para todos
os filsofos. Vejo com dificuldade uma leitura no-filosfica de Kant, por
exemplo. Mas um campons pode ler Spinoza. No me parece impossvel que
um comerciante leia Spinoza vii.
- L vem voc com suas filosofias...
- Eu no te conheo! Voc importante? Por que eu s escuto e fao
citaes de gente importante!
- To importante quanto voc, n?!
- Ah, Spinoza fcil! Quero ver ler Nietzsche!
- Nietzsche?
- Nietzsche mais ainda!
- Ser?
- o que acho tambm!
- Mas, quem acha isso?
- Deleuze!
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- Deleuze? Voc est brincando... Deleuze acha isso?! Ento, posso ler
e entender filosofia?
- No! Voc pode ler e entender filosofia. Entendeu a diferena?
Bumbos, brumas, brisas...
- Mas sendo bilogo no estava pensando em usar da filosofia! Eu nem
queria isso quando entrei nesse nevoeiro! Estava pensando em falar dos saltos
fazendo uso da imagem dos neurnios e o processo de transmisso dos
impulsos nervosos! Por que sabemos que na transmisso de um impulso
nerv...
- Um impulso nervoso percorre o neurnio e chega finalmente a uma
terminao sinptica, produzindo a secreo do neurotransmissor que cruza o
espao entre as membranas desencadeando uma permuta eltrica na clula
receptora. Somente especializaes como essas possibilitam aos neurnios,
bem como a outras clulas, uma influncia mtua e localizada, e no difusa -
ou generalizada, como ocorreria se as interaes se dessem por permutas de
concentrao entre algumas molculas na corrente sangunea. Sobre cada
neurnio, em sua rvore dendrtica, h muitos milhares de terminaes
sinpticas de centenas de neurnios distintos. Cada uma das terminaes faz
uma contribuio pequena permuta total de atividade eltrica do neurnio a
que se conecta. Alm disso, cada neurnio capaz de influenciar
quimicamente a estrutura de todos os neurnios que a ele se conectam por
meio da difuso de metablitos que saem e penetram as superfcies sinpticas
e se elevam pelos axnios at os respectivos corpos celulares. Desse duplo
trfego eltrico metablico depende, a cada momento, o estado de atividade e
o estado estrutural de cada neurnio do sistema nervoso viii.
- Isso! Era exatamente com isso que eu pensav...
- Alm disso, se pensarmos que no crebro humano existem
certamente mais de 1010, e talvez mais de 1011 neurnios (dezenas de bilhes),
e que cada um deles recebe contatos mltiplos de outros neurnios que, por
sua vez, se conectam com muitas clulas, a combinatria de possveis
interaes mais que astronmica ix.
- Nossa! Tendo esse conhecimento do corpo lembro-me que Nietzsche
diz que h mais razo no teu corpo do que na tua melhor sabedoria x! Por que
pensando que entre um neurnio e outro ocorre um salto desse impulso
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nervoso, o corpo sabe aquilo que ns no sabemos! Talvez ainda outra coisa:
O corpo vive, funciona no desconhecido! No mistrio! Que passa a no ser
mais mistrio quando conhecemos, porm ao conhecer alguma coisa outros
mistrios vo se fazendo... No ?! Tenho pensado sobre isso ultimamente!
Diferentemente de como era antes conhecer um mistrio no retira a beleza
ou o silncio ou at mesmo o segredo! Por que o segredo mesmo que
conhecido por algum passa a ser confidencias trocadas entre os mistrios: o
mistrio que sou e o mistrio que conheci... No se est passvel ao completo
conhecimento: H mais coisas entre os cus e a terra que nossa v filosofia...
- No era voc que disse que no sabia nada de filosofia? O que est
dizendo?
Bumbos! Medos! Corao dispara...
- S estava pensand...
- Cabe a esse plano de imanncia ou de consistncia compreender
brumas, pestes, vazios, saltos, imobilizaes, suspenses, precipitaes. Pois o
fracasso faz parte do prprio plano: preciso, com efeito, sempre retomar,
retomar pelo meio, para dar aos elementos novas relaes de velocidade e de
lentido que os fazem mudar de agenciamento, saltar de um agenciamento
para o outro. Da a multiplicidade dos planos sobre o plano, e os vazios, que
fazem parte do plano, como um silncio faz parte do plano sonoro, sem que se
possa dizer falta algo xi.
- Agradecido.
- Mas ainda pensando nesse impulso nervoso... Ele no acontece no
vazio! No nada!
- Pli, Jet entrelace e sete e oito...
- Quem est danando nessa conversa? Poderia ser avisada que
estamos no meio de um nevoeiro e ningum consegue ver sua performance?
Ela est danando para quem, gente?
- Estamos em uma conversa sria enquanto esse nevoeiro no passa e,
a mocinha est danando! Ns, aqui, falando sobre filosofia e tentando
entender o salto deleuzeano e ela vem fazer gracin...
- Estou me constituindo na conversa! Fao-me corpo das falas!
Obviamente no se salta no nada! Salta-se num espao! Um salto na lua
diferente de um salto na Terra! Um salto na terra diferente de um salto no
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linleo. Em cada territrio um corpo e para cada salto uma fora... J sabemos
disso! Ns bailarinos, artistas, sabemos disso faz tempo! Mesmo que no
entendemos bem no intelecto, o corpo sabe! O corpo faz! O corpo ensina!
- Justo! O impulso nervoso salta numa regio entre neurnios. Para que
o salto ocorra os neurnios precisam produzir substncias que ocupam,
preparam o lugar do salto neurotransmissores. Essas possibilitam o salto, a
transmisso de um lugar para o outro... Permite corrente eltrica.
necessria a produo de um territrio para possibilitar um salto! No de
qualquer maneira que ele acontece! Os envolvidos no processo precisam estar
na produo conjunta desse lugar sinptico! Indo para uma questo macro:
Como algum aprende? O que acontece entre um texto e outro? Quantos
saltos se do entre textos?
- Se queremos entender as aes humanas no temos que observar o
movimento ou o ato como uma operao particular, mas a emoo que o
possibilita. Um choque entre duas pessoas ser vivido como agresso ou
acidente, dependendo da emoo na qual se encontram os participantes. No
o encontro que define o que ocorre, mas a emoo que o constitui como um
ato. Da que os discursos racionais, por mais impecveis e perfeitos que sejam,
so completamente ineficazes para convencer o outro, se o que fala e o que
escuta o fazem a partir de diferentes emoes xii.
- Talvez ento a emoo seja uma espcie de neurotransmissor que
possibilita o salto! O modo como se conectam, por exemplo, professor-aluno
pode criar um territrio mais propcio ou no para esse salto na aprendizagem!
Mas, pensar que o que importa seja s a emoo entre o professor e o aluno
seria muita inocncia nossa, ser que no?! Por que o que possibilita o
aprendizad...
- Claro! Vejamos alguns traos da distino saber e aprender, de
acordo com Deleuze. Aprender o salto que leva do no-saber ao saber.
Nesse caminho, muitas coisas acontecem, muitas marcas riscam nossos
corpos ou ficam gravadas como memria de um tipo especial. Aprender
sempre algo da ordem do virtual, do inconsciente, de que o corpo participa,
necessariamente. Por isso aprender carrega consigo uma violncia, um
adestramento diverso daquele que caracteriza o saber, o qual, como resultado
de um aprender, o domnio das regras de uma disciplina xiii.
-
22
- Ento posso afirmar que dominar um contedo de uma disciplina
aprendizado?
- Talvez! O que precisamos pensar, ento, seria o que dominar um
contedo... No ?!
- No quero fugir do assunto... Continuemos nesse salto.
- No est fugindo do assunto! Est passeando no caminho, na
conversa... V saboreando o caminho! Mude as rotas, entre em vielas... No
ande s por caminhos pr-definidos.
- Por exemplo, aprender a nadar consiste em ajustar atos reais de um
corpo ao movimento das ondas. Para tanto, o aluno tem de formar uma ideia
de mar. Aprende-se quando a ideia de mar entrou no ou se ajustou ao corpo do
aprendiz. Ou, ainda, quando o mar se tornou uma micropercepo, para
utilizar um termo deleuzeano, que se conjuga sensibilidade de seu corpo.
Com isso, temos uma soluo para o campo problemtico que se cria entre um
corpo e o mar, atravs de uma ideia. O professor aquele que nada com o
aprendiz, mesmo que seja no nvel elementar da ideia atravs da qual o aluno
problematiza seu encontro com o mar xiv.
- Talvez eu precise que vocs nadem comigo no nvel elementar! No
me importo aqui de ter uma dissertao elementar! Bsica! Boba... Importa-me
um processo rico em saltos, bailes, aprendizagens mltiplas, conexes e
presena!
- Muitos conceitos ps-estruturalistas...
- No sei o que ps-estruturalista! Junto e uso as palavras por amor,
pelo som, pelo gosto e no pela sintaxe, ordem, conceitos...
- Voc est procurando problemas com a filosofia!
- Uai, prefiro pensar que estou fazendo uso da filosofia como um
campons talvez! Eu no sou s um universitrio, a dita nata intelectual. No.
No me ato s regras gramaticais e nem somente a razo e o conhecimento
me afirmam! Sou palhao, bailarino, rio das minhas ignorncias e, por vezes,
riso de felicidade! Poder ir do no-saber ao saber um salto e poder ir do
saber ao no-saber uma queda que abre caminhos para outros saltos, que
conecta com outros territrios, que tambm se aprende...
-
23
- J tomei muitos tombos! A preparao importante! Nos aprendizados
para os saltos e sua execuo bem feita muitos tombos so inevitveis. Treina-
se at para cair! Saber cair tambm um aprendizado!
- Justo, quando se estuda palhao um dos primeiros passos talvez seja
aprender a cair! O palhao aprende a ganhar a queda como um salto em seu
nmero. na queda que o palhao ganha o riso, a alegria! E no pense voc,
meu caro, que estou falando de uma facilidade, pelo contrrio, tem-se de
aprender a cair e para tal o modo tradicional circense diz: repetir, repetir,
repetir, at ficar diferente. Repetir um dom do estilo xv. O muito repetir faz
com que o corpo v adquirindo, aperfeioando, uma tcnica corprea que
treina a si prprio. Isso no o faz s por necessidade, mas junto ao prazer!
um esforo que, para alm da tcnica, o palhao treina o modo, o tempo
cmico, a descontinuidade corporal que leva ao riso! Isso um trabalho
rigoroso!
- Ah, mas isso que voc est falando do palhao talvez se assemelhe ao
que Deleuze chama de salto. Porque Deleuze no est dizendo de um salto
fsico, mas de um conceito filosfico!
- Bem, pode ser... Mas para mim pouco me importa os conceitos... No
me acorrento a eles, vivo!
- Mas isso tambm faz parte do conceito... Vem de um vivido! Do
experienciado... O fato que o estado corporal no o mesmo... Altera-se!
- Sim. Um salto pode ser compreendido como uma passagem. Um salto
como uma agitao, um movimento, um aumento de altura, uma queda de
altura, uma presso sobre os ps, uma alavanca, uma liberao de presso...
Ele tem como garantia a queda inevitvel em outro espao de onde se muda a
perspectiva do olhar.
- Entrechat, entrechat, entrechat...
- Veja a dana danando com o conceito!
- Do que voc est falando?
- Por favor, bailarina, repita o salto! E explique-nos como que se faz
isso.
- Sete, oito... Entrechat! um pulo vertical na quinta posio, com a
troca dos ps no ar, duas (entrechat quatre), trs vezes (entrechat six), quatro
-
24
vezes (entrechat huit), e, excepcionalmente cinco vezes (entrechat dix). E os
ps tocam o mesmo lugar no cho.
- O ballet nos faz danar na sua fala minha querida... No h garantias
de mudana de espao! possvel saltar e continuar no mesmo lugar, no
mesmo territrio! A mudana est no estado! Aps o salto o corpo que volta j
no o mesmo! Por mais que volte no mesmo lugar, seu estado corporal,
fora, respirao, energia... j no a mesma! A repetio para a
aprendizagem ensina o corpo a adquirir uma tcnica, um modo tal de se fazer,
executar o movimento de tal jeito que acontea o aprendizado! A apreenso
em invenes de um determinado contedo, modo, jeito...
- Mas como acontece esse aprendizado? a repetio? O treino?
- Conectar um corpo e um objeto atravs de uma ideia, essa a
principal razo pela qual podemos dizer, com Deleuze, que o aprender envolve
um tipo especial de amizade. Vis--vs, ensinar significa criar condies ou,
antes, deixar correr certas intensidade para que um corpo e uma ideia, uma
sensao e um conceito possam encontrar-se sob circunstncias que nunca se
repetem. Aluno e professor esto em um mesmo movimento, eles
desconhecem para onde vo, como se remassem um barquinho deriva no
grande mar entre o no-saber e o saber. No reconhecer o destino o que
torna a aventura do aprender o lugar da confiana xvi.
- Volto ento questo da qualificao... Agora j vamos criando um
espao para o salto! No se salta no vazio! Do nada! H de ter uma preparao
para que isso acontea e o treino, a repetio pode fazer parte desse lugar!
Como havamos dito anteriormente, vamos preparando esse lugar, essa
sinapse possvel na amizade e confiana e repeties e amor e...
- Ah, que lindo! Que romntico! Voc est, um tanto quanto, clich e
bobinho e inocente e...
- Voc no est entendendo o que estou a dizer... um
engendramento... um outro modo de habitar o mundo! No estou falando de
um mesmo lugar! Saltei e voc no deu conta! Nem voc e nem o leitor...
Aposto!
- Ah, saltou?! Ento assim, no meio da conversa voc vai e salta?!
-
25
- Claro! J tinha dito no incio do texto, antes mesmo de entrarmos nessa
conversa imersa nesse nevoeiro, que a coisa assim! De repente,
metamorfoseamos...
- Uma pausa para o descanso! O corpo tambm precisa! Algum sabe
onde encontro gua por aqui? Dancei demais... Sabe como , n?!
- Bem, minha querida, por aqui eu no sei... Penso ser necessrio
esperar um pouco para que passe esse nevoeiro... Da veremos um caminho,
um lugar possvel...
- Mas, afinal que tanto vocs conversam? Vocs so filsofos?
- Sim.
- No.
- Um pouco.
- Bilogo!
- Palhao.
- Quantos esto por aqui?
- No sabemos tambm! Mas, muitos certamente... mas, no s
fisicamente, n?! Por que alguns de ns fazemos uso de outras pessoas e
falas para afirmar sua posio... Como no temos muito que fazer nesse
lugar... Estamos acalorados com esse bate papo!
- Acalorado mesmo! Tambm estou suando... mas no pela conversa,
mas pelo ensaio!
- Tinha um romntico falando de emoes... Estvamos bem na
discusso at entrarmos nesses quesitos sentimentais! Estudo cincia! A
conversa falava inicialmente sobre neurnios... sinapse... conexes nervosas...
assuntos cientficos! De repente, a coisa veio para uma filosofia... E at voc,
que da dana, est entrando no assunto... est vendo?! No d para ficar
misturando as coisas! Temos de escolher um assunto! Est uma misturada
sem fim! No faz sentido!
- Para mim est fazendo um sentido! Estou conseguindo estabelecer
conexes com as coisas!
- Para mim fica difcil quando comea a entrar em sentimentos!
- Mas, no pensa que por isso mesmo, por achar que emoo no tem
nada a ver com cincia, que deveramos conversar sobre isso?! No acha que
so suas dvidas que potencializam uma discusso?
-
26
- Mas eu no tenho dvidas! Estou certo de que no se podem misturar
as coisas! Cincia Cincia. Literatura literatura. Dana dana. Educao
educao e pronto! Vocs esto tentando criar problemas onde no existe.
Est tudo muito bem resolvido.
- Todos os conceitos e afirmaes sobre os quais no temos refletido, e
que aceitamos como se significassem algo simplesmente porque parece que
todo o mundo os entende, so antolhos. Dizer que a razo caracteriza o
humano um antolho, porque nos deixa cegos frente emoo, que fica
desvalorizada como algo animal ou como algo que nega o racional. Quer dizer,
ao nos declararmos seres racionais, vivemos uma cultura que desvaloriza as
emoes, e no vemos o entrelaamento cotidiano entre razo e emoo, que
constitui nosso viver humano, e no nos damos conta de que todo sistema
racional tem um fundamento emocional xvii.
- Ok! Tudo bem. Mas no temos como provar isso? Quais instrumentos
iro usar na cincia para comprovar essas emoes? Como se prova?
- As emoes no so algo que obscurece o entendimento, no so
restries da razo: as emoes so dinmicas corporais que especificam os
domnios de ao em que nos movemos. Uma mudana emocional implica
uma mudana de domnio de ao. Nada nos ocorre, nada fazemos que no
esteja definido como uma ao de um certo tipo por uma emoo que a torna
possvel. O resultado disto que o viver humano se d num contnuo
entrelaamento de emoes e linguagem como um fluir de coordenaes
consensuais de aes e emoes. Eu chamo este entrelaamento de emoo
e linguagem de conversar xviii.
- o que est acontecendo aqui! Estamos envolvidos na conversa e,
emocionalmente inclusive! Estamos todos atentos s falas que vo surgindo e
com alguma ligao feita entre as falas e ns e tantas outras coisas que
carregamos em ns... Vamos criando falas para nos fazer presente! A conversa
um modo... mas, no qualquer conversa, no mesmo?!
- bvio! Depende com quem converso... Dependendo com quem for
terei uma postura diferente da que estou tendo aqui! No sei quem so vocs!
No os conheo...
- Isso! o que Foucault diz sobre as relaes de poder! Isso tambm
est em jogo num territrio para o salto! As relaes que estabeleo no
-
27
territrio podem favorecer ou no o acontecimento de um salto! De um
aprendizado... E no cabe tudo cincia! H relaes que no podem ser
medidas pela cincia!
- Mas, a como fao?
- No podem ser medidas, mas existem! Acontece! Negar sua existncia
uma possibilidade... Mas se no, tenho de inventar um modo de perceb-la e
agir com ela...
- Um modo cientfico? Ento basta inventar um mtodo que possa ser
repetido...
- Mas como? Quando falamos de relaes microperceptveis, parece
que estamos mudando o contexto. Talvez a Cincia produzida at aqui no d
conta de habitar esse espao inventado e novo... Talvez, n?!
- Eis a questo! Talvez tenhamos de abrir brechas nessa Cincia para
adentrarmos num outro modo de habitar esse mundo... Sabemos que acontece
e a Cincia inventada at aqui no apreende estas circunstncias. Como faz
com esse corpo no apreendido no meio acadmico?
- Por isso estvamos falando de coisas que compem o territrio, mas
que no necessariamente estar passvel de apreenso, medio,
quantificaes. Na relao pedaggica est inclusa os prprios conceitos de
um pensamento. Expor conceitos j ensin-los, principalmente porque eles
envolvem os ouvintes ou alunos em um tipo especial de amizade, uma amizade
deleuzeana, pela qual se processa um devir-mestre molecular que passa ao
largo das formas majoritrias ou molares do professor e do aluno,
desterritorializando-os, desrostificando-os xix.
- A voc est entrando no conceito de corpo sem rgos, no ?!
- Isso! Claro! Como estamos aqui... Sem rgos!
- Eu no estou sem rgos! Estou com eles bem aqui!
- Vamos aos exemplos da biologia: Acontece que em uma das
extremidades de sua teia a aranha registra a mais leve vibrao que se
propaga at seu corpo em ondas de grande intensidade e que a faz, de um
alto, atingir o lugar exato. Sem olhos, sem nariz, sem boca, a aranha responde
unicamente aos signos e atingida pelo menor signo que atravessa seu corpo
como uma onda e a faz pular sobre a presa xx.
-
28
- Ok! Isso no significa que ela est sem rgos! E quem tirou seus
olhos? Sua boca? Suas clulas receptoras de vibrao? Como os peixes
possuem a linha lateral que apresentam clulas capazes de perceber vibraes
na gua e assim se localizar no ambiente percebendo predadores ou presas,
assim a aranha tambm em seu corpo apresenta clulas sensveis vibrao!
Se removessem esses rgos da aranha como encontraria a presa? corpo
com rgos!!
- Mas voc no est entendendo o conceito... E tambm no acho que
isso seja um problema, at porque o conceito desenvolvido por Deleuze e
Guattari, retirado de Artaud, funciona muito mais como prtica, ou conjunto de
prticas, em vez de uma noo bem definida. Faz parte de um estilo de vida
nmade... Por vezes no compreendemos o conceito, o vivemos.
- Entendo, ou melhor, no entendo, n?! Porque pra mim importante
que o corpo tenha rgos sensveis para o que acontece! Se retirado os rgos
como fica o corpo?
- Ah, agora voc entrou em outro quesito importante: a sensibilidade!
importante que na relao de aprendizado ambos estejam sensveis... sensvel
aos signos... Poderia usar de Deleuze quando explica sobre a sensibilidade
que o carpinteiro tem aos signos da madeira, mas... Seria preciso dizer: vamos
mais longe, no encontramos ainda nosso corpo sem rgos, no desfizemos
ainda suficientemente nosso eu. Substituir a anamnese pelo esquecimento, a
interpretao pela experimentao. Encontre seu corpo sem rgos, saiba
faz-lo, uma questo de vida ou de morte, de juventude e de velhice, de
tristeza e de alegria. a que tudo se decide xxi.
- Hum, ento quer dizer que...
- Volto a insistir com o palhao! O palhao tem esse corpo poroso capaz
de afetar-se tambm pelas foras de sua poca e do momento preciso em que
atua. A iniciao clownesca torna-se uma experincia de devir-outro,
aprendendo a afetar e ser afetado, envolvendo uma atitude de escuta do
mundo com o corpo todo, um estado de alerta e ao mesmo tempo de grande
entrega e disponibilidade. Nesse sentido, ele extrapola o termo pessoal, pois
trata-se das ressonncias dos encontros. Trata-se de algo que ocorre entre o
clown e o outro seja uma laranja, uma pessoa, um vento, uma borboleta que
passa xxii Ele deixa de interpretar para experimentar! Tem essa sensibilidade
-
29
no viver! Ele se liga com o pblico e, nessa ligao sensvel, ele vai
percebendo o que funciona e o que no funciona! Vai jogando, brincando at
perceber, sentir para que lado deve ir caminhando e conquistando a plateia na
caminhada. isso! uma maquinaria, se voltssemos a pensar no corpo sem
rgos... uma amizade, um compartilhar a vida... Uma cumplicidade, penso
que seria a melhor palavra!
- Justamente, a amizade que se d entre professor e aluno constri-se
na exterioridade dos indivduos. A amizade, portanto, modifica o professor e o
aluno. A amizade se d pelo exterior. uma amizade impessoal cuja atmosfera
nos envolve a todos. A exterioridade o lugar da amizade. Tal exterioridade foi
pensada por Deleuze e Guattari como uma zona de indiscernibilidade ou de
vizinhana onde um elemento pe o outro em devir, de modo que ambos se
tornam algo distinto do ponto de partida devir-mestre e aluno-bumerangue
xxiii.
- Mas embora a amizade entre professor e aluno seja um elo
pedaggico, tambm verdade que o aprender implica uma solido prpria a
uma esttica da existncia, no sentido foucaulteano do termo, pela qual
aprendemos a nos dobrar sobre ns mesmos, em busca de um governo de si
que lance novos modos de existir. Ser feliz com essa solido a lio bsica
de uma pedagogia que vibra com o pensamento de Deleuze e Guattari xxiv.
- Justo! Ento, nesse territrio construdo para o aprendizado, temos de
exercitar vrias variveis: amizade, cumplicidade, repeties...
E no meio da conversa... assim sem pedir explicaes veio um vento...
uma chuva forte! Molhou, lavou tudo! Lavou a alma, acalmou os coraes...
Deu-se risos! Lavou-nos! Deixou tudo a vista! Porm, nem tudo lmpido... no
retirou as inquietaes de descobrir modos de se criar, inventar um territrio
possvel para saltos e afins... No ficou ntido o caminho que a cincia ter de
percorrer para possibilitar essas experimentaes de metamorfoses! Alis, com
essa conversa inventada, j somos outros... Pela fora do vento tempor veio
novos ares, novas cores e com eles novos corpos, novas sensibilidades!
- E onde est aquele povo todo? A bailarina, o bilogo, o filsofo, o
palhao...
- No sei meu caro, por vezes pensei que fossem voc!
- Eu?
-
30
- Sim, numa grande brincadeira para me assustar... Sendo muitos!
- Ser? Bom, o fato que ainda preciso resolver minha escrita para a
qualificao! No sei o que faz uma pessoa ser mestre! Como isso medido,
cara? Como se avalia isso? Ser a quantidade de livros que li? Ser o modo
como escrevo? Quem poder dizer se tenho competncia para mestre ou para
palhao ou para pai ou para...
- Calma! Acho que esses dilogos que supostamente voc fez consigo
mesmo, ou seja l quem fez isso tudo, servir de discusso para voc nesse tal
de mestrado! No acha? E afinal, qual sua questo para esse negcio? Por
que voc tem que ter uma questo bem definida e estabelecer suas hipteses
e test-las e verific-las! Assim, respondendo a sua crucial questo...
Validando ou no suas hipteses! No assim?!
- A que est... Pode ser assim para uma certa Cincia, mas para essa
cincia que discutimos a pouco... Nem tudo to bvio e claro e certo, pois a
questo que tenho pra vida toda e que, por ocupar-se em linhas limtrofes
dos conhecimentos, no respondida nunca! Pergunto-me sempre das
relaes que estabeleo! Pensando na Ecologia, que vem do grego oikos,
significando casa, que assim se refere nossa circunvizinhana imediata, ou
ambiente; ecologia o estudo de todas as inter-relaes complexas
denominadas por Darwin como as condies da luta pela existncia xxv. Fico
perguntando-me que ecologia se faz nas inter-relaes que estabeleo com o
outro... Quando experimento, em presena, as relaes que vo se
constituindo, indago-me que formao se d para a existncia, resistncia,
invenes?
- Isso no est amplo demais? No complexo demais?
- Existe uma ecologia das ideias danosas, assim como existe uma
ecologia das ervas daninhas xxvi.
- E qual voc quer estudar? Separa isso!
- Mas, meu corpo no separa nada!
- Como assim?
- Meu caro, a vida no assim? Um amontoado de coisas e gentes e
relaes...
- Ser?
- Ser? Bem, o que me parece ser...
-
31
- Mas, como voc vai fazer, ento? Por que para dar conta de tanta
coisa... meio difcil, no ?! E sempre quando falo a palavra difcil, lembro
daquela frase que voc sempre diz: Toda criao difcil xxvii.
- Est a. Criao! Acho que voc me deu uma palavra boa.
- No entendi. Apenas falei a frase que voc sempre diz.
- Pois , mas o que para voc foi apenas concordar falando a mesma
frase que eu sempre digo, para mim, abriu mundos de imaginaes. J estou
pensando em mil modos de apresentar essa questo to complexa e, como
tinha dito, sem resposta!
- U, mas como?
- Teatro, meu caro. Teatro!
- Voc vai fazer um teatro?
- Sim. Farei!
- Mas voc ator? Tem DRT? Cursou Artes Cnicas? diplomado? Eu
no sabia.
- No. Eu no tenho nada disso. Mas tambm no vou encenar. Vou
escrever uma pea.
- Piorou. Eu no sabia que voc era Dramaturgo...
- E no sou. Pelo menos no tenho papel que me autorize... Mas acho
que a vida me possibilita de ser quase tudo ou quase nada, independente dos
papis de autorizao...
- Isso no vai prestar, meu amigo. Voc ter grandes problemas. Uma
banca que se preze no vai aceitar esse tipo de coisa. Voc j conversou com
sua orientadora? Ela aceitou isso?
- Ainda no. Tenho que ir l.
- Voc quer que eu v com voc?
- E tem como eu ir sozinho?
- Provvel que no.
- Ento, s me resta viver sempre acompanhado desse monte de gentes
e vozes e coisas... No d para escapar.
- Ento, vamos l?!
Saram do bosque. Apenas ele. Mas, ao mesmo tempo, muitos deles,
nele. Foram at a orientadora.
-
32
- Tive uma ideia para a qualificao. Vou escrever uma pea de teatro. O
que acha?
- Acho timo.
- Que?
- Acho a ideia tima. Mas, vai dar tempo de escrever tudo para a
qualificao? Deixemos para a defesa. O que acha?
- Acho timo.
- Que?
- Acho a ideia tima. Vou escrever uma pea de teatro como
dissertao.
- Isso. Mas, vamos conversando no meio do caminho. Depois da
qualificao a gente conversa. Pode ser?
- Acho timo.
- Que?
- Acho a ideia tima. Assim que passar a qualificao venho aqui para
gente conversar.
Saram.
Qualificaram.
Que beleza! Que banca! Que alegria!
Quantas falas delicadas e atentas e presentes...
Moveram corpos na qualificao...
Uma voz feminina e firme e delicada e potente compartilha na banca a
seguinte fala sobre o texto da qualificao:
- A escrita que gostoso guarda (ou produz) o frescor que voc
afirma em seu resumo que mantm, no caso o frescor do iniciante que vibra
com as conquistas dirias de um corpo expansivo, poroso e em constante
amplido, e potente ao encontro do (im)previsvel e em presena suspensa e
inteira.
Seu texto alegre, sem choramingos e lamentaes [...] Potente. Ele
cria, inventa, no se pauta por limitaes, mais pela ampliao da potncia de
agir. Delicadeza, ateno a detalhes na percepo do outro.
Muito forte nele: PROCESSO, trajetos, queda, salto, risco, riso, medo
(enfrentado)...
-
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Elementos como gua, terra, calor, vento, chuva... Processos e
metamorfoses. [...] Abordando as potncias do corpo. Corpos potentes e no
corpo que se quer obediente e dcil. Os corpos so agenciados de tal modo
que ativa sua potncia. Para experimentar, colocar-se em risco, saltar, cair,
subir, gritar, rir, enfrentar...
[Saltos, quedas, riscos no palhao- aprendizagem bsica para os
nmeros, ainda que o nmero no trabalhe com nmeros clssicos de queda
(ainda que no utilize diretamente). A aprendizagem da improvisao passa
por uma aprendizagem de preparao da disponibilidade, da abertura desse
corpo. Uma tcnica dificlima, modos de fazer para construir esse corpo do
palhao. Essa improvisao envolve uma poltica de abertura para o
acontecimento, para a relao com a alteridade que implica em ressoar com o
outro. Isso diz muito de uma possibilidade educativa praticada no seu
trabalho.2.
Passou o dia da qualificao!
No passaram os encontros com a qualificao!
Estava ele ainda a conversar com suas prprias incongruncias, essas
que o compem. Essas que foram anunciadas com delicadeza pela banca,
mas, tambm, outras foram conversando na produo com essas coisas todas.
A qualificao agora j era caminho vencido?
O que vinha de potente era a dissertao final ou o que se estava a
produzir aqui dentro e, fora desse emaranhado de gentes e encontros que se
firmaram na qualificao e antes dela e depois dela e que, por fim, resultaria.
Porque assim que , numa tal dissertao final?
O processo instaura a necessidade de uma dissertao final.
- No d para brincar com o final e o processo? Parece-me que seu
trabalho est em processo e sempre... isto me leva a Deleuze: Tudo
mquina de mquinaxxviii.
- Acho que temos que pensar o que a banca vai pensar.
- Mas isso possvel?
2 Parte do texto/fala produzida pela professora Dr Ktia Kasper durante a banca de qualificao deste
trabalho no dia 31 de maro de 2014.
-
34
- Vamos inventar possveis questes e vamos aqui tentando respond-
las. Porque certamente faro perguntas. Alguns podem assumir o papel de
advogado do diabo... Voc sabe que tem gente assim, no ?!
- Sim. Sim. Pode acontecer...
- Mas, quais seriam as possveis perguntas? Voc faz ideia? Por que
ainda no est pronto o texto da pea, ento como faremos as perguntas sem
ler o que ainda ser produzido?
- Inventando, uai. No sempre assim que voc fala?! Alis, na sua
qualificao surgiram perguntas que no foram diretamente respondidas, no
foi?!
- Sim, foi.
- Que tal respond-las agora?
- No. Penso em no responder quelas perguntas agora. Deixarei para
que, com processo de leitura, de aproximao com a escrita cada pessoa que
a fez, encontre suas respostas ou pelo menos as possveis. Que invente algo
com elas, problematizando-as. Essa uma possibilidade de abertura com o
outro. Se usaro dessa possibilidade, j foge ao controle de qualquer um que
lana o convite do possvel.
- Ok! Mas, ento quais critrios vamos pegar para inventarmos outras
questes possveis?
- Bem, tem alguns temas que eu gostaria de pensar, de gastar tempo...
- Quais? Podemos partir deles...
- Arredondamento acadmico, S a alegria produz conhecimento,
Relaes do modo como escrevo com a
pesquisa/corpo/educao/fruio/alegria/conhecimento, O estado do corpo
para os estranhamentos no viver, Os (des)caminhos de um pesquisar
passeando no (des)conhecido e dando conta do que no entendo,
Possibilidades outras de (re)existir num mundo outro, tambm possvel de se
inventar por becos de existncias, preparao do palhao/corpo/narrativas,
Entre absores e clasmocitoses3 na academia/ vida/ encontros: pelo cuidado
de si.
3 Clasmocitose ou defecao celular o processo de eliminao de resduos provenientes da digesto
intracelular realizado pelas clulas. Termina quando o vacolo residual se funde membrana
plasmtica da clula e expulsa o seu contedo para o meio externo.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Membrana_plasm%C3%A1ticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Membrana_plasm%C3%A1tica
-
35
- Nossa... Mas isso muita coisa. Acho que precisaremos chamar outras
pessoas para conversarem conosco sobre...
- No precisa chamar. Lembra da outra vez que simplesmente elas
apareceram? Elas so assim. Aparecem sem que chamemos. Quando lhes
cabe vez, quando querem, quando fazem link com a coisa... Da surgem
rompendo lugares, criando devires...
- Tudo bem. Ento, comecemos por partes. Vamos focar no primeiro
tema: Arredondamento acadmico. O que voc teria para dizer? Por que voc
tem grandes dificuldades em arredondar as coisas. Voc fica sempre tentando
sair pela tangente e nunca se enquadra no que se deve.
- Mas, arredondamento nem sempre est ligado ao enquadramento. At
pode, depende do contexto. De quem vem a fala.
De repente, sem pedir licena, o tempo fechou. Uma ventania comeou
brava. As nuvens cinza foram cobrindo o cu. Uma tempestade se formou. Mas
era uma tempestade diferente. Ela era da cor marrom avermelhada. Era densa.
Era uma tempestade de areia. Nunca havia tido dessas coisas nessa cidade.
Aquilo era novo. No havia jeito. Fechar os olhos era inevitvel. A terra
vermelha que compunha a tempestade era grossa e com a fora do vento
machucava a pele. Eles tinham que se proteger. Deitaram-se no cho de
barriga para baixo e cobriram o rosto com as mos. Foram se fechando
corporalmente para que a superfcie de contato entre o corpo e a terra fosse a
menor possvel. Estavam arredondados. Surge uma voz a espreita de ouvidos
atentos.
- Corram para aquela toca. Protejam-se ali no meio daquelas folhagens.
Foram seguindo o som daquela voz desconhecida. No abriram os
olhos, mas seguiam o som. No corriam, rastejavam. Era uma desfigurao no
caminhar. No era um bicho. No era gente. Era um modo na tempestade de
se evitar machucados, de manter a vida... Era inveno de formas... Era
arredondar-se substancialmente e necessariamente... Aqui, o ptico deu lugar
mais intenso ao hptico?
Chegaram naquela toca improvisada, onde podiam, provisoriamente,
habitar por um tempo at que a tempestade passasse. A voz seguiu sua fala:
-
36
- Husserl fala de uma protogeometria que se dirigiria a essncias
morfolgicas vagas, isto , vagabundas ou nmades. Essas essncias se
distinguiriam das coisas sensveis, mas igualmente das essncias ideais,
regias, imperiais. A cincia que dela trataria, a protogeometria, seria ela mesma
vaga, no sentido de vagabunda: nem inexata como as coisas sensveis, nem
exata como as essncias ideais, porm inexata e contudo rigorosa ("inexata
por essncia e no por acaso").
O crculo uma essncia fixa ideal, orgnica, mas o redondo uma
essncia vaga e fluente que se distingue ao mesmo tempo do crculo e das
coisas arredondadas (um vaso, uma roda, o sol...). Uma figura teoremtica
uma essncia fixa, mas suas transformaes, deformaes, ablaes ou
aumentos, todas suas variaes, formam figuras problemticas vagas e,
contudo rigorosas, em forma de "lentilha", de "umbela" ou de "saleiro". Dir-se-ia
que as essncias vagas extraem das coisas uma determinao que mais que
a coisidade, a da corporeidade, e que talvez at implique um esprito de
corpo. Mas por que Husserl v a uma protogeometria, uma espcie de
intermedirio, e no uma cincia pura? Por que ele faz as essncias puras
dependerem de uma passagem ao limite, quando toda passagem ao limite
pertence como tal ao vago?
Estamos diante de duas concepes da cincia, formalmente diferentes;
e, ontologicamente, diante de um s e mesmo campo de interao onde uma
cincia rgia no para de apropriar-se dos contedos de uma cincia nmade
ou vaga, e onde uma cincia nmade no para de fazer fugir os contedos da
cincia rgia xxix.
- Em outras palavras o arredondamento acadmico est ligado
produo de uma cincia nmade. Daquela que est sempre em fuga da
categorizao, do enquadramento da cincia rgia. No que o faa para brigar
com a normatizao, mas porque assim que ...
- Mas, quem disse que assim que ?
- A voz. Voc no ouviu?
- Ouvi. Mas posso discordar. Posso pensar que de outro modo.
- Claro. exatamente isso que estamos afirmando. Quando voc prope
outro modo, est evidenciando a fuga de uma normatizao, lei,
enquadramento. Entende? Claro que algum pode enquadrar voc em algo...
-
37
Essa a funo da cincia rgia e no faltam seguidores por a. Mas isso
tambm foge do controle de quem est em produo da cincia nmade.
Deleuze mesmo ficou enquadrado como ps-estruturalista. O que discordou
em vida, mas fugiu do controle. Entende?
- Hum, acho que est comeando a fazer sentido. Ento quer dizer que
ao pedir que voc arredonde seu trabalho, no necessariamente est pedindo
que voc siga a norma, mas que voc invente um caminho que tenha em si
uma norma; podendo ser outra, mas ainda assim tem uma linha. Como no
palhao, ele opera numa linha prpria e inventada.
- Acho que sim. Porque no vale qualquer coisa... Tem um rigor a ser
seguido. Tem um trabalho a ser executado. inexata e, contudo rigorosa.
- O Estado no pra de produzir e reproduzir crculos ideais, mas
preciso uma maquina de guerra para fazer um redondo xxx.
- No fcil. um trabalho rduo. uma guerrilha, melhor talvez uma
guerra de trincheiras. A coisa funciona em escavaes, meio rizomtica... Para
ganhar espao e sobreviver s bombas, uma trincheira passa ser uma ttica
proveitosa. uma briga mesmo! Porm tambm podemos inventar modos de
se brigar...
- Ento, quer dizer que estamos em guerra?
- Sim. Estamos na guerra da sobrevivncia e se queremos um lugar
nessa vida, h de se cavar trincheiras, becos para existir. Poderia citar para
voc muitos palhaos que esto em guerrilhas, inclusive em guerrilhas
literalmente falando como o caso da ONG palhaos sem fronteiras que vo
a reas de guerra para levar o riso. Existem palhaos famosos por suas
atuaes nada convencionais e que, sim, esto em guerra: Lo Bassi,
Chacovachi e poderia citar tambm o mestre Charles Chaplin que brigava,
ironicamente e escancaradamente, com a sociedade que estava inserido. So
modos diferentes de atuar, mas esto a ganhando vida ao cavar suas
trincheiras. Produziam rizomas...
Ventania, ainda com fora.
Os olhos permaneciam meio fechados.
O corpo estava um pouco mais protegido, ali debaixo das folhagens.
Veio uma voz mais branda:
-
38
- O rizoma um tipo caulinar de plantas vasculares, mais ou menos
cilndricos e faz parte da morfologia do eixo vegetativo, sendo considerado um
tipo de caule subterrneo que tem o crescimento horizontal paralelo a
superfcie do solo e coberto de folhas escamosas e possuem razes.
Este caule possui folhas modificadas que so denominadas de catfilos.
Os catfilos so as folhas que protegem as gemas (broto da planta) dormentes
(que ainda no germinaram), e so as gemas que fazem com que possamos
distinguir rizoma de raiz; a disposio de folhas, gemas e razes de forma
irregular. O rizoma pode ser carnudo ou delgado. O rizoma carnudo na maioria
das vezes une os pseudobulbos. Ainda pode se desenvolver sob o solo ou no
substrato, onde emergem os pseudobulbos das orqudeas.
Os rizomas possuem numerosas ramificaes e emitem algumas partes
areas, como ocorre em algumas plantas como as bananeiras - nelas, o caule
considerado um rizoma e contm uma parte area onde ficam as folhas, uma
nica vez em sua existncia um ramo proveniente do caule nasce para fora do
solo, dentro de vrias folhas, e forma na sua parte superior uma inflorescncia
que mais tarde vai se torna um cacho com bananas.
O rizoma tem a funo de rgo reprodutor de forma assexuada das
plantas, geralmente so as plantas ornamentais e armazenam substncias
nutritivas (nitrognio) para as plantas. Em alguns rizomas pode ocorrer
acmulo de substncias nutritivas que resulta no tubrculo que por sua vez
considerado um rizoma hipertrofiado, como por exemplo, as batatas inglesa
xxxi.
- Essas vozes comearam a participar da nossa conversa novamente.
Eu no havia dito a voc que quando eles quisessem passagem, eles viriam...
- Sim. Ento, podemos entender que quando estamos falando de
rizomas podemos conceber muitas outras ideias com isso, como por exemplo,
que a forma rizomtica possibilita o crescimento sem ser visto, pois rasteiro,
coberto de folhagens e, como estvamos falando agora a pouco, ele ainda
meio cilndrico, meio arredondado...
- Isso. No sei se seria sem ser visto, mas certamente rasteiro,
quase imperceptvel. Mas, temos de lembrar que sua forma reprodutiva
area, ou seja, vista! um modo de operar... E que no pequeno. Isso
uma verdade! Por que se sabe que o maior animal do mundo um fungo.
http://www.infoescola.com/plantas/caule/http://www.infoescola.com/plantas/raiz/http://www.infoescola.com/elementos-quimicos/nitrogenio/
-
39
- Ah sim, aquele cogumelo-do-mel. No esse?! Que foi encontrado
em novembro de 2000 sob o solo da Floresta Nacional de Malheur,
nas montanhas Blue no leste do estado chuvoso de Oregon, Gabi atualmente
considerado como a maior colnia de fungos do mundo. Atravs de estudos
de DNA e ndices de taxa de crescimento, descobriu-se que este fungo cobre
uma rea de 8,9 km (equivalente a 1220 campos de futebol). A sua idade
difcil de avaliar, e embora alguns estudiosos afirmem que este organismo vivo
pode ter 2400 anos de idade, pesquisas recentes, com base no genoma do
fungo, parecem indicar que pode ter 8000 anos. Estima-se que este fungo
possa ter uma massa total de 605 toneladas xxxii. Ele considerado como o
maior organismo do mundo.
O fungo nasceu como uma partcula minscula (esporo) impossvel de
ser vista a olho nu, e vem estendendo seus filamentos, entre as razes
das rvores. superfcie do solo, ele possui a forma de pequenos cogumelos
de aparncia inofensiva, mas sob o solo (miclio) fixa-se nas razes das
rvores da floresta, roubando-lhes gua, nutrientes,
provocando putrefao e morte das mesmas. Embora existam espcies de
rvores que resistam a este fungo, a taxa de crescimento fica comprometida.
uma guerra silenciosa, mas potente! uma guerrilha biomolecular para
sobreviver e ganhar espao.
- Isso mesmo! Perfeita descrio! Essa produo de substncias
qumicas, atravs do metabolismo secundrio, gerando fenis, terpenos e
alcaloides que servem para combate intra e interespecfico com a finalidade de
sobrevivncia, no mesmo uma guerra silenciosa?! Atravs de um nico
esporo, um animal de quase 9 km2 foi formado. Que grandioso crescimento!
Aparentemente inofensivos fungos olho nu e por debaixo do solo um
gigantesco mundo micelar. disso que estamos falando: do micro. Do que est
por baixo e, que no que por estar por baixo, ou ser menor olho nu... que
se torna menos importante, no mesmo?!
- Sim. No menos importante mesmo.
- A est a necessidade de um arredondamento: para que se consiga
produzir as substncias necessrias mantendo-se vivo e potente. Quais modos
de produo, por quais vias devo ir para que se produza substncias que me
http://pt.wikipedia.org/wiki/2000http://pt.wikipedia.org/wiki/Floresta_Nacional_de_Malheurhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Montanhas_Blue_(Oregon)http://pt.wikipedia.org/wiki/Oregonhttp://pt.wikipedia.org/wiki/DNAhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Fungohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Genomahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Esporohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Raizhttp://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81rvorehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Mic%C3%A9liohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Florestahttp://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81guahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Nutrientehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Putrefa%C3%A7%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Morte
-
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permitam crescer, viver e frutificar? Essa uma das perguntas que tenho
feito...
- Ento os fungos e outros seres vivos tm muito a nos ensinar...
- Evidentemente. Manoel de Barros quando estava em borboleta disse:
Vi que as arvores so mais competentes em auroras
do que os homens.
Vi que as tardes so mais aproveitadas pelas garas
do que pelos homens.
Vi que as guas tem mais qualidade para a paz do
que os homens.
Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que
os cientistas.
Poderia narrar muitas coisas ainda que pude ver do
ponto de vista de uma borboleta.
Ali at o meu fascnio era azul xxxiii.
- Nossa! Ele percebeu muitas coisas quando estava borboleta! Talvez
essa seja uma trilha possvel estar outra coisa para poder perceber-se noutro
mundo. Metamorfosear-se uma possibilidade! No s em redondos, mas em
borboletas, andorinhas, pentes, sofs...
- Bem, me parece que o tema do arredondamento acadmico foi dito...
Qual seria o prximo tema?
- Seria S a alegria produz conhecimento. Mas acho que o miclio4 est
talvez mais ligado a outro tema: Relaes do modo como escrevo com a
pesquisa/corpo/educao/fruio/alegria/conhecimento. Por que o modo como
escrevo est ligado a essa produo micelar e rizomtica. um modo de
crescimento subterrneo e diferencial. Como o rizoma, minha escrita,
pretensiosamente, se quer produzir de modo a criar numerosas ramificaes e
no s subterrnea, pois se sabe que para atingir territrios mais longnquos
necessria a presena do esporfito na parte area, a fim de que seus
esporos, atravs dos ventos, possam ser carregados para outros lugares.
- Uma escrita rizomtica?!
4 Miclio o nome dado a um conjunto de hifas dos fungos multicelulares. Cada hifa um filamento
microscpico, um tubo. Quando se renem em grandes emaranhados, esse conjunto o que recebe o
nome de miclio.
-
41
- . Talvez eu esteja ambicioso demais... Mas, esse o desejo da
escrita. Como Nietzsche dizia no querer ser confundido, de igual modo
tambm no quero.
- Mas, como se faz uma escrita rizomtica? Por que muitos j falaram
que sua escrita potica e, portanto, no acadmica. Lembra disso no ?! Foi
at na ANPEd Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em
Educao - que um parecerista escreveu: No se trata de um recorte de uma
pesquisa acadmica em andamento, mas sim, do compartilhar e refletir sobre
uma experincia inspiradora xxxiv. Ou seja, no acadmico.
- No acadmico, mas ele disse no final do parecer: Sou favorvel
aprovao xxxv. Isso no um crescimento rizomtico? Estar na academia e
ainda assim no ser acadmico?! E, neste caso, seria rizomtico por dois
motivos: primeiramente por escrever poeticamente e cheio de citaes literrias
e conseguir ser aprovado. E outro momento, tambm importante, quando
esse parecerista abre brechas na academia para que um texto como este
possa fazer parte com. Porque certamente no foi por ser bonzinho que este
parecerista aprovou o trabalho! Provvel que ele tambm entenda que
preciso outros modos para compor a academia! No s percebe, como
menciona isso em seu parecer, n?! Ele rompe modos pragmticos de
selecionar trabalhos acadmicos! Ele possibilita novos ares, novos modos...
tambm um modo outro de habitar essa academia! a mesma academia, s
que de outro modo, n?! Escreve-se de outro modo, com outros ares, se l
com outros modos, com outros ares, move-se, habita, inventa com.
Veio uma voz a compor.
- verdade, enfim... Seria preciso dizer que, no limite, um escritor
escreve para os leitores, ou seja, para uso de, "dirigido a". Um escritor
escreve "para uso dos leitores". Mas o escritor tambm escreve pelos no-
leitores, ou seja, no lugar de e no "para uso de". Escreve-se pois "para uso
de e no lugar de". Artaud escreveu pginas que todo mundo conhece.
Escrevo pelos analfabetos, pelos idiotas. Faulkner escreve pelos idiotas. Ou
seja, no para os idiotas, os analfabetos, para que os idiotas, os analfabetos o
leiam, mas no lugar dos analfabetos, dos idiotas. Escrevo no lugar dos
selvagens, escrevo no lugar dos bichos. O que isso quer dizer? Por que se diz
uma coisa dessas? Escrevo no lugar dos analfabetos, dos idiotas, dos bichos.
-
42
isso que se faz, literalmente, quando se escreve. Quando se escreve, no se
trata de histria privada. So realmente uns imbecis. a abominao, a
mediocridade literria de todos as pocas, mas, em particular, atualmente, que
faz com que se acredite que para fazer um romance, basta uma historinha
privada, sua historinha privada, sua av que morreu de cncer, sua histria de
amor, e ento se faz um romance. uma vergonha dizer coisas desse tipo.
Escrever no assunto privado de algum. se lanar, realmente, em uma
histria universal e seja o romance ou a filosofia, e o que isso quer dizer... xxxvi.
- Metamorfoseia-se em analfabeto, em louco! Mas no entendi muito
bem a relao que ele faz.
- Ele est conversando sobre o processo da escrita. No fcil escrever.
No basta contar uma historinha. Por isso ele faz diferena entre um escritor e
um contador de histrias. Quando escrevo no estou falando de mim,
propriamente dito, mas estou falando de um territrio comum, mltiplo e que
por isso mesmo singular. uma trama de letras e palavras que produzem
sentidos por algum ou para algum. Mas que para, alm disso, talvez, o
ganho real seria conseguir escrever sendo outro. Manoel escreve o idioleto
Manoels xxxvii e eu invento um idioleto Leandrols... H de se inventar idiomas
para uma escrita potente e alegre. E alm do mais, ele filsofo, temos que
dar um desconto... Porque a vida mesma um tanto estranha. Daria para
imaginar, que um esporo formaria um animal to grande? Daria para imaginar,
que atravs de uma fecundao vulo mais espermatozoide nasceria voc?
Tudo bem que no dos bonitos, mas gente.
- Palhao.
- Ah, tambm tem essa onda do palhao que nos ajuda a ver os miclios
da vida...
- O imperceptvel?
- Isso. J entraramos no outro tema que seria: O estado do corpo para
os estranhamentos no viver.
- A palhaada.
- Isso cara. O palhao ajuda o corpo a se manter atento para estranhar o
comum. Isso tambm tem relao com a escrita que falvamos agora a pouco.
Deleuze faz associao entre quem escreve e um animal.
-
43
- . Se me perguntassem o que um animal, eu responderia: o ser
espreita, um ser, fundamentalmente, espreita.
- Como o escritor?
- Sim. O escritor est espreita, o filsofo est espreita. evidente
que estamos espreita. O animal ... Observe as orelhas de um animal, ele
no faz nada sem estar espreita, nunca est tranquilo. Ele come, deve vigiar
se no h algum atrs dele, se acontece algo atrs dele, a seu lado. terrvel
essa existncia espreita. Voc faz a aproximao entre o escritor e o animal
xxxviii.
- Eu diria que o palhao teria esse estado animal. No em vo que em
muitos cursos de iniciao palhaaria o Messi faa uso das caractersticas
bsicas de animais para que os aspirantes a palhao experimentem situaes,
movimentos, olhares, andares animalescos a fim de aflorar, precipitar,
aumentar o palhao pessoal. A commedia Dell arte tinha os animais como
referncia o porco (Doutore), o macaco (Arlequim), a galinha (Colombina)...
- O palhao um ser espreita. Est sempre atento ao que se passa.
Sempre traz no corpo as perturbaes do que o envolve e mostra isso para o
outro. de praxe que o palhao seja identificado logo na sua entrada. O
figurino, a maquiagem, a postura... Todo o conjunto soma informaes,
sensaes para que a plateia perceba quem esse palhao que entrou. Se ele
rico, pobre, manda, obedece, falante, esfomeado, gentil, inocente, safado,
nojento, burlesco... um estudo profundo, uma preparao eterna, tem de se
desacostumar o olhar, o corpo todo est livre dos costumes e exercita-se num
estado outro. O palhao exercita-se em transver as coisas, pois j no um
personagem construdo, como se faz no teatro tradicional, mas a
exarcebao do singular, do erro... No se trata do eu psicolgico, mas de
uma inveno de possveis e muitos eus que o constituem. O transver o
mundo manoels criar rombos de possibilidades infinitas...
- Ento, como aquele errar l no incio da conversa toma proximidade
com este erro do palhao?
- Transver o mundo. Transver o mundo xxxix!
- Quando o mundo est transvisto, as coisas se alteram e tomam outros
sentidos! Inventam-se! Multiplicam-se sentidos... O erro toma lugar do acerto!
pura inveno!
-
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- A expresso reta no sonha.
No use o trao acostumado.
A fora de um artista vem das suas derrotas.
S a alma atormentada pode trazer para a voz um formato de pssaro.
Arte no tem pensa:
O olho v, a lembrana rev, e a imaginao transv.
preciso transver o mundo xl.
- Para transver preciso imaginao.
- Por isso a tangente de escrever uma pea de teatro pode ser uma boa
fuga da cincia rgia. Uma boa linha a ser puxada do redondo, um bom modo
de esticar o tempo, de possibilitar imaginaes...
- Bruninha5 j disse que quando ela sobe no tecido6 ela fica cheia de
imaginaes. A arte ajuda a criar mundos. O palhaar uma arte e, portanto
inventa um mundo para si... Ele afirma-se num mundo.
Bruninha tambm se afirma no mundo, este que ela inventou para si,
nas aulas de circo. Ela se afirma enquanto Bruninha. Este o seu nome. Nome
que ela escolheu para si. E, apesar de ser a menor do grupo, em estatura e,
menina e negra e, e, e, por tantas vezes ser subjugada, tambm por esses
motivos, consegue foras nesse coletivo circense para se afirmar enquanto
dona de sua prpria existncia! Ela toma para si as rdeas do viver. No
aceitando docilmente os apelidos ofensivos, mas afirmando seu nome
enquanto fora alegre! Isso maravilhoso! um arrombo formativo: Bruninha e
pronto e ponto!
- seu nome prprio, u... No vejo nada demais! Apenas colocou no
diminutivo. S isso. O que tem de arrombo formativo nisso? Afirmar seu nome
prprio algo maravilhoso?
- No s afirmar seu nome prprio. Se quer saber, por vezes ele nem
indica isso, tampouco em funo de uma forma ou de uma espcie que um
nome pode tomar um valor de nome prprio. O nome prprio designa antes
algo que da ordem do acontecimento, do devir ou da hecceidade. So os
militares e os meteorologistas que tm os segredos dos nomes prprios,
5 Bruninha uma personagem inventiva que faz parte do Mutiro da Meninada do Vale Verde ONG
que atuo desde 2011 com aulas circenses. 6 Tecido areo acrobtico. Modalidade circense.
-
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quando eles os do a uma operao estratgica, ou a um tufo. O nome
prprio no o sujeito de um tempo, mas o agente de um infinitivo [...] o nome
prprio, no a marca constituda de um sujeito, a marca constituinte de um
domnio, de uma morada xli.
- Entendo. Ento, no uma questo de um sujeito, mas de um
acontecimento que cria, impulsiona e possibilita a precipitao de devires.
Devir-Bruninha, devir-palhao, devires... Bruninha palhaar!
- Isso!
- E como o acontecimento relacional, entende-se, portanto, que para
ser um bom palhao, para se afirmar em vida, para se dar um devir-Bruninha
deve-se agir de tal modo com pblico... relacionando-se inteiramente a ponto
que este seja envolvido na lgica inventada de quem prope, no jogo, na
brincadeira... A que a gente ri: Quando damos conta do que o palhao vai
fazer... A gente antecipa seu gestual e camos na gargalhada ao percebermos
que entendemos.
- Isso mesmo. Quando num espetculo o palhao deixa o pblico
perceber a sua lgica de raciocnio, que ele mesmo inventou para si, quando
d o start no corpo de quem assiste ao operar tambm nessa mesma lgica
outra produzida pelo palhao, o riso inevitvel. Porque a plateia tambm
inventou uma lgica prpria. A est o ganho, o riso. Claro que o contrrio
tambm acontece. Quando o pblico sempre surpreendido pela sada
inesperada que o palhao encontra. Isso tambm gera (in)certo riso... Outros
modos e infinitas possibilidades so possveis de se inventar para que o riso
acontea. uma questo de relao com... de presena com... de ocupaes e
engendramentos em devires...
- Mas e o que isso tem haver com a questo de perceber o
imperceptvel?
- que o palhao cria para si uma lgica e, portanto, seu modo de existir
e atuar sobre e com as coisas diferente do nosso. Isso possibilita um mundo
de coisas novas. Porque ele perde tempo com coisas que jamais perderamos.
Por isso inventa mistrios, encontra belezas, tropea em alegrias e bons
encontros. Porque o palhao est sempre espreita de um encontro. Ele tem
um corpo poroso que auxilia nas percepes... Ele estica horizontes xlii.
Perceber o imperceptvel uma artistagem que os cientistas fazem bem.
-
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Utilizam de instrumentos que possibilitam ver coisas que ningum v. O
microscpico, por exemplo, um instrumento fantstico que permite ver coisas
que a olho nu no vemos! Obviamente que para ver algo num microscpio
voc tem de preparar um material em uma lmina, lamnula... Utilizar de
procedimentos tcnicos e saber manejar bem o equipamento para que nesse
manejo, o invisvel seja notado! uma alegria estonteante... perceber
mundos que nem sequer damos conta de sua existncia.
Um cientista, ou aluno, ou qualquer pessoa que se aventure num
microscpio tem de atentar para o que est fazendo. O corpo fica em posio
de ateno ao que se v. Olhos atentos. Movimen