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osAno XI - Número 91 - 23 de dezembro de 2014
Marcelo Cirne de Toledo
Composição do crédito às famílias
Desalavancagem das famílias nos EUA deverá favorecer a expansão do crédito ao consumo, mas mercado de crédito
imobiliário ainda precisará ser reconstruído
A Grande Recessão de 2008 nos EUA foi caracterizada, principalmente, por uma crise de endividamento das famílias e do sistema financeiro que concedeu o crédito. Transcorridos seis anos após a crise, houve progresso importante em duas frentes. Os balanços dos bancos foram fortalecidos, com injeção de capital e aprimoramento da regulação. Na outra frente, o endividamento das famílias recuou de forma significativa, ainda que não seja possível afirmar que o processo de desalavancagem tenha sido encerrado. O sistema de crédito imobiliário norte-americano, contudo, ainda não se recuperou
da crise e não há clareza sobre como será reformulado. Neste Destaque discutimos a perspectiva para o crédito às famílias.
As famí l i as no r te -amer i canas tomam, essencialmente, quatro modalidades de dívidas, sendo a principal delas o crédito para a aquisição de imóveis. Em seguida, temos financiamentos estudantis, para aquisição de veículos e empréstimos de curto prazo, entre os quais o mais importante é aquele por meio de cartões de crédito. A tabela a seguir resume a posição atual do estoque de dívida das famílias norte-americanas.
US$ bilhões % do PIBParticipação
no crédito Pessoa física
Total 13.414 76,4% Crédito imobiliário 9.373 53,4% 69,9% Crédito não-rotativo 2.384 13,6% 17,8% Financiamento estudantil 1.307 7,4% 9,7% Crédito aquisição veículos 943 5,4% 7,0% Outros não-rotativo 134 0,8% 1,0% Crédito rotativo (cartão de crédito etc.) 882 5,0% 6,6% Outros 776 4,4% 5,8%PIB 3º trimestre 2014 (US$ bilhões) 17.555
Fonte: Federal ReserveElaboração: BRADESCO
US$ bilhões % do PIBParticipação
no crédito Pessoa física
Total 12.618 71,9%
Instituições governamentais 6.616 37,7% 52,4%
Bancos comerciais e semelhantes 5.050 28,8% 40,0%
Mercado de capitais 783 4,5% 6,2%
Demais 169 1,0% 1,3%
PIB 3º trimestre 2014 (US$ bilhões) 17.555
Origem do crédito às famílias (excluindo
outros créditos)
Fonte: Federal ReserveElaboração: BRADESCO
Pelo lado da oferta, os maiores credores das famílias norte-americanas são as instituições governamentais e os bancos e outras instituições
financeiras. Ou seja, o mercado de capitais, após a crise, tem um papel mais modesto do que aquele presente no financiamento às empresas. A grande
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Relação dívida/renda disponível das famílias (%)
Estoque de crédito imobiliário e ao consumo às famílias(inclui crédito bancário e não-bancário) – US$ bilhões
participação de instituições governamentais no crédito às famílias decorre essencialmente de seu papel hegemônico no crédito imobiliário e no financiamento estudantil.
A partir de 2008, havia uma óbvia necessidade de redução da dívida das famílias. Voluntária ou involuntariamente, as famílias tiveram que quitar
suas dívidas, o que significava que uma estagnação ou queda do crédito era uma condição relevante para a retomada da economia. Como temos discutido nos últimos anos, houve progresso nesse sentido: houve queda da relação dívida/renda das famílias e também redução do comprometimento de renda (pagamento do crédito/renda), para o que contribuiu a taxa de juros zero dos últimos anos.
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Razão dívida/renda disponívelFAMÍLIAS: DÍVIDA BRUTA/RENDA DISPONÍVELFONTE: FEDERAL RESERVE
Fonte: Federal ReserveElaboração: BRADESCO
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Comprometimento de renda (sem leasing autos)
Comprometimento da renda disponível das
famílias com o pagamento de créditos (%)
Fonte: Federal ReserveElaboração: BRADESCO
Em linhas gerais, a trajetória recente do crédito às famílias tem apontado certa estabilidade do estoque de financiamento imobiliário, rápida expansão do
crédito estudantil e aceleração do crédito para automóveis. Veremos em mais detalhes cada um desses segmentos.
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Crédito imobiliário
Crédito consumo
Fonte: Federal ReserveElaboração: BRADESCO
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Taxa de juros de 30 anos para financiamentos imobiliários (% aa)
O segmento de crédito imobiliário está longe do que poderíamos chamar de necessária reconstrução pós-crise, mantendo condições de crédito apertadas. Nos últimos anos, a concessão de crédito tornou-se essencialmente dependente do governo federal. As duas grandes empresas de crédito imobiliário, Fannie Mae e Freddie Mac (conhecidas como “agências”), permanecem sob o controle do governo federal que foi decretado em 2008. A administração Obama divulgou, em 2011, relatório com propostas para reformular o papel das agências oficiais no segmento de crédito imobiliário, mas houve poucos avanços. Por exemplo, atualmente 98% da emissão de ativos imobiliários securitizados (mortgage-backed securities) provém de agências oficiais. Quando consideramos toda a concessão de crédito imobiliário, trabalho recente publicado pela Fannie Mae1 aponta que 70% do risco de crédito das novas concessões são de responsabilidade de instituições governamentais. No ano após a crise, 2009, esse percentual foi de 80%. Além do risco de crédito, existe o risco de mercado (variações da taxa de juros) do crédito imobiliário – com relação a esse tipo de risco o setor privado está mais exposto, uma vez que adquire dívida das agências ou ativos securitizados a taxas prefixadas2. De todo modo, ainda que exista uma recuperação do papel do setor privado no crédito imobiliário, ainda estamos longe de uma reconstrução desse segmento. As agências possuem estoques e fluxos muito elevados e não há substitutos no horizonte previsível.
Além das condições desfavoráveis de oferta do crédito imobiliário, a demanda também ainda está distante de uma completa recuperação. As famílias que já
possuíam empréstimos imobiliários na época da crise estão, por motivos óbvios, relutantes em elevar seu endividamento, por exemplo, na troca por uma residência de maior valor. A prática de utilizar o imóvel como colateral para um empréstimo para despesas em outras finalidades também se tornou menos popular, como demonstra a queda persistente do estoque desse tipo de crédito (o chamado home equity). Entre as famílias mais jovens, a demanda por crédito imobiliário também é moderada. Entre os motivos mais importantes estão: (i) a situação ainda frágil do mercado de trabalho; (ii) o endividamento mais elevado de jovens que saem das faculdades. Por causa disso, um número maior de jovens tem postergado a saída das casas dos pais e outros têm preferido alugar imóveis ao invés de adquirir uma casa. Estudo recente concluiu que o percentual de adultos jovens morando com os pais aumentou de 27% entre 1990 e 2006 para 31% em 2013. Refletindo o aumento da demanda por imóveis para alugar também está ocorrendo um substancial incremento da construção de apartamentos (houve alta de 18% do lançamento desse tipo de construção, ante 6,2% no início de construção de casas).
Olhando adiante, as condições do segmento de crédito imobiliário devem continuar melhorando de forma apenas gradual. As taxas de juros de longo prazo se encontram em patamar bastante baixo historicamente e devemos esperar pelo aumento da participação do setor privado nesse mercado. Contudo, dificilmente observaremos uma expansão substancial do estoque de crédito habitacional e ainda será necessário reorganizar o sistema hoje baseado nas agências federais insolventes.
1 Fannie Mae (2014), “The Return of Private Capital”.2 Considerando os estoques e não os fluxos, a participação atual do setor privado no risco de crédito é de cerca de 50%, enquanto no risco de mercado é de aproximadamente 75%.
Fonte: BloombergElaboração:: BRADESCO
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Taxa crédito imobiliário 30 anos
Taxa Tesouro 30 anos
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Taxa de inadimplência no crédito à pessoa física – percentual em atraso acima de 90 dias (inclui crédito bancário e não-bancário)
Fonte: NY Fed Elaboração: BRADESCO
Crédito educacional, para aquisição de
veículos e de curto prazo (crédito bancário e não-bancário) – US$
milhões
Fonte: Federal ReserveElaboração: BRADESCO
Em segundo na ordem de importância, temos o financiamento estudantil, que atinge US$ 1,3 trilhão. Esse também é um mercado dominado pelas instituições oficiais, quer seja por meio de empréstimos diretos quer seja com base na concessão de garantias a financiamentos privados. A substancial expansão dessa modalidade de crédito tem levado muitos a sugerirem a possibilidade de uma crise de inadimplência nesse segmento, mas os temores parecem exagerados sobre essa possibilidade3. De fato, parte da explicação para a expansão recente decorre do aumento do número de jovens cursando o ensino superior e das dificuldades de colocação no mercado de trabalho. Assim, os jovens tenderam a postergar o ingresso no mercado de trabalho e um maior número obteve dificuldade em manter-se empregado durante os estudos. O reflexo foi um aumento do endividamento dos jovens que concluem os estudos nas universidades. Como dissemos anteriormente, esse é um dos motivos apontados para a menor demanda
por empréstimos imobiliários desse grupo. Além disso, houve um expressivo aumento das anualidades das universidades, padrão que já tem sido verificado desde meados da década de 80 e que começou a perder força recentemente. Apesar de representar um baixo risco para o setor privado, a taxa de inadimplência do crédito educacional tem apresentado elevação persistente e atingiu um nível alto o suficiente para colocar em debate eventuais mudanças nesses programas. A taxa de inadimplência alcançou 11% do estoque, contra média de 6,7% antes da crise. Entre os créditos que já deveriam ter sido pagos (há um prazo de carência), a inadimplência está em 13,7%. Assim, é razoável esperar alguma desaceleração na expansão dessa modalidade de crédito. Poderíamos dizer que, ainda que venha a representar algum custo fiscal, a expansão do crédito educacional fez parte de uma saudável política fiscal anti-cíclica, uma vez que possibilitou que os jovens mantivessem seus projetos de estudo mesmo frente à crise econômica.
3 Veja, por exemplo, Brookings Institute (2014), “Is a Student Loan Crisis on the Horizon?”.
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Crédito imobiliárioFinanciamento veículosCartão de créditoEmpréstimo estudantilTotal PF
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Por fim, temos o crédito para aquisição de veículos e o crédito de curto prazo (chamado de rotativo). As condições de crédito para veículos têm apresentado melhora nos últimos anos, com baixas taxas de inadimplência, queda das taxas de juros e elevação de prazos. Além disso, a demanda por veículos apresentou expansão, refletindo o envelhecimento da frota de veículos e o baixo patamar alcançado depois da crise. Recentemente, as vendas retornaram para o patamar anterior à crise. O financiamento de veículos deverá seguir sendo o segmento mais dinâmico do crédito às famílias. Em relação ao crédito rotativo, nos EUA a modalidade mais importante é a de cartões de crédito. Nos últimos anos, tem sido observada relativa estabilidade do saldo total.
A situação de endividamento das famílias e o comportamento recente do crédito às pessoas
físicas demonstra o avanço na superação da crise, mas também problemas que ainda precisam ser solucionados. A evolução mais favorável vem do ajuste das finanças das famílias: as dívidas foram reduzidas e é possível vislumbrar um incremento da expansão do crédito total. De outro lado, o financiamento imobiliário ainda depende essencialmente do setor público e a reforma do sistema está distante. Além disso, é provável que haja uma desaceleração do crédito estudantil. Para 2015, a principal mudança esperada é um aumento da demanda por crédito imobiliário, o que está contemplado em nossa projeção para uma aceleração do PIB de 2,3% em 2014 para 2,9% em 2015. O crédito para veículos deverá seguir em expansão relativamente robusta. Por muitos anos ainda, contudo, o crédito não será o driver do crescimento, mas sim deverá crescer na medida compatível com o aumento da massa de renda das famílias.
Octavio de Barros - Diretor de Pesquisas e Estudos EconômicosMarcelo Cirne de Toledo - Superintendente executivoEconomia Internacional: Fabiana D’Atri / Felipe Wajskop França / Thomas Henrique Schreurs PiresEconomia Doméstica: Robson Rodrigues Pereira / Andréa Bastos Damico / Igor Velecico / Ellen Regina Steter / Leandro de Oliveira Almeida / Myriã Tatiany Neves BastAnálise Setorial: Regina Helena Couto Silva / Priscila Pacheco Trigo Pesquisa Proprietária: Fernando Freitas / Leandro Câmara NegrãoEstagiários: Ariana Stephanie Zerbinatti / Vanderley Rodrigues Gonçalves Junior / Lucas Zaniboni / Felipe Escandor Rubio / Thomaz Lopes Macetti / Victor Hugo Carvalho Alexandrino da Silva / Davi Sacomani Beganskas
Equipe Técnica
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