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Desafios emocionais ligados ao atendimento odontológico do paciente com necessidade especiais - Relato de Caso Laryssa Macêdo Bittencourt Henriques ¹, Nayara Neves de Morais 2 , Claudia Cristiane Baiseredo de Carvalho 3 Resumo Devido a pluralidade de pacientes que adentram os consultórios odontológicos diariamente, lidar com portadores de necessidades especiais é uma realidade cada vez mais frequente para os cirurgiões-dentistas, o presente estudo relata paciente portadora de transtorno do Espectro Autista que apresentou severas dificuldade interativas, causando transtornos e dificuldades no atendimento, que se tratava de uma simples avaliação onde foi feita a profilaxia e também foi constatada a necessidade de aplicação de Verniz Fluoretado (Duraphat) no dente 36, enfatiza- se que as expectativas técnicas e ansiedades dos profissionais precisaram ser superadas, sendo feito portanto, o atendimento possível respeitando as limitações da paciente. A pouca colaboração da mesma e as constantes estereotipias ocorridas no consultório evidenciaram alguns desafios emocionais enfrentados pelos cirurgiões-dentistas em atendimentos assim, buscou-se por tanto se ater além da necessidade de atenção às famílias de indivíduos que possuam necessidades especiais e a atenção ao próprio indíviduo, constatando a necessidade de maior atenção ao despreparo dos profissionais para atuar nesses casos e ainda aos desafios pessoais, psicológicos, morais e éticos que os mesmos enfrentam. Palavras- chave: Atendimento Humanizado; Desafio Emocional; Autismo. 1 Graduanda no curso de Odontologia da Universidade Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (FACIPLAC) 2 Graduanda no curso de Odontologia da Universidade Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (FACIPLAC) 3 Especialista em Endodontia, Mestre em Terapia Intensiva, Habilitação em Laserterapia e Odontologia Hospitalar Intensiva- CEMOI, Professora de Estomatologia, Emergências Médicas e Odontologia Hospitalar no Centro Universitário Faciplac. - Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias citados nesse artigo. Categoria: Relato de Caso Clínico Área: Atendimento odontológico a portadores de Necessidades Especiais INTRODUÇÃO O profissional de odontologia enfrenta desafios além dos técnicos, sendo ela uma área da saúde que lida com uma grande diversidade de pacientes, ele ocasionalmente vai se deparar com pacientes cujo atendimento pode apresentar certas dificuldades. Tendo em vista que o autismo, segundo a APAE (2017)

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Desafios emocionais ligados ao atendimento odontológico do

paciente com necessidade especiais - Relato de Caso

Laryssa Macêdo Bittencourt Henriques ¹, Nayara Neves de Morais2, Claudia Cristiane Baiseredo de Carvalho3 Resumo Devido a pluralidade de pacientes que adentram os consultórios odontológicos diariamente, lidar com portadores de necessidades especiais é uma realidade cada vez mais frequente para os cirurgiões-dentistas, o presente estudo relata paciente portadora de transtorno do Espectro Autista que apresentou severas dificuldade interativas, causando transtornos e dificuldades no atendimento, que se tratava de uma simples avaliação onde foi feita a profilaxia e também foi constatada a necessidade de aplicação de Verniz Fluoretado (Duraphat) no dente 36, enfatiza-se que as expectativas técnicas e ansiedades dos profissionais precisaram ser superadas, sendo feito portanto, o atendimento possível respeitando as limitações da paciente. A pouca colaboração da mesma e as constantes estereotipias ocorridas no consultório evidenciaram alguns desafios emocionais enfrentados pelos cirurgiões-dentistas em atendimentos assim, buscou-se por tanto se ater além da necessidade de atenção às famílias de indivíduos que possuam necessidades especiais e a atenção ao próprio indíviduo, constatando a necessidade de maior atenção ao despreparo dos profissionais para atuar nesses casos e ainda aos desafios pessoais, psicológicos, morais e éticos que os mesmos enfrentam. Palavras- chave: Atendimento Humanizado; Desafio Emocional; Autismo. 1Graduanda no curso de Odontologia da

Universidade Faculdades Integradas da

União Educacional do Planalto Central

(FACIPLAC)

2Graduanda no curso de Odontologia da

Universidade Faculdades Integradas da

União Educacional do Planalto Central

(FACIPLAC)

3Especialista em Endodontia, Mestre em

Terapia Intensiva, Habilitação em

Laserterapia e Odontologia Hospitalar

Intensiva- CEMOI, Professora de

Estomatologia, Emergências Médicas e

Odontologia Hospitalar no Centro

Universitário Faciplac.

- Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias citados nesse artigo. Categoria: Relato de Caso Clínico Área: Atendimento odontológico a portadores de Necessidades Especiais INTRODUÇÃO

O profissional de odontologia

enfrenta desafios além dos técnicos, sendo

ela uma área da saúde que lida com uma

grande diversidade de pacientes, ele

ocasionalmente vai se deparar com

pacientes cujo atendimento pode

apresentar certas dificuldades. Tendo em

vista que o autismo, segundo a APAE (2017)

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¹, atinge 2 milhões de pessoas hoje no Brasil,

ou seja, a cada 104 pessoas 1 apresenta

autismo, pode-se dizer que eventualmente

uma dessas cruzará a porta de um

consultório odontológico e a questão é,

saber se o profissional estará apto para

prestar esse tipo de atendimento.

O autismo é, como definido por

Bandim (2017) ² um transtorno que afeta

máxime o desenvolvimento afetivo, social e

cognitivo da criança, sendo ele uma das

síndromes mais destrutivas no que tange ao

desenvolvimento infantil do indivíduo.

Devido a tais restrições no desenvolvimento

e nas interações desses indivíduos,

pacientes portadores deste transtorno

tendem a colaborar pouco ou quase nada

com o cirurgião-dentista na hora dos

procedimentos necessários.

De maneira geral portadores de

necessidades especiais, sejam elas quais

forem, sofrem ainda determinado descaso

da sociedade que demonstra despreparo,

preconceito e principalmente uma

inaptidão para realizar atendimento a

necessidades básicas destes indivíduos³. Tal

afirmativa é reforçada na atualidade e

também mais especificada ás crianças nos

estudos de Fonseca (2010)4 e de Santos

(2011)5 que mostraram que as crianças

portadores de necessidades especiais (PNE)

ainda vem sofrendo preconceitos

decorrentes de suas limitações, o que

culmina em pais ou responsáveis receosos

que não seguem ou não procuram um

atendimento odontológico, ou até de

outras áreas da saúde, a fim de proteger

essas crianças de tais preconceitos.

Em contrapartida, Jorge et al. (2017)6

ressaltam que crianças portadoras de

necessidades apresentam maior

vulnerabilidade a doenças bucais quando

comparadas ao restante da sociedade, isso

se dá em decorrência de suas limitações

físicas e/ou mentais, que é um fator

determinante para o então crescente

aparecimento dessas crianças em

consultórios odontológicos.

Considerando-se os estudos de

Bonato et al (2012)7 os cursos superiores de

formação em odontologia no Brasil deixam

a desejar no que diz respeito a capacitação

desses profissionais para atendimentos

especiais. Nas 221 instituições de nível

superior com curso de odontologia

existentes no país, a disciplina de

“odontologia para PNES” é ofertada em

apenas 56 o que corresponde a 27,86%

sendo que em 8 dessas instituições a

matéria não estava disponível no momento

do estudo, a mesma é obrigatória em

apenas 34 dessas faculdades, sendo

optativa nas outras 14.

Pode-se dizer portanto que, em

suma, a categoria não está apta a esse

atendimento. Sendo assim deve se levar em

conta o desafio emocional que o cirurgião-

dentista enfrentará nesta situação. O

presente estudo tem por objetivo

identificar tais desafios, exemplificando-os

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por meio de um relato de caso, para assim

expô-los à comunidade acadêmica e

também à profissional a fim de que se

atenham os olhos à essa questão.

Revisão da literatura

Visando abordar as dificuldades

emocionais encontradas pelo profissional

de odontologia no mercado atual, no que

tange a pessoas portadoras de

necessidades especiais (PNE) aborda-se a

seguir o autismo que atinge hoje, segundo a

ONU (2015)8, 70 milhões de pessoas em

todo o mundo, o que culmina no

aparecimento de portadores desse

transtorno cada vez mais nos consultórios

de odontologia. O atendimento

odontológico a portadores de necessidades

é também um conteúdo de interesse para o

presente estudo visto que as técnicas e

abordagens teóricas desse atendimento são

de importância para o presente relato.

- Autismo

O autismo é conhecido por causar

diversos problemas no que diz respeito a

interações sociais, comportamentais e de

comunicação, o transtorno pode afetar

cada indivíduo de uma forma diferente se

tornando delicado e de difícil

acompanhamento tanto médico quanto

familiar, em muitos casos os pacientes

podem apresentar pouco ou nenhum

interesse em estabelecer relações sociais

com outras pessoas.

Segundo Schwartzman, (2003)9,

(2011)10 o Transtorno do Espectro Autista

(TEA) é um distúrbio de desenvolvimento

neurológico que causa mudanças na

qualidade e quantidade de interação social,

comportamental e comunicativa, podendo

ter diferentes níveis de gravidade.

O transtorno é desenvolvido

enquanto criança e pode ser diagnosticado

nos primeiros meses de vida. De acordo

com o Ministério da Saúde (2014)11 , a partir

dos doze aos vinte e quatro meses já é

possível observar os primeiros sintomas

relacionados ao TEA, sendo, dificuldade no

desenvolvimento da fala, ou atraso na

evolução da linguagem, podendo até

mesmo em casos mais graves apresentar

retrocesso.

O Ministério da Saúde (2014)11

informa que em algumas ocasiões pode-se

notar a existência de duas ou mais doenças

no mesmo paciente, podendo ser

deficiência intelectual, causado pela falta

ou pouca interação social, ou déficit

cognitivo e adaptativo podendo conter

também alterações comportamentais e

estereotipias.

Segundo Cadman et al.(2012) 12,

familiares ou pessoas responsáveis pelos

cuidados de pacientes diagnosticados com

TEA podem apresentar taxas elevadas de

estresse com relação às famílias de pessoas

que possuem desenvolvimento regular, ou

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seja, pessoas que não possuem o

transtorno, esse fator pode influenciar na

qualidade de vida familiar.

Assumpção e Sprovieri (2001)13

relata que o comportamento da família

perante a doença pode influenciar a

aceitação, interpretação e também o modo

como o paciente encara os desafios

propostos pelos familiares e cuidadores.

Um bom funcionamento psicológico e social

garante um bom quadro de satisfação de

harmonia e adaptabilidade. Ou seja, uma

boa capacidade de adequação da família

frente as situações potencialmente

estressantes.

Atendimento Odontológico a Portadores

de Necessidades Especiais.

Portadores de deficiências, e

necessidades especiais têm, de maneira

geral, maiores possibilidades de serem

acometidos por doenças bucais14. Isso se dá

por terem uma coordenação

comprometida, pelo consumo de

medicamentos que contém sacarose ou

ainda pela falta de diligência dos pais ou

responsáveis na realização da higiene

bucal6. Ruas et al., (2016)15 ressaltam que

outros fatores que levam a negligência aos

cuidados da saúde bucal dos PNEs são a

precariedade nos serviços odontológicos

prestados aos mesmos, o despreparo dos

profissionais da área, o preconceito sofrido

por eles e muitas vezes sentido pelos

familiares e também as condições

financeiras.

Quando se fala em despreparo de

profissionais para essa especialidade ou

ainda nos preconceitos sofridos por

pacientes e familiares de pacientes PNEs,

deve se levar em conta o que foi dito por

Castilho et al.(2014)16 , que este tipo de

tratamento requer do cirurgião-dentista

habilidades que vão além do conhecimento

específico da área da odontologia.

Em atendimentos a PNE’s, é de

fundamental importância que o cirurgião-

dentista se atenha aos aspectos emocionais

dos pacientes e familiares, levando em

conta o risco de segregação e o sentimento

de rejeição que eles sentem17.

Sabendo que a Humanização do

Atendimento pressupõe em uma

valorização do potencial humano, uma

humanização nesse tipo de atendimento se

faz imensuravelmente necessária, pois, são

esses casos que permitem ao cirurgião-

dentista, adquirir “sensibilidade social”

retirando-o da frieza dos métodos e

permitindo que este profissional seja

induzido a atender respeitando limites,

condições especiais e ainda vise o

atendimento integral18. (Castilho et al.

2014)16.

A recepção é um passo introdutório

primordial para que o indivíduo e seus

familiares, sintam confiança nos

procedimentos que se seguirão ao longo do

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tratamento odontológico. Isso é

fundamental, já que inúmeras vezes, para

que o tratamento seja realizado, é

necessária uma estabilização física e/ou

química e é necessário que a família esteja

informada e segura o suficiente da real

necessidade dos usos de tais técnicas. 16

Martins et. Al. (2013)19 ressaltam ainda que

em alguns casos se faz necessário até o

encaminhamento para anestesia geral, uma

vez que tenham sido exploradas todas as

tentativas ambulatoriais.

Silva et al. (2005)20 observam que

essas contenções físicas ou químicas,

podem aparentar de certa forma medidas

muito radicais ou agressivas, mas que as

são fundamentais para a correta efetuação

do tratamento odontológico. Entretanto é

sabido que a maioria dos em questão tenha

conhecimento científico bem como técnico

para lidar com possíveis intercorrências21.

Relado de Caso Clínico

Traz-se o relato do caso cuja

paciente apresentou-se à clínica

odontológica (FACIPLAC) para uma

avaliação e, se possível, a realização de um

tratamento, sendo ela portadora de

necessidades especiais (PNE). As técnicas e

abordagens utilizadas nos procedimentos

que se seguiram, tiveram por base artigos e

pesquisas especializadas no atendimento

humanizado e voltado a pacientes (PNEs)

que foram consultados pelos estudantes da

graduação, no papel de cirurgiões-dentistas

do caso, ao longo do processo de adaptação

da paciente que teve duração de 6 meses.

Paciente C. P. A, 13 anos, sexo

feminino, apresentando bom estado de

saúde, nunca tenha sido hospitalizada.

Portadora de autismo, realizando

tratamento de maneira regular com

Psiquiatra e fazendo o uso contínuo de

Risperidona.

(Figura 1) – Fotos da paciente, no

dia da consulta.

O autismo da paciente teve início

aos 3 anos de idade, após o abuso sexual, o

que justifica o avançado nível em que se

encontra atualmente. Sabendo que o

autismo se apresente de formas e níveis

diferentes, é importante ressaltar que no

em questão a paciente apresenta uma

grande variedade de sintomas, ou seja , a

mesma evita olhar nos olhos, não responde

quando é chamada, aparenta estar sempre

“no mundo dela”, não fala, ou quando fala

o faz de maneira muito vaga, não faz uso de

gestos para facilitar a comunicação e nem

mesmo entende o gesto de apontar, a

paciente apresenta também estereotipias

como sacudir as mãos, não interage com

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outras crianças e quando contrariada age

com histeria batendo as mãos na cabeça,

isso se dá porque a mesma sofre de autismo

nível 3, isto é , autismo grave cujas

alterações sociais e comportamentais se

mostram em graus mais limitantes.

Tais sintomas tiveram influência

direta na resistência da paciente quanto ao

atendimento odontológico sabendo que a

avaliação que seria realizada consiste

basicamente em I -Anamnese; II- Exame

clínico; III- Instruções de higiene oral; IV-

Exame radiográfico e início do tratamento

específico. Processos estes que exigiam

determinada colaboração da paciente, que

era relutante a qualquer aproximação física,

sendo assim, muitos dos sintomas

supracitados foram observados ao longo

dessas tentativas, como por exemplo

tentativas de deserção da clínica, reações

exageradas a qualquer tentativa de

comunicação e/ou aproximação.

Dados os fatos, diversas formas de

abordagem foram estudadas e testadas na

paciente a fim de obter êxito no

atendimento, e para tanto primordialmente

foi realizado um questionário de saúde

minucioso com a mãe, que nesse caso é a

responsável e era a acompanhante da

paciente, levando em conta que, como dito

por Silva OMP (2004)22 o paciente especial

se diferencia dos outros pacientes, porém,

não pelo estado de saúde bucal, e sim por

ter outras doenças, fora da área de atuação

de odontologia. Ter o conhecimento de

quais doenças seriam essas pode facilitar o

atendimento.

Após esse questionário e a

interação do caso da paciente, para o

atendimento priorizou-se a realização de

consultas curtas visando a harmonização da

paciente com o ambiente e conforme as

necessidades vinham surgindo tentou-se

fazer uso de técnicas odontopediátricas

dentre eles pode-se ressaltar a técnica

estabelecida por Addelston em 1959 que

englobou vários conceitos da teoria da

aprendizagem, nomeada “diga-mostre-

faça” (DMF) que consiste basicamente em

realizar esses três comandos

respectivamente23. A técnica foi aplicada no

condicionamento conforme apresentado na

(Figura 2) , e durante todas as consultas fez-

se o uso também comandos claros, curtos e

simples.

(Figura 2); Condicionamento sendo

feito com aplicação da técnica DMF.

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Não se pode dizer que tais técnicas

foram eficazes como o

esperado, ressaltando que as mesmas eram

constante e intercaladamente utilizadas,

mas a persistência dos estagiários, teve

grande impacto nas respostas positivas

durante esse processo, inclusive levando

em conta que os mesmos fizeram também

uso de técnicas não convencionais como

por exemplo a utilização de vídeos com

desenhos animados como forma de

interação com a paciente e distração da

mesma a fim de que ela se sentisse mais à

vontade no recinto.

Como exposto no Gráfico 1, a

evolução do atendimento, e

consequentemente da aproximação, à

paciente não foi rápida e nem fácil, mas se

apresenta em um padrão satisfatório, visto

que em alguns casos no meio odontológico

nem sempre se consegue fazer o

atendimento a portadores de TEA.

Como visto, a evolução foi

relativamente gradual. Após o 6º mês, o

atendimento foi efetuado como se pôde,

sendo que foi feita a Instrução de Higiene

Oral, juntamente com a mãe, levando em

conta que em se tratando de PNEs é de

fundamental importância ser dada aos pais

ou responsáveis tais instruções quanto a

manutenção da higiene bucal, conforme

ressalta Gonçalves (2012)17 . E ainda foi feita

uma análise a fim de buscar alterações

bucais, que pode ser visto na Figura 3 foi

identificado apenas uma cárie inativa no

dente 36, nos demais dentes, não foi

encontrado nenhuma alteração.

(Gráfico 1) Gráfico do êxito no atendimento.

Consulta 1 Consulta 2 Consulta 3 Consulta 4 Consulta 5

Gráfico do êxito no atendimento

Radiografia e início dotratamento

Aplicação de Verniz

Profilaxia

Exame Clínico

Contato Físico

Interação

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(Figura 3); Análise de alteração

bucal.

Sendo assim foi feita também a

profilaxia e sequencialmente a aplicação de

flúor mousse, constatou-se a necessidade

de aplicação de Verniz Fluoretado

(Duraphat) no dente 36, a mesma foi

efetuada tranquilamente, porém quanto ao

exame radiográfico, que no procedimento

ideal de avaliação seria feito, este foi

suprimido. Pois como foi dito por Fonseca

et. Al. (2010)4 , o profissional terá que ser

flexível pois no atendimento a PNE muitas

vezes pode não ser possível a realização do

procedimento ideal, mas sim do que é viável

fazer, ou seja, o tratamento real.

(Figura 4); Realização da profilaxia.

Discussão

Os autores deixam bem claro que

em casos de atendimento odontológico a

portadores de necessidades especiais a

colaboração e o relacionamento dos

profissionais com os pais ou responsáveis

fazem toda a diferença21 e ressaltam a

importância do estabelecimento desse

vínculo entre os profissionais-pais-

crianças24. Sabendo disso um dos desafios

emocionais que os profissionais

enfrentaram é o relacionamento com a mãe

uma vez que ela restringia as informações

ou se mostrava incomodada quando

solicitada a responder, prioritariamente

qualquer coisa sobre os citados abusos

ocorridos nos primeiros anos de vida da

paciente, fazendo com que se questionasse

a veracidade do fim dos mesmos, o que

projeta no psicológico do profissional a

possibilidade da continuidade desses

abusos e por que não dizer também da

possibilidade da conivência da mãe com tais

atos. Tendo como agravante para tais

projeções o fato de que desde as primeiras

tentativas de aproximação com a paciente a

mesma fazia gestos e sinais com explicitas

conotações sexuais.

O arcabouço teórico muito defende

que o emocional da família deve ser levado

em conta quando se trata de atendimento

odontológico para PNEs17, pois como dito

por Camera (2011)25 , esse profissional

precisa se ater que essas famílias sofrem,

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mudanças na rotina, no andamento do lar e

ainda constantes dúvidas desde o

recebimento do diagnóstico, ou seja, há

uma série de fatores que vão além da

higiene bucal que leva-os a ter

comportamentos de superproteção ou

quiçá rejeição. Porém o presente artigo

acrescenta que o emocional do profissional

também deve ser priorizado.

Constantemente apresentou-se as

dificuldades dos cirurgiões-dentistas em

realizar atendimentos a PNEs, mas uma

unanimidade entre os profissionais foi que

pacientes portadores de TEA são os que

apresentam mais resistência e dificuldades

no atendimento, isso se dá muito

possivelmente devido ao autismo ser

definido basicamente por limitações

qualitativas de comunicação, interações

sociais e afins. E em algumas narrações

transcritas por profissionais pode-se se

notar um sofrimento psíquico por parte do

cirurgião-dentista4.

Há de se considerar que desde o

acolhimento até o fim do tratamento

muitas são as atribuições do cirurgião-

dentista, tanto no que tange a criação de

um vínculo com os pais, quanto nas

expectativas para o atendimento, geradas

em si e no paciente, o que pode gerar uma

sobrecarga emocional nesse profissional.

Havendo ainda para contribuição dessa

sobrecarga especificidades desses casos, já

que neles as expectativas são também

divididas com os responsáveis, há

preocupações com as técnicas

odontológicas sendo suprimidas, por vezes

até cansaço físico, ansiedades geradas

antes da consulta devido a frustrações

anteriores com o paciente ou com outros

portadores do mesmo transtorno, dentre

outros fatores no caso em questão ainda

permeiam questões de ordem ética, moral

e psicológica que muito afetaram os

profissionais.

Por se tratar de um relato de caso

os desafios aqui apresentados limitam-se ao

caso específico, no entato o tema é de suma

importância para a academia e deve ganhar

atenção em estudos posteriores mais

aprofundados e de maneira mais

abrangente. Visto que o estudo de Fonseca

(2010)4, aqui citado apenas expõe a

dificuldade que os mesmos têm em

reconhecer que são humanos, com

problemas pessoais, ansiedades e que

também geram expectativas quantos aos

seus atendimentos. Descrevendo, porém

não se atendo devidamente aos desafios

enfrentados pelos cirurgiões-dentistas

nesse atendimento especializado, nem em

como minimiza-los a fim de presar pelo

psicológico do profissional.

Muito deve ser discutido para suprir

as necessidades dos pacientes com TEA nos

serviços odontológicos, porém é fatídico

que estudos em prol do enfrentamento

desses desafios emocionais bem como

reconhecimento das dificuldades e

limitações pessoais por parte dos

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cirurgiões-dentistas. Nesses casos, precisa

ser feito e devidamente tratado afim de que

se tenham profissionais cada vez mais

preparados a suprir essas demandas.

Conclusão

O caso relatado evidenciou desafios

emocionais, que os profissionais da

odontologia enfrentam diariamente em

atendimentos a portadores de

necessidades especiais, desafios que não

estão tendo a devida atenção, vê-se,

portanto, que esses precisam ser

explorados a fim de minimizar influências

dos mesmos no bom funcionamento de um

atendimento especializado a portadores de

TEA, como no caso, lidar com esses desafios

que afligem os cirurgiões-dentistas

proporcionaria melhor interação com a

família pois qualquer insegurança do

profissional pode ser sentida pelos

familiares já muito sensibilizados devido as

condições limitantes do PNE. Profissionais

preparados emocionalmente em um

sistema que se preocupa com o psicológico

deles resultaria num atendimento de maior

sucesso a tais pacientes.

Abstract Due to the multiplicity of patients entering dental offices every day, deal with people with special needs is an increasingly frequent reality for dental surgeons. The present study reports a patient with Autism Spectrum Disorder who presented severe interactive difficulties, which caused disorders during patient care. The procedure was a simple evaluation from where the prophylaxis was done and also the necessity of Fluoride Varnish’s (Duraphat) application on tooth 36. It’s emphasized that the technical expectations and anxieties of the professionals must be overcome, to ensure the best possible service, in a way that respects the limitations of the patient. The low collaboration of hers and the constant stereotypes occurred in the clinic evidenced some emotional challenges faced by the dental surgeons in this kind of situation. It was sought to focus beyond the need of attention to the families of individuals who have special needs and the attention, to also note the need of giving greater attention to the professionals who are unpreparedness to act in these types of cases and to the personal, psychological, moral and ethical challenges that they face. Key-words: Humanized Service; Emotional Challenge; Autism.

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